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UNIVERSIDADE DE COIMBRA FACULDADE ECONOMIA O DESEMPENHO ECONÓMICO DA ÁFRICA SUBSARIANA (1960-2002): LEITURAS E INTERPRETAÇÕES João Estêvão (ISEG, Universidade Técnica de Lisboa) Notas de apoio à conferência proferida no Seminário conjunto do Mestrado em Economia e disciplina de Política Económica da Licenciatura em Economia Coimbra, 15 de Abril de 2005

O DESEMPENHO ECONÓMICO DA ÁFRICA SUBSARIANA … je feuc 15-05-05.pdf · regiões da África Subsariana, ... Pode-se ver que a divergência entre as duas primeiras vem crescendo

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UNIVERSIDADE DE COIMBRA

FACULDADE ECONOMIA

O DESEMPENHO ECONÓMICO

DA ÁFRICA SUBSARIANA (1960-2002):

LEITURAS E INTERPRETAÇÕES

João Estêvão (ISEG, Universidade Técnica de Lisboa)

Notas de apoio à conferência proferida no Seminário conjunto do Mestrado em

Economia e disciplina de Política Económica da Licenciatura em Economia

Coimbra, 15 de Abril de 2005

O desempenho económico da África Subsariana (1960-2002): leituras e interpretações 2

Sumário

Lista dos gráficos

1. Uma leitura empírica do desempenho da África Subsariana entre 1960 e 2002

1.1. Produção, população e produção por habitante

1.2. Acumulação do capital

1.3. Transformações na oferta de recursos

1.4. Transformações na procura de recursos

1.5. Transformações no comércio externo

1.6. A transição demográfica e a urbanização

2. Interpretações das causas do baixo nível de desempenho económico da África Subsariana

2.1. Abordagens que incidem sobre as políticas internas: o excesso de activismo e as

políticas incorrectas

2.2. Abordagens que incidem sobre a ausência de condições para o take-off:

dificuldades internas e externas

2.3. Novas abordagens: a influência das novas correntes institucionalistas e do debate

sobre os modelos asiáticos de desenvolvimento económico

Algumas referências bibliográficas

Coimbra, 2005

O desempenho económico da África Subsariana (1960-2002): leituras e interpretações 3

Lista dos gráficos

Gráfico 1: Evolução do PIB (corrente) da ASS (1960-2002)

Gráfico 2: Evolução do PIB (constante) da ASS (1960-2002)

Gráfico 3: Crescimento anual do PIB na ASS (1960-2002)

Gráfico 4: Evolução da população na ASS (1960-2002)

Gráfico 5: Crescimento anual da população da ASS (1960-2002)

Gráfico 6: Crescimento do PIB e da população da ASS (1960-2002)

Gráfico 7: Crescimento anual do PIB per capita da ASS (1960-2002)

Gráfico 8: Evolução do PIB (constante) por regiões seleccionadas (1960-2002)

Gráfico 9: Evolução do PIB e da FBCF (constantes) na ASS (1960-2002)

Gráfico 10: Evolução do investimento e da poupança na ASS (1960-2002)

Gráfico 11: Evolução da receita e da despesa públicas na ASS (1972-1999)

Gráfico 12: Fluxos de financiamento (públicos e privados) para ASS (1960-2002)

Gráfico 13: Fluxos de financiamento para os países em desenvolvimento (1960-2002)

Gráfico 14: Ajuda pública ao desenvolvimento por regiões seleccionadas (1980-2002)

Gráfico 15: Fluxos de capitais privados por regiões em desenvolvimento (1980-2002)

Gráfico 16: Fluxos de financiamento para ASS (1960-2002)

Gráfico 17: Fluxos (líquidos) de IDE por regiões em desenvolvimento (1980-2002)

Gráfico 18: Estrutura da oferta na ASS (1971-2001)

Gráfico 19: Evolução do peso da agricultura na produção, por regiões (1971-2001)

Gráfico 20: Evolução do peso da indústria transformadora, por regiões (1971-2001)

Gráfico 21: Evolução da estrutura da procura na ASS (1970-2002)

Gráfico 22: Evolução do peso do investimento na procura, por regiões (1970-2002)

Gráfico 23: Evolução do peso do consumo privado na procura, por regiões (1970-2002)

Gráfico 24: Evolução do peso do consumo público na procura, por regiões (1970-2002)

Gráfico 25: Evolução do comércio externo nos países da ASS (1960-2002)

Gráfico 26: Natalidade e mortalidade na ASS, entre 1960 e 2002

Gráfico 27: Saldo natural da população por regiões seleccionadas (1962-2002)

Gráfico 28: Evolução da população urbana, por regiões seleccionadas (1960-2002)

O desempenho económico da África Subsariana (1960-2002): leituras e interpretações 4

1. Uma leitura empírica do desempenho da África Subsariana entre 1960

e 2002

A leitura empírica que vamos aqui fazer apoia-se num conjunto de gráficos sobre diferentes

dimensões do processo de desenvolvimento da África Subsariana (ASS), entre 1960 e 2002.

Analisando os gráficos, podemos fazer um conjunto de observações sobre o perfil do

desempenho económico e social durante o período e deduzir os seus principais bloqueamentos.

Esta leitura segue a metodologia de análise estrutural desenvolvida por Hollis Chenery e

outros autores1, tomando como base as modificações estruturais tipo que acompanham o

crescimento económico e que ajudam a melhorar as próprias condições do crescimento. Neste

sentido, o desenvolvimento económico é visto “como o conjunto de mudanças na estrutura

económica necessário para sustentar um crescimento contínuo do rendimento e do bem-estar

social” (Chenery 1979, p. 6). E essas mudanças acontecem em quase todas as funções

económicas, nomeadamente, no crescimento da capacidade produtiva (acumulação de capital e

de qualificações), na oferta e utilização de recursos (procura, produção, comércio e utilização

dos factores) e nos processos socioeconómicos (urbanização, distribuição do rendimento,

transição demográfica).

Tendo em conta os dados disponíveis, vamos analisar a evolução das estruturas

económicas na ASS e observar se se verificaram, ou não, transformações ao nível da capacidade

produtiva, da oferta e utilização de recursos e ao nível de alguns processos socioeconómicos,

como a transição demográfica e a urbanização. É uma leitura importante, na medida em que nos

permite caracterizar o tipo de percurso das economias subsarianas e, comparativamente,

compreender os tipos de bloqueamentos que ajudam a explicar o seu nível de desempenho.

1.1. Produção, população e produção por habitante

a) Os gráficos 1 a 3 dão-nos uma imagem do crescimento do PIB na ASS. O gráfico 3

mostra-nos que as taxas de crescimento anual do PIB são muito flutuantes e com

variações muito rápidas, mas com uma tendência claramente decrescente, evidenciando

uma realidade de declínio económico na longa duração.

b) O crescimento das economias da ASS, entre 1960 e 2002, foi de 3,2% e pode ser

dividido, grosseiramente, em quatro fases:

1 Ver, por exemplo, Chenery, Hollis (1979) — Structural Change and Development Policy. New York, Oxford University Press.

O desempenho económico da África Subsariana (1960-2002): leituras e interpretações 5

• Uma fase de crescimento mais rápido, entre 1960 e 1974, em que o PIB cresceu a

uma taxa média anual de 5,3%. Podemos, ainda, destacar dois subperíodos: o período

entre 1960 e 1970, com o impulso das independências e o lançamento de programas

de investimento em infra-estruturas, em que a taxa média de crescimento anual (tmca)

foi de 5,2%; e o período entre 1970 e 1974, do boom das matérias-primas, cujo

crescimento de receitas permitiu o lançamento de novos programas de investimento

(tmca de 5,4%).

• Uma segunda fase, entre 1974 e 1981, com um crescimento muito mais moderado

(tmca de 2,7%), que evidencia já uma situação de declínio económico. Tinha

desaparecido o impulso inicial da década de 1960 e as quebras acentuadas nos preços

de matérias-primas, da segunda metade década de 1970, tinham bloqueado os

programas de investimento. Foi nesta fase, entre 1977 e 1982, que a ASS deu um

grande salto em termos de endividamento, quando procurava substituir a quebra nas

receitas de exportação das matérias-primas.

• A terceira fase, entre 1981 e 1993, é a fase da crise (a chamada “década perdida” do

desenvolvimento), com uma taxa média de crescimento de 1,0%. É também o período

do ajustamento estrutural, dado o peso que a agenda de reforma económica do Banco

Mundial e do Fundo Monetário Internacional acabou por ter no continente. A África

regressou em força aos fluxos de ajuda pública ao desenvolvimento (APD), como

principal fonte de financiamento internacional do desenvolvimento.

• Uma quarta fase desenvolve-se desde 1993, uma fase de tímida recuperação e com

uma taxa média de crescimento anual de 3,2%. Um dos responsáveis por esta

recuperação é o investimento directo estrangeiro (IDE), cujo crescimento está muito

aquém do que acontece noutras regiões em desenvolvimento, mas que, comparando

com o passado, é significativo para África. O IDE cresceu rapidamente, atingindo o

nível da APD por volta de 2001, mas com uma quebra em 2002. Importante para esta

recuperação tem sido a criação de um novo ambiente económico, na sequência dos

programas de ajustamento estrutural e de algumas transformações mais amigas do

mercado.

c) Os gráficos 4 e 5 dão-nos conta do crescimento populacional no continente africano. A

população vem crescendo continuamente, ainda que mostrando uma inflexão por volta de

1980 e, de forma mais evidente, a partir de 1992. Contudo, a taxa média de crescimento

anual ao longo de todo o período foi de 2,7%, muito próximo da do PIB (3,2%). Isto quer

dizer que, na longa duração, a proximidade entre estas duas taxas se traduziu num

crescimento do PIB per capita (PIBpc) de apenas 0,5%, o que é um indicador evidente do

O desempenho económico da África Subsariana (1960-2002): leituras e interpretações 6

baixo nível de desempenho das economias da ASS. O gráfico 7 mostra isso muito

claramente.

d) Comparando as taxas de crescimento do PIB com as da população (gráfico 6), podemos

observar que as primeiras oscilam, com grandes flutuações, em torno das segundas (mais

estáveis), mas com uma tendência decrescente na longa duração. Os gráficos 6 e 7

permitem-nos identificar três períodos na evolução do PIBpc: um primeiro período, entre

1960 e 1974, em que o crescimento do PIB é normalmente superior ao da população e,

por isso, tem um efeito positivo sobre a evolução do PIBpc; um segundo período, entre

1974 e 1994, em que o crescimento do PIB é normalmente inferior ao da população e,

neste caso, observa-se uma tendência de declínio do PIBpc; e um terceiro período, desde

1995, em que o crescimento do PIB tem sido superior ao da população, o que se traduz

numa recuperação do PIBpc na ASS.

e) O gráfico 8 permite-nos uma leitura comparada do crescimento económico entre as

regiões da África Subsariana, América Latina e Caraíbas e da Ásia Oriental e Pacífico.

Pode-se ver que a divergência entre as duas primeiras vem crescendo desde a década de

1960 e é hoje muito ampla. A divergência entre a África Subsariana e Ásia Oriental e

Pacífico começou em meados da década de 1970 e acelerou a partir de meados da década

de 1980. Hoje, a divergência entre a ASS e as outras regiões é semelhante. O desempenho

do continente africano fica muito aquém do das outras regiões. O gráfico é muito claro

em relação a este aspecto.

Para resumir, podemos identificar quatro fases no percurso de crescimento das economias

da ASS: 1960-1974 – crescimento (tmca = 5,2%); 1974-1981 – declínio (tmca = 2,7%);

1981-1993 - estagnação (tmca = 1,0%); 1993-2002 – recuperação (tmca = 3,2%).

1.2. Acumulação do capital

Do ponto de vista da acumulação de capital (utilização de recursos para aumentar a capacidade

produtiva da economia), deveríamos considerar a utilização de recursos para aumentar o capital

físico e para melhorar a qualidade do capital humano. Tendo em conta os dados disponíveis,

vamos apenas analisar a formação do capital e as condições do seu financiamento. Neste caso,

as transformações tipo esperadas no processo de desenvolvimento podem ser observadas através

do crescimento do investimento, da poupança e das receitas do Estado, à medida que cresce o

produto. Vejamos o que nos dizem os gráficos.

O desempenho económico da África Subsariana (1960-2002): leituras e interpretações 7

a) Com o gráfico 9, pode-se ver que o comportamento da formação bruta de capital fixo

(FBCF) não corresponde ao que seria de esperar num percurso tipo de desenvolvimento

económico. O seu comportamento não acompanha o do PIB, o que quer dizer que o

investimento não é, de facto, o motor do crescimento económico. A sua evolução no

tempo é consistente com o que vimos atrás: o investimento mostra uma tendência de

crescimento até 1974, acompanhando o crescimento do PIB (a “fase de crescimento”), e

uma tendência de declínio a partir de 1974, caindo drasticamente entre 1981 e 1993, mas

revelando uma ligeira tendência de recuperação a partir de 1993.

b) O gráfico 10 é ainda mais elucidativo em relação ao comportamento do investimento.

Além disso, podemos ver que a poupança segue um percurso semelhante, fruto do

comportamento do produto per capita, na medida em que o seu baixo nível se reflecte na

fraca capacidade de poupança das famílias. Se o baixo nível da poupança é uma

consequência do comportamento da produção por habitante, ele é também um factor

limitativo da capacidade de investir. O círculo vicioso é evidente.

c) O gráfico 11 mostra-nos a natureza estrutural do défice público na ASS. Sendo um

resultado, tanto do baixo nível do desempenho económico, como da fragilidade dos

sistemas tributários, o défice público é um factor de permanente desvio de recursos

produtivos para o Estado. Agrava-se ainda mais o círculo vicioso.

Incapaz de se autofinanciar, a África depende fortemente dos fluxos de financiamento

internacional. Mas, aqui também, a situação é altamente desfavorável, quando comparada com

as outras regiões em desenvolvimento. Vejamos as características principais do financiamento

internacional na ASS.

a) O gráfico 12 mostra-nos que a ASS tem sido financiada fundamentalmente por fluxos

públicos e que o fosso entre estes e os fluxos privados foi cavado durante a década de

1980. Antes disso, o predomínio não era tão acentuado: na década de 1960, os fluxos de

financiamento internacional para ASS resumiam-se aos fluxos públicos; nos anos de

1970, estes cresceram rapidamente, mas foram acompanhados pelos fluxos privados que,

no entanto, começaram a recuar no final da década. A tendência actual parece ser para a

diminuição relativa dos fluxos públicos e o crescimento dos privados.

b) O gráfico 16 permite-nos fazer uma caracterização dos fluxos de financiamento para a

ASS:

• A aproximação dos fluxos privados ao nível dos públicos, na década de 1970, deve-se

ao crescimento dos empréstimos internacionais, que acompanharam as tendências da

economia mundial, na sequência da reciclagem dos petrodólares e da quebra nas

exportações de matérias-primas.

O desempenho económico da África Subsariana (1960-2002): leituras e interpretações 8

• Os empréstimos começaram a decrescer pouco depois, a partir de 1982, e os

empréstimos líquidos tornaram-se negativos a partir de 1991 (os pagamentos

tornaram-se maiores que os novos empréstimos).

• Mas, entretanto, o IDE começou a crescer rapidamente, aproximando-se dos fluxos

de ajuda pública no começo deste milénio. Isto é consistente com a tendência de

recuperação observada no período entre 1993 e 2002 e com os resultados de alguns

processos de ajustamento, liberalização económica e, mesmo, de democratização

política.

c) Se compararmos este perfil de financiamento internacional com o das outras regiões em

desenvolvimento, podemos destacar algumas diferenças significativas:

• O gráfico 13 mostra-nos que, contrariamente ao que acontece em África, a tendência

para o predomínio dos fluxos privados de financiamento começa na década de 1970 e

que o predomínio é muito claro a partir do começo dos anos de 1990.

• Essa diferença entre a ASS e as outras regiões fica clara com o gráfico 14, que nos

mostra que a ajuda pública ao desenvolvimento é uma forma de financiamento

fundamentalmente orientada para a África.

• O gráfico 15 mostra-nos que os fluxos privados são dirigidos fundamentalmente para

América Latina e Caraíbas e para Ásia Oriental e Pacífico.

• O gráfico 17 mostra-nos que o IDE, hoje a principal forma de financiamento

internacional privado, é canalizado exactamente para aquelas duas regiões, sendo a

parcela dirigida para a ASS perfeitamente insignificante, em termos relativos.

1.3. Transformações na oferta de recursos

As transformações estruturais na oferta e utilização de recursos são características dominantes

do padrão de desenvolvimento das economias, com as quais se podem relacionar todos os outros

tipos de modificações. Trata-se de transformações nas estruturas da oferta (estrutura sectorial da

produção), da procura interna (estrutura da despesa nacional) e do comércio externo,

conjuntamente com as transformações na utilização de factores produtivos. A partir de Hollis

Chenery (op. cit.), vários estudos empíricos permitiram identificar padrões tipo de

transformações estruturais que caracterizam os percursos do desenvolvimento económico na

longa duração. Com base nalguns elementos dos padrões de transformação da oferta, procura e

comércio externo, vejamos como tem sido o percurso das economias da ASS desde 1960.

O desempenho económico da África Subsariana (1960-2002): leituras e interpretações 9

Do lado da oferta, a mudança estrutural fundamental no processo de desenvolvimento

económico é o declínio do peso da produção agrícola na estrutura global da produção,

acompanhado pela diminuição do peso do emprego agrícola e da proporção da população rural

em relação à população total. Este padrão de mudança é fundamental, porque sendo a

produtividade mais elevada na indústria e nos serviços, então, a transferência de recursos da

agricultura para aqueles sectores constitui uma importante fonte de crescimento económico. Os

estudos empíricos sobre os percursos de desenvolvimento mostram que a etapa decisiva na

transição económica é a industrialização, aquela em que as taxas de crescimento são mais

elevadas, porque a dinâmica da acumulação de capital e da transformação tecnológica é muito

acentuada e porque as mudanças estruturais na procura interna e no comércio externo

(vantagens comparativas) são mais rápidas.

Vejamos, na longa duração, o comportamento da oferta de recursos na ASS, tomando em

comparação os casos das outras regiões em desenvolvimento.

a) O gráfico 18 mostra-nos que a estrutura da oferta na ASS praticamente não sofre

modificações estruturais entre 1971 e 2002, mantendo-se as características próprias de

economias pouco desenvolvidas. A indústria transformadora, a parcela mais dinâmica das

actividades industriais, revela um peso muito baixo, com um valor médio de 15,9% ao

longo do período (13,8% em 2001), e sempre inferior ao peso da agricultura (valor médio

de 18,7% e 17,6% em 2001). O peso que o conjunto da indústria apresenta resulta da

grande importância que as actividades extractivas (petróleo, etc.) têm no continente. Por

outro lado, o peso dos serviços refere-se fundamentalmente a actividades de comércio e

administração pública. A ASS continua, portanto, a viver uma fase pré-industrial, o que

limita fortemente as possibilidades de transformação da capacidade produtiva da

economia.

b) O gráfico 19 permite-nos ver que o peso da agricultura na Ásia Oriental e Pacífico, que

no começo da década de 1970 era muito mais elevado do que na ASS, diminuiu

rapidamente desde então e, hoje, é mais baixo. A diferença entre a ASS e a América

Latina e Caraíbas é ainda mais significativa. A África é, portanto, a região onde as

actividades tradicionais da agricultura têm mais peso relativo na estrutura da produção.

c) O gráfico 20 mostra-nos que a ASS é a região onde as actividades industriais têm menor

peso relativo, muito abaixo da situação verificada na Ásia Oriental e Pacífico e mais

baixo do que na América Latina e Caraíbas, ainda que esta região tenha passado por uma

fase recente de desindustrialização.

O desempenho económico da África Subsariana (1960-2002): leituras e interpretações 10

1.4. Transformações na procura de recursos

Do lado da procura interna, a principal modificação estrutural esperada é a substituição

progressiva do consumo privado pelo investimento, ou seja, a diminuição do peso do consumo

na estrutura da procura à medida que cresce o peso do investimento. Isto quer dizer que a

economia está a afectar recursos crescentes ao investimento, em detrimento do consumo

presente, o que constitui uma opção indispensável para sustentar o crescimento do produto e do

rendimento por habitante. Vejamos o que aconteceu na ASS, entre 1970 e 2002.

a) O gráfico 21 mostra-nos que a tendência para substituição do consumo privado por

investimento não está acontecer na ASS. Podemos distinguir duas fases no

comportamento destas duas componentes da procura: até 1980, observa-se uma ligeira

tendência de substituição; mas, a partir de então, verifica-se o contrário, ou seja, o

investimento decresce de 25,1% para17,8% do PIB, enquanto o consumo privado

aumenta de 61,6% para 65,8%. É um comportamento contrário ao que acontece num

percurso de desenvolvimento e reflecte uma situação de queda no rendimento per capita e

na poupança das famílias, o que tende a aumentar o peso da parcela do rendimento

utilizada em consumo. As economias estão a substituir investimento por consumo. Por

outro lado, o consumo público revela uma tendência de crescimento, representando

18,0% em 2002, contra 13,0% em 1970, conforme com observações anteriores.

b) Os gráficos 22 e 24 permitem uma comparação entre regiões. Os dados mostram que a

ASS é a região que mantém maior peso do consumo, tanto privado como público, e

menor peso do investimento, consistente com a situação de menor nível de

desenvolvimento económico.

1.5. Transformações no comércio externo

Do ponto de vista do comércio externo, são duas as principais modificações estruturais

esperadas: por um lado, o crescimento das exportações e o progressivo estreitamento do hiato

em relação às importações; e, por outro, a transformação da estrutura das exportações, com a

substituição dos produtos primários por produtos da indústria transformadora e serviços. Estas

duas modificações estão totalmente relacionadas com as modificações na capacidade produtiva

da economia, que alteram as vantagens comparativas e modificam as necessidades de

importação.

a) Na ASS, a evolução das exportações e das importações não segue o padrão tipo de

modificações estruturais no processo de desenvolvimento, como se pode ver pelo gráfico

O desempenho económico da África Subsariana (1960-2002): leituras e interpretações 11

25. Em 1960, as importações superavam as exportações num hiato de 3,1 pontos

percentuais (medidos em percentagem do PIB e valores constantes de 1995). Após um

ligeiro crescimento, entre 1960 e 1963, o peso das exportações manteve uma tendência de

declínio até 1982, ponto de inflexão a partir do qual se observa uma tendência crescente,

mas com um peso sempre inferior ao das importações. O hiato do comércio constitui,

portanto, uma característica estrutural das economias da África Subsariana, com uma

amplitude elevada entre 1972 e 1990 (máximo de 17,4 pontos percentuais em 1981) e

mais reduzida durante a década de 1990, embora crescente nos últimos anos.

b) Do ponto de vista das estruturas das exportações e das importações, verificaram-se

algumas modificações importantes, embora ainda não suficientes para transformar o perfil

do comércio externo da região. Em 1974, as exportações da ASS repartiam-se do seguinte

modo: 40,0% eram produtos alimentares e matérias-primas agrícolas, os combustíveis

representavam 21,4% e os produtos manufacturados 17,4%. As importações eram

sobretudo de produtos manufacturados, que representavam 77,8% do total. Em 2000, as

exportações de produtos alimentares e matérias-primas agrícolas tinham caído para 22,7%

do total, enquanto as exportações de combustíveis tinham aumentado para 29,0% e as de

produtos manufacturados para 35,1%. As importações mantinham, então, uma estrutura

semelhante, com os produtos manufacturados a representarem 65,9% do total. Podemos,

assim, dizer que a ASS continua a ser principalmente importadora de produtos

manufacturados e que estes continuam a não ter um peso significativo na estrutura das

exportações. Por outras palavras, a tendência de substituição das exportações, reveladora

de modificações nas vantagens comparativas, continua a ser muito lenta.

c) Quando comparado com outras regiões em desenvolvimento, o peso do comércio externo

da África Subsariana não revela modificações significativas na longa duração. Medido

em percentagem do PIB (grau de abertura), o peso relativo do comércio externo (preços

correntes) na África Subsariana cresceu de 38,8% em 1966 para 55,3% em 2002, uma

variação igual a 16,5 pontos percentuais, enquanto nas outras regiões se observaram

variações muito mais significativas: na Ásia Oriental e Pacífico aconteceu uma verdadeira

explosão do comércio externo, com o peso do PIB variando de 12,2% para 63,4% (mais

51,2 pontos percentuais); na América Latina e Caraíbas, a variação foi muito menor, mas

mais significativa do que na ASS, com uma variação de 18,0% para 41,2% (mais 23,2

pontos percentuais). Estas diferenças mostram como são diferentes as dinâmicas de

integração económica internacional destas regiões, mais intensa no caso da Ásia Oriental

e Pacífico e mais lenta no caso da África Subsariana.

O desempenho económico da África Subsariana (1960-2002): leituras e interpretações 12

1.6. A transição demográfica e a urbanização

O processo de desenvolvimento económico tem efeitos importantes sobre os movimentos

populacionais, tanto do ponto de vista do crescimento ou decrescimento da população, como do

ponto de vista da sua mobilidade interna. É habitual associar ao crescimento e desenvolvimento

económico um processo de transição demográfica, que reflecte os efeitos do progresso

económico sobre as taxas de natalidade e de mortalidade e, por isso, sobre a taxa de crescimento

populacional. Essa associação permite considerar quatro estádios no percurso da transição

demográfica. O primeiro estádio corresponde a uma fase “pré-moderna” (ou pré-industrial), em

que as taxas de natalidade e mortalidade são elevadas e, por isso, o crescimento populacional é

baixo. O segundo estádio corresponde à fase de industrialização, em que o progresso económico

se traduz em melhorias nas condições de vida e, consequentemente, na queda da taxa de

mortalidade. Como a taxa de natalidade permanece elevada, este estádio caracteriza-se por uma

elevada taxa de crescimento populacional. O terceiro estádio corresponde a uma fase industrial

madura, em que o declínio na taxa de natalidade leva a uma nova estabilização do crescimento

populacional (taxas de natalidade e mortalidade novamente baixas). O quarto estádio é

característico dos países que atingiram uma fase pós-industrial e onde a população tende a

estagnar, porque a taxa de crescimento populacional tende a cair abaixo da taxa de reposição

populacional.

O gráfico 26 dá-nos um retrato da evolução populacional entre 1960 e 2002. São de

destacar dois aspectos: por um lado, uma ligeira tendência de declínio de ambas as taxas, com a

taxa de natalidade a descer de 48,7‰ para 38,5‰ e a taxa de mortalidade de 24,1‰ para

17,7‰; mas, por outro lado, um saldo natural que se mantém praticamente igual, variando de

24,6‰ para 20,8‰. Isto corresponde a uma situação típica do segundo estádio de transição

demográfica, o estádio em que o crescimento populacional é mais rápido. O progresso para o

terceiro estádio pressupõe um nível de crescimento económico elevado e sustentado, de forma

que o progresso social acabe por induzir uma mudança de comportamento na fertilidade das

famílias e, consequentemente, uma queda acentuada na natalidade. Mas a redução do

crescimento populacional na ASS é limitada por um outro factor importante que decorre da

estrutura actual da população – o chamado impulso populacional oculto. Como, na actualidade,

55,1% da população da África Subsariana tem menos de 20 anos, isto significa que o

crescimento populacional irá continuar muito para além do nível de fertilidade de substituição

(nível que apenas reproduz a população), dado que o número de casais em idade de reprodução

continuará a crescer.

Em termos de população urbana, o gráfico 28 mostra-nos que a África Subsariana é a

região mais ruralizada, o que é consistente com o baixo nível de industrialização do continente e

a dimensão da população que continua a viver ligada à agricultura ou pastorícia.

O desempenho económico da África Subsariana (1960-2002): leituras e interpretações 13

Gráfico 1: Evolução do PIB (corrente) da África Subsariana, (1960-2002)

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Gráfico 2: Evolução do PIB (constante) da África Subsariana (1960-2002)

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400000

450000

1960

1962

1964

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1972

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1976

1978

1980

1982

1984

1986

1988

1990

1992

1994

1996

1998

2000

2002

Anos

Milh

ões d

e dó

lare

s EU

A (c

onst

ante

s, 19

65)

África Subsariana

O desempenho económico da África Subsariana (1960-2002): leituras e interpretações 14

Gráfico 3: Crescimento anual do PIB na África Subsariana (1960-2002)

-4

-2

0

2

4

6

8

10

1961

1963

1965

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1969

1971

1973

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1979

1981

1983

1985

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1989

1991

1993

1995

1997

1999

2001

Anos

Cre

scim

ento

(% a

nual

)

Crescimento do PIB

Gráfico 4: Evolução da população na África Subsariana (1960-2002)

0

100

200

300

400

500

600

700

800

1960

1962

1964

1966

1968

1970

1972

1974

1976

1978

1980

1982

1984

1986

1988

1990

1992

1994

1996

1998

2000

2002

Anos

Milh

ões d

e ha

bita

ntes

África Subsariana

O desempenho económico da África Subsariana (1960-2002): leituras e interpretações 15

Gráfico 5: Crescimento anual da população da África Subsariana (1960-2002)

0

0,5

1

1,5

2

2,5

3

3,5

1961

1963

1965

1967

1969

1971

1973

1975

1977

1979

1981

1983

1985

1987

1989

1991

1993

1995

1997

1999

2001

Anos

Cre

scim

ento

(% a

nual

)

Crescimento da população

Gráfico 6: Crescimento anual do PIB e da população da África Subsariana

-4

-2

0

2

4

6

8

10

1961

1963

1965

1967

1969

1971

1973

1975

1977

1979

1981

1983

1985

1987

1989

1991

1993

1995

1997

1999

2001

Anos

Cre

scim

ento

(% a

nual

)

Crescimento do PIB Crescimento da população

O desempenho económico da África Subsariana (1960-2002): leituras e interpretações 16

Gráfico 7: Crescimento anual do PIB per capita da África Subsariana (1960-2002)

-6

-4

-2

0

2

4

6

8

1961

1963

1965

1967

1969

1971

1973

1975

1977

1979

1981

1983

1985

1987

1989

1991

1993

1995

1997

1999

2001

Anos

Cre

scim

ento

(% a

nual

)

África Subsariana

Gráfico 8: Evolução do PIB (constante) por regiões seleccionadas (1960-2002)

0

500000

1000000

1500000

2000000

2500000

1960

1962

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1968

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1980

1982

1984

1986

1988

1990

1992

1994

1996

1998

2000

2002

Anos

Milh

ões d

e dó

lare

s EU

A (c

onst

ante

s, 19

95)

África Subsariana Ásia Oriental e Pacífico América Latina e Caraíbas

O desempenho económico da África Subsariana (1960-2002): leituras e interpretações 17

Gráfico 9: Evolução do PIB e FBCF (constantes) na África Subsariana (1960-2002)

0,0

50.000,0

100.000,0

150.000,0

200.000,0

250.000,0

300.000,0

350.000,0

400.000,0

450.000,0

1960

1962

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1966

1968

1970

1972

1974

1976

1978

1980

1982

1984

1986

1988

1990

1992

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1996

1998

2000

2002

Anos

Milh

ões d

e dó

lare

s (co

nsta

ntes

, 199

5)

PIB Formação Bruta de Capital Fixo

Gráfico 10: Evolução do investimento e da poupança na África Subsariana (1960-2002)

0

5

10

15

20

25

30

1960

1962

1964

1966

1968

1970

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1974

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1978

1980

1982

1984

1986

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1990

1992

1994

1996

1998

2000

2002

Anos

Perc

enta

gens

do

PIB

Investimento bruto Poupança interna bruta

O desempenho económico da África Subsariana (1960-2002): leituras e interpretações 18

Gráfico 11: Evolução da receita e da despesa públicas na África Subsariana (1972-1999)

0

5

10

15

20

25

30

35

1972 1973 1974 1975 1976 1977 1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999

Anos

Perc

enta

gens

do

PIB

Receita pública total Despesa pública total

Gráfico 12: Fluxos de financiamento públicos e privados para África Subsariana (1960-2002)

0

500 0

10 00 0

1500 0

20 00 0

2 500 0

Anos

Milh

ões d

e dó

lare

s EU

A

Ajuda pública Capitais privados

O desempenho económico da África Subsariana (1960-2002): leituras e interpretações 19

Gráfico 13: Fluxos de financiamento (públicos e privados) para os países em desenvolvimento (1960-2002)

0 ,0

50 ,0

10 0 ,0

150 ,0

20 0 ,0

2 50 ,0

30 0 ,0

Anos

Mil

milh

ões d

e dó

lare

s

Ajuda Pública ao Desenvolvimento Fluxos privados

Gráfico 14: Ajuda pública ao desenvolvimento por regiões seleccionadas (1980-2002)

0,0

5,0

10,0

15,0

20,0

25,0

1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002

Anos

Mil

milh

ões d

e dó

lare

s

África Subsariana América Latina e Caraíbas Ásia do Sul Ásia Oriental e Pacífico

O desempenho económico da África Subsariana (1960-2002): leituras e interpretações 20

Gráfico 15: Fluxos (líquidos) de capitais privados por regiões em desenvolvimento (1980-2002)

0,0

20,0

40,0

60,0

80,0

100,0

120,0

140,0

1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002

Anos

Mil

milh

ões d

e dó

lare

s

África Subsariana América Latina e Caraíbas Ásia Oriental e Pacífico Ásia do Sul

Gráfico 16: Fluxos de financiamento para África Subsariana (1960-2002)

-5000

0

5000

10000

15000

20000

25000

1960

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1970

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1976

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1980

1982

1984

1986

1988

1990

1992

1994

1996

1998

2000

2002

Anos

Milh

ões d

e dó

lare

s EU

A

Empréstimos Investimento directo Ajuda pública

O desempenho económico da África Subsariana (1960-2002): leituras e interpretações 21

Gráfico 17: Fluxos (líquidos) de investimento directo estrangeiro por regiões em desenvolvimento (1980-2002)

0,0

10,0

20,0

30,0

40,0

50,0

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90,0

100,0

1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002

Anos

Mil

milh

ões d

e dó

lare

s

África Subsariana América Latina e Caraíbas Ásia Oriental e Pacífico Ásia do Sul

Gráfico 18: Estrutura da Oferta na África Subsariana (1971-2001)

0

10

20

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1971

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1997

1998

1999

2000

2001

Anos

Perc

enta

gem

do

PIB

Agricultura Indústria Indústria transformadora Serviços

O desempenho económico da África Subsariana (1960-2002): leituras e interpretações 22

Gráfico 19: Evolução do peso da agricultura na estrutura da produção, por regiões seleccionadas (1971-2001)

0

5

10

15

20

25

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1971

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1999

2000

2001

Anos

Perc

enta

gem

do

PIB

Ásia Oriental e Pacífico América Latina e Caraíbas África Subsariana

Gráfico 20: Evolução do peso da indústria transformadora na produção, por regiões seleccionadas (1971-2001)

0

5

10

15

20

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1971

1972

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1981

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2000

2001

Anos

Perc

enta

gem

do

PIB

Ásia Oriental e Pacífico América Latina e Caraíbas África Subsariana

O desempenho económico da África Subsariana (1960-2002): leituras e interpretações 23

Gráfico 21: Evolução da estrutura da procura na África Subsariana (1970-2002)

0

10

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1970

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1991

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1996

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1999

2000

2001

2002

Anos

Perc

enta

gem

do

PIB

Investimento bruto Consumo privado Consumo público

Gráfico 22: Evolução do peso do investimento bruto na estrutura da procura, por regiões seleccionadas (1970-2002)

0

5

10

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1970

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1992

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2002

Anos

Perc

enta

gem

do

PIB

Ásia Oriental e Pacífico América Latina e Caraíbas África Subsariana

O desempenho económico da África Subsariana (1960-2002): leituras e interpretações 24

Gráfico 23: Evolução do peso do consumo privado na estrutura da procura, por regiões seleccionadas (1970-2002)

0

10

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1970

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1979

1980

1981

1982

1983

1984

1985

1986

1987

1988

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1990

1991

1992

1993

1994

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1996

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1998

1999

2000

2001

2002

Anos

Perc

enta

gem

do

PIB

Ásia Oriental e Pacífico América Latina e Caraíbas África Subsariana

Gráfico 24: Evolução do peso do consumo público na estrutura da procura, por regiões seleccionadas (1970-2002)

0

2

4

6

8

10

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16

18

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1970

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1992

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1996

1998

2000

2002

Anos

Perc

enta

gem

do

PIB

Ásia Oriental e Pacífico América Latina e Caraíbas África Subsariana

O desempenho económico da África Subsariana (1960-2002): leituras e interpretações 25

Gráfico 25: Evolução do peso do comércio externo da África Subsariana (1960-2002)

0,0

5,0

10,0

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1960

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1998

2000

2002

Anos

Perc

enta

gem

do

PIB

(dól

ares

con

stan

tes 1

995)

Exportações de bens e serviços Importações de bens e serviços

Gráfico 26: Natalidade e mortalidade na África Subsariana, entre 1960 e 2002

0

10

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1960 1962 1965 1967 1970 1972 1975 1977 1980 1982 1985 1987 1990 1992 1995 1997 2000 2002

Anos

Por

mil

nado

s-vi

vos

Taxa de natalidade Taxa de mortalidade

O desempenho económico da África Subsariana (1960-2002): leituras e interpretações 26

Gráfico 27: Saldo natural da população por regiões seleccionadas (1962-2002)

0

5

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15

20

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35

1962 1965 1967 1970 1972 1975 1977 1980 1982 1985 1987 1990 1992 1995 1997 2000 2002

Anos

Por

mil

habi

tant

es

África Subsariana América Latina e Caraíbas Ásia Oriental e Pacífico

Gráfico 28: Evolução da população urbana (1960-2002)

0

10

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1982

1984

1986

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1996

1998

2000

2002

Anos

Perc

enta

gem

da

popu

laçã

o to

tal

Ásia Oriental e Pacífico América Latina e Caraíbas África Subsariana

O desempenho económico da África Subsariana (1960-2002): leituras e interpretações 27

2. Interpretações das causas do baixo nível de desempenho económico da

África Subsariana

Desde os últimos anos da década de 1970 e, sobretudo, a partir do início da década de 1980, têm

sido construídas várias interpretações do processo de desenvolvimento africano e outras tantas

propostas de opções de política para a superação da crise e a promoção do crescimento

económico. Podemos destacar, antes de mais, publicações de organizações internacionais que

têm marcado o debate africano. Do lado do Banco Mundial, e numa perspectiva teórica que

acompanhou o ressurgimento da teoria económica neoclássica e a sua orientação para os temas

do desenvolvimento económico, são referências obrigatórias publicações como An Agenda for

Action, conhecido por Relatório Berg (World Bank 1981), ou From Crisis to Sustainable

Growth (World Bank 1989), além de vários documentos e relatórios sobre diferentes aspectos

do desenvolvimento.

Numa perspectiva dita “do continente”, a Organização de Unidade Africana (OUA)

publicou, em 1980, o conhecido Lagos Plan of Action (OAU 1980) e, em 2001, uma nova

proposta para o relançamento do desenvolvimento africano, conhecida por NEPAD (OAU

2001), que integra um conjunto de programas de acção que vinham sendo construídos desde

finais do século passado.

Várias agências da ONU também têm dado uma atenção crescente ao problema do

desenvolvimento africano: A UNECA (Comissão Económica das Nações Unidas para África)

publicou, em 1989, o African Alternative Framework (UNECA 1989), um texto que

acompanhava o debate e a crítica crescente aos programas de ajustamento estrutural do Banco

Mundial e Fundo Monetário Internacional. Mais recentemente, esta agência da ONU dinamizou

a sua actividade e tem estado a publicar um conjunto importante de relatórios anuais sobre o

continente e de documentos e estudos periódicos, praticamente todos disponibilizados através

do seu sítio na Internet (www.uneca.org). É de salientar a nova série ERA (Economic Report on

Africa), publicada anualmente (desde 1998) e que trata de problemas relacionados com o

desempenho económico da África. Outra agência da ONU que vem dando uma atenção muito

particular ao desenvolvimento africano é a UNCTAD (United Nation Conference on Trade and

Development), no quadro da Nova Agenda das Nações Unidas para o Desenvolvimento da

África. Depois do Trade and Development Report 1998 ter dedicado toda a sua segunda parte

ao “Desenvolvimento Económica numa Perspectiva Comparada"2, a UNCTAD publica, desde

2000, um relatório dedicado exclusivamente aos problemas do desenvolvimento africano e com

2 UNCTAD (1998) — Trade and Development Report 1998. New York and Geneva, United Nations / UNCTAD. Part Two, pp. 113-226.

O desempenho económico da África Subsariana (1960-2002): leituras e interpretações 28

o título genérico de Economic Development in Africa. Importante para a leitura que aqui

fazemos é o Relatório de 2001, que trata dos problemas globais de desenvolvimento que a ASS

enfrenta (UNCTAD 2001).

A acrescentar a este vasto leque de publicações institucionais, um largo número de artigos

e livros de investigadores e de académicos vem contribuindo para um maior aprofundamento da

discussão sobre as condições do desenvolvimento da África Subsariana. Podemos agrupar as

contribuições teóricas e empíricas em três grandes tipos de abordagem. Temos, por um lado, as

abordagens que seguem o ressurgimento neoclássico das décadas de 1970 e 1980 e a sua

orientação para o estudo do desenvolvimento económico, em que são referências fundamentais

os trabalhos e propostas de acção do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional. Por

outro lado, um segundo tipo de abordagem procura distanciar-se da perspectiva anterior e, em

grande medida, retoma muitos dos aspectos desenvolvidos pelas abordagens keynesiana e

estruturalista da primeira geração dos economistas do desenvolvimento3. Neste segundo tipo,

encontram-se vários trabalhos de investigadores e académicos, além de documentos e relatórios

de agências da ONU, como a UNECA, a UNCTAD ou o PNUD (Programa das Nações Unidas

para o Desenvolvimento). Uma terceira abordagem, mais recente, tem vindo a integrar

influências das novas correntes institucionalistas e do debate sobre os percursos de

desenvolvimento na Ásia Oriental e Pacífico.

2.1. Abordagens que incidem sobre as políticas internas: o excesso de activismo e as

políticas incorrectas

As análises incluídas nesta perspectiva partem de uma interpretação geral, de raiz neoclássica,

das causas do baixo nível de desempenho da maior parte dos países em desenvolvimento para a

análise do caso da África Subsariana. Daí que o modelo analítico seja exactamente o mesmo.

Vejamos as suas linhas essenciais.

a) Com base na matriz teórica do pensamento económico neoclássico, um conjunto de

economistas empreendeu, a partir de meados da década de 1970, uma profunda crítica ao

modelo dominante de desenvolvimento económico conduzido pelo Estado. As principais

vertentes dessa crítica foram o proteccionismo, a repressão financeira e o modelo de

substituição de importações. Uma característica fundamental dos vários trabalhos

publicados é a demonstração, com base na matriz teórica neoclássica, de que as opções de

3 A abordagem estruturalista do desenvolvimento económico corresponde ao conjunto de teorias que deram corpo à moderna Economia do Desenvolvimento e pode ser balizada entre as Condições do Progresso Económico, de Colin Clark (1939) e os trabalhos de Chenery e associados sobre os modelos de dois hiatos (1964-66).

O desempenho económico da África Subsariana (1960-2002): leituras e interpretações 29

política assumidas na maior parte dos países em desenvolvimento (proteccionismo, etc.)

acabaram por conduzir a situações de ineficiência, exactamente porque impediam o

funcionamento livre dos mecanismos de mercado. Com consequência dessas políticas

incorrectas não se alcançaram os “preços correctos” (preços de eficiência), os únicos que

poderiam ter conduzido a processos de afectação eficiente dos recursos. Diferentes

exemplos podem ser considerados: os preços artificialmente baixos dos produtos

agrícolas (desincentivo à produção agrícola), as taxas de juro artificialmente baixas

(repressão da poupança), ou as taxas de câmbio sobreavaliadas (desincentivo à

exportação).

b) No começo da década de 1980, estes autores acabaram por assumir o excesso de

activismo do Estado como a causa fundamental do fracasso de desempenho económico

dos países em desenvolvimento. Em sua opinião, o papel do Estado deveria ser

minimizado para promover o desenvolvimento económico. A argumentação é, na sua

essência, a seguinte: o fraco desempenho económico resulta, principalmente, das políticas

incorrectas dos governos; e na base dessas políticas incorrectas está a proliferação dos

controlos económicos.

i) Esta proliferação do activismo conduziu, em particular na África Subsariana, ao

crescimento da burocracia, intervenção no funcionamento dos mercados e à

monopolização da economia.

ii) A intervenção no funcionamento dos mercados e a monopolização tiveram como

consequência a determinação de preços incorrectos, enquanto o crescimento da

burocracia e a monopolização criaram as condições para o desenvolvimento do

comportamento de procura de renda (rent-seeking).

iii) A distorção dos preços e o comportamento de procura de renda constituíram,

portanto, as causas fundamentais da ineficiência económica e do desperdício de

recursos para o crescimento económico.

Deste modo, a dinâmica criada pela intervenção do Estado acabou por se transformar

numa dinâmica associada à pressão de interesses pessoais e de grupos de interesse conflituantes,

à burocratização, à corrupção e ao comportamento de procura de renda, dinâmica que afectou

negativamente a actividade económica e o crescimento económico. Neste sentido podemos dizer

que o Estado fracassou na sua função de promover o desenvolvimento económico4. É a ideia do

4 Esta corrente de pensamento costuma ser designada, na Economia do Desenvolvimento, por Economia Política Neoclássica, na medida em que associam uma teoria do Estado à matriz teórica neoclássica. As suas figuras principais são autores como Peter Bauer, Deepak Lal, Anne Krüeger, Bela Balassa, Ian Little, J.N. Bhagwati.

O desempenho económico da África Subsariana (1960-2002): leituras e interpretações 30

fracasso do Estado, que estes economistas contrapuseram à ideia de fracasso de mercado

assumida tradicionalmente pelos keynesiano-estruturalistas.

c) De acordo com o diagnóstico destes economistas, a fraqueza do desempenho económico e

o agravamento dos desequilíbrios macroeconómicos na África Subsariana impunham a

necessidade de um programa de reforma económica, ou seja, da adopção de políticas

destinadas a remover as distorções, reduzir o papel do Estado e melhorar os mecanismos

de mercado, promovendo a liberalização económica e as privatizações enquanto

instrumentos de alargamento da esfera privada da economia. A reforma económica

integra várias políticas que, no seu conjunto, identificam o modo neoclássico de encarar a

transição económica. Podem ser agrupadas em três grandes grupos: Estabilização

macroeconómica (correcção dos desequilíbrios macroeconómicos: défice fiscal, inflação

e desequilíbrio externo); Reformas estruturais (conjunto de reformas destinadas a

modificar a estrutura da produção e de consumo e a aumentar a eficiência e a

flexibilidade da economia); Políticas de desenvolvimento orientadas para o exterior

(conjunto de políticas que encaram a expansão das exportações como o motor do

crescimento económico e do desenvolvimento). Sob responsabilidade conjunta do Banco

Mundial (reforma estrutural) e do Fundo Monetário Internacional (estabilização

macroeconómica), estas políticas têm sido aplicadas na África Subsariana sob a

designação de Programas de Estabilização e Ajustamento Estrutural.

2.2. Abordagens que incidem sobre a ausência de condições para o take-off: dificuldades

internas e externas

Neste segundo grupo, inclui-se um vasto leque de análises e de propostas de acção que têm em

comum o seu distanciamento em relação à abordagem neoclássica do desenvolvimento

económico. Por isso mesmo, trata-se de um conjunto muito heterogéneo de posições, mas que,

no essencial, se aproxima da abordagem tradicional da Economia do Desenvolvimento. Deste

ponto de vista, pode-se dizer que as causas principais do fraco desempenho das economias da

ASS assentam na inadequação dos recursos para sustentar a acumulação de capital e o

crescimento económico, inadequação essa que é agravada pelos termos de troca adversos das

últimas décadas e pela crescente marginalização das economias africanas no comércio

internacional.

Podemos agrupar estas abordagens em função dos principais aspectos analíticos que são

privilegiados:

O desempenho económico da África Subsariana (1960-2002): leituras e interpretações 31

a) Abordagens que incidem principalmente sobre a fraqueza do capital, o baixo nível da

poupança (peso da ruralidade), a insuficiência do financiamento externo e o excessivo

peso da ajuda externa. Às condições estreitas do mercado interno e baixo nível da

poupança, junta-se o declínio nos preços das matérias-primas e nos termos de troca, o que

não incentiva a acumulação privada de capital e torna as economias dependentes do

financiamento internacional. Mas isso também torna o espaço africano pouco atractivo

para o investimento directo estrangeiro. A única alternativa que resta é, portanto, a ajuda

pública ao desenvolvimento, alternativa que não constitui, de facto, a melhor forma de

financiamento da acumulação do capital.

b) Abordagens que se centram nas dificuldades do crescimento conduzido pelas

exportações, como resultado da fragilidade do sistema produtivo, da tendência adversa

dos termos de troca e da crescente posição marginal do continente no comércio

internacional. A tendência de declínio dos preços dos produtos primários e dos termos de

troca faz com que as exportações tradicionais não tenham condições para conduzir o

crescimento económico (tradicional pessimismo das exportações), pelo que só a

transformação produtiva pode criar as bases para uma inserção mais activa dos países da

África Subsariana no comércio internacional. Mas a ausência de modificações estruturais

nestas economias (como vimos na primeira secção) não tem contribuído para uma

dinâmica de industrialização capaz de conduzir a essa transformação produtiva, pelo que

as exportações não tradicionais continuam a revelar baixa capacidade competitiva no

comércio internacional. Mas a melhoria da competitividade das exportações continua a

depender, em grande medida, do crescimento do investimento e da produtividade.

c) Abordagens que se centram no ritmo elevado do crescimento populacional na África

Subsariana. Como a quebra nas taxas de mortalidade (de natureza exógena) não foi

acompanhada pela criação das condições do crescimento económico (crescimento do

capital e mudança tecnológica), então, o crescimento populacional impede o crescimento

do rendimento por habitante, o que cria uma “armadilha de pobreza” ao crescimento

económico, na media em que as famílias tendem a aumentar a sua dimensão para

poderem sustentar a sua subsistência.

2.3. Novas abordagens: a influência das novas correntes institucionalistas e do debate

sobre os modelos asiáticos de desenvolvimento económico

O intenso debate sobre os modelos asiáticos de desenvolvimento económico que acontece desde

finais da década de 1980, bem como a crescente influência das correntes neo-institucionalistas

O desempenho económico da África Subsariana (1960-2002): leituras e interpretações 32

na Economia do Desenvolvimento, têm tido uma repercussão muito importante nas

reinterpretações do desenvolvimento africano. Três aspectos são fundamentais neste novo

debate: a “redescoberta” do papel do Estado no processo de desenvolvimento, a discussão da

natureza e do papel dos mercados, e a “descoberta” da importância da estrutura institucional e

dos arranjos institucionais no processo de desenvolvimento. Estes aspectos são importantes, de

acordo com essas reinterpretações, porque os problemas do desenvolvimento africano não

resultam apenas da fragilidade de alguns factores do crescimento, ou do peso excessivo do

Estado. O que é importante é compreender porque razão as respostas a esses factores foram

diferentes na África Subsariana.

a) O debate sobre o desenvolvimento económico na Ásia Oriental acabou por recolocar a

importância do Estado no processo de desenvolvimento. Um ponto de partida crítico em

relação à abordagem neoclássica da década de 1980 (Economia Política Neoclássica) é a

ideia de que toda a literatura sobre as actividades directamente improdutivas e sobre a

procura de renda explica essencialmente as situações de fracasso e não as de sucesso.

Como o activismo do Estado é uma característica comum dos processos de

industrialização tardia (século XX), o que é importante é compreender as condições em

que a acção do Estado dinamiza, ou inibe, o processo de desenvolvimento. O debate

levou à diferenciação entre três arquétipos de Estado no processo de desenvolvimento:

desenvolvimentista, intermédio e predatório (Evans 1995).

Na África Subsariana acabou por se desenvolver a forma predatória, caracterizada pela

ausência de uma burocracia treinada, com um comportamento previsível e guiado pela

lei, que transforma o Estado num “predador” dos recursos da comunidade, arbitrário e

desorganizador da sociedade civil, normalmente conduzido por um líder forte e que actua

na “tradição patrimonial” de uma governação absolutista. Não existe, portanto, uma

autonomia da burocracia em relação às pressões dos grupos de interesse, autonomia que é

uma condição fundamental para ultrapassar o risco de captura do poder e para reduzir o

comportamento de procura de renda.

b) Neste quadro, ganha uma nova importância a compreensão da verdadeira natureza do

mercado. A influência das correntes neo-institucionalistas é fundamental nesta matéria.

Na literatura tradicional, o mercado é visto essencialmente como lugar da troca, onde a

interacção entre os indivíduos constitui a base da transacção e da determinação dos

preços. A definição do mercado pela Economia Institucional vai mais longe e procura

inserir a relação de troca no quadro institucional em que ela decorre. O mercado é, então,

definido como um conjunto de trocas organizadas e institucionalizadas. O seu

funcionamento implica um conjunto de actividades associadas, tais como a fixação e

O desempenho económico da África Subsariana (1960-2002): leituras e interpretações 33

divulgação dos preços, os meios de contacto e de informação dos clientes, os meios de

transporte, etc. Mas, mais importante ainda, a definição de mercado deve ter em conta

que a troca depende do conjunto das instituições legais e que as transacções de bens e

serviços são, simultaneamente, transferências de direitos de propriedade. Isto quer dizer

que a definição de mercado deve considerar todos os aspectos institucionais (legais e

baseados nos costumes) essenciais ao seu funcionamento: as instituições legais, os

direitos de propriedade e os arranjos contratuais; as instituições que suportam as

“actividades associadas”; as instituições que facilitam a difusão da informação; as

instituições (legais e consuetudinárias) que ajudam na obtenção dos consensos de preços,

etc.

Na literatura tradicional, o problema do mercado tem sido colocado numa perspectiva

estritamente económica; por um lado, e numa óptica de procura, têm sido realçadas as

condições estreitas do mercado interno, inibidoras do processo de crescimento

económico, o que tende a colocar a tónica na formação de capital e criação simultânea do

mercado como problema fundamental do desenvolvimento económico (abordagens de

tipo estrututalista-keynesiano); por outro lado, e numa óptica de oferta, o problema

fundamental que se tem colocado é a saída do Estado da esfera da produção e a

“libertação” dos preços, de modo que a formação de preços correctos acabe por induzir a

expansão da oferta privada e o desenvolvimento do mercado (abordagens de tipo

neoclássico). Mas a construção dos mercados internos na África Subsariana não pode ser

dissociada da dimensão institucional, ou seja, do conjunto das instituições legais (formais

e informais) indispensáveis para a criação de um ambiente favorável ao desenvolvimento

do mercado.

c) O terceiro aspecto relaciona-se com os arranjos institucionais e políticos necessários para

a criação de um dinâmica desenvolvimentista. Como foi dito acima, as novas abordagens

retomaram a ideia do activismo como uma característica fundamental dos processos de

industrialização tardia. Mas as diferenças de percurso estão associadas a diferentes

formas de exercer o activismo, em particular, aos diferentes mecanismos institucionais

que são criados para estabelecer a relação entre o Estado e o mercado. Vários estudos

sobre a Ásia Oriental mostram que, nos países de desenvolvimento rápido, foi

fundamental a criação de um “Estado forte”, capaz de criar um grau considerável de

autonomia em relação às actividades de procura de renda e de assumir um objectivo

claramente desenvolvimentista. Segundo esses estudos, as principais características dos

modelos de desenvolvimento asiáticos foram a constituição de uma elite burocrática

numa base altamente meritocrática, de um sistema político em que a burocracia tinha

O desempenho económico da África Subsariana (1960-2002): leituras e interpretações 34

suficiente liberdade de acção para tomar iniciativas políticas e a existência de uma estreita

cooperação entre o governo e os grandes negócios no processo de tomada de decisão. Isto

permitiu a construção dos arranjos institucionais e políticos necessários para suportar as

medidas de política económica e para estimular a afectação dos recursos numa óptica de

longo prazo.

As novas interpretações do processo de desenvolvimento na África Subsariana têm

procurado identificar as barreiras à construção dos arranjos institucionais e políticos necessários

para a promoção do desenvolvimento. Paul Collier e J.W. Gunning, por exemplo, consideram,

entre outras barreiras, a falta de capital social, cívico e público (Collier e Gunning, 1999). A

falta de capital social cívico parece ser uma consequência da diversidade étnica e linguística, do

elevado nível de desigualdade entre as elites, as classes médias urbanas e as populações rurais,

dos conflitos e guerras civis e do baixo nível dos direitos políticos (agravado pela diversidade

étnica). A falta de capital social público resulta, em grande parte, do facto de os governos

privilegiarem as suas bases estreitas de apoio (normalmente étnicas) em detrimento da maioria

da população, das políticas que conduziram ao urban bias, do elevado nível de corrupção e da

fraqueza (ou ausência) do Estado de Direito.

A ausência de capital social cívico não permite o crescimento da confiança entre os

indivíduos, o conhecimento dos benefícios que resultam do desenvolvimento de redes sociais,

nem a capacidade para a acção colectiva. As famílias acabaram por se adaptar, de forma a

reduzir os riscos que enfrentam. E essa adaptação fez-se através da aldeia, a qual representa

uma opção pelo desenvolvimento de redes pequenas, mas intensas (Collier e Gunning, 1999).

Mas esta resposta das famílias acaba por criar grandes dificuldades à expansão da economia de

mercado, porque ela induz a dispersão populacional, eleva os custos de transporte e dificulta o

acesso à informação. As empresas, pelo contrário, não têm encontrado os meios mais adequados

para a sua expansão, em particular, porque a ausência de um ambiente institucional credível e

estável dificulta a criação de confiança no sistema e a afirmação da natureza contratual da

economia de mercado.

O desempenho económico da África Subsariana (1960-2002): leituras e interpretações 35

Algumas referências bibliográficas

O objectivo destas referências é a listagem de alguns títulos indispensáveis para quem queira

aprofundar os seus conhecimentos nos domínios abordados nesta conferência.

Collier, Paul e Jan Willem Gunning (1999) — “Explaining African Economic Performance”, Journal of

Economic Literature, Vol. XXXVII, March: 64-111.

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[Aconselha-se a consulta dos relatórios desta série (ERA), que a UNECA publica desde 1998; estão disponíveis em

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Hugon, Philippe (1999) — A Economia de África. Lisboa, Editora Vulgata (Colecção “Tempos e Espaços

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OAU (1980) — Lagos Plan of Action for the Economic Development of Africa, 1980-2000. Addis Ababa,

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OAU (2001) — The New Partnership for Africa’s Development (NEPAD). Abuja, Organization for

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[Aconselha-se a consulta dos relatórios desta série, que a UNCTAD publica desde 2000; estão disponíveis em

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World Bank (1989) —Sub-Saharan Africa: From Crisis to Sustainable Growth, A Long Term Perspective

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