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O PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA E A PRODUÇÃO DE
DESIGUALDADES SOCIOESPACIAIS: AVALIAÇÃO A PARTIR DO
RESIDENCIAL TIRADENTES EM MARABÁ-PA
Marcus Vinicius Mariano de Souza
Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará
INTRODUÇÃO
Partindo do conceito de produção do espaço urbano inicia-se a análise o objeto
de estudo deste trabalho a partir da noção de Pedro Abramo (2010), de que existem
diferentes lógicas de produção do espaço na sociedade capitalista brasileira, sendo estas
a lógica de mercado, a lógica da necessidade e a lógica estatal. Nesse sentido,
destacasse, inicialmente, a abordagem teórica a respeito da ‘lógica estatal’, pois é
segundo estas características que se dá a produção do espaço urbano através dos
conjuntos habitacionais, que no Brasil voltou a ser uma importante forma urbana a
partir da criação do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV).
Entretanto, autores como Shimbo (2010), Fix (2011), Cardoso e Aragão (2011) e
Melazzo (2013), apontam que o PMCVM surge como uma estratégia para minimizar os
efeitos da crise econômica internacional de 2008, de forma a estimular a manutenção de
emprego e renda e, consequentemente, o consumo no país, através do desenvolvimento
de um mercado imobiliário e da construção civil.
Entre os efeitos que o PMCMV teve no mercado imobiliário está a garantia de
credibilidade aos papeis das empresas que tinham aberto capital na Bolsa de Valores, a
consolidação e ampliação da demanda por terra (CARDOSO; ARAGÃO, 2011), aliada
à elevação do preço desta, além da ampliação do público consumidor para classes que
estavam antes fora do mercado e a criação de um mercado imobiliário nacional
(MELAZZO, 2013).
Dentro desse pacote de novas estratégias e de expansão do mercado imobiliário
para outras áreas do país, um dos movimentos realizados pelos empreendedores
imobiliários, sobretudo nas cidades médias e de porte médio que agora se incorporavam
a este circuito, é a incorporação de terrenos, muitas vezes através de aliança entre
incorporadores externos e proprietários fundiários locais, levando à formação de um
verdadeiro banco de terrenos, cuja transformação em moradia efetiva nem sempre está
garantida, ampliando a efetivação da cidade-mercadoria em detrimento das reais
necessidades de moradia da população, contexto no qual se insere Marabá.
De tal maneira, o presente trabalho apresenta uma avaliação da produção do
espaço urbano na cidade de Marabá (PA) a partir da premissa que existem diferentes
lógicas que concorrem para esta produção e que a lógica estatal, que se manifesta
atualmente a partir do Programa Minha Casa Minha Vida, tem contribuído para a
ampliação de desigualdades socioespaciais na cidade em questão.
OBJETIVOS
Partindo da perspectiva supracitada, o objetivo geral deste trabalho é avaliar
como a produção do espaço urbano, a partir da lógica estatal, tem provocado a
ampliação das desigualdades socioespaciais em Marabá, em especial a partir do
Residencial Tiradentes.
METODOLOGIA
A metodologia proposta partiu da definição do arcabouço teórico e de
procedimentos metodológicos. Com relação ao arcabouço teórico (já abordado na
Introdução), partiu-se da perspectiva de Abramo (2010), que considera o
estabelecimento de lógicas diferenciadas de produção do espaço urbano contemporâneo,
com destaque para a lógica estatal; utilização do conceito de inserção urbana elaborado
por Ferreira (2012), enquanto escala de análise que relaciona o empreendimento à
cidade e ao bairro em que está inserido, tendo vista aspectos como acessibilidade,
presença de serviços urbanos e integração à malha urbana.
Para tal, estão sendo adotados na análise os Parâmetros de Qualidade sugeridos
também por Ferreira (2012), a saber: infraestrutura e serviços urbanos; localização e
acessibilidade; fluidez urbana. Além disso, também enquanto embasamento teórico,
adotou-se o conceito de desigualdades socioespaciais a partir da perspectiva de
Rodrigues (2007), que considera este processo expressão espacial da existência de
classes sociais e de diferentes formas de apropriação da riqueza produzida, que irá se
expressar na impossibilidade da maioria dos cidadãos em apropriar-se de condições
adequadas de sobrevivência.
Como procedimentos metodológicos, além da pesquisa bibliográfica e do
levantamento de dados primários e secundários, procedeu-se à aplicação de formulários
no Residencial Tiradentes, com objetivo traçar um perfil das populações destes locais e
compreender como se dá o acesso à cidade e aos equipamentos coletivos públicos, a fim
de verificar se a produção do espaço urbano recente tem levado à ampliação das
desigualdades socioespaciais ou se a inserção urbana está sendo plenamente realizada.
Para tanto, houve o levantamento dos seguintes conjuntos de variáveis: Caracterização
Socioeconômica da Família; Acesso ao Trabalho; Utilização dos Serviços de Saúde;
Utilização dos Serviços/Equipamentos de Educação; Utilização dos
Serviços/Equipamentos de Lazer; Relações de Comércio e Consumo; Percepção sobre o
local de Moradia.
RESULTADOS
A LÓGICA ESTATAL NO CONTEXTO DE EXPANSÃO URBANA
CONTEMPORÂNEA EM MARABÁ
A produção recente do espaço urbano em Marabá tem sua dinâmica afetada
tanto por fatores relacionados a processos locais, como a promessa de instalação de um
grande projeto siderúrgico na cidade em 2008 (ALPA1 – Aços Laminados do Pará),
1 Empreendimento ligado à VALE, que pretendia produzir aço em Marabá. Previa-se a criação de mais de
16 mil empregos diretos durante a fase de construção e mais de 5 mil durante a operação. As obras de
construção foram iniciadas em 2010 e posteriormente paralisadas em 2013.
quanto por processos engendrados a partir de lógicas externas ao município, como por
exemplo, a ação do estado através do PMCMV.
A promessa de chegada do empreendimento ALPA em 2008 faz com que se
inicie em Marabá a configuração de um cenário de expansão urbana em que se
estabelecem na cidade empreendimentos imobiliários dos mais diversos tipos
(loteamentos, loteamentos fechados, condomínios fechados verticais e horizontais),
além do surgimento e ampliação das ocupações urbanas e, também, conjuntos
habitacionais do PMCMV, culminado com um aumento de 35% da mancha urbana
entre 2009 e 2013 (SOUZA, 2015).
A possibilidade de chegada da ALPA foi o fator que possibilitou a valorização
do capital imobiliário e sua reprodução espacial na forma de loteamentos e condomínios
e, ao mesmo tempo, colaborou para a ampliação de outras estratégias de reprodução do
espaço urbano, ao sobrepor o valor de troca ao valor de uso, dificultando o acesso
universal à terra urbana (e à propriedade), culminando com o crescimento e criação de
ocupações urbanas, sobretudo nas áreas menos atrativas ao mercado imobiliário.
Por outro lado, além do desenvolvimento de uma lógica de mercado na produção
do espaço urbano, efetivada pelas expectativas criadas em torno do projeto ALPA, a
expansão urbana de Marabá também apresenta como característica neste momento a
efetivação da lógica de estado, manifestada espacialmente através dos conjuntos
residenciais do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV)
A partir do lançamento deste programa em 2009, Marabá também se apresenta
como município apto a receber os investimentos oriundos deste e esta é uma importante
alternativa de moradia para a cidade, sobretudo por conta do aumento dos fluxos
migratórios a ela direcionada, sobretudo por conta das expectativas de emprego em
torno do projeto ALPA (SOUZA, 2015) e do déficit habitacional, que em 2010,
segundo a FJP (2013) era 10.969 domicílios.
A partir de 2008, mas sobretudo após 2009, com a alteração do perímetro
urbano, começam a serem lançados em Marabá os conjuntos habitacionais do PMCMV.
A alterção do perímetro urbano foi importante neste momento pois, em sua totalidade,
estes conjuntos estão localizados nos núcleos urbanos de São Félix e Morada Nova, que
não faziam parte da área urbana antes de 2009. Assim, neste período surgiram os
Residenciais Vale do Tocantins (2012), com 1.090 residências, no núcleo São Félix;
Tiradentes (2013), com 1.410 moradias e Jardim do Éden, com 968 domicílios, ambos
em Morada Nova; além de mais um que está em fase de construção, o que totalizará
5.993 novas habitações disponíveis em Marabá a partir dos conjuntos habitacionais que,
apesar da sua importância, não serão suficientes para equalizar o problema do déficit
habitacional.
Entretanto, a efetivação do PMCMV em Marabá, através da criação de conjuntos
habitacionais, tem levado ao surgimento de outras dinâmicas, como os problemas
relativos à inserção urbana dos conjuntos habitacionais e, por conseguinte, a ampliação
de desigualdades socioespaciais, o que será verificado adiante, com a análise realizada a
partir do Residencial Tiradentes.
RESIDENCIAL TIRADENTES: A PRODUÇÃO DE DESIGUALDADES
SOCIOESPACIAIS NO CONTEXTO DO PMCMV
O Residencial Tiradentes (Figura 1) está localizado entre os núcleos urbanos de
São Félix e Morada Nova, distando aproximadamente 6,5 quilômetros do primeiro e 3
quilômetros do segundo, além de estar a 22 quilômetros do centro da cidade (Marabá
Pioneira). Vale lembrar que, assim como os demais conjuntos habitacionais do
PMCMV em Marabá, o Residencial Tiradentes está localizado na margem direita do
Rio Tocantins, cuja única forma de transposição é a ponte rodoferroviária, que possui
apenas uma faixa de rolamento em cada sentido de tráfego, o que por vezes dificulta o
acesso a estes núcleos da cidade.
Figura 1 – Mapa de localização do Residencial Tiradentes – Marabá (PA)
Elaboração: Marcus V. M. de Souza (2016)
Inicialmente é importante realizar uma análise quanto ao local de origem da
população que atualmente habita no residencial, pois esta observação é fundamental
para compreender a dinâmica da produção do espaço urbano. Levando em consideração
que o Residencial Tiradentes está localizado na margem direita do Rio Tocantins, área
onde se localizam os núcleos urbanos de São Félix e Morada Nova, vale ressaltar que
45% da população do Tiradentes é oriunda destes núcleos. De tal modo, percebesse que
a maioria da população residia em outros núcleos da cidade ou mesmo em outros
municípios, o que implica em um aumento na demanda por equipamentos públicos
nesta área da cidade, como escolas e postos de saúde e serviços como transporte, que já
são precários em São Félix e Morada Nova.
Gráfico 1 – Residencial Tiradentes: local de moradia anterior (2015)
Organização: LEITE, M.L.R.; SOUZA, M.V.M. (2016)
Fonte: Pesquisa de Campo (2015)
Outra informação obtida com a aplicação dos formulários foi com relação à
renda das famílias. Assim, foi possível verificar que a maioria das famílias (57%) possui
renda compreendida entre zero e um salário mínimo. Isto é explicado, em parte, pelo
baixo número de pessoas por residência que trabalham. Em 54,8% das residências
apenas um morador possui emprego em outros 19,3% das residências nenhum morador
trabalhava naquele momento. Além disso, entre os chefes de família, verificou-se que
30,1% estavam desempregados no momento de realização da pesquisa2.
Com relação à inserção urbana, um fator fundamental é a acessibilidade dos
moradores do bairro aos equipamentos e serviços públicos de consumo coletivo. Nesse
sentido, o bairro apresenta graves problemas devido à ausência de tais equipamentos.
Atualmente, o único equipamento público existente é uma Creche. Escolas e postos de
saúde são inexistentes, o que torna necessário o deslocamento a outros bairros. Esta
situação se agrava com a precariedade na prestação do serviço público de transporte,
segundo alegação dos moradores. O Gráfico 2 apresenta os locais utilizados pela
população do Residencial Tiradentes com relação aos equipamentos / serviços de saúde.
2 A aplicação dos formulários junto aos moradores do bairro aconteceu em Dezembro de 2015.
Nesse sentido, o bairro de Morada Nova é o principal destino da população do
Tiradentes, que busca atendimento no Posto de Saúde daquele bairro.
Gráfico 2 – Residencial Tiradentes: local de utilização dos equipamentos/serviços de
saúde (2015)
Organização: LEITE, M.L.R.; SOUZA, M.V.M. (2016)
Fonte: Pesquisa de Campo (2015)
Esta necessidade de deslocar-se a outros bairros para a utilização de
equipamentos públicos de consumo coletivo torna imprescindível a existência de um
serviço público de transportes de boa qualidade. Durante a pesquisa percebeu-se que a
demanda deste tipo de serviço para, por exemplo, acessar os equipamentos de saúde,
atinge 85% da população. Entretanto, durante a pesquisa de campo foi possível perceber
que existe apenas duas linhas de ônibus que adentram o bairro: a linha Marabá Pioneira-
Morada Nova e a linha Morada Nova-Novo Horizonte, sendo que a linha que liga ao
Novo Horizonte possui apenas um horário de saída do bairro (05:40 horas da manhã) e
um de retorno ao bairro (19:00). Assim, durante o horário comercial, o morador que
necessitar se deslocar até o núcleo Cidade Nova precisará pagar por duas passagens
(uma até a Marabá Pioneira e outra deste núcleo até a Cidade Nova). A Figura 2 a seguir
apresenta o mapa da linha de transporte coletivo que atende o bairro (Linha Marabá
Pioneira – Morada Nova).
Figura 2 – Mapa da linha de transporte coletivo que atende o Residencial
Tiradentes – Marabá (PA), 2016
Elaboração: LEITE, M.L.R. (2016)
Fonte: Pesquisa de Campo (2016)
Entretanto, com relação ao transporte público coletivo, cabe destacar que as
linhas de ônibus que alimentam o bairro circulam apenas na avenida principal de
entrada do conjunto habitacional, o que torna necessário e longo o deslocamento a pé de
grande parte da população. Isto acaba por tornar-se um problema devido às condições
de infraestrutura do Residencial Tiradentes, em função do estado de deterioração em
que se encontram as vias do mesmo, como pode ser observado na figura a seguir.
Figura 2 – Estado de deterioração das ruas do Residencial Tiradentes (2015)
Autor: SOUZA, M.V.M. (2015)
A lógica estatal na produção do espaço urbano marabaense, materializada nos
conjuntos habitacionais do PMCMV, colaborou para a diminuição do déficit
habitacional, possibilitando à população economicamente mais desfavorecida o acesso à
moradia própria. Entretanto, como visto, isto não tem sido suficiente para ofertar a esta
população uma melhor qualidade de vida e, ao contrário, tem contribuído para ampliar
as desigualdades socioespaciais, à medida que a decisão de viver neste local não foi
tomada pela população e sim pelas alianças entre o poder público e o capital
imobiliário, em que até mesmo a mudança na legislação municipal foi necessária, com a
ampliação do perímetro urbano.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O desenvolvimento da pesquisa possibilitou o contato com aportes teóricos que
tratam da questão da produção do espaço urbano, já amplamente debatido na Geografia,
mas que tornou-se um tema novamente relevante no momento atual da realidade
brasileira, sobretudo a partir da criação do Programa Minha Casa Minha Vida,
proporcionando o retorno do Estado enquanto agente importante na produção do espaço
urbano através da provisão de moradias.
Entretanto o desenvolvimento da pesquisa e as análise realizadas até então
permitiram observar que esta lógica de produção do espaço tem como característica a
ampliação de desigualdades socioespaciais, à medida que as formas urbanas surgidas,
representadas pelos conjuntos habitacionais, apresentam aspectos problemáticos no que
diz respeito à sua inserção urbana, tornando difícil a conexão dos conjuntos
habitacionais do PMCMV com o restante da cidade, além de privar, neste sentido, o
acesso da população aos bens e serviços públicos de consumo coletivo, tanto pela
ausência destes nos conjuntos, quanto pela distância e a estes equipamentos em outras
áreas da cidade, contribuindo para a ampliação das desigualdades socioespaciais.
REFERÊNCIAS
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cidade COM-FUSA informal. In: LEAL. S.; LACERDA, N. (orgs.). Novos padrões de
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MARICATO, Ermínia. O “Minha Casa Minha Vida” é um avanço, mas segregação
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http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/O-Minha-Casa-e-um-avanco-mas-
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SHIMBO, Lúcia Z. O "segmento econômico" do mercado imobiliário e os programas
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SOUZA, Marcus Vinicius Mariano. O projeto ALPA e a produção do espaço urbano
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Tese (Doutorado em Geografia) - Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia,
2015.