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O jogo das águas transfronteiriças no contexto da integração regional

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O jogo das águas transfronteiriças no contexto da integração regional

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© 2007, INESC

SCS, Q. 8, bloco B-50, sala 441Ed. Venâncio 2.000, Brasília/DF – BrasilCep: 70.333-970(61) 3212.0200www.inesc.org.br

Editora responsávelLuciana Costa

Programação visualAV Comunicação

TraduçãoDermeval Aires Jr.

Conselho DiretorArmando Martinho Bardou RaggioCaetano Ernesto Pereira de AraújoFernando Oliveira PaulinoGuacira César de OliveiraJean Pierre René Joseph LeroyJurema Pinto WerneckLuiz Gonzaga de AraújoNeide Viana CastanhaPastor Ervino Schmidt

Colegiado de GestãoAtila RoqueIara PietricovskyJosé Antônio Moroni

AssessoriaAlessandra CardosoEdélcio VignaEliana GraçaFrancisco SadeckJair Barbosa JúniorLuciana CostaRicardo Verdum

AssistentesÁlvaro GerinAna Paula FelipeLucídio Bicalho

Instituições que apóiam o Inesc:Action Aid, CCFD, Christian Aid, EED, Embaixada do Canadá - Fundo Canadá, Fastenopfer,Fundação Avina, Fundação Ford, Fundação Heinrich Boll, KNH, Norwegian Church Aid, Novib,Oxfam, Save the Children Fund e Wemos Foundation

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃOOrganizar a luta em defesa do futuro ............................................................................................. 7

CAPÍTULO IÁGUAS TRANSFRONTEIRIÇAS DO AQÜÍFERO GUARANI:dilemas e perspectivas no Brasil ................................................................................................... 11

CAPÍTULO IIÁGUAS TRANSFRONTEIRIÇAS:a situação na Argentina .................................................................................................................. 33

CAPÍTULO IIIRECURSOS HIDRELÉTRICOS E GEOPOLÍTICA NO PARAGUAI:os casos de Itaipu e Yacyretá ......................................................................................................... 71

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Organizar a luta emdefesa do futuro

O objetivo desta publicação que trata da complexa questão das águastransfronteiriças é apresentar o contexto regional no qual se coloca o pro-blema da água doce na América do Sul. Cientistas caracterizaram o sécu-lo XX como a era dos conflitos1, mas, num breve olhar, verifica-se que,no século XXI, os conflitos continuam com mais intensidade. Luta-sepor petróleo, por espaço geopolítico e por água. Elza Bruzzone, uma dasespecialistas que participam desta publicação, afirma que “a água potá-vel tem se transformado no recurso estratégico do século XXI. Tem sido, ée continuará sendo, sem dúvida, fonte permanente de conflitos”.

“A água é vida”, declara Elza: “sem ela, o planeta e os seres não exis-tiriam. Portanto, quem tem o controle da água potável, controlará a vidae a economia do mundo”. Essa preocupação com as gerações futuras per-passa e enriquece todo o texto. Ao falar sobre as águas no contexto argen-tino, Elza nos dá uma tradução militante da questão da água e da lutanecessária na América do Sul. “Lentamente nossos países estão apren-dendo a superar desconfianças, temores e receios. Palavras comointegração e cooperação adquirem cada vez mais sentido, porque osproblemas que enfrentamos são os mesmo para todos”, diz ela.

Elza faz um chamamento cuja razoabilidade ecoa em todas as orga-nizações e pessoas que partilham dos princípios da democracia: “faz-se necessário a articulação e a coordenação das organizaçõesintergovernamentais, governamentais e da sociedade civil com res-ponsabilidade e interesses na gestação, no uso e na proteção dos re-cursos hídricos. Isso nos leva a buscar um planejamento integrado eparticipativo da água”.

A questão da água está circundada pelo debate sobre os projetos deintegração que estão na pauta prioritária dos governos sul-americanos. Oprojeto Iniciativa de Integração da Infra-estrutura Regional Sul-america-na2 (IIRSA), que está sendo executado nos vários países com nomes di-versos3, está sofrendo uma série de críticas. Uma das principais é a deque não há nada na idéia de integração que seja favorável ao futuro dospovos do continente4. Outro debate diz respeito aos conceitos de desen-volvimento e crescimento. O primeiro é entendido como pleno de possi-bilidades de efetiva integração dos povos. O segundo é carregado de umviés economicista, de uma visão mercantilista da vida.

Os atuais programas de integração nacional e regional, da forma comoestão sendo projetados, sem participação social, terão impactos negati-vos profundos nas populações rurais e urbanas. As rodovias e as ferro-vias projetadas, vistas como corredores de exportação – que represen-

1 Eric Hobsbawm preferefalar da Era dos Extremos, obreve século XX. Companhiadas Letras, 1995.2 A IIRSA é a iniciativa de umprocesso multisetorial quepretende desenvolver eintegrar as áreas de transporte,energia e telecomunicações daAmérica do Sul, no período dedez anos.3 No Brasil, o Programa deAceleração do Crescimento(PAC) é a versão nacionalcomplementar do IIRSA.4 Lander, Edgardo. Modelosalternativos de integração?Projetos neoliberais eresistências populares.Revista Observatório Social daAmérica Latina, nº.15,janeiro/2005, Buenos Aires.Site: www.caf.com/view/index.asp?ms=8&pageMs=10180,visitado em 17/03/2007.

APRESENTAÇÃO

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tam modelo de crescimento para fora –, vãorecompor a geopolítica do país, incluindo nomercado internacional áreas antes semi-isola-das. Áreas de proteção ambiental, parques na-cionais, terras indígenas, imóveis rurais depequenos e médios produtores terão que con-viver com a ameaça das motoniveladoras, dascolheitadeiras e das fumigações aéreas deagrotóxicos pesados.

As usinas hidroelétricas irão modificarainda mais a vida cultural das populações ri-beirinhas, que provavelmente serão removi-das do seu habitat natural. A proliferação demosquitos e as doenças transmissíveis pordiversos insetos e bichos caracterizam a pós-construção das barragens. Essas populaçõesinvisíveis irão, como outras que foram atin-gidas pelas barragens, se transformar em co-munidades errantes. O governo está com umdéficit social de décadas com diversas popu-lações removidas devido à construção de bar-ragens e ainda não assentadas.

O debate da integração está se fortalecendonas organizações da sociedade civil do espec-tro democrático continental. Os/as analistasindicam que somente a capacidade das forçaspopulares, a mobilização, a resistência e as lu-tas sociais e políticas poderão reverter a ten-dência hegemônica de mercantilização das ri-quezas naturais do continente. O encaminha-mento do processo, pela sociedade civil, é nosentido de fazer do projeto de integração umaoportunidade para uma interação favorável aosinteresses populares. Elza Bruzzone nos lem-bra que “estamos vivendo novos tempos. Aintegração regional avança sem pausa e a so-ciedade civil se envolve e participa cada vezmais ativamente de temas que lhes competem”.

O tema da integração que emoldura nossasvidas – somos parte da fita querendo ou não – écíclico, pois nos absorve sem nos afastar dostemas específicos. Não se pode debater sobre oregime jurídico das águas sem falar emintegração. Não se pode integrar um povo semconsiderar o elemento principal da vida que éa água. Assim, ao examinar o tema das águastransversais, Christian Caubet, o especialistaque trata do caso brasileiro nesta publicação,recorda que, apesar de marcados pelos ciclosdas águas, falta muito para que os países doMercosul tenham soluções normativas à alturade seus desafios. Ele afirma: “as soluções pura-mente nacionais têm variado ao sabor das evo-luções políticas internas, mais acentuadas, re-

centemente, no Uruguai e na Argentina. Os de-safios da gestão da água continuam imensos.O atraso de nossas sociedades, em relação àadoção de soluções estruturais, requer umaconscientização urgente das instâncias de ela-boração normativa e das de decisão e deimplementação de políticas públicas”.

A Política Nacional de Recursos Hídricos(Lei 9433/97) completa dez anos: uma décadade ambigüidades e conseqüências contrapro-ducentes. Christian ressalta que a “falta de par-ticipação efetiva da população continua sen-do o principal óbice à implementação eficazde normas que inovaram, porém não tiveramo necessário respaldo de políticas públicas ins-trumentais”. As normas de execução e decisãoestimulam a mercantilização e a privatizaçãoda água. Os critérios de participação nos Co-mitês de Bacias são risíveis. “Quem participaé o usuário (leia-se empresas exploradoras dasfontes naturais), agente econômico e pressãomajoritária no processo. O cidadão, agentepolítico da sociedade civil, é minoritário. Oambientalista, agente perturbador, é excluído.A presença nominal do cidadão e doambientalista, entretanto, está garantida: semela, não haveria como fazer marketing políti-co ou ambiental”, declara Christian. As socie-dades civis brasileira e de outros países sul-americanos, com exceção da boliviana, aindanão promoveram um enfrentamento qualitati-vo com as empresas privadas do setor. Aindanão ocuparam o espaço gerencial que pode ga-rantir as decisões em favor das populações con-sumidoras de água.

Se ainda as organizações brasileiras não fi-zeram o dever de casa com a aplicação neces-sária, as organizações latino-americanas tam-bém estão em débito. Seria irresponsabilidadenão trabalhar no sentido de abrir canais de co-municação que possibilitem possíveis articu-lações. Elza pondera que é preciso ampliar oconhecimento existente sobre os recursos na-turais: “devemos estudar em detalhe, conhe-cer profundamente sua variabilidade geográ-fica e sazonal, suas relações funcionais comos recursos naturais e ambientais em termosde equilíbrio ecológico e produtividade”. Asorganizações devem ser, em última instância,pro-ativas e propositivas.

Nesse sentido já existe um trabalho que vemsendo desenvolvido objetivando a criação deum grupo formado por parlamentares e organi-zações da sociedade civil, para encaminhar

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questões comuns aos países sul-americanos. A Frente Interamericana deParlamentares e Sociedade Civil5 se reuniu em três ocasiões (Argentina,Venezuela e Bolívia) e definiu uma pauta de atividades. No Brasil, essaarticulação está vinculada à Rede Brasileira pela Integração dos Povos(Rebrip), à Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais e aoFórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambientee o Desenvolvimento (FBOMS). Organizações e redes latino-americanasestão também integradas à Frente, assim como parlamentares de quasetodos os países sul-americanos.

Uma das preocupações desse coletivo é a forma como os governos dospaíses do Mercosul e da América Latina irão equacionar a questão dasassimetrias econômicas, sociais e culturais. Como expressou a pesquisa-dora Mercedes Canese6, é fundamental que o Paraguai possa dispor desua energia livre e soberanamente; que a dívida promovida pelas hidre-létricas de Itaipu e Yacyretá seja perdoada; que, se após uma auditoria,restar ainda alguma dívida, a taxa de juros seja reduzida a preços de mer-cado como os da Organização dos Países Exploradores de Petróleo (OPEP);e que a gestão das hidrelétricas seja executada binacionalmente.

O cenário atual, pelos riscos e ameaças que estão em jogo, representa,por si só, uma convocação para a luta política. Para o Inesc, esta publica-ção cumpre o objetivo de provocar, estimular e instigar o sentimento demobilização política existente em cada militante, em cada liderança deorganização social e em cada partido político. Para isso, convém lembraras palavras originais de Elza:

“Tenemos que crecer como países y pueblos. Dejar atrás laadolescencia. Ser capaces de elaborar nosotros mismos los planesde prospectiva, explotación racional y preservación de los recursosnaturales, que son nuestros patrimonios nacionales, en especial deaquellos que compartimos. Esto es indispensable para mantenernuestra supervivencia como pueblos y naciones y nuestra identidady lograr una integración real en todos los aspectos: político, social,económico, cultural, educativo y de defensa. A ese objetivo aspira-mos. De nosotros depende”.

Edélcio VignaAssessor de Políticas de Soberania Alimentar

e Reforma Agrária do Inesc

5 Maiores referências einformações, consultar o sitewww.inesc.org.br.6 Nesta publicação, responsávelpelo artigo “Recursoshidrelétricos e a geopolítica noParaguai: os casos de Itaipu eYacyretá”, 2006.

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ÁGUAS TRANSFRONTEIRIÇASDO AQÜÍFERO GUARANI:

dilemas e perspectivas no Brasil

Pesquisador responsável:

Christian Guy CaubetDepartamento de Direito e Curso de Pós-Graduação em Direito da

Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)Pesquisador IA do CNPq

Equipe de pesquisa:Ana Carolina Casagrande Nogueira

Mestre em Direito pela UFSCLígia Dutra Silva

AdvogadaMaíra Luísa Milani de Lima

Mestre em Direito, Professora na Faculdade Baiana de Ciências (FABAC)e nas Faculdades Jorge Amado

Maria Lúcia Navarro Lins BrzezinskiMestre em direito e Professora das Faculdades Integradas Curitiba

Secretária: Júlia Lorenzetti

CAPÍTULO I

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SUMÁRIO

1. Introdução ................................................................................................................................... 13

2. A área internacional e seus dois modelos de referência ......................................................... 142.1. Parâmetros essenciais das normas internacionais ............................................................... 142.2. O referente ultraliberal é privatizante e promove mercados abertos ............................... 142.3. O referente nacionalista é publicizante e objetiva mercados preservados ....................... 16

3. O contexto normativo brasileiro ............................................................................................... 173.1. As águas subterrâneas na legislação brasileira .................................................................... 183.2. Domínio das águas subterrâneas ........................................................................................... 183.3. Política Nacional de Recursos Hídricos ................................................................................ 193.4. Águas minerais versus águas subterrâneas .......................................................................... 203.5. Um estatuto internacional para o Aqüífero Guarani ........................................................... 21

4. As instituições brasileiras e a participação na gestão das águas ........................................... 224.1. Definições e ambigüidades ...................................................................................................... 224.2. Os aspectos legais no Brasil ................................................................................................... 244.2.1. Parâmetros de participação ................................................................................................. 244.2.2. Usuário e consumidor .......................................................................................................... 254.2.3. O Comitê de Bacia Hidrográfica (CBH) .............................................................................. 264.2.3.1. A composição do CBH ....................................................................................................... 264.2.3.2. Os trâmites para a proposta de instituição de um CBH ................................................ 274.2.3.3. Os requisitos relativos ao conteúdo da proposta ........................................................... 274.2.3.4. A operacionalização da proposta ..................................................................................... 284.2.3.5. A área geográfica e as competências do CBH .................................................................. 28

5. Considerações finais ................................................................................................................... 30

6. Bibliografia .................................................................................................................................. 32

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1. Introdução

Este estudo objetiva contribuir com o conhecimento do estatuto daságuas transfronteiriças que circulam nos territórios e no subsolo dosquatro países – Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai - situados no âmbi-to espacial do Aqüífero Guarani, do ponto de vista das normas jurídicasaplicáveis e da adequação dessas normas à resolução dos problemas quese apresentam. O acervo de normas jurídicas relativas à gestão da água,nos países partícipes do espaço geográfico do Aqüífero Guarani, incluiuma grande quantidade de soluções para os numerosos problemas exis-tentes. Entretanto, uma análise atenta desse acervo revela algumas desuas importantes limitações.

O Brasil tomou a dianteira na elaboração de uma legislação internaespecífica, ao adotar, em 1997, a Lei Federal nº 9.433/97, da Política Naci-onal de Recursos Hídricos. Os países vizinhos também possuem normasespecíficas ou enfrentam os desafios de adotá-las e de implementá-las.Entretanto, o assunto não se resume a estudos paralelos e eventualmentecomparativos de legislações nacionais. O objetivo precípuo do estudo éde buscar estabelecer o que as normas existentes significam para o espa-ço geográfico de referência no seu conjunto, uma vez que existem inúme-ras relações simbióticas entre os quatro países, por causa da circulaçãodos recursos hídricos. Apesar de marcados pelos ciclos das águas, faltamuito para que os quatro parceiros tenham soluções normativas à alturade seus desafios.

As soluções puramente nacionais têm variado ao sabor das evoluçõespolíticas internas, mais acentuadas, em época recente, no Uruguai e naArgentina. Por outro lado, o mosaico das normas puramente internas édistinto do conjunto de normas que poderiam ser aplicadas pelos quatropaíses em conjunto: o Direito Internacional Público não espelha neces-sariamente o conteúdo das normas nacionais, mesmo que estas sejamidênticas em quatro Estados diferentes; o que não é o caso. Parece neces-sário, portanto, estudar os pormenores específicos do Direito Internaci-onal para verificar se parecem melhores as perspectivas de harmonia apartir desse enfoque.

A realização dessas análises também pressupõe que se assinalem asdistintas possibilidades de intervenção dos órgãos legislativos nos diver-sos Estados em relação à elaboração ou adoção de eventuais tratados, queacabariam se tornando normas nacionais de seus signatários. Esse assuntoapresenta numerosas dificuldades de teoria jurídica e de prática política,que também dependem de tradições jurídico-políticas diferentes, as quaisdevem somar-se o estudo das contribuições atuais da Comissão de DireitoInternacional da Organização das Nações Unidas (ONU), que objetiva darsua contribuição especial na elaboração de normas relativas à exploraçãode jazidas minerais líquidas: água, petróleo e gás.

A apresentação da problemática está dividida em três partes. Na pri-meira, apresentam-se a área internacional e os modelos que servem dereferência para a elaboração das normas: o referente ultraliberalprivatizante e o referente nacionalista publicizante, dentro do quadroespecífico do Direito Internacional Público. A segunda parte está dedicadaaos contextos normativos brasileiros: as águas subterrâneas na legisla-ção; o domínio das águas subterrâneas; a Política Nacional de RecursosHídricos; a dicotomia entre águas minerais e águas subterrâneas e umaindagação sobre um eventual estatuto internacional para o AqüíferoGuarani. Na terceira parte, analisam-se algumas das instituições brasi-

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leiras voltadas para a gestão da água e caracte-rizam-se importantes problemas de participa-ção no processo de gestão.

2. A área internacional e seus dois modelosde referência

2.1. Parâmetros essenciais das normasinternacionais

Do ponto de vista da elaboração dos trata-dos, esbarra-se na competência dicotômica prá-tica entre os Poderes Executivo e Legislativo.Aquele “celebra” tratados (Art. 84, Inciso VIIIda Constituição Federal - CF). Este possui acompetência exclusiva da aprovação em últi-mo recurso (Art. 49, I da CF), porém não costu-ma estar aparelhado para fazer a avaliação ade-quada dos princípios e das normas de DireitoInternacional embutidos nos tratados que elepassa a aprovar ao “resolver definitivamente”sobre os textos jurídicos, no intuito deconfirmá-los como normas válidas no territó-rio nacional. Ocorre que nossa capacidade dedecidir normas internas sobre assuntos comoo estatuto dos recursos hídricos está sobrema-neira condicionada por opções estruturais ela-boradas no âmbito dos organismos internacio-nais políticos, econômicos e comerciais do sis-tema das Nações Unidas e da Organização Mun-dial do Comércio (OMC).

Os recursos hídricos internacionais devemser considerados em função de um contextoclássico criado no Congresso de Viena de 1815,mas também dentro de parâmetros muito maisrecentes que se constituíram a partir dos anos1980 e que serão objeto de maior atenção. De1815 a 1921, a liberdade de navegação comerci-al ocupa toda a atenção. A partir da primeiraGuerra Mundial, a produção de energia hidre-létrica passa a constituir um novo uso, porémsem introduzir fator de concorrência. Mas, nonovo contexto ultraliberal dos anos 1980, a si-tuação se altera de maneira muito sensível. Ademanda por água de qualidade aumenta sig-nificativamente, porém a quantidade disponí-vel tende a diminuir, em termos relativos e ab-solutos, por causa do crescimento populacionale do aumento das necessidades de cosumo,particularmente na agricultura para produziralimentos, mas também na indústria. Adeslocalização1 de parte significativa do parqueindustrial poluente, dos países do hemisférionorte para os do “terceiro” mundo, contribuipara piorar o balanço global.

Do ponto de vista do Direito InternacionalPúblico, os rios são sucessivos ou contíguos. OsEstados ribeirinhos dispõem de maior autono-mia para usar as águas dos rios sucessivos, mes-mo que devam observar comportamentos míni-mos, como evidenciaram os ajustes realizadosem torno da construção de Itaipu, entre 1962 e1982. Já nos rios contíguos, os problemas po-dem ensejar polêmica com mais facilidade, comoveio lembrar a recente (março de 2006) decisãouruguaia de construir fábricas de celulose que,segundo a Argentina, poderiam no futuro pro-duzir impacto ambiental relevante.

Ainda é necessário evocar o novo contextodos usos mais recentes da água para entender agravidade dos problemas. Aos problemas anti-gos de garantia de navegação ou de repartiçãode cotas para produzir energia, somam-se asquestões da escassez de água quando os usossão consuntivos e da exploração predadora emcontínua expansão, que desconsidera os impac-tos ambientais e agrava as conseqüências noci-vas de todas as utilizações.

Nesse contexto, existem hoje em dia duascorrentes essenciais em relação à adoção de re-gimes jurídicos nacionais relativos aos recur-sos hídricos: o “modelo” ultraliberal e a opçãonacionalista.

2.2. O referente ultraliberal é privatizante epromove mercados abertos

O conceito de água virtual apareceu recente-mente na literatura especializada. O Brasil, se-gundo maior detentor de recursos de água docedo mundo (depois do Canadá), é o 10° produtorde água virtual do planeta. Os estudiosos consi-deram água virtual toda a água usada para se fa-bricar um bem. Pode ser uma fruta produzidano Baixo São Francisco, uma roupa do pólo têx-til de Blumenau, um quilo de carne do MatoGrosso. Nessa percepção, um quilo de pão usa150 litros de água, enquanto um quilo de batataconsome dois mil. Um quilo de carne, do nasci-mento do boi até o prato do consumidor, gastade 10 mil a 13 mil litros de água. Nesse cálculo,entra não só a água consumida diretamente peloanimal, que varia de 50 a 60 litros por dia, comotambém a água utilizada para produzir a alimen-tação do gado. Em média, cada quilo de soja exi-ge dois mil litros de água para ser produzido.

A água que corre no vale do rio São Francis-co é um bom exemplo de água que não pareceinternacionalizada; porém é. De um lado, têm-se os problemas tradicionais de usos múltiplos:

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a produção de energia e a irrigação são, hoje em dia, os dois usos econô-micos mais importantes das águas do rio São Francisco. A navegação,outrora primeiro uso econômico, está hoje como uma lembrança ou umsonho: ela é saudade, para quem olha o último dos vapores fluviais, oBenjamin Constant, praticamente imobilizado em Pirapora (MG), ondeas águas tendem a tornar-se rasas demais, mesmo para seu insignificantecalado. Mas a navegação é o sonho dos que gostariam de dispor de ummeio seguro e barato de escoar a safra de grãos que toma conta de regiõesimensas, como o oeste da Bahia.

A irrigação, entretanto, é a que recebe maior ênfase, seja para aumen-tar as áreas já existentes na bacia do São Francisco, seja para reivindicara transferência de volumes d’água para outras regiões. Parte significativada água usada na irrigação está internacionalizada pelo fato de que a pro-dução agrícola local é exportada. Pode-se dizer que as populações euro-péias, e outras, que importam as frutas produzidas no vale do São Fran-cisco, matam sua fome com a água disponível no Brasil que é incorpora-da às frutas exportadas. Se for necessário usar 10 mil litros d’água paraobter uma espiga de milho, o país que importa milho deixa de usar suaprópria água e a importa, por enquanto a preço vil, embutida no produtocomprado no exterior. Esses mecanismos mal começaram a ser levadosem consideração, mas ninguém duvida de que eles deverão transtornarvários aspectos de diversos fenômenos geopolíticos mundiais. Em pri-meiro lugar, feito commodity, a água terá seu próprio mercado como subs-tância bruta a ser transportada e consumida fora dos lugares de produ-ção-captação, em quantidades que, hoje em dia, ultrapassam os limitesda imaginação.

Além da exportação da água, a internacionalização estará implícita emtodo projeto de grandes obras que venham viabilizar a navegabilidadedos rios, como no caso da Hidrovia Paraná–Paraguai. As infra-estruturasgigantescas drenam os recursos de todos/as os/as contribuintes para aconstrução de obras que beneficiam a exportação de insumos e barateiamseu custo para consumidores/as estrangeiros/as.

É uma nova perspectiva estratégica, geopolítica e comercial: o consu-mo de água de boa qualidade nos leva a considerar um novo aspecto doseu aproveitamento internacional. Trata-se da retirada de grandes quan-tidades de água, potável ou simplesmente doce, de um determinado lu-gar, para finalidades de exportação. Podem ser evocadas as informações,periodicamente veiculadas pela imprensa, relativas ao aproveitamentode geleiras dos pólos, a serem rebocadas para os lugares de consumo; oua venda da água de certos países, onde os recursos hídricos são abundan-tes e, portanto, sobram para os países com agudas carências.

Deve-se sublinhar a percepção incuravelmente antropocêntrica em-butida nessa consideração simplória, diretamente inspirada pela ob-sessão de que a solução está no mercado. É corriqueira, na literaturadita científica, a afirmação segundo a qual a água está mal distribuída,em função das necessidades das populações. Essa perspectiva postu-la implicitamente que o crescimento populacional e o aumento dasnecessidades de consumo de toda ordem estão corretos. O que estáerrado é a distribuição mundial dos recursos, em particular da água.É a água que está nos lugares errados, onde não se necessita dela. Nãoé a população que está errada, por crescer em excesso ou por encon-trar-se em lugares nos quais não há a água necessária à sua sobrevi-vência, ou por poluir a água de tal maneira que a única solução pareceser importar a água de outros lugares.

1 A deslocalização, segundo oprofessor da UniversidadeEstadual de Maringá, HugoAgudelo, “torna o territóriocada vez menos importantecomo elemento fundamentalda produção de bens [...] Istosignifica que tanto o Estado,quanto a fronteira e oterritório, perdem aimportância que até aquimantiveram, devendomodificar-se profundamentepara responder às exigênciasque a nova divisãointernacional do trabalho e, anova organização do processoprodutivo reclamam”. Verhttp://www.dge.uem.br//geonotas/vol1-2/geopol1.html, acessado em 19de abril de 2007.

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Assim, parece natural transpor a água do rioSão Francisco para o Nordeste; vender a águado Canadá para a Califórnia ou desviar a águado Ródano (França) para alimentar Barcelona(Espanha). Mas deve-se enfatizar que esse tipode solução apenas reproduz as atitudes errône-as atuais, ampliando os problemas em vez deenfrentá-los. Esse tipo de atitude promove aidéia de que o que falta em um lugar e existeem abundância noutro pode ser objeto de com-pra e venda; que basta que uns queiram com-prar para que outros tenham que vender, pois éóbvio que ninguém pode querer reter o que estáabundante, desnecessário e com baixo ou ne-nhum valor econômico.

O elemento natural que está escasso em umlugar e abundante em outro é um recurso. O diaem que alguém avalia que esse recurso pode serpedido e adquirido, ele passa a ser um bem; comestatuto eventual de mercadoria. O mundo in-teiro, na atual fase ultraliberal, passou a promo-ver a mercantilização da água como um fenôme-no normal, como um postulado perfeitamenteinevitável. A água do rio São Francisco que vaipara o oceano é reputada como perdida. Não éconsiderada necessária à contenção da violên-cia do mar, que já iniciou sua obra de destruiçãoda área estuarina do São Francisco, em razão da“regularização da vazão” do rio promovida pelaoperação de cascata de barragens da CompanhiaHidroelétrica do São Francisco (CHESF). A águado Canadá está infinitamente disponível paraalimentar a agricultura da Califórnia, pois, noCanadá, ela não serve para nada.

As ocorrências e tendências descritas ilus-tram a tendência ultraliberal: a água de quali-dade, vista como recurso-bem-mercadoria-commodity, passa a ser objeto de transaçõescomerciais, como qualquer bem-recurso escas-so, com a óbvia conseqüência de que quem podepaga, e quem não pode pagar, fica sem. Conse-qüência óbvia, porém não assumida explicita-mente. A Organização Mundial do Comércio(OMC), no âmbito da Rodada de Doha, desdedezembro de 2001, tenta promover a água aoestatuto de bem objeto de serviços: captação,tratamento, transporte, distribuição e disposi-ção final das águas servidas são serviços quedevem ser liberalizados e deixados a quem sedispõe a oferecer as melhores condiçõescontratuais de atendimento, em função da in-dicação objetiva dos parâmetros do serviço aser prestado. Essa postura já vem ensejandoprotestos e busca de alternativas há anos.

2.3. O referente nacionalista é publicizante eobjetiva mercados preservados

Contra a inclusão total, nos mercados, de bense serviços considerados essenciais ou particu-larmente sensíveis, nasceram conceitos-de-resis-tência e outras decisões políticas caracterizadas.Um conceito-de-resistência de grande utilidadeprática foi o de exceção cultural, nascido na Fran-ça, na década de 1990, para obstar a liberalizaçãode mercado do conjunto de bens culturais liga-dos à comunicação e à informação de toda or-dem: a produção, transmissão, estocagem e aqui-sição de bens da indústria da comunicação, dodisco ao vídeo, da fotografia aos programas decomputadores, do cinema aos direitos autoraisligados a todas essas atividades.

Em abril de 2006, a Bolívia passou a pedirque os serviços de água fossem retirados dasnegociações entabuladas pela OMC, pouco tem-po após o Fórum Social Mundial ter recomen-dado que tal decisão fosse adotada pelos paísesparticipantes. Além disso, a Bolívia manifestouà OMC que pretende retirar as propostas deliberalização manifestadas no período de 2003 a2005, no sentido de abrir seu mercado nacionalàs “demandas de mercado” de toda origem. Nomesmo momento, o governador do Estado nor-te-americano de Oregon, também pedia que seuEstado fosse isento de certas conseqüências daaplicação do Acordo Geral sobre o Comércio deServiços (AGCS), por meio do qual a OMC regu-lariza a liberalização dos serviços de água.

O referente nacionalista é publicizante, nosentido de voltar a promover a gestão públicasdas águas. Isso ocorre por diversos motivos: máqualidade do atendimento e redução da popu-lação atendida pelas companhias concessioná-rias; custos e preços cobrados ampliados emproporções astronômicas; exportação dos lu-cros; insuficiência dos investimentos para ga-rantir a continuidade dos serviços; falta demanutenção dos equipamentos recebidos. Nosúltimos dez anos, os contratos e concessões as-sinados entre Estados e companhias de servi-ços de água, como Suez Véolia (França),Lyonnaise des Eaux (França), Bechtel (EstadosUnidos), Thames Waters (Inglaterra) foram des-respeitados pelas companhias. O objetivo des-sas empresas é o lucro e não a garantia de fun-cionamento de um serviço público universal,indispensável à totalidade da população. Sur-giram contenciosos graves, às vezes depois deviolentas manifestações populares, como ocor-reu em Cochabamba (Bolívia), em março de

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2001, ou na África do Sul. Ásperas discussões com os governos dos paí-ses interessados levaram companhias a se retirarem de diversos países,como Argentina, África do Sul, Bolívia e Índia.

Em conseqüência das crises, nascem decisões políticas no intuito depreservar e de reservar os serviços públicos internos de água, exatamen-te na contramão dos esforços da OMC no sentido de exigir a abertura de“mercado” dos serviços essenciais à concorrência internacional. A Bolí-via retirou os serviços de água da pauta negociável pela OMC. A Argenti-na marcou posições extremamente firmes contra as pretensões de certasconcessionárias. Disso nasceu pelo menos um contencioso internacio-nal à iniciativa da Compañia de Águas del Aconquija contra o Governonacional, atualmente (desde outubro de 2006) em andamento no âmbitodo Centro Internacional de Controvérsias sobre Investimentos (CIRDI). Aprópria existência desse tipo de contencioso constitui poderoso motivode restrição ao acesso aos mercados nacionais: além do péssimo serviçooferecido, as companhias estrangeiras buscam compensações, de impos-sível logro nos sistemas jurisdicionais dos países de sua atuação, junto aentidades cuja competência implica deslocalizar a jurisdição competen-te, em óbvio prejuízo ao respeito às decisões e finanças nacionais.

No Uruguai, as eleições de outubro de 2004, que levaram ao PoderExecutivo o presidente Tabaré Vasquez, foram realizadas simultaneamentea um referendo popular de iniciativa da sociedade civil, cuja aprovaçãosignificava a re-publicização dos serviços de água no país e a proibiçãode toda privatização futura. Em fevereiro de 2006, o governo fechou acor-do com a empresa Águas de Barcelon (AgBar), subsidiária do grupo fran-cês Suez, comprando sua participação acionária no grupo Aguas de laCosta. Simultaneamente, anunciou a criação de uma empresa mista (pú-blico-privada) para continuar a prestação do serviço. A Comisión Nacio-nal en Defensa del Agua y de la Vida (CNDAV), que promoveu a reformaconstitucional referendada em 2004, manifestou imediatamente sua opi-nião de que a solução adotada pelo governo contradizia a nova redaçãoconstitucional, não só em relação à forma de indenização da Suez, comotambém à fórmula jurídica encontrada para a continuidade da prestaçãode serviço. No caso, verifica-se que a possibilidade de conflito passa deum eixo internacional para uma contenda interna: um governo triunfal-mente eleito começa a perder legitimidade em função de suas tergiversa-ções na política nacional de recursos hídricos.

Esses contextos ilustram a grande diversidade de situações entre osquatro países detentores de partes das reservas do Aqüífero Guarani.Não só suas legislações internas são diferentes - ou até incompatíveis, seconsideradas as modalidades de gestão, posse ou propriedade; partici-pação dos grupos sociais e econômicos nas tomadas de decisão; e os ob-jetivos oficiais das políticas públicas -, como não há motivo de pensarque usariam as mesmas referências normativas de direito internacional.Essa situação nos leva a fundados receios em relação ao Aqüífero Guarani.

3. O contexto normativo brasileiroUma reunião realizada em Foz do Iguaçu, no Paraná, em janeiro de 2000,

foi o marco inicial das discussões entre Argentina, Brasil, Paraguai e Uru-guai em torno de um projeto comum de pesquisa, para avaliação de potenci-al e de exploração do Aqüífero Guarani. O Banco Mundial (BIRD) aprovou aproposta que lhe foi submetida. O projeto, iniciado em março de 2003, estáem fase de execução e tem a conclusão prevista para fevereiro de 2009. O seuobjetivo é apoiar os quatro países na elaboração e implementação coordena-

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da de uma proposta de modelo institucional, le-gal e técnico comum para a preservação e ogerenciamento do Sistema Aqüífero Guarani(SAG) para as gerações atuais e futuras.

O Banco Mundial, através do GlobalEnvironment Facility (GEF), fundo para o meioambiente mundial, viabilizou a maior parte dosrecursos internacionais. Coube à Organizaçãodos Estados Americanos (OEA) ser a agênciaexecutora do projeto, por usar a justificativa deque já possui experiência em coordenar gran-des projetos internacionais que envolvam maisde um país. A Agência Internacional de Ener-gia Atômica (AIEA) irá colaborar com os estu-dos relativos à energia geotérmica existente noGuarani. O Programa de Recursos Hídricos doBanco Mundial e do Governo do Reino dos Pa-íses Baixos (BNWPP) e o Programa de Coope-ração do Paraguai e Serviço Geológico da Ale-manha (BGR/PY) também participam do proje-to com recursos financeiros.

3.1. As águas subterrâneas na legislaçãobrasileira

No Brasil, a tutela das águas subterrâneas éextremamente frágil, do ponto de vista legal. Alegislação federal carece de normas específicassobre águas subterrâneas e, nos Estados, são pou-cos os que editaram leis nesse sentido. A ausên-cia de legislação específica sobre o tema não de-veria ser um grande problema, posto que existemdiplomas (normas e tratados aprovados pelo país)que tratam de recursos hídricos em geral, tantoem âmbito federal quanto estadual. No entanto,as legislações existentes são confusas, chegando,em muitos casos, a ser contraditórias quando con-sideram as águas subterrâneas ora como recursohídrico, ora como recurso mineral.

No caso do Aqüífero Guarani, que étransfronteiriço, a complexidade para identifi-car a legislação aplicável à sua exploração au-menta muito, a começar pela questão dadominialidade.

3.2. Domínio das águas subterrâneasA Constituição Federal de 1988, no seu art.

26, inciso I, define como bens dos Estados “aságuas superficiais ou subterrâneas, fluentes,emergentes e em depósito, ressalvadas, nestecaso, na forma da lei, as decorrentes de obrasda União”.

Antes da Carta Constitucional, as águas sub-terrâneas eram consideradas do dono do terre-no em que se encontravam por acessão, como

disposto no art. 526 do Código Civil (1916) e noart. 96 do Código de Águas, permitindo que oproprietário delas usufruísse desde que não pre-judicasse outros aproveitamentos existentes.

Assim, como no caso das águas superfici-ais, a transferência do domínio das águas sub-terrâneas para os Estados fez com que os anti-gos proprietários pudessem valer-se do direitode uso, porém sempre sujeitos à outorga con-cedida pelo Poder Público.

A questão do domínio das águas subterrâ-neas pode tornar-se controvertida quando seanalisam grandes aqüíferos, como o Guarani,que abrange o território de vários Estados bra-sileiros e estende-se além das fronteiras nacio-nais. A possibilidade de que cada Estado tenhauma legislação distinta sobre águas subterrâ-neas e, portanto, uma política diferente e semnenhuma coordenação de utilização doAqüífero, pode levar à má utilização e, conse-qüentemente, à exaustão dos recursos.

De acordo com publicação elaborada pelaSecretaria de Recursos Hídricos do Ministériodo Meio Ambiente, para a divulgação da Lei n°9.433, de 8 de janeiro de 1997, a determinaçãodo domínio das águas subterrâneas depende-ria da seguinte análise (trata-se de um análiseerrônea, por desrespeitar exigênciashermenêuticas elementares e estabelecer pre-sunções verossímeis, porém descabidas):

“No caso das águas subterrâneas, osaqüíferos, entendidos como estruturas queretêm águas infiltradas, podem ter pro-longamentos além das fronteiras estadu-ais, passando, portanto, a ser de domí-nio federal. Essas águas, assim, podemser federais ou estaduais, diferente do quese popularizou como titularidade dos Es-tados. A caracterização vai depender dasdireções dos fluxos subterrâneos e dasáreas de recarga (alimentação) e se asobras para a sua captação foram contra-tadas pelo poder público federal.”2

Com efeito, basta observar, como faz Freitas, que:“não é possível concluir que tal circunstân-cia (de um aqüífero se estender pelo territó-rio de mais de um Estado) torne as águassubterrâneas bens da União, pois inexistequalquer dispositivo na Carta Magna quedisponha de tal forma. E não é possível fa-lar-se em analogia com a situação das águassuperficiais, ou seja, os rios que dividem ouatravessam dois ou mais Estados.”3

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No caso do Aqüífero Guarani, tanto pela sua extensão como pela quan-tidade e qualidade de água nele armazenada, deve ser defendida sempreuma gestão integrada dos seus recursos. Os Estados brasileiros devemutilizar-se desse bem considerando suas características gerais e a Uniãodeve estimular a cooperação visando à sua utilização sustentada, tantointernamente quanto com relação aos demais países que também abri-gam partes do Guarani.

A divergência existente sobre o domínio de grandes aqüíferos tem umcaráter muito mais formal e não pode servir de empecilho para a elabora-ção de programas conjuntos de uso sustentado das águas subterrâneas.Até porque a preservação e o uso racional dos recursos naturais (inclusi-ve a água) são uma obrigação de todos. A rigor, só faltaria enfrentar comboa fé o problema da “articulação” entre a União e os Estados, previstapela Constituição Federal.

3.3. Política Nacional de Recursos HídricosUma primeira distinção fundamental deve ser efetuada entre águas

subterrâneas e águas minerais. Essas duas expressões se referem a doisconceitos jurídicos diferentes, apesar da aparente identidade materialentre as duas.

A legislação federal carece de texto específico sobre águas subterrâne-as, apesar da existência da Lei n° 9.433/97, que trata da Política Nacionalde Recursos Hídricos, e que deveria suprir essa necessidade, visto que aágua subterrânea também é um recurso hídrico. No âmbito do ConselhoNacional de Recursos Hídricos, existe um grupo de trabalho que objetivaproduzir um texto para legitimar a transferência da dominialidade daságuas subterrâneas dos Estados-Membros à União.

O ciclo hidrológico demonstra a ligação e dependência das águas su-perficiais com as subterrâneas, o que sugere a prática de gerenciamentointegrado. Como a própria Lei estabelece como um de seus objetivos “autilização racional e integrada dos recursos hídricos” (art. 2°, inc. II),pode parecer lógico atribuir a dominialidade a uma única instância naci-onal, de âmbito federal. Essa não é a opinião dos poderes executivos dediversos Estados, que advogam pela “articulação” de competências entrea União e as unidades federadas. Tal articulação está prevista pelo textoconstitucional federal, porém nunca foi objeto de qualquer tipo de nego-ciação entre os diversos interessados.

No que tange à proteção das águas subterrâneas, a Lei n° 9.433/97 trouxeum grande avanço, qual seja, a implantação da outorga do direito de usode recursos hídricos (artigos 11 ao 18), objetivando “assegurar o controlequantitativo e qualitativo dos usos da água e o efetivo exercício dos direi-tos de acesso à água”. A outorga não implica alienação parcial das águas,que são inalienáveis, mas o simples direito de seu uso. Pode ser suspensonos seguintes casos: não cumprimento pelo outorgado dos termos daoutorga; não uso por três anos consecutivos; necessidade de utilizaçãoda água para atender a situações de calamidades, para prevenir ou rever-ter grave degradação ambiental; ou atender a usos prioritários, de inte-resse coletivo, para os quais não existam fontes alternativas, ou ainda,para manter as características de navegabilidade do corpo de água.

A outorga de direito de uso deve ser pedida tanto para a exploraçãodos recursos hídricos superficiais como subterrâneos, permitindo mai-or controle sobre as quantidades de água utilizadas. A questão da outor-ga tem um valor especial para o controle do uso das águas subterrâneasporque obrigará o poder público a: formar um cadastro de todos os poços

2 GRAF, Ana Claudia Bento.Águas: aspectos jurídicos eambientais. Curitiba: Juruá,1999, p. 65.3 Freitas, Vladimir Passos.Águas: Aspectos JurídicosAmbientais. Curitiba: Juruá,1999, p. 24.

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existentes; outorgar a quantidade de água queestá sendo retirada, exceto em casos de usosinsignificantes que, mesmo assim, devem sercadastrados; fiscalizar melhor a manutençãodos poços; e evitar que novos poços sejam fei-tos fora dos padrões técnicos ou abandonadossem o devido tamponamento, o que gera riscosde contaminação do subsolo.

3.4. Águas minerais versus águas subterrâneasAo se enfocar o tema de águas subterrâneas,

é fundamental a análise do regime jurídico di-ferenciado das águas minerais e das águas po-táveis de mesa, já que são tratadas como recur-sos minerais, e não como recursos hídricos.

A Constituição Federal de 1988, no seu art.20, inc IX, dispõe que “os recursos minerais,inclusive os do subsolo, são considerados bensda União”. As jazidas, em lavra ou não, e osdemais recursos minerais, constituem propri-edade distinta do solo para efeito de explora-ção ou aproveitamento, pertencente à União,garantida ao concessionário a propriedade doproduto da lavra. No mesmo sentido, afirma oCódigo de Mineração (Decreto-Lei n° 227/67),no seu art. 84: ”A jazida é bem imóvel, distintodo solo onde se encontra, não abrangendo apropriedade deste o minério ou a substânciamineral útil que a constitui”.

Apesar de considerar a propriedade da jazi-da distinta da propriedade do solo, a Consti-tuição Federal e o Código de Mineração garan-tem ao proprietário do solo uma participaçãonos resultados da lavra4, pois, com a explora-ção do minério, ocorre a impossibilidade deutilização do solo. No caso de lavra de águasminerais, essa restrição de utilização do solo éainda maior, tendo em vista que é necessáriauma zona de proteção ao redor do poço dondese extrai a água, sendo proibido o exercício deatividades potencialmente poluidoras dosubsolo para garantir a qualidade da jazida deágua explorada.

Segundo o art. 4º do Código de Mineração,jazida é “toda massa individualizada de subs-tância mineral ou fóssil, aflorando à superfícieou existente no interior da terra e que tenhavalor econômico”.

Lavra, segundo o art. 36 do mesmo diploma,pode ser entendida como “o conjunto de ope-rações coordenadas objetivando o aproveita-mento industrial da jazida, desde a extraçãodas substâncias minerais úteis que contiver atéo beneficiamento das mesmas”.

O Código de Mineração dispõe (art. 10) queas jazidas de água mineral em fase de lavra e asde águas subterrâneas deverão obedecer à le-gislação especial, no caso o Decreto-Lei n° 7.841/45, denominado Código de Águas Minerais, oqual estabelece que:

Art. 1º - “Águas minerais” são aquelasprovenientes de fontes naturais ou de fon-tes artificialmente captadas que possuamcomposição química ou propriedades fí-sicas ou físico-químicas distintas daságuas comuns, com características quelhes confiram uma ação medicamentosa.Art. 3°- Serão denominadas “águas po-táveis de mesa” as águas de composiçãonormal provenientes de fontes naturais oude fontes artificialmente captadas quepreencham tão-somente as condições depotabilidade para a região.

Na prática, é muito difícil verificar, no casodas águas minerais, o que são características“distintas das águas comuns” e o que é “açãomedicamentosa”, já que, “a rigor, toda águanatural, por mais pura que seja, tem um certoconteúdo de sais.”5 Isso acontece porque aságuas superficiais em contato com o solo dis-solvem minerais existentes nas rochas. No casodas águas subterrâneas, o processo demineralização das águas é acentuado. A infil-tração ocorre lentamente, havendo, portanto,grande contato com o solo. A elevação da tem-peratura geotérmica aumenta a capacidade daágua de dissolver minerais e incorporar solutos.Logo, quanto maior a profundidade do reserva-tório subterrâneo, maior a possibilidade de aágua ser enriquecida com sais.

Assim, conclui-se que toda água subterrânea,desde que tenha boa condição de potabilidade,pode ser explorada e comercializada como águamineral ou potável de mesa, demonstrando aincoerência legal no tratamento da matéria.

Dessa forma, as águas minerais, que são águassubterrâneas, enquanto recurso mineral estãosujeitas às normas do direito minerário, comotambém estão sujeitas às normas ambientais porforça de sua natureza de bem ambiental. Contu-do, não estão sujeitas às normas relativas à ges-tão de recursos hídricos para o controle quanti-tativo e qualitativo de seu uso. Segundo os cri-térios do Decreto-Lei nº 7.841/45, denominadoCódigo de Águas Minerais, fica estabelecido:

“O aproveitamento comercial das fontesde águas minerais ou de mesa, quer situ-

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adas em terrenos de domínio público, quer de domínio particular,far-se-á pelo regime de autorizações sucessivas de pesquisa e lavrainstituído pelo Código de Minas, observadas as disposições especi-ais da presente lei.”

Esse regime de autorizações e concessões abrange tanto as águas des-tinadas ao consumo humano como também as destinadas a fins balneári-os, como as estâncias termais. As autorizações e concessões podem serobtidas através de requerimento ao Ministério de Minas e Energia. ODepartamento Nacional de Produção Mineral é o responsável pela fisca-lização, com a atuação suplementar das autoridades sanitárias e admi-nistrativas federais, estaduais e municipais (Ministério da Saúde e Se-cretarias da Saúde).

Para tornar mais complexo o fato de existirem duas legislações sobre amesma água, existe ainda a questão da dominialidade. Como já dito, a Cons-tituição Federal determina que os recursos minerais são bens da União eque as águas subterrâneas são bens dos Estados. No caso das águas mine-rais, que são recursos minerais e águas subterrâneas, a quem pertencem?

Pela sistemática brasileira, as águas subterrâneas pertencem à Uniãoquando a finalidade da exploração é a venda da água como produto, isto é,o envasamento de água mineral para comercialização, sendo considerada,neste caso, recurso mineral. No entanto, as águas subterrâneas podem per-tencer aos Estados sempre que tiverem outras destinações (abastecimentopúblico, irrigação, incorporação ao processo produtivo, etc.). Essesintrincados problemas ajudam a entender qual poderá ser a polêmica in-ternacional, em caso de adoção de normas internas diferentes pelos quatropaíses interessados na exploração do Aqüífero. Isso explica porque houveesforços internacionais e regionais de adoção de normas comuns.

3.5. Um estatuto internacional para o Aqüífero GuaraniEm âmbito internacional, verificam-se dois tipos de esforços para en-

contrar soluções normativas para a exploração dos recursos do AqüíferoGuarani. De um lado, foram empreendidos estudos na Comissão de Di-reito Internacional (CDI) da ONU; de outro, os quatro países implicadosna posse de partes do domínio do Aqüífero trataram de negociar um regi-me jurídico comum, que pudesse inclusive ser proposto como modelo àCDI. Se esta não o referendasse, poderia mesmo assim ser consideradocomo solução válida em âmbito regional.

A CDI foi encarregada de elaborar um novo texto sobre um assuntoespecífico de relações interestatais: os recursos líquidos compartilhadosentre Estados. O tema faz parte do estudo encomendado à CDI sobre osrecursos naturais líquidos transfronteiriços, petróleo, gás e água. Já sechegou ao esboço de um texto6, cuja versão definitiva ainda poderá de-morar anos e, eventualmente, nunca ser ratificado por um número sufi-ciente de Estados para tornar-se tratado internacional, com disposiçõesjuridicamente obrigatórias.

Essa desventura ocorreu com a Convenção sobre o direito relativo aosusos dos cursos de água internacionais para fins diversos da navegação,dita Convenção de Nova Iorque (1997)7. Esse texto foi reputado impró-prio para os problemas específicos das jazidas líquidas. A observaçãoestá tecnicamente acertada e politicamente fora do contexto. A Conven-ção de Nova Iorque exigiu mais de um quarto de século de esforços e estáaguardando as 35 ratificações que a tornariam tratado efetivo; mal che-gou a 13, em uma década de espera. Num contexto em que a água passou

4 BRASIL. ConstituiçãoFederal, Art 176 e incisos. Ed.RT. São Paulo, 2000.5 Verwww.meioambiente.pro.br/agua/guia/aguamineral.htm6 Trabalhos da 58ª Sessão daCDI (junho de 2006). Títulose textos dos rascunhos deartigos adotados pelo Comitêde Redação em primeiraleitura: U.N. Doc. A/CN.4/L.688, 7 junho de 2006.7 Versão em francês: NationsUnies. Assemblée Générale. A/RES/51/229, 8 juillet 1997.Convention sur le droit relatifaux utilisations des coursd’eau internationaux à desfins autres que la navigation.Resolução adotada pela AG daONU em 21/5/1997. Texto emportuguês: CAUBET, ChristianGuy. A água doce nas relaçõesinternacionais. Bauru (SP):Manole. p. 195-213.

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a ser considerada um recurso econômico, os Es-tados não ratificam um texto que traria obriga-ções que eles não querem assumir, mormentese estão a montante dos cursos d’água interna-cionais: posição hidropolítica em que eles con-trolam a situação e praticamente todas as de-mandas de água, inclusive em relação aos Esta-dos situados a jusante. É provável que as obri-gações introduzidas no projeto de artigos ela-borado pela CDI tornem o texto repulsivo paraos membros da ONU que possuem interesseshídricos subterrâneos “compartilhados” comoutros Estados.

A noção de interesses hídricos compartilha-dos já ensejara importante polêmica entre ospaíses ribeirinhos da Bacia do Prata, na opor-tunidade da construção da barragem de Itaipu.As interpretações acertadas na região, ao cabode muitas negociações, consolidaram percep-ções pragmáticas em relação a noções como in-formação prévia e prejuízo sensível, que pola-rizaram as distintas posições dos Estados en-volvidos. É provável que a definição de inte-resses nacionais, em relação ao problema espe-cífico dos recursos subterrâneos, levaria a ado-tar idênticas posições de prudência. Informa-ções disponíveis a respeito do esboço de umtexto comum dos quatro países interessados noAqüífero Guarani indicam que os eixos princi-pais de negociação giram em torno dos princí-pios mais tradicionais possíveis: respeito àsrespectivas soberanias, uso nacional liberadosob condição de não provocar prejuízo sensí-vel, informações prévias reduzidas para preser-var a liberdade de iniciativa.

Globalmente, os quatro países concordam(Decisão do Conselho do Mercosul de 07/07/04, de criar um Grupo sobre o Sistema AqüíferoGuarani) em considerar como nova a proble-mática que envolve o Aqüífero; portanto, deve-se elaborar um regime jurídico diferente do queexiste para outros tipos de recursos hídricos,numa atitude de respeito às normas internaci-onais pertinentes já em vigor.

Nesse contexto, os representantes dos Esta-dos envolvidos preconizaram a adoção de con-siderações ou princípios objetivando realizar oconsenso em torno das seguintes referências:os recursos hídricos transfronteiriços integramos domínios nacionais respectivos dos EstadosPartes; cada um usa as águas para si, sem cau-sar prejuízo para os demais, sem provocar con-taminações, em função de considerações derazoabilidade; os quatro colaboram para melho-

rar e alcançar a sustentabilidade; os países tam-bém deverão manter um nível apropriado deinformação entre eles, em particular conside-rando a eventual participação de instituiçõesinternacionais que estiverem envolvidas; áreascríticas específicas poderão receber tratamentoespecial; eventuais atividades de conservaçãoe monitoramento seriam definidas conjunta-mente, sem que, em princípio, se acatasse apriori a idéia de um condomínio entre os qua-tro ou se preconizasse mais uma burocraciainternacional específica.

O fio condutor do raciocínio é o de preser-var o aqüífero, reservando-o para usos decidi-dos nos respectivos âmbitos nacionais dos Es-tados participantes. Essa é a solução mais tra-dicional possível e não dá garantia alguma deque haverá empenho em resolver problemas “bi”ou multilaterais com base nas exigências doDireito Internacional voltado para a preserva-ção do meio ambiente em âmbito regional. Emoutras palavras, as conseqüências mais prová-veis das considerações citadas são de encami-nhar as condições regionais para o tipo de con-texto que se verifica concretamente no caso dasfábricas de celulose que trouxeram o relaciona-mento bilateral entre Argentina e Uruguai (naoportunidade da 26ª Cúpula Ibero-americana,no início de novembro de 2006) a um ponto deelevada tensão8. Isso dá uma idéia do que po-derá surgir de conflitos, pois se estes aparecemmesmo quando há instituições e normas, suasolução depende excessivamente da pura polí-tica bilateral quando as instituições não exis-tem e a participação dos envolvidos não estáobjetivamente organizada.

4. As instituições brasileiras e a participa-ção na gestão das águas

4.1. Definições e ambiguidadesAs carências de participação nas opções de

uso da água, a começar pela definição dos/asgestores/as, podem ser melhor apreendidas apartir das reivindicações formuladas no FórumSocial Mundial. No âmbito das reuniões e dosesforços contínuos dos/as participantes doFórum, a água é um problema de cidadania ede democracia: a gestão integrada sustentável esolidária da água é domínio das democraciasparticipativa, representativa e direta. A com-plexidade do assunto ultrapassa as competên-cias e os conhecimentos dos/as técnicos/as, dos/as engenheiros/as ou dos/as banqueiros/as. O/a

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consumidor/a (pagador/a e não-pagador/a) tem um papel importante adesempenhar em função de suas opções, dentro de práticas norteadaspelos princípios de uma economia e de uma sociedade sustentáveis. Osrequisitos de gestão descentralizada e transparente devem ser aplicadosem todos os âmbitos de tomada de decisão: aldeias, cidades, aqüíferos,bacias, regiões. As práticas locais e tradicionais devem ser respeitadas eresgatadas.

A noção de parceria é fundamental para realizar a gestão de maneiraeficaz e amistosa. A prevalecer uma parceria meramente formal, subme-tida aos interesses dos atores privados motivados pela competição volta-da para a conquista de mercado, seria inevitável que a água fosse reco-nhecida como um bem econômico e comercial. Isso prejudicaria os obje-tivos de acesso à água para todos e de sua gestão integrada.

Garantir o acesso à água para a satisfação das necessidades elementa-res da vida de toda pessoa e das comunidades humanas é uma obrigaçãoda sociedade no seu conjunto. É a sociedade que deve assumir coletiva-mente, por meio de uma tarifa justa para o consumo, o conjunto doscustos relativos à coleta, ao tratamento, à distribuição, à conservação, àestocagem, à utilização, ao re-aproveitamento da água e à disposição fi-nal dos resíduos, bem como determinar quais são as quantias e a quali-dade indispensáveis para os integrantes da comunidade.

O conjunto dos custos inclui as externalidades negativas, que não sãoconsideradas pelos preços de mercado. Esses custos são sociais e coleti-vos e devem ser divididos entre todos/as os/as integrantes da coletivida-de. Os mecanismos de tarifação individual e a progressividade eventualdos preços só podem ser determinados para quantidades de água queultrapassem o mínimo vital indispensável à sadia manutenção das con-dições de vida. Para efeito da preservação das condições de sobrevivên-cia humana, deve-se considerar a quantidade mínima de 50 litros de águapotável gratuita por dia e por pessoa, colocados à disposição no lugar doconsumo, como indicam estudos fidedignos da Organização das NaçõesUnidas:

“Suficiência: o abastecimento de água para cada pessoa deve sersuficiente e regular para as necessidades individuais diárias. Umaquantidade suficiente de água deveria normalmente chegar a 50litros, ou ao nível mínimo essencial (cerca de 20 litros)”.9

Também devem ser lembrados os solenes engajamentos da Agenda21, quando houve, em 1992, no Rio de Janeiro, um apelo universal paraprovidenciar água para as populações humanas do mundo inteiro:

“18.58. Todos os Estados, segundo sua capacidade e recursos disponí-veis, e por meio da cooperação bilateral ou multilateral, inclusive com asNações Unidas e outras organizações pertinentes, quando apropriado,podem estabelecer as seguintes metas:

(a) Até o ano 2000, garantir que todos os residentes em zonas urba-nas tenham acesso a pelo menos 40 litros per capita por dia deágua potável e que 75 por cento da população urbana disponhade serviços de saneamento próprios ou comunitários;(b) Até o ano 2000, estabelecer e aplicar normas quantitativas equalitativas para o despejo de efluentes municipais e industriais;(c) Até o ano 2000, garantir que 75 por cento dos resíduos sólidosgerados nas zonas urbanas sejam recolhidos e reciclados ou elimi-nados de forma ambientalmente segura.Além do mínimo vital, as tabelas de preço devem ser progressivas e

8 Para o contexto do problema:ARBUET-VIGNALI, Heber;BARRIOS, Luis. Chimeneasen Fray Bentos. De un ámbitolocal a una proyecciónglobalizada. Investigaciónrealizada en el marco de la RedAlfa Latino AmericanaEuropea para el Gobierno delos Riesgos. Montevideo: arca.2006. p. 1899 UNITED NATIONS.Economic and Social Council.Committee on Economic,Social and Cultural Rights.29th Session. Geneva, 11-29November 2002, p. 2

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considerar a quantidade utilizada. Osexcessos e abusos de consumo ou de ou-tra utilização devem ser devidamente pe-nalizados.”

É dentro desses parâmetros que se pode evo-car um direito à água. Entretanto, para que essedireito não seja mais um “direito a” 10, para en-feite e declarações voltadas para marketing po-lítico ou como um direito fadado a permanecerletra morta, ele só pode existir se nascer comas garantias de que os poderes públicos devemassumir suas obrigações de respeito, de prote-ção e de implementação. Assim, não há reivin-dicação de um “direito a”, na mesma perspec-tiva dos tradicionais (e ainda irrealizados) di-reitos à saúde, ao emprego, à segurança pesso-al, ao trabalho, etc. Pretende-se exigir a garan-tia de fornecimento da quantidade de água ne-cessária à subsistência dos seres humanos. Comesse escopo, a sociedade organizada exige queo Estado assuma três obrigações precisas:

A obrigação de respeito - os Estados-Partesdevem deixar de interferir na fruição do direi-to de beber água. Isso determina que não podehaver práticas ou atividades que limitem o aces-so igual à água, que contribuam para sua polui-ção ou a diminuição dos estoques, inclusivecomo medida punitiva.

A obrigação de proteção - requer do Estadoque ele impeça outras Partes de interferir nogozo da água potável. As autoridades devemcontrolar todas as atividades, públicas ou pri-vadas, que poderiam ter o efeito de negar o aces-so à água ou de poluir águas por motivo de ati-vidades industriais ou pela sua extração.

A obrigação de implementação - obriga oEstado a adotar todas as medidas necessáriaspara garantir a plena realização do direito de sebeneficiar com água potável. O direito à águadeve ser objeto de adoção das necessárias nor-mas legais e de planos de ação que objetivempromover o direito, em condições econômicassuportáveis por todas as pessoas.

Essas concepções e exigências relativas àágua são diametralmente opostas às da reformaultraliberal, que serviu de modelo ao conjuntode normas elaboradas, no Brasil, a partir da Lei9.433/97. A mercantilização (fazer da água mer-cadoria ou commodity), a privatização, adesregulamentação e a renormatização, bemcomo diversas modalidades de deslocalização,são as características da política preconizadasob a égide dos grandes estados-maiores mun-

diais da água: as firmas privadas e os lobbies,geralmente patrocinados por políticas públicas.A atuação desses grupos de pressão é tãomarcante e seu entrosamento ideológico tãoacentuado, que seus documentos chegam a serdiretamente aproveitados como referências-pa-drão em diversos países, como é o caso da ToolBox., lançada pela Global Water Partnership quese tornou documento de trabalho do Ministé-rio do Meio Ambiente do Brasil.11 A GlobalWater Partnership (GWP) autodefine-se comouma:

“rede internacional aberta a todas as or-ganizações envolvidas com a gestão dosrecursos hídricos: organizações governa-mentais, agências das Nações Unidas,bancos de desenvolvimento bilaterais emultilaterais, associações profissionais,instituições de pesquisa, organizaçõesnão-governamentais e o setor privado.”12

Entretanto, as organizações não-governa-mentais foram excluídas de suas reuniões eesforços.

4.2. Os aspectos legais no Brasil

4.2.1. Parâmetros de participaçãoÉ preciso identificar, no texto da lei, as con-

dições de participação de diversos segmentosda sociedade na gestão da água. O enfoque érelativo ao significado político das condiçõesestabelecidas pelos textos legais que lidam es-pecificamente com a definição da participação.Eles promovem a cidadania? Incentivam oentrosamento entre diversos setores da socie-dade? Quais são os/as parceiros/as que sãoapontados/as como capacitados/as para tomardecisões em matéria de recursos hídricos? Aanálise deve privilegiar a designação de agen-tes e insistir sobre a legitimidade – ou não -das representações. Deve-se evocar arepresentatividade dos segmentos que partici-pam nos Comitês de bacia.

Faz-se necessário realizar uma indagaçãopormenorizada sobre esse assunto, em razão devários equívocos específicos constantementeencontrados em relação às modalidades de par-ticipação nas decisões ou à própria noção ouconcepção de participação. Diante do quadroglobal desfavorável em relação às questões dequalidade e de quantidade de recursos hídricosdisponíveis, muitas pessoas pensam que, emfunção da alegada incapacidade do setor públi-

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co de providenciar o que deve à população, haverá em breve grandesoportunidades de mancomunar os esforços de todos/as os/as interessa-dos/as no âmbito de uma instituição única e especializada. Tudo pode-ria ser resolvido pela participação de todos/as em um Comitê de BaciaHidrográfica (CBH).

Essa impressão está reforçada pelo argumento segundo o qual a cri-ação dos CBH inspirou-se em um modelo evocado como democrático,tão democrático que está geralmente referido como “Parlamento da Água”.Essa é a expressão que se costuma usar para qualificar a natureza repu-tada “participativa” dos CBH franceses.

Entretanto, a análise pormenorizada dos textos que regulamentamos CBH indica que a participação não deverá ser de todos/as, a não serde maneira nominal. No Brasil, as categorias de participantes sãotaxativamente enumeradas e verifica-se que a lei garante 80% do espaçopara duas categorias de representantes: a) os dos poderes públicos queemanam do poder político executivo da União, dos Estados, do DistritoFederal e dos municípios (40 % do total); b) os das atividades econômi-cas (outros 40%) que correspondem aos usos reputados dominantes esão chamados de usuários. Os que pensam que a sociedade civil deveráter alguma influência associada a um poder de decisão real, haverão deconstatar que o conceito de sociedade civil recebe uma aplicação numé-rica mais do que modesta (20% do total de participantes), nas defini-ções da lei.

O aspecto quantitativo deve ser complementado por uma análise qua-litativa: as ONGs e outras entidades deverão ter características de Or-ganizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP)? Cabe maisuma pergunta: quem está identificado com a sociedade civil teve algu-ma possibilidade de opinar, já nas definições das instituições que de-verão gerir as águas brasileiras? Quem decide sobre o fato de pertencerà sociedade civil? As categorias de usuários são imanentes: sua exis-tência pode ser comprovada por leis físicas? Neste último caso, a pró-pria prática ensinou que a resposta é negativa. A lei criou seis categori-as de usuários, mas a pressão de interesses econômicos particularestratou de incluir mais uma: a dos mineradores. Essa inclusão pareceacertada: o impacto da mineração sobre os recursos hídricos certamen-te justifica a criação dessa categoria de usuários. Mas isso comprova, sehouver necessidade, que a definição dos usuários é um processo denatureza política. Ocorre que o assunto não foi objeto de nenhum deba-te político compatível com sua relevância.

A Resolução nº 5 e outras normas elaboradas pelo Conselho Nacio-nal de Recursos Hídricos (CNRH) não podem indicar solução para osrios de domínio dos Estados, pois a competência de indicação dos cri-térios, para estes rios, é dos Estados, e não do CNRH. Entretanto, aResolução nº 5 configura uma série de disposições que deverão ser se-guidas em várias legislações estaduais. Isso poderá acontecer, mesmoque algumas normas estaduais já incluam dispositivos mais democrá-ticos que a Resolução nº 5.

4.2.2. Usuário e consumidorDuas palavras chamam a atenção: usuários/as e consumidores/as. No

sistema francês, qualquer pessoa física ou jurídica que usa a água paraqualquer finalidade é uma usuária. Portanto, a qualidade de usuário/anão identifica apenas um agente econômico, à diferença do sistema bra-sileiro. Por outro lado, a palavra consumidor/a não foi utilizada, uma

10 UNITED NATIONS.Economic and Social Council.Committee on Economic,Social and Cultural Rights.29th Session. Geneva, 11-29November 2002, p. 511 GLOBAL WATERPARTNERSHIP – GWP. ToolBox: gestão integrada derecursos hídricos. Traduçãode Debra Ann Hochstetler deMesquita sob aresponsabilidade da Secretariade Recursos Hídricos doMinistério do Meio Ambientee do Comitê OrganizadorNacional do IV DiálogoInteramericano deGerenciament de Águas.Brasília: Secretaria deRecursos Hídricos – MMA,2002. p. 19912 Idem, p. 12

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vez sequer, em nenhum dos textos que regem oregime jurídico da água a partir da Lei 9.433.No Brasil, do ponto de vista jurídico, o/a con-sumidor/a direto/a de água potável distribuídapor intermediário/a não existe. A pessoa queconsome a água, captada na torneira de sua pia,não é consumidora do ponto de vista da legis-lação específica de recursos hídricos. A lei nun-ca cita essa pessoa, nem como agente econômi-co, nem como utilizadora ou usuária da água,nem como consumidora. A pessoa jurídica quecapta, trata e distribui a água é um usuário, nosentido da lei e das categorias que ela cria.Quem bebe água da torneira deverá recorrer aoCódigo de Defesa do Consumidor (Lei nº 8078/90) se for lesado nos seus interesses específi-cos de cliente de uma distribuidora.

4.2.3. O Comitê de Bacia Hidrográfica

4.2.3.1. A composição do CBHA composição dos CBH integra cinco cate-

gorias de representantes (art.39 da Lei 9.433),que são os: I - da União; II - do Distrito Federale dos estados cujos territórios se situem, aindaque parcialmente, em suas respectivas áreas deatuação; III - dos municípios situados, no todoou em parte, em sua área de atuação; IV- dosusuários das águas de sua área de atuação; V -das entidades civis de recursos hídricos comatuação comprovada na bacia.

A representação do conjunto dos represen-tantes dos poderes executivos da União, dosestados, do Distrito Federal e dos municípios(categorias I a III) está limitada à metade do to-tal de membros (art. 39, § 1º) e deverá obedecerao limite de 40% do total de votos no CBH (art.8º, I, da Resolução nº 5 do CNRH, de 10 de abrilde 2000).

As categorias IV e V são constituídas pelosseguintes elementos:

Categoria IV - com 40% do total de votos noCBH, abrange os usuários - são pessoas físicasou jurídicas que, no intuito de realizarem suasatividades, dependem da outorga de um direi-to de uso de recursos hídricos. Os “setores usu-ários”, definidos pelo art. 14 da Resolução nº5, sem emenda, neste caso, no art. 8º da Reso-lução nº 24 do CNRH, de 24 de maio de 2002 13,são os de:

a) abastecimento urbano, inclusive diluiçãode efluentes urbanos;

b) indústria, captação e diluição de efluentesindustriais;

c) irrigação e uso agropecuário;d) hidroeletricidade;e) hidroviário;f) pesca, turismo, lazer e outros usos não

consuntivos.

Categoria V - com um mínimo de 20% dototal dos votos do CBH, são as entidades civisde recursos hídricos com atuação comprovadana bacia. São evocadas no art. 47 da Lei 9.433,que considera as entidades civis “legalmenteconstituídas” (art. 48) na seguinte forma:

I - consórcios e associaçõesintermunicipais de bacias hidrográficas;II - associações regionais, locais ousetoriais de usuários de recursos hídricos,inclusive as que representam “usuários deáguas que demandam vazões ou volumesde águas considerados insignificantes”(art. 15º da Resolução nº 5);III - organizações técnicas e de ensino epesquisa com interesse na área de recur-sos hídricos;IV - organizações não-governamentaiscom objetivos de defesa de interessesdifusos e coletivos da sociedade;V - outras organizações reconhecidas peloConselho Nacional ou pelos Conselhos Es-taduais de Recursos Hídricos.

A repartição definitiva das categorias demembros e de votos, uma vez juntados os/asrepresentantes dos poderes executivos das trêsinstâncias da federação, que compõem uma ca-tegoria única para efeito de representação e devotação no CBH, efetua-se da maneira seguin-te:

a) os membros dos poderes executivos daUnião, dos estados, do Distrito Federal edos municípios podem somar até a meta-de dos membros e ter até 40% dos votos;

b) os/as representantes de entidades civis,em número proporcional à população re-sidente no território de cada estado e doDistrito Federal, com pelo menos 20% dototal de votos;

c) os/as representantes dos/as usuários/asdos recursos hídricos, cujos usos depen-dem de outorga, obedecido o percentualde 40% do total de votos.

Ainda vale a pena assinalar que as represen-tações definitivas, nos CBH de rios de domí-nio da União, dependerão de “articulação” en-

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tre a União, os estados e, eventualmente, do Distrito Federal, sob a égidedo presidente interino (provisório) do CBH, para designar seus respecti-vos representantes. Também deverá realizar-se o processo de escolha,entre pares, dos/as representantes de outras duas categorias: municípiose entidades civis de recursos hídricos com atuação comprovada na bacia.Finalmente, serão credenciados/as os/as representantes das categorias deusuários. Todas essas operações serão realizadas em processo público,com ampla e prévia divulgação (art. 11 da Res. 05), podendo as entidadescivis referenciadas serem qualificadas como Organizações da SociedadeCivil de Interesse Público (OSCIPs).

4.2.3.2. Os trâmites para a proposta de instituição de um CBHDeve-se apresentar as pessoas que têm legitimidade para encaminhar

a proposta, antes de referir as condições a serem preenchidas e, final-mente, as modalidades práticas de operacionalização do CBH.

As pessoas legitimadas para apresentar proposta, conforme estipula oartigo 9º da Resolução 05, são:

A proposta poderá ser encaminhada ao Conselho Nacional de Re-cursos Hídricos se subscrita por representantes de pelo menos trêsdas seguintes categorias:I - Secretários de Estado responsáveis pelo gerenciamento de recur-sos hídricos de, pelo menos, dois terços dos Estados contidos nabacia hidrográfica respectiva, considerado, quando for o caso, oDistrito Federal;II- Prefeitos Municipais cujos municípios tenham território na ba-cia hidrográfica no percentual de pelo menos quarenta por cento;III- entidades representativas de usuários, legalmente constituídas,de pelo menos três dos usos indicados nas letras “a” a “f”, do art14o desta Resolução, com no mínimo cinco entidades; eIV- entidades civis de recursos hídricos, com atuação comprovadana bacia, que poderão ser qualificadas como Organizações da So-ciedade Civil de Interesse Público, legalmente constituídas, com nomínimo dez entidades, podendo este número ser reduzido, a crité-rio do Conselho, em função das características locais e justificati-vas elaboradas por pelo menos três entidades civis.

Resumindo, as condições e exigências expostas, pode-se dizer que,para pleitear a instituição de um CBH ao CNRH, deve-se reunir: 2/3 dosSecretários de Recursos Hídricos dos estados da Bacia; 40% dos prefei-tos municipais da bacia; entidades de usuários, representando pelo me-nos três dos usos indicados no art. 14º da Res. 05 e pelo menos 10 enti-dades civis com atuação comprovada na bacia, legalmente constituídas,mas podendo este número ser reduzido, desde que haja justificativa eanuência do CNRH.

4.2.3.3. Os requisitos relativos ao conteúdo da propostaNão deverá ser muito fácil reunir, e sobretudo unir, as pessoas listadas

pela norma legal. Depois de reunidas, ainda deverão cumprir requisitosmateriais relativos à bacia e definidos pelo art. 10º da Resolução 05:

“Constará, obrigatoriamente da proposta a ser encaminhada ao Conse-lho Nacional de Recursos Hídricos, de que trata o art. anterior, a seguintedocumentação:

I - justificativa circunstanciada da necessidade e oportunidade decriação do Comitê, com diagnóstico da situação dos recursos

13 BRASIL. MMA/SRH.Recursos hídricos. Conjuntode normas legais. Brasília:Secretaria de RecursosHídricos. 2002. p 110.

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hídricos na bacia hidrográfica, e quan-do couber identificação dos conflitos en-tre usos e usuários, dos riscos de racio-namento dos recursos hídricos ou de suapoluição e de degradação ambiental emrazão da má utilização desses recursos;II - caracterização da bacia hidrográficaque permita propor a composição do res-pectivo Comitê de Bacia Hidrográfica eidentificação dos setores usuários de re-cursos hídricos[...];III- indicação da Diretoria Provisória; eIV - a proposta [formal, endereçada aoCNRH].”

A formulação do inciso I apresenta uma es-pécie de inversão do ônus da prova, em relaçãoà necessidade de criar um CBH. Com efeito, estámuito difundida, em todo o país, a sensação deque há urgência em implementar a política na-cional de recursos hídricos, em função da de-gradação generalizada que caracteriza parte sig-nificativa do território nacional. Dever-se-ia,portanto, incentivar e facilitar a tramitação dospedidos, a partir de uma presunção legal gene-ralizada de situação preocupante, deixando-secomo possíveis exceções os casos/bacias em quenão houvesse necessidade de organizar umCBH. Ainda mais por que, a priori, não haveránenhum motivo para que “os felizes habitantesde uma bacia sem problema” apresentem umpedido de criação de um CBH, de que eles po-dem prescindir.

Entretanto, a Resolução 05, pelas exigênciasque formula, tornará difícil a superação dospassos iniciais. No contexto político-culturalnacional, poderá não ser fácil reunir os/as res-ponsáveis e formular um diagnóstico mínimo,do qual dependem diversas dimensões do êxi-to futuro das instituições a serem criadas. Masdeve-se convir que o objetivo pode ser justa-mente o de favorecer a iniciativa de autorida-des públicas e não de outras categorias de par-ticipantes eventuais.

4.2.3.4. A operacionalização da propostaDepois de examinada pelo CNRH, e se for

aprovada, a proposta será efetivada mediantedecreto do presidente da República. Caberá aoSecretário-Executivo do Conselho Nacional deRecursos Hídricos, no prazo de 30 dias, darposse aos respectivos presidente e secretáriosinterinos, com mandato de até seis meses, comincumbência exclusiva de coordenar a organi-

zação e instalação do Comitê.Em até cinco meses, contados a partir da data

de sua nomeação, o presidente interino deverárealizar, conforme o artigo 11 da Resolução 5:

• a articulação com os Poderes Públicos, paraindicação de seus respectivos represen-tantes;

• a escolha, por seus pares, dos/as represen-tantes dos municípios e dos/as representan-tes das entidades civis de recursos hídricoscom atuação comprovada na bacia; e

• o credenciamento dos/as representantesdos usuários de recursos hídricos.

Em até seis meses, contados a partir da datade sua nomeação, o presidente interino deverárealizar (art. 12 da Resolução 05):

• a aprovação do regimento do Comitê; e• a eleição e posse do presidente e do secre-

tário do Comitê.

O presidente eleito do Comitê de Bacia deveregistrar seu regimento no prazo máximo de 60dias, contados a partir de sua aprovação.

O estatuto legal dos CBH foi examinado. Doconjunto de suas disposições, não há como in-ferir a existência de um princípio desubsidiariedade que constituiria um fio con-dutor democrático para a ação política. Essaavaliação está confirmada quando se examinao conjunto de disposições mais democráticasque foram retiradas do texto original da Lei,mercê de 13 vetos oriundos da Presidência daRepública.

4.2.3.5. A área geográfica eas competências do CBH

Pelo artigo 37 da Lei 9.433, os Comitês deBacia Hidrográfica terão como área de atuação:

I - a totalidade de uma bacia hidrográfica;II – a sub-bacia hidrográfica de tributá-rio do curso de água principal da bacia,ou de tributário desse tributário; ouIII – o grupo de bacias ou sub-baciashidrográficas contíguas.Parágrafo único. A instituição de Comi-tês de Bacia Hidrográfica em rios de do-mínio da União será efetivada por ato dopresidente da República.

Os imperativos operacionais de gestão pode-rão levar as autoridades administrativas a efetu-ar recortes espaciais não-coincidentes com a áreada bacia stricto sensu, unindo-se áreas de drena-

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gem de afluentes de rios principais. Mesmo assim, as referências territoriaiscontinuam sendo as dos divisores de águas, em função de áreas de drena-gem que circundam os rios principais, ou os rios principais e seus afluen-tes principais e secundários. A Resolução CNRH nº 30, de 11/12/2002,resolveu “adotar, para efeito de codificação de bacias hidrográficas noâmbito nacional, a metodologia descrita no Anexo I” da própria Resolu-ção. O Anexo I apresenta o método de subdivisão e de codificação de baci-as hidrográficas, desenvolvido pelo Engenheiro Otto Pfaffstetter. 14

Conforme o artigo 38 da Lei 9.433, compete aos Comitês de BaciaHidrográfica, no âmbito de sua área de atuação:

“I - promover o debate das questões relacionadas a recursos hídricose articular a atuação das entidades intervenientes;”

O CBH tem um papel genérico, de ordem política, de fomento de de-bates e de integração entre as entidades que possuem competências emmatéria de recursos hídricos. A noção de “articulação”, cujas conotaçõesimprecisas já foram assinaladas, parece mais viável no âmbito de umórgão que teria de intervir para organizar as atividades ou distribuir atri-buições a seus próprios membros.

“II - arbitrar, em primeira instância administrativa, os conflitosrelacionados aos recursos hídricos;”

A função de arbitragem enseja muitas dúvidas. Como a Lei 9.433/97não poderia criar um novo grau de jurisdição, essa competência “em pri-meira instância administrativa”, do Comitê, só resultará em decisões decaráter efetivo na medida de seu aceite pelos próprios membros. Casouma das partes não esteja satisfeita com a solução indicada pelo CBH,ela poderá recorrer ao Conselho superior, se houver, ou iniciar um pro-cesso na justiça comum. As modalidades dessa arbitragem serão objetode disposições regimentais dos CBH, já que são medidas de ordem ad-ministrativa. A efetividade dessa instituição é uma importante incógnitana equação de resolução de conflitos.

“III - aprovar o Plano de Recursos Hídricos da bacia;”

Essa é uma prerrogativa importante e uma das poucas que, no rol decompetências do CBH, parecem ter um caráter realmente deliberativo. Oconteúdo dos Planos de Recursos Hídricos envolve muitas decisões re-levantes.

“IV - acompanhar a execução do Plano de Recursos Hídricos da baciae sugerir as providências necessárias ao cumprimento de suas metas;”

Essa redação é ambígua e restritiva. Parece relativizar a competênciaformulada no inciso anterior. Se o CBH possui competência para apro-var o Plano de Recursos Hídricos, seria lógico estatuir sua competênciapara acompanhar a execução desses Planos não apenas com sugestões deprovidências, mas com o mesmo poder de decisão em casos de desviosna execução. Entretanto, é o agente de implementação (a Agência de Água)que deverá efetivar os Planos. O motivo para justificar essa dicotomia decompetência é o fato de que, com a reforma administrativa empreendidaaté o final de 2002, a competência para a execução haveria de estar em

14 BRASIL. MMA/SRH.Recursos hídricos. Conjuntode normas legais. Brasília:Secretaria de RecursosHídricos. 2002. p. 119-124.

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mãos distintas da competência de concepção ede deliberação (Ver veto presidencial ao incisoIII do § 4º, infra).

“V - propor ao Conselho Nacional e aos Con-selhos Estaduais de Recursos Hídricos asacumulações, derivações, captações e lan-çamentos de pouca expressão, para efeitode isenção da obrigatoriedade de outorgade direitos de uso de recursos hídricos, deacordo com os domínios destes;”

Os usos das águas que o CBH considerarinsignificantes, em matéria de estocagem, con-sumo e poluição dos recursos hídricos, aindaserão considerados pelos órgãos hierarquica-mente superiores, que deverão confirmar suaexistência.

Evocar, nesse caso, uma isenção deobrigatoriedade de outorga não é uma expres-são feliz, pois poderá ser interpretada como aconstituição de um direito adquirido. Ocorreque, num futuro pouco distante, um conjuntode usos outrora reputados insignificantes po-derá constituir-se em uso relevante, a ser con-siderado para estabelecer um Plano de Recur-sos Hídricos. Mas os/as titulares de tais direi-tos de usos insignificantes poderão alegar queobtiveram isenções concedidas por dois órgãosadministrativos distintos, um dos quais supe-rior ao que pretende eventualmente revogar aisenção de outorga.

“VI - estabelecer os mecanismos de co-brança pelo uso de recursos hídricos e su-gerir os valores a serem cobrados;”

O CBH deverá estabelecer mecanismos decobrança, em função de padrões ou tabelas jádefinidos em diversas instâncias. Só poderásugerir os valores de cobrança, fato que dimi-nui seriamente, outra vez, sua autonomia.

“VII e VIII - (VETADOS)IX - estabelecer critérios e promover o ra-teio de custo das obras de uso múltiplo,de interesse comum ou coletivo.”

Caberá ao CBH calcular como distribuir oscustos de investimentos de obras que tenhamuso múltiplo, isto é, que sirvam para mais deuma categoria de usuários.

“Parágrafo único. Das decisões dos Co-mitês de Bacia Hidrográfica caberá recur-so ao Conselho Nacional ou aos Conse-lhos Estaduais de Recursos Hídricos, deacordo com sua esfera de competência.”

Essa disposição é importante, pois elaexplicita que o CBH não é um órgão deliberativo,no sentido de tomar decisões definitivas. Nema decisão de aprovar o Plano de Bacia constituiprerrogativa exclusiva dos Comitês. Isso signi-fica que os Comitês deverão curvar-se a muitaspressões externas ou internas, de setores quetentarão induzir tratamentos privilegiados desuas demandas e que poderão conseguir inter-venções recursais, por parte de diversas auto-ridades.

5. Considerações finaisA gestão das águas transfronteiriças, quer

sejam de superfície ou subterrâneas, requer umesforço especial por parte dos/as integrantes doPoder Legislativo. Com efeito, constitucional-mente responsável de maneira exclusiva pelaadoção final das normas internacionais, o Po-der Legislativo depende do Poder Executivopara sua celebração.

Ora, são excessivas as possibilidades de en-caminhamento de normas que consolidem asiniciativas unilaterais, numa área que necessitade cooperação para superar notável potencial deconflitos. Se os grandes princípios são procla-mados e constantemente evocados, as pressõesindevidas e os conflitos também se manifestamcom freqüência. Aliás, não haveria necessidadede proclamar princípios, se não fosse pela exis-tência de conflitos. Essa característica é comuma todos os usos da água doce. A evolução, de1815 a 2006, tende, no entanto, a revelar a exa-cerbação de conflitos. O direito de usar um riopara navegar ou para produzir energia não pos-suía tanto impacto para a vida das pessoas comoos usos das águas para a irrigação ou o consumodoméstico direto. A água se tornou uma subs-tância tão vital que, sobre ela, incidem fatoresnunca dantes pensados, e possibilidades de con-flitos da maior gravidade.

O fator de escassez absoluta, e não apenasrelativa, surge por causa de um elemento cujarelevância só é levada em consideração a partirda década de 1960: o meio ambiente. De fatorgratuito de produção e externalidade econômi-ca, os recursos hídricos passam a ser objeto decompetição e de concorrência. Isso se dá tantono que diz respeito aos usos entre si, como noque tange à prioridade da dessedentação e daalimentação humana.

Por outro lado, existem visíveis discrepân-cias entre as soluções jurídicas adotadas pelosquatro países interessados no Sistema Aqüífero

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Guarani (SAG) – Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai - quando se consi-deram as opções nacionais, internas. Essas opções revelam atitudes quepoderão chegar a ser incompatíveis entre si. A lei brasileira afirmou adominialidade pública da água como recurso escasso com valor econô-mico, cuja importância social não foi afirmada com a mesma determina-ção. A Bolívia, inconformada com a maneira como as forças do mercadodeixaram de trazer soluções, reafirmou objetivos de gestão no âmbito deprincípios de serviço público universal. A participação dos/as usuários/as ou dos/as consumidores/as, sempre proclamada na retórica, não cos-tuma se traduzir em disposições legais efetivamente implementadas.

Finalmente, existem problemas estruturais não resolvidos, que tendema avolumar os desafios futuros. A Lei federal brasileira nº 9.433/97, cujodécimo aniversário corresponde à data de 8/1/07, parece trazer os elemen-tos da solução da crise da água, ao promulgar fundamentos e diretrizesadequados para lidar com os problemas acumulados. As normas deimplementação e decisões operacionais adotadas após a aprovação da lei,entretanto, promovem prioritariamente os parâmetros da mercantilizaçãoe da privatização da água, num quadro global de centralização das decisõesem âmbito federal. A outorga de direitos de uso ofusca outros aspectos dapolítica nacional que deveriam ter uma prioridade absoluta para surtirefeitos a médio e longo prazos. É o caso dos cadastros, dos programas deformação de quadros administrativos ou de uma polícia administrativaespecializada e condizente com os desafios da temática.

A Lei 9.433/97 não é o Código Ambiental dos Recursos Hídricos. Des-te a sociedade brasileira já precisava desesperadamente quando a lei foiadotada. Sua preocupação essencial é tratar, com visão economicista, asquestões da gestão e da apropriação das funções da água, através do con-trole do acesso aos recursos. A gestão, numa época proclamada de “deverde abstenção econômica do Estado”, está entregue ao Estado, sob cujabatuta se organizam os usuários, agentes econômicos que disputam, en-tre si, as funções da água-insumo-de-produção: dessedentação; produ-ção de energia; navegação; insumo para consumo na indústria; corpo re-ceptor de resíduos e sobras de toda natureza.

O fato de a questão ambiental ser considerada de maneira apenasadjetiva explica que já sejam operacionais os mecanismos de gestão paraconsumo, sem que existam as correspondentes salvaguardasinstitucionais a garantirem, simultaneamente, o desenvolvimento sus-tentável desta geração e das gerações futuras. Nessas condições, váriasdisposições legais estabelecem condições objetivas de um confisco dosrecursos hídricos, em favor da gestão economicista dos problemas.

Esse parti pris explica amplamente que a noção de participação, vári-as vezes proclamada como uma característica da nova lei, se traduza, narealidade das relações criadas, por diversas modalidades de exclusão.Estar presente não significa participar. Quem participa é o usuário, agen-te econômico que exerce a pressão majoritária no processo. A/o cidadã/o,agente político da sociedade civil, é minoritário/a. O/a ambientalista, agen-te perturbador, é excluído/a. A presença nominal da/o cidadã/o e do/aambientalista, entretanto está garantida: sem ela, não haveria como fazermarketing político ou ambiental.

No âmbito dos recursos hídricos transfronteiriços, a situação tende apiorar, pois não existem mecanismos específicos para levar em considera-ção as necessidades locais, que geralmente precisam de soluções local-mente integradas, enquanto as práticas burocráticas e políticas costumamremeter para as autoridades centrais. A análise dos textos adotados evi-

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dencia um conjunto de ambigüidades na dimen-são política dos Comitês de Bacia Hidrográfica;mais ainda se estes forem dedicados à gestão deum curso d´água de domínio da União.

A lei criou novas entidades, de caráter admi-nistrativo, abertas à presença de representantesde associações civis de recursos hídricos e deusuários/as. Usa-se a palavra presença, não par-ticipação, a partir de um ponto de vista que con-sidera a possibilidade de influir efetivamente natomada de decisão. Apesar da aritmética muitasvezes usada para demonstrar, retoricamente, queos CBH são democráticos (40% de membros dospoderes executivos + 20% de representantes dasociedade civil = 60% do poder de decisão, emrelação aos 40% dos usuários), deve-se refletirpara indagar o que poderão fazer os 20 % da so-ciedade civil, no CBH, face aos 80% de repre-sentantes dos poderes políticos executivos e dosagentes econômicos.

Em certos Estados, como o Paraná, a legisla-ção transformou as possibilidades de partici-par em simples caricatura de debate; além doque ela isentou os criadores de gado da obriga-ção de pagar pela água que usam como insumode sua produção, gerando assim uma quebrade isonomia que evidencia o potencial deinconstitucionalidade das decisões estaduais.

Sem dúvida alguma, os desafios da gestãoda água, transfronteiriça ou não, continuamimensos. O atraso de nossas sociedades em re-lação à adoção de soluções estruturais requeruma conscientização urgente das instâncias deelaboração normativa e das de decisão e deimplementação de políticas públicas.

6. BibliografiaARBUET-VIGNALI, Heber; BARRIOS, Luis.Chimeneas en Fray Bentos.de un ámbito locala una proyección globalizada. Investigación re-alizada en el marco de la Red Alfa Latino Ame-ricana Europea para el Gobierno de los Riesgos.Montevideo: arca. 2006. 189 p.

CAUBET, Christian Guy. A água, a lei, a políti-ca... e o meio ambiente? Curitiba: Juruá. 2004.66-77p. e 305 p.

——————. A água doce nas relações inter-nacionais. Bauru (SP): Manole. 2006. 223 p.

—————. Domínio da água ou direito à água?Rivalidades nas relações internacionais do sé-culo XXI. In NASSER, Salem Hikmat;

REI, Fernando. Direito Internacional do MeioAmbiente. Ensaios em homenagem ao Profes-sor Guido Fernando Silva Soares. São Paulo:Editora Atlas. 2006. 165-183 p.

NOGUEIRA, Ana Carolina Casagrande. Comis-são de direito internacional – ONU- Trabalhosda CDI sobre jazidas minerais transfronteiriças(Petróleo, gás e água). Florianópolis, SC. Out.2006. Texto datilografado. 7 p.

SILVA, Lígia Dutra. O Sistema AqüíferoGuarani. Florianópolis, SC. Out. 2006. Textodatilografado. 9 p.

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ÁGUAS TRANSFRONTEIRIÇAS:a situação na Argentina

Pesquisadora responsável:

Elsa M. BruzzoneHistoriadora; Especialista em Geopolítica, Estratégia e DefesaAssessora do Congresso da Argentina sobre Recursos Naturais

CAPÍTULO II

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SUMÁRIO1. Introdução ................................................................................................................................... 35

2. Breve panorama dos recursos hídricos na Argentina ............................................................. 362.1. Bacia do Prata .......................................................................................................................... 362.2. Bacias da Vertente Atlântica ................................................................................................... 372.3. Bacias da Vertente do Pacífico ................................................................................................ 372.4. Bacias sem Foz Oceânica ......................................................................................................... 372.5. Recursos hídricos subterrâneos ............................................................................................. 37

3. Aspectos Jurídicos ...................................................................................................................... 383.1. Âmbito nacional ....................................................................................................................... 383.2. Âmbito provincial .................................................................................................................... 403.2.1. Província de Buenos Aires ................................................................................................... 413.2.2. Província de Corrientes ........................................................................................................ 423.2.3. Província do Chaco ............................................................................................................... 433.2.4. Província de Entre Ríos ........................................................................................................ 443.2.5. Província de Formosa ........................................................................................................... 463.2.6. Província de Misiones .......................................................................................................... 483.2.7. Província de Santa Fé ........................................................................................................... 483.2.8. Cidade autônoma de Buenos Aires ...................................................................................... 503.2.9. Província de Catamarca ....................................................................................................... 523.2.10. Província de Córdoba ......................................................................................................... 523.2.11. Província de Chubut ........................................................................................................... 523.2.12. Província de Jujuy ............................................................................................................... 533.2.13. Província de La Pampa ....................................................................................................... 543.2.14. Província de La Rioja .......................................................................................................... 543.2.15. Província de Mendoza ........................................................................................................ 553.2.16. Província de Neuquén ........................................................................................................ 553.2.17. Província de Rio Negro ....................................................................................................... 563.2.18. Província de Salta ............................................................................................................... 563.2.19. Província de San Juan ........................................................................................................ 563.2.20. Província de San Luis ......................................................................................................... 573.2.21. Província de Santa Cruz ..................................................................................................... 573.2.22. Província de Santiago del Estero ....................................................................................... 583.2.23. Terra do Fogo, Antártida e Ilhas do Atlântico Sul ........................................................... 583.2.24. Província de Tucumán ........................................................................................................ 58

4. A gestão dos recursos hídricos .................................................................................................. 604.1. Âmbito nacional ....................................................................................................................... 604.1.1. A Política Hídrica ................................................................................................................. 614.2. Âmbito provincial .................................................................................................................... 634.3. Âmbito das Bacias ................................................................................................................... 634.3.1. Organismos Interjurisdicionais .......................................................................................... 634.3.2. Organismos Provinciais ....................................................................................................... 644.3.3. Organismos internacionais ou transfronteiriços .............................................................. 64

5. Desenvolvimento da problemática hídrica no Parlamento e na sociedade civil .................. 65

6. Reflexões e propostas .................................................................................................................. 68

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1. IntroduçãoA água potável se transformou no recurso estratégico do século XXI.

Ela tem sido, é e continuará sendo, sem dúvida, uma fonte permanentede conflitos. A Carta Mundial da Natureza, aprovada e adotada pelasNações Unidas na 48ª Sessão Plenária da Assembléia Geral de 28 deoutubro de 1982, adverte: “a competência pela posse de recursos escas-sos é causa de conflitos”. E a água potável é um bem escasso, posto queconstitui apenas 3% do total da água no mundo, ao passo que os 97%restantes se encontram nos mares e nos oceanos. A tecnologia paradessalinizar a água do mar existe, mas apresenta problemas: é cara por-que requer muita energia, e ainda não se encontrou uma maneira de eli-minar a salmoura restante do processo, bem como os elementos quími-cos usados para o funcionamento da sua indústria, sem que se afete omeio ambiente.

A água é vida; sem ela, o planeta e os seres que o habitam não existiri-am. Por isso, aqueles que controlarem a água potável controlarão a vida e aeconomia do mundo. Os países mais ricos do planeta estão em vias deesgotar os seus recursos hídricos, especialmente os subterrâneos, por ex-cesso de exploração. Esses recursos também foram muito contaminadospor desenvolvimentos industriais e agrícolas, realizados sem o cuidadocom o meio ambiente. Seus recursos naturais foram amplamente depreda-dos e são agora buscados naqueles países que ainda conservam os seus.

O Informe das Nações Unidas sobre a Situação dos Recursos HídricosMundiais, divulgado em 2003, foi ratificado por um novo Informe apre-sentado em março de 2006, no México, durante o IV Fórum Mundial daÁgua. Nele, se adverte que, apenas em função de mudanças climáticas,cerca de 20% dos recursos hídricos do planeta foram afetados. O prog-nóstico mais pessimista estima que, para os anos 2020/2030, em meio auma população esperada de 8 bilhões de pessoas, 7 bilhões , que repre-sentam 87,5% do total de habitantes do mundo, não terão acesso a águapotável, ou seja, a água boa, doce, saudável, limpa. Assim, terão que be-ber água contaminada ou morrer de sede. Esses dados nos trazem às por-tas de uma catástrofe humanitária jamais vivida nos 7 milhões de anosde evolução humana sobre o planeta.

O Informe apresentado pelo Pentágono ao Congresso e ao Governodos EUA no fim de fevereiro de 2004, e divulgado pelos periódicosbritânico “The Guardian” e pelo norte-americano “The New York Ti-mes”, adverte para as conseqüências da mudança climática para os re-cursos hídricos do planeta e sugere explicitamente o emprego das for-ças armadas norte-americanas pelo mundo para assumir o controle des-ses recursos onde quer que se encontrem - vale recordar que os EUAsão responsáveis por 30% das emissões de gases tóxicos na atmosfera.Como vemos, o panorama não é nada confortante. A Carta Mundial daNatureza afirma: “A conservação da natureza e dos recursos naturaiscontribui à justiça e à manutenção da paz, mas não estará asseguradaenquanto a humanidade não aprender a viver em paz e a renunciar àguerra e aos armamentos”.

A América do Sul conta com 30% dos recursos hídricos mundiais. Àsbacias dos rios Orenoco, Amazonas e da Prata, deve ser acrescentado umdos mais importantes reservatórios subterrâneos de água doce do mun-do, o Aqüífero Guarani, compartilhado entre Argentina, Brasil, Paraguaie Uruguai, todos países integrantes do Mercosul. Lentamente, nossospaíses aprendem a superar desconfianças, temores e receios. Palavrascomo integração e cooperação adquirem cada vez um sentido maior, uma

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vez que os problemas enfrentados são os mes-mos para todos nós.

Em 21 de junho de 2001, foi assinado emAssunção, no Paraguai, o “Acordo-Marco peloMeio Ambiente do Mercosul”, com os objeti-vos de “cooperar na proteção do meio ambien-te e na utilização sustentável dos recursos na-turais...”; e de aprofundar “a análise dos pro-blemas ambientais da sub-região com a parti-cipação dos organismos internacionais com-petentes e das organizações da sociedade ci-vil...”. O Acordo busca incrementar o “intercâm-bio de informação quanto a leis, regulações,procedimentos, políticas e práticasambientais”; a “harmonização das leisambientais, considerando as diferentes reali-dades ambientais, sociais e econômicas dospaíses do Mercosul, bem como das suas dire-trizes jurídicas e institucionais, a fim de preve-nir, controlar e mitigar os impactos ambientaisnos Estados-Parte, com especial referência àsáreas fronteiriças”; e a promoção da “educaçãoformal e informal, fomentando conhecimentos,hábitos de conduta e integração de valores ori-entados às transformações necessárias paraque se alcance o desenvolvimento sustentávelno âmbito do Mercosul”.

Para dezembro de 2006, espera-se o resulta-do final da análise da proposta do Projeto deProtocolo para a Gestão Ambiental de Recur-sos Hídricos. Também existe a proposta de seanalisarem os padrões ambientais de qualida-de da água nos Estados-Parte, com o objetivode buscar a harmonização entre eles com ênfa-se nas bacias compartilhadas. Resultados con-cretos são esperados para dezembro de 2007.

Este artigo trata a questão dos recursoshídricos, superficiais e subterrâneos, da Argen-tina. Serão apresentados um panorama brevedas características e da situação desses recur-sos; os aspectos jurídicos da sua compreensãonos âmbitos nacional e provincial; o aspectoinstitucional de gestão da água em âmbitos na-cional, provincial e internacional; e o tratamen-to do tema pelo Parlamento e pela sociedadecivil. Ao final, como contribuição à discussãode gestão de águas transfronteiriças, serão fei-tas algumas reflexões e propostas.

2. Breve panorama dos recursoshídricos na Argentina

A República Argentina possui grande diver-sidade de relevo, clima e padrões de drenagem.Esses fatores geram uma distribuição territorial

bastante irregular dos seus recursos hídricos,a despeito de uma ampla disponibilidade. E,ainda que a oferta hídrica superficial médiaanual por habitante oscile em torno dos 22.500m3/habitante/ano, em províncias da região ári-da a disponibilidade de água se encontra abai-xo dessa média. Tal distribuição dos recursoshídricos superficiais é resultado de uma ocu-pação espacial mais intensa no litoral úmido,assentada sobre uma importante rede fluvial.

Nas regiões com rede de drenagem menosdesenvolvida e escassas precipitações, oenraizamento de populações e o desenvolvi-mento econômico regional estão ligados, namaioria das vezes, à disponibilidade de águasubterrânea ou ao armazenamento de águas plu-viais para usos determinados. Quando as con-dições apropriadas se apresentam, os recursossão aproveitados por meio de represas e cana-lizações. A água é usada principalmente para airrigação (71%), seguida do abastecimento hu-mano (13%), o consumo pelo gado (9%) e a uti-lização industrial (7%).

Nos próximos itens, apresentamos os prin-cipais sistemas hidrográficos do país.

2.1 Bacia do PrataCom 3,1 milhões de km2, é uma das princi-

pais bacias hídricas do mundo e estende-sepelos territórios de Argentina, Bolívia, Brasil,Paraguai e Uruguai. Concentra mais de 85% dofluxo total medido na Argentina. As provínci-as de Misiones, Corrientes, Entre Ríos, Formo-sa e Chaco são integralmente compreendidaspor essa Bacia, que também inclui porções deJujuy, Salta, Santiago del Estero, Santa Fé, Cór-doba e Buenos Aires. Muitos dos rios da Bacia(rios do Prata; Paraguai; Paraná; Bermejo;Pilcomayo; Uruguai; Iguaçu) são compartilha-dos total ou parcialmente com os países vizi-nhos, mas também encontramos partes da Ba-cia com rios que transcorrem integralmente emterritório argentino, como o Pasaje - Juramento– Salado; o Carcarañá; e os rios das provínciasmesopotâmicas. Sobre a Bacia do Prata, assen-ta-se cerca de 75% da população argentina, bemcomo os maiores centros urbanos e as princi-pais indústrias.

Os rios Paraná, Uruguai, Paraguai e do Pratasão usados para a navegação; o abastecimentode água para os usos humano, agrícola e indus-trial; para a pesca; a recreação; e são receptoresde afluentes domésticos e industriais. Os riosParaná e Uruguai são usados para importantes

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aproveitamentos energéticos, sendo que o rio Paraná se consolidou comoum eixo industrial e de assentamento humano crucial para o país.

2.2 Bacias da Vertente AtlânticaConcentram cerca de 9,3% do fluxo total medido e se estendem pelo

oeste, centro e sul do país, da divisórias de águas dos Andes até a costaatlântica. Incluem parte das províncias de La Rioja, San Juan, Mendoza,San Luis, Neuquén, Rio Negro, La Pampa, Buenos Aires, Chubut, SantaCruz e Terra do Fogo. Seus principais rios são: San Juan, Mendoza,Tunuyán, Atuel, Diamante, Colorado, Negro, Chubut, Senguer, Deseado,Chico, Santa Cruz, Coig, Gallegos e os rios da Terra do Fogo. Todos osrios atuam como corredores fluviais de grande importância econômica eecológica, pois atravessam terras áridas. Sobre eles, têm-se desenvolvidosistemas de represamento para a geração de energia elétrica, regulação deenchentes e irrigação. Nessa região, encontra-se uma das mais importan-tes áreas de irrigação da Argentina, e, à sua margem, estão localizados osmais importantes assentamentos populacionais da região sul do país.

2.3 Bacias da Vertente do PacíficoLocalizam-se na Cordilheira andino-patagônica, no limite internacio-

nal junto ao Chile. Sua riqueza hídrica é importante e representa cerca de4,7% do fluxo total. Os rios mais relevantes são o Manso, Puelo,Carrenleufú, Pico e, em especial, o Futaleufú. A população assentada naregião é escassa e o principal uso dos rios é hidroenergético. A presençade matas e lagos de extraordinária beleza trouxeram para a região umdesenvolvimento turístico de grande importância.

2.4 Bacias sem Foz OceânicaEncontram-se no centro e no noroeste do país, ocupando quase 30%

do território. Ainda assim, representam apenas 0,71% dos recursoshídricos superficiais. Os rios mais importantes são o Salí – Dulce Pri-meiro e Segundo. Nessas áreas, a água tem grande relevância econômicae social, o que tem motivado a construção de obras de aproveitamentopara consumo, irrigação e produção de energia.

2.5 Recursos hídricos subterrâneosConstituem 30% do total da água extraída no âmbito nacional para

distintos usos. No entanto, até o presente, não se conhece a quantidadede reservatórios existentes, nem o volume e a qualidade das águas damaioria dos conhecidos, devido à escassez de levantamentos e estudosquanto aos seus potenciais e qualidades. Esse fato é reconhecido a partirdas próprias esferas do Governo Nacional.

Duas exceções são os aqüíferos de Mendoza e San Juan, dos quaisdependem fortemente os oásis de irrigação. Atualmente, o Banco Mun-dial está conduzindo uma investigação para o Aqüífero Guarani, reserva-tório transfronteiriço compartilhado com Brasil, Uruguai e Paraguai, aopasso que a Comunidade Econômica Européia (CEE) começou um estu-do do reservatório correspondente ao Rio Pilcomayo. A importância daságuas subterrâneas tem crescido nos últimos anos, em função dos pro-blemas de disponibilidade e qualidade registrados nos recursos hídricossuperficiais e das atividades petrolífera e mineradora em áreas com fon-tes superficiais insuficientes. Entre estas, podem-se mencionar os valesintra-montanheses de la Puna, o oeste de Catamarca e La Rioja, e a zonacentral de San Juan e Mendoza.

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Na Argentina, praticamente não existe umaverdadeira gestão integrada da água subterrâ-nea. O país ainda não possui uma políticahídrica nacional que integre verdadeiramenteos seus recursos e tem descuidado da proteçãodos aqüíferos. Podemos afirmar que a Argenti-na carece de uma verdadeira cultura da água enão assimilou ainda a importância do recursonesse momento atual. O mais doloroso dessecontexto é o fato de que, apesar de contar comrecursos hídricos mais que suficientes, o paísnão conseguiu solucionar os seus problemasde acesso à água potável para uma parte da po-pulação (cerca de 22%, de acordo com dadosoficiais) e de secas, ainda que as zonas afetadascontem com reservatórios de água subterrânea.Um claro exemplo é o de Castelli, na provínciado Chaco, assentada sobre os reservatórios deBermejo e do Guarani.

Na atualidade, os recursos hídricos de su-perfície e subterrâneos argentinos estão forte-mente ameaçados por práticas agrícolas não-conservacionistas; explorações de minério epetróleo; desmatamentos; uso de agroquímicose mudanças no uso do solo. O balanço hídricoe a qualidade das fontes têm sido afetados. Ve-mos que o desflorestamento, o excesso de pas-tagens e o manejo desapropriado das terras ará-veis têm produzido um aumento da erosãohídrica em Misiones, em áreas da bacia doBermejo e em outras regiões do país. Foi detec-tada a presença de pesticidas nos rios Uruguaie Negro, e metais pesados na bacia do rio daPrata. As águas foram servidas sem que se tra-tassem os assentamentos urbanos e industri-ais, o que contaminou o represamento do rioHondo, em Santiago del Estero; los Lagos SanRoque e Molinos, em Córdoba; Laçar, emNeuquén; e Nahuel Huapi, no Estado do RioNegro.

O aqüífero Puelche, na província de BuenosAires, e rios como o Matanza, Riachuelo e Re-conquista, na zona da grande Buenos Aires, fo-ram contaminados não apenas por esgotos ver-tidos em poços cegos, mas também pelo mane-jo deficiente e a disposição de resíduos sólidosurbanos e tóxicos industriais, produzidos pelodesenvolvimento urbano industrial intensivodo eixo Rosario – La Plata.

A indústria petroquímica e a extração decalcário na região pampiana; a extração petrolí-fera; a indústria açucareira; as fundições dechumbo no Noroeste; as extrações de urânio epetróleo em Cuyo, e de carvão e petróleo na

Patagônia, têm contaminado fontes de águassuperficiais e subterrâneas. A esses fatos, de-vem-se somar os milhares de hectares de terrasde irrigação afetados por problemas desalinidade da água, do solo e de drenagem pormal manejo de água; os impactos de inunda-ções e a presença de altos conteúdos naturaisde flúor, arsênico e boro em algumas fontes deágua subterrânea. Podemos afirmar, sem medode errar, que, apesar de existirem boas leisambientais, estas lamentavelmente não sãocumpridas ou por negligência ou, o que é pior,por falta de vontade política em executar as ta-refas de controle e efetivação das normasestabelecidas.

3. Aspectos jurídicos

3.1 Âmbito nacionalSancionada em 1º de maio de 1853 e refor-

mada pela última vez em 22 de agosto de 1994,a Constituição Nacional estabelece, em seu ar-tigo 121: “as províncias conservam todo o po-der não-delegado por esta Constituição aoGoverno Federal e o poder que se tenham reser-vado expressamente por meio de pactos espe-ciais na época de sua incorporação”. Já o arti-go 124 determina: “cabe às províncias o domí-nio originário dos recursos naturais existentesnos seus territórios”. O artigo 125 reconhece àsprovíncias, entre tantos outros, o direito deconstruir canais e explorar os seus rios. O arti-go 75 demarca as atribuições do Congresso Na-cional, entre as quais a regulamentação da livrenavegação dos rios interiores e do comércio comas nações estrangeiras e das províncias entresi; a habilitação de portos; a criação ou supres-são de aduanas; a promoção da construção decanais navegáveis e a exploração dos rios, as-sim como ditam os Códigos Civil; Penal; deMineração; de Trabalho; de Comércio e deSeguridade Social, a aprovarem e desfazeremtratados internacionais. Observa-se que, em al-guns casos, as atribuições do Congresso sãoconcorrentes com as das províncias. O artigo41 estabelece:

“todos os habitantes gozam do direito aum meio ambiente saudável, equilibra-do, apropriado ao desenvolvimento hu-mano e no qual as atividades produtivassatisfaçam as necessidades presentes semcomprometer as das gerações futuras; etêm o dever de preservá-lo. O danoambiental gerará prioritariamente a obri-

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gação de uma recomposição, assim como determina a lei. As auto-ridades proverão a proteção deste direito à utilização racional dosrecursos naturais, à preservação do patrimônio natural, cultural ede diversidade biológica, e à informação e educação ambientais.Cabe à Nação ditar as normas que contenham os orçamentos mí-nimos de proteção e, às províncias, os seus complementos necessá-rios, sem que as mesmas alterem as jurisdições locais. É proibido oingresso no território nacional de resíduos atual ou potencialmen-te perigosos, e de resíduos radioativos”.

Sancionado em 25 de setembro de 1869, o Código Civil estabelece, emseu artigo 2.340, entre os bens de domínio público:

“os mares territoriais e interiores, as baías, enseadas, portos e an-coradouros; os rios, seus cursos, as demais águas que correm porcursos naturais e toda outra água que tenha ou adquira a aptidãode satisfazer usos de interesse geral, incluindo as águas subterrâ-neas, sem prejuízo do exercício regular do direito do proprietáriodo fundo de extrair as águas subterrâneas na medida de seu inte-resse e sujeito à regulamentação; as praias do mar e as ribeirasinternas dos rios, entendendo-se pelas mesmas as extensões de ter-ras que as águas banham e desocupam durante as altas marésnormais ou os aumentos médios costumeiros; os lagos navegáveis eos seus leitos; as ilhas formadas ou que se formem no mar territoriale/ou em toda classe de rio, ou nos lagos navegáveis, quando estasnão pertençam a proprietários particulares”.

O artigo 2.341 reconhece: “as pessoas particulares têm o uso e o gozodos bens públicos do Estado e das Províncias, mas estarão sujeitas àsdisposições deste código e às determinações gerais e locais”. Por ser aágua um bem público, tocam-lhe as determinações do artigo 2.337, para oqual as coisas inalienáveis estão fora do âmbito comercial. O artigo 2.350estabelece, por sua vez, que apenas “as vertentes que nascem e morremdentro de uma mesma propriedade pertencem, para uso e gozo, ao donodessa propriedade”. E o artigo 2.639 determina:

“os proprietários limítrofes aos rios e aos canais que servem a co-municação por água estão obrigados a deixar uma passagem decaminho público de trinta e cinco metros até a margem do rio oudo canal, sem nenhuma indenização. Os proprietários ribeirinhosnão podem fazer nessa área construção alguma, ou reparar asantigas que existem, ou deteriorar o terreno de forma alguma”.

Até o presente, não existe uma “Lei Nacional de Águas”. Os projetosapresentados pelo Poder Executivo ou por legisladores não encontraramrespaldo para a sua sanção. Entre as iniciativas, podem ser mencionadasa “Lei para a gestão integral de águas”; a “Lei para a gestão dos recursoshídricos”; e a “Lei-marco de política hídrica”. Desde maio de 2005, estáem consideração o projeto de lei “Adotando como delineamentos de polí-tica da nação os princípios regentes de política hídrica para a RepúblicaArgentina e outras questões conexas”. Para este ano de 2007, está previs-ta a redação de um documento final para o Plano Hídrico Nacional, a fimde otimizar o manejo da água

Em dezembro de 2002, foi promulgada a Lei 25.668, intitulada “Regi-me de Gestão Ambiental de Águas”, que estabelece os orçamentos míni-mos de preservação, aproveitamento e uso racional das águas; declara as

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bacias hídricas como uma unidade ambientalindivisível de gestão de recursos; e institui acriação de Comitês de Bacias Hídricas para asbacias interjurisdicionais, criando um PlanoNacional para a preservação, o aproveitamentoe o uso racional das águas, com as medidas ne-cessárias para a coordenação de ações entre asdiferentes bacias hídricas. Além disso, definecomo água “aquela que faz parte de cursos ecorpos naturais ou artificiais, superficiais ousubterrâneas, bem como as contidas emaqüíferos, rios subterrâneos, e atmosféricas”; e,“por bacia hídrica superficial, a região geográ-fica delimitada pelas divisórias de águas quecorrem para o mar através de uma rede de lei-tos secundários que convergem em um leitoprincipal único e as endorréicas”.

A Lei 25.668 ainda estabelece que a autori-dade nacional deve determinar os limites má-ximos de contaminação aceitáveis para as águas,de acordo com os diferentes usos; definir asdiretrizes para a recarga e a proteção dosaqüíferos; fixar os parâmetros e padrõesambientais de qualidade das águas; e poderá, apedido da autoridade jurisdicional competen-te, declarar zona crítica de proteção especial de-terminadas bacias, aqüíferos e áreas com volu-mes de água, por suas características naturaisou de interesse ambiental. Essa Lei não foi bemrecebida pelas províncias. A maioria das auto-ridades hídricas provinciais sustenta que a leiavança sobre competências não-delegadas àNação em matéria de Bacias e de organizaçãode Comitês de Bacias; gestão de recursos natu-rais; desenvolvimento de instituições locais eplanejamento, uso e manejo de água. Estão hojeem estudo, na Comissão de Meio Ambiente eDesenvolvimento Sustentável do Senado, pro-postas de eventuais modificações na Lei 25.668;e, na Comissão de Recursos Naturais e Conser-vação do Ambiente Humano da Câmara dosDeputados, um projeto de derrogação.

Leis federais como as leis de energia, trans-porte, portos, navegação, proteção do meio am-biente e dos recursos naturais contêm disposi-ções relacionadas à água (ver o Anexo 1).

A nação também assinou tratados internaci-onais para as questões de águas compartilha-das; proteção de recursos naturais e do meioambiente; entrada de embarcações nucleares emáguas argentinas; construção de obras de usosmúltiplos; empréstimos para obras de abaste-cimento de água potável e saneamento urbanoe rural. Apresentamos alguns destaques:

CONVÊNIOS: de Diversidade Biológica,Conservação e Desenvolvimento dos RecursosIctícolas nos Trechos Compartilhados dos RiosParaná e Paraguai; de Basiléia, para Controle deMovimentos Transfronteiriços; de Dejetos Pe-rigosos e sua eliminação; de Roterdã, pelo Con-sentimento Prévio Fundamentado aplicável aPesticidas e Produtos Químicos Perigosos noComércio Internacional (PIC); de Estocolmo,para Contaminadores Orgânicos Persistentes(POPs); de Viena, para a Proteção da Camadade Ozônio; de Manejo e Conservação daVicunha; Internacional de Cooperação, Prepa-ração e Luta contra a Contaminação porHidrocarburetos (Lei 24.292); de Cooperaçãocom o Uruguai, para prevenir e lutar contra in-cidentes de contaminação do meio aquático porhidrocarburetos e outras substâncias prejudi-ciais (Lei 23.839).

CONVENÇÕES: de Luta contra aDesertificação e a Seca; Convenção-Marco dasNações Unidas quanto à Mudança Climática(UNFCC) (aprovada pela Lei 24.295); para aConservação das Espécies Migratórias de Ani-mais Selvagens (CMS); Internacional para aRegulação da Caça de Baleias (Comissão Bale-eira Internacional); do Comércio Internacionalde Espécies Ameaçadas da Fauna e Flora (CI-TES); de Conservação de Recursos MarinhosVivos Antárticos (CCAMLR); de Proteção aoPatrimônio Mundial, Cultural e Natural.

TRATADOS: Internacional de RecursosFitogenéticos para a Alimentação e a Agricul-tura; e do Meio Ambiente, assinado juntamen-te com o Chile (Lei 24.015).

PROTOCOLO: de Cartagena, para Seguran-ça da Biotecnologia.

ACORDOS: com o Uruguai, de Uso e Apro-veitamento do Rio Uruguai (Decreto 1662/86);de Transporte Fluvial pela Hidrovia Paraguai–Paraná, com a Bolívia, o Brasil, o Paraguai e oUruguai (Lei 24.385).

3.2. Âmbito provincialAs províncias mencionadas a seguir se vin-

culam exclusivamente à Bacia do Prata e aoAquífero Guarani – neste último caso, com ex-ceção da província de Buenos Aires e da Cida-de Autônoma de Buenos Aires.

Quanto à Bacia do Prata, a “Declaração Con-

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junta de Chanceleres dos Países da Bacia do Prata”, assinada em 27 defevereiro de 1967, expressa a convicção quanto à “necessidade de esforçospelo desenvolvimento harmônico e equilibrado da região da Bacia do Pra-ta, em benefício dos interesses comuns de seus países e povos, como umpasso de grande alcance no processo de integração latino-americana”.

A Terceira Reunião de Chanceleres deu origem ao “Tratado da Baciado Prata”, que entrou em vigência em 14 de agosto de 1970. Seu artigo 1ºestabelece o compromisso de promover “a realização de estudos, pro-gramas e obras, bem como a formulação de entendimentos operativos ouinstrumentos jurídicos que estimem as necessidades e viabilizem [...] ouso racional da água como recurso e o seu aproveitamento múltiplo eeqüitativo”. O artigo 5º determina que “a ação coletiva” entre as Partes-Contratantes deve ser desenvolvida sem prejuízo para os projetos e asempresas que decidirem executar em seus respectivos territórios, com orespeito pelo direito internacional e de acordo com as boas práticas entrenações vizinhas e amigas.

Na “Ata de Paysandú”, assinada em 22 de abril de 1997, os quatro pa-íses que compartilham o Aquífero Guarani – Argentina, Brasil, Paraguai,Uruguai – determinaram a necessidade de “mecanismos de coordenaçãopara a pesquisa, o uso e a preservação do Aqüífero sob o marco de umagestão sustentável e eqüitativa”.

3.2.1 Província de Buenos AiresSua Constituição estabelece, no artigo 28, que os habitantes da pro-

víncia têm direito de gozar de um ambiente sadio e o dever de protegê-loe conservá-lo para si e para as gerações futuras. A província exerce odomínio sobre o ambiente e os recursos naturais de seu território, inclu-indo subsolo, espaço aéreo correspondente, o mar territorial e seu leito,a plataforma continental e seus recursos naturais. A província deve pre-servar, recuperar e conservar os recursos naturais renováveis e não-renováveis, bem como planejar seu aproveitamento racional; controlar oimpacto ambiental das atividades que prejudicam o ecossistema; promo-ver ações que evitem a contaminação do ar, água e solo; proibir o ingressode resíduos tóxicos ou radioativos; defender o ambiente e os recursosnaturais; assegurar as políticas de conservação e recuperação da qualida-de da água, ar e solo e ainda resguardar as áreas de importância ecológicade flora e fauna.

São competências de alguns dos Ministérios de Buenos Aires:Saúde: emissão de efluentes líquidos;Obras e Serviços Públicos: manutenção e exploração de obras hidráu-

licas, águas correntes e esgotos; serviços públicos, fiscalização de desá-güe pluvial, industrial e esgotos; intervenções no transporte fluvial; apro-veitamento e uso da água; prestação de serviços de água potável e esgoto;participação nos temas ligados a saneamento hídrico e obras de defesacosteira; abertura e conservação de vias navegáveis; planejamento, atua-lização e execução de obras junto a margens ribeiras e águas superficiaise subterrâneas;

Assuntos Agrários: participar da adoção de medidas para a defesa doscursos de água e influência sobre os mesmos em relação a atividadesprodutivas do setor, e preservação das inundações;

A Secretaria de Política Ambiental é responsável pela fiscalização detodos os elementos que possam causar contaminação de água.

O Código de Águas da Província de Buenos Aires estabelece o regimede proteção, conservação e manejo dos recursos hídricos provinciais. O

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Código recomenda ao Poder Executivo: formu-lar a política da água dentro das linhas defini-das pela legislação provincial; determinar ocânone e as contribuições a cargo dos concessi-onários; definir preferências para o uso de águaspúblicas; determinar a dotação e a distribuiçãoda água, quando necessário; acordar junto à Na-ção, à cidade de Buenos Aires e outras provínci-as, às organizações internacionais e aos estadosestrangeiros o estudo e o planejamento do de-senvolvimento e da preservação de bacias inter-nacionais; construir e executar obras, e realizaras atividades que possam afetar essas bacias.

O Código cria a Autoridade da Água, que é aAutoridade de Aplicação do próprio Código,responsável por regulamentar, supervisionar emonitorar tudo o que se relaciona à captação,ao uso, à conservação e à evacuação da água;efetua o planejamento hidrológico. A autorida-de ainda redige cartas de risco hídrico com de-talhes das zonas passíveis de serem afetadaspor inundações; estabelece restrições ao usorecreativo, ao abastecimento doméstico e urba-no de determinadas águas em prol da saúdepública; realiza o inventário físico; publica asmedições, registra os direitos ao aproveitamentodas obras; estabelece uma rede hidrométricaprovincial e leva, para ela, um cadastro de águapluvial, superficial e subterrânea da província;fixa uma linha de ribeira; e é responsável pelofuncionamento do Registro Público de Águas.

O Código determina que, caso explorações demineração encontrem aqüíferos, devem informaro achado. E ainda: (1) cria um Registro para asempresas perfuradoras, os profissionais respon-sáveis por perfurações, as obras hidráulicas e osvertidos industriais; (2) estabelece que o aprovei-tamento comum da água pública é para o uso do-méstico, o transporte gratuito de pessoas e coi-sas, a pesca desportiva e o lazer; (3) determinaque os usos especiais cuja concessão é outorgávelsão: abastecimento; usos agropecuário, industri-al, recreativo, desportivo e de lazer; energético;medicinal e termal; de mineração; piscícola;flutuação e navegação; entre outros; (4) estabele-ce que podem ser emitidas autorizações de per-furação para a exploração de água subterrânea, masproíbe a contaminação dos aqüíferos, alteraçõesna quantidade, qualidade e dinâmica da água sub-terrânea, e determina o mesmo cuidado para obrasde proteção e recarga dos aqüíferos; (5) exige quetoda obra hidráulica seja acompanhada por uminforme de impacto ambiental, e, caso aprovada,devem ser realizadas auditorias ambientais peri-

ódicas; (6) proíbe o despejo de efluentes perigo-sos na água; (7) estabelece os Comitês de BaciasHídricas e de Consórcios de Usuários; e (8) esta-belece mecanismos de consulta para o rio de LaPlata e as Bacias Hídricas compartilhadas.

Outras leis estabelecem a proteção das fon-tes de provisão, dos cursos e dos corpos recep-tores de água; a criação do Serviço Provincialde Água Potável e Saneamento Rural; aregulação dos trabalhos relacionados ao siste-ma hidráulico provincial; a proteção, o aprimo-ramento e a restauração dos recursos naturais;o regime regulador das reservas e parques na-turais; e a criação das Corporações de Fomentodo Vale Bonaerense do rio Colorado e do Delta.Em 2005, foi assinado, conjuntamente com asprovíncias de Córdoba, San Luis, La Pampa eSanta Fé, o Tratado para a Criação do ComitêInterjurisdicional da Região Hídrica do nordesteda Planície Pampiana.

3.2.2 Província de CorrientesSua Constitutição determina, no artigo 83, que

cabe ao Poder Legislativo dispor quanto aos ca-nais navegáveis e à exploração dos seus rios, bemcomo autorizar a execução de obras públicas.

As atribuições dos Ministérios:Agricultura, Pecuária, Indústria e Comércio: aju-

dar o governo no tocante aos recursos renováveis;entender a elaboração e a execução da política pro-vincial de recursos naturais, com vistas ao seuaproveitamento racional; entender o regime de usodos recursos hídricos e a compatibilização do seuuso na sua área competente;

Obras e Serviços Públicos: cuidar do tocantea obras e serviços públicos provinciais, bemcomo da elaboração e execução da políticaenergética e de obras sanitárias, sua administra-ção e a prestação de seus respectivos serviços.

O Código de Águas de Corrientes determinaque o Instituto Correntino de Águas fique a cargodo governo e da administração das águas pro-vinciais, e que o Código e os Regulamentos quese ditem sejam a normativa orientadora da po-lítica hídrica da província, regulando relaçõesjurídico-administrativas que tenham como ob-jeto os recursos hídricos e as obras necessáriaspara o seu adequado aproveitamento.

O Código ainda (1) determina que a políti-ca hídrica provincial deve impulsionar einstrumentalizar o uso racional e integral dosrecursos hídricos; realizar estudos paraconhecê-los integralmente; desenvolver umsistema de planejamento para o aproveitamen-

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to dos mesmos, promovendo sua coordenação junto ao planejamentogeral da província; proporcionar o uso múltiplo dos recursos e aintegração das águas superficiais, meteóricas e subterrâneas; efetuar in-ventários hídricos; criar um banco de informações; proteger os recur-sos hídricos de eventual contaminação e promover a participação cida-dã através dos Comitês de Bacia; (2) estabelece que, por ser a água umrecurso natural indispensável para a vida e a atividade humana, bemcomo para o desenvolvimento e a manutenção do meio ambiente, elaestá fora do comércio; por isso, proíbe a comercialização da água, comexceção da água mineral ou de outro tipo devidamente engarrafado; (3)estabelece que pertencem ao domínio público provincial os rios e seuscursos, todas as outras águas que correm pelos cursos naturais, as ri-beiras internas de rios, aquedutos construídos para uso comum e lagosnavegáveis, juntamente com os seus leitos, sendo o domínio da provín-cia sobre as águas públicas inalienável e imprescritível; (4) ratifica odomínio provincial sobre as águas interjurisdicionais no trecho e so-bre a porção que corresponde ao seu território; e (5) estabelece que abacia hídrica é uma unidade hidrológico-geográfica indivisível que re-quer uma consideração integral.

O Código também rege o tocante às águas subterrâneas, definindo-ascomo as que se encontram abaixo da superfície terrestre, formandoaqüíferos. Quando uma fonte é de uso comum, não é necessária umapermissão ou concessão. Todas as concessões de uso de água subterrâ-nea estão sujeitas à existência de caudais e ao regime de exploração que aAutoridade de Aplicação venha a aplicar para a adequada conservação,preservação e o ótimo aproveitamento das disponibilidades hídricas.

O Código ainda (1) proíbe a contaminação e a alteração das proprieda-des das águas subterrâneas e superficiais; (2) determina que se podemestabelecer áreas de proteção de bacias e realizar recargas de aqüíferos;(3) determina que os usos comuns da água têm prioridade sobre os espe-ciais e, em meio ao uso comum, o abastecimento de populações e muni-cipal, ao passo que as águas restantes, quando utilizadas pela indústria,devem ser devolvidas à fonte de origem em perfeito estado, em uma nor-ma igual à norma válida para as explorações de minérios e hidrocarburetos,sendo que nestas os dejetos tóxicos e resíduos devem ser depositadosem locais onde não contaminem os recursos hídricos superficiais e sub-terrâneos, e o meio ambiente; (4) estabelece os Registros Públicos dasConcessões de Uso de: Águas Públicas Superficiais; Águas Subterrânease as Licenças de Uso de: Águas Públicas; para a Exploração de Recursos,Matérias-Primas e Materiais de Leitos e Praias; Exploração de ÁguasSubterrâneas; de Empresas Perfuradoras e do Pessoal Técnico das mes-mas, e dos Projetos Técnicos e Estudos de Viabilidade. Os Registros de-vem concordar com o Cadastro de Água.

3.2.3 Província do ChacoSua Constituição estabelece, no artigo 38, que é “dever dos poderes

públicos ditar normas que assegurem a preservação, a conservação e arecuperação dos recursos naturais para o seu manejo e continuação” eque se deve “exigir estudos prévios de impacto ambiental para autorizarempreendimentos públicos ou privados”. O artigo 41 afirma:

“A província tem direito pleno, imprescritível e inalienável sobre asfontes naturais de energia existentes em seu território. O aproveita-mento racional e integral dos recursos naturais de domínio públi-co está sujeito ao interesse geral e à preservação ambiental”.

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O artigo 48 diz: “A lei estabelecerá as condi-ções em que se fará a reserva ou adjudicaçãodas terras localizadas na zona de influênciadas obras de canalização das correntes e dosreservatórios de água”; e o artigo 50 afirma:

“A província protege o uso integral e ra-cional dos recursos hídricos de domí-nio público destinados a satisfazer asnecessidades de consumo e produção,preservando sua qualidade; ratifica osdireitos de condomínio público sobre osrios limítrofes ao seu território; poderáconcertar tratados com a Nação, as pro-víncias, outros países e organismos in-ternacionais para o aproveitamentodas águas desses rios. Regula, projeta,executa planos gerais de obras hidráu-licas, irrigação, canalização e defesa,e centraliza o manejo unificado, racio-nal, participativo e integral do recursoem um organismo executor. A fiscaliza-ção e o controle serão exercidos de for-ma independente”.

Conforme o artigo 119, “cabe à Câmara dosDeputados legislar quanto ao uso e as disposi-ções de bens do Estado provincial” e tambémquanto ao impacto, às emergências ambientaise pelo uso adequado dos recursos naturais.

Atribuições dos Ministérios:Educação, Cultura, Ciência e Tecnologia:

desenvolver estratégias educativas e de pesquisaque tenham como premissa a harmonia entre odesenvolvimento das forças produtivas e o usoracional dos recursos naturais;

Economia, Obras e Serviços Públicos: auxi-liar o Governo no desenvolvimento, na promo-ção, orientação e realização das obras e dos ser-viços públicos, intervindo em tudo que se rela-cione a serviços energéticos, de provisão deágua potável, controle de afluentes, manejo econtrole dos recursos hídricos;

Produção: auxiliar o Governo na determina-ção das políticas de recursos naturais e partici-par do planejamento, da elaboração e execuçãode medidas para a defesa dos cursos de água ea afetação dos mesmos pelo seu uso e por ativi-dades produtivas, bem como na prevenção con-tra inundações e secas, adotando medidas ca-pazes de evitá-las.

O Código de Águas de Chaco é idêntico aoda província de Corrientes, excetuando-se al-gumas pequenas disposições, mas o CódigoCorrentino é posterior ao de Chaco.

O Código (1) estabelece as Comissões deManejo de Água e Solo (Comas); (2) que o do-mínio da província sobre as águas públicas sejainalienável e inembargável, e que os agentesprivados não possam adquirir por prescrição odomínio dessas águas, tampouco o direito aoseu uso; (3) quanto às bacias interjurisdicionais,determina o estabelecimento de um governoconjunto e harmônico da bacia compartilhada,e um sistema de planejamento integral e ade-quado da mesma com vistas a um ótimo graude aproveitamento para todos, impulsionandoo conceito de “bacia interjurisdicional” (o mes-mo é válido para Corrientes); (4) determina queas águas termais aptas ao uso de interesse geralpertençam ao domínio público do Estado, bemcomo a exploração das mesmas preferencial-mente pelo Estado, municípios ou medianteconcessões particulares; (5) determina a prote-ção, não apenas das bacias como o faz o CódigoCorrentino, mas também de leitos, fontes, cur-sos e depósitos de água (para mais detalhes,veja o Código de Águas de Corrientes).

A Autoridade de Aplicação é a Administra-ção Provincial da Água (APA), que unifica asáreas do Plano de Defesa contra Inundações,da Direção Geral de Hidráulica, da Direção deFiscalização e Prestação e do Instituto Provin-cial de Águas do Chaco. Além disso, a APA deveplanejar e coordenar as atividades relacionadasao manejo, à conservação e à preservação dosrecursos hídricos e a luta contra o efeito noci-vo das águas, intervindo na elaboração dos pro-jetos e na execução das obras de provisão deágua, tratamento e eliminação de esgotos indus-triais e controle de qualidade e volume da fon-te de abastecimento de água.

3.2.4 Província de Entre RíosCabe à Subsecretaria de Assuntos Agrários

entender a conservação dos solos, da água, daflora e fauna autóctones, promovendo o seu usoracional e adequado e diminuindo, assim, oimpacto que a sua degradação produz no meioambiente; e promover o uso de técnicasconservacionistas que permitam um uso racio-nal e adequado de solos, águas, flora e fauna,avaliando os potenciais de produção sustentá-vel desses recursos naturais.

À Direção de Produção Vegetal, cabe promo-ver o aproveitamento racional da água com finsde irrigação, desenvolver programas de uso emanejo conservacionista do solo e da água, es-tudar e difundir técnicas de captação e apro-

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veitamento de águas em todo o âmbito da província, estimulando as téc-nicas mais eficientes de irrigação para os cultivos; estudar e difundirtécnicas de drenagem superficial e/ou subterrânea para terras agrícolas eparticipar em projetos de desenvolvimento que busquem a habilitaçãode terras inundadas.

A Área de Águas, Captação, Irrigação e Drenagem tem a missão derealizar o estudo e o levantamento da água superficial com fins pro-dutivos em toda a província, promovendo o aproveitamento e o ma-nejo adequados, mediante sistemas de captação, irrigação e drenagem.Ademais, deve promover e propor ações e normas para conservação euso racional da água; intervir em todas as tarefas de estudo, planeja-mento, desenho e assessoramento em canais e sistemas de irrigação;outorgar permissões e concessões de irrigação; fixar pautas para o de-senvolvimento de uma legislação que envolva o aproveitamentoagropecuário do recurso à água; participar dos estudos e avaliaçõesde obras de drenagem superficial e/ou subterrânea em terras agrícolase em projetos que considerem a habilitação de terras alagadiças; pro-mover o conhecimento e o aprimoramento da água para a produçãoagropecuária; propiciar uma utilização racional do recurso, orientan-do a adoção de técnicas de capacitação, irrigação e drenagem; e pro-mover, orientar e participar de obras de captação de águas superfici-ais (macro-represas) com fins de irrigação.

À Direção de Hidráulica cabe estudar, planejar, projetar e executar obrashidráulicas novas, ampliações e modificações ou reparos das existentespor conta do Estado Provincial ou por particulares, propiciando conhe-cimento, avaliação, controle, preservação, melhoramento e aproveitamentodos recursos hídricos provinciais.

A Lei de Águas de Entre Ríos dita a:“regulação do uso e do aproveitamento do recurso natural constituídopelas águas subterrâneas e superficiais com fins econômicos produti-vos em todo o território da província, com vistas a alcançar o seumelhor emprego sob os princípios da equidade, proporcionalidade eracionalidade; apontando para a sua conservação e defesa com ofim de melhorar a produção em harmonia com o meio ambiente.Incluem-se as obras hidráulicas construídas com fins semelhantes esob os mesmos princípios enunciados anteriormente”

Conforme a lei, “o uso, sob qualquer definição, de águas de domíniopúblico, canais ou obras construídas com fins comuns, não os faz perder ocaráter de bens públicos do Estado”. A lei reafirma o domínio da provínciasobre as águas interestaduais no trecho e na porção que correspondem aoseu território e que, para o seu aproveitamento, a província pode celebrarTratados ou Acordos Interjurisdicionais de acordo com o princípio da re-ciprocidade e o critério da unidade de bacias. Diz a lei:

“Para a concertação de águas subterrâneas interestaduais, serãorealizados estudos prévios e a divisão será quantificada, a seguir,em termos de volume de infiltração, escoamentos e usos anteriores,segundo a regra da proporcionalidade nos respectivos territóriosdos estados contratantes”.

O uso comum (necessidades domésticas dos usuários e fornecimen-to para gado) tem prioridade sobre os usos especiais e é gratuito quan-do não requer a prestação de um serviço pelo Estado a terceiros. É dadaprioridade aos usos especiais para abastecimento de água potável, se-

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guidos do uso agropecuário; industrial; mine-ração; aproveitamento energético; turístico;terapêutico; aqüicultura; recreativo; e outros.A lei estabelece as obrigações e os direitos dospermissionários, as regras para o direito ao usoespecial das águas de domínio público e aconstrução de obras hidráulicas e de sanea-mento. Quanto às águas subterrâneas, deter-mina que devem ser realizados estudos técni-cos e levantamentos necessários a fim de co-nhecer o caudal e a reposição das fontes nasdiferentes bacias aqüíferas, o grau de qualida-de e contaminação das águas e o Cadastro dePerfurações nas diferentes áreas provinciais.

A lei cria o Conselho Regulador do Uso deFontes de Água (Corufa) como Autoridade deAplicação da Lei de Águas. O Conselho reque-rerá necessariamente, para cada resolução, aopinião fundada das ONGs interessadas namatéria; dos municípios envolvidos pelo pro-jeto, da Universidade Nacional de Entre Ríos,dos Conselhos ou Colegiados Profissionais comincumbências afins.

A lei ainda cria o Fundo Provincial de Águase estabelece a participação da sociedade na ela-boração dos programas para a preservação e arestauração do equilíbrio e a proteção do meioambiente. Estabelece também a obrigação doEstado de velar pela preservação das águas; evi-tar o seu esgotamento ou contaminação; e de-mandar a apresentação obrigatória dos estudosde impacto ambiental potencial pelas obraseventualmente projetadas.

Existe também o Regulamento de Estudo,Planejamento, Uso e Preservação da Água Ter-mal de Entre Rios. Por água termal, entendem-se todas as águas de origem subterrânea cujatemperatura na superfície seja superior à mé-dia do lugar, maior que 25º, e estejam conti-das em formações basálticas ou infrabasálticasda chamada “Bacia Geológica Paraná”. O Re-gulamento cria Livros de Registro de autori-zações, concessões e perfurações e exige estu-dos de viabilidade para a exploração e a per-furação de poços.

Outras leis estabelecem a promoção das ati-vidades de exploração dos recursos naturais dosubsolo; o amparo ambiental; a criação de áre-as naturais protegidas; a regulação da constru-ção e a manutenção de obras para a defesa e omanejo de águas; e o regime de definição e de-marcação da linha de ribeira e dos mapas dezona de irrigação hídrica nos rios Paraná, Uru-guai e interiores à província.

3.2.5 Província de FormosaSua Constituição estabelece, no artigo 51, que

a província tem domínio pleno, exclusivo,imprescritível e inalienável sobre as fontes deenergia hidráulica; no artigo 52, ratifica os direi-tos de condomínio público para os rios limítrofesao seu território; no artigo 53, afirma:

“A Província deve buscar o aproveitamentointegral e o uso racional da água, respei-tando as prioridades que derivam das ne-cessidades de consumo da população e odesenvolvimento do setor primário e indus-trial. Um código de águas regulamentarátudo o que diga respeito a este recurso”.

E, no artigo 120, confere ao Poder Legislativoa competência de ditar o Código de Águas.

Fazem parte das atribuições dos Ministérios:Produção: entender da implementação da

política provincial de recursos naturais, no le-vantamento, conservação, recuperação, defesae desenvolvimento dos recursos naturais; rea-lizar estudos de conservação dos solos e da água,com vistas a alcançar o maior aproveitamentodos mesmos; aplicar as normas sobre contami-nação ambiental e intervir na adoção de meiospara a defesa dos cursos das águas, das zonasinundáveis e insalubres, e na criação da políti-ca hídrica provincial;

Economia, Obras e Serviços Públicos: auxi-liar o governo no tocante a obras e serviços pú-blicos; elaborar e implementar planos de irri-gação e eletrificação rural; estudar, projetar eexplorar os planos de irrigação e eletrificaçãorural; estudar, projetar e explorar serviços deágua potável, esgotos e dejetos industriais; apli-car medidas para a defesa de cursos de água,alagadiços e zonas inundáveis ou insalubres, eem tudo o que diga respeito a obras e serviçosde água potável e saneamento, assim como acessão e a fiscalização dos trechos onde há re-partições provinciais, municipais e privadas;

Desenvolvimento Humano: lidar com asquestões relacionadas ao abastecimento de águapotável, eliminação de esgotos e todos os ou-tros serviços sanitários.

O Código de Águas de Formosa estabelececomo “objetivo regular o conhecimento, a ges-tão, o aproveitamento, o controle, a conserva-ção, a proteção e a defesa das águas, seus lei-tos e obras hidráulicas”. Para ele, as águas sub-terrâneas pertencem ao domínio público:

“São bens do Estado provincial: os rios,seus leitos e todas as águas que correm

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por seus cursos naturais, com exceção das vertentes que nascem eterminam dentro de uma área particular. [...] Todas as águas quese derivam dos rios, sejam afluentes seus ou águas extraídas pormeios de canais, aquedutos e qualquer obra pública, bem como aságuas de desagües posterior à saída da propriedade e as que pro-venham de dessecação de lamaçais e drenagens em geral”.

Como Autoridade de Aplicação do Código, está designada a Direçãode Recursos Hídricos da província. O Código (1) determina a realizaçãode estudos permanentes com vistas ao máximo aproveitamento do re-curso, para impedir e prevenir perdas, e a confecção de mapas gerais epor zonas; (2) proíbe e sanciona a contaminação das águas superficiais esubterrâneas; (3) estabelece a prioridade do uso comum sobre o especial,com prioridade para o abastecimento de populações (fixa um volumemínimo, por dia, de 150 litros por habitante), os usos doméstico e muni-cipal; em seguida, priorizam-se a irrigação; o uso pecuário; energético;industrial; terapêutico; mineração; navegação e flotação; piscícola e re-creativo - “a concessão não envolve a alienação parcial ou total da águapública, que é inalienável, mas sim outorga a seu titular um direito sub-jetivo ao seu aproveitamento”; (4) contempla o resguardo das águas ter-mais para que não sejam afetadas as fontes. Diz o Código:

“Obrigações do Estado: o Estado provincial proporcionará as obrashidráulicas necessárias à prestação dos serviços públicos de utili-dade comum, à preservação e à melhoria do recurso hídrico, àsua defesa contra efeitos nocivos e para o desenvolvimento econô-mico e social de acordo com os planos aprovados”.

O Código ainda estabelece os Registros de Água para: Águas Públicas,outorgadas em uso, mediante permissão; Empresas Perfuradoras, para aextração de águas subterrâneas; e Técnicos Responsáveis e Consórciosde Usuários de Águas Públicas; e o Cadastro da Água. Para prospecção,escavação e uso de águas subterrâneas que não sejam de uso comum, énecessária uma permissão. O/a representante da empresa interessada deveser engenheiro/a em recursos hídricos, ou civil, ou hidráulico ou geólogo/a ou licenciado/a em Geologia. Os poços manterão uma distância míni-ma de 100 metros entre si e em relação a ribeiras e bordas de rios e arroi-os com caudal permanente; e 200 metros como mínimo, quando não te-nham sido feitos pela Administração Pública como acessórios de obrasde irrigação e com o fim de recuperar águas subterrâneas aos cursos na-turais ou captar outras mais profundas para reforçar a irrigação; e aoredor dos mesmos, estabelece uma zona de proteção dentro da qual estáproibida a perfuração para extração de água.

A Lei de Política Ecológica e Ambiental regula as políticas de manejode água; estabelece a proteção dos corpos de água superficiais e subterrâ-neos como bens de interesse geral e obrigatórios para todos os habitan-tes; determina que a Autoridade de Aplicação planejará ações hidrológicase hidráulicas elaborará o plano hidrológico da bacia, seu acompanha-mento e revisão, a administração e o controle do domínio público hidrá-ulico e dos aproveitamentos de interesse geral; adotará medidas paracomplementar os convênios internacionais em matéria de água,implementará e gerirá o sistema de alerta hidrológico e controle de qua-lidade das águas, realizará os planos hidrológicos; definirá as diretrizespara a recarga e a proteção dos aqüíferos e intervirá na declaração dezonas críticas de proteção especial a determinadas bacias ou planos de

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bacias, aqüíferos, áreas ou volumes de água, porsuas características naturais ou de interesseambiental.

3.2.6 Província de MisionesSua Constituição estabelece, no artigo 58, que

“a Província tem domínio pleno, imprescritívele inalienável sobre as fontes naturais de ener-gia existentes no seu território”; e no artigo 59,afirma que os serviços públicos correspondemoriginariamente à província ou aos municípi-os, mas a sua exploração pode ser feita pelo Es-tado, por entes autárquicos, autônomos ou co-operativas de usuários. O artigo 101 da Câmarade Representantes regulamenta os serviços pú-blicos provinciais.

A Lei de Águas de Misiones determina que aCâmara deve reger a província no sistema de es-tudo, aproveitamento, conservação e preserva-ção dos recursos hídricos de domínio público:

“A Província de Misiones procurará o usodiversificado de suas águas, coordenan-do e harmonizando o seu uso junto aosdemais recursos naturais. Para isso,inventariará e avaliará os recursoshídricos, planejará e regulará a sua uti-lização, com vistas à sua conservação eao máximo benefício geral”.

A lei (1) determina que, nos planos em que aságuas são necessárias como fator de desenvolvi-mento, têm prioridade os projetos de uso múlti-plo técnica, econômica e socialmente justifica-dos; (2) cria o Registro de Águas Públicas outor-gadas em uso mediante concessões ou autoriza-ções; o Registro de Empresas de Serviço de En-genharia para o aproveitamento dos recursoshídricos e de seus técnicos responsáveis; e oCadastro de Água; (3) estabelece o direito de to-das as pessoas ao uso comum das águas públi-cas, que tem prioridade irrestrita sobre qualqueruso privativo e é gratuito, com exceções para oscasos em que, para o seu exercício, seja necessá-ria a prestação de um serviço.

O uso especial da água requer uma autoriza-ção ou concessão e está condicionado à disponi-bilidade do recurso e às necessidades reais dotitular. O uso especial compreende: o uso do-méstico e o abastecimento de populações(prioritário) e municipal; medicinal (águas ter-mais, que não podem ser exploradas comercial-mente sem autorização); energético (quando apotência exceder 847 KW, quando um serviçopúblico é prestado ou quando as instalações cau-

sarem prejuízos a terceiros, este uso será apenasoutorgado por força de lei); industrial (determi-nado em litros por segundo); agrícola; pecuário(determinado em metros cúbicos); recreativo;piscícola; de mineração (para este, intervém con-juntamente a Autoridade de Mineração; e casose encontrem águas subterrâneas, o fato deve serdenunciado e a contaminação de aqüíferos, im-pedida); de navegação e flotação.

Para as águas subterrâneas, fica estabelecido:“A Autoridade de Aplicação, junto à Au-toridade de Mineração, se encarregará depromover e realizar estudos e trabalhos,incluindo perfurações, relacionados aoconhecimento, uso e controle de águassubterrâneas e a supervisão das açõesrealizadas por particulares. O Estado pro-vincial pode explorar e extrair águas sub-terrâneas em áreas fiscais desocupadasou com ocupação precária, bem comorealizar as obras necessárias para o seuaproveitamento com fins de interesse pú-blico; conceder o uso dessas águas a en-tes públicos ou Consórcios de Usuáriospor períodos de até dez anos; outorgarautorizações de exploração e perfuraçãoem terrenos fiscais desocupados ou comocupação precária. O extrator terá direi-to à concessão; a realizar, com fins de es-tudo, tarefas de exploração e perfuraçãoem prédios privados, efetuando indeni-zações por prejuízos causados; ditar me-didas de fomento à exploração dosaqüíferos; fixar zonas de reservas, dentrodas quais não se autorizará a extraçãode águas subterrâneas, salvo para usocomum; exercer o controle das obras emedidas de perfuração extração e apro-veitamento da água subterrânea, para oseu devido uso e a sua preservação.”

A lei estabelece que o Estado provincialdeve realizar obras hidráulicas, quando ne-cessário, para a preservação e o aprimoramen-to do recurso hídrico; para a defesa; a presta-ção de serviços públicos de utilidade comum;para o fomento e o desenvolvimento econô-mico e social, de acordo com os planos apro-vados. O Instituto Misionero de las Aguas seencarrega da sua administração e do seu go-verno. Atualmente, está em tramitação noPoder Legislativo de Misiones um novo pro-jeto de Código de Águas, idêntico aos códi-gos do Chaco e de Corrientes.

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3.2.7 Província de Santa FéAtribuições dos Ministérios:Agricultura, Pecuária, Indústria e Comércio: intervir nos planos de

eletrificação rural e irrigação e na elaboração de uma política hídrica paraos sistemas produtivos;

Obras, Serviços Públicos e Habitação: cuidar das obras públicas; for-mular e aplicar a política hídrica provincial; fazer obras de defesa contrainundações e para a proteção do litoral; regulamentar atividades a seremdesenvolvidas em zonas de inundação dentro do território provincial;agir em tudo o que se relacione às obras de água, sanitárias, de evacuaçãode esgotos e vazão de chuvas; aos acordos interjurisdicionais para o ma-nejo de sistemas hidrológicos compartilhados e tudo o que se relacioneao sistema energético, especialmente à energia hidrelétrica;

Saúde e Meio ambiente: intervir nos aspectos sanitários relacionadosà água potável e à eliminação de esgotos.

À Secretaria de Recursos Hídricos, cabe auxiliar na formulação dapolítica hídrica provincial e agir em tudo o que se relacione à defesa dolitoral e contra inundações, no tocante a obras hidráulicas e ao manejodos sistemas hidrológicos compartilhados. À Direção Provincial de Re-cursos Naturais, cabe sistematizar o conhecimento e racionalizar o usodo solo e das águas.

O Código de Águas de Santa Fé estabelece que “a água é um recursonatural de domínio público provincial. Este inclui os leitos naturais deáguas superficiais, correntes ou estancadas, suas nascentes e osaqüíferos”. O Código estabelece:

“o domínio da província sobre as águas públicas é inalienável einembargável. Ninguém poderá adquirir por prescrição o domí-nio dessas águas ou dos seus cursos, tampouco direito algum denatureza civil ou administrativa. O recurso hídrico provincial estáfora de comércio por ser um bem de domínio público. O domíniooriginário da província não pode ser alienado sem uma lei quedisponha quanto à sua desafetação. Será considerado nulo e semefeito qualquer ato da Administração Nacional ou Municipal quemodifique ou extinga os direitos da província sobre as águas deseu domínio público”.

Conforme o Código, a bacia é uma unidade física que deve ser consi-derada de forma integral e “a água é una e se encontra na natureza emforma atmosférica, superficial e subterrânea, apresentando-se em esta-do sólido, líquido ou gasoso sem respeitar limites políticos. O seu usodeve respeitar a unicidade do ciclo hidrológico”.

Segundo o Código, “o direito humano à água outorga o direito a con-tar com água suficiente a um preço exeqüível, fisicamente acessível, se-gura e de qualidade aceitável para usos pessoais e domésticos”; e ainda:“a água é um alimento e um bem econômico com alto valor social eambiental, que integra o processo produtivo e que o Estado provincialmaneja para gerar riqueza subordinada à proteção do meio ambiente eà eqüidade social”.

O Código de Santa Fé é semelhante ao do Chaco e de Corrientes notocante à política hídrica provincial. O Código (1) determina que sãoáguas de domínio público as que correm por cursos naturais, as que asalimentam e formam, bem como os seus leitos, praias e ribeiras; as quetêm propriedades terapêuticas ou propriedades que as tornam aptas aouso medicinal; bem como as águas subterrâneas, incluindo as termais;

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(2) estabelece a proteção dos recursos hídricose inclui entre as proibições a construção depoços negros que se conectem com níveis deágua subterrânea por meio de perfurações rea-lizadas dentro dos mesmos.

Devem-se fixar normas para o uso racional eo controle dos pântanos, buscando conservar adiversidade biológica e as suas funções ecoló-gicas e hidrológicas; e a Autoridade de Aplica-ção do Código terá uma participação necessá-ria nas gestões para a detecção e declaração denovas Áreas Ramsar (A Convenção Ramsar deÁreas Úmidas é um tratado de cooperação paraa conservação e o uso racional das zonas úmi-das, estabelecido em 1971). Além disso, a Au-toridade poderá designar os aqüíferos onde aextração de água é permitida; modificar méto-dos, sistemas ou instalações; proibir a extraçãoem caso de baixa no nível do reservatório; esta-belecer zonas de proteção em torno dos poços epreservar a qualidade e a conservação das águas.

O uso comum tem prioridade sobre o espe-cial, seguido dos usos agrícola; pecuário e degranja; industrial; aqüícola; energético;terapêutico, medicinal ou termal; de minera-ção (deve-se informar obrigatoriamente a des-coberta de aqüíferos e evitar a sua contamina-ção); turístico, esportivo ou recreativo; e de na-vegação ou flotação.

O Código ainda (1) estabelece que os confli-tos surgidos pelas águas interjurisdicionais se-rão submetidos à Corte Suprema de Justiça daNação; (2) ratifica as Organizações de Bacias ede Usuários; (3) estabelece o Cadastro de Águase Obras Hidráulicas, bem como os RegistrosPúblicos de: concessões para uso de águas pú-blicas superficiais; de águas subterrâneas; aspermissões de uso de águas públicas e de per-furações para a exploração de águas subterrâ-neas; as permissões para a exploração de re-cursos, matérias-primas e materiais nos seusleitos e praias; para as águas privadas; paraempresas perfuradoras e seus responsáveis téc-nicos; para profissionais habilitados a realizarestudos e projetos de obras públicas e priva-das; (4) estabelece os conteúdos mínimos paraum Plano Hídrico Provincial: o diagnóstico dosrecursos hídricos; o equilíbrio entre disponi-bilidade e demandas futuras, com a identifica-ção de potenciais conflitos; as metas de racio-nalização do uso, de aumento da quantidade emelhoria de qualidade para os recursos dispo-níveis e as medidas para alcançá-los; os critéri-os para a cobrança pelo uso dos recursos; as

prioridades para a outorga de direitos de usodos recursos; as previsões para períodos de secae inundações, e medidas de mitigação para acriação de áreas de proteção; as análises de al-ternativas de crescimento demográfico, de evo-lução das atividades produtivas e de modifica-ção de padrões de ocupação de solos.

A Autoridade de Aplicação do Código é oMinistério de Assuntos Hídricos, que cuidaráde tudo o que se relaciona aos recursos hídricos;controlará e supervisionará as medidas estru-turais e não-estruturais realizadas; atuará vi-sando ao uso adequado do recurso em conjun-to com as organizações de usuários, as coope-rativas de serviço público de água potável e es-gotos e organizações vinculadas ao recursohídrico; centralizará a informação hidrome-teorológica; implementará o sistema de alertahidrológico; participará na avaliação de impac-tos ambientais para as obras que afetem os re-cursos hídricos; regulará o uso do solo em zo-nas inundáveis; resolverá conflitos hídricos;promoverá programas sociais de difusão e edu-cação quanto aos recursos hídricos.

Em 2005, as províncias de Buenos Aires,Córdoba, La Pampa e San Luis assinaram emconjunto o Tratado de Criação do ComitêInterjurisdicional da Região Hídrica Nordesteda Planície Pampiana.

3.2.8 Cidade Autônoma de Buenos AiresCarece de um Código de Águas. Sua Consti-

tuição estabelece, no artigo 8, que a cidade é“co-ribeirinha ao Rio de la Plata e aoRiachuelo, que constituem, na área sobsua jurisdição, bens de domínio público.Tem direito ao uso eqüitativo e razoávelde suas águas e dos demais recursos na-turais do rio, seu leito e seu subsolo, e éobrigada a não causar danos sensíveisaos demais entes co-ribeirinhos. Seus di-reitos não podem ser desviados pelo usoque se possa vir a fazer de outros co-ri-beirinhos dos rios e dos seus recursos.”.

Tudo isso, sem prejudicar as normas do di-reito internacional aplicáveis ao rio de la Platae sob o alcance do artigo 129 da ConstituiçãoNacional.

A Cidade possui o domínio inalienável eimprescritível dos seus recursos naturais e acor-da junto a outras jurisdições quanto ao apro-veitamento racional de todos aqueles que fo-ram compartilhados. Tem plena jurisdição so-

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bre todas as formações ribeirinhas aldeãs à sua costa, o que inclui reser-vas naturais para preservar a flora e a fauna dos seus ecossistemas. Osespaços que formam parte do contorno ribeirinho da cidade são públicose de livre acesso e circulação.

O porto de Buenos Aires é de domínio público da cidade, que exerceo controle de suas instalações, tenham elas ou não uma concessão. Diz oartigo 27 da Constituição:

“A cidade promove [...] a preservação e a restauração dos proces-sos ecológicos essenciais e dos recursos naturais de domínio públi-co, [...] a preservação e o incremento dos espaços verdes, das áreasflorestais e de bosques, parques naturais e zonas de reserva ecoló-gica e [...] de sua diversidade biológica. A proteção, o saneamento,o controle de contaminações e a manutenção das áreas costeirasdo rio de La Plata e da bacia Matanza – Riachuelo, das sub-baciashídricas e dos aqüíferos [...]. A educação ambiental em todas asmodalidades e em todos os níveis”.

O artigo 28 da Constituição proíbe o ingresso de resíduos e dejetosperigosos na cidade.

Quando analisadas as legislações hídricas das províncias até aqui tra-tadas, podemos perceber elementos de convergência e de divergência.Apenas as Constituições provinciais do Chaco, Província de Buenos Aires,Formosa, Misiones e da Cidade Autônoma de Buenos Aires reconhecemo direito das províncias sobre os seus recursos naturais, em especial osrecursos hídricos. Além disso, as Constitutições do Chaco, Província deBuenos Aires e de Formosa determinam que o aproveitamento dessesrecursos deve ser feito de modo racional e integral. A Constituição daProvíncia de Buenos Aires estabelece a obrigação de preservar, proteger erecuperar esses recursos.

Nas províncias de Buenos Aires e Santa Fé, têm importância o Minis-tério de Obras e Serviços Públicos; em Corrientes, o Ministério da Agri-cultura, Pecuária, Indústria e Comércio; no Chaco e em Formosa, o Mi-nistério da Produção; ao passo que, em Entre Ríos, as funções foram com-partilhadas. Com exceção da Cidade Autônoma de Buenos Aires, todasas províncias possuem suas leis ou o seu Código de Água, que entre siapresentam, também, semelhanças e diferenças.

O Código da província de Buenos Aires atribui ao Poder Executivo aformulação da política hídrica provincial. Todos tratam das águas super-ficiais e subterrâneas, e a província de Entre Ríos possui um regulamen-to especial para as águas termais: prioriza-se o consumo humano, animale agrícola. O Código da província de Formosa determina uma cota míni-ma de 150 litros diários por pessoa; estabelecem-se a proteção e a preser-vação contra a contaminação; e ainda as Autoridades de Aplicação; osRegistros Públicos e os Cadastros de Águas. Os Códigos de Buenos Aires,Corrientes, Santa Fé e Chaco estabelecem os Comitês de Bacias Hídricas,e o do Chaco cria também as Comissões de Manejo de Água e Solo (Co-mas). Os Códigos de Buenos Aires, Formosa, Misiones e Santa Fé criamos Consórcios de Usuários; os do Chaco, Corrientes, Entre Ríos e BuenosAires demandam avaliações ambientais dos projetos; e o Código deBuenos Aires também estabelece as auditorias ambientais.

O conceito de uma bacia hídrica como unidade hidrológico-geográficaindivisível está presente nos Códigos de Corrientes, Chaco, Entre Ríos eSanta Fé, e o conceito de bacia interjurisdicional, nos de Corrientes e doChaco. Os Códigos de Corrientes e do Chaco enfatizam firmemente o não-

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reconhecimento da água como mercadoria, umavez que ela é um recurso natural indispensávelà vida, ao desenvolvimento e à manutenção domeio ambiente; e no de Santa Fé, uma vez queela é um bem de domínio público. Este últimoafirma também que a água é um direito humano,um alimento e um bem econômico com alto va-lor social e ambiental, e que o seu ciclo é uno.

Os Códigos do Chaco e de Santa Fé deter-minam o domínio de suas respectivas pro-víncias sobre as águas como inalienável einembargável, e o de Misiones, comoimprescritível e inalienável. O de Entre Ríosestabelece a participação da sociedade civilna elaboração dos projetos. Para baciashídricas compartilhadas, o Código de BuenosAires estabelece os Comitês de Consulta e ode Santa Fé determina que a Suprema Cortede Justiça da Nação atue como árbitro em casode desavenças. De todos os modos, deve-seenfatizar que todos eles se ajustam às dispo-sições do Código Civil.

Quanto às outras províncias, deve-se ter emmente que as províncias de Jujuy, Salta, Córdo-ba e Santiago del Estero têm uma parte de seusterritórios compreendidos pela Bacia do Prata.

3.2.9 Província de CatamarcaO artigo 61 da Constituição de Catamarca

estabelece que “os rios, seus cursos e todas aságuas que corram por cursos naturais, trans-cendendo os limites do terreno em que nascem,são de domínio público da província”; o artigo62 diz: “compete à província regular o apro-veitamento das águas dos rios interprovinciaisque atravessam o seu território, mediante tra-tados com as províncias vizinhas”; e o artigo66 estabelece:

“os minerais e as fontes naturais de energia,com exceção das vegetais, pertencem ao do-mínio público da província. Atividades li-gadas à prospecção, exploração, industria-lização e comércio de hidrocarburetos sóli-dos, líquidos e gasosos, dos minerais passí-veis de fissão e das fontes de energia hidrelé-trica não podem ser objetos de qualquer con-cessão, salvo a uma entidade autárquicanacional, que não poderá transferir o totalou parte do seu contrato”.

A Constituição ainda determina que poderáser concedida às municipalidades ou coopera-tivas de usuários a exploração das fontes deenergia hidráulica.

3.2.10 Província de CórdobaA Constituição de Córdoba estabelece que as

águas, que são de domínio público, estão sujei-tas, em sua utilização e aproveitamento, ao in-teresse geral. O Estado é o encarregado de regu-lamentar o seu uso racional e de adotar as me-didas necessárias para evitar a sua contamina-ção. O artigo 66 estabelece que todas as pesso-as têm direito a usufruir de um meio ambientesadio (ambientes físico e social livres de fato-res nocivos para a saúde; conservação dos re-cursos naturais e culturais; preservação da flo-ra e da fauna). Além disso, determina que aágua, o solo e o ar são elementos vitais para oser humano, e, como tais, matéria de proteçãoespecial na província. Ao Estado provincial cabeproteger o meio ambiente, preservar os recur-sos naturais, ordenar o seu uso e a sua explora-ção, e resguardar o equilíbrio do sistema ecoló-gico sem discriminar indivíduos ou regiões. Oartigo 68 atribui ao Estado provincial a defesados recursos naturais renováveis e não-renováveis, com base no seu aproveitamentoracional e integral; a preservação do patrimônioarqueológico, paisagístico; e a proteção do meioambiente.

Atribuições dos Ministérios:Fazenda, Habitação, Obras e Serviços Públi-

cos: realizar e conservar as obras e prestar ser-viços públicos provinciais;

Produção e Trabalho: propor, implementare fiscalizar um programa provincial de recur-sos naturais renováveis e um sistema de áreasnaturais protegidas na província.

Atribuições das Secretarias:Habitação, Obras e Serviços Públicos: reali-

zar e conservar obras hidráulicas e demais tra-balhos públicos;

Agricultura, Pecuária e Recursos Renováveis:criar e operar áreas naturais em zonas de inte-resse ou conveniência.

Atribuições das Subsecretarias:Obras Públicas: sugerir as políticas para re-

cursos hídricos e o seu aproveitamento; admi-nistrar, executar e coordenar os programas acor-dados com o Serviço Nacional de Água Potávele Saneamento Rural;

Saúde e Meio ambiente: cuidar de tudo que serelaciona à problemática ambiental e de saúde.

3.2.11 Província de ChubutA Constituição de Chubut estabelece, no ar-

tigo 99:“o Estado exerce o domínio originário e

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eminente dos recursos naturais renováveis e não-renováveis, mi-gratórios ou não, que se encontrem em seu território e sua costa,exercendo o controle ambiental sobre eles. Promove o aproveita-mento racional dos recursos naturais para o seu desenvolvimento,conservação, restauração ou substituição”.

O artigo 101 diz:“São de domínio do Estado as águas públicas localizadas sob suajurisdição que sejam ou possam vir a ser aptas a satisfazer o inte-resse geral. A lei regula o governo, a administração e o manejounificado e integral das águas superficiais e subterrâneas, a parti-cipação direta dos interessados e o fomento dos empreendimentose das atividades qualificadas como de interesse social. A provínciaacerta junto às outras jurisdições o uso e o aproveitamento dasbacias hídricas comuns”.

Segundo o artigo 107,“o Estado promove o aproveitamento integral dos recursos pesquei-ros e subaquáticos, marinhos e continentais, resguardando o seuequilíbrio correspondente. Fomenta a atividade pesqueira e conexa,a industrialização em terra e o desenvolvimento dos portos provin-ciais, preserva a qualidade do meio ambiente e coordena-se àsdistintas jurisdições nas políticas respectivas”.

Atribuições dos Ministérios:Fazenda, Obras e Serviços Públicos: auxiliar o governo da província

na programação e execução de obras hídricas, nos projetos de provisãode água potável e no fomento de cooperativas para a prestação dos servi-ços sanitários;

Produção e Turismo:auxiliar o governo nas questões ligadas aos re-cursos naturais renováveis e não-renováveis; ao meio ambiente; à formu-lação, condução e fiscalização da política agropecuária, florestal, de mi-neração, industrial, hídrica, turística, pesqueira e comercial da provín-cia; à conservação e ao uso sustentável dos recursos renováveis; à políti-ca de aproveitamento dos recursos hídricos; ao regime de águas e suafiscalização; ao tocante aos recursos hídricos, ao regime de águas e suafiscalização, ao uso sustentável dos recursos do mar e das águas conti-nentais; à proteção do solo, água, flora e fauna autóctones, e áreas natu-rais; às pesquisas referentes aos recursos naturais renováveis e não-renováveis, e à elaboração dos inventários que se fizerem necessários.

3.2.12 Província de JujuyA Constituição de Jujuy estabelece, no artigo 22:

“Cabe à província [...] eliminar ou evitar, exercendo efetiva vigi-lância e fiscalização, todos os fatores que possam causar a conta-minação do ar, da água e do solo [...]. Promover o uso racional dosrecursos naturais, salvaguardando a sua capacidade de renova-ção e a estabilidade ecológica”.

O artigo 75 diz:“Cabe à província regular o uso e o aproveitamento de todas aságuas do seu domínio e privadas. Todas as questões que se refiramao uso das águas superficiais ou subterrâneas estarão a cargo deum organismo descentralizado, cujos membros serão nomeados pelo

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Poder Executivo e terão as atribuições eos deveres que lhes determinarem a lei.Enquanto não se fizer um estudo das ca-pacidades de rios, lagos, diques e arroiosda província, só poderão ser emitidas no-vas concessões de água mediante um in-forme técnico do organismo competente[...]. Serão outorgadas concessões e auto-rizações para os seguintes usos: domésti-co, municipal e de abastecimento a po-pulações, industrial, agrícola, pecuário,energético, recreativo, de mineração, me-dicinal, piscícola e de qualquer outro be-nefício para a comunidade. Será criadaa legislação orgânica em matéria deobras de irrigação, defesas, saneamentode terras, construção de deságües, poçose nascentes, e exploração racional e téc-nica de águas subterrâneas”.

O artigo 123 determina, entre as atribuiçõesdo Poder Legislativo, a criação de leis de pre-servação dos recursos naturais e do meio am-biente, de proteção de espécies animais e vege-tais úteis ou autóctones, de florestamento e re-florestamento; e a disposição do regime de ser-viços públicos provinciais.

Cabe ao Ministério de Obras e Serviços Pú-blicos auxiliar o governo em tudo o que diz res-peito a saneamento, aproveitamentos hídricose hidráulicos, e irrigação. Também deve: (1)conduzir a execução do regime de uso de re-cursos hídricos, integral e coordenado a partirdos pontos de vista funcional, territorial, soci-al e econômico, para que o uso melhore as con-dições de vida da população, sirva como ins-trumento de integração territorial e contribuaao progresso socioeconômico; (2) coordenar osprogramas de política hídrica e energética daprovíncia, exercendo a condução geral da ad-ministração e do controle de recursos hídricose energéticos em geral; (3) administrar, coorde-nar e supervisionar obras e serviços de águapotável, deságües e saneamento na província;(4) assessorar, aprovar e fiscalizar os deságüespluviais, esgotos e dejetos industriais, demaisprojetos de saneamento, os regimes de águasuperficial e subterrânea, as obras de aprovei-tamento hídrico, irrigação, uso industrial, tra-tamento de efluentes e saneamento em geral;(5) regular o uso da água e o manejo de caudaishídricos vinculados à exploração agrícola, pe-cuária, florestal, industrial e de recursos natu-rais renováveis (solo, bosques, flora e fauna).

3.2.13 Província de La PampaA Constituição de La Pampa estabelece, no

artigo 41:“o aproveitamento das águas públicas su-

perficiais e das correntes subterrâneas será re-gulado por lei especial e o Poder Executivo pro-moverá a celebração de convênios com as ou-tras províncias da Nação, para o uso dos cur-sos de águas comuns, e que se devem conside-rar, em suas bacias unitárias”.

O artigo 42 determina que os serviços pú-blicos pertencem originalmente ao Estado pro-vincial ou municipal, e que a exploração dosmesmos será feita preferencialmente pelo Es-tado, pelos municípios, entes autárquicos ouautônomos e pelas cooperativas de usuários nasquais entidades públicas possam intervir; eprevê ainda a possibilidade de concessões aparticulares e a fixação de formas e condiçõesde exploração dos serviços públicos por umalei especial.

Atribuições dos Ministérios:Bem-Estar Social: promover e fiscalizar pro-

jetos e programas de abastecimento de águapotável, disposição de esgotos e todo outro ser-viço sanitário, intervindo na formulação demedidas relativas ao saneamento ambiental;

Produção: intervir na execução da políticade irrigação e colonização do rio Colorado e dequalquer outra área apta a tais fins;

Fazenda, Obras e Serviços Públicos: intervirna execução dos planos e na administração deobras hidráulicas com fins energéticos, de irri-gação, saneamento e defesa, junto a entidadesprovinciais e nacionais; e explorar os serviçosde obras sanitárias e água potável provinciais.

Além dos ministérios, cabe à Subsecretariade Ecologia intervir nas questões referentes àconservação, à recuperação e ao uso racionaldos recursos naturais.

3.2.14 Província de La RiojaA Constituição de La Rioja estabelece, no

artigo 62, que “a província, no exercício da so-berania inerente ao povo, é dona originária detodas as substâncias minerais e fontes naturaisde energia, incluindo os hidrocarburetos exis-tentes em seu território, com exceção dos vege-tais”. O artigo 63 diz: “são de domínio públicoda província os lagos, rios e seus afluentes, bemcomo todas as águas públicas existentes sob suajurisdição”. Conforme o artigo 64, os serviçospúblicos pertencem originariamente à provín-

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cia ou às municipalidades e podem ser concedidos em exploração a par-ticulares, priorizando as entidades cooperativas.

Atribuições dos Ministérios:Desenvolvimento da Produção e Turismo: fazer o uso responsável dos

recursos naturais, com a elaboração e execução das políticas, otimizandoos recursos hídricos requeridos para o desenvolvimento provincial, coa-dunando-se às políticas nacionais de obtenção e aproveitamento de re-cursos hídricos;

Saúde e Desenvolvimento Social: criar programas de abastecimentode água potável, evacuação de esgotos e outros serviços complementares.

3.2.15 Província de MendozaA Constituição de Mendoza estabelece, no artigo 186, que “o uso da

água de domínio público da província é um direito inerente às proprie-dades territoriais”; o artigo 188 determina: “todos os assuntos que se refi-ram a irrigação na província e não sejam de competência da justiçacomum estão exclusivamente a cargo de um Departamento Geral de Irri-gação, composto de um Superintendente [...], um Conselho [...] e das de-mais autoridades determinadas por lei”.

O artigo 191 encarrega a Legislatura de criar a lei de irrigação e regula-mentar as atribuições e os deveres do Superintendente, do Conselho edas demais autoridades da área. Determina também que obras como di-ques de distribuição, de represa e grandes canais, projetadas pelo Execu-tivo e pelo Departamento de Irrigação, devem ser autorizadas por lei; eque, enquanto não se fizer um estudo das capacidades dos rios provinci-ais e dos seus afluentes, não serão dadas novas concessões de água semum informe prévio do Departamento de Irrigação e uma lei especial, queserá sancionada ou não pela Legislatura.

Cabe ao Ministério do Meio Ambiente e Obras Públicas (1) pro-mover, orientar, coordenar e fomentar o desenvolvimento de obras eserviços públicos; (2) promover o uso racional dos recursos natu-rais disponíveis, o estudo, projeto, coordenação, execução e aprimo-ramento das obras sanitárias e de geração energética; (3) planejar,coordenar e fiscalizar os serviços de água potável, sanitários, de sa-neamento urbano e rural, concessões materiais, técnicas, prestaçãode serviços públicos; (4) promover, adaptar e aperfeiçoar a legisla-ção a respeito de águas subterrâneas e superficiais, servindo de eloentre Organismos Provinciais de Energia; de Obras Sanitárias; EnteProvincial de Água e Saneamento; Instituto de Política Energética;Departamento Geral de Irrigação; Administração de Parques e Zoo-lógicos e Poder Executivo.

3.2.16 Província de NeuquénA Constituição de Neuquén determina, no artigo 101, que o Poder

Legislativo deve redigir o Código de Águas; o artigo 228 diz: “o espaçoaéreo, as jazidas de mineração e todo o conteúdo do subsolo do territórioda província do Neuquén são de sua jurisdição e domínio”; o artigo 232diz: “a utilização e a exploração de petróleo, gás, carvão, energia hidre-létrica e outros minerais devem ser feitas com obras produtivas que tra-gam benefícios permanentes para a província”.

Cabe ao Ministério de Economia, Obras e Serviços Públicos tudo oque se refere a obras e serviços públicos, em especial no tocante às obrasde hidráulica em geral e irrigação em particular. Em sua esfera, está oEnte Provincial de Água e Saneamento.

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À Secretaria de Estado e Produção, cabe in-tervir nas políticas de preservação, promoção edesenvolvimento dos recursos naturais; nosproblemas de conservação, recuperação e usoracional de água, solo e produtos agropecuários;no domínio provincial das águas, nos aprovei-tamentos hídricos, no manejo integral de baci-as e na administração integral do recursohídrico. Em sua esfera, atua a Corporação deDesenvolvimento da Bacia do Curí – Leuvú.

3.2.17 Província de Rio NegroA Constituição de Rio Negro estabelece, no

artigo 70:“A província tem a propriedade origináriados recursos naturais existentes em seu ter-ritório, subsolo, espaço aéreo e mar adja-cente ao seu litoral. A lei preserva sua con-servação e seu aproveitamento racional eintegral [...]. A Nação não pode dispor dosrecursos naturais da província sem umacordo prévio mediante leis de convênio”.

O artigo 71 diz: “são de domínio do Estado aságuas públicas localizadas em sua jurisdição, quetenham ou adquiram aptidão a satisfazer usosde interesse geral. O uso e usufruto das mesmasdevem ser outorgados por autoridade competen-te”; além disso, determina que o Código de Águasregula tudo o que se refere ao recurso e que a pro-víncia acorda com outras o uso e o aproveitamen-to das bacias hídricas comuns. O artigo 72 diz:

“a província preserva, regula e promoveos seus recursos ictícolas e a pesquisa ci-entífica dentro das áreas marítimas de ju-risdição provincial dos demais cursos ouespelhos d’água; fomenta a atividade pes-queira e os portos provinciais. Na juris-dição marítima, complementa suas açõescom a Nação”

O artigo 73 assegura o livre acesso com finsrecreativos às ribeiras, costas dos rios, aos ma-res e espelhos d’água de domínio público, de-terminando que o Estado regule as obras ne-cessárias à defesa das costas e a construção devias de circulação pelas ribeiras; o artigo 139outorga ao Parlamento a competência para re-digir o Código da Água.

Cabe ao Ministério da Economia e da Fazen-da a competência quanto aos recursos naturaisrenováveis e não-renováveis, e à Secretaria deObras e Serviços Públicos, o tocante aos servi-ços públicos provinciais.

3.2.18 Província de SaltaA Constituição de Salta estabelece, no artigo

80, que “é obrigação do Estado e de toda pes-soa proteger os processos ecológicos essenciaise os sistemas de vida dos quais dependem odesenvolvimento e a sobrevivência humana”.O artigo 83 diz:

“as águas de domínio público da provín-cia se destinam a satisfazer necessidadesde consumo e produção. Os poderes pú-blicos preservam a qualidade e regulam ouso e o aproveitamento das águas superfi-ciais ou subterrâneas sob o domínio daprovíncia. O uso das águas de domíniopúblico destinadas às necessidades de con-sumo da população é um direito e nãopode ser objeto de concessões em favor depessoas privadas. O uso das águas de do-mínio público destinadas à irrigação é umdireito inerente à propriedade territorial,em cujo benefício se autoriza na medida esob as condições determinadas pela lei,observando-se a sua função social e eco-nômica. Os poderes públicos estimulam aexpansão das zonas de baixa irrigação ea formação de consórcios de irrigação. Osusuários da água pública têm participa-ção em tudo o que diz respeito ao seu apro-veitamento. A província regula o aprovei-tamento dos rios interprovinciais que nas-çam ou atravessam o seu território, medi-ante leis ou tratados com as outras pro-víncias ribeirinhas”.

O artigo 85 diz: “os poderes públicos pro-movem o uso e a conservação das fontes de ener-gia [...], estimulam a pesquisa, o desenvolvimen-to e o aproveitamento das fontes de energia não-convencionais”.

Atribuições dos Ministérios:Produção e Emprego: formular e executar um

plano unificado de obras públicas com vistasao aproveitamento máximo das bacias hídricas;

Saúde Pública: cuida de tudo que se relacio-na ao controle da água para o consumo e à pre-servação do meio ambiente.

3.2.19 Província de San JuanSua Constituição estabelece, no artigo 113, que

“A província tem pleno domínio, imprescritívele inalienável, sobre todas as substâncias mine-rais [...], as fontes de energia hidrelétrica, solarou geotérmica [...] que se encontrem dentro doseu território”. O artigo 117 diz:

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“Cabe à província regular o uso e o aproveitamento das [...] águasde domínio público [...]; pode conceder, na forma que determina alei, o uso das águas para agricultura e outros fins especiais. Taisconcessões não poderão limitar o direito da província de usar essaságuas para fins de interesse geral. O direito natural à água para abebida das pessoas, necessidades domésticas e bebedouros de ani-mais fica sujeito aos regulamentos gerais que venha a ditar a autori-dade competente. A concessão do uso e usufruto da água para bene-fício e cultivo de uma propriedade constitui um direito inerente einseparável do imóvel e passa aos adquirentes do domínio”.

O artigo 118 diz que o tocante ao uso de águas públicas superficiais esubterrâneas cabe ao Estado provincial; o artigo 119 rege a outorga deconcessões de água para abastecimento de populações, explorações agrí-colas, usos industriais e energia hidráulica; e o artigo 120 estabelece queas obras hidráulicas serão definidas por lei

Cabe ao Ministério de Produção, Infra-Estrutura e Meio ambiente fa-zer o aproveitamento dos recursos naturais na província, bem como oaproveitamento e a distribuição dos recursos hídricos.

3.2.20 Província de San LuisA Constituição de San Luis estabelece, no artigo 88, que a província

tem domínio pleno, imprescritível e inalienável sobre todas as substân-cias minerais, fontes naturais de energias hidráulica e geotérmica que seencontrem dentro do seu território; declara de interesse público geral opatrimônio aqüífero provincial; e reivindica o seu domínio sobre o mes-mo e os direitos sobre os rios interprovinciais ou limítrofes. Além disso,determina que o Estado deve buscar o aproveitamento integral e o usoracional da água, respeitando as prioridades que derivam das necessida-des da população e do seu desenvolvimento agroindustrial e de minera-ção. O que se refere ao uso das águas superficiais e subterrâneas está acargo do Estado provincial na forma que determina a lei.

Atribuições dos Ministérios:Fazenda e Obras Públicas: responsáveis por tudo o que se refere ao

manejo, à projeção e à avaliação dos recursos hídricos, e por tudo o quese refere às obras hidráulicas e à regulação de bacias, correção de torren-tes, defesa de deságües e saneamento de zonas afetadas;

Desenvolvimento Humano e Social: conservar os recursos naturais erenováveis; reger as obras públicas e privadas sobre o meio ambiente;

Indústria, Turismo, Mineração e Produção: ordenar o uso das águaspúblicas para a agricultura e a pecuária.

3.2.21 Província de Santa CruzA Constituição de Santa Cruz estabelece, no artigo 52, que a província

tem o domínio dos recursos naturais existentes em seu território,renováveis ou não, incluindo solo, subsolo, mar adjacente às suas cos-tas, leitos, plataforma continental, fontes de energia; o artigo 73 deman-da a exploração racional dos recursos naturais; o artigo 74 diz que a leiagrária fomentará a irrigação; e o artigo 104 atribui ao Poder Legislativo alegislação sobre canais de navegação e exploração de rios.

Cabe ao Ministério da Economia e Obras Públicas tudo que diz res-peito a obras públicas, especialmente o que se refere ao emprego daságuas, aos serviços públicos, às atividades hidrometeorológicas, à explo-ração das bacias hídricas e hidrelétricas e à exploração do subsolo.

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3.2.22 Província de Santiago del EsteroA Constituição de Santiago del Estero esta-

belece, no artigo 108:“As águas de domínio público da provín-cia estão destinadas a satisfazer as ne-cessidades de consumo e produção […]Os poderes públicos preservam a locali-dade e regulam o uso e aproveitamentodas águas superficiais, subterrâneas e ter-mais que integram o domínio da provín-cia. [...} Os usuários de água pública têmparticipação em tudo que concerne aoaproveitamento desse recurso”;

O artigo 109 estabelece que a província deveregular o uso e o aproveitamento dos riosinterprovinciais que atravessam seu território,mediante tratados com outras províncias sobrea base de participação eqüitativa e razoável,priorizando os usos consuntivos das águas dabacia, evitando a contaminação e o esgotamen-to das fontes.

Cabe ao Ministério da Economia, Obras eServiços Públicos atuar no tocante à constru-ção, manutenção e conservação de obras públi-cas provinciais.

3.2.23 Província de Terra do Fogo, Antártida eIlhas do Atlântico Sul

Sua Constituição estabelece, no artigo 54, que“a água, o solo e o ar, como elementos vitaispara o ser humano, são matéria de especialproteção por parte do Estado provincial [...]; oEstado provincial preserva os recursos naturaise ordena o seu uso e aproveitamento”. O artigo81 diz:

“são de domínio exclusivo, inalienável eimprescritível da província [...] os recur-sos naturais renováveis e não-renováveis,e os contidos no mar adjacente e no seuleito [...]. A Legislatura criará leis para aproteção desse patrimônio a fim de evi-tar a exploração e o uso irracionais”.

Conforme o artigo 83, “as águas de domíniopúblico e o seu uso estão sujeitas ao interessegeral. O Estado, mediante uma lei orgânica,regula o uso racional das águas superficiais esubterrâneas, adotando medidas com o fim deevitar sua contaminação e o esgotamento dasfontes”; o artigo 87 diz: “dentro das áreas marí-timas de jurisdição provincial e dos cursos ouespelhos d’água, o Estado provincial preserva,regula e promove seus recursos hidrobiológicos

e a pesquisa científica”; e o artigo 105 determi-na a competência do Parlamento para criar leisquanto aos recursos renováveis e não-renováveis, bem como ao uso e à disposição dosbens provinciais.

Cabem às Direções as seguintes tarefas:Direção Geral de Recursos Naturais: admi-

nistrar e regular em matéria de águas públicassubterrâneas e superficiais, propiciando a pre-servação e o desenvolvimento dos recursos;

Direção de Hidráulica e RecursosEnergéticos Renováveis: realizar estudos, levan-tamentos e inventários dos recursos hídricossuperficiais, de acordo com as diferentes baci-as, para planejar seu ordenamento e identificarpossíveis usos;

Direção Provincial de Obras e Serviços Sa-nitários: elaborar e executar tudo o que se refe-re ao planejamento, à provisão e ao abasteci-mento de água potável, aos serviços de esgoto,ao saneamento urbano e suburbano.

O Departamento de Hidráulica e InformaçãoBásica tem as tarefas de implementar e manter arede hidrométrica; realizar estudos hidrológicospara projetos hidráulicos e cálculos de caudal;redigir o Boletim de Dados Hidroclimáticos emanter as equipes e o instrumental da Estaçãode Vigilância Atmosférica Global.

Cabe às seguintes Divisões:Divisão de Hidráulica: realizar mensurações

de caudais de rios; avaliar a qualidade dos cor-pos de água; estudar as fontes de água potável;cadastrar as águas subterrâneas e superficiais;registrar as concessões; realizar projetos paraaproveitamentos hidrelétricos, para obras hi-dráulicas e de irrigação, e estudos de viabilida-de de implementação de microturbinas;

Divisão de Informação Básica: responsávelpor tudo o que se relaciona à rede meteorológicabásica e à hidrometeorologia.

3.2.24 Província de TucumánSua Constituição estabelece, no artigo 41, que

a província preservará os recursos naturais;prevenirá e controlará a contaminação e a de-gradação do meio ambiente por erosão; e esta-belecerá a obrigatoriedade da avaliação préviade impacto ambiental para todas as obras pú-blicas e privadas que possam afetar o entorno.Cabe ao Ministério da Economia executar a po-lítica e os planos de obras e serviços públicos,bem como formular e aplicar as políticas quevisem a preservar, promover e desenvolver osrecursos naturais.

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A legislação hídrica dessas províncias até aqui tratadas também apre-senta coincidências e diferenças. As Constituições de Catamarca, Chubut,La Rioja, Río Negro, San Luis, Santa Cruz, San Juan e Terra do Fogo esta-belecem o domínio das províncias sobre seus recursos, mas estas duasúltimas determinam que esse domínio é imprescritível e inalienável. AsConstituições das províncias de Córdoba, Chubut, Jujuy, Terra do Fogo,Río Negro e San Luis estabelecem o aproveitamento racional e integraldos recursos; as de Córdoba, Chubut, Jujuy, Río Negro, Salta, Santiagodel Estero, Terra do Fogo e Tucumán, a preservação dos mesmos.

Algumas peculiaridades merecem destaque: a Constituição de LaPampa incorpora o conceito de unidade de bacia com o recurso compar-tilhado; a de Santiago del Estero cria o Conselho de Águas para Irrigaçãoe estabelece a participação dos usuários de água pública em tudo que dizrespeito a seu aproveitamento; a de La Rioja prioriza a concessão dosserviços públicos às cooperativas; a de Salta e Santiago del Estero estabe-lece que as águas de domínio público se destinam a satisfazer as necessi-dades de consumo e produção, e a de Mendoza determina que a água é dedomínio público.

Observa-se a importância dos seguintes Ministérios: Obras e Servi-ços Públicos nas províncias de Córdoba, Jujuy, Mendoza (onde o Minis-tério se chama Meio ambiente e Obras Públicas) e San Luis (onde sechama Fazenda e Obras Públicas); Economia e Obras Públicas em SantaCruz e Santiago del Estero; Produção e Turismo em Chubut e La Rioja;Produção e Emprego em Salta e San Juan; e Economia em Tucumán. Nasprovíncias de La Pampa, Río Negro e Terra do Fogo, as tarefas estão maisrepartidas, e em Neuquén, o organismo de maior importância é a Secre-taria de Estado e Produção.

Com as exceções de Terra do Fogo e Tucumán, todas as outras provín-cias possuem Leis ou Códigos de Água. A Lei de Águas de Mendoza cons-titui um caso muito especial, não apenas porque é a lei mais antiga dopais (foi sancionada no ano de 1884), mas porque criou uma série deorganismos específicos: o Departamento Geral de Irrigação, que trata daadministração dos recursos; o Conselho de Apelações, tribunal de últi-ma instância administrativa para o uso e a distribuição da água; osSubdelegacias de Bacias, que administram um rio em particular; as Ins-peções de Leitos, que representam as Comissões de Irrigação e adminis-tram o recurso para irrigação; e a Assembléia Geral de Usuários. Vê-se,assim, que, já em 1884, determinou-se a participação da sociedade civilnas questões ligadas aos recursos hídricos da província.

Outras leis complementares estabeleceram os Consórcios de Usuári-os, o patrimônio provincial sobre seus recursos, as normas relativas àságuas subterrâneas e os planos de gestão integral e coordenada dos re-cursos superficiais e subterrâneos. Todos os Códigos e Leis de Água seajustam às disposições do Código Civil. Todos se ocupam das águas su-perficiais e subterrânea, mas Jujuy estabeleceu uma lei especial para aságuas termais e Catamarca, as Cooperativas de Irrigação com Águas Sub-terrâneas. Foram criadas as Autoridades de Aplicação do Código, os Con-sórcios de Usuários, os Registros Públicos de Água. Jujuy criou os Ad-ministradores da Água, e Catamarca, os Tenentes da Água, que estabele-cem a preservação dos recursos e dão prioridade aos abastecimentoshumano, animal e agrícola. San Juan e Catamarca estabelecem para cadapessoa 150 litros por dia e Salta, 250 litros.

O conceito de bacia hídrica aparece nas leis de Catamarca, Córdoba eChubut, e nos Códigos de Río Negro, Salta e San Luis. Mas Salta estabe-

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lece a unidade de bacia; Chubut cria as Autori-dades Delegadas de Bacia; Córdoba, os Comi-tês de Bacia; e San Luis, os Consórcios e Orga-nismos de Bacias. Catamarca e Río Negro in-corporam o princípio de que cada curso de águaé uma unidade e, adicionalmente, Río Negroestabelece a unidade de região ou bacia hídrica.

As Leis de Catamarca e Chubut e os Códigosde Salta e San Luis estabelecem claramente ouso racional do recurso. A inalienabilidade eimprescritibilidade do domínio provincial so-bre as águas estão explicitamente formuladasna Lei de Catamarca e no Código de Salta. OCódigo de San Luis define a água como um re-curso vital que cumpre uma função social embenefício das atuais e futuras gerações; e a Leide Catamarca, como um elemento de trabalho enão um bem de renda. Todas possuem, ademais,leis complementares.

4. A gestão dos recursos hídricosNos âmbitos nacional e provincial, a gestão

hídrica tem se caracterizado pela falta de co-ordenação. Isso provocou a superposição defunções, baixa comunicação e fragmentaçãosetorial. Houve conflitos interprovinciais porcontaminação de cursos de águas: nas provín-cias de Santiago del Estero e Tucumán, pelaqualidade da água do rio Sali – Dulce; e ambasas províncias se moveram contra a provínciade Catamarca pela contaminação produzidapela mineração. Conflitos de manejo de volu-mes de excedentes de águas pelas inundaçõessurgiram em Buenos Aires e Santa Fé, pelabacia da lagoa La Picasa; em Buenos Aires, Cór-doba e La Pampa, pelos excedentes hídricosda Pampa Central; em Santa Fé e no Chaco,pela área de Baixos Submeridionais; em San-tiago del Estero e Salta, conflitos por caudais,pelo rio Juramento; em Santa Fé e Santiago delEstero, pelo rio Salado; e em La Pampa eMendoza, pelo rio Atuel. Algumas dessasquestões chegaram até a Suprema Corte de Jus-tiça da Nação. O país carece de mecanismosconsensuados de solução de conflitos dessanatureza, mas até o presente não estabeleceu aobrigatoriedade de avaliação dos projetoshídricos, tampouco dos impactos da políticaeconômica sobre os recursos naturais, especi-almente os hídricos.

A seguir, descreveremos a maneira como serealiza a gestão em âmbitos nacional, provinci-al e de recursos compartilhados de baciashidrográficas.

4.1 Âmbito nacionalNão há uma Autoridade Nacional de Águas,

mas sim numerosos organismos – o mesmoocorre nas províncias – que intervêm na ges-tão. O organismo regente é a Subsecretaria deRecursos Hídricos, que depende da Secretariade Obras Públicas do Ministério do Planeja-mento Federal, Investimento Público e Servi-ços. Suas atribuições são:

• Auxiliar a Secretaria de Obras Públicas naelaboração e execução da política hídricanacional e na proposta do marcoregulatório para o manejo dos recursoshídricos, vinculando a ação das demais ju-risdições e dos organismos intervenientesna política hídrica;

• Elaborar e executar programas e ações vin-culados à gestão dos recursos hídricoscompartilhados, suas bacias, cursos deáguas sucessivos e contíguos, e regiõeshídricas interprovinciais;

• Formular e executar programas e ações de ges-tão e desenvolvimento de infra-estrutura;

• Executar a política nacional de prestaçãode serviços públicos e de abastecimentode água potável e saneamento básico;

• Coordenar as atividades inerentes ao Co-mitê Executor do Plano de GestãoAmbiental e Manejo da Bacia HídricaMatanza – Riachuelo;

• Controlar e acionar o ComitêInterjurisdicional do Rio Colorado(Coirco), a Autoridade Interjurisdicionaldas Bacias dos Rios Limay, Neuquén e Ne-gro (AIC) e a Comissão Regional do RioBermejo (Corebe).

A Secretaria de Meio Ambiente e Desenvol-vimento Sustentável é a autoridade encarrega-da da preservação, do uso racional e da conser-vação dos recursos naturais renováveis e não-renováveis. Por sua vez, o Ministério do Interi-or representa o Governo Nacional nos órgãosde governo de alguns organismos de baciasinterjurisdicionais e intervém na busca de so-luções para conflitos de gestão de recursoshídricos interprovinciais.

O Ministério das Relações Exteriores, Co-mércio Internacional e Culto lida com temasrelativos a recursos hídricos compartilhadoscom os países limítrofes. A Secretaria de Agri-cultura, Pecuária, Pesca e Alimentos supervisi-ona a execução de programas de reabilitaçãopara áreas de irrigação e recuperação de zonas

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inundadas e/ou salinizadas. A Secretaria de Energia desenvolve planosbásicos de aproveitamento hidrelétrico de bacias hídricas. No ConselhoNacional de Pesquisas Científicas e Técnicas (Conicet) há vários centrosde estudo dedicados aos temas hídricos.

4.1.1 A Política HídricaNos últimos anos, tem se fortalecido no mundo a visão de uma gestão

integrada dos recursos hídricos nos planos interno de cada país e dosrecursos compartilhados com outros países. A Argentina não está alheiaa essa tendência. Em 2003, as províncias, a Cidade Autônoma de BuenosAires e a Nação criaram o Acordo Federal da Água, por meio do qual:

“ficam acordados, sob o marco do federalismo concertado, os funda-mentos de uma política hídrica nacional, racional e aglutinante detodos os setores” [...] este Acordo logra amalgamar princípios depolítica que integram os aspectos sociais e ambientais relacionadosà água como parte das atividades produtivas da sociedade; incorpo-rando princípios básicos de organização, gestão e economia dos re-cursos hídricos juntamente com princípios de proteção do recurso”.

Com o Acordo, fica estabelecida uma Tabela de Princípios-Guia, entreos quais se destacam, para os propósitos deste trabalho:

2. A água tem uma única origem: “Toda a água que utilizamos, venhade uma fonte atmosférica, superficial ou subterrânea, deve ser tratadacomo parte de um único recurso, reconhecendo-se assim a unidade dociclo hidrológico e a sua importante variabilidade espacial e temporal”.

4. Articulação da gestão hídrica com a gestão ambiental: “a inter-rela-ção entre a gestão dos recursos hídricos e a problemática ambiental nãoadmite divisões estanques entre as administrações de ambos os setores.Disso se depreende a necessidade de um enfoque integrador e global aomanejo dos recursos hídricos, coerente com a política de proteçãoambiental e capaz de promover a gestão conjunta da quantidade e qua-lidade da água”.

5. Articulação entre a gestão hídrica e a gestão territorial: “as múlti-plas atividades que se desenvolvem sobre um território [...] afetam [...] osseus recursos hídricos. Disso se depreende a necessidade de que se impo-nham práticas sustentáveis em todas as atividades que se desenvolvamnas bacias hídricas. Ao mesmo tempo, exige-se que o setor hídrico parti-cipe na gestão territorial das mesmas”.

12. Ética e governabilidade da água: “Alcançar a plena governabilidadedo setor hídrico requer o compromisso e a harmonia entre os organis-mos dos governos e os usuários de água para democratizar todas as ins-tâncias da gestão hídrica”.

16. Gestão descentralizada e participativa: “Cada Estado provincial éresponsável pela gestão de seus próprios recursos hídricos e pela gestãocoordenada junto a outras jurisdições nos casos de recursos hídricos com-partilhados [...]; fomenta-se a participação efetiva de toda a sociedadena definição dos objetivos do planejamento hídrico, na tomada de deci-sões e no controle da gestão”.

17. Gestão integrada do recurso hídrico: “A grande diversidade de fa-tores ambientais, sociais e econômicos que afetam ou são afetados pelomanejo da água confirma a importância do estabelecimento de umagestão integrada do recurso hídrico [...]. Do mesmo modo, a gestão hídricadeve estar fortemente vinculada à gestão territorial, à conservação dossolos e à proteção dos ecossistemas naturais”.

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19. Unidade de planejamento e gestão: “Omovimento das águas não reconhece frontei-ras político-administrativas: apenas as leis dafísica. Por isso, as bacias hidrográficas e osaqüíferos constituem a unidade territorial maisapta ao planejamento e à gestão coordenadados recursos hídricos”.

22. Águas interjurisdicionais: “Para as ba-cias hidrográficas de natureza interjuris-dicional, é recomendável criar ‘organizaçõesinterjurisdicionais de bacia’ para acordar adistribuição, o manejo coordenado e a prote-ção das águas compartilhadas. Atuando me-diante pedido das partes, cabe à autoridadehídrica nacional o papel de facilitador epropositor cordial a fim de compatibilizar osgenuínos interesses das províncias sob o mar-co dos presentes Princípios-Guia”.

23. Prevenção de conflitos: “A construção doconsenso e o manejo dos conflitos são os pila-res centrais da gestão integrada, mediante osquais se buscam identificar os interesses decada uma das partes e assim, juntos, construirsoluções que potencializem o benefício geral e,ao mesmo tempo, satisfaçam as aspirações ge-nuínas das partes. As organizações de baciasconstituem âmbitos propícios para a busca an-tecipada de soluções a potenciais conflitos”.

24. Autoridade única da água: “Centralizaras ações do setor hídrico em uma única con-dução favorece a gestão integrada das águas.Por meio dela, se propicia a conformação deuma única autoridade da água em cada juris-dição (nacional e provinciais), capaz de avan-çar a gestão integrada dos recursos hídricos”.

25. Organizações de bacia: “Dada a conve-niência de se institucionalizar a bacia comounidade de gestão, promove-se a formação de‘organizações de bacia’ para a gestão coorde-nada e participativa dos recursos hídricos den-tro dos limites da bacia”.

26. Organizações de usuários: “fomenta-se acriação e o fortalecimento de ‘organizações deusuários’ da água para a delegação de respon-sabilidades de operação, manutenção e admi-nistração da infra-estrutura hídrica utilizada”.

27. Estado Nacional e gestão integrada dosrecursos hídricos: “O Estado Nacional promo-verá a gestão integrada dos recursos hídricosdo território argentino, observando os princí-pios do desenvolvimento sustentável”; e articu-lará, “junto às diferentes jurisdições, a coope-ração nos campos científico, técnico, econômi-co e financeiro destinada à avaliação dos re-

cursos hídricos e ao aproveitamento e à prote-ção dos mesmos, atuando sempre sob o marcodestes Princípios-Guia”.

28. Gestão de recursos hídricos comparti-lhados com outros países: “Os recursoshídricos compartilhados com outros paísesdevem ser geridos de acordo com os princípi-os internacionalmente aceitos de uso eqüitati-vo e razoável, com a obrigação de não gerarprejuízo sensível e o dever de informação econsulta prévia entre as partes. Essas gestõesrequerem a concertação prévia e a represen-tação específica das províncias titulares dodomínio das águas em relação às decisões queserão sustentadas pela República Argentinaante a outros países, tanto em matéria de coo-peração quanto de negociações e celebraçãode acordos. Cada província envolvida apon-tará um membro para as atividades das dele-gações argentinas nas comissões e organiza-ções internacionais correspondentes”.

30. Conselho Hídrico Federal: “integradopelas autoridades hídricas do Estado Nacio-nal e dos Estados provinciais, incluindo a Ci-dade Autônoma de Buenos Aires, constitui umfórum para a articulação das políticas do país”.

31. A água como um bem de domínio públi-co: “Por ser a água um bem de domínio públi-co, cada Estado provincial [...] administra seusrecursos hídricos superficiais e subterrâneos,incluindo os leitos que canalizam as águas su-perficiais, com o alcance dado no Código Ci-vil. Entes privados apenas podem ter o direitode uso das águas públicas, mas não o direito àsua propriedade”.

43. Desenvolvimento de uma cultura daágua: “Buscam-se infundir novas condutas eatitudes na sociedade em sua relação com aágua, o que permitirá uma melhor compreen-são da complexidade dos temas hídricos e desua interdependência em meio a fatores eco-nômicos, sociais e ambientais [...], tendo comofim uma participação mais comprometida emelhor informada de todos os níveis da socie-dade na gestão dos recursos hídricos”.

46. Sistema integrado de informação hídrica:“deve-se contar com um sistema de informa-ção integrada com alcance nacional e interna-cional [...], que cubra todos os aspectos quanti-tativos e qualitativos da água, incluindo as in-formações relevantes e relacionadas ao plane-jamento, administração, concessão, operação,provisão de serviços, monitoramento, proteção,regulação e controle do setor hídrico”.

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A Carta Orgânica do Conselho Hídrico Federal (Cohife) estabelece oseu alcance sobre todos os aspectos de natureza global, estratégica,interjurisdicional e internacional dos recursos hídricos. Formulará e coor-denará a Política Hídrica Nacional e o Plano Hídrico Nacional; planejaráos provinciais; mediará ou árbitrará questões ligadas às águasinterprovinciais; coordenará a gestão integral do recurso, o seu uso sus-tentável e enfoque sistêmico; estabelecerá uma Auditoria Única da Água; epromoverá a participação de comunidades de usuários na gestão da água.

Na reunião do Cohife de agosto de 2006, informou-se que as provínci-as elaborariam propostas para a conformação de um Plano Hídrico Naci-onal, com redação final prevista para novembro de 2006. Mas isso nãoaconteceu, ainda que se tenha aprovado o documento-base do Plano Fe-deral Nacional de Recursos Hídricos (PFNRH). A reunião, ocorrida em 6e 7 de novembro de 2006, acordou a adoção de uma metodologia comumpara que a Primeira Etapa dos Planos Provinciais seja elaborada com opropósito de definir os principais objetivos, as obras de infra-estruturahídrica, as medidas não-estruturais e os eixos críticos de coordenaçãoentre organismos.

Para o ano de 2007, prevê-se o fortalecimento institucional dos orga-nismos hídricos do país e a aceleração da preparação dos planos nacio-nais de gestão integrada de Recursos Hídricos. Na Câmara dos Deputa-dos do Congresso da Nação, transitam no momento dois projetos de lei:a Declaração do Acordo Federal da Água como Lei e Marco da PolíticaHídrica; e a Criação do Marco Institucional e Regulador do ConselhoHídrico Federal.

4.2 Âmbito provincialObservou-se a proliferação de instituições com missões e funções so-

brepostas. A gestão adquire características próprias de acordo com ascondições geográficas, climáticas, de fauna e de flora, hidrológicas e regi-onais. Dois claros exemplos dessa realidade são a gestão de irrigação naszonas áridas e a gestão de inundações nas úmidas. A divergência tam-bém está presente nas instituições que se encarregam, por exemplo, dairrigação: enquanto nas províncias áridas existem organismos especiaisde irrigação, nas úmidas são as áreas relacionadas à produção agrária ouaos recursos naturais as encarregadas. Em algumas províncias, os Con-sórcios de Usuários e os Comitês de Bacia participam na gestão da água.Podemos então dizer que, até o momento presente, a diversidade é umarealidade característica no âmbito da gestão provincial.

4.3 Âmbito das baciasPodem-se distinguir três tipos de organismos de gestão nesse âmbito:

4.3.1 Organismos InterjurisdicionaisNa maioria dos casos, estão conformados pelas províncias que com-

partilham o recurso - e, portanto, também as tarefas ligadas ao seu plane-jamento e à sua gestão -, e à Nação. São eles os seguintes:

1. Comitê Interjurisdicional do Rio Colorado (Coirco): envolve as pro-víncias de Mendoza, Neuquén, La Pampa, Buenos Aires e Río Ne-gro. Insere-se no contexto da gestão do recurso regida pelas entida-des provinciais de gestão da água.

2. Autoridade Interjurisdicional das Bacias dos Rios Limay, Neuquéne Negro (AIC): integrada por Buenos Aires, Neuquén e Río Negro.

3. Comissão Regional do Rio Bermejo (Corebe): integrada por Jujuy,

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Salta, Formosa e Chaco (que compartilhamo domínio do rio); Santa Fé e Santiago delEstero (que aspiram dispor de parte daságuas do rio).

4. Comissão Técnica Interjurisdicional daBacia do Rio Sali – Dulce: integrada porCatamarca, Córdoba, Salta, Santiago delEstero e Tucumán.

5. Comissão Interjurisdicional da Bacia doRio Pasaje – Juramento – Salado: integra-da por Catamarca, Salta, Santiago delEstero, Santa Fé e Tucumán.

6. Autoridade da Bacia do Rio Azul: integra-da por Chubut e Rio Negro. A Nação nãoparticipa.

7. Comissão Interjurisdicional da Bacia daLagoa La Picasa: integrada por BuenosAires, Córdoba, La Pampa e Santa Fé. ANação não participa.

8. Comitê Executor do Plano de GestãoAmbiental e de Manejo da Bacia Matanza– Riachuelo: integrado pela província deBuenos Aires e pela Cidade Autônoma deBuenos Aires.

9. Organismo Interjurisdicional da Bacia doRio Senguerr: integrado por Chubut e SantaCruz.

10. Comitê Interjurisdicional da RegiãoHídrica do NO da Planície Pampiana: in-tegrado por Buenos Aires, Córdoba, LaPampa, San Luis e Santa Fé.

11. Comitê de Bacia Interjurisdicional daRegião Hídrica de Baixos Submeridionais:integrado pelo Chaco e por Santa Fé.

12. Comitê de Bacia Interjurisdicional do RioMatanza – Riachuelo: integrado pela pro-víncia de Buenos Aires e a Cidade Autô-noma de Buenos Aires.

4.3.2 Organismos ProvinciaisForam criadas, ou estão em estudo ou revi-

são, diversas entidades de bacia nas provínci-as de Buenos Aires, Córdoba, Chubut,Mendoza, Neuquén e Santa Fé. Existem, porexemplo:

1. Córdoba – Comitês de Bacias dos Lagos:San Roque e Medina Allende ou La Viña;dos diques: Cruz del Eje, Rio Pichangas;dos rios Segundo, Quinto, Bajo delCalamuchita, del Valle del Sol Norte e seusafluentes.

2. Buenos Aires – Corporações de Fomento(Corfo): Vale Bonaerense do Rio Coloradoe seu Delta; Comitês de Bacias dos Rios

Salado, Arrecifes, Areco, Quequén, Gran-de, Sauce Grande, Samborombón.

3. Mendoza – 16 Associações de Inspeçõesde Leitos cobrem todos os rios.

4. Neuquén – Corporação de Desenvolvimen-to da Bacia do Curi – Leuvú.

5. Santa Fé – 31 Comitês de Bacias cobremtoda a província.

4.3.3 Organismos internacionaisou transfronteiriços

A República Argentina compartilha recursoshídricos de várias bacias e reservatórios subter-râneos com seus países limítrofes: a Bacia doPrata e o Aqüífero Guarani são os mais impor-tantes. Na Bacia do Prata, entidades internacio-nais de distintas naturezas têm operado, comintervenção de representantes da Argentina e doBrasil, da Bolívia, do Uruguai e do Paraguai, quesão os seus países vizinhos, de acordo com o rioem questão. A concepção de bacia tem sido ado-tada pelas seguintes entidades:

1. Comitê Intergovernamental Coordenadordos Países da Bacia do Prata: integrado porArgentina, Bolívia, Brasil, Paraguai e Uru-guai.

2. Comissão Binacional Administrativa daBacia Inferior do Rio Pilcomaio: integra-da por Argentina e Paraguai.

3. Comissão Binacional para o Desenvolvi-mento da Alta Bacia do Rio Bermejo e doRio Grande de Tarija: integrada por Argen-tina e Bolívia.

4. Comissão Trinacional para o Desenvolvi-mento da Bacia do Rio Pilcomaio: integra-da por Argentina, Bolívia e Paraguai.

Tem-se encomendado a administração de tre-chos internacionais de alguns rios da Bacia doPrata às seguintes entidades:

1. Comissão Administrativa do Rio de LaPlata: integrada por Argentina e Uruguai.

2. Comissão Técnica Mista da Frente Maríti-ma: integrada por Argentina e Uruguai.

3. Comissão Administrativa do Rio Uruguai:integrada por Argentina e Uruguai.

4. Comissão Mista Argentino – Paraguaia doRio Paraná: integrada por Argentina eParaguai.

Criaram-se entidades ligadas ao desenho, àconstrução e à operação de grandes aproveita-mentos hidráulicos de múltiplo propósito e denavegação. São elas:

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1. Comissão Técnica Mista de Salto Grande: integrada por Argentina eUruguai.

2. Entidade Binacional Yacyretá: integrada por Argentina e Paraguai.3. Comitê Intergovernamental da Hidrovia Paraguai – Paraná: integra-

do por Argentina, Bolívia, Brasil, Paraguai e Uruguai.

Também se criou o Grupo de Trabalho Argentino – Chileno para RecursosHídricos Compartilhados, encarregado de inventariar e fazer planejamentospara as bacias de recursos hídricos compartilhadas pelos dois países.

Em suma, pode-se dizer que a diferença entre os âmbitos nacional eprovincial, no tocante à gestão de bacias compartilhadas, é o fato de quese alcançou uma gestão integrada entre as províncias que compartilhambacias – seus maiores exemplos são o Coirco e a AIC. Cabe esperar que oPlano Federal Nacional de Recursos Hídricos, acordado entre Nação eprovíncias, permita o manejo harmônico da água como recurso; a adoçãode leis integrais; o estabelecimento de políticas racionais e eficientes; eque sirva de base para a solução de conflitos provocados pelo uso entreas províncias que os compartilham. E não se pode esquecer que, do re-curso à água, depende a vida em todos os aspectos, e que a água potávelnão é uma mercadoria, mas sim um direito humano fundamental ligadoà saúde e à vida, um bem social inalienável que deve ser objeto de políti-cas de serviço público. A água é um patrimônio dos povos e países que opossuem.

5. Desenvolvimento da problemática hídricano Parlamento e na sociedade civil

Na Câmara dos Deputados do Congresso da Nação, operam as Comis-sões de Recursos Naturais e Conservação do Ambiente Humano e doMercosul. Esta última se encarrega do escrutínio de todo projeto ou as-sunto que possa afetar o processo de integração regional. Já na primeira,se encontram, entre os projetos vigentes com status parlamentar, os pedi-dos de: criação de uma Comissão Bicameral do Sistema Aqüífero Guaranie do seu Conselho Consultivo; estudo de previsões do país a respeitodas reservas do Aqüífero; e estudo a respeito da filtragem de caudais dorio Uruguai até o Guarani e dos efeitos contaminadores que possam pro-duzir nele as fábricas de pasta de celulose que estão sendo construídasem Fray Bentos, no Uruguai.

Também existe a Comissão Especial Bicameral Parlamentar doMercosul. Atualmente, está em andamento o ciclo de audiências para aconstituição do Parlamento Mercosul. Pode-se dizer que quase não exis-tem projetos referentes aos recursos hídricos. Infelizmente, entre os pro-jetos que nunca foram tratados, encontram-se os de: criação da pessoajurídica do Patrimônio Genético Nacional e declaração de sua defesa deinteresse público através do Código Civil (como parte do domínio públi-co); Declaração da água como recurso estratégico nacional e patrimônioda Nação Argentina; Consagração especial do direito do agricultor ao usopróprio de sementes; e contra a estrangeirização da Terra. Não há vonta-de política para tratar esses temas, tampouco os que dizem respeito aosminérios e hidrocarburetos.

A história tem demonstrado que o país que não é dono de seus recur-sos naturais (terra, água, biodiversidade, selvas, bosques, minérios ehidrocarburetos), para explorá-los em benefício de seu próprio povo,cuidando de sua preservação para que também possam ser desfrutadospelas gerações futuras, estará sempre prostrado diante de empresas

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transnacionais, de organismos financeiros eeconômicos internacionais e da potência im-perial da vez: nunca será verdadeiramente li-vre, independente, autônomo e soberano.

Ainda que a Constituição Argentina estabe-leça, em seu artigo 75, inciso 17, a participaçãodos povos originários indígenas na gestão dosseus recursos naturais e nos demais interessesque os afetem, esse direito não é cumprido. AConstituição prevê, no artigo 39, o direito deiniciativa popular na apresentação de projetosde lei na Câmara dos Deputados, mas determi-na que essa iniciativa deve conter 3% de assi-naturas do eleitorado nacional, incluindo umaadequada distribuição territorial, para que ve-nha a ser tratada. Mas cabe recordar que 1/3 dapopulação argentina se concentra entre a cida-de Autônoma de Buenos Aires, capital da re-pública, e a chamada “Grande Buenos Aires”.

Essa situação conspira contra a normaestabelecida pela Constituição Nacional para quese recorra ao mecanismo da consulta popular.Isso fez com que a cidadania organizasse con-sultas populares quanto a temas como a dívidaexterna, a ALCA, o Seguro de Emprego e Forma-ção, por conta própria. Atualmente, a Auto-convocatória pela Renacionalização do Petróleoe do Gás lançou uma campanha que busca cole-tar um milhão de assinaturas em todo o país,para que o tema seja tratado no Congresso Naci-onal; e a Federação Agrária Argentina decidiucomeçar uma nova campanha de adesão paravoltar a apresentar o seu “Projeto de Lei contra aEstrangeirização da Terra”. Por outro lado, mui-tas das Constituições Provinciais reconhecem odireito dos seus povos de serem consultados,mas este não é cumprido e, quando as consultassão realizadas, ou não têm poder vinculante outêm os seus resultados burlados.

Há, na sociedade argentina, sobretudo nasprovíncias que sofrem os efeitos devastadoresda exploração de minérios, da perda de seus bos-ques nativos, da estrangeirização da terra e doavanço da fronteira da soja, uma consciênciamuito firme quanto ao cuidado e à exploraçãoracional dos recursos naturais, e quanto à pre-servação do meio ambiente. Isso ficou claramenteestabelecido na luta da cidade de Esquel, emChubut, contra a instalação de uma mina de ex-tração de ouro; e nas cidades de Catamarca, LaRioja e San Juan, pelo mesmo motivo.

Em setembro de 2006, representantes de co-munidades de Catamarca, Jujuy, Neuquén eTucumán decidiram formar a “Assembléia Per-

manente dos Povos em Defesa do Meio ambien-te e dos Territórios”. No manifesto divulgado,expressaram seu repúdio quanto à forma comoestá sendo conduzida a exploração mineira nopaís. E anunciaram os seguintes propósitos: for-talecer o processo de organização entre os povosafetados; influenciar a opinião pública valendo-se de todos os meios de difusão; exigir o cum-primento das leis de água existentes, garantin-do o manejo integral da água e das bacias, res-peitando os direitos constitucionais dos povos;defender a priorização do uso da água para con-sumos humano, bebida, irrigação e indústria, jáque ela é um bem coletivo vital de uso prioritárioe o seu uso é um direito humano; proibir o usoda água para grandes empreendimentos de mi-neração; defender a implementação de estudossobre as fontes de geração de água potável, paragarantir a preservação das zonas de infiltração,dos rios e arroios, provedores permanentes deágua pura; pressionar a Secretaria do Meio am-biente da Nação para que facilite e arbitre osmeios para realizar análises dos recursos da água,do ar e do solo, que correm o risco de contami-nação em função de explorações mineiras, e in-forme a população; exigir a retirada imediata dosdutos que se encontram nos leitos dos rios.

Estabelece, ademais, a necessidade de: cria-ção de uma equipe interdisciplinar queimplemente as ações jurídicas encaminhadas eseja integrada por profissionais indicados pororganizações ambientais, povos indígenas eautoconvocados, e uma rede de articulação detodos os atores sociais envolvidos; ordenamentoambiental do território, capaz de estabelecer ospotenciais afetados; e que as comunidades ela-borem estratégias de açção pela proteção dosseus territórios e recursos naturais.

A esses exemplos, podem se somar a lutadas comunidades camponesas de Santiago delEstero (Mocase), Formosa (Mocafor), Misiones(MAM) e da Federação Agrária Argentina (FAA),além da movimentação constante de outras or-ganizações. A Mocafor propõe e reclama insis-tentemente: subsídios para os pequenos pro-dutores de algodão; trabalho; água potável eenergia elétrica para todas as comunidades;bolsas para estudantes de poucos recursos; saú-de e educação; regulação das produçõestransgênicas; devolução das terras expropria-das às comunidades indígenas e defesa de to-dos os recursos naturais – terra, água, monta-nhas, fauna, petróleo – ante à situação de extre-ma concentração, estrangeirização e destruição.

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Em 30 de outubro de 2006, com o tema “Território, Trabalho e Justiça”,foi realizado na cidade de Mendoza o Encontro Nacional Campesino In-dígena, com a participação de mais de 600 delegados de organizações dequase todas as províncias. Esse espaço articula os setores rurais em luta.Os eixos fundamentais giraram em torno da terra, da água e da soberaniaalimentar. O Encontro foi organizado pela Mocase de Santiago del Estero,pelo Movimento Campesino de Córdoba, pela União de TrabalhadoresRurais Sem-Terra de Mendoza, pela Rede Puna de Jujuy, pelo MovimentoCampesino de Misiones e pelo Encontro Calchaquí de Salta.

A Declaração pelo Encontro de Mendoza mostra a preocupação com aderrubada e a queima indiscriminada das matas; o avanço da desertificação(de acordo com o Instituto Nacional de Tecnologia Agropecuária, a Ar-gentina está hoje com 85% do território com algum grau de deterioraçãoe os 15% restantes, sobretudo na Patagônia, são irreversíveis); a contami-nação da água; os desalojamentos violentos e fraudulentos das comuni-dades campesinas e indígenas; a exploração humana em fazendas; o êxodorumo às cidades; o uso indiscriminado de agrotóxicos; os solos arruina-dos; as inundações como conseqüência dos desmatamentos; a concen-tração da terra em poucas mãos (4% das chamadas “exploraçõesagropecuárias” são donas de quase 65% da terra utilizada para a produ-ção, enquanto 82% dos pequenos produtores ocupam apenas 13%); e aperda da soberania alimentar.

Além disso, ratifica a decisão e o compromisso com uma mudançasocial que contemple a recuperação de terras das famílias desalojadas; avolta ao campo pelas famílias excluídas (estima-se que mais de 200 milfamílias foram expulsas durante os últimos anos); o acesso à terra e àágua para aqueles que quiserem trabalhar; a eliminação dos cultivostransgênicos; a disposição de construir uma democracia de naturezaparticipativa, a partir das bases, do próprio seio da sociedade, e de con-tribuir com o processo de integração latino-americana.

Por sua vez, a Federação Agrária Argentina, núcleo de pequenos emédios produtores, criada em 1912, tem reafirmado a demanda por umanova política agropecuária, que dê fim à concentração e à estrangeirizaçãoda terra; que estabeleça políticas especiais a favor dos camponeses e daspopulações indígenas que vivem da terra e pela terra, e dos pequenos emédios produtores; que promova oportunidades para as economias regi-onais e avance com um sistema tributário progressivo. Também tem feitoa defesa da água, destacando-se nessa luta as mulheres da Federação, quese agruparam como Mulheres Federadas Argentinas.

Merece uma menção especial o documento intitulado “Una Tierra paraTodos”, elaborado pela Comissão Episcopal de Pastoral Aborígine; pela Pas-toral Social; Cáritas; e pelo Observatório da Dívida Social Argentina, da Uni-versidade Católica Argentina. O documento foi apresentado pela Conferên-cia Episcopal Argentina e estabelece que a preservação do meio ambiente e ajusta distribuição da terra são elementos-chave para avançar na reconstru-ção e no desenvolvimento do país, e que o seu objetivo é reavivar a concep-ção da terra como um dom de Deus para o bem-estar de todos.

O documento afirma que a concepção da terra como um bem de mer-cado, e não como um bem social, tem gerado na Argentina uma forteconcentração, expulsado a população rural, erodido a soberania e os re-cursos naturais, com o fortalecimento do processo de estrangeirização. Afalta de políticas de preservação do meio ambiente e de proteção dosdireitos dos pequenos produtores, a sobre-exploração dos recursos na-turais e os maus tratos com a terra têm prejudicado centenas de milhares

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de pequenos produtores pobres e quase milcomunidades aborígines que se vêem afetadaspela degradação dos recursos naturais.

São identificados três grandes problemas nopaís: a crise do recurso à água, superficial e sub-terrânea; o desflorestamento e a expansão dafronteira agrícola - a Argentina perdeu 70% desuas matas desde 1935 -; e a exploração mineira.O documento também denuncia a ausência deum Estado com vocação política e de uma legis-lação eficaz, que estabeleça limites às grandescorporações e incentive o uso produtivo, racio-nal e equilibrado da terra, dos recursos naturaise da capacidade de trabalho do indivíduo. De-nuncia, em especial, o problema das terras indí-genas que estão sendo invadidas por grandescorporações, amparadas por classes corruptasde políticos e dirigentes nacionais e provinci-ais, em meio a uma legislação que não se cum-pre. Por fim, cobra a responsabilidade do Esta-do e de cada cidadão nas tarefas de garantir evelar pelo bem-estar de toda a sociedade

Um feito auspicioso é a conformação da Co-missão de Recursos Naturais no Conselho Con-sultivo da Sociedade Civil da Chancelaria Ar-gentina, por meio do “Somos Mercosur”, umespaço de articulação entre os governos, órgãosdo bloco regional e organizações sociais, quetem a soberania e a integração como eixos decumprimento dos objetivos contidos no docu-mento elaborado em Córdoba, durante o even-to “Por um Mercosul Social e Produtivo”.

Foram estabelecidos três eixos de discussãoe estudo: a) a luta pela recuperação dos recur-sos naturais (20% do território do país estãoem mãos estrangeiras; seus minérios ehidrocarburetos, em poder de empresastransnacionais européias e norte-americanas);b) como fazer com que os recursos naturais sir-vam às maiorias populares; e c) pensar a sobe-rania quanto aos recursos estratégicos (água,biodiversidade, minérios, hidrocarburetos), apartir da perspectiva da integração. Participamdas reuniões ONGs, fundações, assembléias demoradores, cooperativas, fóruns regionais, or-ganizações sociais e políticas, universidades erepresentantes do Poder Legislativo e do Exe-cutivo Nacional.

6. Reflexões e propostasEstamos vivendo novos tempos. A integração

regional avança; a sociedade civil se envolve eparticipa cada vez mais ativamente dos temasque lhe interessam. Há desafios e obstáculos a

serem vencidos na gestão dos recursos hídricoscompartilhados. A desconfiança e o temor sãodois deles, mas também há aqueles relaciona-dos ao uso e ao manejo dos recursos, bem comoaos aspectos institucionais, legislativos, econô-micos e financeiros relacionados à sua gestão.São necessárias, portanto, a articulação e a coor-denação das organizações intergovernamentais,governamentais e da sociedade civil que tenhamresponsabilidade e interesse na gestão, no uso ena proteção dos recursos hídricos. Tudo isso nosleva a buscar um planejamento integrado eparticipativo da água.

Outro ponto a ser levado em conta é o fortale-cimento das instituições de meio ambiente emâmbitos regional, provincial e municipal, umavez que, entre as suas atribuições, encontram-setodas as que se relacionam à conservação da na-tureza no tocante ao uso racional dos recursoshídricos. Devemos harmonizar nossas legisla-ções. Deve-se ampliar o conhecimento existentesobre os recursos; devemos estudar em detalhee conhecer profundamente a sua variabilidadegeográfica e sazonal, suas relações funcionaiscom os recursos naturais e ambientais e os ter-mos de equilíbrio ecológico e produtividade. Issorequer a promoção, o desenvolvimento e o aces-so a tecnologias que permitam melhorar o apro-veitamento racional, otimizado e integral dosrecursos hídricos superficiais e subterrâneos. E,também, a incorporação de consideraçõessocioambientais na avaliação de projetos e ações.Os sistemas de informação devem ser integra-dos, em âmbitos regional, nacional e provincial.Memória, transmissão, processamento,armazenamento e difusão de informações sãoelementos vitais para a avaliação, o planejamen-to e o desenvolvimento dos recursos hídricos.

Além disso, conflitos podem se apresentar.Isso requer traçar objetivos muito claros e pre-cisos para antecipar e prevenir os conflitos, etambém contar com marcos jurídicos ajustadose apropriados para a sua resolução. Devemostrabalhar de modo integrado, especialmente naBacia do Prata, que é una e única, porque qual-quer intervenção em cada um de nossos paísestrará impactos indefectíveis a toda a Bacia e àRegião. Isso não significa renunciar à sobera-nia, mas, sim, aproximar interesses, criar for-tes laços de amizade e integração, respeitandoo princípio da unidade em meio à diversidade.

Significa ainda sermos capazes de estabele-cer medidas de longo prazo: por exemplo, acoleta de águas pluviais e o manejo de bacias; a

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recarga artificial de águas subterrâneas; o desenvolvimento de bacias,esquemas integrais de economia de água e déficit de irrigação; a irrigaçãopor aspersão e micro-irrigação; o uso combinado das águas subterrânease artificiais; a prevenção contra perdas por evaporação em depósitos; aconscientização cidadã quanto à escassez da água e a sua importância; acriação de armazenamentos de água, superficial e subterrânea; a integraçãode depósitos grandes e pequenos; o planejamento integrado de bacias.Tudo isso implica a criação de planos comunitários e integrais de mane-jo de recursos naturais, desenvolvidos e instrumentalizados com enfoqueparticipativo, e sem se esquecer de fazer pleno uso do conhecimento tra-dicional, que é tão ou mais importante que o conhecimento atual.

Precisamos crescer - os países e os povos -, deixando para trás a ado-lescência. Precisamos elaborar por conta própria os planos de prospecção,exploração racional e preservação dos recursos naturais, que são nossospatrimônios nacionais, em especial aqueles que compartilhamos. Isso éindispensável para manter nossa sobrevivência como povo e nação, enossa identidade para alcançar uma integração real em todos os aspec-tos: político, social, econômico, cultural, educacional e de defesa. Essessão nossos objetivos. Alcançá-los depende de nós.

Em última instância, essa é uma batalha que se dá no campo do pensa-mento, mas também na alma e no coração de cada um de nós, pois o queestamos assistindo é uma confrontação de duas culturas. Uma delas pro-clama que as vidas humana, vegetal, animal e da natureza; o planeta e aágua potável são mercadorias, coisas que se compram e vendem de acordocom as leis da oferta e da demanda do mercado. Eu a chamo de “cultura damorte”, porque leva ao suicídio a espécie humana e comete um assassina-to, matando a vida humana, a vida vegetal, a vida da natureza e o planeta.Com ela, não há presente, tampouco futuro. E dou-lhe o nome que lhecorresponde: capitalismo. Jamais poderá ser humanizado, posto que sebaseia na exploração do ser humano pelo ser humano e na noção de queeste é, não um sujeito, mas uma mercadoria, uma coisa, um objetivo.

A outra cultura diz que a vida está no centro de tudo e que, ao seu redor,devem girar a política e a economia; que não há dinheiro no mundo capazde pagar o valor da vida humana; que não há dinheiro capaz de pagar ovalor da vida vegetal, animal, da natureza e do planeta, pois esses bens nosforam dados para serem usufruídos com cuidado, preservando-os para asgerações vindouras; que a água potável é um direito humano fundamental,ligado à saúde e à vida, que é um bem social inalienável e deve ser objetode políticas de serviço público, pois é um patrimônio dos países e povosque o possuem. Alguns a chamam de Humanismo; outros, de DoutrinaSocial da Igreja, de Opção pelos Pobres, de Socialismo – cada civilização,cada sociedade, cada povo, cada cultura, cada ser humano lhe dá o nomeque melhor lhe parece. Eu a chamo de “cultura da vida”.

Aposto no presente e no futuro e, sem medo de me equivocar, afirmoque, ao seguirmos o seu caminho em luta, estamos cumprindo aquelemandato que foi dado aos nossos ancestrais há 7 milhões de anos, quan-do mulheres e homens começaram a se erguer e a caminhar sobre a terrajuntos, iniciando esse maravilhoso processo de evolução que nos trans-formou nos seres humanos que hoje somos. Esse “mandato” foi e é aresponsabilidade de assegurar a sobrevivência da espécie humana emharmonia com a terra e a natureza, e não contra elas. O presente e o futu-ro estão em nossas mãos.

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ANEXO 1LEI GERAL DO MEIO AMBIENTE nº 25.675 - estabelece os princípios ordenadores para a inter-pretação e aplicação da legislação específica que a ela se subordina na matéria; cria o SistemaFederal Ambiental, que coordena a política ambiental entre os Governos Nacional, Provinciais eda Cidade Autônoma de Buenos Aires, estabelecendo que esse sistema seja instrumentalizadopelo Conselho Federal de Meio ambiente (Cofema);

LEI 24.197 - estabelece a proteção do meio ambiente e dos recursos naturais, determinando aobrigatoriedade dos estudos de viabilidade ambiental para projetos de engenharia e obras públicas;

LEI 23.879, modificada pela LEI 24.539 - estabelece a avaliação das conseqüências ambientaisproduzidas ou passíveis de o serem em território argentino a partir de represas construídas, emconstrução ou planejadas;

LEI 21.172 - trata da fluoração da água para consumo no país;

LEI 25.612, que substitui a LEI 24.051 - regula a gestão de resíduos industriais e de atividades deserviços;

LEI 25.916 - estabelece os critérios a serem seguidos na gestão de resíduos sólidos internacionais;

LEI 25.831 - garante e regula o direito dos cidadãos de acessarem toda a informação ambiental empoder do estado, nos âmbitos nacional, provincial, municipal e da cidade de Buenos Aires; deórgãos autárquicos e de empresas de serviços públicos, sejam estas privadas, públicas ou mistas;

LEI 25.670 - estabelece e regula tudo o que diz respeito aos Policloretos de Bifenilas (PCBs -produto altamente nocivo à saúde humana);

LEI 13.273 - trata da defesa da riqueza florestal;

Lei 22.421 – trata da proteção e conservação da fauna;

Lei 22.428 – trata do fomento à conservação dos solos;

Lei 22.352 - trata de parques, reservas naturais e monumentos nacionais;

Lei 25.080 – trata dos investimentos em bosques cultivados.

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RECURSOS HIDRELÉTRICOS EGEOPOLÍTICA NO PARAGUAI:

os casos de Itaipu e Yacyretá

Pesquisadora responsável:

Mercedes CaneseAtivista da Campanha pela Recuperação da Soberanía Hidroeléctrica do Paraguai e Profesora na

Universidade Nacional de Assunção

Artigo preparado a partir de estudos realizados pelos engenheirosRicardo Canese e Mercedes Canese

CAPÍTULO III

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SUMÁRIO

1. Recursos naturais das Américas ............................................................................................... 73

2. Recursos naturais do Paraguai .................................................................................................. 73

3. Recursos hidrelétricos e consumo no Paraguai ........................................................................ 74

4. No Mercosul, não há energia barata ........................................................................................ 74

5. A energia é cada vez mais importante no mundo ................................................................... 74

6. Os Tratados de Itaipu e Yacyretá prejudicam a soberania do Paraguai ............................... 75

7. A exportação de petróleo pelo Paraguai .................................................................................... 75

8. O Paraguai e o exemplo da Bolívia: união com os menores países da região ....................... 75

9. Dívidas do Paraguai .................................................................................................................... 75

10. Itaipu .......................................................................................................................................... 76

11. A estratégia do Itamaraty para expropriar a soberania paraguaia em Itaipu ................... 76

12. Argentina usa estratégia semelhante em Yacyretá ................................................................. 76

13. As binacionais e a primazia da usura como expropriação de soberania ............................ 76

14. O Paraguai exige justiça e soberania ....................................................................................... 77

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1. Recursos naturais das AméricasAinda que os povos nativos da América tenham conhecido o uso e a

exploração dos recursos naturais – em especial os povos Incas e Astecas,entre outros, que dominavam o ferro e os metais –, a conquista da Amé-rica após 1492 produziu no continente uma exploração intensiva e umasubtração, em favor do velho continente, dos seguintes bens: metais,produtos agrícolas, mão-de-obra escrava.

Juntamente com a colonização espanhola, o Paraguai sofreu a hosti-lidade do Brasil-império e de Buenos Aires. Todos esses atores busca-ram os recursos naturais disponíveis no Paraguai: produtos florestais,erva-mate, laranja, produtos agrícolas, couro bovino, mão-de-obra in-dígena e escrava.

Com a independência, em 1811, a relação entre o Paraguai e seusvizinhos não mudou. Apenas 40 anos mais tarde é que Argentina eBrasil reconheceram o país oficialmente. Enquanto isso, foi se conso-lidando uma nação industrializada e rica, auto-abastecida em suasnecessidades, soberana e independente; sem dívida externa; com ter-ras estatais arrendadas a camponeses e produtores, e “Estâncias daPátria” providas de abundante gado bovino. A independência econô-mica e política do Paraguai trouxe a aquisição de maquinário indus-trial, ferrovias e fundição própria de ferro a partir do Império Britâni-co, paga à vista sem um único empréstimo. Tal realidade foi vista como“mau exemplo” para os vizinhos e como perigo para o império domomento: a Inglaterra.

Como conseqüência, entre 1865 e 1870 ocorreu a Guerra da TrípliceAliança: Brasil, Argentina e Uruguai contra o Paraguai. Para pagar as dí-vidas da guerra, o Paraguai tomou o seu primeiro empréstimo, de 1,4milhão de libras esterlinas, das quais apenas 200 mil chegaram ao país.Apenas 90 anos depois, o pagamento dessa dívida se deu por encerrado.Ao mesmo tempo, Argentina, Brasil e Uruguai pelo menos duplicaramsuas dívidas externas junto aos bancos ingleses por causa da guerra.

No pós-guerra, com a população dizimada e o país devastado, osrecursos mais valiosos do Paraguai terminaram repartidos. As terrasforam privatizadas a sociedades anônimas de capital estrangeiro para aexploração de suas principais riquezas: florestal, agrícola e bovina.

Sessenta anos depois, entre 1932 e 1935, ocorreu a Guerra do Chaco.Paraguai e Bolívia se enfrentaram pelo petróleo, o novo recurso naturalà vista dos impérios.

Em 1973, meses antes da primeira grande crise mundial do petróleo,Brasil e Paraguai assinaram o Tratado de Itaipu. No mesmo ano, Argen-tina e Paraguai assinaram o Tratado de Yacyretá. A energia hidrelétricado rio Paraná mostrou-se como o recurso estratégico do momento paraa Argentina, o Brasil e o Paraguai. Nos 30 anos seguintes, a agriculturamecanizada e a agroquímica substituíram as matas e o Paraguai perdeusua maior riqueza natural além do potencial hidrelétrico. Entre os gran-des produtores agrícolas, foram acolhidos produtores brasileiros – oschamados ‘brasiguaios’ – e de outras nacionalidades. Enquanto isso,milhares de camponeses perambulavam sem terra em meio à repressãoda ditadura militar.

2. Recursos naturais do ParaguaiO principal recurso natural do Paraguai hoje é, sem dúvida, a energia

hidrelétrica. Em segundo lugar, e muito atrás, vem a produção agrícola:soja, algodão e outros produtos; e, em terceiro lugar, a produção bovina.

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O Paraguai é o terceiro exportador e oquarto produtor mundial de soja. Em 2005,alcançou uma exportação de grãos de US$566 milhões, sendo US$ 59 milhões de ole-aginosas ao Brasil. O crescimento da soja,de 2,3 para 4,5 milhões de hectares, ocorreuàs custas do algodão, que teve uma reduçãode 20% na última década; assim, uma pro-dução intensiva de maquinário substituiuparte relevante de uma produção antes obti-da com mão-de-obra intensiva. Como conse-qüência, apenas no período agrícola de 2002/2003, 14 mil famílias de camponeses – qua-se 100 mil pessoas – foram desalojadas docampo pela soja, como nos lembra o soció-logo e professor da Universidade Nacionalde Assunção Tomás Palau.

A produção bovina gerou uma exportação decarne e couro da ordem de US$ 370 milhõesem 2005. Outros recursos explorados e expor-tados ou contrabandeados às custas das matasrestantes são o carbono e a madeira.

3. Recursos hidrelétricose consumo no Paraguai

O Paraguai conta com três centrais hidrelé-tricas: Acaray, 100% paraguaia; Itaipu,binacional; e Yacyretá, binacional. Graças a elas,o país dispõe de 53.000 GWh/ano, dos quaisconsume cerca de 7.000 GWh/ano. Ou seja, uti-liza menos de 14% de sua disponibilidadeenergética.

Nas condições atuais de consumo, o Paraguaié o único país do Mercosul com excedente hidre-létrico. Além disso, conta com outros possíveisaproveitamentos hidrelétricos: Corpus Yguazú eAña Cuá. O aproveitamento dos mesmos impli-caria em diferentes efeitos econômicos, sociais eambientais. No caso de Yguazú, a represa já estáconstruída e por isso o seu dano ambiental e so-cial já foi realizado. No outro caso, cabe aindaanalisar se as conseqüências sociais e ambientaisjustificariam os benefícios econômicos esperados.

O consumo de energia elétrica contabilizaapenas 10% do consumo energético nacional. Abiomassa – lenha, carbono, cascas de frutas egrãos, e bagaço de cana – é o segmento mais im-portante de consumo energético, com 59% dototal. Seguem-se o petróleo, com 30%, e osbiocombustíveis como o álcool e a cana, com 1%.

Os biocombustíveis são um potencial recur-so energético do Paraguai, com suas terras ap-tas à produção sustentável de álcool e biodiesel,entre outros.

4. No Mercosul, não há energia barataO Brasil tem se valido de todos os recursos

hidrelétricos mais próximos e de fácil aprovei-tamento, e o movimento de pessoas afetadas porrepresas terminou gerando uma importante re-sistência à construção de novas hidrelétricas.Por isso, o país recorre cada vez mais ao gásnatural (GN) boliviano. Já a Argentina carecede recursos hidrelétricos e precisa, assim, im-portar cada vez mais GN boliviano. Por sua vez,o Chile importa GN da Argentina.

Apesar dos sucessivos aumentos no preçodo GN na Bolívia de Evo Morales, o Brasil e aArgentina não pagam muito mais que 1/3 doseu preço de mercado. Se o GN boliviano forvendido a preços reais de mercado, o custoda eletricidade na Argentina e no Brasil su-birá enormemente. Além disso, a Argentinaprecisa importar óleo diesel e combustível daVenezuela, pois não é capaz de satisfazer suasnecessidades elétricas com GN próprio ouboliviano. Esse custo de geração é superior aUS$ 80/MWh.

Atualmente, a geração de eletricidade acimade US$ 80/MWh custaria caro para Brasil, Ar-gentina e Chile, não fosse o subsidio existentepara o GN boliviano.

5. A energia é cada vezmais importante no mundo

Noventa por cento do consumo energéticoda humanidade vêm de energias fósseisesgotáveis. A humanidade não foi capaz demudar essa tendência nos últimos 30 anos e,desde a primeira grande crise mundial do pe-tróleo, cerca de 80% do consumo energético jádependiam de energias fósseis.

As energias renováveis são caras: são disper-sas, inconstantes, variáveis de acordo com o cli-ma e com as estações. E as reservas de petróleo ede gás natural são extremamente limitadas.

O ápice da produção de petróleo, fora do Ori-ente Médio, já foi alcançado ou o será dentro de,no máximo, 10 anos. Para o Oriente Médio, o pra-zo é de 20 a 30 anos, ou seja, praticamente agora.

Enquanto isso, acelera-se a máquina do con-sumo em meio ao rápido crescimento da Chinae da Índia. Com reservas esgotáveis e uma soci-edade de consumo e desperdício, tudo indicaque não se encontrará uma saída antes de umagrave e irreversível crise. A tendência, assim, éque as diferentes formas de energia continuema encarecer; e que a energia hidrelétrica passe avaler cada vez mais.

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6. Os Tratados de Itaipu e Yacyretáprejudicam a soberania do Paraguai

Assinado em 1973, o Tratado de Itaipu subtraiu toda a soberania doParaguai sobre sua própria energia hidrelétrica. O artigo XIII do Tratadoestabelece que “a energia produzida [por Itaipu] será dividida em par-tes iguais entre os dois países, sendo reconhecido a cada um deles odireito de aquisição [...] da energia não utilizada pelo outro país paraconsumo próprio”. Assim, o Brasil recebeu pleno direito de adquirir todaa energia que o Paraguai não pode utilizar ao custo de uma renúnciaparaguaia, que, nas linhas do Tratado, perdeu a oportunidade de vendersua energia a preços de mercado ou de ter um benefício de venda deexcedentes ao Brasil. Este garantiu para si uma energia a baixo custo. Ascondições do Tratado de Yacyretá, de 1973, foram quase idênticas: o Tra-tado fala em termos de “direito preferencial”.

Essas condições absurdas, porém condizentes às histórias dos nos-sos países, fazem com que o Paraguai receba US$ 250 milhões por umaenergia que vale US$ 3.500 milhões. O cálculo é o seguinte: ao preçoatual de mercado de US$ 80/MWh, o Paraguai deveria receber com aexportação de 40 milhões de MWh ao Brasil e 6 milhões de MWh aArgentina [80x46=] mais de US$ 3.500 milhões por ano. Sob diferen-tes cifras, como compensações, ressarcimentos e royalties, recebe ape-nas 250 milhões de US$/ano.

7. A exportação de petróleo pelo ParaguaiEnquanto exporta mais de 250 mil barris equivalentes de petróleo (bpd)

em forma de uma eletricidade muito mais valiosa, o Paraguai importa 30mil bpd – a oitava parte – de petróleo. O país paga cerca de US$ 750milhões pelo petróleo e recebe apenas US$ 250 milhões por sua exporta-ção hidrelétrica. É algo absurdo o fato de que os bons preços energéticossejam uma punição para o principal exportador de energia do Mercosul.

O preço de mercado da energia elétrica é de pelo menos US$ 80/MWh,tanto para o Brasil quanto para a Argentina, e em todo o mundo, de acor-do com o atual preço do petróleo. A esse preço, o Paraguai deveria rece-ber US$ 3.600 milhões por ano. No entanto, precisa pagar US$ 600 mi-lhões/ano, além dos US$ 150 milhões/ano que pagava antes do aumentodos preços da energia, pelo petróleo que importa, em função de sua cota-ção mais elevada.

8. O Paraguai e o exemplo da Bolívia:união com os menores países da região

Paraguai e Bolívia são os dois únicos países exportadores de energiano Mercosul. Tanto à Bolívia quanto ao Paraguai, paga-se muito menosque o valor de mercado por energia, e o Uruguai tem mostrado interesseem comprar GN da Bolívia.

Os países menores do Mercosul – Bolívia, Paraguai e Uruguai – de-vem se unir para que os seus direitos sejam respeitados, assim como jácomeçou a fazer a Bolívia de Evo Morales.

9. Dívidas do ParaguaiAtravés de Itaipu e Yacyretá, o Paraguai deve cerca de US$ 14.000 mi-

lhões: 50% da dívida de Itaipu, cerca de US$ 9.500 milhões, sendo 90%desse valor à Eletrobrás; e 50% da dívida de Yacyretá, cerca de US$ 4.500milhões. Ao mesmo tempo, a dívida externa do Paraguai é de apenas US$2.230 milhões.

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Por isso, falar da dívida externa do Paraguaiimplica analisar as dívidas de Itaipu e Yacyretá,de natureza Sul-Sul.

10. ItaipuItaipu deveria ter custado US$ 2.033 mi-

lhões, mas terminou custando US$ 20.000 mi-lhões. Em serviços de dívida, já pagou US$25.000 milhões: 12 vezes o seu custo inicial.Caso não mudem as regras do jogo, terminarácustando US$ 65.000 milhões em serviços dedívida – 32 vezes seu preço inicial.

Desde o início de seu mandato (2003), o atualpresidente paraguaio, Nicanor Duarte Frutas, dizque está negociando a eliminação da indexaçãodos juros da dívida com relação à taxa de infla-ção dos EUA – a “dupla indexação”. No entanto,não se alcançou até o presente algo de concreto.

Com preços muitas vezes superiores aos domercado, transnacionais presentes no Brasil eempresas brasileiras de construção, comoCamargo Corrêa e Andrade Gutiérrez, além deconsultoras, apoderaram-se de 85% do montan-te dos contratos de construção de Itaipu. Restaassim, ao Paraguai, apenas 15%. Porém, a dívi-da é binacional, ou seja, 50% para cada país. E,ao invés de reduzir, tem aumentado: em 1991,quando a obra já estava terminada, era de US$17.000 milhões; hoje, é de US$ 18.000 milhões,após o pagamento de US$ 25.000 milhões. Eonde foram parar esses US$ 25.000 milhões jápagos com os serviços de dívida?

Para que se compreenda a ilegitimidade dadívida, um exemplo é o caso da dívida espúria.Ao final de 1996, Itaipu acumulou uma dívidaespúria, ou seja, não-paga, de US$ 4.193 mi-lhões, 98% causada porque empresas elétricasbrasileiras como Furnas e Eletrosul se recusa-ram a pagar a tarifa igual ao custo, tal como es-tabelece o Tratado; ou seja, US$ 4.090 milhõesforam gerados em dívida espúria por empresaselétricas brasileiras.

Quando se calculam os juros de 1% ao mêsaplicados pela Itaipu à Administração Nacionalde Eletricidade (Ande), Furnas e Eletrosul, o va-lor devido hoje à Itaipu chegaria a US$ 12.000milhões. Se essa quantia fosse reconhecida, adívida de Itaipu diminuiria de US$ 18.000 mi-lhões para somente US$ 6.000 milhões.

11. A estratégia do Itamaraty para expro-priar a soberania paraguaia em Itaipu

Desde o início, a ditadura militar brasileiraalentou a corrupção em Itaipu a fim de endivi-

dar o Paraguai e evitar que dispuséssemos deenergia barata. Ao mesmo tempo, nos foram apli-cados interesses usurários através da Eletrobrás.Para piorar o quadro de uma vez, a energia utili-zada não foi paga e Itaipu se endividou aindamais: 98% dessa dívida foi fruto da ação de em-presas brasileiras. O objetivo é claro: que oParaguai não disponha de sua energia.

12. Argentina usa estratégiasemelhante em Yacyretá

Yacyretá começou a operar em 1994. Suasobras principais foram terminadas em 1998,mas os requisitos sociais e ambientais foramtotalmente negligenciados, o que causou umdano imenso ao Paraguai, que entrou com 80%do território. A Argentina levou energia baratasem se preocupar com a finalização da obra,uma vez que isso iria requerer o desembolso dedinheiro em território paraguaio.

Hoje, a Argentina afirma que pretende ter-minar a obra porque necessita de mais energia.O seu descumprimento em terminar as obras,em 1998, endividou Yacyretá muito mais do queo devido. A Argentina se comprometeu a ter-minar a obra em 1998 e a não cobrar juros pelosempréstimos já concedidos pelo tesouro argen-tino. Descumpriu ambos os acordos: cobroujuros ao mesmo tempo em que levava uma ener-gia quase grátis para o seu sistema elétrico; edescumpriu 80% dos requisitos sociais eambientais paraguaios.

Entre juros não-pagos e energia não-gerada,o dano é de US$ 6.200 milhões, sem os quais adívida se reduziria à terça parte: de US$ 10.000milhões para US$ 3.800 milhões.

A necessidade de energia por parte da Argen-tina impulsiona a finalização de Yacyretá, inclu-indo a construção da central hidrelétrica do AñaCuá. Não basta que a Argentina ofereça o paga-mento de juros ilegalmente acumulados; deve-se eliminar toda a dívida espúria de Yacyretá edevem ser reduzidas todas as taxas usurárias doseu Tesouro, sem condicionalidades. Tambémdevem ser atendidos devidamente os requisitossociais, ambientais e de infra-estrutura geradospelo seu reservatório.

13. As binacionais e a primazia da usuracomo expropriação de soberania

A taxa de juros de empréstimo da Eletrobrás– credor quase único de Itaipu – é de 7,5%, maisa inflação dos EUA. A taxa mínima “libor”, sema inflação dos EUA – 5,2% em 2006 – , é de

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apenas 2,2% ao ano. A taxa de juros do Tesouro argentino é de 6%, maisa inflação dos EUA. Organizações como a Organização dos Países Explo-radores de Petróleo (OPEP) cobram 2,5% ao ano, com taxa de - 0,5%/ano;e a Venezuela empresta ao Paraguai a 2%/ano, com -1%/ano de taxa real. Apergunta que fica, então, é: por que aceitamos a usura da Eletrobrás e doTesouro argentino?

Enquanto isso, não se prevê um reforço do sistema elétrico paraguaioem áreas rurais e tarifas reduzidas para a produção e a vida social. Osistema elétrico paraguaio da Administração Nacional de Eletricidade(Ande) requer investimentos com urgência e até mesmo prevê investi-mentos importantes em geração elétrica nas centrais hidrelétricas deAcaray e Yguazú, bem como em transmissão, com uma rede de 500 kV. Oque não prevê é o melhoramento das redes de distribuição no interior dopaís, que são precárias e, muitas vezes, monofásicas.

14. O Paraguai exige justiça e soberaniaO primeiro elemento a se cobrar é a soberania; ou seja, que o Paraguai

possa dispor de sua energia livre e soberanamente para usá-la no própriopaís ou exportá-la à região a preços de mercado. Se Brasil e Argentinaquiserem continuar a usar a energia do Paraguai, devem pagar o preço demercado – US$ 3.500 milhões ao ano –, assim como qualquer país pagapelo petróleo que compra.

O segundo é que a dívida de Itaipu e Yacyretá seja perdoada. Em am-bos os casos, a dívida foi suficientemente paga: com US$ 25.000 milhões,no caso de Itaipu – por um custo de apenas US$ 2.000 milhões –, e emYacyretá, pelos danos causados.

O terceiro elemento é que se, após uma auditoria, restar ainda algumadívida, a taxa de juros deve ser reduzida a preços de mercado como os daOPEP ou da “libor”. O quarto é que ambas hidrelétricas sejam geridasbinacionalmente, com transparência e controle, também para o desen-volvimento do Paraguai.

Finalmente, o Paraguai deve criar um plano de uso produtivo de ener-gia hidrelétrica, capaz de reduzir assimetrias e desigualdades no Mercosul.

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