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24/01/13 15:04 O engenheiro que virou livro Página 1 de 3 http://www.valor.com.br/imprimir/noticia_impresso/2873882 Imprimir () (/sites/default/files/images/joao_pb_0.jpg) João Ricardo Pedro ganhou 100 mil pelo romance de estreia e foi considerado exemplo por primeiro-ministro 22/10/2012 - 00:00 O engenheiro que virou livro Por Ricardo Viel O que um homem casado, com dois filhos, faz quando perde o emprego? O engenheiro eletrotécnico português João Ricardo Pedro sentou-se à frente do computador e começou a escrever um livro. Dois anos depois recebeu 100 mil, do Prêmio Leya, e teve seu romance de estreia publicado. "O Teu Rosto Será o Último" (ed. Leya, R$ 29,90; 192 págs.) já vendeu mais de 30 mil cópias em Portugal e será traduzido em alemão, holandês e espanhol. Atualmente com 39 anos, Pedro virá ao Brasil no mês que vem para lançar o livro. A obra conta a história do garoto Duarte e sua família, entrelaçada com a história recente de Portugal, em especial as guerras coloniais e a Revolução dos Cravos. "Tenho alguma dificuldade em dizer que sou escritor", diz Ricardo Pedro ao Valor. "Ainda sinto certo pudor, apesar de meu cotidiano ser escrever. É difícil imaginar o futuro e só quero escrever enquanto sentir esse impulso. Ficarei feliz se daqui a uns anos eu puder dizer, com certeza, que sou escritor." Leia a seguir a entrevista com o autor.

O engenheiro que virou livro

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Entrevista com o escritor português João Ricardo Pedro, para o Valor Econômico, outubro de 2012

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(/sites/default/files/images/joao_pb_0.jpg)João Ricardo Pedro ganhou € 100 milpelo romance de estreia e foi considerado exemplo por primeiro-ministro

22/10/2012 - 00:00

O engenheiro que virou livro

Por Ricardo Viel

O que um homem casado, com dois filhos, faz quando perde o emprego? O engenheiro eletrotécnico português JoãoRicardo Pedro sentou-se à frente do computador e começou a escrever um livro. Dois anos depois recebeu €100 mil,do Prêmio Leya, e teve seu romance de estreia publicado. "O Teu Rosto Será o Último" (ed. Leya, R$ 29,90; 192 págs.)já vendeu mais de 30 mil cópias em Portugal e será traduzido em alemão, holandês e espanhol. Atualmente com 39anos, Pedro virá ao Brasil no mês que vem para lançar o livro.

A obra conta a história do garoto Duarte e sua família, entrelaçada com a história recente de Portugal, em especial asguerras coloniais e a Revolução dos Cravos. "Tenho alguma dificuldade em dizer que sou escritor", diz Ricardo Pedroao Valor. "Ainda sinto certo pudor, apesar de meu cotidiano ser escrever. É difícil imaginar o futuro e só queroescrever enquanto sentir esse impulso. Ficarei feliz se daqui a uns anos eu puder dizer, com certeza, que sou escritor."Leia a seguir a entrevista com o autor.

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Valor: Aos 36 anos você perdeu o emprego e decidiu virar escritor. Como isso aconteceu?

João Ricardo Pedro: Já vinha há anos com essa ideia. Não quer dizer que soubesse qual livro queria escrever, nãotinha na cabeça nenhuma história. Mas achava que se sentasse a escrever conseguiria fazer. Tinha essa arrogância,sem nunca ter escrito.

Valor: Enquanto escrevia, nunca pensou em desistir?

Pedro: Muitas vezes. Às vezes pensava que não tinha talento. Mas outras vezes escrevia algo e pensava: isso é muitobom. Eu e minha mulher tínhamos um conforto financeiro, senão seria impossível. Meus pais ficaram maisassustados. E meus amigos também, acharam que eu estava maluco. Estabeleci uma rotina e comecei a escrever. Sóseis meses depois é que realmente apareceu esse livro. Começaram a surgir os personagens e vi que havia achado ocaminho.

Valor: Foi prazeroso escrevê-lo?

Pedro: Foi, mas acompanhado de angústia. Fiz isso muito solitariamente, não mostrava a história. Às vezes ocomputador estava ligado e nem assim minha mulher lia. Acho que tinha medo de ser confrontada com algo que nãogostasse. E eu tinha medo de mostrar. Fui entregar o manuscrito para concorrer ao prêmio e estava completamenteconvencido de que iria ganhar. Quando cheguei ao carro, já achava que era estupidez pensar naquilo.

Valor: A história do livro não é das mais felizes. Como foi o processo criativo?

Pedro: Há o prazer da escrita, de encontrar a palavra certa, ver que a história avança. Comecei a escrever em primeirapessoa, até que se tornou insuportável. Quando o pai volta da Angola e não reconhece o próprio filho, comecei achorar. Era uma violência tão grande que vi que não conseguiria. Então reescrevi em terceira pessoa. E não sabia comoo livro ia acabar. A cada frase a história ia evoluindo e muitas vezes as palavras apareciam e era uma surpresa paramim. Quando a mãe do Duarte diz que tem um cancro [câncer], meu lado leitor dizia: isso não. Mas o escritor sabiaque era o que tinha que ser. Ouvia escritores dizerem que aconteciam essas coisas e achava que era conversa, mas sentiisso.

Valor: Por que escolher o dia da Revolução dos Cravos como pano de fundo?

Pedro: Escolhi abrir com uma data histórica [25 de abril de 1974] e, ironicamente, desde um lugar onde as pessoasnão tinham noção do que estava a passar. É uma ideia que me persegue, que em dias históricos acontecem situaçõesque podem ser muito mais relevantes às pessoas. Houve quem morreu, quem se casou, quem nasceu, quem perdeu umamigo assassinado. A vida não se congelou. Esse confronto entre o que é a vida das pessoas e o que é a vida dos paísesé algo que me interessa muito.

Valor: Apesar de serem histórias trágicas, há bastante ironia e humor no livro. Por quê?

Pedro: Quando percebi o dramatismo das histórias, pensei que tinha que balancear. Muitas vezes o humor nasce desituações dramáticas. Em Portugal temos o hábito de contar piadas em funeral. Tento sempre ter um olhar irônico ehumorístico das coisas. Quando me perguntam do peso do segundo livro eu digo: e quem disse que vai ter segundo?Ou falo: não, agora é só declínio, os próximos serão sempre piores.

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Valor: Tem algo de autobiográfico no livro?

Pedro: Não é autobiográfico, mas poderia ser. Não sou o Duarte, mas poderia ter sido. Nunca conheci ninguém comaquela história, mas muito facilmente essa pessoa existe. E a ficção também é essa transformação da memória, não sódo que vivi, mas do que chegou até mim através dos amigos, dos familiares. Acaba também por ser autobiográfica.

Valor: Pedro Passos Coelho [primeiro-ministro de Portugal] disse que você é exemplo para os portugueses. O queachou da declaração?

Pedro: Isso me incomodou porque em Portugal o desemprego é um problema grande, e as pessoas estão passandodificuldades. Era como se a grande ambição do governo fosse colocar um milhão de portugueses a escrever. Há aquelaideia de que as pessoas, por iniciativa própria, têm que se safar. Esse aproveitamento político me incomodou. Atéporque me beneficiei de um conforto financeiro que a grande maioria não tem. Pude me dar a esse luxo.

Valor: Caso não tivesse perdido o emprego ainda seria engenheiro?

Pedro: Eu era um mau engenheiro porque era infeliz no que fazia. Não sei o que teria sido da minha vida, se calharestava no Brasil a trabalhar. Muitos dos meus colegas emigraram. Talvez eu fosse professor particular de matemática,algo que fiz um pouco nesses tempos.

Valor: A vida de escritor é mais glamourosa que a de engenheiro?

Pedro: Sou o mesmo tipo, com as minhas inquietações e angustias. Ganhei um pouco mais de tranquilidade, masminha vida continua a mesma. Sempre admirei os escritores, mas, por vergonha, nunca pedi um autógrafo. E quanto àvida glamourosa, eu não a vivo. Mas pelo pouco que conheço desse mundo vejo que há muita inveja. Vi isso logo nosprimeiros encontros de escritores a que fui e não me agradou. Não faço esforço para pertencer. O que quero é estar aescrever. Repara que nunca tinha imaginado meu nome artístico. Já me disseram que esse não é nome de escritor. Souum caso singular e minha vida é um bocado diferente. Há tipos melhores que eu, que estão a escrever há anos, e nuncaganharam o que ganhei.