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Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 5541
O ENSINO DA HISTÓRIA LOCAL EM TEMPOS DE DITADURA CIVIL MILITAR EM SOURE/PA
Ely Carlos Silva Santos1
Clarice Nascimento Melo2
Introdução
A história local ensinada nas escolas básicas brasileiras leva aos diversos
questionamentos acerca de quais fundamentos teóricos e metodológicos serão essenciais no
momento da prática pedagógica em sala de aula, em particular do que e como se deve ser
ensinado o conteúdo de História para que se alcance um currículo inovador na práxis
educativa. Para tanto, a história local vem sendo estudada como possibilidade de inovação no
ensino da disciplina História nas escolas brasileiras que tem o intuito de romper com a visão
tradicional de ensino que prioriza o conhecimento histórico positivista, hegemônico e
cristalizado no currículo escolar ao longo da República no Brasil, pois em muitas escolas
ainda se encontra em uso o ensino tradicional da disciplina História que muitas gerações
aprenderam ao longo do tempo.
Este texto é parte integrante da pesquisa de Mestrado em Currículo e Gestão da Escola
Básica (PPEB) da Universidade Federal do Pará (UFPA), no qual se refere a
(re)contextualização da inserção da história local na educação básica no período da ditadura
civil militar no Brasil. Também é parte integrante ao Grupo de Pesquisa em História e
Educação (GEPHE) por meio do projeto intitulado Formação de Professores no IEP em
tempos de ditadura.
Assim, tem-se aqui a finalidade em problematizar o ensino da história local na escola
básica durante o período de ditadura civil militar no Brasil, tendo como premissa o currículo
da Escola em Regime de Convênio Instituto Stella Maris, localizada no município de
Soure/PA. Esta problematização diz respeito de que maneira o conteúdo da história local vai
se confabulando como relevante na escolarização brasileira, visto que a disciplina História foi
1 Especialista em Educação pela Universidade Federal do Pará. Professor Efetivo da Secretaria de Estado de Educação do Pará e da Secretaria de Educação do município de Soure/PA. E-Mail: <[email protected]>.
2 Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Professor Adjunto no Instituto de Educação da Universidade Federal do Pará, Campus Profissional. E-Mail: <[email protected]>.
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retirada do currículo pelos governos militares a partir da década de 1070 no Brasil,
especificadamente no ensino de 1º Grau com a reforma educacional com a implementação da
lei nº 5692/71 e as diretrizes do acordo entre MEC e USAID (United States Agency for
International Development) que contribuiu decisivamente na “ordenação, regulação e
concretização de parte da retórica da aliança para o progresso, construindo as decisões
quanto às doações e empréstimos em favor dos países periféricos e realizando um novo ajuste
entre os países capitalistas (SANTO, 2005, p. 40).
Nesse contexto, o conteúdo da história local é tão complexo quanto à constituição dos
conhecimentos hegemônicos no ensino da disciplina História que, ao longo do tempo, vem
passando por importantes e imprescindíveis mudanças no sentido de canalizar um currículo
mais comprometido com a formação crítica dos sujeitos sociais. Particularmente, pode-se
incluir a essas mudanças o período de implementação da LDB nº 5692 de 11/08/1971 quando
se consubstanciou a disciplina Estudos Sociais nas escolas de ensino de 1º grau.
A partir desta intricada mudanças no currículo da escolarização básica brasileira no
período da ditadura civil-militar3, Selva Guimarães (2010) nos relata que, na virada do século
XX para o XXI, consolidou-se uma rica diversidade de modos de pensar os conteúdos da
disciplina História tendo como conjuntura a realidade complexa, plural e desigual na
educação escolar brasileira. A referida autora nos alerta que não há conhecimentos históricos
únicos e homogêneos nas instituições de ensino, e muito menos um conhecimento histórico
exclusivo, pois as publicações sobre ensino e aprendizagem desta disciplina na escola básica
evidenciam uma diversidade de temas, problemas, abordagens e fontes relevantes para o
conhecimento histórico que foi produzido por diferentes sujeitos e em vários espaços
educativos.
O problema estava e ainda se sucedem nas disputas dos campos de ensino que se dá a
partir da elaboração e efetivação de medidas governamentais nas políticas curriculares da
educação brasileira, pois enormes embates e acalorados debates foram realizados, ainda nos
tempos de ditadura civil-militar, no campo do ensino de História do Brasil, demonstrando
avanços na busca de respostas às questões emergentes na sociedade contemporânea,
questões estas relacionadas à prática de ensino e aos conteúdo a serem ensinados nas escolas.
Este debate ainda é marcante por meio da crítica ao currículo fundamentado na
concepção positivista, conhecido como tradicional e prescrito, por ser apenas embasado na
3 Conceito defendido em: NETTO, José Paulo. Pequena história da ditadura brasileira (1964 – 1985). São Paulo: Cortez, 2014.
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transposição didática4 dos conteúdos considerados cientificamente absolutos na
escolarização básica. Por conseguinte, as iniciativas na busca por novas alternativas no
ensino da história vão se materializando no momento em que a produção historiográfica se
altera e contribuí na transformação da visão hegemônica do conhecimento pronto e acabado.
Passa-se repensar o ensino da disciplina História não como um conhecimento pronto e
acabado balizado somente na história factual, mas como ciência que destina ao sujeito a
compreensão da igualdade, da alteridade e das transformações pelas quais a sociedade passa
(SCHIMIDT, 2012).
Todo esse argumento introdutório nos leva a reflexão sobre para quê? o quê? e como
ensinar a história local?, pois percebemos que tais questões sobre ensino deste conteúdo
estão relacionadas a constituição do currículo na escola básica, passando a constitui como
importantes elementos de problematização por se colocarem a nós, professores e
pesquisadores, como um desafio necessário ao consideramos a escola pública como campo
fértil de investigação, especificamente acerca dos conteúdos que foram sendo instituídos
historicamente.
O município de Soure/PA em tempos de ditadura civil militar.
Assim como no contexto nacional, o regional e o local compõem a atmosfera política,
econômica e social no processo de instauração e instituição do golpe ditatorial no Brasil,
particularmente com a implementação do Ato Institucional nº 5 baixado em 13 de dezembro
de 1968 pelo presidente General Costa e Silva.
No Pará, a ditadura civil militar teve sua consolidação nas disputas pelo controle do
poder político centrado no comando da Aliança Nacional Renovadora (ARENA) entre os
governadores Jarbas Passarinho e Alacid Nunes. Este segundo sendo bastante influente na
região marajoara por ser natural de Soure/PA. Assim,
Na Arena ingressaram, além de Jarbas Passarinho, que foi eleito o primeiro presidente do partido no Pará, e o governador Alacid Nunes, a grande maioria dos integrantes dos partidos que apoiaram a candidatura de Alacid Nunes, também Zacarias de Assumpção e muitas lideranças e militantes do PSD dos municípios do interior. (PETIT; VELARDE, 2013, p. 8).
As consequências das disputas políticas que assolavam os municípios do interior do
Estado do Pará, no período da ditadura civil militar, fez com acontecesse com facilidade a
4 Este termo foi introduzido em 1975 pelo sociólogo Michel Verret e teorizado por Yves Chevallard no livro La Transposition Didatique, onde mostra as transposições que um saber sofre quando passa do campo científico para a escola, conceituando “transposição didática” como o trabalho de fabricar um objeto de ensino, ou seja, fazer um objeto de saber produzido pelo “sábio” ser objeto do saber escolar.
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vitória dos militares golpistas a partir do apoio de amplos setores da sociedade civil liderados
pelos políticos conservadores, empresários e fazendeiros da região marajoara. E, a localização
geográfica e a história do município de Soure ajudaram para as disputas políticas e controle
social fossem colocadas em prática por grupos ligados ao líderes militares Jarbas Passarinho
e Alacid Nunes.
Assim, contribuiu grandiosamente para a consolidação da ditadura civil militar no
município de Soure/PA a sua posição geográfica como ponto estratégico militar e de fácil
comunicação com a capital Belém, pois o município possui extensão territorial de 3.051
quilômetros quadrados, fica distante 87 quilômetros de Belém, e é a maior cidade da Ilha do
Marajó, localizada no lado leste do arquipélago. Encontra-se às margens do rio Paracauari, de
frente para o município de Salvaterra.
Figura 1: Arquipélago do Marajó (http://marajoando.blogspot.com.br)
Como na figura 1, os municípios de Soure e Salvaterra estão diretamente ligados ao
governo paraense com sede em Belém do Pará por meio do transporte marítimo, tendo
favorável comunicação entre os mesmos. Contudo, no período da ditadura civil militar os
fatos ocorriam com frequência em Soure, o que destaca a importância do ensino da história
local nas escolas básicas, pois a constituição histórica do próprio território serve de fonte
para a história local.
Com a facilidade da comunicação a partir da posição geográfica e da história do
município de Soure na região marajoara do Estado do Pará, as disputas políticas dentro da
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ARENA se sucederam em alguns municípios do interior paraense, dentre eles se destaca
Soure, visto que foi manchete no jornal regional de que uma briga generalizada aconteceu
nas disputas eleitorais em tempos de ditadura civil militar:
Sábado à noite o tempo esquentou em Soure, com Arena 1 e Arena 2 desentendendo-se em plena praça pública e tentando resolver as diferenças na base do porrete. Os partidários do candidato da Arena 1, Carlos Alberto Nunes – o “Tonga” – que é apoiado por Alacid Nunes, não concordaram que os partidários de Luiz Teobaldo – o “Badinho” – da Arena 2 (e dizem apoiado por Jarbas Passarinho) surrassem um bêbado que não era nem da Arena 1 e nem da Arena 2, pois insultava todo mundo, indistintamente. Com o bêbado nocauteado, fechou entre os dois grupos arenistas e a polícia só apareceu depois que tudo já havia acabado. Com esse providencial atraso não prendeu ninguém nem de um lado nem de outro. Entretanto, mesmo com uma polícia tão diplomática, a tensão política continua muito grande em Soure. O interior do Estado já começa a viver com intensidade o clima das eleições de 15 de novembro. Todavia, no município de Soure, o entusiasmo ultrapassou o fervor das preferências do único partido, a Arena, extrapolando-se numa verdadeira batalha campal entre simpatizantes dos candidatos da Arena – 1 e Arena – 2, resultando diversos feridos. (“Tensão política em Soure”, O Estado do Pará, 18/10/1976).
As disputas pelo controle municipal se consubstanciava também na rede de ensino do
município, no qual o prefeito eleito relacionava, por meio de ofícios endereçados as escolas, o
que deveria ser repassados aos alunos. Especificadamente eram transmitidos aos discentes os
grandes feitos do governador militar e, consequentemente, do prefeito. Assim, a história local
ensinada era factual e política com base na abordagem positivista dos grandes feitos.
Exemplo, foi a chegada da tocha olímpica em comemoração ao Centenário da Independência
do Brasil, no qual foi uma semana de palestras nas escolas ressaltando a importância dos
governos militares, tanto em nível nacional quanto regional e local.
A história local no currículo da ERC Instituto Stella Maris.
A E. R. C. Instituto Stella Maris, localizada no município de Soure-Marajó-PA e
conhecida pela sua fachada como “Colégio Stella Maris”, conforme a figura 2, tem seu início
de funcionamento a partir de 1959 com a chegada da Ordem Religiosa Católica das Irmãs
Agostinianas na região de campos da Ilha de Marajó.
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Figura 2: Fachada da Escola Stella Maris (1968).
A escola representa um marco no ensino do município de Soure, particularmente sendo
uma escola com sua estrutura arquitetônica que impressionava por ser a única do município
nesses moldes. Assim, que no ano de 1966 e, consequentemente, em 1968 passou a referida
escola funcionar em regime de convênio com o governo do Estado do Pará até os dias atuais.
Neste período que compreende o início da ditadura civil militar no Brasil, esta instituição de
ensino passa ter vínculo com as normas e diretrizes do ensino conforme a legislação
brasileira. Ocorrendo, assim, uma relação de um modelo de educação com base na filosofia
religiosa agostiniana diante da legitimação de um estado que queria impor sua hegemonia a
nação brasileira por meio da repressão e da desmobilização popular. Há, portanto, uma
possível articulação entre as propostas curriculares nacionais e seus reflexos nas políticas
educacionais locais durante o regime da ditadura civil-militar, e que os resquícios dessa
época ainda exercem forte influência na sociedade brasileira contemporânea por meio das
lutas democráticas.
É nesse tempo e espaço que considerando o período de assinatura do convênio entre a
E. R. C. Instituto Stella Maris com o governo do Estado do Pará, desde o período da ditadura
civil-militar até o período de redemocratização do Brasil, seja pela estrutura física ou pela sua
filosofia religiosa no ensino público, tornando-a importante para a educação paraense,
particularmente à região marajoara.
A educação na E. R. C. Instituto Stella teve e tem como prática social a promoção
humana, demonstrando sinais da conexão entre o passado e o presente neste estudo,
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passando a contribuir nas pesquisas da história das disciplinas escolares na Amazônia
paraense, visto que abarca conceitos e diferentes categorias de interesses políticos,
econômicos e religiosos que poderão estar intrínsecos nos documentos curriculares da
instituição de ensino, a julgar que há correlação de integração da filosofia agostiniana nas
redes de ensino da congregação das irmãs pelo Brasil e pelo mundo.
A inserção da história local no currículo da E. R. C. Instituto Stella Maris traz ao debate
a forma como os alunos aprenderam e ainda aprendem os conhecimentos locais diante ao
contexto regional e nacional; visto que “Saviani nos aponta que não é metodologicamente
apropriado encarar o local e o nacional como oposições excludentes” (ROSÁRIO; MELO;
LOMBARDI, 2012, p. 8).
A história local, no currículo da ERC Instituto Stella Maris, em tempos de ditadura civil
militar foi sucumbida pelo ensino de uma história de exaltação do “herói nacional” e das
realizações políticas gloriosas com objetivos claramente políticos, sem que levasse em
consideração o alargamento do ensino de história local para apreender uma concepção mais
crítica de leitura e compreensão da realidade social brasileira.
Para se entender a trajetória dos conteúdos de história local em Soure/PA é necessário
não perdemos o horizonte de que o currículo escolar pode ser marcado por contradições
políticas e sociais que vão delineando os métodos e os percursos de estudos na complexa
relação entre escola e sociedade e dos conhecimentos culturalmente cristalizados como
válidos. (GOODSON, 1995).
A história local como conteúdo escolar se refere ao currículo como conflito social que é
estabelecido em variedade de campos e níveis onde ele é produzido, negociado e reproduzido.
Ainda conforme Goodson (2001) as disputas perpassam ao longo do contexto histórico em
que os conteúdos de determinadas disciplinas escolares foram se materializando como
oficiais na escola básica. Nesta ótica, a extensão de debates e conflitos em torno do currículo
prescrito é imbricado pela priorização de ideologias intelectual e política dominante do
passado, fazendo-se contraditório com o que ocorre nos bancos da escola na
contemporaneidade de que o discente tem em dar sentido ao mundo em que vive sem
contextualizar a realidade social historicamente vivida.
É uma maneira de não se mistificar o currículo apenas nas subjetividades dos sujeitos
históricos, fazendo com que a história local seja abafada e discriminada pelos conteúdos
tradicionalmente considerados hegemônicos, tornando-se, possivelmente como referência de
método e estratégias de ação pedagógica a ser efetivada na escola básica como uma válvula de
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escape aos conhecimentos cristalizados nas chamadas História Universal e a História Geral
do Brasil.
Portanto, perceber e debater as disputas de poder historicamente constituídas,
particularmente na cidade de Soure/PA, culminam na problematização de compreensão da
história local seja inserida no currículo como conteúdo escolar obrigatório é necessário
apreender o que define Sacristán (1998), que o currículo é uma construção social, cultural,
política e administrativamente condicionado. Sendo assim,
A transmissão dos saberes não se realiza nunca em estado puro, de forma independente daquilo ao qual estão associados esses saberes, do que veiculam, do que veicula a forma na qual são transmitidos e o contexto no qual são transmitidos. O caso mais patente é constituído por aqueles saberes que encerram um conteúdo ideologicamente explicito. (GRIGNON, 1995, p. 184)
A inserção da história local no currículo escolar ocorre a partir das relações de poder
que estão presentes, simultaneamente, na cultura escolar e na transposição didática
(CHEVALLARD, 1991). No entanto, o conteúdo de história local vem, de certa forma, romper
com a visão tradicional do ensino que prioriza os estudos dos conteúdos hegemônicos da
chamada história nacional brasileira, na tentativa de se passar a ideia de um país homogêneo,
sem diferenças, conflitos e contradições sociais. Neste sentido, o debate dos conteúdos
escolares, tendo como referência a realidade social local faz com os alunos possam vivenciar
as peculiaridades regionais e ser tornem críticos da pluralidade étnica e cultural de nossa
formação histórica.
O conteúdo de história local inserida no currículo das séries iniciais da Escola Stella
Maris no período da ditadura civil militar fez com que os sujeitos da própria comunidade
passassem a conhecer e valorizar sua identidade histórica. Mas para que isso acontecesse foi
necessário a transformação na qual os envolvidos neste processo, no caso os professores,
fossem estimulados a adquirirem uma consciência histórica, tornando-se críticos e ativos
socialmente, mas sem ignorar a aprendizagem religiosa da ordem agostiniana de promoção e
formação humana.
Assim, a abordagem sobre história local, portanto, no que se refere ao ensino de
História é alvo de grande debate entre historiadores no Brasil que valorizam esta abordagem
por possibilitar novas visões sobre o processo de aprendizado na disciplina de História e, ao
mesmo tempo, a influência do ensino ao meio em que os alunos e a escola estão inseridos.
No que se refere as propostas curriculares, o conteúdo acerca do local na escola básica é
inserido no debate da parte diversificada do currículo. Este debate, atual no Brasil,
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perpassará praticamente toda a analise deste tudo, visto que há uma distinção clara entre o
que é definido como comum as disciplinas escolares e o que é conteúdo a ser inserido na
parte diversificada do currículo no decorrer da historiografia da educação brasileiras. O
debate da parte comum e parte diversificada dos conteúdos a serem ensinados na escola
básica são motes para pesquisas no campo do currículo e sua constituição histórica na
educação brasileira.
Influenciadas, principalmente, pelos estudos de André Chervel (1990), as novas
pesquisas pautam corretamente a discussão sobre o que constitui o conhecimento histórico
escolar, expõem posições variadas sobre como se constitui esse saber e, também, defendem a
necessária articulação dele com a conjuntura atual, sua complexidade e os novos saberes
necessários aos cidadãos e ao profissional do futuro. Assim, considera-se que na escola se
constrói o espaço e o tempo em que o currículo se constituíram historicamente, ou seja, as
normas e práticas no interior do ambiente escolar que foram definindo o porquê, como e para
quem ensinar os valores e comportamentos necessários que se forjaram como hegemônicos
ao longo do tempo da escolarização básica.
A história local como conteúdo na Escola Stella Maris nas décadas de 1970/80 se refere
ao currículo como conflito social que é estabelecido, produzido, negociado e reproduzido.
Nesta ótica, a extensão de debates e conflitos em torno do currículo prescrito é imbricado
pela priorização de ideologias intelectual e política dominante do passado, fazendo-se
contraditório com o que ocorre nos bancos da escola na contemporaneidade de que o
discente tem em dar sentido ao mundo em que vive sem contextualizar a realidade social
historicamente vivida.
O conceito tradicional da história local em desenvolver a aproximação dos alunos com
sua realidade foi debatido pelo grupo do movimento da escolanovista no Brasil na segunda
década do Século XX. Mas, foi com a renovação teórico-metodológica da Ciência da História,
ocorrida a partir dos anos 70/80, e a criação dos cursos de pós-graduação no país, abriram-se
perspectivas para uma produção historiográfica que desse conta das especificidades locais. A
inserção da história local no currículo escolar ocorre a partir das relações de poder que estão
presentes, simultaneamente, na cultura escolar e na transposição didática.
Portanto, o conteúdo de história local vem, de certa forma, romper com a visão
tradicional do ensino que prioriza os conhecimentos historicamente construídos e que se
tornaram hegemônicos na história nacional da escolarização básica brasileira, na tentativa de
se passar a ideia de um país sem diferenças, conflitos e contradições sociais.
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Considerações Finais
Por mais que a temática da história local remonta ao período de transição do século
XIX para o XX no Brasil a partir das reformas educacionais de Rui Barbosa, é no período da
ditadura civil-militar que a mesma se consubstancia na escola básica a partir da
obrigatoriedade da disciplina Estudos Social que tinha para os governos do regime ditatorial
dois interesses: um de viés pedagógico entre os conhecimentos mais próximos a realidade do
aluno e outro de viés ideológico na construção da nação brasileira a partir do binômio do
tecnicismo e desenvolvimento educacional.
O período da ditadura civil militar, instaurada no Brasil por meio do golpe militar de
1964, marcou um tempo em que as liberdades democráticas foram subtraídas por parte do
Estado autoritário e ditatorial, deixando marcas permanentes nos diversos lugares existentes
do país, seja na política institucional, seja no cotidiano das pessoas comuns, na qual se insere
as práticas escolares e, consequentemente, o ensino das disciplinas na escola básica.
O movimento desencadeado pelos membros da Escola Nova no início do Século XX,
que buscava superar o caráter fragmentado, descritivo, factualista e memorizador do ensino
de História nas escolas secundárias brasileiras, foi sucumbido pela ideia de nacionalismo e
desenvolvimentismo colocada em ação pelos governos militares a partir de 1964, no qual a
disciplina de História foi retirada dos currículos escolares. Portanto, o período da ditadura
civil-militar no Brasil é marcado como a crise do ensino de História nas escolas de primeiro
grau, essencialmente pela gradativa consolidação da disciplina de Estudos Sociais no
currículo do ensino básico com a imposição da Lei nº 5692 promulgada em 11 de agosto de
1971.
Neste sentido, o ensino da história local vai se forjando como necessárias às políticas
governamentais a partir da disciplina Estudos Sociais pelo que já citamos na seção 2 deste
trabalho, pois nesta seção se pretende a problematização da história local a partir do intenso
e complexo debate no campo do conhecimento da disciplina Estudos Sociais, tentando
responder em qual contexto se constituiu e se instituiu o conteúdo da história local nas
propostas de ensino da E. R. C. Instituto Stella Maris, em Soure/PA.
O conteúdo da história local em tempos de ditadura civil-militar na E. R. C. Instituto
Stella Maris fica centrado aos interesses dos dirigentes estaduais que detinham o controle do
ensino nos municípios da região marajoara, reduzindo-se aos relatos dos grandes feitos e de
personalidade dos grandes proprietários de criação de gado que tinham estreitas relações
politicas e econômicas com aqueles que representavam os militares que estavam no poder no
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território paraense5. Essa proposta de ensino era traçada a partir da parte diversificada do
currículo, o que era determinada pela Lei nº 5692/71 e consolidada pelo Parecer nº 853/71.
Na análise preliminar dos documentos oficiais do currículo escolar da E. R. C. Instituto
Stella Maris, tais como o planejamento anual, os diários de classes e as atas de reuniões de
professores, pode-se inferir que o dinamismo nas mudanças em torno do currículo escolar
com a implementação da Lei 5692/71 foram enormes e contraditórios, no qual percebemos
que a inclusão da história local no currículo escolar é marcada por contradições políticas e
sociais entre os interesses políticos de quem estavam a frente do poder público municipal e
de quem estava a frente da Prelazia de Marajó.
São notórios nas atas da E. R. C. Instituto Stella Maris a marcante filosofia agostiniana
repassada para os professores e para os alunos, pois tudo dependia do que as madres
agostinianas tivessem conversado com o bispo local para serem determinados no contexto
escolar. Assim, se fosse do interesse das religiosas pertencentes à ordem das agostinianas e
de comum acordo com o bispo prelado do Marajó, os conteúdos eram ministrados de acordo
com os recursos pedagógicos disponibilizados pelas madres que ao realizarem viagens até a
capital paraense se dispuseram a adquirir livros e temas que não estavam propriamente
relacionados com os livros didáticos disponíveis. Em uma das atas, a diretora em reunião
com as demais religiosas comenta que é necessário aproximar o que era ensinado na escola
com a realidade do aluno, e especial na maior divulgação da filosofia agostiniana de educação
para a promoção humana. Não aparece claro nas atas, mas os conteúdos que não estavam
intrínsecos nos livros didáticos eram providenciados pelas religiosas para “melhorar a
qualidade de ensino no município de Soure/PA”.
O planejamento anual da E. R. C. Instituto Stella Maris, no ano de 1972, tinha seus
objetivos definidos de acordo com os das diretrizes da Lei 5692/71 e de acordo com a
realidade dos alunos. No entanto, os documentos apontam que existia a precarização do
ensino com a falta de material acerca de conteúdos relacionados com a realidade do aluno.
Documentos estes que estavam ao controle do governo do estado do Pará por meio de uma
supervisora escolar.
Nos planejamentos da disciplina Estudos Sociais podemos visualizar que era ensinado:
o bairros, a cidade e os pontos culturais do município de Soure/PA; os elementos
constitutivos, as formas de vida, os principais acidentes geográficos, o intercambio e ligação
5 Sobre a Ditadura Militar na Amazônia paraense ver: PETIT, Pere; CUÉLLAR, Jaime. O golpe de 1964 e a instauração da ditadura civil-militar no Pará: apoios e resistências. In. Est. Hist., Rio de Janeiro, vol. 25, nº 49, jan-jun/2012.
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com outros municípios, os meios de comunicação e de transportes do município de
Soure/PA; também se ensinava a organização do governo municipal e seus serviços públicos
locais.
Os diários de classe de 1974 apresentam os conteúdos do município e sua organização
administrativa, destacando as noções de patriotismo e de higiene. Destacam-se também
como os conteúdos em Estudos Sociais deveriam ser organizados, desde a noção até o
conhecimento mais detalhados dos governos e de seus feitos na cidade.
Em suma, a história local estava presente no currículo escolar em tempos de ditadura
civil-militar na E. R. C. Instituto Stella Maris, contrastando com os ideais de nacionalismo
exacerbado em tempos de ditadura civil militar no Brasil, pois o ensino a história local diz
respeito aos estudos das singularidades e da diversidade regional em comparação a
homogeneidade da História Nacional.
A história local, enquanto conteúdo escolar no período da ditadura civil-militar estava
marcado pela compreensão do pensamento educacional brasileiro a partir das análises das
dimensões da política, da econômica e das relações sociais dos sujeitos coletivos nas
diferentes concepções de educação pública que serão resultados dos conflitos e acordos de
interesses políticos no interior da escola básica.
Referências
CHERVEL, André. História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo da pesquisa. Teoria e Educação, n° 2, 1990.
CHEVALLARD, Yves. La Transposicion Didactica: Del saber sabio al saber enseñado. Argentina: La Pensée Sauvage,1991. FONSECA, Selva Guimarães. A história na educação básica: conteúdos, abordagens e metodologias. In. Anais do I seminário nacional: currículo em movimento – Perspectivas Atuais. Belo Horizonte, novembro de 2010.
GOODSON, Ivor. Currículo: teoria e história. Rio de Janeiro: Vozes, 1995.
PETIT, Pere; VELARDE, Jaime. Memórias da resistência, repressão e consolidação da ditadura civil-militar no Pará: 1964-1970. 2013. ROSÁRIO, Maria José Aviz do. MELO, Clarice Nascimento de. LOMBARDI, José Claudinei. (Orgs.). Nacional e o local na história da educação. São Paulo: Alínea, 2013. SACRISTÁN, Gimeno. O currículo – uma reflexão sobre a prática. 3 ed. Porto Alegre: Artmed, 1998.
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SANTO, Éder Fernando. O ensino superior no Brasil e os Acordos MEC-USAID: o intervencionismo norte-americano na educação brasileira. Maringá: Universidade Estadual de Maringá, 2005. SCHMIDT, Maria Auxiliadora. História do ensino de história no brasil: uma proposta de periodização. Revista História da Educação. v. 16. n. 37. Porto Alegre. Maio/ago. 2012.