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ANO VI - EDIÇÃO N o 374 FORTALEZA - CEARÁ - BRASIL Terça-feira, 27 de janeiro de 2015 Página 11 IRREGULARIDADES Complexo turístico instalado em Aquiraz pode ser derrubado Ministério Público questiona licenças ambientais concedidas pela Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace) e pede a retirada do empreendimento instalado em área de dunas. Páginas 5 e 6 OPINIÃO Deus, a natureza e a água Para o engenheiro agrônomo, Evandro Bezerra, o Dnocs é caminho, a verdade e a vida de 58 milhões de pessoas que habitam o Nordeste como um todo. Suas ações vão além - semiárido. BANCO DE DADOS DIVULGAÇÃO Cem anos depois, apesar da estiagem, o cenário parece ser outro 1915 - 2015 Os reservatórios estão secando, e as chances de chover são mínimas. Este é o quarto ano sem chuvas, mas, por enquanto, a figura dos flagelados ainda não entrou em cena. Nos últimos anos, avançamos. Páginas 7, 8, 9 e 10

O Estado Verde - Edição 22436 - 27 de janeiro de 2015

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Jornal O Estado (Ceará)

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ANO VI - EDIÇÃO No 374FORTALEZA - CEARÁ - BRASIL

Terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Página 11

IRREGULARIDADES Complexo turístico instalado em Aquiraz pode ser derrubadoMinistér io Públ ico questiona l icenças ambientais concedidas pela Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace) e pede a retirada do empreendimento instalado em área de dunas. Páginas 5 e 6

OPINIÃODeus, a natureza e a águaPara o engenheiro agrônomo, Evandro Bezerra, o Dnocs é caminho, a verdade e a vida de 58 milhões de pessoas que habitam o Nordeste como um todo. Suas ações vão além - semiárido.

BANCO DE DADOS

DIVULGAÇÃO

Cem anos depois, apesar da estiagem, o cenário

parece ser outro

1915 - 2015

Os reservatórios estão secando, e as chances de chover são mínimas. Este é o quarto ano sem chuvas, mas, por enquanto, a figura dos flagelados ainda não entrou em cena. Nos últimos anos, avançamos.

Páginas 7, 8, 9 e 10

O “Verde” é uma iniciativa para fomentar o desenvolvimento sustentável do Instituto Venelouis Xavier Pereira com o apoio do jornal O Estado. EDITORA: Tarcília Rego. CONTEÚDO: Equipe “Verde”. DIAGRAMAÇÃO E DESIGN: Rafael F. Gomes. MARKETING: Pedro Paulo Rego. JORNALISTA: Elisangela Alves. TELEFONE: 3033.7500 / 8844.6873Verde

TARCILIA [email protected]

ENERGIA: DEPOIS DE UM LOBÃO, UM “ANJINHO”

A musculatura do ser humano foi a pri-meira grande fonte de energia e, baseada nela, o homem ergueu as primeiras cons-truções e efetuou as primeiras transfor-mações nas paisagens naturais do pla-neta. Naqueles tempos, segundo o velho amigo, sociólogo e doutor em geógrafo, Maurício Waldman, grandes impérios, como o Inca, já contabilizavam a quanti-dade de energia humana disponível, de modo a garantir um gerenciamento mais efi caz da economia. Veja você, hoje, sé-culo 21, o atual governo federal, no poder há 12 anos, não conseguiu planejar nada, ou quase nada, e para piorar, depois de um Lobão nas Minas e Energias, coloca um ministro “anjinho” que reza e espera que o “deus brasileiro” faça chover.

A situação pede uma nova tomada de posição, como aconteceu em 2001 com FHC. É urgente uma reforma energética e que vá além da adoção de modelos e tecnologias menos impactantes, mas

que careça de políticas de conservação de energia, como igualmente a demo-cratização do acesso a ela em todos os níveis, e este deve ser o rumo para uma sociedade mais equilibrada e justa.

INÁCIO ARRUDAA solenidade de posse ao novo titular

da Secretaria de Ciência e Tecnologia do Estado do Ceará (Secitece) acontece no próximo dia 2 de fevereiro, às 16h30min, nos jardins da secretaria. Desejo suces-so ao Inácio Arruda. Ele, certamente, trará para a Secitece muitas das expe-riências vivenciadas por ele, nos últimos oito anos de Senado. Aproveito a oca-sião para lembrar que o conhecimento é a chave para o desenvolvimento com sustentabilidade.

REFLEXÃO“Quem perde seus bens perde muito;

quem perde um amigo perde mais; mas quem perde a coragem perde tudo.” Mi-guel de Cervantes.

A bola da vez é o Rio de Janeiro. Depois de São Paulo, mais um Estado do Sudeste sofre com a estiagem. Na última sexta-feira (23), o secretário estadual do Ambiente do Rio de Janeiro, André Corrêa, pediu à população para economizar água e não descartou a possibilidade de o abastecimento às empresas na região da foz do Rio Guandu ser interrompido para priorizar o uso humano diante da crise hídrica. Nos próximos seis meses, o volume morto do reservatório de Parai-buna é que vai garantir o abastecimento de água para 75% da população, e não está descartada a possibilidade de racionamento no Rio de Janeiro.

A estiagem já não é mais um problema só de nordestinos. Pode ser que agora o governo federal pense de modo mais estratégico sobre a questão. Não se engane: os reservatórios não se esvaziam apenas por conta de falta de chuva; esvaziam-se pelo uso excessivo do recurso, pelo “otimismo” dos governantes e, principalmente, pela falta de planejamento por parte dos mesmos. Por exemplo, neste cenário atual que vem sendo apontado há algum tempo, pela própria Fun-ceme, já deveríamos estar vivendo um rigoroso programa de educação ambiental para o uso racional da água em nossa Capital.

Mas é sempre assim: educação ambiental como Deus, na vida de alguns, só é lembrada na hora do sufoco. É preciso refl etir sobre consumo consciente da água, e até mesmo, medidas de racionamento. É incoerente que a população do interior do Estado esteja sofrendo com a falta de água para consumo huma-no, enquanto parte da população privilegiada de Fortaleza usufrui de piscinas com águas “calorosas” nos mais diversos tipos de condomínios residenciais que se multiplicam pela cidade. Esse consumidor precisa pagar bem mais caro pela água. Isso requer mudanças na lei, requer vontade política, e mais, que gestores e legisladores sejam mais rápidos e efetivos.

ESTIAGEM EXIGE RAPIDEZ E EFETIVIDADE

Coluna Verde

2 FORTALEZA - CEARÁ - BRASILTerça-feira, 27 de janeiro de 2015

VERDE

27 DE JANEIRO DE 2015Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto • Hoje, o Centro de Informação das Nações Unidas para o Brasil (Unic Rio), em parceira com a Confederação Israelita do Brasil (Conib) e a Federação Israelita do Estado do Rio de Janeiro (Fierj), organizam uma cerimônia para marcar o Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto. O evento acontece no Palácio Itamaraty do Rio de Janeiro, às 19h00, e contará com a presença de autoridades federais, estaduais e municipais e de líderes comunitários e religiosos. Membros do corpo diplomático e diplomatas franceses participarão de home-nagem aos mortos nos recentes ataques terroristas em Paris. Estarão presentes, também, sobreviventes do Holocausto e representantes de outras comunidades vítimas do nazismo. Instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1º/11/2005, o dia chega ao 10º ano de comemoração. O objetivo é lembrar a data de 27 de janeiro de 1945, quando o Exército Soviético libertou as pessoas que estavam no maior campo de concentração do regime nazista em Auschwitz, na Polônia.O ano de 2015 marca o 70° aniversário do fi nal da Segunda Guerra Mundial e a fundação da ONU. Os princípios de direitos humanos e de dignidade para todos foram consagrados na Carta das Nações Unidas e na Declaração Universal dos Direitos Humanos, e ressaltam, o quanto profundamente, a ONU foi mol-dada pela tragédia do Holocausto. Outras informações sobre as atividades das Nações Unidas em relação ao Holocausto podem ser encontradas em: www.un.org/holocaustremembrance

30 DE JANEIRO DE 201567º aniversário do assassinato de Mahatma Gandhi • Em 30 de janeiro de 1948, aos 79 anos, Mahatma Gandhi é assassinado por um hindu. Pregador da paz no mundo, tenta evitar a luta entre hindus e muçulmanos que estabelecem o Paquistão. Ele aceita a divisão do país e atrai o ódio dos hindus. Mahatma , que vem do sânscrito e signifi ca “A Grande Alma”, foi o idealizador e fundador do moderno Estado Indiano, e o maior defensor do princípio da não agressão e da forma não violenta de protesto, como um meio de revolução.

1º DE FEVEREIRO DE 2015Dia do Publicitário • Hoje é o dia do profi ssional da área de comunicação, que atua no plane-jamento, coordenação e desenvolvi-mento de campanhas publicitárias para divulgar produtos, serviços, empresas ou pessoas. O publicitário, sempre atento às últimas tendências do mercado, analisa o que será divulgado, bem como o público a que se destina, vi-sando lucro para quem anuncia; traduz, através de anúncios, a mensagem do cliente para as partes interessadas.

2 DE FEVEREIRO DE 2015Dia Mundial das Zonas Úmidas • A data é uma alusão à assinatura da Convenção de Ramsar, no Irã, em 02 de fevereiro de 1971 que marcou o início das ações para a valorização, a conservação e o uso sustentável das Zonas Úmidas (pântanos, mangues, marismas, banhados, charcos, rios, lagos, estan-ques de água salgada, estuários, áreas irrigadas para agricultura, águas costeiras de pouca profundidade, etc.). Vulneráveis, estão situadas em áreas de transição entre ecossistemas aquáticos e terrestres, as Zonas têm papel fundamental na manutenção da biodiversidade e regulação do clima no planeta.

AGENDA VERDE

Há exatamente dez anos, líderes mundiais se reuniram em Hyo-go, no Japão, para a Conferência

Mundial sobre a Redução de Desastres, de onde surgiu o Quadro de Ação de Hyogo, primeiro plano a detalhar o trabalho de diferentes setores a favor da redução das perdas causadas pelos desastres. Segun-do a chefe do Escritório das Nações Uni-das para a Redução do Risco de Desastres (UnisDR), Margareta Wahlström, “as evi-dências da última década, marcada por al-guns dos piores desastres naturais já regis-trados, está longe de ser favorável”.

Desde a adoção do Quadro de Ação de Hyogo, em 2005, foram registrados mais de 3.400 desastres em todo o planeta. Terremotos, inundações, tempestades, secas, ondas de calor e outros perigos naturais resultaram em 750.000 mortes, cerca de 90% delas em países de baixa renda baixo-média.

O secretário-geral, Ban Ki-moon, da Organização das Nações Unidas (ONU), elogiou as bases construídas após o qua-dro, mas alertou que as causas de riscos de desastres vêm crescendo. Dentre elas a pobreza, as mudanças climáticas, a de-sigualdade, o uso insustentável da terra e códigos de construção fracos.

“Eu espero que essas questões sejam consideradas no Marco de Ação de Hyogo atualizado que será adotado na Terceira

Conferência Mundial da ONU sobre a Re-dução do Risco de Desastres em Sendai, no Japão, em março”, declarou Ban. “2015 pode ser um ponto de virada no desenvol-vimento humano, se concordarmos sobre um caminho para a resiliência através de fortes acordos sobre a redução do risco de desastres, fi nanciamento do desenvol-vimento, mudanças climáticas e um novo conjunto de objetivos de desenvolvimento sustentável”, concluiu.

MISSÃOA missão da UnisDR é contribuir para a

construção de comunidades resilientes a desastres por meio da promoção de uma maior sensibilização sobre a importância de incluir a gestão integrada do risco de desastres como um componente central do desenvolvimento sustentável, reduzindo as perdas humanas, sociais, econômicas e ambientais causadas por desastres socio-ambientais.

MARCO DE HYOGO Todos os anos, mais de 200 milhões

de pessoas são afetadas por secas, inun-dações, ciclones, terremotos, incêndios fl orestais e outras ameaças. Além disso, a pobreza, a crescente densidade popula-cional, a degradação do meio ambiente e o aquecimento global estão fazendo com que o impacto das ameaças naturais seja

cada vez pior.Os governos de todo o mundo se com-

prometeram a tomar medidas para reduzir o risco de desastres e adotaram um cami-nho chamado de Marco de Ação de Hyogo (Marco de Hyogo) para reduzir as vulnera-bilidades frente às ameaças naturais.

O Marco oferece assistência aos es-forços das nações e comunidades para tornarem-se mais resistentes as amea-ças que põem em risco os benefícios de desenvolvimento e para enfrentá-las da melhor forma. A colaboração e a base do Marco de Ação de Hyogo: Os desastres podem afetar a qualquer um e por isso são assunto de todos. A redução do risco de desastres deve formar parte da toma-

da de decisões cotidianas: desde a forma em que as pessoas educam a seus fi lhos e fi lhas até como planejam suas cidades. Cada decisão pode fazer-nos mais vulne-ráveis ou, ao contrário, mais resistentes.

RESILIÊNCIASegundo a Política Nacional de Mu-

danças Climáticas, resiliência é o con-junto de iniciativas e estratégias que permitem a adaptação, nos sistemas naturais ou criados pelos homens, a um novo ambiente, em resposta à mudança do clima atual ou esperada. As medidas de resiliência fazem parte de um sistema, no qual as dimensões ecológica, geofísica e socioeconômica têm igual importância.

3FORTALEZA - CEARÁ - BRASILTerça-feira, 27 de janeiro de 2015

VERDE

Para o secretário-geral, da Organização das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-moon, ascausas de riscos de desastres vêm crescendo. Dentre elas as mudanças climáticas

ONU afirma: esta pode ser a marca registrada de 2015

RESILIÊNCIA

DIVULGAÇÃO

4 FORTALEZA - CEARÁ - BRASILTerça-feira, 27 de janeiro de 2015

VERDE

O tatu-bola, mascote da Copa 2014, “andou” de

avião. Num esforço de salvar a espécie Tolypeutes tricinc-tus da extinção , o Projeto Tatu-bola , em parceria com o Zoológico de Brasília promoveu uma ação inédita ao transportar , via área, ontem (26), um tatu que foi resgatado nas pro-ximidades da Reserva Natural Serra das Almas, no município de Buri-ti dos Montes, no Piauí, para o zoológico da Capital Federal, onde o animal receberá os devidos cuidados.

Segundo nota enviada pela assessoria de imprensa da Associação Caatinga, a “manu-tenção do animal é essencial para o desenvol-vimento de pesquisas científi cas que, deverão contribuir diretamente, para a conservação da espécie”. O processo de transferência foi acompanhado pela veterinária e coordena-dora científi ca da Associação, Flávia Miran-da, e pela especialista em comportamento de animais silvestres, Mariana Catapani, que avaliará a adaptação dos tatus ao novo lar.

EM PERIGOHoje, o tatu-bola encontra-se na catego-

ria ‘em perigo’ na lista vermelha de espécies ameaçadas de extinção (International Union for Conservation of Nature - IUCN, 2013), por conta de perda de cerca de 50% do seu habitat nos últimos 10 anos. Estima-se que a população tenha sofrido uma redução de pelo menos 30%, no mesmo período, devido desmatamentos e caças.

Desta forma, torna-se urgente a busca por informações que venham gerar um conhecimento maior e atualizado sobre os aspectos comportamentais da espécie. Se nada for feito para a conservação da es-

pécie, em 50 anos o tatu-bola poderá estar extinto na natureza.

ZOO QUALIFICADOO Zoológico de Brasília

possui uma vasta experiên-cia com manejo de diver-sas espécies de tatus, o que motivou a escolha pela nova ‘residência’ do tatu. Segun-do o diretor , Filipe Reis, da

Diretoria de Mamíferos, a ins-tituição tem um corpo técnico

qualifi cado, e que prioriza traba-lhar com o manejo de animais con-

siderados ameaçados de extinção pela lista vermelha e focado “na reprodução para viabilização de uma população saudável de cativeiro que possa atuar em futuras reintro-duções, caso seja necessário,”.

A nova e temporária casa do tatu-bola tem 40 m² . Conta com uma área gramada, uma área de areia com dois cabeamentos, uma maternidade com solário e mais uma área adicional de 6,5 m². Também são dispo-nibilizadas tocas artifi ciais feitas com cano PVC para o animal utilizar como abrigo, caso queira. É importante ressaltar que o animal não estará disponível para visitação.

SAIBA MAISO Projeto Tatu-bola em execução desde

2013 é uma iniciativa da Associação Caatin-ga em parceria com o Grupo de Especialistas em Tatus, Tamanduás e Preguiças da IUCN e da The Nature Conservancy. A Associação Caatinga foi responsável em 2013 pela indi-cação do tatu-bola para mascote da Copa do Mundo de Futebol de 2014 e no mesmo ano lançou a campanha “Eu Protejo o Tatu-bola”, e é a instituição responsável pela coordena-ção executiva do Plano Ação Nacional para a Conservação do Tatu-bola. Campanha “Eu Protejo o Tatu-bola” http://www.acaatinga.org.br/index.php/salveotatubola/.

h t t p s : / / w w w . y o u t u b e . c o m /watch?v=pe0HmMlcLnI

O tatu-bola viajou para Brasília

JORNALISTA E ESCRITOR

TRISTE ESTATÍSTICA  Apesar de todos os esforços dos ór-

gãos de governo que cuidam da preser-vação do nosso ecossistema, o comér-cio ilícito de animais silvestres ocupa o terceiro lugar no mundo, perdendo ape-nas para o tráfi co de narcóticos e armas. Segundo especialistas na área, esse tipo de crime contra a natureza movimenta cifras em torno de 10 a 20 bilhões de dólares por ano. O Brasil consta nesta triste estatística com aproximadamente 5% a 15% deste total, correspondendo à retirada anual de 12 a 38 milhões de ani-mais silvestres das matas brasileiras. Os principais locais de captura dos animais estão nos Estados da Bahia, Pernambu-co, Pará, Mato Grosso e Minas Gerais. As aves são destinadas a colecionado-res das regiões Sul e Sudeste. E muitas delas são vendias para o exterior.

 BANALIDADE DO CRIME  O problema maior reside na bana-

lidade do crime contra a avifauna que praticado pelo cidadão comum sem qualquer punição. E pior ainda: mui-tos dos próprios criadores/coleciona-dores de aves silvestres que possuem a licença legal para tal fi m, falsifi cam as anilhas colocadas pelo Ibama nas aves e com este artifício burlam a quantidade a que têm direito, usando várias anilhas com o mesmo número em aves diferentes. Só uma fi scaliza-ção ampliada, rigorosa e    permanente poderia conter esse crime, o que, de fato, não existe.

 PROPRIEDADE DO ESTADOA Lei de Crimes Ambientais (Lei n°

9.605) criada em fevereiro de 1998, con-sidera os animais, seus ninhos, abrigos e criadouros naturais, propriedade do Estado, sendo, portanto a compra, a venda, a criação ou qualquer outro ne-gócio envolvendo animais silvestres cri-me inafi ançável. Segundo essa lei, se o ato criminal atinge espécies ameaçadas de extinção, a pena é aumentada em 50%. Se além de constante na lista ofi -cial nacional de ameaçada de extinção, a espécie constar ainda no anexo I ou II da Cites (Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies da Fauna e Flora Selvagem em Perigo de Extinção), a multa por espécime apreendido pode de R$ 500 alcançar R$ 3 mil ou mesmo R$ 5 mil (Decreto Federal n° 3.179/99).

 MINHA POSIÇÃO

 Sou radicalmente contrário ao cativei-ro de qualquer animal. De aves, princi-palmente. Elas são o símbolo maior da liberdade e devem ser livres para voar, sem esquecer a maravilhosa sinfonia dos seus trinados. O homem não tem o direito de tirar o prazer – e também direito – das aves serem livres apenas pelo fato de querer deliciar-se com o seu  cantar, aprisionadas em gaiolas. Os colecionadores alegam que amam as aves. Contradição fl agrante. Quem ama não prende.  Mutatis mutandis,  esse dis-curso faz-me lembrar daquela música que diz: “Não é casa nem comida que faz a mulher feliz...”

COMÉRCIO ILÍCITO DE AVES SILVESTRES É CRIME PRATICADO EM VÁRIOS ESTADOS

O telejornal “Bom dia Brasil”, da Rede Globo, veiculou na edição da manhã de ontem (26.01), matéria denunciando o tráfi co e o comércio ilegal de aves no interior da Bahia. Com efeito, não apenas na Bahia, mas em quase todo o Brasil, não obstante as penalidades impostas pela Lei dos Crimes Ambientais (Lei 9.605/1998), a estimativa é que cerca de  4 bilhões de aves por ano sejam comercializadas ilegalmente, destas, 70% são destinadas ao comércio interno e cerca de 30% são exportadas. Do total de aves comercializadas, poucas são apreendidas e um número muito menor possui condições de ser devolvida à natureza. Não se deve esquecer ainda que das 2.950 espécies da avifauna da América do Sul, o Brasil possui um número estimado em 1.796 espécies, segun-do dados do Ministério do Meio Ambiente.

As ações do Projeto Tatu-Bola não acabaram ao fi nal da Copa do Mundo. Com a ameaça da

extinção, é preciso tomar iniciativas para a preservação dessa espécie da Caatinga

BIODIVERSIDADE

5FORTALEZA - CEARÁ - BRASILTerça-feira, 27 de janeiro de 2015

VERDE

MPF solicita anulação de licenças e derrubada de empreendimento

AQUIRAZ RIVIERA

Empreendimento com investimen-to estimado em US 350 milhões pode ser derrubado. A Ação Civil

Pública, ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF), pede a retirada de toda edifi cação já realizada em área de dunas, pertencentes ao complexo Aquiraz Rivie-ra, além do cancelamento das licenças ambientais concedidas pela Superinten-dência Estadual do Meio Ambiente do Estado do Ceará (Semace), para a ins-talação de empreendimento, conforme audiência realizada nos dias 20 e 21 de janeiro pela 3ª vara da Justiça Federal no Ceará (JFCE).

O complexo está instalado em área de preservação ambiental no município de Aquiraz, e devido à complexidade da questão, o juiz federal George Marmels-tein solicitou a audiência de instrução de grande porte, que aconteceu no auditório da JFCE, e que contou com a presença de todos os representantes dos envolvidos no processo: Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), Município de Aqui-raz, Semace, União, e a empresa respon-sável pelo empreendimento, Aquiraz In-vestimentos Turísticos S/A.

SOBRE DUNAS, FIXAS E MÓVEIS Segundo laudo de vistoria, realizado

por técnicos do MPF, foi constatado que o complexo Aquiraz Riviera está ocupando indevidamente dunas, fi xas e móveis, bem como a planície de de-fl ação. Segundo os procuradores da República, Alessander Sales e Márcio Andrade Torres, o objetivo da Ação Ci-vil Pública é conferir o respeito à inte-gridade dos ecossistemas presentes na região, além de defender às áreas de preservação permanente.

Com investimento estimado em US 350 milhões, o Aquiraz Riviera está si-tuado no município de Aquiraz, distan-te 35 km de Fortaleza (CE), o complexo turístico ocupa área de 285 hectares dos

quais 1800 metros estão de frente para a praia de Marambaia e 58 hectares são áreas de proteção ambiental. O campo de golfe com 35 hectares foi projetado por Donald Steel, considerado uma re-ferência mundial na ‘arquitetura’ de campos de golfe.

O Riviera possui lotes e imóveis resi-denciais, áreas destinadas à hotelaria, onde se encontra o luxuoso hotel de ban-deira portuguesa Dom Pedro Laguna, e áreas comerciais, e conta com o apoio do fundo imobiliário Ceará Investment Fund e do Governo do Estado do Ceará.

RESPONSABILIZADOSDurante a audiência, o procurador

destacou que a vistoria citada no laudo, ocorreu em 2008, e que após esse perí-odo o Ministério Público não teria retor-nado ao empreendimento. Fato que deve ser considerado, pois a ausência do po-der público, por um período de sete anos demonstra uma lacuna no que se refere à fi scalização, em nossas instituições.

O MPF responsabiliza o Ibama, a Se-mace, a União, o município de Aquiraz e o empreendimento Aquiraz Inves-timentos Turísticos, pela construção do empreendimento e cabendo a este último recuperar a área degradada pe-las intervenções ambientalmente inde-vidas, além de exigir que o Ibama seja o responsável pela concessão do licen-ciamento ambiental, já que a localidade

trata-se de zona costeira.A promotoria pública pede, ainda, a

paralisação total e imediata do empre-endimento, com a necessidade de re-fazimento de todo o seu licenciamento ambiental junto ao Ibama, ou, alterna-tivamente, que a Semace prove à Jus-tiça, que antes da licença ambiental, o empreendedor apresentou o Estudo e o Relatório de Impacto Ambiental (EIA/ RIMA) e que o mesmo foi apro-vado pelo Conselho Estadual do Meio Ambiente (Coema).

O Dr. Alessander falou aos presentes que, considerando o ordenamento ju-rídico, sobre a Proteção das Dunas, o Código Florestal não trata de uma pro-teção especial para uso das mesmas. Segundo ele, “a Resolução 303/2002 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) colocou essa questão em pau-ta”. Ainda de acordo com Sales, o com-plexo foi o primeiro empreendimento no Brasil a benefi ciar-se da Resolução 341/2003 do Conama que logo foi re-vogada pela Resolução 369/2006, que não permite a construção de complexos turísticos em áreas de proteção.

EIA/RIMA O procurador ressaltou que o Aqui-

raz Riviera não possui EIA/RIMA, o que inviabilizou o debate com a so-ciedade e qualquer controle por parte do MP das ações do empreendimento.

Diz desconhecer no processo, um es-tudo técnico da Semace mostrando o percentual de licenças para área de dunas já liberadas para o município do Aquiraz. Ainda resguardados pela resolução 341, há um limite para con-cessão de uso das dunas móveis.

DENTRO DA LEIA informação referente ao EIA/RIMA

foi contestada em seguida pelo empresá-rio Wandocy Edy Mori Romero, um dos representantes da Aquiraz Investimen-tos Turísticos, e que afi rma ter apresen-tado o documento ao órgão responsável em 2003, obtendo a licença quatro anos depois, em 2007. “Em 2008, a obra so-freu embargo, recorremos e continua-mos. Todas as licenças foram emitidas pela Semace, o que nos leva a crer que trabalhamos dentro da lei”. A Superin-tendência Estadual não se pronunciou no primeiro dia de audiência.

Romero e outro representante do investimento, Jorge Duarte Chaskel-mann, presente à audiência, defende-ram os trâmites legais e afi rmam que preocupam-se com a conservação da natureza. Wandocy explicou aos pre-sentes que são “empreendedores e não predadores”. Em seguida, apresentou o empreendimento, assim como a infraes-trutura desenvolvida no entorno, a fi m de tornar o complexo atrativo ao turis-mo nacional e internacional.

POR ELISÂNGELA [email protected]

Audiência analisa regularidade ambiental do Aquiraz Riviera. Licenciamento expedido para a construção do complexo turístico é questionado

BETH DREHER

6 FORTALEZA - CEARÁ - BRASILTerça-feira, 27 de janeiro de 2015

VERDE

Chaskelman relembrou que naquela época, o Governo do Estado fazia forte propaganda com o objetivo de atrair investidores e intensifi car o turismo familiar. Motivo que o fez procurar o governo e se informar sobre possíveis projetos. Desde então, as parcerias en-tre os grupos se deram naturalmente.

Devido à grandiosidade do empre-endimento turístico, nossa reporta-gem procurou a Secretaria de Turismo do Estado (Setur) para falar sobre o

assunto. Em nota, a Setur informa que “não faz parte da sua política institu-cional comentar sobre ações judiciais em andamento, quando não é parte do processo”. No entanto, sem adentrar no mérito das questões que estão sen-do discutidas no processo em questão, destaca como “salutar o papel que empreendimentos deste porte têm no desenvolvimento do turismo e na ge-ração de serviços e empregos para o Estado do Ceará”.

RESTA AGUARDAR Informações da assessoria de comunica-

ção do TJCE dão conta de que dia 22/01 às 14h, foi realizada uma visita ao empreen-dimento. Compareceram o magistrado dr. George Marmelstein, um dirigente da Se-mace e o procurador federal, dr. Alessan-der Sales. As partes têm prazo de 10 dias corridos a contar do dia da visita (22) para apresentarem quaisquer documentos, pro-vas, ou solicitarem perícia. Todos os docu-mentos e informações coletadas irão com-

por o processo e embasar a decisão judicial.

AUSÊNCIAA ocupação desordenada e ou indevi-

da dessas áreas causa ao meio ambiente dano irreparável. No entanto, uma ques-tão séria e de interesse de toda a socieda-de, e que precisa ser amplamente discuti-da, não contou, durante a audiência, com a participação de representantes da so-ciedade civil organizada, principalmente, dos movimentos ambientalistas.

SAIBA MAIS- O completo turístico Aquiraz Riviera foi visitado pela presidente do Brasil, Dilma

Rousseff, dia 27 de fevereiro de 2012, durante visita da mesma ao Ceará. A dirigente do País foi recepcionada pela diretoria do Hotel Dom Pedro Laguna, onde a comitiva presi-dencial almoçou.

- O Clube de Golfe do Aquiraz Riviera recebeu entre 7 e 10 de agosto de 2014, cerca de 80 golfi stas de 13 estados brasileiros para o I Campeonato Sênior do Nordeste, um torneio do organizado pela Associação Brasileira de Golfe Sênior (ABGS).

- O turismo, também pode ser uma atividade de risco, especialmente quando trata-se de custos ambientais. Veja o exemplo: O consumo de água necessário para manter o grama-do de um campo de golfe, varia de 4 a 10 litros/m² por dia (o que signifi ca que um campo de golfe de 18 buracos consome em média 1,5 milhões de litros por dia).

- As dunas são unidades geomorfológicas que a cada dia estão mais raras. De constitui-ção predominante arenosa, com aparência de colina, e produzida pela ação dos ventos, em sua maioria, as dunas situam-se no litoral ou no interior do continente.

Resolução Conama nº 303, de 20 de março de 2002: Dispõe sobre parâmetros, defi nições e limites de Áreas de Preservação Per-manente (APP).

Resolução Conama nº 341, de 25 de setembro de 2003: Dis-põe sobre critérios para a caracterização de atividades ou empreen-dimentos turísticos sustentáveis como de interesse social para fi ns de ocupação de dunas originalmente desprovidas de vegetação, na Zona Costeira.

Resolução Conama nº 369, de 28 de março de 2006: Dispõe sobre os casos excepcionais, de utilidade pública, interesse social ou baixo impac-to ambiental, que possibilitam a intervenção ou supressão de vegetação em Área de Preservação Permanente-APP.

FOTOS: DIVULGAÇÃO

7FORTALEZA - CEARÁ - BRASILTerça-feira, 27 de janeiro de 2015

VERDE

1915-2015

Cem anos depois, mesmo com seca, o cenário parece ser outroOs reservatórios estão secando, as chances de chover são mínimas, este é o quarto ano de estiagem, mas , por enquanto, a fi gura dos fl agelados ainda não entrou em cena

Está faltando água na sua casa? Não? Mas poderá falta. Coinci-dência ou não, mas, 100 anos

depois da grande seca de 1915, que inspirou Rachel de Queiroz a escre-ver o seu primeiro e mais popular romance, “O Quinze”, teremos mais uma seca pela frente, e neste ano de 2015, caso prevaleça o prognóstico climático, apresentado dia 20, pela Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme), no Estado do Ceará, a probabilidade de um trimestre chuvoso é de apenas 9%, deixando aquela sensação de que tudo continua igual. Será?

As chances para um cenário de seca são grandes: 64%. Signifi ca dizer que o Estado não pode garantir a recarga dos mananciais. Mesmo diante de um prognóstico, triste, para não di-zer, catastrófi co, os tempos são ou-tros, especialmente, se comparados a 1915, 1932. Hoje, é possível moni-torar os reservatórios, sejam federais ou estaduais. Em 1915, sequer, tínha-mos reservatórios para monitorar e, confi rmada a seca, os fl agelados in-vadiam Fortaleza e outras grandes cidades do Ceará.

Para o empresário cearense, João Teixeira, que atua no setor de agro-negócios, não tem como comparar. Atualmente, a nossa população é de mais de 8 milhões de pessoas, bem di-ferente de 100 anos atrás, e a migra-ção diminuiu, a prova é que os quatro anos de pouco inverno não tiraram a população do interior. “Houve um avanço muito grande por parte do go-verno federal, principalmente, da Era Getúlio pra cá”, disse.

“ Claro que a estiagem é preocupan-te, o semiárido tem água para dois anos, e esta é uma vitória da nossa

política de irrigação; o nosso grande problema é o Canindé e o Crateús; es-tão sem água. E com relação ao cres-cimento, realmente, tivemos um cres-cimento muito grande, mesmo no período de estiagem.”

Durante a coletiva no auditório do Palácio da Abolição para apresenta-ção do prognóstico, o governador Ca-milo Santana mostrou-se preocupado com a incapacidade de restauração do volume de agua dos reservatórios: “É preocupante”, disse. De acordo com os dados extraídos do portal “Reservatórios em alerta” (http://

www.hidro.ce.gov.br/), da Secretaria dos Recursos Hídricos (SRH), até às 14h07 horas e sete minutos de ontem (26), o volume de recursos hídricos disponíveis, referente aos reservató-rios administrados pelo governo do Estado, era de 3.720.000.000m³, ou seja, 19.8% da capacidade total de ar-mazenamento.

A Companhia de Gestão dos Recur-sos Hídricos (Cogerh) monitora 149 açudes, e o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs) responde pelo monitoramento de 66 açudes, atualmente, com uma reserva

hídrica de 21,20%. Para o titular da SRH, Francisco Teixeira, o cenário de mais um ano, abaixo da média, exige um esforço conjunto e a união de vá-rios segmentos, para que “possamos minimizar o sofrimento da popula-ção, e garantir a água. Vamos desco-brir onde tem água e vamos tirar água de lá.” Atualmente, 176 dos 184 muni-cípios cearenses decretaram estado de emergência.

PLANOA equipe do governador Camilo San-

tana está elaborando um plano de ação,

FOTOS: BANCO DE DADOS

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juntamente com o seu secretaria-do, para fazer uma previsão do que será necessário para enfrentar a crise hídrica que se avizinha. “O plano vai dizer como o Estado vai se anteceder aos problemas, mas sempre com a refl exão e a compreensão de que es-tamos vivendo quatro anos seguidos de chuvas abaixo da média”, disse Santana. Até o fi nal desta semana, o plano fi cará pronto e com ele embai-xo do braço, o executivo vai solicitar uma reunião com a presidenta Dilma para apresentar as demandas.

CADÊ A VISÃO DE FUTURO?Para o coordenador do Conselho

Temático do Agronegócio da Fede-ração das Indústrias do Ceará (Fiec), José Alberto Costa Bessa Júnior, o momento é de grande desafi o, mas também, “muito positivo”, é um momento para o nosso governador chamar todos os segmentos, e que a presidência da Fiec “está ciente e consciente da gravidade do quadro e mostra-se preocupada com o fato”, disse Bessa Junior, destacando a im-

portância do planejamento para uma boa convivência com os períodos de estiagem.

“Muitas vezes, quem está na Gran-de Fortaleza não sabe da realidade das nossas reservas hídricas. Nós vie-mos de um período de chuvas abun-dantes, 2008, 2009, quando tudo se recompôs, como exemplo, o Casta-nhão, mas poucas pessoas tem essa qualidade de planejar nos períodos de glória, de fartura, planejar o fu-turo, principalmente estando numa zona de conforto por conta da abun-dância de chuva, da boa açudagem.”

Para o representante da Fiec, “há uma incoerência: cadê o planeja-mento, cadê a visão de futuro?”. Ele lembrou o Projeto de Irrigação Ta-buleiros de Russas que é um inves-timento dos governos federal e esta-dual, que atraíram investidores de outras regiões; incentivou agriculto-res, produtores, eles vieram para cá, e hoje, “estamos dizendo para essas mesmas pessoas que não temos mais água para irrigação, é uma incoerên-cia: cadê o planejamento, cadê a vi-

são de futuro? Toda essa questão, a gente sabe, é histórica”.

CLIMA NÃO MUDOUO empresário disse, também, que o

clima não mudou, mas que essa seca vem como uma das maiores; e que o Estado avançou no que diz respeito à gestão de secas, mas que avançamos pouco e poderíamos ter avançado mui-to mais. “O cearense vai morrer de sede? Não, ele não vai morrer de sede, mas não tenha a menor dúvida de que a realidade atual é bem diferente: mes-mo após quatro anos de seca, a cidade não foi invadida por fl agelados, como acontecia em outros tempos”, encerra. Bessa Júnior reconheceu a boa infra-estrutura hídrica do Ceará: Sistema Pacoti /Riachão/Gavião, Canal da In-tegração, Castanhão e os serviços da Cagece, e disse que o momento é de deixar a zona de conforto.

EDUCAÇÃOO Ceará possui 92% de seu territó-

rio inserido no semiárido; logo, é uma área de alta vulnerabilidade quanto à

oferta hídrica, afi nal, a região carac-teriza-se por longos períodos de es-tiagem. Tal fato impacta, diretamen-te, sobre as questões ambientais e as de planejamento econômico, gerando problemas sociais e políticos. “Quan-do falta água, todos ressentem-se, e quando é abundante, ninguém en-xerga, e poucos vislumbram que pode faltar mais adiante”, disse a educa-dora ambiental, Maria Alina Bertoni. Ela lembrou o cearense e geólogo, Aldo da Cunha Rebouças (1937-2011) que costumava dizer da necessidade de “catequizar” as pessoas sobre o uso da água.

Segundo Alina, para a população é importante “promover o permanente desenvolvimento do capital humano e trabalhar ativamente com a socie-dade organizada, reconhecendo nela o seu interlocutor necessário para en-frentamento da crise da água em be-nefício dos interesses gerais”, ou seja, a educadora refere-se ao consumo ra-cional do recurso hídrico. “A socieda-de precisa ser estimulada a usar, de modo consciente e continuado,

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ALERTA“O alerta foi dado em novembro

de 2013”, disse o presidente da Fun-ceme. “Todas as segundas- feiras, atualizávamos essa preocupação com a formação do El Niño forte, no final do ano de 2014, e esse ce-nário mais provável é o que estamos observando hoje, não a intensidade que foi prevista, mas ele está provo-cando de alguma forma, influências sobre as precipitações”.

Para Eduardo Sávio, o Estado pre-

cisa apropriar- se desta informação referente ao prognóstico de chuva e incorporá-las ao planejamento dos vá-rios setores: agricultura, recursos hí-dricos, saúde – setor, também impac-tado com o clima. “É importante que a gente se aproprie dessa informação. Hoje usamos um sistema previsível”.

Ele recordou que, antes, o assun-to seca só era tratado “depois” de acontecido, mas agora, com os siste-mas de modelagens do órgão, estão

sendo fornecidas informações úteis e que devem ser apropriadas para um novo modelo de gestão e geren-ciamento da seca. “É importante a gente mencionar, esse novo concei-to, essa mudança do paradigma da gestão de secas no Estado. É algo que está em ebulição e há pouco tempo, mas já temos alguns embriões. Uma mudança nessa política e nesse novo conceito é um novo paradigma”.

O dirigente da Funceme também

fez questão de ressaltar que a respos-ta para a seca também tem que ser dada pela União. “O Estado deve arti-cular com a União”. Ele fez questão de destacar o importante papel do então ministro Francisco Teixeira, que colo-cou um peso muito forte no repensar da Política Nacional de Seca. A expec-tativa é que o processo de mudança na política continue no novo Gover-no. “É imperativo para que tenhamos ações mais articuladas.”

o precioso líquido”, encerra Alina.

CAGECEEm um cenário confi rmado de

seca, a Cagece informa que já desen-volve ações continuadas para educa-ção sobre como evitar o desperdício de água, como por exemplo, o Progra-ma de Educação Sanitária, cujo obje-tivo é esclarecer a população através de informações sobre a importância do uso da água tratada e coleta de esgoto, na melhoria da qualidade de vida. Disse, também, que novas ações poderão ser pensadas no âmbito do governo do Estado, em parceria com outros órgãos, e que está estudando as ações para garantir segurança hí-

drica à população, destacando que já desenvolve, de forma continuada, ações de conscientização para o uso racional da água.

O novo secretário de Meio Am-biente do Estado, Artur Bruno, disse que ele e toda a sua equipe estão uni-das ao governador Camilo em um es-forço concentrado na busca de solu-ções para o atual momento. “O tema meio ambiente relaciona-se com as demais secretarias de forma trans-versal, principalmente, com a Secre-taria de Educação, e que a forma de tratar a natureza é fundamental para a água”, disse.

“A Secretaria de Meio Ambiente é estratégica na política de uso e

conservação dos recursos hídricos, e nós estamos trabalhando junto das demais secretarias, especial-mente participando dos Comitês

de Bacias Hidrográficas, além de intensificar a atenção em relação à gestão das 23 unidades de conser-vação do Estado.”

José Alberto Costa Bessa Júnior: “Fiec está ciente e consciente da gravidade do quadro, o momento é de grande desafio”

O ESPECIALISTA RESPONDEQue outros fatores infl uen-

ciam o quarto ano de estiagem?

Físico Alexandre Costa Dois fatores pesam na nossa crise.

Vamos lá, falar dos dois “temas proi-bidos” não somente para Cid Gomes e seu sucessor, Camilo Santana, mas para praticamente todos os governos, não apenas os estaduais (seja Alckmin ou Pezão), mas o federal também.

O primeiro são as mudanças cli-máticas. O simples aquecimento em si já implica maiores taxas de eva-potranspiração potencial, que deve, no nordeste brasileiro, crescer mui-to ao longo das próximas décadas, aumentando as perdas por estresse hídrico nas culturas de sequeiro, a demanda na irrigação e as perdas por evaporação em nossos reserva-tórios. Mas ainda há outra questão, por trás da qual temos uma lei físi-ca, que estabelece que a quantidade de vapor na atmosfera a partir da qual há condensação para formar nuvens será maior quanto maior for a temperatura. Assim, imaginando a atmosfera como um reservatório de água na forma de vapor e que as chuvas ocorrem quando ele fi ca “cheio”, temos duas consequências: primeiro, a atmosfera requer mais evaporação e por mais tempo, a fi m de que ela sature, inicia a condensa-

ção e a formação de nuvens. A difi -culdade em “encher o reservatório” implica em secas mais severas, pe-ríodos de estiagem mais prolonga-dos; segundo, em contrapartida, quando se forma a precipitação, a maior quantidade de vapor estoca-da produz nuvens mais vigorosas, que geram chuvas extremas, en-xurradas, enchentes, deslizamen-tos, enfi m, tempestades mais seve-ras. Secas mais extremas. Chuvas mais extremas. Quanto mais o pla-neta aquecer, mais o seu clima se tornará indócil.

O segundo é a enorme demanda hídrica imposta pelo modelo de de-senvolvimento. O agronegócio e a indústria pesada são consumidores vorazes de água, e a mídia em geral só fala dos pequenos desperdícios por parte da população. Ora, é óbvio que precisamos ser mais zelosos no banho e ao escovar os dentes. Mas se atentarmos para o fato de que o con-sumo doméstico responde por cerca de apenas 15% do consumo total, ve-remos que essas atitudes individuais são quase nada! O que importa é que uma termelétrica como a do Pecém demanda mais de 3 milhões de litros por hora para gerar a energia mais suja que há, pois a queima do car-vão produz enormes quantidades de CO2. E é esse modelo de desenvolvi-mento que precisa ser questionado.

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CURIOSIDADES SOBRE SECAS NO NORDESTE E CEARÁ• O primeiro registro da seca no Nordeste foi feita pelo padre missionário e escritor português Fernão Cardin. De 1583 a 1585, ele viajou de Pernambuco até o

Rio de Janeiro, e com a missão de padre visitador, foi anotando observações sobre as localidades visitadas e que acabaram resultando em dois tratados e duas cartas. O primeiro tratado referia-se, exatamente, ao clima. Ele registrou uma grande seca que obrigou 5 mil índios a fugir do sertão em busca de alimentos, e buscando socorro junto aos “brancos”. Ele registrou também, grandes perdas nas plantações de cana de açúcar e de aipim.

• Uma das mais graves secas que atingiu o Nordeste foi a de 1877/1879, e o Ceará, na época, com uma população de 800 mil habitantes foi intensamente atingido. Desses, 120 mil (15%) migraram para a Amazônia e 68 mil pessoas foram para outros Estados. A seca foi considerada devastadora: cerca de metade da população de Fortaleza morreu , a economia foi arrasada, as doenças e a fome dizimaram até ao rebanho.

• Em 1915, o presidente Venceslau Brás, reestruturou o Instituto de Obras Contra as Secas (IOCS), que passou a construir açudes de grandes portes. Com te-mor de saques, foram criados campos de concentração no Ceará para isolar a população faminta e impedir que as mesmas seguissem em direção às cidades e importunassem a elite de Fortaleza Segundo dados históricos, 73.918 pessoas foram fechadas nesses campos que se espalhavam por 6 cidades do Estado: Crato, Ipu, Quixeramobim, Senador Pompeu, Cariús e Fortaleza.

• 1932: Volta a prática dos campos de concentração no Ceará através de um plano de controle social. Os sertanejos ali alojados recebiam algum cuidado e comida, e podiam trabalhar nas frentes de obras, sempre sob a vigilância de soldados.

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OPINIÃO

Por Evandro Bezerra*

Deus, a Natureza e a ÁguaDizem que Deus é a natureza. O au-

tor deste artigo, entretanto, não con-corda e acha que Deus é Deus mes-mo. Que Ele fez o planeta Terra e o mar. E o céu? Mas os gregos acreditavam que a Terra era um planeta sólido e batizaram-na de Telus-Terra como se o elemento sólido fosse único. A percu-ciência dos homens é que descobriu que, na realidade, a Terra é um planeta marinho, sendo 94% do seu volume de oceanos, 4,34% de águas do subsolo,; 1,65% de geleiras ;e 0,01% de rios e lagos. As águas dos oceanos são im-próprias para o consumo; as águas doces, 1,66% estão localizadas nos polos, rios e lagos e são de utiliza-ção difícil, mas a tecnologia moder-na permite que 0,01% seja utilizável. O Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (Dnocs) não fez e está fazendo isso no Nordeste semiárido equatorial? Viva o Dnocs! Sim, mas a água é um bem finito. Contudo o Dnocs é o caminho, a verdade e a vida de 58 milhões de pessoas que habitam o Nordeste como um todo. As suas ações vão além semiárido.

O maior problema da humanidade é exatamente o problema da água a par-tir do século XXI com prognósticos de que, a partir do ano de 2025 haverá es-cassez de água para 2/3 da população mundial, e a Organização das Nações Unidas (ONU) calcula que, dentro de 25 anos, quase 3 bilhões de pesso-as viverão em regiões de seca crôni-ca. Mas o autor desta matéria duvida, porque grande parte delas morrerão de fome, sede e doenças. Sim, e tem mais, a Organização Mundial da Saú-

de, OMS, afi rma que 1,2 bilhão de pes-soas no mundo não dispõem de água potável; 80% das doenças e 30% das mortes são causadas por água conta-minada. Quem afi rma tudo isso é Caio Lóssio Botelho, um dos maiores polí-grafos da Terra da Luz, Ceará.

A Hiléia Amazônica brasileira pos-sui 20% da água doce do mundo, mas o Nordeste padece de secas cí-clicas e, agora, parece que ela pode se prolongar e o Sudeste, incluindo aí Minas Gerais, onde está a caixa d’água do rio São Francisco, pode-rá não socorrer o Nordeste semiárido que padece da seca crônica.

O Planeta Terra, que existe há 5 bi-lhões de anos e que a vida nele come-çou há quase 3 bilhões de anos, tem no homem, que surgiu há menos de 1 milhão de anos, o moderador dos acontecimentos catastrófi cos imple-mentando medidas para tornar a vida factível no planeta telúrico. Mas a ori-gem da Terra está ligada à origem do sistema solar e, como tal, ela não rei-na absoluta, sendo, pois, dependente daquele sistema. Daí existe uma coisa interrelacionada com o Sol que é o seu movimento de translação ao redor do astro-rei fazendo com que a Terra ora se aproxime dele (periélio) e ora se afaste dele (afélio).

Como a Terra não é redonda, mas, sim, um elipsóide de revolução (geói-de), ela possui uma excentricidade e obliquidade que variam de acordo com a inclinação de sua órbita em relação ao Sol em seu movimento de transla-ção. Assim feito, ela recebe maior ou menor quantidade de radiação solar

que varia de acordo com as zonas cli-máticas da Terra: zona equatorial, os raios caem perpendicularmente; obli-quamente; na zona temperada; e tan-gencialmente, na zona glacial.

O Nordeste semiárido brasileiro está situado na Zona Equatorial onde existe apenas uma estação chuvosa com dois máximos de chuvas nos pe-ríodos equinociais, sem estação seca como na Amazônia. Mas, no Nordes-te, tal não ocorre porque aqui o clima astronômico se anomalizou criando um clima físico atípico na faixa equa-torial da Terra. Começa o problema da seca por aí. Aqui no Nordeste, o clima é, portanto, tropical como nas Zonas Tropicais com duas estações, uma seca e outra chuvosa, esta se refl etindo em sua irregularidade, oca-sionando a seca. Por isso, a seca não deve ser estudada apenas do ponto de vista meteoreológico e climatológi-cos mas devem ser levados em consi-deração vários fatores astronômicos, como a excentricidade da eclíptica (variações), a obliquidade da eclíp-tica (variações), manchas solares, e outras mais como isostasia, eustasia, fatores magnéticos terrestres, desma-tamento e as trocas energéticas at-mosfera-solo-água e, principalmente, as variações climáticas.

Neste desiderato, surge uma úni-ca coisa que muito tem a ver com a classe política brasileira desacre-ditada no contexto ideológico da democracia. Seja qual for a causa, eles só se tocam quando a desgraça social está instalada.

Se a seca já é previsível, por que os

políticos já não adotaram providências com antecedência?

Será que a classe política está sa-bendo que o observatório Meudon da França avisa que, a partir da segunda década do século XXI, vai haver vários ciclos de seca no Nordeste? Exata-mente, já começou: 2012, 2013, 2014 e 2015, afora uma seca parcial, no Cea-rá, em 2011, no Vale do Curu. E que ela pode se prolongar? Qual a solução ou soluções? Os estudiosos da problemá-tica regional nordestina sabem. Procu-re-os. Abandonem, senhores políticos, a letargia e saiam da posição estática em que se encontram. Não voltem as costas ao povo.

Será que vai se repetir o que acon-teceu em 1877-1879 quando mais de 1.700.000 pessoas morreram de fome, sede e doenças, o que não aconteceu mais devido à infraestrutura hídrica montada pelo Dnocs que criou uma dicotomia desenvolvimentista antes e depois da instalação desta instituição? Mas, caro leitor, a população nordes-tina cresceu, o consumo aumentou, o uso do líquido precioso estendeu-se às indústrias e irrigações, o aqueci-mento global é uma realidade, e a rede de açudes secou.

Será que vamos fi car nos deleitando em cima do poema de Carlos Drum-mond de Andrade transformado em música?

E agora. José? A festa acabou, o povo sumiu, a noite esfriou...

E agora, José?

*Engenheiro Agrônomo

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OPINIÃO

Na mata dos TremembéPor Júlia Manta*

“Na nossa mata tem murici, batiputáUm serve de alimento, outro serve pra

curar. Nós vamos fazer o óleo, do nosso batiputá. O pessoal que vem de fora, to-dos querem ir olhar” Torém Tremembé

Os índios são mesmo guardiões de nossas matas nativas. Os Tremembé são prova disso, pois já sabem do im-pacto que o nim indiando pode causar em suas terras e, além disso, preservam suas plantas e saberes sobre elas.

Em janeiro de 2015 aconteceu a VI Festa do Murici e do Batiputá, na Aldeia São José, dos índios Tremembé da Barra do Mundaú. O Movimento Pró-Árvore foi conhecer essa linda celebração, exem-plo de generosidade com a Mãe Terra e todos os seres que nela habitam.

Apesar de um fio tênue de enfrenta-mento, que perpassa a existência por essas bandas, devido ao desrespeito aos protetores dessas terras por parte do Grupo Empresarial Nova Atlântida, que teima em querer se apossar do que não lhe pertence, para construir um enorme e milionário empreendi-mento, o clima desses cinco dias foi de alegria e partilha - de saberes, de alimentos, de afetos.

Chegamos à noite nos Tremembé, como quem atravessa um portal. Um céu estrelado já nos abençoa, e um enorme cocar fincado no chão da en-trada do espaço comunitário, onde se realiza a maior parte das atividades, demarca a ligação com a terra, intrín-seca, ancestral e cheia de poder. A co-zinha de palha, com seu fogão à lenha e panelões de fartos alimentos, com uma bomba de ferro manual quase ao centro, foi o primeiro encanto. Os cinco elementos estavam presentes naquele lugar – o fogo queimando a lenha, o ar esfumaçado, a água bombeada em

baldes, o chão de areia e o amor. E a generosidade de dividir os deliciosos peixes e enormes tapiocas.

Dormimos entre eles, em redes, ao som do vento. Antes do sol nascer sa-ímos pra mata, para colheita do murici (Byrsonima crassifólia). Seguimos no passo de quem conhece o lugar na palma da mão, por entre cajueiros, ara-ticuns, guabirabas repletas de fl ores, ubaias-de-porco com seus frutos de aspecto suculento, que infelizmente não devem ser comidos pois, segundo a cul-tura local, quem come vira porco.

A seca braba afetou a safra dos muri-cis que, além da menor quantidade de frutos, estão cheios de cochonilha. Mas isso não impede que a colheita seja fei-ta, de forma muito cuidadosa, entre um

canto e outro, entre uma brincadeira e uma gargalhada, com paradas para apresentar saberes da mata Tremembé, como uma fl or seca caída no chão, cha-mada por eles de cachimbo do mato. Uma parada também para apreciar os jatobás fl oridos, cheios de frutos e pro-var de sua polpa.

Entre as índias, a seleção do murici verde para enfeitar a faixa comemora-tiva. Do murici maduro é feito o aluá. Criançada com suas arapucas de pegar caranguejo, corrida da tora, arremesso de lança e arco e fl echa foram algumas das atividades que animaram a tarde, além de apreciar a beleza das dunas, ou mesmo a aldeia, vista de cima delas. À noite, o torém, a festa, o batuque. E depois o silêncio, o sono e o sibilar oníri-

co de velhas pajelanças, recolhendo os maus espíritos e descarregando possí-veis entraves no outro mundo.

Na madrugada seguinte foi a vez da colheita do batiputá (Ouratea fi eldingia-na). Na trilha, pau-ferro, guajiru e uma linda espécie desconhecida por nós, com uma fl orzinha lilás. Do fruto maduro do batiputá é extraído de forma muito sá-bia e respeitosa um óleo riquíssimo, uti-lizado como antiinfl amatório e cicatrizan-te. O fruto é tão rico em óleo, que só de manuseá-lo já ficamos com as mãos untadas. Os antigos também o utiliza-vam para cozinhar alimentos, mas os produtos industrializados foram elimi-nando esse hábito. “Antigamente se tinha mais saúde”, afirma um velho ín-dio. Já uma das lideranças indígenas nos fala também da preocupação com a extração não sustentável do batiputá e da utilização dos conhecimentos in-dígenas para fins do capital, do lucro, que sempre extrai e não repõe o que a terra lhes dá.

E assim foi esta valiosa e grata experi-ência entre os Tremembé. Ficam as boas lembranças e a certeza de que voltare-mos pra celebração do ano que vem.

*Integrante do Movimento Pró-Árvore

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