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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
MESTRADO EM DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE URBANO
DALVA DE CÁSSIA SAMPAIO DOS SANTOS
O LAZER NO PLANO DIRETOR DAS METRÓPOLES
AMAZÔNICAS: UM ESTUDO COMPARATIVO ENTRE BELÉM E MANAUS
BELÉM - PARÁ
2010
2
DALVA DE CÁSSIA SAMPAIO DOS SANTOS
O LAZER NO PLANO DIRETOR DAS METRÓPOLES
AMAZÔNICAS: UM ESTUDO COMPARATIVO ENTRE BELÉM E MANAUS
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Universidade da Amazônia como requisito para obtenção do título de Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente Urbano. Orientadora: Profª. Drª. Nírvia Ravena de Sousa.
BELÉM - PARÁ 2010
3
DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP) MARINEIDE VASCONCELLOS CRB 2/1.028
711.558 S237l Santos, Dalva de Cássia Sampaio dos. O lazer no plano diretor das metrópoles amazônicas: um estudo
comparativo entre Belém e Manaus / Dalva de Cássia Sampaio dos Santos. -- 2010.
198 f. : il.; 21 x 30 cm. Dissertação (Mestrado) -- Universidade da Amazônia, Núcleo de
Estudos e Pesquisas em Qualidade de Vida e Meio Ambiente, Programa de Mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente Urbano, 2010.
Orientador: Profª. Drª. Nírvia Ravena de Sousa.
1. LAZER. 2. PLANO DIRETOR. 3. POLÍTICA URBANA-MANAUS. 4. POLÍTICA URBANA-BELÉM. 5. PLANEJAMENTO TERRITORIAL URBANO. 6. INFRAESTRUTURA URBANA. I. SOUSA, NÍRVIA RAVENA DE. II. TÍTULO.
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DALVA DE CÁSSIA SAMPAIO DOS SANTOS
O LAZER NO PLANO DIRETOR DAS METRÓPOLES AMAZÔNICAS:
UM ESTUDO COMPARATIVO ENTRE BELÉM E MANAUS.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Universidade da Amazônia como requisito para obtenção do título de Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente Urbano. Orientadora: Profª. Drª Nírvia Ravena de Sousa.
BANCA EXAMINADORA _______________________________________ Profª. Drª. Nírvia Ravena de Sousa Orientadora - UNAMA _______________________________________ Prof. Dr. Reinaldo Nobre Pontes - UNAMA _______________________________________ Profª.Drª. Voyner Cañete - UFPA Aprovada:________
Belém,16 de Dezembro de 2010
5
Aos meus pais, Altineia e Raimundo, que morreram quando ainda estava com 13 anos de idade, mas que conseguiram com uma educação familiar firme e amorosa me fazer acreditar que todas e todos - negros, brancos, amarelos etc, merecem ter direito de sonhar e viver dignamente e que o primeiro passo é não desistir nunca do sonho, o segundo passo é a educação. Dedico também a todos os trabalhadores e trabalhadoras, negros e negras, caboclos, ribeirinhos, quilombolas, indígenas, Amazônidas e a todos, que de maneira geral, lutam e acreditam que uma outra Amazônia é possível.
6
AGRADECIMENTOS
Às energias-força dos meus antepassados, da mata, do mar, do ar, dos que desencarnaram, das pessoas que me amam e que me iluminam, me orientam, me equilibram meus caminhos, para enfrentar todos os desafios.
Aos meus filhos Danilo Luan e Rodrigo Mateus por intervirem providencialmente com muitos beijos e bagunças nas horas de stress acadêmico.
Ao meu marido, amado, companheiro, amigo, Marco Apolo, que com muito amor e dedicação esteve em todos os momentos me apoiando incondicionalmente.
Aos meus amados irmãos e irmãs: Ana Maria, que ajudou a financiar minha vida escolar; Maria de Lourdes, Maria Eliana, Maria Aureliana, maravilhosas, que também me educaram. Aos meus irmãos Carlos Alberto, Raimundo (Dico), Daniel e Luis Carlos; cunhadas Elza, Leia, Leide e cunhados Cléo e Marcos, que sempre me dedicaram muito carinho e sempre desculparam minhas ausências dos momentos em família por causa do mestrado; Maria dos Anjos, minha irmã-mãe, que assumiu todos os riscos de cuidar da minha vida, sempre me deixando livre pra escolher meu caminho.
À minha sogra (mãe-adotada), Maria José, que me dedicou amor compensador e pelas cuias de açaí que tomamos juntas para nos retroalimentar dos momentos de desgaste do curso. Aos meus cunhados Mauro, Cristina, Elizabeth, Sílvia (in memorian) e cunhados Claudio, Frank e Lene que me acolheram como irmã e me deram força para fazer esse mestrado.
Meus sobrinhos amados: Carla, Carina, Aquiles, Luana, Ruana, Guilherme, Daniela, Hugo, Camila, Isaac, Circe, Cintia, Gabriel, Jamile, André, Ruizinho, Drieli, Driene, Carol, Jade, Biatriz, Douglas, Letícia e Talles.
À minhas apoiadoras amadas, fundamentais, que cuidaram e cuidam de mim, e de meus filhos em todas as minhas ausências Edna e Rosa.
À minha sobrinha linda, Driele Sampaio, que transformei em auxiliar direta na produção da dissertação com algumas das tabelas, gráficos e coleta de documentos para essa pesquisa.
Às minhas amigas maravilhosas que sempre responderam presente em todos os momentos que precisei trocar ideias e angústias nesse processo de formação: Joselene, Zaira e Norma.
Às minhas amigas de trabalho: a) Escola Aparecida: Margareth, Rosa Fares, Rutileia, Elzira, Beth, Joana D’arc, Adelaide, Nazaré, Carmen, Helena, Heloisa; b) Escola Justo Chermont: Adamor (Diretor); c) Escola Rui Brito: Rosiane, Capela, Onélia; d) Sossego da Mamãe: Ester, Aldenora, do Ministério do Esporte, que me ajudaram a percorrer os caminhos na construção de uma política pública democrática e popular.
7
Aos meus amigos da turma do Mestrado em especial à Norma, Clara, Helena, Ana Lígia e Shadji pelos longos momentos de trocas e descobertas fundamentais durante o curso. Aos professores Voyner Ravena Cañete, Reinaldo Pontes, Luciana Costa da Fonseca, Carlos Paixão, Anna Maria Vasconcellos, Samuel Sá pelas contribuições na ampliação do cenhecimento do estudo acadêmico no campo do Planejamento Regional.
Ao Coordenador do Curso professor Marco Aurélio Arbage Lobo pela atenção e dedicação e permanente incentivo na realização do curso.
À minha professora e orientadora, Profª Nírvia Ravena, pela grande contribuição que deu o rumo para a construção e concretização desse trabalho.
À Secretaria Municipal de Educação-SEMEC que me deu o apoio necessário para aprimorar minha formação profissional, me liberando para cursar o mestrado.
À Secretaria Estadual de Educação SEDUC que garantiu o apoio incondicional para a realização dessa etapa de minha formação, com a concessão da bolsa-mestrado e liberação para o curso.
Ao Programa de Mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente Urbano da Universidade da Amazônia – UNAMA por ter me proporcionado vivenciar essa experiência e me garantido o apoio necessário.
Aos colegas e amigos de Manaus: Nívea e Ademar que me abrigaram no momento da coleta de dados; Ester Leão, minha estagiária em Manaus responsável pelo registro das imagens por mim solicitadas.
Aos colegas de Manaus que me ajudaram a encontrar os dados necessários à minha pesquisa. Câmara Municipal: Ilka Izel Benjamim e toda a equipe do vereador Marcelo Ramos, aos quais devo muito o apoio e auxilio para a coleta dos dados. Ricardo Braga, Técnico do Instituto de Planejamento Urbano; Cáritas de Manaus, ao Adnamar Mota do Movimento popular de Manaus, Prof. Dr. Vanderlan Mota da (UEA/UNIP).
A todos e todas que ficaram na torcida e que não mediram esforços para contribuir com a força necessária para que eu vencesse esse desafio.
8
Acorda! Já é dia e o teu destino é fazer teu destino caminhando!
Tu és, ao mesmo tempo, oleiro e barro; Tu és, num só momento, o boi e o carro!
Acorda! O tempo urge... Tu não sabes que deténs as rédeas da ação?
Tu és a solução dos teus problemas e a chave que abre tuas algemas
repousa, eternamente, em tua mão! Levanta! O sol se põe... Bate a poeira
acumulada por tantos verões!... Tu és a vela-mestra da História, o caminho que conduz à glória,
a semente das revoluções!
(Oleiro e Barro - Juraci Siqueira)
9
SUMÁRIO
RESUMO ........................................................................................................................... 11
ABSTRACT ...................................................................................................................... 12
LISTA DE MAPAS .......................................................................................................... 13
LISTA DE TABELAS ...................................................................................................... 14
LISTA DE GRÁFICOS ................................................................................................... 16
LISTA DE FOTOGRAFIAS ........................................................................................... 17
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS ..................................................................... 18
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 20
1.1 Dinâmica metodológica da pesquisa ............................................................................ 24
2 O LAZER E AS POLÍTICAS SETORIAIS: A CONSTRUÇÃO DE UM
BENEFÍCIO PÚBLICO ..................................................................................................
29
2.1 Algumas considerações sobre instituições e o debate sobre benefício público e recursos
comuns .................................................................................................................
29
2.1.1 A teoria das instituições e o neoinstitucionalismo .............................. 30
2.1.2 Sobre o institucionalismo histórico ........................................................................... 31
2.1.3 O Estado como instituição ......................................................................................... 32
2.1.4 O conceito de benefício público e recursos comuns ................................................. 34
2.2 O que aponta a produção científica sobre o lazer ......................................................... 38
2.3 Lazer nas políticas públicas: aproximações históricas do surgimento do lazer como
direito ..................................................................................................................................
44
2.3.1 Marco histórico, interesses, atores e agentes que operam na arena do lazer
.........................................................................................................
44
2.4 O lazer como beneficio público e o debate sobre os recursos comuns ........................ 49
2.5 Relações federativas na configuração das políticas de lazer presentes nos planos
diretores ..............................................................................................................................
52
2.5.1 Algumas reflexões sobre a reforma do Estado a partir da Constituição de 1988....... 53
2.5.2 As políticas públicas de lazer no Brasil: os resultados das mudanças do Estado
......................................................................................................
56
2.5.2.1 Política de lazer com apelo de atrelamento ideológico .......................................... 57
2.5.2.2 Apoio ao setor privado ........................................................................................... 58
2.5.2.3 O controle social .................................................................................................... 59
2.6 O lazer como demanda qualificada nos planos diretores ............................................. 62
10
3 O LAZER E O PLANEJAMENTO URBANO NA AMAZÔNIA ................................. 68
3.1 O processo de crescimento e desenvolvimento urbano na Amazônia........................... 69
3.2 Belém e Manaus, metrópoles da Amazônia: aproximações e contrastes .................... 81
3.2.1 Sobre Belém .............................................................................................................. 82
3.2.2 Sobre Manaus ............................................................................................................ 90
3.2.3 Rivalidades entre as duas cidades ...................................................... 98
3.2 O lazer no planejamento urbano na Amazônia ............................................................. 99
3.4 O lazer no Plano Diretor das metrópoles amazônicas, questões para análise .............. 112
4 COMPARANDO O LAZER NO PLANO DIRETOR DE BELÉM E MANAUS ........ 116
4.1 O lazer no Plano Diretor de Belém .............................................................................. 117
4.1.1 Considerações gerais sobre o Plano.................................................... 117
4.1.2 Gestão democrática ................................................................................................... 118
4.1.3 A análise do lazer no Plano Diretor de Belém .......................................................... 120
4.1.3.1 A concepção de lazer presente no plano ................................................................. 120
4.1.3.2 Os espaços destinados às práticas de lazer ............................................................. 124
4.1.3.3 Animação cultural .................................................................................................. 132
4.1.3.4 O lazer nos orçamentos municipais ........................................................................ 135
4.2 O lazer no Plano Diretor de Manaus ............................................................................ 137
4.2.1 Considerações gerais sobre o Plano Diretor .............................................................. 137
4.2.2 Gestão democrática ................................................................................................... 139
4.2.3 Análise do lazer no Plano Diretor de Manaus ........................................................ 140
4.2.3.1 Concepção de lazer presente no Plano ................................................................... 140
4.2.3.2 Os Espaços de lazer no PDUAM ............................................................................ 143
4.2.3.3 Animação cultural .................................................................................................. 156
4.2.3.4 Investimentos financeiros no município de Manaus .............................................. 159
4.2.3.4 Considerações finais da análise do plano de Manaus ............................................. 165
4.3 Comparando os dados ................................................................................................... 166
4.3.1 Quanto aos limites dos planos ................................................................................... 168
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................ 175
REFERÊNCIAS ............................................................................................................... 180
ANEXO .............................................................................................................................. 189
ANEXO A - Diário Oficial do município de Manaus ........................................................ 190
ANEXO B - Acordo Celebrado entre União, Estado do Amazonas e Prefeitura de Manaus
11
para viabilizar a COPA 2014 ................................................................................ 194
ANEXO C – Construção do Monotrilo Norte/Centro ........................................................ 197
ANEXO D – Reconstrução do Estádio Vivaldão ............................................................... 197
ANEXO E – Aviso de Licitação ........................................................................................ 198
12
RESUMO
SANTOS, Dalva de Cássia Sampaio dos. O Lazer no Plano Diretor das Metrópoles Amazônicas: um estudo comparativo entre Belém e Manaus. 198f. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente Urbano) - Universidade da Amazônia – UNAMA, Belém, 2010.
A Amazônia tem sofrido historicamente com as políticas de planejamento impostas ao seu território com fins no “desenvolvimento da região”. Da ocupação do território à Belle Époque e aos grandes projetos do século XX, foram políticas insustentáveis que determinaram nos dias atuais a região permanecer em alto índice de degradação ambiental e a maioria de seus municípios com os menores índices em educação, saúde, saneamento, acesso a cultura, esporte e lazer. A Constituição de 88 e o próprio Estatuto da Cidade garantiu ao município maior autonomia na definição de seu planejamento, através do Plano Diretor e assegurou a ampliação de canais de participação da sociedade civil na dinâmica do planejamento municipal. O lazer, tema deste estudo, deixou de ser uma mera demanda dos trabalhadores para tornar-se legal como um dos direitos sociais. No entanto, ele não ficou refratário às dinâmicas institucionais de utilização desse direito como moeda de troca política ou implementado numa concepção de lazer reduzida à prática de eventos e escolhidas de futebol com acesso à poucos. A análise do lazer no Plano Diretor das Metrópoles da Amazônia é o objeto desta pesquisa que investiga através de estudo comparativo, em que medida as metrópoles amazônicas têm conseguido atuar na efetivação do lazer em seus planos diretores. Confirmou-se a hipótese de não existir um padrão amazônico de atuação da gestão municipal nas metrópoles amazônicas. As gestões municipais ainda reproduzem as experiências específicas de outras regiões do país com nuances, que assumem características próprias em cada cidade. A pesquisa demonstrou que o lazer na política urbana de Belém e Manaus apresenta formas diferenciadas: Belém avançou na elaboração do Plano Diretor definindo-o como política social e estruturando um campo de planejamento, dando maior ênfase a ideia do lazer como benefício público. Manaus já o tratou de maneira fragmentada e dispersa, dando maior destaque ao lazer como negócio, na política de desenvolvimento econômico, tratando o lazer como mercadoria (mercolazer). Em contrapartida, na execução das políticas nota-se que Manaus avançou mais em dotar a cidade de infraestrutura física e animação cultural em um número maior de bairros, comparado a Belém. Assim constata-se uma distância entre a regulação e a implementação das políticas nas duas metrópoles.
Palavras-Chave: Lazer. Plano Diretor. Amazônia. Metrópoles.
13
ABSTRACT SANTOS, Dalva de Cássia Sampaio dos. O Lazer no Plano Diretor das Metrópoles Amazônicas: um estudo comparativo entre Belém e Manaus. 150f. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente Urbano) - Universidade da Amazônia – UNAMA, Belém, 2010. Amazon has suffered historically with planning policies imposed on their territories to aim in "development of the region". The occupation of territory to the Belle Époque to large projects of the 20th century, were unsustainable policies underlying today the region remains at a high index of environmental degradation and the majority of their municipalities with the smaller indexes on education, health, sanitation, access to culture, sport and leisure. The Constitution of 88 and the Statute of the City gave major guarantee to the municipality to have greater autonomy in defining their planning through Master Plan (Plano Diretor) and ensured the expansion of channels of participation of civil society in municipal Planning dynamics. Leisure, the subject of this study is no longer a mere demand of workers to become legal as a social right. However it has not been refractory to institutional dynamic of use of this right as a bargaining chip or implemented reduced the policy or practice of events and/or the chosen football with access to the few. Leisure in the strategic plan of the metropolises of the Amazon is the object of this research work that investigates through comparative study to know what extent the Amazonian metropolises have achieved leisure in their Master Plans? If confirmed the hypothesis that there is no standard practice of municipal management in Amazonian metropolises? The municipal managements still reproduces the specific experiences of other regions of the country with nuances, which assume specific characteristics in each city. The survey showed that the leisure in urban policy of Belem and Manaus are present in differentiated forms: where Belém progressed in drawing up the Master Plan setting it to social policy and structuring a planning field, giving greater emphasis to the idea of leisure as public benefit. In Manaus it already was fragmented and dispersed way, giving greater important to leisure as business, in economic development policy, treating the leisure as merchandise (mercolazer). By contrast, in implementing policies noted that Manaus more advanced to endow the city of physical infrastructure and cultural animation in a larger number of neighborhoods, compared to Belem. So there is a distance between regulation and implementation of policies in the two metropolises.
Keywords: Leisure. Master Plan. Amazon. Metropolises.
14
LISTA DE MAPAS
Mapa 01 - Amazônia Legal ................................................................................................ 68
Mapa 02 - Região metropolitana de Belém Google Earth ............................................................ 83
Mapa 03 - Mapa da região metropolitana de Belém SEGEP ...................................................... 83
Mapa 04 - Mapa da região metropolitana de Manaus ........................................................ 95
Mapa 05 - Mapa dos fluxos do lazer no Brasil, IBGE, 2007 ............................................. 108
15
LISTA DE TABELAS
Tabela 01 - Crescimento urbano no Brasil e na Amazônia Legal (1960/1991) ............... 72
Tabela 02 - Dados da população na Amazônia Legal ...................................................... 74
Tabela 03 - População do Brasil, Região Norte e Estados do Amazonas e Pará .............. 75
Tabela 04 - Relação entre Doutores e matrículas de estudantes no Brasil, estados da
Amazônia Legal e Região Sudeste ...................................................................................
78
Tabela 05 - Causas de óbitos em menores de 1 Ano no Brasil e Região Norte
(1996/2005) .......................................................................................................................
79
Tabela 06 - Alguns dados sobre Belém, a partir do Relatório do IMAZON (2007) ........ 87
Tabela 07 - Distribuição dos equipamentos de lazer em Belém do Pará .......................... 89
Tabela 08 - Dinâmica populacional de Belém e Manaus de 1872 a 2000 ........................ 95
Tabela 09 - Metrópoles Amazônicas: localização, características geográficas e
indicadores ........................................................................................................................
97
Tabela 10 - Região metropolitana de Belém e Manaus: dados de área população, PIB e
IDH (2000) ........................................................................................................................
97
Tabela 11 - Existência de entidades públicas, privadas e mistas na composição dos
Conselhos ..........................................................................................................................
110
Tabela 12 - Existência de Lei Orgânica que trate do esporte e de outras leis municipais
que regulamentem o esporte .............................................................................................
110
Tabela 13 - Número e distribuição percentual dos equipamentos esportivos existentes
em 31.12, por tipo de equipamento esportivo, segundo classes de tamanho da
população dos municípios e grandes regiões – 2003 ........................................................
111
Tabela 14 - Número de equipamentos esportivos existentes ............................................ 111
Tabela 15 - Macrozoneamento de Belém de acordo com usos e atividades de lazer,
zonas de ambiente urbano – ZAU .....................................................................................
127
16
Tabela 16 - Orçamento para o lazer (2008 – 2010) .......................................................... 135
Tabela 17 - Unidades de conservação e corredor ecológico que potencializam o lazer
em Manaus ........................................................................................................................
150
Tabela 18 - Quadro de uso e atividades das macrounidades de estruturação urbana ....... 151
Tabela 19 - Quadro dos usos e atividades por unidade espacial de transições - UET, lei
n° 672/2002 .......................................................................................................................
154
Tabela 20 - Programas e projetos de esporte e lazer em Manaus ..................................... 157
Tabela 21 - Investimentos na política de lazer e cultura 2008-2010 ................................ 160
Tabela 22 - Síntese comparativa sobre o lazer em Belém e Manaus ................................ 167
17
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 - Densidade demográfica do Brasil e região norte .............................................. 73
Gráfico 2 - Participação (%) dos Estados da Amazônia Legal ........................................... 77
18
LISTA DE FOTOGRAFIAS
Fotografia 01 - Balneário Parque 10 ................................................................................... 93
Fotografia 02 - Aldeia Ipatse - Parque do Xingu ................................................................ 100
Fotografia 03 - Cine Guarany – Manaus ............................................................................. 104
Fotografia 04 - Cine Olympia – Belém ............................................................................... 104
Fotografia 05 - Imagem de Belém: demonstrativo de obras de recuperação de área
degradada para fins de lazer ................................................................................................
134
Fotografia 06 - Espaço Saúde e Lazer na Praça Brasil ....................................................... 134
Fotografia 07 - Parque Dez de Novembro, Manaus ............................................................ 145
Fotografia 08 - Gestão: Serafim Correa 2005-2009 ............................................................ 146
Fotografia 09 - Prefeito Amazonino Mendes: Atual ........................................................... 147
Fotografia 10 - Capoeira no centro municipal de esporte e lazer Zezão, Manaus.......... 159
Fotografia 11 - Vista Aérea - trecho do Igarapé de Manaus antes do PROSAMIM.......... 163
Fotografia 12 - Palafitas sobre o Igarapé Manaus ............................................................... 163
Fotografia 13 - Trecho do Igarapé de Manaus revitalizado pelo PROSAMIM ................. 164
Fotografia 14 - Quadra poliesportiva no prolongamento da área ...................................... 164
Fotografia 15 - Foto de satélite de parte do centro da cidade de Manaus ........................ 165
19
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
ADA Agencia de Desenvolvimento da Amazônia
AEIS Áreas Especiais de Interesse Social
ALBRAS Alumínio Brasileiro S.A
ALUMAR Consórcio de Alumínio do Maranhão
ALUNORTE Alumina do Norte do Brasil S.A
APAs Áreas de Proteção Ambiental
BASA Banco da Amazônia
CEAL Coordenadoria de Esporte Arte e Lazer
CMM Câmara Municipal de Manaus
CDU Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano
CONDUMA Conselho de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente
CONSEMMA Conselho Municipal de Meio Ambiente - Manaus
CREA Conselho regional de engenharia e arquitetura
DIP Departamento de Imprensa e Propaganda
ECA Estatuto da Criança e do Adolescente
EMBRAPA Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
FGTS Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
FHC Fernando Henrique Cardoso
FMDU Fundo Municipal de Desenvolvimento Urbano
FNO Fundo Constitucional de Financiamento do Norte
IBAM Instituto Brasileiro de Administração Municipal
IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IDH Índice de Desenvolvimento Humano
IMAZON Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia
IMPLURB Instituto Municipal de Planejamento Urbano - Manaus
INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
INPA Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia
INPE Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
20
IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
LDO Lei de Diretrizes Orçamentárias
LOA Lei Orçamentária Anual
LOM Lei Orgânica do Município
MMA Ministério do Meio Ambiente
MANAUSCULT Fundação Municipal de Cultura e Turismo
MANAUSTUR Fundação Municipal de Eventos e Turismo
MZAN Macrozonas Ambiente Natural
MZAU Macrozonas do Ambiente Urbano
ONG’S Organizações Não Governamentais
PD Plano Diretor
PDB Plano Diretor de Belém
PDUAM Plano Diretor Urbano e Ambiental de Manaus
PEVs Postos de Entrega Voluntária
PGM Procuradoria Geral do Município
PIB Produto Interno Bruto
PMM Prefeitura Municipicipal de Manaus
PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
PROSAMIM Programa Social e Ambiental dos Igarapés de Manaus
SEMMA Secretaria Municipal de Meio Ambiente
SEMOSBH Secretaria Municipal de Obras, Saneamento Básico e Habitação
SENAC Serviço Nacional do Comércio
SENAI Serviço Nacional da Indústria
SESC Serviço Social do Comércio
SESI Serviço Social da Indústria
SPVEA Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia
SUDAM Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia
SUS Sistema Único de Saúde
ZEIA Zonas Especiais Interesse Ambiental
ZEIP Zonas Especiais de Interesse do Patrimônio Histórico e Cultural
ZEIS Zonas Especiais e Interesses Sociais
21
1. INTRODUÇÃO
Os estudos sobre a temática do lazer cresceram no Brasil, principalmente a partir
das três últimas décadas. Porém, na Amazônia brasileira ainda são poucas as investigações
que estabelecem relação do lazer com o processo de planejamento das cidades. Esta pesquisa
intitulada “O Lazer no Plano Diretor das Metrópoles Amazônicas: um estudo
comparativo entre Belém e Manaus” é fruto de muitas inquietações nascidas em várias
frentes de atuação: na ação coletiva de luta pela reforma urbana em Belém - nos anos de 1980
e 1990; na experiência profissional com a docência em Educação Física; na gestão de
políticas públicas de lazer, esporte, educação e cultura; na atuação como
formadora/colaboradora do Ministério do Esporte, realizando formações de agentes sociais de
esporte e lazer. Tais experiências somadas à vida acadêmica no Programa de Mestrado em
Desenvolvimento e Meio Ambiente Urbano da UNAMA foram determinantes para o
amadurecimento da necessidade de investigar o grau de importância dado ao lazer no
planejamento urbano na sociedade atual. O lazer consta no Estatuto da Cidade, instrumento
este que obriga a criação de Plano Diretor (PD) para as cidades a partir de 20 mil habitantes.
Porém, a simples obrigatoriedade não garante que esse direito esteja de fato, sendo
implementado, pois existe uma dificuldade no Brasil na efetivação do cumprimento das leis.
É fato que o lazer é um direito social conquistado pelos trabalhadores nas tensões
entre o capital e o trabalho (MASCARENHAS, 2004; 2005). Assegurado na Constituição de
1988 está presente em vários documentos legais no Brasil: Constituição Estadual, Estatuto da
Cidade, o Plano Diretor (PD) etc. O lazer consta no Estatuto da Cidade, instrumento este que
obriga a criação de Plano Diretor (PD para as cidades a partir de 20 mil habitantes. Porém, a
regulação em vigor, que é fruto de um processo histórico de lutas dos movimentos sociais e
setores da sociedade brasileira, por si só, não tem assegurado ações institucionais eficientes.
Nota-se, principalmente a partir das experiências acumuladas tanto na gestão de políticas de
educação, cultura, esporte e lazer em Belém de 1997 a 2004, quanto nas formações de agentes
sociais de esporte e lazer em várias cidades do Brasil1, que o lazer ainda é um direito
secundarizado nos planejamentos municipais. O setor do lazer ainda padece com a grande
distância entre o que se registra nos documentos legais e o que se efetiva nas cidades em
1 Trata-se das Ações de Formação dos agentes sociais de esporte e lazer do Programa Esporte e Lazer da Cidade – PELC. Programa do Ministério do Esporte realizado em Convênio com os Estados municípios e ONGs.
22
relação à implementação de políticas públicas voltadas para o acesso ao lazer como benefício
público.
Tais políticas deveriam ser capazes de garantir: a ampliação; conservação;
manutenção; gestão democrática e a animação cultural2 de espaços físicos específicos para as
práticas de lazer, distribuídos de maneira equânime por toda a cidade. Neste sentido, o Plano
Diretor – PD “pode ser definido como um conjunto de princípios e regras orientadoras da
ação dos agentes que constroem e utilizam o espaço urbano” (BRASIL, 2002). Sendo um dos
instrumentos fundamentais do planejamento municipal, na atual configuração do pacto
federativo, deveria corresponder aos anseios de uma sociedade, que é dialética, heterogênea
em que diferentes forças estão em permanente disputa.
A simples existência do Plano em uma cidade, considerando seu conteúdo e o
processo metodológico de elaboração3, revelam o grau de conflitos, articulações,
condensações e consensos das demandas da sociedade, ou seja, o Plano enquanto regulação
deveria, em condições ideais refletir o resultado da ação coletiva dos atores sociais e
contemplar as necessidades humanas passíveis de planejamento pelo município para tornar a
cidade ambientalmente habitável e sustentável aos trabalhadores.
Vale ressaltar que as regras capitalistas têm definido os padrões institucionais,
porém há que se considerar que os lugares abrigam singularidades que variam desde a
tradição da cultura política local à competência técnico-política institucional, presente em
cada município, fazendo com que as políticas públicas e o processo de regulação municipal
assumam um caráter próprio. Para Villaça (1999) e Braga (1995) o Plano Diretor como
instrumento de planejamento do município não funcionou nas cidades brasileiras, por uma
série de fatores que, dentre outros, a exigibilidade e a produção por encomenda,
características marcantes desse processo.
Neste sentido, o Plano Diretor, por ser o objeto primário deste trabalho, foi
estudado a partir da contribuição dos autores já citados. Além de Goldim (1995) que faz toda
uma problematização do Plano Diretor como pacto social urbano; Sant’ana (2006) que
apresenta o Plano como um instrumento técnico jurídico e suas regras básicas para
implementação; e Cardoso e Carvalho (2007) que organizaram alguns estudos sobre as
experiências de implantação de planos diretores na Amazônia, o que foi primordial para
ampliar a compreensão desse instrumento no planejamento urbano. 2 Animação cultural entendida aqui como programas, ações, projetos e formação de pessoal que estimulem a vivência das mais variadas formas de lazer pela cidade. 3 De acordo com o Estatuto da Cidade, que orienta a implantação dos Planos diretores, a cidade deve ser planejada mediante a participação popular e prevê uma série de etapas que devem ser cumpridas para a implantação. Ver mais em “ESTATUTO DA CIDADE: guia para implementação pelos municípios e cidadãos”.
23
A outra problemática percebida nas experiências militantes, profissionais e
acadêmicas foi a percepção da lacuna de estudos que dessem conta em problematizar e\ou
apontar caminhos para a consolidação do lazer como direito social nos Planos Diretores
municipais, sobretudo na realidade amazônica. Os poucos estudos sobre a temática do lazer
existentes incidem principalmente sobre políticas públicas (PAIVA, 2009), participação nas
políticas de lazer (MOREIRA, 2008), espaços de lazer (BAHIA, 2008; MOTA, 2008) a região
são tratados pelo campo do turismo regional, o ecoturismo (FIGUEREDO, 2008; BAHIA Et
al., 2008; SAMPAIO, 2005). Desse modo, considerou-se necessário tecer algumas
considerações acerca do processo de desenvolvimento da região amazônica por abrigar as
cidades de Manaus e Belém, lócus da pesquisa, na perspectiva de buscar entender os
condicionantes do Planejamento voltado para o desenvolvimento da região e os nexos
existentes com as políticas de lazer implementadas.
A Amazônia historicamente tem sofrido com as políticas de planejamento
impostas ao seu território com fins no desenvolvimento da região. Do início da ocupação do
território, passando pela Belle Époque aos grandes projetos do século XX, baseados na
máxima do período da Ditadura militar “integrar para não entregar”, a Amazônia padeceu
com políticas ineficazes (SILVA, 2004; CASTRO, 2008; BECHIMMOL, 2009; TRINDADE
JUNIOR, 1998; DAVID CARVALHO, 2006; WALLACE MEIRELES, 2008; RODRIGUES,
1994, 1996 etc.), as quais determinaram a urbanização desordenada e a degradação ambiental
com sérias consequências para a população local.
Na atualidade, ela permanece como “espaço estratégico de acumulação
capitalista” (RODRIGUES, 1996, p. 22) que impõe a esta região um papel de periferia do
sistema econômico em voga, onde ainda se experimenta o paradigma da economia de
fronteira4 (CASTRO, 2006, 2008; TRINDADE JR., s.d), em que o processo de ocupação se
deu a partir das demandas externas e seu desenvolvimento foi marcado por momentos longos
de paralisia e decadência econômica. Por consequência, a maioria dos municípios apresenta
nos rankings nacionais os menores índices em educação, saúde, saneamento, acesso à cultura,
ao esporte, ao lazer etc.
As capitais dos Estados do Pará e do Amazonas, Belém e Manaus, chegam ao
terceiro milênio se afirmando como as metrópoles da Amazônia. Contudo, estas cidades não
ficaram refratárias a esse processo perverso de desenvolvimento regional. Embora,
encravadas na mesma região e terem experimentado historicamente as políticas
4 O paradigma da economia de fronteira é definido por Kenneth Boulding e significa a forma de conceber os recursos naturais como infinitos.
24
desenvolvimentistas, estas cidades acumularam experiências diferenciadas e determinadas,
em parte, pelo espaço geopolítico que ocupam no território Amazônico: Manaus na Amazônia
Ocidental e Belém na Oriental.
Belém, por ter sido a sede da Província e sua posição geográfica privilegiada para
exportação, tornou-se o centro de maior escoamento da produção da Borracha nas Eras
Gomíferas, momento de maior florescimento destas cidades, sobretudo em infraestrutura
urbana (CASTRO, 2008). Belém acumulou por mais de três séculos o melhor desempenho
nos indicadores econômicos e sociais da região norte. Enquanto Manaus por ter uma vasta
área de difícil acesso permaneceu com um baixo nível de ocupação em seu território.
Essas fases aliadas à abertura da Belém-Brasília, à formação de cidades médias
vinculadas a novos empreendimentos desenvolvimentistas na região, sem a criação de postos
de trabalho permanente, postos de saúde, escolas e infraestrutura (água tratada, rede de
esgotos, energia, transporte coletivo insuficiente ou inexistente etc.) provocaram um inchaço
demográfico nestas cidades, gerando o fenômeno da metropolização da Amazônia que
significa a crescente urbanização da região (TRINDADE JR., 1998) provocando um novo
modelo de povoamento da mesma.
Sendo Belém a maior capitalizadora de fluxos migratórios campo-cidade, tem
agonizado as péssimas condições de vida para a maioria da população. Porém, com a
instalação da Zona Franca, no final dos anos 1990, Manaus passa a superar Belém em termos
econômicos e populacionais: PIB (4º do Brasil). Já Belém apresenta uma relativa mudança
em seus índices de Desenvolvimento Humano – IDH, que em 1991 era de 0, 767 passando
para o nível elevado de 0, 806 (PNUD, 2000) 5. No entanto, estes índices não significaram
grandes avanços nas condições de vida da população destas cidades, que acumularam
desigualdades sociais geradas pela crescente urbanização.
Toda análise construída acerca do processo de planejamento para o
desenvolvimento destas cidades foram importantes no sentido de situar historicamente como
as instituições tiveram um papel determinante na definição dos rumos do desenvolvimento
destas cidades para se pensar como o Lazer está sendo tratado em seu Plano Diretor, uma vez
que ele é parte integrante das funções sociais da cidade, portanto deve ser garantido enquanto
política pública.
Sabendo-se o atual estágio do capitalismo, em que tudo vira mercadoria, o lazer
não passaria imune a este tratamento (PADILHA; MASCARENHAS, 2004). A questão é que
o poder público, enquanto instituição, deve implementar políticas de acesso a todos. Tal como 5 Disponível em: http://www.pnud.org.br/atlas/ranking/IDH.htm.
25
a educação e a saúde, o lazer é um benefício público que deve ser garantido a todos
independente se contribuintes ou não do erário público (OLSON, 1999).
Assim, o estudo aqui apresentado partiu da seguinte pergunta científica: De que
forma os Planos Diretores das metrópoles amazônicas avançam ou retrocedem no
sentido da efetivação do lazer como política pública?
A relevância dessa questão se assenta na possibilidade da análise do processo de
desenvolvimento da região a partir de uma política setorial como o lazer. Do ponto de vista
metodológico, as comparações entre as políticas de lazer desenvolvidas nas metrópoles,
Manaus e Belém permitem que essa análise contemple uma escala regional da política. O
estudo demonstra a forma como o lazer tem sido efetivado nas cidades Amazônicas, na atual
conjuntura brasileira, e revela a forma como o poder público nas três esferas federativas
utiliza o Plano Diretor na implementação dessa política setorial.
1.1 Dinâmica Metodológica da Pesquisa
A pesquisa “O lazer no Plano Diretor das Metrópoles Amazônicas: um estudo
comparativo entre Belém e Manaus” definiu como objetivo mais amplo localizar no Plano
Diretor das metrópoles Amazônicas a forma como o direito ao lazer tem sido assegurado à
população. Traçou-se ainda alguns objetivos específicos como: identificar semelhanças e
diferenças na forma de inscrever demandas de lazer nos Planos Diretores de Belém e Manaus;
e identificar em sua estrutura as estratégias de implantação das políticas públicas de lazer, de
forma que assegure o direito ao lazer à todos os cidadãos.
A hipótese que se levantou nesta pesquisa partiu da afirmação que não existe um
padrão amazônico de atuação da gestão municipal nas metrópoles amazônicas. As gestões
municipais ainda reproduzem as experiências específicas de outras regiões do país e as
políticas públicas de lazer estão localizadas no centro das cidades.
Teve como marco teórico no campo das ciências Sociais: o institucionalismo
histórico, a partir da sistematização de Hall e Taylor (2003). Tal vertente do neo-
institucionalismo tem como premissa os estudos das instituições no sentido de destacar que
papel elas tem desempenhado no processo de definição de resultados, saldos políticos e
sociais. A escolha desse marco referencial deve-se ao fato do Institucionalismo Histórico
trazer elementos do campo da ciência política, que nos ajudam a analisar a política pública – o
Lazer, a partir da constituição de uma regra institucional – o Plano Diretor, que em tese foi
26
pactuado no exercício dos conflitos prementes da sociedade. Portanto, é resultado da ação
coletiva dos diferentes atores que atuam na arena do Lazer.
Para além da análise do Plano Diretor como instrumento de regulação identificou-
se, a partir de outros documentos municipais e estatísticos, quais são os saldos concretos da
implementação da política de lazer em Belém e Manaus. Para aprofundar a reflexão sobre o
Institucionalismo histórico foi construída uma sessão no primeiro capítulo deste estudo.
Esta pesquisa é de natureza bibliográfica e documental. Bibliográfica pelo fato de
parte dela ter sido desenvolvida a partir de uma revisão de literatura no sentido de definir com
maior amplitude o referencial teórico da pesquisa. A base da coleta de dados se deu nas
Bibliotecas da UFPA: NAEA, IFCH e Biblioteca Central, Bibliotecas da UNAMA: Central e
de Pós Graduação; sites on line: Google Acadêmico, Scribd, Scielo, Domínio Público, Banco
de Teses da Capes, UNICAMP, IBGE, PNUD, IPEA, INPE, Ministério do Esporte, Cultura,
Meio ambiente, Ciência e Tecnologia, livros e pesquisas acadêmicas (teses, dissertações e
monografias), artigos científicos, periódicos, estudos oficiais estatísticos e de avaliação de
políticas.
Este processo teve como objetivo reunir os estudos históricos e atuais, para assim
construir o estado da arte acerca das categorias de análise deste trabalho, tais como:
a) o Lazer, tendo como referência os conceitos de lazer; o lazer como política pública
no planejamento municipal e nos instrumentos legais; b) Plano Diretor e planejamento
municipal; c) Amazônia e Planejamento; d) Instituições e Institucionalismo Histórico; e)
benefícios públicos e recursos comuns; f) Metrópoles e metropolização; g) Belém e Manaus:
histórias de origens, ciclos econômicos, urbanização e política de lazer local.
Este estudo também se caracterizou como pesquisa documental, por ter sido
parcialmente desenvolvido a partir de documentos avaliados como importantes para desvelar
uma dada realidade e que ainda não tinham sido analisados (GIL, 2002), como: leis
municipais de Belém e Manaus, que trazem definições sobre a política de planejamento
municipal de maneira geral – o Plano Diretor, a LOM6, a LOA7 e o PPA8; os documentos
legais, que apresentam políticas para o esporte, lazer, cultura e turismo; fotos, programas e
espaços de lazer; Mapas; mensagens do Prefeito, Relatório de vereadores, atas de audiências
públicas de revisão do Plano Diretor; e documentos municipais orientadores para a revisão do
Plano Diretor. Todos esses documentos tiveram como finalidade identificar qual o tratamento
está sendo dado ao lazer, enquanto política pública nas cidades de Belém e Manaus. 6 Lei Orgânica Municipal 7 Lei Orçamentária Anual 8 Plano Plurianual
27
O procedimento metodológico utilizado para a análise dos dados foi o estudo
comparativo que Schneider e Schmitt (1998, p. 01) resumem da seguinte forma:
É lançando mão de um tipo de raciocínio comparativo que podemos descobrir regularidades, perceber deslocamentos e transformações, construir modelos e tipologias, identificando continuidades e descontinuidades, semelhanças e diferenças e explicitando as determinações mais gerais que regem os fenômenos sociais.
A utilização do estudo comparativo tornou-se fundamental nesta pesquisa, pois
teve como campo de desenvolvimento duas cidades. Apresentando resultados significativos
na explicação de situações análogas e/ou contrastantes e uma certa sincronia, por estarem
localizadas na mesma região, portanto, disporem de “um ou mais pontos de origem comum”
(ibdem, p. 33).
A análise sobre a temática enfocou o lazer como política pública. Para tanto,
buscou-se documentos que indicassem os padrões que deveriam nortear as políticas públicas
no campo do lazer, identificando as ações do Estado, especificamente do poder público
municipal, e investigando em que medida estas reforçam o lazer como benefício público para
a população ou incentivam o “mercolazer”.
O período de abrangência da pesquisa compreendeu o exame dos planos diretores
elaborados após a aprovação do Estatuto das Cidades, pois este é um marco histórico fruto da
ação coletiva dos atores sociais brasileiros. Este Estatuto, em tese, recepcionou várias
demandas da sociedade e, portanto, é o instrumento base da ação institucional para o
planejamento da cidade.
Para a coleta e análise dos dados realizou-se a “identificação, levantamento,
exploração de documentos fontes do objeto pesquisado e registro das informações retiradas
nessas fontes” (SEVERINO, 2007, p.124). Os documentos selecionados tiveram uma ordem
de análise de acordo com sua importância na metodologia utilizada. Como fontes primárias
foram considerados: a Constituição de 1988, o Estatuto da Cidade, os Planos Diretores de
Belém (2008) e Manaus (2002); a Lei Orgânica do Município (LOM), a Lei Orçamentária
Anual (LOA), o Plano Plurianual 2009/2013 do Município de Belém e Manaus. Tais
documentos foram listados e analisados, com a finalidade de localizar, o que de fato, estas
cidades conseguiram cumprir e o que consta em seus planos, com relação ao lazer, como
benefício público e as determinações da legislação brasileira.
Outra parte da análise documental concentrou-se em documentos que sintetizam
em que consiste o lazer na visão da gestão pública: relatórios técnicos ligados ao processo de
elaboração e monitoramento dos planos diretores das duas cidades; documentos que
28
representam o pensamento e deliberação da sociedade civil organizada; plataformas de luta de
ONGs e movimentos sociais ligados à luta pela reforma urbana na Amazônia; Atas de
assembleias e ou reuniões com a população sobre o Plano Diretor de Belém e Manaus;
registro das questões e proposições apresentadas por membros da sociedade civil durante os
Seminários Pró-elaboração do Plano Diretor; registros na imprensa escrita e digital do
processo de Elaboração do Plano Diretor; Projeto de Lei do Plano Diretor do Município de
Belém e de Manaus.
A sistematização dos dados encontrados para o procedimento da análise
comparativa deu-se por meio de indicadores que estudiosos do campo do lazer vêm apontando
como possibilidade da ação estatal no sentido de estruturar uma efetiva política pública de
lazer nas cidades. São eles:
a) concepção de Plano Diretor que tem predominado nas cidades brasileiras.
b) gestão democrática: em que seja percebida a ação coletiva na gestão da cidade;
c) concepção de lazer presente no Plano: como benefício público ou mercolazer;
d) a garantia de espaços físicos específicos para o lazer: públicos e ambientalmente
equilibrados para as práticas de lazer, política redistributiva onde se note a “justa distribuição
dos benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização”. (INSTITUTO POLIS, 2001,
p. 34);
e) política de conservação e manutenção dos espaços de lazer;
f) a animação cultural para fomento e difusão do lazer. Animação cultural entendida
como programas, ações, projetos, recursos humanos e programa de formação de pessoas para
atuação na área do lazer (MARCELLINO, 2007; CASTELLANI, 2007; MELO, 2003, 2006;
EWERTOM, 2010);
g) os investimentos financeiros para a política de lazer nas cidades;
Neste sentido, os resultados da investigação cientifica foram organizados em três
capítulos distintos e complementares. O primeiro momento desta pesquisa introduz a temática
do lazer e suas implicações na realidade amazônica. Em um subitem intitulado Dinâmica
metodológica da Pesquisa é apresentado o marco teórico e os caminhos metodológicos
utilizados nesta investigação.
O segundo momento intitulado “O lazer e as políticas setoriais: a construção de
um benefício público” foi dividido em quatro seções. Na primeira seção, discorreu- se sobre o
marco teórico deste estudo, traçando algumas considerações sobre as instituições e o debate
sobre o benefício público e os recursos comuns, trabalhando-se assim alguns conceitos
necessários a análise da pesquisa como o papel das instituições e o institucionalismo histórico
29
como matriz analítica para se refletir as políticas públicas de lazer. No segundo item, fez- se
um levantamento da produção científica sobre o lazer, buscando problematizar alguns
conceitos. No terceiro item, “Lazer nas políticas públicas: aproximações históricas do
surgimento do lazer como direito”, foram destacadas passagens históricas do surgimento do
lazer e sua afirmação na sociedade como um direito social. No quarto item “O lazer como
beneficio público e o debate sobre os recursos comuns” argumenta-se a adoção desse enfoque
de lazer como benefício público e como recurso comum ancorado no pensamento de Olson
(1999) e Elinor Ostrom no sentido de aproximar e valorizar a defesa do lazer como condição
necessária à vida e passível de tratamento como política pública em uma análise teórica do
lazer em que os interesses dos atores e agentes que operam na arena do lazer. O quarto item
abordou a história do lazer como demanda qualificada nos planos diretores e no quinto as
relações federativas na configuração das políticas de lazer presentes nos planos diretores.
O terceiro momento do texto traçou um panorama sobre o lazer e o planejamento
urbano na Amazônia. Tecendo inicialmente uma análise do processo de crescimento e
desenvolvimento urbano na mata; o lazer no planejamento urbano na Amazônia; Belém e
Manaus, metrópoles da mata: aproximações e contrastes; o lazer e o plano diretor das
metrópoles amazônicas: questões para análise.
No quarto momento são apresentados os dados encontrados acerca da pesquisa
documental e o procedimento metodológico do estudo comparativo sobre o lazer como
benefício público, portanto, como política pública a partir da análise do plano diretor e dos
outros documentos como: Plano Diretor antigo e o atualizado, LDO e relatórios de audiências
públicas, seminários e/ou conferências de revisão do Plano Diretor e Mensagens do Prefeito
das duas cidades investigadas.
Nas considerações finais demonstrou-se que a temática do lazer é tratada nos
instrumentos legais do Brasil apresentando-se como positivas no sentido de afirmar o lazer
enquanto benefício público. No entanto, o Plano Diretor das cidades Amazônicas apresenta
baixa capacidade de aplicabilidade tornando-se, por isso, um novo desafio para os atores
sociais, que atuam na arena do lazer, intervir para reivindicar a exigibilidade do direito ao
lazer nas políticas públicas, como benefício público às três esferas de poder.
2. O LAZER E AS POLÍTICAS SETORIAIS: A CONSTRUÇÃO DE UM BENEFÍCIO
PÚBLICO
30
A pesquisa sobre o lazer no Plano Diretor das Metrópoles Amazônicas tem como
caminho orientador as teorias da ciência política, pois busca identificar nas políticas públicas
o lazer como benefício público, como demanda qualificada nos Planos Diretores de Belém e
Manaus. Para tanto, o caminho trilhado para esta reflexão parte da compreensão de que é
necessário refletir inicialmente sobre a sociedade atual e o papel que as instituições têm
exercido na definição das políticas públicas e na afirmação do lazer como benefício público.
Neste cenário, identificam-se o Estado, a sociedade civil e as leis como forças legítimas do
atual sistema em desenvolvimento, sendo estes os atores políticos e sociais que atuam na
arena do lazer no contexto atual.
Neste sentido, este capítulo discute as bases teóricas em que esta investigação se
apóia. Apresenta inicialmente o debate sobre instituições, o conceito de benefício público e
recursos comuns, em seguida aborda os diversos estudos científicos sobre o conceito de lazer
e a concepção do lazer como resultado da ação coletiva no qual buscou o pensamento de
Mancur Olson (1999) para pensar essa dimensão. Em seguida, trata sobre o processo
histórico de construção desse direito procurando pensar o lazer no campo das políticas
setoriais aproximando as relações federativas na configuração das políticas de lazer no Brasil.
2.1 Algumas considerações sobre instituições e o debate sobre benefício público e
recursos comuns
Este item enfoca as bases teóricas em que se situa a pesquisa. Como o tema trata
de políticas públicas optou-se pelo neoinstitucionalismo, como caminho para o estudo sobre
as instituições e sua importância na compreensão da sociedade atual (HALL; TAYLOR,
2003; LEVI, 1991). O estudo centra-se em uma das facetas do neoinstitucionalismo - o
institucionalismo histórico, como a matriz teórica para se compreender a dinâmica de reflexão
acerca do lazer na realidade atual a partir das contribuições de (HALL; TAYLOR, 2003;
NORTH, 2009). Em seguida aborda-se o conceito de Estado em um diálogo com a visão de
North (2009). Faz-se ainda uma reflexão sobre a ideia de lazer enquanto benefício Público
dialogando com Mancur Olson (1999) sobre benefício Público e recursos comuns baseados no
pensamento de Elinor Ostron e uma síntese político-pedagógica dos conceitos a partir da
contribuição de Ravena (in CASTRO, 2006).
31
2.1.1 A teoria das instituições e o neoinstitucionalismo
As instituições são invenções dos homens. Uma vez criadas, elas acabam por
limitar as preferências de quem as criou ou das próximas gerações. Dessa forma, ocorre o que
Margaret Levi (1991) chama de “dependência de trajetória”. Com isso, deve-se considerar
que sempre haverá instituições, pois existe uma permanente necessidade de ser garantido aos
homens o direito de viver em sociedade e, para tanto, há a necessidade de um ordenamento
nas relações de uso dos recursos e do poder. Há, também, de se considerar que os interesses
são diferenciados tanto para quem define as regras quanto para aqueles que são atingidos por
elas. Sendo assim, o que tem de fato ocorrido é uma apropriação dos recursos e do poder de
maneira desigual e é neste sentido que surgem as instituições, como saída estruturante de
formas de controle das relações humanas.
Pode-se relacionar instituições a regras capazes de determinar os mecanismos de
acesso e restrição aos recursos e ao poder. Qualquer mudança nas estruturais institucionais
deve passar pela superação do problema da “redistribuição dos recursos de poder coercitivo e
de barganha dentro de uma instituição” (LEVI, 1999, p. 80).
Douglas North (apud LEVI, 1991) define instituição como sendo a competência
em definir posições e de obter estruturas sistemáticas de executar decisões. As instituições
caracterizam-se por “reduzirem os custos de transição” para manter contratos. Possuem
habilidade em definir posições assim como por contrair novos custos. Outras características
inerentes às instituições são as regras que regulam os comportamentos recorrentes e a sua
duração relativa. Daí reside o fato das instituições serem tão difíceis de mudanças e,
consequentemente, que tais modificações sejam assimiladas pela sociedade. As regras são
uma marca das instituições, por isso, elas tornam-se um motivo relevante na investigação das
instituições (LEVI, 1999).
O neoinstitucionalismo, por dedicar-se a estudar os diversos interesses sociais, é
um modelo de análise adequado para se investigar as instituições e as políticas públicas.
Segundo Hall e Taylor (2003), o neoinstitucionalismo possui três diferentes abordagens que
surgiram como “reação contra as perspectivas behavioristas, que foram influentes nos anos 60
e 70. Todas elas buscam elucidar o papel desempenhado pelas instituições na determinação de
resultados sociais e políticos” (ibdem, p. 193-194). Portanto, não se configura como uma
corrente unificada. O enfoque marxista9 também se tornou uma base de crítica e que sustentou
9 De maneira também resumida e arbitrária, pode-se dizer que a análise marxista parte das relações entre economia, classes sociais e Estado. As relações de classe são essencialmente relações de poder, constituindo o
32
o aparecimento do neoinstitucionalismo. Cada um desses enfoques, portanto, identifica o
Estado de maneira diferente, sendo que na visão pluralista e na marxista o olhar é o mesmo:
se atribui a sociedade os incentivos seletivos capazes de provocar as respostas e/ou mudanças
na ação do Estado.
Hall e Taylor (2003) discutem a existência de três facetas neoinstitucionalistas: a
da escolha racional10, o sociológico11 e o institucionalismo histórico. Esta última vertente é a
que fundamenta este estudo científico e passará a ser detalhada com vistas a estabelecer as
relações necessárias com a questão da pesquisa.
Alguns estudiosos (HALL; TAYLOR, 2003; NORTH, In. FENDT, 2009),
afirmam que o Institucionalismo Histórico é um caminho teórico que favorece os estudos para
a compreensão das instituições, no sentido de destacar que ação elas têm desempenhado no
processo de definição e até mesmo na deliberação, nos resultados e saldos no campo político e
social.
A visão de disputa dos recursos escassos pelos diversos grupos na sociedade é
vista como uma questão basilar da vida política, porém, para o institucionalismo histórico,
cada vez mais foi se impondo a necessidade de maiores e melhores respostas a gama de fatos
políticos, que têm como foco a divisão desequilibrada do poder e dos recursos. Neste sentido,
ganha importância o estudo das instituições, principalmente no que se refere ao debate sobre a
forma como “a organização institucional política e estruturas econômicas entram em
conflito”. (HALL; TAYLOR, 2003, p. 194). Os institucionalistas históricos se preocupam
tanto com as políticas oficiais quanto com as instituições mais amplas.
Nessa abordagem teórica o Estado não é neutro. Ele é concebido com o conjunto
complexo de instituições, com o poder de construir a origem, o planejamento e os resultados
oriundos da disputas entre os grupos. É um elemento ativo, com um grau significativo de
importância nos rumos da sociedade.
instrumento analítico para a interpretação das transformações sociais e políticas. As políticas estatais aparecem como reflexo dos interesses do capital, seja como fruto do Estado visto como mero “comitê” destinado a gerir os negócios comuns a toda a burguesia, seja como resultado da ação de um Estado dotado de uma “autonomia relativa”, mas que em “última instância” vela pelos interesses do capital (ROCHA, p.13). 10 O neoinstitucionalismo da escolha racional segundo Hall e Taylor (2003) parte da compreensão dos direitos de propriedade, as rendas, os custos de transação são fundamentais para o desenvolvimento e o funcionamento das instituições. [...] a partir dos anos 1990 os teóricos da escola da escolha racional interessaram-se também pela explicação de um certo número de outros fenômenos políticos, entre os quais o comportamento das coalizões segundo os países, o desenvolvimento histórico das instituições políticas e a intensidade dos conflitos étnicos (HALL; TAYLOR, 2003, p. 204). 11 Os sociólogos institucionalistas em geral escolhem uma problemática que envolve a explicação de por que as organizações adotam um específico conjunto de formas, procedimentos ou símbolos institucionais, com particular atenção à difusão dessas práticas. Os teóricos dessa escola tendem a definir as instituições de maneira muito mais global do que os pesquisadores.
33
Quanto à visão sobre instituições elas são concebidas como “[...] os
procedimentos, protocolos, normas e convenções oficiais e oficiosas inerentes à estrutura
organizacional da comunidade política ou da economia política.” (HALL; TAYLOR, 2003,
196). O institucionalismo histórico, vertente que fundamenta este estudo científico, identifica
as instituições como mais um elemento capaz de influenciar o cotidiano da vida política. Elas
são parte de um complexo de motivos como a propagação de pensamentos e o próprio
processo de desempenho socioeconômico.
Neste conceito cabe pensar-se que as leis de um país são instituições e dessa
forma o Plano Diretor das cidades se enquadram como instituição normativa que pode
influenciar no processo de desenvolvimento da vida política e socioeconômica de uma cidade.
2.1.2 O Estado como instituição
A história da humanidade é a busca incessante para transformar a natureza em seu
favor e, ao longo da história, nota-se que essa busca se deu de maneiras diferentes nos
diversos territórios do globo, pela própria forma de como cada povo foi se relacionando com
o meio ambiente, isso gerou conhecimentos políticos, econômicos, sociais, culturais e
ambientais; diferenciados, e gerou necessidades diferenciadas.
De acordo com Douglass North (In. FENDT, 2009) a história da humanidade é a
historia da inquietação do ser humano em melhorar o meio em que vive. Por isso todas as
estratégias criadas nessa direção levam o sujeito a conviver cotidianamente com o risco e a
incerteza. Ele explica que o risco é uma terminologia utilizada para identificar episódios, em
que os produtos são atribuídos a uma possibilidade. Já a incerteza está reservada “para os
eventos a que não se pode atribuir uma distribuição de probabilidade de sucesso” (NORTH.In.
FENDT, p. 05).
O citado autor diz que nessa tentativa de buscar formas de viver bem em seu
ambiente, de diminuir as incertezas, o homem cria instituições. Em suas palavras ele diz que
“[...] procuramos transformar incerteza em risco. É com esse objetivo que criamos instituições
que conformam um conjunto de regras e que, juntamente com nossas crenças, são as
ferramentas que produzimos para lidar com a incerteza” (ibdem, p. 05).
Douglass North destaca ainda que os seres humanos também convivem no dia a
dia com a competição dos recursos disponíveis na natureza, os quais são cada vez mais
escassos. A partir desse cenário as instituições são criadas para regrar esse jogo competitivo
34
que se estabelece para a aquisição e boa utilização desses recursos escassos. Porém, é preciso
compreender que tais regras criadas, se forem boas, serão capazes de levar ao sucesso e a
eficiência no uso dos recursos. Ao contrário, se ineficientes, elas podem levar uma sociedade
a estagnação econômica (ibdem). Assim, o Estado surge na sociedade enquanto instituição,
para regular as relações sociais, políticas e econômicas. É importante considerar que existem,
no pensamento acadêmico, várias visões sobre o Estado moderno, surgido a partir do modo de
produção capitalista. Interessa, portanto, neste estudo a reflexão acerca do Estado regulador,
caracterizado pelo Estado neoliberal e transnacional (VERONEZ, 2005) que trouxe novas
formas de lidar com o poder e a sociedade.
O modo de produção capitalista, apoiado no estado liberal que provocou a corrida
dos trabalhadores para os aglomerados urbanos, acabou por ter que administrar as
necessidades de vida digna deste seguimento social com exigências cada vez mais complexas,
à medida que a urbanização vai se intensificando. Assim o modelo de estado liberal vai
cedendo lugar ao modelo em que o Estado passa a criar condições básicas de proteção social,
como seguros, pensões, etc. O Estado de “bem estar”12 foi uma estratégia para conter os
conflitos capital-trabalho e frear a onda socialista que já se espalhava pela Europa, no final do
século XIX. A perspectiva era aumentar a dependência do trabalhador ao Estado. Segundo
Antunes (2004, 09),
[...] sob o capitalismo o trabalhador frequentemente não se satisfaz no trabalho, mas se degrada: não se reconhece, mas muitas vezes recusa e se desumaniza no trabalho. [...] o trabalho é uma atividade central na história humana, em seu processo de sociabilidade e mesmo para sua emancipação. Por outro lado, com o advento do capitalismo, houve uma transformação essencial, que alterou completamente o trabalho humano.
Acredita-se que nunca a sociedade humana experimentou nos seus mais
diferentes períodos históricos, um estado como o pautado no liberalismo13, tendo em vista o
bem comum, o que se experimenta na realidade, sobretudo a brasileira, é a distância entre as
normas constituídas, as políticas públicas implementadas e as reais necessidades dos
trabalhadores, que padecem com as constantes mudanças nas regras institucionais. Com o
advento neoliberal e a própria reforma do Estado com a Constituição de 1988. 12 Veronez chama atenção para o que muitos especialistas avaliam como “estado de mal estar social” por não ter atingido e não responder aos interesses dos trabalhadores, sem melhorias nas condições de vida e que foi ampliado nas desigualdades sociais (VERONEZ, 2005). 13 Visão romântica da realidade onde o Estado é visto como uma instituição que está acima da sociedade e por isso age livremente a partir de suas leis. Na atualidade o termo é utilizado em diferentes sentidos em alguns países, por exemplo, nos Estados Unidos a expressão representa um pensamento da esquerda, já na Europa como Inglaterra e Alemanha, representa um pensamento conservador. Ver mais em Bobbio (1998, p. 686-705).
35
Cabe ratificar, portanto, que o Estado não é neutro e é capaz de mediar os
interesses conflitantes em disputa, ele se configura como “um complexo de instituições capaz
de estruturar a natureza e os resultados dos conflitos entre os grupos” (HALL; TAYLOR,
2003, p. 195).
2.1.3 O conceito de benefício público e recursos comuns
A visão de equidade, de possibilidade que todos na sociedade tenham o direito de
acessar determinados bens básicos a sua condição de humanidade. O campo da economia que
se debruçou sobre esta questão buscou com maior rigor estudos sobre as formas e estratégias
para o uso adequado dos bens comuns. Ver-se-á na reflexão de Mancur Olson a ideia de
benefício público, que por sua vez, se aproxima do debate acadêmico sobre os recursos
comuns no campo das ciências sociais e da economia ambiental, principalmente os estudos
desenvolvidos por Elinor Ostrom sobre recursos comuns. Este item traz essas reflexões que
são as bases da discussão sobre o lazer como benefício público.
O Estado e a sociedade civil são instituições ativas no encadeamento da sociedade
nesta nova configuração do capitalismo. O Estado tem como uma de suas tarefas garantir à
sua população o uso de seu território e o usufruto dos benefícios públicos. Mancur Olson
(1999), em seus estudos sobre ação coletiva apresenta uma visão de Estado como um
benefício para a população quando diz: “todo governo é economicamente benéfico para seus
cidadãos, no sentido que a lei e a ordem que ele proporciona são um pré-requisito essencial
para toda e qualquer atividade econômica civilizada” (ibdem, p. 25).
O conceito de benefício público foi apropriado pelo pensamento acadêmico da
economia e segundo Olson é um dos mais importantes conceitos no campo das finanças
estatais. O autor chama atenção para o fato do Estado não conseguir sobreviver sem uma
contribuição obrigatória, pois as contribuições voluntárias ou a venda dos serviços não seriam
capazes de garantir um bom funcionamento da máquina estatal. Dessa forma, ele reforça a
ideia dos impostos como a forma adequada do Estado viabilizar os benefícios públicos. Em
seu estudo ele tipifica os benefícios públicos como os serviços das forças militares, da polícia,
o aparato da lei e do ordenamento da sociedade, como exemplos de benefícios, que atingem
toda coletividade de maneira geral.
36
Olson trata benefícios públicos como sinônimos de benefícios comuns ou
coletivos e postula que tais benefícios são concedidos pelo poder público à população em
geral indistintamente. Define-os como:
[...] qualquer benefício que, se for consumido por qualquer pessoa Xi, em um grupo X1, ..., Xj, ..., X11, não pode viavelmente ser negado aos outros membros desse grupo. Em outras palavras, aqueles que não pagam por nenhum dos benefícios públicos ou coletivos que desfrutam não podem ser excluídos ou impedidos de participar do consumo desses benefícios [...] (OLSON, 1999, p. 26-27).
Assim Olson postula que tais benefícios são de natureza organizacional e
garantidos a toda coletividade, independente de quem pode ou não pagar pelo serviço. Nessa
direção, Ostrom, que discute economia ambiental, trava uma reflexão sobre recursos comuns,
que mesmo sendo diferente do conceito de benefício público (RAVENA, 2006), se aproxima
de sua reflexão, pois a ideia de equidade está presente.
Segundo Ravena (ibdem) o debate acadêmico acerca dos recursos comuns tem
sido construído sobre as bases da Teoria da Ação Coletiva, voltada para a investigação da
ação de possibilitar os bens públicos. Geralmente, nestes estudos são utilizadas categorias
como: “bem coletivo, tamanho dos grupos, incentivos seletivos e noticiability para interpretar
a apropriação desses recursos, como também predizer modelos de gestão, baseados em novos
formatos institucionais, para estes recursos” (ibdem, p. 95).
Cabe, portanto, identificar brevemente esse debate sobre recursos comuns, a partir
do que Ostrom conceitua. Ela diz que eles são: “[...] sistemas de recursos naturales usados por
varios individuos pueden ser clasificados como recursos de acervo común” (OSTROM, 2002,
p.50). Para Ostrom, os exemplos de recursos de acervo e/ou bens comuns incluem tanto
“sistemas naturales como sistemas hechos por el hombre, los cuales abarcan”, ou seja, se
caracterizam tanto pelos sistemas naturais como pelos artificiais e são de difícil exclusão para
os usuários na hierarquia dos bens necessários à vida humana, assim como apresentam um
baixo grau de rivalidade pelo seu uso, por isso, são categorizados como públicos. Aqueles
recursos ou bens que apresentam um alto nível de exclusão do acesso e um alto grau de
rivalidade no seu uso são considerados um bem privado.
O pensamento de Ostrom exemplifica como recursos/bens comuns naturais
ascuencas de aguas subterráneas, sistemas de riego, bosques, pastizales, computadoras bacias
subterrâneas, sistemas de irrigação, florestas, pastagens; e como artificiais, computadores,
servidores, fondos gubernamentales y corporativos y la Internet, funcionários, governo e
37
fundos da empresa e da Internet. Desse modo, a reflexão dos recursos comuns postula a ideia
que tais bens podem ser renováveis e não renováveis.
A autora cita o petróleo como um recurso comum não renovável diferentemente
dos peixes. No caso do petróleo, o que se observa é quanto mais se retira da natureza esse
recurso a tendência é o seu esgotamento, em oposição aos peixes que por serem seres vivos
têm a capacidade de manejo para reprodução e, dessa forma, renovar-se no espaço-ambiente
(ibdem). Nota-se que em relação aos bens construídos pode acontecer o mesmo fato, como a
utilização das redes de internet que apresentam ainda alto grau de exclusão e dificuldade no
acesso, mas é uma fonte renovável.
Há que se considerar que tanto os recursos comuns como os bens públicos e
privados têm como característica a impossibilidade de atuar com a exclusão e a subtração,
respectivamente. Os recursos comuns (Commom Pool Resources) estão relacionados aos
recursos naturais ou construídos, que mesmo sendo muito grandes e caros “quando é objeto
de apropriação e/ou provimento, mas que ao mesmo tempo permite a exclusão de potenciais
beneficiários de seu uso” (RAVENA, 2006, p. 96).
Neste trecho do pensamento de Ravena é apresentada a diferença entre recursos
comuns e benefícios públicos, quando trata da característica de cada um, respectivamente,
apontada por Elinor Ostrom.
Basicamente há o sistema de recurso e as unidades de recursos. Esta diferença é muito importante em função da característica do recurso. O sistema de recurso compreende o estoque de variáveis que permitem, em condições favoráveis, a produção de um máximo de unidades de recurso sem danificar o estoque original. Essa dessemelhança é fundamental para o estudo de recursos renováveis como a água subterrâneas, etc. É esta distinção que permite a avaliação do grau de reposição do recurso em quantidade, para manter o sistema de recursos sustentável no tempo. [...] Se tanto Benefícios Públicos, como CPRs, tem problemas quanto à ocorrência de comportamentos do tipo “carona”, as unidades de CPRs, uma vez consumidas, reduzem o estoque do recurso. Um Benefício Público como segurança, por exemplo, se consumido por um número maior de indivíduos do que os que foram responsáveis pela provisão desse bem. O consumo maior não diminuirá o nível total do benefício (ibdem, p. 06).
Portanto, a diferença sutil e significativa entre benefício público e recursos
comuns reside no fato de aquele que colabora para o fornecimento de um benefício público
não está preocupado se tal benefício será utilizado por outrem, tão pouco importa a este, a
forma de como foi utilizado e que tipo de colaboração foi imputada para que seja eficaz o
provimento do benefício público. Já nos Recursos Comuns, as informações acima que são
desprezadas, ganham aqui uma grande importância, pois faz-se necessário obter informações
de “ quantos são os que vão acessar o recurso, quando, onde e se todos contribuíram para a
provisão do CPR” (ibdem, p. 97).
38
Segundo Ravena, nos dois casos, tanto na questão dos recursos comuns como nos
benefícios públicos, cabe estar atento a duas problemáticas: a da exclusão e a da sobre-
exploração do recurso, a qual pode levar a extinção do mesmo. Assim, surgem os estudos dos
teóricos na economia ambiental motivados pela preocupação com o uso, manejo e gestão dos
recursos comuns. São nessas problemáticas que se debruçam tais teóricos, e um deles Elinor
Ostrom apresentou resultados consistentes no sentido de apontar formas de gestão que
valorizam a ação coletiva baseada na organização de pequenos grupos.
O ponto de arremate das reflexões traçadas neste item aponta para a compreensão
da reflexão sobre o papel relevante que o Estado tem, enquanto instrumento político-jurídico,
de assegurar à sociedade a possibilidade de atingir maiores níveis de equidade social e, por
sua vez, assegurar a prerrogativa da provisão de benefícios públicos, da gestão dos recursos
comuns, no sentido de garantir para a sociedade, principalmente, o bom uso desses bens.
Neste sentido, pode-se dizer que o lazer deve ser um exemplo de benefício
público, uma vez que é um direito da sociedade brasileira e, portanto, não pode ser negado a
nenhum dos habitantes, independente de quem paga impostos, visto que, é dever do poder
público ofertar esse serviço a toda população. Nesta direção os equipamentos de lazer naturais
(praias, rios, florestas, cachoeiras, etc.) e construídos (praças, parques, museus, bibliotecas,
quadras esportivas, etc.). sobremaneira as características e os dilemas de exploração e uso
como commons. Por outro lado, no processo de desenvolvimento capitalista identifica-se uma
série de práticas de lazer que estão nos marcos do lazer privado e, desta forma, apresentam
um alto nível de exclusão e alta rivalidade no seu acesso, que já se enquadram nos padrões do
“Mercolazer”: “forma contemporânea e tendencial de manifestação do lazer como
mercadoria” (MASCARENHAS, 2004, p. 80).
Sendo assim, tal direito se apresenta como uma faceta híbrida na atual realidade
sendo praticamente uma disputa na sociedade a manutenção do mesmo como um benefício
público e, portanto, um dever do Estado. Afinal, ele está assegurado como direito social nos
marcos legais brasileiros, é uma conquista coletiva e um dever do poder público assegurá-lo a
toda população, independente de quem paga ou não os impostos municipais.
No entanto, é necessário identificar o que vem a ser lazer. O que aponta a
produção científica sobre o tema, o que marca o surgimento do lazer na sociedade moderna e
qual a sua trajetória de desenvolvimento nas políticas públicas no Brasil. Tais questões serão
refletidas na próxima sessão.
39
2.2 O que aponta a produção científica sobre o lazer
Alguns estudos sobre o tema foram identificados desde o século XVIII, mas o
lazer tomou grandes proporções na sociedade planetária no século XX. A catalogação de
trabalhos sobre a temática do lazer no Brasil realizada por Elza Peixoto até maio do ano de
2006 registrou 2.624 estudos registrados desde 1891 a 2006, que vão de livros a artigos em
periódicos, em eventos etc. (PEIXOTO, 2007). O universo acadêmico, principalmente, a
partir das três últimas décadas do século passado, absorveu de maneira tal a temática como
campo teórico, que diversos estudos científicos, sob diferentes olhares, foram produzidos,
gerando um crescimento significativo de mestres, doutores e outros intelectuais dedicados aos
estudos, pesquisas e publicações sobre o tema. E, por conseguinte, tais reflexões teóricas,
sobretudo no Brasil, alimentaram ações e políticas públicas para o setor.
No Brasil, pode-se dizer que o debate acerca do lazer é recente e intrigante, pois
estamos a aproximadamente quarenta anos acumulando teoricamente este tema. Por isso,
existem diversos conceitos sobre o termo, baseados em vários campos de pensamento
filosófico, e que têm provocado inúmeros debates acalorados em eventos e produções
científicas na área com maior ou menor grau de consensos e conflitos. Consequentemente,
existem diferentes abordagens sobre o conceito de lazer e seu significado na sociedade atual.
Sem ambicionar esgotar o debate e nem pretender incluir toda a produção
existente no campo, este item objetiva levantar reflexões de alguns conceitos de estudiosos
que têm alimentado as pesquisas sobre a temática e apontar a compreensão que se defende
sobre lazer.
Deve-se considerar que grande parte das disputas de ideias na academia tem se
dado, a partir de um mote fundante que é a compreensão da realidade, em uma perspectiva de
reprodução do status quo ou de transformação. Sabe-se que ao longo da trajetória histórica da
humanidade, muito se escreveu para afirmar uma ideologia dominante. As pesquisas
produzidas na Alemanha no período do Nazismo para afirmar a raça ariana como superior é a
prova mais evidente dessa forma de manipulação do mundo acadêmico. Por outro lado, sabe-
se que as ideias de Karl Marx provocaram mudanças de paradigmas sobre a realidade que
motivaram transformações não só na produção científica como influenciaram a queda de
regimes totalitários no mundo. Por conseguinte, está claro que a ciência não é neutra e como
tal tem servido para negar, manter ou apontar a mudança de uma dada realidade.
Do mesmo modo, considera-se que os estudos no campo do lazer não fugiram a
essa regra básica. O debate acerca do tema sempre esteve envolto em algumas questões que
40
são: ele tem servido a reprodução ou transformação social? Desde quando o lazer passa a ser
investigado sob que interesses? O lazer já aparecia na literatura na Europa desde o século XIX
e estava concebido somente como tempo disponível após as ocupações. Em obras dos anos
1930 já aparece como distração, uma ocupação vivida a partir de uma livre escolha no período
de não trabalho (DUMAZEDIER14, 1973).
É consenso entre os pesquisadores que Dumazedier tornou-se um dos pensadores
na área do lazer que influenciou sobremaneira a formação de um campo teórico sobre o lazer,
nomeadamente no Brasil. Entre outros elementos, ele apresenta a reflexão que o lazer possui
funções ‘mágicas’ dos três Ds: divertir, descansar e desenvolver o indivíduo. Nos quais, o
divertimento pode ser considerado sinônimo de entretenimento, distração, passatempo
agradável; o descansar estaria associado ao efeito de recarregar as energias perdidas com todo
o processo de envolvimento com o trabalho; já o desenvolver seria um tempo possível para a
vivência, as experiências no plano social. Dumazedier, assim, vai definir o lazer como: conjunto das ocupações às quais o indivíduo pode entregar-se de livre vontade, seja para repousar, seja para divertir-se, recrear-se e entreter-se ou ainda para desenvolver sua formação desinteressada, sua participação social voluntária, ou a livre capacidade criadora, após livrar-se ou desembaraçar-se das obrigações profissionais, familiares e sociais (ibdem, 34).
Nesse olhar o autor aponta o lazer como um agrupamento de ocupações que o
indivíduo pode dispor no tempo do não-trabalho e a partir de um interesse subjetivo, capaz de
provocar as funções citadas. A ideia de lazer subjetiva com uma certa dose de desarticulação
histórica está presente na produção deste autor e nos remete a pensar o lazer como livre
arbítrio do indivíduo vivê-lo ou não. Tal produção também se manteve omissa, no sentido de
apontar um caráter histórico do lazer como uma conquista dos trabalhadores na sociedade
urbano-industrial, portanto, fruto de uma ação coletiva.
O pensamento de Dumazedier, sobretudo no Brasil, influenciou uma série de
estudos sobre a temática, principalmente nos anos 1960, 1970 e 1980, tanto no sentido de ir
ao encontro desse pensamento quanto para a construção de críticas. Talvez o momento
histórico em que este pensamento foi produzido e reproduzido, nos anos 60/70 e parte dos
anos 80, período este em que se verificou o avanço do capitalismo, a guerra fria, o duro
processo de repressão dos trabalhadores e a implantação de governos ditadores no mundo,
principalmente nos países da América latina, o conceito de Dumazedier representou também 14 Jofre Dumazedier foi estudioso do lazer, com formação em sociologia, sua obra influenciou a produção científica no Brasil neste campo teórico, principalmente nos anos 1970 e 1980. Veio ao Brasil por várias vezes para realizar formações sobre o tema para o SESC de São Paulo. Orientou trabalhos de pesquisa sobre o tema de estudiosos como Luis Otávio Camargo, Renato Requixa e Nelson Carvalho Marcellino.
41
uma mensagem na qual o lazer deveria ser uma fórmula genérica a ser consumida para a
satisfação individual, como remédio para os males.
Vários autores seguiram a linha de raciocínio de Dumazedier. Camargo (1986) vai
fazer um recorte histórico importante quando reconhece o lazer como uma prática vivenciada,
num tempo livre, conquistado na relação capital/trabalho. Em suas palavras, ele concebe o
lazer como um: [...] conjunto de atividades gratuitas, prazerosas, voluntárias e liberatórias, centradas em interesses culturais, físicos, manuais, intelectuais, artísticos e associativos, realizadas num tempo livre, roubado ou conquistado historicamente sobre a jornada de trabalho profissional e doméstico e que interferem no desenvolvimento pessoal e social dos indivíduos (ibdem, p. 97).
Para Requixa (1980), outro estudioso do tema que também se alimentou das idéias
de Dumazedier, o qual inclusive mantém em seu conceito a ideia de lazer como uma opção
individual. Ele define lazer como uma ocupação livremente escolhida pelo indivíduo capaz de
provocar efeitos recuperadores psicossomáticos que, por sua vez, vão gerar desenvolvimento
social e pessoal. O citado autor nos remete a pensar o lazer praticamente como uma ação
terapêutica para cada indivíduo. Por outro lado, ele também diz que o lazer é resultado do
processo de industrialização da sociedade. Essa assertiva foi tomada por uma parcela
significativa de estudiosos do campo no sentido de se pensar o lazer na relação da expansão
do capitalismo. Sua produção também apresenta uma contribuição para se pensar as políticas
públicas de lazer.
Os muitos estudos e debates acerca da temática do lazer no Brasil foram
proporcionados pelo SESC São Paulo, sobretudo nos anos 1970. Muitas críticas contrárias ao
pensamento do sociólogo Francês e seus seguidores foram levantadas. Tais críticas refletiam,
como diz Camargo (2003), três ideias básicas: uma delas apontava o lazer como uma temática
“desviacionista”, pois reforçava um certo distanciamento dos problemas políticos,
econômicos e sociais daquele contexto histórico; outra reflexão negativa acerca do lazer
considerava-o como algo supérfluo no conjunto das necessidades humanas; e outra crítica
incidia sobre a “cultura da pobreza”15, sendo um impeditivo básico para os indivíduos não
priorizarem e não vivenciarem o lazer.
A visão sobre o lazer como algo não importante em nossa sociedade já era
percebida também por outros estudiosos como Stanley Parker, que em seu livro “Sociologia
15 De acordo com os estudos de Camargo (2003), a cultura da pobreza está relacionada aos estudos do Norte Americano Oscar Lewis que investigou uma família de moradores de favelas no México. Lá, o autor identificou que a pobreza nesses grupos provocava um olhar negativo sobre a realidade, com baixa-estima e sem motivações para qualquer ação, inclusive o lazer. Ver mais em Camargo (2003).
42
do Lazer” (1978) já identificava as críticas ao estudo do lazer. Em sua obra defendia, no início
dos anos 1970, que o lazer precisava deixar de ser “um apêndice externo às preocupações
sociológicas” (p.10), apontando assim a necessidade de que este campo ganhasse autonomia
por ser um dos aspectos da vida nas sociedades. Desta feita, Parker (1978) concebe o lazer
como: [...] tempo livre de trabalho e de outras obrigações, e também engloba atividades que se caracterizam por um sentimento de (relativa) liberdade. Como sucede com outros aspectos da vida e da estrutura social, o lazer é uma experiência do individuo, um atributo do grupo ou de outra atividade social, e possui organizações e instituições relevantes que procuram atender às necessidades de lazer, reconciliar interesses conflitantes e implementar as políticas sociais (ibdem, p. 10).
Sua visão de lazer contribui para a consideração da relação lazer/trabalho tão
debatidas, nos estudos sobre lazer. O autor destaca o lazer não só como algo individual, mas
como resultado de ações coletivas, de relações culturais. Por exemplo: se no bairro e/ou
comunidade em que resido é tradicional a dança do carimbó nas festas ou praticar futebol na
praça, a tendência é a maioria das pessoas que residem nesta comunidade ou bairro adotarem
essas práticas corporais como lazer, logicamente essas práticas passam a ser objeto de
reivindicação de ação coletiva desses atores locais. Cabe dizer ainda, que Parker identifica o
lazer no campo das políticas públicas como dependente de ações efetivas do Estado para seu
usufruto qualificado nas cidades.
Para Nelson Carvalho Marcelino16, o lazer seria uma prática humana, vivenciada
no tempo disponível das pessoas, fora do tempo das obrigações profissionais, religiosas,
fisiológicas, domésticas e sociais (MARCELLINO, 1998, 1999, 2005). No lazer, prevalece o
caráter desinteressado, em que a opção por uma prática, ocorre de maneira espontânea, a
partir dos interesses de cada pessoa. Por exemplo: praticar natação pode ser lazer para um
indivíduo e para outro não; a leitura de um romance é considerada lazer para um grupo de
jovens urbanos; para outro, a prática do skate é a forma que os mesmos encontraram para
vivenciar o tempo de lazer que dispõem.
Assim a prática do lazer advém de um interesse individual podendo ser
vivenciado ou não com outras pessoas, o que vai ser definidor será a escolha da atividade a
ser praticada. De acordo com Marcellino (2005) lazer é concebido aqui:
16 Sociólogo brasileiro que trouxe uma significativa contribuição no campo do lazer com dezenas de publicações. Ele se ocupou em dar um tratamento pedagógico aos estudos do lazer, reforçando referências de Dumazedier sobre a classificação dos interesses culturais do Lazer e vários outros elementos tecendo crítica à abordagem funcionalista presente no campo. Dos anos 1980 até a atualidade, Marcellino tornou-se a maior referência sobre a temática do lazer no Brasil.
43
[...] como cultura – compreendida no seu sentido mais amplo – vivenciada (praticada ou fruída), no “tempo disponível”. É fundamental como traço definidor o caráter “desinteressado” dessa vivência. Não se busca pelo menos basicamente, outra recompensa além da satisfação provocada pela situação. A “disponibilidade de tempo” significa possibilidade de opção pela atividade prática ou contemplativa (ibdem, p.28)
Vale ressaltar que a visão que se tem de lazer dialoga com o pensamento de
Santos (2000), Magnani (1998) e com Marcellino (2000). Portanto, reflete a importância do
lazer como cultura, nascido da vida cotidiana e baseado no tripé: território, cotidiano e
cultura. Desta maneira, capaz de aproximar pessoas, criar cultura, novas formas de vida
cultural e política.
Neste sentido, cabe registrar a contribuição de Christianne Werneck (2000) sobre
o tema do lazer ao traçar toda a trajetória da presença do lazer na história da humanidade,
identificando-o nos diferentes momentos históricos. Em sua reflexão, ela demonstra como
foram incorporados elementos de outros momentos históricos, anteriores à industrialização,
aos elementos constituintes do lazer que se tem na atualidade. Desta forma, Werneck concebe
o lazer moderno como cultura e o reconhece como uma conquista dos trabalhadores.
Christianne L. Gomes (2003) reforça a concepção de lazer como dimensão da
cultura. Por meio da vivência lúdica de manifestações culturais, que acontecem dentro de um
tempo e de um espaço conquistado pelo ser humano ou por um grupo de pessoas, em que se
estabelecem relações dialéticas entre as necessidades e as obrigações com o mundo do
trabalho. Na visão de Christianne Gomes, assim como Marcellino (2000), o lazer é um
momento na vida do sujeito dedicado à criação da cultura vivenciada dentro de um tempo e
atitude próprios para a vivência das manifestações culturais de sua livre escolha.
Para Leila Pinto (2003), o lazer é o espaço dedicado à vivência de formas de
cultura lúdica como: o jogo, a brincadeira e a festa, em que se destaca o prazer como
experiência da liberdade. Vitor Melo e Edmundo Alves (2003) reforçam também a concepção
do lazer enquanto um direito conquistado e o defendem como um espaço privilegiado para a
prática dos mais variados interesses culturais do lazer, que de maneira crítica e criativa
caracterizam-se como formas de cultura propositivas de transformações sociais. Estes autores
têm acumulado estudos e pesquisas que apontam uma compreensão segundo uma dimensão
cultural, histórica e pedagógica.
É importante dizer que ao longo do século XX também se desenvolveu, tanto no
campo do pensamento acadêmico da educação, da educação física, do esporte e do lazer como
no campo do ideário da luta dos movimentos sociais (pela reforma urbana, pelo direito ao
esporte e ao lazer), uma concepção de lazer inspirada numa perspectiva de transformação da
44
realidade. A qual reconhece o processo histórico de surgimento do lazer como um avanço da
sociedade humana, no sentido de poder ter direito a sonhar, ter livre arbítrio, de crescer
intelectualmente, de poder ter tempo para si e para o grupo a que pertence, fugindo à lógica do
pensamento capitalista do homem pronto para produzir e consumir, isto é, trabalhar e adquirir
bens materiais.
Nesta direção, defende-se uma visão de lazer em concordância com a concepção
de Mascarenhas (2000, 2003, 2004) que inspirado no pensamento marxista e respeitando o
conhecimento acumulado sobre o lazer afirma: o lazer se constitui como um fenômeno tipicamente moderno, resultante das tensões entre capital e trabalho, que se materializa como um tempo e espaço de vivências lúdicas, lugar de organização da cultura, perpassando por relações de hegemonia. Dessa forma, dentro de uma perspectiva crítica e de emancipação dos grupos populares, o lazer pode ser entendido também como tempo e espaço para o exercício da cidadania e prática da liberdade. Acreditamos ser possível considerá-lo como força de reorganização da vida social, colaborando para a construção de novas normas, valores de convívio e para o questionamento da ordem vigente (MASCARENHAS, 2000, p. 17).
Mascarenhas nesse pensamento consegue aglutinar elementos já trabalhados por
outros autores, mas fundamentalmente demarca um campo de visão em que o lazer é uma
conquista histórica, forjado na luta entre patrões e empregados no processo de
industrialização. Essa dimensão se torna importante, pois demonstra que esse lazer
conquistado por uma maioria da sociedade, não foi, portanto, uma dádiva dos detentores do
poder. Por isso, precisa ser valorizado como espaço e tempo necessário para a produção de
novas formas de convivência social. Em outras palavras, essa visão apresenta o lazer como
um instrumento fundamental no processo de transformação social.
Existe uma série de outros autores que se dedicam no Brasil aos estudos do lazer.
Neste trabalho, buscou-se trazer alguns que procuraram defini-lo, em um esforço de produzir
um conceito. Sendo assim, almejou-se demonstrar o que cada produção acrescentou ao debate
do tema ao longo desses 40 anos de discussão no Brasil. Outra reflexão necessária a este
estudo é a compreensão do processo histórico em que o lazer se desenvolveu na sociedade
moderna e, sob o ponto de vista de sua autora, como ele passa a ser direito social e, portanto,
devendo ser reconhecido e tratado com qualidade nas políticas públicas como um benefício
público. Sendo esta a reflexão da próxima seção.
45
2.3 Lazer nas políticas públicas: aproximações históricas do surgimento do lazer como
direito
Este item procura refletir sobre o tratamento do lazer nas políticas públicas no
Brasil. Para tanto, primeiramente refletir-se-á sobre o processo histórico do surgimento do
lazer como direito social, fruto da luta dos trabalhadores, no início do desenvolvimento do
capitalismo, identificando assim os interesses, atores e agentes que operam na arena do lazer.
Tal momento histórico é um marco importante para nos tempos atuais se pensar esse direito
como um benefício público. Em seguida, é apresentada uma reflexão de Marta Arretche
(1999) acerca das políticas sociais no Brasil e a instalação de um estado federativo na
perspectiva de se compreender o lazer como uma política pública setorial e as ligações que
estabelece nas relações federativas.
2.3.1 Marco histórico, interesses, atores e agentes que operam na arena do
lazer
O termo lazer surge no século XIX, na Europa, juntamente com o advento da
sociedade urbano-industrial, como demanda no conjunto das reivindicações da classe operária
por melhores condições de vida, principalmente, no processo da histórica luta pela redução da
jornada de trabalho. Sendo assim, o lazer é fruto da ação coletiva dos atores sociais
organizados e propositivos na busca da conquista de cidadania.
O trabalho como uma atividade humana é necessário à realização da vida. “Essa
atividade não pode deixar de existir na vida das pessoas, porque o humano do homem se
realiza apenas quando ele é criativo e produtivo de coisas e idéias úteis socialmente”
(PADILHA in MARCELLINO, 2008, p. 28). As transformações do mundo do trabalho no
capitalismo vieram a exigir a máxima exploração do trabalho humano mudando
profundamente o seu tempo e a própria vida fora do mundo do trabalho, isto é, interferiu tanto
nas outras obrigações sociais (família, escola, religião etc.) como no tempo livre para o
lazer.17
17 Na atualidade, é quase consenso que as pesquisas acerca do lazer considerem a relação capitalista, em que tudo vira mercadoria. Isso tem influenciado nas relações de trabalho (ANTUNES; ALVES, 2004), no tempo do lazer dos trabalhadores, assim como na forma de vivência desse direito, que cada vez mais tem se investido em estratégias de oferta do lazer como consumo. (REQUIXA, 1980; PADILHA, 2006; PADILHA in MARCELLINO, 2008; MARCELLINO, 2000; MASCARENHAS, 2001, 2004, 2005; AMARAL, 2003 etc.).
46
Paul Lafargue18 (1999), em seu clássico texto revolucionário “O Direito à
Preguiça”, escrito em 1880, demonstra claramente seu objetivo de estimular os trabalhadores
na defesa da redução das horas de trabalho, para que os mesmos pudessem ter uma vida mais
humana com a garantia do direito a ter tempo para si e criar a cultura da organização coletiva,
ou seja, ter assegurado o direito ao lazer. Neste trecho de seu manifesto, ele revela a situação
em que se encontrava o proletariado europeu, humilhado pelo regime de trabalho imposto a
suas famílias, dentro da indústria recém surgida na Europa durante o processo de avanço do
capitalismo. O trabalho que, em junho de 1848, os operários exigiam, de armas nas mãos, foi por eles imposto à suas próprias famílias; entregaram, aos barões da indústria, suas mulheres e seus filhos. [...] Envergonhem-se os proletários! Onde estão essas comadres de que falavam nossos velhos contos e lendas, atrevidas, francas no linguajar, amantes da garrafa? Hoje temos as mulheres e as jovens das fábricas, débeis flores de pálidas cores, de sangue sem brilho, estômago devastado, membros enfraquecidos! [...] E as crianças? Doze horas de trabalho para as crianças. Que miséria! [...] Nossa época é como dizem, o século do trabalho; na verdade é o século da dor, da miséria e da corrupção (ibdem, p.72-73).
O clássico filme Tempos Modernos, de Charles Chaplin, ilustra bem essa
maximização da superexploração da força de trabalho no início do processo de
industrialização.
Outras produções históricas reforçam esse ideário do lazer como demanda no
conjunto das reivindicações dos trabalhadores na luta por melhores condições de vida.
Bertrand Russell (2001), em seu texto Elogio do Lazer, produzido em 1932, também reforça a
necessidade dos trabalhadores em poderem desfrutar momentos de lazer e consequentemente
chamar a atenção para a possibilidade da redução da jornada de trabalho para quatro horas
diárias, destacando que, se isso pudesse acontecer, o índice de desempregados diminuiria e
provocaria uma melhor organização social. Ele ressalta ainda que “essa idéia choca os
endinheirados porque eles estão certos que o pobre não saberia como empregar tanto ‘lazer’”
(ibdem, p. 42).
Nota-se que a expansão do processo de industrialização, para grande parte do
mundo, gerou uma crescente urbanização das cidades, que, por sua vez, levou à necessidade
18 Paul Lafargue (1842-1911) participou do movimento socialista francês e da I Internacional. Ideólogo marxista ajudou a fundar o Partido Operário francês; Genro de Marx escreveu o manifesto “O Direito a Preguiça”, que foi publicado em 1880 no jornal socialista L’egalité. Marilena Chauí (1999) aponta que o autor inicialmente iria denominar esse manifesto de O Direito ao Lazer e, depois optou por, Direito ao Ócio, definindo finalmente por O direito à Preguiça como protesto em duplo sentido: um, é contestar os dogmas da religião que atribui à preguiça um dos pecados capitais e afirmar que os homens têm direito a usufruir desse pecado, e, em segundo, contestar o que ele chamou de religião do trabalho, pregada pela burguesia, para dominação da classe trabalhadora.
47
de vivência do lazer pelos trabalhadores, quando da realização de experiências culturais de
um grupo, de uma comunidade, momento em que as exigências do mundo do trabalho não
permitiam tais práticas. Sendo assim, as políticas públicas de lazer passam a ser executadas
pelo poder público, pois a vivência do lazer no tempo livre dos trabalhadores, aos poucos
passou a ser objeto de preocupação para os governos totalitários que se instalaram nas
primeiras décadas do século XX, pois era necessário dominar “corações e mentes”, na
perspectiva de uma homogeneização da sociedade, para melhor controle social.
Amaral (2003) em seus estudos sobre políticas públicas de lazer vai dizer que tais
políticas surgem [...] pela necessidade que o poder público teve em ocupar o espaço livre de trabalho com atividades de caráter saudável, as quais nos idos de 1930 a 1940 pautaram-se nas idéias de higienização social e de modelos advindos da Escola Nova. O ideário de pensadores, como Anísio Teixeira e Fernando de Azevedo entre outros, explicitava que estas atividades, levadas à população nas horas de lazer, pelo poder público, deveriam promover experiências que a humanidade acumulou em literatura, música, artes, jogos e danças, mas na realidade o que se desenvolveu foi a prática de exercícios corporais e a orientação para a aquisição de hábitos saudáveis e higiênicos em relação ao corpo [...] (ibdem, p.36)
Nesta direção, o lazer com fins higienistas e compensatórios passou a ser
permitido. As formas e o tempo de lazer do trabalhador passaram a ser controlados e
direcionados para somente algumas modalidades, em que o centro da ocupação do tempo livre
para essas práticas culturais tem como objetivo inculcar nas grandes massas, valores e
comportamentos padronizados diante da realidade, com caráter subserviente e conivente com
o status quo.
Portanto, o mundo capitalista gerou a equação: “industrialização + urbanização =
lazer como demanda social”. O crescimento acelerado das cidades na Europa, no final do
século XIX, e no Brasil, mais intensamente, a partir do Estado Novo, se confunde com o
desenvolvimento do lazer. O governo Vargas cria por decreto, em 1942, o Serviço Nacional
da Indústria - SENAI. Quatro anos depois, Gaspar Dutra autoriza a Confederação Nacional da
Indústria a criar o Serviço Social da Indústria - SESI, assim como autoriza a Confederação
Nacional do Comércio a criar em decretos distintos o SENAC - Serviço Nacional do
Comércio e o SESC - Serviço Social do Comércio.
Dessa forma, percebe-se que para um país iniciando o seu processo de
industrialização aliado a um contexto de clamor por mais para dar formação profissional aos
trabalhadores atuarem na indústria. Ao lado dessa nova ordem, começam a aparecer
organismos de caráter privado e estatal no sentido de estimular o lazer como consumo para as
grandes massas.
48
As práticas de lazer ganham apoio do poder público e passam também a ser um
negócio para o setor privado. O Serviço Social do Comércio – SESC, que foi criado pelo
decreto presidencial n° 9.853 de Garpar Dutra, onde a Confederação Nacional do Comércio
recebe autorização para fundá-lo. Tal instituição também passa a contrair incentivos
financeiros em troca da oferta de atividades de lazer à população. Assim o governo repassa a
sua responsabilidade em 1946 para a iniciativa privada planejar e executar entretenimento
para a população. Neste período o que se observa é que a população de maior poder
aquisitivo, pode desfrutar de formas de lazer mais sofisticadas como o teatro e o cinema que
são linguagens artísticas que neste período recebem maiores investimentos. Já para a maior
parte da população, isto é, para a classe trabalhadora, o futebol e o carnaval. O rádio cresce no
cenário cultural, ocupando parte do tempo de lazer da população, se tornando o principal
instrumento de lazer direcionado para propagar o ideário estadonovista (ALMEIDA;
GUTIERREZ, 2006).
Almeida e Gutierrez (2006), em seus estudos sobre a era Vargas e do
desenvolvimento do lazer, afirma que o Estado Novo foi o período de nascedouro da
utilização política e ideológica do lazer como instrumento de controle e de propaganda do
governo. Foi da mesma forma, um momento histórico em que se pode perceber claramente a
relação entre o desenvolvimento urbano e o surgimento de algumas formas de lazer, presentes
até nossos dias: o cinema é uma delas.
O Departamento de imprensa e propaganda da era Vargas teve um papel
fundamental no cumprimento rigoroso da política nacional proposta pelo governo. Ele tinha o
poder sobre todas as atividades culturais e esportivas vivenciadas no cenário brasileiro,
centralizando, coordenando e supervisionando no Brasil e no exterior a propaganda federal
Assim como exercia o papel de censura do teatro, do cinema e de toda e qualquer prática
esportiva e lúdica. O Estado tinha o controle da produção cinematográfica nacional, onde os
filmes aprovados teriam que ter fins nacionalistas e educativos como reforço ao governo.
No pensamento de Santos (2004 apud ALMEIDA; GUTIERREZ, 2006), pode-se
notar a força do controle do lazer pelo poder público, a partir do trabalho realizado pelo DIP,
destacando a forte influência na cultura esportiva e recreativa, nas diversões da população. Ele
destaca a forte fiscalização das atividades das organizações culturais, esportivas e circenses.
Assim, como toda a política cultural na área do cinema, da literatura, do teatro, da música,
onde o poder público, através do Ministério da Educação, juntamente com o DIP, atuavam
como os maiores produtores culturais do país na década de 1940.
49
Um marco legal importante para a incorporação do lazer como direito social foi
no pós-guerra a Declaração Universal dos Direitos Humanos, tê-la incorporado como direito
Humano. Esse fato favoreceu a consolidação do lazer nos instrumentos legais em muitos
países do globo. No Brasil, ele toma contornos da nova sociedade juntamente com o
crescimento acelerado das cidades, tanto em dimensões demográficas, quanto em seus
espaços urbanos. Com uma nova cultura de ocupação do tempo de lazer proposta às diferentes
classes sociais em formação.
Com um caráter compensatório, utilitário, funcionalista e embalador da indústria
cultural e sendo transformada em mercadoria, a cultura do lazer foi um dos fenômenos que
mais cresceu no século XX (MARCELLINO, 2000; MASCARENHAS, 2005) e continua a
apresentar este direcionamento na atualidade, com maiores requintes tecnológicos para atingir
os mais diferentes grupos humanos. Um dos objetivos é a sustentabilidade dessa própria
indústria do lazer, muitas vezes estimulando práticas de entretenimento e diversão que
reforçam o esvaziamento de valores éticos e estimulam o consumismo, o individualismo e a
fuga da realidade.
Melo (2003a) argumenta que o atual momento da modernidade, com a dissolução
das fronteiras claras entre o público e o privado, traz novos desafios para pensar o campo, já
que modificam-se claramente os sentidos e os significados desse processo de controle social,
onde ganha força a privatização crescente e a não ocupação dos espaços públicos como locus
de vida social (o que repercute também nas vivências de lazer), conduzidas de forma
articulada pela indústria cultural e relacionadas com o processo de midialização da cultura
(MELO; WERNECK, s.d.).
Tempo de lazer dos trabalhadores na atualidade, mesmo que permaneça sendo
percebido mais ligado a faixas etárias mais jovens da população e a eventos ou dimensão
restrita ao esporte: o futebol, praticado principalmente pelos homens (MAGNANI;
MARCELLINO, 2000). Ganha espaço o desejo da vida de lazer em grandes equipamentos de
consumo como os Shoppings Centers.
Portanto, o lazer que surge como uma demanda dos trabalhadores no processo de
expansão da sociedade capitalista ele ganha dimensão de oposição ao trabalho. Antunes
(2004) nos chama atenção para as diferentes formas de trabalho na atualidade que logram o
tempo livre do trabalhador na busca de uma maior qualificação para o mundo do trabalho.
Ele diz ainda que, Múltiplas formas de fetichizações e reificações poluem e permeiam o mundo do trabalho, com repercussões enormes na vida fora do trabalho, na esfera da reprodução societal, na qual o consumo de mercadorias, materiais ou imateriais,
50
também está em enorme medida estruturado pelo capital. Dos serviços públicos cada vez mais privatizados, até o turismo, no qual o “tempo livre” é instigado a ser gasto no consumo dos shoppings, são enormes as evidências do domínio do capital na vida fora do trabalho [...](ibdem, p. 349).
O que Antunes mostra é que a lógica capitalista tem determinado todas as esferas
da vida na sociedade atual, tanto do trabalho quanto do lazer, porém considera que existam
saídas: “além e apesar de o trabalho “subordinar-se” ao capital, ele é um elemento vivo, em
permanente medição de forças, gerando conflitos e oposições ao outro pólo formador da
unidade que é a relação e o processo social capitalista” (ibdem).
Neste sentido, cabe pensar em possibilidades de questionar os padrões já
estabelecidos e ligados às formas de trabalho e tempo livre existentes hoje. Em uma
perspectiva que contemple as subjetividades sem transformá-las em um produto no mercado
(ibdem), e que o Estado possa atuar na perspectiva de assegurar a fruição de interesses de
lazer como um bem coletivo, um beneficio público.
2.4 O lazer como benefício público e o debate sobre os recursos comuns
A sociedade brasileira reconheceu o lazer como um benefício público quando
aprovou esse direito como fundamental à vida humana na Constituição de 1988, em que ele
passou a compor o quadro dos direitos básicos, ao lado da educação, saúde, trabalho, moradia,
assistência social etc. Neste sentido, a sua oferta a todos e todas é uma condição imperativa,
uma vez que tal direito a exemplos dos outros, tem a prerrogativa de ser garantido à sociedade
brasileira indistintamente do poder aquisitivo, da localização regional, e/ou quaisquer outros
aspectos culturais que diferenciam as pessoas.
O lazer se configura como um benefício público, na medida em que aqueles que
não pagam e/ou não podem pagar por este benefício usufruem do acesso ao mesmo,
igualmente àquele que contribui com seus impostos de maneira regular (OLSON, 1999). Mas
é preciso ter claro que não existe uma única forma de lazer na sociedade, ao contrário, a
expressão pode representar, como bem já se pôde explicitar no item acima que o consenso no
conceito de lazer está na sua própria natureza que a possibilidades de vivências realizadas no
tempo do não-trabalho motivado por escolhas individuais ou coletivas como ler um livro,
correr caminhar, praticar esportes, assistir a um filme etc.
Portanto, a grande variedade de forma de lazer nos faz pensá-lo como o poder
público deve tratá-lo para que seu acesso aconteça de maneira equânime na sociedade vale
51
considerar que o mesmo precisa considerar que na realidade atual onde tudo tem um custo de
produção e manutenção é preciso que as cidades pensem o lazer como possibilidade de
sustentabilidade e cabe planejar o seu manejo e uso para seus habitantes, para que tal
benefício, pois como bem fala RAVENA (2006), os benefícios públicos e os Recursos
Comuns (CPR) sofrem do problema da sobre-exploração que seria uma retirada excessiva de
unidades de recursos podendo levando-o a sua própria extinção.
Como exemplos de benefício público identificam-se as praças nas cidades, que
são espaços considerados como específicos para o lazer (MARCELLINO, 2000; FERRARI,
2004) e que estão à disposição de todos e todas, mas padece de uma série de problemas no
contexto atual, originados principalmente da localização onde estes recursos se. Ou seja, se
estão mais nos bairros nobres são pouco utilizadas, nas áreas de comércio passam a ser mais
um espaço para negócios ambulantes sobre-explorada, quando localizadas nos bairros pobres
sofrem também o fenômeno da sobre-utilização e acelerada degradação. Portanto a praça
como um espaço de lazer é um benefício público e precisa ser também compreendido
compondo um sistema de propriedade comum (CPR), pois quanto mais se ocorrer a sobre-
exploração19 sistema de recurso para que não sofra o uso abusivo destes recursos, o que
poderá degradá-las, e provocar sua inadequação para uso, ou seja, para o seu gerenciamento
(RAVENA, 2006).
No entanto, o lazer no atual contexto da sociedade moderna adquiriu valores de
mercado e em muito tem sido utilizado como mercadoria e potencializado a indústria do
entretenimento, sendo um dos fenômenos no século XX que mais cresceu e se atualizou nas
diversas possibilidades de vivências, para uma parcela de maior poder aquisitivo, se
configurando em muitos aspectos como um bem privado, pelo alto grau de exclusão e alta
rivalidade no seu uso, como bem de preocupou Hardin sobre a sobre exploração de Recursos
Comuns.
Porém a problematização de Elinor Ostrom sobre a questão aponta para um
caminho possível para a ação coletiva no sentido de melhor manejo e uso dos Recursos
Comuns uma vez que lazer enquanto política pública é um recurso comum, um benefício
coletivo e pode e dever ser planejado na gestão da cidade e o Plano diretor enquanto
instrumento de desse planejamento dever ser o lócus privilegiado de garantia desse benefício.
Diante do exposto pode-se dizer que o lazer na atual sociedade se apresenta como
uma faceta híbrida na atual realidade com caráter público e privado, pois a ação coletiva dos
19 Já foi anteriormente citada essa definição. Significa que está havendo um uso excessivo de um sistema de recurso. Ver em RAVENA (2006, p. 97).
52
atores que operam na arena do lazer nas cidades, leia-se: empresas, entidades culturais,
esportivas, populares, organizações partidárias etc, vão em defesa cada vez mais desse
benefício a partir de seus interesses de grupo, muitas vezes provocando o estado a promover
incentivos seletivos que atendam aos interesses de determinados grupos, em detrimento de
outros.
Contudo, a ideia-força deste estudo postula que a atuação do Estado deve gestar
essas facetas de maneira tal que a sua oferta não esteja restrita apenas àqueles que podem
pagar pelo acesso e, por conseguinte, negada à maioria dos cidadãos. Acredita-se que o lazer
na atuação estatal deva ser concebido como um benefício público e ser gestado como um
recurso de acervo comum, a partir do que postula Ostrom quando diz que as regras para o
manejo de recursos comuns são fundamentais para evitar a tragédia dos comuns20 onde a ação
coletiva possa ser regulada. O Estado nesse formato pode ser um coadjuvante no
gerenciamento lazer público, sendo a sociedade civil organizada a responsável por este
benefício público. Por exemplo: equipamentos de lazer nos bairros, como a praça esportivo-
cultural “Dom Mário Vilas Boas” no Bairro de Val-de-Cans, em Belém do Pará e o
“Complexo esportivo Miguel de Souza Reis”, no Bairro Cidade de Deus em Manaus, foram
construídos pelo poder público local para ser usado por toda a população dessas cidades, por
se localizarem em espaços de bairros mais distantes do centro, a tendência é ser utilizado por
um público residente em seu entorno e bairros próximos.
A questão é que mesmo tendo uma utilização restrita a certos grupos e
hipoteticamente serem administrados por organizações comunitárias esses espaços não
perdem sua essência de bem público21, por pertencerem ao patrimônio público, e o seu
manejo deverá ser determinado por regras claras de acesso e manutenção.
Essa forma de gestão e manejo não retira a responsabilidade no que tange a
dotação orçamentária para manutenção, conservação, implantação de programas de lazer para
utilização qualificada dos espaços disponíveis nos equipamentos. Sabe-se que praticamente é
uma disputa na sociedade a manutenção do mesmo como um benefício público e, portanto,
um dever do Estado. Afinal, ele está assegurado como direito social nos marcos legais
20 A tragédia dos comuns compõe o conjunto dos paradigmas básicos e integrante da ciência econômica ambiental neoclássica defendida por Garrett Hardim, nos anos 1960. Neste trecho do pensamento de Lauriola (2009), ele exemplifica de maneira mais detalhada o pensamento de Hardin sobre a teoria da tragédia dos comuns: “Hardin demonstra como, frente a uma “pastagem aberta a todos”, cada pastor segue racionalmente uma lógica do benefício individual de externalização dos custos e internalização dos benefícios que, agregada coletivamente, conduz tragicamente ao esgotamento do recurso comum.” (LAURIOLA, 2009, p. 5) 21 Bem público está compreendido aqui como um objeto físico que pertence à coletividade.
53
brasileiros, é uma conquista coletiva e um deve do poder público assegurá-lo a toda
população, independente de quem paga ou não os impostos municipais.
2.5 Relações federativas na configuração das políticas de lazer presentes nos planos
diretores
O lazer é um beneficio público, mas o que tem sido feito neste país para a plena
garantia desse bem? Que estratégias estão sendo tomadas, principalmente após a Constituição
de 1988 para que se consolide de fato no Brasil uma política pública de lazer? Este item busca
refletir o desenvolvimento das políticas públicas de lazer no Brasil, principalmente a partir da
Constituição de 1988, período em que o país sofre mudanças significativas em sua estrutura
política, administrativa e social complementar.
Verifica-se neste estudo que as políticas públicas no Brasil voltadas para o lazer é
tema ainda de poucas investigações científicas e de pouca atenção, por parte dos governos ao
longo da história do Brasil. Nota-se que do conjunto dos direitos sociais, assegurados na
Constituição de 1988 e alterados pela EC 026/2000 que são: Educação, Saúde, Trabalho,
Moradia, Lazer, Segurança, Previdência Social, Proteção à Maternidade e à Infância e
Assistência aos Desamparados, o lazer é um dos direitos sociais que ainda não dispõe de um
aparato jurídico-administrativo estruturado no país de forma tal que possa ser efetivado o seu
pleno desenvolvimento, na maioria dos estados e municípios brasileiros.
A marca histórica de tratamento do lazer no Brasil, jamais passou de dinâmicas
atreladas às práticas fisiologistas, clientelistas, com ações políticas pontuais. Apesar da nova
Carta Magna ter criado uma expectativa positiva na sociedade brasileira, que estariam se
produzindo as mudanças necessárias para se ter, de fato, políticas sociais universalistas, na
área do lazer, o que se viu na prática nas últimas décadas do século XX e nesses primeiros
anos do terceiro milênio são políticas pontuais, que em sua grande maioria estão relacionadas
ao espetáculo artístico e esportivo, como um prêmio, como mérito de alguns agentes, grupos
empresariais e/ou governos municipais e/ou estaduais principalmente do sul e sudeste
brasileiro. Por outro lado, ele passou a ser um campo de atuação das instituições públicas e
privadas, sobretudo nas áreas de cultura, esporte, meio ambiente, turismo, educação e saúde.
O Brasil participa da nova ordem mundial de acumulação do capital, referendando
a descentralização das políticas públicas e dando maior autonomia aos municípios e estados.
E nessa lógica pouco se criou estratégias de monitoramento na execução dessas políticas,
54
onde se identifica que dentre os direitos sociais o lazer é um dos que vai padecer com essa
carência de uma gestão estruturada e articulada.
Nos argumentos de caráter mais amplo sobre o significado das reformas no Brasil
dialoga-se com o pensamento de Marta Arretche (1996), que aprofunda as políticas sociais na
descentralização; Celina Souza (1998) vai refletir distribuição do orçamento público no
contexto da reforma; e Farias Filho (2006). Todos, portanto, discutem a questão da
descentralização traçando olhares por aspectos distintos, mas a partir de um enfoque
aproximado o que nos ajuda a pensar sobre os desdobramentos das reformas sobre as políticas
de lazer no Brasil.
Para refletir como a questão da reforma tem incidido no campo do Lazer, alguns
estudiosos da área são apresentados aqui como Marcellino (1996) ao analisar as políticas de
lazer desenvolvidas nos anos 1990, Lino Castellani (1996), ao estudar sobre o lazer e a
qualidade de vida e Mascarenhas nas reflexões que traz sobre o lazer como mercadoria nesse
contexto da globalização. Por último, refletiu-se sobre as possibilidades que estão sendo
apresentadas pelo Ministério dos Esportes na perspectiva de se efetivar uma política uma
política pública de lazer no Brasil na atualidade sobre o discurso de um governo democrático
popular. Buscando compreender em que medida tal proposta ao cumprir o plano das reformas
iniciadas nos anos 1990, está conseguindo efetivar uma política pública de lazer no Brasil.
2.5.1 Algumas reflexões sobre a reforma do Estado a Partir da Constituição
de 1988
O Brasil experimentou, principalmente, a partir da nova Carta Magna, um amplo
processo de reformas neoliberais que atuaram em várias direções, baseada muna concepção de
estado mínimo, com o discurso de otimização da máquina estatal, para garantir os avanços
democráticos. O perfil dessas reformas, pautado na descentralização da administração pública
influenciaram no desenvolvimento das políticas públicas de lazer, onde algumas práticas
corporativas e clientelistas continuaram a impregnadas na gestão dessas políticas.
Para Farias Filho (2006), o Plano Diretor de Reforma do Estado representou o
empenho do governo brasileiro em implementar as mudanças basilares, na perspectiva de
fixar uma nova lógica na administração pública. Sobre os estudos nessas áreas ele destaca
que: Quando se pensa em mudanças nos estados nacionais logo vem à tona o tema da reforma do Estado e muito do que se construiu do ponto de vista da análise sobre o tema esteve restrito a modificações nas funções do Estado, enquanto prestador de
55
serviços ou, ainda, de sua maior ou menor presença na condução da economia. Pouco se avançou na direção de uma reforma do Estado que conseguisse avaliar a função organizativa e institucional, do ponto de vista das normas e regras formais, modelos mentais, atitudinais e valorativos de seus agentes e de toda a sociedade (ibdem, p.04).
Na verdade, a lógica dessas mudanças significou um reflexo da política
internacional imposta pelos países desenvolvidos representados pela ONU e Banco Mundial
aos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento. O quadro das mudanças apontou para: a
política da desburocratização para um melhor desempenho da máquina pública, a
descentralização, juntamente com a política de redução da intervenção do Estado, em campos
como a economia e em outras esferas da sociedade, limitando o poder de atuação do Estado à
prestação de alguns serviços públicos. A desburocratização ganhou marca de status dentro
dessa lógica das reformas (ibdem, 2006; SOUZA, 1998).
Para Farias Filho (2006), o discurso do Banco Mundial nos anos 90 sobre as
reformas necessárias a um Estado moderno, dizia que o que deveria preponderar eram:
“democracia, os direitos humanos a transparência nas ações das instituições estatais, um
economia aberta para o mundo, um padrão de consumo global, indicadores sociais favoráveis
ao bem – estar, etc.” (ibdem, p. 07). Neste sentido, percebe-se que o modelo de estado
proposto pelo referido banco, tinha como imperativo a obrigação de se ter um Estado
modernizado com a capacidade de suprir as necessidades do novo e livre mercado em
expansão, assim como às demandas sociais do mesmo. Dessa forma, a partir da Reforma do
Estado, intensificada nos anos de 1990, estados e municípios são reconhecidos como estes
federativos e passam a gozar de ampla autonomia política, administrativa e social. Tornam-se
então os centros para onde devem migrar os recursos e as orientações nacionais para a
implementação das políticas públicas.
Assim a descentralização passou a ser prescrita como a ação planejada assume um
caráter estratégico para o novo padrão de Estado, na perspectiva de melhor servir a
globalização. Tais mudanças foram experimentadas em vários países da America Latina nos
anos 80, como Peru, Argentina, Colômbia e Venezuela. O Brasil também buscou cumprir
esses compromissos, cumprindo com esforços diversos a agenda da globalização em curso.
Nessa perspectiva, a estratégia de descentralização do poder administrativo passa a ser um
grande desafio a ser atingido pelo governo federal, pois o Brasil com dimensões continentais
acumulou, ao longo de seu processo histórico, uma série de diferenças políticas, sociais,
culturais e econômicas que passam a ser um obstáculo ao êxito de uma política
descentralizada com sucesso.
56
Tais diferenças regionais e políticas são destacadas nos estudos de Souza (1998)
sobre os resultados da descentralização da máquina pública em um estado federado, assim
como analisa esses efeitos sobre a efetivação das políticas, analisando como se dão as relações
entre a esfera federal e os estados brasileiros. Ela chama atenção para a questão das
desigualdades regionais, sociais e políticas que vão dar um caráter complexo, heterogêneo a
esse processo. Identifica ainda o fenômeno da inversão de poder onde os estados e algumas
capitais passam a ter maior poder de barganha junto ao governo federal, de acordo com seu
poder econômico regional. Essa pressão incide sobre a estratégia de “negociar políticas
públicas nacionais com as esferas subnacionais” (ibdem).
Marta Arretche também faz referência à questão da descentralização localizando
de forma geral as características da descentralização no Brasil. Ela afirma que o país é: caracterizado por expressivas desigualdades estruturais de natureza econômica, social, política e de capacidade administrativa de seus governos —, atributos estruturais das unidades locais de governo, tais como a capacidade fiscal e administrativa e a cultura cívica local, têm um peso determinante para a descentralização. Mas, tais fatores não são determinantes em si. Seu peso e importância variam de acordo com requisitos institucionais postos pelas políticas a serem assumidas pelos governos locais, tais como o legado das políticas prévias, as regras constitucionais e a própria engenharia operacional de cada política social (ARRETCHE, 1999, p.112).
O que se deve considerar na relação que se estabelece entre união e governos
locais e estaduais é que estados e municípios passam a gozar de autonomia absoluta sobre a
gestão de suas políticas sociais. Esse poder garante aos mesmos o direito de aderir ou não a
gestão de determinadas políticas sociais, salvo algumas que possuem prerrogativas
constitucionais, como é o caso da política de saúde, de educação e da previdência social.
A pesquisadora citada ainda demonstra um quadro sintomático do
desenvolvimento de políticas sociais nos estados de São Paulo, Bahia, Pernambuco e Ceará,
nas áreas de saúde, saneamento básico, habitação, educação, e assistência social mapeadas
pela autora demonstram como estava esse atendimento pelos estados, nos anos 1990.
[...] a oferta de merenda escolar era inteiramente gerida por estados e municípios; 58% dos municípios brasileiros estavam enquadrados em alguma das condições de gestão previstas pelo SUS [...] a municipalização dos serviços de saneamento básico não passou de uma expectativa frustrada; até 1995, a emergência de sistemas estaduais de habitação ocorreu apenas nos estados de São Paulo e do Ceará; a municipalização da rede de ensino fundamental ocorreu somente no Estado do Paraná; e, finalmente, em 1997, apenas 33% dos municípios brasileiros estavam habilitados a gerir os recursos federais destinados à oferta de serviços assistenciais (ibdem, p.116).
57
É possível notar então que a descentralização das políticas sociais no Brasil foi
aceita pelos estados e municípios de formas diferenciadas. A adesão ou não da política, pelos
governos estaduais e municipais estava sempre associada a uma avaliação sobre os ganhos e
custos políticos e financeiros na implantação dessas políticas. O caso da merenda escolar é um
exemplo de viabilidade pelo seu baixo custo e facilidade na engenharia operacional. Já o
programa do FGTS, foi um fracasso no período em que esteve atrelada a política clientelista
do Governo Fernando Collor de Melo. A partir da gestão de FHC essa política é
implementada seguindo um padrão em que são considerados “... os elevados custos
financeiros a serem assumidos para o exercício destas políticas e o legado das políticas
implementadas previamente, implicava elevados benefícios e custos reduzidos aos governos
estaduais” (ibdem, p. 118-119), o que possibilitou uma grande aceitação por parte dos entes
federados.
Portanto, verifica-se que a Reforma do Estado no Brasil foi marcada por um
processo distributivo impulsionado e mantenedor das desigualdades regionais e ao mesmo
tempo essas diferenças são abrandadas através dos investimentos financeiros federais aditivos
(SOUZA, 2002). É compreendendo o sentido dessas mudanças no aparelho estatal pós-88 que
são apontadas algumas percepções do efeito das mesmas na área das políticas públicas
voltadas para o lazer no Brasil.
2.5.2 As políticas públicas de lazer no Brasil: os resultados das mudanças do
Estado
Para se abordar sobre as políticas de lazer no Brasil no contexto das mudanças do
Estado, faz-se necessário inicialmente identificar alguns pontos sobre a forma como este
direito foi tratado no século XX pelo poder público, já que algumas dessas práticas se
verificam até os nossos dias, com maior ou menor ênfase e se modificando os formatos, em
alguns momentos da história nacional.
2.5.2.1 Política de lazer com apelo de atrelamento ideológico
Na era Vargas, a política adotada estava voltada para o apoio às organizações de
lazer esportivas e culturais. Essa prática impulsionava o atrelamento político de entidades ao
58
governo no poder. Ou seja, a política clientelista, centralizadora e desenvolvimentista, com
caráter populista eram as bases da política nacional.
Outra característica herdada de trato do direito ao lazer pelo poder público, em
estimular a prática, seguindo padrões internacionais de culto ao corpo. Grandes campanhas
nacionais foram realizadas para as práticas do lazer, que vão se estruturando de forma mais
efetiva nos estados e municípios. Essa política tomou fôlego principalmente na época da
ditadura militar com os Programas “Esporte para Todos”, “Mexa-se, mexa-se é gostoso pra
chuchu22” a política dos Centros sociais urbanos.
Nessas políticas se identificava o caráter amenizador dos problemas sociais
vigentes. Elas traziam como objetivo, a prática de lazer, como forma de desviar a atenção do
cidadão para os conflitos políticos da época. Essas campanhas de divulgação do lazer com
sentido funcionalista, com abordagem compensatória, utilitarista perpassando por uma visão
moralista e romântica do lazer, em nível internacional foram amplamente divulgadas no Brasil
e independente de suas concepções foram instrumentos de propaganda do lazer como um
produto a ser consumido, Isto é um serviço a ser ofertado pelo mercado privado em expansão.
Os poucos os recursos existentes destinados ao lazer no Brasil, eram e transferidos
para a iniciativa privada, desde o pós-guerra até nossos dias, como é o caso do SESC e do
SESI passaram a desenvolver ações de esporte e lazer para os trabalhadores particulares
(MASCARENHAS, 2004). Tal saída encontrada pelo governo brasileiro para atendimento ao
lazer do trabalhador apostou num forte sentido funcionalista, compensatório do lazer, após a
jornada de trabalho.
Assim o poder público ainda em práticas centralizadoras de gestão passa a dar
mais ênfase às demandas do lazer voltadas para o esporte com privilégios especiais ao futebol.
Como exemplo desse processo é a proliferação de campos de futebol que surgiram em todos
os estados ao longo do século XX e que teve nos anos da ditadura militar um grande
investimento sendo este o período que mais de construiu e reformou estádios e campos de
futebol pelo país. O formato dessa política corporativista no sentido depreciativo que
identifica Reis (1995).
A Constituição de 1988 foi idealizada na perspectiva de assegurar a possibilidade
de um melhor gerenciamento das políticas públicas no Brasil, a partir de um padrão
internacional do modelo capitalista, onde a lógica do estado mínimo, com a redução dos 22 Trecho de Música do Juca Chaves que serviu de slogan para a Política do Governo intitulada “Esporte para Todos” que centrada na popularização do futebol e com pacotes de lazer para incentivo de ruas de lazer nas cidades
59
gastos na execução dos serviços públicos e transferência para os estados, municípios e
iniciativa privada foram as marcas das claras orientações do estado nacional. Dessa forma
educação, saúde e previdência tiveram sistemas bem mais claros de gerenciamento das
políticas. O que não ocorreu com o direito ao lazer. Como política pública teve poucos
investimentos com a descentralização do estado federativo.
2.5.2.2 Apoio ao setor privado
As políticas de incentivo ao setor privado permanecem, as práticas corporativas e
clientelistas na gestão dessas políticas, onde o poder de barganha dos governadores e
deputados continua determinando o direcionamento dos recursos públicos que já ganham
forma pelo contexto de grande abertura econômica facilitando a indústria do entretenimento.
Dessa forma, o lazer como mercadoria: o mercolazer (MASCARENHAS, 2004), que passa a
ser incentivado e atinge os anos 1990 em alta. Castellani (1996) já destacava que neste
período a indústria do lazer só estava perdendo para a indústria de alimentos no Brasil, ano passado foram vendidas 6 milhões de bicicletas no país, o dobro de 3 anos antes. A venda de CDs – 50 milhões em 1995 – Fez o Brasil pular da 13ª para a 6ª posição entre os maiores consumidores mundiais de disquinhos à frente de Canadá, Itália e Espanha (ibdem, p. 13).
Vale ressaltar que o consumo desse lazer industrializado, que tem um alto valor
mercadológico é praticado pela menor parte da população, com poder aquisitivo elevado.
Assim, fica de fora do direito ao lazer à maioria dos brasileiros.
A descentralização no Brasil não conseguiu principalmente na área do lazer
atingir de maneira equânime todo o Brasil, para atender as diversas cidades e às necessidades
regionais. Uma pesquisa do IBGE sobre a situação do Brasil na última década do século XX
revela que o País possui uma forte carência cultural:
[...] 82% dos municípios brasileiros não possuíam museus, 84,5% não tinham teatro, 92% não tinham sequer uma sala de cinema e cerca de 20% não tinham bibliotecas públicas. Mesmo aqueles municípios que têm bibliotecas, 69% deles possuíam apenas uma e, nos municípios com até 20.000 habitantes, 935 não tinham nenhuma. Nos municípios com até 5.000 habitantes, a presença de livrarias e lojas que vendem discos, fitas e CDs é muito rara, com percentuais de 13,6% e 5,6%, respectivamente. E quando se fala em todo território brasileiro, dos 5.507 municípios pesquisados, 65% não possuíam esse comércio. Nos municípios com mais de 50.000 habitantes, 90% tinham esse tipo de loja com destaque para a região Sul, onde 60% dos
60
municípios têm livrarias e 40% têm lojas de discos, fitas e CDs (CIDADES, 2001)23.
É fato que ainda nos dias atuais esta realidade precária de acesso aos bens
culturais permanece em grande parte dos municípios brasileiros.
2.5.2.3 O controle social
Outra característica da Reforma do Estado como norma regulatória a
descentralização das políticas foi o controle social, que passou a ser uma das orientações
gerais para estados e municípios. Assim surgem os conselhos de participação da sociedade
civil e dos órgãos gestores para acompanhamento das políticas públicas24, principalmente na
área de saúde e educação. Em que pese os processos muitas vezes equivocados na eleição de
representantes legítimos para compor essas instâncias de participação popular e também as
dificuldades no próprio poder de definição das políticas públicas no Brasil, os conselhos
passaram a ser uma força a mais para a sociedade civil na defesa das históricas demandas.
Diferente do campo da saúde e da educação, a realidade da implementação de
políticas públicas de lazer no Brasil, ainda padecem da falta de um sistema de gestão
adequado. O estado brasileiro através de suas políticas públicas ainda não foi capaz de frear o
não acesso da maioria da população ao direito ao lazer. As políticas na área estão sendo
praticadas à luz da descentralização das políticas, de maneira pontual. Algumas cidades
elegem o lazer como projetos específicos para um determinado grupo humano e definem o
órgão deve assumir a pasta. Exemplo: é muito comum encontrarmos projetos de lazer para os
idosos sob a responsabilidade da secretaria e/ou fundação que cuida da assistência social,
assim como encontramos alguns projetos e ações de esporte e lazer para criança e adolescente
sendo desenvolvido pela secretaria de educação.
Essas práticas não fortalecem os princípios constitucionais de garantia de direito à
todos e todas, muito menos contribui para uma nova transformação social. O que ocorre é o
reforço às políticas específicas para as chamadas pessoas de risco pessoal e social,
23 Ver em Cidades do Brasil, mai. 2001. 24 No caso da saúde, a criação do SUS é o divisor de águas na política de assistência à saúde pública no Brasil. Na educação, o direito à educação ganhou maior impulso com a reorientação da LDB, mesmo com diferentes disputas de propostas do movimento de educadores para a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Os conselhos de educação ajudaram mais a acompanhar a execução dessa política pública. Esses sistemas foram e ainda são referências para a organização das políticas desses setores, pois os mesmos prevêem todas as ações, seja do financiamento da política até a forma de execução e distribuição do serviço pelo município.
61
praticamente estratégia de contenção da violência urbana ou mesmo de amenizar os enormes
problemas do viver nas cidades (caso dos idosos, principalmente) assim o lazer acaba
funcionando como ação compensatória e funcionalista contribuindo dessa forma para a
manutenção do status quo.
O governo Federal no contexto atual está desenvolvendo uma política de lazer
para o Brasil segundo os seus documentos orientadores25, inspirada nos princípios da
participação democrática de estimulador de novas formas de convivência social nas cidades.
A questão complicadora é que os recursos alocados para tal política que se materializa por
meio de Programas voltados para o espore e o lazer deve contar com a aceitação por parte dos
municípios, estados e setores privados para a adesão aos Programas. Por conseguinte essas
políticas não possuem recursos suficientes para serem realizadas em todos estados e
municípios. Outra questão a ser considerada é que muitos municípios não dispõem de
capacidade técnica e estrutural para assumir o processo burocrático e pedagógico de execução
de tais Programas. Aqui se enquadra o pensamento de Arretche (1998) quando diz que a [...] maioria dos municípios brasileiros caracteriza-se por baixa capacidade econômica, expressiva dependência das transferências fiscais e fraca tradição administrativa. Nestas condições, programas de descentralização desenhados de forma a minimizar os custos financeiros e administrativos de gestão passam a ter um peso decisivo na decisão das administrações locais. (ibdem, p.136)
Como agravante nota-se que o governo federal não consegue executar um
monitoramento efetivo dos Programas realizados pelos governos estaduais municipais e do
terceiro setor. Contudo é importante pensar que o lazer também sofre preconceitos quando se
pensa em políticas publicas no Brasil a idéia de distribuição de recursos para esta área, sempre
está relacionada a um menor valor, comparando a outras áreas de conhecimento. A simples
transferência de recursos para entidades, estados e municípios não garante que esses
programas serão bem executados.
O que se verifica então na atualidade é a continuidade da não existência de um
sistema claro entre as três esferas de poder que se possa acompanhar a execução das políticas
de lazer no Brasil. Historicamente as leis brasileiras discutiram de forma fragmentada esse
direito, como: as leis específicas voltadas para o setor esportivo - leia-se “futebol”; e para
cultura - leia-se: “belas artes”. Tais leis pouco valorizaram outras práticas esportivas, como:
vôlei, basquete, tênis de mesa e práticas culturais, como: capoeira, atividades circenses etc. O
discurso da atual gestão do Ministério do Esporte defende que seja criado um Sistema
25 Ver mais em PINTO, L. Brincar, Jogar e Viver: Lazer na Intersetorialidade do PELC. v. 1, n. 1, Goiás: América, 2008.
62
Nacional de esporte e lazer com vistas a efetivar uma política pública na área. Assim o
sistema deve: ser orientado pela Política Nacional do Esporte, aprovada pelo Conselho Nacional. Rever a legislação brasileira, ajustar o texto constitucional e a lei ordinária, definindo melhor as manifestações esportivas. Avançar na intersetorialidade do sistema esportivo, sobretudo com educação, cultura, saúde, trabalho e planejamento urbano, de modo que as políticas públicas tenham maior eficácia no que diz respeito ao desenvolvimento humano. Atuar para ampliar e diversificar as fontes de financiamento e rever o uso dos recursos disponíveis de modo a potencializar sua aplicação. Considerar o pacto federativo e definir competências para cada entidade nas ações públicas principais que devem ser objeto de acordos entre as partes. Concentrar a participação do setor público nos investimentos necessários para dotar o país de infra-estrutura e equipamentos adequados. Constituir uma Política de Formação de Recursos Humanos qualificada que permita o desenvolvimento do esporte em todas as suas dimensões. Atribuir ao Estado a responsabilidade pela regulação do esporte de rendimento através de normas gerais e mecanismos de fiscalização de modo a estimular os investimentos e a administração privada. Constituir o Conselho Nacional do Esporte como instância responsável pela elaboração e acompanhamento de Planos Plurianuais para o desenvolvimento do esporte brasileiro e fazer do Conselho uma projeção, em plano nacional, de mecanismo de controle social que se pretende estender a todo país como estrutura para o novo Sistema. Institucionalizar o esporte e o lazer nos estados e municípios com a criação e o fortalecimento de órgãos públicos próprios para a gestão desse setor26 (SILVA, 2009, não paginado).
As ideias aqui registradas sobre o sistema já são fruto de um amplo processo de
discussão da sociedade brasileira na Conferência Nacional de Esporte e Lazer. Sendo assim,
caso este sistema se consolide como política pública, será um marco na história da gestão
pública na área ter implementado um sistema de gerenciamento das políticas de esporte e
lazer fruto da contribuição democrática e participativa, pois o lazer precisa de um sistema
consolidado que perpasse pela elaboração de leis, elaboração de programas permanentes,
ações eventuais, implementação das políticas, acompanhamento, avaliação, controle social.
Os poderes públicos nas três esferas precisam viabilizar o sistema nacional de esporte e lazer
articulado aos movimentos sociais para as condições ideais para sua consolidação enquanto
política pública.
Outra reflexão necessária na compreensão do lazer na atualidade é sua relação
com o planejamento das cidades tendo com marco a Constituição de 1988 e a criação do
Estatuto das Cidades que definiu a criação de Planos Diretores para municípios a partir de 20
mil habitantes. Esta será a abordagem da próxima seção.
26 Trecho do artigo do Ministro Orlando Silva intitulado “A construção de um Sistema Nacional de Esporte e Lazer: o esporte precisa avançar como política de Estado Nacional para ser um direito de todos”. Disponível em: <http://vermelho.org.br/museu/principios/anteriores.asp?edicao=85&cod_not=1128>. Acesso em: 17 out. de 2009.
63
2.6 O lazer como demanda qualificada nos planos diretores
O município sofreu as mudanças significativas ao longo da história - desde
pequenos agrupamentos, para a formação de tribos, aldeias até chegar a configuração de
cidades e a formação do município como é conhecido hoje. Ackel Filho (apud SANT’ANA,
2006) diz que o século XX foi o marco para o município, onde ele recebeu uma atenção
especial e principalmente com a Constituição de 1988 em que sofreu na integra como ente
federado, podendo receber lei própria aprovada pela Câmara de Vereadores. Dentre esses
instrumentos municipais localiza-se o Plano Diretor que surge como matriz diretora do
Planejamento de cidades sustentáveis em que Lazer está assegurado.
O desenvolvimento do lazer ao longo da história moderna teve um marco
significativo, que foi a Criação Declaração Universal dos Direitos Humanos, logo após a
segunda Guerra Mundial e assinada pela maioria dos países do globo. A Declaração valorizou
lazer como parte fundamental do conjunto das necessidades humanas. No Brasil, a
Constituição de 1988, Estatuto da Cidade e o Plano Diretor Municipal ao incorporarem o lazer
como direito abriram novas esperanças de se concretizar um melhor planejamento do lazer
nas cidades. Neste item mapeiam-se alguns instrumentos legais que asseguram e/ou abrem
espaço para incorporação do lazer no planejamento da cidade. Traça ainda alguma análises
acerca do Plano Diretor na sociedade e da importância do lazer neste documento institucional.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi um marco histórico para a
assimilação do lazer enquanto um direito humano. Ela traz no artigo XXV a citação que
“Toda pessoa tem direito a repouso e lazer, inclusive a limitação razoável das horas de
trabalho e férias periódicas remuneradas”. Também o artigo XXVII afirma que “Toda pessoa
tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de
participar do processo científico e de seus benefícios.” 27 A própria existência desses dois
artigos na Declaração Universal demonstram o quanto era necessário o reconhecimento desses
valores, de modo a tornar a vida dos sujeitos mais digna, tanto no mundo do trabalho, quanto
na vida pessoal e comunitária. Para os países que assinaram a Declaração Universal, se tornou
um desafio, o compromisso em cumprir esse artigo, pois a atenção ao tempo livre também
necessita de atenção no sentido de possibilitar em cada país as possibilidades de vivência
desse direito.
27Ver mais em http://www.onu-brasil.org.br/documentos_direitoshumanos.php.
64
No Brasil, a Constituição Federal em vigor firmou o direito ao lazer como um
direito social, e especialmente com a emenda constitucional de 15 de outubro de 2000 que
inclui a moradia como um direito social, ficando então dessa forma: “Artigo 6º: São direitos
sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a
proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta
Constituição".
Com esta inclusão o lazer fica duplamente valorizado, pois o direito a moradia foi
incluso, como resultado das reivindicações do movimento nacional de luta pela reforma
urbana nos anos 1980, dentro de um conceito de moradia que não se resume à habitação, a ter
um domicílio, mas sim, que envolve todas as necessidades básicas do viver em um meio
ambiente saudável, com conforto ambiental, saneamento, o usufruto da energia elétrica, água
encanada, rede de trânsito e transporte, vizinhança, espaços de lazer e acesso a bens e
equipamentos culturais.
A Constituição referencia no artigo 7º que trata do direito dos trabalhadores, o
direito ao repouso semanal remunerado, com a indicação do domingo para este fim e o inciso
trará do “gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o
salário normal” e o exercício do trabalho pela carga horária máxima de quarenta e quatro
horas semanais28, são textos que corroboram para a vivência pelos sujeitos do direito ao lazer,
pois o tempo em que o trabalhador não estará utilizando para o trabalho, pode ser possível
planejar um momento para exercer o direito ao lazer.
Vale ressaltar que no título que trata da Ordem Social, o capítulo III da educação,
da cultura e do desporto. A ênfase dada ao lazer diz em seu parágrafo terceiro que “O Poder
Público incentivará o lazer, como forma de promoção social.” 29 Percebe-se que mesmo se
considerando um avanço o lazer estar escrito com direito na Constituição, ele ainda é tratado
com orientações genéricas, sem detalhamentos, ao contrário de outros direitos como educação
ou até da previdência social em que o nível de detalhamento dá um suporte necessário para a
implementação das políticas nessas áreas. No caso do Lazer, caberia mais incisos no sentido
de orientar os governos, nas três esferas de poder, em como atuar no sentido de assegurar que
esse direito possa ser executado de acordo com cada ente público e a sociedade em geral.
No Direito Ambiental Brasileiro, quanto ao princípio do direito à Sadia qualidade
de vida, Machado (2003) reflete que fruto de uma série de acordos internacionais esse
28 Esse trecho refere-se aos incisos XIII, XV e XVII do artigo 7º da Constituição Federal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm. 29 Consta na Constituição Federal, Título VIII da Ordem Social, no Capítulo III, da Educação, da Cultura, e do Desporto.
65
princípio se materializou como fundamental na compreensão de saúde não apenas como
ausência de doenças, mas que é necessário considerar o meio ambiente sadio e a sua
disposição, os serviços públicos básicos para que ela possa ter efetivamente uma vida digna.
Portanto, nesse conceito cabe perfeitamente o lazer entendido aqui como um benefício
público ofertado à população, em forma de espaços e programas de atividades que precisam
estar disponíveis para a população usufruir desse bem.
O Estatuto da Cidade, lei orientadora da política urbana, define em seu artigo 2º
define que a Política Urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções
sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais: “Garantia
do direito a cidades sustentáveis, entendido como direito à terra urbana, à moradia, ao
saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana ao transporte e aos serviços públicos, ao
trabalho e ao lazer para as presentes e futuras gerações;". Portanto, a exemplo da
Constituição, o Estatuto da Cidade reafirma o lazer como um dos elementos fundamentais que
compõem o direito à cidade sustentável.
O Estatuto da Cidade define o Plano Diretor como: um conjunto de princípios e regras orientadoras da ação dos agentes que constroem e utilizam o espaço urbano. O Plano diretor parte de uma leitura da cidade real, envolvendo temas e questões relativos aos aspectos urbanos, sociais econômicos e ambientais, que embasa a formulação de hipóteses realistas sobre opções de desenvolvimento e modelos de territorialização. O objetivo do Plano Diretor não é resolver todos os problemas da cidade, mas sim ser um instrumento para a definição de uma estratégia para intervenção imediata, estabelecendo poucos e claros princípios de ação para o conjunto dos agentes envolvidos na construção da cidade, servindo também de base para a gestão pactuada da cidade (BRASIL, 2002, p.40).
Portanto, o Plano Diretor vem com a tarefa para as cidades de “por ordem a casa”,
mas segundo Villaça (2008), tal instrumento de planejamento municipal mereceu tanta
atenção nas últimas décadas que nos cabe pensar a que se deve todo o movimento para se
fazer cumprir a obrigatoriedade da lei a que interesses ele tem servido.
Ele define Plano Diretor como: [...] um plano que, a partir de um diagnóstico científico da realidade física, social, econômica, política e administrativa da cidade, do município e de sua região, apresentariam um conjunto de propostas para o futuro desenvolvimento socioeconômico e futura organização espacial dos usos do solo urbano, das redes de infra-estrutura e de elementos fundamentais da estrutura urbana, para a cidade e para o município, propostas estas definidas para curto, médio e longo prazos, e aprovadas por lei municipal (VILLAÇA, 1999, p.238).
Villaça (1999) aponta o Plano Diretor como instrumento estratégico, orientador
para o planejamento urbano. O Plano é uma tentativa de corrigir e ou ampliar a possibilidade
que se ter cidades melhor planejadas. Dessa forma o que se espera do Plano Diretor em
qualquer cidade é que o mesmo possa cumprir o verdadeiro urbanismo de acordo com a
66
doutrina pregada pela Carta de Atenas citada por Sant’ana (2006) em que aponta as quatro
funções centrais do urbanismo são: primeiramente, assegurar aos homens moradias saudáveis; em segundo lugar, organizar os locais de trabalho, de tal modo que este, ao invés de ser uma sujeição penosa, retome seu caráter de atividade humana natural; em terceiro lugar, prever as instalações necessárias à boa utilização das horas livres, tornando-as benéficas e fecundas; em quarto lugar, estabelecer o contato entre essas diversas organizações mediante uma rede circulatória que assegure as trocas, respeitando as prerrogativas de cada uma. Essas quatro funções, que são as quatro chaves do urbanismo, cobrem um domínio imenso, sendo o urbanismo a conseqüência de uma maneira de pensar levada à vida pública por uma técnica de ação. (LE CORBUSIER apud SANT’ ANA, 2006, p. 36)
Depois da Constituição de 1988 várias cidades cumpriram seu compromisso com
o princípio constitucional de criação do Plano Diretor Municipal como uma lei orientadora do
planejamento municipal. Porém, tal documento aprovado recentemente como um instrumento
de organização do município tem grande dificuldade de se efetivar com sucesso, pois o que se
constata na vida urbanística do Brasil é o processo histórico de crescimento desordenado na
maioria das cidades brasileiras.
O fenômeno da urbanização que é típico da sociedade urbano-industrial
corroborou para que o país tivesse experimentado o chamado boom populacional, sem um
plano de desenvolvimento urbano nas cidades brasileiras, ocorrido após a segunda metade do
século XX, o Brasil experimentou o que se convencionou chamar de crise urbana, sobretudo
nas capitais. (MARICATO, 2008; SANTOS, 1993; SANT’ANA, 2006). Como consequência
uma série de transformações negativas geravam graves problemas sociais, como o surgimento
das favelas e áreas de ocupação, com habitações, infraestrutura viária e sanitárias precárias
etc. Mesmo depois de ter amenizado no Brasil o processo de crescimento das grandes cidades
para um ligeiro deslocamento do centro urbano para as cidades de porte médio e para áreas
periféricas geralmente localizadas nas regiões metropolitanas, se constata as péssimas
condições do viver nessas cidades tornou-se premente (BASSUL, 2002).
Neste sentido a ideia da criação de um plano estratégico para as cidades, com um
certo nível de complexidade estrutural (cidades até 20 mil habitantes), se caracterizou como
uma grande mentira, pois na opinião deste autor “os problemas da maioria da população,
aquela enorme parcela que é forçada a viver à margem da lei urbanística (e de muitas outras
leis) são ignorados pelos Planos Diretores e seus princípios gerais.”(ibdem, p.242) O que
realmente tem sido aprovado nesse instrumento ainda representa os interesses do
empresariado.
Na década de 1990 para se adequar à nova Constituição várias cidades brasileiras
criaram ou revisaram seus Planos Diretores como: Porto Alegre, 1996; Belém, 1993; Belo
67
Horizonte, 1996 etc. O Rio de Janeiro não regulamentou o Plano Diretor pela força política do
empresariado local com suas pressões junto ao legislativo municipal. Eles discordavam dos
projetos de lei referentes ao Solo Criado e o Fundo Municipal de Desenvolvimento Urbano. O
que foi possível aprovar após grandes negociações políticas nessas cidades foi um Plano
Diretor que afirma apenas diretrizes genéricas que refletem os interesses dos empresários. O
autor destaca que os mesmos documentos fizeram São Paulo incorrer na mesma situação e
não aprovar seu Plano Diretor neste período (VILLAÇA, 1999, p.243).
O lazer foi incorporado neste documento de acordo com a recomendação do
Estatuto da Cidade, como já se falou anteriormente, ocupando, em tese, um lugar de destaque,
no mesmo grau de importância da educação, da saúde, transporte, etc. Pode se considerar uma
vitória histórica para aqueles que lutam e acreditam na importância do lazer na vida das
cidades, como elemento constituinte de um padrão cidades sustentáveis. Mas, como bem já se
fez referência nos itens anteriores sobre a trajetória do lazer nas políticas públicas, percebe-se
que pouco se deu a devida atenção ao tema mesmo depois do Estatuto da Cidade e
logicamente da determinação de criação do Plano Diretor.
Villaça defende a tese que os Planos Diretores ainda não deram certo, por uma
série de fatores. Um deles está relacionado ao fato de ainda não existir no texto do Plano uma
maior objetividade, no sentido de detalhar melhor como a política deve ser efetivada. A
definição de um texto mais genérico, em parte tirou deste instrumento o papel de orientador
efetivo do planejamento da cidade mesmo considerando que ele aponta a criação de outros
instrumentos que devam ser regulamentados para melhor detalhamento do planejamento e que
vão efetivar tais diretrizes.
A compreensão que se tem desse instrumento, portanto, vai ao encontro do
pensamento de Villaça e se defende que um instrumento de Planejamento deve ser propositivo
com riqueza de detalhamento atingindo o nível de definições prioritárias, a curto, médio e
longo prazos, de formas que a sociedade e as instituições que operam na arena do
planejamento da cidade possam ter de fato um instrumento-guia para acompanhar, fiscalizar,
executar as políticas nas cidades. Neste sentido, o Plano diretor como regra institui
formalmente o Planejamento da Cidade, em que o lazer deve constar como parte das políticas
que compõem as funções sociais da cidade, no entanto, ele só se efetiva como Planejamento
municipal se estiver articulado ao planejamento estratégico municipal a participação popular e
todo o aparato técnico jurídico relacionados à política urbana30 ao alcance de todos e,
30 Chama-se atenção para o Planejamento estratégico municipal em que as políticas públicas precisam ser melhor detalhadas do ponto de vista de sua opção prática. Neste ponto, também se está falando da devida participação da
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sobretudo, se as definições que nele constar possam de fato atender aos interesses das
camadas menos assistidas da sociedade, caso contrário ele será apenas um documento
autorizador das contradições histórica da sociedade atual.
sociedade civil e dos instrumentos como parcelamento e uso do solo, outorga onerosa do direito de construir, plano plurianual etc. os quais conduzem esse processo de definição.
69
3 O LAZER E O PLANEJAMENTO URBANO NA AMAZÔNIA
Era uma vez na Amazônia a mais bonita floresta mata verde, céu azul, a mais imensa floresta
no fundo d'água as Iaras, caboclo lendas e mágoas e os rios puxando as águas
Papagaios, periquitos, cuidavam de suas cores os peixes singrando os rios, curumins cheios de amores
sorria o jurupari, uirapuru, seu porvir era: fauna, flora, frutos e flores
Toda mata tem caipora para a mata vigiar veio caipora de fora para a mata definhar
e trouxe dragão-de-ferro, pra comer muita madeira e trouxe em estilo gigante, prá acabar com a capoeira
Fizeram logo o projeto sem ninguém testemunhar prá o dragão cortar madeira e toda mata derrubar:
se a floresta meu amigo, tivesse pé prá andar eu garanto, meu amigo, com o perigo não tinha ficado lá
O que se corta em segundos gasta tempo prá vingar e o fruto que dá no cacho prá gente se alimentar?
depois tem o passarinho, tem o ninho, tem o ar igarapé, rio abaixo, tem riacho e esse rio que é um mar
Mas o dragão continua a floresta devorar e quem habita essa mata, prá onde vai se mudar???
corre índio, seringueiro, preguiça, tamanduá tartaruga: pé ligeiro, corre-corre tribo dos Kamaiura
No lugar que havia mata, hoje há perseguição grileiro mata posseiro só prá lhe roubar seu chão
castanheiro, seringueiro já viraram até peão afora os que já morreram como ave-de-arribação
Zé de Nata tá de prova, naquele lugar tem cova gente enterrada no chão:
Pois mataram índio que matou grileiro que matou posseiro disse um castanheiro para um seringueiro que um estrangeiro
roubou seu lugar[...] Aqui termina essa história para gente de valor
pra gente que tem memória, muita crença, muito amor pra defender o que ainda resta, sem rodeio, sem aresta
era uma vez uma floresta na Linha do Equador...31
Mapa 01- Amazônia Legal Fonte: abdecpara.blogspot.com
31 Trecho da Música Saga da Amazônia de Vital Farias.
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A reflexão pretendida por este capítulo está na identificação do lazer no
Planejamento na Amazônia. De certo, que faz-se necessário tecer algumas considerações
acerca do esta região significa na história não só do Brasil mas sobretudo como os usos deste
território tem acumulado sentidos e significados que vão desde a imagem mítica de suas
culturas, ao apelo político-econômico. Tais olhares e intervenções definiram o processo de
crescimento e desenvolvimento urbano na mata, à custa de muitas tensões e conflitos, com
sua própria população nativa e aqueles que vieram aqui buscar uma vida digna para os seus e
as gerações futuras.
Assim o primeiro item intitulado “O processo de crescimento e desenvolvimento
urbano na mata” vai a partir de alguns autores como Marilene Corrêa Silva (2006), Edna
Castro (2008), Edmilson Rodrigues (1996), Trindade Júnior (1998), David F. Carvalho
(2006), Wallace Meireles (2008), demonstrar alguns aspectos que caracterizam a história
dessa região, tendo em vista que é quase impossível desvelarmos a Amazônia em sua
totalidade pela diversidade de produções sobre a região em diferentes enfoques e
fundamentalmente porque a realidade é dialética e não caberia neste trabalho uma abordagem
extensiva sobre a temática. Neste sentido, buscou-se trazer alguns elementos sobre a história
de sua formação, os processos de urbanização no século XX e alguns dados que demonstram
o tipo de crescimento e desenvolvimento da Amazônia na atualidade, para pensarmos como
estas questões tem influenciado nas políticas de lazer adotadas da região.
O segundo item reflete sobre “O Lazer no Planejamento Urbano da Amazônia”
onde se busca pensar como o lazer tem sido concebido no Planejamento urbano do ambiente
urbano Amazônico. No terceiro item, “Belém e Manaus, Metrópoles da Mata: aproximações e
contrastes” se identifica a história e as principais características dessas cidades estabelecendo
semelhanças e diferenças entre as duas cidades Amazônicas e no item “O lazer e o plano
diretor das metrópoles amazônicas: questões para análise” destaca-se os elementos
metodológicos que nortearam a análise dos dados sobre o Plano diretor das duas cidades.
3.1 O processo de crescimento e desenvolvimento urbano na Amazônia.
A Amazônia não nasce direta e limpidamente brasileira. Começa por ser principalmente indígena, nativa. Aos poucos, revela-se portuguesa, colonial. Em seguida, afirma-se cabana, revolucionária. Depois, é definida como brasileira, nacional. Situa-se no mapa do Brasil com imensa geografia e surpreendente história. Mas continuará sendo simultaneamente indígena, portuguesa, cabana e brasileira; assim como um momento da sociedade mundial (IANNI, 2004, p. 07).
71
Otávio Ianni ao apresentar o livro de Marilene Corrêa Silva consegue sintetizar
muito bem a beleza de abordagem da autora sobre o processo de surgimento da Amazônia no
cenário brasileiro e mundial. Trata-se de obra que ao recuperar o nascedouro deste território
reapresenta as diversas identidades, em diferentes momentos de político-econômicos, que
muitos autores já trabalharam sobre a região, mas que nesta abordagem nos convém trazer
alguns elementos que marcam o processo de desenvolvimento da Amazônia, sobretudo a
partir da expansão capitalista.
Marilene Silva (2004) ao tratar sobre a Amazônia e identificar os seus diversos
ciclos como bem nos mostrou Ianni recuperou com isso pelo menos os três primeiros séculos
de ocupação europeia na América Latina. O que se constata inclusive em vários estudos sobre
o processo de formação da Amazônia que sua história é marcada pela dominação européia
que se caracterizou pela tentativa de padronização aos moldes europeus da região (SILVA,
2004; CASTRO, 2008; BENCHIMMOL, 2009; TRINDADE JR., 1998; CARVALHO, 2006;
MEIRELES, 2008 etc.). Essa dominação teve como primeiras estratégias legais a demarcação
e denominação do território, com a finalidade “de homogeneização das diversidades”
(SILVA, 2004, p. 22). Outra estratégia foi a ocupação de espaços territoriais com maior poder
de geração de lucro imediato para o colonizador.
Nos estudos de Silva (2004) nota-se a relação que se estabelece entre o Estado
nacional e a região no Pós-Cabanagem, no século XIX. Se estabelecer relação com a realidade
amazônica atual, tal trecho poderia muito bem ser um texto escrito por algum jornalista e/ou
pesquisador fazendo, por exemplo, uma análise de balanço da Amazônia no século XXI. A imposição do Estado nacional sobre a Amazônia concebida pelo poder tem todos os temas justificadores da ação interventiva. A construção da Amazônia brasileira, após a Revolução Cabana, resgata do espírito colonial a feição de região bárbara e inóspita, a condição de fronteira da Nação soberana, a situação de atraso econômico e cultural, fundamentando, neste parâmetro, as diretrizes para a ocupação, para a civilização, para a conformação da região à unidade dita nacional. A existência sitiada da região Norte, no período subseqüente à Cabanagem, passou pelo “tratamento de choque” das populações regionais como massas compulsoriamente integradas nas frentes de expansão da sociedade nacional, que incluía a liberação das terras tribais para empreendimentos recolonizadores, patrocinados pelo Estado. A manutenção da ordem nacional justificou a exclusão dos direitos de autodeterminação dos povos amazônicos, cerceou o associativismo tradicional das sociedades caboclas, e permitiu que as ambições dos interesses administrassem, a seu modo, a vida e a sociedade regional. Os interesses dominantes, fantasiados de interesses regionais, inventaram na “vocação extrativista” a justificativa da ação predatória sobre as terras e as populações amazônicas (SILVA, 2004, p. 275).
A Amazônia por centenas de anos foi um espaço “esquecido” do território
nacional. Esta expressão nas aspas refere-se a uma visão de censo comum que em outras
palavras passa pelo sentimento popular sobre o desenvolvimento tardio da região, se
72
comparado ao conjunto do território brasileiro e mundial. A visão empírica aponta que
Amazônia e logicamente seu território e sua gente não é reconhecida e respeitada em sua
singularidade, especificidade, diversidade populacional, biodiversidade e potencialidade
econômica. O que tem prevalecido fundamentalmente é o tipo de desenvolvimento imposto
pelo estado a esta região motivado pela importância que este território tem nos interesses dos
mercados capitalista nacional e internacional. A orientação observada na política nacional é a de traçar medidas que reforcem a integração de mercados com os países que se alinham nas amplas fronteiras da região amazônica, sob a liderança pretendida do Brasil. [...] a ação do Estado se efetiva por meio de processos econômicos, reais ou virtuais, como estratégia fundamental de presença ativa em mercados além-fronteira. E a Amazônia, pela singularidade de ter oito países como vizinhos, representa um trunfo a ser mais bem apropriado no novo rearranjo geopolítico (CASTRO, 2002, p.05).
Os estudos científicos revelam que ao longo da história da Amazônia os usos
deste território têm acumulando sentidos e significados de valor vital aos interesses do grande
capital. Muitas pesquisas no campo das ciências sociais têm identificado a Amazônia, o Brasil
e os países da América Latina como periferias do sistema capitalista. No caso da Amazônia,
ainda se experimenta no território o paradigma da economia de fronteira32 onde o processo de
ocupação se deu a partir das demandas externas e seu desenvolvimento que por sua vez, foi
marcado por momentos longos de paralisia e decadência econômica (TRINDADE JR., 1998,
2006). Carvalho (2006) ao estudar a “Globalização financeira e Amazônia nos anos 90”
afirma que a região encontra-se ainda hoje numa situação que reflete “o monopólio comercial,
por parte dos países centrais” sendo este traço característico como herança dos ciclos da
borracha. Ele afirma que: a Amazônia se atrasou quanto ao seu desenvolvimento econômico capitalista devido, dentre outras razões históricas – inclusive o monopólio do comércio exterior dos seus produtos – não ter se constituído um mercado regional de trabalho em bases capitalistas e o volume da circulação de dinheiro não ter sido suficiente para dissolver as velhas relações pré-capitalistas ao nível da produção e da circulação das mercadorias do comercio intra e interregional (CARVALHO, 2006, p. 316).
Que crescimento e desenvolvimento se espera de uma região que historicamente
“foi concebida, pelas elites nacionais, como uma fronteira de recursos, na qual o capital
poderia refazer seu ciclo de acumulação com base nos novos estoques disponíveis.”
(CASTRO, 2005, p.10). Rodrigues (1996) argumenta que logo no Pós-Guerra, a Amazônia
foi se efetivando como um “espaço estratégico de acumulação capitalista, regida agora pela
32 O paradigma da economia de fronteira é definido por Kenneth Boulding e significa a forma de conceber os recursos naturais como infinitos.
73
lógica dos oligopólios e monopólios econômicos que gradativa e crescentemente passaram a
determinar a dinâmica nacional” (ibidem, p.22).
A partir da década de 1960 nota-se que a estratégia do estado brasileiro de
ocupação da Amazônia passou pela política de tornar a Amazônia um espaço atrativo com
estrutura urbana e o estímulo a urbanização da região foram as saídas para potencializar a
economia neste período. Segundo Trindade Jr. (1998), é possível identificar o que significou o
crescimento populacional neste período em relação ao Brasil. Os dados do IPEA relevam que
“Na Amazônia Legal, cerca de 73% dos seus 22,5 milhões de habitantes residiam em cidades
em 2004 (NETUNO, 2008, p. 15).
Os efeitos dessa urbanização podem ter como uma de suas características o
desencadeamento do processo de Metropolização da Amazônia (TRINDADE JR., 1998) que
seria o processo instalado nas cidades, sobretudo nas capitais dos estados amazônicos que
acumularam uma urbanização concentrada mediante o estímulo estatal, com o aparecimento
de novas instituições e de atividades econômicas33. Assim na tabela 01 demonstra-se o que
significou o crescimento populacional tanto do Brasil quanto da Amazônia legal demonstrada
em duas colunas onde a primeira apresenta os dados relativos ao crescimento populacional
total e a segunda representa o crescimento ocorrido apenas nas sedes dos municípios, dentro
do período de 1960/ 1991 na Amazônia Legal, em relação ao Brasil.
Tabela 01 - Crescimento urbano no Brasil e na Amazônia Legal (1960/1991) Crescimento populacional
Total (1960 /1991) Crescimento populacional na Sede do munic. ( 1960 /1991)
UNIVERSO
Abs. % Abs. % BRASIL 78.884.888 246,59% 69.979,075 245,20%
AMAZÔNIA LEGAL34 7.525.373 485,08% 7.059.209 509,15% Fonte: Dados do IBGE (RIBEIRO apud TRINDADE JR., 1998, p. 51).
33 Segundo Corrêa esse processo de Metropolização seria uma urbanização concentrada que por sua vez: “ reflete, de um lado o Papel do Estado através da criação nas capitais de um número crescente de instituições vinculadas às novas atividades implantadas e em implantação na região. Trata-se de numerosos órgãos da administração direta, fundações e empresas estatais ligadas à gestão daquelas atividades. Focos da vida econômica, política e administrativa, as capitais constituem pontos de atração de empresas privadas não apenas diretamente vinculadas às atividades regionais, mas também aos serviços e comércio para a população urbana. Todas estas atividades implicam um ponderável mercado de trabalho que justifica, em parte, o crescimento demográfico concentrado...” (CORRÊA apud TRINDADE JR., 1998, p. 54). 34 A Amazônia legal foi garantida a partir de um decreto lei em 1953 na época era composta pelos Estados do Amazonas e Pará e parte dos Estados Mato Grosso, Goiás e Maranhão, além dos territórios federais do Acre, Amapá, Guaporé e Rio Branco. Em 1966, com a Lei 5.173/66, o Acre passa a ser estado. São acrescentados os territórios federais de Roraima e Rondônia. A nova Lei que altera a Amazônia Legal de 1977 incorpora todo o Estado do Mato Grosso. Em 1988, com a nova Constituição Federal extingue os territórios federais elevando a condição de estado Roraima e Rondônia e cria o estado do Tocantins. Portanto, a atual configuração da Amazônia legal é constituída de 09 estados, sendo que o estado do maranhão é considerado apenas uma parte deste estado ao nível do meridiano 44º. Existe outra classificação legal para a Amazônia que é a divisão oriental e ocidental. Assim faz parte da Amazônia ocidental os estados do Acre, Rondônia e Roraima. Já a Amazônia Oriental é composta pelos estados do Amapá, Maranhão, Mato Grosso, Pará e Tocantins.
74
Desde o final do século XIX, com os ciclos econômicos da Borracha, a Amazônia
teve uma grande projeção no seu processo de urbanização. Para se ter como parâmetro nota-se
na tabela 01 o processo evolutivo da densidade demográfica do Brasil, desde 1872 até o ano
de 2000 para se ter uma noção do que representou a urbanização brasileira e seus efeitos na
Região Norte, que representa mais de 80% da região Amazônica brasileira. Nessa tabela, se
constata que a Amazônia cresceu em densidade demográfica em uma escala de zero à 25,
apenas 3,35 pontos, enquanto o Brasil avançou na mesma tabela 19,92.
Gráfico 01 - Densidade Demográfica do Brasil e Região Norte
Fonte: Dados do Censo Demográfico de 1872 a 2000 (IBGE, 2010).
Constata-se no gráfico 01, sobre a densidade demográfica, que tanto no Brasil
quanto na região norte é a partir dos anos 50 que urbanização brasileira ganha força. Mas é
nas décadas de 70 a 90 que esta densidade ganha valores maiores comparada às demais
décadas do século XX. Castro (2008) demonstra que a taxa de urbanização da Amazônia nos
anos 40 era de 27% e a do Brasil 31% e se manteve com pouca variação até os anos 70
quando passa a crescer de maneira acelerada atingindo a marca nos anos 2000 de 81% de
pessoas vivendo nas cidades no Brasil. Na Região Norte, esses dados sobem para 69,87%. Em
que pese o posicionamento crítico de Veiga (2003) acerca da metodologia do IBGE para
definir as cidades urbanas e rurais no censo 2000 em que diz que o Brasil atingiu uma taxa de
urbanização de 81%.35 O Brasil se tornou mais urbano. A Região tem se caracterizado por um
35 José Eli da Veiga apresenta com riqueza de argumentos que a dinâmica do Censo utilizado em 2000 é datada do Estado Novo - Era Vargas, que nos dias atuais ainda está servindo de parâmetro para contagem da população. Ele afirma que sem dúvida alguma os dados apresentados não são fidedignos à realidade do Brasil. Ver mais em:
75
formato em que a concentração urbana ocorre em espaço limitado com 66 % dos habitantes
ocupando 0,01 % do território amazônico (LE THORNEAU, 2005). O país torna-se urbano e
com ele a Amazônia que representa 61% do território nacional.
De acordo com o último censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
estatística – IBGE, em 2010 nota-se foi possível identificar muito bem como chega na
primeira década do século XXI a distribuição da população da Amazônia Legal pelos estados
da região. Mesmo considerando que apenas parte do Maranhão, ao nível do meridiano 44º, é
legalmente reconhecido como integrante da Amazônia, é possível ter uma noção das áreas
mais populosas da região amazônica. Identifica-se que não foi alterada a posição dos estados
em relação a quantidade de população. O Pará é o primeiro do ranking com 7.443.904 hab.,
corresponde a 4% da população brasileira. O estado do Maranhão com 6.424.340 hab.,
representa 3,45% da população nacional. Já o estado do Amazonas é o 3º com 3.350.773. O
Amazonas é o estado que mais representa a reflexão sobre o forma de ocupação da Amazônia
em menor espaço como afirmou Le Thorneau (2003), apresenta um percentual de 1,80%. Em
seguida vem o estado do Matogrosso com 2.954.625 na 4ª posição, com 1,59% de
participação na população. Em ordem decrescente vem os Estados de Rondônia com
1.535.625 (0,82), Tocantins, 1.373.551, (073%), Acre, 707.125 (0,38%); Amapá
648.5530,34% e Roraima 425.398 (0,22%). Nesta relação, o crescimento populacional na
Amazônia se deu de maneira lenta, comparada a década anterior.
Tabela 02 - Dados da População na Amazônia Legal
TOTAIS População em 2010
% População em 2000
%
Brasil 185.712.713 100 % 169.799.170 100 %
Região Norte 15.484.929 8,33% 12.900.704 7,59%
Acre 707.125 0,38% 557.526 0,32%
Amapá 648.553 0,34% 477.032 0,28%
Amazonas 3.350.773 1,80% 2.812.557 1,65%
Maranhão 6.424.340 3,45% 5.651.475 3,32%
Mato Grosso 2.954.625 1,59% 2.504.353 1,47%
Pará 7.443.904 4% 6.192.307 3,64%
Rondônia 1.535.625 0,82% 1.379.787 0,81%
Roraima 425.398 0,22% 324.397 0,19%
Tocantins 1.373.551 0,73% 1.157.098 0,68%
Fonte: Dados do Censo Demográfico (IBGE, 2010).
VEIGA, José Eli da. Cidades Imaginárias: o Brasil é menos urbano do que se calcula. Campinas: Autores Associados, 2003.
76
Para este estudo, que traça uma análise do lazer nas metrópoles Amazônicas:
Belém e Manaus, é considerado relevante identificar a população dos estados onde esses
municípios estão inseridos. Na representação da tabela 02 nota-se uma diferença substancial
dos índices de população, num período de 128 anos, que compreende o final do século XIX
até o início do terceiro milênio. Assim, a tabela apresenta os valores absolutos de população
do Brasil, da região Norte e dos estados do Amazonas e Pará, de acordo com os dados do
último Censo Demográfico Brasileiro do IBGE. Verifica-se que os valores absolutos
populacionais nos estados do Pará e Amazonas, sempre crescentes no período, a exemplo do
que já se constatou na tabela anterior.
Tabela 03 - População do Brasil, Região Norte e Estados do Amazonas e Pará
ANOS BRASIL NORTE AMAZONAS PARÁ
1940 41.236.315 1.462.420 438.008 944.644
1950 51.944.397 1.844.655 514.099 1.123.273
1960 70.070.457 2.561.782 708.459 1.529.293
1970 93.139.037 3.603.860 955.235 2.167.018
1980 119.061.470 5.890.633 1.430.314 3.411.235
1991 110.990.990 5.922.574 1.502.754 2.596.388
2000 137.775.550 9.002.962 2.812557 6.192307
201036 185.712.713 15.484.929 3.350.773 7.443.904
Fonte: Censos Demográficos de 1940 a 2000 (IBGE, 2010).37
Segundo Castro (2008), o estado desenvolvimentista é o principal ator do avanço
da fronteira na Amazônia. Em suas palavras, a autora nos diz que: o estado desenvolvimentista, na concepção Keynesiana, foi capaz de formular um projeto de intervenção do qual resultaria a abertura da fronteira no norte do Mato grosso, de Rondônia e no Sudeste do Pará, nos anos 70 e 80, seguia-se nas terras interiores de Goiás e do Maranhão, sobretudo com a passagem da rodovia Belém-Brasília, que abriu o mercado de terras e de recursos e incentivou a ida de fluxos crescentes de migrantes para regiões mais centrais dos estados de Goiás, Maranhão e Pará. [...] Assim além da ação determinante do estado, consideram-se relevantes os seguintes fatores: a materialização da fronteira com novas oportunidades de mercado e de trabalho; a transformação de espaço urbano com o crescimento das cidades existentes e o aparecimento de novas; o estímulo à migração de outras regiões com tensões sociais no campo; transferência para a fronteira amazônica dos problemas resultantes das contradições da relação capital trabalho vividas localmente, como desigualdades social, pobreza e exclusão da terra (ibdem, p. 21).
A metropolização da Amazônia que entre outras coisas foi provocada por uma
maior abertura das fronteiras ao capital internacional, gerou o aparecimento de um novo
modelo de povoamento. Assim, tal urbanização concentrada deve-se a progressiva 36 Disponível em: http://www.censo2010.ibge.gov.br/. Acesso em: 04 nov. 2010. 37 Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/series_estatisticas/exibedados.php>. Acesso em: 01 abr. 2010.
77
industrialização, que constitui um novo processo de acumulação do capital na economia e na
sociedade brasileira e urbanização na região. Segundo Castro (2008), o estado
desenvolvimentista é o principal ator do avanço da fronteira na Amazônia.
Dessa forma, a Amazônia chega ao final século XX com um grau de importância
vital para o planeta, pois a exuberância ecológico-ambiental agrega interesses difusos na
globalização atual, ligados ao secular processo de exploração extrativista de suas riquezas
naturais e outras formas mais recentes de investigação-exploração, patrocinada pelo complexo
aparato técnico-científico que tem caracterizado essa fase da globalização.
Há que se considerar que este espaço amazônico é heterogêneo e diverso do ponto
de vista dos seus lugares, seus atores sociais, fauna, flora, culturas e agentes econômicos. Há
muito, tem se constituído de maneira historicamente determinada, como palco de um processo
invasivo de ocupação, se configurando como um espaço de saque do grande capital. Mas
também por interesses contraditórios que oscilam entre o uso indiscriminado da natureza e a
defesa socioambiental, gerando problemas sócio-espaciais danosos, como o crescimento
populacional desordenado, a aceleração do desmatamento, conflitos violentos pela terra e pelo
seu controle. Como exemplo o processo conflituoso de implantação Hidrelétrica de Belo
Monte, no Pará, tem trazido a cena política as determinações institucionais, desqualificam
pesquisas e pesquisadores e movimentos sociais contrários ao projeto38. A dinâmica
econômica da globalização tem se imposto o Projeto e a revelia das diversas etnias
indígenas39 e nos usos do território amazônico. Tal exemplo, assim como os ciclos de
exploração da borracha, do minério, os processos migratórios, a federalização de territórios, a
Belém Brasília, os Grandes projetos na Amazônia (Albras Alunorte/PA, Alumar/MA,
Complexo Trombetas/PA, Projeto Jari/PA-AP, Hidrelétrica de Tucuruí/PA, Zona Franca de
Manaus/AM etc), o controle militar e policial da Amazônia etc. Todas essas ações foram fruto
do Planejamento estratégico do Estado em diferentes momentos históricos. Portanto, o Estado
como instituição, é o principal ator no processo de desenvolvimento da Amazônia.
O resultado desses processos de intervenção estatal contribuiu sobremaneira para
o agravamento do desmatamento da floresta amazônica e para o desequilíbrio ambiental,
assim como contribuiu para o surgimento de cidades e povoados, ao passo que
38 O pesquisador do INPA, assim como vários outros atores sociais, têm denunciado esse processo. Ver Anais do III Encontro Latino Americano em Ciências Sociais e barragens, Belém-Brasil, 2010. 39 Serão atingidas as populações indígenas: Juruna, Xipaya, Kuruaya, Arara do Baixo, Xicrin, Kayapó (Kararaô), Assurini, Araweté, Parakanã e Arara. Além de povos ribeirinhos e populações urbanas ao longo do Rio Xingu. Ver mais em: VILLAS-BOAS, Paulo Celso. O que há por trás de Belo Monte? Disponível em: <http://expedicaovillasboas.com.br/>. Acesso em: 20 abr. 2010.
78
contraditoriamente ajudou no desmantelamento de outras localidades, populações e culturas
na região.
Os dados encontrados nos estudos do INPE sobre o processo de desmatamento da
Amazônia revelaram que houve um crescimento de 15%, pois de 1998 e 1999 a taxa de
desmatamento apontava para 17, 3 mil km2, já os dados de 1999 a 2000 saltam para 19,8 mil
km2. (INPE, 2000). Os dados do IBAMA apontam para 19.250km (Castro, 2008).
Recentemente, o INPE registrou os dados de 2009 apontando que foram desmatados 7,4 mil
km2. O IMAZON, através do SAD (Sistema de Alerta de Desmatamento), que diferencia
desmatamento de degradação florestal40, apresenta dados diferenciados que totalizam 76 km2
de desmatamento na Amazônia Legal em 2010.
Gráfico 02 - Participação (%) dos Estados da Amazônia Legal Fonte: IMAZON/SAD (2010).
As diferentes formas de avaliar o grau de desmatamento pelas diferentes
instituições públicas e privadas apresentam um consenso que é o alto grau de desmatamento
na Amazônia e que tem como alvos principais os Estados do Pará e do Mato Grosso. Por
outro lado, os estados do Amapá, Amazonas, Acre e Tocantins apresentam os menores
índices. Dessa forma, se confirma os dados de Alves (2001) quando diz que o eixo do
desmatamento acontece nos estados posicionados mais nos eixos de articulação de sistemas
produtivos articulados ao Centro Oeste, Sul e Nordeste da Amazônia Legal e que se
interligam ao longo da Belém Brasília.
Outro aspecto relevante ao pensar a Amazônia e compreender que
desenvolvimento se tem na região se olharmos para atendimento aos direitos sociais básicos
da população. No campo da educação, o censo de 2000 registrou que na região Norte 15,6%
das crianças de 7 a 9 anos estavam fora da escola e na faixa etária de 10 a 14 anos a taxa é de
14%. Em 2007, a taxa de analfabetismo registrada pelo IBGE/ PNAD marcou um queda 11,1% 40 Para o IMAZON, a degradação florestal acontece toda vez que florestas sofrem um processo de destruição por fogo e ou a retirada intensa de sua madeira.
79
do índice de analfabetismo das crianças na faixa etária de 7 a 9 anos na Região Norte41. Sendo
o Pará na Amazônia legal o que lidera o índice se analfabetismo, de acordo com o IBGE.42
Não se pode perder de vista que se tem ainda pouco acesso nestas partes do Brasil.
Uma delas é a pouca produção científica na região. Segundo os dados do INEP de 2005, sobre
o número de docentes no ensino superior na Região Norte os dados apresentados são os
menos na tabela por região dos 230, 784 docentes neste nível de ensino apenas 12.089, estão
na Região Norte, o que equivale ao percentual de 5,2% do total de docentes no país.
Na tabela 04 sobre a relação doutor/matrícula e taxa de escolarização bruta, por
estado – Brasil /20042005 abaixo, produzida pelo INEP, manteve-se apenas os estados do
sudeste que têm apresentado os melhores índices de desenvolvimento e de acesso ao ensino
superior, para perceber-se o contraste em relação aos estados que compõem a Amazônia
Legal.
Tabela 02 - Relação entre Doutores e matrículas de estudantes no Brasil, estados da Amazônia Legal e Região Sudeste
Doutores, matrículas de 2004, relação doutor/matrícula e taxa de escolarização bruta, por
estado - Brasil /20042005 Estados da Amazônia Legal: Estados do Sudeste:
Estado Doutores, PDr, LD Matrículas Relação
doutor/matrícula Taxa de escolarização Bruta
Brasil 52.376 4.164.202 1/80 17,8 AC 66 13.888 1/210 23,4 AM 384 72.918 1/190 21,1 AP 24 17.187 1/716 21,9 ES 678 80.231 1/118 17,7 MA 354 60.825 1/172 7,1 MG 5.373 420.925 1/78 17,0 MT 412 64.562 1/156 17,6 PA 740 75.667 1/102 10,5 RJ 7.077 444.700 1/63 24,4 RO 129 31.387 1/243 24,5 SP 16.073 1.109.700 1/69 21,4 TO 117 33.820 1/289 19,8
Fonte: Dados do Censo/2004. (INEP/MEC/Cadastro Nacional de Docentes 2005.1: INEP, 2010).
41 Ver em: <http://www.dieese.org.br/anu/anuario2007.pdf>. Acesso em: 06 jan. 2010. 42 Ver em Matéria online da Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal. Disponível em: <http://www.direitoshumanos.etc.br/>. Acesso em: 02 set. 2009.
80
Os dados de saúde demonstram que na Região Norte o número de mulheres que
fazem pré-natal atinge apenas 29,1%, ou seja, realizam 7 ou mais consultas de pré-natal
(IBGE, 2009). O número de mortes de crianças até 1 ano de idade se apresentou da seguinte
forma em 2005:
Tabela 03 - Causas de óbitos em menores de 1 ano no Brasil e Região Norte (1996/2005)
Fonte: Ministério da Saúde/ Sistema de Informações sobre Mortalidade 1996-2005 (IBGE, 2009).
Na área da saúde, a pesquisa do IBGE (2009) revela que o percentual de mortes
por causas mal definidas, demonstram que houve diminuição nesse campo, nos dados
encontrados sobre a Região Norte. Passou de 33% em 1996, para 23% em 2005. As análises
dos dados demonstram que houve uma qualidade inclusive na informação das doenças, o que
reflete a melhoria das condições de saúde no Brasil (pesquisas, equipamentos de diagnósticos,
da formação dos profissionais na área de saúde) fruto também dos avanços tecnológicos da
atualidade. Por outro lado, tal ganho não influenciou na diminuição de óbitos neste período. A
esperança de vida ao nascer cresceu em todo o Brasil. No Norte do país, essa esperança saiu
de 40,7 em 1930 para 71,0 em 2005 sendo 68,2%, para homens e 74,0% para mulheres.
Quanto ao crescimento econômico os dados oficiais (IBGE, 2005) informaram
que a região tem avançado nos valores do seu Produto Interno Bruto - PIB, mas ainda
apresenta baixos índices na média nacional, onde o agronegócio e a pecuária, principalmente
no Pará e Mato Grosso, estados campeões do desmatamento, contribuem sobremaneira com
esses índices.
Com participação destacada do agronegócio, a atividade econômica na Amazônia Legal cresce em ritmo duas vezes mais acelerado do que a média nacional. Nos primeiros três anos do governo Lula, a região cresceu 22,4%, enquanto o PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro acumulava crescimento de 10%, segundo cálculo feito pela Folha. Os dados oficiais mais recentes do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) para Estados e municípios são de 2005. Apesar do crescimento acelerado, a riqueza gerada na região contribuiu com menos de 8% no PIB nacional
81
Embora a administração pública tenha participação importante na economia da região, as atividades agropecuárias pesaram, especialmente no crescimento de Mato Grosso e do Pará, os dois Estados que se mantêm no topo do ranking do desmatamento desde o início da década... De acordo com dados do PAS, a pecuária bovina já ocupa 70 milhões de hectares ou 13,5% da Amazônia [...] atividades agrícolas: 13 milhões de hectares, responsáveis por 22% da produção nacional de grãos. É importante lembrar que 33,5% do território da Amazônia Legal é de áreas protegidas, como terras indígenas e unidades de conservação, ou com destinação exclusiva para atividades militares. (SALOMON, 2008.)
É importante frisar que a Amazônia é território diverso e complexo que sofreu ao
longo de sua história, principalmente com o advento da industrialização, diferentes
intervenções, e que esses processos tiveram como principal ator o Estado enquanto
instituição. Tais processos, dentre outras conseqüências remeteu este território a um novo
modelo de ocupação da fronteira margeada por processos mais complexos: a metropolização.
Desse modo, os dados demonstrados neste item revelaram que o crescimento e
desenvolvimento da mata tiveram processos diferenciados. Neste sentido e importante
considerar o que nos diz Lefebvre (2008), acerca da ideologia recorrente sobre o crescimento
e o desenvolvimento na realidade francesa e que também pode-se pensar na mesma direção a
realidade amazônica. O crescimento econômico e o desenvolvimento não podem mais se confundir. Durante muito tempo identificou-se o crescimento em todas as direções – demográfico, econômico, tecnológico – com desenvolvimento social qualitativo. Ambos foram confundidos, considerando que o crescimento levaria ao desenvolvimento, que cedo ou tarde o quantitativo levaria ao qualitativo. Ora o qualitativo só conduz ao qualitativo depois de ser colocado em questão e em disponibilidade, após crise, quer dizer, ponto e limiar críticos! (ibdem, p. 151)
Os dados apresentados são demonstrativos parciais do tipo de desenvolvimento
imposto à Amazônia. Como espaço de acumulação do capital, foi alvo de ações institucionais
incentivadoras da implantação de grandes projetos de exploração dos recursos naturais, que
provocaram, dentre outros elementos, processos migratórios, desmatamento, urbanização
desordenada e o aparecimento rápido e numeroso de cidades e povoados na região. A ação
institucional, portanto tem se revelado ineficaz, no sentido de assegurar o desenvolvimento
regional. As estratégias governamentais para a Amazônia ainda não deram conta de
universalizar uma política para a fronteira que equilibre o crescimento racional e o
desenvolvimento social da região, isto é o uso do território amazônico que possibilite o freio
do “saque” histórico da Amazônia e transforme esse território produtor efetivo de benefícios
públicos capazes de transformar o espaço em uma “sociedade sustentável” (LEROY, 2010).
82
3.2 Belém e Manaus, metrópoles da Amazônia: aproximações e contrastes Belém e Manaus, grandes metrópoles, receberam ao longo desses anos, pessoas de tantos lugares do Brasil, vindo de cidades ou de vilas, ou ainda do campo – mas num movimento contínuo de busca de outros lugares e de sentidos (CASTRO, 2008, p.25).
A professora Edna Castro nos fala cientificamente de maneira poética sobre uma
das facetas que margeiam a trajetória histórica das duas maiores cidades da Região Amazônia:
Belém e Manaus. Cidades que cresceram de maneira acelerada e foram se expandindo em
canais de relacionamentos, comerciais, culturais, sociais e políticos, consolidando uma série
de redes como outros subnúcleos urbanos, brasileiros por isso se constituíram como
Metrópoles43 na Amazônia. Suas histórias se confundem e se afastam em muitos momentos
históricos, porém compõem o mesmo território amazônico. Este item pretende refletir
algumas dessas semelhanças e diferenças que estão imbricadas em Belém no Pará e Manaus
no Amazonas e que de maneira geral acabam por influenciar nas relações que potencializam
e/ou dificultam o próprio desenvolvimento das políticas públicas na Região. Portanto se
abordará o processo de surgimento da cidade algumas das características que marcam Daca
cidade e por fim se refletira no pós-Constituição de 1988 e as potencialidades de
desenvolvimento urbano principalmente a partir do Estatuto da cidade e do Plano Diretor.
As primeiras ocupações europeias do território amazônico no século XVII
acontecem pelas margens do grande Rio Amazonas na segunda década do século, pela
facilidade do acesso a área. No processo de exploração do território se dá a ocupação das
margens do Alto Rio Negro na segunda metade do século assim surgem dois povoados na
região que vão se desenvolver de formas diferentes e com relações político-administrativas.
Ao longo do processo histórico do desenvolvimento brasileiro e, sobretudo no
processo de dominação capitalista na região amazônica. Cabanagem, a Belle Époque, são
alguns episódios históricos que demarcam campos de aproximações e rivalidades entre Belém
e Manaus (SILVA, 2004; WEINSTEIN, 1993; DAOU, 2004). De forma que, faz-se
necessário situar brevemente a história de cada uma dessas cidades. 43 Metrópole, segundo o IBGE (2007), se caracteriza pelo tamanho físico territorial e as consistentes redes de relacionamento entre outras cidades e a si próprias. Também se inclui nessa caracterização da metrópole a dimensão de extensão direta dessa rede. Neste sentido, tem-se três tipos que o IBGE define como subníveis de Metrópole: primeiro, a Grande Metrópole Nacional, que no Brasil é representado por São Paulo. O segundo nível é a Metrópole nacional, representada pelas cidades de Rio de Janeiro e Brasília. Essas cidades juntamente com São Paulo estão no 1º nível da gestão territorial, pois atraem os fluxos de todos os outros centros brasileiros. O terceiro nível é a Metrópole: composta pelas cidades de Manaus, Belém, Fortaleza, Recife, Salvador, Belo Horizonte, Curitiba, Goiânia e Porto Alegre. [...] com população variando de 1,7 (Manaus) a 5,1 milhões (Belo Horizonte), constituem o segundo nível da gestão territorial. Note-se que Manaus e Goiânia, embora estejam no terceiro nível da gestão territorial, têm porte e projeção nacional que lhes garantem a inclusão neste conjunto (IBGE, 2008).Ver mais em: IBGE. Regiões de Influência das Cidades, 2007. Rio de Janeiro: IBGE, 2008.
83
3.2.1 Sobre Belém
Canoas, tripuladas por negros e índios, cruzavam as águas. Urubus voavam lá no alto, ou, então, indolentemente, caminhavam na praia. [...] A cidade do Pará conta cerca de 15.000 habitantes, e sua área, relativamente, não é muito grande. Contudo, é a maior cidade do maior rio do globo, o Amazonas, sendo a capital de uma província, cuja superfície iguala à de toda a Europa ocidental. É a residência de um presidente nomeado pelo imperador do Brasil, e também sede de um bispado, cuja diocese se estende duas mil milhas para o interior de um território, povoado por inúmeras tribos selvagens, ainda não convertidas ao cristianismo. A província do Pará está situada no extremo Norte do Brasil, e, conquanto já, pelas suas condições naturais, a parte mais rica do vasto império é, entretanto, a menos conhecida, e, presentemente, tem pouca importância comercial. As ruas e praças públicas são pitorescas, quer por causa das bonitas casas e igrejas que as contornam, quer por causa das elegantes palmeiras, que, juntamente com as bananeiras, se encontram por toda parte. Assim, elas mais parecem casas de campo do que mesmo vivendas de uma grande cidade (WALLACE, 2004, p.40).
Os escritos do naturalista, biólogo, o britânico Alfred Russel Wallace, inglês que
veio pesquisar a biodiversidade na região amazônica no período de 1849 a 1851, registram a
imagem de uma cidade, aos olhos do pesquisador, na primeira metade do século XIX. A
presença de índios e negros na formação da população, a cultura do transporte fluvial, os
urubus, a característica das edificações, a importância da cidade para a região, são algumas
das características singulares desses traços físicos, culturais, econômicos e humanos descritos
por ele até os dias atuais permanecem na cidade.
Ela surgiu no cenário brasileiro no século XVII e carrega em sua história e
paisagem, a marca do seu processo de colonização pelos portugueses. O naturalista descreveu
muito bem essas influências europeias na cidade. Quando descreve a estrutura das casas diz
que “as cores amarela e azul são geralmente empregadas na decoração das pilastras, portas e
janelas das casas e das igrejas, sendo estas construídas obedecendo a um adulterado e
pitoresco estilo italiano” (WALLACE, 2004, p.41). Nos estudos de Derenji (1998; 2001), ela
enfatiza a presença marcante da arquitetura italiana na construção tanto de Belém como de
Manaus no primeiro ciclo da borracha na Amazônia.
84
Mapa 02- Região metropolitana de Belém
Fonte: Google Earth (2010)
Mapa 2 - Mapa da região metropolitana de Belém
Fonte: SEGEP. Baseado na Cartografia digital de 1998 da COSANPA44 – CODEM45 (Escala 1.250.000).
De acordo com os mapas da cidade, Belém compreende uma parte continental e
outra insular, com várias ilhas, sendo as mais conhecidas as ilhas de Mosqueiro, Caratateua
(contem a área do outeiro), Cotijuba e ilha do Cumbú. A cidade está localizada na Região
Norte do Brasil é tem como fronteiras o município de Ananindeua Benevides e Santa Barbara,
no lado leste. Ao norte a Baia do Marajo pela ilha de Mosqueiro. A Oeste, pela Baía de Santo
Antonio e Baía do Guajará, ao sul, ela é banhada pelo Rio Guamá. E possui uma região
metropolitana composta pelos municípios de Belém, Ananindeua, Marituba, Benevides, Santa
Bárbara e Santa Isabel. 44 Companhia de Saneamento do Estado do Pará 45 Companhia de Desenvolvimento da Área Metropolitana de Belém.
85
O primeiro bairro da cidade, a Cidade Velha, assim como Nazaré, Campina, e
alguns outros recantos da cidade guardam ainda nas fachadas das casas, nas lojas comerciais,
prédios públicos, igrejas e praças a memória de uma Belém pensada a partir dos padrões
europeus de cidade, em diferentes tempos históricos de seu desenvolvimento. Belém do Pará é
uma das poucas cidades brasileiras que possui prédios em funcionamento que são patrimônios
históricos de vários momentos da história da arquitetura, como as igrejas do Carmo, de 1627,
a Mercês, datada de 1640, e o Teatro da Paz, de 1896, que desde sua inauguração no século
XIX trouxe grandes espetáculos internacionais (SALLES, 1994; DAOU, 2004), Quiosque do
Bar do Parque (Praça da república). Todos esses espaços continuam ativos até nossos dias e
refletem as diferentes tendências na arquitetura, está assinado pelos jesuítas, por Landi,
Francisco Bolonha e outros.
Outro olhar sobre a cidade de Belém nos séculos XVIII e XIX nos é revelado
pelos estudos de Marin e Castro (2004) sobre comunidades tradicionais no Pará, em que se
destacam as formas de organização do trabalho na cidade, que tinha como centro da economia
a agricultura. Tais formas se caracterizavam por: Plantações pequenas ou relativamente grandes de cana-de-açúcar, próximas das terras baixas, culturas de arroz em terra firme, roças de mandioca, algodão, feijão, milho, café e tabaco, além da extração de madeira e das denominadas drogas do sertão, dominaram a produção e as formas de trabalho no primeiro ciclo de agricultura organizado nas redondezas de Belém nos séculos XVIII e XIX. (MARIN; CASTRO, 1999, p. 29)
Belém abriga um conhecimento rico sobre a região amazônica. Essa riqueza deve-
se ao grande acervo material existente em espaços culturais, como o museu Emílio Goeldi, de
domínio federal e os museus: estadual e municipal. É possuidora de um gigantesco acervo
imaterial. A riqueza da cultura amazônica está refletida na cidade de Belém, nos hábitos e
costumes da população. Benchimol (2009) fala que a ocupação humana da Amazônia é fruto
de um complexo processo cultural que tem como características a
[...] multidiversidade de povos e nações e por uma etinodiversidade histórica e cultural que se manifestava, não tanto pelos seus caracteres raciais, mas por aspectos antropológicos e culturais ricos, típicos e diferenciados na linguagem, ritos, magias, usos costumes produtos ergológicos [..] (ibdem, p. 19).
Traços regionais que se revelam nas formas do tomar tacacá46 e açaí, na prática da
dança ao som do carimbó, que atravessa os modismos dos ritmos musicais, assim como a
cultura de ir ao Ver- o – Peso, a tradição de acompanhar a maior romaria do mundo: o Círio 46 Bebida típica da Região Amazônica. É feita de ingredientes retirados da mandioca: tucupi e goma de tapioca, folhas de jambú e camarão.
86
de Nazaré ou mesmo de ir às praças, que para além da concepção de origem de um espaço de
contemplação elas comportam na atualidade variadas formas de lazer em Belém.
O lazer teve um grande estímulo em Belém do Pará na gestão do Intendente
Municipal Antonio Lemos. Sobre o ciclo econômico da borracha, Belém foi a pioneira no
Brasil a ter um projeto efetivo de desenvolvimento urbano, inspirado no planejamento urbano
de Paris do século XIX. Tal projeto foi praticado com a clara retirada da população
empobrecida, para as áreas mais distantes da cidade e uma forte repressão a muitas formas de
lazer dos trabalhadores de menor ou nenhum poder aquisitivo (SARGES, 2002; DAOU,
2007).
Tal plano fez surgir uma cidade adornada e com uma estrutura física quase
inalterada nos dias atuais. O plano de intervenção urbanística de Antonio Lemos foi capaz de
prever a expansão da cidade com a criação oficial dos bairros do Marco e da Pedreira, assim
como o surgimento de uma série de serviços públicos, como: água canalizada, energia
elétrica, alargamento das ruas e avenidas facilitando assim sua limpeza e circulação,
necrotério, forno crematório de lixo etc., que ajudaram na melhoria da qualidade de vida em
Belém.
Weisnten (1993) que estuda o primeiro ciclo da borracha estabelece relações
importantes entre Belém e Manaus. Ela diz que Belém possuía uma certa vantagem sobre
Manaus pelo fato de ser uma cidade bem mais antiga, que durante o período de expansão do
comércio da borracha já estava próxima de completar 300 anos de existência.
No auge da expansão, Belém era uma das mais notáveis cidades da America Latina. Depois do Rio de janeiro e de Santos, era o porto mais movimentado do Brasil, com uma população urbana que se aproximava rapidamente do quarto de milhão, em 1910. Possuía um sistema moderno de bondes elétricos, amplo serviço telefônico, água encanada e iluminação pública elétrica. As principais vias públicas eram bulevares uniformemente pavimentados, margeados de mangueiras, cujas frondes densas e graciosas protegiam os transeuntes do tórrido sol tropical. Diversas Praças públicas, grande e vistosamente ajardinadas, exibiam fontes, coretos e estátuas imponentes, e a Praça da Republica, localizada no centro da cidade, apresentava pomposos edifícios, tais como o Palácio do Governo e o Teatro da Paz. (ibdem, p. 219-220)
A cidade, no período da Borracha, foi sendo modificada. Onde o que se
privilegiou foram as ideias de higienização e liberdade de circulação de cidade agradável com
facilidade de circulação, conforto ambiental e com vocação para o lazer. A arborização com
mangueiras, por toda a cidade, sobretudo nas ruas praças e ambientes de imóveis públicos
trouxe as famílias para os passeios públicos. Com visão estética de alto padrão artístico,
arquitetônico, muitos prédios foram erguidos e ou melhorados como o Palácio Lauro Sodré e
87
outros governamentais, residenciais do centro da cidade. È importante destacar que tal qual
Paris o Projeto de embelezamento da cidade projeto
Nesse período, a cidade também foi contemplada com espaços de lazer como
cinema, bosque, praças, teatro, o bonde elétrico, mercados foram erguidos. Esses
investimentos possibilitaram uma vida cultural mais intensa na cidade, com a presença de
grandes companhias de teatro, da música e da dança internacionais na agenda do Teatro da
Paz, assim como o incentivo pelo poder público municipal de manifestações culturais como
os cortejos carnavalescos na Praça da Republica onde quem desfilava era a classe de maior
poder aquisitivo.
Assim, surge uma cidade estruturada para as elites locais, nacionais e
internacionais que habitavam e/ou circulavam na cidade no período. Belém passou a ocupar
um lugar de destaque no cenário brasileiro tendo sido a pioneira em muitas iniciativas como a
energia elétrica, o bonde elétrico e o cinema, o processo de intervenção urbanística iniciado
por Antônio Lemos.
O processo histórico de surgimento da cidade em determinado tempo histórico tão
bem planejado, não se seguiu com expansão urbana que se deu de maneira acelerada fruto de
ocupação estimulado pelo estado na região Amazônica, gerando um grande desequilíbrio do
viver na cidade. Ao longo do século XX, Belém sofreu um processo intenso de urbanização
sem ter sido acompanhado de um planejamento adequado do espaço urbano, a exemplo de
várias cidades brasileiras e de países da America Latina (MARICATO, 2008) teve um
crescimento caracterizado pela expansão principalmente das periferias do que dos núcleos
centrais, portanto, as áreas periféricas cresceram em percentuais altíssimos, segundo dados do
IPEA de 1999, a metrópole de Belém foi a que mais teve um maior crescimento das áreas
periféricas, com 157,9%, comparando a belo Horizonte (20,9%), Salvador (18,1%) e São
Paulo (16,3%).
Em relação aos bairros centrais, Belém também se destaca com o “crescimento
negativo em contraposição ao gigantesco crescimento dos municípios periféricos”
(MARICATO, 2008, p.26). Seu crescimento não foi acompanhado de um plano urbanístico
capaz de equilibrar o ordenamento de vias públicas, domicílios e equipamentos públicos,
inclusive de lazer para a população.
Os estudos de Rodrigues (1996) demonstram que a cidade era ocupada por 96.560
habitantes, vinte anos depois esse índice passou para 236.402 habitantes. Esses valores foram
crescendo, sendo modificados de forma acelerada, e como conseqüência desse descontrole
populacional Belém atingiu na última década do século, a marca de 1.244.688 habitantes.
88
Neste processo, o que se verifica é a degradação de áreas nas periferias da cidade, com grande
quantidade de assentamentos espontâneos, o fenômeno da verticalização tomando os bairros
centrais e subnúcleos, a insuficiência de serviços públicos como: transportes, coleta de lixo,
postos de saúde, áreas públicas de lazer etc.
As informações mais recentes sobre a cidade relevam o efeito danoso de uma
urbanização sem planejamento. Atualmente, os dados censitários do IBGE (2007)
demonstram que Belém já atingiu a marca de 1.408.847 habitantes. É possível identificar a
partir de outros indicadores os efeitos danosos desse crescimento populacional sem
planejamento ocasionando uma perda na qualidade de vida na cidade, de acordo com os dados
levantados pelo IMAZON (2007).
Tabela 04 - Alguns dados sobre Belém a partir do relatório do IMAZON (2007)
INDICADORES RESULTADOS RESULTADOS RESULTADOS RESULTADOS FONTES Diminuição da área de floresta (Km2)
1986 165,3
1994 140,3
2001 125,3
2006 128,8
(p.28)
Taxa anual de desmatamento (%)
Pequena diminuição
1986/1994 0,56
1995/2001 0,43
2002/2006 0,18
(p.31)
Diminuiu a área de floresta por pessoa (m2)
----------------- ------------------ 2001 96,5
2006 84,6
(p.31)
Aumentou o desmatamento nas UPAs
Parque Ambiental de Belém 34%
Cumbú 3%
Parque Ecológico do Mosqueiro 21%
Parque Ecológico de Belém 45%
(p. 32)
Ocupação Irregular das Praças
total de praças 207
não ocupada 163
ocupada 34
muito ocupada 10
(p. 42)
Nível de equipamentos e edificações nas praças
total de praças 207
Conservadas 108
depredadas 80
Não possui 19
(p. 43)
Presença de lixo nas praças
Total de praças 207
pouco 146
Muito 55
Excessivo 6
(p. 42)
Fonte: Da Autora a partir de dados do IMAZON (2007).
A tabela acima registra que houve uma considerável perda da área de floresta
urbana47 em Belém. Segundo os estudos feitos num período de vinte anos, a cidade de Belém
teve uma lesão de 36,5 Km2 de sua área de floresta. Embora tenha diminuído a taxa de
desmatamento na cidade, a perda de vegetação urbana continuou, e de acordo com o
47 Grey e Deneke (1992 apud IMAZON, 2007) conceituam como floresta urbana a vegetação presente nas vias públicas, casas, bosques, praças e áreas protegidas, com valor estático e de serviços ambientais relacionados.
89
IMAZON (2007), a diminuição da área de floresta no período citado teve como pano de fundo
os desmatamentos ocorridos, principalmente nas regiões das ilhas e lugares na cidade
reservados para loteamentos urbanos. Esse quadro gerou uma queda na área de floresta por
cada habitante de 96,5m2 em 2001 para 84,6m2 em 2006. Embora tenha aumentado o número
de Áreas de Proteção Ambiental (APAs), o desmatamento também atingiu essas áreas de
proteção Ambiental.
O levantamento sobre as praças demonstram que a quantidade de praças existentes
não corresponde à necessidade ideal para qualidade de vida da população. As praças são
efetivamente equipamento específico de lazer48. Existem 207 praças em Belém e esse número
corresponde a 0,4m2 por habitante, relevando que além do número de praças ser insuficiente
em Belém. Dos 71 bairros, apenas 41 possuem praças; e os vinte sete que não possuem ficam
nas áreas periféricas da cidade. Vale ressaltar que outras possibilidades de equipamentos
específicos de lazer nem existem na maioria dos bairros periféricos, como: salas de cinema,
teatros, quadras poliesportivas, museus etc.
A cidade ainda sofre com desorganização, depredação e a cultura do lixo lançados
dos espaços públicos. As ocupações irregulares das praças é um exemplo da desorganização,
nas praças da periferia da cidade e no centro comercial é onde a situação é mais alarmante. A
depredação de praças e a ausência de equipamentos totalizam 99 espaços que estavam
abandonados pelo poder público.
Existem dados contrastantes em relação ao lixo. Embora tenha crescido o serviço
de coleta nos domicílios (de 94% em 2001 para 98% em 2006), houve uma queda brusca da
coleta seletiva de lixo em Belém. “(...) Em 2002 havia apenas 80 PEVs (Postos de Entrega
Voluntária) na cidade de Belém. Em 2006, esse número caiu para apenas 35” (IMAZON,
2007, p. 56). Deve-se considerar ainda que não basta coletar o lixo das ruas e domicílios a
cidade sofre também da ausência de uma política de educação ambiental que estimule a
população a preservar o bem público.
Identifica-se então uma apropriação desigual da cidade pelos habitantes. Essa
desigualdade está presente na imagem física da cidade onde os bairros centrais estão com uma
infra-estrutura urbana mais estruturada e os bairros da periferia da cidade necessitam de
muitos serviços públicos como: tratamento do esgoto e do lixo, água potável, escolas, postos
de saúde, transporte coletivo suficiente, espaços de lazer, ações culturais, postos de trabalho,
etc. Assim, o grau de atuação por parte do poder público acontece, com maior ênfase nas 48 MARCELLINO (2000, p. 32-33) conceitua equipamento específico de lazer os ambientes construídos especialmente para proporcionar lazer para a população como: a praça, um cinema, teatro, uma quadra esportiva etc e aponta a casa, a rua, o bar como equipamentos não específicos de lazer.
90
áreas onde a população de alta renda reside e/ou trabalha. Belém tem imagens que refletem as
condições e contradições ambientais, econômicas políticas e sociais desiguais.
Nos estudos de Bahia et al. (2008) sobre os espaços e equipamentos de lazer em
Belém foram considerados como espaços e equipamentos de lazer: praças, museus, teatros,
cinema, parques, Mercados, fortes, igrejas, Bibliotecas, Memorial/Complexo Cultural
esportivo, Shopping de Belém. Foi demonstrado que o bairro da Marambaia apresenta um
maior número de praças (36) e no da Atalaia não apresenta praças. A tabela 07 reproduzida do
estudo sintetiza os dados encontrados.
Tabela 07 - Distribuição dos equipamentos de lazer em Belém do Pará
Fonte: BAHIA et al. (2008, p.71).
91
Esses estudos demonstram que existe a concentração de equipamentos nos bairros
mais antigos e centrais em detrimento dos bairros mais novos e mais periféricos da cidade.
Essas conclusões sobre os espaços públicos de Lazer em Belém se aproximam dos resultados
dos estudos de França (2009, p. 125-126), quando afirma que a forma de como eles estão
distribuídos, utilizados e mantidos pelo poder público que tem como característica a
segregação simbólica, isto é, não são atrativas das populações mais carentes pelo fato de não
ofertarem programações que incentivem o interesse das mesmas; a falta de divulgação das
formas de acesso, ou mesmo o preço dos ingressos e serviços de alimentação e outras formas
de comércio são elevados para o padrão econômico das camadas mais populares.
Belém se caracteriza dentro de uma conexão global que se caracteriza pela
política de tornar atrativa a cidade pelo embelezamento de seus lugares, que acabam por
imprimir um custo empresarial para essa atratividade e embelezamento isso corrobora para
uma rede de relacionamento público-privada de gestão dos espaços de lazer na cidade. Assim
em Belém se confirma o conceito de mercolazer de que fala Mascarenhas (2005).
3.2.2 Sobre Manaus
O que dizer de uma cidade como Manaus, em que o processo de produção do espaço urbano é o ponto de vista socioambiental tão contrário a qualquer tipo de razão, gerando uma especialização que se concretizou no período da borracha e se repete com a implantação e a ampliação da zona Franca de Manaus? O espaço urbano aparece, em um período e em outro, como resultado de processos geradores de formas e funções modificadoras da cidade encravada no meio da selva, porém jamais significou o espaço transformado para todos (OLIVEIRA; SHOR in CASTRO, 2008, p.92).
A cidade de Manaus em 2010 completará 341 anos de fundação. No século XVI
esse território, já havia sido invadido pelos espanhóis, no final da primeira metade do século
em questão, mas ele sofreu seu processo de ocupação definitiva dos portugueses. Recebeu
inicialmente uma denominação ligada ao forte criado para defender o lugar intitulado “Forte
de São José da Barra do Rio Negro”. Também foi chamado de “Vila de Manaus”, “cidade de
Nossa Senhora da Conceição da Barra do Rio Negro”. Só a partir 1856 que passa a ser
“Cidade de Manaus”, a partir de 1856 em homenagem aos indígenas Manáos, que resistiram à
escravidão e ao mesmo tempo ajudaram a construir a cidade (MONTEIRO, 1971;
BENCHIMOL, 2009). Segundo Mesquita (2006) o nome do forte era “Fortaleza da Barra de
São José do Rio Negro e que a partir da fortaleza foi surgindo o povoado com a reunião de
92
alguns indígenas como os “Barés, Banibás, Passés, Manáos, Aroaquis, Júris e de outras
tribos” (ibidem, p. 23).
A imagem física da cidade registrada em 1836 registrada pelo viajante Alcides
Orbigny demonstra que a cidade “Possuía casas de “aspecto europeu”, várias delas com dois
pavimentos e a igreja era uma “construção bem bonita”, com uma praça em frente e o forte ao
lado” (MESQUITA, 2006, p. 28). Manaus viveu, assim como Belém, a revolta indígena e
popular da Amazônia intitulada Cabanagem sendo um marco importante para articulação dos
diversos povoados em nome da cabanagem, em nome de um movimento de trabalhadores e
nativos que passaram a buscar estratégias de emancipação dessa região, em relação ao Grão-
Pará (SILVA, 2004; MESQUITA, 2006).
A um registro histórico do diário de bordo do pesquisador europeu Alfred Russel
Wallace, de 1849, quando esteve no Brasil pesquisando sobre as espécies de animais da
região amazônica, releva algumas características do espaço-ambiente de Manaus, na época,
Cidade da Barra-do-Rio-Negro (WALLACE, 2004). Mesmo considerando que é um olhar
sobre a região amazônica, sobre suas características físicas e sobre seu povo, a partir do ponto
de vista do colonizador, do europeu, que em muito já se foi estudado era uma visão de
superioridade em relação a outras culturas consideradas primitivas, mas neste trecho além de
revelar esse aspecto também descreve alguns traços marcantes da vida social, cultural e
econômica da cidade que posteriormente passou a denominar-se Manaus.
[...] A cidade da Barra-do-rio-Negro está situada na margem leste daquele rio, cerca de doze milhas acima de sua junção com o Amazonas. E está localizada em um terreno desigual repleto de ondulações, cerca de 30 pés acima do nível das mais altas cheias, e é cortada por dois córregos, cujas águas, na estação chuvosa, atingem a considerável altura, havendo, porém, sobre eles duas pontes de madeira. As suas ruas são regularmente traçadas; não têm, no entanto, nenhum calçamento, sendo muito onduladas e cheias de buracos, o que torna as caminhada sobre os seus leitos muito desagradável, principalmente à noite. As casas geralmente só têm um pavimento; são cobertas de telha vermelha e assoalhadas com tijolos, têm as paredes pintadas de branco ou de amarelo; e as portas e janelas pintadas de verde. Quando o sol bate sobre elas, o efeito é muito bonito. [...] A população da cidade é de 5.000 a 6.000 habitantes, dos quais a maior parte é constituída de índios e mestiços. Na verdade, provavelmente, não há ali uma única pessoa, nascida no lugar, da qual se diga de puro sangue europeu, tanto e tão completamente se têm os portugueses amalgamado com os índios. O comércio local consiste em principalmente na exportação de castanhas, salsaparrilha e peixe, e as importações são tecidos europeus, de inferior qualidade, cutelaria ordinária, colares espelhos e outras bugigangas mais, para o comercio com as tribos indígenas, das quais a cidade é o quartel-mestre. [...] Os habitantes mais civilizados de Barra dedicam-se todos ao comercio, não havendo ali qualquer outra diversão, se assim podemos considerar, que não seja a de beber e jogar em pequena escala [..] ( ibidem, p.214-215).
93
No processo de crescimento e desenvolvimento da cidade de Manaus, foram
divididas com Belém as “dores e delícias” da Belle Époque. A era gomífera trouxe no final do
século XIX e na primeira década do século XX um espantoso progresso à cidade de Manaus
(MESQUITA, 2006; NASCIMENTO; TORRES, 2009), pois a população internacional passa
a circular mais por essa região do que na capital do Brasil. No início do século XX a
população de Manaus estava em torno de 20 mil habitantes.
A exemplo de Belém, Manaus recebeu uma nova configuração espacial, dentro da
política de embelezamento urbano (DAOU, 2007; WEINSTEIN, 1993; COUTO, 2008) já
obras de infraestrutura urbana, e equipamentos públicos, e serviços públicos importantes
como: porto com capacidade para grandes navios de carga, sistema viário de bondes elétricos,
água encanada, serviços de energia elétrica e de telefonia. A cidade de Manaus foi a primeira
cidade brasileira a possuir uma universidade federal que, em 2009, completou 100 anos de
existência, sendo este mais um investimento da era gomífera. Weinstein (1993) chama
atenção que Manaus se tornou conhecida no cenário nacional como a cidade da borracha, pelo
fato da mesma ter sido erguida com arquiteturas de traçado europeu exatamente com os
recursos provenientes do Ciclo da Borracha. Diferentemente de Belém que já existia há
aproximadamente 300 anos.
Outros investimentos significativos são as formas de lazer potencializadas neste
período como construção de praças, bibliotecas e o centenário Teatro Amazonas. Vale
ressaltar que uma rede se serviços privados são incentivados pelo poder público e como
cassinos, bancos, hotéis etc. impulsionando o fluxo do sistema econômico que surge no em
volta da economia da borracha que esteve dois momentos de florescimento na passagem do
século XIX para o século XX e na época de 2ª guerra. Mesquita ao destacar as praças na
administração da cidade destaca que o Plano de embelezamento de Manaus do Intendente
Eduardo Ribeiro no final do século XIX e incluía a preocupação com as praças, inclusive
estava previsto a criação de novas praças, mas a pesquisadora registra que os melhoramentos
nos espaços como calçamentos, arborização, jardins, serviços exigidos pelas leis de higiene e
aúde pública foram conclusão depois de 1900 a grande maioria dos espaços, amenizando o
forte calor da região,
[...] ao mesmo tempo em que criava uma opção de lazer, uma vez que as praças se tornavam espaços mais humanos, e amistosas às relações sociais; as famílias podiam passear, as crianças brincar, enquanto os jovens “flertavam, ainda que ás escondidas. O passeio à praça era um passeio concorrido, principalmente nos dias em que as bandas de música apresentavam-se nos coretos. (MESQUITA, 2006, p.274) .
94
A cidade foi sofrendo uma série de modificações que aos poucos também foram
alterando os espaços de lazer que a cidade possuía. Desapareceram os balneários e práticas de
lazer como os Balneário Parque 10 (foto abaixo), Tarumã, Ponta da Bolívia, o Velódromo de
Deodoro D’Alcântara Freire (privado), as competições de regatas no igarapé dos educandos,
Campos de futebol de várzea etc (MOTA, 2008, p. 71-73).
Fotografia 01 - Balneário Parque 10 Fonte: Moacir Andrade (apud MOTA, 2008, p. 69).
As políticas que se sucederam de crescimento da área urbana de Manaus passou
principalmente pelos aterramentos de rios, igarapés e a extinção de espaços de lazer em favor
de espaços de comércio e moradia. As praças passam a ter seus espaços físicos reduzidos com
o crescimento urbano, pautado por planejamentos urbanos inadequados, a maioria da
população, principalmente nos anos 1970. Segundo Mesquita (2008),
executaram mudanças radicais na fisionomia urbanística da cidade e as reformas urbanas promovidas pelo prefeito Jorge Teixeira arrasaram alguns espaços, reduzindo sensivelmente as áreas das praças da cidade, descaracterizando algumas e reduzindo ou eliminando outras, sem deixar nenhum vestígio; algumas, talvez, tivessem de ser redimensionadas em função das novas necessidades de circulação, mas questiona-se a validade destas medidas, que algumas vezes transformaram praças em estacionamento, feira e outros usos, sacrificando a animação urbana em função de uma programação mecanicista de uso de espaços tradicionais, ignorando sua história social (ibidem, p. 275).
A questão econômica na cidade de Manaus teve seu momento de florescimento
que se viu grande crescimento econômico, durante os ciclos da borracha. O primeiro
compreendeu as duas últimas décadas do século XIX até meados de 1912 e o segundo ciclo
envolveu o período da segunda guerra mundial. Com o final desses momentos, Manaus assim
como Belém amargou décadas de decadência econômica.
A criação efetiva da Zona Franca de Manaus em 1964, que foi a primeira
experiência brasileira nesse campo mercadológico global de Maneira intensa no século XX,
95
começa efetivamente um novo processo de facilitação pelo governo brasileiro para a
instalação de empresas na região Amazônica. Esse processo trouxe uma acelerada
urbanização para a cidade, trazendo consigo uma expansão urbana e um fluxo migratório sem
planejamento, trazendo para a cidade os mesmos problemas urbanos de outras capitais
brasileiras, onde o aparecimento de assentamentos espontâneos cresceu, vertiginosamente e a
ausência de políticas públicas de saneamento, educação, saúde, emprego e renda, transporte e
lazer, foram o padrão dessa urbanização.
Por outro lado, o surgimento do Pólo Industrial trouxe um crescimento econômico
para a região Amazônica capaz de elevar o PIB da cidade para as primeiras posições no
ranking nacional nos últimos anos. Alguns estudos demonstram o quanto a industrialização de
Manaus revela o processo de reestruturação produtiva, onde a alta tecnologia exigiu mão de
obra qualificada e ao mesmo tempo reduziu a oferta de postos de trabalho em Manaus, e, a
uma maior exigência técnica dos trabalhadores que conseguiram se manter no mercado de
trabalho, revelando assim uma face perversa da rápida industrialização da cidade
(OLIVEIRA, 2007).
Atualmente, as políticas de desenvolvimento da cidade apontam para um retorno a
preocupação com o embelezamento, mas com o diferencial da questão ambiental fruto de todo
um processo global sobre a região Amazônica. Dentro deste contexto as novas determinações
neste milênio definiram a criação de regiões metropolitanas nos estados Brasileiros, Manaus
criou a sua região pela sua localização no centro da Amazônia legal, na foz de um dos
afluentes do rio Amazonas: o Rio Negro, a cidade é circundada ao norte pelo município de
Presidente Figueiredo. Já ao Sul ela faz fronteira com os municípios de Iranduba e Careiro da
Várzea, na área leste do estado ela se encontra com o os municípios de Rio Preto da Eva e
Itacoatiara. Para o lado Oeste ela tem como limite o município de Novo Airão. Todas essas
cidades passaram a integrar a região Metropolitana de Manaus a partir de 2007.49
49 Criada pela Lei Complementar n° 52, de 30 de maio de 2007.
96
Mapa 03 - Mapa da região metropolitana de Manaus
Fonte: srmm.googlecode.com
A trajetória histórica da produção capitalista na Amazônia, a partir das últimas
décadas do século XIX até 2000 trouxeram, entre outras coisas, para Belém e Manaus uma
dinâmica populacional surpreendente. A tabela 08 demonstra os dados do IBGE sobre o
processo de crescimento populacional no Brasil desde o ano de 1872 até o ano 2000. Os
índices revelam bem o que significou os diferentes momentos históricos a dinâmica
populacional em Belém e Manaus.
Tabela 08 - Dinâmica populacional de Belém e Manaus de 1872 a 2000
ANOS BELÉM MANAUS 1872 61.997 29.334 1890 50.064 38.720 1920 96.560 50.300 1930 236.402 75.704 1940 206.331 106.399 1950 254.949 139.620 1960 399.222 173.703 1970 633.374 311.622 1980 934.330 634.759 1991 1.244.689 1.011.501 2000 1.280.614 1.405.835 2008 1.424.124 1.709.01 2009 1.437.600* 1.738.641* 2010 1.392.031 1.802.525
Fonte: Censos Demográficos de 1792 a 2009 (IBGE, 2010). * Estimativa para 2009.
Nos dados apresentados é curioso notar que os números de população vão se
modificando em grande medida nos períodos relacionados aos ciclos econômicos da Borracha
97
e corresponde ao período áureo da borracha e momento de grandes mudanças na paisagem
urbana dessas cidades. Nota-se o crescimento populacional nesse período tanto em Belém,
quanto em Manaus, mesmo considerando as diferenças significativas em números de
população entre as duas cidades, onde Belém absorveu mais habitante que Manaus. Fato este
que vai se estender até a última década do século XX. A partir do censo de 2000, Manaus vai
ultrapassar em disparada Belém, em quantitativo populacional.
A cidade de Manaus, de fato, vem há já algum tempo mostrando tendências de concentrar a população do Estado: sua participação relativa sobre o total da população amazonense passou de 32,7%, em 1970, para 44,3%, em 1980, e atingiu a já quase a metade (48,0%), em 1991. O oposto observa-se com relação ao município de Belém, cuja população urbana, no cômputo da população total do Pará, declinou de 29,2%, em 1970, para 26,9%, em 1980, e para 24,0%, em 1991(MOURA,1996, p.11).
Os estudos de Brito (2006) sobre população nas capitais onde Belém também foi
analisada, o período de 70 a 2000 vão ao encontro do que foi demonstrado por Moura (1996),
pois houve de fato um declínio de população na maioria das capitais brasileiras e o
crescimento das periferias metropolitanas. Os dados registram que na década de 1990, foram
responsáveis por somente 38% do crescimento populacional total dos aglomerados
metropolitanos, ao contrário de duas décadas anteriores, quando sua participação alcançou
quase 60% (Brito, 2006). Manaus não aparece neste estudo, pois ainda neste momento Belém
possui maior expressão populacional, na região. Trindade Jr. (2009) também destaca que na
Amazônia houve um crescimento significativo das cidades médias pela importância que essas
assumem na rede urbana: “pelo mercado regional, que oferece uma menor distância para o
consumidor; e outro, pelas redes de relações com espaços urbanos de maior ou igual
relevância” (ibdem, p. 337).
O que se observa que a Zona Franca de Manaus movimentou de maneira tal a
economia da cidade, que atraiu grandes fluxos migratórios e potencializou de forma acelerada
o crescimento e desenvolvimento da Cidade de Manaus, inclusive com uma maior
concentração de população do que nas outras cidades da região metropolitana. Já em Belém a
industrialização não se caracterizou, como a maioria das capitais brasileiras, na mola
propulsora da metropolização, tendo como característica principal o setor terciário que
absorve baixos índices de trabalhadores.
As duas cidades possuem muitas características iguais e diferentes em diversos
aspectos, como podemos comparar no quadro abaixo, em que sintetiza a realidade em que a
cidade se encontra, do ponto de vista de sua localização, características geográficas,
98
indicadores econômicos e de qualidade de vida. As tabelas 09 e 10 demonstram o quanto
essas duas cidades e regiões metropolitanas, respectivamente possuem diferenças acumuladas.
Tabela 09 - Metrópoles Amazônicas: localização, características geográficas e indicadores Nº CARACTERÍSTICAS BELÉM MANAUS 01 Fundação 16 de janeiro de 1616 24 de outubro de 1669 02 Localização na Amazônia Oriental Ocidental 03 Localização no Brasil/ Região Norte Região Norte 04 Localização/ Estado Pará – Capital Amazonas – Capital 05 Densidade 142,44 hab/km² 149,9 hab./km² 06 Área 1.065 km² 11.401,058 km² 07 População 1.392.031 ( IBGE 2010) 1.802.525 (IBGE, 2010) 08 PIB R$11.277.415mil
(IBGE, 2005) R$27.214.213 mil (IBGE, 2005)
09 PIB per capta R$8.022,00 (IBGE, 2005) R$ 16.547,00 IBGE/2005 10 IDH 0,806 elevado
(PNUD, 2000) 0.774 médio (PNUD, 2000)
11 Componente de Região Metropolitana
05 – Belém Ananindeua, Marituba, Benevides, Santa Barbara
08 – Manaus, Presidente Figueiredo, Careiro, Iranduba, Rio Preto da Eva, Itacoatiara, Novo Airão e Manacapuru
Fonte: Elaborado pela autora a partir de fontes do IBGE; PNDU. Tabela 5 - Região metropolitana de Belém e Manaus: dados de área população, PIB e IDH (2000) RM MANAUS RM BELÉM
Municípios Área Pop. PIB IDM Municípios Área Pop. PIB IDM
Manaus 11.401 1.738.641
34.403.671
0,778 médio
Ananindeua 185,057 505.512 2.813.055.000
0,782 médio
Presidente Figueiredo
24.781 26.282 317.023 0,741 médio
Belém 1.065 1.437.600
13.797.141.000
0,806 elevado
Careiro da Varzea
2.631 24.704
104.726 0,658 médio
Benevides 187,86 46.611 487.256.000
0,711 médio
Iranduba 2.215 33.884 152.476 0,694 médio
Santa Bárbara
278.15 14.439 53.590 0,686 médio
Rio Preto da Eva
5.813 26.847 134.561 0,677 médio
Santa Isabel 717,615 55.570 173.200 0,721 médio
Itacoatiara 8.600 90.440 610.608 0,711 médio
TOTAL 2.536,888
2.161.191
17.728.429.000
0,741
Novo Airão 7.329 15.915 56.665 0,656 médio
Manacapuru 88.472 378.165 0,663 médio
TOTAL 101.474 2.042.185
36.157.895
0,623
Fonte: PNUD; SEPLAM-AM; IBGE, 2000
99
Belém e Manaus chegam ao terceiro milênio apresentando um relativo
desenvolvimento. De acordo com o Índice de Desenvolvimento Humano50 do ano de 1991
essas metrópoles amazônicas estavam classificadas como cidades de IDH médio, com Belém
apresentando uma visível elevação em relação a Manaus. Suas taxas eram de 0,767 e 0,745
respectivamente. Nos dados apresentados pelo PNDU em 2000, Manaus está no ranking geral
das cidades brasileiras na posição 1212, apresentando um IDH médio, com taxa de 0,774
médio, já Belém atingiu a marca de IDH elevado, com a taxa de 0,806 ocupando a posição
452. Nota-se que esses dados não revelam no cotidiano dessas cidades, não deixam claras as
desigualdades sociais, que as marcam negativamente no cenário Brasileiro.
3.2.3 Rivalidades entre as duas cidades
Até o final do século 18, o lugar da Barra não passava de um obscuro povoado da Capitania de são José do rio Negro, cuja capital funcionava, desde 1758, na vila de Barcelos, contudo, em 1791, o governador Manoel lobo D’Almada, sem autorização do governador do Grão Pará, ao qual estava subordinado, transferiu a sede do governo para o Lugar da Barra, o que gerou um repentino progresso na região. D’Almada construiu prédios para os serviços públicos e fez funcionar vários “estabelecimentos industriais – de pano de algodão, de fécula de anil, de cordoalha” Estas melhorias teriam provocado o despeito do governador do Grão Pará. D. Francisco Coutinho, o qual temeroso de perder o cargo para D’Almada, criou-lhe uma série de embaraços que culminaram com a ordem feita através da carta régia de 1798, determinando “transladar” a capital para Barcelos (REIS apud MESQUITA, 2006, p. 25)
Belém e Manaus acumulam trajetórias de rivalidades também fruto de uma
histórica relação de dependência pelo fato de Belém ter sido a primeira cidade a surgir na
Amazônia, tendo mais de meio século de vida que Manaus e pela sua localização facilitada
possibilitando melhor acesso às outras regiões do país, assim como ao exterior. Desde sua
fundação em 1669, Manaus só se tornou oficialmente independente de Belém com a criação
da Província do Amazonas em 1856, mas as relações econômicas continuavam em dimensões
dependentes das estruturas existentes na capital paraense. Assim, o Ciclo da Borracha assinou
a vontade de independência econômica dos amazonenses em relação ao Pará, mas por toda era
gomífera, com todas as iniciativas do governo do Amazonas em estabelecer rotas comerciais
econômicas independentes dos portos e de toda a infraestrutura de Belém o Pará continuou a
50 O Índice de Desenvolvimento Humano foi idealizado por Mahbub ul Haqe e contou com a participação de seu Amartya Sen, Prêmio Nobel de Economia/1998. Segundo o site oficial do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD, o IDH foi criado como um contraponto às analises sobre o desenvolvimento que tinham como matriz básica o PIB.
100
ser o principal pólo exportador da borracha e com isso arrecadando mais recursos que Manaus
que era o principal explorador de matéria prima.
Em busca de um permanente crescimento e desenvolvimento Manaus surgiu se
construiu com o Ciclo da Borracha de acordo com Enquanto que Belém já tinha seus grandes
monumentos e já possuía prédios monumentais com mais de 250 anos de existência
(WEINSTEIN, 1993). As duas cidades jamais conseguiram implementar um plano de
desenvolvimento conjunto para enfrentar a adversidades principalmente nas relações Norte –
Sul apesar de sofrerem as mesmas dificuldades político,culturais e econômicas.
Nota-se que na atualidade as rivalidades permanecem e são estimuladas pelo
Brasil. Apesar de precisar de estudos mais aprofundados mais foi notório o clima de
rivalidade estabelecido pela própria mídia brasileira no episódio de definição das cidades
sedes para a copa 2014. O esporte então vem potencializar o acirramento da rivalidade na
região, o qual ainda assistiremos seus desdobramentos. O que se poder ter clareza é que o
montante de recursos que o município de Manaus está recebendo da união e do Estado assim
como pelos patrocinadores do evento, já coloca Manaus em local de destaque como a sede
oficial do Lazer na Amazônia e pela quantidade de estruturas que serão construídas como
estádio de futebol, hotéis, redes de restaurantes e toda a infraestrutura qualificada de aeroporto
e vias públicas dará outro patamar de desenvolvimento à cidade que ao longo deste milênio só
tem crescido economicamente em um estado ainda tão pobre como também é o caso de
Belém.
3.2 O lazer no planejamento urbano na Amazônia
Os trabalhos acadêmicos sobre o lazer na Amazônia são muito raros e muito
recentes. As poucas pesquisas que refletem a região são na verdade voltadas para algum
município especificamente, mas em toda a literatura pesquisada sobre o tema não se localizou
trabalhos que buscassem refletir sobre o Lazer no Planejamento da Amazônia. Localiza-se
muito mais estudos sobre as regiões sul e sudeste neste campo de atuação. Na pouca produção
sobre o tema localizamos trabalhos sobre lazer turístico em Belém: Políticas Públicas de
Lazer em Belém (CORRÊA FILHO; SUGAI, 2005; FIGUEREDO, 2008; PAIVA, 2009),
Espaços públicos de lazer em Manaus (MOTA, 2008) que tratam do esporte e meio Ambiente
em estudos que têm incidido muito mais com foco em algum município dos estados que
compõem a Região Amazônica.
101
Como o lazer tem sido tratado no planejamento urbano da Amazônia? Este item
tem como finalidade refletir sobre a ideia de lazer no planejamento das cidades da Amazônia.
Traça um panorama, a partir de dados oficiais, da oferta de serviços públicos de lazer tem sido
experimentado no território Amazônico centrando nos estados do Amazonas e Pará, as
cidades de Belém e Manaus para se pensar como ao longo do século XX o aparato estatal e a
própria sociedade amazônica se relacionou com este benefício público.
Na Amazônia a ideia de lazer como componente do planejamento, do espaço do
viver sempre esteve presente, mesmo quando estas terras não eram habitadas por europeus.
Basta se observar como muitas populações indígenas na região que ainda mantém suas
práticas culturais tradicionais, conservam um desenho territorial determinado pela forma
como posicionam as casas (ocas). Tal desenho revela a forma de organização das sociedades
indígenas que têm como características a convivência equilibrada nas relações entre o
trabalho e o lazer. Assim o espaço aberto entre as moradias é espaço privilegiado do encontro
das relações de educação, trabalho e lazer.
O processo de dominação europeia da Amazônia trouxe a marca de uma ocupação
a partir de um planejamento urbano inspirado em cidades da Europa e logicamente não
considerou as formas tradicionais da população nativa, acompanhando a tendência do que já
vinha acontecendo nas primeiras cidades do Brasil como Salvador, São Paulo, Rio de Janeiro,
Recife etc. Caldeira (2007) em seu estudo sobre a formação das cidades defende que as
cidades jesuíticas desestruturam as formações espaciais indígenas quando colocavam no
centro da praça os símbolos da religião católica como o cruzeiro e a própria igreja, no entanto,
eles mantinham a centralidade que característica das ocupações indígenas. Basta se verificar
as primeiras edificações nessas cidades mais antigas do Brasil, vai se localizar num espaço
urbano, diversas edificações que de maneira geral compõem um padrão urbanístico
recorrente: em geral todas as edificações vão se localizar em espaços muito próximos pela
própria realidade do número de habitantes nesses momentos históricos.
As praças são elementos urbanísticos fundamentais nas cidades para a vivência do
lazer. Segundo Caldeira (2007), em seu estudo para compreender as praças a partir da
formação das cidades, na antiguidade grecoromana, a praça era o espaço urbano mais importante, o que também vai acontecer nas praças das primeiras cidades coloniais brasileiras. Nela se encontram todos os edifícios administrativos e cívicos: a casa da redenção, câmara, cadeia, praça do pelourinho. É ela o centro irradiador da cidade”. Os estudos se remetem à organização espacial indígena que serve de contraponto para mostrar a ruptura com a estrutura que existia no Brasil com a chegada dos portugueses. As cidades jesuítas também desmontam a organização espacial indígena, colocando no centro da praça o cruzeiro e a igreja. (ibidem)
102
Nota-se que as praças no Brasil obedeceram a lógica de formação das cidades da
Europa. Onde a praça era o centro desencadeador da vida econômica política e cultural das
cidades (CALDEIRA, 2007). Essas cidades arrumadas, com prédios monumentais não foram
construídas para povos colonizados, pois esses não foram concebidos como parte da cidade e
por isso são expulsos e vão ocupar espaços do território onde possam viver livres das
obrigações de impostos e taxas, cedendo lugar para as edificações da nova civilização. Esse
formato de ocupação e formação das cidades no território brasileiro se deu, a partir dos
interesses de poucos, sem considerar a maioria da população. Se configurando como
planejamento autoritário elaborado por um poder central.
Foi assim o processo de ocupação da Amazônia, quando surgem aqui as primeiras
edificações, ainda no século XVII. Especialmente em Belém que é o melhor exemplo de
formação de cidade na Amazônia com características descritas. Pois, era o centro
Administrativo da Amazônia, no período Colonial e parte do imperial, tendo, portanto,
contraído mais recursos e investimentos, o que já caracterizava seu núcleo urbano bem mais
desenvolvido que a cidade de Manaus no Amazonas, que ainda era estruturada com casas de
simples arquitetura e pouco tinha modificado sua paisagem (SILVA, 2008; WEINSTEIN,
1993; OLIVEIRA, 2003, 2006; OLIVEIRA; SHOR, 2008; CASTRO, 2008). A era da
Borracha é que faz essas cidades tornarem-se mais adornadas à custa da expulsão dos
trabalhadores para as áreas mais periféricas da cidade.
Na construção do projeto urbanístico, apareceu o papel do Estado como o de produtor do espaço urbano, não na perspectiva da mediação, mas na defesa dos interesses que se interpunham claramente contrários aos das populações locais. No urbanismo que se produziu no período da borracha, o Estado fixou sua racionalidade, explodiu as dimensões pretéritas, quer fossem naturais ou sociais (OLIVEIRA, 2003, p. 48).
Desta maneira, se confirma no planejamento urbano o que os institucionalistas
históricos postulam nos estudos sobre instituições, quando dizem que “as “políticas herdadas”
existentes estruturam as decisões ulteriores”51 (PETER; HAL, 2003, p. 201). Assim, o espaço
urbano da Amazônia, onde os espaços para o lazer foram uma marca que nos tempos atuais
ainda estão conservadas. Os exemplos mais representativos do período são os Teatros da Paz,
em Belém e o Amazonas, em Manaus. O plano de desenvolvimento urbano possibilitou novas
formas de relações culturais nas cidades amazônicas, pois tal plano projetou ainda a abertura
das ruas de 40 e 30 metros de largura e ganharam calçamento em piso de granito e
possibilitando a circulação; nas ruas receberam a instalação de bondes elétricos, telefone, luz
51 Trecho de matéria do Jornal O Pará de 01 de agosto de 1900.
103
elétrica e automóveis, assim como hotéis, parques ecológicos, forma esses equipamentos e
aparelhos que possibilitaram novas formas de convivência social na sociedade amazônica.
Dessa forma, nota-se que com advento da industrialização ainda no século XIX
que e sob a dinâmica da exploração da borracha a Amazônia teve um plano de
desenvolvimento na região que possibilitou entre outras coisas o embelezamento nos padrões
europeus das maiores cidades da Amazônia, como uma marca de transformar essa região em
verdadeira cópia dos grandes centros urbanos europeus, portanto seria uma espaço para as
elites dominantes. A frase celebre do Intendente Municipal Eduardo Ribeiro de Manaus na
Belle Époque marca bem esse olhar de um estadista convicto do acerto com o que foi possível
produzir um novo espaço verdadeiramente urbano, em detrimento da expulsão da maioria da
população para áreas mais periféricas da cidades. Ele diz que havia encontrado uma aldeia e a
transformou em uma cidade moderna (BATISTA, 2009).
O que ocorre na Amazônia é a tentativa de criar neste espaço uma “civilização”
urbana, semelhante ao ocorrido em Paris e em outras capitais do Brasil, com o advento da
industrialização. Sendo assim, confirma-se o que revela a leitura de Lefebvre (2008) sobre o
urbano quando o diferencia da cidade:
o urbano de distingue da cidade precisamente porque ele aparece e se manifesta no curso da explosão da cidade, mas ele permite reconsiderar e mesmo compreender certos aspectos dela que passaram despercebidos durante muito tempo: a centralidade, o espaço como lugar de encontro, a monumentalidade etc. O urbano, isto é, a sociedade urbana, ainda não existe e, contudo, existe virtualmente; através das contradições entre o habitat, as segregações e a centralidade urbana que é essencial à prática social, manifesta-se uma contradição plena de sentido. (ibdem, p.84)
Essa racionalidade a que se refere Lefebvre está presente na produção e
reprodução do espaço amazônico e do Lazer enquanto elemento partícipe do Planejamento
das cidades de Belém e Manaus. Ao longo do século XX, a região vai absorvendo uma série
de equipamentos de lazer, porém para tal majestoso desafio de tornar a “selva habitável”,
transformá-la na “Paris da América” era necessário abandonar os velhos hábitos amazônicos e
impor através do “Código de Posturas Municipais” um disciplinamento que entre outras
regras proibitivas como: o trabalho ambulante, as formas de se vestir, de falar de circular na
cidade, proibia as formas espontâneas e as práticas de lazer da população mais carente. É
assim que a impressa escrita em Belém, do início do século, fazia questão de enfatizar as
diversas formas de repressão às pessoas que estivessem infringindo as regras previstas no
Código de Posturas municipais, que entre outras coisas proibia as práticas culturais
tradicionais da população mais pobre, em outras palavras eram proibidas as suas formas de
104
lazer. Este trecho de matéria do Jornal “O Pará” é um exemplo claro: “Januária “marchou”
para a delegacia por estar “dançando o maxixe” em pleno meio dia”52
Em Manaus, nota-se a mesma tendência quando em nome de um planejamento
urbano “moderno” para a cidade espaços naturais de práticas de lazer da população, como os
rios que cortavam a cidade de Manaus são aterrados na era gomífera. O pensamento de Dias
interpretado por Oliveira demonstra bem essa questão:
A Capital da borracha adquiriu nova fisionomia, corrigiram-se acidentes de terrenos e fez-se o nivelamento da cidade a fim de estabelecer normas aos novos projetos de construção, aterraram-se igarapés, estes muitas vezes usados como via de comunicação, fonte de abastecimento d’água e local de lazer (OLIVEIRA, 2003, p.48).
Assim as cidades se desenvolvem com um propósito claro de atender aos
interesses das elites locais e internacionais. Pois os lugares públicos destinados ao lazer na
verdade exigiam um “grau de civilidade”53 que não cabia para a formação social e econômica
da maioria da população na Amazônia. Poucos podiam pagar pelo ingresso para os grandes
espetáculos de música, opera, dança, ocorridos nessas cidades, além de exigir uma
indumentária da plateia com alta sofisticação. Assim, mantinham afastadas a classe de menor
poder aquisitivo.
Fotografia 03 - Cine Guarany – Manaus54 Fonte: http://manaus-sua-historia.blogspot.com
52 Matéria de Jornal de O Pará. 53 A compreensão que se tem de civilidade é a partir da tentativa de entendimento do pensamento expresso nos Códigos de Posturas da época e dos discursos das autoridades policiais e políticas, assim como da própria imprensa, registrava na época quando defendiam de maneira intransigente o governo no cumprimento do código e tornavam públicas as repressões àqueles que descumprissem. Exemplo de Belém: era proibido falar alto, demonstrar embriagues em espaços púbicos, trajar roupas simples em espaços públicos municipais. Dançar na rua etc. Ver mais em: BELÉM. Lei n. 276, 03 de julho de 1900 que institui o Código de Posturas Municipais. 54 Este cinema foi demolido nos anos 1970. Atualmente existe uma agência do Banco Itaú no espaço.
105
Fotografia 04 - Cine Olympia - Belém55 Fonte: http://www.cinemaolympia.com.br/
Ao longo do século XX pouco se modificou a ideia de acesso aos espaços de lazer
na Amazônia. Os cinemas que existiam no centro da cidade como Cinema Olímpia, Palácio,
Ópera, Nazaré, Paraíso, Vitória em Belém e Cine Guarany e Odeon em Manaus eram ligados
a iniciativa privada e, portanto, o preço do ingresso limitava o acesso da população. Os
parques e praças públicos pela lei do código de posturas também restringia ou no mínimo ao
exigir determinado padrão de comportamento disciplinar nesses espaços era inibidor da
participação dos segmentos mais carentes da cidade os trabalhadores.
Tais referências de relação entre a população e os espaços da cidade para o lazer
também teve resistências, pois as formas tradicionais e outras formas de lazer da população
ligados aos mitos e, lendas, brincadeiras e jogos, Dança do Boi, o carimbó, o maxixe, ritmos
musicais e formas de danças tradicionais das culturas indígenas e africanas e outras práticas
culturais amazônicos, não perderam suas formas de manifestação, mesmo sendo reprimidas
com rigor pelas autoridades policiais.
Aos poucos essas manifestações foram se efetivando como demonstração legítima
da cultura da região e no processo mais acelerado na globalização como bem já evidenciou-se
no capítulo anterior passam a ser incorporados como produtos no mercado local e global, mas
simultaneamente e contraditoriamente mantém os traços de prática das classes menos
abastadas. Para Lefebvre (2008), essa simultaneidade é uma característica essencial do urbano
assim como a centralidade. Ele diz que:
a centralidade tem seu movimento dialético específico. Ela se impõe. Não existe realidade urbana sem centro, quer se trate do centro comercial (que reúne produtos e coisas), do centro simbólico (que reúne significações e as torna simultâneas), do centro de informação e de decisão etc. Mas todo centro se destrói a si próprio. Ele
55 O cinema Guarani, antes chamava-se Cine Veneza, localizado na Sete de Setembro com Getulio Vargas. Foi demolido nos anos 1970. Atualmente, é uma loja do Banco Itaú. Foto disponível em: http://manaus-sua-historia.blogspot.com/. Acesso em: 10 abr. 2010.
106
destrói por saturação; ele se destrói porque remete a uma outra centralidade; ele se destrói na medida em que suscita a ação daqueles que ele exclui e expulsa para as periferias (ibdem, p. 85)
Um breve levantamento de dados sobre as possibilidades de lazer na Amazônia ao
longo do século XX contata-se que mesmo nos áureos tempos da borracha nos diversos
planos de desenvolvimento para a região, o lazer é um tema que pouco foi percebido pelo
poder público nos diferentes momentos históricos. Alguns dados quantitativos das pesquisas
oficiais no Brasil apontam para esta reflexão.
No campo da pesquisa acadêmica na área do lazer, a Região Norte apresenta os
dados mais baixos em relação às outras regiões brasileiras. Até o momento, 51 grupos de pesquisa estão cadastrados no CNPq, envolvendo 305 pesquisadores dos mais diferentes níveis (desde acadêmicos até doutores), sendo que 37 estão organizados em instituições públicas e os 14 restantes em instituições privadas. Se analisarmos sua distribuição pelas regiões brasileiras, veremos que a concentração é maior nas regiões Sudeste e Sul: 78% do total (54% na primeira e 24% na segunda). Os outros grupos estão distribuídos na ordem de 18% no Nordeste, 2% na região Centro-Oeste e 2% na Norte. (WERNECK E MELO, 2003. p.32)
Em números reais o cadastro atual é de apenas 2 (dois) grupos de pesquisa
registrados no CNPQ que aprofundam a temática do Lazer em toda região. Portanto, o lazer
na Amazônia ainda é um tema pouco investigado e que precisa de maior investimento por
parte do poder público.
Outra questão importante é perceber o nível de investimento da região na
formação e no conhecimento acerca das possibilidades de lazer que podem ser praticadas e
experimentadas pela população, já que o lazer ainda sofre muitos preconceitos para sua
vivência (MARCELLINO; MELO). Tal fato pode ser retificado quando se pensa os espaços
das bibliotecas como espaço de lazer. Mas, as estruturas na região ainda são ínfimas para essa
vivência.
No início do século XX, o censo de 1907 a 1912 (IBGE, demonstra que o Brasil
possuía 465 bibliotecas dessas apenas 06 existiam no Pará e 03 no Amazonas. Atualmente, o
Censo das Bibliotecas municipais56 neste milênio revelou que o número de bibliotecas
públicas em funcionamento na Região Norte, por 100 mil habitantes atinge o número de 310
unidades, sendo que este valor representa o último lugar em relação às outras regiões do país.
A Região Sul apresentou um valor de 1127 unidades. O Pará é o estado da região norte que
apresenta um melhor índice de municípios que possuem Bibliotecas municipais representando
77% do total da Região, Já o Estado do Amazonas apresentou o índice mais baixo com 37%.
56 O Ministério da Cultura realizou o Censo das bibliotecas municipais. Disponível em: http://www.cultura.gov.br/site/2010/04/30/primeiro-censo-nacional-das-bibliotecas-publicas-municipais/. Acesso em: 28 abr. 2010.
107
O estado do Tocantins ficou em primeiro lugar tanto regional, quanto nacional na taxa média
de bibliotecas do por 100 mil habitantes com 7,73%, Rondônia com 2,59, o estado do Amapá
1,75%, já ficou na quarta posição Roraima, com 1,66%, seguido pelo Pará com a taxa media
de 1,60%. O Acre e o Amazonas ficaram com as duas últimas posições apresentando uma
taxa média de 1,44% e 0,70%, respectivamente.
O curioso da pesquisa é a revelação que apenas 8% das pessoas que freqüentam as
bibliotecas pelo Brasil, o fazem para o lazer e 65% dos freqüentadores utilizam o espaço para
pesquisas escolares. As regiões Norte e Nordeste são regiões que mais utilizam com
finalidade de pesquisa escolar, com 75%. Por outro lado, apresentam os piores índices em
acesso para o lazer, apenas 1%. Neste quesito o sudeste é a região que mais utiliza as
bibliotecas como espaços de lazer 14%, sendo o estado de São Paulo o primeiro do ranking
nacional. Na pesquisa são 125 municípios da região Amazônica que não possuem bibliotecas
públicas. Abaixo da média nacional que é de 9%, apenas 3% das bibliotecas abertas da região
atendem as necessidades de pessoas com deficiência visual, pois possuem acervo como
audiolivros e livros em Braille.
O censo demonstrou ainda não existe no Brasil funcionamento das bibliotecas no
domingo. Na Região Norte, apesar de ser uma das regiões com maior número de bibliotecas
que abrem no horário noturno, tem um menor número de unidades abertas no sábado. O fato
do espaço do livro não estar aberto de maneira intensa no final de semana demonstra um tipo
de concepção das autoridades brasileiras, sobre a biblioteca que consiste em não perceber esse
espaço como um lócus privilegiado de lazer, como uma opção de lazer para a população. Tal
concepção da biblioteca, como espaço de lazer, também não tem sido objeto de ação coletiva.
Esses indicadores revelam de maneira geral que a visão da população sobre as
bibliotecas ainda está centrada numa concepção de espaço auxiliar ao processo de educação
formal. A biblioteca ainda é pouco percebida como um espaço para o lazer, onde o livro, a
leitura, que potencializa o conhecimento, a imaginação, as trocas, o prazer, ainda está distante
da percepção da população principalmente na região norte.
O IBGE (2007) realizou um estudo sobre as regiões de influência das cidades
foram analisados vários aspectos que demonstram a dinâmica das redes de influencia das
cidades57. Na pesquisa, o lazer foi um quesito investigado, cujos dados evidenciaram quais as
redes que influenciam este quesito, isto é, em que centro urbano os habitantes vão buscar
57 Neste estudo, o IBGE teve como objetivo “definir a hierarquia dos centros urbanos e delimitar as regiões de influência a eles associadas a partir dos aspectos de gestão federal e empresarial e da dotação de equipamentos e serviços, de modo a identificar os pontos do território a partir dos quais são emitidas decisões e é exercido o comando em uma rede de cidades” (IBGE).
108
lazer. Neste sentido, as questões sondavam a frequência e para onde os moradores se
deslocavam para assistir cinema, shows, peças de teatro, espetáculos de esportes e arte. Foram
definidos parâmetros como a distância entre as cidades na analise da rede de influencia: redes
de curta, média e longa distância. Os fluxos entre municípios mais próximos ficou na primeira
grande opção de lazer da população, na segunda característica de opção aparecem os
municípios que garantem um fluxo de média extensão entre regiões de influência das cidades
e através de uma Mapa rico em detalhes demonstrou de que forma a população brasileira tem
se deslocado para o lazer. O mapa abaixo identifica tais redes.
Belém Manaus
109
Mapa 05 - Mapa dos fluxos do lazer no Brasil58 Fonte: IBGE (2007).
As redes formadas no mapa 05 mostram a prevalência de fluxos de curta distância
no sudeste e sul e em áreas do nordeste. As distâncias médias se caracterizam nas áreas de
Minas Gerais para o interior do Brasil e a terceira característica são os deslocamentos de
longas distâncias, que tem como centralidade algumas capitais do país inclui-se Manaus e
Belém. O relatório destaca o que marca esses deslocamentos é “a grande carência, em vasta
porção do território, de estabelecimentos que ofereçam eventos voltados ao lazer da
população.
De acordo com o documento dentre os vários estados que apresentam
centralidade, mencionado como opção de lazer ganha destaque as cidades de Macapá e Boa
Vista na Amazônia pelo fato dessas terem sido citadas por todos os municípios pertencentes
aos seus estados como única opção de lazer no estado. Tal quadro revela que existe uma
grande desigualdade no acesso ao lazer no Brasil e na região Norte e Centro Oeste que se
caracteriza por uma média distância de deslocamentos indicam objetivamente que a carência
de opções e de investimento no lazer na maioria dos municípios brasileiros. Esses fluxos
médios de 108 km, no Norte e 107 km, no Centro Oeste, superam todas as regiões, significa
dizer que as distâncias são mais um elemento impeditivo dos fluxos e, portanto, do acesso ao
lazer nessas regiões.
Outro indicador importante nesta análise do lazer na Amazônia passa pelos dados
encontrados no suplemento do IBGE (2005) sobre esporte e lazer nos municípios brasileiros.
Os dados a cerca da formação dos gestores, a gestão democrática, as leis que
instrumentalizam a política municipal, e o número de equipamentos esportivos presentes nos
municípios foram considerados nesta reflexão.
A formação qualificada dos gestores na área do lazer é um elemento fundamental
para o desenvolvimento das políticas na área, no entanto os dados demonstram que dos
profissionais que assumem cargos de gestão do esporte e lazer nos 24 municípios da
Amazônia Legal, em 2005, possuíam escolaridade ao nível do ensino fundamental completo.
Já titulares com pós-graduação, ocupavam cargos de gestores em apenas 31 municípios.
A gestão democrática no esporte também foi avaliada. A partir da existência ou
não de Conselhos de esporte e lazer e ou similares e do total de 805 municípios, 432 não
possuíam nenhuma tipo de conselho, isto é mais da metade dos municípios da Região que
registrava a existência de 373 conselhos. Desses, apenas 45 municípios possuíam Conselho de 58 Este mapa encontra-se em: IBGE. Regiões de Influências das Cidades 2007. Rio de Janeiro, IBGE, 2007.
110
Esporte, mas apenas 22 municípios possuem funcionamento regular com agenda de reuniões.
Os outros são conselhos de educação, assistência, social, do idoso da criança e adolescente
etc. Nos estados do Pará existem apenas em 7 municípios e no estado do Amazonas apenas 3.
Esses dados demonstram o quanto as instituição estatal nesses estados e a própria sociedade
civil, pouco tem dado atenção a estruturar o lazer enquanto política pública de estado e aos
instrumentos regulatórios que orientam as políticas.
Os dados sobre a estruturação dos conselhos são um elemento preocupante e
revelador do desconhecimento e da falta de iniciativa dos gestores locais em compreender as
próprias leis brasileiras como a Constituição o Estatuto da Cidade, o Plano diretor etc., em
que já definem a necessidade da constituição de formas institucionalizadas de participação
democrática e representativa da sociedade na proposição, elaboração, acompanhamento e
avaliação das políticas públicas.
Tabela 11 - Existência de entidades públicas, privadas e mistas na composição dos Conselhos Entidades Públicas Nº de
Municípios Entidades Privadas
Nº de Municípios
Entidade de composição mista
Nº de Municípios
Secretaria ou outra estrutura gestora do esporte
32 Entidades do Sistema S
04 Conselho Municipal da Criança e do Adolescente
15
Outras secretarias municipais
24 Entidades Empresariais
11
Câmara Municipal 11 Entidades de pessoas portadores de deficiência
09
Outras entidades Públicas
20 Ligas Esportivas 25
Clubes e associações Esportivas
29
Associações e entidades de classe, sindicatos e igrejas
20
Outras entidades privadas
06
Fonte: Perfil dos Municípios Brasileiros: Esporte (IBGE, 2003).
111
Quanto às leis que normatizam o esporte, nota-se que a tabela 12 demonstra que
ainda está muito frágil a organização dos municípios do Estado do Amazonas e Pará. Chama
atenção que em apenas 03 municípios exista a constituição de Conselhos de esporte nos dois
estados mesmo depois o Estatuto da Cidade.
Tabela 12 - Existência de Lei Orgânica que trate do esporte e de outras leis municipais que
regulamentem o esporte País/ Região/ Estados
Lei Orgâ- nica
Outras Leis
Sistema Munici- pal de Esporte
Conselho Munici-pal de Esporte
Concessão de incen-tivos e isenções Fiscais para o esporte
Fundo de apoio ao esporte
Bolsa atleta
Sub-venções conce-didas ao esporte
Proje- tos espor- tivos
Ou- tros
Brasil (5.557)
4.720 977 180 309 105 184 46 315 431 152
Amazônia Legal
556
54 11 09 11 23 02 14 39 08
Pará 124 13 01 03 04 05 - 04 07 01 Amazo-nas
54 13 04 03 01 02 01 02 07 -
Fonte: Perfil dos Municípios Brasileiros: Esporte (IBGE, 2003).
Na Região Norte, o percentual de recursos aplicados na função desporto e lazer é
o menor índice brasileiro. O total de despesas correspondeu a 0,66% em 2002 e no ano
seguinte diminuiu para 0,46.59 (IBGE 2004).
Em Relação aos equipamentos existentes nos municípios localiza-se novamente a
Região Norte com percentuais mais baixos em relação às outras regiões brasileiras, chegando
inclusive, a não possuir, juntamente com a região Centro Oeste complexo aquático de acordo
com a tabela 13. Os tipos de equipamentos existentes estão demonstrados na tabela 14 e
foram destacados dentre os diversos tipos, apenas os Ginásios e os estádios de futebol pelo
fato de serem os equipamentos que mais aparecem nas pesquisas pelos municípios. Além dos
números absolutos serem baixos para atendimento da população na Amazônia como um todo
e os estados do Pará e Amazonas, eles indicam ainda que dentre os equipamentos de lazer
existentes, poucos possuem infraestrutura adequada par atender a pessoas com deficiência.
Tabela 13 - Número e distribuição percentual dos equipamentos esportivos existentes em 31.12, por tipo de equipamento esportivo, segundo classes de tamanho da população dos
municípios e grandes regiões – 2003 Regiões Ginásio Estádio de Complexo Complexo
59 Fonte: Perfil dos Municípios Brasileiros Esporte, IBGE, 2003 (IBGE/ Diretoria de Pesquisas, Coordenação de População e Indicadores Sociais/ Pesquisa de Informações Básicas Municipais 2004; Ministério da Fazenda/ Secretaria do Tesouro Nacional).
112
Futebol Aquático esportivo
Norte 135 3,2 110 6,7 - - 20 2,9
Nordeste 716 17,1 396 24,2 1 0.7 31 4,4
Sudeste 1.502 35,2 661 40,3 130 93,5 470 67,0
Sul 1.356 32,4 303 18,5 8 5,8 147 21,0
Centro-Oeste 447 11,4 169 10,3 - - 33 4,7
Fonte: Perfil dos Municípios Brasileiros: Esporte (IBGE, 2003).
Tabela 14 - Número de equipamentos esportivos existentes
LOCALIZAÇÃO Ginásio Estádio de Futebol
Total Aces.
p/PPD
Urbana Rural Total Aces.
p/PPD
Urbana Rural
Brasil 4186 1316 3923 263 1639 421 1630 9
Amazônia Legal 342 98 200 12 199 45 199 -
Pará 40 14 39 1 42 7 42 -
Amazonas 25 8 24 1 32 2 32 -
Fonte: Diretoria de Pesquisas, Coordenação de População e Indicadores Sociais: Pesquisa de Informações Básicas Municipais 2004 (IBGE, 2006).
Na pesquisa sobre esporte do IBGE o futebol se confirma como o esporte mais
praticado e incentivado pelo poder público no país através de eventos esportivos. Na
Amazônia são 530 municípios que investiram em eventos esportivos na área do futebol. No
estado do Pará e no Amazonas o vôlei apareceu como modalidade que os municípios mais
realizam eventos, depois do futebol.
Outro indicador necessário para uma análise do lazer na Amazônia é a Cultura. O
censo de cultura do IBGE no ano de 2006 demonstrou revelou que dos 449 municípios da
Região Norte 409 atuaram com recursos próprios nas ações de cultura (IBGE, 2006),
revelando assim que o mecanismos de financiamento e articulação entre os recursos locais,
estaduais e federal, ainda estão distantes de uma plano articulado que potencialize o
município. Os dados corroboraram que os planejamentos direcionados para a Amazônia, em
que pese os todas as mudanças ocorridas na Região, desde os ciclos da borracha aos grandes
projetos as criações de instituições como: BASA, SPVEA-SUDAM-ADA-SUDAM, FNO,
INPA, INCRA, IBAMA EMBRAPA, universidades federais e estaduais etc. As mudanças na
Constituição Brasileira alterando as relações federativas, com a maior autonomia do
município, assim como a criação de leis instrumentais para a política municipal, como a Lei
Orgânica os Conselhos e o Plano Diretor. Todos esses “avanços” da sociedade brasileira ainda
não foram capazes de efetivar rumos que retirem a Amazônia de um patamar de grandes
desigualdades sociais, inclusive no acesso ao direito ao lazer.
113
3.4 O lazer no Plano Diretor das metrópoles amazônicas, questões para análise
O Plano Diretor de Belém e Manaus será o foco das análises neste item,
compreendendo que esse instrumento do planejamento municipal apesar de receber inúmeras
críticas quanto ao cumprimento efetivo, deve-se considerar que ele é fruto da luta do
movimento nacional pela reforma urbana apresentada ao Congresso Constituinte como
emendar Popular da Reforma Urbana e que após muitos embates políticos e negociações e
recuos nas propostas do movimento social Fo aprovado um capitulo na Constituição de 1988
que passou a discutir a Política Urbana e nela a determinação da criação dos Planos diretores
para os Municípios a partir de 20 mil habitantes.
Vale ressaltar que Belém foi uma das cidades atuantes no movimento de reforma
urbana no período enquanto que Manaus ainda não possuía organização popular. Dessa
forma, a luta pela criação do Plano Diretor de Belém passou a ser uma bandeira o movimento
social em Belém e tal processo resultou na criação da Lei do Plano Diretor em 1993, com uma
grande pressão e participação das organizações populares em Belém. Neste sentido este plano
foi considerado um dos mais avançados do Brasil, pois quebrou o paradigma de elaboração de
plano tecnocrático produzido por meia dúzia de técnicos das secretarias de planejamento
urbano das cidades e criou uma nova forma de relação estado e sociedade onde a tônica do
diálogo imprimiu um ritmo educador de cidadãos. Neste sentido, cabe pensarmos que a
democracia no planejamento da cidade é um grande exercício para a cidadania.
O compromisso maior com a maior democratização possível do Planejamento e da gestão urbanos significa desmistificá-los, tirando-os de seu pedestal e entendendo-os como temas em que um tipo de saber técnico-científico deve desempenhar um papel, sim, mas cuja natureza, em última análise, é política, por dizer respeito a intervenções que mexem significativamente com a vida das pessoas. Desse modo, de um lado, é preciso formar técnicos e pesquisadores envolvidos com planejamento dentro da mentalidade antitecnocrática, assim como é necessário aplicar métodos para envolver a sociedade civil e até mesmo qualificá-la para melhor poder participar (SOUZA apud FARIAS, 2004, p. 37).
O planejamento municipal tema função de promover os ajustes administrativos
necessários para promover e qualificar a gestão municipal. Deve ter a capacidade de retirar os
problemas que afetam a população, “remover empecilhos institucionais e assegurar a
viabilização de propostas estratégicas, objetivos a serem atingidos e ações a serem trabalhadas
(REZENDE; ULTRAMARI, 2007, p. 258). E assim como nas outras cidades que
implementaram como Belo horizonte, Rio de Janeiro Diadema natal etc. o plano de Belém
114
também procurou qualificar a responsabilidade do município como gestor da política urbana
assim alguns mecanismos para regularizar a questão fundiária foram a tônica desses planos
assim como a garantia de assentamentos para a população de menor poder aquisitivo “a
separação entre o direito de propriedade e o direito de construir, propostas de zoneamento
inclusivo com as Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS)” ( CYMBALISTA; SANTORO,
2009, p. 06) entre outros.
Um ganho desse processo foi a possibilidade de poder realmente a população
participar da reflexão e elaboração de políticas para uma cidade melhor. Embora esse
processo, segundo Azevedo (apud SOUZA; SILVA, 2010), apesar da participação positiva,
singular na Amazônia neste período, se registra poucos avanços à finalização do Plano, pois a
questão da função social da propriedade acabou por se perder o principal sentido que foi
pensado e o texto final agradou mais ao setor empresarial imobiliário. Porém, foi possível
conquistar outros pontos que superaram as expectativas do movimento naquele momento
como: a instituição da usucapião especial do imóvel urbano e o estabelecimento das Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) e do fundo de desenvolvimento urbano mostraram avanços em relação ao movimento nacional da época. Esses itens podem viabilizar uma política urbana de produção e controle da habitação, atuando como um instrumento privilegiado, pois permite o que SOUZA (2002) chama de “zoneamento de prioridades” (SOUZA; SILVA, 2010, p. 103)
Outra característica do Plano Diretor de 1993, foi a definição da criação dos
distritos administrativos, e o próprio Conselho de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente
(CONDUMA) criando assim a possibilidade de descentralização da gestão municipal e de
maior participação da sociedade civil na gestão da cidade. E abriu caminho para outras formas
mais recentes de gestão democrática da cidade como o Orçamento Participativo e o Congresso
da Cidade, experimentados pelos governos democrático-populares que se implantaram nos
anos 1990, em várias capitais brasileiras como Porto alegre, Santos, Belém.
A conclusão da dissertação de Mestrado de Farias (2004) sobre planejamento e
gestão participativa da cidade de Belém concluiu que o Congresso da Cidade60, no qual a
população passou a participar das discussões políticas que afetam o seu cotidiano, representa
uma ruptura com a cultura tradicional-tecnocrática do planejamento no Brasil. Contudo, é um
60 O Congresso da Cidade foi a forma de gestão democrática definida como matriz orientadora da política de gestão e planejamento municipal do Governo municipal em Belém na gestão do prefeito Edmilson Rodrigues no período de 1997 a 2004. Ela consistia na participação de amplas representações da sociedade. Ver mais em: FARIAS, Rosa Suliane Silva. Planejamento e gestão participativos em Belém- Pa: o Congresso da Cidade (2001-2004). Dissertação - UFRJ, Rio de Janeiro, 2004; RODRIGUES, Edmilson. Os desafios da Metrópole: reflexões sobre desenvolvimento para Belém: NAEA/UFPA, 2000, 154p.
115
processo que demanda tempo, que é construído por etapas de aproximações sucessivas no
qual erros e acertos contribuem para o seu aprimoramento.
Por outro lado esse processo de participação ativa da população na elaboração do
Plano diretor e na gestão da cidade não fez parte da história da cidade de Manaus não sendo
marcada pela definição das autoridades no poder a tarefa básica da definição das leis e da
gestão. O Plano Diretor Urbano e Ambiental de Manaus foi elaborado a partir da contratação
pela Prefeitura de Manaus dos serviços técnicos da empresa Instituto Brasileiro de
Administração Municipal – IBAM com a finalidade da mesma assumir o papel de assessora
técnica para elaborar o Plano Diretor de Manaus e realizar a adequação dos instrumentos
urbanos que estavam em vigor e já se encontravam defasados (LA ROVERE; CRESPO,
2002, p.40). Assim esse instrumento de planejamento da cidade de Manaus teve como
nascedouro uma concepção essencialmente técnica, institucional. A marca do poder na gestão
é o revezamento de famílias com influência direta na administração pública na região e
especialmente nas duas cidades.
O grau de autonomia de participação popular na gestão é um dos indicadores de
análise e comparação entre as duas cidades neste estudo por compreender que uma vez que a
população pode influenciar a tendência e que a cidade pode ser pensada sob novos pontos de
vista diferente dos legisladores e dos gestores municipais, assim a principal tarefa será
identificar de onde partem as demandas sobre o lazer a quem tem interessado as questões do
lazer nas metrópoles amazônicas e, sobretudo, como aparecem no Plano Diretor municipal
das mesmas. Outro indicador de reflexão será a presença de orientação de políticas para o
lazer presentes nos planos diretores das duas cidades. E a estrutura pensada para dar conta do
atendimento ao lazer como equipamentos e recursos alocados. Por fim, poder identificar o
quanto este benefício público está no plano diretor dessas cidades como elemento
efetivamente integrante da função social da cidade.
116
117
4 COMPARANDO O LAZER NO PLANO DIRETOR DE BELÉM E MANAUS
Artigo I Fica decretado que agora vale a verdade.
Agora vale a vida, e de mãos dadas, marcharemos todos pela vida verdadeira.
Artigo II Fica decretado que todos os dias da semana, inclusive as terças-feiras mais cinzentas,
têm direito a converter-se em manhãs de domingo. Artigo III Fica decretado que, a partir deste instante,
haverá girassóis em todas as janelas, que os girassóis terão direito a abrir-se dentro da sombra;
e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro, abertas para o verde onde cresce a esperança.
Artigo IV Fica decretado que o homem não precisará nunca mais duvidar do homem.
Que o homem confiará no homem como a palmeira confia no vento, como o vento confia no ar, como o ar confia no campo azul do céu.
Parágrafo único: O homem, confiará no homem como um menino confia em outro menino.
Artigo V Fica decretado que os homens estão livres do jugo da mentira. Nunca mais será preciso usar
a couraça do silêncio nem a armadura de palavras. O homem se sentará à mesa com seu olhar limpo
porque a verdade passará a ser servida antes da sobremesa. Artigo VI Fica estabelecida, durante dez séculos,
a prática sonhada pelo profeta Isaías, e o lobo e o cordeiro pastarão juntos e a comida
de ambos terá o mesmo gosto de aurora. Artigo VII Por decreto irrevogável fica estabelecido o reinado
permanente da justiça e da claridade, e a alegria será uma bandeira generosa para sempre desfraldada na alma do povo.
Artigo VIII Fica decretado que a maior dor sempre foi e será sempre não poder dar-se amor a quem se ama
e saber que é a água que dá à planta o milagre da flor. Artigo IX Fica permitido que o pão de cada dia tenha no homem
o sinal de seu suor. Mas que sobretudo tenha sempre o quente sabor da ternura.
Artigo X Fica permitido a qualquer pessoa, qualquer hora da vida, uso do traje branco.
Artigo XI Fica decretado, por definição, que o homem é um animal que ama
e que por isso é belo, muito mais belo que a estrela da manhã. Artigo XII Decreta-se que nada será obrigado nem proibido,
tudo será permitido, inclusive brincar com os rinocerontes e caminhar pelas tardes com uma imensa begônia na lapela.
Parágrafo único: Só uma coisa fica proibida: amar sem amor. Artigo XIII Fica decretado que o dinheiro não poderá nunca mais
comprar o sol das manhãs vindouras. Expulso do grande baú do medo, o dinheiro se transformará em uma espada fraternal
para defender o direito de cantar e a festa do dia que chegou. Artigo Final Fica proibido o uso da palavra liberdade,
a qual será suprimida dos dicionários e do pântano enganoso das bocas. A partir deste instante a liberdade será algo vivo e transparente como
um fogo ou um rio, e a sua morada será sempre o coração do homem.61
61 Poesia Os estatutos do Homem de Thiago Melo. Poeta amazonense, nascido em 1926, em Barreirinhas, AM.
118
O presente capítulo tem como objetivo expor a análise dos Planos das Metrópoles
Amazônicas. São apresentados os dados encontrados, como resultado à questão norteadora da
pesquisa: Em que medida os Planos Diretores de Belém e Manaus avançam ou retrocedem no
sentido da efetivação do lazer como política pública? Nesta direção, no primeiro item se
examina o Plano Diretor de Belém. No segundo, faz-se a análise do Plano Diretor de Manaus.
No terceiro item são estabelecidas comparações entre o lazer nos Planos Diretores de Belém e
Manaus e, posteriormente, são mapeadas as correlações existentes entre as duas cidades.
4.1 O lazer no Plano Diretor de Belém
4.1.1 Considerações gerais sobre o Plano
Após a Constituição de 1988, o Plano Diretor de Belém foi instituído através da
Lei nº 7.603, de 13 de janeiro de 1993. A gestão municipal do período de 2000 a 2004 iniciou
alguns estudos técnicos e fóruns de debates com a sociedade civil para a revisão deste Plano
Diretor. Na prática, o processo de revisão do Plano culminou com a atual Lei nº 8.655 de 30
de Julho de 2008, depois de 15 (quinze) anos de criação da primeira Lei de Plano Diretor.
Em suas disposições preliminares, o Plano dá ênfase às questões previstas na
Constituição Federal e Estadual, no Estatuto da Cidade e na Lei Orgânica do Município de
Belém. Define objetivos e diretrizes orientadoras da política urbana, dando um caráter
genérico ao texto, por não apresentar programas e/ou ações estruturantes. Tal formato do
Plano, priorizando apenas objetivos e diretrizes sem detalhar programas e ações, dificulta a
apropriação por parte da população da Lei do Plano Diretor, assim como inibe a chance do
Plano ser exequível.
Um aspecto importante no Plano é o tratamento dado às políticas sociais, a qual
mereceu um capítulo específico. As políticas sociais delineiam objetivos e diretrizes para a
educação, saúde, assistência social, desporto e lazer, patrimônio cultural e meio ambiente.
Neste último, a questão ambiental aparece como uma questão transversal, isto é, a política de
atenção ao meio ambiente está destacada, tanto como subseção do capítulo das políticas
sociais como em todo o Plano. Identifica-se a questão ambiental como prerrogativa no
planejamento da cidade, cumprindo o que orienta o Estatuto da Cidade, quando apresenta
como diretriz “a garantia de cidades sustentáveis” (INSTITUTO PÓLIS, 2001, p. 32).
119
4.1.2 Gestão democrática
O novo pacto federativo, a partir de 1988, trouxe como diretriz a possibilidade de
superar nas ações institucionais as velhas práticas autoritárias, ligadas à política
patrimonialista e clientelista, que abalizaram as políticas públicas no Brasil nos três campos
de atuação: União, Estados e Municípios. No caso do município, a política de gestão
democrática deve partir do pressuposto básico de que a cidade deve ser concebida como um
patrimônio de todos e todas, podendo ser gestada pelo conjunto dos atores que nela habita.
No Plano Diretor de Belém, esta visão conforma-se nos princípios fundamentais
da política de gestão urbana, no Art. 3º, inciso IV que dispõe: “gestão democrática, garantindo
a participação da população em todas as decisões de interesse público, por meio dos
instrumentos de gestão democrática previstos na Lei Federal nº 10.257, de 10 de julho de
2001” (BELÉM, 2008, p.02). Esta concepção pressupõe uma intensa participação da
população em todos os processos de planejamento da cidade.
Neste sentido, o Poder Público Municipal se coloca como indutor, catalisador,
mobilizador e incentivador de ações cooperativas entre os diversos atores econômicos e
sociais da cidade, além de processos de organização da sociedade com vistas à ampliação das
formas participativas62. Em 23 (vinte e três) capítulos, distribuídos em objetivos, sistema e
instrumentos, o planejamento da gestão urbana aponta para uma perspectiva de avanço no que
se refere à participação democrática. Desta maneira, efetiva um Sistema de Planejamento e
Gestão (SIPLAG), constituído pelos órgãos de planejamento, de gestão e conselhos que se
estruturam da seguinte forma: Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano (CDU);
Conselho Municipal de Meio Ambiente (CONSEMMA); Fundo Municipal de
Desenvolvimento Urbano (FMDU); Sistema de Informações Municipal de Belém (SIB).
Sendo assim, os instrumentos definidos para a democratização da política urbana são: Fórum
de Conselhos Municipais de Políticas Públicas; a Conferência Municipal da Cidade de Belém;
as Audiências, Debates e Consultas Públicas e a Iniciativa Popular de Projeto de Lei.
Desta feita, o Plano cumpre as exigências do Estatuto da Cidade no momento em
que apresenta proposições voltadas a algumas políticas sociais como educação e meio
ambiente. Sejam, nos espaços de avaliação, debate e proposição de políticas com a instalação
de instâncias decisórias como os conselhos, fóruns, conferências e outros; ou, na gestão
62 Esse direcionamento é apontado no título IV – gestão democrática da política urbana. São dedicados três capítulos que definem: no primeiro, os objetivos da gestão democrática; no segundo, detalha o Sistema de Planejamento e gestão; e no terceiro, são tratados os instrumentos de democratização. Tem-se destaque dos artigos 187 a 210. Ver mais em: BELÉM. Plano Diretor de Belém: Lei nº 8.655/08. Belém: Câmara Municipal de Belém, 2008, p. 104-112.
120
urbana de benefícios públicos e recursos comuns com a possibilidade de co-gestão desses
bens.63
Parágrafo único. A gestão urbana deve ser desenvolvida em consonância com as prerrogativas da democracia representativa e participativa, envolvendo os Poderes Executivo e Legislativo, bem como as organizações da sociedade, buscando construir, por meio de um processo de negociação e co-responsabilidade, um pacto para a política urbana do Município de Belém (ibdem, p.104).
Verifica-se que, com relação a algumas políticas, a perspectiva de gestão
democrática no Plano está estruturada de forma a ser possível acreditar na ação coletiva dos
atores com intervenção qualificada para a efetivação de benefícios públicos. Nesta direção, o
Plano segue os preceitos da participação popular definida na Constituição Federal,
obedecendo às determinações do Estatuto da Cidade, com a adoção da democracia
representativa e participativa como pressuposto da vontade política dos atores sociais de
intervir em sua realidade em uma ação coletiva.
Entretanto, no que se refere à política de lazer, a gestão democrática prevista no
Plano é inexistente. Do ponto de vista da participação popular, o Plano restringe a
contribuição da população apenas em atividades desenvolvidas pelo Poder Público, não
garantindo a sua participação na proposição e definição destas políticas. Isto pode ser
verificado no Art. 24, inciso VII e no inciso II das Diretrizes da Política de Esporte e Lazer. [...] VII- incentivar a participação e a cooperação das associações de bairros integrando-as às atividades de esporte e lazer promovidas pelo Poder Público. [...] II- a implantação de um sistema regionalizado de administração dos equipamentos das atividades de esporte e lazer (ibdem).
Nota-se que a política de lazer apresenta-se centralizada nas mãos do Poder
Executivo, que de acordo com a Lei, definirá todas as estratégias de manutenção,
planejamento e execução da política de esporte e lazer no município. Esta constatação é a
negação clara dos espaços democráticos de controle social das políticas, em que a participação
popular avançaria na qualidade da intervenção nas políticas sociais, pois teria a possibilidade
de propor, analisar e definir propostas que fossem do interesse da sociedade. No entanto, o
atual Plano Diretor, não faz qualquer referência a instrumento de controle social na área das
políticas de esporte e lazer. Logo, o Conselho Municipal de Esporte e Lazer não é citado, isto
é, não está reconhecido como uma instância legal de participação social, mesmo já existindo
enquanto lei e ter funcionado na gestão anterior, estando atualmente desativado.
63 Essa perspectiva de democratização e/ou co-gestão das políticas sociais estão destacadas no Art. 8º, inciso XX do capítulo I Da Política de Desenvolvimento Econômico; nas Diretrizes da Política de Educação, inciso V; Art.17, inciso IV Da Política de Saúde; Art. 19, inciso II e V Da Política de Assistência Social; Art. 21, inciso IX e Art. 22 Da Política de Patrimônio Cultural; Art. 24, inciso VII; Art. 27, inciso VIII e Art.29, inciso II, Da Política de Habitação.
121
Contraditoriamente, este Conselho consta como ação prioritária no Plano Plurianual 2006-
200964 como um instrumento de controle social da política de esporte e Lazer.
4.1.3 A análise do lazer no Plano Diretor de Belém
Foram destacados quatro pontos para esta análise: a concepção de lazer; os
espaços físicos destinados ao lazer; a conservação e manutenção desses espaços; a animação
cultural; os investimentos financeiros para a política de lazer.
4.1.3.1 A concepção de lazer presente no Plano
No Plano Diretor de 1993, o termo lazer era referendado dentro dos Princípios
Fundamentais em que se destacavam as funções sociais da cidade de acordo com as
Constituições Federal e Estadual e o próprio Estatuto da Cidade. Nele, o lazer era concebido
como elemento integrante das funções da cidade ao lado de: educação, saúde, cultura,
informação, energia elétrica, iluminação pública, trabalho, moradia, transporte coletivo,
segurança, patrimônio ambiental e cultural.
Na nova lei, no inciso relacionado à função social da cidade65, os termos
educação, saúde e lazer desaparecem do texto, ficando no lugar termos como “serviços
públicos” e “espaços públicos”. Então, pode-se pensar que o lazer, para o Plano Diretor atual,
passou a ser concebido como elemento incorporado ao conjunto dos espaços públicos e dos
serviços públicos, os quais precisam ser garantidos à população como necessidades
fundamentais do viver na cidade. Uma outra compreensão complementar é que o lazer
também estará sendo assegurado quando se afirma a garantia do Patrimônio ambiental e
cultural do município.66 Nota-se, contudo, que a expressão lazer aparece em vários momentos
da formulação do Plano e em cada área assume dimensões diferenciadas como: benefício
público e mercolazer.
64 O Plano Plurianual da Prefeitura de Belém do Período 2006-2009 está disponível em: http://servicos.belem.pa.gov.br/pdf/segep/PPA_2006_2009/Metas_e_Prioridades/PPA%20anexo%20IV%20Metas%20e%20Prioridades.pdf. 65 Consta no Título II - Dos Princípios Fundamentais, das Diretrizes e dos Objetivos Gerais da Política de Gestão Urbana, Capítulo I - Dos Princípios Fundamentais, Art. 3º, inciso I, Plano Diretor de Belém, Lei 2.655/08. 66 O patrimônio cultural está relacionado ao significado coletivo que um bem cultural tem para uma sociedade. Na modernidade, está para além da visão de patrimônio histórico, incorporando todos os bens tangíveis e intangíveis como os patrimônios edificados: as casas, os lugares e a própria cidade em que se vive. Ver mais em BESSA (2004).
122
O Plano dá ênfase à concepção de lazer como “um direito social básico à garantia
da cidadania e de inclusão social” (Art. 23). Seu texto apresenta, em vários momentos, uma
visão de lazer como benefício público, uma vez que incorpora a dimensão do lazer a uma
política estruturada de esporte e lazer ao destacar entre os objetivos da política: “atender as
crescentes necessidades e demandas da população por esporte e lazer; consolidar e
implementar o esporte e o lazer como direitos sociais e dever do Estado, promovendo o bem
estar e melhoria das condições de vida”67 (ibdem).
Na política de patrimônio cultural, o lazer também é visto como benefício público,
ao passo que esta área é composta pelos conteúdos culturais do lazer. Desta maneira, o lazer
recebe destaque nos objetivos de tal política, a qual determina o dever de “assegurar a livre
expressão das diversidades culturais, garantindo aos cidadãos igualdade básica dos direitos
sociais e culturais, inclusive o direito à criação e fruição das obras do pensamento e das artes68
e nas diretrizes universalizar as informações culturais e descentralizar as atividades
culturais”69 (ibdem).
A concepção de cidade facilitadora da circulação fácil de seus habitantes
possibilita a vivência das práticas de lazer na cidade. Vale ressaltar que no antigo Plano o
Sistema Municipal de Transporte Urbano compreendia a função deste serviço incorporando
inclusive a possibilidade do deslocamento da população para fins de lazer. Art. 68 O sistema Municipal de Transportes Urbanos - SMTU de Belém, é o conjunto de infraestruturas, veículos e equipamentos utilizados para o deslocamento de pessoas e bens no âmbito do município, que possibilita o acesso dos indivíduos ao processo produtivo, aos serviços aos bens e ao lazer (ibdem).
No atual Plano, a ideia apresentada nesse artigo desaparece. Mas, é possível
perceber a intenção de atendimento universal nesta política de lazer ao se interpretar o sistema
municipal de mobilidade urbana, no momento em que incorpora as ciclovias, ciclofaixas,
passarelas, calçadas e faixas de pedestres70 como estruturantes do sistema, possibilitando
assim a livre circulação da população e garantindo o próprio direito ao lazer nas vias da
cidade com as práticas de caminhadas, corridas, ciclismo, skate, patins etc.
A ideia de lazer como benefício público no Plano também apresenta algumas
nuances que refletem “políticas herdadas”. Na política de Educação do município o lazer está
concebido como um instrumento para alcançar a educação de qualidade. O inciso VII do Art.
67 Art. 23, incisos I e II da Política de Esporte e Lazer. 68 Consta no Plano Diretor de Belém, Lei 8.655, de 30 de julho de 2008. Art. 21 que trata dos objetivos da Política Municipal de Patrimônio Cultural. Incisos II e III. 69 Consta no Plano Diretor de Belém Lei 8.655, de 30 de julho de 2008. Art. 22 das diretrizes. 70 Art. 46 relativo à constituição do sistema viário.
123
12 confirma esta tese ao registrar que um dos objetivos da política de educação é “ampliar o
tempo de permanência do educando na escola, por meio de atividades educativas
complementares, entre outras, de esporte, arte e lazer e de desenvolvimento profissional.”
Concebe-se aqui o lazer como veículo de educação (MARCELINO, 2006). Logo, seria uma
atividade planejada como etapa de um processo amplo de educação.
O lazer aparece vinculado ao esporte, na seção V, do capítulo II “Das Políticas
Sociais” intitulado “Da Política do Esporte e do Lazer”. Esta Lei apresenta um olhar sobre a
concepção de esporte e lazer como estratégia para o resgate da cidadania de crianças e
adolescentes em situação de risco pessoal, como descrito nas diretrizes da política de esporte e
lazer:
V - promover atividades de lazer que proporcionem oportunidades de integração e equilíbrio à criança, aos jovens e aos adultos; VI - proporcionar atividades de esporte e lazer àqueles que se encontram em situação de risco social, prioritariamente os envolvidos com a criminalidade71 (BELÉM).
Esta visão reforça uma das concepções presentes nas políticas de esporte e lazer
como sendo apenas um meio para tirar 72 as crianças, adolescentes e jovens de situações de
violência. O que acaba intensificando a ação coletiva ao manter a ideia de lazer funcionalista
na gestão institucional, historicamente, utilizado pelas instituições públicas e privadas (já
comentado no capítulo 1).
O lazer, tanto na política de educação como em sua diretriz, é intencionado para
crianças em situação de criminalidade, em que se verifica a instrumentalização do lazer como
um meio para se atingir algo, ou seja, o lazer é visto como um caminho para se atingir um
“objetivo maior” que é a educação, para assim coibir ou eliminar distorções na formação do
indivíduo. Esta prática de utilização do lazer como ação meio e/ou secundária é clássica à
medida que é assim que as instituições historicamente têm tratado o lazer no Brasil73. Isto se
confirma como uma premissa básica do institucionalismo histórico ao postular que “a
capacidade do estado e as políticas herdadas existentes, estruturam as decisões ulteriores”
(HALL; TAYLOR, 2003, p. 201).
A compreensão que se tem do Plano Diretor e sua proposição para a área de
esporte e lazer envolve o fenômeno ligado especificamente ao esporte, o qual não é concebido
71 Ver no Plano Diretor de Belém (Art. 24). 72 Nosso grifo tem a intenção de destacar a ação proposta como uma saída imediata do problema, como se o lazer fosse a solução para as mazelas existentes na sociedade. 73 No capítulo I desta pesquisa essa questão já foi abordada. Nos itens 1.2 Lazer nas políticas públicas: aproximações históricas do surgimento do lazer como direito e 1.3 Relações federativas na configuração das políticas de lazer presentes nos Planos Diretores.
124
como cultura vivenciada no tempo disponível das pessoas (MARCELLINO, 2000; SILVA;
SILVA, 2007) e neste sentido pode estar sendo experimentado sob as mais diversificadas
possibilidades. Apesar de propor ações integradas com outras políticas sociais, o Plano não
detalha possibilidades dessa diretriz.
Uma cidade que pensa o lazer como cultura é capaz de sonhar com a implantação
de espaços voltados para práticas de lazer que identifiquem não só os equipamentos de
esporte para serem construídos, com acessibilidades para as pessoas com dificuldade de
locomoção, mas também os cinemas, eventos populares, religiosos, os teatros, prédios
tombados, as salas de danças, casas de artes visuais etc. Em resumo, todo e qualquer ambiente
que atue na perspectiva de facilitação de fruição das práticas de lazer efetivamente.
Outra concepção de lazer no Plano está marcada pela ideia de lazer como produto
mercadológico através do turismo que, por sua vez, também é um dos conteúdos culturais do
lazer. No Plano Diretor de Belém, o turismo foi concebido como estratégico e potencializador
do desenvolvimento econômico da cidade. Sendo assim, o turismo assume a forma de
mercolazer, pois as diretrizes propostas apresentam o turismo como um produto a ser
explorado economicamente. XXII - promover e incentivar o turismo como atividade estratégica de desenvolvimento econômico, cultural e social do Município de Belém, por meio do fomento, capacitação e adequação de recursos; XXIII - promover os produtos turísticos dos diversos segmentos específicos e prioritários, como história e cultura, esporte e aventura, negócios e eventos profissionais, turismo de natureza, de entretenimento e lazer urbano, contemplando as diversidades culturais e naturais da cidade; XXIV - criar e fortalecer imagem que corresponda aos produtos turísticos dos segmentos específicos e prioritários, para divulgá-la e promovê-la nos diversos mercados potenciais, nacional e internacional; XXV - fomentar políticas para dinamização e reabilitação socioeconômica, cultural e turística no Centro Histórico de Belém, e nas áreas com potencial acervo cultural74 (BELÉM, 2008)
Uma vez tratado como mercadoria no PDU, o turismo ganha destaque em todo o
Plano. Esta concepção, que margeia o lazer turístico no Plano, orienta as grandes políticas
com destaque para o Centro Histórico de Belém e as ilhas. O incentivo às práticas de lazer e
turismo está presente na definição das políticas de utilização das Macrozonas do Ambiente
Natural (MZAN). Já, a Macrozona do Ambiente Urbano (MZAU) registra o lazer e a
contemplação como formas de utilização destas áreas.75
74 Consta no Plano Diretor de Belém, Lei 8.655, de 30 de julho de 2008. Art. 8º da Política Municipal de Desenvolvimento Econômico, incisos de XXII a XXV. 75 Art. 83 São diretrizes das Macrozonas do Ambiente Natural (MZAN), VII - incentivar o turismo nas ilhas, por meio de programas que evidenciem o meio ambiente, a diversidade cultural, a paisagem e as características locais típicas das ilhas fluviais do Município de Belém. [...] Art. 85 Na Macrozona do Ambiente Natural
125
Reconhecer, no Plano, o turismo de natureza e o esporte de aventura como
produtos turísticos é considerar os recursos comuns, valorizando-os e favorecendo sua
exploração econômica. Ao concebê-los como mercadoria, se confirmam as regras
institucionais locais de concepção do mercolazer (MASCARENHAS, 2004) aos usos dos
bens culturais. Tornam-se, portanto, um não-direito, pois são de difícil acesso, exclusão e de
baixa rivalidade (OSTRON, 2002).
A sobre-exploração econômica imputada às várias formas de lazer pressupõe
compreender que os arranjos institucionais, que regulam a gestão desse recurso, atribuem o
direito ao acesso apenas aos que podem pagar pelo uso, os quais estarão aptos a se
beneficiarem do lazer turístico. Consequentemente, tem-se no Plano Diretor de Belém uma
assimilação do incentivo institucional do lazer privado, segregado.
4.1.3.2 Os espaços destinados às práticas de lazer
O PDU aponta compromissos fundamentais para com a sociedade no
planejamento da cidade, os quais podem ser as bases para se pensar o desenvolvimento do
lazer na cidade. No Capítulo I - Dos Princípios Fundamentais para a Política Urbana destaca a
função social da cidade, que entre outros atributos, compreende “o direito aos espaços
públicos e ao patrimônio ambiental e cultural do Município. No inciso II, elenca a função
social da propriedade urbana ao abranger a: “utilização adequada dos recursos naturais
disponíveis e preservação do meio ambiente; d) preservação do patrimônio histórico, cultural
e ambiental do Município” (BELÉM, 2008, p. 02).
Compromete-se ainda a “consolidar e implementar o esporte e o lazer como
direitos sociais e dever do Estado, promovendo o bem-estar e melhoria das condições de
vida”76 (ibdem). Em seguida, remete a responsabilidade ao Poder Público Municipal, pela
gestão político-administrativa de toda a política de lazer existente na cidade, por meio de
promoção, planejamento, controle e avaliação das atividades esportivas e de lazer, com o
compromisso de manter o funcionamento das áreas livres do município específicas para as
atividades de lazer e esporte.
A preocupação com a qualidade da estrutura dos espaços de lazer deve abranger
não só os que já existem, mas também aqueles que precisam ser construídos onde há ausência
(MZAN) somente poderão ser desenvolvidas atividades ligadas a: III - pesca e criação de espécies aquáticas, respeitadas todas as premissas legais; IV - turismo ecológico, cultural e de aventura; V - esportes náuticos, desde que não coloquem em risco os ecossistemas aquáticos; VI - lazer e contemplação (BELÉM, 2008, p.48). 76 Objetivos da Política de Esporte e Lazer. Art. 23, inciso II.
126
de opções de lazer. Esta qualidade está relacionada à potencialização do uso destes espaços,
os quais devem garantir a acessibilidade para pessoas com dificuldades de locomoção e/ou
portadores de deficiência. Neste último caso, a lei prevê nas diretrizes da política de esporte e
lazer, no inciso III “garantir acesso das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade
reduzida a todos os equipamentos esportivos municipais como diretriz universal” (ibdem).
O terceiro e último artigo da política de lazer enfatiza a elaboração do Plano
Municipal de Esporte e Lazer e trata especificamente de espaços destinados ao lazer,
definindo o prazo de 12 meses para o poder público submeter à Câmara Municipal o
documento de sua criação. O plano prevê:
I - a implantação e recuperação de equipamentos de esportes, adequados à realização de eventos e espetáculos esportivos; II - a implantação de um sistema regionalizado de administração dos equipamentos das atividades de esporte e lazer; III - a realização de levantamentos e a manutenção atualizada do registro das áreas com potencialidades para a prática de lazer; IV - o acompanhamento e a orientação quanto à utilização de espaços públicos e particulares, que possibilitem a realização de programações de caráter cívico, social e esportivo, planejadas pela comunidade. V - assegurar a implantação de equipamentos de esportes, adequados às pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida77 (ibdem).
A política de esporte e lazer não informa claramente a construção e criação de
novos espaços públicos de lazer, ambientalmente equilibrados, de maneira descentralizada na
cidade, para que assim seja possível ampliar os serviços e Programas pela cidade. Apenas
referenda ao Poder público municipal que faça levantamento de dados sobre espaços de
práticas de lazer, ou seja, identifique onde existem atividades de lazer na cidade para fins de
cadastro desses espaços.
Em outros pontos do Plano, os espaços de lazer têm destacada importância na
política de planejamento sustentável da cidade, a exemplo das Políticas do Patrimônio
Cultural e do Ordenamento Territorial do Município. Quanto às diretrizes da Política de
Patrimônio Cultural, estas orientam a criação de novos espaços de lazer na cidade prevendo:
“garantir a criação e a ampliação da oferta de equipamentos e espaços culturais no território
municipal”78 (ibdem); identificar e delimitar novas áreas de interesse à preservação; e
“fomentar o desenvolvimento de atividades culturais a partir de organizações populares”79
(ibdem).
77 Incisos do Art. 25, da seção V que trata da Política de Esporte e Lazer. 78 Diretrizes da Política de Patrimônio Cultural, Art. 21, inciso XXII. 79 Diretrizes da Política de Patrimônio Cultural, Art. 21, inciso V.
127
Na Política de Drenagem Urbana, está indicada como uma das ações para o
manejo das águas pluviais “definir mecanismos de fomento para usos do solo compatíveis
com áreas de interesse para drenagem, como parques, áreas de lazer, hortas comunitárias e
manutenção de vegetação nativa” 80 (ibdem). Tal perspectiva pode ser um estímulo aos
agentes públicos e privados na hora de investir na criação de espaços urbanos destinados ao
lazer.
Na Política Municipal de Meio Ambiente, tem-se definida a criação do Sistema
Municipal de Áreas Verdes e de Lazer, que neste Plano Diretor possui como elementos
constituintes: I - áreas verdes públicas ou privadas significativas, parques e unidades de conservação; II - Áreas de Preservação Permanente (APP), assim definidas no artigo 2º da Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965, que institui o Código Florestal Brasileiro e suas alterações, e que integram as bacias hidrográficas do Município de Belém; III - áreas públicas ou privadas, em situação de degradação ambiental; IV - áreas naturais preservadas em função da existência de populações tradicionais81 (ibdem).
A criação do Sistema Municipal de Áreas Verdes e de Lazer possibilita a
articulação de mecanismos necessários à ampliação do lazer como benefício público em
Belém. Os quais já foram previstos com os objetivos de: “ampliar os espaços de lazer ativo e
contemplativo, criando parques lineares ao longo dos cursos d’água não urbanizados” 82;
“ampliar e articular os espaços de uso público, em particular os arborizados e destinados à
circulação e bem estar dos pedestres ”83.
O Sistema também orienta para o uso racional deste recurso comum a todos,
quando define no Art. 58, inciso II: “adotar critérios justos e equitativos de provisão e
distribuição das áreas verdes e de lazer no âmbito municipal”; e, nas diretrizes “o
disciplinamento do uso, nas praças, nos parques e demais áreas verdes, das atividades
culturais e esportivas, bem como dos usos de interesse turístico.”84
A política de rede hídrica e de corredores de integração ecológica mapeia os
Parques lineares integrados ao Sistema Municipal de Áreas Verdes e de Lazer como
necessários para melhorar a qualidade ambiental do Município. Outro objetivo desta política
80 Capítulo III da Política de Infraestrutura e Meio Ambiente, Seção Do saneamento Ambiental Integrado, Subseção III - Da Drenagem Urbana, Art. 37, inciso V, alínea a. 81 Capítulo III da Política de Infraestrutura e Meio Ambiente, Seção IV Do Meio Ambiente, Subseção I - Do Sistema Municipal de Áreas Verdes e de Lazer Art. 57, da composição do Sistema. 82 Ibdem, Art. 58, dos objetivos, inciso V. 83 Ibdem, inciso VII. 84 Ibdem, Art. 59, inciso III.
128
recomenda a ampliação de espaços de lazer ativo e contemplativo, de forma que
progressivamente possam ser criados parques lineares (BELÉM, 2008, p. 38).
O Macrozoneamento de Belém85 dividiu o território em dois ambientes:
Macrozona do Ambiente Urbano (MZAU) e Macrozona do Ambiente Natural (MZAN). Na
primeira, existe uma subdivisão em sete zonas que correspondem à parte urbanizada do
território. Ela abrange a parte continental e a parte das ilhas de Caratateua, Mosqueiro e
Cotijuba. Já a segunda está representada pelas áreas de paisagem natural “não urbanizadas das
ilhas de Caratateua, Mosqueiro e Cotijuba e as demais ilhas do Município em sua totalidade e
a Área de Proteção Ambiental dos Mananciais de Abastecimento de Água de Belém (APA-
Belém).” 86
A MZAU está dividida em sete zonas que correspondem a determinadas áreas da
cidade, de acordo com seu desenho urbanístico e/ou paisagístico. A tabela abaixo sintetiza os
dados relacionados à previsão do lazer nessas áreas de acordo com o Plano Diretor Atual.
Tabela 65 - Macrozoneamento de Belém de acordo com usos e atividades de lazer em Zonas de Ambiente Urbano - ZAU
ZAU CARACTERÍSTICAS OBJETIVOS DIRETRIZES 1 (Art.88) Parte de Mosqueiro (ao Norte) e
Cotijuba apresenta ocupação rarefeita, inexistência de infra-estrutura e presença de vegetação significativa (Art.88).
V - dinamizar atividades de turismo, cultura e lazer (§1º).
II - promover atividades de cultura, esporte e lazer, nas áreas de uso coletivo (§2°).
2 (Art. 89) Parte de Mosqueiro (ao sul) e parte de Outeiro (Orla e área urbana) [...] caracteriza-se por apresentar ocupação primordialmente habitacional, infraestrutura consolidada em parte da zona e inexistente em outra, núcleo habitacional com utilização sazonal, ocupado predominantemente nos finais de semana e férias (Art. 89).
V - fortalecer as atividades de cultura, esporte, lazer, comércio, serviços e negócios, visando o incremento do turismo. atividade turística ( §1º).
§2°. São diretrizes da ZAU 2: I - consolidar e ampliar a infra-estrutura, para potencializar II - promover atividades de esporte, cultura e lazer nas áreas de uso coletivo (§2°).
(continua) 85 Art. 87 A Macrozona do Ambiente Urbano (MZAU); Art. 85 Na Macrozona do Ambiente Natural (MZAN). No plano, os artigos 79 a 99 expressam o macrozoneamento do território de Belém. 86 Os Artigos 82 a 85 e os artigos 95 a 99 refletem a Macrozona de Ambiente Natural e suas subdivisões em Zonas de Ambiente Natural (ZAN).
129
3 (Art. 90) Setor I
Distrito de Icoaraci: caracteriza-se pelo traçado regular, com vias largas, grandes lotes, pouca verticalização, eixo comercial e de serviços desenvolvidos ao longo da via principal, potencial turístico e cultural, orla parcialmente urbanizada com atividades portuárias, de lazer e turismo, ocupações irregulares, habitações precárias, tendência para o fracionamento do lote, presença de patrimônio imaterial e material marcante (§1º).
III - incentivar a diversidade de usos em harmonia com as características históricas e culturais da área; V - fortalecer as atividades de cultura, esporte e lazer, comércio e serviço, visando o incremento do turismo; VI - implantar equipamentos públicos, espaços verdes e de lazer (§ 2º).
II - incentivar a recuperação e conservação dos imóveis de valor histórico e cultural; III - incentivar atividades de turismo, cultura, esporte e lazer; VI - reconhecer, valorizar e divulgar o patrimônio cultural imaterial (§3º).
3 setor 2 (Art.90)
Presença significativa de conjuntos habitacionais populares, eixos de comércio e serviços e infraestrutura precária (Art.90).
V - fortalecer as atividades de cultura, esporte e lazer, comércio e serviços. (§ 5º).
II - promover atividades de esporte, cultura e lazer nas áreas de uso público (§ 6º).
4 (Art. 91) [...] uso predominantemente residencial, atividades econômicas dispersas, presença de núcleos industriais, carência de equipamentos públicos, infraestrutura não consolidada, terrenos subutilizados ou não utilizados, com ociosidade de grandes áreas, incidência de loteamentos destinados à classe média alta e ocupações precárias (Art. 91).
IV - ampliar a disponibilidade de equipamentos públicos, espaços verdes e de lazer (§1º).
VII - Investir na manutenção e dotação de espaços públicos de uso coletivo, especialmente o Parque Guajará, a área da Marinha e a Orla do rio Maguari e da Baía do Guajará (§2º).
5 (Art. 92) Pedreira, Barreiro, Telégrafo, Sacramenta, Fátima, Guamá, Jurunas, Terra Firme, parte do Marco, Curió Utinga - caracteriza-se pelo uso predominantemente residencial, com alta densidade populacional, ocupação de comércio e serviço nos principais eixos viários, edificações térreas ou de dois pavimentos, carência de infraestrutura e equipamentos públicos, alta incidência de ocupação precária, núcleos habitacionais de baixa renda e risco de alagamento (Art. 92).
I - complementar e ampliar a infraestrutura básica; II - ordenar o adensamento construtivo; III - implantar equipamentos públicos, espaços verdes e de lazer (§1°).
VII - dotar de infraestrutura os espaços públicos de uso coletivo (§2°). Não apresenta diretriz específica.
6 setor I Caracteriza-se por possuir infraestrutura consolidada e estar em processo de renovação urbana, com inexistência de uso predominante, grande incidência de atividades econômicas, grande número de terrenos ocupados com verticalização, remembramento de lotes e congestionamento do sistema viário. V - dinamizar atividades de cultura, lazer, comércio serviço, visando o incremento do turismo (§2º).
VI - promover atividades de cultura e lazer nas áreas de uso coletivo (§3º).
130
(continuação) 6 setor II Uso predominantemente
residencial, presença de edificações de interesse histórico e ambiental, atividades econômicas concentradas nos principais eixos de circulação, infraestrutura consolidada e lotes desocupados ou subutilizados.
Otimizar a infraestrutura instalada.
VI - promover atividades de cultura e lazer nas áreas de uso coletivo (§5º).
6 setor III (§7º)
Caracteriza-se pela não predominância de uso, presença de núcleos comerciais diversificados, com alta atratividade e forte tendência ao adensamento, com infra-estrutura e equipamentos públicos insuficientes (§7º).
III - incentivar a ocupação com atividades econômicas, vinculadas ao comércio varejista e serviços de lazer e entretenimento; IV - o incentivo à ocupação habitacional verticalizada (§8º).
I - melhorar a mobilidade e acessibilidade; II - requalificar o sistema de circulação; III - recuperar e manter os espaços públicos de uso coletivo; IV - dotar os espaços públicos de equipamentos para a prática de esportes, o lazer e cultura (§9º).
7 Setor I Art. 94 (§1º)
Setor I caracteriza-se por seus atributos históricos, paisagísticos e culturais, por desempenhar tradicionalmente as funções de centro comercial, administrativo, de serviços e portuário, com atendimento em todo o Município (§1º).
I - requalificar, preservar e conservar o núcleo histórico; V - potencializar as atividades de turismo e negócios afins. IV - reabilitar os espaços públicos destinados às atividades de cultura, lazer e de turismo (§2º).
IV - reabilitar os espaços públicos destinados às atividades de cultura, lazer e de turismo (§3º).
7 Setor III (§7°)
Zona de Orla Fluvial. Caracteriza-se pela presença de ocupação desordenada, habitações e infraestrutura precárias, presença de atividades portuárias privadas tradicionais, degradação ambiental, risco social e presença de edificações históricas (§7°).
I - requalificar, preservar e conservar os imóveis de valor histórico; III - incentivar as atividades turísticas e culturais (§8°).
São diretrizes da ZAU 7 – Setor III: I - recuperar áreas degradadas, livres ou ocupadas, potencializando as suas Qualidades paisagísticas; II - requalificar e ampliar a infraestrutura urbana, especialmente para o desenvolvimento de atividades turísticas, culturais, de esporte e lazer (§9°).
FONTE: Elaborada pela autora a partir dos dados do PDB. Artigos 87 a 94.
Percebe-se que existe um plano estratégico, mesmo que genérico, do lazer em
todas as zonas do território urbano, com exceção de parte da ZAU6, nos setores IV e V e setor
II da ZAU7, que compreende parte do Centro histórico. O grau de repartição do território com
as zonas redesenha um nível mais significativo de detalhamento de planejamento da cidade,
que em tese potencializa a área do lazer nestas zonas.
Neste Plano, notou-se a ênfase dada a alguns verbos como: dinamizar, ampliar,
promover, fortalecer, implantar, incentivar, requalificar, potencializar, otimizar, recuperar,
131
melhorar. Verbos estes que impõem ações concretas para as atividades, equipamentos
públicos, áreas públicas e imóveis de valor histórico cultural. Esta foi a perspectiva apontada
para a política de lazer nessas áreas, entretanto, o Plano não detalha as políticas em Programas
e ações, dificultando, desta forma, sua própria exequibilidade. Além disso, neste zoneamento
não se percebeu política de formação de pessoal para atuar com o lazer (CASTELLANI,
2007; MARCELLINO, 2007).
A Macrozona do Ambiente Natural (MZAN) tem como uma de suas diretrizes:
“VII - incentivar o turismo nas ilhas, por meio de programas que evidenciem o meio
ambiente, a diversidade cultural, a paisagem e as características locais típicas das ilhas
fluviais do Município de Belém” (Art.85). As MZANs são potencialmente recursos comuns,
pois são bens naturais necessários à vida, de difícil exclusão e com um baixo grau de
rivalidade no uso de seu recurso (OSTROM, 2002).
Estas zonas devem ser efetivamente espaços privilegiados de atenção por parte
dos gestores públicos e da sociedade como um todo, para que seu manejo e exploração
possam ser compatíveis com as possibilidades do seu não esgotamento. O que se percebe no
Plano é que essas áreas divididas em três zonas prevêem o uso limitado para certas práticas
que favoreçam a vivência do Lazer na natureza como: a pesca; a criação de espécies
aquáticas, respeitadas todas as premissas legais; o turismo ecológico, cultural e de aventura;
esportes náuticos, desde que não coloquem em risco os ecossistemas aquáticos; o lazer e a
contemplação87.
Outro zoneamento importante no Plano são as ZEIS - Zonas Especiais e Interesse
Social, que tem como característica marcante a ocupação por pessoas de baixo poder
aquisitivo e serviços públicos precários, bem como a inexistência de equipamentos públicos
na área. Em geral, os domicílios/loteamentos são irregulares e a situação diagnóstica na
leitura dessas áreas comprova a “V - inexistência ou déficit de equipamentos comunitários de
saúde, educação, esporte e lazer.” 88 O plano identifica ainda a falta de equipamentos de lazer
nas ZEIS, mas não se mostra propositivo na formulação de objetivos e diretrizes que remetam
à discussão de um plano de habitação ou ainda de diretrizes para o lazer nessas áreas.
As Zonas Especiais de Interesse Ambiental (ZEIA) representam:
87 Art. 85, incisos de III a VI. 88 Art. 97, inciso V.
132
I - áreas verdes públicas ou privadas, praças, parques e unidades de conservação, situadas na Macrozona do Ambiente Urbano ou na Macrozona do Ambiente Natural, cujas funções são proteger as características ambientais existentes e oferecer espaços adequados e qualificados ao lazer da população; IV - áreas públicas ou privadas, em situação de degradação ambiental, que devem ser recuperadas e destinadas, preferencialmente, ao lazer da população, de forma a contribuir com o equilíbrio ambiental (Art.104); Art. 110 São diretrizes das Zonas Especiais de Interesse Ambiental (ZEIA): I - recuperar áreas degradadas, livres ou ocupadas, potencializando as suas qualidades materiais e imateriais para que possam ser incorporadas a Unidades de Paisagem; II - preservar os maciços vegetais remanescentes no interior da malha urbana; III - preservar os espaços livres de uso coletivo como praças e imóveis, ou conjunto de imóveis, que possuam áreas verdes; IV - criar e implementar novas áreas para parques, praças e unidades de conservação; Art. 111 Constituem-se Zonas Especiais de Interesse Ambiental (ZEIA), da Macrozona do Ambiente Urbano (ANEXO VI): I - Parque Ecológico do Município de Belém; II - Parque Guajará; III - Parque Ariri; IV - área da Marinha; V - orla do rio Maguari; VI - orla continental do rio Guamá e baía do Guajará; VII - orla das ilhas de Mosqueiro, Caratateua e Cotijuba; VIII - Jardim Zoobotânico Emílio Goeldi (Resolução CONAMA nº 339, de 25 de setembro de 2003); IX - Jardim Botânico Bosque Rodrigues Alves (Resolução CONAMA Nº 339, de 25 de setembro de 2003); X - Escola Bosque Prof. Eidorfe Moreira; XI - bacia do rio Tamanduaquara; XII - bacia do rio Murubira; XIII - bacia do rio Cajueiro; XIV - bacia do rio Carananduba; XV - bacia do rio Sucurijuquara; XVI - bacia do rio Jacarequara.
Destacam-se ainda as Zonas Especiais de Interesse do Patrimônio Histórico e
Cultural. De acordo com o Art. 113 as Zonas Especiais de Interesse do Patrimônio Histórico e
Cultural (ZEIP) são áreas formadas por sítios e conjuntos arquitetônicos de valor e
significância cultural, de relevante expressão artística, histórica, arqueológica e paisagística,
Art. 114 Constituem-se ZEIP da Macrozona do Ambiente Urbano: I - Centro Histórico (definido pela Lei Municipal nº 7.709, de 18 de maio de 1994); II - Praça Batista Campos, Cemitério da Soledade e Horto Municipal e seus entornos; III - Complexo de São Brás; IV - área do Forte da Barra; V - área do Sítio Penacova; VI - Vila do Distrito de Mosqueiro e seu entorno; VII - Educandário Nogueira de Farias e seu entorno (ilha de Cotijuba); VIII - orla das ilhas de Mosqueiro e Cotijuba. Art. 115 Constituem-se ZEIP da Macrozona do Ambiente Natural: I - área tombada da Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA) e entorno; II - ruínas do Engenho Murutucu; III - ilhas de São Pedro e Tatuoca (ibdem).
Segundo Sant’Ana (2006, p.120), “o planejamento é na concepção atual, um
processo de leitura e identificação de problemas que se deseja solucionar.” Neste sentido, o
macrozoneamento constroi uma leitura da cidade e apresenta as possibilidades para se
estabelecer definições para os variados usos e ocupações nos diferentes ambientes do
território municipal. No caso de Belém, as ZEIAS e as ZEIP potencializam as possibilidades
de lazer na cidade, pois a leitura da cidade não só traz a identificação dos problemas como
revela as belezas de valor cultural desses ambientes.
133
4.1.3.3 Animação cultural
Uma política de lazer não pode negar a animação sociocultural nas políticas
públicas de lazer, que entre outras características é a ação político-pedagógica para a difusão
do lazer. Em relação ao interesse da população na área de lazer, uma política pública deve
estar atenta a não só apresentar uma lista de objetivos e diretrizes para orientar a elaboração
de políticas de lazer como também deve propor programas e ações que incluam o
planejamento da ação dos profissionais que atuarão nestes programas (STIGGER apud
MARCELLINO, 2007). Deste modo, enfatiza-se a importância de uma política de lazer que
desenvolva estratégias de formação permanentes do profissional da animação cultural
ampliando seu olhar e consciência sobre sua atuação segundo uma dimensão mais ampla de
compromisso com a sociedade. Desenvolver uma política de lazer e esportes nessa perspectiva significa, mais do que oferecer serviços a população, criar condições para a promoção do debate e da reflexão sobre essas mesmas políticas, no sentido de construção de um projeto coletivo [...] (ibdem, p. 28).
O Plano prevê que as demandas crescentes da população devem ser atendidas. E
assim, destaca-se o apoio e o fomento às iniciativas populares como necessárias para a
consolidação dessa política.
No artigo que trata das diretrizes da Política Municipal de Esporte e Lazer, se
considera de importância fundamental a proposição de atuação de maneira integrada às outras
políticas setoriais como as de saúde, de educação, de cultura e de comunicação (Art. 24).
Tendo em vista, que a ação coletiva intersetorial potencializa as ações do Estado na oferta dos
benefícios públicos à população, além de fortalecer as políticas enquanto possibilidade de se
consolidarem como política de Estado e não apenas como uma política da gestão municipal.
É um avanço no Plano a garantia do desenvolvimento da memória do esporte e do
lazer “para as presentes e futuras gerações”. Podendo, este fato também ser um impulsionador
da pesquisa científica com banco de dados sobre o tema. Vale ressaltar, que esta proposição
contribui para a criação de espaços físicos destinados a este fim a exemplo do surgimento de
bibliotecas, videotecas e museus públicos, voltados todos para a memória do esporte e do
lazer em Belém.
O Plano Diretor é omisso em relação à formação de pessoal para animação
cultural (MELO, 2003) ou de agentes sociais de esporte e lazer (MARCELLINO, 2007;
CASTELLANI, 2007; EWERTON, 2010), pois é importante pensar em uma política voltada
134
para o lazer em um esforço para a compreensão e educação desta dimensão do lazer público,
como um recurso ao acesso de todos. Neste sentido, o Plano não apresenta proposições acerca
da valorização destes atores que atuam nos programas, projetos e ações municipais.
Há que se considerar que algumas obras poderão ampliar os espaços de lazer na
cidade como o projeto Portal da Amazônia89 que contempla, em parte, uma antiga necessidade
dos habitantes de Belém. Esta consiste na ampliação do acesso gratuito às margens dos rios
que banham Belém, cuja restrição é um dos problemas adquiridos com o crescimento
desordenado da cidade. Neste sentido, a expectativa criada diante de obras desta natureza é de
que ocorra a ampliação de espaços para o lazer gratuito como benefício público e não mais
como espaço privatizado.
89[..] é um programa que envolve as obras de macrodrenagem da Bacia da Estrada Nova, abrangendo uma área de 958 hectares, que corresponde a 16% do total da área urbana de Belém. Envolve também a urbanização da orla da Avenida Bernardo Sayão, em um trecho de 6,25 quilômetros de extensão, que começa a partir do Mangal das Garças e se estende até a Universidade Federal do Pará-UFPA (Jornal O LIBERAL, 2007) [...] O projeto envolve investimentos de R$ 125 milhões na construção da orla da cidade e mais R$ 275 milhões na macrodrenagem da Estrada Nova. As obras beneficiarão 250 mil habitantes dos bairros do Jurunas, Guamá, Cidade Velha, Cremação e parte de Batista Campos. A apresentação (...) foi feita pelo secretário municipal de Urbanismo, Luiz Otávio Pereira, na sede da escola de samba 'Bole-Bole' (Jornal O LIBERAL, 2006).
135
Fotografia 05 - Imagem de Belém: demonstrativo de obras de recuperação de área degradada para fins de lazer Fonte: Google Earth (2010).
Fotografia 06 - Espaço Saúde e Lazer na Praça Brasil Fonte: Site oficial da PMB (2010).
136
4.1.3.4 O Lazer nos Orçamentos Municipais
Tabela 16 - Orçamento para o lazer (2008 – 2010)
BELÉM. Orçamento.
LOA/2008 (em R$)
% LOA/2009(em R$)
% LOA/2010(em R$)
%
Geral 1.196.218.332,00 100 1.575.541.883,00
100 1.612.262.041,00 100
Esporte e lazer no orçamento da SEMEC
5.000,00 0,0004 Sem previsão --- Sem previsão ---
Conselho Municipal de esporte e lazer
5.000,00 0,0004 8.000,00 0,0005 10.000,00 0,0006
SEJEL
Sem previsão --- 3.711.145,00 0,23 17.873.135,00 1,10
Construção de novos espaços
Sem previsão --- 700.000,00 --- 700.000,00 ---
Manutenção e gestão
dos espaços
Sem previsão --- 25.000,00 --- 25.000,00 ---
Subitens do
orçamento da SEJEL
Animação Cultural
Sem previsão --- 786.595,00 --- 14.269.320 ---
FUMBEL (cultura) 11.466.271,00 0,95 11.575.969,00 0,73 11.819.870,00 0,73 Total Geral (de Esporte e Cultura)
11.476.271,00 0,95 15.287.114,00 0,96 29.693.005,00 1,83
FONTE: Elaborada pela autora a partir dos dados das LOAs 2008, 2009 e 2010 (Site oficial da PMB).
Até o ano de 2007, não existia uma secretaria específica de esporte e lazer90, daí
não existir previsão orçamentária similar (com o mesmo nível de recursos) a de outras
secretarias do Município em 2008. Assim, os recursos previstos para estas políticas eram
dispersos entre a FUMBEL e a SEMEC91. Neste ano, foram destinados no orçamento92 da
SEMEC somente R$ 5.000,00 para desporto e lazer; e para o Conselho Municipal de Esporte
R$ 5.000,00. Não sendo possível nesta pesquisa documental elencar todos os recursos
previstos para esta área nas várias secretarias.
Já no orçamento de Belém para o ano de 200993, existia uma previsão de R$
3.711.145,00 para lazer e desporto, a serem aplicados pela recém criada Secretaria de Esporte
de Lazer da Cidade, ou seja, 0,23 % do orçamento de Belém. O investimento no Conselho
Municipal de Esporte manteve baixo nível de recursos, não ultrapassando R$ 8.000,00 para o
ano. O orçamento para construção de novos espaços foi de R$ 700.000,00 e a previsão de
gastos com manutenção e gestão de espaços de esporte e lazer neste mesmo período foi de R$ 90 A criação da SEJEL se deu através da aprovação da Lei nº 8.629, de 21 de janeiro de 2008 de Belém. 91A politica de Esporte e Lazer estava na FUMBEL até 1996. Na gestão 1997ª 2004. O Departamento de Desporto foi extinto apenas na funcionalidade. Suas ações foram incorporadas pela SEMEC com a criação da Coordenadoria de Esporte, Arte e lazer – CEAL. Na gestão de 2005 o atual prefeito retomou este departamento, até a sua extinção definitiva com a criação da SEJEL em 2008. 92 Lei nº 8.622, de 28 de dezembro de 2007 - Município de Belém. Disponível em http://www.belem.pa.gov.br/new/pdf_segep. 93 Lei nº 8.659, de 6 de janeiro de 2009 - Município de Belém. Disponível em: http://www.belem.pa.gov.br/new/pdf_segep.
137
25.000,00. A animação cultural, com ações de incentivo ao desporto e lazer contou com uma
alocação de recursos de 786.595,00. Tal distribuição é característica de uma “política
herdada” (HALL e TAYLOR, 2003) na área do esporte e lazer, em que há uma distribuição
desigual entre as ações de lazer e as ações específicas voltadas para o esporte de alto
rendimento.
Percebe-se um aumento considerável de previsão de recursos para o ano de
201094, com a alocação, em tese, de R$ 17.873.135,00 ou o equivalente a 1,1 % do orçamento
da cidade para o ano. Em que pese neste novo aporte na previsão de recursos, permaneceram
estacionadas as verbas destinadas para a conservação de espaços de lazer, limitando-se a R$
25.000,00; as destinadas à construção de novos espaços ficou em 700.000,00; e as dirigidas
para a manutenção do Conselho Municipal de Esporte e Lazer foram de apenas R$ 10.000,00.
mas com desequilíbrio na execução orçamentária desta política pública. Uma vez que para
atividades de animação cultural foram previstos o montante de R$ 14.269.320,00, em
detrimento de recursos insignificantes destinados à ações de controle social desta política.
O PDU de Belém, nesta nova versão, apresenta uma política de gestão urbana
com uma perspectiva favorável ao estabelecimento de uma política de lazer como benefício
público. A possibilidade de ampliação dos benefícios públicos de lazer pode ser percebida
inclusive pelos objetivos e diretrizes definidos nos planos da maioria das políticas setoriais:
Educação, patrimônio, desporto e lazer, meio ambiente, no ordenamento do território,
mobilidade urbana. Sobretudo, na política de meio ambiente, o lazer ganha espaço enquanto
recurso comum. Porém, se coloca no mesmo padrão de valoração do mercolazer, com
destaque para a política setorial do desenvolvimento econômico que atribui ao turismo,
principalmente, ao ecoturismo, o tratamento de produto potencializador da economia.
Deste modo, o Plano Diretor aponta essas duas perspectivas para a vivência do
lazer, cabendo, portanto, a ação coletiva dos atores para a utilização de mecanismos de
controle social. Embora, no caso do esporte e lazer, o Plano não trace qualquer referência ao
mecanismo de gestão do lazer, este existe e tem previsão de despesa orçamentária para seu
funcionamento95. Assim, devem-se buscar outros aportes institucionais previstos para o
controle social, com vistas na efetivação do lazer como um recurso comum, disponível a
todos e com manejo de uso equilibrado para as futuras gerações.
4.2 O lazer no Plano Diretor de Manaus
94 Lei nº 8.730, de 21 de janeiro de 2010 - Município de Belém. Disponível em: http://www.belem.pa.gov.br/new/pdf_segep. 95 A questão do orçamento municipal será tratada no próximo item.
138
4.2.1 Considerações gerais sobre o Plano Diretor
O primeiro Plano Diretor de Manaus96 pós-Constituição de 1988 e do Estatuto da
Cidade Lei de 2001, foi criado através da Lei 671, de 04 de novembro de 2002, que
regulamenta o Plano Diretor Urbano e Ambiental de Manaus - PDUAM. Apesar de a Lei de
Criação do Estatuto da Cidade ter sido aprovada mais de um ano depois da aprovação do
Plano, é uma ferramenta básica para a elaboração dos planos diretores das cidades a partir de
20 mil habitantes, mesmo que a nova regulação para o planejamento da cidade de Manaus não
faça qualquer referência ao Estatuto97.
Este não apresenta glossário necessário para a identificação de conceitos e termos
técnicos que aparecem na Lei do Plano Diretor. Sendo uma vez utilizados são elementos
constituintes do Plano e, por isso, recomendados pelos documentos orientadores para a
elaboração de planos diretores, dificultando o seu acesso e domínio amplo pela população.
O Plano incorpora duas questões de maneira equilibrada que se tornaram urgentes
na atualidade: a ideia da gestão racional do meio urbano e a necessidade em responder à
problemática ambiental. Assim, o nome do Plano98, à primeira vista, parece ter ficado
redundante, pois não é possível pensar na questão urbana como algo diferente do ambiental.
Desta forma, é preciso ter claro que a questão urbana está contida na questão ambiental e por
isso a necessidade de afirmação da questão ambiental no título da Lei justifica-se pelo
contexto em que este documento foi elaborado: pressões crescentes, por toda parte do globo,
na responsabilidade com a qualidade de vida do Planeta e o papel fundamental do Brasil em
preservar a Amazônia (IMAZON, 2007).
Por outro lado, percebe-se que a preocupação com o “embelezamento” da cidade é
a grande marca do mesmo. Valoriza a cidade, essencialmente, em seus aspectos físicos, uma
vez que não dedica nenhum capítulo específico para as políticas sociais, como a política de
saúde, educação e assistência social. As políticas de lazer e de habitação aparecem dispersas
em todo o texto do PDUAM, inclusas em outras políticas. No caso do lazer contido nas
políticas: de Patrimônio Cultural, Promoção da Economia, na Mobilidade Urbana; na área da
habitação: política de construção da cidade e áreas especiais de interesse social (AEIS).
96 Antes do Plano Diretor aprovado em 2002, existia a Lei 1.033/68, que definia alguns elementos para o planejamento da cidade como: regras para as edificações, zoneamento, loteamento e a infraestrutura viária do município. Com a Lei nº 1.214/75 foi aprovado o Plano de Desenvolvimento Integrado- PDLI. 97 A Prefeitura de Manaus contratou a empresa Instituto Brasileiro de Administração Municipal – IBAM como assessora técnica para elaborar o Plano Diretor de Manaus e a adequação dos instrumentos urbanos que estavam em vigor e já se encontravam defasados (LA ROVERE; CRESPO, 2002, p.40). 98 Plano Diretor Urbano e Ambiental de Manaus – PDUAM.
139
Embora sendo citadas como possibilidades de lazer e de habitação, esses registros aparecem
como objetivos e diretrizes, exceto na política de economia, que atinge até o nível da
formulação de programas em que o lazer está previsto.
As políticas sociais que estão diretamente relacionadas ao cumprimento das
funções sociais da cidade e da propriedade urbana, previstas no Estatuto da Cidade, estão
tratadas da seguinte maneira no Plano: educação, saúde, assistência social e o lazer
encontram-se secundarizados ou citados como uma estratégia e/ou objetivo em outras
políticas. A orientação para o processo de responsabilidade do município na condução dessas
políticas sociais na cidade não mereceu um capítulo específico; Habitação social está como
objetivo da política de construção da cidade; a educação aparece no campo da produção de
conhecimento em centros avançados de biotecnologia e biodiversidade; no caso específico do
lazer, percebe-se na política de desenvolvimento econômico, na qualidade ambiental e
cultural de Manaus. Olhando a cidade de Manaus, a partir do Plano Diretor, a impressão que
se tem é que a cidade só tem espaços naturais e equipamentos públicos, sendo desprovida de
pessoas, as quais impõem diferentes dinâmicas à cidade.
Embora o termo lazer não conste nos artigos dos princípios fundamentais, muito
menos apareça nas estratégias de desenvolvimento, o Plano apresenta pontos possíveis para
seu desenvolvimento ao longo da lei. Nos princípios do desenvolvimento do município
aparece como inciso “a valorização cultural de Manaus e de seus costumes e tradições” 99.
Nas estratégias previstas de desenvolvimento do município, nas quais merece
atenção a primeira, definida como: “Valorização de Manaus como Metrópole Regional” 100,
pode-se observar as diversas ações que foram desenvolvidas pelas instituições municipais e
estaduais no município de Manaus. Inclusive a concretização de ações práticas, como a
criação do “Programa Manaus - Metrópole da Amazônia”, que por sua vez definiu novas
estratégias de efetivação, em que está prevista a implantação de “espaços públicos
polivalentes de elevado interesse comunitário, em módulos progressivos, cuja essência é a
conquista da cidadania e a defesa da democracia” 101. Entre estes pontos, e as diversas
possibilidades de ação pública que eles podem orientar, estão aqui as possibilidades de
criação, preservação, manutenção e animação dos espaços públicos para o lazer, uma vez que
99 Inciso II do Art. 1º do PDU. 100 Consta no Título II Das Estratégias de Desenvolvimento, Art.2º As Estratégias propostas pelo Plano Diretor Urbano e Ambiental de Manaus para o desenvolvimento do Município são: I – Valorização de Manaus como Metrópole regional; II – Qualificação ambiental do território; III – Promoção da economia; IV – Mobilidade em Manaus; V – Uso e ocupação do solo urbano; VI – Construção da cidade; VII - Gestão democrática (MANAUS, 2002, p. 04) 101 Art. 6º, inciso VI (ibdem, p.5).
140
a norma de planejamento da cidade não cita o termo lazer como estruturante do
desenvolvimento do Plano Diretor.
Nas estratégias de desenvolvimento apresenta-se a criação de uma agência de
promoção de desenvolvimento regional sustentável102 que até os dias atuais não foi
implantada. As orientações para a revisão do novo Plano Diretor de Manaus apontam para a
retirada deste artigo, o que ratifica a perda de sentido da criação de um órgão específico
voltado para o desenvolvimento da análise da gestão pública.
O Plano de Manaus tem como característica bem marcante a preocupação com o
desenvolvimento econômico do município. Essa matriz econômica é uma das estratégias de
desenvolvimento da cidade, que se destaca de maneira transversal no Plano, e justifica o seu
objetivo de “potencializar Manaus como centro articulador da dinâmica econômica da
Amazônia Ocidental e produtor de conhecimento sobre a região”.103 Esta estratégia é a base
conceitual deste Plano que vai influenciar todas as outras estratégias de desenvolvimento do
município.
4.2.2 Gestão democrática
O município de Manaus tem previsto em seu Plano Diretor um sistema de
Planejamento e gestão da política urbana que se compromete em ser processual e
democrático. Assume em seus objetivos o compromisso com uma gestão em que a sociedade
seja “corresponsável” pela gestão da cidade, podendo a mesma atuar de várias formas.
Apontam como uma das diretrizes a “implantação do orçamento participativo”.
O Conselho de Desenvolvimento Urbano, de acordo com o Art. 134 do Plano
Diretor “é o órgão técnico disciplinar e deliberativo sobre as questões relativas aos sistemas,
serviços e ordenação do espaço urbano do município de Manaus [...]”. Assume na prática um
caráter essencialmente técnico na definição da política urbana. Não incorpora, por exemplo, a
proposição de coordenar o orçamento participativo, que é uma das estratégias apresentadas
nas diretrizes de política de gestão democrática. Nota-se que a natureza técnica do Plano, é
fruto da própria estratégia de criação do mesmo por uma equipe especializada, que sem
participação popular, demonstra um perfil autoritário de concepção de planejamento da
cidade.
102 Consta no Art.6º, inciso VI, Capítulo I, do Titulo II do Plano Diretor. 103 Capítulo III da Produção da Economia, Art. 16.
141
É importante considerar, que no ano de 2001, já existia a Lei do Estatuto da
Cidade que garantia a participação popular na elaboração e execução do Plano Diretor. No
entanto, o autoritarismo pode ser percebido na própria composição do Conselho de
Desenvolvimento Urbano, que apesar de atualmente fazer uma composição paritária entre as
instituições, atende mais a interesses, principalmente, econômicos, de determinados setores da
sociedade manauara, à medida que prioriza em sua representação, instituições classistas e o
empresariado local da área de construção civil104. Sendo assim, demarca uma lógica
conceitual de Planejamento da cidade, já dita em capítulos anteriores, de concepção de Plano
Diretor como uma tarefa essencialmente de especialistas, técnicos e outros profissionais
experientes em obras urbanísticas, como se a cidade fosse concebida apenas como um
desenho técnico a ser preenchido e/ou melhorado.
A ideia de Orçamento Participativo registrada no PDU 2002 não teve nenhuma
concretização. A própria LDO 2008 é genérica na proposição apenas de incentivo à
participação popular no processo de elaboração do projeto de lei de diretrizes orçamentárias e
apresenta as audiências públicas como forma mais concreta de relação entre o poder público e
a sociedade.
4.2.3 Análise do lazer no Plano Diretor de Manaus
Foram adotados os mesmos indicadores usados para Análise do PDU de Belém: a
concepção de lazer presente no Plano; os espaços físicos destinados ao lazer; a conservação e
manutenção desses espaços; a animação cultural; os investimentos financeiros para a política
de lazer.
4.2.3.1 Concepção de lazer presente no Plano
104 O Conselho atual está composto pela Procuradoria Geral do Município (PGM), o Instituto Municipal de Planejamento Urbano (IMPLURB), a Secretaria Municipal de Obras, Saneamento Básico e Habitação (SEMOSBH) e Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SEMMA). Instituições que têm acento no Conselho e que representam a sociedade: Câmara Municipal de Manaus (CMM), o Sindicato das Indústrias da Construção Civil (SINDUSCON), Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil (SINTRACOMEC) e CREA (Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura).
142
Duas perspectivas estão presentes no Plano Diretor Urbano e Ambiental de
Manaus (PDUAM): uma é a perspectiva de lazer enquanto benefício público e a outra
enquanto mercolazer, sendo está segunda a que tem maior ênfase no Plano. A primeira
perspectiva se identifica na Política de Qualificação Ambiental e Cultural do Território105, que
aponta para a defesa, a manutenção e gerenciamento ambiental dos recursos naturais urbanos
e não urbanos; para a proteção dos recursos hídricos e áreas verdes, assim como para a
“proteção, conservação e potencialização do uso dos bens de interesse de preservação que
integram o Patrimônio Cultural de Manaus” 106. Porém, tal perspectiva deixa claro uma
preocupação com o disciplinamento dos usos e de um maior controle pelo poder público sobre
os espaços e equipamento das cidades, o que pode ser um alerta para a ação popular no
sentido de assegurar o uso efetivamente público dos espaços da cidade destinados para este
fim.
A política de Mobilidade em Manaus107 orienta para a necessidade de qualificar a
circulação e a acessibilidade na cidade. Estas são características no Plano estimuladoras da
revitalização de experiências de lazer na cidade. Dentre as estratégias tradicionais neste setor,
como a qualidade ambiental e a infraestrutura das vias urbanas, o PDUAM reconhece a
importância do transporte fluvial na área urbana, inclusive como estimulador do lazer turístico
mo. Quando destaca: III - criar alternativas de deslocamentos fluviais na área urbana fomentando o transporte fluvial, de cargas e passageiros, cotidiano e turístico com o objetivo de potencializa a utilização de um recurso natural próprio de Manaus, desde que sejam implementados, conjuntamente, providências e procedimentos que assegurem a proteção ambiental dos cursos d’água e de suas áreas marginais, mantendo-se, preferencialmente, serviços tradicionais de transporte fluvial, como catraia, adequadamente estruturados;108 [...] implantação de ciclovias arborizadas; priorização dos pedestres nas vias, organizando estacionamentos e paradas de ônibus, ordenando e padronizando os elementos do mobiliário urbano e a comunicação visual, implantando e ampliando a arborização, recuperando as calçadas ocupadas com usos impróprios e alargando as calçadas e os canteiros; ampliação da acessibilidade de pessoas portadoras de deficiências, com a implantação de rampas nas travessias de pedestres e comunicação visual e sonora, reportando-se às exigências das normas técnicas brasileiras específicas109 (PDUAM, 2006, p. 14-15).
O PDUAM prevê metas para a recuperação de espaços públicos. Estabelece o
prazo de 5 (cinco) anos para que a estratégia seja cumprida. O prazo está direcionado para a
revitalização de calçadas e praças que foram ocupadas de maneira indevida por equipamentos
105 Titulo II Das Estratégias de Desenvolvimento. Capítulo II do PDUAM, Art. 7º. 106 Art. 7°, Parágrafo único, incisos de I a V. 107É parte das estratégias de desenvolvimento, no Capítulo IV do PDUAM, definida nos artigos 19 - 23. 108 Art. 20 que trata das diretrizes da Estratégia de Mobilidade em Manaus, inciso III (PDUAM, 2006, p. 14-15). 109 Art. 22 discute os programas da Estratégia de Mobilidade em Manaus, inciso II. Alíneas a, b,c, e (PDUAM, 2006, p. 15).
143
de empresas de energia elétrica, água e telefonia e outros serviços. Vale ressaltar que esta é
uma das poucas metas definidas no Plano e que na prática se observa que ela ficou apenas no
papel, quando MOTA (2008, p.140-141) reflete sobre a situação das calçadas em Manaus: Normalmente, as pessoas vêem as calçadas apenas como uma passagem entre o mundo hostil das ruas, e o portão da sua casa, infelizmente nossas calçadas estão a cada dia depredadas [...] havendo, dessa forma vários obstáculos que direta ou indiretamente obstruem a passagem dos pedestres, como por exemplo, camelôs, placas de propagandas governamentais e particulares, etc.[...] calçadões propícios para caminhadas, corridas e práticas de atividades físicas estão localizadas na região central da cidade, como é o caso da calçada que percorres toda a Avenida Getúlio Vargas, como também o Boulevard Amazonas, amplamente arborizada, que significa ser acolhedora sob o sol de uma cidade dos trópicos úmidos com bastante espaço, ela prioriza a convivência entre as pessoas, que nada mais é que dar o primeiro passo para o surgimento de uma identidade e do sentimento de companheirismo. Por outro lado, temos bairros como Japim, São Raimundo, Efigênio Sales (V-8), Cidade Nova, por exemplo, que possuem calçadas minúsculas ou dificultam a circulação e a prática de atividades físicas, podendo ser chamada de um caminho dentro da cidade. A má qualidade das calçadas também são constantes, algumas não têm pisos adequados e, na maioria das vezes, são irregulares e concorrem praticamente com os veículos automotores (ibdem).
Nota-se que os lugares em Manaus apresentam desigualdades no desenho
urbanístico, representando o processo histórico de ocupação desordenada na cidade, já
referendada nos capítulos anteriores. Neste sentido, o Plano aprovado em 2002 não cumpre a
meta, mas apresenta orientações de estruturação de intenção para a execução de uma política
que possa dar conta de ofertar o acesso universal à cidade, na perspectiva tanto da calçada
como do transporte fluvial e da qualidade do transporte coletivo e intermodal apontado no
Plano. Representa essa perspectiva de apropriação da cidade como um grande equipamento de
lazer e, portanto, como um benefício público à sua população.
O PDUAM também reconhece outra vertente do lazer: o mercolazer como
potencializador da política de promoção da economia110. Nota-se que a palavra “lazer”
começa a aparecer no Plano Diretor de Manaus a partir deste capítulo. No conjunto das
estratégias econômicas, é dado destaque à promoção de atividades turísticas, que por sua vez,
tem como um de seus objetivos “promover o lazer urbano” e “a implantação de estrutura
ambientalmente adequada ao usufruto, para turismo e lazer, de áreas que constituem o
Patrimônio Natural de Manaus” 111.
Acompanhando uma tendência nacional de utilização do turismo como irradiador
da economia, o perigo desta estratégia governamental padrão é a tendência ao estímulo às
110 A política de promoção da economia encontra-se no PDUAM no Título II que trata das Estratégias de Desenvolvimento da Cidade, no Capítulo III, nos artigos 16 e 17. 111 Art. 17, inciso VII, alínea e e g.
144
barreiras para o Lazer112, sobretudo, a barreira econômica, já que as relações de sobre-
exploração dos recursos ambientais e culturais, ou seja, de espaços possíveis para variadas
formas de lazer como benefício público, podem levar a um acesso restrito àqueles que podem
pagar pelos ingressos do espetáculo, artístico ou esportivo, pela mesa com cadeiras e guarda
sol nas orlas. Do outro lado, está a maioria da população sem possibilidade de usufruir desse
benefício. “Quem não pode pagar pelo estádio, pela piscina, pela montanha e o ar puro, pela
água fica excluído do gozo desses bens que deveriam ser públicos porque são essenciais”
(SANTOS, 1987, p. 48).
Na Política de Promoção da Economia se encontra uma proposta de Programa de
Lazer Urbano vinculando claramente ao lazer como um negócio.
I - Programa de Promoção do Lazer Urbano, visando estimular o lazer local como forma de incrementar o turismo urbano, com propostas de: a) articulação com o setor privado para implantação de serviços de apoio; b) implantação de equipamentos, nos bairros da cidade, com infra-estrutura de apoio ao lazer, incluindo espaços para o desenvolvimento de atividades culturais e econômicas. II - Programa para Abastecimento de Manaus, visando à formação de cooperativas de produtores voltadas à comercialização dos alimentos dirigidos ao abastecimento de Manaus e à melhoria da qualidade destes produtos. Parágrafo único - O Município estimulará a formação de cooperativas associadas a programas sociais e urbanísticos, sobretudo quando vinculadas aos programas de habitação social e de qualificação ambiental.
Tal programa demonstra a vocação do lazer como mercadoria, mesmo nas áreas
carentes que, em geral, são mais afastadas e desprovidas de espaços públicos de lazer. Uma
vez articulada com o setor privado, as iniciativas de lazer nestas áreas, que muitas são terras
públicas disponibilizadas ao empresariado local, passam a ser exploradas economicamente e a
grande maioria da população fica de fora desse serviço.
Por outro lado, cabe contatar o efeito dessas diretrizes na prática ao visualizar na
cidade seus espaços disponíveis para o lazer.
4.2.3.2 Os Espaços de lazer no PDUAM
A vivência do Lazer em Manaus, se considerado o Plano Diretor de 2002, foi
idealizada segundo o conjunto de condições ideais para a qualidade de vida na cidade. Não
recebeu um tratamento adequado ao apresentar um esquema fechado como plano estratégico
112 A barreira econômica é um impeditivo para os trabalhadores acessarem o direito ao lazer, pelo fato dos serviços nas cidades muitas vezes superexplorarem o lazer como mercadoria. Essa barreira provoca a exclusão do acesso a este direito, com o conjunto dos caros serviços ofertados na cidade que dificultam para aqueles de menor poder aquisitivo, como o preço do ingresso, a valor do transporte para o espaço e lazer, o preço da alimentação a ser consumida no local etc. O conjunto dessas necessidades transforma-se um uma das barreiras para o lazer. Ver mais em Estudos do Lazer, de Nelson Cavalho Marcellino (2008).
145
para uma política de lazer no município. Tratado de forma secundária, o lazer aparece
disperso nas estratégias de desenvolvimento, como já destacado na Política de Mobilidade em
Manaus. Pois ao prever as ciclofaixas, o alargamento das calçadas e arborização,
asfaltamento, sinalização de trânsito e iluminação pública, ações estas de infraestrutura básica
de qualquer cidade, as mesmas contribuem, consequentemente, para o conforto ambiental e
potencializam as chances da população praticar atividades de lazer em ambientes ao ar livre
como: caminhadas, corridas, skates, patins, ciclismo.
A Política de Uso e Ocupação do Solo Urbano113, que tem como meta principal a
reconfiguração da paisagem da cidade e a valorização da paisagem não urbana, apresenta três
Programas em que o Lazer está previsto na dimensão do Patrimônio histórico, com fins de
turismo: Programa de Revitalização da Área Central, que trata da recuperação de espaços
públicos, ocupação residencial, animação cultural e serviços ligados ao turismo; Programa de
dinamização de Centros de bairros que prevê a aproximação da gestão municipal com as
comunidades, a partir da animação cultural, voltada para a realização de eventos culturais e
comerciais nos bairros como uma de suas estratégias; e Programa de Criação e Consolidação
de centros de turismo e lazer nas orlas dos rios Negro e Amazonas.
Os parques públicos para o lazer são uma característica de Manaus, fortemente
implementada na primeira metade do século XX. A questão de hoje é que esses espaços do
passado tinham como característica principal o lazer do banho nos rios, que àquela altura
eram limpos e sem ocupações habitacionais e/ou estruturas urbanas em seu entorno: como o
Parque 10, Ponte da Bolívia e Tarumã. Mota (2008), ao estudar os espaços para o lazer em
Manaus identifica duas tendências que se complementam e baseiam a criação de espaços
livres públicos urbanos: uma visão sociocultural e ambiental, centrada na valorização de
atividades de lazer, recreação e práticas esportivas ao ar livre, justificando assim a criação dos
boulevares, as praças e os parques públicos.
A outra tendência partiria de uma concepção ecossistêmica. Nesta visão, as
intervenções se caracterizam por priorizar “a manutenção, regeneração e recuperação dos
aspectos biofísicos”. De acordo com Mota, essa visão embasa a criação dos diferentes espaços
públicos de lazer em Manaus como o: “Parque Lagoa do Japim, Parque Aquático da Zona
leste, Parque municipal do Mindu, Parque Ponte dos Bilhares e Parque Sauim-Castanheira,
dentre outros” (ibdem, p.149).
113 Cap. V no título das estratégias de Desenvolvimento. O art. 25 detalha os Programas da Estratégia de estruturação do uso e ocupação do Solo urbano em três incisos. (PDUAM, p. 17).
146
Fotografia 07 - Parque Dez de Novembro, Manaus
Fonte: Biblioteca Digital (IGBE, 2010) 114
Ao longo do século XX, esses parques foram sendo extintos por descaso dos
governantes, para não reforçar a política do Prefeito que o criou. E foram criando outros, com
a marca de suas gestões. Os espaços livres para o lazer recebem tratamentos diferenciados de
acordo com o local onde estão instalados e/ou de quem realizou a obra.
Só para ilustrar essa reflexão, a obra do Parque dos Bilhares em Manaus foi alvo
de debate na Câmara Municipal de Manaus, discutindo-se opiniões contrárias e favoráveis ao
Espaço de lazer quando de sua inauguração, em 2006.
Enquanto vereadores da base aliada do prefeito Serafim Corrêa e de partidos como o PT e PC do B, destacaram a obra como de grande impacto social e importante para a melhoria da qualidade de vida da população, vereadores da oposição lamentaram que os recursos não fossem empregados na melhoria da educação e outros setores prioritários. O vereador Elias Emanuel (PSB), um dos líderes do prefeito na CMM, destacou que obras como a do Parque dos Bilhares fazem parte de um projeto maior da prefeitura para dotar a cidade de espaços de cultura, esporte e lazer. [...] O vereador Paulo de Carli (PDT) usou como parâmetro números da educação [...] "Como podemos priorizar obras e investimentos em passeios públicos em detrimento de escolas?", indagou o vereador. "Precisamos inverter essas prioridades. Fabrício Lima (PSDB) também criticou a obra. "Parece que nada mais aconteceu na cidade. Os vereadores Lúcia Antony (PC do B) e Waldemir José (PT) elogiaram a obra e sua importância para o bem estar da população. "É um espaço importante para garantir a qualidade de vida e poucos são aqueles que não conseguem enxergar a sua importância", disse Lúcia Antony. "A cidade é muito carente desses espaços. O povo precisa de lugares para se encontrar, conversar, conviver115 (OLIVEIRA, 2009).
O episódio acima, especificamente a visão dos vereadores contrários à obra do
Parque dos Bilhares, reflete uma concepção presente na sociedade acerca do lazer como algo
de pouca importância nas políticas sociais, em que na escala de hierarquização das
necessidades humanas: educação, saúde, moradia, por exemplo, estariam na frente do lazer.
(MAGNANI, 1988; MELO, 2003). Tal concepção reflete na forma como as gestões atuam no
114 Disponível em http://biblioteca.ibge.gov.br/colecao_digital_fotografias.php?this_pag=50&palavra_chave=. Acesso em: 03 jun. 2010. 115 OLIVEIRA, Jacira. Parque dos Bilhares repercute na CMM. Disponível em: http://www.cmm.am.gov.br/noticia_simples_2006.asp?ID=2829. Acesso em: 15 jun. 2010.
147
campo do lazer. Na execução das políticas em Manaus, a exemplo do Parque Dez de
Novembro, nota-se que o Parque na gestão municipal de 2005 a 2009 abrigava a orquestra
sinfônica de Manaus, já na gestão atual este projeto não existe e o prédio está depredado.
Fotografia 08 - Gestão: Serafim Correa 2005-2009 Fonte: http://www.blogdosarafa.com.br/?p=5217
148
Fotografia 09 – Gestão atual: Prefeito Amazonino Mendes116 Fonte: http://www.blogdosarafa.com.br/?p=5217
No entanto, outros espaços de lazer na cidade estão sendo revitalizados pela atual
gestão como: a Orla da Ponta Negra, Corredor Ecológico do Mindu etc. Portanto, a ação
institucional tem sido determinante na mudança da paisagem urbana, pois com um certo grau de obediência às leis do Plano, mas também com malícia política, defini-se à revelia da
população o que deve ser ou não cuidado na cidade, a depender da vontade política do gestor
Público no poder.
O Patrimônio Natural no PDUAM tem como perspectiva um Programa de
Proteção do Patrimônio Natural117 que define como prioritárias as áreas de turismo e de
moradias carentes para recebem o incremento de arborização. Já para o Programa de Proteção
e Valorização dos Ambientes Naturais e dos cursos d’água, o Plano apresenta como um de
seus objetivos o uso de maneira “ecologicamente adequada” dos trechos navegáveis, tomando
como um dos exemplos de uso adequado a pesca e o turismo. Apontando como estratégia de
conscientização da população o uso racional dos recursos naturais, através da massificação
das informações “por meio das organizações da sociedade civil”.118 Desta forma, o Estado
116 A situação de abandono desse espaço foi denunciada pelo Vereador Marcelo Ramos no Ministério Público do Amazonas. Disponível em: http://www.blogdosarafa.com.br/?p=5217. 117 Art. 10. 118 Artigo 10, Inciso II, do Programa de Proteção e valorização dos ambientes naturais e dos Cursos D’água. Alínea g.
149
acaba por se desobrigar de atuar com a educação ambiental e outros mecanismos para esse
processo de conscientização.119
Na estratégia de Construção da Cidade, referendada a parte da habitação social e o
acesso à terra urbanizada (Art. 30), o lazer está previsto nas diretrizes da promoção de
reassentamento da população de baixo poder aquisitivo e com tendência de exposição à
riscos.
VI - Promover o reassentamento da população de baixa renda sujeita a situações de risco mantendo as populações reassentadas, preferencialmente, no mesmo local ou nas proximidades, garantindo maior segurança e melhor condição de acesso ao trabalho, ao lazer, à saúde e à educação; [...] Art. 31- Constitui-se programas da Política de interesse social: I - Programa para Melhoria das Condições de habitalibidades em Áreas Consolidadas, compreendendo: [...] d) a implantação de equipamentos sociais e urbanos que permitam criar espaços e lazer e socialização;
A Política de Patrimônio Cultural, apesar de ter sido lembrada e registrada no
Plano, tem um caráter amplo e genérico. Concentrou maior atenção ao patrimônio
arquitetônico. Quanto aos bens imateriais, não foram definidas estratégias de Programa e/ou
ações de difusão e fomento do Patrimônio Cultural. Nota-se essa tendência nas Políticas de
Patrimônio Cultural, em que por muito tempo o que prevaleceu nas políticas para este setor
enfocava apenas o patrimônio histórico arquitetônico, isto porque a cidade legal e formal
sempre foi concebida sobre as referências de pessoas ligadas às classes mais abastadas.
As manifestações culturais tradicionais da região e que representam os momentos
de puro lazer nas comunidades dos municípios amazônicos, e tão utilizadas como instrumento
político em períodos eleitorais, ainda permanecem com atenção desigual no Plano Diretor. As
discussões que estão sendo travadas para um novo Plano Diretor em Manaus acrescentam
mais um item nas diretrizes dessa política que poderá ser “a elaboração do Plano de
Preservação do Centro Histórico.120
A gestão intersetorial se apresenta como perspectiva positiva para a gestão da
cidade, pois converge para o favorecimento das formas de ampliação do lazer como benefício
público na política de gerenciamento integrado ambiental e cultural, em que está previsto um
Programa de Gestão Ambiental que entre outras ações assegura “integrar a atuação dos
setores de meio ambiente, proteção do Patrimônio Cultural, turismo, transportes e educação.
”121
119 Ver em art.10, inciso II que trata do Programa de proteção do patrimônio natural. 120 Essa proposta consta no documento encaminhado pelo prefeito de Manaus à Câmara Municipal que seria a nova Lei do Plano Diretor de Manaus, mas que foi embargada pelo Ministério Público com a alegação de ter faltado participação popular no processo de elaboração do plano. E de acordo com as informações não oficiais, mas de funcionários da Câmara Municipal, as discussões serão retomadas em 2011. 121 Consta no Capítulo II da Qualificação Ambiental e Cultural do Território, na Seção III, Art. 15.
150
Os espaços para mercolazer previstos no planejamento da economia de Manaus
apresentam o turismo receptivo, a realização de eventos esportivos, a partir da criação de
estrutura física e festas populares com um calendário estável de eventos, isto é, equipamentos
esportivos para a prática esportiva, tendo em vista atrair grandes públicos para a cidade.122 É
interessante perceber que a política de promoção do mercolazer consegue prever inclusive a
formação profissional para o campo de atuação nesta área, o que não existe nas proposições
acerca do lazer como benefício público no Plano.
Já a Política de Uso e Ocupação do Solo Urbano123 apresenta em seus objetivos
controlar a expansão urbana, assim como revitalizar os centros urbanos estabelecendo como
Programa a Revitalização da Área Central da Cidade através de ação intersetorial com órgãos
públicos, e em articulação com o setor privado e sociedade para “o uso e ocupação residencial
e à implantação de atividades culturais, comerciais e de serviços voltadas para o turismo e à
valorização de interesse histórico-cultural.” 124
O Programa de Dinamização de Centros de Bairros propõe a aproximação da
gestão municipal com as organizações comunitárias, além do estímulo a eventos culturais e
comerciais nos bairros. O outro programa está voltado para a Criação e Consolidação de
Centros de Turismo e Lazer nas Orlas dos Rios Negro e Amazonas. Tendo em vista, a
instalação de áreas verdes e parques, na perspectiva da implantação de um sistema de centros
de referência regional em áreas verdes, com aproveitamento dos recursos naturais e
crescimento do número de espaços coletivos referenciais, de abrangência local, urbana ou
regional, caracterizados pelo aproveitamento racional de recursos naturais, ampliação de
espaços de uso coletivo em Manaus. Essa política de uso e ocupação do solo urbano é
marcada pela perspectiva do embelezamento da cidade com fins econômicos, pontuando da
mesma maneira toda a política de lazer no Plano Diretor de Manaus.
O plano favorece ainda possibilidades da utilização dos espaços naturais da cidade
para o lazer quando prevê na Política de Estruturação do Espaço Urbano da cidade, a proteção
das unidades de conservação urbana e áreas de proteção permanente. Na tabela a seguir estão
identificadas as áreas de conservação e corredores que integram o território de Manaus e que
potencialmente são benefícios públicos que permitem a vivência do lazer na cidade.
Tabela 17 - Unidades de conservação e corredor ecológico que potencializam o lazer em Manaus
MARCOÁREAS INTEGRAM O TERRITÓRIO MUNICIPAL DE MANAUS
122 Artigos 16 e 17 123 Prevista no Título II, Capítulo V, Art. 25. 124 Inciso I do Art. 25.
151
Tutela Federal
a) Estação Ecológica de Anavilhas; b) Reserva Florestal Adolpho Ducke, Integralmente incluída na zona de Transição;
Estadual a) APA Estadual da Margem Esquerda do Rio Negro; b) Parque Estadual do Rio Negro Setor Sul;
Municipal
a) APA do Puraquequara, em parte incluída na Área de Transição; b) APA do Tarumã/ Ponta Negra, em parte incluída na Área de Transição; c) REDES125 do Tupé; d) REDES de Jatuarana.
§ 2° - Serão reenquadradas em novas categorias e implementadas as seguintes unidades de conservação urbana:
I - Área de Proteção Ambiental (APA) do Tarumã/Ponta Negra, originada das Unidades Ambiental (UNA) do Tarumã e da Ponta Negra; II - Área de Relevante Interesse Ecológico (ARIE) do Campus Universitário, originada da Unidade Ambiental (UNA) do Campus Universitário; III - Refúgio da Vida Silvestre Sauim- Castanheira.126
§ 3° - Serão criadas e implementadas as seguintes unidades urbanas municipais de conservação.
I - Parque Sumaúma; II - Parque Mundo Novo; III - Parque do Encontro das Águas; IV- Área de Relevante Interesse Ecológico ARIE do Parque Residencial Acariquara127.
Unidades de
Conservação
Unidades de Conservação Urbana128, Art. 55.
Sob tutela federal a) o Jardim Zoológico do Centro de Instrução de Guerra na Selva -CIGS; b) o Bosque da Ciência. Sob tutela Municipal a) o Jardim Botânico; b) o Parque Municipal do Mindu; c) o Horto Municipal.
Corredor Ecológico Urbano129 unindo as unidades de conservação urbana ao Corredor Ecológico da Amazônia Central.
Fonte: Quadro elaborado pela autora a partir dos dados dos artigos 37 e 55 (PDUAM, 2006).
Portanto, localizam-se, na Política de Macroestruturação do município, as
macrounidades que apresentam potencialidades para a implantação de equipamentos e
animação cultural para a potencialização do lazer na cidade. A tabela 18 baseada na Lei
672/2002 demonstra os usos e atividades propostas, por unidade de estruturação urbana-
125 § 1° - A delimitação das REDES de Jatuarana e do Tupé deverá ser estabelecida no Zoneamento Ambiental Municipal. 126 No PDUAM, essa unidade é “originada da Reserva Ecológica Sauim- Castanheira (Alterado pelo Art. 2º da Lei 752 de 07/01/04 D.O.M. Nº 956” (PDUAM, 2006, p. 30) 127 De acordo com o PDUAM, esta definição foi alterada pelo Art. 2º da Lei 752 de 07/01/04 D.O.M. Nº 956. Ver p. 31. 128 Estão definidas no título IV Da Estruturação do Espaço Urbano, Art. 55. 129 O Corredor Ecológico Urbano está previsto no Art. 56 do PDUAM. Criado para proteger as unidades de conservação e áreas de preservação permanente.
152
UES130 somente daquelas que prevêem o lazer como uso e atividade. Notou-se que nas
macrozonas, apenas a Macrounidade Leste não apresentou, no Plano, perspectivas para uso e
implantação de atividades voltadas para o lazer. Nos espaços identificados, ganha destaque o
lazer turístico, ao mesmo tempo, que se registra o lazer como elemento integrante da política,
mas percebido como algo diferente do turismo.
Tabela 18 - Quadro de uso e atividades das macrounidades de estruturação urbana
USO E ATIVIDADES MACROUNIDADES E UNIDADES DE
ESTRUTURAÇÃO URBANA
DIRETRIZES USOS PERMITIDOS
ATIVIDADES PERMITIDAS
OBS
UES PONTA NEGRA
Reforço ao turismo e lazer; usos e atividades
condicionados à preservação do
patrimônio ambiental e paisagismo
Residencial unifamiliar;
comercial; de serviços; industrial
Atividades tipo 1, tipo 2** e
tipo 3**
SETOR ORLA
PONTA NEGRA
Predominância do uso de comércio e de
serviços, com apoio às atividades de turismo e
lazer
Residencial unifamiliar;
comercial; de serviços; industrial
Atividades tipo 1 e tipo 2**
SETOR ORLA
COMPENSA
Integração das atividades de comércio
e de serviços ao uso residencial, com apoio
ao turismo e lazer
Residencial unifamiliar e multifamiliar; comercial; de
serviços; industrial
Atividades tipo 1 e tipo 2**
ORLA DO RIO
NEGRO OESTE
SETOR ORLA SÃO
RAIMUNDO
Manutenção das atividades existentes; inclusive as portuárias
e as vinculadas à navegação fluvial;
integração de atividades comerciais, de serviço e industriais
ao uso residencial.
Residencial unifamiliar e multifamiliar; comercial; de
serviços; industrial.
Atividades tipo 1, tipo 2, tipo 3
e tipo 4**
(Continua) ORLA DO
RIO NEGRO
SETOR PONTA
BRANCA/A
Integração de atividades comerciais,
de serviço e industriais,
Residencial unifamiliar e multifamiliar;
Atividades tipo 1, tipo 2** e
tipo 3**
130 Quadro reelaborado pela autora a partir do ‘Quadro de Usos e Atividades por Unidade de Estruturação Urbana UES, que consta na lei nº 672/2202. Anexo VI, documento alterado pelo Art. 13º da Lei 752 de 07/01/04 D.O.M. nº 956 de 11/03/04 - republicação) republicado por haver saído com omissão (D.O.M. nº 965 de 24/03/04). Ver em PDUAM (2006, p. 170-173).
153
MARELINHO ao uso residencial; apoio ao turismo e
lazer
comercial; de serviços; industrial.
LESTE
SETOR BR-319
Manutenção das atividades existentes; inclusive as portuárias
e as institucionais; integração de
atividades comerciais, de serviço e industriais
ao uso residenciais, sobretudo voltadas ao
turismo e lazer
Residencial unifamiliar e multifamiliar; comercial; de
serviços; industrial.
Atividades tipo 1, tipo 2, tipo 3, tipo 4 e tipo 5
UES CENTRO ANTIGO
Usos e atividades compatíveis com a
diversidade comercial e a concentração de bens de interesse cultural,
com incentivo às atividades de comércio e serviços e exigências para adequação do uso
residencial.
Residencial unifamiliar e multifamiliar; comercial; de
serviços; industrial.
Atividades tipo 1, tipo 2, tipo
3** e tipo 4***
CENTRO
SETOR SÍTIO HISTÓRICO
Usos e atividades condicionados à
presença dos bens tombados; integração
de atividades comerciais, de serviços e industriais com o uso
residencial
Residencial unifamiliar e multifamiliar; comercial; de
serviços; industrial.
Atividades tipo 1, tipo 2, tipo
3** e tipo 4***
UES COROADO
Atividades compatíveis com o uso residencial e com a proximidade de
área de preservação ambiental.
Residencial unifamiliar e multifamiliar; comercial; de
serviços; industrial.
Atividades tipo 1 e tipo 2
SETOR MEMORIAL
DA AMAZÔNIA
Estimulo à concentração de
atividades de comércio e serviços, sobretudo voltadas ao turismo e
lazer.
Residencial unifamiliar e multifamiliar; comercial; de
serviços; industrial.
Atividades tipo 1,tipo 2, tipo 3, tipo 4 e tipo 5
Somente tipo 4 e 5 voltadas para o
turismo e lazer.
INTEGRAÇÃO
EIXOS DE ATIVIDADE
S*
Estimulo à concentração de
atividades de comércio e serviços, sobretudo voltadas ao turismo e
lazer
Residencial unifamiliar e multifamiliar; comercial; de
serviços; industrial.
Atividades do tipo 1, tipo 2 e tipo 3 e tipo 4
Somente tipo 3 e 4 voltadas para o
turismo e lazer.
(Continuação)
TARUMÃ-AÇU
UES ITAPORANG
A
Usos e atividades condicionados à
proteção aos recursos naturais
Residencial unifamiliar e multifamiliar; comercial; de
serviços; industrial.
Atividades tipo 1 e tipo 2***
154
EIXO DE ATIVIDADE
S*
Predominância do uso de comércio e de
serviços, com apoio às atividades de turismo e
lazer.
Residencial unifamiliar e multifamiliar; comercial; de
serviços; industrial.
Atividades tipo 1, tipo 2, tipo 3** e tipo 4**
UES PRAIA DOURADA
Usos e atividades condicionados à
proteção aos recursos naturais
Residencial unifamiliar e multifamiliar; comercial; de
serviços; industrial.
Atividades tipo 1e tipo 2
Somente tipo 2
voltadas para o
turismo e lazer.
UES CACHOEIRA
ALTA
Usos e atividades condicionados à
proteção aos recursos naturais
Residencial unifamiliar e multifamiliar; comercial; de
serviços; industrial.
Atividades tipo 1e tipo 2
Somente tipo 2
voltadas para o
turismo e lazer.
UES TARUMÃ
Usos e atividades condicionados à
proteção aos recursos naturais.
Residencial unifamiliar e multifamiliar; comercial; de
serviços; industrial.
Atividades tipo 1 e tipo 2
Somente tipo 2
voltada para o
turismo e lazer.
UES NOVO ISRAEL
Atividades compatíveis com o uso residencial e
com a proteção dos recursos naturais.
Residencial unifamiliar e multifamiliar; comercial; de
serviços; industrial.
Atividade tipo 1
Eixos de atividades*
Estimulo às atividades comerciais e de
serviços, compatibilizadas ao uso residencial, com cuidados ambientais
Residencial unifamiliar e multifamiliar; comercial; de
serviços; industrial.
Atividades tipo 1 e tipo 2, tipo 3** e tipo 4**
DUCKE
UES BOLÍVIA
Atividades compatíveis com o uso residencial e
com a proteção dos recursos naturais.
Residencial unifamiliar e multifamiliar; comercial; de
serviços; industrial.
Atividade tipo 1
Fonte: PDUAM (2006, p. 170-173).
As Unidades Espaciais de Transição apresentam na tabela abaixo perspectiva para
a implantação de áreas de lazer disponíveis à população. Vale ressaltar que no contexto atual,
a discussão sobre o Plano Diretor de Manaus aponta como proposta a modificação da
terminologia para ‘Zonas de Expansão Urbana - ZEU’s. O quadro abaixo demonstra como a
lLei 672/2002 prevê o uso e atividades possíveis de serem implantadas para estas áreas. Deste
155
modo, pode-se perceber que apenas a UET Mariano não apresenta previsão de uso e
atividades para o lazer, concentrando em ocupação residencial e agrícola. Já as outras UET’s
vinculam os usos e atividades ao lazer e ao turismo.
Tabela 19 - Quadro dos usos e atividades por unidade espacial de transições – UET’s. Lei n° 672/2002
USOS E ATIVIDADES UET/SETORES URBANOS DIRETRIZES ATIVIDADES PERMITIDAS
UET PURAQUEQUARA Compatibilização das residências permanentes e de
receio com atividades vinculadas ao turismo ecológico e com o
uso agrícola e com as atividades de apoio à produção agrícola.
Habitação e atividades de apoio ao uso residencial (comércio varejista e serviços de âmbito
local e equipamentos comunitários);
Atividades relacionadas ao lazer e ao turismo;
Atividades educacionais e científicas relacionadas à
proteção da fauna, da flora e da paisagem;
Atividades extrativistas, produtivas e complementares à
produção agrícola; Setor Urbano Usos e atividades condicionadas
à proteção dos recursos naturais. Habitação e atividades tipo1 de
uso comercial, de serviços e industrial, com área computável
inferior a 200m². UET DUCKE Compatibilização das
residências permanentes e de recreio com o uso agrícola e com
as atividades de apoio à produção agrícola.
Habitação e atividades de apoio ao uso residencial (comércio varejista e serviços de âmbito
local e equipamentos comunitários);
Atividades relacionadas ao lazer e ao turismo;
Atividades educacionais e científicas relacionadas à
proteção da fauna, da flora e da paisagem;
Atividades extrativistas, produtivas e vinculadas à
produção agrícola.
(Continua)
UET MARIANO Integração dos usos residencial, industrial e agrícola que não ofereçam impacto ambiental significativo e apresentam grande escala de operação.
Habitação e atividades de apoio ao uso residencial (comércio varejista e serviços de âmbito
local e equipamentos comunitários);
Indústria vinculada à produção rural, exclusivo de produtos agrotóxicos e fertilizantes;
156
Atividade de apoio à produção agroindustrial;
Atividades educacionais e científicas relacionadas à
proteção da fauna, da flora e da paisagem;
Atividades vinculadas à produção agrícola e extrativista
UET PRAIA DA LUA Compatibilização das residências permanentes e de
recreio com atividades vinculadas ao turismo ecológico e com o uso agrícola e com as atividades de apoio à produção
agrícola.
Habitação e atividades de apoio ao uso residencial (comércio varejista e serviços de âmbito
local e equipamentos comunitários);
Atividades relacionadas ao lazer e ao turismo;
Atividades educacionais e científicas relacionadas à
proteção da fauna, da flora e da paisagem;
Atividades extrativistas, produtivas complementares à
produção agrícola.
Fonte: Adaptação do PDUAM (2002, p.176)
Logo, o Plano estabelece ainda o Macroplano das Orlas dos Rios com a finalidade
de qualificar e valorizar o ambiente da orla na área urbana e na área de transição da cidade de
Manaus, com vista a permitir o usufruto público, assim como garantir a preservação ambiental
das margens dos Rios Negro e Amazonas. Nesta direção, as diretrizes apontam para
mecanismos de controle e regulação da ocupação das margens do rio. E também garante “a
implantação de equipamentos destinados às atividades de turismo e lazer.131
Os Espaços de Lazer em Manaus estão no atual momento sendo modificados com
certa pressa pelo poder público municipal e estadual na perspectiva de dotar a cidade de
atrativos para a realização da Copa de 2014 na Amazônia. Para tanto, os recursos
provenientes das três esferas de poder atuam em consonância com esta responsabilidade que é
prioritariamente uma responsabilidade do Estado do Amazonas e deve contar com a anuência
da Prefeitura Municipal de Manaus - PMM para a realização de obras e serviços de
infraestrutura urbana. Enquanto isso, o governo Estadual tem contraído amplos recursos
públicos e privados, como o BID, para as obras do estádio Olímpico, a revitalização dos
espaços degradados da cidade e a devida adequação de moradia dos habitantes dessas áreas.
Sendo assim, a cidade está transformada em um verdadeiro canteiro de obras dirigidas tanto
pelo estado como pelo Projeto PROSAMIM- Programa Social e Ambiental dos igarapés de
Manaus.
131 Art. 114, Parágrafo único, inciso I do PDUAM.
157
4.2.3.3 Animação Cultural
A Animação Cultural no PDUAM não está prevista. O plano é omisso em
propor ações concretas para potencializar o lazer na cidade. Compreende-se por animação
cultural ações realizadas para a população com a presença de profissionais que orientem,
coordenem e estimulem a população à vivência de formas de lazer. Para tanto, é necessário
que exista um plano de Programas, projetos e atividades para a difusão do lazer com a
realização de eventos esportivos, projetos, cursos, oficinas, estudos etc., tanto para os
profissionais que atuam com o lazer quanto para a população em geral, focando a reflexão
sobre o lazer e a prática de esportes, artes, formas de cultura, turismo e outras formas de lazer
na cidade.
MELO (2006) se aproxima dessa ideia quando propõe o incentivo às
manifestações culturais das entidades da sociedade civil, isto é, quando deixa claro que a
forma com que esse lazer pode ser animado na cidade é resultado das iniciativas da própria
população. Também, propõe que se crie calendário fixo de eventos para a cidade, mas não
detalha datas nem temas fundamentais para tal. Por outro lado, algumas leis municipais
regulam e demonstram o que já entra neste calendário como o Dia do Rio Negro e Solimões:
Art. 1º Fica incluído no calendário oficial de eventos da cidade de Manaus o Dia dos rios Negro e Solimões, instituído pela Lei Municipal n.º 984, de 07 de junho de 2006, para incentivar o desenvolvimento sustentável do complexo ecoturístico Encontro das Águas e promover a cultura bioecológica132 (DIÁRIO, 2010, p. 02).
Vale considerar ainda que neste ano de 2010, a Prefeitura Municipal de Manaus
realizou uma reestruturação organofuncional na área de cultura, turismo e eventos dada a Lei
nº 1.435/10133 que cria a Fundação Municipal de Eventos e Turismo – MANAUSTUR. Tal
lei, além de criar uma nova fundação a partir da modificação de uma outra Fundação, a
MANAUSCULT – Fundação Municipal de Cultura e Turismo, estabelece que os cargos de
presidente e outras funções gratificadas, passam para a nova fundação, vinculando-na
diretamente ao gabinete do prefeito. Esta mudança separa a política de cultura da política de
eventos e turismo. Esclarecendo que o esporte e o meio ambiente no Município já possuem
suas secretarias específicas. Sendo assim, a gestão do Lazer em Manaus dispõe de quatro
instituições com possibilidades para ações, programas e projetos capazes de potencializar o
132 A Lei consta no Diário Oficial do Município de Manaus de 19 de abril de 2010. 133 Lei de 26 de março de 2010 (D.O.M. 29.03.2010 – N° 2.414, Ano XI).
158
lazer na cidade. Cabe compreender, em que medida estas instituições dialogam e planejam
este setor na cidade dentro de uma perspectiva que atenda aos interesses da maioria da
população manaoara, diferente de seu Plano Diretor que direciona o setor para fins
econômicos. Mas, esta já seria uma nova pesquisa.
A Animação Cultural apresentada em forma de programas e projetos no site da
Prefeitura tece destaque a algumas atividades desenvolvidas pela Secretaria de Esporte e
Lazer e Juventude de Manaus. Na tabela a seguir, estão demonstradas as atividades, suas
principais características, o público atendido e os locais onde elas acontecem.
Tabela 20 - Programas e projetos de esporte e lazer em Manaus
PROGRAMAS E PROJETOS
CARACTERISTICAS/ OBJETIVO
PÚBLICO ALVO
LOCAIS
Caminhada Orientada
Profissionais de Educação Física orientam os praticantes desta atividade sobre a correção dos movimentos e dos exercícios ideais, respeitando os limites
do corpo.
População em geral
- Centro de Esporte e Lazer (CEL) Parque 10
- CEL Coroado - Parque Lagoa do
Japiim Programa Segundo
Tempo134
Democratizar o acesso ao esporte educacional de qualidade, como forma de inclusão social, ocupando o tempo ocioso de crianças e adolescentes em
situação de risco social.
24 mil Crianças,
adolescentes e jovens
expostos aos riscos
sociais.
120 núcleos nas escolas municipais atendendo as crianças no contraturno escolar
Natação para bebês Sociabilizar a criança e fortalecer o tônus muscular, melhora a coordenação motora, a respiração, a alimentação e o
sono.
Bebês a partir de seis
meses de idade.
CEL Santo Antônio
Escola de Artistas Implantar na periferia da cidade um grupo de balé que andasse com suas
próprias pernas.
120 crianças CEL Zezão, na av. Grande
Circular, São José. Programa para Portadores de Necessidades
Especiais (PNE)
O desporto é uma necessidade de ocupação do tempo livre e aumenta a
integração social e cultural. Modalidades: futsal, natação e goalball.
300 pessoas 20 Centros de Esporte e Lazer da
capital
(Continua)
Programa “Bem Viver na Terceira
Idade”
1. Atividades recreativas: 2. Gerontonatação e hidroginástica;
3. Gerontovoleibol 4. Ginástica diferencial
5. Caminhada 6. Gerontoatletismo;
7. Atividades culturais: teatro, festival folclórico; concursos de poesias, viagens,
16 grupos. A partir dos 45
anos
* Não está especificado.
134Programa estratégico do Governo Federal realizado em convênio com os municípios, em que cabe ao município definir os locais onde serão implantados e receber os recursos para o pronto pagamento da equipe de trabalho. Em Manaus, essa equipe corresponde a 361 agentes honoríficos, sendo 120 coordenadores e 240 monitores e um coordenador geral. Ver mais em http://www.manaus.am.gov.br/secretarias/semesp.
159
passeios. 8. Atividades sociais: datas
comemorativas, eventos sociais Fonte: Prefeitura de Manaus (2010).135
A cidade conta ainda com os CEL’s espalhados pela cidade que oferecem
gratuitamente atividades esportivas e de lazer para a população. A política dos espaços
esportivos de lazer não foi prevista no Plano de Manaus, mas conta com um aparato de leis
que passa pela criação da Secretaria Municipal de Esporte Lazer e Juventude.
Os 20 (vinte) Centros Municipais de Esporte e Lazer (CEL’s), espalhados nas seis
zonas da capital amazonense, foram criados para desenvolver a prática esportiva, social e de
lazer dos cidadãos. Funcionando de segunda a sábado, os complexos são locais apropriados
para iniciação esportiva de crianças e jovens em espaços administrados pela Prefeitura de
Manaus por meio da Secretaria Municipal de Desporto, Lazer e Juventude (Semdej). São 23
(vinte três) modalidades (ver relação) orientadas por profissionais de Educação Física que se
empenham em proporcionar o bem-estar físico, mental e social dos frequentadores dos
centros, garantindo a melhoria da qualidade de vida do cidadão.136
135 Disponível em: http://www.manaus.am.gov.br/secretarias/semesp. Acesso em: 04 set. 2010. 136 Os Centros Esportivos de Lazer são 20 espaços em vários bairros onde são ofertadas gratuitamente à comunidade atividades como: balé, basquetebol, boxe, capoeira, dança, dança de rua, futebol, futsal, ginástica, ginástica localizada, ginástica olímpica e artística, ginástica rítmica, handebol, hidroginástica, judô, karatê, kung fu, natação e voleibol.
160
Fotografia 10 - Capoeira no centro municipal de esporte e lazer Zezão, Manaus. Fonte: afinsophia.wordpress.com
4.2.3.4 Investimentos financeiros no município de Manaus
A cidade de Manaus conta com uma Secretaria Municipal de Esporte e Lazer e
Conselho municipal de Desporto, que concentra as atividades nestas áreas. No Plano Diretor,
o Conselho não existe e no orçamento municipal não existe previsão de recursos financeiros
descriminados para o Conselho Municipal de Desporto.
Na tabela 21, demonstra-se como foram os investimentos na política de esporte e
lazer e de cultura e turismo em Manaus a partir do mapeamento do orçamento previsto nas
LDO’s dos anos de 2008, 2009 e 2010. Vale lembrar, que houve neste último ano uma
modificação da MANAUSCULT, em que a política de turismo foi desmembrada e foi criada a
Fundação Municipal de Eventos e Turismo e a antiga Fundação de Cultura e Turismo, passou
a ser Fundação Municipal de Cultura e Artes.
Tabela 21 - Investimentos na política de lazer e cultura 2008-2010
161
MANAUS LOA/2008 % LOA/2009 % LOA/2010 % ORÇAMENTO TOTAL 1.598.156.000,0
0 100 2.115.650.000,00 100 2.248.297.000,00 100
ORÇAMENTO DA SECRETARIA DE ESPORTE137
13.904.000,00 0,87 25.565.000,00 1,2 9.404.000,00 0,42
Construção de espaços
4.560.000,00 ----- 5.796.000,00 -------
4.000.000,00 ------
Manutenção dos espaços
1.055.000,00 ----- 4.836.000,00 ------
219.000,00 -------
Sub-item do orçamento de esporte
Animação Cultural
1.160.000,00 ----- 6.688.000,00 -------
2.583.000,00 ------
SECRETARIA DE CULTURA138
TOTAL 5.061.000,00.
0,31 6.337.000,00. 0,29 16.548.000,00 0,73
TOTAL GERAL (de Esporte e Cultura)
18.965.000,00 1,18 31.902.000,00 1,49 25.952.000,00 1,15
Fonte: Elaborada pela autora a partir de informações das LOAs 2008, 2009 e 2010.
No ano de 2008, Manaus teve como orçamento geral na Lei do Orçamento anual o
valor de 1.598.156.000,00 e uma previsão de aplicar na área de esporte e lazer R$
13.904.000,00139, ou seja, 0,87 % de seu orçamento total, repartido da seguinte forma:
construção de novos espaços – R$ 4.560.000,00; Reforma de antigos espaços – R$
1.055.000,0; e animação cultural – R$ 1.160.000,00. A área de cultura do Município que
conta com um fundo e uma secretaria específica contou com um orçamento de R$
5.061.000,00, perfazendo um percentual de 0,31 do orçamento total. No geral, em 2008 a
cidade investiu 18.965.000,00 representando em termos percentuais 1,18% de investimento
para o setor de lazer no referido ano.
No ano de 2009, o Município previu R$ 25.565.000,00 o correspondente a 1,2%
de seu orçamento140 para as ações da Secretaria de Esporte e Lazer. Deste recurso, a
construção de novos espaços de esporte e lazer contou com a destinação de R$ 5.796.000,00;
a manutenção de espaços141 teve como previsão R$ 4.836.000,00; e para a animação cultural o
total alocado foi de R$ 6.688.000,00. Na área da Secretaria de Cultura, houve a previsão de
aplicação de R$ 6.337.000,00, que equivale ao percentual de 0,29% do recurso total do
município.
137 Esta secretaria passou a se denominar de Secretaria de Esporte Lazer e Juventude, a partir de 2010. 138 Esta Secretaria tornou-se a fundação Manauscult em 2009. 139 Lei nº 1.181 de 10 de dezembro de 2007 – Município de Manaus. Disponível em: http://www2.manaus.am.gov.br/portal/transparencia/legislacaoOrcamentaria/leis/Orcamentaria/. 140 Lei nº 1.303, de 23 de dezembro de 2008 - Município de Manaus. Disponível em: http://www2.manaus.am.gov.br/portal/transparencia/legislacaoOrcamentaria/leis/Orcamentaria/. 141 Na lei de orçamento anual, a expressão usada é reforma de espaços. Portanto, se está considerando neste estudo os termos manutenção e reforma como sinônimos.
162
Para o ano de 2010142, existe uma mudança significativa na estrutura da
Secretaria que passa a ser denominada Secretaria de Esporte Lazer e Juventude, direcionando
a maior parte de suas atribuições para atividades com jovens. O Orçamento é reduzido em
mais de 50%, passando a contar com R$ 9.404.000,00, ou 0,42% do orçamento da cidade,
distribuídos da seguinte forma: Construção de novos espaços - R$ 4.000,00; reforma de
espaços já existentes – R$ 219.000,00; e animação cultural – R$ 2.583.000,00. A Secretaria
de Cultura funde-se com a de Turismo, passando a configurar a Fundação de Cultura e
Turismo com um orçamento de R$ 16.548.000,00 que corresponde a 0,73 %. Neste sentido, o
investimento total em lazer pela gestão municipal em 2010 prevê o montante de
25.952.000,00, o que representa 0,73 do orçamento geral do Município. Constata-se, então,
que se mantém um padrão de investimentos na área de cultura e lazer, o qual não atinge o
percentual de 2,0% do orçamento municipal, uma antiga reivindicação do setor das
organizações sociais na área de cultura. Resultando em um percentual não alcançado nem
mesmo somando os valores de esporte, lazer e cultura.
Portanto, o Plano Diretor Urbano e Ambiental de Manaus, enquanto lei voltada
para o Planejamento da cidade de Manaus, apresenta lacunas no sentido de orientar de
maneira mais detalhada a política de lazer para esta metrópole. Assim, verificou-se: a
ausência de dedicação de um capítulo às políticas sociais de educação, saúde e assistência; o
lazer também apresentou a ausência de objetivos, diretrizes, programas e metas, enquanto as
possibilidades de planejamento da área encontram-se fragmentadas e dispersas no Plano; o
mesmo não prevê a gestão democrática desta política como o Conselho Municipal de Esporte;
e a concepção de mercolazer está fortemente associada à política de desenvolvimento
econômico compondo as linhas estratégicas da Valorização de Manaus como Metrópole
Regional.
No entanto, este Plano quase foi modificado em 2010 encontrando-se paralisada a
sua alteração. Cabe, portanto, a ação coletiva dos atores sociais para a utilização de
mecanismos de controle social, embora no caso do esporte e lazer, o plano não trace qualquer
referência, este mecanismo de gestão do lazer existe e tem previsão de despesa orçamentária
para seu funcionamento143.
A Análise de outras leis mais recentes demonstram que o campo do lazer,
independente do Plano, está tomando novas configurações institucionais, tendo em vista que
foram alterados os órgãos públicos responsáveis pelas políticas na área. A cultura a partir de 142 Lei nº 1.398, de 28 de dezembro de 2009 – Município de Manaus. Disponível em: http://www2.manaus.am.gov.br/portal/transparencia/legislacaoOrcamentaria/leis/Orcamentaria/. 143 A questão do orçamento municipal será tratado no próximo item.
163
2010 está em uma Fundação que tem vínculo direto com o gabinete do prefeito. O turismo,
antes atrelado à cultura, agora está vinculado especificamente à política de eventos ganhando
uma nova instituição, a Fundação Municipal de Eventos e Turismo – MANAUSTUR,
também vinculada ao gabinete do prefeito. Já o Esporte e lazer incorporam as políticas para a
juventude, tornando-se Secretaria Municipal de Esporte, Lazer e Juventude. Estas mudanças
institucionais provocam reflexões acerca dos motivos que a geraram, podendo ser tema de
próximo estudo.
Contudo, Manaus está rapidamente sofrendo uma série de intervenções
urbanísticas, pelo fato de ser uma das cidades a sediar a Copa de 2014 após uma disputa com
Belém e nota-se a aceleração de ações institucionais das três esferas de poder, para dotar a
cidade de condições básicas para esse mega evento. Nesta corrida, a cidade sede da Copa na
Região Norte tem conquistado maiores e melhores espaços disponíveis para o lazer, por meio
de recursos da união e do governo estadual, assim como de outros setores das gestões públicas
como: Secretaria de Meio Ambiente e Planejamento Urbano. Entre as Políticas institucionais
tem-se a recuperação de áreas degradadas, com a construção de equipamentos de lazer,
construção do estádio Olímpico Vivaldão etc. Tais políticas apresentam-se combinadas com
os princípios previstos no Plano Diretor que é a preocupação com a questão ambiental. Na
citação abaixo identifica-se o Programa PROSAMIM, executado pelo governo do estado na
Cidade de Manaus.
O programa prevê a recuperação de onze igarapés. Dois já tiveram as obras concluídas: o Igarapé do Passarinho, na Zona Norte e da Loris Cordovil, na Zona Centro-Oeste. Segundo a gerência do Prosamim, 150 mil metros quadrados de parques vão ser construídos em 33 mil m² de áreas de intervenção que possibilitarão a criação de 16 km de novas vias. No Igarapé do Franco a previsão é construir centros comerciais e comunitários, parques infantis, lanchonetes e quadras de areia e poliesportiva, além de um sistema viário de 1.688 metros que inclui uma nova via e uma ponte ao lado esquerdo da Av. Brasil. No Igarapé da Treze de Maio, as margens estão sendo revitalizadas, e no local, vão ser construídos um sistema viário e um complexo que envolve um centro comercial com 40 boxes, quiosques, abrigo com mesas para jogos, quadra de voleibol e um amplo parque infantil. No Igarapé do Bombeamento, Zona Centro-Oeste de Manaus serão 840 metros de intervenção. As obras incluem uma ampla área de convivência com quiosques, parques infantis, anfiteatro, abrigo com mesa para jogos, pista de cooper e arborização. A primeira fase do Igarapé do Quarenta já está pronta com parque infantil, quadra de esportes, Pronto Atendimento ao Cidadão, urbanização completa como ruas, sistema de drenagem e canalização do igarapé(SUHAB, 2010).
Nas fotografias 10 e 11 abaixo, registram a área do Igarapé de Manaus antes do
programa, com habitações no leito do rio sem condições de habitabilidade. Já as fotos 03 e 04
registram parte desta área depois da obras do PROSAMIM, com o rio desobstruído e com as
164
novas moradias para os remanejados, e quadras poliesportivas como exemplo de espaços de
lazer que estão sendo implantados ao longo do trecho urbanizado.
Fotografia 11 - Vista aérea - Trecho do igarapé de Manaus antes do PROSAMIM
Fonte: Chico Batata (2010).144
Fotografia 12 - Palafitas sobre o Igarapé Manaus Fonte: Chico Batata (2010).
144 Fotografias 01 e 02 retiradas do Blog do fotógrafo Amazonense Chico Batata. Disponível em: http://chicobatata.blogspot.com/2010/03/antes-do-prosamim-o-igarape-de-manaus.html.
165
Fotografia 13 - Trecho do Igarapé de Manaus revitalizado pelo PROSAMIM Fonte: Alfredo Fernandes (2010).145
Fotografia 14 - Quadra poliesportiva no prolongamento da área Fonte: Alfredo Fernandes (2010).
145 Imagens 03 e 04 presentes no Blog do fotógrafo Alfredo Fernandes. Disponível em: http://fernandesalfredo.blogspot.com/2010/05/prosamim-modificou-manaus.html.
166
Fotografia 15 - Foto de satélite de parte do centro da cidade de Manaus
Fonte: Google Earth (2010).
4.2.3.5 Considerações finais da análise do plano de Manaus
Com característica predominantemente físico-territorial, o PDUAM, enquanto
lei, não conseguiu, como bem já se refletiu anteriormente, ser um plano com amplitude
necessária para orientar o conjunto das políticas necessárias para organizar nos aspectos
político, cultural, social, econômico e fisicamente a cidade. Como ação coletiva, o Plano
concentra-se nos aspectos físicos da cidade e em sua macroestruturação. Desta maneira, a lei é
omissa no que se refere à questão do lazer e outras políticas sociais, além do estabelecimento
de metas concretas e de prazos a serem cumpridos nas ações. Essa redução da abrangência do
plano pode estar diretamente associada aos interesses de determinados atores na sociedade,
por exemplo, “[...] os interesses imobiliários não querem nada além de princípios, diretrizes
ou políticas gerais. Nada que seja auto-aplicável” (VILLAÇA, 1999, p. 241).
Por outro lado, os atores que atuam na arena do lazer pouco têm interferido no
processo de definição dos Planos diretores. No caso de Manaus, foi o Ministério Público que
freou o processo analisado como antidemocrático, por não ter incorporado a participação
popular nas discussões sobre a revisão do Plano Diretor de Manaus. Ao se avaliar as
plataformas de reivindicação de um movimento de Manaus e das próprias audiências, não se
consegue identificar as necessidades desses atores para este setor.
Mas, há um consenso da importância e da urgência em ter políticas para o lazer na
cidade. Cabe, portanto, enfrentar novos processos de revisão para se pensar de maneira
167
sistemática a política de lazer na cidade, tendo em vista que Manaus cada vez mais absorve
novos habitantes atingindo a marca em 2010 de 1.718.584146.
Por conseguinte, se ampliam as demandas por qualidade de vida na cidade, além
do fenômeno da Copa de 2014 que como um mega evento a exige de uma cidade atrativos
turísticos e suporte de infraestrutura urbana de qualidade. No entanto, tal preparação da
cidade, que compreende a perspectiva do mercolazer, intenciona afirmar Manaus como um
grande pólo de desenvolvimento econômico-turístico-regional. Mas, também há espaço para
perspectivas positivas para o lazer como benefício público: como o Programa de
reassentamento da população removida de áreas de risco e Programa de Construção de
Habitação de Interesse Social; a nova configuração da orla de Manaus; os diversos Parques
ambientais naturais e urbanos recentemente criados; assim como os CEL’s e a animação
cultural existentes nos bairros.
Estes atrativos de lazer ainda são insuficientes para o atendimento da maioria da
população, pois são apenas 20 na cidade enquanto existem 62 bairros. A ação institucional
local recentemente reestruturou o setor de lazer com característica centralizada no gabinete do
Prefeito para o setor de Lazer (cultura, arte, eventos e turismo) nas áreas em que aumentam as
possibilidades de se contrair recursos do setor privado.
Portanto, a realidade atual de Manaus é promissora para o lazer, porém precisa da
ação coletiva dos atores para que seja garantido esse direito enquanto benefício público, caso
contrário, os parques inaugurados no calor dos processos eleitorais serão espaços onde a
população tenha que pagar para jogar e/ou, seja impedida de entrar com trajes simples. É
importante definir claramente uma política de uso desses recursos comuns, de forma que os
mesmos não se tornem aos poucos ambientes privados para determinados setores mais
abastados da sociedade.
4.3 Comparando os dados
A comparação muitas vezes pode nos pregar algumas peças quando se trata de
estabelecer comparações entre lugares aparentemente parecidos, mas que na verdade guardam
diferenças sutis. Pertencentes a uma mesma região, mas tão distantes geograficamente dentro
de um determinado território. Suas realidades culturais muito próximas e suas políticas de
planejamento urbano se aproximam e se diferenciam assim como o grau de participação na
146 Resultado do censo 2010. Disponível no site do IGBE (2010).
168
gestão pública, principalmente no que se refere à política de lazer nessas metrópoles. O
quadro abaixo faz uma síntese dos elementos analisados neste estudo.
Tabela 22 - Síntese comparativa sobre o lazer em Belém e Manaus
01 PONTOS DE ANÁLISE BELÉM MANAUS Concepção de
Plano Abrangente
Segue Estatuto da Cidade Tradicional, centrado no aspecto
Físico-Territorial. Enfoque ambiental
Objetivos X X Diretrizes X X Políticas sociais: -Lazer*
-Educação** - Saúde**
-Assistência Social***
X *Fragmentado e disperso políticas no PDUAM
**Aparecem de maneira genérica. (Pólos de urbanidade.
Art.40. §2º) *** Não aparece no Plano
Programas -------------- X Metas -------------- ---------------
02 Considerações
Gerais de Plano Diretor
Prazos X - Não cumpridos X - Não cumpridos 05 Gestão democrática da
cidade Sistema de planejamento
municipal Sistema Municipal de
planejamento e Gestão urbana. - Não prevê- Conselho
municipal de Desporto nem o CE cultura
06 Concepções de Lazer no Plano Diretor
Beneficio público (predominante)
Mercolazer
Benefício público Mercolazer
(predominante) Macrozoneamento
Unidades de conservação ZAU ZAN
---------------------------
ZEIS Não propõe Lazer
Macrozoneamento Unidades de conservação Política dos instrumentos
complementares (AEIRU147) AEIA
-------------------------------- AEIS Não propõe Lazer
Política de mobilidade urbana
Política de mobilidade em Manaus
Política de patrimônio cultural
Política de patrimônio cultural
Política de Esporte e lazer ----------------------- Política de educação ----------------------
Previsto no Plano
Política econômica (ênfase no turismo)
Política econômica (ênfase no turismo)
Parques Públicos (Menor número)
Parques Públicos (Maior número)
Ginásios e Quadras poliesportivas
(menor número)
Ginásios e Quadras poliesportivas (Maior
quantidade)
08 Espaços Físicos de
Lazer
Na paisagem da cidade.
Cinemas (em três Shoppings e teatros
Cinemas (40 salas) e teatros
(Continua)
147 Áreas de especial interesse para reestruturação urbana. No inciso III são previstas áreas em lei do município, voltadas entre outras características, para a “implantação de Parques públicos de acordo com a demanda existente na área objeto de intervenção” (PDUAM, 2006, p.56).
169
09 Manutenção de Espaços de Lazer
Previsto em orçamento Previsto em orçamento
4 Centros de Esporte e Lazer com atendimento a
população gratuitamente.
20 centros de Esporte e Lazer com atendimento a população
gratuitamente.
Projetos e Programas de esporte, arte
Cultura.
Políticas Gov. Estadual (maior impacto)
Políticas Gov. Federal (2º tempo)
Política do Gov. Estado (maior impacto.)
Políticas Gov. Federal (2º tempo e PELC)
10 Animação
Cultural
Política de Formação de
Pessoal
Só prevê para o turismo Só prevê para o turismo
11 Investimentos Financeiros na Política de Lazer
Menor investimento 2010. Menor investimento 2010 Maior investimento Gov.
Estadual e Federal. Fonte: Elaborada pela autora a partir da síntese da dissertação.
Em uma análise de caráter mais geral sobre os Planos Diretores examinados,
notou-se no documento de Belém uma concepção de Plano Diretor mais abrangente, pois
alcança com maior amplitude as políticas necessárias para que a cidade cumpra suas funções
sociais, como bem destaca o Estatuto da Cidade. Já o Plano Diretor de Manaus com enfoque
ambiental assume uma característica tradicional de Plano Diretor, centrado no aspecto físico-
territorial (VILLAÇA, 1999).
Os planos diretores analisados possuem dispositivos orientadores que de maneira
geral correspondem ao propósito de assegurar a capacidade do poder público municipal em
dirigir o processo gestão da cidade na perspectiva de ordenar o espaço urbano e enfrentar os
históricos problemas relativos à desigualdades sociais no acesso pela maioria da população de
seu direito à cidade, e sobretudo, o acesso ao lazer como beneficio público. Os planos
analisados e a própria realidade constatada na cidade apresentam limites e avanços para a
garantia desse direito que merece reflexão.
4.3.1 Quanto aos limites dos Planos
A tabela 22 é uma síntese que demonstra que a estrutura geral do Plano de
Belém e Manaus mantém o caráter genérico de Plano Diretor. Uma das críticas aos Planos
Diretores no Brasil está relacionada à sua inezequibilidade, ou seja, a concepção de um Plano
Diretor mais como um conjunto de princípios e diretrizes do que como um documento que
170
deve realmente ser o planejamento para dez anos de uma cidade148. Planos estes que em
muitos casos não definem Programas, metas e prazos possíveis para serem cumpridos
(VILLAÇA, 1999).
Belém tem comprometida a eficácia de seu Plano quando não apresenta
Programas com metas e prazos de realização, fixando apenas objetivos e diretrizes, e
recomendando a criação de Planos específicos para as políticas setoriais com prazos fechados
para a criação de seus planos. Na prática todos os prazos propostos não foram cumpridos. Por
exemplo: a) a criação do Plano Municipal do Desporto e Lazer149, em que está estabelecido o
prazo de doze meses para ser encaminhado à Câmara Municipal o anteprojeto a ser aprovado;
b) o Plano Municipal de Patrimônio Cultural150 cujo prazo é de dezoito meses. Nos dois
exemplos, até a data de conclusão deste estudo não foi identificado o cumprimento do prazo.
Manaus também dá um caráter genérico ao Plano quando, apesar de definir
objetivos, diretrizes e Programas em algumas políticas, seus programas apresentam um rol de
ações sem definir metas, prioridades e prazos para a plena efetivação das propostas.
O Plano de Manaus é omisso nas políticas sociais como saúde, educação,
assistência social, ou seja, para as políticas sociais como um todo. Já, o Plano de Belém
dedica um título para os objetivos e diretrizes setoriais da Política de gestão da cidade.151 Em
seu capítulo II refere-se a estas políticas e detalha cada uma delas em subsessões,
caracterizando-se como um Plano mais avançado, pois vai além do que o Guia de orientação
para implantação dos Planos Diretores prega.
Neste documento oficial do Governo brasileiro orienta-se a implantação de Planos
Diretores Participativos152. Sendo um documento com 158 páginas, dedica apenas cinco
linhas para orientação das políticas setoriais. Trata de forma genérica, sem citar nenhuma das
políticas especificamente. Portanto, a omissão de diretrizes orientadoras para as políticas de
saúde, educação, assistência social e o lazer excluiu a chance destas políticas serem tratadas
no Plano Diretor, isto é, de serem valorizadas como elementos estruturantes de uma política
efetivamente pública e de planejamento da cidade como um todo.
Nota-se, desta maneira, que o Plano Diretor de Manaus segue uma tendência de
concepção de Plano presente no Brasil, a qual está relacionada apenas aos aspectos físico-
territoriais (VILLAÇA, 1999). Tal característica, é na prática a obediência às orientações do
148 Já foi detalhada essa ideia de Plano diretor no capítulo II. 149 Art. 25 do PDU de Belém, 2008. 150 Art. 22 do PDU de Belém, 2008. 151 Titulo III. Dos objetivos e das Diretrizes Setoriais da Política de Gestão Urbana, Capítulo I, II. 152 ROLNIK Raquel; PINHEIRO Otilie Macedo Plano diretor Participativo: Guia para elaboração pelos municípios.
171
guia de implementação dos Planos Diretores, que dão prioridade aos aspectos físico-
territoriais. No trecho abaixo, percebe-se que a orientação relativa às políticas setoriais se
resumem a uma política habitacional.
Na parte de políticas setoriais, o Plano deve estabelecer os objetivos, princípios e diretrizes da política habitacional; as ações estratégias para a implantação da política. Deve estabelecer a elaboração de planos, sejam essas planos de habitação municipal, de regularização urbanística e fundiária, como devem ser os planos das ZEIS (BRASIL, 2004, p.78).
Essa tendência de não tratar das políticas sociais no ano Diretor, evidencia que a
interpretação do Estatuto da Cidade é limitada, pois em seus primeiros capítulos as políticas
sociais são enquadradas como parte das funções da cidade. Ao analisar o seu conteúdo
identifica-se que elas inexistem, mas deveriam ser consideradas, já que o próprio guia de
implementação dos Planos Diretores apresenta que o município deve ter a liberdade de
construir seu Plano Diretor de acordo com sua realidade. Assim sendo, não existe um modelo
padrão a ser executado, cabe ao município a autonomia de incluir novas possibilidades de
previsão de políticas. O que não é possível, é deixar de tratar as políticas básicas da
propriedade urbana já prevista no Estatuto.
Contudo, é importante perceber que nos últimos dez anos o IDH de Belém
modificou para melhor, atingindo o padrão “elevado”; e Manaus permaneceu com índice
“médio”, mesmo depois de ter crescido seu PIB para o quarto mais alto do Brasil,
apresentando ainda os mais baixos índices em educação e saúde, os quais já foram trabalhados
no capítulo II. Tais indicadores podem demonstrar que o campo das políticas sociais merece
maior atenção e melhor planejamento na cidade, podendo ser um elemento a mais na nova
proposição do Plano Diretor da cidade.
Outra reflexão necessária, é o processo de elaboração do Plano do qual já se fez
referência. Belém foi marcada por amplos debates e audiências públicas promovidos pela
Prefeitura e Câmara Municipal, sendo o processo acompanhado pelo Ministério Público, na
perspectiva de cumprir as determinações do Estatuto da Cidade em relação à participação
popular153. Em Belém, com a participação da população nas definições do Plano Diretor,
demonstrou-se um certo grau de valorização do povo na gestão da cidade.
Já em Manaus, o Plano, que oficialmente teve início o seu processo de definição
em 2008, chegou em 2010 embargado pelo Ministério Público Estadual, por não responder ao 153 O processo de revisão do plano Diretor de Belém foi dirigido pela bancada de vereadores de oposição ao prefeito, o que pareceu positivo, pois ampliou as formas democráticas na metodologia de discussão e definição do plano com exaustivas e acaloradas audiências públicas em que os diversos atores sociais, como trabalhadores e setores empresariais estiveram presentes.
172
requisito básico da participação popular no processo de elaboração do mesmo. Nota-se, então,
que as cidades no que diz respeito à gestão democrática caminham em passos diferenciados.
Manaus parece ainda viver a ideia de participação delegada aos que foram eleitos para
executar a política ou para os mandatos parlamentares, aproximando-se, desta forma, da teoria
de Burke que discorre sobre “a autonomia dos representantes no exercício do seu mandato,
posição que prevalece na modernidade política” (AVRITZER, 2007, p. 450), deslocando o
eixo das decisões do Plano apenas aos poderes constituídos Prefeitura e Câmara Municipal.
Vale ressaltar, que Manaus teve seu primeiro Plano Diretor em 2002, realizado
por uma empresa especializada, sem a participação significativa da população. Belém, desde o
Primeiro Plano, demarcou uma forma de participação como diria Avritzer (2007), na forma
mais contemporânea, mesclando as diversas formas de representação: advocacia, eleitoral e
sociedade civil154, em um exercício mais democrático de participação, ampliando as chances
de maior controle social sobre o processo de implementação do Plano. Sendo assim,
diversificam-se as formas de pensar a cidade por outros e/ou novos pontos de vista, diferente
dos legisladores e dos gestores municipais, que historicamente recebem esta função.
Sobre espaços de participação popular de 1989 a 2004, segundo Brian
Wampler155, apenas 177 cidades brasileiras realizaram orçamento participativo e dessas
somente 4 pertencem ao estado do Pará, onde Belém compõe esse quadro. Os dados relativos
à capital apresentam erro nos exercícios de gestão sinalizados, pois identificam Belém
realizando orçamento participativo nos exercícios de 1993 a 1996 e de 1997 a 2000, quando
na verdade foram os períodos de 1997 a 2000 e de 2001 a 2004. Em todo caso, nota-se que
nesses períodos Manaus não aparece na listagem, portanto, Manaus até os dias atuais não
viveu experiências de participação popular neste nível de intervenção na gestão municipal.
Outra constatação da pesquisa foi a orientação de políticas para o lazer presentes
nos Planos Diretores das duas cidades. Belém levou vantagem no Planejamento sobre o lazer,
visto ter buscado detalhar sua política de lazer, demarcando assim a preocupação em tratar da
temática como política social em uma concepção de lazer como benefício público, do ponto
154 Avritzer discute as Formas de Representação na Política Contemporânea apresentando essas três formas de Participação/representação que simultaneamente se apresentam, em que o eleitoral, o representante recebe autorização para representar através do voto; a forma de Legitimidade dessa representação se daria pelo processo do mandato e teria como sentido de representação a própria representação de pessoas. A vertente advocacia a relação com o representado, acontecendo a identificação com a condição; forma de legitimidade da Representação é pela finalidade e o sentido da representação e o da representação de discursos e ideias. Por fim, a representação da sociedade civil, onde a relação com o Representado é por autorização dos atores com experiência no tema; a forma de legitimidade da representação se dá pela finalidade e pelo processo e o sentido da Representação e o da Representação de temas e experiências (AVRITZER, 2007, p. 258) 155 Estudo sobre os municípios que realizaram orçamento participativo de 1989 a 2004.
173
de vista do seu acesso. Embora em alguns pontos dessa política se destacassem ideias de lazer
salvacionista para jovens e adolescentes ou mesmo como “passatempo educativo” na escola, a
ideia de lazer como benefício público fica evidenciada no Plano.
Já Manaus apresenta o lazer disperso e fragmentado por todo o texto do Plano
Diretor, porém a política de habitação de mobilidade e o macrozoneamento demonstram a
visão de lazer como benefício público. Ratifica-se esta visão, ao identificar as ações na
execução de políticas nas áreas como os CEL’s em que se tem a garantia do acesso gratuito
aos espaços de lazer. Porém, há uma predominância no Plano na concepção do mercolazer,
claramente proposto na Política econômica, dando destaque ao lazer turístico. Neste sentido,
as duas cidades se aproximam nesta caracterização do lazer, acompanhando uma tendência
mundial do reforço ao lazer como negócio, sendo o turismo ecológico, de aventura um
“produto” que tem merecido atenção nos Planos Diretores das cidades.
Quanto a estrutura pensada para dar conta do atendimento ao lazer como
equipamentos e recursos alocados, percebe-se que Belém tem garantido em menor proporção
a oferta da vivência do lazer aos seus habitantes, com o agravante de ter diminuído o seu
número de espaços como praças e canteiros centrais com equipamentos de lazer, em função
da mobilidade urbana,156 eliminado alguns ambientes alternativos para o lazer.
Pode-se dizer que entre o que está no Plano e o que se identificou nas políticas
existentes de lazer na cidade, inclusive a gestão democrática com os Conselhos de esporte e
lazer, a política de lazer está em colapso com a diminuição da oferta de espaços e animação
cultural na cidade, o que tem reflexo no próprio orçamento executado nos últimos anos.
Assim, fica evidenciado que a questão da participação não tem gerado os arranjos
institucionais que tratem estes espaços e equipamentos de lazer na lógica de commons
(OSTRM, 2002).
Manaus tem ampliado os espaços específicos para o lazer e conta com as ações do
governo do estado na recuperação de áreas degradadas e criação de parques públicos, por
conta do advento da Copa do Mundo. Isto é, dentro dos princípios do lazer especialmente do
megaevento como negócio, a cidade está transformada em um grande canteiro de obras que
potencializam a ampliação de espaços como: quadras de esporte, ciclovias, salas de cinema
etc. O que se conclui é que a política de lazer em Manaus está com indícios de ampliar a
quantidade da oferta de espaços de lazer, a partir de uma concepção de mercolazer
156 Desapareceram a praça da Bíblia, no bairro do entroncamento, e os ambientes de lazer nos canteiros centrais das Avenidas Duque de Caxias e Marques de Herval. Já refletida no capítulo II.
174
(MASCARENHAS, 2005), portanto, contrário á lógica de commons, ao mesmo tempo que
diminui os recursos alocados para esta política.
Os dois Planos Diretores não estabelecem nenhum critério relacionado a fases da
vida, raça/etnia e gênero (HAGINO, 2010). Ou seja, nota-se que tais Planos não estabelecem
diálogo com outros instrumentos orientadores para a elaboração de políticas públicas como
Estatuto do Idoso, ECA, estudos estatístico do IBGE, IPEA etc. A política urbana proposta
nesses Planos tratam a sua população de maneira genérica, sem considerar a ação coletiva dos
segmentos sociais, sem perceber a necessidade de identificar a diversidade dos atores sociais
que operam na arena do lazer, como reflexo de um plano genérico nascido por encomenda.
(LA ROVERE; CRESPO, 2002). Nota-se, à primeira vista uma debilidade no processo de
diagnóstico da cidade em sua primeira etapa:
“Ler a cidade” é a primeira etapa de elaboração de um Plano Diretor. [...]a leitura técnica deve revelar a diversidade, as desigualdades entre a zona urbana e rural, ou entre bairros de uma cidade; deve reunir análises de problemas e tendências de desenvolvimento local e, sempre que possível, deve considerar o contexto regional de cada município;[...] as leituras técnicas produzidas pelos profissionais da Prefeitura ou por consultores devem ser enriquecidas com as leituras comunitárias, feitas pela população, sob os pontos de vista dos diferentes segmentos socioeconômicos: empresários, profissionais, trabalhadores, movimentos populares, entre outros. (ROLINK; PINHEIRO, 2004, p. 20-22)
Por outro lado, é curioso notar o quanto o lazer não tem sido apresentado como
uma demanda dos trabalhadores. Ao analisar as plataformas de lutas dos segmentos de
mulheres e das Centrais sindicais, o lazer não aparece como demanda.157A face perversa do
mundo do trabalho na lógica capitalista é que as dificuldades de trabalho e moradia digna
afetam, inclusive, os desejos dos trabalhadores de ter direito ao lazer. Mascarenhas (2004) faz
uma análise sobre os efeitos da globalização articulada às políticas de concepção neoliberal,
que resultam em diversos desdobramentos os quais corroboram para o desmantelamento dos
direitos básicos. “Junto com conquistas como educação, saúde, proteção ao trabalho,
seguridade social etc., o direito ao lazer, igualmente entendido como um pressuposto de
cidadania encontra-se sob ameaça.” (ibidem, p. 74)
Em contrapartida, os setores ligados à cultura, à arte, ao esporte e ao lazer têm
sido estimulados via governo federal na proposição de políticas nestas áreas. Isto tem
estimulado em todo Brasil a definição de linhas orientadoras para as políticas neste setor, o
que se tornou um grande incentivo seletivo aos grupos de interesse na área do lazer como
esportistas, profissionais do esporte e das áreas: Educação Física, Arte, Turismo e Meio
Ambiente, tendo acontecido as etapas municipais, estaduais e a nacional. 157 A plataforma recente da CUT para as eleições 2010. Plataforma da CGT e da Marcha Mundial de Mulheres.
175
A expectativa é que o governo federal agora apresente os planos de trabalho para
a execução dessas políticas, que significativamente alcançou os mais diferentes segmentos
sociais (em que pese as disputas de interesses privados). Tais Plataformas orientarão os
próximos 10 anos de gestão da união e em todos os documentos aprovados, principalmente, o
aprovado na Conferência Nacional de Esporte, todos os municípios Brasileiros, com pelo
menos 20 mil habitantes deverão receber maiores investimentos no setor.
No geral, a Plataforma de Esporte e Lazer158 tem nas sedes das regiões
metropolitanas a maior referência da implantação dessas políticas. Cabe, portanto, às cidades
de Belém e Manaus, através dos poderes municipais e suas respectivas instituições, intervirem
em um processo dialógico para ver os resultados acontecerem nos seus territórios. Já que essa
pode ser a aliança necessária para que, apesar da fragilidade de aplicabilidade do Plano
Diretor e dos baixos orçamentos para o setor alocados nessas metrópoles, a população em
suas diferentes áreas possa ter acesso às políticas públicas de lazer.
158 Ver em resultados da III Conferência Nacional de Esporte e Lazer. Disponível no site do Ministério dos Esportes: http://www.esporte.gov.br/conferencianacional/resolucoesIIICNE.jsp. Acesso em: 27 ago. 2010.
176
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa intitulada “O Lazer no Plano Diretor das Metrópoles Amazônicas: um
estudo comparativo entre Belém e Manaus”, foi uma busca estimulante pela resposta à
pergunta que provocou a investigação: de que forma os Planos Diretores das metrópoles
amazônicas avançam ou retrocedem no sentido da efetivação do lazer como política pública?
Nos caminhos tortuosos da pesquisa acadêmica, sobretudo, no âmbito da temática
do lazer foi possível identificar o quanto os estudos na área do lazer têm crescido a partir do
surgimento de uma série de instituições acadêmicas de nível superior no Brasil, nos últimos
vinte anos, tais instituições ampliaram a oferta do Curso de graduação e pós-graduação em
Educação Física, Turismo e, mais recentemente, em lazer. Favorecendo, sobremaneira, este
campo de conhecimento.
Por outro lado, ainda são poucas as pesquisas ligadas à temática do lazer
relacionadas ao Planejamento Urbano. Torna-se mais raro ainda localizar pesquisas sobre o
lazer, quando a especificidade está relacionada a um instrumento da política urbana, como o
Plano Diretor, tendo como referência as Metrópoles que se ergueram na Amazônia: as
dificuldades se avolumam.
A pesquisa demonstrou que o lazer embora esteja assegurado nas diversas Leis
Brasileiras: Constituição Federal e Estadual, Estatuto da Cidade, Lei Orgânica do Município,
Plano Diretor, etc., ainda encontra muitas barreiras para sua implementação, enquanto política
pública, o que confirma a ideia de que ainda está presente na instituição estatal uma lógica de
hierarquia das necessidades humanas no que se refere ao planejamento das políticas públicas
em que o lazer ainda é concebido como de menor importância na escala de prioridades no
Planejamento das cidades (MAGNANI, 1988; MELO, 2004).
Esta realidade se confirma também no documento diagnóstico municipal no qual
se constata que: As principais demandas sociais, que têm sido encaminhadas aos gestores municipais, são as seguintes: purificação e tratamento da água distribuída na rede pública; ampliação da cobertura da coleta de esgoto residencial; sistema eficiente de tratamento do esgoto; regularidade dos serviços de limpeza urbana; organização de coleta seletiva de lixo; fiscalização das atividades agropecuárias e extrativas; proteção das matas ciliares; e combate à ocupação irregular de áreas ambientalmente frágeis. [...] a segurança pública. E o desemprego, estão entre as áreas de maior preocupação da população brasileira, segundo várias pesquisas de opinião. (SANTOS; ARAÚJO, 2008, p.13)
Em contrapartida, nota-se que as práticas de lazer nas cidades, sobretudo, em
Belém e Manaus apontam para uma diversidade de formas de lazer que podem ser
177
vivenciadas pela população como o uso da orlas, das praças, dos parques públicos, das
calçadas, ciclovias e ciclofaixas, das salas de cinema, teatros, dos espaços esportivos e
culturais, dos eventos esportivos, ou seja, os dados da realidade demonstram ainda uma
distância entre o que planeja e o que se efetiva na prática com o conjunto das políticas
públicas na cidade. O que se constata é que a política urbana ainda está refém dos processos
sucessórios dos gestores executivos e legislativos, nos quais a força da vontade política ainda
é o que tem prevalecido sobre as regras resultantes da ação coletiva.
Ao se buscar localizar de que forma as metrópoles amazônicas incorporaram o
lazer como política pública, este estudo traçou uma análise das instituições estatais e seus
desenhos como descentralização (ARRETCHE, 1999), participação (AVRITZER, 2007;
BRASIL, 2007) e regulação (VILLAÇA, 1999; BRAGA, 2009). Estes sofreram mudanças
significativas na institucionalidade brasileira depois da Constituição de 1988 e com a
implementação do Estatuto da Cidade em 2001. Os efeitos das mudanças na Amazônia,
especialmente nos municípios de Belém e Manaus, influenciaram sobremaneira a gestão do
Território. Uma delas foi a obrigatoriedade da criação do Plano Diretor para as cidades a
partir de 20 mil habitantes.
O exercício do cumprimento da exigibilidade do município ter um instrumento
regulador para o planejamento da cidade, isto é, uma instituição normativa com capacidade de
influenciar no desenvolvimento da vida política e socioeconômica de uma cidade, se mostrou
neste estudo eivado de limites, de pelo menos três dimensões significativas.
A primeira, ligada à própria dimensão de obrigatoriedade, já que podem recair
sobre a cidade que não tenha o Plano, penalidades e sansões ao município, inclusive a
impossibilidade deste contrair recursos da União, tornando-os inviáveis administrativamente.
Com isso, os municípios se vêem obrigados prioritariamente em cumprir o protocolo e
acabam por incorrer em erros como a encomenda de planos à empresas “tecnicamente
corretas”, mas com pouca ou mesmo nenhuma participação popular na construção do PD –
como é o caso de Manaus.
Outra dimensão está relacionada ao fato de o Plano Diretor estar assimilado como
um instrumento fruto da ação coletiva dos atores sociais, que devem ser efetivamente a regra
básica orientadora do Planejamento municipal, a partir do qual todas as políticas municipais
deveriam ser desenhadas, independentemente da necessidade de se ter outros instrumentos
que complementem tal normatização da política urbana.
A terceira é a polêmica participação da sociedade no processo de elaboração do
Plano. Em geral, essa participação quando é bem explorada reflete muitas vezes os atores que
178
representam na prática uma extensão do poder público ou representam setores privados
empresariais na sociedade, como os conselhos municipais, conselhos regionais de categorias
profissionais, sindicatos patronais etc. A população em geral ainda entende pouco o
significado do Plano Diretor, pois o próprio poder público investe pouco em informações
adequadas para ampliar a conscientização sobre a importância da participação na definição do
Planejamento das cidades.
O estudo fez algumas análises acerca do Planejamento urbano na Amazônia como
a ausência de um planejamento que considerasse efetivamente os interesses da maioria da
população local. O que se verificou ao longo do processo histórico da região, desde a Belle
Époque aos dias atuais, é que as instituições locais, com o discurso de desenvolvimento da
região, importou planos de outros lugares ou mesmo cedeu o espaço amazônico a grandes
projetos internacionais de superexploração econômica dos recursos naturais. Causando sérios
danos ao meio ambiente amazônico e ganhando baixos índices ou nenhum beneficio às
populações atingidas. Uma das consequências do Planejamento inadequado foi o fenômeno da
metropolização da Amazônia (TRINDADE, 2009, 1998) em que Belém e Manaus sofreram
com o inchaço demográfico, principalmente, na segunda metade do século XX, o que
acelerou a urbanização desordenada e as desigualdades sociais nestas cidades.
A hipótese erguida nesta investigação postulava que não existe um padrão
amazônico de atuação da gestão municipal nas metrópoles amazônicas, o que se confirmou,
uma vez que foram identificados alguns aspectos nas políticas de lazer, que são próprios de
cada cidade. Alguns desses aspectos estão relacionados a uma lógica tradicional nas políticas
implementadas, que reproduzem as experiências específicas de outras regiões do país tanto na
dimensão do mercolazer como numa ideia de benefício público. Ou seja, a ação institucional
reflete a lógica de políticas herdadas (HALL e TAYLOR, 1999).
A dimensão do mercolazer, determinada pelo advento da globalização, impõe um
padrão e imprime ao setor do lazer, a imagem de mercadoria, sobretudo, quando os Planos
Diretores, reforçam a exploração econômica dos recursos naturais e dos equipamentos
públicos de lazer (praias, museus, teatros, etc.). Já a dimensão de lazer como benefício
público, também, pode ser pensada como padrão pelo fato do lazer estar no Estatuto da
Cidade (regra institucional determinada como resultado de ação coletiva) e ser uma das
funções sociais da cidade, impondo “em tese” ao Plano Diretor que o lazer seja tratado como
benefício público, necessário na política de Planejamento municipal da mesma forma como
estão previstos a política econômica, o macrozoneamento do município e a política de
mobilidade urbana, dentre outras (BRASIL, 2002).
179
No entanto, a interpretação da forma como o lazer pode estar efetivado no
Planejamento Municipal é diferenciada em cada cidade. O protagonismo do estado e a ínfima
participação de atores sociais na definição do planejamento municipal e especificamente no
setor do lazer. Essa assimetria de poder cumpre uma trajetória histórica no planejamento
municipal (HALL e TAYLOR, 1999). Sendo esta característica mais acentuada em Manaus
do que em Belém.
Outro aspecto relevante que diferencia a política de lazer nas metrópoles
amazônicas está relacionado ao desenho de execução das políticas. Mesmo sendo insuficiente
o atendimento à população, Manaus apresenta maior infraestrutura de espaços específicos e
animação cultural para o Lazer comparada à Belém, que concentra em poucos espaços e em
bairros mais tradicionais da cidade seus programas e projetos.
A pesquisa realizada demonstrou que o lazer na política urbana de Belém e
Manaus apresenta formas diferenciadas de tratamento na política pública: visto que, Belém
avançou na elaboração do Plano Diretor definindo-o como política social e estruturando um
campo de planejamento que dá ênfase a ideia do Lazer como benefício público. E Manaus já o
tratou de maneira fragmentada e dispersa, dando maior destaque ao lazer como negócio, nas
estratégias da política de desenvolvimento econômico, demonstrando uma concepção de lazer
reforçadora do ideal de lazer como mercadoria (mercolazer). Em contrapartida, na execução
das políticas, nota-se que Manaus avançou mais no sentido de dotar a cidade de estrutura
física e animação cultural em um número maior de bairros, se comparada a Belém. Assim,
constata-se, uma distância entre a regulação e a implementação das políticas nas duas cidades.
O que se percebe é que o lazer, enquanto fenômeno de grande apelo na sociedade
atual, sofreu com as investidas do modelo capitalista e enfrentou uma superexploração como
recurso, nas três últimas décadas, para o deleite dos que podem pagar. Uma prática recorrente
nas metrópoles amazônicas, a exemplo do que vem acontecendo em todo o Brasil, tem sido
ceder e/ou negociar espaços para utilização do lazer como negócio, como em clubes: Pesque
Pague, Arenas Esportivas, Parques Aquáticos e grandes empreendimentos comerciais que se
apresentam como espaços híbridos de negócios em geral e possibilitam a oferta de lazer e
entretenimento como é o caso dos Shoppins Centers (PADILHA, 2006).
Este estudo, contudo, demonstrou que a regulação proposta pela Constituição
Federal, o Estatuto da Cidade, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o Estatuto do
Idoso, as Constituições Estaduais, Lei Orgânica dos Municípios e, principalmente, os Planos
Diretores das cidades devem ser as ferramentas balizadoras que os atores sociais têm nas
mãos para reivindicar pela exigibilidade do direito ao lazer nas políticas públicas, como
180
benefício público às três esferas de poder. Pois, no cotidiano da cidade que sofre a ação das
instituições decisórias da política, este direito torna-se um objetivo a ser constantemente
perseguido, pelo fato de se constatar a ineficiência da ação institucional na distribuição
equânime da política de lazer nas duas cidades.
Esta pesquisa, que investigou o lazer no Planejamento municipal, especialmente a
partir do Plano Diretor das metrópoles da Amazônia: Belém e Manaus, conclui que o Plano
Diretor se configura como um arcabouço institucional, que a depender da vontade política de
seus atores, pode ser marcado por uma outra racionalidade, diferente da que avança na direção
do mercolazer. Racionalidade esta, que afirme o lazer como um benefício público cujo uso e
exploração dos recursos, sejam pautados na lógica de commons, pois assim o lazer
efetivamente pode ser considerado um direito.
181
REFERÊNCIAS
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190
ANEXOS
191
ANEXO A – Diário Oficial do município de Manaus
192
193
194
195
ANEXO B
Acordo Celebrado entre União, Estado do Amazonas e Prefeitura de Manaus para
viabilizar a COPA 2014.159
159 Consta no site oficial da Copa 2014: http://www.manauscopa2014.com/site/noticias.php, acessado em 12 de
agosto de 2010.
196
197
198
ANEXO C
ANEXO D
199
ANEXO E