O Papa e o Concílio, Vol. 1, Introd. Ruy Barbosa

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    O PAPA E O CONCILIO

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    A QUESTÃO RELIGIOSA

    O P A P AE OC O N C I L I OP O HJ A N U S

    VERSÃO E INTRODUÇÃOD E

    R U I B A R B O S A"Fug ite ab idolorurn cultura . '

    P A U L ,  ad Cor,,  X, 14."Noli te í ie r í se rvi horninum."

    P A U L ,  ad Cor,,  VI I , 23.As igre jas l ivres no estado l ivre ,

    3  a  E d i ç ã o

    E L O S

    f U ^ l f ) . "A  h ^ j A  e U c L

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    NOTAReeditamos O PAPA E O CONCILIO em homenagemà cultura de Rui Barbosa.Acreditamos que, se ainda vivo fosse o notável poli-grafo, não subscreveria alguns dos conceitos que emitiuna vasta  In t ro d u ção  à obra de Janus. Um livro é, todavia,um marco na vida do escritor, e por esta nova. edição po-derão inúmeros estudiosos da nova geração conhecer opensamento de Rui Barbosa naquela Época.Vejam nesta obra o documento puro e sua mensagem.É o presente que oferecemos a nova geração.

    O EDITOR

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    Í N D I C E

    Prefácio do tradutor:A Q U E S T Ã O R E L I G I O S A ; S E U C A R Á TE R E S S E N C I A L M E N T E

    P O L Í T I C O ,Introdução do  tradutor:

    — D I L A T A Ç Ã O I N V A S Ò R A D O P A P A D O À C U S T A D A S O B E R A -N I A T E M P O R A L ,  — Erro s v u lg ares ace rca d a q u es tão . — As in s -t i tu i çõ es re l ig io sas co n v er t e ram-se h á s écu lo s , n as mão s d o p a-p ad o , em u ma esp ecu lação p o l í t i ca . — A ig re ja p r imi t iv a : su av id a e o rg an ização rep u b l i can as» — Co mêço d e su a d ecad ên c iamo ra l : a a l i an ça p o l í t i ca so b Co n s tan t in o . Re l ig ião p ro teg id a ,re l ig i ão mo r ta , — O c le ro ex ercen d o fu n ç õ es c iv i s : v an tag en sac id en ta i s d es se fa to p ara o s p o v o s ; d esv an tag en s p ara o esp í -r i to c r i s t ão , ' — Amb içõ es t emp o ra i s d o p ap ad o . O s b árb aro s .Os imp erad o res g reg o s . Ob s tácu lo s às asp i raçõ es p o n t i f í c i as ,M a q u i a v e l i s m o p a p a l — L u t a c o m o s l o m b a r d o s . A m i z a d e p o n -t i f í c i a co m o s f ran co s . Tro ca d e d o açõ es u su rp ad o ras en t re Pe-pino e Roma, — Enceta-se o sacrifício da «nacionalidade i tal ianaao s in t e res ses p ap a i s . — A imag in ár i a d o ação d e Co n s tan t in o , —Vu l to p ree min en te d a f rau d e n as esp o l i açõ es ro man as ., — OPseu d o -Is id o ro . — Car lo s Mag n o , — Av i l t amen to d o imp ér ioso b o s eu su ces so r , — Do g ma n o v o , av en tad o p o r Gx eg ó r io IV:o papa senhor dos tronos.   — O feu d a l í smo ep i s co p a l . — Car lo so Ca lv o so b eran o p o r g raça d e Jo ã o VI I I , Ou t ras in v asõ es p o n -t i f í c i as , d e 8 8 8 —9 6 2 . —  O  p a p a d o  en quenouille.  ;— T r ê s p a p a sd ep o s to s . — Ap o g eu d o p o d er ep i s co p a l . — Ex t rema ab jeçãod e Ro ma, — Greg ó r io VII . — Per ío d o su b seq ü en te d e ab a t i -men to n a cú r i a , — Hen r iq u e IV. — O mo v imen to lo mb ard o .

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    I IArnaldo de Bresciav  — Novos progressos da teoc rac ia papa l ,— Inocênc io I I I , — Luta ent re o papado e F rede r ico I I . — AItália vítima da cúria romana. — Império da simonia em Roma,•—• Bonifácio V II L —   O cativeiro de Babilônia,  — A teoriada vassalagem das coroas à tiara persistente e ensaiada ainda nodecurso do cisma. — Recresce em Roma a   jarnes auru  — F o r -mula da teocracia por André Filópater . . — Pio II e MaoméI I . — Inocênc io VI IL Alexandre VI . Jú l io I I . — Atos desupremacia em relação aos tronos. — A revolução cristã doséculo XVI,, Sua origem predominante: a política romana, detur-padora da f é e t r ans tornadora da ordem secula r Seu ca rá te rde reação proviclencialmente liberal — Os jesuítas, elaboraçãonatural do espír ito do papado. Sua substância é a da igreja ro-mana, Incoerência entre a devoção a ela e o horror a êles. —Doutrinas e proezas da Companhia. Não é mais que uma ciasmanifestações da igreja papal em ação. A prescrição da ordemde Jesus sem o extermínio radical do catolicismo romanísta é ,portanto, uma incoerência e uma inutilidade» Logo, a soluçãoda crise religiosa não pode ser essa. „

    I I . — • D E S E N V O L V I M E N T O I N V A S O R D O P A P A D O À CU S T A D AIGREJA. — A infalibilidade papal, base do catolicismo roma-nísta e negação do primitivo. — Concilio de Jerusalém.. — A féde Pedro. — Pedro e Paulo, — Sedes superiores em antigüidadea Roma. —   Sé apostólica; bênção apostólica„ — A  Ígreja-mãe„ —Infe r ior idade de Roma nos pr ime iros séculos . — Independênc iadas igreja s locais. — O título de papa, —• O sistema eletivo .genera l izado na c r is tandade . — Car tago preponderante a Ro-ma, —• Cipriano . A igualdad e jurisdicio nal entre os m etro-politas proclamada por êle. — A arbitragem exercida na igrejapelos diocesanos de Alexandria, Neocesaréia e Cesaréia. — Di-visão te r r i tor ia l da igre ja pe los f ins do século I I I ; equipa raçãodo bispo romano aos outros pre lados; nenhuma in te rvenção dê leno provimento das sés episcopais. — Debate sobre a celebraçãoda páscoa. — O batismo dos hereges. O papa vencido e ar~güido de heresia. — Paulo de Samosata, — Cisma donatista .Constantino convoca dous sínodos, e sentenceia, , — O arianismo.Concilio de Nicéia. — Júlio, o primeiro pontíf ice pretendente àpre r roga t iva judic iá r ia sôbre a s  causas maiores. Sárdica.. — L ibé-t io ; sua dupla apos tas ia ; conc í l ios de R imini e Lâmpsaco.  j

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    I I I— Mais duas humilhações do papado sob Dâmaso. — Basl l io :rua preponderância contra o bispo de Roma. — O título de   filhosrepel do a Dâmaso pelos bispos orientais. — Zósimo. — Ce-lestino III  o  s ínodo ge ra l . — Eut ique lsmo. — IV a  assembléiaecumênica.. — Greg ório Magno. — Con denação de H onó rio,papa. — Concilio de Constan tinopla, em 869,. — Concilio deConstança. — Concilio de Basiléia. — Igr eja galicana. — Igre-jas de Inglaterra e Ir landa. — A imposição dogmática da infa-libilidade rejeitada na igreja até às vésperas de 1870,. — Recla-mações do episcopado no concilio de 8 de dezembro. — Inecume-nicidade substancial dessa assembléia.  Ludibrium Vaticani. —Interpolação papal nos próprios atos do sínodo vaticanense. —O ignóbil  pccnitct mc  do episcopado não cega nem desrnemoriaa história . — Os seus protestos e refutações prévias são inde-léveis. — A igreja pontif ícia reduzida a um mecanismo de in-teresses materiais, — A usurpação papal singelamente reconhe-cida por uma das supremas sumidades na teologia ultramon-tana, — Dezoito séculos de existência do catolicismo sem cons-ciência do dogma de 1870. — Impo rtânci a para os estadistasdo estudo dessa revolução clerical 53";

    I I I . —   I D E N T I D A D E E N T R E A I D É I A D E I N F A L I B I L I D A D E P E S -S OX \L E A D E O N I P O T Ê N C I A D I V I N A , .  — Duplicidade romana,. —A igreja ancila vil do papa, graças aos dogmas de 1870. — Aessa nova prerrogativa papal não há barreiras possíveis. — Caosentre os teólogos quanto à definição do  ex-cathedra»  Sua inde -cifrabilidade. Burla impudente. — Só à infalibilidade mesmatoca f ixa r a s própr ia s f ronte i r a s . Logo, é i i im i táve l . — Diver -sas esferas de atividade hu ma na; suprema cia do papa* em to-das . — Ordem in te lec tua l . — Ordem mora l , — A mora l abran-ge integralmente os homens em tôdas as suas relações: o indi-víduo, a sociedade, a política, . Autoridades comprobatórias. Ques-tões de  cozinha  abrangidas na jur isd ição pont i f íc ia . — Lu xode decretos confirmativos da ditadura papal. A obrigação deobediência, com renúncia absoluta do juízo individual, legisladana constituição  De EccUsia ChristL — Ninguém pode julgara sâ apostólica.  — A  disciplina, Seu s âmbitos indeterm inadose indetermináveis. — A docilidade ao papa é   dever de consciên-cia,  sem nenhum direito de exame. A infalibilidade papal em prá-tica. — O papa é tudo. Demonstração analítica, — O papa in-falível é o papa-deus. O   papa c Jesus Cristo na terra,  — A or -todoxia romana é a mor te do espí r i to . — O pr ime iro manda-mento do Cristo é a caridade; o primeiro da cúria, a servilida-de animal ao papa 89^

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    IVIV .  — O  S Y L L A B U S .  — Êrro dos que julgam facultativa aoscatólicos  romanos  a profissão dêle. Origem dêsse êrro — OSyllabus  é lei dogmática e disciplinar obrigatória a toda a igrejapapa l . — Autor idad es : Schul t ; Wa rd ; Sambin; Mo igno; a con-gregação do Ora tór io ; os deputados u l t r amontanos em França ,1873; o congresso de Lião , 1874; La Tour du P in Chambly; oa rcebispo de Ar ras ; os papis ta s da Hungr ia ; os b ispos de Ol indae S. Sebastião. — É uma lição do papa   ex-cathedra.  P rovas . —Fessler; sua divergência chega à mesma conclusão que nós: aobediência ao  Syllabus  é para os roman istas um dever univ er-

    sal. —•• Ne wm an; seu êrro e refutaç ão. O   Syllabus  irmão gêmeoda encíclica de 1864, O caráter dogmático dêle conseqüênciado caráter dogmático dela, — O próprio Newman chegandopraticamente ao mesmo resultado que nós: a adesão ao  Sylla-bu s  obrigatória, se não por fé, ao menos  por obediência  . . 117V . — I N C O M P A T I B I L I D A D E E N T R E o C A T O L I C I S M O P A P A L EA S C O N S T I T U IÇ Õ E S M O D E R N A S , IN D I V I D U A D A M E N T E A B R A S I L E I -RA. — Autonomia do estado. Servidão absoluta do estado à igreja.— A realeza social de Jesus Cristo.   — Gregór io VIL Paulo IV„Tomás de Aquino.. Allen, Person, Belarmino, — Usurpaçõesdo papa. Justif icação e apologia atual desses atentados,. —Abolição pela tiara do dever de subordinação aos governos:prerrogativa assumida, ainda no século XIX, até em atos ofi-ciais, pelo pap ado. — A revolução france sa e a sociedade co n-temporânea ,  obras de Satã, Pio IX anulando leis civis. — Aliberdade do mal é  a liberdade como em todos os estados consti-tucionais. — Inconciliabilidade entre os mais moderados princí-pios liberais e a ortodo xia pontif ícia. — A   liberdade do bem é

    a tirania monopolizada pela igreja, . — Ação revolucionária einsubordinação sistemática da seita papal. —   "Não hâ mais go-vernos católicos": dec la ração u l t r amontana . — A const i tu içãobrasileira, prole do 89. — A soberania do povo, base da nossacarta, é o  homem feito Deus. — O voto do orçamento pe lo povoe a dízima. — Outra negação das instituições hodieraas; o direitode asilo, , Seu caráter divino perante Roma; sua prática no sé-culo corrente. — A igualdade perante a lei, a extinção dos pri-vilégios, a integridade e independência da autoridade judiciária ,dogmas constitucionais. Subversão dêles: o privilégio de fôropara o clero, dogma romano. — A liberdade religiosa, heresiaforma l, ainda

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    VA  liberdade do pensam ento e da imprensa,  criação infernal.  Ar t ,179, § IV da Const. bras. — A igreja única autoridade legiti-mamente ensinante. . — Antagonismo com a carta constitucional.— Doutr inas romanas sôbre a educação, O   mortarismo,  A n í q u i -lamento da autoridade paterna. — Ódio de morte à civilização•moderna. — Exemplo vivo das idéias romanas organizadas emi ns ti tu iç õe s s oc ia is : o s e s ta d os d o p ap a a té 1 87 0 . . . . . . 1 33

    V I .  — O  REGALISMO E AS CONCORDATAS.  — P Í O I X  prêsO,.Honór io I I I e os a lb igenses . — Agi tação do u l t r amontanismo naAmér ica ; Bras i l ; Chi le ; r epúbl icas centra is ; México . — Essasinvasões cor respondem a outros tantos  direitos,  que a igre jaafirma. Seu ensino.. Antítese dêle com o evangelho, — Pri-vilégios do ultramontanismo: intervenção na política; violaçãode todas as leis; insurreiçã o. — Um a ameaça expressiv a. —Apêl o à força Fé exclusiv a na revolução. — O ultram ontan is-mo organizado como partido político em ódio ao sistema re-presenta t ivo; Bé lgica , Bavie ra , F rança , Chi le , Bras i l , — In-fluência fatal da religião pontif ícia. Ruína invariável de todosos países, onde reina. Confronto com os protestantes. — Pri-meira fase do conflito entre nós. Fraqu eza do gover no; nãocompreende a questão., — O   placet, le tra morta no Brasil; suagalvanização agora; impotência dêle. — O melhor alvitre prete-r ido. — A maçoneria, simples pretexto do episcopado,, — Prisão•dos bispos, irr isória, . — Os presos g overna ndo as dioceses. •—Mais uma inconseqüência da coroa; os governadores diocesanos,.— Cansaço prematuro do govêrno. — Surprêsa incomparáve l : aanistia , . Sua monstruosidade. Imolação do direito constitu-cional. — O   statu quo  pe rpe tuado — Progressão c rescente dasexigências e invasões ultramontanas entre nós. — Primeirasaparentes  concessões do papa, ilusórias. Os interditos, — E n-cícüca de 29 de abril de 1876: novo ludibrio; revelação por PioIX de uma deslealdade imperial ao país. — Fase atual da ques-tão; inépcias, cr imes e r idículos do govêrno, Conculcação dast radições conse rvadoras . — Os nossos e s tadis ta s e os e s t r an-geiros. — O sistema das relações da igreja entre nós; sua in-sustentab ilidade prática. . — As objeçoes ultram onta nas con-t r a ê le não procedem: o e s tado não pode protege r sem supe-r in tender — P orque é r ea lmente condenáve l ê sse  statu quolegal entre nós. —   Constituição civil do clero. Traços históricos, .Áust r ia sob José I I ; r evolução f rancesa ; Esp anha ; Suíça ,Rejeita-se êsse sistema, Apreciação da política  religiosa  de Bis-•rnarck, — Grande exemp lo da impotência do regalismo Ou tro-exemplo na política da Suíça, A compressão sempre contra-

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    V Iproducente. — Cumpre fundar a liberdade, não em atenção àsreclamações de Roma, incorrigivelmente perseguidora, mas emhomenagem aos -nossos direitos. . — As concordatas, Dous tiposdo sistema, O tipo ultramontano é o único lealmente possívelda parte de Roma, O tipo da concordata de 1801 é o único atécerto ponto compatível com a soberania civil Sua impotência^não obs tante , contra o u l t r amontanismo. — Um e outro t ipohoje inaceitáveis, Decepção de todos os governos que têm bus-cado apoiar-se no romanismo. — Roma não tem o direito, nemnutre disposição de fazer concessões ao elemento secular . — Porque não tem êsse direito. Exemplos: incapacidades políticas;casamento civil; imunidades eclesiásticas;  placet, — De como,além de faltar- lhe o direito, falta- lhe a disposição. As ambiçõestempora is desenvolvem-se em R oma

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    V I Igioes oficiais não têm a justif icativa da utilidade, — Pretextosem que estr iha o sistema: a razão de estado; o sentimento reli-gioso I inprocedência dêles, — As alianças político-religiosassão um cont inuo pe r igo à ordem lega l Ex emplo de casa Tran -sação séria com Roma, não na pode haver senão a troco dosdireitos do estado. — O sentimento religioso é incompatível coma intolerância dos cultos oficiais. Traços históricos, Aspectoreligioso da sociedade brasileira, — Contraste entre essa influên-cia e a da liberdade religiosa. Os Estados Unidos, — A pro-teção do estado sempre fatal ao cristianismo. Tertuliano e aliberdade religiosa. A realidade mo ral da fé cristã no pov o estána razão inversa da autoridade temporal do clero. Lição decisivada história de França — Estadísticas irrespondíveis, . — É entreas dissidências religiosas que o cristianismo se depura, e apro-xima-se da unidade moral — A desconfiança do neocatolicis-mo con tra a liberdade é um argum ento contra êle De comohonram-no mais os seus inimigos. Os reis bárbaros andavammais adiantados no evangelho. — A paixão dominante de Romaé a política: como suprimir o alimento a essa tendência. — Acompressão renova as forças ao clericalismo. — O catolicismonivelado ao direito comum,. I tnfluência dessa comunhã o nomesmo direito sobre o egoísmo e as simpatias absolutistas daigreja romana. — O princípio da liberdade religiosa tr iunfanteno mundo civilizado. — Os inconvenientes das religiões oficiaismais graves aqui do que no continente europeu, A imigração,,Porque nos foge . Como há de procura r -nos , Emanc ipação absolu-ta dos cultos; equiparação do brasileiro naturalizado ao brasileironato. — Outra vantagem da igualdade entre as igrejas: cr iação dosentimento religioso. — Temores contraditórios em relação aessa r e forma: a igre ja senhorea rá tudo; a igre ja pe rece rá aodesamparo,. — R efutação.. — Motivos das pertu rbações clericaisna Bélgica. É êrro imputá-las ao regímen separatista . Quaissejam êles. — O bjeçõ es ultramon tanas à abolição da verba re -ligiosa no orçamento: futilidade delas. — Reconhecimento àsdiversas igrejas do direito de adquirir e possuir . , Exclui-se apropr iedade te r r i tor ia l Conversão da mão-mor ta ec le s iá s t ica emtítulos de dívida pública. — Medidas precautórias e repressivasa bem do estado e da família . Autorização civil para as aliena-ções da propriedade religiosa,. Testamentos. Liberalidades entrevivos, —• Tem plo s; mo steiro s; vivendas episcopais e paroquiais ,—> Destinação dos bens atuais da ig reja. Pra zo in tercalar p ara•eliminação gradual do subsídio religioso. — As ordens religiosas.Alvitre quanto aos conventos já estabelecidos no país, Intrans-missibilidade dos seus bens aos seus sucessores. — Entrada

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    VII Il i v re n o p a í s às o rd en s reg u la res e s ecu la res , men o s às men d i -can tes . — Pro p r i ed a d e mo n aca l . — Vo to s . Id ad e Su a l imi t açãoes t r i t a ao fô ro d a co n sc iên c ia : o es t ad o n ão o s reco n h ece . —Ord en s s ac ras . Di re i to d e rep u d iá - l as . — Cel ib a to c l e r i ca l , —Cap ac id ad es p o l í t i cas d e o r ig em re l ig io sa : su a ab o l i ção — Ju r a - :men to re l ig io so , O cemi té r io . — O reg i s t ro d e ó b i to s . — Ma n i -fes t açõ es u l t ramo n tan as d e p o r t as a - fo ra : p ro c i s sõ es e ro ma-r i as . — In te r ru p ção o b r ig a tó r i a d a a t iv id ad e in d u s t r i a l n o s d iassan to s : co n d en ação d es se a t en tad o . — Leg i s l ação d o ex érc i toq u an to ao s e rv iço re l ig io so . Cap e lan ias mi l i t a res . — Su p res sãod o s s emin ár io s . — Nu n c ia tu ras . Emb aix ad as e l eg açõ es an te oVat i can o , — Disp o s içõ es p en a i s co n t ra o s ab u so s d o c l e ro . Ap red ica e a imp ren sa c l e r i ca l . Ad ição ao s a r t s . 1 6 e 1 7 d o có d ig ocr imin a l : a in t e rv en ção d o e l emen to c l e r i ca l n o s d e l i to s co -mu n s d ef in id a co mo c i rcu n s tân c ia ag rav an te . In f lu ên c ia co r -ru p to ra o u v io len ta d o c l e ro n as e l e i çõ es . — Qu em d i f i cu l t a oreg ímen l ib e ra l d o s cu l to s n ão é a o p in ião . — O n o s so rad ica -l i smo . — Refo rmas p ro te l a tó r í as . Sen t id o co m es sa mo ed a fa l -s a. — A e l imin ação d o a r t . 5 ° : d o u s camin h o s d iv erso s . — Nã od e ix ar o in imig o s en h o rear o n o s so camp o . A q u es tão ' é d edefesa nacional,  — Os q u e r i em d as n o s sas ap reen sõ es h ão d eab r i r o s o lh o s t a rd e e a más h o ras : ex emp lo d a F ra n ça . — A ,magíta carta  su p rema. — Gu erra às co n co rd a tas — Ten d ên c iasfu n es tas d a co ro a . Al i an ça d e p erd ição , — Ad v en to in fa l ív e ld a l ib e rd ad e 2 6 1

    O Papa e o Concilio:P R E F Á C I O D O S A U T O R E S » „ „ . . 3 3 5

    I N T R O D U Ç Ã O :Pro g ram a d o s j esu í t as p a r a o co n c i l io 3 4 5Os ri l t imos concíl ios provinciais e a infal ib i l idad e do pap a „ . 348Mo d o d e v o ta r . 3 4 9 .D O G M A T I Z A Ç Ã O D O S Y L L A B U S 3 5 1T r a n s f o r m a ç ã o d o s a r t i g o s d o  Syllabus  em asserçõ es posi t ivas-p o r S c h r a d e r . . . . . . . . . . . . . . 3 5 2

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    I XDe como a igreja tem o direito de infligir penas corpóre as . 352Da supremacia política dos papas 355De como os jesuítas refund em e emend am a história da igreja . 356Da liberdade de consciência ante o  Syllabus  357Conden a-se a civilização mod erna e o sistema das constituições 361D o N O V O D O G M A D E M A R I A . - . . 3 7 1

    D A I N F A L I B I L I D A D E D O S P A P A S :D o ul tram o ntan ism o . , . „ / , 375C on seqü ên cias do d og ma d a in falib ilid ad e . . . . . . 38 0Err os e contradições dos papas 383D a s it ua çã o d o s b i sp o s r o m an o s n a a n ti g a i g r ej a . . . . . 3 93Do prima do na antiga constituição da igreja . 402Depoim ento dos padre s da igreja acêrca do prim ado . „ 409Do pseud o-Isidoro e sua influência 414Ex ame cias antigas falsif icações roman as . 416Do Livro dos Papas „ 440D a doação de C onstantin o . . . • „ . „ . . 442Da doação de Carlos Mag no , „ . 445Decreto de Graciano . 450A u to rid ad e de G raciano . . . . . . . . . . . . 455Crescimento do poder papal 456Institu ição dos legados „ 466Das isenções e dispensas 468Do pálio 469D a  plenitude potestatis  . 470Das apelações 473D a colação dos benefícios . . . . . . . . . . . 475In te rv enção nas dioceses . . . . . . . . . . . . 4 76Os bispos e su^s dívidas . 478Subversão ge ra l da igre ja 480Situação pessoal dos papas 481C entra lização por meio da cú ria . . . . . . „ 485Os papas e os concílios 487De como em Rom a se desamparou a Teologia 493Ignorân cia do clero roman o 494Reinado da jur isprudênc ia 497

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    X I V

    XO colégio dos cardeais .D a cúria . . . . . . .Conceito dos contemporâneos .Juizo dos cardeaesDa pública opinião nos séculos XIII eDa inquisiçãoOs processos de feiticeria .Mais falsif icações dos dominicos .Conseqüências das novas falsif icaçõesContesta-se a infalibilidade , .Ê rr o das reorden açõ es . . . .Falsif icação da história .Falsif icação da história de Esp anh a . . . , ..O falso CiriloO s in te rd itos „ . . . . „O cisma „Concilio de ConstançaConcilio de BasiléiaConciliação com os gregosA pragm ática-sanção de Bou rges , „ „ „ „ „ . .De como o papa t r iunfou  . „Reação papal ,R o m a e as conco rda tas . . . . . . . . . .Da opinião pública e situação da igreja no século XV .S ínodo do La trãoImpassibilidade da cúriaDos impostos de chancelariaConecto e SavonarolaA Itáli a e a cúri a . ,Opinião dos italianosLeão XOs bispos f r anceses e Roma .Confissões de CaetanoO cardeal ContariniConfissões dos bispos italianos e dos legados em TrerítoConc i l io de TrentoDe como sentia o público em Alemanha

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    X I498 Os teólogos italianos e a infalibilidade .. „ 619505 Ad riano VI „ . . . 622510 Confissões dos defensores da infalibilidade . 623516 Bula de Paulo IV   626518 Bula da Santa Ceia „ . 628519 Os jesuítas e a infalibilidade 630529 Belarm ino „ . . 632538 Baron io. — Aind a falsif icações . 636542 Das decisões  ex cathedra  641546 O papa e a igreja em relação à infalibilidade „ 646549 Os papas sob o pêso da sua crença na infalibilidade 648551 Do que vem a ser a liberdad e dos concílios . „ „ " ' , . • . •„ 6515555575595615655725805855875885895925996006p2604606607608610611612

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    P R E F Á C I O D O T R A D U T O R"Verso civitatls statu, nihil usquam prisci et tntegri morís, omnes,exuta (uqualitate, jussa principis adspectare,.  (1) Subver t ida a cons t i -tuição, extinta até os vestígios a antiga inteireza de costumes, renun-ciado o direito individual, todo mundo pendia da senha do príncipe."Palavras de fúnebre justiça, gravadas pela musa inflexível da históriaantiga, com o escopro de Tácito, sobre a odiosa memória da Romaimperial, e que, entretanto, — quem no dir ia? — a austereza incorru-tível da posteridade terá ocasiões de relembrar, com doloroso assom-bro, como a f iel expressão desta quadra de inaudita degenerescênciapolítica e moral, no seio de uma nação adolescente e exuberante devida. (2)O brasileiro que atravessar a fase atual do segundo reinado, teráque testemunhar à descendência, com as cas envergonhadas, uma longapágina de amargura e vilipêndio, onde os olhos de nossos f ilhos busca-rão debalde um ponto de refr igério em que espaireçam; um país opu-

    lento, inexaurível como a natureza mesma, e , todavia, f ísica e moral-mente e s tagnado, na sua imensa ampl idão, como um vas to pântano;os municípios, sombras da mais cordial e ütilmente popular das insti-tuições, sem raízes no solo, sem autonomia, pedintes abismados numaexistência vegetativa, estéril, perpètuamente subalterna; as provínciassugadas pela centralização até à medula, famintas, esfarrapadas, umasarrastando a braga de empenhos crescentes e insolúveis, outras em esta-do real de bancarrota; um governo lição viva de todas as corruções;a casa dos padres conscritos feita a grande escola pública da corte-( 1 ) T Á C I T O : A n n n l . , 1 I , I V .( 2 ) U m a £ ô l h a d a m a l a a l t a n o m e a d a , s e m f i l i a ç ã o a - n e n h u m d o s n o s s o s -p a r t i d o s p o l í t i c o s , a d e r e n t e üt m o n a r q u i a , e   O r s f i o d o c o m é r c i o , d a l a v o n r ae d a f n d Ú N t r in , p r o n u n c i a v a - s e h á p o u c o a s s i m : " E n t r e n ó s , o n d e t a n t o e ef a l a e m l i b e r d a d e ,  «O há d e  tato  t i m p o d e r , o d o c h e f e d o c o l i d o .  G r a ç a s &i n t e r p r e t a ç ã o d a d a a c e r t a a d i s p o s i ç õ e s c o n s t i t u c i o n a i s e & c o n d e s c e n d ê n c i ae  f r a q u e z a d e s e u s c o n s e l h e i r o s ,  hü  n ü o  faz  a q u i l o q u e n f i » l h e a p r a s * o u q n « it e n d o c m m e n t e , n ü o é a d i v i n h a d o p e l o s s e n t i m i n i s t r o s . " G l o b o , n . ° 1 7 , d a17   d e j a n e i r o d e  1877 ,  a r t , . e d i t o r i a l .

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    sania imperialista; a Câmara dos Deputados aviltada, graças às suaspróprias obras, até às vaias das galerias; os gabinetes, serventuáriosservis de el-rei, sem solidariedade nenhuma, nem a de honra; as assem-bléias provinciais decaídas, mediocrizadas, nulif icadas; a magistratura,atirada fora a toga da justiça, a ostentar deslavadamente o escândalodas mais delirantes e indecentes paixões de partido; o executivo dissi-pando, t r ans ig indo, contra indo enca rgos públ icos , sem autor izaçãoorçamentá r ia ; os minis t ros da Fazenda acumulando montanhas dedívida ; a voragem do  dejicit  a escancarar de dia em dia um sorvedourocapaz de tragar dentro em pouco a nossa receita total; a quebra da fénacional aconselhada nos relatórios das secretarias de estado comoinocente recurso de f inanças; a falência do estado prevista, receada,talvez iminente como um traço terr ivelmente negro .no horizonte; alavoura em profunda e mortal caquexia; o comércio e a indústr ia ,sob a pressão de impostos irracionais, condenados ao mais lastimosoraquitismo; a irresponsabilidade absoluta do poder em todos os grausda h ie ra rquia ; a ment i r a nas urnas , nas depurações pa r lamenta res ,nessas l i sonja r ia s mútuas da pragmát ica anua l ent re o t rono e alegislatura, nos melhoramentos oficiais, no orçamento; a instruçãoipública uma cousa ainda por criar , uma ridícula mesquinharia nega-ceada às classes carecentes, aleijada, impura, envenenada pelo patro-nato, inacessível à maioria dos contr ibuintes; do sistema represen-tativo ludibriados até os últimos simulacros no ato soberanamente di-tatorial da coroa que aferrolhou por dezessete meses as portas daassembléia geral, e 'não se sabe porque não lhes afixou logo os escritosde a luguer ; de quando em quando um ca rá te r de e s tadis ta enlameadoe perdido; um nome lustroso para cada baixeza; as convicções levadasa r iso, o ceticismo cínico aplaudido; a desconfiança, a inveja, 'a ganaàs reputações sãs, todos os instintos malévolos da servidão curtida sub-se rvientemente ; tudo func ionár ios ou pre tendentes , se rv i l i smo e vena-lidade, índigência e luxo, mêdo à liberdade e anarquia, af ilhadagem edilapidação, desprezo impertérr ito da lei e farisaica idolatr ia das•conveniências pessoais, docilidade ao arbítr io oficial e insubordinação,:ao dever, um aparato de jactanciosa dignidade e uma pusilânime abdi-cação do direito, falsif icação sistemática das instituições e culto miste-r iosamente respeitoso à impertinência da papelada administrativa, co-va rdia unive r sa l pe rante a ve rdade e contubérnio f amil ia r com a h ipo-crisia sob tôdas as formas; af inal, um rei indiferente ao dilúvionos seus dias ou nos de sua mais vizinha progenie, déspota como Car-los X e Napoleão I I I , e , an te a Europa , va idosamente d is fa rçado noincógnito de cheíe constitucional, de humor cosmopolita , homem detodos os climas, frenèticamente viajador, insaciàvelmente sôfrego' deéuriosidades, poliglota apaixonado, especialista em tôdas as especia-lidades, em tôdas as ciências de especulação e em tôdas ais ciências

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    de indução, em todas as artes do ideal puro e em tôdas as artes doprogresso material, em tôdas as profissões liberais e em tôdas as pro-fissões industr iais, nos segredos mais mimosos da literatura e nosmais ásperos segredos da crítica histórica, nas maravilhas mais colos-sais e nas miudezas mais microscópicas da observação humana, argüi-dor de todos os sábios, decifrador de monumentos pré-históricos, e , poruma veia característica, escrevedor de versos, — de quem, acaso, poraí, quando não restar deles mais do que a notícia, alguma idade fu-tura, como daquele outro, menos douto, mas não menos caprichoso, etambém coroado artista , descuidadarnente dirá: Poetou, sinal de queas boas letras não lhe eram de todo estranhas.   Et aliquando, carminibuspangendis, inesse sibi clcmenta doctrincu ostendebat.  (3)Enquanto el-rei, como os exploradores célebres, ilustra-se espe-culando Várias gentes e leis e várias man has  ( 4 ) ,aqui, sobre essa superfície aparentemente glacial, onde toda a ativi-dade pública reduz-se ao tráfico judaico do poder, umas poucas degrandes questões políticas e sociais elevam sombriamente suas largascrateras inflamadas. A onipotência imperial, presumida como todosos a quem Deus quer perder, manda pelos porta-pastas rebocar de vezem quando, com as pseudo-reformas que ela sabe, os respiradouroslaterais, de onde se ouve mais perto o arfa r dos pulmões pop ulares, e . . .crê haver dado conta da mão,   Cui tanta deo permissa potestas?  ( 5 )Entretanto, o chão continua a vulcanizar-se, e o vulto dêsses enormesproblemas a carregar de dia em dia mais o sobrecenho. até que se abramàs grand es necessidades, às grandes funções nacionais seu de rivativonatural, ou até que a lava da corrução assole a terra, e dif iculte oplantio da semente, agora fácil Tôdas essas calamidades são, e serãodevidas à influência inconstitucional de uma individualidade usurpa-dora, empossada no centro da rêde administrativa, como formidávelaracnide no centro da teia insidiosamente destruidora. Quem tiverfe : to sua educação política nas praxes, nas teorias, na história , nasvidas ilustres das grandes personalidades parlamentares da maravi-lhosa Inglaterra; quem nos exemplos da velha mãe do sistema repre-sentativo estudar a veemência, a rudeza, o desabrimento, com que,tanto na alta imprensa, como em ambas as câmaras legislativas, a indig-nação britânica tem flagelado os atos, a pessoa, os vícios indivi-duais, os defeitos íntimos do monarca, sempre que a ingerência par-ticular do dinasta reinante transpõe a órbita legal, — há de reconhe-cer que, em circunstâncias como as nossas, ante a ação contínua, obce-cada, todo-po derosa e fatal das invasões reais «na admin istração e no

    ( 3 ) T Á C I T O ,  A n n n l . .  1 . X I I I , I I I .( 4 ) C A M Õ E S , L a s t í i í i . , V I . L I V< 5 ) V I R G Í L I O , i E n e l d . , DC , 9 7 .

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    — 8 —governo, a franqueza implacável da verdade para com a realeza desnor-teada é o único preito de lealdade conveniente às almas ho nrada s e pa-t r ió t icas . Lembra -nos então sempre o gr i to de Kent ao re i Lea r :

    What ivilt thou do, old manfThink'st thou ihat duty shall have dread to spcakWhen power to jlattery bow s? Io plainness honour^s bo undWhen majesiy stoops to folly.  6 )Esp íritos háj, alguns refletidos e idôneos, outros seguidores datoada, a cujos olhos essa impassibilidade habitual, essa crônica atoniada população é uma declinatória grave contra as aspirações reformistas»Êr ro , em nosso entender Sob o  país legal,  que nos oprime, está anação. Nesta o torpor que a paralisa, não é a gangrena senil da Romacesá rea ; é a iné rc ia de uma juveni l idade v igorosa , mas t r ans i tor iamenteabatida, um período passageiro de prostração na existência de umpovo yivedouro e possante, que, após uma estação de altas vir tudescívicas, viu, numa decadência vertiginosamente acelerada, prostituí-rem-se programas, partidos, homens, tudo, e , burlado de decepção emdecepção, desiludido por uma longamente acerba experiência, costu-mou-se a descrer absolutamente do seu tempo„ Mas tôdas as energiasvitais subsistem nesse organismo, tôdas as potências da reação vivi-f icadora. Falta apenas o motor, que as desperte, isto é: a restauraçãoda verdade no regírnen constitucional, a fundação sincera cia liberdademediante leis sérias, a descentralização amplíssima, radical, as reformaspopulares, , Por aí — não pelos meios artif iciais e contraproducentesdo imposto ou da proteção governativa — é que se criará o nervo danossa futura grandeza, e abrir-se-ão as fontes reais da prosperidadenacional: o trabalho, a iniciativa privada, a associação, a imigração.Erga tenazmente essa bandeira meia dúzia de homens de fé, e opaís estará com eles, . Essa opinião pública, que o próprio de Maistrereconhecia como rainha do mundo, lembrar-se-á então de que tambémo é  de jure  no Brasil, e buscará sê-lo  de jacto.  Os que desconhecem aexistência dela neste país, não ponderam que essa força, muitas vezeslatente em estado vir tual no seio dos povos, carece, pelo menos, umimpulso determinante e uma direção vir il , para externar-se, e atuarene rgicamente . Algumas coragens a Hampden ou 0 'Conne l l , homensde bem e de ação, incapazes de ceder a brecha da resistência legal; al-gumas a lmas a Wilbe r force , r e l ig iosamente c rentes no fu turo da idé ia ;alguma vontade intrépida, laboriosa, organizadora, um Cobden ouBright; — e, em tôrno dêsse núcleo, tereis, com árdua lida, mas pode-se quase predizer que com certeza, os elementos para a agitação pacíf i-ca, para uma dessas máquinas gigantescas de propaganda, a que a Grã-

    0 5 ) S H A K E S P E A R E ; K l n s r í - e a r , a , l , c. I , 1 4 8 - 1 6 1 .

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    Bre tan h a d ev e as su as mai s h e ró icas re fo rmas , e q u e l á , q u an to mai saq u i , t êm s id o es sen c ia i s à p o p u la r i zação d es ses g ran d es p r in c íp io sc iv i l i zad o res . Se n in g u ém en sa io u -n u n ca en t re n ó s ês se t en tame, co mq u e b ases rea i s lh e n eg am a ex eq ü ih i l id ad e ?  Será q u e n o s fa l t em, p a r acentro  d e ação , ca rac te res d es sa t emp era? Não n o c remo s ; p o rq u e oq u e s e q u er aq u i n ão é n en h u m g ên io , n en h u ma d es sas in t e l ig ên c iasp ro d ig io sam en te o r ig in a i s , ap ó s ' cu ja ap ar i ção d escan sa às v êzes s é -cu lo s fa t ig ad a a n a tu reza , mas p a t r io t as v ig o ro so s , s em mêd o e s emman ch a , q u e es t a é co n d ição d ec i s iv a d a au to r id ad e m o ra l so b re op o v o , co m a p ercep ção p rá t i ca d o s d esco n ten tamen to s n ac io n a i s , aimp av id ez d a v erd ad e , a feb re d o b em  e  a in fa t ig ab i l id ad e ren ascen ted a in d ig n ação co n t ra o s ab u so s p r iv i l eg iad o s ,

    the unconqxierable willPVith courage never to submit or yeldAnd what is else never to be overcome  ( 7 ) ,

    — u m d es ses h o men s d e co mb ate , q u e a o cas ião su sc i t a , e a in tu içãop o p u la r in s t in t iv amen te d i s c r imin a . Qu an to à l ib e rd ad e d e cu l to s , emp ar t i cu la r , é t emp o , mai s q u e t emp o , d e  agitar,  neste país , agi tar  bri-tânicamente,  com a audá cia, a at iv id ade in tel ige nte e a d iscip l in ad e q u e t an tas rev o lu çõ es in c ru en tas d a p a lav ra n aq u e la n o b re t e r ran o s d ão o ex emp lo , Es sa p ro p ag an d a n ão s e rá fe r id a co m a mald içãod a es t e r i l id ad e . Aco imem-n o s emb o ra d e v i s io n ár io . Nin g u ém a in d ap ren u n c io u , o u p ro mo v eu , a ex t in ção d o mal n es t e mu n d o , q u e n ãoreceb es se a mesma t ach a . Mu i to à b o amen te d e ix amo s ao s p a t ro n o s ,c r i a tu ras e co n v iv en tes d a imo ra l id ad e in v e te rad a , a h o n ra d e  práti-co s  n es sa p o l í t i ca t rad ic io n a l d e co mp ad resco s e ó d io s , cu jo s ú n ico sf ru to s c i f ram-se n a ru ín a d o s i s t ema rep resen ta t iv o e n o v ic i amen tod a ed u cação p o p u la r .Mas es sa p o l í t i ca es t á p o r p o u co : v a i j á en t ran d o n a cad u q u ez .Sen te -s e n a a tmo s fe ra u ma p res são , q u e n ão é n ad a n o rmal O b arô -met ro t em mo v imen to s ex t rao rd in ár io s : h á s in a i s d e a l t e ração d otemp o , q u e n ão s ão t a lv ez p ara mu i to lo n g e , n em d e mu i to b o m ag o u rop ara o s ú l t imo s d ias d ês ses s en h o res . Po r o ra

    O vento dorme, o mar e as ondas jazem; (8)mas, especialmente em polí t ica, o oceano é insid ioso, os sopros do ho-rizonte versáteis , e essas calmaria? podres , como a atual , são quasesempre incubaçÕes de tormentas , cm que pi lo tos mais hábeis do que osn o s so s , u n s Gu izo t s , u n s Th ie rs , u n s Nap o leõ es I I I t êm d ad o co m a

    ( 7 ) M I L T O N : r n r n < 1 . I o « t ,( 8 ) C A M Õ E S : L u « í n d . , I I , C X .

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    — 10nau à costa. E tão certa é esta previsão, tão certo estarmos numa épo-ca de transição, e haver, já perceptível, na alma opressa, mas nãoanimalizada, nem poluta, do povo, sêde ardente de idéias, de regene-ração, de verdade, que os nossos estadistas de probidade e previdênciaantevêem apreensivos os perigos de uma próxima assunção aopoder; porque o partido a quem toque essa melindrosa herança, vaiachar-se diante de um dilema inevitável e decisivo: ou reformar pro-fundamente na direção progressista , ou dissolver-se irremissivelmenteno desc rédi to ge ra lMas, de tôdas as questões emergentes, nenhuma iguala em alcance(porque é simultânearnente política e social) , nenhuma sobreleva emurgência à religiosa. Há, nesta nossa terra tão fértil de originalidades,entre inculcados estadistas, quem assegure que a questão clerical é umabalela, que a poeira pelo próprio pêso há de aplacar-se, e que havemosde tornar com  os padres  à convivência desleixadamente camaradescade outrora. Sabedorias do Brasil porque, em tôdas as regiões cultasde um e outro hemisfério, não há hoje um homem de estado capazdesse paradoxo,. Todos a uma têm-se enunciado com força em sentidodiametra lmente oposto , Nenhum, fora daqui , ignora que a igre japontif ícia de hoje é uma organização universal, uma ambição universal,um plano universal. As evoluções da sua tática na França, na Bélgica,tia Alemanha, na Helvécia, na I tália , na Espanha, hão de reproduzir-se, e estão se reproduzindo já , segundo a mesma estratégia, na América,no Bras i l . Suceda embora S imeoni a Antone l l i ; ba ixe P io IX à te r ra :as feições do papado serão sempre idênticamente as de agora, cada vezmais acentuadas; porque, de uma parte, o espír ito dêle, f ilho de umagestação multissecular , encarnado na mais maravilhosamente sábia dascentralizações, e vinculado aos interesses de uma casta inumerável,não es tá nas mãos de nenhum homem transformá- lo ; de outra , a v idagalvânica dessa instituição, interiorme nte decom posta pelos vícios deque se nutre, tem o seu segredo na audácia reatora, que lhe constituícaracteristicamente o tipo, "O papado vai seguindo o seu caminho.Vingou há séculos o propósito a que armava. Agora mais fácil é pere-ce r que re t rog radar . " (9)

    Os nossos oráculos estão, porém, habituados a enfiar de quinauso bom senso,. Dão lições ao mundo todo esses pasmosos homens deestado. Anchos de uma perspicácia excepcional, com a presunção deuma vista mais longa e segura que o sentimento geral da humanidade,trazem, pelo contrário, o olhar continuamente f ito para as costas, eprogridem  para trás, como por uma irr isão providencial, análog a naironia à punição infligida nos  bolges  do inferno dantesco aos apro-ve i tadores da c redul idade h uman a :< 9 ) G U J E T T É E : L a p a p i m t é s c h l s m a t l q u c u P a r l a , 1 8 7 4 , p á g \ V I , .

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    — 11 —Mira, c'ha fatto petto delle spalle:Perchè volle vcder troppo davanie,Dirictro guarda, e fa ritroso calle,  (10)

    Pouco mais de um mês faz que o coitado de um referendatárioimperial, tão an ti parlam entar quão impiedosa mente imolado peloscolegas, dava por morta e sepultada, no Brasil, a questão religiosa,reivindicando por suas as glórias de debelador do monstro. Nuncahouve basófia mais quixotesca. S. Ex." obrara êsse prodígio sem umasó alteração legislativa:jeito nunca feito (11)

    Por mais uma singularidade, todavia, o gabinete, mediante o seu órgãoprincipal, disputando ao demissionário as honras da cooperação notr iunfo, fêz jus singelamente ao seu lugar na sátira de Cervantes.O que é, porém, sobre tôdas as cousas notável, é a mudez intencio-nal do recente discurso da coroa, Uma questão que tem turvado conti-nuamente ao govêrno a bem-aventurança do poder , e onde o   statu quoprimitivo aí jaz até hoje visível, palpável, tempestuoso; a questão quemais intensa e duradoura comoção tem causado à opinião públicaneste país, e cuj a existência é, aos olhos da nação tôda, eviden te c omoo sol meridiano; essa questão cardeal, absorvente, suprema, foi calcula-damente sonegada ao parlamento. Cuidavam havê-la assim estrangu-lado, amortalhado, sumido clandestinamente, como malfeitores nas tre-vas, Pobre e liliputiana gente Com que suavidade em endam a mão àProv idên cia Com um rasgo de pena desviam o curso aos aconteci-mentos, e secam o leito à história . Eram capazes de mudar o álveo aoAmazonas por decreto.. Mas o crime dessa eliminação ob e subreptíciafico u; o fato é virgem nos anais do sistema parl ame ntar ; e essafraude solene, perpetrada contra a nação, desonra a fala do trono.Se a originária concepção da burla pertence efetivamente aos conse-lhos da regência imperial, ou se em realidade é mais uma dívida nossaà soberania itinerante, que, de cima do seu jumento no Cairo, de aopé dos haréns de Moura d V ou de sob as gruta s ciclópeas do torrãolegendário de Homero, nos vai feitoriando telegráficamente, graçasà agência Hava s e às de satadas algibeiras da   mísera plebe tributária,dificultoso seria liquidar. Não poderíamos individuar positivamentequis deus in fraudem egit  Ent retan to, o estigma recai diretam entesobre a deposi tá r ia a tua l do poder moderador ; é ma is uma responsa -bilidade que a sereníssima princesa toma aos ombros para a sua játão mal agourada e cada vez mais problemática sucessão.

    ( 1 0 ) D A N T E :  Interno, XX, 37-9.( 1 1 ) C A M Õ E S :  Luataã.,  V I I I , X X X .

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    12 —Outro fato característico do tempo é a visita de Suas Majestadesa-o Vaticano, o humilharem-se não só até o sólio do pontíf ice descoroa-do, como até o gabinete do secretário papal. A Europa soube peloTimes  que o chefe do estado no Brasil prost rara-se aos pés da sediçãoelerical, personif icada no autor das famosas encícÜcas congratulató-r ias à anarquizadora insurreição dos bispos que deram neste país orebate da campanha ultramontana contra as instituições liberais dacarta de 25 de março, Houve palavras afetuosas de concórdia. PioIX sorriu-se, abençoou, anuiu paternalmente, mas invocando sempreà boca cheia os princípios  inalteráveis  da igreja. E' deste feitio o

    evangelho da aliança ultramontana: — Vinde a mim, párvulos, chefesdos estados da terra; trago-vos a oliveira da paz; mas eu sou a   imu-tabilidade  eterna; vós sois o contingente, o variável, o efêmero,. Emmim personif ica-se a divindade, que não transige; meus direitos sãoirrennnciáveis; dêles não me é lícito ceder uma linha, porque são in-tangíveis e sacrossantos: vós, que sois a criatura e o barro, é que haveisde cercear, amolgar, resignar as vossas pretensões, até ajustadas har-mônicamente à nossa inalterabilidade celeste. E estará celebrada a con-ciliação conforme o Senhor ,  — Eis a linguagem da Santa Sé com os au-gustos viajantes, a sua eterna linguagem: entre exortações, preces elágrimas de paz, a desafiadora glorif icação da pertinácia papal; entrefrases de materna interêsse pelo cong raçamen to das almas, a jactá n-cia incitadora da guerra. É o seu vêzo histórico:Pacem orare manu, pr&figere puppibus arma..   (12)

    Não há outro tipo exeqüível de concordatas. A questão, portanto, aíestá, incólume, imperiosa, minaz, e ainda mais assinaladamente agoracom êsse ato de irr itada soberania e fulminante desprêzo, com quePio IX proibiu ao seu secretário de estado a retr ibuição da visitaimperial, e mandou notif icar especialmente a Sua Majestade a preme-ditação da afronta irrogada. (13)Ora, a respeito dela a nossa literatura — salva a propaganda, bri-lhante, infatigável, admirável, heróica, mas solitár ia , de   Ganganelli  — éainda paupérrima, para bem dizer , nula, No sentido liberal, principal-mente, a escassez é ainda mais deplorável Até agora não possuímosum trabalho metódico, amplo, que irradie luz sôbre tôda a esfera da( 1 2 ) V T R G f l í l O :  J B i i c i d , ,  X, 80 ,( 1 8 ) " O n a s s u r e q u e l e s o u v e r a i n p o n t i f c s " a s t m o n t r ê I n d l g n é o t n « l é -f e n c h i a ü c a r d i n a l S J m É o n i t le r e s t i t u e r s a v i s i t e & d o n P e d r o , c n l u i o r d o n -n a n t d e  « 'n rr an s cr de f a n < n ie 1 ' em i i ere ur eüt l i i en que e V t n i t p ; i r orc l re l i eS a S a i n t e t é q u e l e s e e r ê t n i r e d ' Ê t a t n e t l l N i i c n n i i i t d e l e v o l r . " U n l v c r » , d e í íd e m a r ç o d e   1877 .  S a b e - s e b e m q u e  a  g a z e t a d e V e u i i l o t . c o m o  a C l v l l t üC n t t o ü c H ,  é  ó r g ã o a u t ô n t i c o d o p a p a ,S O b r e a I n f l u e n c i a e a a u t o r i d a d e s u p r e m a d ê s s e c o t í f e » d o s e s p e c u l a -d o r e s i n f a l i b l l i s t a s n o s e i o d a f a c ç ã o n e o - u l t r a m o n t a n a , v e r o o p ú s c u l o d oM I C H A U D ,  G u l g n o l c t la r é v o l u t l o n d a n s r é g l l n e r o m a l n e ,  Pa r i s , 1 S7 2 -

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    — 13 —questão Sem presunção ; sem nenhuma conf iança a não se r no ma isárduo , aprofun dado e consciencioso estudo, exercido muitas vezes emmananciais até agora talvez inteiramente inexplorados entre nós; semnenhuma ambição mais que a de servir modestamente nossa pátr ia ,concorrendo com alguns materiais irrefugáveis para a instauração daliberdade religiosa, — pareceu-nos meter mãos à tentativa.

    Empenh ado nesse in tu i to , nenhum prepara tór io se nos podia de -parar tão essencialmente adequado a servir-nos de base e ponto departida como o livro de  Janus,  Devido, sob êsse pseudôn imo, à cola-boração magistral de sábios alemães da autoridade mais culminante nacatolicidade contemporânea, o escrito  Der Papst und das Concil  é omais notável produto e o mais expressivo sintoma do renascimentocristão no século XIX . Sóbrio na fra se, como os tratados cientí-f icos da meditadora Germânia; severo, mas não árido, e nervoso noestilo; conc'so, sólido e irrepreensivelmente f iel nos fatos; lúcido,incisivo e f irme nas deduções, o trabalho dêsses ilustres mestres,bebido imediatamente nas próprias fontes, nos monumentos originais,nos códices inéditos das bibliotecas, e cimentado por uma crítica semfalha, é um desses livros lapidares, de perene tempestividade, que asgerações vão~se transmitindo respeitosamente, e permanecem, com-pondo o cabedal clássico das lucubrações intelectuais da espécie hu-mana. A Europa olhou-o como o manifesto do catolicismo liberal;governos dêsse continente houve, que o f izeram traduzir , outros que odistr ibuíram gratuitamentè entre o clero; todos os idiomas cultos, sal-vo ta lvez unicamente o por tuguês , ve rnacuKzaram-no; e o je sui t i smopôs a preço a sua refutação,,"Libelo infame"  chamou-o Ro ma por bôea do seu cardeal Ma n-ning, Mas  Janus  honra - se da a f ronta u l t r amontana .  Infame,  sim, como

    o Cristo na  :c ruz ; porque  Janus  é a verdad e viva da história dospapas. Sozinho no seu gênero, é o primeiro livro que exibe num qua-dro científ ico e completo o desenvolvimento da infalibilidade papaldesde a sua germinação inicial no século IX até às vésperas da suacoroação em 1870. Vê-se ali, com a clareza do meio-dia, como dessasuperposição milenária de vícios, abusos e crimes; das abdicaçõesparciais e sucessivas, rara vez voluntárias, quase sempre coactas, dahierarquia episcopal; das mercês, ora supositícias, ora reais, mas sem-pre corrutoras, do braço secular; de criações adventícias, arbitrárias,anticristãs e compressivas, como a dos legados, a cúria, a inquisição;de abjeções e atentados, como a simonia, os interditos, as reservas;de um sistema de falsif icações empregado infatigàvelmente sobre assantas escrituras, a patr ística, as coleções canônicas, os atos sino-dais, a liturgia, a história imperial, surgiu e formou-se essa idolatr iada infalibilidade pontif ícia, que entre a igreja romana e o Cristo inter-pôs todo o abismo invencível do evangelho. Os decretos do pseudocon-

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    — 14 —cílio vaticanense não alteraram, pois, a êsse livro a   atualidade,  que, an-tes, é cada dia mais sensível. Em relação ao nosso intento   Janus  tem avantagem de não ser uma obra teológica: de teologia reza apenas, co-mo qualquer historiador em caso análogo, quanto baste para dilucidar anarrativa. O caráter substancial do livro é a demonstração r igorosa-mente histórica da natureza íntima e exclusivamente política do papado.Já por aí a seita do pontíf ice-rei f icava estr itamente classif icada nasua índole, nos seus desígnios, na sua ação social; f icava evidente-mente demonstrado que o romanismo não é uma re l ig ião mas umapolítica, e a mais viciosa, a mais sem escrúpulos, a mais funesta detôdas as políticas.Pondo, entretanto, mais longe a mira, e aspirando a estabelecermetòdicamente, perante os nossos conterrâneos, geralmente alheiosa êsses estudos, as idéias modernas, cr istãs sobre as relações entre oscultos e o estado, e indicar os preservativos liberais contra o clerica-l i smo, force jamos por desempenhar -nos dessa ta re fa numa in t rodu-ção. Aí, esboçadas rapidamente as incursões do primado pontif ícionas igrejas nacionais, suas usurpações no seio dos estados e os des-mentimentos reiterados e peremptórios da catolicidade ás presunçõesinfalibilistas da tiara; evidenciada a identidade absoluta entre a idéiade infalibilidade e a de onipotência na jurisdição do céu e na date r ra ; d issecada nuamente a ignorânc ia pa lmar dos que reputam facul-tativa aos católicos romanistas a adesão ao   Syllabus;  provada a in-compatibilid ade f ilosófica e pratica mente inconciliável entre êsseabominável símbolo da papolatr ia e qualquer constituição hodierna,especif icadamente a nossa; — assentadas tôdas essas premissas impres-cindíveis às n ossas conclusões, ventilamos a quest ão em tôdas as- apli-cações ao Brasil, desenhando as instituições que, a nosso ver, consti-tuem a solução natural e definitiva do problema. Opugnando o alvitreinepto das concordatas, o hibridismo impotente das legislações rega-listas, a inominada política da relaxação, que é isso que aí vai entrenós, expusemos a sobreexcelência da emancipação religiosa pelo prin-cípio da  igreja livre no estado livre,  sua oportunidade, sua eficáciadecisiva e sem sucedâneos.

    Nenhuma das reformas que delineamos é concepção nossa, Tôdastêm por si as preferências dos mais venerandos publicistas è a expe-riência inteligente de estadistas decanos; tôdas são já direito consti-tuído nalguma ou em muitas dentre as nações exemplares do conti-nente europeu e do nosso. Nossas esperanças de vê-las, e não longe,implantadas no Brasil, não são, portanto, aéreas.Estamos, é verdade, habituados a ver , em certas alturas privile-giadas, encapar, decantar , adorar tôdas as lepras da nossa política,desde os conchavos clandestinos até as revelações impudicas da vena-lidade caloteada, desde as profissões de fé repetidamente pérfidas

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    15 —até as apostasias convictas, desde a ganância nua até a domesticidadeservil; a ver santif icar a violação dos direitos mais invioláveis, doirare amar tôdas as nossas deformidades legislativas, desconceituar ouprocrastinar ilimitadamente as mais instantes reformas com a simu-lação de reformas premeditadamente agravadoras do mal, ou coma dilatória de  hábeis  falsidades.

    Wxíh lies ivcll steeVd with weighty arguments,  (14)que já não embaúcam mais o país pensante, mas em todo o caso pro-porcionam à f iííjíra de certos estadistas o gosto de salvar o relance,ainda que seja à custa de alguma indignidade notória, Mas esta de-testável ar te de mentir e prostituir não há de reinar eternamente. Nemsemp re, nem muito tem po mais os Mefistófeles hão de farsantea re r ir . As cãs já lhes vão branqueaudo não pouco, e a descendênciadessa velhice viciosa há de encontrar cheja a medida, necessariamenterestr ita , da paciência nacional. Os pigmeus de farda hão cie passar ,e esquecer; os partidos hão de moralizar-se, ou recompor-se; as di-nastias retrógradas hão de ceder, ou perecer; a liberdade tr iunfarápela democracia; e os cultos serão independentes no âmbito livre doestado. Essa aspiração conveiter-se-á, provavelmente mais breve doque os corrutores cio país calculam, numa firme, fecunda, abençoadarealidade, e isso tanto menos violentamente hoje, quanto não há dehaver mais, por êstes tempos, rei com aquelas disposições do f ilhode Carlos V, o demônio tutelar da servidão religiosa, o anjo negroda fé exterminadora, o beato de   punhal ao pé do sorriso:  ( 1 5 )  "Per-der ê iodos mis estados, y cien vidas que tuviesse, porque io no pensoni quiero ser seíior de herejes "   (16)

    Dem ais : p do própr io u l t r amontanismo que f iamos, em pa r te , a ce r -teza dessa conquista liberal. A má vontade oficial e a letargia popularnão são obstáculos que lhe resistam. A tolerância só não é esgotávelnos idiotas; e nesse diagnóstico aviltante o país ainda não incorreu.Se de todo em todo, pois, ainda se lhe não embotou a sensibilidademoral, deixai fazer o papado: suas provocações estimularão a f ibradormente , mas não mor ta , do povo, Nossos br ios são morosos ; masas petulâncias rofnan as são violentas, as ambições dessa seita cé-tica (17) impacientes, e as correrias do  césaro-papismo,  aqui, no do-

    < 1 4) S H A K E S P E A R E : K l u p r I H e h n r d I I I , a . I , c . i , 1 -1 8.( 1 5 ) " S u r i s a y e u c h í l l a e r a n c o n f i n e s " , C A B R E R A ,   F i l i p e  S c ^ , , H b ,V i r , c . 2 2 .  A p u d  P R E S C O T T ,  T h e h l s t . o £ P l t l t f p p t h e S e c . , 1 .  I V , c a p . V I I .( 1 6 )  C o r r e s i H i n r t n n e e d e F M l l p t i c I I ,  to m . I , p d g 4 4 6 .  A p u d  P R E S C O T T ,o p .  c l t „ L I I , c a p . X I . E * a m e s m a d e v o ç & o s a n g u i n á r i a d e M a r i a T u d o r :  " Ii v o u l r t r a t h e r t o o n e t e n c r o w i m ,   t h a n p l a c e m y s o u l I n p e r l l , " B U R N E T :I I Í M t o r y o f t h e I L e f o r m n t l o n ,  O x fo rd , 1 8 1 6 , v o l , X I , p a r t . I I , p d g , 5 5 7 ,( 1 7 )  " A s i t u a ç ã o a t u a l d a i g r e j a r o m a n i s t a t r a í p o r t ô d a a p a r t e  oninlH   c o m p l e t o  c e t l c i K m o . "  M I C H A U D :  C o m r a e n t P Ê ^ l l s e r o m a l n c n '« s stI>lua 1'^KHHC   c n í l i o l i r ç u e .  P a r i s ,  1 8 7 2  P á g .  1C

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    — 16minio leigo, serão tanto mais precipitada e crescentemente audazes,quanto , segundo P io IX,  "a América é a verdadeira pátria e a sedezindoura da igreja e seu poder".  (18) D esta r te a in to le rância u l t r a -montana  bem merecerá  de nós, como promotora eficaz da liberdadereligiosa, tanto quanto do regímen republicano as dinastias liber-ticidas,Êste nosso obscuro serviço à grande causa f icará necessariamentemuito aquém do nosso instituto e da energia da nossa vontade. Mas aconsciência descansar-nos-á tranqüila, e o suor das nossas vigíliases ta rá compensado, se houvermos coadjuvado com a conquis ta de ummilímetro de terreno, que seja, o adiantamento da idéia. Nessa fé nosdesvanecemos, talvez temerária, mas não vaidosamente, de repousar,por mais humilde que seja o valor dêste esfo rço, — recordando-nos,.com o apóstolo, de que não há, neste mundo, nada sem seu eco:Nihil sitie voce est. ( Í9)

    Rio de Janeiro, 20 de abril de 1877,

    ( 1 8 ) M I C H A U D : £ s * n de n t r a t f e l q n e c o n t r e R o r o e . P a r i s , 1 87 G " P á s , 6 2, .( 1 9 ) P A U L , C o r . , X I V , 1 0 .

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    I N T R O D U Ç Ã O D O T R A D U T O RN i l o h á q u e s t ã o t í i o m e l i n d r o s a o i n t r i n c a -d a c o m o e s t a d a s r e l a ç õ e s q u e e x i s t e m e n t r ea I g r e j a e o E s t a d o N e l a m i o s e p o d e t o c a rs e m q u e a o m e s m o t e m p o s e r e s s i n t a m t 0 ~d a s a s f i b r a s d o c o r p o s o c i a lP R . V I T A L : O b i s p o d e O l i n d a n o t r i b u n a ld o b o m s e n s o . . — 3 ." p a r t e . — Pá s 8 .'

    Maior que toclos os problemas dêste século, a questão   religiosa,de que nada sabíamos ainda há pouco senão pelo eco das suas agita-ções noutros países, começa agora, no Brasil, a ocupar com certointeresse os ânimos, na limitadíssima fração desta sociedade que lêe reflete em cousas públicas.Infelizmente, porém, muito longe estão ainda os nossos estadistasde perceber o alcance do assunto e as vastas proporções da soluçãoque reclama. Afeitos à esterilidade de uma política perpetuadora deabusos e hostil às reform as sinceram ente libe rais; educados numapraxe governativa em que as transações têm por base o sacrif ício dosgrandes interesses comuns a influências privadas; descrentes, por umsentimento que a tradição histórica e a experiência pessoal maisou menos explicam em todos êles, da possibilidade de qualquer mo-vimento nacional num país onde a pública opinião não tem energia,nem consciência de si, nem hábito de tomar contas ao poder ou aospartidos; alimentam ainda a esperança de obviar às dif iculdades daluta clerical com recursos de ocasião e providências administrativas.Não vai aqui censura a todos os nossos homens de estado, alguns dereconhecida probidade e altas vir tudes cívicas; porque é certo que asnoções fornecidas pela história , enquanto em exemplos de casa lhesnão palpamos a realidade, incapazes são de si sós, por via de regra, deimprimir a espír itos práticos impulso eficaz e decisivo. Apenas, semrec r imina r , menc ionamos o f a to ; porque essa mesma imprevidênc ia ,que a novidade da questão entre nós, até certo ponto, desculpa, há de,

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    18 —todavia, concorrer para complicá-la, deixando que o mal, primeiro quelhe percebam a energia, lance, e aprofunde raízes.Na questão a que o uso pôs nome de  questão religiosa  sucede,como em quase tôdas as disputações humanas, ser o título convencio-nado causa constante de equívocos e erros, ainda entre os entendimen-tos menos incultos. Como o pretexto, o elemento mais aparente, queé quase sempre a origem dos apelidos, não anuncia nesse problemasenão uma face, que está voltada exclusiva mente para o interi or ciaalma, pouca importância lhe dão, em geral, como homens de governo,os que detêm, ou aspiram o govêrno do país. Assim, a uns parece queessa questão, puramente moral, como a toada comum induz a crê-la ,no puro domínio das consciências, e em nenhuma alçada senão lá , temde receber solução cabal; enquanto outros cuidam que as idéias sobrea maneira de resolver um conflito, encoberto pela denominação vul-gar sob as feições de espir itual, nada importam à bandeira política dospartidos militantes. À primeira ordem pertencem os que ao govêrnolevam a mal envolver-se em questões entre bispos e f iéis; à segunda,os que com a f iliação à democracia liberal julgam compatível a profis-são públ ica de u l t r amontanismo: ê r ro profundo, c rasso , imperdoáve l ,tanto num como noutro caso,.Essa pre tendida ques tão  religiosa  é a mais essencialmente polí-tica de tôdas as questões. Nem lícito é aos governos transcurá-la, semdesconhecerem a principal razão que lhes justif ica a existência, istoé, .a função de manter os direitos individuais, sem, portanto, perde-rem o direito de ser governos; nem o Partido Liberal pode absoluta-mente, sem deixar de sê-lo, esquecer que o seu posto de honra é aluta infatigável, de vida e morte, contra a propaganda ultramontana..

    Que entre indivíduo e indivíduo, entre igreja e igreja, dispute-sef rancamente , na a tmosfe ra sonora da imprensa ou da t r ibuna , sôbrea encarnação de Deus, a Trindade, a existência de uma ou duas von-tades no Cristo, a vida futura, a instituição e a matéria dos sacra-mentos, a conceição de Maria, a preponderância do papa sôbre osconcíüos ou dos concílios sôbre o papa, os direitos da razão individual-na interpretação das escrituras e a impossibilidade de bem-aventu-rança etern a fora desta ou daquela confissão religio sa: fatos sãoesses estranhos ao estado, e , por conseguinte, aos que, para dir igi- lo,contendem pelo poder„ Mas o f icar o ingresso de um cidadão no par-lamen to depen dente de sua fé num a religião pos itiva ; o ter o interditode um bispo a força de colocar um mem bro útil da comu nhãosoc ia l ent re uma abjúração h ipócr i ta e o concubina to ; o f ica r umserviço, como o do registro civil, a cuja regularidade estão subordi-nados os direitos de família e sucessão, entregue a funcionários daigreja, que a autoridade secular não f iscalize; o ter , ou não-,-um clerosubsidiado pelo estado o direito legal de insurgir-se  oficialmente

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    19contra cie; o dar-se aos delegados permanentes de uma supremaciainfalível, cujo ensino dogmático rejeita as nossas instituições cons-titucionais, privilégio exclusivo de entrada nas escolas, de invasãoinsidiosa na alma das gerações nascentes; o estarem, ou não, os ecle-siásticos sujeitos à competência dos tr ibunais leigos; o permitir-se,ou não, aos órgãos de uma sociedade espir itual liberdade ampla, nãosó de professarem como doutrina, mas de imporem como dever, aintolerância civil; o saber se a dotação é jus do clero, ou instituiçãotemporal de conveniência pública, e , portanto, à mercê dessa conve-niência, revogável; o averiguar se a constituição é subalterna àsbulas, ou se o  placet  é cláusula 51 nc qua non  das vantagens  materiais•que à igreja adota da afian ça a proteção oficial; o ser , ou nã o,lícito à lei favorecer com a publicidade sem limites a um culto, e im-por a humilhação da clandestinidade aos mais; a eqüidade ou a injus-tiça de consentir-se que a excomunhão sacerdotal, com a sanção dopoder leigo, penetre inexorável até nos cemitérios públicos: tôdasessas controvérsias, como outras tantas semelhantes, entendem radi-calmente com as funções mais vitais do mundo leigo, e , portanto,com as atr ibuições mais imperiosas da autoridade política.Ora, é sobre êsses pontos exatamente que versa a  questão reli-giosa.Logo, nem ao governo é permitido cruzar os braços, nem os par-tidos nacionais têm o direito de   deixar jazer  o oráculo do Vaticano,e abrir alas à Roma papal.Bste o ponto de partida, a cujà luz entraremos no debate, paraelucidar, e reduzir às suas proporções justas as pretensões clericaisperante as invioláveis prerrogativas do estado e os direitos indestru-tíveis da liberdade individual

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    IT o n s v o s d é m m e h c s s o n t p o l i t i q i t e .s .

    P A S C A L —   P r o v i m - .  X V I I .

    Simples em si mesmo, se o consideramos em abst rato , o proble-ma das relações entre o estado e a igreja assume às vêzes, graças àt radição, às inst i tu ições pol í t icas, aos preconcei tos, à índole e aos há-bitos peculiares a cada povo, incalculável dificuldade. Daí, desseselementos advent ícios, que o tornam complexo, que lhe complicam aanál ise, — numerosas inexat idões de apreciação, in just iças freqüen-tes, ainda entre ânimos esclarecidos, quanto mais no vulgo. Incapaz dejulgar senão por sín teses, mas sín teses precipi tadas, incompletas,superficiais, a opinião públ ica, antes de alumiada pela quase sempredolorosa l ição da experiência, não vê ordinariamente nessas questõessenão certas exterioridades, mui to proeminentes, mas em geral aces-sórias. . Assim- que, or a desconhece a fi l iação dos efei tos às caus as;ora chega a ignorar a mesma existência delas; ora tem por aciden-tais as que são primordial origem de tôdas; ora o lha como funda-mentais as que não passam de t ransi tórios acidentes. Por i sto , dentrevozes bem intencionadas e pat rió t icas, presenceamos que umas con-centram a sua cólera nos bispos, aos quais acusam de violentos;outras, nas ordens rel ig iosas, a que tacham de fanat izadoras, e dese-jam ext in tas; outras, era mais crescido número, nos jesuí tas espe-cialmente, a que, por in imigos profissionais da l iberdade, queremexpulsos,.Em tôdas estas queixas há êrro e in just iça relat iva. Não que sepossa contestar a índole opressiva da hierarquia episcopal ; não quese devam deixar de tomar as ordens rel ig iosas como daninhas pro-pagadoras de superst ição; não que os jesuí tas possam evi tar a pechade perturbadores incorrig íveis da ordem const i tucional e i rreconci-l iáveis desprezadores da l iberdade humana, Tôdas estas acusações,

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    22até onde chegam, são verdadeiras; mas, porque chegam até ai só. enão vão além, são relativamente injustas e errôneas. Errôneas, por-que tomam a parte peio todo, o efeito pela causa; injustas, porqueexclusivamente a certas classes, a certas associações, a certos indiví-duos imputam a autoria de um mal, que não provém deles sós, eque a êles mesmos advém já de uma origem mais alta e mais vasta.O epíscopado, as comunid ades monástic as, os jesuítas nemvivem por si, nem em si encerram de modo tal o espír ito ultramontanoque, extirpados de um torrão, f ique extinto pela raiz o joio clerical. .Se o bispo é sistematicamente rebelde às instituições constitucionais,déspota com os seus súbditos na esfera religiosa, e , ao mesmo tempo,na esfera civil, insubordinado à lei, é que sob o tiranete há o servoda Roma pontif ícia, e a Roma pontif ícia teve sempre por lei escravi-zar as consciências ao clero e o poder temporal à igreja. Se os mongessão inoculadores de fanatismo, cleturpadores da moral cr istã , é quea história da influência papal no mundo, há muitos séculos, não ésenão a história do derramamento de um novo paganismo, tão cheiode superstições e impiedade como o mitológico, — de um paganismonovo, formado à custa da tradição evangélica, impudentemente falsi-f icada pelos romanistas. Se o jesuitismo é uma conspiração perma-nente contra a paz fundada na liberdade e nas instituições parlamen-tares, não é senão porque a igreja do papa infalível odeia as cons-tituições modernas, como incompatíveis com a dominação temporaldo clero; não é senão porque a liberdade que ela quer é a liberdadeabsoluta dela só, eliminados à força os cultos dissidentes, e reduzidoo poder secular a subalterno seu.

    Logo, prosc revam embora a ordem de Loiola , supr imam os f r a -des, inflijam aos bispos a deportação, há de haver sempre, contudo,um fa to , que nenhuma dessas providênc ias aniqui la rá , e que s ó ' po rsó basta para tornar muito duvidoso, muito insignif icante, pelo menos,o proveito de qualquer medida limitada como aquelas. 2sse fato é aorganização atual da igreja romana, a sua presença inevitável entrenós pelo clero, pela sua ação subterrânea e multíplice num povo, comoeste, cuja educação, cética nas classes mais ou menos cultas e supers-ticiosa nas inferiores, prende-o, parte pela mesma inércia da indi-ferença, parte pela irrefletida adesão da ignorância, aos pretensosdepositários do catolicismo..Para destruir esta conclusão nossa, mister será provarem-nosprimeiro que a igreja, pontif ícia tem cons ervado pu ro do contactodo século o seu caráter espir itual, . A realidade, porém, está na tesecontrária; porquanto a cúria romana em todos os tempos tem sidouma potência, apenas nominalmente religiosa, e sempre íntima, essen-cial e infatigàveimente política A religião, a autoridade moral nãoé, há muitos séculos, para o papado, outra cousa que ocasião, arma,

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    — 23 —•pretexto de ingerência na administração temporal do estado. Isso, umrápido exame histórico vai no-Io demonstrar .Durante a primeira época da igreja, debalde a crítica históricaprocura na organização dela as leis e os elementos que hoje lhe ser-vem de base. A unidade não resultava então senão do acordo espon-tâneo das alm as; p orque a cristandade era uma pura democraciaespir itual, sem centro oficial? sem meios de coação exte rna, semrelações temporais com o estado. A noção pagã de um   pontífice má-ximo  seria nesses tem pos uma en ormidad e tal, que ainda ao papaEstê vão (253- 257) negou formalmente Cipriano o direito de senten-cear entre dous bispos divergentes. (1) A preponderância que napropaganda se permitia à moral sôbre o dogma, deixava à ortodoxiauma latitude hoje inconcebível, e facilitava as reconciliações, que oabsolutismo unitário de uma autoridade individualmente infalívelteria necessariamente impossibilitado. As boas obras eram então omelhor sinal da fé, que se não traduzia em fórmulas artif iciais, masna comunicação íntima entre o crente e o Pai em espír ito e verdade.A liberdade de debate e as deliberações em comum entre os dissi-dentes evitavam os cismas, que o regimento centralizador converteudepois em sucessos tr iviais e persistentes. A simplicidade dos dog-mas, a ausência de cerimônias teatrais, a severa proibição da simagens, a pureza do ensino, o martír io dos confessores da fé, a sub-missão a todos os governos "humanos, a aspiração a uma pátr i a estra-nha a êste mundo, constituíam a mais decidida antítese entre aquelacomunidade, vinculada pelos laços morais, e o catolicismo romano,fund ado na ampliação arb itrária dos artigos de fé, nas pompas de umculto faustoso, no enfeitiçamento dos sentidos, no casuísmo, na into-lerância, não somente dogmática, mas temporal, na insubordinaçãocontra o poder civil, no pendor do sacerdócio a estabelecer neste mun-do um reino seu. A direção dos crentes incumbia aos bispos, eleitospelos f iéis, aos padres e diáconos; mas, ainda assim, considerável eraa participação da sociedade leiga no julgamento das questões queinteressavam a fé comu m. A igrej a era o povo, não suplantad o,mas livremente unif icado ao sacerdócio.  Plcbs adunata sacerdoti,

    Nos dias de Constantino, porém, passou a igreja por uma revo-lução, cujo desenvolvimento absorve tôda a sua história até aos nossostempos,. Começou então o çesarismo religioso, que tem agora na infa-libilidade papal a sua expressão definitiva. A soberba grandeza daRoma imperial, augusta ainda na caducidade, inspirou à nascentehierarquia católica, seduzida pela prosperidade maravilhosa da novadoutrina, a tendência funesta da imitação, que havia de trocar as for-( 1 ) " I n ã i g n a - m e e s c r e v i a S F i r m i l l a n o , " a e s t u l t a a r r o g - â n c i a d ob i s p o d e R o m a , c o m a p r e s u n ç ã o d e q u e o s e u b i s p a d o h e r a n ç a d o a p ó s t o l oP e d r o "

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    — 24 —•mas republicanas dos três primeiros séculos no governo despótico dopapa, transformado impiamente em vigário exclusivo de Cristo. . Eraa  heresia da dominação,  na frase de Arna ud, que principiav a, — amaior das heresias contra a cruz, porque transforma em verbo dediscórdia para as sociedades humanas a palavra daquele que, paralhes trazer a paz, instituiu a cidade universal num mundo superiorVos de deorsum fshs, ego de supernis sum, vos dc mundo hoc cs lis,ego non sum- de hoc mundo.   2 )jTôdn n religião assorhfb no «rovêrno das cousas da terra é umareligião morta: o espír ito não vive mais nela. Quer o sacerdócio sejao detentor do poder secular , como na metrópole papal até 1870; quer,consorciada ao estado, receba dêle a igreja subsistência, privilégiose força; o resultado é sempre a imolação da doutrina ao interêssepolítico. Dominadora ou protegida, num e noutro caso é serva doscálculos de ambiç ão: no primeiro, para que o govern o temporal lhenão caia das mãos; no segundo, para que não lhe subtraiam os pro-ventos temporais do monopólio.Foi o que entrou a suceder sob Constantino, Estreou-se aí osacrif ício do cristianismo ao engrandecimento da hierarquia   u Q im-_je rac lo r n ão batizado recebe r> f ífnlo f ie  hixfrn ericrinr;  julga e depõe_bispo s; convoca e preside concííios ; resolve sobre dogmas Já n ão pramais esta, certo, a igreja dos primeiros cristãos Estes repelir iamcomo sacrilégio as monstruosas concessões ao odioso absolutismo dosimperad ores, a^Ji oni enag ens .aQ_jléspota que se ensangüento u com _a mor te de dous sobr inhc^_do cunhado, do f i lho e c lamulhe r . e que ,I j k iu ^^ > ir .e vpréncia nas bas íl icas c r is tã s, ace i tava adoração^como_peus nos templos do paganismo.. Adquiriu a igreja a influenciatemporal; mas a sua autoridade moral decresceu na mesma propor-ção; de pe r seguida tornou-se pe r seguidora ; buscou r iquezas , e cor -rompeu-se; derramou sangue, para impor silêncio à heterodoxia: e ,sujeitando o espír ito à letra, iniciou êsse formalismo, que foi o pri-meiro sintoma da sua decadência, e se não se suprimir , por umareforma que a aproxime da sua origem, há de ser a causa f inal da„sua ruína, Já a fé não era mais o   rationaíe ohscqutum  do apóstolo.Imensas e acerbas foram para a igreja as humilhações da con-dição a que se reduzira; porque o império, que com essa aliançalucrara certa vitalidade, não lhe podia compensar, com as prerrogati-vas que cedeu-lhe, ou que lhe foram usurpadas, as complacências quedeia reclamava Não obstante os editos imperiais que lhe multipli-caram os privilégios; não. obstante o decreto de Teodósio, que con-sagrou o culto cristão como única religião oficial; não obstante ode r ramamento da sua doutr ina em regiões que os Césa res não subju-garam ; não obstante essas vantage ns tôdas, que recebia da auto ridad e

    ( 2 ) B \ . ú e S J o ã o . v i u . 2 ;: .

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    temporal ou cias circunstâncias cio tempo; não obstante essas facili-dades extraordinárias, ou melhor, por força delas mesmas, desar-mada estava a igreja ante o espír ito invasor dos imperadores, empe-nhados em assumir, , no govêrno eclesiástico e na solução das contro-vérsias religiosas, uma jurisdição, que a nenhuma autoridade ecle-siástica se reconhecia senão sqmente aos concilias.Uma vez encaminhada por êsse dedhe, impossível era deter opasso, ou retroceder. . Havia, porém, entre ela e suas aspirações terre-nas um obstáculo: o império, Nenhum espír ito sensato negará a açãobenfazeja que tais fatos levaram a igreja a desenvolver nos povos.O clero, inteligente, instruído e sagaz, penetrou em tudo; assumiu amagistratura, os cargos municipais, as prefeituras; exerceu sôbre osfuncion ários imperiais uma fiscalização, que o ato dc Jtistinian olegalizou; e até no seio das famílias aprofundou a sua influência, me-diante a inspeção das tutelas e curatejas, Mas tôdas essas prerro ga-tivas, enquanto atenuavam, a bem dos subditos, os males da servidãopolítica e civil, revertiam, contudo, em dano do cristianismo, quedesviavam da esfera religiosa, e envolviam nas contingências dogovêrno temporal.Cresciam, pois, as ambições políticas da igreja, e cresciam emconseqüência de urna necessidade inevitável, desde o dia em que sealiou ao império; porque, enquanto perdurasse essa união, nem oimpério, cuja lei essencial era a unidade, podia considerar o cristia-nismo senão um instrumento de drmínio, nem a superioridade moraldo cristianismo em relação ao império consentia que a igreja seresignasse à supremacia do estado. Assim, quando a invasão dos bár-baros alagou a I tália , abriu-lhes o cristianismo os braços, exultou;e, ao mesmo, passo que se desm anchava, de encontro às hor das seten-tr ionais, o império do Ocidente, o papado, sozinho no meio da I tália ,impondo ao próprio Átila veneração, estipulando como potência sobe-rana com Alarico e Genserico. ergueu-se majestoso entre as ruínas domundo romano. Como os outros chefes, recuou Odoacro ante aquelaespécie de república subsistente ainda em Roma, protegida pela impo-nência cias tradições que o pontificado parecia personificar em .si.Daí a primeira idéia, o primeiro gérmen histórico desse pocler tempo-ral, cujas insaciáveis pretensões tão largo espaço abrangem até aoséculo corrente.Desde êsse tempo já a política dos papas começou a entremostrara sua hoje proverbial propensão para essa teoria indiferente aosmeios e exclusivamente fundada na soberania dos f ins. Com doisgrandes obstáculos era incompatível a grandeza temporal dos pontí-f ices: com o direito reivindicado pelos imperadores gregos sôbre asprovíncias do Exarcado, e com a consolidação dos povos invasoresno terr itório italiano. Por isso, ora contrariavam o império grego por

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    — 26 —•meio dos bárbaros, ora, por outro lado, suscitavam contra essas imi-grações, que vinham trazer à I tália a independência, a unidade e afôrça, êsses mesmos imperadores do Oriente, em cuja queda tamanhaparte coube ao papado. Exterminados os héruios, a mesma sorte coubedepois aos godos, sucessores seus. "Para que os papas medrassem",diz um historiador, "cumpria que em volta deles tudo se amesqui-nhasse e abatesse".,Nenhum per íodo, porém, na h is tór ia das c rue ldades romanas ,oferece talvez mais singular interêsse que o da luta papal contra oslombardos. De todos os povos bárbaros não havia outro que reunisseá vir ilidade característica dessas nações do norte, disposições tão hu-manas e qualidades tão civilizadoras. Mas a sua admirável tenacidade,os seus inteligentes e inflexíveis esforços, durante duzentos anos,por fundar uma nacionalidade italiana granjearam-Ihes nos papas umódio inexoráve l , inext inguíve l , cu jos aná temas t r emendos re ssoamainda hoje nos escritores da igreja.Eram os francos, ilustrados, havia ainda pouco, pela sua bemsucedida resistência à invasão muçulm ana, os aliados natu rais dospontíf ices nessa hostilidade. Todos conhecem as primeiras relaçõesdo papado com a família de Heristall e os interessados obséquios deGregório III a Carlos Martelio, cuja morte não consentiu realizar-selogo a funesta coligação entre o mais feroz dos povos bárbaros e orepresentante do Cristo. Os Merovingianos, cujos direitos à coroade França, não obstante a impotência deles no govêrno, eram de umalegitimidade incontestável, deveram a sua definitiva ruína ao papaZacarias (741-752), que, mediante uma ridícula farsa, ordenou aPepino assumisse a si o trono,  "uma vez que seu era já o poxf*er".Tais foram os primeiros passos do papado, absorto já nas suas deplo-ráveis pretensões de superintendência sôbre a autoridade dos gover-nos humanos.Com o mesmo direito com que o papa deu de presente a Françaaos Carloving íanos, também Pep ino, em tróco, por sua 'parte , pre-senteou ao papa com o terr itório submetido, por inegável direito desoberania, aos imperadores gregos. No intuito de dar aparência delegitimidade a essa do ação, cujo conteúd o, entretanto , -não se sabesenão por informações de um compilador pouco f idedigno, e mais decem anos posterior à assembléia de Guercy-sur-Oise, inventou-se-lheo título de  restituição,  compondo -se, para justif icar essa escandalosamentira histórica, a famosa doação de Constantino..Nesta célebre falsif icação as idéias pontif ícias de superioridadedos interesses papais sôbre os direitos da nacionalidade italiana, sôbrea autonomia  dos povos, sôbre  a jur isd ição dos pr ínc ipes , e s tão s igni-f ica t ivamente consubstanc iadas numa dec la ração formal . "Enquantoa nós" , d iz o suposto doador , "pa receu-nos t r a s lada r o nosso domínio

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    27 —para as províncias orientais e o terr itó rio de Bizânc io; por qua ntonão c razão que, onde o rei celeste instituiu a soberania sacerdotale a cabeça da religião cristã, mantenha outro rei sua terrestre im-potênciaNa origem de quase tôdas as grandes usurpações costuma ser aviolência a explicação da conquista, e o tr iunfo obtido