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Novelas de Faroeste
Volume VIII
L P Baçan
Copyright © 2015 L P Baçan
Todos os direitos reservados. Este livro ou
parte dele não pode ser reproduzido ou
usado de qualquer outra forma nem
divulgado sem a expressa autorização do
autor, exceto o uso de partes para referência
ou comentários.
ISBN 978-1-329-81627-5
Lulu Press, Inc. 3101 Hillsborough St, Raleigh, NC 27607
2015
O Velho e Selvagem Oeste
No Velho e Selvagem Oeste, o saloon era
o local mais movimentado e frequentado da
cidade. Ali aconteciam shows, dança, jogo e
muitas brigas. Ali se encontravam mocinhos
e bandidos, pistoleiros e desafiantes,
mulheres bonitas e perigosas. A maior parte
das histórias de faroeste passava por ele.
Dos ambientes mais simples e rudes aos
mais sofisticados, todos, indistintamente
acolhiam moradores e forasteiros, cada um
com sua história, cada um com seu destino.
Famosos pistoleiros criaram fama nesse
local. Outros ali encontraram a morte, na
boca esfumaçada de um Colt. A fumaça da
pólvora negra era o manto lúgubre que
cobria mais um morto. Um punhado de
serragem era jogado sobre a poça de
sangue. Uma rodada gratuita de uísque
barato era servida e minutos depois
ninguém mais se lembrava do ocorrido.
Afinal, o Oeste era mesmo um lugar
selvagem e as Novelas de Faroeste mostram
isso.
A Vingança do Caçador
Amanhecia nas montanhas ao norte de
Santa Fé. O sol projetava-se generosamente
nas encostas gramadas, onde pastavam
algumas dezenas de cabeças de gado
Longhorn e mustangues selvagens ainda.
A explosão deixou o gado inquieto e
assustou os cavalos, que galoparam para
longe, enquanto o eco ribombava por entre
as elevações rochosas.
Madson Jack acordou sobressaltado com
a explosão. No momento seguinte, o bebê
começou a chorar alto, também acordado
pelo barulho inesperado.
— Maldito seja você, Wink Van Horn!
— gritou ele, irritado, saltando da cama.
Hannah, sua mulher, já acudia o bebê,
tomando-o no colo e tentando acalmá-lo.
Madson saiu para o quintal de sua
cabana, olhando os cavalos correndo em
debandada, no meio do gado agitado.
— Você precisa ir lá falar com ele,
Madson — falou-lhe Hannah. — Se não
puder parar com as explosões, pelo menos
que as faça mais tarde, quando o bebê já
estiver acordado.
— Esse sujeito é louco, achando que vai
encontrar prata nas terras dele. Devia estar
criando cavalos e gado, ao invés dessa
loucura. Vai acabar fazendo com que os
cavalos se arrebentem de tão loucos que
ficam. Vou lá agora mesmo falar com ele —
decidiu-se Madson, vestindo-se e saindo.
Parou, por instantes, no meio do quintal,
depois retornou e apanhou seu cinturão,
afivelando-o nos quadris.
— Acha que vai precisar disso? —
indagou Hannah, apreensiva.
— Como eu disse, aquele sujeito é louco
— afirmou Madson Jack, indo selar seu
cavalo.
Momentos mais tarde galopava na
direção do rancho de Wink Van Horn, um
holandês meio doido, que comprara aquelas
terras e cismara que encontraria prata nelas.
Vinha explodindo aquelas bombas havia
alguns dias. As vacas leiteiras de Madson
simplesmente pararam de dar leite, após o
início das explosões.
Não precisou cavalgar muito. Wink vinha
fazendo as pesquisas numa encosta próxima
à divisa dos dois ranchos. Viu o grupo de
homens logo abaixo. Galopou naquela
direção. Eles gritaram e acenaram. Madson
olhou a sua esquerda. Viu, não muito longe
dele, a fumaça do estopim.
— Cobra dos infernos! — praguejou ele,
esporeando seu cavalo na direção oposta.
Mal havia se afastado, a explosão sacudiu
a montanha sob ele e jogou fragmentos de
pedra para o alto. A fumaça e a poeira
demoraram para se assentar, dando-lhe
tempo de chegar até os homens.
— Diabos, vizinho! Quase o mando pelos
ares — falou Wink, com seu sotaque
carregado.
Junto dele estavam um engenheiro de
minas e dois homens que chegaram ali com
o holandês. Um deles tinha todas as
características de um pistoleiro. Vestia
roupas pretas, com um colete de couro,
onde se destacavam botões de prata. Usava
um cinturão com dois coldres. Seus Colts
eram reluzentes, com coronhas de
madrepérola. Tinha um chapéu de abas
retas, de onde se sobressaía uma pena de
águia. Seu olhar era sinistro.
Madson não gostara dele deste a primeira
vez que o vira. A antipatia parecia ser
recíproca, pois o pistoleiro o encarava com
olhos frios.
— Diabos, homem! Não pode começar
com essas explosões um pouco mais tarde?
Todos os dias você quase mata meu filho de
susto. O bebê não tem três meses ainda.
— Eu sinto muito, Madson, mas preciso
aproveitar todo o tempo de que disponho —
falou o homem alto e forte, com a pele
rosada, indo apanhar um pouco de café no
bule que aquecia junto a uma fogueira.
O engenheiro foi preparar nova explosão,
acompanhado pelo outro homem, que
parecia ser o entendido em dinamite. O
pistoleiro foi se encostar numa árvore e, de
longe, ficou apenas observando as ações do
rancheiro.
Estranhava que Madson usasse o cinturão
com a arma. Jamais o vira armado antes.
— Podíamos fazer um acordo, Wink.
Você começa as explosões após eu ter
tempo de acordar o bebê, amamentá-lo e
depois levá-lo para longe. E também de
levar meu gado para outro pasto.
— Suas terras são enormes, Madson.
Tenho certeza que há prata nelas também.
Por que não as vende para mim? Ou
façamos uma sociedade para explorá-las.
Nada de gado e cavalos. Você vai ficar
rico...
— Não, Wink. Não comprei estas terras
para ficar rico. Só o fiz para ter um pouco
de sossego e poder criar minha família
tranqüilamente.
— Está jogando dinheiro fora...
O engenheiro fez um sinal de longe.
Novo estopim foi aceso. Os homens
trataram de se proteger atrás das árvores. A
nova explosão foi mais forte que a anterior,
jogando detritos para o alto.
A paisagem, ali, estava totalmente
alterada. Quando a poeira e a fumaça
novamente se assentavam, o engenheiro
apareceu, trazendo alguns fragmentos de
rocha nas mãos.
— Eu disse que estávamos perto — falou
ele, mostrando as rochas.
Engastadas no meio das pedras, viam-se
pequenos filetes de metal brilhante. Era o
minério de prata. Aquela configuração
indicava que, nas imediações, havia um
veio muito rico. A questão ali era saber em
que direção estava o veio.
— Eu lamento, vizinho, mas vou ter que
incomodá-lo mais um pouco ainda, pelo
menos até sabermos em que direção está o
veio principal. Então abriremos ali um túnel
e as escavações serão menos barulhentas.
— Então, pelo menos, prometa-me que
só vai iniciá-las uma hora após o sol nascer.
É o tempo que preciso — pediu Madson.
— Está bem, acho que posso fazer isso
— afirmou Wink.
Não fora um resultado satisfatório, mas,
para Madson Jack, já era o bastante. Cedo
ou tarde aquele maluco desistiria daquela
bobagem e a paz voltaria às montanhas.
Quando foi apanhar seu cavalo, Concho
Valentine, o pistoleiro, pôs-se entre ele e o
animal.
— Vejo que está usando uma arma —
comentou, apontando o Colt que pendia no
cinturão de Madson.
— Sim, parece que todos usam uma arma
por aqui. Isso o surpreende?
— Sabe usá-la? — indagou o pistoleiro.
— Não, eu a uso apenas como enfeite —
respondeu Madson Jack, encarando o outro
sem se impressionar.
— Pode se machucar, se não souber usá-
la. Acha que pode fazer isto? — indagou
Concho, sacando, com extrema rapidez,
uma de suas armas e disparando contra um
galho da árvore mais próxima, cortando-o.
Antes que o galho tocasse o solo, o
pistoleiro disparou de novo, cortando-o ao
meio.
Junto à fogueira, Wink olhava com
satisfação o desempenho de seu pistoleiro.
— Estou impressionado, moço. Você
atira muito bem — afirmou Madson,
contornando-o para ir apanhar seu cavalo.
— Não quer nos mostrar como sabe
atirar, vizinho? — provocou-o Wink.
— Ou talvez ele não saiba — zombou
Concho.
— Não carrego uma arma para ficar me
exibindo. Uso-a quando encontro cobras ou
outros bichos peçonhentos. Então eu a tiro
do coldre. Normalmente acerto onde aponto
— falou o rancheiro, com seriedade,
olhando o pistoleiro nos olhos.
Concho riu zombeteiramente, girando o
revólver no dedo indicador, antes de
encaixá-lo no coldre, num movimento
rápido e hábil.
Madson virou-lhes as costas e esporeou
seu cavalo. Definitivamente não gostava de
Concho. Wink também não se esforçava
para ser simpático. Não via a hora de
terminarem com aquelas explorações.
— E então? — indagou Hannah.
— Essas porcarias de explosões ainda
continuarão por algum tempo. Estive
pensando no caminho para cá. Por que não
vai para a cidade e fica na casa de sua irmã,
até tudo terminar? — sugeriu ele.
— De jeito nenhum, Madson Jack. Esta é
nossa casa e não sairemos daqui assim tão
fácil. Se o gado pode suportar essas
explosões, nós também o faremos.
— Não vou nem discutir com você. É
mais teimosa que uma mula. Vou buscar
aquelas vacas que deixei no vale, junto ao
rio. Acho que já estão dando leite e poderão
substituir as nossas.
— Mas se trazê-las para cá, vai acontecer
o mesmo com elas.
— Não temos escolha, Hannah. O bebê
precisa de leite. Vou deixá-las o mais
distante possível.
— Vai ter de cavalgar o dia todo para
trazê-las aqui.
— Não importa. Precisamos delas. Pode
preparar alguma coisa para eu comer no
caminho?
— Sim. Fique com o bebê enquanto eu
preparo — disse ela, entregando-lhe a
criança.
Com o bebê no colo, Madson Jack
caminhou até que toda a beleza daquelas
encostas se descortinassem diante dele.
— Veja, Kiddo! Daqui até onde a vista
alcança, e muitos acres além ainda, é tudo
nosso. Vamos enchê-la de gado e de
crianças. Cresça logo, case-se e tenha uma
porção de filhos. Vamos precisar de toda
ajuda possível — comentou ele.
Era muita terra. Os sonhos de Madson
eram grandes também. Tinha a terra que
sempre sonhara, uma mulher que o amava e
seu primeiro filho. Com o tempo viriam
outros. Queria uma família bem numerosa.
Queria vê-los cavalgando por aquelas
encostas, tornando aquele a mais rico e mais
próspero rancho da região de Santa Fé.
Nova explosão fez o bebê saltar em seu
colo.
— Cobra dos infernos! — exclamou ele.
O bebê encolheu-se todo e começou a
chorar. O rancheiro foi para a cabana.
— Pobrezinho, Hannah! Devia ir para a
cidade com ele, até o maldito Wink
terminar essa droga de pesquisa...
— Madson Jack, já lhe disse uma porção
de vezes para não falar palavrões na frente
do bebê — repreendeu-o ela.
— Diabos, Hannah! Ele nem sabe o que é
isso...
— Mas um dia saberá, se continuar
repetindo-o diante dele.
— Está bem — concordou ele, passando
o filho para ela e apanhando o alforje que
ela havia preparado.
— Se não conseguir chegar antes do
escurecer, pare e acampe. Não tente
cavalgar no escuro, como fez da última vez.
— Certo, patroa! — brincou ele,
beijando-a e depois beijando o bebê.
Momentos mais tarde, descia a encosta a
galope
No Santa Fé Saloon e Hotel, algumas
horas mais tarde, quatro homens ocupavam
uma das mesas ao fundo, na ala do
restaurante debruçando-se sobre os pratos
de comida como se aquela fosse sua última
refeição.
Tinham as capas de viagem amontoadas
na mesa ao lado. Estavam cobertas de
poeira. Haviam cavalgado muito para
chegar até ali.
Kate, a garota que servia as mesas,
aproximou-se, trazendo mais filés fritos.
Deixou a travessa sobre a mesa e ficou
olhando a maneira desesperada como eles
comiam.
— O que está olhando aí, garota?
— Nada. Nunca vi ninguém com tanta
fome...
— Culpa desse cretino aí que não
calculou a quantidade de comida necessária.
Estamos há dois dias sem comer —
explicou um deles.
— Eu tenho culpa se vocês comem como
cavalos? — defendeu-se aquele que estava
sendo acusado.
— De Tucson até aqui é uma longa
caminhada, seu idiota. Devia ter pensado
nisso — acrescentou um outro. — Traga-
nos mais feijão, garota.
— Está bem — concordou ela, afastando-
se para retornar em seguida com outra
tigela.
Deixou-a sobre a mesa e foi cuidar dos
outros clientes. Naquele momento, Concho
Valentine entrou no restaurante, com seu ar
sinistro de sempre.
Examinou o ambiente com os olhos. Viu
os homens ao fundo. Esboçou um sorriso de
satisfação, enquanto caminhava na direção
deles.
— E então, seus bastardo! — disse ele,
puxando uma cadeira e sentando-se com
eles.
— Ei, Concho, seu filho da mãe.
Pensamos que tivesse morrido. Mal pude
acreditar, quando recebi sua carta — disse
um deles.
— Fizeram boa viagem?
— Exceto por um ou dois percalços,
graças a essa besta aí do seu lado —
respondeu o outro.
— Eu já disse que trouxe comida
suficiente para todos. Só não esperava que
comessem como lobos — defendeu-se de
novo o pistoleiro.
— Continuam os mesmos. Não se
entendem, mas continuam juntos. Fico
contente que tenham vindo, rapazes, pois
tenho um serviço rápido para vocês. Rápido
e lucrativo.
— Quão rápido e quão lucrativo? —
indagou o que os liderava, cujo nome era
Dening Stone.
— Trabalho para esta noite mesmo.
Quinhentos dólares para cada. Vocês
partem hoje à noite mesmo.
— Hoje mesmo? Não vemos uma cama
há dias... Não durmo com uma garota há
mais de uma semana... Concho, podemos
partir amanhã cedinho... — falou o rapazola
chamado Joseph Sanders.
— Com quinhentos dólares no bolso
poderá dormir com muitas garotas, quando
estiver de volta a Tucson, Joe.
— Até com duas de cada vez, se agüentar
com elas — zombou o sisudo Lubock
Coolidge.
— Essa foi boa, Lubock! — riu Lou
Newcomb, o caolho.
— Chega de palhaçada, rapazes. Vamos
falar sério com Concho agora —
repreendeu-os Dening Stone. — O que
vamos ter que fazer para merecer essa
grana, Concho?
— Fácil! Nas montanhas, ao norte daqui,
há um rancho que domina boa parte das
encostas e vales. O dono é um maluco que
veio ninguém sabe de onde. Vocês só tem
que ir até lá e matá-lo, juntamente com a
família dele.
— Só isso? — indagou Joe.
— Sim, só isso. Se quiserem saquear a
casa, tudo bem. Se quiserem se divertir com
a mulher dele, não me importo. Só quero
que partam na mesma noite e tratem de
despistar ao máximo. Da mesma maneira
como chegaram, vocês vão sair. Seria
prudente, inclusive, que não ficassem na
cidade, que seguissem em frente, dando a
entender que apenas estavam de passagem.
Entendido?
— Certo. E quando receberemos o
dinheiro?
— Agora mesmo. Aqui neste envelope
está o dinheiro e o mapa da região. A casa
está assinalada. Não há como errar. Vão lá
após o escurecer. Lembre-se: não deixem
pistas. Entendido?
— Entendido, Concho. Sem testemunhas
e sem pistas, não é?
— Exatamente. Até a próxima vez,
rapazes. Quando eu ficar rico, mando
buscá-los para trabalharem para mim —
prometeu Concho, retirando-se.
Assim que o pistoleiro saiu do saloon,
Dening abriu o envelope. Havia uma porção
de notas graúdas lá dentro.
— Diabos, Stone! — reclamou Joe. —
São notas graúdas.
— Não importa, seu idiota! Podemos
trocá-las no banco. Aliás, vá fazer isso
agora mesmo, enquanto eu o os outros
estudamos este mapa.
— E não pense em fugir com o dinheiro
— alertou-o Lou.
— Eu jamais faria isso com vocês,
rapazes — sorriu Joe, piscando um olho,
antes de sair rapidamente.
— Acha que é seguro deixá-lo ir
sozinho? — questionou Lubock.
— Não sejam idiotas! Joe é incapaz de
dar um passo sozinho. Não se preocupem. O
dinheiro está seguro com ele. Vamos ver
este mapa agora — determinou o chefe do
grupo.
Entardecia. Madson tentava apressar as
vacas e bezerros que conduzia, mas não
conseguia. Os pequenos animais paravam a
todo momento, cansados, enquanto as
vacas, com as tetas pesadas de leite, não
conseguiam caminhar mais depressa.
— Cobra dos infernos! — praguejou ele,
olhando o céu.
Não conseguiria chegar antes do
escurecer. Subir aquelas encostas era um
esforço adicional para aqueles animais e ele
se convenceu que forçá-los era inútil.
Teria que acampar e passar a noite em
algum ponto. Na manhã seguinte retomaria
a jornada.
Escolheu um vale estreito, entre duas
encostas, com uma regato que brotava
límpido e fresco das pedras. A pastagem era
boa e a água suficiente.
Acendeu uma fogueira, depois foi
apanhar o alforje onde Hannah havia posto
a comida e os utensílios de cozinha: a
frigideira e a chaleira para o café.
Trouxe também os cobertor grosso,
suficiente para forrar a relva e cobrí-lo.
Enquanto a fogueira começava a arder, foi
retirar a sela do cavalo e preparar a cama
para aquela noite.
Não gostava de ficar longe do rancho
nem de Hannan e o bebê embora isso, às
vezes, fosse necessário. Tinha um trabalho a
fazer ali. Era muita terra, talvez mais do que
realmente precisasse, mas Madson Jack
empregara nela todo o dinheiro sangrento
que ganhara naqueles dez anos como
caçador de recompensas.
Era algo que nem Hannah sabia. Por
muito tempo, antes de conhecê-la, Madson
havia cavalgado por todo o oeste,
perseguindo rostos que conhecia apenas em
cartazes.
Escolhia sempre os mais perigosos,
porque eram os que rendiam mais. Era um
trabalho nojento, mas era o que sabia fazer.
Aprendera muito cedo a usar uma arma.
Agora, depois que se casara e comprara
aquele rancho, não voltara mais a usar uma
arma. Guardava as suas porque sabia que
cruzaria com serpentes e pumas naquelas
montanhas. Além disso, desde os doze anos
que se habituara ao peso de uma arma em
seus quadris. Era difícil livrar-se disso
agora.
Levava sempre consigo o Colt de seis
tiros, calibre quarenta e cinco, num cinturão
com trinta balas, uma Winchester do mesmo
calibre e, eventualmente, uma Overland, de
canos duplos e curtos, de grosso calibre,
com pelo menos mais vinte cartuchos.
Eram armas especialmente preparadas
para uso imediato e certeiro. O Colt
deslizava facilmente do coldre. A
Winchester tinha a alavanca de
engatilhamento leve e macia, com um
gatilho sensível, de ação curta. A Overland,
quando aberta, expelia longe os cartuchos
usados, facilitando o remuniciamento.
— Cobra dos infernos! — murmurou ele,
quando tentou se lembrar de quantos
homens matara.
Havia sido um bom número deles, desde
ladr·es de diligências ou trens, até
assassinos comuns. Todos os que perseguiu,
Madson Jack conseguiu entregar à justiça.
Nem sempre vivos.
Quando percebeu que o sol escondia-se
lentamente no horizonte, Hannah entendeu
que Madson não conseguiria chegar a
tempo. Torceu para que ele não bancasse o
cabeça dura e acampasse, evitando cavalgar
à noite.
Estava concentrada em seus afazeres,
quando ouviu o cachorro latir.
Ao sair à janela para olhar, viu um
cavaleiro que se aproximava, vindo da
cidade. Mesmo naquela distância, podia
deduzir que era Johnny, seu irmão.
Foi buscar o bebê. Johnny adorava o
sobrinho.
— Ei, Kiddo! — gritou de longe o
cavaleiro e o nenê agitou-se nos braços da
mãe.
Os dois sempre faziam muita festa juntos.
Era incrível como o pequeno Kiddo
reconhecia a voz do tio.
Johnny saltou do cavalo agilmente.
Trazia algo nas mãos. Era um brinquedo de
chocalho, que agitou diante dos olhos
brilhantes e vivazes do bebê.
Pegou-o no colo e brincou com ele, sob o
olhar enternecido de Hannah.
— Cadê o Madson?
— Foi ao vale, buscar umas vacas
leiteiras. Nosso vizinho anda fazendo umas
explorações com dinamite e as vacas
leiteiras pararam de dar leite.
— Dinamite? O que ele anda
procurando?
— Disse que há prata nestas terras...
— E pode estar certo — afirmou o rapaz.
— Acha mesmo?
— Pelo menos é o que comentam na
cidade. Acho que o Madson podia fazer
algumas pesquisas também. Prata é muito
mais lucrativa do que cavalos e gado...
— Tente sugerir isso a ele.
— Ele tem muita terra aqui. Mesmo que
explore uma mina de prata, sobrará espaço
para os cavalos e o gado.
— Madson não comprou isto aqui para
ter lucro ou ficar rico. Quer apenas o
suficiente para nós. De qualquer modo, se
houver prata por aqui, ficará para nossos
filhos ou nossos netos. Eles poderão decidir
o que fazer.
— Muito esquisito esse meu cunhado —
comentou Johnny, brincando sempre com o
bebê.
— Por que diz isso?
— Foi preciso muito dinheiro para
comprar estas terras. Sabe como ele o
conseguiu?
— Madson sempre me disse que herdou
de um tio, em Nova Iorque. Sempre achei
desagradável comentar o assunto. Mas
deixemos isso para lá. Vai passar a noite
aqui, não?
— Sim, claro. Vim para ficar alguns dias.
Talvez ajude Madson a fazer aquele novo
curral.
— Ótimo! Ele vai apreciar sua ajuda.
Vamos entrando agora. Vou preparar uma
sopa para nós. Acho que Madson não
voltará esta noite.
Entraram. Enquanto conversavam,
Hannah preparava o jantar. Tudo era
tranqüilidade ali.
Então o cachorro começou a latir.
— Deve ser o Madson chegando —
comentou Hannah.
— Vou dar uma olhada — falou Johnny,
saindo à porta da cabana e olhando ao redor.
O cachorro latia, voltado na direção da
trilha que vinha da cidade.
— Acho que meu cavalo o está
incomodando. Vou tirar-lhe o arreio e soltá-
lo no curral — falou Johnny, entrando e
depositando o bebê no berço.
O cão ganiu e parou de latir. Aquele
silêncio repentino fez com que os dois
irmãos se entreolhassem.
— Johnny! — murmurou ela,
incomodada.
— Fique com o bebê. Vou ver o que está
havendo — disse ele, sacando sua arma.
Havia deixado a porta aberta. Quando
caminhou na direção dela, um homem
surgiu diante dela. Segurava uma
espingarda de cano duplo.
Tomado de surpresa, Johnny nem teve
tempo de reagir. A explosão sobressaltou-o,
ao mesmo tempo em que se via atirado para
trás, para cima da mesa.
Seu peito estava crivado de chumbo.
O bebê gritou, assustado. Hannah correu
até ele, apanhando-o e protegendo-o em
seus braços. Seus olhos estavam fixos na
porta, onde um a um aqueles quatro
homens, vestindo capas empoeiradas, foram
entrando e olhando-a com ar sinistro.
— Vão embora daqui! — gritou ela,
tentando correr para o quarto.
Joe Sanders antecipou-se a ela, barrando-
lhe a passagem.
— Deixem-nos em paz... Vão embora! —
gritou ela novamente.
— Moça, é melhor deixar o bebê no
berço. Temos coisas a resolver — falou
Dening, apontando-lhe a espingarda que
acabara de recarregar.
— Quem são vocês... O que querem
aqui?
— Apenas conversar...
Lou e Lubock apanharam o cadáver de
Johnny, atirando-o lá fora, ante o olhar
horrorizado de Hannah. Percebeu que o
bebê corria perigo, ficando com ela.
Lentamente foi até o berço e depositou ali
o bebê, que ainda chorava.
— Faça o bebê ficar quieto, Joe. Você
sempre teve muito jeito com crianças —
ordenou Dening.
— Deixe comigo, Dening — falou o
rapaz, indo até lá.
Hannah estava em seu caminho. Ele a
segurou pelo braço e puxou-a, jogando-a
para cima de Lou Newcomb, que a agarrou
pelo pescoço e a obrigou a olhar.
Joe ergueu com uma das mãos o bebê,
que esperneava e chorava. Hannah debateu-
se, tentando ir em auxílio do filho. Sem que
pudesse fazer nada para impedí-lo, Joe
sacou uma faca e simplesmente cortou a
garganta do bebê, que parou imediatamente
de chorar, debateu-se mais um pouco na
mão dele, depois imobilizou-se, banhado de
sangue.
O assassino depositou-o de volta ao berço
e cobriu seu corpo.
— Pronto, Dening. Problema resolvido
— afirmou ele, com seu ar quase demente e
as mãos sujas de sangue.
— Maldito bastardo! — gemeu Hannah,
com a força de uma fera encurralada,
livrando-se do braço que a prendia e
avançando contra Joe.
De passagem pela mesa, ela apanhou uma
faca de cozinha e cravou-se violentamente
no ombro esquerdo do pistoleiro. A lâmina,
com a violência do golpe, enterrou-se até o
cabo.
Não satisfeita, ela agarrou-o pelo rosto e
suas unhas traçaram sulcos profundos na
pele dele.
Joe urrou de dor, recuando, enquanto
Lubock e Lou agarraram Hannah,
imobilizando-a.
— É uma gata selvagem. Vamos nos
divertir muito com ela — comentou Dening.
— Prefiro morrer — gritou ela, tentando
atingí-lo com um pontapé.
Dening desviou-se e, no momento
seguinte, esmurrou-a no queixo com força,
atordoando-a.
Sacou a faca, enquanto Joe, apoiado na
parede, olhava o sangue que escorria
lentamente do local onde a faca estava
cravada.
— Dening, ela me acertou... Maldição!
Estou ferido... — gemeu o rapaz, segurando
o cabo da faca e tentando tirá-la.
A dor foi lancinante. Ele tentou mover o
braço esquerdo, mas estava paralisado. O
sangue continuava brotando, lento e
constante. Ele puxou a toalha da mesa e pôs
encima.
— Segurem-na, rapazes! — ordenou
Dening, tirando o cinturão.
Com sua faca ele cortou as roupas de
Hannah, despindo-a. Depois, abaixou suas
calças. Os outros sorriam de satisfação,
esperando a sua vez. Até Joe esqueceu-se
do ferimento para observar o corpo nu e
desejável da mulher.
Naquele dia, Wink Van Horn acordou
mais tarde do que de costume. Sua esposa,
como sempre, já havia se levantado e a
mesa do desjejum estava pronta quando ele
se sentou.
— Por que se levantou tão tarde hoje?
— Vou ao Rancho Jack, falar com
Madson. Ele esteve ontem lá onde fazemos
as explorações. Acho que não lhe dei toda a
atenção que merecia. As explosões andam
assustando o bebê deles e parece-me que há
um problema com as vacas leiteiras...
— É, acho que devia mesmo fazer isso. É
uma boa gente e Hannah me ajudou muito,
quando nos mudamos para cá. Lembra-se
disso?
— Sim, claro, como poderia me esquecer.
Vou até lá agora cedo.
— Leve-lhe algumas compotas que fiz.
Foi ela quem me ensinou, por isso creio que
gostará do presente.
— Está bem. Deixe tudo preparado. Vou
selar o cavalo.
Algum tempo depois, quando o sol
firmava-se no céu, anunciando mais um dia
radiante, com o alforje cheio de vidros de
compota, Wink Van Horn preparava-se para
sair.
— Onde vai agora, Sr. Van Horn? —
indagou-lhe Concho, surpreso. — Esperava-
o.
— Vou até o rancho de Madson Jack
levar alguns vidros de compota...
— Quer que eu vá junto?
— Não, eu faço isso sozinho. Fique e
cuide do engenheiro e do técnico em
explosões. Quero mais algumas explorações
hoje, naquela direção que tomamos ontem.
— Pode deixar, patrão. Cuidarei de tudo
— falou o pistoleiro.
Wink esporeou seu cavalo, afastando-se.
O sol forte jogava luz e cores naquelas
encostas verdejantes. Enquanto cavalgava,
ele imaginava a fortuna em minério de prata
que poderia existir sob os cascos do cavalo.
Sabia que estava no caminho certo agora.
Encontrar aquele veio de prata fora um
sonho, desde que havia passado por ali,
certa vez, e analisado a composição do
terreno.
O que ninguém sabia era que Wink Van
Horn, na Holanda, havia estudado geologia,
antes de aventurar-se no Novo Mundo, em
busca de uma oportunidade.
Havia percorrido alguns locais no Novo
México, onde sabia que o terreno era
propício à existência daquele metal. Quando
estudara, na Holanda, tivera informações de
um professor que viajara pelos Estados
Unidos.
Assim, seu grande sonho sempre fora
reunir algum dinheiro e comprar um pouco
daquelas terras ainda baratas. A prata o
deixaria rico.
Teve sorte, negociando gado no Arizona.
Foi onde conheceu Concho Valentine, que
lhe deu a sustentação em negócios nem
sempre muito honestos, onde fez fortuna.
Agora só precisava de um pouco mais de
tempo para atingir seu objetivo.
Aproximava-se da casa da Família Jack.
Estava tudo quieto. O cachorro não latiu e
logo ele descobriu o motivo. O animal
estava deitada diante da casa, com a
garganta cortada.
Logo à frente, estendido, estava o corpo
de um homem. Wink desceu do cavalo e
correu examiná-lo.
— O que é isso? — indagou-se,
percebendo que se tratava do irmão de
Hannah.
Entrou na cabana. O fogo estava
apagado. Sobre a mesa, nua e com a
garganta cortada, estava o corpo de Hannah.
Percebia-se que fora barbarizada antes da
morte.
Lembrou-se do bebê. Viu a cabecinha no
berço. Aproximou-se. O bebê estava
imóvel. Levantou o cobertor.
— Oh, Deus! — murmurou ele,
horrorizado com o terrível quadro.
Recuou na direção da porta. Ouviu
barulho ali perto. Virou-se naquela direção.
Madson acabava de chegar. Ao ver o
cachorro morto e o corpo de Johnny, ficou
alucinado. Saltou do cavalo e correu na
direção da casa.
Wink estava pálido, olhando-o
atonitamente. Quando Madson aproximou-
se, segurou-o pelo braço.
— Não entre lá, vizinho! — disse.
— Por quê? — quis saber o rancheiro,
olhando o cachorro e o corpo de Johnny.
— Não é algo agradável de se ver e...
Madson não esperou que ele terminasse.
Livrou-se com um safanão e entrou na casa.
— Hannah! Kiddo! — chamou ele,
imobilizando-se como se tivesse levado
uma pancada no estômago, ao ver o corpo
de Hannah sobre a mesa.— Oh, não, Deus!
Não! — berrou em seguida, abraçando a
mulher.
Seus olhos, então, dirigiram-se até o
berço. A visão com bebê, com a garganta
cortada, deixou-o enloquecido.
Quando cravou a cruz na sepultura de
Hannah, Madson deixou ali também toda a
sua dor de pai e marido. Estivera à beira da
loucura naqueles momentos dolorosos.
Agora, estava insensível, tão insensível
quanto costumava ficar quando pegava um
novo cartaz com um novo rosto a ser
perseguido. Não importava nada, além da
busca que tinha pela frente.
Wink Van Horn estivera todo o tempo
com ele, lamentando a tragédia, oferecendo
sua ajuda. Juntos cavaram os túmulos.
Juntos haviam sepultados os três corpos.
— E agora, vizinho, o que pretende
fazer?
— Ainda não sei — respondeu Madson,
mas em sua mente começava a se definir
tudo que teria de fazer.
— Olhe, se decidir ficar, conte com a
minha ajuda. Se preferir vender as terras, eu
as compro. Tenho certeza que há prata
nelas...
— Não as venderei, Wink. Nada mudou
para mim. Minha esposa e meu filho
morreram por causa dessas terras. Hannah
dizia que aqui era seu lugar e que não sairia
daqui... Acho que, no fim, tudo aconteceu
como ela queria.
Wink foi apanhar seu cavalo. Os vidros
de compota ainda estavam no alforje.
— Vim até aqui para lhe trazer isto —
disse ele, pateticamente, mostrando um dos
potes.
— Obrigado, Wink! Mas não vou
precisar... Acho que devo ir à cidade
informar o xerife do que aconteceu aqui...
— Sim... Mas dificilmente ele virá aqui
ou formará uma patrulha para caçar os
assassinos...
— Sei disso, mas tenho de fazê-lo.
— Está bem. Se precisar de ajuda, sabe
onde me encontrar...
Wink afastou-se a galope, consternado.
Madson ficou algum tempo rezando e
olhando as três cruzes. Fora tudo um
delicioso sonho para ele, um maldito
caçador de recompensas.
Tudo aquilo talvez fosse seu castigo por
tantos homens que matara ou que mandara
para a forca.
Sabia, no entanto, que não havia
encerrado sua carreira de caçador. Mesmo
que o tivesse desejado um dia, alguém
aparecera para mostrar-lhe que, para um
homem como ele, a paz e a tranqüilidade de
uma família era um sonho inatingível.
Caminhou ao redor da casa, observando o
terreno. Não tinha dúvidas quanto ao
número de assassinos. Eram quatro. As
marcas eram bem evidentes no chão.
Vieram da cidade. Deixaram os cavalos um
pouco afastado. Um deles se adiantara e
matara o cachorro, que estava preso a uma
corda.
Depois entraram na casa, matando
Johnny. Mataram depois o bebê. Abusaram
de Hannah, depois cortaram-lhe a garganta.
A faca de cozinha jogada num canto,
manchada de sangue, dava a entender que
Hannah ferira um deles. Os pedaços de pele
e carne sob suas unhas indicavam que ela
resistira, até ser dominada.
Quatro homens haviam estado ali.
Haviam destruído todos os
25
seus sonhos mais queridos.
Apanhou suas armas e munição.
Reforçou seu alforje com mantimentos,
apanhou sua capa de viagem, depois trancou
a casa. Deu uma última olhada na direção
das sepulturas, depois pôs-se a caminho.
Deixava para trás o rancheiro pacato que
fora. Voltava a ser Madson "Cachorro
Louco" Jack, o pior e mais perverso caçador
de homens a oeste do Rio Mississipi.
O grupo havia cavalgado toda a noite e a
manhã inteira. Evitaram a cidade de Santa
Fé e tomaram a trilha para Albuquerque. Ali
poderiam tomar um barco e descer o Rio
Grande até Las Cruces, antes de El Paso,
onde tomariam a trilha para Tucson,
finalmente.
Agora tinham dinheiro para isso e a
viagem de volta poderia ser mais
confortável que a de ida. A única coisa que
os incomodava, no entanto, eram os
gemidos e reclamações de Joe Sanders, cuja
ferida no ombro não parava de sangrar.
— Estamos próximos da cidade de
Stanley — comentou Lou. — Poderíamos
levá-lo a um médico e deixá-lo lá. Quando
sarasse, iria embora...
— Joe não conseguiria dar um passo
sozinho, vocês o conhecem. Se o deixarmos
para trás, em pouco tempo teria espalhado
para todo mundo o que fizemos. Se vamos
levá-lo a um médico, teremos de ir junto —
falou Dening.
— Ele vai nos atrasar. Além disso, já
perdeu tanto sangue que nem sei como se
agüenta na sela ainda — observou Lubock.
— Entramos nisso juntos e vamos sair
juntos. Não precisamos ter tanta pressa.
Ninguém nos perseguirá pelo que fizemos.
Talvez ainda leve muito tempo até que
alguém descubra o que aconteceu naquele
rancho.
— Por que será que Concho queria
aquela família morta? — perguntou Lou.
— Como vou saber? A questão agora é
cuidarmos do Joe, antes que ele morra —
observou Dening.
— Vai ser difícil explicar o que
aconteceu com ele, com a cara marcada
desse jeito pelas unhas da mulher — falou
Lour.
— Diremos que ele brigou com uma
garota num bordel e que ela lhe fez isso.
Não será problema. Poderemos descansar
um pouco também. Estamos cavalgando
direto há muitos dias.
Nesse detalhe, Lou e Lubock
concordaram. Quando a Joe, idéia deles era
deixá-lo para trás, com uma bala na cabeça.
Afinal, ele tinha quinhentos dólares no
bolso que, divididos, engrossariam o prêmio
de cada um pelo trabalho feito.
Chegaram a Stanley no fim da manhã.
Enquanto Dening levava Joe até o médico,
Lou e Lubock foram para o saloon.
— Ele está muito fraco. Precisa de
repouso e uma boa alimentação para
recuperar-se — avisou o médico.
— Em quanto tempo poderá voltar a
cavalgar? Temos de seguir viagem —
indagou Dening.
— Não antes de três dias, mesmo assim
correrá o risco de abrir novamente o
ferimento.
Dening pagou e ajudou Joe chegar até o
saloon.
— Eu posso cavalgar, Dening. Agüentei
até aqui, não? Fiquei firme na sela, não
fiquei? Não vou cair. Podemos seguir em
frente — afirmava o garoto.
— Não seja tolo, Joe. Você teve sorte de
não ter morrido sem uma gota de sangue no
corpo. Agora terá de repousar. Vai ficar no
hotel e se alimentar bem, até que fique bom
de novo para cavalgar.
— E vocês?
— Eu acho que devíamos seguir em
frente — afirmou Lou.
— Ou vamos juntos ou ninguém vai —
falou Dening, ameaçadoramente.
— Pode deixar, Dening. Eu ficarei bem.
Vocês podem ir na frente. Só me arrume um
quarto, uma garrafa e uma garota para
cuidar de mim. Garanto que não irei embora
enquanto não me sentir muito bem.
— Vai gastar todo o seu dinheiro com a
garota e com bebida. Não conseguirá ir
embora depois...
— Ora, Dening, não sou criança. Posso
cuidar de mim. Não quero retardá-los ou
prendê-los aqui. Vão em frente. Só faça o
que estou lhe pedindo, nada mais.
— Está bem. Só que vou levar uma parte
do seu dinheiro. Deixarei uma passagem de
barco comprada para você, em
Albuquerque. Assim saberei que chegará
bem.
— Tudo que você quiser, Dening —
concordou o rapaz.
Madson sabia que os homens que haviam
atacado sua família eram de fora, talvez
vagabundos ou viajantes. Estranhou que
tivessem vindo da cidade, feito aquela
barbaridade, depois retornado quase que
pelo mesmo caminho, apenas desviando-se
da cidade e tomando a trilha para Stanley.
Dali para frente, tudo era palpite. Eles
podiam apenas estar despistando, para
poder retornar a Santa Fé. Ou então,
poderiam estar indo para qualquer direção,
tanto para Albuquerque, quando para
Amarillo, em Oklahoma.
As pistas se confundiam naquela trilha,
em meio a tantas outras que vinham ou
retornavam de Santa Fé.
Parou ali, naquele ponto, pensando. Se a
intenção deles fosse apenas de despistar
para retornar depois, haviam avançado
demais. Poderiam ter feito isso antes, em
terreno rochoso, onde as pegadas haviam
sumido por um bom trecho, antes de serem
novamente encontradas por ele.
— Cobra dos infernos! — murmurou ele.
— Foram mesmo para Stanley — concluiu,
esporeando seu cavalo.
Aqueles homens tinham muitas horas de
dianteira. Estavam rumando para um lugar
definido. Se descobrisse para onde iam,
tudo se tornaria mais fácil, pois poderia
antecipar suas ações.
Daquela forma, tinha de jogar no escuro.
Era como procurar um bandido de quem
nada conhecia. Isso, no entanto, longe de
incomodá-lo, funcionava mais como um
desafio.
Naquele caso, tinha uma motivação
especial. Apanhar aqueles homens era uma
questão pessoal. Jamais trabalhara com essa
motivação antes, por isso policiava-se,
tentando manter-se mais frio do que
normalmente seria.
Não podia deixar sua emoção prevalecer.
Chegou a Stanley no final da tarde. Se
um daqueles homens estava ferido, com
certeza teria ido procurar médico. Madson
fez o mesmo.
— Sim, atendi um rapaz hoje, no final da
manhã, com um ferimento a faca no
ombro... — lembrou-se o médico.
— Ele disse o que provocou o ferimento?
— Sim, o amigo que o acompanhava
disse que foi numa briga com uma garota de
bordel...
— Ele estava com um amigo? Só um?
Não eram quatro?
— Não — afirmou o médico, com
convicção. — Vieram apenas dois ao meu
consultório. Recomendei, inclusive, que o
rapaz ficasse em repouso e se alimentasse
bem. Não estava em condições de viajar.
— Viu para onde foram?
— Acho que foram para o saloon. É o
único lugar que aluga quartos aqui em
Stanley.
— Acha que ainda estão lá?
— Pelo menos eu recomendei que não
viajassem...
Madson ia sair, quando o médico
resolveu fazer mais uma pergunta.
— Você conhece a garota que o agrediu?
— Porque que pergunta?
— Deve ser uma gata muito feroz. Além
de esfaqueá-lo, arrancou-lhe o couro do
rosto com as unhas.
Um frêmito de indignação percorreu o
corpo do caçador de recompensas. Devia ser
um dos bastardos que haviam atacado
Hannah
e barbarizado com ela.
Agradeceu. Deixou seu cavalo amarrado
diante do consultório e caminhou
lentamente na direção do saloon.
Havia pouco movimento nas ruas. Diante
do saloon, apenas dois cavalos amarrados.
Lembrou-se do que o médico dissera, a
respeito de serem apenas dois os homens
que estiveram lá. Poderia estar atrás de uma
pista falsa.
Aproximou-se cuidadosamente da porta.
Antes de entrar, sondou o interior.
Apenas dois homens bebiam, encostados
no balcão. Nenhum deles estava ferido.
Entrou e dirigiu-se calmamente ao
balcão.
— O que vai ser, forasteiro? — indagou-
lhe o bartender.
— Uísque.
O homem serviu-o rapidamente.
— Parece cansado, homem. Cavalgou o
dia todo?
— Sim, o dia todo — respondeu Madson,
os olhos atentos aos dois homens ao seu
lado e à porta.
— Se quiser um banho, uma refeição, um
quarto e uma mulher, temos tudo isso aqui
— continuou o bartender.
— Acho que vou precisar de tudo isso,
nessa ordem, exceto a mulher — respondeu
Madson.
Os dois homens ao lado riram, sem
encará-lo. O homem atrás do balcão
também segurou-se para não rir. Madson
fuzilou-o com seu olhar mais glacial.
— Acho que posso providenciar tudo
isso, senhor — respondeu, tornando-se
sério.
— Procuro quatro homens. Devem ter
passado por aqui no final da manhã ou no
começo da tarde — disse ele.
— Não me lembro de ter visto quatro
forasteiros... Viram alguma coisa assim,
rapazes? — indagou aos dois homens que
bebiam ao lado.
— Depende de quem quer saber —
respondeu um deles e os dois se viraram
para encarar Madson Jack.
— Eu quero saber — falou o caçador.
— E quem é você?
— Meus amigos me chamam de Madson
Jack... Meus inimigos costumavam me
chamar de "Cachorro Louco" Jack —
afirmou ele, desabotoando a capa e abrindo-
a para revelar o Colt.
— "Cachorro Louco" Jack? — repetiu o
homem, engolindo seco.
— Sim, você ouviu bem, rapaz. Viu
quatro estranhos na cidade hoje?
— Não estava aqui nesse horário... Tinha
ido recolher um gado ao sul da cidade...
Sinto muito, Sr. "Cachorro Louco" Jack.
Uma garota estava tirando garrafas de
uma caixa e arrumando-as na prateleira,
atrás do balcão. Parou e voltou-se para
encarar Madson.
— Eu vi quatro sujeitos assim, aqui no
saloon, na hora do almoço. Entre eles estava
aquele rapaz ferido, o que alugou o quarto
de Ella. Os dois estão juntos lá encima —
falou ela.
— Quem está com eles?
— Apenas os dois. Os três amigos dele
foram embora.
— Para onde?
— Não sei.
— Em que quarto estão?
— Quarto doze, no fim do corredor, à
direita.
Madson entornou seu uísque, depois
retirou o Colt do coldre, verificando sua
carga. Guardou-o em seguida. Caminhou na
direção da escada.
— Espere um pouco, homem! O que
pretende fazer?
— Uma visita ao meu amigo —
respondeu Madson, sem se deter.
— Buck, vá chamar o xerife! — pediu o
bartender a um dos rapazes ali.
— Vai haver encrenca da grossa — falou
Buck, apressando-se em fazer o que o outro
lhe pedira.
Enquanto ele saía, os outros
acompanhavam os passos firmes e
decididos de Madson, subindo a escada até
o corredor, no alto. Caminhou, então, até o
fim, parando diante da porta.
Não sabia o que encontraria pela frente,
mas sabia como enfrentar uma situação
como aquelas. Não era diferente de muitas
que enfrentara antes.
Sacou a arma, engatilhando-a. Em
seguida, meteu o pé na porta, bem encima
da fechadura. Com um estrondo, a porta
abriu-se até o fim, indo bater na parede ao
lado.
Na cama, Joe assustou-se ao ver aquele
homem entrar com a arma apontada para
ele. A garota nua que estava ao seu lado
pulou para um canto, enrolando-se num
roupão.
— O que está havendo aqui? — indagou
ela, assustada.
Joe olhava para o coldre de seu cinturão,
que pendia ao lado de sua cabeça, preso na
cabeceira da cama.
— Quem é você? O que pensa que está
fazendo aqui? — indagou o pistoleiro,
assustado também.
Madson aproximou-se, apanhou o
cinturão do outro e jogou-o na direção da
porta. Olhou o ferimento no ombro de Joe.
— Onde conseguiu esse ferimento? —
indagou.
— Uma mulher, num bordel, fez isso...
— Que mulher? Em que bordel?
— Por que quer saber? — retrucou o
rapaz.
Madson inclinou-se sobre ele como se
fosse dizer-lhe alguma coisa. Ao invés
disso, o cano de sua arma atingiu o ombro
ferido do rapaz, que urrou de dor.
O sangue começou a escorrer para o peito
dele, enquanto encolhia-se contra a
cabeceira.
Madson fizera-o sentar-se com as costas
apoiadas contra a cabeceira da cama. Joe
tentava fazer parar o sangue que escorria da
ferida.
— Não tem o direito de fazer isso com
ele — falou a garota, começando a vestir-se.
— Este bastardo e mais três amigos
atacaram meu rancho ontem à noite.
Mataram meu cunhado, estupraram e
mataram minha mulher e cortaram a
garganta de um bebê de três meses. Acha
que não tenho o direito de fazer o mesmo
com ele?
— Eu não fiz nada disso — defendeu-se
Joe, mas a garota o olhava agora
aterrorizada, sentindo-se enojada por ter
estado com um assassino frio e impiedoso
como ele.
Ela correu na direção da porta, mas, antes
de chegar lá, vomitou todo o seu asco.
Ficou apoiada ao batente da porta, enquanto
seu corpo abalava-se repetidas vezes.
— Agora só nós dois — falou-lhe
Madson, olhando-o com profundo ódio.
Joe viu a morte estampada nos olhos
daquele homem diante dele. Eram olhos
frios e penetrantes, que pareciam vasculhar
sua alma.
— Você tem que acreditar em mim... Não
fiz nada... Ela me atacou... Eu estava
ferido... Não podia fazer nada com ela...
— E estas marcas em sua cara? Por que
ela as fez?
— Eu só tentei segurá-la...
Novamente o cano da arma atingiu Joe,
desta vez na testa, com força. Um filete de
sangue desceu pelo rosto dele.
— Vamos por parte, seu covarde. Antes
de mais nada, quero saber os nomes de seus
amigos e para onde eles foram — indagou-
lhe Madson.
— É melhor ficar quieto aí mesmo,
forasteiro. Aqui quem faz as perguntas sou
eu — falou o homem parado na porta,
apontando uma espingarda de cano duplo.
Madson virou-se e encarou o ajudante do
xerife.
— Quem é você? — indagou o homem
com a estrela.
— Sou Madson "Cachorro Louco" Jack
— respondeu.
— E o que faz aqui?
— Este homem esteve em meu rancho
ontem à noite, juntamente com três outros
amigos, e matou minha mulher, meu filho e
meu cunhado...
— É mentira. Nunca estive antes em
Santa Fé... Ele está me acusando
injustamente...
— Como sabe de onde sou? — indagou-
lhe Madson, fuzilando-o com o olhar.
— Você disse — afirmou Joe.
— Não, ele não disse de onde era,
Ajudante Miller. Acredito que esse sujeito
seja mesmo um assassino... Olhe o rosto
dele... Apenas uma mulher desesperada
faria algo como aquilo — acusou-o a
garota.
— Isso tudo está muito confuso para
mim. Vamos todos para a cadeia. Quando o
xerife retornar, esclarecerá isso — decidiu o
representante da lei.
— Você não entende... Os outros três
estão fugindo. Preciso descobrir para onde
foram e quem são eles — falou Madson.
— Descobriremos isso no devido tempo.
Agora, mister, se soltar sua arma,
poderemos ir todos para a cadeia e resolver
isso com calma.
Madson olhou os canos duplos da
espingarda, apontados para ele. Não tinha a
menor chance.
Sentiu-se agoniado. Afinal, ali, diante
dele, estava um dos assassinos que poderia
dar pistas sobre os outros.
— Está bem — concordou, afinal,
deixando sua arma deslizar de volta para o
coldre.
— Vista-se! — ordenou Miller a Joe.
— Estou ferido... Muito ferido... Perdi
muito sangue...
— E vai perder mais se não fizer o que
lhe mando — exigiu o ajudante.
Joe não teve alternativa também.
Instantes depois o grupo estava na cadeia.
— Onde está o xerife? — quis saber
Madson.
— Foi pescar, mas sempre volta antes do
escurecer. Agora fique calmo e espere. Ele
não deve demorar.
Madson percebeu que não adiantaria
tentar forçar sua liberação. De qualquer
forma, precisava da informação que Joe
tinha.
Sentou-se numa cadeira e esperou
calmamente, contendo sua impaciência. Joe,
apavorado, sentara-se no outro lado da sala.
O olhar que Madson lhe lançava o
assustava. Não sabia como sair daquela
situação.
O xerife chegou logo em seguida. Assim
que entrou, olhou na direção de Madson.
— "Cachorro Louco" Jack! Pensei que
tivesse se aposentado — disse o homem da
lei, indo até ele e estendendo-lhe a mão. —
O que faz por aqui?
— Eu estava aposentado mesmo, Pat, só
que ontem, quatro bastardos filhos de uma
cadela foram até meu rancho, mataram
minha mulher, meu filho e meu cunhado.
Saí no encalço deles. Aquele é um dos
assassinos.
O xerife voltou-se na direção de Joe.
— É verdade o que ele está dizendo,
filho? — indagou-lhe o homem da lei.
— É mentira, xerife. Jamais o vi em toda
a minha vida... Nem estive em seu rancho...
Nem sei onde é...
— Pergunte-lhe como conseguiu aquele
ferimento no ombro e aqueles riscos na cara
— falou Madson.
— Foi uma prostituta de um bordel...
— Que bordel?
— Eu não me lembro — confundiu-se o
rapaz.
O xerife foi até ele. O ferimento
continuava sangrando. Joe estava bem
pálido já, tanto pela perda de sangue quanto
pela incômoda situação em que se
encontrava.
— Filho, conheço aquele homem ali há
mais de dez anos. Em toda a sua vida, ele
nunca disse uma mentira. Mas já arrancou a
língua de muitos mentirosos por aí.
Aconselho você a ser inteligente e contar o
que queremos saber. Caso contrário, vai se
dar mal, muito mal mesmo.
Joe pensou por instantes. Sabia que
comprometeria seus amigos, se contasse.
Dening havia recomendado que, caso
alguma coisa acontecesse, que procurasse
mentir e negar sempre.
Era o que pretendia fazer.
— Estou falando a verdade, xerife —
afirmou, então.
O xerife voltou-se para Madson.
— O que mais posso fazer? Tem alguma
prova, além dessas marcas no corpo dele?
— Não, xerife. Nenhuma.
— Vai fazer alguma acusação? —
insistiu o Xerife Pat e Madson entendeu
onde ele queria chegar.
— Não, xerife. Talvez eu tenha me
enganado...
— Certo, Jack. Não tenho outra escolha,
senão soltar o rapaz.
— É justo, xerife.
— Espere um pouco — falou Joe,
percebendo a armadilha em que estava
sendo metido. — Não pode me deixar ir
assim... Ele vai me pegar.
— Quer apresentar alguma queixa contra
ele? — indagou o xerife a Joe.
— Não, eu não... Mas ele vai me matar...
— Por que ele o mataria? — insistiu o
homem da lei.
— Por causa da mulher...
— Você fez alguma coisa a ela?
— Não, eu não, mas...
O xerife voltou a inclinar-se sobre Joe.
— Filho, não posso impedir aquele
homem de pegá-lo lá fora, tão logo você
saia daqui. O melhor a fazer ainda é
confessar. Por que não nos conta tudo? Eu
lhe garanto proteção.
Joe estava confuso. Não podia incriminar
seus amigos. Seria morto por eles.
Estava muito fraco. O sangue continuava
minando de seu ferimento. A pressão havia
sido demasiada. Ele sentiu tudo girar a sua
frente e a escuridão o envolveu.
Levaram-no ao médico, que novamente
tratou do ferimento dele e o mandou de
volta ao quarto no saloon, para repousar.
— O que se há de fazer, Jack? —
comentou o xerife, assim que o deixaram na
cama, desacordado.
— Bastardo! Simplesmente destruíram a
minha vida, xerife.
— E há um detalhe, Jack. Amanhã o juiz
itinerante vai passar por aqui. Teremos que
levar o rapaz até ele. Como não há provas,
nada podemos fazer. Ele será solto e com
garantia de vida, que na certa pedirá ao juiz.
— Diabos, Pat. Ele é a minha única pista.
O xerife andou de um lado para outro,
pensativo. Algo parecia incomodá-lo.
— Jack, talvez possamos fazer um trato
— disse, finalmente o homem com a estrela.
— O que tem em mente?
— Há um vaqueiro num rancho próximo
daqui que espancou uma das garotas do
saloon, quebrando-lhe o queixo e deixando-
a inutilizada. Fizeram um acordo. Ele daria
a ela dez cavalos como pagamento, para que
ela pudesse viajar a San Francisco, onde um
médico resolveria o problema dela. Ocorre
que o filho da mãe do vaqueiro quer que
alguém vá até lá buscar os cavalos. Disse ao
meu assistente que ia pescar hoje, porque
tentei fazer isso. Não consegui. Não tenho
mais os nervos de antigamente...
— E o que está querendo me propor, Pat?
— Gostaria que fosse lá, em meu lugar,
apanhar aqueles malditos cavalos.
— O que o impede de fazê-lo?
— Uma dúzia de amigos desse sujeito.
Pelo que espalharam, vão quebrar todos os
ossos de quem se arriscar a aparecer por lá
para apanhar os cavalos...
— E o que eu ganho com isso?
— Se fizer isso, Jack, eu entrego aquele
bastardo ali em suas mãos e você faz dele o
que desejar para conseguir as informações
que precisa.
— Isso vai me atrasar, Pat...
— Eu sei, Jack, mas não tenho escolha.
Além disso, parece que os homens que você
procura têm um endereço fixo. Estão
voltando para casa. Se existe coisa mais
certa do que o fato de Deus estar no céu é o
de que você vai pegá-los no ninho deles.
Madson pensou por instantes. Joe era sua
única chance de descobrir quem eram os
assassinos e para onde foram.
O xerife estava usando-o, mas não tinha
outra alternativa.
— Como vou fazer isso sem correr o
risco de ser perseguido como ladrão de
cavalos? — quis saber o caçador de
homens.
— Eu lhe darei uma estrela e o nomearei
meu ajudante. A estrela será sua garantia.
— Grande garantia! Tem uma delas a
prova de bala? — ironizou Madson.
Concho Valentine havia percorrido toda a
cidade. Ninguém tivera notícias de Madson
Jack.
Cruzou com o xerife, na rua.
— Ei, xerife! Falou com Madson Jack
hoje?
— Aquele maluco das montanhas?
— Sim, ele mesmo.
— Não, há muito tempo que não o vejo.
— Não esteve de manhã na cidade?
— Como eu disse, não o vejo há muito
tempo, filho — respondeu o xerife,
afastando-se.
Concho foi até o saloon. Aproximou-se
do balcão e pediu um uísque.
— Não viu Madson Jack por aqui hoje?
— indagou ao bartender.
— Não, faz muito tempo que não o vejo
por aqui.
— Fala daquele sujeito que comprou as
terras nas montanhas? — indagou um
vaqueiro, ao lado, no balcão.
— Sim, aquele maluco mesmo.
— Eu o vi no fim da manhã, na trilha que
leva à cidade de Stanley.
— Tem certeza?
— Sim, mas não conversei com ele.
Parecia muito apressado e tinha uma cara de
poucos amigos.
— Obrigado, amigo. Tome um trago por
minha conta — disse Concho, pensando no
que poderia ter acontecido.
Seus amigos haviam cometido um
maldito engano. Madson dissera a Wink
Van Horn que iria à cidade, avisar o xerife.
Ao invés disso, simplesmente sumira. Se
aquele vaqueiro não se enganara, Madson
estava indo no encalço de Dening e seus
amigos.
Precisava impedí-lo de conseguir isso, só
que não havia como
evitá-lo. Se Madson os alcançasse e os
fizesse falar, saberia que ele, Concho,
estava por trás de tudo aquilo.
Só poderia voltar a ter contato com
Dening após sua volta a Tucson. Até lá,
estava de mãos atadas.
Antes do amanhecer, Madson já deixara a
cidade. Levava uma estrela de lata espetada
na capa de viagem e todas as suas armas
consigo.
Além do Colt na cintura, levava a
Winchester e a Overland, uma de cada lado
da sela, em seus respectivos coldres.
Galopou na direção do rancho informado
pelo xerife, chegando lá quando os
vaqueiros levantavam-se e dirigiam-se para
o refeitório.
— Onde posso achar Roy Carter? —
indagou a um vaqueiro que passava
apressado, na direção do seu desjejum.
— Se ficar aqui, vai vê-lo passar. É o
único palhaço aqui que usa um chapéu
amarelo.
— Amarelo?
— Eu lhe disse que ele era um palhaço —
confirmou o rapaz, adiantando-se.
O caçador não precisou esperar muito.
Logo um dos vaqueiros, com um chapéu
amarelo vistoso, tipo "dez galões", de copa
alta e bojuda, saiu pela porta do dormitório.
Era um tipo magro, todo aprumadinho,
com um coldre baixo, onde balançava um
Colt com coronha de madrepérola.
Quando avançou, Madson pôs seu cavalo
no caminho dele.
— Quem é você? O que pensa que está
fazendo? — indagou ele, com arrogância.
Madson havia sacado sua espingarda de
cano curto, ocultando-a sob a capa.
— Você tem uma dívida e estou aqui
para cobrá-la — disse-lhe Madson,
mostrando-lhe a estrela.
O vaqueiro sorriu com cinismo e ia dizer
alguma coisa. O ruído dos gatilhos da
espingarda alertou-o. Os dois canos
surgiram discretamente, apontados para ele.
— Tenho pressa e gostaria de resolver o
assunto o mais depressa possível e com um
mínimo de sangue, se é que você me
entende — falou friamente o caçador.
— Do que está falando? — indagou o
cowboy, num fio de voz.
— Falo de dez cavalos que deve a uma
senhorita lá na cidade. Lembra-se disso?
Roy engoliu seco. A expressão daquele
forasteiro, seu tom de voz e aquela
espingarda não lhe deixavam muitos
argumentos.
— Estão lá no curral. Terá de pegá-los —
falou o vaqueiro.
— Não, você os pega, amarra todos eles
pelo pescoço numa só corda e eu os levo
para a cidade. Agora vamos cuidar disso
agora mesmo.
— Ei, Roy, algum problema? — indagou
um de seus amigos.
— Não, está tudo tranqüilo por aqui. Só
estamos negociando alguns cavalos —
explicou Madson. — Não é mesmo, Roy.
— Sim, claro — concordou ele,
caminhando na direção do curral.
Enquanto ele reunia os cavalos, Madson
mantinha-o sob a mira da arma. Quando
terminou, pegou a ponta da corta e prendeu
no arção de sua sela.
— Quer assinar este papel agora? Fará a
transação ficar legalizada — ordenou
Madson Jack.
Madson Jack sabia que aquilo não ficaria
barato, por isso, assim que se afastou do
rancho, escolheu um bom lugar para uma
emboscada.
Desmontou, amarrou bem os cavalos e
apanhou sua Winchester, subindo no alto
das rochas. Esperou pacientemente. Sabia
que em breve uma nuvem de poeira
indicaria que Roy Carter e seus amigos
estavam a caminho.
Não teve tempo nem de enrolar um
cigarro. Um bando de vaqueiros surgiu na
curva do caminho, saindo de trás de uma
colina.
Madson engatilhou sua arma. Roy era um
alvo fácil, na frente dos outros, com aquele
chapéu de copa alta na cabeça. E amarelo.
Mirou cuidadosamente e apertou o
gatilho. Roy julgou que o vento tivesse
arrancado o chapéu de sua cabeça. No
momento seguinte, quando o eco do tiro
soou pela planície, percebeu que fora algo
mais perigoso que isso.
— Protejam-se! — gritou e o bando
espalhou-se.
Madson mirou de novo cuidadosamente,
quando viu Roy desviando-se para a direita.
Detestava fazer aquilo, mas não tinha
alternativa.
— Cobra dos infernos! — praguejou ele,
quando apertou o gatilho e viu o cavalo
montado por Roy dobrar as patas da frente e
girar sobre si mesmo algumas vezes,
enquanto o vaqueiro era atirado na poeira.
Alguns vaqueiros atiraram a esmo, na
direção nas rochas. Madson visou um deles
e arrancou-lhe o chapéu da cabeça com um
balaço. Fez o mesmo com mais dois ou três,
depois, calmamente, foi apanhar os cavalos
e ir embora.
Sabia que o ânimo dos vaqueiros teria
arrefecido.
— Bastardo, filho da mãe! — berrava
Roy, todo sujo de poeira, olhando seu
cavalo.
O tiro fora certeiro. O animal não sofrera.
Estava morto, quando caiu.
— Seu chapéu, Roy — disse-lhe um dos
amigos, aproximando-se e entregando-o.
O vaqueiro olhou o buraco de bala pouco
acima de onde estava sua cabeça e engoliu
em seco.
— Ficou ventilado agora, Roy, só que
você não poderá mais dar água ao cavalo
com ele — falou outro e todos começaram a
rir.
— Do que estão rindo, seus bastardos?
Ele está indo embora. Temos que ir no
encalço dele. Está roubando meus cavalos...
— protestou ele.
— Roy, se quiser, eu lhe empresto meu
cavalo para você ir atrás dele, mas eu não
vou. Aquele homem atira demais. Viu o que
fez no seu chapéu. Viu o que fez com o
cavalo... — ponderou um deles.
— Ele não atira bem... Não se deixem
impressionar...
Um dos vaqueiros, com o dedo indicador
enfiado no buraco feito na copa do seu
chapéu, mostrou-o a Roy.
— Não seja estúpido, Roy. Se ele
quisesse, teria acertado minha cabeça —
disse ele.
— Maldição! — praguejou Roy, atirando
seu chapéu no chão e pisando-o, num
acesso de raiva.
Nada havia a ser feito a não ser amargar o
prejuízo. No fundo, reconhecia que seus
amigos tinham razão. Aquele homem que o
fora procurar tinha a morte nos olhos. Seria
loucura enfrentá-lo abertamente.
O xerife não se surpreendeu, quando
Madson chegou com os cavalos.
— E então, teve algum trabalho? —
indagou.
— Não, nenhum. O rapaz foi muito
atencioso, até apanhou os cavalos e
amarrou-os para mim — disse Madson,
desmontando.
— Desculpe-me ter-lhe pedido isso, Jack,
mas estou ficando velho para certas coisas.
— Esqueça, Pat. Eu lhe fiz um favor,
você me faz um favor e assim todos ficam
felizes. Onde está o passarinho? Preciso
fazê-lo cantar agora.
— Está lá no saloon ainda. Deixei um dos
meus ajudantes vigiando-o. Pode pegá-lo e
levá-lo para fora da cidade. Não quero
tragédias aqui dentro, está bem?
— Certo, Pat. Já vou para lá. Quero
terminar isso o mais depressa possível.
Entregou os cavalos ao xerife, bem como
o recibo passado por Roy e foi
imediatamente para o saloon. O ajudante do
xerife conversava com o bartender.
— Ele está lá encima, no quarto — falou
o rapaz.
— Sozinho? — indagou Madson,
começando a subir rapidamente a escada.
Correu até a porta, que estava aberta.
Nenhum sinal de Joe lá dentro.
O ajudante do xerife surgiu no fim do
corredor.
— Ele fugiu — gritou-lhe Madson,
olhando a janela no fim do corredor.
Estava aberta. Correu até lá. Um homem
poderia descer até o telhado da varanda e
escorregar para o chão.
Madson fez isso. Quando chegou à rua,
não viu sinal de Joe.
— Maldição! — praguejou ele.
Um garoto brincava ali perto. O caçador
chamou-o.
— Viu um homem descer pelo telhado
aqui para a rua?
— Sim, ele desceu, pegou um cavalo
malhado que estava ali, perto do armazém, e
fugiu a galope.
— Para onde ele foi?
— Para lá — apontou o garoto.
O auxiliar do xerife chegou naquele
momento.
— Ele fugiu na direção de Albuquerque
— disse-lhe Madson, enquanto assobiava,
chamando seu cavalo.
O animal surgiu em seguida. Madson
montou-o. O animal estava cansado, mas
era resistente.
— Vai precisar de ajuda? — indagou o
ajudante.
— Não, de agora em diante é por minha
conta.
Joe levava uma vantagem, mas Madson
sabia o que aconteceria. Ao tentar escapar,
Joe forçaria seu animal até a exaustão.
Depois teria de parar para descansá-lo ou
correr o risco de ficar a pé.
Bastava seguí-lo numa velocidade
constante, sem cansar seu cavalo. Sabia que
o alcançaria logo. Sempre alcançava os
homens a quem perseguia.
Sem contar que Joe estava ferido e fraco.
Só esperava encontrá-lo com vida ainda.
Após algumas horas de cavalgada,
Madson viu um cavalo sem cavaleiro logo à
frente.
Preocupou-se, porque poderia tratar-se de
uma emboscada. Diminuiu a marcha e
apanhou sua Winchester.
Viu um corpo caído no meio de uns
arbustos. Era Joe, com o tronco todo
coberto de sangue.
— Água... Água, por favor! — pediu ele.
Madson aproximou-se e desmontou. Joe
estava incrivelmente pálido e fraco pela
perda de sangue.
Pensou em dar-lhe água, mas desistiu.
Aquele animal estava morrendo. O melhor a
fazer era sacrificá-lo, antes que sofresse
mais.
Abaixou-se junto dele.
— Quem eram seus amigos? Para onde
eles foram? — indagou o caçador.
— Água... Água... — repetia Joe.
Madson percebeu que o rapaz estava com
febre e que, possivelmente, logo começaria
a delirar.
— Cobra dos infernos! — praguejou,
percebendo a ironia de tudo aquilo.
Tinha de fazer de tudo para que aquele
bastardo não morresse, antes de lhe contar o
que sabia.
Arrastou-o para a sombra de uma árvore.
Deu-lhe água. Apertou o curativo,
impedindo que sangrasse.
Percebeu que Joe era um homem morte.
Não escaparia daquela. Pelo menos Hannah
poderia ter o consolo de saber que levara
um deles consigo.
— Muito bem, seu maldito! — falou-lhe
Madson. — Quem eram eles? Para onde
estão indo?
Joe abriu os olhos sem brilho, encarando-
o e reconhecendo-o. Começou a rir.
— Sabe... Eu menti para você... —
murmurou ele.
— Quem eram eles, maldição?
— Eu fui o último com ela... Estava
quente... Nem se debatia mais... Depois...
Depois sabe o que fiz?
— Cale-se! — ordenou Madson,
torturado, sacando a arma e enfiando a
ponta do cano na boca do rapaz.
— Depois eu fiz com ela o mesmo que
fiz com o bebê... Cortei a garganta dele com
esta faca — falou, puxando a faca que trazia
oculta em sua bota.
Só que estava muito fraco para qualquer
ataque. Madson tomou-lhe a arma e
posicionou a lâmina na garganta dele.
— Está bem, bastardo. Talvez goste um
pouco de seu próprio remédio. Vou cortar
sua garganta... Depois puxar a língua por
ela — disse o caçador, começando a cortar.
Joe continuou rindo, olhando
pateticamente para ele.
— Maldito! — berrou Madson,
empurrando a faca com toda força, depois
fazendo-a correr pela garganta de Joe
Sanders.
O corte nem chegou a sangrar muito. Ele
ficou ali, o corpo estremecendo, os olhos
esbugalhados e um arremedo de riso
borbulhando em sua goela seccionada.
Madson levantou-se e caminhou de um
lado para outro, desesperado.
Joe havia sido sua única esperança, sua
única pista. Precisava saber para onde os
outros haviam se dirigido.
Revistou seus bolsos. Depois seu alforje e
sua sela, tentando achar alguma pista,
alguma indicação que denunciasse o destino
daqueles homens.
Nada escapou de sua busca minuciosa.
Havia um pedaço de jornal, embrulhando
um pedaço de fumo. O jornal era o Star, de
Tucson, no Arizona.
Encontrou perto de quatrocentos dólares
na bolsa da sela, junto com algumas roupas.
Havia uma etiqueta da fábrica nelas.
Também de Tucson. A sela tinha, gravada a
ferro quente, na parte de baixo, a marca de
um seleiro de Tucson.
— Tucson! — murmurou Madson, sem
entender.
Por que alguém viriam de tão longe
apenas para matar sua família? Seria
alguma vingança? Acaso algum parente dos
homens que havia capturado resolvera
promover aquilo?
Era desumano. Todos os homens que
havia aprisionado eram criminosos e
assassinos. Jamais capturara um inocente.
Todos eles, somados, não valiam a vida do
pequeno Kiddo.
Além disso, aqueles quatrocentos dólares
davam a entender que o preço pago por isso
fora compensador.
Imaginou que caminho poderiam ter
tomado. O mais comum seria ir na direção
de Albuquerque. Chegando ao Rio Grande,
apanhar um dos barcos particulares que
desciam até Las Cruces, numa viagem mais
rápida e menos cansativa para homens e
animais.
De Las Cruces era só seguir a trilha
direto até Tucson, onde chegariam após
alguns dias de viagem.
Deixou o corpo ali, mas levou consigo o
cavalo e a arma de Joe. Seria a única
maneira de descobrir seu nome e o nome de
seus amigos assassinos.
O melhor a fazer era tentar cavalgar à
noite também. Usando os dois cavalos,
poderia fazer isso e ganhar tempo. Estaria
cansado pela manhã, mas poderia, com um
pouco de sorte, surpreender os criminosos
ainda em Albuquerque.
Dening Stone bebia no saloon do Hotel
Albuquerque, onde Lou e Lubock haviam
insistido que parassem.
Ninguém os perseguia e eles tinham
dinheiro. Isso provocava cócegas. Veio
fácil, tinha de ir fácil também.
Além disso, Albuquerque tinha as mais
lindas mulheres distribuídas em dois ou três
bordéis renomados em todo o oeste.
A famosa Casa de Conchita, no Bairro
San Fidel, era o paraíso para os homens
com dinheiro para gastar. Era isso que Lou
e Lubock pretendiam.
Quando entraram no saloon, Dening mal
pôde reconhecê-los. Haviam feito a barba,
cortado os cabelos e comprado roupas,
chapéus e botas novas.
— Ei, homem, por que não faz o mesmo?
Hoje à noite vamos nos esbaldar na Casa de
Conchita. São as mulheres mais bonitas do
oeste, Dening. É uma oportunidade única.
Quando acha que voltaremos aqui de novo?
— argumentou Lou.
— Ora, seu caolho, vocês estão gastando
todo o seu dinheiro com bobagens...
— E para o que você vai guardar o seu?
— quis saber Lubock.
— Tenho meus motivos. Se quiserem
gastar o de vocês, façam bom proveito. E
vou partir amanhã cedo, antes do nascer do
sol. Enquanto as belezas aí se enfeitavam,
fui até o rio e acertei o meu transporte. Um
barco descerá para Las Cruces logo pela
manhã e eu irei nele. Deixei acertado
também o transporte para Joe. Se quiserem
ir comigo, acho melhor irem até lá. Não há
muitos lugares, como sabem.
Lubock e Lou entreolharam-se. Não
haviam feito toda aquela maldita viagem
para perderem a melhor parte. Ainda tinham
muito dinheiro para gastar.
— Está bem, Dening. Se está com tanta
pressa de voltar, pode ir na frente. Eu e Lou
vamos gastar uma parte do dinheiro com as
mulheres de Albuquerque. Acho que
merecemos isso.
— Como quiserem, rapazes. Só não
gastem tudo. Deixem um pouco para as
mulheres de Tucson — recomendou
Dening.
— Como estamos? Acha que vamos
agradar às mulheres da Casa de Conchita?
— Vocês estão mais cheirosos que
cabrito recém-nascido, rapazes. Com
certeza elas vão adorar vocês,
principalmente nessas roupas novas e com
esse dinheiro todo no bolso.
Os dois riram e pediram ao bartender
uma garrafa de uísque.
— Um dólar! — disse o rapaz.
— Tem troco para cinco? — zombou
Lou.
— Bem, acho que não... Preciso ver...
— Então faça o seguinte, rapaz — disse
ele. — Deixe a nosso crédito. Vamos beber
muito por aqui ainda...
Os três riram.
O sol, ao se pôr, projetava as sombras das
montanhas mais altas, alongando-as pelas
encostas verdejantes. Os homens
encerravam mais um dia de trabalho.
— Não há dúvidas, Sr. Van Horn —
comentou o engenheiro. — O veio principal
fica justamente nas terras de seu vizinho.
— Maldição! Eu não esperava por isso —
resmungou o homem.
— Não conseguirá negociar com ele?
Talvez consiga comprar-lhe as terras,
depois da tragédia.
— Eu lhe fiz uma oferta, mas ele recusou
de imediato. Esse homem, de tão
desesperado que estava, pode ter caído no
mundo sem previsão de retornar.
— Veja bem, Sr. Van Horn, não existem
cercas marcando as divisas. Se deixarmos
um bom pedaço de terra para a exploração
do veio, poderíamos fazer uma cerca,
alterando as divisas dos dois ranchos. Com
um pouco de dinheiro, mais tarde, poderá
legalizar isso junto ao Escritório de Registro
de Terras — sugeriu Concho.
— Talvez até transferir as terras para o
seu nome.
— Está aí uma idéia excelente —
aprovou o engenheiro. — Se amanhã ou
depois aparecer algum reclamando as terras,
elas estão ali. Se antes disso o seu vizinho
aparecer... Bem... A solução será negociar
com ele ou... — deixou ele no ar, olhando
para Concho.
— Ou Concho resolve tudo da maneira
mais rápida e fácil.
— Vou pensar no assunto, rapazes. De
qualquer forma, podem começar a preparar
o início da escavação do túnel. Vamos
precisar de gente, mas não quero
trabalhadores de Santa Fé. Podem dar com a
língua nos dentes...
— Trarei gente de Los Alamos —
informou Concho, satisfeito.
Madson tentara cavalgar durante toda a
noite, mas acabara cedendo ao cansaço e
parado para dormir um pouco. Acordou
quando o sol nascia, ouvindo as pragas de
uma garota.
Caminhou um pouco, da margem do rio
onde estava, até a trilha. Uma garota, toda
coberta de poeira, chutava a carcaça
arquejante de um cavalo.
— O que houve aqui? — indagou ele.
— Este animal inútil... Comprei-o em
Albuquerque para ir até Amarillo e veja o
que aconteceu.
Ele se aproximou e examinou o animal.
Era um cavalo velho, muito velho, que
cedera ao peso da garota e da mala que ela
carregava.
Possivelmente enfiara uma das patas num
buraco, quebrando-a. Seus grandes olhos já
embaçados demonstravam todo o seu
sofrimento.
Madson sacou o seu Colt e antes que a
garota entendesse o que estava havendo, ele
disparou contra a cabeça do animal,
matando-o instantaneamente.
A garota olhou-o furiosa, com os olhos
soltando chispas, de tanta fúria.
— Eu não acredito que você fez isso... Eu
simplesmente não acredito — falou ela.
— Seu cavalo era velho e quebrou uma
pata. Está vendo aqui?
— disse ele, mostrando o local onde o
osso formava um ângulo inesperado na pata
do animal.
— Maldito Ben Sommers! — berrou ela,
sapateando na poeira. — Disse-me que era
um bom animal e que me levaria até
Amarillo.
— Planejava ir até Amarillo sozinha,
nesse cavalo aí?
— Sim, por que não deveria? Os homens
fazem isso, não?
— Mas você estaria correndo um risco
enorme...
— Risco? Por quê? — indagou ela,
tirando um enorme revólver de sua sacola
de tecido. — Acha que não sei me
defender?
— Tudo bem, eu não devia mesmo ter me
metido — comentou ele, voltando para seu
acampamento.
No caminho foi apanhando gravetos e
madeira para reacender a fogueira. A garota
o seguiu.
— Ei, você tem dois cavalos — observou
ela.
— Sim, e daí?
— Poderia me vender um deles...
— Não. Preciso dos dois.
— Por quê?
— É uma longa história...
— Eu não vou a parte alguma. Por que
não a conta enquanto eu o ajudo com o
café?
Madson olhou-a com atenção. Não era
uma garota normal, para estar ali, no meio
do nada, querendo chegar a Amarillo a
cavalo.
— Vamos, conte-me — insistiu ela,
pegando a chaleira e indo lavá-la no rio.
Encheu-a e retornou.
Se havia algo que Madson detestava, era
uma mulher faladeira e aquela parecia ser
uma. Apesar de jovem e bonita, as suas
maneiras vulgares incomodavam-no. Havia
muito deixara de conviver com aquele tipo
de mulher.
— Vamos, fale! — tornou ela.
— Está bem. Se está disposta... — falou
ele, contando-lhe sobre o que acontecera a
sua família e a pista que seguia.
Quando terminou, a garota o olhava
pensativa.
— Você disse que eram quatro homens.
Um morreu no caminho e os outros três
seguiram em frente, não?
— Sim, isso mesmo. Por quê?
— Bem, eu trabalhava no Hotel
Albuquerque... Mais precisamente no
saloon...
— E o que fazia lá?
Em resposta, ela enfiou a mão na bolsa e
retirou um baralho.
— Sou jogadora... Jogo pôquer... Tive
um pequeno problema lá, ontem... Alguém
achou que havia um ás a mais no baralho...
Mas eu não tive culpa... Assim, resolveram
me expulsar. O xerife disse que me
prenderia, se eu estivesse na cidade ao
amanhecer. Foi por isso que tive de comprar
aquele cavalo no escuro...
— Certo, certo, certo — cortou-a ele,
com impaciência. — O que tem os três a ver
com o Hotel Albuquerque?
— Bem, acho que eles estão lá agora.
Pelo menos estavam até ontem à noite. Sei
que dois deles foram passar a noite na Casa
de Conchita. O outro ficou no hotel e, pelo
que sei, deve ter partido agora cedo para
Las Cruces, descendo o rio.
— Por que se separaram?
— Não sei, acho que dois deles
resolveram se divertir um pouco...
— Acha que os dois ainda estão lá?
— Com certeza. Ninguém que eu
conheça consegue sair da Casa de Conchita
enquanto tiver dinheiro. E eles pareciam ter
muito dinheiro para gastar.
Madson nada disse. Apanhou a sela e foi
selar seu cavalo. Derramou a água da
chaleira na fogueira e guardou-a.
— Ei, por que a pressa?
— Preciso encontrar esses dois homens
— falou ele.
— E o cavalo, posso ficar com ele?
— Sim, leve-o. É seu.
Enquanto ela corria buscar sua mala,
Madson montou seu cavalo e afastou-se a
galope. A informação da garota deixara-o
esperançoso de encontrar dois dos
assassinos.
Quando chegou à cidade, não foi difícil
localizar a Casa de Conchita.
Todos dormiam ali ainda. Madson não
bateu na porta da frente. Deu a volta e
entrou pelos fundos, indo direto para o
refeitório da enorme casa.
Ali, diversas garotas, com caras
sonolentas e vestindo apenas suas roupas de
baixo olharam-no com interesse.
— Ei, forasteiro, precisa de um banho, de
fazer a barba e de roupas novas para entrar
aqui — disse uma delas.
— Onde está Conchita?
— Quem quer saber?
— "Cachorro Louco" Jack — respondeu
ele.
— Será que ouvi bem? — indagou uma
mexicana entrando no aposento.
Beirava os cinqüenta anos, vestia-se com
esmero e seus traços ainda guardavam
muito da beleza de sua juventude.
— Cobra dos infernos! — gritou ela.
— Cobra dos infernos! — respondeu ele
e a mulher, feliz, atravessou o aposento para
abraçá-lo, apesar de toda a poeira que o
cobria.
— Há quanto tempo, Jack! — exclamou
ela. — Garotas, este é o pedaço de homem
mais pão-duro e mais gostoso de todo o
oeste. Em dez anos que o conheço nunca
consegui arrancar-lhe um centavo...
— Mas isso não a impediu de desfrutá-lo,
não? — observou uma delas.
— O que o traz aqui? Quer um banho?
Quer que lhe corte o cabelo? Quer
descansar apenas? Vamos, é só dizer. Estou
aqui para satisfazer seus desejos...
— Procuro dois homens. Estão aqui
desde ontem. Gastam dinheiro como se ele
tivesse sido ganho muito fácil...
O rosto dela ficou sério.
— Vamos conversar em meu escritório
— disse ela, levando-o para outro aposento.
— Quem são esses homens e o que
fizeram?
— Fazem parte de um grupo de quatro
que matou minha mulher, meu filho de três
meses e meu cunhado...
— Meu Deus! Por quê? — exclamou ela,
horrorizada.
— Sinceramente, não sei. Peguei um
deles, mas não pôde falar. Esses dois, com
certeza, terão muito o que dizer.
— Por favor, Jack. Estou tendo alguns
problemas com a Liga das Senhoras Pela
Moralidade. O xerife me alertou que terá de
me expulsar, se acontecer alguma coisa
aqui...
— Prometo ser silencioso, Conchita.
Talvez faça um pouco de sujeira, mas isso
deverá pagar sua faxineira — falou ele,
pondo nas mãos dela o dinheiro que tinha
tomado do cadáver de Joe.
— Tudo isto? — espantou-se ela.
— É que talvez eu faça muita sujeira
mesmo — afirmou ele.
— Sem tiros?
— Sem tiros — prometeu ele.
Conchita guiou-o até o quarto onde
estava Lou, o caolho. Abriu a porta e
mandou a garota que estava com ele sair. O
homem estava bêbado ainda, de tão festiva
e agitada que fora a sua noitada.
Quando a garota saiu, Madson entrou,
fechando a porta. Foi abrir as cortinas. Lou
resmungou, virando-se na cama, protegendo
os olhos com o travesseiro.
O caçador foi se sentar na beirada da
cama. Arrancou o travesseiro, jogando-o
para um canto.
— Ei, que diabos... — ia dizendo, mas
calou-se, cuspindo pedaços de dentes,
quando a coronha do Colt golpeou-o na
boca.
Antes que ele pudesse reagir, Madson
enfiou-lhe o cano da arma na boca
ensangüentada.
— Se abrir a boca, é um homem morto
— ameaçou.
Com os olhos refletindo surpresa e terror,
Lou concordou de imediato, balançando a
cabeça.
Madson retirou-lhe o cano do revólver da
boca.
— Você e mais três outros estiveram em
Santa Fé e agora estão a caminho de
Tucson?
— Sim, sim...
— Como é seu nome?
— Lou Newcomb...
— E do garoto que deixaram para trás?
— Fala de Joe Sanders?
— Sim, Joe Sanders. Quem está aqui com
você?
— Lubock Coolidge. Dening Stone deve
ter partido para Las Cruces em um barco...
Que horas são?
— Hora de morrer.
— Quem é você? — indagou ele,
choramingando.
— Você não me conhece, mas conheceu
minha mulher, meu filho e meu cunhado —
falou Madson, olhando-o nos olhos.
— Não sei do que está falando... Eu
juro... Não fiz nada... Nada mesmo...
— Por quê? Quem lhes pagou para
fazerem aquilo? Responda! — ordenou-lhe
o caçador, pondo sua faca na garganta do
outro. — Se não me responder, farei a você
o mesmo que fizeram a minha mulher e ao
meu filho...
— Ei, Lou, que tal estou? — indagou
Lubock, entrando naquele momento no
quarto, após chutar a porta.
Usava chapéu, cinturão e botas no corpo
nu. Por instantes ficou surpreso e atônito,
vendo a faca na garganta de seu amigo.
Depois, percebendo a ameaça, tentou sacar
sua arma.
Madson não tinha escolha. Não podia
disparar contra ele e causar problemas para
Conchita.
Assim, com rapidez, arremessou a faca,
que enterrou-se até o cabo no peito de
Lubock, que recuou, batendo as costas da
parede e escorregando para o assoalho.
— Ei, homem... Por que fez isto? —
indagou, pateticamente.
Lou percebeu que estava encarando a
morte. Girou o corpo na cama, tentando
alcançar o cinturão, que deixara numa
cadeira, não muito longe da cama.
Madson saltou no encalço dele,
derrubando-o. Com as forças do desespero,
Lou chutou-o. Com as forças do desejo de
vingança, o caçador arrastou-o, afastando-o
da arma.
— Socorro! — gritou, mas não chegou a
repetir o apelo.
O punho de Madson enterrou-se em seu
estômago, fazendo-o tossir e dobrar-se em
dois.
No momento seguinte, com violência, a
bota do vingador subiu ao encontro do rosto
do outro.
O assassino tentou desviar-se. A roseta da
espora abriu um talho em seu rosto, por
onde o sangue escorreu generosamente.
— Maldito! — berrou ele, apanhando
uma cadeira e arrebentando-a no corpo de
seu agressor.
Possesso, Madson chutou-lhe um dos
joelhos, fazendo-o estalar. Lou caiu de
joelhos. O salto da bota atingiu-o na testa,
fazendo-o cair para trás.
Madson foi arrancar a faca espetada no
peito de Lubock, que morrera sem mais um
gemido.
Em seguida, aproximou-se de Lou. Este,
com o rosto transformado numa máscara de
sangue, tentou a última reação, urrando e
avançando contra Madson como um touro
bravo.
O caçador não arredou pé. Apenas firmou
o corpo, com o braço ligeiramente à frente.
O próprio Lou fez a faca enterrar-se
profundamente em seu ventre. Ficou
olhando para os olhos de seu matador, que
não refletiam nenhuma emoção.
— Quem os mandou? — indagou
Madson.
— Jamais... jamais saberá — murmurou
Lou, enquanto o sangue escorria de sua
boca.
Furioso, Madson moveu a faca
lateralmente algumas vezes, depois puxou-
a.
Abobalhado, Lou ficou olhando para o
grande corte em seu ventre, por onde suas
tripas começavam a cair.
Tentou segurá-las, apertando-as com as
mãos. Caiu de joelhos. Levantou os olhos
atônitos para os olhos frios do caçador, que
simplesmente virou-lhe as costas e saiu.
Conchita o esperava do lado de fora, com
uma toalha molhada para ele se limpar.
— Quando você diz que vai fazer uma
sujeita, será mesmo uma grande sujeira...
— É uma sujeira de quatrocentos dólares,
Conchita.
— Tudo bem, pode deixar que eu cuido
de tudo agora. Farei com que eles sumam
como se jamais tivessem existido. Terminou
seu trabalho?
— Não. Ainda há um deles, que deve ter
descido o rio, rumo a Las Cruces...
— Deve ter ido agora cedo, no barco de
Pepe Legrand. Ele sempre leva mercadorias
para desembarcar em Las Lunas, Bernardo e
Socorro. Se você cavalgar rápido, poderá
encontrá-lo em San Antônio, onde passarão
a noite.
— Obrigado, Conchita! — agradeceu ele.
— Espero que passe aqui, na volta,
quando terminar seu trabalho...
— Farei o possível — afirmou ele.
Deixou a casa e foi apanhar seu cavalo.
Era um bom animal, mas já estava muito
cansado.
Madson, no entanto, não tinha muita
escolha. Precisava ir no encalço do último
homem. Talvez este informasse-lhe porque
tudo aquilo tivera de acontecer.
Ia ser uma longa jornada, sem descanso,
rio abaixo. Estava no limite de suas forças
também, mas o desejo de vingança o
animava ainda.
Esporeou seu animal, seguindo a trilha
que margeava o rio. ã medida que avançava,
ia indagando sobre o barco de Pepe.
Quando chegou a Las Lunas e perguntou
por ele, calculou que tivesse umas seis
horas de vantagem.
Em Bernardo, essa vantagem reduzira-se
para apenas quatro horas. De qualquer
forma, iria encontrá-lo em Socorro, naquela
mesma noite.
Teve de reduzir a marcha nas últimas
milhas. Anoitecera e seu cavalo estava
muito cansado. Ele também, após todo o
esforço daquele dia, sentia-se no limite.
Viu, ao longe, as luzes da cidade.
Tocheiros ardiam nas ruas, iluminando-as
precariamente. O céu limpo, com estrelas,
facilitou o resto da jornada.
Quando entrava em Socorro, a lua surgia
no céu, enorme, jogando uma claridade
quase irreal na paisagem.
Quando avançou pela rua, as pessoas o
olhavam como a um fantasma. Achou que
devia estar horrível, com o cansaço
estampado em seu rosto.
Desmontou e puxou seu cavalo pelas
rédeas, na direção do saloon. Amarrou-o no
tronco, junto ao bebedouro. Tirou a capa e o
chapéu e mergulhou a cabeça na água dos
animais.
Ficou ali por algum tempo, tentando
manter-se acordado para poder pôr as idéias
no lugar e decidir o que fazer e por onde
começar.
Enfiou a cabeça mais uma vez no
bebedouro. Quando a levantou, viu uma
estrela reluzindo no peito do homem a sua
frente.
— Cobra dos infernos! — praguejou ele,
reconhecendo o xerife de Socorro.
— "Cachorro Louco" Jack, diabos,
homem, você parece um fantasma? O que
faz por aqui? Achei que tivesse se
aposentado...
— Bem que tentei, Hank, mas não me
deixaram.
— Venha, vamos entrar. Vou lhe pagar
um drinque. De onde está vindo?
— De Albuquerque...
— Caçando alguém?
— Digamos que sim... — respondeu,
enquanto entravam.
Foram até o balcão. O homem da lei
pediu dois uísques.
— Quem está procurando?
— Procuro um homem, o último de um
bando de quatro, que matou minha família...
— respondeu, lutando para manter os olhos
abertos.
— Demônios, homem! — exclamou. —
Como aconteceu isso?
— Não sei ainda... Tudo foi muito
gratuito. Vieram de desde Tucson, até Santa
Fé, para isso. Acho que algum parente de
alguém que cacei por aí... Não sei... Estou
cansado demais para pensar, Hank.
— Como sabe que seu homem está aqui?
— Ele tomou o barco de Pepe Legrand
hoje cedo, em Albuquerque...
— Então está aqui, com certeza. Como é
ele?
— Não sei... Sei apenas seu nome...
— Qual é?
— Dening... Dening Stone.
— Certo, Jack. Vou lhe dizer o que
faremos. Você vai comigo até a cadeia. Eu
lhe empresto uma das celas. Você vai
dormir, até descansar. Eu procurarei esse
homem para você.
— Não posso lhe pedir isso, Hank...
— Esqueça. Devo-lhe a vida ainda,
lembra-se? Aquele tiroteio em Cedar City...
— Eu já tinha esquecido aquilo — falou
Madson, incapaz de raciocinar.
Hank Hartley obrigou-o a apoiar-se nele
e levou-o para cadeia, acomodando-o numa
das celas.
— Fique aí e descanse. Seja como for,
seu amigo só partirá amanhã cedo, quando
Pepe resolver partir. Eu vou achá-lo e virei
avisá-lo.
Madson nem ouviu as últimas palavras
do amigo. Estava profundamente
adormecido.
Hank jogou um cobertor sobre ele, depois
deixou-o sozinho. Foi apanhar sua
espingarda.
Socorro era uma cidade muito pequena.
O único movimento era proporcionado
pelos barcos que ancoravam ali com
regularidade. Fora disso, era muito
tranqüila.
Hank não tinha auxiliares. Fixava seu
próprio horário de trabalho. Normalmente
estava ativo durante as chegadas dos barcos
que desciam ou subiam o rio.
À noite, antes de ir dormir, fazia uma
ronda geral. A cadeia era sua casa. Ali
dormia e ali fazia as refeições, trazidas
diariamente pela filha do prefeito, por quem
ele estava interessado.
Não tinha muito a oferecer a uma mulher,
mas Sissy não exigia muito. Ser prefeito de
Socorro não fazia de seu pai um homem
mais rico.
Hank encarnava o homem valente, o
desbravador, o homem da fronteira, muito
embora, no alto de seus quase quarenta
anos, Hank já não tivesse a mesma fibra de
antes.
A aura, no entanto, o acompanhava. Uma
aura que brilhava mais forte quando alguém
como "Cachorro Louco" Jack aparecia para
lembrá-lo dos velhos tempos.
Fechou a cadeia e saiu para a rua. As
pessoas que viajavam no barco de Pepe
normalmente pernoitavam numa pensão à
beira do rio.
Era um ambiente sem requinte nenhum,
mas até certo ponto confortável, barato e
limpo, embora, no meio da noite, fosse um
lugar um tanto perigoso.
Hank não se preocupou. Era o xerife de
Socorro e, como xerife, normalmente era
respeitado.
Quando entrou na cantina anexa à
pensão, pouca gente ainda estava acordada.
Havia uma garota mexicana conversando
com um vaqueiro, no fim do balcão. Um
velho tomava tequila e um outro, numa das
mesas ao fundo, bebia uísque sozinho.
— Olá, Pepe! — disse o xerife,
aproximando-se da mesa onde o velho bebia
tequila.
— Que se passa, xerife. Está acordado até
tarde hoje — observou o velho.
— Procuro um amigo... O nome é Dening
Stone...
— Quem quer saber? — indagou o
homem ao fundo, que bebia sozinho.
— Ei, calma. Não se ponha nos cascos,
homem. Sou o xerife daqui e preciso falar
com você — falou Hank, empunhando a
espingarda.
Os gatilhos, no entanto, não estavam
armados.
— O que quer falar comigo, homem da
lei? — perguntou Dening e suas mãos
escorregaram da mesa.
— Só quero saber de onde está vindo...
— Como sabe meu nome?
— Uns amigos seus...
— Onde estão?
Hank percebeu a tensão no outro.
Percebeu, também, que as mãos dele
haviam sumido de cima da mesa.
Sentiu-se velho e cansado de tudo aquilo,
daquele jogo perigoso que tinha de fazer
como homem da lei.
A espingarda estava em suas mãos. Os
canos estavam ligeiramente voltados para o
homem a sua frente, mas não estavam
engatilhados.
Sabia que o outro já devia ter sacado a
arma e agora a apontava para ele, sob a
mesa.
Tentou apontar a arma na direção da
mesa, enquanto estendia o polegar,
pousando-o num dos gatilhos.
— Acho melhor não fazer isso, xerife —
alertou-o Dening.
— É melhor vir comigo, mister — falou
Hank, sentindo que sua própria voz tremia.
— Cometeu um erro vindo sozinho,
xerife — disse Dening, puxando lentamente
o cão do gatilho para trás.
Sua voz encobriu o barulho. Hank estava
tenso agora, olhando para a superfície da
mesa. Algo lhe dizia que algo aconteceria
ali.
Num último e desesperado gesto, girou a
arma na direção de seu oponente, tentando
engatilhá-la.
A mesa deu um salto e lascas voaram,
enquanto o projétil passava por ela e ia
bater com força no peito de Hank, fazendo-
o recuar alguns passos.
Sentiu um gosto de sangue na boca e o ar
lhe faltar no pulmão, varado pela bala.
Olhou Dening, que jogara a mesa para o
lado e avançava na sua direção,
engatilhando o Colt.
— Não! — disse fracamente, quando o
pistoleiro encostou a arma em seu rosto e
apertou o gatilho.
Fragmentos de ossos, cérebro e cabelos
de Hank Hartley espirraram nas paredes
sujas da cantina.
O pistoleiro correu para a porta e saiu
rapidamente, sumindo na escuridão.
Não muito longe dali, Madson saltava no
catre, pondo-se em pé instantaneamente. O
eco dos tiros ainda ribombavam pelas
barrancas do Rio Grande.
— Hank! — gritou, ainda aturdido,
correndo para a rua.
Algumas pessoas surgiram nas portas e
janelas.
— Veio do rio... Acho que foi encrenca
na cantina de novo — disse alguém.
Alguns homens corriam na direção do
rio. Madson acompanhou-os, torcendo para
que não tivesse acontecido o pior.
Lembrava-se de ter ouvido Hank dizer
que iria procurar o quarto homem e trazê-lo
para Madson.
— Oh, não! — exclamou, quando viu o
amigo deitado, com o rosto simplesmente
irreconhecível, após o balaço.
— O homem atirou nele, depois fugiu na
direção do rio... Hank falou o nome dele...
Um tal de Dening Stone... Nunca o tinha
visto antes... — explicava Pepe.
— Para onde ele foi? — indagou o
caçador.
Pepe Legrand apontou.
Madson deixou o local e correu,
acompanhando a margem do rio. A lua
projetava uma claridade generosa sobre a
planície cortada pelo rio.
Ele não teve que correr muito para
perceber o homem que fugia.
— Cobra dos infernos! — murmurou ele,
recuperando todas as suas forças e suas
energias.
Dening Stone não percebeu que era
perseguido, a não ser quando Madson
estava muito perto.
Sacou sua arma e disparou algumas
vezes, mas Madson foi mais rápido,
escondendo-se e rastejando na direção dele.
Dening voltou a disparar algumas vezes,
mas estava perdido naquele terreno que não
conhecia.
Madson, no entanto, já havia passado
antes por Socorro. Conhecia aquela
planície. Conhecia o rio.
Rastejou até o barranco, descendo por ele
e correndo pela margem do rio, até
ultrapassar Dening.
Feito isso, retornou ao terreno firme e
ficou oculto. O pistoleiros e assassino
disparou mais algumas vezes, depois correu,
justamente na direção dele, enquanto
ejetava as cápsulas vazias de sua arma e
começava a recarregá-la, em desespero,
deixando as balas caírem pelo caminho.
Madson esperou-o como uma fera antes
do bote. Quando ele passou, o caçador
vibrou a coronha de sua arma, batendo-a
com força na testa de Dening Stone, que
gemeu, surpreso, antes de estatelar-se na
relva.
Mal teve tempo de compreender o que
acontecia e Madson já lhe chutava a mão
que ainda segurava o Colt.
— Meu pulso... Você quebrou meu
pulso.. — gemeu Dening.
— Não será a primeira nem a última
coisa que quebrarei em você, maldito
bastardo — vociferou Madson, chutando-
lhe algumas vezes as costelas, sentindo os
ossos quebrarem-se no bico de sua bota.
O assassino gemia e rolava no chão,
tentando fugir aos golpes. Havia perdido a
arma e estava totalmente indefeso contra
aquele homem que o atacava como o pior
castigo do inferno, sem dar-lhe nenhuma
trégua.
Madson só parou quando percebeu que
seu oponente estava subjugado totalmente.
Então parou para respirar.
Estavam sozinhos ali. A cidade ficara
para trás. Perto dali, o Rio Grande corria
sereno, no trecho largo e profundo.
O caçador sentou-se ao lado da caça,
extenuado. Estava ali o último dos malditos
e o último a dar-lhe as respostas que
precisava.
Queria entender tanto ódio. Queria saber
por que sua esposa e seu filho tiveram que
morrer de forma tão cruel e desumana.
Dening gemeu e começou a mover-se,
rastejando na relva.
— Você é Dening Stone?
— Sim, e você, quem é?
— Sou Madson "Cachorro Louco" Jack...
— E daí, homem? Eu não fiz nada contra
você...
— Você matou minha mulher, meu filho
e meu cunhado... Filho da mãe... Maldito!
— berrou Madson, chutando a cabeça do
outro.
— Por favor... pela memória de sua
esposa e de seu filho... — suplicou Dening.
Madson se abaixou sobre ele, pôs o
joelho em seu peito e esmurrou-lhe o rosto
até seus punhos sangrarem.
— Não use o nome de minha mulher e de
meu filho depois do que fizeram com eles...
— gritou Madson.
— Por favor... Por favor...
— Você é um homem morte, Dening
Stone. Faça suas orações. Antes do sol
nascer, você estará no inferno.
— Não, poupe-me... Você precisa
compreender...
— Não há perdão para o seu crime. Se
lhe resta ainda algum resquício de
dignidade, diga-me o nome de quem o
contratou. Eu preciso entender porque
fizeram isso comigo...
— Eu não sei dizer porque mandaram
fazer isso... Mas faço um trato com você —
disse o assassino, sabendo que sua vida
acabaria mesmo antes do sol nascer.
— Não está em condições de fazer tratos,
moço. Seja lá quem foi que mandou, vocês
o fizeram e pagarão por isso. Seus amigos já
foram. Só falta você agora...
— Por favor... Eu conto quem nos
contratou...
Madson ergueu-se, respirando fundo.
Precisava controlar-se. A informação que
precisava estava com aquele homem. Tinha
de saber porque sua mulher e seu filho
morreram estupidamente.
— Está certo, só não peça por sua vida —
disse, afinal.
— Não, não pedirei por minha vida. Em
meus bolsos, vai encontrar perto de
quinhentos dólares. Faça esse dinheiro
chegar até minha irmã, Lucille Stone
Colver, em Tucson...
— E por que eu faria isso?
— Você teve um filho... Sabe como isso
é importante...
— O que é tão importante que possa
justificar a morte de três inocentes?
— Por favor... Eu não tinha escolha...
Quando me encomendaram o serviço, sabia
que receberia bem... Eu precisava desse
dinheiro...
— Para gastar com mulheres e bebidas,
como seus amigos?
— Não, eu não gastaria meu dinheiro
inutilmente... Mande-o para minha irmã...
Ela levará minha sobrinha para Colorado
Springs... O médico recomendou... Ela tem
tuberculose... Morrerá, se não for fazer o
tratamento lá... Os quinhentos dólares eram
para isso...
— Cobra dos infernos! — praguejou,
Madson, angustiado. — Para salvar sua
sobrinha, você não tinha o direito de matar
os meus entes queridos!
— Eu não sabia... Pensamos que
tivéssemos matado o casal e o filho...
Conforme foi solicitado...
— Quem mandou?
— Mandará o dinheiro para minha irmã?
Lucille Stone Colver, em Tucson?
O caçador caminhou de um lado para
outro, fora de si, percebendo como tudo
aquilo era nojento e fedia.
Aquele homem também matava por
amor. Só que, naquela tragédia, Madson
fora a vítima. Ele, que tantas vezes fora o
carrasco, experimentara pela primeira vez a
tragédia de ser a vítima.
O que aquele homem que iria morrer lhe
pedia não podia ser recusado. Afinal,
custara a vida de três pessoas.
— Eu prometo. Ela receberá o dinheiro.
Agora conte-me, quem foi o maldito
bastardo que mandou fazer isso?
— Concho Valentine...
— Quem? — surpreendeu-se Madson.
— Concho Valentine... O pistoleiro... O
pistoleiro do holandês...
Por momentos Madson ficou sem
entender. Não tinha sentido nenhum o que
aquele homem estava falando.
— Fala do pistoleiro que trabalha para
Wink Van Horn?
— Sim... Ele mesmo... Aqui... no meu
colete... Há uma carta dele, chamando-nos
para ir a Santa Fé...
Madson inclinou-se sobre ele e tateou os
bolsos do colete. Sentiu o volume do
envelope.
Dening, no entanto, havia sacado a faca
que trazia na bota. Enquanto Madson
retirava o envelope do bolso do homem
caído, este brandiu a faca, enfiando-a no
lado esquerdo do corpo do caçador, entre as
costelas.
— Cobra dos infernos! — gemeu
Madson, sentindo a dor insuportável nublar-
lhe os olhos.
Viu os olhos brilhantes de Dening,
refletindo o brilho da lua. Viu-os encherem-
se de pavor quando enfiou-lhe na boca
aberta o cano do Colt e apertou o gatilho.
A boca do pistoleiro iluminou-se
estranhamente. Quando o brilho apagou-se,
Madson apagou-se com ele.
Aquela não seria a primeira nem a última
cicatriz no corpo de Madson, só que a
lâmina penetrara profundamente,
perfurando seu pulmão.
Respirar era um tormento. O sangue fluiu
dias a fio, a cada vez que ele respirava. A
febre foi altíssima. Qualquer outra pessoa
teria desistido. Qualquer pessoa de bom
senso teria chamado um padre e
encomendado a alma torturada de Madson
Jack a Satanás.
Menos Martha Dalhart, conhecida a oeste
do Mississipi como a Dama de Copas, a
jogadora de pôquer mais matreira e
trapaceira que se conheceu.
Sua teimosia era tão grande quanto a de
Madson, que resistia e não queria morrer.
Ela também achava que ele não morreria e
usou todos os seus recursos para que isso
não acontecesse.
Quando, finalmente, encontrou-o em
Socorro, após seguir sua pista desde
Albuquerque, julgou que tinha perdido
aquela parada.
Madson estava atirado num catre da
cadeia, entre a vida e a morte. Não havia um
médico na cidade.
— Dê-me um cartucho de sua espingarda
— pediu ela ao novo xerife, o barbeiro da
cidade, até a morte de Hank.
Ele não entendeu o que ela pretendia
fazer, mas obedeceu-a. Martha parecia ser a
única disposta a cuidar daquele sério
candidato a cadáver.
Ela mordeu o cartucho que ele lhe deu.
Cuspiu caroços de chumbo, depois arrancou
mais um pedaço, até chegar à pólvora.
Espalhou-a sobre o ferimento, que minava
sangue, empurrando um pouco com o dedo.
Depois encostou ali uma vela. O cheiro
de pólvora misturou-se ao de carne
queimada.
Sobre a ferida ela aplicou um cataplasma
que trazia consigo, presente de um
curandeiro apache. Não cheirava bem, mas
já se mostrara útil em outras vezes.
Amarrou uma atadura bem justa sobre o
ferimento e ficou ali, ao lado dele.
Loveland, o barbeiro que se tornara
xerife, foi levar-lhe uma caneca de café.
— De onde o conhece? — indagou ele.
— Da estrada... Ele me ajudou... Deu-me
um cavalo... Só que deixou cair isso e eu
achei que devia devolver-lhe — falou ela,
mostrando um pingente em forma de
coração.
Abrindo-o, via-se, de um lado, o rosto
sorridente de uma bela mulher; do outro, o
rosto sério e compenetrado de Madson Jack.
— Você o perseguiu de Albuquerque até
aqui só para devolver-lhe isso?
— Na verdade, xerife, eu não tinha para
onde ir. O xerife de Amarillo já me
conhece. Não me deixaria ficar. Achei que,
com ele, minhas chances seriam maiores...
— É e sempre será uma jogadora, Dama
de Copas.
Ela sorriu e permaneceu ali, ao lado de
Madson, noite e dia, enquanto ele lutava
contra a morte.
Olhando-o, inerte no catre, com o tronco
coberto de cicatrizes, Martha tinha certeza
de que ele sobreviveria.
Por dias a fio tratou dele como se tratasse
de uma criança incapaz para tudo. Limpava-
o e empurrava-lhe goela abaixo um caldo de
galinha reforçado, água, leite e uma mistura
de limão, alho e cebola que lhe ensinara o
curandeiro apache.
Madson não cheirava bem após uma
semana, mas estava livre da morte. Quando
abriu os olhos, viu o rosto aliviado daquela
garota que encontrara na estrada, ao lado de
um cavalo agonizante.
Naquele breve momento, pareceu-lhe que
o tempo não havia passado e que ele
acabava de acordar naquele dia, algum
tempo atrás.
— Não foi embora ainda? — perguntou
ele.
— Não, eu tinha que cuidar de você —
respondeu ela, debruçando a cabeça no
peito dele e começando a chorar.
A tensão e a expectativa dos últimos dias
chegavam ao fim para ele. Finalmente ele
estava bem.
Demorou alguns dias até que ele
percebesse o que se passara e pudesse
levantar-se e dar seus primeiros passos.
Martha mantinha-se ao lado dele sem
saber exatamente porque fazia aquilo.
Sempre fora independente, mas sentira-se
bem naqueles dias em que vira que ele
dependia dela.
Quando sentiu que poderia cavalgar
novamente, ele conversou com ela. Martha
havia alugado uma casinha perto do rio,
onde ele recuperou-se do ferimento
— Não tenho como agradecer-lhe,
Martha, pelo que me fez...
— Senti-me bem fazendo-o...
— Mas tenho que partir...
— Nunca pensei em criar raízes...
— Tenho uma missão a concluir...
— Também vou para os lados de Santa
Fé...
— Tenho um rancho e...
— Detesto animais...
— Fica nas encostas das Montanhas
Rochosas, na parte verde.
— Adoro a montanha...
— Vou morar numa cabana... Sozinho...
— Não tenho sido muito popular
ultimamente...
Ele apoiou-se nela para caminhar até o
lado de fora da cabana, onde podia ver o rio.
— Tenho uma missão, quando voltar,
Martha.
— Também sei atirar, sabia?
— Você me salvou a vida, não posso
pedir-lhe nada... Pelo contrário, acho que
devo algo a você. Apanhe um lápis e papel,
por favor.
— O que vai fazer?
— Faça o que eu disse, por favor.
Martha, a contragosto, atendeu-o,
levando-lhe o que ele pedira. Madson
rabiscou algumas linhas no papel, depois
estendeu-o a ela.
— Se algo me acontecer, as terras nas
encostas são suas...
— De forma alguma. Ou estamos nisso
juntos, ou nada feito — falou ela, furiosa.
Ele começou a rir. Sabia agora porque
não gostava de mulheres tão faladeiras.
— Diga-me exatamente o que pretende
fazer, quando chegar a Santa Fé — pediu
ela.
— Vou procurar Concho Valentine...
Quero saber por que ele mandou matar
minha família...
— Você não o conhecia? Procure se
lembrar. Deve ter feito alguma coisa para
ele odiá-lo tanto assim...
— Fui um caçador de recompensas,
Martha. Não consigo me lembrar de quantos
homens mandei para a forca ou matei, em
toda a minha vida...
— Entre eles, deve ter alguém que
Concho Valentine prezava muito, para ter-
se vingado dessa forma...
— Não sei, Martha. Acho que só o
saberei quando estiver cara a cara com ele...
Eu sempre notei que ele me olhava de um
modo agressivo... Maldito! Todo o tempo
tramando contra mim, planejando uma
vingança infame.
— Quando quer partir?
— Amanhã mesmo. Antes de irmos,
porém, preciso fazer algo. Havia um
envelope com o homem que matei...
— Está comigo, o xerife encontrou-o em
sua mão.
— Temos que mandar esse dinheiro para
Tucson. Há um banco em Socorro?
— Não, só vamos encontrar um em
Albuquerque...
— Então vamos levá-lo conosco. Tenho
que mandá-lo para a irmã do homem que
matei — falou ele.
Embora isso não tivesse muito sentido
para ela, Martha não questionou. Na
passagem por Albuquerque fariam aquilo.
Naquele sábado, Concho estava no
saloon, juntamente com os mineiros, que
vinham ajudando a cavar o túnel nas terras
que Wink se apossara de seu vizinho.
Embora o uísque fosse do melhor e as
mulheres as mais bonitas do saloon, tinha
motivos para estar intranqüilo.
Primeiro foi o corpo de Joe, encontrado
no caminho para por alguém no caminho
entre Stanley e Albuquerque.
Um vaqueiro, vindo daquelas bandas,
havia contado a história. Pela descrição do
morto, só poderia ser o rapaz que
acompanhava Dening.
Depois foi alguém contanto que estivera
na Casa de Conchita, em Albuquerque, e
vira as mulheres levando dois corpos para
serem enterrados nos fundos da casa.
Finalmente, foi aquele comentário do
tiroteio em Socorro, que vitimara o xerife.
Neste último, o assassino fora morte por um
forasteiro, que acabara ferido e à beira da
morte.
Concho juntou um mais um e chegou a
uma conclusão. Madson Jack não era tão
inofensivo quanto parecia. Quando
descobriu o massacre feito em sua cabana,
saíra para caçar os matadores, pegando um
por um.
Só não entendia como um rancheiro
simplório daqueles podia ter matado Dening
e seus amigos.
— Está muito sério hoje, Concho —
comentou uma das garotas, sentando-se no
colo dele.
— Impressão sua, Ruth. Só estou
preocupado em como vou gastar todo o
dinheiro que devo ganhar...
— Por que não me convida para ajudá-
lo?
— Sim, acho que farei isso — disse ele.
Naquele momento, a porta do saloon
abriu-se para dar passagem a um
desconhecido, sobressaltando-o.
Estava assim nos últimos dias. Cada
cavaleiro que se aproximava dele parecia
ser um inimigo.
— Por que não subimos até o meu
quarto? Hoje é sábado e você deve estar
precisando relaxar... Deixe que eu cuide de
você nesta noite — falou ela, com a voz
convincente, não admitindo uma recusa.
— Está bem... Acho que estou mesmo
precisando disso — afirmou ele, deixando-
se levar por ela.
Ruth o arrastou escada acima, sumindo
com ele pelo corredor. Naquele momento,
na porta do saloon, Madson o apontava para
Martha conhecê-lo.
— Aquele era Concho Valentine.
— Pois eu o conheço, Madson. Ele
trabalhava com um holandês em Tucson,
negociando gado. Só que trapacearam todo
mundo, enganando-os. Compravam gado
pelo preço de mercado e o revendiam
abaixo do preço. Só que não pagavam os
vendedores.
— Tem certeza disso? Wink Van Horn
sempre me pareceu um sujeito honesto...
— Se for o mesmo sujeito, saiba que ele
tinha uma fascinação estranha por prata.
Dizia que o Novo México estava assentado
no veio de prata mais rico do mundo.
— Cobra dos infernos! — praguejou
Madson. — Você está falando do bastardo
do Wink Van Horn. Não entendo...
Enquanto os dois conversavam, Rocky
Ordway, o especialista em explosivos que
trabalhava para Van Horn reconheceu
Madson. Disfarçadamente subiu a escada e,
avançando pelo corredor, foi bater na porta
do quarto de Ruth.
— Que diabos é isso... — ia dizendo
Concho, quando deu de cara com Rocky. —
O que está havendo, Rocky?
— Aquele rancheiro... Eu o vi lá
embaixo... Junto à porta.
— Não sabe o que está falando?
— Vá ver você mesmo?
Concho hesitou por instantes, depois
deixou o quarto e foi para a porta dos
fundos do pavimento superior.
Desceu a escada até o beco, depois
avançou por ele cuidadosamente, até poder
ter uma visão da porta de entrada do saloon.
Ali, acompanhado de uma mulher
desconhecido, mais magro e barbado, estava
o rancheiro.
— Maldição! — praguejou ele,
escondendo-se.
Não tinha dúvidas, era o rancheiro. Mas o
que estaria fazendo ali? Por onde andara?
Teria sido ele quem liquidara com Dening e
seus amigos?
Fosse como fosse, não se sentiu seguro.
Os dois Colts que levava nos quadris eram
efetivos contra adversários que ele
conhecia. Aquele rancheiro, no entanto,
surpreendia-o.
Desde quando o desafiara a provar sua
habilidade, Concho se intimidara com
aquele homem. Havia algo nos olhos de
Madson. Seu olhar não eram de um
rancheiro comum ou de um homem pacato.
Seu olhar era o de um matador.
Voltou pelo beco. Pediu a Ruth que
chamasse Rochy e mais alguns dos homens
da mina, que jogavam cartas no saloon.
Pretendia jogá-los todos contra Madson.
Martha, no entanto, percebeu aquela
estranha movimentação de homens sozinhos
subindo a escada para o andar superior.
— Mad, a menos que esteja acontecendo
uma grande festa lá em cima, não vejo razão
para tantos homens sozinhos subiram lá —
observou ela.
Ele atentou para esse detalhe. Martha
tinha razão.
— Vou descobrir o que está havendo —
disse ela.
Antes que ele pudesse detê-la, Martha
entrou no saloon, caminhando à vontade por
entre as mesas.
Logo alguém reconheceu a Dama de
Copas, saudando-a, cercando-a, girando ao
seu redor.
Madson não quis deixar todo o trabalho
para ela, por isso contornou o saloon,
entrando pelo mesmo beco onde Concho
observara-o minutos antes.
Subiu lentamente a escada, até o
pavimento superior, parando diante da porta
e tentando ouvir alguma movimentação lá
dentro.
Só então abriu-a, entrando. Viu o grupo
de homens no fim do corredor, prestes a
descer para o salão. Concho estava entre
eles. Foi até lá, observando-os atentamente.
Martha estava lá embaixo, às voltas com
inúmeros conhecidos.
— Cobra dos infernos! — murmurou
Madson, percebendo que os homens,
juntamente com o pistoleiro, saíam para a
rua a sua procura, retornando em seguida.
— Ela estava com ele — apontou
Concho, na direção de Martha. — Agarrem-
na.
Dois homens apressaram-se em segurar a
garota, levando-a para fora, sob os protestos
dos que a conheciam.
— Onde está ele? — indagou Concho,
quando a levaram para o beco.
— De quem está falando? — retrucou
ela, ignorando a pergunta que ele fizera.
O pistoleiro demonstrou logo sua
impaciência, esbofeteando-a com violência,
fazendo-a cuspir sangue.
— Seu bastardo nojento! — vociferou
ela.
— Onde está aquele maldito rancheiro?
— insistiu Concho.
— Procurando por mim? — indagou
Madson, surgindo no beco, com o Colt
pronto para a ação.
Concho e os outros ficaram imóveis,
olhando aquele homem decidido que os
encarava. Martha livrou-se dos braços que a
prendiam e correu para junto do caçador.
— Olá, rancheiro! — disse Concho,
adiantando-se e medindo seu oponente. —
Pensamos que tivesse morrido...
— Bem que tentaram... Por que está a
minha procura?
— Você? — gaguejou o pistoleiro.
— Não era por mim que procuravam?
— Deve haver algum engano...
Procurávamos um homem que trabalhou lá
na mina e roubou dinheiro dos outros...
Pensamos tê-lo visto na companhia dessa
garota...
— Enganaram-se, no entanto. Ela está
comigo. Quanto a você, alguns amigos seus
mandaram lembranças.
— Amigos? Lembranças? — balbuciou
Concho, intimidado.
Aquele olhar do rancheiro perturbava-o.
Eram olhos de um matador, sentia isso.
— Sim. Joe Sanders, Lou Newcomb,
Lubock Coolidge e Dening Stone...
— Não conheço nenhum deles —
gaguejou Concho.
— Pois eles o conheciam muito bem...
Pena que estejam mortos, assim como você
estará em breve.
— Do que está falando, afinal? —
vacilou o bandido, sem coragem para
enfrentá-lo.
Naquele momento, o xerife e alguns
ajudantes surgiram, portando rifles e
espingardas, fazendo-os dispersarem-se.
Concho reuniu-se com os homens junto
ao balcão, no saloon, enquanto Martha e
Madson iam registrar-se no hotel.
— Steve, siga os dois. Veja para onde
vão — ordenou o pistoleiro a um dos
homens, que saiu rapidamente.
— Quem é esse sujeito, Concho? — quis
saber outro deles.
— É um problema que atormenta o nosso
patrão. Estou certo que ele dará uma boa
gratificação a quem o livrá-lo dele.
— E quanto é essa boa gratificação? —
questionou outro.
— Talvez quinhentos dólares... talvez
mil...
— Fala sério? É mais do que ganharemos
em dois anos na mina... Se o problema for
esse, vamos dar um jeito nesse sujeito agora
mesmo — decidiu-se um deles, logo
apoiado pelos outros.
— Somos cinco, Concho. Isso dará
duzentos dólares cada um. É só ordenar e
iremos atrás dele agora mesmo.
— Se é isso o que querem, fiquem à
vontade, rapazes. Tão logo terminem o
serviço, fujam para a mina. Lá estarão
seguros.
O homem que seguira Madson e Martha
retornou naquele momento.
— Eles estão no hotel agora.
Concho olhou para os homens e fez um
sinal de cabeça, dando a entender que era
para irem atrás dos dois.
Animados com a perspectiva do ganho
fácil, os cinco homens deixaram o saloon,
caminharam pela rua com decisão e foram
até o hotel.
— Em que quarto hospedaram-se o
homem e a mulher que acabaram de chegar?
— indagaram ao garoto da portaria.
— Quarto quinze...
Um dos homens apanhou algumas
moedas e entregou-as ao garoto.
— Saia por alguns instantes, garoto. Vá
comprar uns doces. Você não nos viu por
aqui, entendeu?
Intimidado e ao mesmo tempo
agradecido, o garoto tratou de sair dali o
mais depressa possível.
Os cinco homens sacaram suas armas e
começaram a subir as escadas até onde
ficavam os quartos.
No número quinze, Martha estendera-se
na cama, enquanto que Madson tinha ficado
na janela observando a rua.
Viu quando os homens deixaram o saloon
e caminharam na direção do hotel. Em
seguida, viu o garoto correndo para longe.
— Acho que vamos ter companhia —
disse ele, sacando sua arma e examinando-
a.
— Quem são? — quis saber Martha,
apanhando o pesado Colt que carregava na
bolsa de mão.
— Não acha essa uma arma muito grande
para uma jogadora? — indagou ele.
— Tenho estas outras duas de reserva —
disse ela, levantando a saia e mostrando
dois Derringer presos na liga de suas meias.
Madson ouviu o ranger da madeira no
corredor. Fez um sinal para Martha sair de
frente da porta.
Por momentos fez-se um silêncio total.
No momento seguinte, a porta explodiu com
um pontapé e os cinco homens entraram
atirando, arrebentando o colchão e os
travesseiros, fazendo penas de ganso
voarem pelo quarto, que se encheu de
fumaça.
— Cadê eles? — berrou um dos homens,
aturdido.
— Aqui — respondeu Madson, que
colara-se à parede, juntamente com Martha.
Quando os homens começaram a virar-se,
Madson começou a disparar, batendo a mão
espalmada no cão da arma e mantendo o
gatilho pressionado.
As balas foram certeiras, varando corpos,
perfurando-os, fazendo o sangue espirrar e
ossos surgiram, estilhaçados, nos buracos de
saída dos projéteis.
Martha também disparou seu canhão de
mão, com igual pontaria. Os homens foram
jogados contra a parede, amontoando-se
grotescamente.
Quando a fuzilaria terminou, os cinco
estavam caídos. Martha e o caçador haviam
esgotado toda a munição de suas armas. Ele
começou a recarregar seu Colt.
— Concho não está entre eles —
observou Madson.
— Maldito! Se você não estivesse atento,
teríamos virado peneira — observou ela,
levantando a colcha da cama, toda cheia de
buracos.
— Tenho que ir atrás daquele pistoleiro
— falou Madson, tendo terminado de
recarregar sua arma.
— Não vai a lugar algum antes de me
explicar o que houve aqui — falou o xerife,
surgindo com seus auxiliares armados.
— Deixe-me terminar o que comecei,
depois eu lhe darei todas as explicações que
quiser, xerife — pediu o caçador.
— Nada feito. Primeiro você explica. Por
que os matou?
— Cobra dos infernos! — lastimou
Madson, porque sabia que Concho
descobriria que não conseguira seu intento,
tento tempo de fugir.
Contou ao xerife que os mesmos homens
que havia encarado no beco foram até o
hotel e entraram atirando, não lhes dando
outra alternativa a não ser responder ao
fogo.
Tudo estava muito evidente. Bastava ver
que todos haviam morrido com as armas nas
mãos e a cama estava crivada de balas.
— E por que eles queriam matá-lo? —
questionou o xerife.
— Não faço a menor idéia...
— Andou sumido por uns tempos, Sr.
Jack. Por onde andou?
— Caçando — respondeu Madson,
tomando Martha pela mão e levando-a dali.
Concho preferiu enfrentar a escuridão e
as perigosas encostas para retornar
imediatamente à mina. A volta do rancheiro
confirmava suas suspeitas.
Além de não terem feito um trabalho
completo, Dening e seus
amigos acabaram mortos.
Descobria, finalmente, que não estava
lidando com um homem comum. Madson
Jack poderia ter uma aparência inofensiva,
mas, no fundo, era um lobo, um abutre, um
lince perigoso e mortal.
Teria de enfrentá-lo, não restava a menor
dúvida. Quando o rancheiro visse as cercas
invadindo sua propriedade e a mina de prata
instalada em suas terras, na certa
protestaria. Wink Van Horn perderia tudo
que investira na extração da prata.
Eram sócios havia muito tempo. Juntos
logo estariam ricos. Não podia permitir que
nada se interpusesse em seu caminho.
Quando chegou, de madrugada, tratou de
acordar seu patrão e contar-lhe o que
acontecera na cidade.
— Diabos, Concho! Pensei que ele
estivesse morto...
— Pensei a mesma coisa, só que ele é
mais perigoso do que nós imaginávamos.
— Com certeza virá para cá amanhã
cedo. Verá a cerca, a mina... Temos de
impedí-lo.
— Pensei em algo no caminho...
— Então diga logo!
— Podemos esperá-lo amanhã, na
Garganta Glorieta, minando toda ela.
Quando ele passar, nós o explodimos, sem
deixar vestígios.
— Faça um bom trabalho, Concho.
Acabe com ele de uma vez por todas.
O pistoleiro tratou de providenciar tudo
naquele mesmo momento. Em breve o sol
surgiria. Com certeza o rancheiro partiria da
cidade logo ao amanhecer. Em breve
chegaria à garganta.
Apanhou dinamite e estopins no depósito,
enchendo os alforjes de sua sela, partindo
em seguida.
O dia amanhecia, quando chegou à
garganta e começou a instalar a dinamite,
numa seqüência ao longo da passagem.
Quando o rancheiro entrasse ali, acenderia o
estopim principal. Tudo explodiria quando
ele chegasse ao meio das cargas dispostas a
uma distância de alguns metros uma da
outra.
Ao terminar o trabalho, ficou a postos e
oculto. Teria de acender o estopim principal
e tratar de fugir logo dali.
Estava cansado pela noite atribulada.
Sentou-se na sombra de uma pedra e
esperou. Cochilou algumas vezes, até
acabar adormecendo.
Acordou com o barulho de cascos de
cavalos ecoando pelas paredes da garganta.
Rapidamente riscou um fósforo e acendeu o
estopim, correndo na direção do cavalo, que
deixara oculto.
Montou-o e saiu a galope. Naquele
momento, no meio da garganta, Madson
ouviu o cavalo em disparada.
— Ouviu isso? — indagou.
— Sim, um cavalo... Mad, olhe aquilo!
— falou ela, apontando para a fumaça que
subia rapidamente do meio das pedras.
Os olhos do caçador observaram o
caminho. Pôde ver os buracos recém-
cavados e os estopins que saíam deles.
— Dinamite! — gritou ele, batendo com
força na anca do cavalo montado por
Martha, que saiu em disparada.
Ele esporeou seu animal, forçando-o ao
máximo, tratando de sair dali o mais
depressa possível.
Os explosivos vieram explodindo numa
seqüência aterrorizante, jogando pedras
contra a parede oposta, levantando uma
nuvem de poeira e fumaça.
— Cobra dos infernos! — berrava
Madson, ferindo os flancos de seu animal
com as esporas, até ver-se fora da garganta,
juntamente com Martha.
— Diabos! Que hospitalidade a desta
terra — reclamou ela. — Atiram na gente,
explodem bombas, o que mais nos falta
agora?
Em resposta a sua pergunta, uma bala
assobiou junto de sua cabeça e foi
ricochetear numa pedra, num zumbindo
macabro.
Madson saltou sobre a garota,
derrubando-a da sela e levando-a para a
proteção de uma rocha.
— Maldição, Mad! Alguém nos quer
morto mesmo.
— Sim, alguém deseja muito isso —
confirmou ele, ouvindo de novo o tropel de
um cavalo ao longe.
Saiu de seu esconderijo e subiu na rocha.
O atirador já ia longe, deixando apenas uma
nuvem de poeira para indicar sua passagem.
— Quem acha que foi? — indagou
Martha, espanando as roupas cheias de
poeira.
— Com certeza foi Concho. É o único
com acesso a dinamite por estas bandas.
Mas por que esse maldito quer me matar?
— Isso só saberemos quando o
encontrarmos.
— Espero que isso não demore muito. Já
estou começando a ficar impaciente.
Apanharam seus cavalos e seguiram na
direção do rancho, tomando cuidado
redobrado.
Concho foi direto para a mina. Quando
chegou, Wink o aguardava preocupado.
— E então? — indagou, ansioso.
— Nada feito. Escaparam, não sei
como...
— Diabos, Concho! Não temos escolha
mesmo. Ele e a mulher que o acompanha
terão de morrer. Vá até o dormitório e
pegue alguns homens. Pague-lhes o que for
preciso e vá até o rancho e o
mate. Dinamite-o, queime-o, fuzile-o,
faça o que for preciso, mas acabe com ele
ou tudo que fizemos até agora estará
perdido.
— Não se preocupe. De qualquer
maneira, ele está vindo direto para a boca
do lobo. Nós o pegaremos, de um jeito ou
de outro, eu prometo — afirmou o
pistoleiro.
Pouco mais tarde, deixava o local com
um grupo de meia dúzia de mineiros,
armados até os dentes.
Rumaram para o rancho de Madson Jack.
Lá, ele e Martha haviam acabado de chegar.
Antes de mais nada, ele foi até os
túmulos de seus entes queridos e fez uma
prece silenciosa. Os assassinos estavam
mortos. Não era um consolo, não os traria
de volta, mas dava-lhe a certeza de que
ninguém mais sofreria por causa daqueles
bastardos assassinos.
Martha esperou que ele rendesse suas
homenagens à família. Enquanto isso, foi
examinar a cabana. O lugar estava uma
bagunça. Ainda havia manchas de sangue
espalhadas nos móveis e no assoalho.
— Martha querida, sei que não gosta
disso, mas terá de fazê-lo — comentou ela
consigo mesma, olhando ao redor.
Encontrou uma vassoura e um balde.
Antes de mais nada, apanhou os panos
manchados de sangue e o berço, levando-os
para fora e ateando-lhes fogo.
Depois foi até o poço, apanhou água e,
quando voltava, percebeu os cavaleiros que
se aproximavam.
— Mad! — gritou ela.
O caçador voltou-se e olhou na direção
apontada por ela.
— Temos visitas! — informou ela.
Madson sabia que tipo de visita seria
aquele. Correu até seu cavalo e apanhou sua
Winchester e a Overland, levando-as para
dentro da casa.
— Sabe usar uma dessas? — indagou,
entregando a Winchester para a garota.
— Posso tentar — disse ela, engatilhando
a arma com familiaridade.
Madson municiou sua espingarda, depois
foi até a janela, espiar os homens que se
aproximavam.
Eles formavam um leque agora,
avançando com a visível intenção de cercar
a casa.
A fumaça do berço que ardia logo à
frente incomodou-o. Aquilo poderia ser
uma péssima sugestão.
— São sete — contou ele. — Vão nos
cercar... E aquele abutre negro está entre
eles.
— Vamos ficar e nos defender?
— Você fica aqui e atrai a atenção deles.
Vou impedir que eles nos cerquem — falou
ele, indo para o quarto.
Martha foi no seu encalço.
— O que vai fazer?
— Vou sair pela janela. Vá lá na frente e
comece a disparar contra eles.
Martha obedeceu-o. Enquanto ele saltava
pela janela, ela foi para o seu posto. Apoiou
o cano da arma no parapeito da janela e
mirou cuidadosamente.
Quando enquadrou um deles na mira,
apertou o gatilho. A arma saltou, quando
disparou. Através da fumaça ela viu o
cavaleiro ser atirado fora de seu animal,
com um grito de dor.
Imediatamente os atacantes começaram a
disparar seus rifles contra a cabana.
Felizmente os troncos resistiam aos
impactos das balas, mas o mesmo não
acontecia com a porta e as janelas, que se
lascavam todas com a passagem dos
projéteis, que iam estilhaçando louças e
vidros no interior da cabana.
Martha abaixou-se, tapando os ouvidos
com as mãos, enquanto a saraivada de balas
continuava.
Lá fora, Madson havia se afastado o
suficiente para ter uma boa visão do
tiroteio.
Os homens foram tomando suas posições
e desmontando. Um deles foi na sua
direção, sem vê-lo, disparando contra a
cabana.
Madson esperou até que ele estivesse
perto. Então, surgindo inesperadamente
diante do cavaleiro, bateu com a coronha da
arma na perna do cavalo, fazendo-o cair e
jogar o homem que o montava no chão.
Antes que o atacante tivesse condições de
entender o que estava acontecendo, Madson
caiu sobre ele, golpeando-o no nariz com a
coronha da espingarda.
O homem gemeu, enquanto o sangue
escorria generosamente, transformando sua
cara numa máscara sangrenta.
Ainda assim ele tentou sacar seu
revólver. Madson praticamente encostou o
cano da arma na garganta dele e apertou os
dois gatilhos, degolando-o.
Um cheiro nauseando de carne queimada
misturou-se à fumaça. Rapidamente ele
remuniciou a espingarda.
Contou o número de armas que disparava
agora contra a cabana. Eram quatro. Martha
deveria ter acertado mais um, concluiu ele.
— Cobra dos infernos! — berrou, quando
o cavaleiro surgiu praticamente sobre ele,
atropelando-o com o animal e pisoteando-o.
Ele rolou na relva. O cavaleiro vira
quando ele atacara seu amigo e viera em seu
socorro.
Madson, ignorando as dores em seu
corpo, só se preocupava com aquele rifle
apontado para ele agora.
O tiroteio continuava cerrado contra a
cabana. Concho viu a fumaça do berço que
queimava e achou que, tendo os dois
encurralados lá dentro, o mais rápido era
queimá-los para obrigá-los a sair de lá.
Além disso, trouxera algumas bananas de
dinamite em seu alforje. A questão, porém,
era aproximar-se para atirá-las na certeza.
Do outro lado, Madson Jack rolava
desesperadamente, tentando fugir às patas
do cavalo e ao rifle que era apontado contra
ele. Não conseguia mirar o cavaleiro.
Não teve escolha, então. Apontou a
espingarda contra as patas do cavalo e
disparou, estraçalhando-as. O animal foi ao
chão e o homem sobre ele rolou. Seu rifle
voou longe.
Ele ficou gemendo, olhando a perna
quebrada e o osso que furara o tecido da
calça.
— Minha perna... Minha perna... —
repetia, sem entender o que aquele osso
estava fazendo fora de seu lugar normal.
Madson recarregou a arma. Apontou para
o cavalo e sacrificou-o. Depois, mancando,
aproximou-se do homem caído, que
levantou para ele seus olhos suplicantes.
— Ajude-me! — pediu ele,
pateticamente.
— Jamais deixo um animal sofrer —
disse Madson, apontando a arma para a
cabeça do outro e apertando o gatilho.
A cabeça transformou-se numa massa
sanguinolenta e disforme.
Não havia piedade alguma ou remorso
nos olhos do matador.
Ele correu, então, para um ponto
privilegiado. Viu que Concho disparava seu
rifle contra o berço na frente da casa. A
cada impacto de um projétil, o móvel era
empurrado para mais perto da parede.
— Cobra dos infernos! — praguejou ele,
observando também a posição dos outros
atiradores.
Dos sete que haviam chegado, restavam
quatro. Martha continuava disparando, mas
já não podia mirar com calma.
Ele correu, então, até onde estavam os
homens que ele havia acabado de matar e
apanhou seus rifles. De volta ao seu posto,
apontou com calma para o atacante mais
próximo.
Quando apertou o gatilho, viu o chapéu
voar da cabeça do homem, enquanto ele
caía para o lado com a cabeça partida.
— Três! — murmurou ele.
As balas começaram a assobiar sobre sua
cabeça. Havia revelado sua posição. Ele se
escondeu. Martha aproveitou-se da
distração dos homens lá fora e pôde mirar
atentamente contra um deles, atingindo-o.
— Dois! — comentou Madson,
agradecendo Martha pela pontaria.
O último dos mineiros que
acompanhavam Concho parou de atirar e
abaixou-se. Percebeu que apenas o
pistoleiro ainda atirava, tendo despedaçado
o berço e jogado a madeira e os tecidos em
chamas contra a parede.
Apavorou-o, no entanto, o fato de que
todos os seus amigos estavam mortos. Se
ficasse ali, teria o mesmo destino. Em
pânico, correu apanhar seu cavalo.
— Volte aqui, seu covarde! — gritou-lhe
Concho.
O mineiro não lhe deu resposta. Esporeou
seu cavalo e tentou afastar-se dali o mais
depressa possível.
— Seu bastardo! — berrou Concho, fora
de si, apontando seu rifle para o homem em
fuga e apertando o gatilho.
Com um grito o homem tombou para
frente, na sela, depois foi pendendo para o
lado, até cair. Seu pé ficou preso ao estribo
e seu corpo foi arrastado pelo animal em
disparada.
— Agora eu o pego — murmurou
Martha, enquadrando Concho em sua mira e
apertando o gatilho.
O pistoleiro gemeu, erguendo os braços e
deixando cair o rifle. Tombou para trás,
amaldiçoando a pontaria da garota.
Ao vê-lo atingido, Madson precipitou-se
de onde estava, correndo até o pistoleiro,
que tentava rastejar na direção de seu
cavalo.
Quando o alcançou, o rancheiro chutou-
lhe as costelas repetidas vezes, fazendo-o
gemer e rolar na relva.
Martha saiu da cabana e correu afastar o
que restava do berço em chamas. Depois
pegou água para jogar na parede, enquanto
Madson desarmava Concho e o obrigava a
sentar-se.
A bala que Martha disparara contra ele
havia atingido seu ombro direito e aberto
um rombo enorme, por onde o sangue fluía
continuamente.
— Estou morrendo, homem — falou
Concho, olhando os olhos frios de seu
oponente.
— Que se dane você, maldito! Que o
inferno o receba bem e que Satanás tenha
um bom lugar reservado para você...
Concho continuava olhando aqueles
olhos frios e sem emoção.
— Quem é você, afinal? — indagou o
pistoleiro. — Não é um rancheiro comum...
— Agora sou um rancheiro, mas, antes
disso, eu era conhecido como "Cachorro
Louco" Jack...
— O caçador...
— Sim, e você devia saber disso, não?
Afinal, por que mandou aqueles homens
matarem minha família?
Concho tossiu, sentindo fortes dores nas
costelas, quebradas a pontapés. O sangue
não cessava de escorrer de seu ferimento.
Martha aproximou-se dos dois.
— Não foi nada pessoal...
— Não? — surpreendeu-se Madson Jack.
— Claro que não... Você devia estar lá,
naquela noite, para ser morto junto com
todos... Teve sorte, maldição!
— Por quê?
— Por causa da mina de prata. O veio
conduzia na direção de suas terras.
Sabíamos disso desde o princípio... Você
não queria vender... Criar cavalos! Que
idiota! Há prata em suas terras, sabia?
Muita prata...
— E que interesse tinha você em...
— Será que não percebeu ainda que não
estou sozinho nisso? Foi Wink Van Horn
quem determinou a morte de vocês todos.
Ele queria ficar com as terras e as teria.
Naquela manhã, quando ele foi até sua
cabana e encontrou você vivo, ele estava
indo apenas para se certificar de que poderia
usar as suas terras para explorar a prata...
Pensamos que tivesse enlouquecido...
— Não acredito nisso... Ajudei Wink a
instalar-se aqui... Minha esposa e a dele
eram amigas...
— Ela nada sabe do plano... Se for até a
divisa das terras, vai descobrir que foi feita
uma certa, avançando sobre o seu lote. Ali
foi aberta a mina. Já está produzindo,
inclusive...Você pode ficar rico... O que vai
ser irônico... — gemeu Concho, começando
a rir.
— O que vai fazer com ele?
— Sangrando assim, não vai durar muito.
— Ei, rancheiro... Se um animal está
sofrendo, você o sacrifica, não? Não me
deixe sangrar até morrer... Mate-me! —
suplicou o pistoleiro.
Madson encarou-o com frieza.
— Nem todo o sofrimento do mundo e o
que certamente encontrará no inferno será
suficiente para fazê-lo pagar pelo que fez,
bastardo! — falou ele, virando-lhe as
costas.
Concho encolheu uma das pernas,
retirando dali uma faca. Com dificuldade
ergueu-a, prestes a arremessá-la nas costas
do rancheiro. Martha, no entanto, percebera
o movimento.
Com rapidez ela levantou a saia e sacou
um dos Derringer que trazia preso na liga,
disparando os dois canos quase que ao
mesmo tempo.
O tronco de Concho foi jogado para trás,
com dois buracos abertos na cara.
Estrebuchou por instantes, depois ficou
imóvel.
Madson olhou-se sem nenhuma piedade.
— Você é muito boa com seus
brinquedinhos — elogiou ele.
— E agora, Mad? O que vai fazer?
O rancheiro olhava na direção do cavalo
de Concho. Do alforje sobressaía-se os
estopins de algumas bananas de dinamite.
Foi até lá e apanhou-as.
— Tenho que terminar um trabalho,
Martha. Por que não fica e continua
cuidando da casa, como pretendia?
— Mad, não sou mulher de ficar em casa,
enquanto meu homem anda por aí.
Principalmente nesta terra esquisita, onde
todos são doidos para vê-lo morto. Aonde
você for, eu vou.
— Está bem, já vi que não se pode
discutir com você... — concordou ele.
Apanharam os cavalos e partiram
imediatamente. Madson queria terminar
aquele assunto o mais depressa possível.
Para ele fora um choque saber que Wink
Van Horn havia mandado matar sua família.
Mas, enquanto cavalgava, pensou que
Concho poderia ter inventado aquilo
também, só para incriminar o patrão.
Quando se encontrasse com Wink, no
entanto, saberia. Bastaria olhar nos olhos do
outro e teria a certeza.
Algum tempo depois, avistaram a cerca
de arame farpado, separando as duas
propriedades.
— Aquele bastardo falava a verdade —
comentou ele. — Veja a cerca... Avança
sobre as minhas terras. Maldito Wink!
— O que vai fazer se houver mesmo
prata em suas terras, Mad? — indagou ela.
— Dane-se a prata! Não a quero, já que
foi a causadora da morte de minha família...
Quero criar meu gado e meus cavalos, só
isso e nada mais.
— Há um espaço nisso para mim?
Ele a olhou com ternura.
— Habituei-me a tê-la ao meu lado,
Martha. Se quiser ficar, só vai me dar
alegrias.
Ela sorriu.
— Não é irônico? A Dama de Copas e
"Cachorro Louco" Jack aposentados e
juntos, criando cavalos, gado e...
— Crianças?
— Diabos, por que não? Ainda sou nova,
posso ter uma porção delas...
Pela primeira vez em muitos dias, então,
Madson Jack sorriu.
Não tinham cavalgado muito, quando
surgiu diante deles a depressão cavada a
dinamite e o buraco de entrada da mina.
Diante dela estava Wink Van Horn, que
estremeceu ao vê-lo chegar.
Madson esporeou seu cavalo, descendo
até lá. Ficou frente a frente com seu
vizinho, olhando-o nos olhos.
Wink abaixou a cabeça, intimidado. Seu
corpo tremia incontrolavelmente.
— Diga que não é verdade, Wink! Diga
que não participou dessa crueldade inútil!
— gritou Madson, alucinado.
Estava ali, diante dele, trêmulo e
indefeso, o homem que provocara toda a
tragédia que se abatera sobre a vida dele.
Saltou do cavalo e esbofeteou-o, ansioso
para que Wink reagisse e desse-lhe o
motivo que precisava para mata-lo.
Wink nem portava uma arma. Foi
recuando, na direção da entrada da mina, até
virar-se e correr de uma vez para dentro da
boca escura.
Madson começou a correr atrás dele.
Martha viu que Wink, ao entrar, havia
apanhado uma tocha e ateado fogo a uma
porção de estopins.
— Mad! — gritou ela, percebendo a
armadilha.
Ele não a ouviu e ia entrar no túnel. Ela
sacou um Derringer e disparou os dois
canos contra a parede rochosa, à frente dele.
— Está maluca ou o quê? — gritou ele,
virando-se para ela.
— Estopins... dinamite... — gritou ela,
esporeando seu cavalo na direção dele.
— Não, volte! — ordenou ele, mas
Martha não o obedeceu.
Galopou velozmente, passando em frente
à boca da mina. Madson agarrou-se ao
arção da sela e, firmando os pés no chão,
impulsionou o corpo para cima, caindo na
garupa do cavalo.
A força da explosão jogou-os com o
cavalo para frente, derrubando-os e
fazendo-os rolar na poeira, enquanto
pedaços de pedra choviam sobre eles.
Madson deitou-se sobre ela, protegendo-
a. Quando a fumaça e a poeira começaram a
se assentar, os dois se levantaram,
espanando-se e tossindo.
— Devo-lhe a vida de novo — falou ele.
— E Wink?
— Ficou lá dentro, deve ter morrido com
a explosão.
— O que vai dizer à família dele?
— Que houve um acidente... Aliás, vou
deixar que eles mesmos descubram isso.
Não acho que desejarão reabrir a mina... O
tempo se encarregará de curar as feridas
feitas na terra.
— E nos homens também — murmurou
ela, abraçando-o.
— No fim de tudo, será apenas mais uma
cicatriz — comentou ele, sentindo-se
cansado.
Antes de mais nada, queria dormir por
muito tempo. Depois, pouco a pouco, com a
ajuda de Martha, reconstruir sua vida.
Abutres Humanos
O fim da Guerra de Secessão
transformara o Sul dos Estados Unidos
numa terra de injustiças, onde vigorava
apenas uma lei, a lei dos vencedores.
Os homens e famílias que haviam
defendido o Exército Confederado, quando
voltaram, encontraram suas terras invadidas
e saqueadas, as colheitas perdidas, as casas
queimadas.
Quando tentaram se reerguer, voltando a
cultivar suas lavouras produtivas, a União
aplicou-lhes o golpe final, que foi a
cobrança de impostos atrasados.
Ninguém tinha dinheiro nem como pagar.
Os compradores de terra, mancomunados
com cobradores de impostos e banqueiros,
começaram a comprar por míseros níqueis
terras que valiam uma fortuna.
Sem suas terras, os confederados
tornaram-se exilados dentro de seu próprio
país. Muitos foram para o Oeste, tentar
esquecer os horrores da guerra e reiniciar
suas vidas. Outros, porém, preferiram ficar
e tentar, de alguma forma, combater aquela
injustiça, enfrentando os abutres humanos.
Na cidade de Atlanta, apesar da apressada
reconstrução iniciada pelos homens do
Norte, que vinham comprando
sistematicamente as propriedades, notava-se
muito bem essa injustiça.
A linha férrea que cortava a cidade
dividia-a como se fossem dois países
diferentes. De um lado o Norte,
progressista, em pleno desenvolvimento,
onde o dinheiro corria com facilidade. Do
outro lado, a marginalização de famílias
inteiras, morando em casas semi-destruídas,
vivendo dos restos que os vencedores
atiravam aos cães.
Famílias que haviam sido parte da nobre
aristocracia do sul do país eram agora
mendigos e derrotados. A cidade viviam
como uma bomba, prestes a explodir a
qualquer momento. Para manter a ordem e
sob equilíbrio a tênue divisão entre os dois
mundos completamente diferentes, apesar
de separados apenas pela linha férrea, a
União mandara para lá dois delegados
federais.
Cabia a eles zelar para que aquela revolta
latente que pairava sobre a cidade não
explodisse a qualquer momento.
Tudo parecia tranqüilo naquela noite
calma de verão, mas os dois homens da lei
sabiam que tudo aquilo poderia explodir
como uma panela de pipoca. A ronda
noturna era o momento de maior tensão
para os homens que patrulhavam a rua que
separava os dois territórios. De um lado os
confederados vencidos e, do outro, os
ianques vencedores e arrogantes.
Poucos delegados federais haviam se
sujeitado àquele trabalho. Mesmo os
detetives da Pinkerton evitavam toda e
qualquer ação na derrotada e amargurada
Atlanta.
Poucos, como Oates e Riley se
sujeitariam àquele trabalho. Eles o faziam
por uma curiosa coincidência. Um deles
servira no Exército Confederado; o outro,
no Ianque. Viviam naquela tensão como
haviam vivido a guerra, lutando contra seus
medos interiores, atirando nas chamas dos
rifles escondidos na escuridão, torcendo
para que a bala desgarrada acertasse o
artilheiro do canhão que poderia mandá-los
para o inferno.
E torciam para que o medo, de repente,
não invadisse suas veias, quando o próprio
demônio dissesse a senha do dia,
convidando-os para a eternidade.
Oates parou o cavalo numa esquina.
Segurou firme a rédea, contendo o ímpeto
do fogoso animal, depois apenas tocou a
espora em seu flanco, fazendo-o retomar o
caminho.
— Já conseguiu domá-lo? — quis saber
Riley.
— Não, e jamais o farei. Um animal
como este tem que ter instinto e reações
próprias. Não pode depender só do meu
comando, ele tem que se antecipar —
respondeu Oates, de olho na carruagem que
passava ao lado deles.
As janelas eram de madeira e estavam
fechadas, apesar do calor. Apenas uma
delas tinha uma pequena abertura, por onde
escapava fumaça de um gostoso charuto do
Alabama.
— Quem acha que está ali? — indagou
Riley, percebendo a preocupação do amigo,
enquanto se detinham e observavam.
— Acho que temos um coletor de
impostos, voltando para a cidade com a
bolsa cheia — respondeu Oates, retirando o
rifle Winchester que estava ao lado da sela e
pondo-o no seu colo.
Atrás daquela carruagem, havia uma
outra. Uma terceira passou e ficou à direita
da primeira e, por fim, uma quarta passou
pela esquerda. Estavam fechando a primeira
carruagem entre as três outras.
Aquilo chamou a atenção dos homens da
lei. Riley olhou atentamente para o curioso
séquito que seguia pela rua, depois para seu
amigo.
A Overland de dois canos e grosso
calibre estava em seu colo, carregada com
cartuchos municiados com esferas de
chumbo e com os gatilhos mais sensíveis de
todo o Condado.
— É o que estou pensando? — perguntou
Riley.
Oates concordou com um aceno de
cabeça. O cobrador de impostos seria
assaltado, sem perceber o que estava
acontecendo. Tinham de agir logo. Sair em
perseguição às três carruagens depois era o
mesmo que suicidar-se. Com certeza iriam
para a zona confederada da cidade e, ali,
seria loucura perseguí-los.
— Vamos começar a brincadeira fazendo
tiro ao alvo? — indago, engatilhando o seu
rifle.
— Não vejo outra saída — falou Riley,
fazendo o mesmo com sua espingarda.
— Não sabemos quantos estão dentro
daquelas carroças — respondeu Oates.
— Só há um jeito de descobrir — disse
Riley, esporeando seu cavalo e
emparelhando-se com a carruagem que ia
atrás das outras, no meio da rua.
Uma janela se abriu e ele viu surgir o
cano de um fuzil confederado. Freou seu
cavalo e disparou o rifle contra a porta da
carruagem. O poderoso projétil varou a
porta de madeira e atravessou o homem que
segurava a arma. O cocheiro havia sacado
um Colt e o apontava contra Riley.
Oates disparou sua espingarda de baixo
para cima, pegando o cocheiro mas costas e
jogando-o para o alto. O homem gemeu e
foi cair na poeira da rua, estrebuchando.
Outro pistoleiro surgiu na janela,
apontando uma espingarda. Riley fez um
rombo na porta da carruagem e o pistoleiro
foi jogado para o outro lado.
A carroça que ia à frente disparou pela
rua, seguida pelas duas outras, uma de cada
lado. Oates esporeou seu cavalo e avançou,
até poder atirar num dos cavalos. O animal
tropeçou, ferido mortalmente, e caiu,
fazendo a carruagem capotar numa nuvem
de poeira. O cocheiro caiu longe, com o
pescoço quebrado.
Imediatamente dois homens com fuzis
saíram da carruagem semi-destruída. Riley
passou por eles, em disparada, atirando com
sua espingarda. Simplesmente fez sumir a
cabeça de um deles com um disparo,
enquanto Riley atingia o outro em pleno
peito, jogando-o alguns metros para trás.
— Malditos! — gritou o cocheiro da
terceira carruagem, com um Colt na mão.
Começou a disparar, arrancando o chapéu
da cabeça de Riley.
— Proteja-se Riley — gritou Oates,
apontando na direção do atirador, enquanto
nas janelas da carruagem surgiam mais duas
armas apontadas para eles.
Riley agiu instintivamente. Após tanto
tempo trabalhando com Oates, sabia como o
parceiro agia. Abaixou-se na sela e, sob o
pescoço do cavalo, disparou um tiro em
cada um dos homens na carruagem. Oates
tinha seu rifle apontado na direção da
carruagem. No momento em que Riley se
abaixou, apertou o gatilho, com incrível
pontaria.
O cocheiro jamais soube o que o atingiu.
Seu peito tingiu-se na hora de vermelho e
ele voou para o meio da rua. O cavalo
andou um pouco mais, depois, sem
condutor, parou docilmente no meio da rua.
As poucas pessoas que ainda estavam na
rua sumiram. Todos sabiam que ali era a
terra de ninguém, separando a União dos
Confederados, vencedores dos vencidos.
O cheiro de pólvora foi levado
rapidamente pela brisa que soprava. Ainda
em alerta, Oates desceu do cavalo, seguido
pelo parceiro.
Escondidos atrás das janelas dos prédios,
sulistas e nortistas observavam o fim do
tiroteio, uns com alívio, outros com rancor.
A grande mansão abandonada, na
margem leste do Rio Chattahoochee parecia
preparado para uma guerra. Eles haviam
começado a chegar ao local antes do
anoitecer. Equipes de homens fortemente
armados circulavam pelos aposentos,
enquanto grupos caminhavam ao redor
mantendo severa vigilância.
O telhado havia sido ocupado. Duas
canoas patrulhavam os fundos, ancoradas
no rio. Carroças haviam sido espalhadas ao
longo da estrada, todas com homens
armados com fuzis, espingardas ou Colts.
Robert Woodfarm, o filho do patriarca da
família, o Coronel Swam Woodfarm,
comandava pessoalmente a operação, toda
ela montada pelo seu pai.
Às oito da noite, tudo estava preparado
para o aguardado encontro. De um lado,
representando os fazendeiros sulistas
despojados de suas terras, estava Luther
"The Dog" Masden; do outro, falando pelos
comerciantes de tabaco e ex-proprietários
de barcos principalmente, estava Titus
Warspite.
Luther chegou pontualmente. A carroça
parou no local indicado pelos homens da
segurança.
— Olá, Robert! — cumprimentou, ao ver
o rapaz parado na porta da mansão.
— Luther, é bom ver você! — disse
Robert, apontando o interior da sala, onde
uma mesa havia sido preparada para a
reunião.
Caminharam até lá. Luther olhava
atentamente ao redor, observado todo o
esquema de segurança montado.
— Quando me disseram que vocês
estavam por trás disso, não hesitei —
comentou Luther. — A nossa situação e a
de nossos compatriotas torna-se mais
desesperadora a cada dia.
— Para nós era uma questão de honra
fazer alguma coisa contra esse estado de
coisas, Luther.
— Agradeço a iniciativa de vocês —
falou Luther, com reconhecimento.
O líder dos fazendeiros tomou seu lugar
na mesa, sobre a qual havia um grande
mapa, representando a região de Atlanta. Os
dois conversaram sobre as injustiças que
vinham se sucedendo, enquanto
aguardavam a chegada do terceiro
participante da reunião, que chegou logo
depois. Ninguém faltaria a um encontro tão
importante, principalmente se convidado
pelo Coronel Woodfarm.
Angus Warspite desceu do cavalo com
seu sobretudo cinza, usando todas as
insígnias e medalhas que recebera por sua
participação na guerra fratricida. No
pescoço tinha o lenço vermelho, símbolo
dos guerrilheiros de Quantrill. Robert foi
recebê-lo e acompanhá-lo até à mesa, onde
Luther esperava-os.
Quando o outro aproximou-se, Luther
levantou-se. Olharam-se com um ódio que
já durava muito tempo, tempo demais até.
Um ódio que não tinha mais sentido agora.
Brigar e matar-se já não mais fazia parte
das vidas daqueles homens. O Coronel
julgava que isso poderia ser transformado
num acordo entre os dois líderes. Para eles,
a paz entre os confederados representaria
um grande passo para o ousado plano que
vinham acalentando: expulsar do Sul
aqueles abutres que vinham sugando a
vitalidade daquela gente derrotada e
desmoralizada.
A idéia era resgatar o orgulho sulista e
mandar os ianques de volta para o lugar de
onde vieram.
- Bem, cavalheiros, o fato de estarem os
dois aqui significa que entenderam nossos
argumentos, mostrando-se dispostos a
negociar não? — falou Robert.
— Você nos prometeu grandes
realizações. — disse Luther.
— Estamos esperando, pode falar —
acrescentou Angus.
— A idéia de meu pai é simples. Vamos
parar de brigar entre nós mesmos e começar
a brigar contra os nortistas. Titus tem
experiência e treinará os homens em táticas
de guerrilha. Luther organizará uma rede de
esconderijos e fornecimento de comida,
camas e munição entre os fazendeiros.
Vamos agir principalmente contra os
Bancos sulistas, os cobradores de impostos
e os leiloeiros, que vendem nossas terras em
praça pública. Vamos começar a recolher
nosso tesouro, amigos. Com ele nas mãos,
pagaremos os impostos e compraremos de
volta nossas terras. Veremos se esses
sulistas sanguessugas vão querer continuar
por aqui, quando começarmos a devolver-
lhes o fogo, o ferro e o sangue com que nos
têm tratado até agora. Estão entendendo?
Os dois líderes olharam-se por instantes.
O que Robert dizia tinha alguma lógica,
mas já fora tentado antes. Não havia como
combater aquela horda de invasores
arrogantes e prepotentes, com suas carteiras
cheias de dinheiro e a conivência dos
cobradores de impostos e juizes.
Angus comentou isso. Luther concordou
com ele. Robert sorriu matreiramente,
lembrando-se que seu pai pensara naquilo
também.
— Podemos maximizar nossas ações e
vitórias, fazendo os ianques brigarem entre
si.
— Como assim? — insistiu Angus.
— Vamos arrumar para eles um motivo
para se matarem. Se começarem a se
preocupar com eles mesmos, vão nos deixar
em paz por algum tempo, o suficiente para
nos organizarmos.
Luther e Angus trocaram um olhar de
visível entendimento. A idéia de Robert
tinha sentido. A questão agora era descobrir
como fazer isso.
Os dois olharam ao mesmo tempo na
direção de Robert.
— Como faríamos isso? — indagou
Titus.
— Nós temos um inimigo comum —
mencionou Luther. — Alguém que nos
incomoda e aborrece tanto quanto aborrece
e incomoda os sulistas... Os Delegados
Federais...
— Exato! — confirmou Robert.
— Sim, aqueles dois malditos! —
lembrou Luther.
— Principalmente aquele bastardo do
Delegado Oates Fordd.
— Esse é o pior de todos.
— Gostaria de pôr minhas mãos nele.
— E eu de arrancar-lhe o coração com as
próprias mãos...
Diante deles, Robert olhava-os com
satisfação. Havia conseguido uní-los em
torno de um objetivo, conforme seu pai
havia previsto. Os dois importantes
representantes já mostravam que havia
ainda orgulho e vontade de lutar dentro
deles.
— Perceberam, senhores, como isso pode
ser feito? — observou ele.
Os dois se voltaram para ele. Pensaram
por instantes, depois começaram a rir.
— Sim, percebemos — comentou Angus.
— Você e seu pai têm toda razão, Robert
— acrescentou Luther. — Só que Oates e
Riley são dois apenas e logo serão mortos...
— Mas a idéia é não deixar que isso
aconteça. E fazê-los provocar a ira dos
nortistas contra eles, infernizar-lhes as vidas
ao máximo, mas não matá-los. Eles serão
mais úteis vivos. Perceberam?
Desta vez os dois não demonstraram estar
muito certos do que Robert pretendia.
— Eles serão importantes para
fomentarmos o ódio contra os delegados
federais.
— Acho que estou entendendo — falou
Titus.
— Canalizando a preocupação e o ódio
para os federais, iniciaremos ações que
darão a entender que são eles agindo contra
os nortistas. Eles canalizarão toda a raiva e
a agressividade dos nossos invasores,
perceberam?
— É... Tem lógica — comentou Angus.
— Só que, mesmo assim, cedo ou tarde,
alguém vai pegá-lo — mencionou Angus.
— E então, quantos outros virão para
substituí-los? Dizem que os delegados
federais são como praga daninha. Se você
mata um, meia dúzia aparece ao redor.
Compreenderam?
Os dois olharam-se por instantes, depois
começaram a balançar suas cabeças num
sinal de aprovação.
— Muito esperto — comentou Angus.
— Pode funcionar — concordou Luther.
— Perfeito, senhores. Acho que pegaram
bem o espírito de nosso plano — elogiou
Robert.
— E quando começaríamos esse plano?
— questionou Luther.
— Antes de mais nada, precisamos
estabelecer toda a nossa estratégia. Estão
conosco nisso?
— Cem por cento — afirmou Luther. —
Garanto como todos nossos irmãos
fazendeiros vão adorar a simples idéia de
poderem resgatar suas terras ou não perder
o pedaço que ainda têm.
— E os comerciantes investirão até suas
últimas obturações de ouro para retomarem
o controle do comércio e da navegação
fluvial na região.
— Temos um acordo então, cavalheiros?
— indagou Robert, pondo sua mão aberta
acima da mesa, com a palma para baixo.
Angus e Luther mediram-se por instantes.
A velha desavença entre eles tinha mais
sentido.
Depois, com decisão, Titus pôs sua mão
sobre a de Robert e Luther, a dele sobre a de
Angus.
— Bebamos a isso, meus amigos — falou
a voz forte e inconfundível de Swam
Woodfarm, surgindo no algo da escadaria,
com seu uniforme confederado de gala,
coberto de medalhas e insígnias.
Titus Warspite pôs-se em pé e, em sinal e
respeito e honra, prestou continência ao
velho e experiente militar, que começou a
descer os degraus, fazendo um sinal para
um de seus homens.
Uma porta se abriu. Um grupo de homens
apareceu, com copos e garrafas, levando-os
para a mesa. Os homens ao redor sorriam
satisfeitos.
— Hoje é um dia que ficará para sempre
gravado na história deste país, meus irmãos.
Hoje foi o dia que declaramos nossa guerra
contra a União dos Estados Unidos e
decretamos a criação do Estado Livre da
Geórgia.
Os homens aplaudiram
entusiasticamente. Rolhas saltaram. Copos
foram enchidos e erguidos, num brinde
emocionado.
— Ao Estado Livre da Geórgia! — gritou
o coronel e todos responderam com a
mesma saudação.
Aquela prometia ser mais uma daquelas
longas e malditas noites de ronda naquele
território selvagem, o mais perigoso, o mais
temido e o mais assustador da cidade, uma
terra de ninguém separando perdedores de
vencedores.
Os dois delegados tinham, ainda, uma
razão especial para detestar aquele trabalho,
naquela região. O Xerife Jefferson não via
com bons olhos aquilo que ele julgava como
uma intromissão da União nos negócios da
cidade.
A presente dos dois federais criava um
problema de jurisdição, principalmente
considerando que os dois estavam onde a
encrenca acontecia, enquanto, para sua
felicidade ou infelicidade, o xerife estava
sempre no canto oposto.
Assim, com caras de poucos amigos o
xerife e seus auxiliares tiveram de ouvir o
cobrador de impostos derramar elogios
sobre a atuação dos delegados federais, os
únicos com competência para tornar as ruas
de Atlanta seguras para um cidadão
honesto.
— Veremos se vai se sentir dessa forma,
quando a situação mudar — murmurou o
xerife, entredentes.
O Delegado Oates Fordd ficou pensativo,
demonstrando a preocupação nas rugas que
vincavam sua testa.
O xerife não gostava deles, isso era um
fato incontestável e os dois sabiam disso.
Estava sempre preparando algo para tornar
mais difíceis a vida e o trabalho deles. Algo
lhe dizia que o xerife sabia de algo que eles
ainda não sabiam.
— Ele o deixou preocupado, Oates. O
que foi? — perguntou Riley.
— Esse sacana está sabendo de algo que
não sabemos.
— E você acha que pode ser o quê?
— Não sei ainda, mas vou descobrir.
— Como?
— Pensarei em algo. Vou ao restaurante
tomar um café. Vamos comigo?
— Particularmente eu preferiria um
uísque, depois dessa agitação toda. A cada
dia isto aqui se torna mais perigoso. Essa
gente está desesperada, meu amigo.
Caminhavam pela rua, puxando seus
cavalos, deixando para trás o xerife e seus
homens para limpar toda a sujeira. Um
negro com os cabelos cortados bem curtos,
roupas sujas e esfarrapadas, apontou a
cabeça num beco, chamando por Oates.
Os dois foram até ele.
— Ei, Oates, está acontecendo alguma
coisa lá para os lados do rio — disse ele.
— E o que é, Pete "Noite Escura"?
— Não sei dizer, mas havia muitos
homens... Gente com armas e uniformes...
— Alguma briga?
— Não, mais parecido com festa...
— Alguém conhecido?
— Pete é muito esperto para ter ido ver
de perto... Bastante gente... Carroças e
cavalos... Grande festa, com certeza.
— Se era uma festa, por que não foi até
lá, Pete?
— Pensa que sou louco? — retrucou o
outro, rindo e estendendo a mão.
— Onde foi isso, Pete?
— Na Mansão O'Brien, sabe onde é?
— Sim, acho que sim, Pete. Obrigado
pela informação — disse, enquanto punha
uma moeda na mão estendida.
Pete sumiu para dentro do beco.
— O que acha que pode ser? - indagou
Riley.
— Não sei, mas adoraria dar uma olhada.
— Pena que já acabou, não?
— Talvez encontremos alguma coisa
ainda... O que me diz? — indagou, olhando
para o parceiro
Era aquilo que tornava Oates um
delegado eficiente. Nada o intimidava.
Aquela sua maldita curiosidade o levava a
qualquer lugar, não importavam os riscos e
Riley já perdera a conta das encrencas em
que os dois já haviam se metido por causa
disso, desde que estavam ali. .
Oates fizera pergunta apenas por fazer.
Riley já o conhecia bem. Ele fazia pergunta
e já tratava de pô-la em prática, montando
seu cavalo. Riley tratou de fazer o mesmo.
Seu amigo já galopava a sua frente.
Todo o andar de cima da casa estava
destruído. A parte de baixo havia sido
precariamente adaptada para oferecer um
mínimo de conforto.
Nas paredes, pedaços retalhados de telas
e pinturas indicavam o bom gosto dos
moradores daquela mansão. Os lampiões
acesos não lembravam em nada o brilho
antigo, quando os candelabros de cristal
iluminavam soberbamente as paredes
luxuosamente decoradas, os tapetes e
cortinas vindos direto de Paris, além dos
móveis maciços e finamente entalhados por
mãos hábeis.
A mesa posta com um resto de luxo era
ocupado por apenas um velho, servido por
uma equipe de dois fiéis e antigos criados,
velhos demais para entenderem o
significado da libertação. Swam Woodfarm
chegava aos sessenta anos com grande
vitalidade e uma lucidez impressionante
para sua idade.
Havia lutado várias batalhas e conseguido
muitas vitórias, mas caíra na batalha final
de Kennesaw, quando os confederados
ofereceram a última e decisiva resistência,
antes da queda de Atlanta.
A derrota fora um golpe violento em seu
orgulho. Já não tinha mais a vitalidade de
antes e não conseguia se adaptar àquela vida
de privações. Para um homem como ele,
habituado ao luxo e ao comando, ver-se
naquela condição quase de um mendigo era
doloroso demais.
Por isso vinha preparando seu filho,
Robert Woodfarm, para levar adiante aquele
plano.
Havia relutado em prepará-lo, mas os
dias de miséria tornavam-se cada vez mais
dolorosos para ele. Aquela poderia ser sua
última chance de sair daquela situação de
penúria e recuperar a honra e a riqueza
perdidas.
— Bom trabalho, filho — disse-lhe o
velho, assim que Robert chegou.
— Pelo menos neste início, tudo
aconteceu conforme havia previsto, meu
pai.
— Eu tinha certeza que seria assim —
afirmou o velho.
— Continuo curioso, no entanto, para
saber o que tem em mente com tudo isso.
— Agora posso lhe contar, meu filho.
Essas ações contra os ianques, bem
planejadas, vão tornar esse tesouro que
pretendo amealhar muito grande, o bastante
para darmos o fora daqui, meu filho. Há
terras boas e baratas na Califórnia e no
Oregom. É para lá que iremos, recuperar a
tradição do nome Woodfarm.
Os olhos do rapaz brilharam de cobiça.
— Pensou nisso mesmo, pai?
— Sim, vamos tirar dos ianques o que
eles tiraram de nós...
— Mas os outros...
— Os outros são soldados e soldados dão
a vida, sem esperar recompensa, Robert.
Serem roubados pelos ianques ou por nós,
não fará nenhuma diferença para eles.
— Entendo! Parece-me um bom plano,
pai.
— E seu trabalho vai ser importante para
o sucesso de tudo isso, filho.
— Farei minha parte, pai. Pode ter
certeza — garantiu o rapaz, apanhando de
novo seu chapéu.
— Vai sair?
— Sim, vou tomar um trago com os
rapazes.
— Cuide-se, filho. Não aceite
provocações dos ianques, mas não volte
para casa trazendo uma ofensa.
— Entendido, pai — afirmou ele, saindo.
Lá fora o esperavam três de seus
melhores amigos.
— E então, Robert? — indagou um deles.
— Eu estava certo o tempo todo. O velho
e seu grande plano vão nos render um
verdadeiro tesouro. E o melhor é que não
vamos ter que repartir o tesouro —
comentou ele enquanto montava.
— E nós, onde entramos nisso, Robert?
— quis saber um outro.
— Apenas fiquem do meu lado, rapazes,
e não se arrependerão — prometeu ele.
— Onde vamos? Algum lugar em
especial, Robert? — indagaram.
— Vamos dar uma volta, enquanto
conversamos. Depois vamos ao Saloon da
Rose, ainda é cedo para ir para lá.
Um deles tirou uma garrafa de uísque do
alforje, estendendo-a para Robert, que
tomou um gole, saboreando a bebida,
enquanto pensava. A perspectiva de retornar
àquela vida de luxo e de conforto de
antigamente agradava-o muito.
Principalmente sabendo que iria fazê-lo
às custas dos malditos ianques.
Um grupo de nortistas, acompanhados de
duas garotas, retornava da igreja a pé,
quando foi abordado por um bando de
sulistas a cavalo. Os confederados, após a
derrota, haviam dolorosamente aprendido a
suportar as zombarias e a humilhação.
Tudo estava sob controle, até que um dos
cavaleiros inclinou-se e enfiou a mão pelo
decote de uma das garotas. Ela reagiu
furiosamente, cuspindo no rosto dele.
Imediatamente os cavaleiros atiraram seus
animais para cima do grupo. Não satisfeitos,
desmontaram e começaram a chutar e
esmurrar os homens caídos na poeira. As
garotas ficaram possessas, começando a
gritar no meio da rua.
Ninguém apareceu em socorro delas,
embora, atrás das portas e janelas, muita
gente assistia à cena.
Os sulistas tentaram correr, apesar de
espancados. Os nortistas apanharam seus
cavalos e foram no encalço deles,
empurrando-os contra um beco sem saída.
Ali desmontaram e recomeçaram a bater
nos seus inimigos.
Todas as armas dos sulistas haviam sido
confiscadas. Se um deles fosse apanhado
usando uma arma, mesmo que fosse um
canivete, era preso e severamente punido.
Por isso um deles havia relutado, mas ser
chutado como um cão e sentir suas costelas
sendo partidas foi demais para ele. De sob
seu sobretudo ele retirou uma espingarda de
dois canos. Os canos e a coronha haviam
sido cortados, tornando-a fácil de portar e
esconder, mas com um poder de fogo
violento a curta distância.
Ele engatilhou a arma e apontou-a na
direção de seus agressores. Apertou os dois
gatilhos ao mesmo tempo
A poderosa descarga atingiu em cheio o
rosto de um dos atacantes, fazendo sua
cabeça sumir em meio a uma nuvem de
sangue, miolos e cabelos.
Os outros tentaram fugir. Um deles,
porém, sacou seu Colt e começou a
disparar.
O primeiro disparo arrebentou uma
vidraça em algum ponto lá atrás. Outros
dois homens sacaram espingardas
semelhantes, disparando-as na direção do
bando que tentava abrigar-se atrás de uma
carroça.
— Vão me pagar caro por esta surra —
dizia o rapaz, enquanto remuniciava sua
espingarda.
O homem com o Colt na mão disparou o
segundo tiro, atingindo-o no peito e
jogando-o para trás.
Uma das garotas ergueu sua saia e retirou
dali um pequeno Derringer, de dois tiros.
Disparou contra o ianque, no momento em
que um de seus amigos também disparava
sua espingarda de caso serrado.
O ianque foi jogado para o alto e para
trás, caindo com os braços abertos e um
rombo enorme no peito.
— Malditos! Pegaram meu amigo —
gritou um ianque, saindo detrás da carroça e
correndo para o beco, disparando um rifle.
Um dos sulistas levantou sua Overland de
canos serrados e disparou, atingindo-o em
cheio. Ele jogou os braços e a Winchester
para o alto, enquanto era empurrado para
trás.
As garotas começaram a disparar também
contra os homens atrás da carroça. Elas
usavam Derringers, que seguravam com
ambas as mãos, enquanto disparavam sem
muita pontaria àquela distância, mas
arrancando lascas da carroça ou
arrebentando vidraças atrás deles.
Nas casas ao redor, as pessoas deitavam-
se no chão, buscando proteção contra aquele
inferno de chumbo.
Um dos nortistas havia conseguido
apanhar seu rifle na sela do cavalo e
começou a responder ao fogo, sem atingir
ninguém.
— Bastardos! — falou uma das garotas,
apanhando uma das tochas que iluminavam
a rua.
Arremessou na direção da carroça. A
garrafa caiu sobre a madeira, jogando
fagulhas para todo lado, mas continuando a
arder e espalhando rapidamente o fogo.
— Malditos rebeldes! — berrou um
deles, tentando apagar as chamas, batendo
com seu colete, mas incendiando-o e
jogando o fogo sobre seus amigos.
Eles trataram de fugir dali, tentando
correr para longe da carroça.
Um dos sulistas cortou-lhes o caminho
com sua espingarda engatilhada e apontou-a
para eles, disparando os dois canos sem
piedade.
A carga especialmente reforçada abriu-se
num leque mortal, atingindo todo eles e
derrubando-os. Alguns ainda ficaram se
contorcendo na poeira, com as roupas em
chamas. As garotas aproximaram-se e
foram imobilizando-os com certeiros
disparos de Derringer na cabeça.
Os corpos ficaram imóveis, ardendo
macabramente no meio da rua. Um dos
sulistas soltou o grito de guerra rebelde, no
momento em que Oates e Riley, atraídos
pelo tiroteio, dobravam a esquina a galope.
— Que diabos é isso? — indagou Riley,
surpreso, olhando aquelas estranhas
fogueiras ardendo no meio da rua.
A resposta veio em seguida com uma
série de disparos na direção deles.
— Oates, acho que não nos convidaram
para esta festa — gritou Riley, saltando do
cavalo e indo ocultar-se do outro lado da
rua.
— Diabos, esta noite promete —
comentou Oates, erguendo a sua Winchester
e disparando de volta.
Sua pontaria foi certeira. Três tiros
acertaram em seqüência o corpo de um dos
atiradores, jogando-o contra uma parede.
Quando escorregou para o chão, deixou
uma trilha de sangue na madeira.
— Filho de uma cadela!... Maldito! —
gritou uma das garotas, mirando sua
pequena arma na direção de Oates.
— É uma garota, Oates! — alertou Riley.
O delegado hesitou por instantes. Era
mesmo uma garota confederada, com os
cabelos soltos, correndo na direção dele
com uma Derringer em cada mão.
Riley percebeu a indecisão do amigo e
disparou sua Overland contra a garota,
jogando-a para trás, sobre o corpo em
chamas de um nortista.
A outra garota começou a correr na
direção de Riley, que tratou de remuniciar
sua arma.
— Pegue-a, Oates! Pegue-a ou ela vai me
acertar — pediu Riley, atrapalhando-se para
recarregar a espingarda.
— Diabos! — praguejou Oates,
apontando o rifle na direção da garota que
corria pela rua.
Jamais vira uma imagem tão
impressionante. A garota parecia fora de si,
disparando e remuniciando com rapidez as
armas que tinha mas mãos.
— Atire, demônios! — insistiu Riley, no
momento em que Oates apertava o gatilho.
Riley viu, na sua frente, a garota ser
puxada para trás por uma força invisível.
Seu corpo arrastou-se na poeira, ficando
imóvel, numa posição grotesca e retorcida.
O disparo secionara sua espinha e abrira
um rombo em sua barriga, jogando para
fora tudo que estava lá dentro.
Riley respirou aliviado, enquanto
remuniciava sua espingarda, engatilhando-a
em seguida. Avançou na direção dos corpos
que se espalhavam pela rua. Oates seguiu-o,
após recarregar sua arma também.
— Pensei que não fosse atirar - comentou
Riley.
— Era uma mulher...
— Pois então não pense nela como uma
mulher. Pense nela como uma assassina,
que é o que ela era, na verdade. Você já
tinha visto coisa assim antes?
O tropel de cavalos aproximando-se
indicava que o xerife e seus auxiliares, com
certeza, se aproximavam.
Como sempre, apareciam só quando o
tiroteio cessava.
— O que temos aqui? — indagou o
homem da lei.
— Uma besta a cavalo! — respondeu
Oates.
— Muito engraçado, delegado! Não acha
que já teve encrenca demais para uma só
noite? — insistiu o policial, desmontando.
Os curiosos chegaram em seguida. Oates
e Riley foram examinar a cena da tragédia e
tentar entender o que havia acontecido,
seguidos pelo xerife.
— Muito bem, pessoal: que diabos
aconteceu aqui? — indagou o xerife às
pessoas que saíam das casas, ainda com
olhar assustado.
Mais tochas foram acesas, iluminando
macabramente o cenário de morte.
— Os nortistas provocaram os nossos,
xerife. Começaram a surrá-los. Um dos
rapazes sacou uma espingarda e começou
um tiroteio. Estavam se saindo bem, até que
chegaram os dois federais — explicou uma
das pessoas.
Riley, percebendo que Oates afastara-se
para não demonstrar sua irritação para com
o xerife.
— Foi isso mesmo, Oates?
— Sim — antecipou-se Riley. —
Ouvimos o tiroteio e viemos ver o que
estava acontecendo, quando alguém atirou
em nós e revidamos, atirando de volta —
explicou.
Espero que esteja falando a verdade,
Riley. Seria uma pena ter de puní-los por
excesso de força...
Um grupo de cowboys que acabava de
chegar à cidade entrou no saloon com ar
cansado e poeira cobrindo seus rostos.
Quando chegaram no balcão, O bartender já
servira a bebida preferida de todos eles,
uísque puro.
— Burt, se minha mulher soubesse meus
gostos como você sabe, eu seria um homem
feliz — comentou um deles.
— Como foi o dia, rapazes? — indagou
Burt, que havia sido cowboy antes da guerra
e agora era sócio do Saloon da Rose, o mais
freqüentado da zona sulista da cidade.
— O mesmo trabalho de sempre, Burt —
falou Doyle, tirando o chapéu e esfregando
uma das mãos nos ralos cabelos. — O dia
inteiro olhando traseiros de vacas. Pelo
menos estamos livres do chumbo que anda
correndo solto pelas ruas de Atlanta, não?
Houve briga feia ainda há pouco. Passamos
por lá e vimos os cadáveres espalhados.
— Algum dos nossos?
— Dos dois lados.
— Sem contar que tentaram assaltar um
coletor de impostos nas barbas sabe de
quem?
— Oates Fordd?
— Ele mesmo. O bastardo é mais esperto
que uma serpente. Ele e Riley despacharam
uma porção deles para o inferno.
— Eram dos nossos?
— Acho que não, só pode ser gente de
fora. Quem seria maluco de tentar isso na
frente daqueles dois?
— É... Não devia mesmo conhecer Oates,
aquele demônio — comentou o bartender,
mas ninguém mais o ouvia, ocupados com
suas bebidas.
O bartender foi até o fim do balcão, onde
um velho grisalho, num surrado uniforme
confederado, bebia sozinho seu uísque.
— Como eu estava lhe dizendo, Burt,
parece que alguma coisa grande vai
começar a acontecer por aqui, depois
daquela reunião hoje na Mansão O'Brien.
Os rapazes todos estavam lá — comentou
ele.
— Tem alguma idéia do que seja?
— Nenhuma, mas o Coronel está no
meio.
— E o resto dos rapazes?
— Não falei com nenhum deles. Esperei
encontrá-los aqui.
— Ficarei atento. Alguém deverá saber o
que está acontecendo.
O bartender retornou ao balcão, onde os
cowboys terminavam suas bebidas. Repetiu-
lhes a dose.
Chamou-os para mais junto de si. Os
homens debruçaram-se sobre o balcão.
— Sabem alguma sobre o que houve lá
para os lados do rio esta noite, pessoal? —
indagou ele.
— Nada que saibamos com detalhes,
Burt. Parece que houve uma reunião do
nosso pessoal. Um amigo passou por lá,
mas muito depois e já não havia mais
ninguém para informar o que havia sido
resolvido. Sei apenas que há uma notícia
correndo por aí...
— Que notícia?
— Manda limparmos e remendarmos
nossos uniformes e dobrarmos o lenço
vermelho — informou o cowboy.
— Ninguém tem ao menos uma idéia do
que esteja acontecendo?
— Não sabemos ao certo, Burt, mas
estávamos justamente comentando isso.
Exceto por esses dois tiroteios, percebeu
como a noite está calma?
O bartender olhou ao seu redor. Percebeu
que a maioria de seus habituais fregueses
ainda não havia chegado. Sempre apareciam
com uma história a mais de humilhação e
sofrimento para contar. Naquela noite,
porém, pareciam não ter motivos para beber
e chorar as mágoas.
ã medida que a noite avançava, ao invés
de aumentarem as confusões, como sempre
acontecia, elas foram diminuindo. Dava
para sentir nos ossos que alguma coisa
estava acontecendo.
— Estranho? — comentava o bartender, a
todo momento, com ar pensativo.
Todos os fregueses que entravam tinham
a mesma sensação. Alguma coisa estava
acontecendo e eles desconheciam.
Era como se as pessoas tivessem alguma
coisa muito importante para fazer naquela
noite. Essa idéia não lhe saía da cabeça.
Passava um pouco das onze da noite,
quando o xerife e seus assistentes passaram
por ali para beber um trago.
— Que diabos estão fazendo aqui tão
cedo? — indagou ele.— Estão desertando
do serviço?
— Burt, tudo está em paz lá fora —
afirmou o xerife, num tom misterioso.
— Isso tem alguma coisa a ver com a
reunião na Mansão O'Brien?
— É possível...
A maneira como o xerife falava e sorria
misteriosamente dava a entender que sabia
o que estava acontecendo. E não podia ser
de outra maneira.
O Xerife Jefferson era um sulista que,
graças a sua tremenda habilidade e o apoio
do Coronel Woodfarm, conseguira ser
nomeado xerife da cidade dividida, tendo
livre trânsito nos dois territórios.
— O que está acontecendo? — insistiu o
bartender.— Os rapazes todos estão
curiosos, Rose está curiosa. Se é algo contra
os ianques, queremos todos saber e
participar.
— Vocês terão sua chance, só posso lhe
dizer isso por enquanto — assegurou o
homem da lei.
— Espero que seja para breve, xerife.
Estamos todos com esses ianques
atravessados na garganta — comentou o
bartender, mas interrompeu quando viu um
velho soldado, apoiado numa muleta, entrar
no bar e ir até uma parede, onde havia uma
bandeira confederada pregada.
Espetou um pedaço de pano vermelho
com um alfinete nela, deu o grito de guerra
rebelde, depois retirou-se diante de todos os
outros, que haviam feito silêncio.
O bartender deixou seu posto e foi até lá,
olhar o pano que ele deixara. Era um pedaço
de uma antiga bandeira confederada, com
um nome escrito nela: Quantrill, o
guerrilheiro que por muito tempo
infernizara os ianques com seus ataques às
cidades nortistas.
Seu bando havia sido, finalmente,
destruído, sobrando apenas alguns nomes
que agora enfeitavam cartazes de procura-
se, espalhados nas árvores de todo o país.
O pano vermelho significava que
Quantrill ou sua idéia estava de volta.
Quando retornou ao balcão, o xerife o
olhava com interesse. Burt podia sentir em
seus ossos que ele sabia algo sobre aquela
historia toda, mas não a contaria.
— É um recado para limparmos as armas
e os uniformes, xerife. Vamos voltar a agir
contra os ianques?
— Vamos deixar esse assunto de lado,
Burt. Apenas espere e vá limpando as
armas... — recomendou o xerife. — Onde
está Rose?
— Lá encima.
— Vou falar com ela.
— Vai contar o que está havendo?
— Talvez.
— E ela dirá a nós?
— Pergunte a ela — finalizou o xerife,
deixando-o sem resposta.
Os dois delegados haviam voltado para o
escritório, onde ficava a Delegacia Federal.
Após aqueles tiroteios, uma incrível calma
havia se abatido no lado sulista da cidade.
— O que acha que pode estar havendo?
— questionou Oates.
— Diabos como há muito tempo não vejo
esta cidade tão parada. Alguma coisa está
acontecendo?
— Será que tem alguma coisa a ver com
o que houve lá na beira do rio?
— Refere-se à movimentação na velha
Mansão O'Brien?
— Sim... Mas nada havia quando fomos
lá. Será que o negro não se enganou?
— Quem pode saber. O pobre Pete
"Noite Escura" não fica sóbrio desde que
começou a guerra, pelo que sei.
— Talvez possamos obter algumas
respostas — comentou Oates.
— Como?
— Indo ao Saloon da Rose.
— Onde?
— No Saloon da Rose — repetiu Oates.
Riley olhou-o com atenção, tentando
descobrir se realmente o amigo falava sério.
— Não, Oates, de jeito nenhum —
comentou, quando percebeu que sim.
— E por que não? Já estivemos lá antes...
— Ainda tenho a cicatriz nas costas da
garrafada que levei, quando você cismou de
não prestar continência àquela bandeira
esfarrapada na parede.
— Ora, Riley, eu não podia. Jurei minha
lealdade à União.
De repente, na janela que dava para um
beco ao lado da delegacia, alguém bateu
levemente.
Os dois delegados se olharam e sacaram
seus Colts ao mesmo tempo.
— Oates! — chamou alguém lá fora.
O delegado se aproximou da janela e,
quando ia abrí-la, uma voz feminina
sussurrou lá de fora.
— Não, não abra, delegado!
Oates sentiu suas velhas cicatrizes
doerem, alertando-o para um perigo muito
próximo e muito mais perigoso que um tiro
de Winchester.
Conhecia aquela voz, por mais que ela
tentasse disfarçá-la.
— O que deseja? — indagou ele.
— Oates — disse a voz feminina. — Se
for passar pela via férrea esta noite, olhe no
telhado da loja de ferragens.
— É você?
Um riso surpreso e ao mesmo tempo
envaidecido se ouviu do outro lado.
— Por favor, não abra a janela nem me
siga, delegado. Pode pôr a minha vida em
perigo — murmurou ela.
Oates ficou ali, colado à janela, tendo a
certeza de que aspirava o perfume dela, mas
nada podia fazer. A mulher tinha razão.
Toda e qualquer ação da parte dele poria a
vida dela em perigo.
— O que houve, Oates? — indagou
Riley.
— Acho que já demoramos demais para
fazermos nossa última ronda, Riley.
— Era ela?
— Com certeza.
— Quem pode querer sua cabeça tanto
assim, a ponto de querer matar um delegado
federal?
— Tem que ser mais do que pessoal,
Riley. Vamos ver se descobrimos o que é...
Riley apanhou sua espingarda, uma
bandoleira cheia de cartuchos, e seguiu-o.
— Desconfio, Riley, que há muita gente
que não gosta de nós nesta cidade, não
acha?
— É... Acho que você tem razão —
concordou Riley, seguindo-o. — Esta noite
estava calma demais para o meu gosto
mesmo. Detesto o sossego, a paz, a
tranqüilidade e a felicidade...
Uma tensão já conhecida instalou-se nos
dois delegados federais.
Alguma coisa estava acontecendo na
cidade. Uma coisa estranha que estava
tirando das ruas os rebeldes brigões e
deixando apenas os ianques provocadores à
procura de encrenca, sem encontrar. Teria
sido isso que os levara a armar aquela
emboscada?
Seria uma forma daqueles malditos se
divertirem?
Oates sabia muito bem que havia muitos
ianques veteranos de guerra que não
conseguia ir para a cama sem quebrar
algumas cabeças confederadas.
Desde o término da guerra e com a
chegada dos vencedores, Atlanta jamais
fora daquele jeito. Podia-se sentir no ar que
alguma coisa estava para acontecer. Era a
mesma sensação que precedia as batalhas,
na guerra de que haviam participado.
— Já percebeu, Riley? Já fizemos esta
ronda dezenas de vezes, mas nunca é a
mesma coisa. Nunca sabemos o que vamos
encontrar pela frente, não?
— Se não fosse pelos avisos que ela nos
manda, já teríamos morrido há muito
tempo, não?
— Com certeza!—
— E o que acha que está havendo na
cidade? O que significa essa trégua?
— Significa muita encrenca a caminho,
pode ter certeza — falou Oates, verificando
a barrigueira de seu cavalo, apertando-a
bem firme, depois montando.
Riley fez o mesmo.
— Como vamos enfrentar essa? —
indagou Riley, acomodando a espingarda no
coldre da sela.
— Vamos ver o cenário da batalha
primeiro — falou Oates, pondo seu cavalo
para andar.
Não rumaram direto para a rua paralela à
via férrea, onde era a divisa entre os dois
territórios da cidade.
Foram para a rua que ficava atrás da loja
de ferragens. Oates parou seu cavalo e
desceu, levando sua Winchester.
— O que vai fazer? — indagou Riley.
— Vamos ver como estão as coisas.
Riley desceu e seguiu-o. Aproximaram-se
e entraram num beco de onde podiam
observar o telhado da loja de ferragens.
— Vê alguma coisa? — indagou Riley.
— Se está lá, está imóvel e muito bem
escondido. Vamos ter de fazê-lo sair de lá,
Riley.
— Como quer fazer?
— Vou ficar aqui e você retorna até o
começo da rua. Avança devagar. Quando o
bastardo lá encima pôr o nariz para fora, eu
o acerto...
— E se houver mais de um lá?
— Eu tenho uma Winchester, acerto os
dois, não se preocupe.
— Ok, Oates! Vou voltar a fazer o que
me pede.
Enquanto Riley retornava até os cavalos,
Oates procurou a melhor posição para
apoiar sua Winchester, no beco. Dali, no
escuro, podia observar todo o telhado da
loja sem ser visto.
Não via sinal de ninguém lá.
Subitamente, porém, viu a chama de um
cigarro ardendo no alto do telhado.
Aquela brasa indicava a presença de
alguém lá. Engatilhou a Winchester e
esperou, atento a qualquer movimento.
Riley já devia estar no começo da rua. A
qualquer momento alguém teria de surgir lá
em cima.
— Bastardo filho da mãe! — murmurou
ele, quando uma cabeça surgiu lá encima,
com um fuzil na mão.
Um homem alto, usando chapéu, apontou
no alto do prédio, olhando a rua. Depois
abaixou-se para, em seguida, tomar posição
de tiro com seu fuzil.
Pelos movimentos de mão que fez, Oates
percebeu logo que se tratava de uma arma
especial. Sabia de que tipo era. Os soldados
sulistas haviam usado muito aquelas armas
no fim da guerra. Eram armas de longo
alcance, com luneta rudimentar e projéteis
especiais.
Riley estava em perigo, porque poderia
ser atingido de longe. Tratou de agir rápido.
Mirou cuidadosamente e disparou. Viu o
chapéu voar para cima, levando junto parte
da cabeça do atirador.
Riley esporeou seu cavalo e avançou em
disparada, ao ouvir o tiro.
— Você o pegou? — indagou, saltado do
cavalo com sua espingarda engatilhada e
pronta para disparar.
Oates havia corrido esconder-se atrás de
um bebedouro, olhando o telhado
atentamente.
— Sim, arranquei a cabeça do bastardo.
— Algum sinal de mais alguém?
— Não, havia apenas um. Vou subir lá
para verificar. Fique aqui e me dê cobertura.
Oates atravessou a rua e entrou no beco
atrás do prédio. Havia uma escada ali.
Enroscou a correia da Winchester no ombro
e começou a subir.
Tudo estava em silêncio ao redor. Oates
estava achando tudo aquilo muito estranho.
Viu o corpo caído no telhado. Não
precisaria chegar perto para ver que faltava-
lhe parte da cabeça. Mesmo assim foi até lá.
Estava interessado em algo. Junto ao corpo
havia um fuzil especial para atiradores de
emboscada, com mira telescópica,
semelhantes aos usados pelos nortistas,
como ele deduzira.
Conhecia aquela arma muito bem.
Apenas se ouvia seu som ao longe e um
corpo caía em algum lugar ao redor deles.
Quem estivesse na mira dele no momento
do disparo dificilmente escaparia.
A caixa de projéteis junto ao rifle
mostrava o tipo de bala empregada e sua
procedência: Exército dos Estados Unidos.
— Bastardos! — murmurou ele, sem
entender, inclinando-se para examinar o
rifle.
— Tudo bem, Oates? — indagou Riley,
surgindo no telhado.
— Sim, só havia um. Conhece este tipo
de arma? — indagou Oates.
— Sim, usei uma na guerra. É infalível.
De lá de cima Oates ficou olhando as
pessoas que saíam à rua, nos dois lados da
cidade, observando e tentando adivinhar o
que havia acontecido.
Oates ficou pensando como alguém
conseguiria aquela arma e a munição,
exclusivas do Exército da União. E por que
se daria ao trabalho de preparar uma
emboscada como aquelas.
Quem estava por trás de tudo aquilo?
Quem o desejava morto?
E por quê?
Tudo isso apenas confirmava para ele que
alguma coisa estranha, muito estranha,
acontecia em Atlanta.
E só havia uma forma de começar a
encontrar as respostas.
Era quase meia-noite quando Robert
Woodfarm chegou ao Saloon da Rose,
sendo saudado em pé, com palmas, pelos
presentes. O filho do Coronel Swam
Woodfarm era olhado com respeito. Mãos
se estenderam em sua direção e ele as foi
apertando, à medida que caminhava até o
balcão.
Burt já o esperava com uma garrafa de
brandy envelhecido, a bebida exclusiva do
coronel e, agora, de seu filho. Era a mais
cara do estabelecimento, mas nem o coronel
nem seu filho pagavam alguma coisa ali.
— Veja lá na parede - apontou Burt, na
direção da bandeira confederada, onde o
velho havia pregado o pedaço de pano
vermelho.
Robert e seus amigos sorriram. A notícia
corria rapidamente. Seria fácil mobilizar um
exército contra os ianques, mas os planos
deles não previam nenhum ato meritório ou
ação heróica.
— ã Confederação! — brindou ele e
todos se puseram em pé para brindar
também.
Um semicírculo se formou, deixando-o
no centro, apoiado ao balcão e olhando
aqueles rostos cheios de expectativa.
— Robert, é verdade o que andam
dizendo por aí? - indagaram.
— E o que andam dizendo por aí? —
devolveu ele.
— Aquilo! — insistiu o homem,
apontando na direção da bandeira na parede.
— Nada posso dizer, rapazes. Eu estaria
cometendo um crime de alta traição contra a
União. Nada sei de heróis que pretendem
resgatar a honra e o orgulho do povo sulista
— afirmou ele e, nas entrelinhas, todos
entenderam o que ele queria dizer.
— E poderíamos ajudar esses heróis, se
eles por acaso aparecessem? - quis saber
outro.
— Acredito que eles aceitariam toda a
ajuda possível, amigos. Esperem. Quando
for o momento, eles pedirão ajuda, se acaso
existirem mesmo.
— E seu pai, como está?
— Meu pai só fia satisfeito no lombo de
um cavalo e na expectativa de uma batalha.
Posso lhes afirmar que ele nunca esteve
melhor, rapazes.
— Um hurra para o coronel e seu filho!
— propôs alguém e o saloon estremeceu
com a saudação.
No momento seguinte ele se calou. No
alto da escada surgia Rose, com seu vestido
vermelho lembrando a bandeira
confederada. Todos os olhos se voltaram
para ela. A admiração e o desejo
estampava-se em todos os rostos.
Era a mulher mais desejadas de Atlanta,
mas ninguém podia afirmar que tinha
dormido com ela, nem o próprio coronel
nem seu filho. Rose era bela e inatingível.
O pianista tocou os primeiros acordes de
Dixieland. Rose começou a cantar com sua
voz levemente rouca, mas cheia de emoção
e vibração. Os homens contaram com ela.
Quando terminou, os aplausos
explodiram no saloon.
— Uma rodada por conta da casa, Burt
— declarou ela.
Os aplausos foram mais entusiasmados
ainda. Todos correram para o balcão. Burt
foi servindo os copos um a um. Rose foi até
a bandeira confederada na parede. Robert
foi ter com ela.
— Está sabendo das novidades? —
indagou ele.
— Sim, o xerife esteve aqui e me contou.
— Ótimo! Já começamos nosso trabalho.
Estamos nos organizando para entrar em
ação. Soube dos delegados federais?
— Sim, o xerife disse que eles estão
sendo ameaçados. Quem está por trás disso,
afinal?
— Ainda não sabemos, mas a morte deles
pode ser interessante para nós.
— Como assim?
— Seria ótimo para nós que apenas o
xerife ficasse no controle da lei em Atlanta.
Poderemos agir livremente, assaltando o
banco, os coletores de impostos e os
leiloeiros e compradores de terra.
— Se eles forem mortos, outros virão no
lugar deles...
— O xerife pode insistir junto aos seus
amigos ianques para que não façam isso.
Não sei como ficaria.
— A vida daqueles dois não será nada
fácil daqui para frente — comentou Rose.
— Hoje à noite escaparam de uma
emboscada, mas sabemos que puseram
quatro pistoleiros atrás deles. Cedo ou tarde
eles serão apanhados. É só uma questão de
tempo.
Rose ficou pensativa, traindo sua
preocupação. Robert sorriu
misteriosamente. Ele e alguns outros sabiam
do caso entre ela e Oates, desde quando ele
era major no Exército Confederado.
Naquela noite, quando o xerife a
procurara, foi para que ela avisasse Oates da
emboscada e ele pudesse se antecipar,
apanhando o atirador com a arma e a
munição nortista.
Aquilo daria o que pensar para o
delegado e fazia parte do plano de jogá-los
contra os ianques e vice-versa. Enquanto
eles se digladiavam, os sulistas agiriam,
roubando e saqueando.
Sem saber, Rose estava sendo usada
pelos líderes daquele plano, assim como
todo o resto dos inocentes colaboradores e
soldados que os ajudariam a enriquecer.
Apenas o Coronel, Robert, seus amigos e
o xerife sabiam do plano real: roubar em
proveito próprio.
— Vamos ter de contar com a sua ajuda,
Rose, para esconder eventualmente algum
dos nossos, tratar de feridos e até esconder o
produto dos roubos.
— Claro que sim, Robert. Ainda temos
toda a adega preparada para esse tipo de
coisa.
— Ótimo. É possível que tenhamos que
usá-la logo para esconder o produto do
nosso primeiro roubo... Aqui estará a salvo
e livre de encrencas. E falando nisso, olhe
só quem está chegando — disse ele, com
surpresa.
Oates estava entrando, acompanhado de
Riley. Enquanto os dois entravam, um
silêncio mortal pairou no saloon. Oates
parou, olhando para a parede onde estavam
Rose e Robert, junto à bandeira. Caminhou
até lá.
— Não, de novo não, Oates — falou ele,
seguindo-o, com a espingarda na mão,
pronta para fazer fogo.
— Por que isto? — indagou ele, retirando
o pano vermelho.
Alguns homens fizeram menção de
reagir, mas calaram-se quando Robert fez
um gesto pedindo calma.
— Pensei que ainda se lembrasse —
ironizou Robert. — Seu juramento à União
afetou sua memória?
— Lembro que este era o símbolo de um
cachorro louco chamado Quantrill, um
maldito bandido que matava mulheres e
crianças.
— Ele matava nortistas! — gritou
alguém.
— Americanos! — corrigiu Oates,
rasgando o pano e jogando-o no chão.
Um velho, sem o braço direito levantou-
se, aproximou-se, apanhou o pano e o
guardou com respeito.
— Maldição, Oates! Não precisava se
indispor com esses veteranos.
O delegado não o ouvia. Olhava para
Robert e para Rose alternadamente.
— O ar está ficando irrespirável — disse
a garota, deixando-os.
Oates acompanhou-a com os olhos,
enquanto ela ia para trás do balcão, ajudar a
servir os homens que, furiosos, bebiam
procurando ignorar a presença ofensiva dos
dois homens da lei, principalmente Oates, a
quem consideravam um traidor.
— Você pode ter seus defeitos, Oates,
mas devo reconhecer que é um sujeito
valente. Ou valente ou louco. Difícil
descobrir o que você é exatamente.
Oates ficou olhando para ele. Conhecia
Robert havia muito tempo. Era um covarde,
que passara a guerra toda num campo de
prisioneiros, após ter sido apanhado em sua
primeira batalha. Voltara para casa sem um
arranhão.
— Pensei que estivesse na festa — disse-
lhe Oates.
— Que festa?
— A festa que houve lá na Mansão
O'Brien.
O rosto de Robert não se alterou.
— Não pude ir — respondeu,
simplesmente, esboçando um sorriso irônico
e misterioso.
Oates não teve dúvida. Ele, assim como o
xerife, sabiam de alguma coisa.
Alguma coisa que tinha a ver com aquele
fuzil nortista encontrado com o
emboscador, naquela noite. Oates e Riley
haviam procurado em seus arquivos alguma
informação sobre o roubo de armas daquele
tipo, mas nada haviam encontrado. Teriam
de escrever uma carta e mandar para o
Exército para descobrir isso.
— Ficou preso a algum compromisso —
devolveu Oates, num tom de zombaria que
Robert entendeu imediatamente, pois o
delegado federal não perdia uma
oportunidade para alfinetá-lo por sua
medíocre participação na guerra.
Robert empalideceu e todo o seu corpo
enrijeceu. Mesmo assim, ele não perdeu o
controle. Num momento como aqueles valia
a pena manter a calma. Começar uma briga
com o delegado ali dentro poderia pôr a
perder todo o plano.
Oates deu-lhe lentamente as costas e
rumou para o balcão. Ele e Riley foram
ocupar uma das pontas, de onde podiam
observar todo o saloon, sem ninguém atrás
deles.
Os homens que bebiam por perto se
afastaram. Ele fez um sinal, pedindo que
Burt o atendesse. O bartender hesitou,
demonstrando sua aversão pelo delegado.
— Eu cuido disso — antecipou-se Rose,
apanhando uma garrafa de seu pior uísque.
— Quero do outro — exigiu Oates,
quando ela se aproximou.
Ela demonstrou sua contrariedade pela
careta em seu rosto e recuou, apanhando
outra garrafa.
Serviu os dois.
— Fico contente em ver que está bem...
— disse ela com sua voz de mulher
apaixonada, fazendo-o arrepiar-se dos pés à
cabeça.
— Você se arriscou muito... Como soube
da emboscada?
— O xerife me contou. Alguma coisa vai
começar a acontecer.
— Precisamos conversar a sós, de alguma
forma... — pediu ele.
— Não posso... Pode ser muito
perigoso... Você deve tomar muito cuidado
de agora em diante. Eles vão tentar matá-
los.
— Quem?
— Ninguém sabe... Quando você sair,
fique atento a quatro cavaleiros. Estão no
seu encalço...
Os dois conversavam como se Oates
estivesse dizendo gracejos a ela, que
demonstrava contrariedade no rosto. Só
Riley, ao lado, podia perceber o verdadeiro
conteúdo da conversa.
Seu olhar estava vigiando o saloon. Via
todos aqueles homens ansiosos para ter um
pretexto e partir para cima deles. A única
coisa que parecia mantê-los em calma era
Robert, ainda em pé junto à bandeira,
conversando com seus amigos e a
espingarda que ele, Riley, segurava
ostensivamente.
— É melhor eu me afastar ou você
começará a ter problemas com meus fãs.
— Preciso saber mais sobre o que está
acontecendo.
— Eu o aviso quando tiver mais
informações — arrematou ela, saindo de
perto deles.
— O que acha, Oates?
— Ainda não sei. Vamos investigar isso
mais a fundo. O problema agora é que há
alguém lá fora a nossa espera — disse. — E
o diabo é que estou apenas com o meu
Colt...
— Estou com minha espingarda aqui, não
se preocupe. Quando sairmos eu lhe dou
cobertura, até que pegue a Winchester.
— Vamos terminar nossa bebida e sair
logo daqui. O clima está ficando cada vez
mais pesado — observou Oates.
— Fiquei curioso com uma coisa, Oates
— disse Riley. — Se não são os rebeldes
que nos caçam, quem poderá ser?
— Se descobrirmos de onde veio aquele
fuzil ianque teríamos uma resposta.
— Pensei nisso também. Se os rebeldes
não são os responsáveis, acho bom
começarmos a considerar que nossos
inimigos estão no meio dos ianques.
— É isso que me preocupa. Se somos
hostilizados pelos sulistas e caçados pelos
nortistas, estamos no inferno, meu amigo.
No inferno e não sabemos o momento em
que seremos apresentados ao demônio em
pessoa — comentou Oates, examinando
disfarçadamente a carga de seu Colt.
— Vamos sair?
— Sim. Eu saio na frente. Você fica na
porta, de olho. Quando eu chegar ao meu
cavalo e empunhar a Winchester, você sai e
vai ao meu encontro. Ok?
— Ok! — confirmou Riley, verificando a
carga da espingarda e retirando dois
cartuchos da bandoleira e deixando-os de
reserva na mão.
Oates deixou uma moeda sobre a mesa.
Caminharam na direção da porta. Robert
olhou o rosto de Rose, que demonstrava
toda a sua expectativa, confirmando que
havia contado a Oates sobre a emboscada.
Pela maneira como os dois federais
rumavam para a porta, percebia-se a cautela
e a tensão em seus rostos.
Oates adiantou-se, saindo rapidamente e
caminhando na direção onde estava seu
cavalo. Riley parou na porta, com a
espingarda pronta para atirar.
Olhou para os lados. Diante do saloon
havia um beco. Riley teve certeza que viu
algo brilhar ali, mas hesitou. Não podia
disparar sem um motivo justo. Poderia
matar um inocente.
Seu amigo chegou no cavalo e começou a
sacar a Winchester.
Riley adiantou-se, olhando nas duas
direções, enquanto caminhava ao encontro
de Oates. Naquele momento, línguas de
fogo brotaram do beco e os projéteis
passaram assobiando ao redor dele, indo
encravar-se na parede do saloon.
— No beco! — gritou Riley, atirando-se
ao chão, protegendo-se atrás dos cavalos
amarrados no travessão.
Oates fez o mesmo. Uma dezena de
disparos foram feitos numa seqüência
atordoante, depois o silêncio dominou a rua.
Momentos depois, o tropel de cavalos
indicava que os atacantes haviam se
afastado.
Os dois se levantaram, espanando a
poeira das roupas. Rose foi a primeira a
deixar o saloon. Ao vê-los com vida,
respirou aliviado, levando as mãos ao peito.
— Está tudo bem, pessoal! Eles não
tinham muita pontaria — comentou Oates,
guardando a Winchester na sela.
Montou seu cavalo, imitado por Riley.
Robert Woodfarm estava parado na porta,
olhando-os e sua expressão não era de
desapontamento. Parecia satisfeito e isso
Oates não entendeu.
— Vamos tentar seguí-los? — indagou
Riley.
— Aqui, no setor sulista da cidade?
Jamais os encontraríamos e eles teriam
facilidade para nos preparar nova
emboscada.
— Não estou gostando nada disso, Oates.
Esse negócio de servir de alvo não me
agrada nem um pouco.
— Paciência, meu amigo! Vamos
descobrir quem está por trás disso tudo —
afirmou Oates, esporeando seu cavalo.
Os dois delegados já haviam se afastado,
quando chegou o xerife. Ao ver Robert, foi
ter com ele na mesa onde bebia com seus
amigos.
— Puxe uma cadeira, xerife! —
convidou-o.
O xerife se sentou, cheio de curiosidade.
— E então? — indagou.
— Tudo perfeito, xerife.
— Eles não desconfiaram?
— Nem um pouco.
— E Rose?
— Perfeita em seu papel.
— Ela vai ser muito útil para nós,
despistando os federais, enquanto agimos.
Estive com alguns compradores de terras no
hotel hoje à noite. Amanhã vai haver o
leilão da Fazenda Graceland. Algumas das
carteiras mais abarrotadas do Estado estarão
lá.
— Excelente, xerife! Poderemos dar
nosso primeiro golpe amanhã, então.
— Sim, a operação já está toda montada.
Eu e meus rapazes estaremos montando
guarda, mas não haverá reação. Os homens
chegarão no início do leilão, roubarão todos
que estiverem lá, depois fugirão para o
outro lado do rio. Um emissário será
mandado para cá, para trazer o produto do
roubo.
— Ótimo! Vamos escondê-lo na adega
do saloon. Rose já concordou.
— Acha que poderemos confiar nela
quanto a isso? Se ela contar ao delegado
federal, perderemos todo o nosso tesouro.
— Não se preocupe quanto a isso. Rose é
fiel à Confederação. Seu único mal foi
apaixonar-se por Oates. Enquanto não
fizermos mal a ele, ela se manterá do nosso
lado, ajudando-nos como fez durante toda a
guerra.
— Espero que tenha razão quanto a isso.
— Tenho, não se preocupe. É uma pena
que meu pai não possa estar presente. Ele
iria adorar ver a cara desses ianques,
enquanto entregam suas carteiras.
— Pois eu vou ter essa felicidade. Depois
eu conto a ele — falou o xerife e todos
riram.
No outro lado do salão, Rose servia
alguns cowboys que acabavam de chegar,
mas mantinha-se atenta ao que se passava lá
na mesa, agora que o xerife chegara.
Não estava se sentindo muito segura a
respeito deles. Pareciam não estar lhe
contando toda a verdade. Havia alguma
coisa no ar que ela não conseguia entender.
A começar por aqueles atentados contra
os dois delegados federais. Como o xerife e
Robert haviam tomado conhecimento disso?
Sua intuição feminina lhe dizia que não
estavam lhe contando toda a verdade a
respeito daquele plano de resistência contra
a dominação dos ianques.
Roubar dos malditos ianques para ajudar
os compatriotas rebeldes era uma ação
meritória, segundo ela. Só que, agora, não
se sentia tão segura a respeito disso.
Oates e Riley voltaram para o escritório.
Oates estava intrigado com tudo aquilo que
estava acontecendo. Duas emboscadas
numa noite davam o que pensar. Foi
apanhar o fuzil militar que haviam tentado
usar contra eles algumas horas antes.
— O que o preocupa, Oates? — indagou
Riley.
— Não sei, companheiro, mas há alguma
coisa errada nisso tudo.
— Sim, muito errada. Estão nos usando
como alvo.
— Não é isso. Na primeira emboscada,
alguém deixou escapar o plano para Rose.
Na segunda, também, só que eles tiveram
chance de atirar. Você erraria daquela
distância?
— Mesmo considerando a escuridão, eu
acho que não. Atirando no escuro eu acho
que acertei um deles...
— Também tive essa impressão. Mas por
que homens treinados ou hábeis para atirar
teriam errado o alvo tão vergonhosamente?
— Acha que erraram deliberadamente?
— É uma hipótese.
— Por quê?
— Por que talvez querem que pensemos
que alguém quer nos matar.
— Não vejo lógica nisso.
— Nem eu, mas é o que me vem à
cabeça.
Enquanto os dois pensavam, lá fora, num
beco, os quatro homens que haviam
participado da emboscada diante do saloon
conversavam.
Um deles havia sido atingido e estava
inconformado.
— As ordens foram claras, Pete. Só
tínhamos que assustá-los.
— E isto é susto? — retrucou o rapaz,
mostrando a mão suja de sangue.
Um dos tiros de Riley havia acertado seu
braço esquerdo, deixando ali alguns caroços
de chumbo grosso.
— Foi aquele maldito com a espingarda e
eu vou acertar contas com ele — disse o
rapaz, sacando seu Colt.
— Vai ter que explicar isso ao Coronel
depois.
— Dane-se o Coronel — respondeu ele,
atravessando a rua com a arma engatilhada.
— Então vai fazer isso sozinho —
disseram os outros, indo apanhar seus
cavalos.
Aproximou-se de uma janela aberta,
espreitando sorrateiramente. Viu Riley em
pé, de costas e não hesitou. Levantou a
arma e atirou.
Riley foi jogado para cima da mesa de
Oates, que sacou rapidamente a arma,
enquanto amparava o amigo.
— Riley! — gritou, ao sentir sangue em
sua mão.
Acomodou-o no assoalho e correu para a
porta. Viu o homem que corria na direção
de um beco e fez fogo. O matador rodopiou
e caiu na poeira.
— Oates! — chamou-o Riley.
Ele retornou para junto do amigo.
— Estou mal... Estou mal, Oates! —
murmurou Riley.
— Vou chamar o médico, Riley. Agüente
firme! — disse o delegado, levantando-se e
indo até a porta.
Não viu o homem em quem atirava.
Havia um médico logo ali perto e, com
alívio, Oates viu que já havia luz naquela
casa. Quando abriu a porta para ir até lá, o
médico já vinha saindo com sua maleta. Foi
ao encontro dele.
— Lá dentro, foi meu amigo, acertaram-
no nas costas — avisou, retornando.
O médico fez um rápido exame.
— Teve sorte, a bala não atingiu nenhum
órgão vital. Vou tentar tirá-la a parar a
hemorragia.
— Precisa de ajuda?
— Não, só traga aquela luz para mais
perto.
Oates fez o que ele pedira, depois
apanhou seu rifle e foi no encalço do
homem que havia disparado contra Riley.
Aquilo mudava todas as suas conclusões.
Estavam querendo matá-los de verdade.
— Demônios! — murmurou ele. — Foi
para o lado rebelde da cidade — concluiu,
seguindo a trilha de sangue que havia
entrado pelo beco e saído na outra rua.
Dali rumava na direção da linha férrea.
Aquele homem tinha poucos minutos de
dianteira. Estava rumando para um lugar
definido. Se descobrisse para onde iam,
tudo se tornaria mais fácil, pois poderia
antecipar suas ações.
Naquele caso, tinha uma motivação
especial. Apanhar aquele homem vivo era
uma questão de honra. Poderia fazê-lo falar
e descobrir o que estava acontecendo na
cidade realmente.
Atravessou a linha férrea. A trilha de
sangue continuava na poeira na direção de
um saloon que havia ali perto. Era para lá
que o ferido se dirigia.
Deixou seu rifle engatilhado e caminhou
lentamente na direção do saloon.
Não havia movimento nas ruas. Diante
daquele saloon, havia apenas dois cavalos
amarrados.
Aproximou-se cuidadosamente da porta.
Antes de entrar, sondou o interior.
Apenas dois homens bebiam,
conversando com o bartender. Nenhum
deles estava ferido. A trilha de sangue era
nítida, no entanto, entrando, passando pelo
salão e subindo as escadas na direção do
pavimento superior.
Entrou e dirigiu-se calmamente ao
balcão.
— O que vai ser, delegado? — indagou-
lhe o bartender.
— Uísque.
O homem serviu-o rapidamente.
— Parece assustado, delegado. O que
houve?
— Procuro um homem — respondeu
Oates, os olhos atentos aos dois homens ao
seu lado e ao alto da escada.
— Acho que veio ao lugar errado,
delegado. Se quiser uma garota... —
ironizou o bartender.
Os dois homens ao lado riram. O homem
atrás do balcão também segurou-se para não
rir. Oates fuzilou-o com seu olhar mais
glacial.
— Procuro um homem ferido. Deve ter
entrado aqui há poucos minutos — disse
ele.
— Não me lembro de ter visto ninguém
entrar... Viram alguma coisa assim,
rapazes? — indagou aos dois homens que
bebiam ao lado.
— Depende de quem quer saber —
respondeu um deles e os dois se viraram
para encarar Oates .
— Eu quero saber — falou o delegado
federal.— E quem é você?
— Meus amigos me chamam de Oates ...
Meus inimigos costumavam me chamar de
Fordd — afirmou ele, desabotoando a capa
e abrindo-a para revelar o Colt.
— Fordd? Oates Fordd? — repetiu o
homem, engolindo seco.
— Sim, você ouviu bem, rapaz. Viu um
homem ferido entrar ainda há pouco?
— Não estava de costas... Sinto muito,
Sr. Fordd .
Uma garota estava tirando garrafas de
uma caixa e arrumando-as na prateleira,
atrás do balcão. Parou e voltou-se para
encarar Oates.
— Eu vi aquele rapaz ferido, o
amiguinho de Norma. Os dois estão juntos
lá encima — falou ela.
— Há mais alguém com eles?
— Apenas os dois.
— Não sei.
— Em que quarto estão?
— Quarto cinco, no meio do corredor, à
direita.
Oates entornou o uísque, depois retirou o
Colt do coldre, verificando sua carga.
Guardou-o em seguida. Apanhou o rifle que
deixara sobre o balcão, já engatilhado.
Caminhou na direção da escada.
— Espere um pouco, homem! O que
pretende fazer?
— Vou pegar aquele filho da mãe! —
respondeu Oates, sem se deter.
— Bob, vá chamar o xerife ou um de
seus auxiliares. Deve encontrar alguém no
Saloon da Rose! — pediu o bartender a um
dos homens que bebiam ali.
— Vai haver encrenca da grossa — falou
Bob, apressando-se em fazer o que o outro
lhe pedira.
Enquanto ele saía, Oates subia a escada.
Avançou lentamente pelo corredor, até
parar diante da porta. A trilha de sangue era
bem nítida. Respirou fundo. Não sabia o
que encontraria pela frente, mas sabia como
enfrentar uma situação como aquelas. Não
era diferente de muitas que enfrentara antes.
Segurou firme o rifle. Em seguida, meteu
o pé na porta. Com um barulho de madeira
sendo lascada lascando, a porta se abriu até
o fim.
Na cama, Pete assustou-se ao ver aquele
homem entrar com a arma apontada para
ele. A garota que lhe fazia um curativo
pulou para um canto.,
— O que está havendo aqui? — indagou
ela, assustada.
Pete olhava para o coldre de seu cinturão,
que pendia ao lado de sua cabeça, preso na
cabeceira da cama.
— Quem é você? O que pensa que está
fazendo aqui? — indagou o pistoleiro,
assustado.
Oates aproximou-se, apanhou o cinturão
dele e jogou-o para longe. Olhou o
ferimento no braço, feito por uma
espingarda, e o outro na coxa, feito por um
Colt.
— Onde conseguiu esses ferimentos? —
indagou.
— Numa briga...
— Onde?
— Por que quer saber? — retrucou o
rapaz.
Oates inclinou-se sobre ele como se fosse
dizer-lhe alguma coisa. Ao invés disso, o
cano de sua arma atingiu a coxa ferida, que
urrou de dor.
O sangue começou a escorrer novamente,
enquanto o rapaz encolhia-se todo na cama.
Oates o fez sentar-se com as costas
apoiadas contra a cabeceira da cama. Pete
tentava fazer parar o sangue que escorria.
— Não pode fazer isso — falou a garota.
— Este bastardo e mais alguns amigos
atacaram-me ainda há pouco. Balearam meu
parceiro. Acha que não tenho o direito de
fazer o mesmo com ele?
— Eu não fiz nada disso — defendeu-se
Pete.
— Dê o fora! — disse o delegado a ela.
A garota sumiu rapidamente pela porta.
— Agora só nós — falou-lhe Oates,
olhando-o com profundo ódio.
Pete viu a frieza estampada nos olhos
daquele homem diante dele. Eram olhos
assustadores, que pareciam vasculhar sua
alma.
— Você tem que acreditar em mim... Não
fiz nada...
Novamente o cano da arma atingiu Pete,
desta vez no braço ferido. Um filete de
sangue começou escorrer por debaixo da
bandagem aplicada às pressas.
— Vamos por parte, seu covarde. Antes
de mais nada, quero saber os nomes de seus
amigos e para onde eles foram — indagou-
lhe Oates.
— Não sei de nada... Não posso lhe dizer
nada...
— Não sabe ou não pode? — insistiu
Oates.
O rapaz ficou indeciso, sem saber o que
fazer.
— Vista-se! — ordenou-lhe Oates.
— Não pode fazer isso comigo... Eles
vão me matar... — choromingou ele.
— Quem vai matá-lo?
— Não posso dizer — insistiu Pete,
sentando-se com dificuldade e apanhando
suas botas.
Calçou com dificuldade a primeira.
Quando apanhou a segunda, sua mão
firmou-se no cabo de uma faca.
— Preciso de uma camisa limpa. Tem
naquele guarda-roupa — falou o rapaz.
Oates olhou na direção. Pete sacou a faca
e ergueu o braço para arremessá-la nas
costas de Oates. O delegado federal, no
entanto, estava alerta.
Girou o corpo rapidamente e bateu com a
coronha do rifle encima do nariz do
pistoleiro, que soltou a faca, gemendo e
tentando estancar o sangue que brotava de
seu nariz quebrado.
— Se tentar mais uma dessas gracinhas,
acabo com sua raça, seu bastardo! — rugiu
Oates. — Vista essa bota.
Foi até o armário, apanhou uma camisa e
jogou-a encima de Pete. O rapaz terminou
de se vestir com dificuldade.
— Vamos dar um passeio agora —
ordenou Oates, segurando-o pelo pescoço e
jogando-o na direção da porta.
Ele caiu exatamente nos pés do xerife e
de Robert Woodfarm, que acabavam de
chegar.
— O que está havendo aqui, delegado?
— indagou o xerife, trêmulo de raiva.
Robert reconheceu logo Pete, um dos
homens que haviam sido mandados para
emboscar os delegados.
— Estou efetuando uma prisão, xerife.
Vou levar este homem para interrogatório.
— Ele está ferido... Precisa ser medicado
primeiro — argumentou o xerife.
— O médico está ocupado agora, xerife.
Está tratando Riley, que foi baleado por este
bastardo — informou Oates, chutando as
costelas de Pete, que tentava se levantar. —
E é melhor que saiam todos de minha
frente. Não estou com muita paciência esta
noite.
O xerife olhou na direção de Robert, que
fez um sinal.
— Precisa de ajuda com o prisioneiro,
delegado? — indagou o homem da lei.
— Não, eu dou conta disto sozinho —
afirmou Oates, segurando Pete pelos
colarinhos e chutando-o para o corredor.
Os homens se afastaram para dar
passagem aos dois. Entre eles estavam os
três amigos de Pete, que olharam temerosos
para o prisioneiro, temendo que ele viesse a
falar.
Assim que Oates desceu as escadas,
Robert chamou os três pistoleiros.
— Que diabos aconteceu? — indagou,
furioso.
— Estávamos a sua procura para lhe
contar. Pete foi ferido lá no saloon e ficou
furioso, querendo ir à forra. Tentamos detê-
lo, mas não houve como segurá-lo...
— Saem o que vai acontecer se ele falar?
— indagou Robert, olhando-os
significativamente.
— Ele não vai falar, Robert. Prometemos
— disse um dele, fazendo um sinal para que
seus amigos o seguissem.
— Acha que eles dão conta do recado?
— perguntou o xerife a Robert.
— Pode ficar sossegado. Pete não abrirá
a boca. Nem que queira...
Lá embaixo, Oates sentia o clima hostil
que pairava no saloon, enquanto empurrava
Pete, seguro pelo colarinho da camisa. O
ferido deixava uma trilha de sangue para
trás.
Saíram do saloon e foram para o meio da
rua. Ao longo da rua, tocheiros acesos
iluminavam-na. Lá na frente, porém, Oates
viu alguns deles sendo derrubados,
deixando o trecho na escuridão.
Não tinha outra alternativa. Sabia que não
seria fácil sair dali. A questão toda era
garantir a vida de Pete para tirar dele a
verdade sobre o que estava acontecendo.
Fazê-lo falar era necessário. De qualquer
maneira.
— Viu aquilo lá na frente, Pete?
— Não vai conseguir me levar,
delegado...
— Não é isso o que me preocupa, Pete.
Minha preocupação é levá-lo vivo até o
escritório. Lá pode ficar certo que saberei
fazê-lo falar. Só que acho que não vou
conseguir...
— O que quer dizer com isso?
— Neste momento, Pete, quem seus
amigos desejariam matar? A mim ou a
você!
Pete estacou, após pensar no assunto por
instantes. As ordens que haviam recebido
era apenas para disparar contra os
delegados, não matá-los.
Deveria haver um motivo para não querer
que eles morressem. Quanto a ele,
reconhecia que cometera um erro e que
poderia ser morto por isso.
Seus amigos não iriam deixar que ele
falasse. Essa situação assustou-o. Oates
percebeu isso.
— E então, Pete? Quem acha que eles
estão esperando para matar lá na frente.
— Eles não fariam isso... Não atirariam
em mim...
— Você pode levar todos eles para a
forca, Pete. Acha que eles não estão com
medo? — continuou Oates, assustando-o.
— Tem que me tirar dessa, delegado...
— Só se me contar o que sabe...
O pistoleiro hesitou, mas percebeu logo
de estava condenado à morte de qualquer
maneira. Saber que seus amigos poderiam
matá-lo enfureceu-o, tornando-se maior que
seu ódio pelos ianques.
— Está bem... Eu falo.
— Diga-me alguma coisa importante para
que eu me convença de que ala a verdade —
pediu o delegado.
— Certo, certo. Vou lhe dar algo
realmente grande, delegado... — ia dizendo
Pete.
Não continuou. De um ponto no escuro
adiante deles surgiu uma língua de fogo. O
pistoleiro foi jogado para trás, no exato
instante que o som do tiro chegava até eles.
Oates não precisou examinar atentamente
para ver que Pete estava nas últimas, com
um rombo no peito.
Arrastou-o para a beirada da rua. Pete
tentava respirar, com o peito aberto. Seus
olhos arregalados refletiam seu pavor. Ele
ficou olhando pateticamente para o
delegado.
— Vamos, fale, Pete! O que tinha para
me dizer? — insistiu Oates, furioso por
perder aquela chance de descobrir alguma
coisa.
— Graceland... Fazenda Graceland... —
conseguiu dizer Pete, estrebuchando em
seguida.
O xerife e seus homens avançaram pela
rua logo em seguida. Ao perceberem que
Pete estava morto, demonstraram alívio.
— Diabos! Eu poderia ter arrancado
alguma coisa dele — falou Oates.
— Ele não disse nada? — indagou o
xerife.
— Nada! — assegurou Oates, afastando-
se.
Estava intrigado com aquela informação.
O que Pete quisera dizer ao se referir à
Fazenda Graceland?
Deixou o setor rebelde da cidade, ao
passar pela linha férrea. Rumava com pressa
agora para o escritório, ansioso para ter
notícias de Riley.
Ao passar diante do prédio do Banco, no
entanto, parou, olhando o cartaz que
anunciava o leilão da Fazenda Graceland,
no dia seguinte, ao meio-dia.
— Diabos! O que vai acontecer lá
amanhã? — indagou-se.
Quando chegou ao escritório, o médico já
havia atendido Riley e o ajudara a se
levantar para ir até a cama, num dos quartos
nos fundos do escritório.
— Pode ficar tranqüilo, delegado! A bala
apenas passou pelos músculos. Consegui
retirá-la sem maiores danos. Em alguns dias
ele estará em pé novamente. Virei vê-lo
amanhã — informou o médico.
Oates pagou-o e agradeceu-o, depois foi
até o quarto ver o amigo.
— E então? Tem o couro mais duro do
que eu imaginava — falou Oates.
— Pura sorte! Você pegou o bastardo?
— Sim, eu o trazia vivo para cá, mas seus
próprios amigos o mataram.
— Demônios! Conseguiu arrancar
alguma coisa dele?
Oates pensou por instantes. O melhor era
não preocupar Riley, por isso resolveu
esconder o que sabia.
— Não, nada! — afirmou. — De
qualquer forma, o importante agora é que
você fique bem.
Eu estou bem, pode ficar sossegado —
garantiu Riley.
Era madrugada. Riley gemia de dor. O
médico havia deixado algumas pílulas para
isso. Oates se levantou para ir atender o
amigo. Foi quando ouviu ruídos no
escritório.
Armou-se rapidamente e ficou à espreita.
Viu a porta aberta. Vultos se moviam lá
dentro. Contra a claridade opaca que vinha
da rua, divisou um homem.
Parecia um militar, pelo tipo de chapéu
que utilizava.
— Não se movam! — ordenou Oates,
embora não soubesse exatamente quantos
homens haviam entrado ali.
A resposta foi fulminante. Um fuzil
disparou na sua direção, mas o tiro foi alto
demais. Ele respondeu ao fogo. Viu os
homens saindo pela porta. Eram três.
Disparou, mas não acertou nenhum.
Correu para a porta. Viu os três homens
atravessando a rua, na direção do beco. Ia
sair e atirar, mas do beco alguém disparou
contra ele, abrindo um rombo na porta.
Estavam usando uma arma muito potente,
um rifle militar, com certeza. Recuou.
Pouco depois ouviu o tropel de cavalos
saindo pelos fundos do beco e se afastando
rapidamente.
— Oates! Você está bem? — indagou
Riley, em algum ponto atrás dele.
— Riley! Demônios! Você não devia
fazer isso — comentou Oates, riscando um
fósforo e indo acender um lampião.
Riley estava apoiado ao batente da porta,
pálido e com dores, segurando sua
espingarda engatilhada.
— Venha, vamos voltar para a cama —
disse Oates, ajudando-o a caminhar.
Enquanto o acomodava ali, chegou o
médico novamente, com sua maleta.
— Tudo bem por aqui? — indagou.
— Sim, doutor. Entraram aqui...
— Quem, homem?
— Não se, não vi. Estava escuro...
— Como está o Riley?
— Acordei com ele gemendo.
— Está doendo o ferimento? —
perguntou-lhe o médico.
— Sim, um pouco.
— Pegue água, Oates. Vamos lhe dar
duas destas pílulas e ele dormirá como se
tivesse levado uma pancada na cabeça —
falou o doutor.
Oates acendeu um outro lampião para ir
até a cozinha, anexa ao escritório buscar
água.
Foi até lá, apanhou uma moringa com
água e, quando retornava, observou algo no
chão do escritório. Foi ver. Era um chapéu
militar, da Cavalaria da União.
— Diabos! — murmurou ele, sem
entender. — Por que homens das União
teriam entrado aqui? — indagou-se.
Foi levar a água, mas escondeu o chapéu
para que Riley não o visse.
O médico o fez tomar duas daquelas
pílulas e em pouco tempo ele estava
adormecido.
O barulho de cavalos lá fora chamou a
atenção de Oates, que armou-se e foi até a
porta. O xerife e seus ajudantes
desmontavam naquele momento.
— Não dorme mais, xerife? — ironizou
Oates.
— Tem gente nesta cidade que parece
atrair encrenca e isso não me deixa dormir.
O que houve por aqui?
— Alguém entrou aqui, xerife.
— Viu quem era?
— Não, mas eles deixaram cair algo
muito interessante.
— E o que foi?
Oates fez um sinal para que o homem da
lei o seguisse. No escritório, mostrou-lhe o
chapéu que um dos atacantes havia deixado
cair. O xerife demonstrou certa surpresa.
— Demônios, Oates! Você parece que
conseguiu fazer inimigos dos dois lados.
Primeiro aquele rifle militar, agora este
chapéu... Por que os soldados da União
querem matá-lo? Será porque na guerra
você matou muitos deles?
— Pode até ser, xerife. Não duvido que
haja pessoas para as quais a guerra ainda
não terminou e para quem o meu juramento
de servir à União agora não tenha nenhum
valor. A questão é que estamos milhas e
milhas distantes de qualquer destacamento
militar...
— Engano seu, delegado — cortou-o
xerife.
— Como assim?
— Temos um pequeno destacamento
próximo daqui.
Oates ficou surpreso ao ouvir aquilo.
— Onde?
— Na Fazenda Graceland. Amanhã ela
será leiloada. Um tenente e meia dúzia de
soldados estão lá cuidando da ordem e
fiscalizando o leilão.
Oates lembrou-se imediatamente do que
Pete dissera, antes de morrer. Mencionara a
Fazenda Graceland. Estaria querendo dizer,
com isso, que o perigo vinha de lá?
Tinha algum sentido. Aqueles soldados
vinham de alguma parte, sabiam dele e
tentavam matá-lo. Fatos como aquele eram
muito comuns no pós-guerra. A rendição do
Sul e o juramento de lealdade imposto aos
rebeldes que queriam o perdão não haviam
sido assimilados muito bem por gente de
ambas as partes.
— Quer que eu investigue os soldados,
delegado? — indagou o xerife.
— Não, eu mesmo farei isso.
— Sugiro que espere até o final do leilão.
Os soldados passarão por aqui. Não quero
nenhum tumulto durante o leilão. Como vou
estar lá amanhã, posso pedir ao tenente que,
antes de ir embora, passe por aqui para falar
com você.
O xerife estava sendo camarada.
Camarada como nunca fora antes, o que
despertava alguma suspeita.
— Vou agradecer isso, xerife.
— Ótimo! Assim você poderá estar aqui,
cuidando de seu amigo — lembrou o
homem da lei, com um tom solidário na
voz, deixando o delegado federal em
dúvida.
O médico aproximou-se.
— Ele dorme, Oates. O ferimento não
sangrou quando ele se levantou, o que é um
bom sinal. Vai dormir muito bem e estará
melhor amanhã. Faça-o comer alimentos
leves e nutritivos. Ele é forte como um
touro e estará de pé em um ou dois dias.
— Obrigado, doutor! Jamais esquecerei
sua atenção — agradeceu Oates,
acompanhando-o até a porta.
Quando voltou, o xerife e seus homens
preparavam-se para ir embora também.
— Se tiver qualquer problema, não hesite
em me chamar — falou o homem da lei,
saindo com seus ajudantes.
Oates ficou pensativo. Parecia haver uma
lógica naquilo tudo. Estavam querendo a
sua cabeça e poderia ser por pura vingança.
Até aí, tudo bem, podia compreender.
Quando essa vingança pessoal começava
a atingir pessoas inocentes como Riley, que
lutara lealmente no Exército da União,
aquela situação começava a aborrecer.
Talvez tivesse ainda que quebrar algumas
cabeças e chutar alguns traseiros para que as
pessoas compreendessem isso.
Enquanto isso, não longe dali, o xerife
parava diante do Saloon da Rose. Havia
poucos freqüentadores. Robert esperava-o,
numa das mesas ao fundo. Atrás do balcão,
Rose observava tudo com muita atenção.
Robert e o xerife haviam confabulado
muito, naquela noite. Apesar do avançado
da hora, Robert ainda estava ali, esperando
o xerife.
Demonstrou alívio e satisfação, quando o
homem da lei chegou. Rose desejou poder
entender o que estava realmente
acontecendo naquela noite.
— E então? — indagou Robert, assim
que o xerife se sentou diante dele.
— Perfeito, Robert. Os homens agiram
como você ordenou. O chapéu ficou lá.
Com ele e com o fuzil militar, Oates ficou
realmente confuso.
— Alguém se feriu?
— Não, tudo esteve como o planejado.
— Contou ao Oates sobre o
destacamento?
— Sim, prontifiquei-me, inclusive, a
pedir ao Tenente que o procure na cidade,
antes de ir embora.
— Vai ser divertido isso — comentou
Robert. — Esse golpe de sorte vai nos
ajudar muito.
— Sim, quem diria que os dois heróis da
Batalha de Stonewall estariam frente a
frente de novo?
— Isso vai dar a Oates o que pensar.
Quando ele souber que é o Tenente Johnson
quem comanda o destacamento, o mesmo
tenente que o enfrentou em Stonewall.
Apesar do heroísmo de Johnson, ele foi
humilhado com a derrota. Todos sabem que
ele jurou solenemente vingar-se, quando
depôs sua espada.
— Está tudo perfeito, Robert. Com
certeza eles vão se desentender. Oates é
esquentado, vai acabar arrumando confusão
com o tenente, que é um herói idolatrado
pelos ianques. Seguramente todos irão
contra Oates e isso só beneficiará nosso
plano.
— Ótimo! Agora precisamos fazer
alguma coisa em relação a Rose. Ela me
parece muito desconfiada. A todo momento
ela está olhando para cá. Vigiou-nos toda a
noite.
— Deixe-a comigo! Vou plantar mais um
pouco de confusão na cabeça dela. Como
mulher apaixonada ela tem sido muito útil
para nós. Temos que conservá-la assim.
— Certo, xerife! Eu vou para casa dormir
um pouco. Amanhã quero estar no leilão da
Fazenda Graceland. Quero ver as caras dos
homens com as malas de tecido cheias de
dinheiro, quando nossos rapazes entrarem
em ação.
— Sim, vai ser divertido. Os homens vão
recolher todo o dinheiro. Um deles trará
uma valise cheia de papéis para Rose
guardar. O dinheiro de verdade irá para as
mãos do Coronel, que será o nosso guardião
do tesouro — comentou o xerife, com um
sorriso significativo.
— Sim, o nosso nobre e querido guardião
— confirmou Robert, com um sorriso de
cumplicidade.
Levantou-se e apanhou seu chapéu.
Acordou seus amigos, que dormia nas
mesas próximas. Eram todos filhos da
aristocracia destronada do Sul. Todos com
uma educação refinadas, amantes do que
havia de bom na vida, mas agora mendigos
das migalhas que os homens do Norte
atiravam.
Era difícil para o orgulho deles conviver
com isso indefinidamente. Sabiam agora,
porém, que era por pouco tempo. Robert era
a chance de mudar isso, por isso o
apoiariam até a morte.
Assim que Robert saiu, o xerife foi até o
balcão. Rose continuava intrigada com tudo
aquilo.
— Noite movimentada, não, xerife? —
observou ela.
— Tem razão, Rose. Já aconteceu de tudo
nesta cidade. É demais para uma só noite
realmente.
— O que houve anda há pouco?
— Tentaram matar de novo o delegado
federal.
Rose estremeceu e suas mãos tremeram.
— Ele está ferido? — indagou ela, aflita.
— Não, ele está bem.
Ela respirou aliviada.
— Quem está por trás disso tudo, xerife?
— quis ela saber.
— Difícil dizer, Rose, mas tudo indica
que é gente do outro lado.
— Do outro lado? Gente da União?
— Sim, isso mesmo.
— Por quê?
— Oates foi um herói rebelde. Um herói
oportunista, que jurou lealdade à União,
quando a guerra acabou. Dos dois lados ele
tem inimigos... — disse o xerife, embora
sua expressão demonstrasse que ele sabia de
mais alguma coisa ainda.
Rose apanhou uma garrafa do melhor
uísque e serviu a ele.
— Esta é por conta da casa — disse ela.
O xerife agradeceu, depois tomou o
uísque num só gole.
— Sabe, Rose, na emboscada hoje, Oates
encontrou um rifle militar, com mira
telescópica, daqueles usados pelos ianques
no final da guerra. Ainda há pouco, no novo
atentado, um dos homens que invadiu o
escritório deles deixou para trás um
chapéu... Um chapéu da Cavalaria da
União. Somando-se um mais um, temos a
conclusão. O rifle e o chapéu ianques
demonstram que há gente do outro lado
querendo pegá-lo. E se continuarem
insistindo, vão acabar conseguindo.
Obrigado pelo uísque, Rose. Preciso dormir
um pouco. Amanhã tenho de estar presente
no leilão da Fazenda Graceland.
— Espera encrencas?
— Talvez nossos rapazes comecem a
agir.
— Vai haver muito dinheiro vivo
circulando em Graceland.
— Sim. Se nossos rapazes conseguirem
pegá-lo, ele será mandado todo para cá.
Você o esconderá para nós na adega?
— Pode contar com isso, xerife.
— Ótimo, Rose! Sei que sempre
poderemos contar com você — afirmou o
xerife, despedindo-se com um aceno.
Enquanto ele deixava o saloon, agora
vazio, e o bartender começava a fechar as
janelas e a porta, Rose serviu um uísque
para si mesma.
Tomou-o em pequenos goles, enquanto
pensava.
— Não vai dormir, Rose? — indagou
Burt, quando terminou de fechar e apagar os
lampiões principais.
— Estou sem sono, Burt. Acho que vou
tomar alguns drinques, antes de ir para a
cama.
— Faça bom proveito. Eu estou morto de
sono e de cansaço — falou Burt, retirando-
se.
Rose apanhou uma garrafa e foi se sentar
numa das mesas. Apenas os lampiões
acesos nas laterais do balcão iluminava o
amplo salão vazio.
Lá encima, as garotas dormiam com os
últimos fregueses da noite, normalmente
seus namorados.
Alheia a isso, ela pensava e não
conseguia esconder a aflição e a
preocupação que a tomavam de assalto.
Amava Oates e não conseguia mais
esconder isso. Tinha certeza que todos
sabiam disso, inclusive o xerife e Robert.
Era justamente por isso que ela pressentia
alguma coisa de errado naquelas
informações que eles lhe passavam. Era
como se soubessem que ela contaria ao
delegado federal, no que estavam certos.
Rose continuava leal ao Sul. Esconderia o
dinheiro roubado, juntamente com os
soldados que fizessem algum ataque e
precisassem de proteção. Fizera isso durante
a guerra, quando Atlanta caiu sob o domínio
do Exército da União.
Fizera parte da resistência inútil que
tentara manter os ianques longe da cidade.
Tudo fora inútil mesmo. O sonho rebelde
havia sido um pesadelo e todos tinham de
acordar um dia e enfrentar a realidade.
Os planos do Coronel tinham algum
sentido. Rose os apoiava. Alguma coisa
precisava mesmo ser feita, mas com
inteligência, ou todo o Sul seria sufocado
pela invasão ianque.
Nada demais para quem perdeu a guerra,
se isso não implicasse em jogar na rua
fazendeiros, comerciantes e pessoas que
queriam apenas trabalhar em paz.
Isso era preocupante para ela, mas nem
tanto quanto a preocupação pela vida de
Oates. Se algo acontecesse a ele, Rose não
sabia o que faria.
Desejou poder sair dali e ir ao encontro
dele. Sabia que isso era arriscado, no
entanto. Muito arriscado.
Tomou mais um uísque e pensou naquele
risco. Vivera toda a sua vida correndo
riscos. Esse poderia ser um que valeria a
pena. Só que era um risco que dependeria
da aceitação de Oates e ela não sabia como
ele pensava a respeito.
Talvez fosse hora de aceitar aquele
convite dele para conversarem. Tinham
muita coisa pendente para resolver.
Mal o dia amanhecera e Oates estava fora
da cidade, com o rifle militar ianque e a
caixa de munição. Havia levado algumas
garrafas consigo, alinhando-as sobre uma
pedra.
Montou seu cavalo e afastou uns
duzentos metros. Desmontou. Amarrou o
animal numa arbusto, depois procurou um
lugar onde pudesse apoiar a arma para ter
firmeza na hora do disparo.
Encontrou um local adequado. Carregou
a arma e apoiou-a contra um galho caído.
Uma das garrafas surgiu nítida na luneta da
arma.
Apertou o gatilho com suavidade. Apesar
da potência do fuzil, o recuo foi mínimo,
demonstrando que a arma era realmente
apropriada para a finalidade a que se
propunha.
Quando a fumaça se dissipou, Oates
percebeu que a garrafa tinha sumido da
mira.
— Demônios! — praguejou ele, olhando
a arma com admiração e respeito.
Parecia ser infalível naquela distância.
— Vejamos o que você pode fazer —
murmurou ele, caminhando para mais longe
ainda.
Andou mais uns cem metros, até uma
árvore, com um tronco em forquilha, onde
pôde apoiar a arma e mirar de novo contra
uma das garrafas.
Atirou. Novamente atingiu o alvo,
demonstrando a grande precisão daquela
arma.
Ficou satisfeito com os resultados.
Voltou ao seu cavalo, montou-o e cavalgou
na direção da sede da Fazenda Graceland,
que ficava a umas duas horas a cavalo.
Conhecia um pouco aquela região. A
sede da fazenda ficava num vale, próxima
do rio. Do alto de uma das colinas ele
poderia observar o que se passava lá
embaixo.
Para chegar lá, evitou a trilha normal para
não ser visto. Uma vez no alto da colina
escolhida, viu como os interessados
chegavam aos montes.
A Fazenda Graceland era uma das
maiores e mais cobiçadas da região. Acres e
mais acres de boa terra para o plantio do
amendoim, alfafa e pastagens.
— Lá estão eles! — murmurou o
delegado, ao perceber quatro barracas
armadas nas proximidades da casa principal
da fazenda.
Eram barracas da Cavalaria, sem dúvida.
Ele usou a luneta do fuzil para observar
melhor.
Os homens chegavam em carroças ou a
cavalo. Eram os famosos compradores, que
carregavam o dinheiro em maletas de pano.
Muita gente foi se concentrando no local.
Oates nada via de anormal em tudo aquilo.
Parecia com outros leilões, dos quais havia
participado.
Muita gente interessada, lances baixos,
acordos e conchavos entre eles e uma
fortuna mudava de mãos por uma bagatela.
Era assim que o Sul estava sendo
espoliado pelos vencedores e seus
compradores de terras.
Algo, no entanto, chamou a atenção do
delegado. Não muito distante da fazenda, no
sentido oposto à cidade e antes do rio, havia
um grupo de cavaleiros, no mínimo de uns
cinqüenta homens.
Olhou-os melhor com a luneta do fuzil.
Eles saíam de dois ou três de cada vez,
voltando até cruzar com a trilha, depois
misturavam-se às carroças e cavaleiros que
rumavam para Graceland.
Intrigou-se, pois alguns dos homens que
ficavam pareciam usar uniformes cinzas. Os
mesmos uniformes usados pelos rebeldes
durante a guerra.
— Que diabos temos aqui? — indagou-se
ele.
Já era quase meio-dia. Em breve o leilão
começaria. Pouca gente ainda se apressava,
de carroça ou a cavalo, pela trilha. Os
homens de uniformes cinzas, então, num
grupo de uns trinta cavaleiros, começaram a
se movimentar, cavalgando na direção da
fazenda.
O delegado percebeu que alguma coisa
aconteceria. Fosse o que fosse, iria
acontecer em breve. Nada havia que ele
pudesse fazer, a não ser observar.
Depois de tudo que havia acontecido nas
últimas horas, o delegado federal tinha
razões para acreditar que toda aquela
movimentação tinha algum sentido, embora
ele não conseguisse percebê-lo.
Aquelas emboscadas haviam sido
preparadas para afastá-los do caminho. O
que gerava confusão era saber quem estava
por trás delas.
Reconhecia que Riley e ele tinham
inimigos dos dois lados, pois aplicavam a
lei sem preferências pessoais por este ou
aquele lado.
Oates afirmava a todo momento,
inclusive, que, para ele, não havia um lado
vencedor e um perdedor naquela cidade,
agora que a guerra tinha terminado.
Muita gente, no entanto, não se
convencia disso. Essa intolerância era o
motivo de muitas desavenças e das brigas
quase que diárias ainda.
Para melhor observar o que acontecia na
Fazenda Graceland, foi apanhar seu potente
binóculo de campanha na sela do cavalo.
Escolheu uma posição à sombra onde
poderia observar e ficou atento.
Observou melhor os homens de cinza que
haviam se aproximado e estavam a uma
distância prudente da fazenda. Conhecia
muito bem aqueles uniformes: eram do
Exército Confederado.
Na fazenda, sobre uma carroça, o
leiloeiro, vestido de preto, se preparava para
iniciar o leilão. Próximo dali havia um boi
inteiro sendo assado. Os leilões em Atlanta
e em todo o Sul haviam se transformado
numa grande fresta para a gente do Norte,
que vinham, cada vez em maior número,
com suas malas recheadas de dinheiro,
comprando terras e mais terras a um preço
aviltante.
De repente, uma confusão ao redor do
leiloeiro. Os cavaleiros de cinza avançaram,
então, dominando a situação e cercando
todo os presentes.
— Demônios! — praguejou o delegado,
quando viu os soldados rebeldes
desarmando os poucos soldados da União.
Depois, com uma frieza inesperada,
enfileiraram todos eles contra a parede de
um celeiro e fuzilaram-nos sumariamente.
Aquele era o tipo de intolerância que o
deixava aborrecido, só que nada havia que
pudesse fazer. Se estivesse lá, com certeza
também seria morto, pois os do Sul não
aceitavam o fato dele ter prestado juramento
à bandeira americana, após o término da
guerra.
Estava acontecendo um grande roubo na
Fazenda Graceland. Todos estavam sendo
despojados de suas carteiras, de seu
dinheiro e de suas jóias.
Algumas mulheres foram levadas para o
celeiro, sob protestos dos homens, que
foram derrubados a coronhadas. Com
certeza seriam violentadas.
Os homens foram empurrados para um
depósito e trancados. O boi que assava ao
fogo foi o alvo seguinte dos soldados
confederados, que resolveram transformar
aquilo numa festa particular.
Oates viu algo, então, que lhe chamou a
atenção. Podia jurar que era o xerife o
homem que confabulava com um grupo de
oficiais rebeldes, bem destacados pelo tipo
de chapéu que usavam, ao invés do quepe
dos demais.
Dois deles montaram seus cavalos. Um
recebeu uma grande sacola. Ambos
deixaram a fazenda rapidamente, rumando
na direção de Oates.
— O que há para este lado? — indagou-
se ele, olhando ao redor.
A única coisa que lhe passou pela cabeça
foi que naquela direção ficava a fazenda
decadente do Coronel Woodfarm, o herói
confederado de Atlanta, que em breve
acabaria sendo leiloada, como todas as
outras da região.
De qualquer forma, ficou curioso para
saber o que aqueles homens levavam.
O ataque transformara-se numa festa. As
mulheres divertiam forçadamente os
homens. A comida e a bebida que fora
preparada para os nortistas estava sendo
consumida pelos sulistas. Os dois cavaleiros
avançavam agora pela trilha, na direção
mesmo da Fazenda Woodfarm.
Oates apanhou seu cavalo e adiantou-se a
eles, até uma curva. Pegou seu laço,
amarrou-o numa árvore e esticou-o,
passando a outra ponta por uma pedra.
O laço ficou esticado, a meia altura, logo
após a curva. Vindo em velocidade, os
cavaleiros não teriam tempo de qualquer ato
de defesa, pois quando percebessem
estariam sobre ele.
Armou-se de sua Winchester e esperou.
Ouviu o galope se aproximando. Os
cavaleiros vinham à toda pela trilha.
Quando fizeram a curva, os cavalos bateram
as pernas contra o laço, desabando numa
nuvem de poeira.
O delegado viu a bolsa voar no ar e cair
pesadamente, abrindo-se e revelando seu
interior. Havia ali carteiras, relógios, jóias e
muito dinheiro nortista, em maços de toda
espessura.
O produto do saque era uma pequena
fortuna, talvez mais dinheiro do que ele vira
em toda a sua vida.
Um dos homens, ainda aturdido,
levantou-se e, cambaleando, tentou entender
o que estava acontecendo. Ao ver o
delegado federal próximo dele, tentou
reagir.
— Oates, seu maldito traidor bastardo! —
vociferou, tentando sacar sua arma.
O delegado não lhe deu chance de sacá-
la. A coronha da Winchester atingiu a testa
do soldado sulista, jogando-o de costas na
poeira.
Oates viu uma sombra se mover atrás
dele e se voltou a tempo de ver o segundo
soldado, tentando sacar sua arma.
Não podia deixar que ele atirasse, pois
poderia atrair a atenção dos homens na
fazenda. Por isso, lançou-se sobre ele,
caindo os dois na poeira.
Oates socou-o no queixo repetidas vezes,
até que ele se imobilizasse. Amarrou-os,
então. Depois foi examinar a mala feita de
tecida, uma "carpetbag", ou bolsa feita de
carpete, usada pelos homens do Norte.
Havia mesmo uma pequena fortuna ali e
o interesse do delegado era saber por que
eles a levavam naquela direção.
Foi examinar os cavalos. Nenhum deles
se machucara na queda. Apanhou os cantis
de água e foi acordar os dois soldados,
jogando-lhes água na cara.
— Oates, seu maldito! Você deveria estar
morto, seu renegado — disse um deles,
olhando o delegado com ódio e se
debatendo, tentando se livrar da corda que o
prendia.
— Se falar desse jeito de novo, eu lhe
quebro todos os dentes da boca — rugiu
Oates. — Para onde iam com aquela sacola?
— Jamais saberá.
— Iam levá-la ao Coronel, não?
— Vai pagar por isso, Oates...
— Está falando demais para o meu gosto
— ameaçou Oates. — Será que ainda não
percebeu sua situação? Aliás, será que ainda
não percebeu a minha situação? —
emendou.
Os dois sulistas se olharam, sem
entender.
— Estou com uma pequena fortuna
naquela mala e os únicos que sabem que ela
está comigo são vocês... Se eu ficar com
ela, não vou querer que ninguém saia por aí
abrindo o bico e dizendo o que eu fiz...
Assim, algum de vocês tem uma pá no
cavalo? Senão, vão ter de cavar com as
próprias mãos...
— O que quer dizer com isso? —
indagou um deles.
— Que terei de matá-los, rapazes. É
simples, não? Ali tem mais dinheiro do que
ganharei em toda a minha vida — continuou
Oates. — Não posso perder essa chance.
Não pretendo passar o resto de minha vida
servindo de alvo para gente do Norte e do
Sul.
— É um miserável renegado, Oates! Um
ladrão!
— Não serei melhor do que vocês...
— Roubamos por uma causa?
— Que causa?
— A gloriosa causa do Sul...
— Ao diabo com o Sul! Não percebem
que o Sul está morto? Que seus despojos
estão sendo disputados por vermes vindos
de todo o país? Que não será possível lutar
contra isso? — indignou-se o delegado.
— Fala isso porque é um covarde, que se
vendeu...
Não chegou a terminar. Oates acertou-o
na boca, jogando-o para trás. O soldado
caiu, cuspindo pedaços de dentes e sangue.
— Não estou com muita paciência para
lidar com vermes agora — falou Oates. —
Principalmente depois do que vi lá embaixo.
Gloriosos soldados matando gente a sangue-
frio e atacando mulheres. Isto é o que
sobrou da glória do Sul?
Sem dizer mais nada, Oates apanhou sua
faca e cortou o laço em duas partes.
Começou a trançar um macabro nó de forca
no primeiro pedaço, depois fez o mesmo no
outro.
Os dois soldados olhavam-no
apavorados. Ele passou as cordas pelo galho
de uma árvore, depois trouxe os cavalos dos
soldados para perto.
— O que vai fazer? — indagou um deles,
apavorado.
— Vou mostrar como devem ser tratados
os covardes e assassinos...
— Não pode fazer isso conosco... —
berrou um deles, quando Oates o agarrou
pelos colarinhos, fazendo-o se levantar.
— Eu lhe digo o que pode ou não ser
feito...
— Temos direito a um julgamento justo...
— Tiveram, quando fuzilaram aqueles
homens lá embaixo e atacaram aquelas
mulheres.
O soldado tentou protestar. Oates
acertou-o no estômago, depois o carregou,
jogando-o sobre a sela do cavalo. Passou o
laço em seu pescoço, depois esticou a corda.
— Espera, Oates, vamos conversar —
disse o outro, de quem o delegado tinha
quebrado alguns dentes.
— O que tem para me dizer? —
perguntou, erguendo-o e levando-o para a
sela do outro cavalo.
— Espere, Oates... Não pode fazer isso...
Eu falo... Eu digo tudo que quiser saber...
Oates já havia passado o laço pelo
pescoço dele. Esticou a corda. Escolheu um
galho caído no chão, limpou-o das folhas
secas, improvisando um chicote.
— Oates, pelo amor de Deus! Não pode
nos matar assim! Você foi um dos nossos...
Pelos velhos tempos...
O delegado parou, como se pensasse.
Ficou agitando a vara em sua mão, fazendo-
a assobiar. Os cavalos se moveram
inquietamente diante daquele barulho.
Ele olhou para os dois.
— O que acham que podem me contar
que lhes salvará a vida? — perguntou.
— O que você quiser saber.
— Para começar, para onde iam com a
mala de dinheiro?
— Levar para o Coronel...
— Muito bem! Nosso herói se
transformou num ladrão — comentou ele.
— Sabem alguma coisa das emboscadas
contra mim e Riley.
— Não, disso não sabemos de nada.
Examinou-os. Pareciam sinceros.
Conhecia aqueles dois. Haviam servido
juntos sob o comando do Coronel. Eram
homens de confiança e leais não à causa
rebelde, mas fiéis ao comando do Coronel,
que sempre fora, naquela região, uma figura
de peso, uma lenda viva realmente.
Se estavam de novo metidos em
escaramuças, não o faziam por vontade
própria, mas por lealdade ao velho militar.
— O que mais estão preparando? —
indagou.
— Não sei... Recebemos ordens de atacar
Graceland... Só isso... Talvez haja mais
coisas... Não sei... — respondeu o homem
com os dentes quebrados, ainda cuspindo
sangue.
— Vou levá-los presos, rapazes — falou.
— Será o mesmo que nos matar aqui —
informou um deles.
— Não se preocupe! O xerife e seus
ajudantes tomarão conta de vocês...
Os dois homens se olharam apavorados.
— Quando ele souber que falamos,
estaremos mortos — disse um deles, num
fio de voz, confirmando as suspeitas do
delegado.
— Por quê? — insistiu. — Porque o
xerife estava mancomunado com vocês
durante o ataque? Porque eu o vi junto com
os oficiais, antes de vocês montarem para
vir para cá?
Os dois abaixaram a cabeça e não
precisaram dizer nada. Apesar de tudo,
Oates não conseguia culpá-los. Eram
homens de quem tudo fora tirado: a família,
as colheitas, a terra, a sobrevivência.
Viviam de esperanças, por mais
desesperadas que fossem. Eram vítimas dos
espertalhões ou de fanáticos como o
Coronel.
Só que, por trás daquilo tudo, Oates via
um grande golpe. Um golpe para tornar
alguns poucos ricos à custa da miséria dos
desesperados.
Olhou-os com pena. A questão agora era
saber o que fazer com eles. Se os levasse
para o xerifado, com certeza seriam mortos
para não falar, como acontecera com Pete,
na noite anterior.
Havia uma pequena cela no escritório
ocupado pelos delegados federais, mas, com
Riley ferido, não haveria como montar
guarda todo o tempo. Soltá-los seria outra
estupidez. O elemento surpresa e o suspense
a respeito do paradeiro do dinheiro roubado
poderiam ser mais úteis naquele momento
para ele, enquanto continuava suas
investigações.
— Está bem, rapazes, não morrerão agora
— disse o delegado, cortando com sua faca
o laço do pescoço de um deles.
Quando se preparava para fazer o mesmo
com o segundo, o primeiro esporeou seu
cavalo, tentando escapar.
— Maldição! — exclamou o delegado.
Sem pestanejar ele arremessou sua faca,
cravando-a pouco abaixo da nuca do
soldado, que pendeu para o lado e caiu
pesadamente na poeira.
— Seu bastardo nojento! — berrou o
outro, tocando o cavalo para cima de Oates.
O delegado saltou para o lado. O cavalo
avançou e passou rente a ele. O soldado
ficou dependurado na ponta da corta, com
os olhos esbugalhados e o pescoço
grotescamente retorcido.
— Maldição! — praguejou.
Acabava de perder duas importantes
testemunhas. Com eles em suas mãos
poderia intimidar os conspiradores. Agora
nada havia que pudesse fazer.
Pensou em enterrá-los, mas achou melhor
não fazer isso. Iria dar o que pensar quando
fossem encontrados, quando não
aparecessem com o dinheiro.
Voltou ao seu posto de observação. Os
soldados de cinza já haviam saído e uma
grande confusão reinava no local. Pensou
em ir até lá, mas já sabia o que havia
acontecido e nada poderia mais ser feito
para salvar aqueles homens nem evitar o
sofrimento e a humilhação daquelas
mulheres.
Em parte não deixava de ser um castigo
para todos eles, sedentos de diversão,
tripudiando sobre aquela terra castigada e
sofrida.
Cavalgou de volta para a cidade, mas,
antes de chegar lá, arrumou um esconderijo
para a mala numa velha mina abandonada.
O local era seguro. Oates o conhecia desde
garoto, quando brincava por ali.
As notícias do ataque já circulavam.
Assim que desmontou diante do escritório,
já surgiram pessoas perguntando se ele
sabia alguma coisa a respeito.
— Não sei o que houve — disse ele. —
Onde está o xerife?
— Deve estar lá...
— O que houve, realmente?
— Estão dizendo que um exército
confederado atacou a Fazenda Graceland...
— Um exército! — surpreendeu-se
Oates, notando nos olhos das pessoas um
brilho de esperança.
Era isso apenas o que as mantinha vivas
naqueles tempos de humilhação.
— Vou ver isso em seguida. Antes quero
ver como está meu amigo — disse,
entrando.
O médico vinha saindo. Havia acabado
de examinar Riley.
— Eu disse que ele era forte como um
touro. Se não o amarrar na cama, ele vai
acabar se levantando antes do tempo. Mas,
pelo menos, ele está em boas mãos. Tenho
certeza que vai se recuperar logo — disse o
médico, com um sorriso divertido nos
lábios.
— Em boas mãos? Como assim? —
estranhou Oates.
— Uma boa enfermeira, boa comida...
Vai se levantar logo — confirmou o
médico, rindo e saindo.
Oates foi até o quarto de Riley conferir o
que estava acontecendo.
Parou na porta, surpreso, quando viu
quem estava com o ferido, dando-lhe sopa
na boca.
— Rose! — exclamou.
Apertando-a em seus braços e beijando-a,
Oates nem tentava se lembrar mais de
quantas e quantas vezes sonhara com aquela
cena. A mesma coisa acontecia com Rose.
Desde que a guerra terminara e que fora
dada oportunidade aos soldados e oficiais
rebeldes de jurarem fidelidade à bandeira da
União, Oates passara a ser hostilizado pelos
seus ex-companheiros de batalhas.
Para Rose aquilo fora terrível, porque a
afastara dele por algum tempo. Oates fora
para Washington, onde acabara sendo
nomeado Delegado Federal.
Ele mesmo insistiu para ser mandado
para Atlanta, uma cidade que a maioria dos
outros delegados evitava.
— Oh, Deus! Como eu sonhei com isso!
— murmurou ela, com os olhos brilhantes e
o corpo trêmulo de emoção.
— Oh, Rose! Fique comigo!
— Não posso...
— E por que não?
— Meus amigos...
— Nossos amigos, não se esqueça. Quero
o bem deles, mas não da forma como eles
querem obter isso. Atacaram a Fazenda...
— O que soube sobre o ataque?
— Eu não soube, Rose. Eu estava lá.
Ela demonstrou surpresa, olhando-o com
atenção, apalpando-o para se certificar de
que ele não estava ferido.
— Como conseguiu sair com vida?
— Não participei do ataque. Estava numa
colina, observando tudo. Nada pude fazer.
Eles simplesmente fuzilaram os soldados,
sem lhes dar chances de defesa...
— Meu Deus! Perderam a razão!
— E atacaram as mulheres. Estão agindo
como os loucos de Quantrill. Não são
soldados, são animais recalcados,
assassinando e violentando, Rose. Temos
que detê-los.
— Estão fazendo isso por dinheiro,
Oates. Vão arrecadar fundos para pagar as
dívidas dos fazendeiros e evitar que suas
terras vão a leilão... Um emissário chegou
há pouco, trazendo o produto do ataque à
Fazenda Graceland...
— Como? — surpreendeu-se ele.
— A adega do saloon vai ser usada
novamente como esconderijo. Está lá a mala
com o dinheiro roubado...
— Você a examinou?
— Não, e deveria?
Oates ficou intrigado com o que estava
acontecendo. Pelo visto, Rose estava sendo
enganada. E não apenas ela. Todos os que
confiavam nos planos loucos de
ressurgimento do Sul.
A guerra estava irremediavelmente
perdida e aquelas terras eram agora
devastadas por abutres de todos os tipos.
— Rose, preciso examinar essa mala.
— Por quê? Sabe que não posso. Seria
loucura! Traição! Eu seria morta por isso...
— surpreendeu-se ela.
— E se eu lhe garantir que não há
dinheiro nela?
A garota olhou-o desconfiada, mas sem
entender o que poderia estar se passando.
— Como pode afirmar isso?
— A mala com o produto do roubo está
bem escondida agora. Eu a tirei dos
emissários que a levavam para o Coronel.
Ela recuou, olhando-o atônita.
— Fala sério?
— Sim, eu a escondi.
— Nesse caso, o que há naquela mala que
escondi na adega?
— Acredito que não encontrará nada de
valor lá.
— Neste caso...
— Acho que está sendo enganada,
querida. Você e todos os outros. Desconfio
que o produto do roubo, não apenas desse,
mas de todos os outros que seguramente
serão cometidos, não irá ajudar fazendeiros
ou qualquer outro necessitado...
— Meu Deus! Como puderam pensar em
semelhante traição?
— São os tempos, querida. Poderia me
deixar ver essa mala?
Ela hesitou por instantes. Se fossem
apanhados juntos, examinando aquela mala,
seria o fim para os dois.
Por outro lado, a suspeita que Oates
lançar sobre a sinceridade dos planos do
Coronel e de seus comandados era terrível
demais para não ser apurada.
— E tem mais, Rose. O xerife participou
pessoalmente do ataque. Estava lá todo o
tempo, enquanto os soldados ianques eram
fuzilados e as mulheres eram violentadas.
Deve chegar daqui a pouco à cidade com
uma história bem fantástica.
— Está bem — concordou ela. — Vamos
até o saloon, disse ela, decididamente.
Os dois saíram juntos. Algumas pessoas
os viram e se surpreenderam. Eles pegaram
seus cavalos e cavalgaram para o saloon.
Quando haviam atravessado a divisa
entre as duas partes da cidade, foram
barrados pela aproximação do xerife com
seus ajudantes. O homem da lei ficou
surpreso ao ver Rose na companhia do
delegado federal, mas não se manifestou a
respeito.
— Atacaram a Fazenda Graceland,
mataram os soldados, violentaram algumas
mulheres... — informou o homem da lei,
fazendo um ar solene e grave.
— Quem atacou, xerife? — indagou o
delegado.
— Guerrilheiros...
— Rebeldes?
— Sim... Roubaram uma fortuna —
afirmou, olhando na direção de Rose.
Percebia alguma coisa estranha nela. Não
via ali aquele olhar de cumplicidade que
conhecia, mas uma inesperada acusação,
como se Rose o olhasse com asco.
— Se eram guerrilheiros e mataram
soldados da União, só há uma coisa a fazer
neste caso — falou Oates.
— E o que é? — indagou o xerife, sem
tirar os olhos de Rose.
O que via no olhar dela deixava-o muito
preocupado.
— Pedir a implantação da Lei Marcial
novamente na cidade e solicitar a vinda de
um destacamento da Cavalaria.
— O quê? — surpreendeu-se o xerife,
percebendo que aquela medida jogaria por
terra todos os planos feitos pelo Coronel.
A presença dos soldados ianques
representava um perigo inesperado para
qualquer ação mais ousada. Os soldados
rebeldes seriam caçados com a mesma
animosidade que motivara aquela guerra.
— Deveria pensar melhor nisso,
delegado. A presença de soldados ianques
na cidade pode ser uma ameaça à ordem e
encarada como uma provocação...
— E a cada vez que um deles circulasse
pelas ruas com seu uniforme azul, seria
considerado um alvo por algum rebelde
encima de um telhado, não?
— Já passamos por isso antes, delegado.
Pense bem, por favor — insistiu o xerife. —
Agora temos que ir. Se quiser discutir
melhor o fato, estarei em meu gabinete.
O homem da lei e seus ajudantes se
afastaram, dobrando uma esquina. Rose e
Oates continuaram seu caminho.
O xerife, porém, preocupava-se com o
que vira na expressão de Rose. Assim que
saíram das vistas dos dois, ele se deteve.
— Don e Billy, quero que vocês sigam
aqueles dois e vejam o que vão fazer —
ordenou.
— Quer que tome alguma providência
em relação ao delegado?
— Não, ele não me preocupa no
momento. Vai pensar duas vezes, antes de
chamar os soldados. Também não quer a
cidade em pé de guerra. O que me preocupa
é Rose. O que ela fazia com ele, assim
abertamente?
— Está bem, xerife. Vamos seguí-los —
afirmou Don, fazendo um sinal para Billy.
Os dois se afastaram e o xerife esporeou
seu cavalo. Esperava encontrar Robert
Woodfarm a sua espera no gabinete para
discutirem os últimos acontecimentos e o
sucesso do primeiro ataque.
Enquanto isso, Rose e Oates chegavam
ao saloon. Assim que desmontaram, alguns
homens diante do prédio já se puseram em
guarda.
O delegado demonstrou que estava ali em
paz, mantendo suas mãos próximas das
armas, no entanto. Rose arrastou-o para
dentro do saloon.
Assim que entraram, os homens se
levantaram e ficaram na porta, olhando com
curiosidade o que se passava lá dentro.
Burt, o sócio de Rose, surpreendeu-se ao
vê-la com o delegado.
— O que está havendo, Rose? —
indagou.
— Venha comigo, Burt. Você poderá
testemunhar algo abominável — disse ela,
apanhando um lampião e acendendo-o.
— Aonde vai? — quis ele saber.
— À adega!
— Espere! - pediu ele, olhando-a
assustado.
Sabia que a mala contendo o produto do
ataque estava escondida lá dentro. Seria um
risco para Rose levar o delegado federal lá
dentro.
— Não se preocupe, Burt. Se estamos
certos, não há dinheiro naquela mala —
falou ela, entendendo a preocupação dele.
— Como?
— É isso mesmo o que você ouviu —
falou ela, caminhando na frente dos dois.
Os homens na porta do saloon haviam
ouvido aquilo, inclusive Don e Billy, que se
olharam surpresos.
— O que faremos? — indagou Billy.
— Vá avisar o xerife do que está
acontecendo aqui — ordenou Don.
— E você?
— Eu vou ficar e observar. Não estou
gostando do que está acontecendo. Segundo
o xerife, o dinheiro estaria em segurança
aqui, no saloon, com Rose. Se estamos
sendo enganados, quero saber quem está por
trás disso, Billy.
— Está bem, vou avisar o xerife, então.
Rose e os dois homens desceram por uma
escada, até uma grande porta feita com
pranchas de madeira maciça. Burt se
adiantou, abrindo-a. Entraram na escuridão
fria da adega.
O lampião iluminou garrafas dispostas
em estruturas de madeira, caixas e teias de
aranhas. A garota foi até uma dessas
estruturas de madeira e puxou-a.
Oates se apressou em ajudar. Atrás
daquela espécie de estante havia uma
caverna, que se estendia sob o saloon.
Caminharam alguns passos, até uma mesa.
Sobre ela estava a mala.
Com gestos nervosos, Rose desamarrou
os laços que a fechavam, depois abriu-a.
— Eu sabia! — afirmou Oates.
Burt estava perplexo, sem entender. Vira
quando os emissários haviam trazido aquela
mala, informando que era o produto do
roubo na fazenda. Só via ali, agora, papeis
velhos, gravetos e folhas secas.
— E o dinheiro? — indagou ele, atônito.
— Acho que todos vocês estão sendo
enganados — falou Oates.
— Maldição! O que significa isto, afinal?
— perguntou Rose, indignada com aquilo.
— Temos abutres dos dois lados, querida.
Ambos estão rapinando esta terra e sua
gente — informou Oates.
— Os outros precisam saber disso —
disse Burt.
— Mas temos que fazer isso de forma a
não provocar uma revolta. Já basta o que
fizeram na fazenda, matando soldados e
violentando mulheres. Isso já é suficiente
para que a Cavalaria seja mandada para cá,
com funestas conseqüências. É hora de
apaziguar, não de fomentar o ódio. Todos
terão muito a perder com um
recrudescimento nas hostilidades.
— Oates tem razão, Burt. O povo tem
direito de saber o que está se passando, mas
deve deixar para a lei as providências. Não
temos mais aqui um caso de revolta
popular, mas de uso das esperanças do povo
em proveito próprio.
— Não será uma tarefa fácil —
reconheceu Burt.
— Eu farei isso. Todos me ouvirão, tenho
certeza — afirmou a garota.
O xerife entrou sorridente em seu
gabinete, ao perceber que Robert estava ali
a sua espera. Foi direto a um armário para
apanhar uma garrafa de uísque e
comemorarem.
— Seu estúpido! Onde está o dinheiro?
— indagou Robert, furioso.
— Como? — retrucou o homem da lei,
olhando-o surpreso, sem entender aquela
fúria inesperada.
Robert já estava junto dele, olhando-o
nos olhos, com o dedo em riste quase
enfiado em seu nariz.
— Tínhamos combinados que o dinheiro
seria mandado para a nossa fazenda... — ia
dizendo Robert.
— Mas foi o que fizemos...
— Mentira! Ele não chegou lá.
— Mandamos dois homens... Mas... O
que está havendo afinal? Onde foi parar
todo aquele dinheiro? Se aqueles malditos...
— Encontramos dois homens mortos no
caminho. Um estava com uma faca em suas
costas. O outro foi enforcado. Eram Ted e
Simon. Seriam esses os emissários?
Os olhos do xerife estavam arregalados.
Ele se lembrou do olhar de Rose e da
determinação do delegado federal, quando
cruzara com eles na rua.
— Espere um pouco, Robert — disse o
xerife, pensativo.
— Meu pai está possesso com o que
aconteceu. Esperava sentir esse dinheiro em
suas mãos...
— Se Ted e Simon foram mortos, alguém
roubou esse dinheiro deles...
— E quem sabia que esse dinheiro estava
sendo mandado para a fazenda, além de
você e alguns oficiais? Para todos os outros,
o dinheiro estava sendo mandado para ser
oculto por Rose, no saloon, não?
— Está insinuando que algum de nós...
— Não se trata de insinuação, xerife.
Algum de nós nos traiu e roubou todo
aquele dinheiro...
Naquele momento, Billy entrou no
gabinete esbaforido.
— Que diabos está havendo, Billy? —
indagou o xerife, exasperado.
— Alguma coisa está acontecendo lá no
saloon, xerife. Rose levou o delegado
federal para lá. Estão dizendo que não há
dinheiro na mala que foi escondida por ela...
O xerife e Robert empalideceram,
trocando olhares atônitos e raivosos.
— Reuna o pessoal, Billy — ordenou o
xerife.
— Demônios! Como ele descobriu isso?
— Não tenho a menor idéia. Só sei que
teremos muito trabalho para explicar ao
povo o que está acontecendo. O ataque e
sua finalidade já devem ser do
conhecimento de todos eles. Não teremos
como evitar uma revolta contra nós...
— Espere, xerife... Vamos manter a
calma... Tem certeza que não se enganou
com as malas, mandando a que tinha o
dinheiro para Rose?
— Absoluta!
— Neste caso, temos de ser espertos...
— Não haverá esperteza que nos livre da
fúria de nossa gente, quando descobrirem o
que estávamos tentando fazer...
— Não se preocupe. O ódio aos ianques
sempre será maior do que qualquer coisa.
Podemos fazer o feitiço se voltar contra o
feiticeiro — falou Robert, tentando pensar
como seu pai naquele momento.
— O que tem em mente?
— Se o dinheiro foi mandado para Rose e
sumiu, ela tem que dar conta dele.
Principalmente se ela nos traiu, aliando-se
ao renegado Oates Fordd, um bastardo que
renegou nossa bandeira para servir à da
União.
— Acha que pode dar certo?
— Se você instruir corretamente seus
ajudantes, eles poderão dar a partida numa
manifestação de ódio contra Rose. Vai ser
difícil impedir que o povo linche aqueles
dois, o que será conveniente para nós todos.
— Pode dar certo... Vou falar com meus
rapazes. Eles serão o instrumento que
desencadeará o inferno sobre Rose e Oates,
livrando, assim, nossa cara.
Quando os três retornaram da adega,
trazendo a mala, uma pequena multidão já
havia se juntado no saloon.
— Rose, quer nos dizer o que está
havendo? —indagou alguém. — O que esse
renegado está fazendo aqui?
— Eu lhes digo o que está havendo —
falou Oates, apanhando a mala e jogando-a
no meio do salão.
Seu conteúdo espalhou-se, diante dos
olhares surpresos de todos.
— É isso o que está havendo. Vocês
estão sendo usados com falsas esperanças.
Têm que entender que o Sul acabou. Agora
somos parte da União e é assim que será de
agora em diante...
— Cale a boca, renegado! — gritou um
dos presentes.
— Eu lhe mostro quem é renegado —
disse Oates, saltando sobre ele.
Agarrou o homem pelo pescoço e socou-
o no nariz, fazendo o sangue espirrar.
Os outros foram em auxílio do amigo,
caindo sobre Oates e derrubando-o com
socos e pontapés.
Rose apanhou a cartucheira que ficava
atrás do balcão e disparou um tiro para o
alto, abrindo um rombo no forro.
— O próximo que se mexer ou tocar num
fio de cabelo de Oates, vai se haver comigo
— ameaçou ela e todos tinham certeza que
ela cumpriria a promessa. — Oates não é
um renegado. Pelo contrário, está fazendo
por nossa cidade muito mais do que vocês
querem admitir. Ao jurar lealdade à
bandeira da União ele apenas foi inteligente
diante de uma situação que não poderemos
mais mudar... Temos de admitir: a guerra
acabou e fomos derrotados. A Confederação
do Sul não existe mais. E Oates poderia ter
ido para qualquer parte do país, mas
preferiu voltar para cá e nos ajudar a
entendermos o que havia acontecido.
Um silêncio doloroso pairou no saloon,
enquanto os homens, cabisbaixos, ouviam o
que Rose dizia.
Oates se levantou e caminhou até onde
estava a mala com papeis, gravetos e folhas.
— Eis o sonho que restou, pessoal...
Estão sendo usados... Estão tripudiando em
suas esperanças de voltar no passado... É
impossível... Perdemos a guerra...
— Oates está certo, pessoa. — confirmou
Burt. — Temos de arregaçar as mangas
agora e tentar reconstruir nossas vidas. Ficar
se lamentando agora não vai adiantar nada...
O xerife, seus ajudantes e Robert
chegaram naquele momento. Todos os
olhares se voltaram para os dois.
— O que está havendo aqui? — indagou
o homem da lei.
— Nós é que lhe perguntamos isso, xerife
— falou Oates, chutando a mala que
escorregou pelo assoalho e foi parar aos pés
do homem da lei.
— E isto, o que significa? — continuou.
— Como se não soubesse, não é, xerife?
— ironizou Rose. — Esta é a mala que os
emissários trouxeram para ser escondida. A
mala com o produto do roubo na Fazenda
Graceland.
Oates percebeu que os ajudantes do
xerife se distribuíam pelo saloon. Eram
todos ex-combatentes, homens acostumados
ao rigor das batalhas e bons no gatilho.
A maneira como se comportavam
indicava que estavam seguindo ordens,
preparando-se para a ação.
Eram cinco ao todo e pela maneira como
se distribuíram, seria impossível para Oates
acertá-los com rapidez.
Teria de atingir uns dois ou três, depois
procurar um esconderijo. O problema era
afastar Rose do caminho.
— Não sei do que está falando — falou o
homem da lei, abaixando-se para examinar
o conteúdo da mala.
Oates se aproximou de Burt.
— Tente tirar Rose da linha de tiro. Acho
que isto aqui vai pegar fogo — falou-lhe o
delegado.
— Certo, tentarei. Tenho uma arma
comigo. Se precisar de ajuda...
— Terá que atirar contra seus amigos,
como Billy ali na frente, Don à direita,
Thomas, ao fundo...
— Diabos!
— Apenas tire Rose do caminho e deixe
o resto comigo, está bem?
— Não sei do que está falando, Rose —
afirmou o xerife, levantando-se e encarando
a garota.
Robert, ao seu lado, estava lívido e tremia
de indignação. Todo o plano poderia ir por
água abaixo, por causa daqueles dois
malditos.
— Mas eu sei, xerife. Eu estava numa
colina próxima da fazenda. Eu vi o ataque.
Eu vi os soldados sendo fuzilados e as
mulheres sendo violentadas. Eu os vi
mandando o dinheiro para a fazenda do
Coronel... Robert deve saber onde está o
dinheiro...
Todos os olhares se concentraram no
filho do coronel, o herói que passara toda a
guerra num campo de prisioneiros.
— Não sei do que está falando —
gaguejou Robert, recuando alguns passos.
A multidão já era compacta atrás deles.
— Acho que podem abrir o jogo, pessoal
— falou Oates. — Como sei do que o xerife
fez, dos crimes que foram cometidos hoje
em Graceland e do dinheiro que foi
roubado, acho que não sairei vivo daqui.
Assim, Por que não contam a eles o que
aconteceu com o dinheiro? — propôs Oates.
A multidão silenciosa concordou com
movimentos de cabeça e olhares
interrogativos.
Burt conseguira levar Rose para o outro
extremo do balcão, deixando a linha de tiro
livro. Oates já analisara suas ações. Balearia
dois dos ajudantes, os mais próximos e mais
perigosos, depois se esconderia atrás do
balcão.
Billy, um dos ajudantes, estava inquieto.
Seu pai e seus irmãos haviam morrido na
guerra. Ele, mais do que todos, tinha
motivos para odiar os ianques e todos os
que se ligavam a eles, como o delegado
federal.
Não podia admitir, porém, que a memória
de seus mortos em batalha fosse usada para
fins tão mesquinhos.
— Ele tem razão, Robert. Se o que ele
afirma é verdade, temos de reconhecer que
é um homem morto mesmo. Assim, onde
está o dinheiro? — quis ele saber.
O rapaz encolheu-se, olhando o xerife
com apreensão. O homem da lei percebeu
que a situação começava a se inverter.
— Acho que temos de perguntar isso a
Rose — devolveu o xerife. — O dinheiro
foi entregue a ela, ela tem que dar conta.
— Pois aí está ele, a seus pés, xerife —
disse ela.
— Estão sendo enganados, rapazes. Rose
e esse renegado estão nos enganando.
Pegaram o dinheiro e...
— O dinheiro foi mandado para a casa do
Coronel e não chegou lá. O que houve com
Simon e Ted? — indagou Oates.
O xerife olhou-o nos olhos,
compreendendo tudo. Oates tinha observado
todos os acontecimentos e seguido os
emissários, roubando-lhes o dinheiro.
— Bastardo! — rugiu ele. — Foi você,
não?
— E quem mais poderia ter sido? —
retrucou o delegado.
— Fogo nele, rapazes! — ordenou o
xerife, levando sua mão à arma.
Oates percebeu a indecisão dos ajudantes,
chocados com aquela dúvida que pairava no
ar.
Concentrou sua atenção no xerife e em
Robert. Este, ao ver o xerife sacando,
imitou-o.
O delegado federal teria que tentar não
podia matar aqueles homens porque não
sabia qual seria a reação daquela multidão
diante dele.
Assim, sacou velozmente sua arma e
atirou no ombro direito do xerife e no
quadril de Robert, antes que os dois
conseguissem sacar suas armas.
— Maldição, rapazes! Atirem nele! —
ordenou a seus ajudantes, mas Oates já os
tinha sob sua mira.
Todos o haviam visto sacar. Sabiam que
ele era rápido e tiveram uma demonstração
ali, diante dos olhos. Ninguém iria se
arriscar a enfrentá-los, principalmente após
o que haviam tomado conhecimento.
— Muito bem, rapazes, vejo que
perceberam a voz da razão — comentou
Oates, indo até os dois feridos e
desarmando-os. — Vou nomeá-los
ajudantes federais agora. Temos de levar
estes dois...
— Deixe-os aqui, Oates! Sabemos o que
fazer com eles. Vão dançar na ponta de uma
corda — gritou alguém.
— Não, pelo contrário. Acho que a lei
deve prevalecer agora. Estes homens têm de
ser julgados para servir de exemplo a todos
os aproveitadores — sentenciou o delegado.
A multidão concordou, muito embora
alguns estivessem anda indignados com a
ação de Robert e do xerife.
Riley já estava bem melhor e fora para a
cadeia, fazer companhia ao seu amigo e aos
ajudantes. O clima na cidade estava tenso.
Oates telegrafara pedindo um destacamento
da Cavalaria, que ainda não chegara.
— Deveria ter deixado que a multidão os
linchasse lá no saloon — comentou Rose.
— Teria nos poupado aborrecimentos,
tenho certeza, mas estaríamos atrasando a
chegada da lei e da ordem à cidade.
— Só que agora estamos pior do que
antes — comentou Riley. — Agora todo
mundo quer nos matar. Os rebeldes, para
tirarem o xerife e Robert daqui e lincharem-
nos. Os ianques, porque estamos protegendo
os homens que participaram do ataque a
Graceland. E como se não bastasse tudo
isso, temos o Coronel e seus homens fiéis a
ele ainda, ameaçando atacar a cidade para
resgatar o filho e nos matar. O que mais nos
falta agora?
— Fique calmo, Riley. A situação não é
desesperadora ainda. A Cavalaria vai chegar
logo...
— Tomara!
Naquele momento, gritos lá fora
indicaram a chegada de encrenca.
— Rose, é melhor sair pelos fundos e
ficar longe — recomendou Oates.
— Nem pensar — afirmou ela,
apanhando uma Winchester e engatilhando-
a.
Um grupo de homens, em esfarrapados
uniformes do Exército Confederado, faziam
um protesto.
— Queremos os traidores! — gritavam
eles.
Oates ia sair para tentar apaziguá-los,
quando um bando de cavaleiros surgiu.
Eram ianques, revoltados com o ataque a
Graceland.
Uma briga se iniciou no meio da rua,
diante da cadeia.
— Demônios! — praguejou Oates,
apanhando uma Overland de dois canos e
saindo.
Disparou uma vez para o ar.
— Se não pararem com isso agora
mesmo, vou ser forçado a usar isto contra
vocês — disse ele, recarregando.
Os homens na rua pararam. De repente,
toda a cidade ficou em silêncio. As cabeças
se voltaram na direção do fim da rua. Ali,
um pequeno exército a cavalo se
organizava.
ã frente deles, num cavalo branco
imponente, no seu uniforme de batalha
completo, o Coronel Woodfarm em pessoa
liderava um grupo de fanáticos.
— Oh, droga! — murmurou Oates,
retornando para o interior da cadeia. —
Vamos fazer uma barricada nas portas e
janelas. O Coronel está chegando com seus
homens. Se vocês quiserem sair, rapazes,
não os impedirei — disse aos ajudantes.
Os homens se olharam.
— Achamos que estamos do lado certo
agora, Oates.
— Certo, rapazes! Vamos nos preparar.
Eles devem ser uns trinta homens mais ou
menos, contra nós sete...
— Oito! — corrigiu Rose, manobrando a
Winchester com familiaridade.
Barricadas foram postas nas portas e
janelas. A rua diante da cadeia ficou vazia.
O grupo de soldados confederados avançou
sem oposição.
Pararam e desmontaram, sob as ordens do
Coronel. Um homem, após receber
instruções, avançou rapidamente pela rua,
até diante da prisão.
— Oates, o Coronel manda que você
solte Robert e o xerife. Caso contrário, será
obrigado a ordenar o ataque.
— Pois volte e dia a ele que eu mandei
que ele se entregasse. Caso contrário, terei
que ir prendê-lo.
O soldado olhou-o intrigado, como se
julgasse Oates um louco.
— Vá lá e diga a ele — insistiu Oates.
— É loucura! — falou o soldado.
— É loucura o que vocês estão fazendo.
Não há chances. Neste momento, um
destacamento da Cavalaria está chegando à
cidade. Vocês não terão chance. Serão
caçados e exterminados como animais
perigosos. Tenho certeza absoluta que eles
não farão prisioneiros.
O soldado hesitou. Havia dúvida em seu
rosto. Ele puxou as rédeas do cavalo e
cravou-lhe as esporas, retornando para junto
do Coronel.
— E então? — indagou o militar.
— Ele não vai se render, senhor...
— E o que mais? — insistiu o Coronel,
percebendo que o soldado tinha mais
alguma coisa a dizer.
— Ele mandou que o senhor se
entregasse...
O coronel riu e fez um sinal para seus
homens. Parte deles começou a avançar pela
rua, ocupando janelas e portas, entrando
pelos becos, subindo nos telhados.
O restante ficou ao lado dos cavalos,
esperando as ordens. O Coronel esperou até
que os homens se posicionassem, depois
levantou seu sabre e deu sinal.
Um cerrado tiroteio se abateu contra a
cadeia. As balas arrebentavam os vidros das
janelas e tiravam lascas da porta, que foi
sendo cravejada de projéteis.
Nas grossas paredes de tijolos, as balas
batia com violência e encravavam-se,
abalando os alicerces, fazendo toda a
construção tremer.
— Mantenham-se abaixados! — gritou
Oates, enquanto as balas entravam pelas
janelas e iam arrebentar tudo que
encontravam pelo caminho.
Os prisioneiros estavam protegidos no
corredor das cela e não seriam atingidos.
Oates pensou que um bom lugar para eles
seria ali, na frente, servindo de alvo para as
balas que choviam, vindo de toda parte.
De repente, o tiroteio cessou e um
silêncio mortal pairou sobre a cidade.
Olhando rapidamente pela janela, Oates
viu os homens deixando suas posições e
correndo na direção dos outros.
— O que está havendo? — quis saber
Rose.
Oates desobstruiu a porta e saiu para
olhar. Os homens do Coronel haviam
acabado de montar seus cavalos. De um
lado e do outro da rua, fechando a passagem
deles, haviam soldados da União,
desmontados e postados em posição de tiro,
com suas armas apontadas.
O Coronel, em seu cavalo, analisava a
situação.
— Renda-se, Coronel! — gritou-lhe
Oates, percebendo que não havia saída para
o velho militar.
— Nunca! — respondeu ele.
— Não vai conseguir passar — afirmou,
entendendo o que ele queria fazer.
Seria uma manobra de fuga desesperada,
indo direto para os atiradores e tentando
passar a todo custo.
Poderia dar algum resultado em campo
aberto, mas ali estava encurralados.
— Não, Coronel, não faça isso! —
insistiu Oates.
O militar olhou-o de longe, prestou-lhe
continência, depois sacou o sabre e
posicionou-o no ombro.
— Carga! — gritou ele, esporeando seu
cavalo, seguido por seus homens.
O grupo foi se desfazendo pela rua, na
medida que avançava e era recebido por
tiros, ao mesmo tempo em que tinha sua
retaguarda sob ataque.
— Oh, Deus! — murmurou Rose,
abraçando-se a Oates.
O último dos confederados a cair foi
justamente o Coronel. Seu cavalo avançou
por alguns metros ainda, depois fez a volta e
retornou, parando ao lado do corpo crivado
de balas.
Uma Arma para uma
Mulher
Para um homem acostumado a ser livre, a
percorrer os territórios no lombo de seu
cavalo, sem se fixar em parte alguma,
quinze anos numa prisão fora um castigo
cruel.
Frank Sommer havia passado por essa
terrível experiência e, agora, desejava
apenas retornar para junto de sua filha e
passar seus últimos dias num rancho junto
ao Rio Colorado.
Birddie Nolan, um velho parceiro que,
como ele, também cumprira pena,
aguardava-o também. Havia sido o velho
bandido que, nos últimos cinco anos, havia
tomado conta de Moly Sommer, a filha do
pistoleiro.
Frank Sommer nem sabia como era o
rosto da filha nem podia imaginar que tipo
de garota encontraria a sua espera. Nolan,
em uma de suas cartas, dissera que a jovem
era um retrato vivo da mão, além de ser
corajosa e muito decidida.
Quando fora preso, após uma carreira de
crimes que ao tornara procurado em todo o
Oeste, Frank só vira sua filha uma única
vez. Guardava dela a recordação de uma
garotinha de cabelos claros, como cabelo de
milho e olhos muito azuis.
Ele pensava em tudo isso, enquanto
cavalgava no entardecer. Logo teria de
acampar, por isso procurou um lugar
adequado.
Faltavam ainda umas cinqüenta milhas
para chegar ao seu destino. Os anos todos
na prisão o haviam arruinado fisicamente.
Era agora um velho de quase sessenta anos,
com cabelos brancos e a vontade de viver
seus últimos dias em paz.
Parou junto a um riacho. Soltou o cavalo
para pastar, acendeu a fogueira e preparou
alguma coisa para comer. Havia cavalgado
muito naquele dia e o corpo doía
terrivelmente. Queria comer alguma coisa
logo e descansar.
Tinha terminado de jantar e preparava um
pouco de café, quando os dois estranhos
chegaram. Um deles era alto e magro. O
outro era um pouco mais baixo. Ambos
portavam armas em coldres muito baixos,
próprios de pistoleiros.
— Noite! — disse o mais alto, sem
desmontar, sondando o terreno. —
Estivemos cavalgando todo o dia. Podemos
aproveitar a sua fogueira?
— Sim, como não — respondeu ele. —
Estava mesmo me sentindo muito só por
aqui. Desmontem, estou fazendo um pouco
de café. Se quiserem comer, tenho comida,
mas terão que preparar...
— Não se incomode, bom homem.
Aceitaremos seu café, com prazer. Só
vamos descansar um pouco e depois seguir
viagem. Meu nome é Samuel Corey e meu
parceiro se chama Slim Patterson.
— Sou Frank Sommer — apresentou-se o
velho pistoleiro, sondando-os.
Os dois recém-chegados olharam-se por
instantes. Desmontaram, retirando de seus
alforjes canecas de alumínio. Sommer
terminou o café e serviu-os. Depois
apanhou uma caneca para ele e foi se
encostar no arreio, onde estendera o
cobertor de lã de carneiro.
Seu cinturão estava junto à sela. Era o
mesmo que usava, quando fora preso. A
arma era um velho Colt, um dos primeiros
modelos com cartuchos que foram
produzidos.
— É uma arma muito velha essa que tem
aí — observou Samuel, olhando para o
pistoleiro.
— Sim, é bem velha mesmo, moço. Deve
ter uns trinta anos comigo. Hoje não são
mais usados, mas o cano longo garante uma
precisão superior aos Colts de cano curto
que se fazem hoje. Vi um catálogo num
jornal, esses dias. Com um cano daqueles
um homem precisaria de sorte paras acertar
um celeiro a dez passos...
— Sim, mas há de convir que não é uma
arma própria de um pistoleiro. É mais difícil
e demorada para sacar, não — observou
Slim.
— De que lhe adianta sacar rápido se não
tem precisão? Eu sempre usei esta daqui e
não tenho motivos para reclamar dela.
Garantiu-me a vida muitas vezes.
— É, não duvido, moço — disse Samuel.
— Para onde estão indo? — indagou o
velho pistoleiro, terminando o café e
começando a enrolar um cigarro.
— Para longe... Vamos voltar para
Tucson — respondeu Samuel.
— Voltar? Vieram a negócios, então...
— Sim. Pretendemos concluí-lo hoje à
noite e voltar o mais depressa possível...
Enquanto Samuel falava, Slim rodeava o
pistoleiro, postando-se de modo a deixá-lo
entre dois fogos. Os anos na prisão não
haviam tirado de Sommer os instintos.
Sua experiência alertou-o e ele ficou de
olho nos dois, pronto para agir, se fosse
necessário. A arma estava livre no coldre.
Bastaria puxá-la e a teria na mão.
— Como podem sair nessa escuridão
para tratar de algum negócio? — indagou
ele.
— Não vamos longe e a lua cheia deve
sair logo...
— Não há nada por perto daqui, moço.
Além disso, estamos na lua minguante.
Samuel jogou para trás a aba de seu
paletó, descobrindo o Colt. Slim fez o
mesmo. Sommer continuou como estava,
memorizando a posição dos dois. Slim
continuou se movendo. Sommer começou a
se levantar lentamente.
Sua arma estava ao lado, mas encostada à
sela.
— Estavam à minha procura?
— Na verdade, nós o seguimos desde que
deixou a prisão territorial...
— E por quê?
— Alguém o quer morto.
— Quem os mandou?
— Bem, nós nunca perguntamos nomes,
quando aceitamos um serviço bem pago.
— Quanto valeu para vocês a minha
vida?
— Um bom preço: dois mil dólares.
— Puxa, que decadência a minha!
Sabiam que um dia já vali vinte e cinco mil,
vivo ou morto?
— Está velho e acabado agora — disse
Slim.
— Acha mesmo isso, filho? Durante os
últimos quinze aos não peguei numa arma,
mas dizem que certas coisas a gente nunca
esquece. Matar é uma delas. Quando você
começa, não pode parar e isso é cada vez
mais fácil. Fiquei sem matar quinze anos...
Posso estar com uma vontade louca e fazê-
lo agora...
Os dois pistoleiros se olharam.
— É só um velho, agora. Além disso, sua
arma esta aí, ao lado da sela. Terá de se
abaixar para apanhá-la. Acho que vou lhe
dar esta chance, velho.
— São dois contra um... Acho que é uma
boa chance...
— Lamento, velho, não é nada pessoal.
Para nós é apenas trabalho — disse Samuel.
Sommer olhou-os mais uma vez, depois
abaixou-se para apanhar sua arma. Quando
fez isso, Samuel sacou sua arma com
incrível rapidez, disparando. Sommer já
havia se abaixado e a bala a ele endereçada
foi atravessar o peito de Slim, atirando-o
contra umas pedras.
— Maldito filho da mãe! — berrou
Samuel, mas seus olhos se esbugalharam e
sua voz lhe morreu na garganta, quando a
bala disparada por Sommer atingiu-lhe a
cara, deformando-a.
Ele rodopiou e caiu quase sobre a
fogueira. Slim, ferido no peito, pôs-se de
joelhos, segurando sua arma com as duas
mãos e tentando levantá-la para disparar
contra Sommer.
O velho ouviu o estalido do gatilho e
jogou-se para o lado, disparando contra a
testa de Slim, jogando sua cabeça
violentamente para trás.
Um silêncio mortal pairou no
acampamento. Sommer começou a trocar os
cartuchos usados de sua arma, olhando os
dois homens imóveis, iluminados pelas
chamas.
Havia ficado quinze anos na prisão, mas
havia gente do lado de fora que não pudera
esquecê-lo.
De repente, um tiro de rifle ecoou na
noite que chegava. A bala assobiou a
polegadas da cabeça dele.
Percebeu que havia um terceiro homem
ou, talvez, até mais. Estava ou estavam
ocultos em algum ponto próximo dali.
Uma bala assobiou a sua frente, bateu
numa pedra e ricocheteou tetricamente,
como um grito de agonia perdendo-se na
escuridão. Arizona atirou-se para trás de
uma rocha, tentando localizar seu agressor.
Novas balas arrancavam lascas de pedra,
sem que ele pudesse revidar.
Localizou de onde vinham os tiros pelos
clarões dos disparos. Mirou naquele ponto e
fez fogo algumas vezes, até que ouviu um
grito.
— Peguei-o maldito! — exclamou ele,
com satisfação, respirando aliviado.
Percebeu que poderia correr e ir abrigar-
se atrás de um tronco e, dali, aproximar-se
mais do atirador. Quando se levantou para
correr, ouviu nitidamente o galope de um
cavalo afastando-se rapidamente.
— Como acha que ele pode estar agora,
Nolan? — indagou Moly, sentada à mesa.
O velho bandido apanhou um graveto no
fogão e acendeu o cigarro com ele. Deu
algumas baforadas, depois cuspiu nas
chamas que crepitavam.
— Envelhecido, com certeza —
ponderou.
— Eu não queria saber isso, Nolan.
Quero saber quanto às idéias dele agora...
— A prisão muda muito um homem,
Moly. Tanto pode tirar-lhe toda a vontade
de continuar lutando como pode transformá-
lo num inconformado.
— Você que o conheceu bem, o que
acha?
— Acho que Frank cansou de lutar. Não
lhe tiraram a vontade, que fique bem claro.
Ele apenas se cansou de lutar.
— Eu não consigo entender como um
homem como ele pôde dedicar toda a sua
vida ao crime, cometendo roubos e
assassinatos — disse ela e havia um tom de
revolta em sua voz.
— A vida há quarenta anos atrás era dura,
querida.
— Outros passaram por isso, mas não se
dedicaram ao crime, Nolan.
— Esses tiveram a sorte de não participar
daquela maldita guerra civil. Foi uma praga
para nós do Sul. Perdemos nossos lares,
nossas terras e ficamos sem nada. Nem o
nosso orgulho os ianques deixaram. Sem
nada disso, sem trabalho e sem dinheiro, ou
morríamos de fome ou roubávamos deles —
disse o velho, com um tom amargo.
Moly percebeu que sua pergunta
sensibilizara-o.
— Desculpe-me, Nolan! Não quis
magoá-lo — disse ela, indo abraçá-lo.
— Está tudo bem, querida. Tudo passou
agora. Agora temos este rancho e
poderemos viver nele o resto de nossos dias,
sem nos preocuparmos com aqueles tempos
violentos que passaram.
— Espero sinceramente que meu pai
pense da mesma forma, Nolan.
— Pode ter certeza que sim. O que ele
desejará de agora para frente é um lar para
onde voltar no fim do dia, comida quente,
roupa limpa e uma cama macia.
— Vamos esperá-lo do outro lado do rio?
— propôs ela.
— Sim, eu não perderia isso por nada.
Deverá estar chegando aqui por volta do
meio-dia.
— Como sabe?
— Também fiz esse caminho, Moly.
Lembra-se?
Ela foi apanhar o bule de café e derramar
mais um pouco na caneca que ele tomava.
Nolan enrolava pacientemente um cigarro.
Moly se sentou diante dele.
— Você e meu pai sempre foram bons
amigos, não?
— Como unha e carne. Quando ele foi
preso, não vi motivos para continuar sem
ele, por isso me entreguei. Isso me garantiu
cinco anos a menos na pena.
— O que foi ótimo para mim. Eu não
conseguiria tocar sozinha este rancho,
Nolan.
— Bobagem! Vá dormir agora. Vou
fumar um cigarro e depois farei o mesmo.
Amanhã será um dia importante para nós.
Moly sorriu, concordando. A volta do pai
a deixava impaciente e inquieta. Não sabia
como era ele. Não sabia como tratá-lo. Nem
se lembrava da última vez que o vira. Aos
dezoito anos, Moly tinha a sensação de que
nunca tivera um pai, já que ele sempre
esteve ausente, fugindo como um animal
selvagem.
No dia seguinte, a garota estava mais
excitada que na noite anterior. Logo pela
manhã, após fazer todas as suas obrigações
de casa, foi preparar o quarto dele.
Sobre um móvel ela deixou uma foto de
sua mãe. Ambas eram realmente muito
parecidas. Ficou pensativa, tentando se
acalmar e imaginar o homem que estava a
caminho, mas não conseguia.
Só queria que ele fosse como Nolan o
havia descrito centenas de vezes, ao longo
daqueles cinco últimos anos.
Mais tarde, ela e Nolan cavalgaram até o
outro lado do rio para esperá-lo. Como o
velho havia previsto, pouco depois do meio-
dia avistaram uma figura solitária que
cavalgava na direção deles.
— É ele — afirmou Nolan.
— Como sabe?
— Só ele cavalgava daquela foram, com
o corpo ligeiramente pendido para o lado
esquerdo da sela.
— Verdade? E por que isso?
— Um velho hábito dele. Dizia que assim
a arma estava sempre pronta para ser
sacada.
— E era verdade?
— Sim, funcionava...
— Por que nunca me ensinou isso?
— Esses truque de pistoleiros, pequenos
detalhes que se tornam significativos nos
momentos certos, é coisa de gente que mata
gente, Moly. Eu jamais desejaria que você
aprendesse isso, entendeu? Isso fez parte da
minha vida, mas eu gostaria de esquecer
tudo agora.
Sommer os vira de longe e esporeara seu
cavalo. Quando se aproximou, ficou
olhando maravilhado para o rosto da filha,
parecidíssima com sua finada esposa.
— Frank, seu coiote velho! — disse
Nolan, estendendo-lhe a mão, que o
pistoleiro apertou com força.
— Nolan, seu bode velho! — respondeu
ele, sem desviar os olhos da filha.
Seus olhos que em outros tempos foram
frios e cruéis encheram-se de lágrimas. Ele
desmontou e se aproximou dela.
— Meu Deus! Você é mesmo o retrato
vivo de sua mãe...
— Mas tem os seus olhos, Sommer —
observou Nolan.
— Seja benvindo, papai — falou ela,
abrindo os braços e vencendo a distância
que os separava.
O abraço entre pai e filha foi longo e
afetuoso. Sommer não pôde conter as
lágrimas nem a jovem. Ficaram ali por
algum tempo, sob o olhar emocionado do
velho bandido.
— Você é linda, filha... Linda mesmo —
murmurou ele, afastando-se um passo para
olhá-la com adoração.
— Ei, não vamos ficar nos torrando aqui
no sol. Vamos para o rancho, Nolan. Tenho
uma garrafa de uísque que comprei no
caminho há cinco anos. Guardei-a para
tomá-la junto com você.
— Pois eu também pensei o mesmo —
afirmou Sommer, retirando de seu alforje
uma garrafa de uísque e atirando-a para o
velho amigo.
— Eu não sabia que você bebia uísque,
Nolan — observou Moly.
— Há quinze anos não bebo uma gota,
deixando a minha sede aumentar. Se meu
velho parceiro, lá na prisão, não podia
beber, eu, aqui fora, também não beberia.
— Continua sendo o mesmo velho
sentimental, Nolan — disse Sommer,
voltando a abraçar o amigo.
Cavalgaram de volta para o rancho.
— Como eu valorizo hoje a liberdade,
Nolan — comentou Sommer, quando
atravessavam o rio.
— Há muitas outras coisas que também
vai aprender a valorizar, meu amigo. Temos
o nosso pequeno rancho. Não vamos ficar
ricos com ele, mas tiraremos dele todo o
necessário para vivermos decentemente.
— Sim, vamos ver se conseguimos deixar
o passado para trás — disse o velho
pistoleiro e, num gesto mecânico, virou-se
na sela para olhar para trás.
— Tomara que o passado nos deixe em
paz, Sommer — ajuntou ele.
— Só teremos que nos preocupar agora
com o futuro — afirmou Moly, sorrindo
feliz.
Bill Harding examinou suas cartas. Era
sua vez de trocar. Pensou um pouco nas
suas chances e pediu mais duas. Juntou suas
cartas sobre a mesa, depois abriu-as
lentamente. Tinha dois pares, o bastante
para jogar alto.
— Aposto vinte — disse ele, empurrando
as fichas para o centro da mesa.
— Eu passo — desistiu o jogador
seguinte.
— Seus vinte e mais vinte — falou, no
entanto, o terceiro jogador.
Bill sorriu, enquanto olhava o outro nos
olhos, tentando captar algum sinal de blefe.
Voltou a examinar suas cartas. Tinha dois
pares e isso, naquele tipo de jogo, era uma
boa mão. Poderia perder para uma trinca,
mas era muito improvável que saísse uma.
— Seus vinte e mais cinqüenta — falou,
empurrando as fichas para junto das outras.
O outro jogador pensou, olhando para
Bill.
— Seus cinqüenta e mais duzentos para
ver — falou ele, inesperadamente.
Bill sentiu amargo o uísque que bebia.
As pessoas ao redor da mesa
surpreenderam-se com a coragem daquele
jogador. Bill sentiu toda a sua calma esvair-
se e seus nervos ficaram tensos.
Já fora longe demais e não podia recuar.
Separou os duzentos dólares, pondo-os
junto com o resto da aposta.
— Pago para ver — falou ele. O que tem
aí?
— Trinca de nove.
— Tenho dois pares — disse Bill,
jogando as cartas sobre a mesa e estendendo
as mãos para recolher o dinheiro.
— Um instante, moço — disse o outro
jogador, cravando uma faca entre os dedos
de Bill, assustando-o.
— O que há? É daqueles que não sabem
perder? — indagou o pistoleiro, com os
olhos destilando cólera.
— Uma trinca sempre ganhou de dois
pares — afirmou o jogador.
— Não aqui em Tucson — respondeu
Bill, sacando a arma sob a mesa e
disparando-a.
A bala arrancou uma lasca da mesa e foi
atingir a testa do outro jogador, que foi
jogado para trás, enquanto seus miolos
espalhavam-se pelo assoalho.
Bill Harding sorriu com frieza, enquanto
se levantava.
— Todos vocês viram. Ele sacou
primeiro — disse em voz alta, indo até o
morto, retirando sua arma do coldre e
deixando-a ao lado do corpo.
Os homens que assistiam ao jogo
dispersaram-se rapidamente. Bill foi até o
balcão e deu uma moeda ao barman para
que limpasse a sujeira.
Os outros afastaram-se dele. Bill ficou
sozinho no balcão, mas não se incomodou
com isso. Estava acostumado.
Um homem entrou no saloon, indo até
ele.
Ao vê-lo, Bill surpreendeu-se.
— Que diabos, homem! Parece que viu o
demônio! — comentou.
— Pois eu acho que foi mais ou menos
isso, Bill — afirmou, apanhando um copo e
enchendo-o com uísque da garrafa que Bill
tinha diante de si.
— O que quer dizer com isso? Você não
estava com John, Butcher e Dick?
— Sim, e eles estão mortos agora.
— Como? Mortos? — indagou Bill,
agarrando furiosamente o outro pelo
colarinho da camisa.
— Enganaram-nos, Bill. Disseram que
era apenas um velho, mas ele é um
demônio...
— Ele é mesmo um velho... Vocês é que
são uns palermas. Vamos conversar lá fora
— disse Bill, demonstrando contrariedade.
Foram para junto dos cavalos, amarrados
diante do saloon.
— Conte-me o que aconteceu?
— Nós o emboscamos. Eu e Dick
ficamos sobre algumas pedras. John e
Butcher foram até ele, conversaram, deram
nomes falsos e tentaram pegá-lo de
surpresa. O velho, no entanto, matou os
dois, Bill. Eu e Dick tentamos atingí-lo
atirando de longe, mas o velho pegou Dick.
Eu tive de fugir ou ele me mataria
também...
— Idiota! São uns idiotas mesmo! —
exclamou Bill, esmurrando o outro.
— Não tive culpa, Bill... O velho é um
demônio... — ainda tentou se desculpar,
mas Bill não lhe deu tempo, voltando a
socá-lo com violência.
— Cale a boca! Estamos numa
embrulhada agora. Recebemos para fazer
um serviço e temos de fazê-lo.
— Bem que nós tentamos, Bill, mas foi
como eu disse — choromingou o outro. —
Ele ainda é um matador.
— Que idiotas! Por que não chegaram
atirando? Parar para conversar com um
homem como aquele... Tiveram o que
mereciam, aqueles idiotas!
— O que fazemos agora?
— Temos que terminar o que
começamos. Só que vamos ter que cobrar
um pouco mais.
— Acha que ele pagará?
— Terá de pagar. Perdi três de meus
melhores pistoleiros. Ele devia ter nos
prevenido.
— Chamo os outros?
— Sim, diga-lhes que me esperem no
saloon. Enquanto isso, vou negociar. Vou
arrancar mais cinco mil dólares.
— Vou precisar comprar mantimentos e
munição... — disse Bob Lane.
Bill separou algumas moedas e entregou-
as ao seu pistoleiro. Enquanto ele ia
negociar, Bob foi até o armazém, onde
comprou o que precisava.
Foi depois para o bordel mexicano, no
outro lado da cidade, onde sabia que
encontraria seus amigos.
O primeiro que encontrou foi Ted
Canton, numa roda com diversos
mexicanos. Ao centro, dois galos
empenhavam-se numa luta de vida ou
morte.
— Bill quer vê-lo lá no saloon — disse.
— Já?
— Sim...
— Não posso ir agora... Meu galo pode
perder a luta...
— Não perderá — disse Bob, sacando
calmamente sua arma e estourando a cabeça
do outro galo. — Pronto, você ganhou.
Ninguém protestou. A fama daqueles
homens dizia que aquilo não era algo
saudável.
Bob foi para a cantina, onde funcionava o
bordel. Quando entrou, uma faca passou
diante de seu nariz e foi se cravar na porta.
— Diabos, Villas! — gritou ele, já de
arma na mão. — Um dia você ainda perderá
a vida por causa dessa brincadeira.
O mexicano alto e corpulento se
aproximou e abraçou-o, levantando-o no ar
e pondo-o sobre o balcão.
— O que faz aqui, meu pequeno amigo?
— Bill quer ver todos vocês lá no saloon,
agora.
— Agora mesmo?
— Sim. Onde está Uncle Chad?
— Lá dentro — apontou Villas.
Bob saltou do balcão e entrou por um
corredor. Bateu numa porta.
— Bill quer você lá no saloon agora
mesmo.
— Já estou indo — respondeu uma voz lá
dentro.
Pouco depois a porta se abria e surgia um
homem magro, exageradamente alto,
vestindo roupas negras.
— Ei, Chad, esqueceu meu dinheiro —
falou a jovem mexicana seminua,
agarrando-o pelo braço.
Ele sorriu, retirou uma moeda e estendeu
para ela. Quando a garota ia apanhá-la, ele
socou o rosto dela, fazendo-a recuar até a
cama.
— Jamais... Jamais toque meu braço
assim de novo — disse ele, com raiva,
jogando a moeda sobre ela.
Parece preocupado, parceiro — observou
Nolan, passando a bolsa de fumo para o
amigo.
Frank Sommer não respondeu. Primeiro
enrolou um cigarro, depois acendeu-o.
Estavam sentados no alpendre da casa,
fumando e tomando uísque.
— Fui atacado na estrada, quando vinha
para cá. Eram quatro homens. Matei três. O
quarto escapou.
— Porque não me disse isso antes?
— Não quis preocupá-lo.
— Que tolice, parceiro!
— Depois de todo esse tempo, alguém
ainda me quer morto, Nolan. Não sei quem
nem por quê. Sei apenas que está pagando
pistoleiros para virem a minha procura.
— Então precisamos nos preparar. Logo
teremos encrenca por aqui.
— Preocupo-me por Moly... Acho que
terei de ir para Tucson resolver isso.
— Está maluco! Vai se atirar no covil dos
lobos? Tucson nunca foi uma cidade muito
receptiva para nós. O melhor a fazer é
manter distância dela.
Moly saiu naquele instante para alpendre
e foi se sentar nos degraus da escada.
Respirou fundo. Estava feliz. Ficou olhando
para o pai. O velho Colt ainda pendia em
sua cintura.
— Pai, por que não guarda esse revólver?
Agora é um rancheiro, não tem com o que
se preocupar. Os tempos são outros.
Frank olhou para a filha e sorriu.
— Meu Colt é como se fosse uma parte
do meu corpo, filha...
— Mas ele não terá utilidade alguma
agora. Por favor, deixe-me guardá-lo?
— Isso a fará feliz?
— Sim, muito.
— Está bem — concordou ele,
desafivelando o cinturão.
Entregou-o à filha.
— Logo vai se acostumar, como Nolan se
acostumou — afirmou ela.
— Assim espero — afirmou Sommer e
seu olhar alongou-se na direção da trilha,
banhada pelo luar.
Conversaram mais algum tempo e
terminaram de beber a garrafa de uísque.
Foram dormir em seguida.
Frank Sommer sempre tivera o sono leve,
mas a prisão, o silêncio dos corredores,
onde ninguém andava e nada acontecia,
haviam lhe tirado esse hábito. Além disso,
ele e Nolan estavam altos com todo aquele
uísque.
Nenhum deles ouviu os cavalos fazendo
barulho ao atravessar o rio. Nem depois,
quando os homens deixaram os cavalos e
avançaram, com as esporas tinindo abafadas
pela poeira.
Frank apenas acordou quando ouviu o
gatilho estalando e o cano frio da arma
tocando seu ouvido. Alguém acendeu um
lampião.
— Não faça um gesto, velho, ou morre
aqui mesmo — disse Bill Harding. —
Levante-se bem devagar.
Frank foi levado para a sala, onde Moly e
Nolan também se encontravam sob a mira
das armas.
— Pensei que fosse mais difícil —
comentou Chad, olhando para Moly com
apetite.
— Quem são vocês? O que querem aqui?
— indagou ela.
— Estamos aqui a serviço, moça —
respondeu Bill. — Somos pistoleiros e
fomos pagos para matá-los.
— Por quê? — surpreendeu-se ela.
— Você pergunta demais. Mulheres não
foram feitas para isso — disse Chad,
estendendo a mão e, com um gesto rápido e
inesperado, rasgou a camisola que ela
vestia, desnudando seus seios.
— Bastardo! — rugiu Nolan, socando
Chad no estômago.
A resposta foi rápida. Chad sacou sua
arma e, a queima-roupa, disparou contra
Nolan.
— Maldito! — urrou Frank, tentando
partir para cima do pistoleiro, mas foi
contido por dois outros.
Alguém golpeou sua nuca e ele caiu de
joelhos.
— Malditos sejam vocês e toda a sua
escória — gemeu Frank, caído de joelhos.
— Por que não cala a boca, velho? —
falou Bill, atingindo-o com um pontapé na
cabeça e jogando-o para trás. — Ergam-no.
Quero que ele veja isso antes de morrer.
Frank foi posto em pé e mantido imóvel,
enquanto Chad continuava rasgando as
roupas de Moly. Quando a garota arranhou-
o no rosto, ele a socou com força,
desmaiando-a.
Ela foi posta sobre a mesa, então, já nua.
— Eu serei o primeiro, rapazes — disse
Chad. — Vocês disputam na moeda quem
serão os próximos.
Frank foi amarrado numa cadeira,
enquanto os homens disputavam o corpo de
sua filha. Moly acordou. Caiu da mesa. Viu
o pai. Correu abraçá-lo, pedindo sua ajuda.
Chad socou-a de novo, jogando-a no
assoalho. Ali, sob as vistas do velho
pistoleiro, que se debatia como um animal
enjaulado, Moly foi brutalizada por eles.
Frank se sentiu à beira da loucura, incapaz
de fazer alguma coisa para ajudar a garota.
Estava arrasado, quando os pistoleiros
terminaram seu cruel trabalho.
— Agora vamos terminar o serviço —
falou Bill.
Moly jazia no assoalho, imóvel, como se
estivesse morta.
— Deixe-me acabar com ele — pediu
Villas, sacando sua faca.
— Não, não quero que ele morra
depressa. Não se esqueçam que ele matou
três dos nossos melhores amigos. Quero que
ele pague.
— Como quiser, Bill — disse Villas,
cravando sua faca na coxa direita de Frank,
que gemeu e ficou vendo o sangue brotar e
ensopar sua calça.
— É isso mesmo, Villas. Mate-o bem
devagar — afirmou Bill.
O mexicano retirou a faca da coxa do
velho pistoleiro e, com um sorriso sádico no
rosto, espetou-a na outra coxa, depois
apoiou as duas mãos no cabo para fazê-la
entrar lentamente nas carnes de Frank.
— Agora solte-o — ordenou Bill. —
Quero que ele rasteje.
Os pistoleiros fizeram o que ele mandava.
Frank tentou caminhar na direção do corpo
da filha, mas acabou caindo de joelhos. O
sangue continuava jorrando de suas coxas
feridas.
— Rasteje, velho maldito! Rasteje! —
disse Bill, chutando-o na barriga.
Frank olhou-o com ódio, mas estava
desarmado e impotente diante da violência e
da crueldade daqueles homens. Tentou
rastejar até a filha, mas um pontapé atingiu
sua cabeça, atordoando-o.
Os homens, então, se revezaram
chutando-o por todo o corpo, até deixarem-
no prostrado.
— Esperem, não o matem ainda — disse
Bill, olhando com satisfação para o homem
banhado de sangue, caído a seus pés. —
Apanhe aquela corda, Bob — ordenou.
A ordem foi cumprida. Frank foi posto
sobre uma cadeira. A corda foi amarrada em
seu pescoço e presa a uma viga no centro da
sala.
— Tente equilibrar-se aí, velho — disse
Bill.
— Mas assim ele não vai morrer —
observou Chad.
— É o que pensa — sorriu cinicamente
Bill, sacando sua arma e disparando contra
uma das pernas da cadeira.
Os outros entenderam a brincadeira.
Novos disparos e a cadeira ficou equilibrada
em apenas uma das pernas. Frank agarrou-
se ao laço que prendia seu pescoço,
tentando manter-se equilibrado.
Seus olhos revelavam a dor e a
impotência diante da vingança daqueles
homens. Ele via a filha e lamentava nada ter
podido fazer por ela.
Além disso, os ferimentos e a surra
haviam enfraquecido seu corpo. O sangue
continuava escorrendo por suas pernas. Ele
se sentia cada vez mais fraco. Seu corpo ia
pesando. A corda mais e mais apertava sua
garganta.
Percebendo que aquela seria a mais cruel
das mortes, o velho pistoleiro deu um saldo,
reunindo suas últimas forças. A cadeira
tombou e ele teve todo o peso do corpo
seguro pelo laço.
Um estalo seco e macabro se seguiu,
quando seu pescoço partiu-se. Ele pendeu
imóvel na ponta da corda, decepcionando
seus inimigos.
— Está bem, rapazes. Terminamos o que
viemos fazer. Vamos embora. Temos muito
o que comemorar em Tucson agora —
ordenou Bill.
Com alarido, os homens partiram,
deixando atrás deles a morte e a desonra.
Quando Cora acordou, no começo da
manhã, estava em sua cama. Tudo parecia
ter sido um pesadelo, se não fosse a dor dos
ferimentos e a vergonha que a dominava.
Estava arrasada, mas seu primeiro
pensamento foi para seu pai. A porta se
abriu. Nolan surgiu, apoiando-se no batente,
depois caiu com um baque surdo no
assoalho.
Ela se levantou com dificuldade e foi até
ele. Estava ferido no ombro e havia perdido
muito sangue. Ela se lembrou do pai e saiu
para a sala.
Viu muito sangue no assoalho. A porta
estava aberta. Saiu.
— Oh, não, Deus! — exclamou ela,
vendo a sepultura recém-cavada perto de
uma árvore.
Caminhou até lá. Espetado numa cruz
tosca estava o chapéu do velho pistoleiro.
— Pobre papai! — murmurou ela, com
lágrimas nos olhos.
Lembrou-se do velho Nolan. Ele a havia
levado para a cama, vestido, depois
enterrara Frank.
Ela retornou para a casa e foi cuidar dele.
Estava fraco. Ela o arrastou até a cama.
Tirou-lhe a camisa. Não havia muita coisa
que pudesse fazer. Felizmente a bala
atravessara o ombro, sem ter atingido
nenhum osso.
Ela foi avivar o fogo e deixar a lâmina de
uma faca aquecer-se ali. Depois, com ela,
cauterizou os dois lados da ferida. O velho
apenas gemeu.
A garota saiu e foi se sentar lá fora, no
alpendre. Ficou vendo a manhã firmar-se no
céu, pensando no que fazer. Descobriu que
não havia muito o que fazer. Não sabia
quem eram aqueles homens nem porque
vieram ali.
Preocupou-se, então, em lavar o assoalho.
Aquele sangue ali era uma trágica
lembrança da tragédia que ela queria
esquecer agora.
Birddie Nolan já fora ferido muitas vezes
em sua vida e não seria aquele buraco que
iria matá-lo. Durante uma semana ele lutou
contra a febre, assistido por Moly.
Um dia, ela estava sentada no alpendre,
no final de uma tarde, quando ela o ouviu:
— Moly! Onde está você, Moly!
Ela correu para o interior da casa.
— Estou aqui, Nolan.
— Graças a Deus! Temi que tivesse feito
alguma bobagem...
— Jamais isso me passou pela cabeça,
velho bobo. Como se sente?
— Parece que uma manada me
atropelou... Você cuidou de mim todo esse
tempo?
— Sim... O que mais eu podia fazer?
Precisava de você... Só você vai poder me
ajudar agora — disse ela e sua voz tinha um
acento sinistro.
Ele a olhou sem entender.
— Quero que me ajude a vingar a morte
de meu pai, Nolan. Quero vingar sua morte
e o que fizeram a nós dois também...
— Não sei se sou a pessoa indicada para
ajudá-la, Moly. Estou velho... Não consigo
sacar nem atirar como antes... Aposentei
minhas armas há muito tempo, lembra-se?
— Você tem a experiência, Nolan...
Quero que me ensine... Você sabe tudo
sobre armas e pistoleiros... Eu tenho o velho
Colt de papai...
— Não sabe o que está me pedindo,
Moly... Poder levar tempo...
— Tenho a vida inteira para isso.
— Seu pai não me perdoaria...
— Eu não o perdoarei se não me ajudar.
Mesmo que não me ensine, Nolan, de uma
forma ou de outra, eu farei o que tenho de
fazer — disse ela, com decisão.
Nolan olhou-a demoradamente. Podia se
parecer muito com a mãe, mas tinha o
mesmo gênio do pai.
Para quem tem sede de vingança, um ano
demora muito a passar. São noites e dias de
espera, contando os minutos e esperando
algo que parece inatingível.
Enquanto isso, a sede de vingança, como
uma febre maligna, corroendo o coração,
tirando a vontade de ver e enfrentar a vida
com outros olhos, esquecendo um passado
dolorido.
Um ano se passou desde aquela
madrugada fatídica.
A cidade de Tucson prosperara ainda
mais. A proximidade com a fronteira
transformara o negócio de gado em algo
altamente rentável.
O México enfrentava mais uma de suas
revoluções. Não havia gente para cuidar do
gado, que vivia solto nos pastos. Todos
estavam pegando em armas.
A solução era vender barato aos
americanos, que mandavam seus cowboys
até lá para arrebanhar o gado e trazê-lo para
vender a um preço compensador no
mercado de Abilene, para onde eram
mandados vagões e mais vagões
diariamente.
Os saloons multiplicaram-se, com mesas
de jogo onde o dinheiro corria solto. A fama
do dinheiro fácil vinha atraindo para lá
gente de todo o Oeste, tornando aquela uma
cidade perigosa.
Birddie Nolan entrou no Mining Saloon
and Hotel, carregando um alforje e um
pesado rifle Sharp, calibre cinqüenta.
Depositou-o sobre o balcão e esperou o
"bartender" vir atendê-lo.
— Uísque — pediu ele.
Após tomar o copo num gole só, pediu
outro. A viagem havia sido muito cansativa
e a poeira na estrada de Tucson havia
ressecado sua garganta.
— E uma arma pouco usada hoje essa sua
— comentou um homem ao seu lado no
balcão.
O homem que examinava sua arma não
era um vaqueiro. Pelas suas roupas e a bota
sem esporas só podia ser um pistoleiro ou
um jogador. A cidade estava cheia deles.
— É uma arma boa para caçar — disse
Nolan.
— Não temos búfalos por aqui.
— Há outros tipos de animais em que
atirar, além de búfalos — respondeu Nolan.
— Se você o diz, deve haver mesmo,
velho. Procura trabalho ou encrenca?
— Nenhum dos dois. Vim resolver um
assunto, apenas isso.
— Precisa de ajuda?
— Procuro uns homens.
— Há muitos homens em Tucson. Precisa
ser mais específico.
— Há um ano atrás eles formavam um
bando. Havia um magro como um palito,
um mexicano que usava facas, um outro
com cara de jogador, chefiados por um
assassino.
— E o que quer com eles?
— Você os conhece?
— Digamos que eu saiba de quem você
está falando.
— Sabe onde encontrá-los? — indagou
Nolan, com ansiedade.
— E por que eu diria?
— Estaria prestando um favor a um
velho...
— Velho, você tem um Sharp calibre
cinqüenta e parece disposto a caçar. Isso
está me cheirando a encrenca e detesto
encrencas.
— É só me dizer os nomes e ficar fora do
caminho.
— Não, não vou dizer. Principalmente
porque os eles são meus amigos — disse o
estranho, olhando Nolan com cuidado.
— Seus amigos devem ser muito fracos.
O que um velho como eu poderia fazer com
gente tão poderosa a não ser negociar?
O outro riu, mais à vontade. Nolan não
era o tipo capaz de meter medo num
pistoleiro experiente, mesmo porque aquele
rifle Sharp que ele usava tinha de ser
municiado cartucho a cartucho.
Não era uma arma apropriada para um
duelo ou para um tiroteio. Comecei até a
duvidar se aquela arma era capaz de atirar.
— Não vai me dizer onde eles estão?
— De qualquer modo, não — respondeu
o outro.
— Como é seu nome, filho? — indagou
Nolan e seu rosto alterou-se.
Já não era mais um velho tão indefeso. O
velho bandido ainda não conseguia levar
insulto para casa, apesar de, na sua idade,
isso ser aconselhável.
— Francis Beater e não gosto de
intrometidos nem sou seu filho —
respondeu o pistoleiro, secamente,
estendendo a mão para apanhar a
espingarda de Nolan.
— Não a toque! — ordenou o velho,
batendo com o punho na coronha da
espingarda, impedindo o outro de pegá-la.
A resposta do pistoleiro foi imediata. O
punho dele se estendeu, atingindo o olho
direito de Nolan, jogando-o de costas no
assoalho.
Quando tentou se levantar, Francis
apanhou a espingarda.
Quando parecia que ia apenas examiná-
la, ele a vibrou no ar, atingindo a testa do
velho, fazendo-o rolar de dor no assoalho,
com o sangue escorrendo do ferimento.
— Acho que isso encerra nossa breve
conversa, velho — falou o pistoleiro,
apossando-se da arma.
— Deixe a arma, ela não lhe pertence —
conseguiu dizer Nolan.
— Acabo de adquirí-la. Algum
problema? — indagou o pistoleiro,
aproximando-se do velho.
— A arma é minha. Não pode ficar com
ela.
— E digo que posso. Você vai me
chamar de mentiroso?
— Por que está fazendo isso? Sou um
velho, não sacaria contra você nunca...
Preciso da arma para caçar...
— Acho que não tem mais dentes para
comer caça, vovô. Ouça bem o negócio que
vou lhe propor. Eu lhe dou a vida e em troca
você me dá sua arma. Feito?
— Maldito! Eu a terei de volta, juro!
Francis riu, alisando a arma e afastando-
se para ir olhar as mesas de pôquer.
Havia uma vaga numa delas. Ele se
sentou para jogar.
Toda a cena fora presenciada por Moly,
imóvel à porta do saloon. Vestia roupas de
homem e apenas olhando com cuidado
alguém veria ali uma mulher.
Ninguém notou isso, quando ela entrou
decididamente e foi até Nolan. Alguns
apenas repararam que ela usava um cinturão
com dois coldres, onde pendiam dois Colts
reluzentes.
— Tudo bem, Nolan? — indagou ela,
ajudando-o a levantar-se.
— Eu me descuidei... Estou velho,
querida. Já não consigo fazer mais o que
fazia antes.
— Não se preocupe, meu amigo. Eu serei
o seu braço.
— Esqueça-o, Moly.
— Ninguém vai humilhá-lo na minha
presença, se eu puder impedir — disse ela,
com decisão. — Vou buscar sua arma.
— Não, deixe-a. É uma arma velha.
— Eu sei porque você a carrega, Nolan.
Foi um presente de meu pai, não?
— Se vamos querer vingá-lo, querida,
não devemos nos meter em briguinhas de
saloon...
— Estou decidida. Vou buscá-la.
— Aquele homem é um pistoleiro.
Talvez tenha que matá-lo...
— Eu o farei se for preciso.
— Não será como atirar em tábuas ou
sacos de milho...
— Não importa!
— Será a primeira vez, Moly. Isso é
terrível, pois pode se tornar um vício... É
sua última chance de esquecer tudo e
recuar. Quando começar, não haverá mais
volta...
— Um dia teria que haver uma primeira
vez, Nolan...
— Acha que está preparada?
— Você o diz. Foi meu professor, não?
— Está bem. Tente fazer de tudo para
não matá-lo. Disse que conhecia os homens
que estiveram no rancho há um ano. Pode
estar mentindo, mas gostaria de confirmar.
Os olhos de Moly brilhavam, como
brilhavam os de seu pai: frios e sinistros.
Nolan já os conhecia. Sabia que ela tinha a
mesma natureza do pai. Sacava como ele,
montava como ele e podia matar como ele.
A humilhação sofrida por Nolan ali, no
saloon, fizera Moly lembrar-se de uma
humilhação maior que ambos haviam
enfrentado.
Foi até o balcão. O "bartender" olhou-a
surpreso.
— Mas é uma mulher — murmurou ele.
— Há alguma lei contra vender bebidas
para mulheres aqui?
— Não, madame — respondeu ele,
olhando os dois revólveres que ela
carregava.
Pelo jeito ela sabia usá-los.
— O que vai ser, madame? — indagou,
educadamente.
— Quero um uísque.
— Do bom ou do ruim?
— Do pior.
— Vai acender uma fogueira ou curar a
pata de seu cavalo?
— Vou afogar um rato — respondeu ela,
entredentes.
— Não vai ser uma coisa bonita de se
ver, aposto — disse o homem, servindo-a.
Moly apanhou o copo e aproximou-se da
mesa onde Francis jogava cartas. Tocou-lhe
o ombro e, quando este voltou-se sorridente,
ela lhe atirou o uísque na cara.
— Sua ordinária! — vociferou ele,
pondo-se em pé, pronto para esbofeteá-la.
Inesperadamente ela sacou uma arma e
encostou o cano no nariz dele,
surpreendendo-o.
Ele empalideceu e estremeceu de raiva.
— O que quer de mim, moça?
— Quero que apanhe essa espingarda aí e
a devolva ao velho, que é o dono dela.
— Está maluca! Esta arma é minha....
Em resposta ela engatilhou a arma. Os
olhos do pistoleiro chispavam, mas o suor
começou a escorrer em sua testa.
— Vai devolver a arma a ele e pedir
desculpas... — ordenou ela.
— Você deve ser louca, mulher.
— Não me aborreça, nojento.
— Sua vida não vai valer um níquel
quando virar as costas.
Ela riu.
— Você está me aborrecendo. Vai
devolver a arma para ele, pedir desculpas,
tudo isso de joelhos, seu bastardo.
— É doida! Quem pensa que é?
— Vou contar até três — disse ela.
Seu tom de voz era incisivo. Francis
ainda hesitou, mas acabou despencando
numa sonora gargalhada que contagiou todo
o saloon, que acompanhava a cena.
— A dona aqui pensa que é a rainha do
Oeste, pessoal! É algum número novo,
Charlie? — gritou Francis para o
"bartender".
— Um... — disse Moly.
— Está com uma arma na mão, isso não é
uma luta justa — disse Francis, ainda rindo.
— Dois... — falou Moly, guardando a
arma no coldre, surpreendendo a todos.
— Está brincando comigo, garota. Não
sabe quem sou eu.
— Para mim é um rato.
— Sou Francis Beater, o homem mais
rápido de Tucson.
— Até agora só o vi bater num velho. É
nisso que é rápido? — ironizou ela e o
saloon riu de Francis desta vez.
Os olhos do pistoleiros injetaram-se e ele
estremeceu ligeiramente. Sua expressão
endureceu-se. Sua mão baixou à altura do
coldre.
— Vou lhe dizer o que vou fazer com
você, garota — disse ele, entredentes. —
Vou arrancar essa arma de sua mão, antes
que possa usá-la. Depois vou levá-la para
cima e lhe mostrar a única coisa que uma
mulher deve fazer, além de cozinhar e lavar
ceroulas.
— Você fala demais — disse ela,
friamente.
Francis hesitou. Aquela mulher falava
com muita segurança e tinha um modo frio
de olhar. Um olhar que enregelava. O olhar
da própria morte.
Ele fez um movimento, mas não foi
rápido o bastante. Todos viram e não
acreditaram.
Num passe de mágica, a arma surgiu na
mão da garota, engatilhada e pronta para
disparar.
— Não pode atirar contra mim — berrou
Francis, levantando os baços. — Não saquei
a minha arma... Todos estão vendo que não
saquei a minha arma.
— Então por que não saca? Não é o
pistoleiro mais rápido de Tucson?
— Não... Foi só uma brincadeira, dona.
— Que pode lhe custar a vida, a menos
que faça o que lhe ordeno.
— Sim... Sim... Tudo que quiser....
— Apanhe a espingarda e leve-a ao
velho...
— Sim, está bem — concordou o
pistoleiro, apanhando a arma e caminhando
na direção de Nolan.
Moly disparou contra a ponta da bota
dele, deixando uma marca no couro.
— Você não entendeu o que eu disse? De
joelhos! — ordenou ela. — E não se
esqueça de pedir desculpas!
Francis não teve outra alternativa, senão
obedecer. Após entregar a arma para Nolan
e pedir-lhe desculpas, levantou-se,
envergonhado.
— Tem mais uma coisa — acrescentou
ela. — O que sabe sobre os homens que o
velho lhe perguntou?
— Foi mentira minha... Não os conheço...
Juro!
Moly olhou para Nolan, que balançou a
cabeça negativamente.
Aquele homem não diriam o que eles
queriam saber.
— Está bem, seu bastardo! Dê o fora e
não atravesse o meu caminho. Da próxima
vez, não vou conversar tanto. Meto-lhe uma
bala nu bucho — disse ela,
ameaçadoramente.
Todos que estavam ali tiveram certeza de
que ela falava sério. Francis deixou o saloon
sob as gargalhadas de todos os presentes.
— Você é demais, garota! — disse o
"bartender". — Acho que agora posso lhe
oferecer um uísque do bom.
— Pois eu aceito. É muita gentileza de
sua parte — disse ela, indo até lá e
entornando o uísque num só gole.
— E para mim? — indagou Nolan.
— Se é amigo dela, acho que também
merece um — falou o homem, servindo-o.
— Reservei dois quartos no hotel aí da
frente — disse ela.
— Saiu-se bem, Moly.
— E poderia tê-lo matado.
— Teria sido assassinato. Aquele
bastardo nem sacou sua arma.
— Não o matei porque senti que ele sabia
de alguma coisa, Nolan. Só que teve medo
de contar, você viu?
— Sim, teve muito medo, mais medo do
que ser baleado por você.
— De qualquer forma, estamos aqui e
vamos pegar aqueles bastardos.
* * *
— Você está me dizendo que Francis
Beater foi batido por uma mulher? É
gozação isso?
— Falo sério! Nunca vi nada igual. Já vi
duelos antes, com os melhores gatilhos de
todo o Oeste, mas a maneira como aquela
garota sacou, como se penteasse os cabelos,
foi impressionante. Há algo e diabólico no
olhar dela. É de uma frieza capaz de
arrepiar a espinha de um homem. Ela parece
possuída pelo demônio.
— Deixe de ser imbecil...
— Só estou lhe dizendo o que vi.
O homem levantou-se da cama e
caminhou até a janela. Olhou a rua por
alguns instantes, depois apanhou uma
garrafa de uísque sobre a cômoda e voltou
para a cama.
— Como é ela? — indagou, sem se
impressionar com a conversa do outro.
— A garota?
— Sim — disse o homem deitado na
cama, retirando a rolha da garrafa com os
dentes e cuspindo-a para longe, antes de
tomar um trago generoso.
— Uma beleza, se não fossem os dois
canhões que ela carrega.
— É bonita, então?
— Sim, muito bonita.
— Pode ser a solução para os nossos
problemas...
— Está maluco, Queeler! Aquela garota é
pura dinamite.
— Talvez possamos manobrá-la —
sugeriu James Queeler, tomando mais um
trago.
Era um homem velho, magro, mas bem
vestido. Seu rosto vincava-se, indicando
preocupação.
— Quer tentar falar com ela? Está
hospedada neste hotel.
— Sim, descubra o número do quarto.
Soube alguma coisa de Bill e de seus
homens?
— Devem estar no México, gastando o
dinheiro que receberam.
— Então logo voltarão para pedir mais.
— Não deveria pagá-los...
— Não sei como evitar isso... Meu
rancho está à beira da falência. Bill tem me
tomado todo o dinheiro...
— Matá-lo é a única solução...
— Mas para isso precisamos achar
alguém com coragem e habilidade capazes
de vencê-lo, juntamente com seu bando.
— Eu lhe afirmo que aquela garota pode
fazer isso.
— Mas ela não atirou em Francis Beater.
Por quê?
— Teria atirado se ele sacasse. Eu vi os
olhos dela. Deus me livre dizê-lo, Queeler,
mas os olhos dela lembravam os olhos de
Frank Sommer.
— Deixe de ser idiota! Preciso saber se a
garota é boa mesmo. Não basta ter uma
arma e sacar rápido. Tem que saber matar.
— Se quiser, vou encher a cabeça de
Francis e fazê-lo ir tirar satisfações com ela.
Então veremos em que têmpera ela foi
forjada.
— Pode ser uma boa idéia. Acha que
pode convencer aquela idiota a ser homem
uma vez na vida?
— Vou tentar.
— Então faça-o — ordenou Queeler,
tomando mais um gole.
Curtis Lampblack deixou o hotel e
dirigiu-se até uma das cantinas mexicanas
da cidade. Conhecia Francis. Achava que
poderia tocar seus brios e fazê-lo ir
enfrentar a garota, num confronto para valer
agora.
Era mais um dos serviços sujos que fazia
para James Queeler, de quem fingia ser
amigo. Curtis tinha seus próprios planos.
Localizou o pistoleiro, bebendo
desesperadamente.
— Francis, amigo velho, que baile, não?
— comentou, zombando do outro.
— Deixe-me em paz, Curtis, ou estouro
seus miolos.— Acalme-se Francis. Sou eu,
seu amigo. Não me reconhece?
— Aquela mundana acabou comigo,
Francis. Você viu aquilo?
— Foi terrível. Eu estava lá. Eu vi como
aconteceu. Quando você se descuidou por
que ela era uma garota, ela se aproveitou
disso. Seu erro foi esse, amigo. Não podia
ter dado uma chance a ela.
O pistoleiro pensou, como se aquilo
tivesse sentido.
— Acha mesmo?
— Claro! Quem imaginar que ela pode
vencê-lo numa luta para valer é um idiota!
Você pode vencê-la de olhos fechados,
desde que não se descuide nem dê chances
para ela. Temos que reconhecer que a
garota saca rápido. Mas eu não a vi atirar
rápido.
Francis bebeu mais um gole de tequila,
encarando o amigo.
— Eu acho que você devia dar uma lição
a ela. Sem chance, sem piedade. Deve fazê-
la rastejar, humilhar-se, como ela o
humilhou. Tem que fazê-la implorar pela
vida!
Francis encheu novamente o copo e
bebeu-o de uma só vez.
— Ela está no hotel em frente do saloon
— disse-lhe Curtis. — Vá lá e acabe com
ela.
— Sim... Acabar com ela... — falou
Francis, levantando-se, examinando a arma
e saindo com passos pesados.
O calor era intenso e os dois homens
tomavam tequila numa cantina, em
território mexicano. A expressão no rosto de
Chad revelava seu aborrecimento.
— Acho que já chegou a hora de
voltarmos — disse ele a Bill Harding.
— O que houve, Chad? Já se cansou das
mexicanas?
— Jamais me cansarei delas, Bill, você
sabe disso. É este maldito calor... Acho que
devemos mudar de ares novamente. O
México anda meio sem-graça ultimamente.
— Sou obrigado a concordar com você.
Avise os outros. Vamos partir amanhã. Já
estou ficando sem dinheiro mesmo. Por
falar nisso, você deu uma olhada no banco
daqui?
— Sim, passei por lá. Há guardas, mas
não serão empecilho. Suspeito que estou
cheios de ouro lá.
— Que acha de lhes fazermos uma visita,
antes de irmos embora?
— Acho ótimo! Vou reunir o pessoal
para combinarmos isso — disse ele.
Uncle Chad saiu, retornando pouco mais
tarde, com Bob Lane, Ted e Villas.
Bill contou-lhes sobre o banco.
— O que acham, rapazes? — indagou,
quando terminou.
— Se vamos assaltá-lo, temos de fazê-lo
hoje — disse Villas.
— Por quê? — quis saber Bill.
— Amanhã eles embarcam o
carregamento que estão guardando, direto
para o interior do país. São pesos mexicanos
em ouro para pagamento dos soltados que
estão enfrentando a revolução
— E como eles vão levar isso, por trem?
— Sim, mas haverá mais guardas. Acha
mais fácil roubar o trem?
— E por que não? Ele passa muito
próximo da fronteira, ficará tudo mais fácil,
não?
— Bill tem razão — falou Ted. — O
trem para a umas três milhas da fronteira,
em Paso San Juan, para abastecer-se de
água. Seria interessante ir lá e conhecer o
terreno.
— Grande idéia, Ted. Faça isso. Leve
Bob com você. Quanto isso, Villas tentará
descobrir alguma coisa sobre os guardas
que acompanharão o carregamento.
— Certo — concordou Ted, fazendo um
sinal para Bob.
Os dois saíram rapidamente. Villas foi
tentar descobrir sobre os guardas.
— Vai ser um grande golpe — disse
Chad.
— Se tivermos sorte, não precisaremos
mais trabalhar por um bom tempo.
Poderemos até entrar no negócio de gado
também.
— Pode ser a chance de nossas vidas.
Estou gostando disso — afirmou Chad,
satisfeito com a idéia.
Moly estava sozinha em seu quarto,
quando ouviu os gritos de Francis Beater lá
fora. Estava se preparando para sair, quando
Nolan bateu na porta.
— Aquele pistoleiro está chamando por
você, Moly.
— Sim, já ouvi. Pensei que fosse sumir,
depois daquela lição. Não sabia que um
homem podia ser tão burro assim, Nolan.
Vou ter que ir lá e matá-lo?
— Agora é para valer, Moly. Terá toda a
cidade observando-a. E se alguém
reconhecê-la? E se os assassinos estiverem
por perto?
— Depois do que fiz lá no saloon, já não
posso mais ter essa preocupação, Nolan. Se
estiverem por aqui, que apareçam. Vão nos
poupar tempo — disse ela, com decisão.
— Mesmo assim, tenho meus receios.
Pode ser uma armadilha. Dê-me algum
tempo para observar o que está havendo...
— Fique tranqüilo, Nolan. Você me
treinou direitinho — afirmou ela,
apanhando seu cinturão e afivelando-o nos
quadris.
— É melhor usar o Colt de cano curto na
direita, Moly. Será um duelo a curta
distância. Lembra-se de tudo que lhe
ensinei, não?
— Não se preocupe, Nolan. Eu farei o
que tem que ser feito...
— Quando sair à rua, vá para a esquerda.
Terá o sol a suas costas.
— Entendido, Nolan. Se aquele idiota
quer morrer, vou lá fazer a vontade dele —
prometeu ela, com uma expressão de
paciência.
Nolan via nela seu antigo parceiro,
sempre inquieto e pronto para usar uma
arma. A filha fazia justiça ao pai.
Moly saiu do hotel, fazendo exatamente o
que Nolan recomendara, ficando no centro
da rua, com o sol a suas costas.
Ficou olhando fixamente para os olhos de
Francis, enquanto em cada porta e janela as
pessoas se amontoavam para ver o insólito
duelo entre um pistoleiro conhecido e uma
mulher. Tucson jamais vira algo assim
antes.
— Você é um idiota vindo me provocar,
pistoleiro — disse Moly, com desprezo,
vendo que o sol atrapalhava a visão do
outro.
— Cale-se e saque sua arma. Vou lhe
mostrar o verdadeiro lugar de uma mulher:
na horizontal — respondeu ele, pensando no
que Curtis lhe dissera.
Não facilitaria com aquela mulher. Sem
mais uma palavra, ele levou a mão à arma,
sacando-a.
Um tiro ecoou solitário pela rua. Francis
cambaleou de um lado para outro, antes de
cair de joelhos.
Olhou aterrorizado para o Colt fumegante
na mão de Moly, depois para seu peito,
onde o sangue escorria, traçando um
desenho macabro em sua camisa.
Seus olhos se reviraram e ele caiu para
frente, morto. Moly aproximou-se
cuidadosamente. Chutou-o com a ponta da
bota, convencendo-se de que ele estava
morto.
— Como se sente? — indagou Nolan,
aproximando-se.
Ainda estava impressionado com a
rapidez e o sangue-frio daquela garota.
— É estranho, Nolan, mas eu me sinto
aliviada. Pode entender isso?
— Sim, é como se estivesse em seu
sangue a habilidade de matar pessoas, não?
Ela levantou os olhos para ele, pensativa.
— Talvez, Nolan.
Um homem destacou-se da multidão que
se acotovelava para olhar o cadáver do
pistoleiro morto. Era o Xerife Red Burton.
— Quem matou este homem? —
indagou, depois de verificar o cadáver.
— Fui eu, xerife — respondeu Moly, sem
hesitação.
O xerife olhou-a espantado. Não havia
presenciado o duelo e custava-lhe acreditar
que Francis Beater fora vencido por uma
mulher.
— Foi uma luta limpa, xerife — afirmou
Nolan.
— Mas... Francis nem chegou a sacar sua
arma...
— Azar dele, xerife. Bem que ele tentou
— respondeu a garota, afastando-se e
retornando ao hotel, seguida por Nolan.
Um homem, parado à porta do hotel,
dirigiu-lhe a palavra.
— Senhorita, não leve a mal. Meu nome
é Curtis e vi o que acabou de fazer. Foi
impressionante. Há uma pessoa aqui no
hotel que gostaria de conhecê-la.
— E por que eu deveria conhecê-lo?
— Ele tem um negócio a lhe propor.
Pode ser interessante.
— Ela não está interessada — afirmou
Nolan, intrometendo-se.
— Estou falando com ela, vovô...
— Já lhe mostro quem é seu avô — falou
Nolan, de mal humor, erguendo seu rifle
para dar uma pancada em Curtis.
— Fique calmo, Nolan! — interrompeu-o
Moly, pensando por instantes. — Por que
não vamos ouvir o que ele tem a dizer?
Podemos precisar de dinheiro para terminar
o negócio que iniciamos...
— Ele está no quarto trinta e dois.
Esperaremos por você.
— Certo, vou pensar no assunto —
afirmou a garota.
Curtis afastou-se para que eles entrassem.
Enquanto subiam as escadas, Nolan
comentava:
— Eu sei o que ele quer de você, Moly.
Não deveria ir lá.
— E por que não, Nolan? Se houver uma
chance de ganhar dinheiro, temos de
aproveitá-la.
— Não dessa forma. Será muito perigoso.
A cidade toda a viu matando aquele
pistoleiro. Você é uma atiradora imbatível.
Vai começar a receber propostas para matar
gente...
— Não deixa de ser uma boa idéia,
Nolan, se for para matar gente como a que
invadiu nosso rancho, há um ano atrás —
falou ela, com amargura.
— Não pode generalizar...
— Não terei escrúpulos, Nolan. Essa raça
tem de sumir da face da terra. Enquanto eu
puder, vou contribuir para que isto
aconteça...
Chegaram à porta do quarto. Antes que
ela entrasse, Nolan segurou-a pelos ombros,
obrigando-a a olhá-lo.
— Está sendo muito amarga, Moly. Isso
não é bom... Matar pode se tornar um
vício...
— Ouça-me bem, Nolan. Meu pai foi
morto e eu fui desonrada por um bando de
ratos como este que acabei de matar. Nada
no mundo me dará mais prazer que repetir
isso, até que todos eles sejam mortos.
— Não sei se quero ajudá-la a fazer isso,
Moly — disse o velho, com sinceridade.
— Vai trair seu juramento, Nolan?
Lembra-se de que jurou comigo, na
sepultura de meu pai, que juntos iríamos
vingá-lo? É isso que estamos fazendo,
Nolan. Vingando-o.
Nolan ficou pensativo, enquanto Moly
entrava em seu quarto.
— Vai vê-lo?
— Sim, vou — disse ela.
Momentos depois ela subia outro lance
de escada para chegar ao terceiro pavimento
do hotel.
Bateu na porta do quarto trinta e dois e
esperou. Curtis abriu-lhe a porta.
— Entre, por favor! — disse ele. —
Quero apresentar-lhe James Queeler, meu
amigo pessoal.
— Muito prazer, senhorita — disse
Queeler. — Não quer se sentar? —
convidou ele, cheio de gentilezas.
Moly aceitou a oferta, examinando os
dois homens.
— Curtis me disse que tinha um negócio
rendoso para me propor.
— Sim. Vi o modo como liquidou aquele
pistoleiro. Acha que poderia repetir a dose
para mim?
— Matar um homem?
— Não, matar cinco homens — disse
Queeler, olhando-a nos olhos.
Eles lembravam alguém, pela sua frieza.
— Não acha que isso é pedir demais?
— Pago um bom preço.
— E quanto é isso?
— Mil dólares por cabeça. Metade
adiantada.
— E o que são esses homens?
— Pistoleiros, como o que você matou.
— Quero dez mil — propôs Moly.
— Dez mil? É muito dinheiro por aqueles
vagabundos.
— Neste caso, não precisa de mim —
falou Moly. — Meu preço é este. Sabe onde
me encontrar, se precisar de mim.
A garota levantou-se e fez menção de
sair.
— Espere um pouco, vamos negociar isso
— pediu Curtis, segurando-a pelo braço.
Moly dirigiu-lhe um olhar gélido,
fazendo com que ele a soltasse
imediatamente.
— Está bem, não tenho o que você me
pede... Que tal sete mil? — argumentou
Queeler.
— Já lhe dei meu preço, Queeler. Não
aceito pechinchas. Posso saber quem são
esses homens?
— Bill Harding e seus amigos...
— Onde estão agora?
— Em algum lugar do México, mas em
breve retornarão a Tucson. É um bando de
ladrões e estupradores...
O corpo da garota enrijeceu-se. Ela se
aproximou de Queeler, olhando-o nos olhos.
— Um dos homens é um mexicano que
usa facas?
— Sim, esse é Villas...Por quê?
— Um é magro e se veste de negro, como
um coveiro?
— Está falando de Uncle Chad...
— Sempre andaram juntos os cinco?
— Há muito tempo que cavalgam juntos.
Por quê? Você os conhece?
Os olhos dela brilhavam sinistramente.
— Sim, eu os conheço, Queeler. E lhe
digo mais. Vou matá-los e não vou lhe
cobrar nada por isso — afirmou ela.
— Como? Não estou entendendo? —
atrapalhou-se James Queeler.
— É isso mesmo que ouviu, moço. Eles
vão morrer e isso não lhe custará nada —
finalizou ela, saindo e fechando a porta.
Nolan estava no corredor a sua espera.
— Fazer-me um favor. Os homens que
procuramos em breve estarão aqui, em
Tucson.
— Como sabe disso?
— Eles disseram. Queriam pagar-me para
matá-los.
— E você aceitou?
— Não. Serão mortos por minha vontade
e vingança.
— Sabe quem são eles?
— Bill Harding e seus capangas
pistoleiros — contou ela, com desprezo
pelos nomes e pelos homens.
Villas esperou, escondido atrás da caixa
d'água, até que o trem parasse para
reabastecer. Alguns soldados desceram para
fumar e esticar as pernas.
Quando o abastecimento terminou, o
maquinista deu sinal de partida. Os homens
retornaram para o trem. Então ele correu,
subindo no vagão do correio e desengatando
a composição dali para trás.
Boa parte dos soldados ficou na parte que
se soltou. Enquanto isso, Uncle Chad já
subira na locomotiva e dominado o
maquinista e o foguista, exigindo que eles
dessem toda velocidade.
O trem ganhou velocidade rapidamente.
Algumas milhas depois, Chad ordenou que
parece o trem.
— O que pretende afinal, gringo? —
indagou o maquinista.
— Só queremos assaltar seu trem, idiota
— respondeu o pistoleiro, apertando o
gatilho friamente e fulminando os dois a
queima-roupa.
Bill e os outros já estavam posicionados
do lado de fora, observando o vagão-
correio, ocultos atrás de umas pedras.
— Bom trabalho, Chad — elogiou Bill.
— Como abrimos isso agora?
— Vou tentar argumentar com os guardas
— disse Villas, aproximando-se do vagão.
— Ei, vocês aí dentro! Estão me ouvindo?
A resposta foi um tiro.
— Não sejam idiotas. Não precisam
morrer por causa do ouro.
— Você é que é idiota! Este é um vagão
a prova de balas. Não podem nos atingir
aqui.
— Pode ser a prova de balas, mas não é
de dinamite.
— Terá de chegar perto para fazer isso.
Estará em nossa mira.
— Demônios! Eles têm razão —
observou Villas.
— Tem uma ova — disse Uncle Chad,
apanhando um pacote de dinamite. — Vou
lhe mostrar como se faz isso — disse ele,
esgueirando-se pelas rochas até próximo da
locomotiva.
Correu para ela. Quando um dos guardas
disparou, ele já estava seguro. Subiu na
máquina, passou pelo vagão de carvão e
saltou para cima do vagão-correio.
Depositou ali o pacote de dinamite,
encaixou um estopim, depois acendeu-o,
correndo de volta para a cabina da
locomotiva.
Um clarão enorme se elevou e o vagão,
explodido de cima para baixo, abriu-se
como uma lata de feijão atropelada por uma
carroça, ficando toda retorcida.
— Belo trabalho, Chad — gritou Bill,
assim que a fumaça se dissipou.
— Lá está o cofre — gritou Villas.
— Peguem mais dinamite. Vamos
terminar de abrí-lo.
O cofre estava danificado, mas a porta
não estava totalmente aberta.
Bill apanhou a dinamite e colocou-a com
cuidado na porta. Era só uma questão de
tempo até porem as mãos naqueles pesos
mexicanos de ouro.
— Cuidado com essa dinamite ou vai
espalhar essas moedas por toda a região —
alertou Bob.
— Cale-se ou espalho seus dentes pela
região toda.
Bill sabia exatamente o que fazia. Assim
que aplicou a dinamite, na quantidade e no
local certos, acendeu o estopim e todos
correram se esconder.
Momentos depois, a explosão fazia a
porta do cofre voar para longe. Bill foi o
primeiro a chegar e olhar a grande caixa de
ferro no interior do cofre.
— Ajudem-me aqui — pediu.
Os homens puxaram-na para fora. Um
cadeado prendia a lingüeta que travava a
tampa.
Bill atirou contra ele, estourando-o.
Depois abaixou-se e abriu-a.
As moedas de ouro estavam
acondicionadas em cartuchos de papel
grosso. Ele partiu um dos cartuchos ao meio
e as moedas de ouro saltaram, rebrilhando
ao sol.
— Vejam, rapazes! É tudo nosso — disse
ele, com satisfação. — Vamos recolher tudo
isso e dar o fora o mais depressa possível.
Tucson nos espera!
Gritando de satisfação, os homens
apressaram-se em apanhar seus alforjes e
enchê-los com os cartuchos de moedas.
Os dois vingadores tiveram de conter sua
impaciência e aguardar. Segundo Queeler,
Bill e seus pistoleiros em breve retornaria a
Tucson. Todos os dias, Nolan fazia uma
ronda pelos saloons e cantinas da cidade.
Repetia aquilo na esperança de encontrar
logo os homens que buscavam.
Levava sempre consigo seu velho rifle
Sharp, de grosso calibre e longo alcance.
Era sua maneira de sentir-se protegido.
— Olá, Nolan! — cumprimentou-o o
"bartender" do Crow Saloon.
— Olá, Dan! Dê-me uma cerveja.
O homem atendeu-se, depois ficou a sua
frente, disposto a conversar. A tarde mal
começava e havia poucos freqüentadores no
saloon.
Nolan percebeu que o outro tinha alguma
coisa para contar.
— Alguma novidade, Dan? — indagou,
curioso, após um bom gole de cerveja.
— Cinco homens chegaram esta
madrugada...
— São os homens que procuramos?
— Bill Harding e seus pistoleiros.
Chegaram do México.
— Tem certeza que são eles?
— Claro que sim, Nolan. Eu os conheço.
Veja, ali vem um deles — apontou,
discretamente.
Uncle Chad desceu a escada e
aproximou-se do balcão.
— Um litro de seu melhor uísque, Dan —
pediu ele, jogando uma moeda sobre o
balcão.
Dan atendeu-o prontamente e ficou
observando Nolan, a quem Chad encarava
agora.
— Não o conheço de algum lugar, vovô?
— indagou o pistoleiro.
As mãos de Nolan crisparam-se sobre a
espingarda. Seu dedo estava próximo do
gatilho. Seu desejo era matar imediatamente
aquele canalha, que ele acabara de
reconhecer.
Sentiu o sangue borbulhar em suas veias.
— Já esteve no inferno? — indagou
Nolan.
— O que há, vovô, não gostou da
pergunta?
— E nem de quem a fez.
— É muito atrevido para um velho —
disse Chad, furioso, agarrando Nolan pelo
colarinho da camisa.
Com um movimento rápido de corpo,
Nolan atirou-o no assoalho, apontando-lhe o
rifle. Não conseguia conter sua repulsa por
aquele homem. Desejou matá-lo ali mesmo,
mas conteve-se. Moly tinha planos de
vingança bem definidos. Não queria
antecipar-se.
— Sabe que isso poderia ter-lhe custado a
vida? — indagou Chad, levantando-se.
— Eu... Eu perdi a cabeça... — falou
Nolan, tentando se desculpar.
Chad, no entanto, não era homem de ser
ofendido e deixar por isso mesmo. Na
distração de Nolan, ele apanhou o litro de
uísque sobre o balcão.
Seus olhos cintilaram de fúria e ele
resolveu extravasar sua raiva. Num gesto
violento, atingiu a cabeça de Nolan com o
litro de uísque, derrubando-o no meio de
uma chuva de cacos de vidro e bebida.
O sangue brotou do alto da cabeça do
velho bandido, atordoado pela pancada
inesperada.
Aquilo, porém, ainda era pouco para
satisfazer a fúria assassina de Chad.
Sem piedade, passou a agredir o velho
com pontapés violentos. Nolan tentou
defender-se, mas era impossível, diante da
saraivada de golpes aplicados por Chad.
— Que isto lhe sirva de lição — rugiu
Chad, quando terminou a agressão.
Nolan estava caído, imóvel no assoalho.
Chad riu sadicamente. Dan pusera outro
litro de bebida sobre o balcão. O pistoleiro
apanhou-o e subiu as escadas, rumo aos
quartos lá encima.
Naquele momento, Moly encontrava-se
na cadeia, conversando com o xerife, que
desejava maiores informações sobre a morte
de Francis Beater.
— Sou xerife de Tucson há dez anos e há
vinte conheço todo o Oeste. Já ouvi
contarem muitas histórias e já vi homens
morrerem de muitas maneiras. Francis foi o
primeiro, que conheci, que morreu num
duelo com uma mulher.
— Sempre há uma primeira vez para
tudo, xerife.
— Mas nada me tira da cabeça que aquilo
foi uma encenação. Você tinha algum
escondido para atirar em Francis...
— Está duvidando de minha honestidade,
xerife?
— Tenho que suspeitar de tudo. Ao invés
de um duelo, penso que tivemos um
assassinato ali.
— Vai ser algo difícil de provar, xerife.
— E aquele velho que a acompanha
sempre. Onde estava ele no momento do
duelo?
— Nolan? No hotel, talvez, olhando
como todos.
— Vou ter que investigar isso.
— ã vontade, xerife. Só acho que está
sendo zeloso demais. Francis Beater era um
rato e não merecia nenhuma consideração.
Quanto ao Nolan, se olhar com atenção,
verá que ele não usa um revólver. Só
carrega aquele velho rifle Sharp e não foi
uma bala dele que atingiu o peito de
Francis.
Nesse momento, a porta abriu-se, dando
passagem a um homem alto e barbado, rosto
moreno e olhos azuis. Estava coberto de
poeira e parecia ter cavalgado muito, até
chegar ali.
— Você é o xerife?
— Sim, em que posso ajudá-lo.
— Venho do México. Meu nome é
Concho Stevens. Sou um agente pago pelo
governo mexicano para recuperar o produto
de um assalto.
— E o que deseja de mim?
— Ajuda!
— E por que eu ajudaria um agente
mexicano?
— Os homens que procuro não são
apenas ladr·es. São assassinos frios e
perigosos. Tenho certeza que eles estão
aqui, em Tucson agora.
— Você os conhece?
— Não, não os conheço pessoalmente,
mas segui a pista deles até aqui.
— Não sei...É uma situação complicada
— negaceou o xerife.
— Tenho de pegá-los, xerife...
— Não é tão fácil assim. Esses homens
estão sob a proteção da lei americana. Não
cometeram nenhum crime aqui. Enquanto
se mantiverem assim, nada poderei fazer.
— Posso agir a minha maneira, então?
— Desde que não fira as nossas leis...
— Esses homens não merecem a
consideração nem a proteção de sua lei,
xerife. Mataram seis homens no assalto.
— Nada posso fazer, moço. Eu não faço
as leis, eu só as faço cumprir.
— E de um modo muito seletivo —
observou Moly. — Se fosse um pouco mais
rigoroso, Tucson não seria o paraíso dos
pistoleiros.
— Está se metendo onde não deve, moça
— disse-lhe o xerife. — Como expliquei,
enquanto eles nada fizerem por aqui,
minhas mãos estão atadas.
— Se precisar de alguma ajuda, Concho,
conte comigo — disse Moly ao mestiço a
sua frente.
Concho olhou-a com surpresa,
principalmente quando reparou que ela
usava duas armas na cintura.
Ficou curioso com isso.
— E que tipo de ajuda poderá me dar,
senhorita?
— A que precisa — respondeu ela,
apontando para as coronhas de seus Colts.
— Sabe usá-las? — indagou ele,
desconfiado.
— Pode apostar que sim, moço. Ela
matou um pistoleiro num duelo, bem aqui,
na rua principal de Tucson. O pobre homem
nem chegou a tirar a arma do coldre.
— Você é tão boa assim? — indagou-lhe
Concho.
— Aquele pistoleiro duvidou e acabou
morto.
A porta da cadeia abriu-se e o garoto que
fazia a limpeza do saloon entrou correndo.
— Ei, moça! Aquele velho, seu amigo,
está muito ferido...
— Nolan? Onde está ele?
— Foi levado para o hotel agora...
— O que houve com ele?
— Parece que se meteu numa briga...
— Nolan metido numa briga? Não é
possível. Chame o doutor para mim, garoto
— pediu ela, atirando uma moeda para o
menino.
— Vai precisar de alguma ajuda, moça?
— indagou Concho.
— Não, obrigada assim mesmo! Posso
tomar conta de tudo — agradeceu ela,
saindo rapidamente.
Nolan estava em péssimo. Havia sofrido
muito com a surra que levara de Chad.
— Oh, Deus, Nolan! O que houve?
— Moly... Eles chegaram... — disse ele,
num fio de voz/
— Tem certeza?
— Sim... Foi um deles que me bateu...
— Qual?
— O magricela vestido de negro...
Os olhos da garota cintilaram de cólera e
seu corpo tudo estremeceu de fúria contida.
— E os outros?
— Não os vi, mas o "bartender" disse que
estavam lá...
— Onde?
— No Crow.
Ela examinou suas armas para ver se
estavam todas carregadas.
— O que está pensando em fazer? —
indagou ele.
— Vou até lá...
— Não assim... Não pode ir lá sozinha.
— Tenho que ir, Nolan.
— Não seja tola, Moly. Eles são cinco.
Não pode enfrentá-los assim.
— Não temo a morte...
— Morta não poderá se vingar... Vamos
com calma, como planejamos antes...
Para ela, após todo aquele tempo
esperando para matar aqueles homens, estar
tão próxima deles punha nela uma
impaciência difícil de conter.
— Sente-se. Vamos discutir nosso plano.
Moly sentou-se na beirada da cama.
— Vamos fazer como imaginamos. É
preciso separá-los e matá-los um a um para
que os outros fiquem aterrorizados, lembra-
se? Eles precisam sofrer. Terão que se
desesperar. Cada um deles terá um tipo de
morte muito especial...
Ela respirou fundo, olhando o rosto
ensangüentado do velho.
— Está certo, Nolan. Vamos fazer como
tínhamos imaginado.
— Não precisamos precipitar as coisas.
Parece que ficarão um bom tempo aqui.
Trouxeram muito dinheiro do México.
— Como assim?
— Foi o que disse o "bartender".
— Ainda há pouco eu estava lá no
xerifado e chegou um agente mexicano, à
procura de alguns homens que fizeram um
assalto por lá.
— Podem ser eles.
— O que faço agora, Nolan?
— Fique de olho apenas, nada mais, até
que eu possa me levantar e possamos
retomar nosso plano.
— Está bem... Agora procura descansar.
O médico está vindo.
Ela aguardou até que o doutor chegasse e
atendesse o velho, que foi medicado e
adormeceu depois de umas pílulas que o
médico lhe deu.
— É melhor assim. Dormindo ele se
recupera mais depressa. Felizmente não
houve nenhum osso quebrado, nem órgãos
internos lesados. Mesmo assim, foi uma
surra violenta — informou o médico, para
indignação da garota.
Ela deixou o amigo adormecido e foi para
o seu quarto. Precisava encontrar uma
forma de domar aquela impaciência dentro
dela, principalmente considerando que
Concho poderia estar atrás dos mesmos
homens que ela.
Se assim fosse, sua vingança poderia não
se concretizar. Resolveu procurá-lo e
encontrou-o na rua, à procura de um hotel.
— Por que não fica no mesmo em que
estou? — sugeriu ela.
— Você o recomenda?
— Não é dos piores. Se ficar nele,
poderemos conversar mais sobre os
assaltantes que procura.
— Sabe alguma coisa deles?
— Há um ano, cinco assassinos pagos
mataram meu pai e me violentaram. Desde
então, tenho vivido apenas para a vingança.
Acontece que suspeito que os homens que
procuro sejam os mesmos que assaltaram lá
no México.
— Está me propondo uma sociedade
nesse negócio?
— Qual é, especificamente, a natureza de
sua missão.
— O Governo do México quer apenas
recuperar o que puder do dinheiro roubado.
São pesos mexicanos em ouro.
— Precisará levar os homens presos ou
mortos com você?
— Não necessariamente.
— Deixará para mim o prazer de matar
um por um?
— Se isso a satisfaz... Desde que eu
recupere o dinheiro...
— Está bem. Acho que podemos agir
juntos, então.
— Você sabe onde esses homens estão?
— Sim. Estão aqui em Tucson. Foram
vistos no Crow, um dos saloons no fim da
rua.
— Vamos montar nossa estratégia, moça.
Agiremos logo mais, à noite. O que me diz?
— Sim, podemos discutir isso —
concordou ela.
— Vamos para o seu hotel. Vou tomar
um bom banho e fazer a barba. Depois
conversaremos.
Os dois voltaram juntos para o hotel.
Bill Harding sentia-se como um rei. Duas
das garotas do saloon massageavam-no,
enquanto uma terceira servia-lhe uísque
com os próprios lábios.
— Não se arrependerão por tratar bem
assim o velho Bill — dizia ele, antes que
batessem na porta.
Uma das garotas foi abrir. Era Curtis
Lampblack.
— O que deseja aqui? — indagou Bill,
com rispidez.
— Quero falar-lhe...
— Agora estou ocupado.
— Pode ser do seu interesse - frisou
Curtis, deixando Bill em dúvida.
— Está bem, desembuche!
— Prefiro falar sem a presença das
garotas — pediu Curtis.
— Ok, garotas. Basta por agora. Eu
mandarei chamá-las, quanto terminar aqui
— ordenou ele.
Curtis esperou até que elas saíssem, antes
de falar.
— O que deseja aqui, afinal? — indagou
Bill.
— Venho da parte do Queeler...
— Isso eu sei. Você sempre foi o garoto
de recados dele.
Curtis engoliu seco e continuou:
— Ele soube de sua volta e está
desesperado porque não poderá pagá-lo
mais. Está quebrado.
— Bem, considerando que no momento
não preciso de dinheiro, vou deixar assim
por enquanto.
— Vai desistir da chantagem?
— E quem é idiota de desistir de uma
mina de ouro? Só vou dar um fôlego para
ele. Quando o meu dinheiro acabar, eu vou
procurá-lo, como sempre.
— E quando será isso?
— Eu não sei... Posso perder todo o meu
dinheiro jogando pôquer logo mais...
— Ele está arruinado, Bill. Seu rancho
está abandonado. Ele não consegue pagar os
empregados. Não vejo como ele possa
conseguir mais dinheiro.
— Ainda tem as terras, não?
— Sim, mas...
— Quando valem aquelas terras? Vinte
mil? Vinte e cinco?
— Não pode obrigá-lo a isso...
— E por que não? — indagou Bill,
aproximando-se de Curtis e segurando-o
pelo pescoço.
— Ele estará morto sem o rancho...
— E o que me importa isso? Você
também poderá morrer se não levar a ele
meu recado. Diga-lhe que vá se preparando.
A qualquer momento eu lhe farei uma visita
de cobrança. E é bom que ele tenha o que
preciso, quando eu for lá — ameaçou,
soltando-o.
— Não continuar nisso por muito tempo,
Bill... — falou Curtis, num tom intimidador
e despeitado.
— E por que não? — indagou Bill,
desconfiado.
— Em breve saberá — afirmou Curtis,
recuando na direção da porta.
Bill estava certo de estar sentindo ali uma
ameaça. Agarrou Curtis pelo pescoço
novamente, apertando-o com força.
— Vamos, diga-me o que está havendo
ou morrerá aqui mesmo — ameaçou.
— Há alguém atrás de você... Um
pistoleiro... Dos bons... Cedo ou tarde ele
vai pegá-lo...
— Queeler o contratou?
— Não... O pistoleiro o procura por
motivos particulares, Harding.
— Quem é ele?
— Eu não sei, mas você descobrirá isso
logo...
Bill empurrou-o com força contra a
parede, olhou-o com ódio, depois soltou-o.
Parecia assustado.
— O que houve, Bill? Assustou-se?
Tome cuidado... Se tremer, sua pontaria
será pior...
— Saia daqui! — ordenou Bill, agarrando
Curtis pelo colarinho e jogando-o no
corredor.
— Olhe sempre para trás, Bill. O
próximo estalido de madeira ou uma
sombra no beco pode ser a morte chegando
— falou Curtis, começando a rir
histericamente, enquanto Bill batia a porta.
Quando anoiteceu, Moly e Concho
encontraram-se no saguão do hotel e foram
juntos para o saloon, para um
reconhecimento dos homens que os dois
caçavam.
Assim que chegaram, ficaram junto à
porta, observando o local. Havia bastante
gente lá dentro. Com um estremecimento,
Moly viu os cinco homens jogando numa
mesa.
Chad destacava-se por sua roupa
sinistramente preta.
— Lá estão — apontou ela, contendo seu
desejo de sacar a arma e ir até lá matá-los.
— Tem certeza?
— Sim, são eles. Eu jamais poderia
esquecer aquelas caras.
— Quem é o chefe?
— Bill Harding, o metido a granfino à
direita.
— Eu poderia entrar lá agora e matá-los
— disse ela.
— Calma... A vingança é um prato que
deve ser saboreado frio. Se esperou um ano,
pode esperar uma noite agora. Além disso,
preciso descobrir onde esconderam o
dinheiro.
— Deve estar com o chefe deles, com
certeza.
— Certo. Vamos sair daqui. Vamos
acertar como faremos isso, Moly.
Concho segurou-a gentilmente pelo
braço, levando-a para fora dali. Podia sentir
que a garota tremia de ódio contido.
— Como quer fazer? — indagou Concho.
— Você quer o dinheiro de volta e eu
quero as vidas deles. Deixe-me, então,
cuidar de todos eles. Deixarei o chefe por
último. Ele lhe dirá onde está o dinheiro. De
acordo?
— Parece-me bom. Quer alguma ajuda
para o que tem que fazer agora?
— Não, isto é algo que terei de fazer
sozinha, Concho.
— Tem certeza?
— Sim, tenho. Eu o avisarei quando
chegar a hora.
Moly despediu-se dele e desceu a rua,
indo até um bordel de mexicanas numa das
ruas laterais.
Entrou resolutamente e procurou por uma
das mulheres. Os homens ali presentes
olharam-na com respeito. Conheciam
aquela gringa que levava duas armas.
— O que quer de mim? — indagou a
mexicana.
— Só quero que me diga uma coisa. O
que vocês fazem com os homens que as
maltratam? Ouvi alguém comentar, mas não
me recordo bem...
— Pretende fazer isso?
— Sim, há alguém que merece o castigo.
— Pois então não apenas vou ensiná-la
como vou lhe dar o que precisa — disse a
morena mexicana.
Moly ficou ali mais algum tempo.
Depois, quando saiu, levou um pequeno
saco de couro até seu cavalo, amarrado
diante do hotel, guardando aquilo no alforje
da sela.
Entrou no hotel, pediu um lápis e papel
ao rapaz da portaria e escreveu algo. Em
seguida foi até o Crow novamente.
Entrou e foi direto para o balcão.
— Dan, preciso que me faça um favor —
pediu ela.
— Diga, Moly.
— Quero que entregue este bilhete àquele
magricela vestido como um coveiro lá na
mesa de pôquer.
— Aquele é Chad, o homem que surrou
Nolan. Não está se metendo em encrencas,
Moly?
— Eles se meteram em encrencas, Dan.
— Está bem, eu faço isso, mas não estou
gostando nada disso, se é que lhe interessa
saber.
— Ok, Dan — agradeceu ela, saindo.
Enquanto Dan levava o bilhete até Chad,
Moly foi apanhar seu cavalo, afastando-se
da cidade.
Foi até um bosque, não muito distante.
Assim que desmontou, tratou de acender
uma pequena fogueira.
Enquanto isso, no saloon, Chad recebia o
bilhete, entregue por Dan. Uma garota
queria se encontrar com o pistoleiro
próximo da cidade.
Ele aproveitou que faziam uma pausa no
jogo para ouvir uma garota cantar, deixou a
mesa e foi ao encontro da misteriosa
mulher.
Encontrou facilmente o local pela
fogueira acesa. Desmontou, olhando com
curiosidade aquela bela mulher, cujo rosto
não conseguia definir muito bem, pois ela
estava afastada da fogueira.
Ele se aproximou dela.
— Sou Chad — disse ele, com pinta de
bonitão.
— Sou Moly e esperava por você
ansiosamente afirmou ela.
Ele se aproximou um pouco mais,
olhando atentamente para o rosto dela.
— Eu a conheço?
— Sim, você me conhece. Não me diga
que me esqueceu...
Ele demonstrava não se lembrar do rosto
dela. Mesmo assim, avançou, com a
intenção de abraçá-la. Inesperadamente,
Moly vibrou uma tremenda pancada na testa
dele, nocauteando-o.
Moly tratou de fazer o que tinha que
fazer. Apanhou uma faca e preparou quatro
estacas. Pegou corda e o saco de couro que
a prostituta mexicana lhe dera.
Quando Uncle Chad acordou, estava nu,
com braços e pernas presos às estacas.
— Maldita! — rugiu ele, debatendo-se,
mas estava firmemente preso.
Moly estava parada ao lado dele,
olhando-o.
— Quem é você, maldita? — indagou
ele.
— Vou lhe refrescar a memória,
bastardo! Há um ano atrás, num rancho às
margens do Rio Colorado, um homem foi
morto e uma garota foi violentada por um
bando de animais...
— Você!
— Sim, eu mesma. Estou aqui para fazê-
lo pagar pelo crime que cometeu.
— Maldita vagabunda! Eu deveria tê-la
matado naquela noite...
— Cale-se ou arranco-lhe os dentes a
bala.
— O que vai fazer comigo?
— Um tratamento que as prostitutas
mexicanas dão aos homens que as
maltratam — disse ela, apanhando o saco de
couro. — Já ouviu falar no Saco de
Escorpiões?
— Espere um pouco... Está maluca! Não
pode fazer isso... Nós apenas...
— Apenas o que, bastardo? — rugiu ela,
furiosa, chutando-lhe as costelas.
Ele gemeu, começando a choromingar.
— Felizmente para você eu vou lhe dar
uma morte rápida, miserável. Meu prazer
seria assá-lo em fogo lento e vê-lo morrer
aos poucos. Mas tenho que cuidar de seus
amigos também...
— Não, por favor! Não faça isso! Eu
tenho dinheiro... Muito dinheiro... Eu lhe
dou tudo que quiser...
— O que eu quero vocês me tiraram e
agora já não podem me devolver — disse
ela, abrindo cuidadosamente o saco de
couro.
Depois, com um movimento rápido, fez
com que o pênis e os testículos do pistoleiro
entrassem pela boca do saco, fechando-o
firmemente com uma correia.
— Não... Não... Não faça isso... Eles
estão me picando... — começou ele a gritar.
Havia sete escorpiões pequenos ali
dentro, o suficiente para matar um homem,
mas não tão rapidamente assim.
Os gritos dele transformaram-se em uivos
de pavor. Ele se contorcia todo, mas isso
apenas enfurecia os animais, que picavam-
no repetidas vezes.
O pavor estampou-se em seu rosto.
Quando o começou a fazer efeito de
verdade, seu corpo começou a ter
convulsões, retorcendo-se horrivelmente.
Moly cuspiu nele, depois foi apanhar seu
cavalo. Quando ele parou de gritar, ela o
esporeou, galopando na direção de Tucson,
onde continuaria sua vingança.
No saloon, a música terminara e os
homens aplaudiam e jogavam seus chapéus
para o alto.
Nas mesas onde o jogo fora interrompido,
os homens prepararam-se para retomá-lo.
— Onde está Chad? — indagou Bill.
— Ainda não voltou. Recebeu um bilhete
aqui e saiu sem dizer nada.
— Ninguém sabe o que havia nesse
maldito bilhete? Ele saiu justo quando
estava ganhando, aquele bastardo.
— Eu não sei, Bill — falou Bob. — O
"bartender" que o trouxe para ele.
— Pois então vá perguntar a ele o que era
esse maldito bilhete!
Bob levantou-se contrariado e foi até o
balcão, falar com Dan a respeito do assunto.
— Dan, que bilhete era aquele que você
levou para o Chad, ainda há pouco?
— Foi uma garota que me deu para
entregar para ele, Bob. Algum problema?
— Não, tudo bem — disse Bob,
retornando para a mesa.
— E então, o que era? — indagou Bill,
com impaciência.
— Fique tranqüilo, Bill. Chad está atrás
de um rabo de saia, para variar. Não acho
que ele volte para continuar jogando, se nós
o conhecemos bem.
— Aquele bastardo! Vai me pagar por
isso. Vamos continuar o jogo só nós, então.
Enquanto jogavam, Bill observava
Concho Stevens que, com uma cerveja na
mão, parecia observá-los de longe.
Lembrou-se do que Curtis lhe dissera
sobre um pistoleiro que estaria à procura
dele. Isso estava enervando Bill e a
aparência de Concho, bem como a maneira
dele portar a arma, sinalizavam perigo.
— Villas, está vendo aquele homem perto
da janela, com a caneca de cerveja na mão?
— Sim, o que tem ele?
— Conhece-o?
Villas olhou despistadamente para
Concho, medindo-o dos pés à cabeça.
— Não, nunca o vi antes por aqui. Deve
ser algum dos novos pistoleiros. Todo dia
chega mais nesta cidade...
— Acha que ele é um pistoleiro?
— Tem todo o jeito.
— Vá lá e traga-o aqui.
O mexicano olhou seu chefe sem
entender.
— Por quê?
— Não discuta, Villas. Apenas faça o que
eu estou lhe pedindo, está bem?
Bill não conseguia esconder seu
nervosismo. Não estava sendo uma
experiência agradável ter um pistoleiro em
seu encalço.
— Está certo — concordou Villas,
atirando suas cartas sobre a mesa.
Levantou-se e foi até onde Concho
tomava a sua cerveja e observava-os.
Ele viu o mexicano aproximando-se dele,
mas não se abalou. Era um homem
acostumado a lidar com o perigo.
Concho parou diante dele, olhando-o com
desprezo.
— É um mestiço?
— Sim, e daí?
— Qual é o se nome?
— Concho Stevens.
— Pois bem, Concho Stevens. Acho que
você fez alguma coisa que não agradou meu
amigo lá na mesa. Ele quer vê-lo.
— Está me vendo de lá... Além disso, a
distância é a mesma para nós dois.
— Parece que não me entendeu,
engraçadinho. Eu não lhe dei chance de
escolha nem de retrucar. Ele quer que você
vá até lá e pronto. Comece a andar! —
ameaçou Villas, com a mão na coronha de
sua arma.
— Não aceito esse tipo de convite. Estou
tomando minha cerveja aqui,
tranqüilamente, sem incomodar ninguém. O
que dá a ele o direito de vir me incomodar?
— Não está sendo sensato, mestiço.
— E você está me aborrecendo —
respondeu Concho, no mesmo tom,
encarando-o.
— Ninguém fala assim com Orlando
Villas — gritou o mexicano, tentando sacar
a arma.
Ficou apenas na tentativa. O copo de
cerveja na mão de Concho espatifou-se na
cara do outro, jogando-o no assoalho.
Quando tentou alcançar a arma que caíra,
levou um chute no estômago que tirou-lhe o
fôlego.
Antes que fizesse qualquer outro
movimento, ma arma engatilhada era
encostada em sua boca.
— Está bem... Acalme-se — murmurou
Villas, levantando-se vagarosamente.
— Agora, se você me repetir o convite
com gentileza, talvez eu o acompanhe até a
mesa onde seu amigo está — falou Concho,
guardando a arma, mas ficando na
defensiva.
Villas olhou na direção da mesa. Bill
estava em pé, olhando fixamente na direção
deles. Pela sua expressão parecia não ter
apreciado muito aquela falha de seu
capanga.
— Está bem, senhor. Por favor, poderia
me acompanhar até aquela mesa? Meu
amigo Bill gostaria de trocar algumas
palavrinhas com você...
— Claro que sim... Como não atender tão
gentil convite.
Villas avançou, sentindo-se terrivelmente
humilhado e jurando a si mesmo que daria o
troco na primeira oportunidade.
Ambos aproximaram-se da mesa ocupada
por Bill e pelos outros. O líder do bando
olhava com preocupação para aquele
homem que vencera facilmente um
pistoleiro experiente como Villas.
Se alguém ali no saloon reunia habilidade
e coragem para matá-lo, esse alguém só
poderia ser aquele estranho.
Mas por que queria matá-lo?
— Sente-se, amigo — falou ele, olhando
o outro nos olhos. — E desculpe o jeito de
meu amigo aí. Delicadeza nunca foi o forte
dele.
— Queria me falar? — indagou Concho,
sentando-se cautelosamente.
Sentia-se como se estivesse se sentando
num ninho de cascavéis.
— Aceite uma bebida, antes de mais nada
— ofereceu Bill. — Estes são meus amigos
Bob, Ted e Villas. Sou Bill Harding.
— E o que deseja de mim?
— Vi a maneira como usou a arma... Está
procurando trabalho, por acaso?
— Não, já tenho um trabalho.
Bill Harding engoliu seco. As palavras de
Curtis continuavam martelando sua cabeça,
perturbando-o.
— Que tipo de trabalho?
Concho olhou-o no fundo dos olhos,
antes de responder. Bill leu a determinação
naquele olhar. Percebeu que aquele poderia
ser um adversário perigoso.
— Não acho que vá interessá-lo —
descartou o agente mexicano.
— Isso depende. De repente seu trabalho
pode atrapalhar-me.
— Não creio. Acho que estamos em
ramos diferentes — afirmou Concho,
aceitando o uísque que lhe serviam.
— Vai ficar muito tempo na cidade? —
quis saber Bill, convencendo-se de que o
pistoleiro a sua frente estava atrás dele.
— Só até terminar o que vim fazer aqui
— respondeu Concho, confirmando as
suspeitas do pistoleiro.
— E quando isso vai acontecer?
— Quem pode saber? Hoje, amanhã,
daqui a uma semana. Tudo depende...
— De quê?
— De surgirem as oportunidades certas
— falou Concho, que todo o tempo
mantinha seu olhar fixo no de Bill.
Os dois homens pareciam medir forças, o
que não era percebido pelos outros.
— Não as está deixando passar, bebendo
cerveja aqui no saloon?
— Pode ser, mas não tenho pressa —
disse Concho, com um sorriso misterioso
nos lábios.
Aquele sorriso incomodou Bill. Ele sentia
seus nervos abalados diante da segurança e
das afirmações daquele homem. Ninguém
podia ser tão frio assim.
Definitivamente, para ele, aquele era o
pistoleiro mencionado por Curtis.
Reunindo tudo que tinha de coragem, Bill
inclinou-se na direção de Concho.
— Deixe-me dizer-lhe uma coisa, amigo.
Não gostei e você. Esta cidade é pequena
demais para nós dois. Quero que vá embora
daqui hoje à noite mesmo.
— E por que eu deveria?
— Porque seus negócios aqui estão
encerrados.
— Veremos! — disse Concho,
entornando o uísque do copo.
— Se eu o encontrar na cidade ao
amanhecer, eu o matarei como a um cão.
— Terminou?
— Sim, dê o fora daqui, se tem amor à
pele — rugiu Bill.
Antes de se levantar, Concho sorriu com
deboche para Bill e seus amigos. Não sabia
de onde vinha aquela sensação, mas
parecia-lhe que olhava cadáveres, ao olhar
para aqueles homens.
— O que foi, Bill? — quis saber Bob.
— Esse maldito pistoleiro pensa que me
engana. Espero que fique na cidade e me dê
o prazer de matá-lo.
— O que vocês conversavam?
— James Queeler contratou-o para me
matar.
— Então por que não o liquidamos aqui
mesmo e agora?
— Fique calmo! O xerife e seus ajudantes
acabaram de entrar. Não vamos arrumar
confusão com eles. Venha comigo, Bob. Os
outros continuem o jogo e nos esperem.
— Aonde vamos? — quis saber Bob.
— No caminho eu lhe digo — respondeu
Bill.
Os dois rumaram para o hotel. No
caminho Bill contou a Bob o que Curtis
insinuara. Chegando lá, foram direto para o
quarto de James Queeler.
Bill não estava para delicadezas naquela
noite. Assim que chegou, arrebentou a
fechadura com um pontapé, entrando de
arma em punho.
Queeler estava deitado, com uma garrafa
de uísque pela metade em suas mãos.
Bill olhou-o com profundo desprezo. O
homem na cama talvez até tivesse medo de
Bill, mas naquele momento, não.
— Maldito bastardo! — vociferou Bill,
agarrando-o pela gola da camisa e
levantando-o da cama.
James estava bêbado demais para parar
em pé.
— Olá, amigo Bill! Há quanto tempo não
vejo esse seu focinho nojento! — falou ele,
com a voz pastosa, visivelmente
embriagado.
— Seu maldito miserável traidor! Cale
essa maldita boca! — ordenou Bill,
esmurrando-o e jogando-o de novo sobre a
cama.
Um filete de sangue escorreu do canto da
boca do bêbado, que olhou Bill com olhos
aturdidos e confusos.
— Que diabos está havendo, homem? —
resmungou Queeler, limpando a boca com
as costas da mão.
— Seu bastardo nojento! Soube que você
contratou um pistoleiro para me matar...
— Eu não fiz isso... — negou Queeler.
— Você não me engana, James. Vai se
arrepender por isso. Se aquede seu
pistoleiro estiver na cidade ao amanhecer,
eu vou matá-lo. Depois vou contar a toda
cidade quem é você, James Queeler, o
cidadão honesto, o rancheiro honrado, que
vem enganando a todos todo esse tempo —
ameaçou Bill.
Queeler começou a gargalhar
histericamente, aumentando a fúria de Bill,
que levantou-o de novo pelo colarinho da
camisa, esbofeteando-o violentamente.
— Ele nem sabe o que está acontecendo,
Bill. Está bêbado como um gambá...
— Miserável! Pode não saber o que está
acontecendo, mas vai se lembrar disso
amanhã — falou Bill, esmurrando
novamente o rancheiro, derrubando-o no
assoalho.
Não contente ainda, aplicou-lhe mais
alguns pontapés no corpo imóvel e
ensangüentado.
— Eu devia matar esse inútil — disse
Bill, quando chegaram lá fora, na rua.
O pistoleiro estava furioso e ofegante.
Moly estava acabando de chegar. Quando
viu os dois juntos, seu corpo estremeceu e
seus olhos cintilaram, cheios de ódio.
Achou que poderia aproveitar a chance.
Bob e Bill iam atravessando a rua. Ela fez
seu cavalo empinar, quase derrubando-a.
— Ei, cuidado, moça! — disse-lhe Bob.
Ela saltou do cavalo, como se estivesse
assustada. Os dois terminavam de atravessar
a rua, na direção do saloon.
— Ei, rapaz! — chamou ela, com voz
açucarada. — Poderia me ajudar?
Bob e Bill pararam e se olharam.
— Pois não, moça!
Bob olhou para Bill e piscou um olho
significativamente, enquanto sorria.
— Vê se não demora — disse Bill. —
Temos que terminar aquele jogo e cuidar
daquele pistoleiro.
— Tentarei não me demorar —
respondeu Bob, num tom de voz maroto,
caminhando na direção de Moly, medindo-a
com satisfação e desejo.
Era uma bela mulher a que o chamara,
sem sombra de dúvidas.
— Em que posso ajudá-la, dona?
— Poderia me ajudar a levar este cavalo
até o estábulo? Ele está um tanto indócil
esta noite, não sei que bicho o mordeu. Não
consigo dominá-lo. Viu como ele quase me
derrubou?
— Sim, parece um animal não muito bem
domado, moça. Devia tomar cuidado com
cavalos assim. Poderá se machucar, o que
seria uma pena — falou ele, pegando as
rédeas das mãos dela.
Olhou-a acintosamente.
— É nova aqui? Acho que não a conheço.
— Mentiroso! Quer dizer que já se
esqueceu de mim? — representou ela,
fazendo charminho.
— Por que diz isso? Tem certeza que já
nos conhecemos?
— Claro que sim. Por que acha que pedi
para você me ajudar, quando o vi
atravessando a rua?
— Sinceramente, não consigo me
lembrar...
— Ora, faça um esforço — insistiu ela,
mas, por mais que ele tentasse ver o rosto
dela em todos os detalhes, era impossível.
As tochas acesas pela rua não eram
suficiente para revelar detalhes. De
qualquer forma, ele estava satisfeito, porque
ela era uma bela moça, sem dúvida.
— Estou falando sério com você.
Confesso que você não é o tipo de mulher
que se esquece com facilidade — disse ele,
passeando os olhos gulosos pelo corpo dela.
Chegaram ao estábulo. Àquela hora não
havia ninguém lá. Bob sabia disso e Moly
também.
O rapaz ia cheio de alegria com a
promessa de momentos de aventura e
delícias.
Quando entraram, porém, ele se virou e
encarou o cano de uma das armas de Moly.
Seu rosto mudou de expressão.
Um lampião iluminava palidamente o
local. Bob estremeceu, olhando o brilho dos
olhos daquela mulher a sua frente.
— O que significa isso? — indagou ele,
assustado.
— Vocês, bastardos nojentos, têm a
memória muito curta — disse ela. — Não se
lembra mesmo de mim? Ou foram tantas,
que não consegue se lembrar de uma em
particular? — indagou ela, com amargura e
raiva.
— Não sei do que está falando — disse
ele, tentando ganhar tempo.
O tom de voz dela mostrava que ela não
estava para brincadeiras e que parecia odiá-
lo muito.
— Tente se lembrar, seu animal, de uma
certa noite, em um rancho junto ao Rio
Colorado, há um ano atrás. Você e seus
amigos me conheceram muito bem, de uma
forma que eu não gostei nenhum pouco.
Os olhos dele se arregalaram.
— A filha de Frank Sommer...
— Sim — confirmou ela, destilando ódio
pelo olhar.
— O que quer de mim?
— Matá-lo, seu bastardo.
— Mas eu não tive culpa... Eles me
forçaram...
— Poupe-me de suas mentiras, nojento!
— ordenou ela, desferindo-lhe uma
coronhada no rosto, derrubando-o para trás.
Bob tentou pegar sua arma, mas a ponta
na bota de Moly enterrou-se em suas
costelas, fazendo-o gemer e perder o fôlego
por instantes.
— Não pode fazer isso comigo, moça...
Tem que me dar uma chance... — soluçou
ele, aterrorizado.
O desejo de Moly era enfiar uma bala na
boca do pistoleiro e terminar logo com
aquilo.
— Você quer uma chance? — indagou
ela, agarrando-o pelo colarinho da caminha
e fazendo-o levantar-se.
Bob cambaleou, atordoado com as
pancadas que recebera. O terror estampava-
se em seus olhos.
— Vire-se — ordenou ela.
— O que vai fazer comigo —
choromingou ele.
— Só vou amarrá-lo e amordaçá-lo para
que não grite.
— Por favor! Por favor! — murmurava
ele, bem baixinho, enquanto se virava.
Moly amarrou-lhe as mãos para trás,
depois amordaçou-o com o próprio lenço
dele.
Ele tremia e soluçava, os olhos
espelhando toda a sua covardia diante da
fúria daquela mulher.
Moly apanhou um laço, pondo-o no
pescoço do pistoleiro. Os olhos dele se
arregalaram ainda mais. Ele se debateu. Ela
engatilhou a arma, pondo o cano entre os
olhos dele.
Ela jogou, então, a ponta da corda sobre
uma vida. Havia uma cadeira ali perto. Ela
puxou-a e fez Bob subir nessa cadeira.
Ele olhava fixamente para ela,
imaginando o que ela pretendia fazer,
mantendo-se imóvel, com medo de cair ou
de tombar a cadeira.
— Eu poderia fazer como fizeram com
meu pai, brincando com sua morte, mas
minha intenção sempre foi lhes dar uma
morte rápida. De qualquer forma, você é um
homem morto, maldito.
Ela o olhou com profundo desprezo.
Depois apoiou seu pé na cadeira. Os olhos
de Bob quase saltavam das órbitas. Ela
balançava a cabeça de um lado para outro e
gemia.
— Lembranças a satanás — disse ela,
empurrando a cadeira.
Bob ficou dependurado pelo pescoço. O
laço se apertava mais e mais, à medida em
que ele se debatia. Sua língua foi se
estendendo para fora da boca aberta. Seus
lábios foram se arroxeando.
Moly só saiu dali depois que o viu
imóvel. Levou seu cavalo para frente do
hotel. Quando ia entrar, viu Concho saindo
do saloon. Esperou por ele.
— Ainda acordada? — observou ele. —
O que tem feito? — perguntou ele.
— Minha vingança — respondeu ela.
— Já matou algum deles?
— Dois.
A surpresa estampou-se no rosto dele.
— É uma mulher perigosa, Moly. Quais
deles você já pegou?
— O magricela e o rapaz.
— Onde?
— Um está aqui perto, servindo de
comida para escorpiões. O outro está ali, no
estábulo.
— Perguntou alguma coisa a eles a
respeito do assalto lá no México?
— Não, essa pergunta o último deles vai
responder para você.
— O que vai fazer agora?
— Continuar. Ainda faltam três.
— Deixe-me ajudá-la...
— Não, preciso fazer isso sozinha.
— Vai pegá-los todos esta noite ainda?
— Sim, não passarão de hoje.
— Então isto resolve o meu problema.
Bill Harding me mandou sair da cidade até
o amanhecer...
— Ele estará morto, quando chegar um
novo dia. Eu lhe prometo.
— Quem você vai pegar agora?
— O primeiro que me aparecer pela
frente.
Antes de continuar, ela foi até o quarto de
Nolan. Gostaria que ele estivesse
participando a vingança, mas isso não seria
possível.
Era melhor que ele ficasse e dormisse.
Ela faria tudo sozinha.
Moly deixou-o e voltou ao saloon. Ficou
num canto discreto do balcão, bebendo
cerveja, enquanto observava as ações de
Bill e seus capangas.
Um pouco mais tarde, os três subiram
para o andar superior, cada um deles
acompanhado de uma mulher.
Ela esperou um pouco, depois seguiu-os.
Estava no corredor, quando a mulher que
estava com o mexicano saiu e desceu para
comprar uísque.
Assim que ela retornou, Moly entrou
junto, segurando-a pelo braço.
— Dê o fora agora, belezoca — ordenou
ela à garota. — Eu fico com ele agora.
A outra olhou-a surpresa.
— Calma, meninas, não briguem por
causa do velho Villas... Ele chega para as
duas. Por que não vêm as duas para cá e
conversamos a respeito disso? — convidou
ele, examinando aquela bela mulher, com
um par de Colts na cintura.
— Vai me perdoar, querido, mas prefiro
todo para mim — disse Moly, pondo uma
moeda na mão da outra garota.
Esta examinou o valor e, ao ver que era
de ouro, tratou de deixar o quarto
rapidamente.
— Ei, muchacha, você sabe mesmo
convencer as pessoas — disse ele. — Venha
aqui dar uns beijinhos em mim — pediu ele,
olhando-a e dando a entender que estava
bêbado.
— Fique calmo, por enquanto. Antes
preciso que você me olhe bem e me diga se
me conhece — pediu ela.
— Claro que não! Eu jamais esqueceria
uma mulher tão bonita — afirmou ele,
sentando-se na cama.
Seu cinturão estava sobre uma mesa,
atrás de Moly. O mexicano ficou olhando
para ela com um sorriso estúpido nos lábios.
— Tem que me reconhecer, Villas —
disse ela, olhando-o nos olhos.
— Por que não vem mais perto? Estou
bêbado, não consigo vê-la direito.
Ela se aproximou um pouco mais. O
mexicano não tirava os olhos dela.
— E então? — insistiu ela.
Ela balançou a cabeça de um lado para
outro, como se desistisse de tentar
adivinhar.
— Não, eu não me lembro... Jamais
esqueceria uma mulher que carrega duas
armas...
— Tente! Naquele tempo eu não usava
estas armas — falou ela, aproximando-se
um pouco mais.
Inesperadamente ele estendeu a mão,
segurando-a pelos pulsos, girando-a e
fazendo-a cair sobre a cama.
O peso de seu corpo e suas mãos nos
pulsos dela mantiveram-se imóvel. Ele a
encarava bem de perto.
— Como eu poderia esquecer você,
beleza? Por que todo esse mistério? Quem é
você, afinal? O pistoleiro de James Queeler
contratou para nos matar? Ouvi falar sobre
você lá no saloon. Uma mulher que usa
duas armas e que matou Francis Beater cara
a cara... É difícil de acreditar...
— Devia me reconhecer, seu bastardo!
Há um ano atrás... — disse ela, ofegante.
— Não sei quem é, moça, mas não estou
gostando do seu jeito — disse ele, socando-
a no queixo com força.
Os olhos de Moly reviraram e ela lutou
para não desmaiar. Villas soltou-a para
tirar-lhe as armas e jogá-las para o lado.
Ela aproveitou para retirar uma faca de
sua bota. Ele se deitou de novo sobre ela.
— Agora vai me dizer quem é ou vai se
arrepender, garota — disse ele,
raivosamente.
Em resposta ela o agarrou pelo pescoço,
puxando a cabeça dele para junto dela.
Colou sua boca ao ouvido dele.
A faca pressionou a garganta do
mexicano, que estremeceu.
— Sou a filha de Frank Sommer — disse
ela, girando o corpo e fazendo a lâmina
deslizar pela garganta dele.
Os olhos de Villas se arregalaram,
enquanto ele tentava estancar o sangue que
jorrava de suas veias cortadas. Tentou dizer
alguma coisa, mas apenas sons roucos
saíam e sua garganta.
Ele caiu de joelhos diante dela, já sem
força. Ela chutou a cabeça dele, jogando-o
para trás.
O corpo dele estremeceu, depois ficou
imóvel.
Ela cambaleou, apoiando-se na parede.
Ficou ali, recuperando-se. Aquele soco que
levara deixara-a mesmo atordoada. Ficou
olhando aquele corpo imóvel, banhado de
sangue.
Já liquidara três deles. Ainda faltavam
dois e ela precisava agir rapidamente, mas
se sentia muito cansada. Trancou a porta e
achou que poderia descansar um pouco.
Os dois que sobravam estavam nos outros
quartos, divertindo-se com as mulheres.
Seria bom esperar que eles bebessem mais e
se cansassem.
Assim não teria problemas para enfrentá-
los. Lentamente seu corpo foi escorregando
pela parede e ela se sentou. Cobriu o rosto
com as mãos para não ver a máscara de dor
e pavor no rosto do cadáver a sua frente.
A vingança era algo terrível. Odiava
aqueles homens pelo que haviam feito.
Olhando-os depois de mortos, parecia que
eles haviam perdido muito mais do que ela.
Bateram discretamente na porta,
sobressaltando-a.
— Quem é? — indagou, após apanhar
seus revólveres.
— Sou eu, Dan. O que está fazendo aí?
Abra esta porta, Moly! — intimou ele.
Ela não sabia até que ponto podia confiar
nele, mas não tinha escolha. Pelo menos ele
não estava fazendo barulho.
Com as armas nas mãos ela destrancou a
porta. Saiu, antes que Dan visse o que havia
lá dentro.
— Deus do céu, Moly! Vai nos complicar
a todos. O que está fazendo, mulher?
— Estou pegando-os um por um, Dan.
Aqui dentro está o mexicano. Faltam dois.
— Diabos! Você é mesmo um demônio.
Olhe como está? O que foi isso em seu
queixo?
— Uma carícia de nosso amigo
mexicano...
— Venha para baixo. Precisa de um
drinque. Vou fechar este quarto para que
ninguém entre, até que tenha feito o que
veio fazer aqui — disse ele.
— Como me descobriu?
— A garota que ocupa o quarto foi me
procurar para dizer que algo estranho estava
acontecendo. Quando me disse o que era,
imaginei que fosse você.
Levou-a para baixo e deu-lhe um uísque.
O movimento do saloon havia diminuído
muito. Apenas os bêbados ou os vaqueiros
que esperavam um amigo que festejava com
uma garota.
— Obrigado por sua gentileza, Dan...
Pode me fazer mais um favor?
— Se estiver ao meu alcance...
— Deixe-me dormir um pouco, depois
me acorde, quanto todos forem embora e
você for fechar o saloon...
Ele pensou por instantes. Sabia o que ela
fazia. Nolan havia lhe contado.
— Por favor! — suplicou ela.
— Está bem, mas se alguém disser que eu
a ajudei, eu nego, está certo? Poderá ser
enforcada por isso... — decidiu-se ele,
afinal.
Moly julgou que tivesse dormido horas.
Acordou assustada, quando Dan tocou-lhe o
ombro.
— Todos já foram? — indagou ela.
— Sim, o saloon já está fechado. O que
quer fazer?
— Como é o nome do homem que está lá
encima, além de Bill?
— Ted Canton.
— Quem é ele? O que gosta de fazer?
— Se há algo que ele gosta mais de fazer
é jogar. É um verdadeiro fanático por isso.
— Preciso tirá-lo lá de cima, sem alertar
Bill. Acha que pode levar um recado para
esse Ted?
— Bom, não vejo nenhum problema
agora.
— Vá lá e diga que vai haver um jogo
realmente pesado aqui embaixo e que estão
a espera dele. Faça isso com cuidado, para
não alertar Bill.
— Deixe comigo. Pretende matá-lo aqui?
— Não, tenho uma idéia melhor — disse
ela, olhando os baralhos encima das mesas.
Foi até lá e apanhou-os, separando as
cartas, até ter um maço.
— Para que isso? — estranhou Dan.
— Eu vou jogar contra ele e pretendo
ganhar — afirmou ela. — Pode ir até lá
avisá-lo?
Dan subiu imediatamente, indo até o
quarto ocupado por Ted. Deu-lhe o recado
sem maiores problemas, descendo em
seguida.
— Já vai descer — avisou a Moly.
Momentos depois, Ted descia a escada,
ainda vestindo sua camisa, olhando
ansiosamente para os lados.
— Onde é o jogo, Dan? — indagou ele,
estranhando que o local estivesse vazio.
— Aqui — disse Moly, apontando-lhe
uma arma e pegando-o de surpresa.
— Que diabos é isso? — indagou ele. —
Dan, você quer me explicar o que está
havendo?
— Ela quer jogar com você, Ted.
Ted virou-se para olhar a mulher que o
desafiava.
— E então, moço, concorda em jogar
comigo?
— Sim, mas...
— Só que em um outro lugar.
— Por quê?
— Para que possamos jogar
tranqüilamente, sem que ninguém nos
importune. Deixe cair seu cinturão, Ted —
ordenou ela.
Ted não entendeu aquilo, mas obedeceu.
Moly empurrou-o na direção da porta.
Saíram para a rua deserta, àquela hora da
madrugada. Moly apanhou seu cavalo. O de
Ted estava diante do saloon.
— Onde será esse jogo? — indagou Ted,
ainda sem entender, montando seu cavalo.
— Não muito longe daqui — disse ela.
— A caminho. Pode tomar a estrada que
deixa a cidade. Há um bosque, há duas
milhas.
— Sei onde é... É lá que vamos jogar? O
que há lá?
— Fique calmo, lá você saberá tudo —
disse ela.
— Você é maluca mesmo, sabia? Eu não
sei o que eu estou fazendo aqui, deixando
que você me leve assim.
— Cale-se e cavalgue — ordenou ela.
Moly levou-o para o mesmo lugar onde
executara Chad. Quando lá chegaram, ela
ordenou que ele reunisse lenha para acender
uma fogueira.
— Vamos jogar aqui? Está frio...
— Por isso a fogueira, idiota.
— Podíamos ter jogado lá na cidade
mesmo...
— Não discuta e faça o que estou
mandando — insistiu ela.
A fogueira foi acesa. Momentos mais
tarde, ela iluminava o local. Ted virou-se e
olhou ao redor, então. Soltou um grito de
terror, quando viu o corpo de Chad todo
retorcido, agora também coberto de
formigas.
— O que está havendo aqui? — indagou
ele, com terror nos olhos, encarando-a.
— Sente-se aí — ordenou ela, friamente.
Ted tremia, olhando a todo momento para
trás, para o cadáver de seu amigo.
Moly retirou um baralho do bolso e
começou a embaralhá-lo lentamente,
olhando o pistoleiro nos olhos.
— Você me conhece? — indagou ela.
— Não... Nunca a vi antes...
— Mentira! Você não só já me viu antes,
como também já me tocou, seu miserável
— disse ela, entredentes.
— Você? Não, deve estar enganada... Foi
outro... Tenho certeza que não a conheço
e...
— Sou Moly Sommer — falou ela.
Ele interrompeu-se para olhá-la
detidamente.
— Moly Sommer? A filha de Frank
Sommer?
— Sim, eu mesma.
Uma expressão de medo e terror
estampou-se no rosto dele. Ted tentou dizer
alguma coisa, mas só soube começar a
chorar.
— Não, por favor! Não pode me matar a
sangue-frio... Tem que entender...
— Não vou matá-lo sem lhe dar uma
chance, Ted. Sei que é um jogador. Aqui
está o baralho. Retire uma carta. Se for
naipe vermelho, você morre. Se for preto,
você está livre.
Ele parou se soluçar, olhou para ela e
depois para o baralho na mão dela.
— Quem me garante que...
— Quais são as suas chances sem isso,
Ted?
Ele pensou por instantes, sem conseguir
agora desviar os olhos do baralho.
— Se eu tirar uma carta preta, você me
deixará ir embora?
— Sim, foi o que eu disse. Tire uma
carta, Ted. Vermelho e você morre. Preto e
você vive.
— Se eu sair dessa com vida, você vai
me pagar por isso, entendeu?
— Arrisque sua sorte, Ted — insistiu ela.
Ted apanhou uma das cartas, virando-a
de uma vez na relva. O horror estampou-se
em seu rosto, ao ver que era uma carta
vermelha.
— Não, não me mate! Tem que me dar
uma segunda chance. Veja, vou tirar uma
carta preta agora — suplicou ele, pegando o
baralho da mão dela.
Estava trêmulo e apavorado. O baralho
caiu, espalhando as cartas. A incredulidade
tomou conta de seu rosto.
— Maldita trapaceira! — murmurou ele,
olhando-a. — Você me enganou. Todas as
cartas são vermelhas.
— Nem o demônio poderia salvá-lo
agora de minha vingança — falou ela.
Ted tentou se levantar e correr. Moly
disparou certeiramente, pegando-o na
espinha e jogando-o sobre o cadáver de
Chad.
— Não! — gritou ele, tentando se
arrastar, mas sentindo seu corpo imobilizar-
se.
As formigas subiram em seu corpo,
atraídas pelo cheiro de sangue fresco. Ele
começou a gritar, quando as primeiras
picadas começaram a lanhar sua pele.
Moly aproximou-se. O olhar dele era o de
um animal ferido e sofrendo. Ela engatilhou
a arma e apontou para a testa dela. De
qualquer forma, as formigas não iriam
perder o banquete daquela noite.
Moly amarrou seu cavalo diante do hotel
e entrou. O rapaz da portaria dormia
pesadamente. Ela subiu as escadas e foi até
o quarto onde Concho dormia.
A porta não estava trancada. Ela entrou e
acendeu o lampião, acordando-o.
— É você, Moly? — indagou ele,
esfregando os olhos.
— Sim, Concho. Acho que chegou a
hora.
— Terminou seu trabalho?
— Só falta o chefe deles.
— Você é um demônio em forma de
mulher, Moly — afirmou ele, sentando-se
na cama.
— Puseram um demônio em mim,
quando invadiram nosso rancho.
— Há uísque sobre aquele móvel. Tome
um gole. Você está horrível.
Ela não discutiu. Foi até lá e apanhou um
copo, servindo uma dose generosa. Tomou-
o de um só gole, depois foi se sentar na
cama, ao lado de Concho.
— Não vejo a hora disso tudo terminar.
Acho que preciso dormir uma semana —
falou ela, visivelmente cansada com toda
aquela tensão e movimentação.
— Matou quatro homens — comentou
ele, com admiração.
— Sim, e confesso que não tive pena de
nenhum deles, Concho. Sinceramente.
— Fizeram por merecer.
— Nisso você pode apostar.
— Vamos pegar Bill Harding agora?
— Sim...
— Vou me trocar.
Enquanto ele se vestia, ela caiu para trás,
na cama, desejando poder fechar os olhos e
esquecer todo aquele pesadelo.
Pouco depois atravessavam a rua para
entrar pelos fundos do saloon. Uma escada
levava ao andar superior, onde estavam os
quartos das garotas.
Em breve o dia amanheceria. Para os
lados do nascente o céu já começava a
clarear ligeiramente.
— Silêncio, não quero alertar ninguém —
disse Moly, enquanto os dois subiam
cuidadosamente a escada.
Entraram pelo corredor. Foram
examinando com cautela os aposentos,
abrindo portas com extremo cuidado.
— É ele! — cochichou ela.
Os dois entraram. Bill dormia
placidamente com uma das garotas do
saloon.
— Acorde, escória! — ordenou Moly,
batendo com o cano do revólver no nariz do
pistoleiro.
Bill saltou da cama agilmente, entre
acordado e dormindo, levando a mão ao
cinturão que deixava dependurado na
cabeceira da cama e que Concho
precavidamente havia retirado.
— Que diabos... — ia reclamar ele, mas
Concho prostrou-o de joelhos ao atingí-lo
no estômago com uma coronhada de sua
arma.
A garota junto com ele gritou assustada,
enrolou-se num lençol e ficou olhando
aterrorizada para Moly.
— Está tudo bem, garota! — disse ela. —
Saia daqui e esqueça o que viu — ordenou.
— Sim, já esqueci... já esqueci... — foi
repetindo ela, enquanto saía porta a fora.
Concho jogara as roupas de Bill para o
pistoleiro vestir-se.
— O que querem comigo? — indagou o
pistoleiro, intimidado.
Moly olhava-o com profundo rancor. Era
o último a morrer e sua vingança estaria
completa.
— Eu só quero conversar com você —
respondeu Concho, fazendo um gesto para
que Moly trancasse a porta do quarto.
Quando ela fez isso, o agente mexicano
guardou sua arma e se aproximou de Bill,
que terminava de abotoar a camisa.
— Vou lhe fazer algumas perguntas e
confesso que não estou com muita
paciência.
— O que quer?
— Onde está o dinheiro?
— Que dinheiro? — respondeu Bill.
— O dinheiro do assalto — explicou
Concho, aplicando um murro no rosto de
Bill e jogando-o contra a parede.
— Espere, homem... Não sei do que está
falando...
Não terminou de dizer o que pretendia.
— Bastardo! Assassino! — rugiu
Concho, desferindo um certeiro pontapé que
quebrou o nariz do pistoleiro e o fez engolir
alguns dentes.
Seu rosto ficou lambuzado de sangue.
— Eu não sei nada sobre assalto —
choromingou ele e novo pontapé atingiu-o
no estômago, fazendo-o contorcer-se no
assoalho como um verme.
— Falo do assalto ao trem, lá no México.
— Quem é você?
— Agente do Governo do México.
— Não me fará falar — falou Bill,
cuspindo sangue.
— Talvez nem precise — disse Concho,
começando a examinar as coisas de Bill,
espalhadas pelo quarto.
Encontrou um alforje sob a cama.
Despejou o conteúdo sobre a cama,
conferindo-o.
— Acho que a maior parte do roubo está
aqui — afirmou, voltando a guardá-lo. — O
restante eles devem ter gastado. Agora é
com você, Moly.
— Quem diabos é você agora? —
indagou ele a Moly.
A garota aproximou-se, sentindo o
sangue ferver em suas veias.
— Olhe para mim, bastardo! Não se
lembra de mim?
— Deveria? — retrucou ele, limpando o
sangue que escorria de seu rosto.
Havia ódio e desprezo em seu tom de
voz.
— Olhe bem! — intimou ela.
— Você me parece com qualquer uma
das vagabundas com quem já dormi —
falou ele, com profundo rancor.
Moly lutou para manter-se calma. Sacou
sua arma, engatilhou-a e apontou-a para a
cara de Bill.
— Espere, Moly. Não pode matá-lo a
sangue-frio assim...
— Posso, Concho. E como posso...
— Alguém pode me explicar o que está
acontecendo aqui? Quem é essa mulher? —
indagou Bill, confuso e amedrontado.
— Cale-se, rato imundo! — ordenou a
garota, derrubando-o com uma coronhada.
— Não me maltrate — pediu Bill,
acovardado. — Por que você quer me
matar? Eu nada fiz para você... Alguém
pode me dar uma resposta? — indagou,
olhando para o agente mexicano.
— Pergunte a ela — disse Concho.
— Que espécie de maluca é você, afinal?
— suplicou o pistoleiro.
— Se tivesse alguma coisa de humano e
inteligente em sua carcaça já teria
descoberto. Mas não passa mesmo de um
imundo rato de esgoto — afirmou ela, com
desprezo.
— Se vou morrer, exijo uma explicação...
Quero saber pelo menos por que morro...
— Olhe bem para mim... A sua resposta
está aqui, em meu rosto. Não se lembra?
— Diabos, mulher! O que a faz tão
especial assim?
— Há um ano atrás — disse ela,
sinistramente.
O pistoleiro reagiu como se tivesse
levado um choque. Recuou, olhando melhor
o rosto da garota.
— A filha de Frank Sommer — falou,
num fio de voz.
— Sim, e estou aqui para me vingar...
— Será assassinato. Você será enforcada
por isso. Temos leis... Meus homens me
vingarão... Você pagará por isso...
— Estou pouco me lixando para as leis.
Elas não protegeram nem a mim nem a meu
pai. Quanto a seus amigos, estão todos
mortos...
— Como? — indagou ele, pateticamente.
— Eu os matei.
Bill ficou olhando para ela, depois caiu
de joelhos e começou a soluçar. Pressentia
que sua vida estava chegando ao fim.
— Espere... Espere... — disse,
sofregamente, arrastando-se até os pés de
Moly, que ergueu a armar para dar-lhe outra
coronhada.
— Não, espere — pediu Concho,
detendo-a. — O que quer? — indagou a
Bill.
— Faço um trato com vocês...
— Um trato? Que tipo de trato? —
indagou Moly, com repulsa por aquele
homem caído a seus pés.
— Eu digo o nome dele...
Moly olhou para Concho, sem entender.
— Nome de quem? — quis saber ela.
— Do homem que nos pagou para matar
seu pai.
Moly hesitou, aturdida. Jamais, em todo
aquele tempo em que ela e Nolan
prepararam a vingança eles haviam pensado
naquilo. Só que havia lógica. Por que
homens como Bill e seus capangas teriam
matado seu pai, senão por dinheiro?
Moly estava atônita, sem saber como
reagir diante daquela revelação inesperada.
Durante todo aquele tempo, preparara-se
para aquela vingança e, agora, descobria
que não estava punindo os verdadeiros
culpados.
Bill pressentiu que aquela poderia ser a
sua única chance de sair com vida dali.
— Você tem que acreditar em mim... Nós
fomos apenas o instrumento... O verdadeiro
culpado é o homem que nos pagou para
matar seu pai... Ele, sim, odiava seu velho...
Para nós foi negócio, nada pessoal... Eu
lamento o que houve com você...
Sinceramente... — foi dizendo ele,
confundindo a garota, que olhou para
Concho, buscando apoio.
O agente mexicano não sabia como
ajudá-la naquele momento tão difícil para
ela.
— O nome dele... Dê-me o nome dele —
exigiu ela, voltando a apontar a arma para a
cabeça de Bill.
— Só se prometer não me matar — disse
ele, trêmulo de medo ainda, olhando nos
olhos dela e buscando neles uma esperança
de vida, por menor que fosse.
Moly voltou a olhar para Concho.
— Acho que é um trato justo, Moly —
ponderou ele. — Mas a decisão é sua... No
fundo, acho que Bill tem razão, apesar de
considerá-lo um crápula e um assassino. Ele
apenas puxou o gatilho. Quem pôs a arma
na mão dele é mais culpado do que ele.
— Está bem — concordou ela, num fio
de voz.
— E quem vai me garantir que você não
me matará depois que eu disser o nome
dele?
— Eu garanto a palavra dela — afirmou
Concho.
O pistoleiro refletiu por instantes. Aquela
era sua única chance e ele tinha que arriscá-
la.
— De acordo... Eu aceito a oferta. O
nome dele é Queeler, James Queeler, um
rancheiro...
— Eu o conheço... sim, eu o conheço —
afirmou a garota, depois começou a rir.
— E agora? O que foi? — indagou Bill,
confuso.
— É irônico, muito irônico — disse ela.
— Do que está falando?
— James Queeler me pagaria cinco mil
dólares para matar você e seus capangas,
Bill...
— Então... Então era você, o pistoleiro
que Curtis mencionou. Uma mulher... Eu
julguei que fosse você — falou ele, olhando
para Concho. Vão cumprir a promessa? Vão
me deixar ir embora livre, não vão?
— Sim, claro que sim — afirmou
Concho.
Bill não esperou a confirmação da parte
de Moly. Terminou de se vestir
rapidamente.
— Posso levar a minha arma? — indagou
ele.
— Sim, tome — respondeu o agente
mexicano, retirando as balas do Colt e
devolvendo-o com o cinturão para o
pistoleiro. — Só não o carregue aqui dentro
— ordenou.
Bill saiu rapidamente e, enquanto descia
a escada, foi recarregando sua arma. Queria
apanhar seu cavalo e dar o fora dali o mais
depressa possível.
No interior do quarto, Moly ainda estava
surpresa com aquela reviravolta em seus
planos.
De repente, rompendo o silêncio da
madrugada que chegava ao fim, ouviu-se o
estampido de um revólver, seguido do
estouro de um rifle de grosso calibre.
Moly estremeceu.
— Nolan! Meu Deus, é Nolan! — gritou
ela, deixando o quarto e rumando para a
escada.
Quando chegou à rua, a tragédia estava
consumada. Bill Harding jazia quase partido
ao meio pelo projétil violento do rifle.
Nolan estava caído de joelhos, junto ao
corpo do bandido.
Uma de suas mãos tentava estancar o
sangue que escorria de seu peito.
— Eu peguei o maldito, Moly... Eu o
peguei... — murmurou, antes de tombar nos
braços dela.
Moly sentou-se na poeira, pondo a cabeça
do velho em seu colo.
— Oh, não, Nolan! Por favor, não me
deixe sozinha! — pediu ela.
Concho surgiu, vindo do saloon. Ao ver a
cena, lamentou a morte do velho.
O xerife surgiu logo depois, com o sono
ainda estampado no rosto.
— Que diabos houve aqui? — indagou.
— Bill atirou nele. Ele respondeu,
disparando o rifle. Eu não queria que isso
tivesse acontecido... Pobre Nolan! Merecia
uma morte mais digna.
— Pelo menos ele morreu lutando, como
sempre viveu — afirmou o xerife.
Moly deixou o corpo do velho escorregar
para a rua. Levantou-se e enxugou os olhos
cheios de lágrimas. Examinou suas armas,
depois começou a caminhar na direção do
hotel.
— Aonde vai? — indagou Concho.
— Ao hotel — disse ela.
— Depois eu preciso falar com você —
alertou-a o xerife.
Concho sabia qual era o destino dela.
— O que vai fazer? — indagou ele,
detendo-a na entrada do hotel.
— Vou matar o homem que foi o
responsável por tudo isso — disse ela, com
decisão.
— Vou com você — decidiu ele.
Foram até o quarto de James Queeler. A
porta estava apenas encostada, já que a
fechadura havia sido estourada naquela
noite.
Moly entrou, examinando o homem que
dormia, curtindo sua bebedeira.
A luz do dia começava a entrar
lentamente pela janela. Ela inclinou-se
sobre James e esbofeteou-o.
— Acorde, maldito! Acorde para morrer!
— disse ela, furiosa.
Queeler acordou espantado, ainda
atordoado pela bebida, olhando ao seu
redor, tentando se situar.
— Oh, é você... O que faz aqui?
— Vim lhe dizer que os homens que você
queria mortos já eram. Não sobrou
nenhum...
— Oh, graças a Deus! — afirmou James,
procurando pela sua garrafa de uísque.
Quando a encontrou e ia levá-la aos
lábios, Moly tomou-a.
— Por que diabos fez isso? — assustou-
se ele.
— Maldito! — rugiu ela, atirando a
garrafa contra a parede e quebrando-a.
James encolheu-se todo, intimidado com
aquele olhar cheio de ódio.
— Olhe para mim! — ordenou ela.
James cobrira o rosto com as mãos.
— Olhe para mim, seu rato imundo —
gritou ela, tirando as mãos dele da cara.
Ele a olhou intimidado.
— Sabem que eu sou?
— Uma mulher que usa armas...
— Sabe meu nome?
— Não, ainda não...
— Meu nome é Moly Sommer...
A primeira expressão que passou pelo
rosto dele foi de surpresa. Depois de
espanto. Finalmente, de horror. Ele foi
recuando, até cair sentado na cama.
Arrastou-se, indo encolher-se junto à
parede.
— Você... Você é a filha de Frank
Sommer...
— Sim, a filha de Frank Sommer, o
homem que você mandou matar, seu
canalha.
— Eu não sabia — murmurou ele, num
fio de voz quase demente.
— Eu só queria entender o motivo... Por
quê? Por quê? — gritou ela, fora de si.
Por momentos ele ficou encolhido.
Depois, como se compreendesse que nada
daquilo o livraria do castigo que se
apresentava a ele naquele momento,
encarou a garota com coragem.
— Seu pai era um assassino — declarou
ele.
— Mentiroso!
— Sim, seu pai era um assassino barato
como Bill Harding e seus capangas.
— Não acredito em você... — disse ela,
desesperada, com a arma na mão, não
sabendo se atirava ou não nele.
Não estava preparada para odiar aquele
homem, assim como não estava preparada
para a terrível verdade.
— Vamos, pergunte alguém que o
conheceu...
— Que mal meu pai lhe fez? — soluçou a
garota, sentindo que as lágrimas brotavam
de seus olhos, nublando-lhe a visão,
tirando-lhe o raciocínio.
— Seu pai matou meu filho... Meu único
filho...
— Oh, não — soluçou ela, sentindo-se
abalar.
— Sim, é verdade... Não tenho motivos
nenhum para mentir... Seu pai o matou na
minha frente, sem que eu pudesse evitá-lo...
— Mentira... Ele está mentindo,
Concho... Faça-o parar, por favor — pediu
ela, engatilhando a arma e apontando-a para
Queeler.
— Mão faça isso, Moly... Acho que já
houve muita incompreensão e violência na
vida de vocês dois... O melhor agora é
esquecer tudo que aconteceu... — disse
Concho, tomando gentilmente a arma da
mão dela.
— É um bom conselho o dele — disse
Curtis, entrando no quarto naquele
momento, com uma arma na mão.
— Fale com ela, Curtis. Conte-lhe como
o pai dela matou meu único filho... —
soluçou James.
— Sim, James tem razão, garota. É tudo
verdade. Sabe como sei tudo isso? —
indagou ele, mantendo a arma engatilhada,
para surpresa de Concho e Moly.
— Porque você sempre foi o meu melhor
amigo, Curtis...
— Você sempre foi mesmo um idiota,
James. Eu nunca fui seu amigo. Sempre
desejei seu rancho, desde que cheguei aqui.
Eu paguei Frank Sommer para matar seu
filho e deixá-lo sem herdeiro.
O rosto de James indicou surpresa, a mais
terrível e trágica das surpresas.
— Você fez isso, Curtis?
— Sim, eu fiz isso. Depois o convenci a
mandar Bill liquidar Frank. Por quinze aos
eu tentei comprar aquele maldito rancho e
você não quis vendê-lo. Convenci Bill a
extorquí-lo e deixá-lo arruinado como
último recurso para comprar aquele maldito
rancho. Você transformou isso numa
obsessão para mim, James. Uma maldita
obsessão.
— Seu maldito! — disse Concho,
fazendo um movimento.
— Não tente nada, rapaz. Vai ser uma
bela farsa, quando o xerife chegar aqui.
Direi que vocês mataram Queeler e que eu
os surpreendi, matando-os também.
— Não deixarei que faça isso — gritou
Queeler, avançando contra ele.
Curtis desviou-se e golpeou a cabeça do
outro, derrubando-o.
— Não resistam. Só vão retardar as
coisas e tornar tudo mais dolorido — disse
Curtis. — Ponham-no na cama.
Concho e Moly atenderam. Concho ficou
esperando uma pequena distração de Curtis
para reagir. Moly estava por demais abalada
para qualquer reação.
— Agora obedeçam minhas ordens. Sem
nenhum movimento em falso, tirem suas
armas e joguem-nas para mim... Sem
besteiras. Primeiro a garota, depois você —
ordenou.
Os dois não tiveram outra alternativa,
senão concordar.
— Agora quero-os de costas para mim.
Os dois obedeceram.
— Desculpe-me tê-lo metido nisso —
disse a garota ao agente mexicano.
— Esqueça! São azares do ofício — falou
ele e Moly viu, surgindo pela manga da
camisa dele, no punho direito, a ponta de
uma lâmina.
Ele piscou um olho para ela,
tranqüilizando-a.
— Calem a bocas. Podem encomendar
suas armas ao diabo — disse Curtis,
apontando a arma para Queeler, atordoado
sobre a cama.
— Primeiro ele, depois vocês dois —
disse, apertando o gatilho e fulminando
Queeler.
Concho agiu rapidamente. Aproveitou-se
da fumaça para empurrar Moly para o lado,
mas Curtis reagiu, disparando contra ele. O
policial gemeu e caiu sobre a cama.
— Agora é sua vez, sua cadela — disse
Curtis, apontando a arma para Moly.
A garota, após ser empurrada por
Concho, teve tempo de sacar a sua faca, que
trazia oculta na bota.
— Sua hora chegou — falou ela,
arremessando a faca, da forma como Nolan
havia ensinado.
A lâmina afiada entrou pela garganta de
Curtis, bloqueando sua respiração.
Surpreso, ele recuou alguns passos,
deixando cair sua arma para segurar o cabo
da faca e tentar tirá-la.
No momento seguinte, a faca atirada por
Concho, mesmo ferido, atravessou o quarto
e foi cravar-se no peito do traidor.
Seus olhos esgazearam-se e ele tombou
para trás, caindo pesadamente no assoalho.
Moly ergueu-se para ver o que havia
acontecido com Concho, que sangrava à
altura do ombro.
— Não se preocupe, não foi mortal —
assegurou ele.
A figura do Xerife Burton recortou-se na
moldura da porta, com uma arma
engatilhada na mão.
— Eu não acredito... Vocês dois de
novo? Que diabos está acontecendo aqui?
— Acho que foi um ajuste de contas,
xerife — murmurou Concho.
— Parece que vocês dois se meteram em
confusões demais para uma só noite. Ou
têm uma boa explicação para isso, ou eu
juro como vão dançar juntos na ponta de
uma corda.
— É uma longa história, xerife.
— Eu não vou a lugar nenhum e o dia
está apenas nascendo. Acho que teremos
todo o tempo do mundo — disse ele, após
verificar que James Queeler estava morto,
assim como Curtis Lampblack.
— Primeiro vamos cuidar de Concho.
Tem um belo buraco no ombro.
— Certo, depois vocês me contam tudo
sem perder um detalhe. A vida de vocês
dependerá disso.
Durante quinze dias, Concho havia ficado
sob os cuidados de Moly, no rancho dela, à
margem do Rio Colorado. A garota
pendurara suas armas e percebera que a
vingança era um erro, porque cegava as
pessoas.
Perdera seu pai por causa dela, além do
bom amigo Nolan, que lhe fazia muita falta
agora.
Apesar de pequeno, havia muita coisa a
ser feita no rancho. Logo que chegara lá,
Concho havia escrito uma carta para o
governo mexicano, relatando o que
acontecera e a colaboração inestimável do
xerife de Tucson para uma solução
favorável.
Assim, foi com surpresa que, numa certa
manhã, Moly viu um grupo de cavaleiros se
aproximando.
— É o Xerife Burton, não?
— Sim, com uma companhia de "rurales"
mexicanos.
— Vieram buscar o ouro?
— Sim e a mim também, com certeza.
A garota olhou-o chocada. Percebeu,
então, que aqueles dias agradáveis que
haviam passado juntos podiam estar
terminando.
— Você... Você vai embora? — indagou
ela, num fio de voz.
— Sim, tenho o meu trabalho e...
Ela não sabia o que dizer. Apenas olhava
para ele, com olhos tristes, que começaram
a se encher de lágrimas.
— Só que estou cansado de tanto servir
de alvo... Tenho economizado um
pouquinho... Receberei uma pequena
recompensa por recuperar o ouro para o
governo... Pensei em me estabelecer... Não
está precisando de um sócio? — indagou
ele.
— Fala sério?
— Nunca falei tão sério em minha vida
— disse ele, arrancando a tipóia do braço e
abraçando a garota.
Os cavaleiros que chegavam não entendia
o que faziam aqueles dois, beijando-se
como dois idiotas, enquanto um grupo de
visitantes se aproximava.
L P Baçan O Mago das Letras
1975: escreveu e publicou seu primeiro
livro de bolso, a novela Uma Tese
para o Amor, pela Editora Cedibra,
Rio de Janeiro, passando, daí, a
escrever mensalmente novelas por
encomenda para essa e outras
editoras.
1985: teve 11 letras incluídas no LP
Saudação ao Mato Grosso, da dupla
Estudante & Caminhoneiro.
1986: teve 6 letras incluídas no LP
Oração de Um Caminhoneiro, da
mesma dupla.
1991: participou da Coletânea do I
Concurso Nacional de Literatura da
FENAE, com um conto premiado
em 1º. lugar.
1994: participou da Antologia Os Poetas,
do V Concurso Helena Kolody de
Poesia, Governo do Paraná, Curitiba
– PR.
1995: traduziu a obra El Contuberneo
Judeo-Maçónico-Comunista, de José
Antonio Ferrer Benimelli, em 2
volumes intitulados Maçonaria &
Satanismo, para a Editora "A
Trolha".
1996: publicou a novela rural Sassarico,
sobre o fim do ciclo do café, início
da rotação de culturas (soja e trigo)
e surgimento dos bóias-frias e editou
os livros Vida Minha, de Emília
Ramos de Oliveira (biografia) e
Círculo Vicioso, de Arlene Cirino de
Oliveira.
1997: participou da coletânea Poema,
Poesia... Maçom, Maçonaria,
organizada por Mário Cardoso para
a Editora Arte Real.
1998: publicou o livro de poemas
Alchimia.
1999: publicou o livro Redação Passo a
Passo e editou o livro URAÍ - Nossa
Terra, Nossa Gente, 2 volumes, de
Emília Ramos de Oliveira.
2000: teve 2 letras incluídas no CD
Nosso Negócio É Cantar, da dupla
Márcio Rogério & Luciano e 3 letras
no CD Mais, do cantor Cícero de
Souza. Publicou, neste ano de 2000,
Brincando nos Caminhos do Senhor,
revista infantil cristã, Editora e
Gráfica Cotação da Construção,
Londrina – PR.
2001: editou e prefaciou o livro
Templários, de Lori Andrei Perez
Baçan.
2002: foi o autor da letra do hino da Loja
Maçônica Londrina, em parceria
com o músico Wilmar Cirino.
2004: organizou, editou e participou do
livro I Antologia do Portal "Cá
Estamos Nós".
2006: organizou, editou e participou do
livro II Antologia do Portal "Cá
Estamos Nós".
2007: publicou os livros A Sabedoria dos
Salmos, A Sociedade Secreta dos
Templários e O Livro Secreto da
Maçonaria, pela Universo dos
Livros Editora Ltda.
2010: publicou os livros Manual da
Futura Mamãe, Quem Disse Que
Cozinha Não è Lugar de Homem e
Receitas Naturais pela editora
Universo dos Livros. Editou o livro
de contos Solidariedade, do autor
baiano João Justiniano da Fonseca.
Produziu, dirigiu e apresentou uma
série de 7 (sete) programas
radiofônicos Vila das Artes, na
Rádio Boa Nova FM, de Pérola, PR,
sobre literatura atual.
2012: traduziu, editou e publicou o livro
A Origem do Satanismo na
Maçonaria, de Arthur Edward
Waite.
2013: traduziu, editou e publicou em
formato eletrônico os livros Carmila,
de J Sheridan LeFanu, e Teoria da
Esgrima a Cavalo, de Alex Muller,
Anjos, o Caminho de Volta, Os Olhos
do Carrasco, Novelas de Terror
(Volumes I e II) Novelas Policiais
(Volumes I a 7) e Novelas de Faroeste
(Volumes I a IX) pela Lulu Press, Inc.
e Editora Saraiva.
1975 até 2015: hoje escreveu mais de 700
livros, publicados em sua maioria
em formato de bolso, sobre os mais
diferentes assuntos, como:
romances, erotismo, palavras
cruzadas, charadas, passatempos,
literatura infantil, passatempos
infantis, horóscopos, esoterismo,
simpatias populares, rezas, orações,
intenções, anjos, fadas, gnomos,
elementais, amuletos, talismãs,
estresse, manuais práticos, religião e
outros livros de bolso com os mais
diversos temas e letras para músicas.
Já editou em formato eletrônico
mais de 1000 títulos, entre
publicações individuais e antologias,
de autores de Língua Portuguesa e
Espanhola.
Publicou ao longo dos últimos 40 anos
poemas e contos em jornais de
circulação regional. Ultimamente,
Tem traduzido e editado livros
eletrônicos e empenhado em editar
todos seus títulos em formato
eletrônico para serem
disponibilizados a seus leitores.
www.acasadomagodasletras.net