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O TRABALHO DE PROFESSORES NO PROCESSO DE IMPLEMENTAÇÃO DO CURRÍCULO POR COMPETÊNCIAS Joelma Lúcia Vieira Pires ([email protected] ) Profa. da Faculdade de Educação - Universidade Federal de Uberlândia Financiamento (CAPES) RESUMO O artigo é sobre o trabalho de professores no processo de implementação do currículo por competências em uma escola da rede estadual de São Paulo que mantém parceria com uma empresa. Tivemos como objetivo verificar se a implementação de tal currículo modifica o trabalho dos professores e quais são as principais mudanças. A pesquisa qualitativa e fundamentada no método histórico-dialético foi realizada por meio de observações, análise de documentos oficiais e de entrevistas. O processo de implementação do currículo por competências modifica a organização do trabalho dos professores, uma vez que o ensino é organizado por meio de projetos. Tais projetos são impostos pela Secretaria de Estado da Educação e têm como referência a adequação dos conteúdos das disciplinas ao tratamento de problemas sociais emergentes. Dessa perspectiva, a autonomia dos professores é atingida quanto ao desenvolvimento do conteúdo da sua disciplina e o seu controle no processo de elaboração do conhecimento com os estudantes é prejudicado. O conhecimento é fragmentado e reduzido de maneira pragmática e utilitária de acordo com a lógica da racionalidade técnica e da produtividade do âmbito mercadológico. Sendo assim, o trabalho do professor é reestruturado para a reafirmação de tal lógica, de acordo com os princípios do setor privado e enfraquecimento do espaço público. Nesse contexto, a atuação do professor perde expressão política coletiva e individual. No entanto, por meio da sua resistência, alguns professores apropriam e resignificam o currículo por competências. Dessa forma, revelam a originalidade instituinte da sua prática educativa e a sua autonomia relativa. Palavras-chave: Trabalho docente/Educação Básica/Currículo por competências

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O TRABALHO DE PROFESSORES NO PROCESSO DE

IMPLEMENTAÇÃO DO CURRÍCULO POR COMPETÊNCIAS

Joelma Lúcia Vieira Pires ([email protected])

Profa. da Faculdade de Educação - Universidade Federal de Uberlândia

Financiamento (CAPES)

RESUMO

O artigo é sobre o trabalho de professores no processo de implementação do currículo

por competências em uma escola da rede estadual de São Paulo que mantém parceria

com uma empresa. Tivemos como objetivo verificar se a implementação de tal currículo

modifica o trabalho dos professores e quais são as principais mudanças. A pesquisa

qualitativa e fundamentada no método histórico-dialético foi realizada por meio de

observações, análise de documentos oficiais e de entrevistas. O processo de

implementação do currículo por competências modifica a organização do trabalho dos

professores, uma vez que o ensino é organizado por meio de projetos. Tais projetos são

impostos pela Secretaria de Estado da Educação e têm como referência a adequação dos

conteúdos das disciplinas ao tratamento de problemas sociais emergentes. Dessa

perspectiva, a autonomia dos professores é atingida quanto ao desenvolvimento do

conteúdo da sua disciplina e o seu controle no processo de elaboração do conhecimento

com os estudantes é prejudicado. O conhecimento é fragmentado e reduzido de maneira

pragmática e utilitária de acordo com a lógica da racionalidade técnica e da

produtividade do âmbito mercadológico. Sendo assim, o trabalho do professor é

reestruturado para a reafirmação de tal lógica, de acordo com os princípios do setor

privado e enfraquecimento do espaço público. Nesse contexto, a atuação do professor

perde expressão política coletiva e individual. No entanto, por meio da sua resistência,

alguns professores apropriam e resignificam o currículo por competências. Dessa forma,

revelam a originalidade instituinte da sua prática educativa e a sua autonomia relativa.

Palavras-chave:

Trabalho docente/Educação Básica/Currículo por competências

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Introdução

O artigo tem como fundamento a análise de dados coletados para a tese de

doutorado defendida junto ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação

da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Analisamos o trabalho de

professores no processo de implementação do currículo por competências em uma

escola da rede estadual de São Paulo que mantém parceria com empresa. No estudo,

realizado entre 2003 e 2006, entrevistamos professores sobre a implementação do

referido currículo e as possíveis mudanças na organização do trabalho escolar e no

projeto pedagógico.

O currículo por competências é centralidade da nova reforma educativa.

Analisamos, no contexto da sua implementação, as condições de trabalho dos

professores, considerando as implicações para a sua autonomia e para a formação dos

estudantes.

A condição de trabalho dos professores no processo de implementação do currículo

por competências

A Escola pesquisada é gerida pela Secretaria de Estado da Educação de São

Paulo (SEE/SP) e pertence à Diretoria de Ensino de Itapecerica da Serra que é um

município da Região Metropolitana da capital. A Escola tinha 44 professores no período

de realização da pesquisa, destes 21 eram do sexo masculino e 23 do sexo feminino, 36

tinham contrato temporário (PLANO DE GESTÃO, quadriênio 2003-2006). O

professor é contratado nessas condições para substituir outro professor efetivo afastado

ou para ocupar posto de trabalho vago. Com relação ao emprego docente nas redes

públicas de ensino, de uma maneira geral, os contratos temporários têm aumentado.

Na Escola, a implementação do currículo por competências foi realizada em um

processo de rotatividade dos professores. Além disso, eles revelaram em suas

entrevistas a sua origem de classe trabalhadora e que as suas jornadas de trabalho diárias

são extensas e expressam a atuação em diferentes escolas e redes de ensino. Nessa

ótica, podemos considerar a intensificação do trabalho dos professores por meio da

jornada que é cumprida em um ou mais locais ou empregos.

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Com base nesse quadro, é possível afirmar que os professores convivem com o

agravamento das condições de trabalho e salarial e com a instabilidade e precariedade

do emprego no magistério público. Na realidade, tais tendências são decorrentes da

flexibilização dos contratos de trabalho e das legislações social e trabalhista.

Além da rotatividade existe a possibilidade de mobilidade dos professores

durante o período letivo. Como lembram Zibas, Ferretti e Tartuce (2006, p. 122):

Em São Paulo, as políticas que regem a carreira docente

permitem a mobilidade dos professores e gestores – removidos de uma

escola para outra – em pleno período letivo, torna-se um grande

obstáculo à construção de propostas institucionais consistentes,

principalmente as que se referem aos exigentes projetos que devem

decorrer da reforma curricular.

É nesse contexto que é evidenciada a descontinuidade na implementação do

currículo por competências e a fragmentação dos professores na constituição do

trabalho coletivo da escola. Por um lado, os professores encontram-se fragilizados

quanto ao desenvolvimento de uma proposta curricular coletiva e que contemple a

autonomia docente e da própria instituição escolar e, por conseguinte, enfraquecidos

pela ausência de uma discussão política. Por outro lado, recebem a imposição direta da

burocracia estatal por meio de um currículo oficial com centralidade nas competências.

Sendo assim, os professores são prejudicados na constituição de práticas pedagógicas

inerentes ao seu trabalho.

O contexto da Escola e do trabalho dos professores, ainda no período de

realização da pesquisa, era caracterizado por uma experiência de parceria com uma

empresa, tal parceria teve início em meados de 1993, segundo informação de

professores e de “gestores” da Escola. As ações da empresa na Escola incluíam, entre

outras, cursos e palestras para os professores por funcionários da própria empresa e por

profissionais da Educação que eram contratados pela empresa.

Além dos professores, os “gestores” da Escola realizavam cursos priorizados

pela empresa para o processo de avaliação na escola e dos estudantes. Tal processo de

avaliação era fundamentado em coleta de dados e sistematizações quantitativas por

meio de gráficos de desempenho.

O processo de parceria da Escola com a empresa contribuiu para o

desenvolvimento de ações no sentido de reafirmação de uma cultura do setor privado

baseada no controle de desempenho de professores e estudantes. Nesse sentido, “[...]

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testes e processos de avaliação transpõem e radicalizam, na escola, os modelos

empresariais, que cobram a mensuração de produtos” (LINHARES, 1995, p. 178).

Entretanto, a implementação do currículo por competências, na Escola, expressa

a característica de um contexto econômico de viabilização pelo Estado de políticas que

são elaboradas pelo setor privado para a Educação pública. A parceria da escola com a

empresa tem como referência a lógica empresarial para o funcionamento da escola

pública e expressa um acordo que atinge a autonomia dos professores. Os professores

da Escola, em suas entrevistas, consideram que a parceria da Escola com a empresa

favoreceu a viabilização do currículo por competências.

A implementação do referido currículo parece simbolizar, no âmbito da

educação, o que é denominado por Ball (2007) de aumento da colonização das políticas

educativas pelos imperativos das políticas econômicas. Para o autor, tal tendência

explicita um novo “paradigma” de governo educacional de crescente abandono ou

marginalização dos propósitos sociais da educação e de sua sujeição às prescrições e

assunções normativas do economicismo. Ball lembra que estamos em um contexto de

desaparecimento gradual da concepção de políticas específicas do Estado Nação nos

campos econômico, social e educativo e concomitante abarcamento de todos os

referidos campos em uma concepção única de políticas para a competitividade

econômica.

O currículo por competências como centralidade do trabalho na Escola

O trabalho de professores no processo de implementação do currículo por

competências é influenciado pelas tendências anteriormente expostas. A Escola

reafirma, nos seus documentos, a orientação governamental do currículo por

competências e as colocam como referência para todas as áreas do conhecimento. Em

função disso, o currículo é organizado por objetivos de formação e em projetos de

trabalho.

Uma das prioridades do Plano de Gestão da Escola é “diversificar o trabalho

pedagógico, organizando cada vez mais o currículo por projetos de trabalhos, a fim de

tornar a aprendizagem mais interessante, motivadora e conseqüentemente mais eficaz”.

Conforme a Escola, o trabalho com projeto “é uma atividade intencional que pressupõe

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um objetivo e um produto final”, além disso, “envolve complexidade e atividades de

resolução de problemas”, tendo caráter prolongado e percorrendo várias fases que

envolvem negociação e parceria, sendo a responsabilidade, autonomia e cooperação dos

estudantes elementos essenciais. Sendo assim, a escolha do tema “pode advir da

experiência dos alunos; de idéias despertadas por um projeto já realizado ou em

andamento; por um problema surgido no cotidiano; trazido pelo professor ou

comunidade” (PLANO DE GESTÃO, quadriênio 2003-2006, s/p).

Entretanto, o objetivo é “desenvolver capacidades, habilidades e valores

fundamentais para a vida em sociedade no século XXI”. Com o objetivo de alcançar tais

aprendizagens, a proposta pedagógica da Escola “procura revolucionar

significativamente o cotidiano escolar dos alunos, dando-lhes oportunidade de avançar

rumo ao desenvolvimento das novas habilidades e competências, hoje requeridas pela

evolução do padrão do conhecimento nesse novo milênio”. Contudo, “os eixos

definidores para nortear o trabalho pedagógico em todas as disciplinas e áreas são: a)

trabalho com projetos b) resolução de problemas c) leitura [...]” (Ibid.).

Conforme a vice-diretora, em sua entrevista concedida em 27/1/2006, os

principais projetos desenvolvidos na Escola eram o “Projeto Poluição Sonora”, o

“Projeto Juventude de Futuro” em parceria com a empresa, o “Projeto sobre

sexualidade”, o “Projeto escola da família” e o “Projeto Grêmio”. De acordo com a

vice-diretora, além dos projetos da Escola existem os da Secretaria de Educação que são

muitos, os professores reclamam da quantidade. Na Escola, os professores são

organizados em trios para o desenvolvimento de projeto com os estudantes. Ao falar

sobre o “Projeto Leitura”, ela explica como é desenvolvido.

[...] cada professor acha um artigo de revista, de jornal, traz. Aí

naquilo, não importa a disciplina [...]. Todos os professores na

primeira aula vão ler, interpretar e discutir aquele texto, que todos os

dias nós vamos trazendo (...). Então, a professora de Língua

Portuguesa vai discutir, vai trabalhar, é um texto informativo, é um

texto jornalístico ou é um texto poético? O de Matemática, o índice

elevado da violência, quantos por cento? Geografia, História, vai ver o

que leva o cidadão a ser violento. Ciências e Biologia [...].

[...] o tema, qual o procedimento e qual atitude a ser trabalhada em

cima desse tema.

Na Escola, a orientação por competências é viabilizada por meio da organização

do currículo por projetos de trabalho, visando à resolução de problemas. Em função

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disso, a organização do trabalho e o projeto pedagógico são modificados tendo como

centralidade o conhecimento com fundamento na lógica da produtividade e do

resultado. Ball (2007), considera que essa nova “política de aprendizagem” expressa

uma posição “pós-política” essencialmente pragmática e caracterizada por um conjunto

de tecnologias de políticas que têm origem em um novo pacto entre o Estado e o capital.

Tais tecnologias promovem novos modos de regulação e, por conseguinte, novas

disciplinas, novos valores, novas relações e novas subjetividades.

Os sistemas educacionais evidenciam, por meio do processo de escolarização, a

regulação social inerente ao Estado. De modo geral, as atuais reformas escolares vêm

sendo marcadas por uma política de redução sistemática do conhecimento com ênfase

no controle e na recomposição da estrutura de poder autoritário. Tais reformas

fragmentam e enfraquecem os sujeitos da escola em sua discussão política e os

pressionam para uma abertura ainda maior para os valores capitalistas. Assim sendo, o

trabalho dos professores e a sua identidade na instituição escolar são atingidos por uma

regulação social específica da sua prática pedagógica na sala de aula.

Na Escola pesquisada a coleta de dados foi realizada por meio das entrevistas

com quatro professores, duas professoras e dois professores. Eles serão identificados

como professoras “A” e “B” e como professores “C” e “D”. Em suas falas, eles

assumem o discurso de viabilização do currículo por competências e consideram a

atuação e influência de uma diretora como favorável a tal viabilização.

A professora “A”, entrevistada no dia 15/12/2005, considera significativo o

currículo por competências para a formação do estudante, uma vez que ele direciona o

trabalho do professor por meio dos conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais.

Segundo ela, o trabalho na Escola é sempre desenvolvido de acordo com tal orientação.

Conforme a professora “A”, a leitura é priorizada na Escola como base para o

aprendizado de todas as disciplinas. A professora “A” afirma que introduziu algumas

mudanças na sua metodologia de ensino e na sua prática pedagógica por meio da

orientação do currículo por competências. A professora fala que usava muito a lousa,

mas após tal orientação, ela começou a selecionar conteúdos dos livros didáticos e

produzir apostilas. Além disso, em suas aulas, foram acrescentadas revistas, jornais,

filmes, como alternativa para o aprendizado dos estudantes.

Segundo a professora “A”, não houve mudança quanto aos conteúdos, mas eles

foram orientados de acordo com os conteúdos atitudinais. Quanto ao conteúdo atitudinal,

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ela fala que o que é trabalhado na Escola são as responsabilidades, os deveres e os diretos

do cidadão.

Conforme a professora “A”, os conteúdos procedimentais e os atitudinais são

referências no processo de avaliação dos estudantes e influenciam o conceito final

adquirido por eles. Ela afirma que a participação do estudante, o respeito durante as

aulas, o interesse, o companheirismo em sala de aula, e também fora da sala de aula são

considerados na avaliação e na atribuição das notas. A referida professora considera que

essas dimensões já eram consideradas pela Escola na formação dos estudantes e

receberam uma denominação após a orientação do currículo por competências.

A professora “A” considera que o processo ensino-aprendizagem na Escola

continua “praticamente a mesma coisa” a partir da orientação do currículo em conteúdos

conceituais, procedimentais e atitudinais. Ela expressa a sua posição sobre a função da

escola:

[...] não adianta falar que vai trabalhar o aluno para que ele seja cidadão,

não é só isso, o cidadão vai ter de trabalhar, ele vai ter de estudar né.

Então, a Escola está nos dois caminhos (...) é o trabalho, que tem

aqueles que realmente não têm condições né, e aqueles que tem uma

condição melhor eles vão estudar né [...].

A fala da professora “A” expressa a sua concepção de diferentes formações de

acordo com a classe social dos estudantes e, por conseguinte, a sua compreensão de que a

divisão do trabalho é inerente ao sistema educacional. Quanto aos estudantes da Escola

pesquisada, a professora pensa na formação que proporcione a sua inserção no mercado

de trabalho. A afirmação da professora “A” evidencia uma posição de atribuir utilidade

ao conhecimento, considerando que a formação dos estudantes deve priorizar o mercado

de trabalho. Nesses termos, ela reafirma a orientação do currículo por competências,

tendendo a atribuir um valor de uso ao conhecimento. Dessa forma, a sua intenção

pedagógica tende a adquirir um caráter operacional.

Os professores consideram que o currículo por competências foi enfraquecido

quando a diretora que o viabilizou saiu da escola. A professora “A”, entrevistada no dia

15/12/2005, fala sobre a posição da referida diretora quanto ao currículo por

competências.

Olha a gente trabalha aqui na Escola né, só que quando tinha a

outra diretora, ela era efetiva há bastante tempo aqui na Escola. Então,

ela sempre focalizava né, essas competências aí. A gente trabalhava

sim, trabalha na verdade ainda. O Plano aqui na Escola foi a (ela fala o

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nome da diretora), que elaborou com a gente, que nós elaboramos em

cima das competências [...]. Olha na verdade, com a nossa sorte né, que a (ela fala o nome

da diretora) ela também trabalha na faculdade. Então, ela gosta dessa

área, então na verdade ela que trouxe mesmo. A gente teve muitas

aulas, ela deu muitas aulas para a gente. Então, foi uma coisa nova né,

essas competências, habilidades aí. Então, a gente né, o que nós, aqui

na Escola, o que a gente sabe foi com ela que a gente aprendeu (...) E

ela sempre cobrava por isso (...) só que se for ver hoje, a gente

trabalha, mas já é bem menos [...].

Ball (2007), considera que o gestor é o herói cultural do novo paradigma de

reforma política e que ele tem sido mecanismo chave no novo modelo de poder e na

reengenharia cultural do setor público. “O trabalho do gestor envolve a infusão de

atitudes e culturas nas quais os/as trabalhadores/as se sentem, eles/as próprios/as,

responsabilizados/as e, simultaneamente, comprometidos/as ou pessoalmente

envolvidos/as na organização” (p. 108). Assim sendo, nas escolas, a gestão tem

desempenhado um papel crucial na substituição dos regimes ético-profissionais pelos

regimes empresariais competitivos.

O professor “D” aponta, além da saída da diretora, outras condições que

inviabilizam uma real operacionalização do currículo por competências. O professor

“D”, entrevistado em 9/12/2005, afirma:

[...] o currículo por competências vem sendo freqüentemente discutido

na Escola. Porém, eu considero que ele não está sendo aplicado em

sua plenitude, haja vista que primeiro né, para que um projeto de tal

envergadura realmente venha desenvolver as competências dos alunos

é necessário que haja um grupo fixo de professores. Aqui nós temos

essa possibilidade, porém mais ou menos há uma rotatividade, os

professores vão exercer outro tipo de cargo, então há uma quebra, há

uma descontinuidade (...). Mas, todo começo de ano, durante o

planejamento, a gente sempre ressalta a necessidade de estar

desenvolvendo isso com os alunos (...). Então não adianta eu estar

baseado no ensino por meio de conteúdos sendo que o que ele precisa

mesmo, para que ele consiga alcançar suas metas, alcançar aquilo que

ele deseja, aquilo que ele precisa, ele precisa saber as competências,

então a gente precisa desenvolver competências nos alunos (...)

infelizmente ainda há uma dificuldade de se alcançar nossos objetivos.

(...) aqueles quatro pilares de educação baseado na UNESCO eu

considero que toda escola, todo ser humano tem o direito a alcançar

essas competências então, aprender a ser, aprender a conviver,

aprender a (...), eu sempre me esqueço (...) mas considero que dentro

dessas competências aí a gente vai fazer o nosso trabalho, primeiro né,

considero que vamos pensar a leitura. Ela é um instrumento necessário

para que todo ser humano venha conseguir se inserir dentro da

sociedade, porque nós vivemos em uma sociedade baseada na escrita e

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num mundo globalizado (...) parece que a educação virou jargão né,

que no momento que existem algumas idéias que a Secretaria tenta

implantar na Escola, eu considero que esses pilares, essas

competências elas estão bem assim, vamos dizer enraizadas, estão ao

menos no campo das idéias, elas estão inseridas dentro da Escola.

Agora da prática é que realmente tá o problema, que tá muito no

campo das idéias, não na prática, não estamos concretizando ainda na

sua plenitude [...].

O Professor “D” considera a rotatividade dos docentes como empecilho para a

implementação do currículo por competências. A sua fala não revela problematização

ou questionamento quanto ao caráter ideológico da implementação do currículo por

competências. A sua fala não expressa que a sua prática é orientada por um fundamento

lógico que contribua para o seu posicionamento claro quanto ao referido currículo. O

professor desconsidera que por meio do discurso, é instituída uma nova prática, uma

nova regulação e uma nova política de formação.

O professor questiona o ensino por conteúdos e reafirma o currículo por

competências. No entanto, ele não discute o caráter de racionalidade técnica de tal

currículo com centralidade nas habilidades e visando a eficiência educacional a partir do

controle de metas e resultados.

A viabilização do currículo por competências por meio de projetos

O professor “D” afirma que na Escola o currículo por competências foi discutido

coletivamente, mas que o processo de implementação não tem sido tranqüilo. O referido

professor admite a sua dificuldade em relação ao desenvolvimento da orientação do

currículo por competências. Ele afirma:

[...] essa idéia de trabalhar com competências, eu muitas vezes fico

pensando se eu trabalho realmente com elas, se meu entendimento

sobre elas é um entendimento que realmente faz com que eu trabalhe

nesse sentido, que muitas vezes eu não tenho claro, como que seria o

trabalho por meio de competências.

A fala do professor “D” reafirma a sua falta de clareza quanto à orientação do

currículo por competências. Os professores entrevistados apresentam dúvidas e não há

consenso entre eles sobre tal orientação. Além disso, há uma interpretação diferente

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entre os professores sobre a orientação dos conteúdos em conceituais, procedimentais e

atitudinais. Como afirma COSTA (2005, p. 60):

A abrangência atribuída à competência denuncia como essa

noção pode ser vaga, o que explica a evidente falta de consenso no

discurso dos docentes. Questionamos, então, como uma noção tão

plástica e volúvel pode assumir o caráter de princípio de organização

curricular. Se o professor não sabe definir o que é competência,

saberia ele desenvolver um currículo voltado para a construção da

mesma?

Deve-se considerar que uma perspectiva crítica sobre a noção

de competência e dos usos que ela vem assumindo na atualidade

parece ser imprescindível para o professor que se depara com a

exigência de se trabalhar em um currículo por competências, até

mesmo para concluir que talvez esse conceito não seja o mais

adequado para incitar as mudanças necessárias na educação. Como

afirma Fullan et al. (2000), dificilmente conseguiremos implementar

mudanças curriculares efetivas e consistentes a partir da utilização de

noções com significados vagos, obscuros e ambíguos.

Ante a grande ênfase dada às competências, é essencial

questionar se o pensamento curricular pautado em tal noção estaria

atrelando o valor do conhecimento apenas à sua aplicabilidade.

Observa-se, como aponta Ramos (2001), a legitimação de uma lógica

que reduz o sentido do conhecimento ao pragmatismo, já que a sua

validade passa a ser julgada pela viabilidade e utilidade de que dispõe.

Para o professor “D”, que demonstra ser favorável à orientação do currículo por

competências, tal orientação ainda enfrenta muitos obstáculos. O professor considera

como um desses obstáculos a “matriz curricular”, que para ele expressa a fragmentação

do conhecimento e do trabalho escolar. Segundo o professor, essa fragmentação tem a

ver com a relação de poder dos órgãos governamentais na escola. O professor “D”

comenta sobre o que ele considera como um dos motivos da resistência dos professores:

[...] a maior parte dos professores que aqui estão são professores que

vem de escola tradicional, mesmo eu, mesmo no meu caso que eu

venho de escola pública, que eu considero que a educação no período

que eu me formei, 1996 eu me formei, sai da escola, era um ensino

tradicional. Então muitas vezes, assim, dentro da sala de aula, a gente

fica aquele confronto, a gente sempre tenta buscar no passado (...)

assim, sempre o passado é bom né, como a gente pensa que o presente

é ruim, a gente busca no passado. Mas, também, a gente acaba muitas

vezes não enxergando os problemas que haviam no passado. Então, eu

acho que há uma resistência consciente. Existem professores que

ainda consideram que o ensino tradicional seria a solução. Aquela

perspectiva né, o sujeito ele vai responder de acordo com a sua

experiência, e a experiência deles é de acordo com o que eles

conseguiram alcançar um espaço dentro da sociedade de acordo com o

ensino tradicional. Eles consideram que esse também será o caminho

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que os alunos deverão seguir. Mas, há uma outra situação problema,

haja vista que houve uma mudança na sociedade, o público da escola,

ele se ampliou, dado que não ocorria há alguns anos atrás. Até vamos

pensar que a escola, ela foi se abrindo aos poucos né (...) agora mesmo

eu sai de uma reunião onde os pais, eles tinham uma imensa

dificuldade, os pais eles não tiveram essa possibilidade, não lhe foi

oferecido espaço, eles não tiveram possibilidade de estar dentro da

escola. Sendo assim, essas crianças que aqui estão elas são crianças

que não convivem com o mundo da escrita dentro de seus lares.

A fala do professor revela uma tendência de modificação da escola e

questionamento da sua orientação tradicional e burocrática. No entanto, os docentes não

vislumbram a possibilidade de constituição de uma escola democrática e de qualidade,

pautada no trabalho coletivo. As mudanças ocorridas na organização do trabalho

docente são recebidas com insegurança e desamparo em um contexto precário de

condições de trabalho.

Quanto ao desenvolvimento do currículo por competências na Escola, o

professor “D” reafirma a atuação da antiga diretora no processo de viabilização.

Segundo ele, o atual diretor da Escola ainda não se posicionou sobre o que ele deseja

realizar. Entretanto, conforme o professor, o currículo por competências é sempre

discutido pelos professores nas reuniões de planejamento, assim como nas reuniões

pedagógicas, além de eles fazerem avaliação sobre isso. No entanto, o professor reclama

das reuniões pedagógicas. Para ele, são reuniões em que se trata de várias questões, em

que existe uma série de demandas que não têm a ver com a sala de aula, mas com

questões burocráticas. Ele afirma: “[...] então, o horário de trabalho pedagógico coletivo

ele muitas vezes, o pedagógico pode ser retirado daí, parece que é um horário de

trabalho coletivo onde se discute de tudo, menos o que eu considero que seria

fundamental [...]”.

Conforme o professor “D”, os professores convivem com a falta de tempo, já

que grande parte deles tem uma jornada de trabalho extensa. Ele próprio leciona

cinqüenta e três (53) aulas por semana. Segundo ele, isso prejudica a possibilidade de

discussões na escola. Ele fala:

[...] sempre a Secretaria vem trazendo aos professores. Aí muitas

vezes, nós no momento que tentamos estruturar como vamos trabalhar

determinados temas, a gente fica no horário pedagógico tentando

muitas vezes estruturar como que esse trabalho vai ser feito, porém

um trabalho de uma semana, se encerra aí (...) a Secretaria de

Educação, eles dão, eles falam, vamos pegar e desenvolver

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determinado projeto, pega lá o professor para um curso de oito (8)

horas, volta tem de aplicar aqui em uma semana, depois levar para lá o

resultado. Isso não existe, isso é teatro [...].

O professor “C”, assim como o professor “D”, fala das dificuldades inerentes ao

trabalho docente, quais sejam, a necessidade de trabalhar em várias escolas, o fato de

não ser efetivo, entre outros. Contudo, ele acrescenta que tais dificuldades

impossibilitam a participação dos professores no planejamento pedagógico das escolas

fundamentado no currículo por competências. Ele considera tal currículo uma

imposição da burocracia estatal e afirma: “[...] então acontece de você não participar do

desenvolvimento e acaba assim, você sendo obrigado a seguir isso”.

Conforme o professor “D”, com a orientação do currículo por competências, a

principal mudança foi na forma como se realiza o planejamento da Escola. Ele

considera que a introdução do trabalho por projetos contribui para flexibilizar a ênfase

nos conteúdos e prioriza a mudança de comportamento. Um dos projetos ao qual ele se

refere para explicar essa ênfase na mudança de comportamento é o Projeto Agenda 21.

Ele explica:

O Agenda 21 seria dentro do contexto global uma agenda onde

busca-se uma série de mudanças (...). Dentro da Reunião da Eco 1992

tem tido muita necessidade de se promover o desenvolvimento

econômico sustentável ligado ao meio ambiente. Então, dentro da

Agenda 21 seria uma série de metas a serem alcançadas por diversos

países, de forma a se buscar um desenvolvimento econômico social

sustentável. Então, cada país teria suas metas que seria a reunião do

que está sendo realizado em cada estado e conseqüentemente em cada

município. Então, dentro do Agenda 21 busca-se o que? Busca-se uma

mudança de comportamento na relação do ser humano com o seu

entorno e isso requer uma série de transformações na nossa relação

dentro dos nossos lares, e na nossa relação junto com a sociedade.

Haja vista que nós temos de considerar isto que é a idéia do Projeto,

que as nossas atitudes vão repercutir no futuro e pode comprometer a

vida das gerações futuras. Então, dentro de uma perspectiva se busca

possibilitar a sobrevivência com a qualidade de vida para gerações

futuras. É necessário uma série de mudanças no comportamento no

presente. Porém, a discussão da Agenda 21 ela transparece que só

cabe a mim, só cabe a cada um de nós fazer uma mudança (...). Então,

eu acho que muitas vezes uma questão meio que individualizada,

como se dependesse de mim realizar uma mudança (...). É ligada ao

meio ambiente a questão do cidadão individual, é como se fosse só o

cidadão, e o Estado onde é que entra nisso? Onde é que entra a

empresa? A questão que eu vejo como maior problema aqui se eu

pensar a “Agenda 21”, o maior problema que nós temos aqui do meio

ambiente é a ocupação desordenada, haja vista que não existe um

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projeto habitacional. Então, quando se discute a Agenda 21 não se

discute essa situação, discute que cada um deve separar o lixo, cada

um deve fazer isso e aquilo, sendo que o problema maior continua e

cada vez sem que haja um Estado relativamente forte né, Estado forte

que eu falo é que não seja esse Estado neoliberal, um Estado que está

se eximindo de várias tarefas, está passando para a sociedade (...).

Essa Agenda 21 num certo sentido seria o que? Uma mudança no

comportamento, uma mudança no procedimento de cada um (...) cada

um de nossos alunos. Porém, ela tem limitações porque ela muitas

vezes acaba eximindo da discussão esses fatores, e esse projeto tem a

participação (o professor fala o nome da empresa que mantém parceria

com a Escola). Esse projeto tem a participação da Prefeitura [...].

O professor “D” fala também de um outro projeto que é desenvolvido na Escola

pela empresa com a qual ela mantém parceria. O projeto é denominado “Juventude de

futuro”. Segundo ele:

[...] esse é um projeto que, na verdade, os professores não participam

ativamente, a (ele fala o nome da empresa que mantém parceria com

a Escola) junto com a Prefeitura que participam aqui, de forma a

preparar o aluno para o mercado de trabalho. Então, como se fosse

uma receita, de quais seriam os procedimentos para uma entrevista,

como se deve comportar. Então, uma coisa bem instrumental (...).

Como se apresentar, como falar, seria a forma como ele vai vender o

produto dele. Esse discurso, ele penetra muito na escola, é constante

nós ouvirmos em reuniões. A primeira coisa que muitas vezes as

pessoas falam para os alunos é: se você continuar se comportando

desse jeito, você não vai conseguir um emprego na vida. A gente está

voltando para aquela situação da escola preparando para o mercado de

trabalho.

Conforme o professor “D”, a escola está novamente formando para o mercado

de trabalho, privilegiando a formação do estudante como um robozinho. Ele afirma:

[...] é um discurso que está muito presente na escola, e pior né, a

escola não está se adequando (...), a escola tenta preparar para o

mercado de trabalho na era pós-fordista, e a escola muitas vezes, eu

vejo, a escola é fordista em si. Tenta preparar para a linha de

montagem (...). Aí que entra nessa questão né, nós estamos

preparando o sujeito também dentro das competências porque é o

sujeito múltiplo, o sujeito que consegue exercer várias funções, um

sujeito flexível que consegue adaptar a diversas funções e a mudar

constantemente de trabalho, que é isso que eles estão querendo

implantar [...].

Para a professora “B”, entrevistada em 15/12/2005, uma das principais

mudanças introduzidas na Escola a partir do currículo por competências é o trabalho de

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Projetos. Ela afirma: “[...] de lá para cá eu tenho notado que a gente tem trabalhado mais

com projetos interdisciplinares, algumas coisas dão certo, muito legal, às vezes a gente

não consegue com vinte professores, mas a gente consegue com dez, com cinco. Então,

é muito legal”. A professora fala como o trabalho com projetos é desenvolvido na

Escola:

[...] o nosso projeto de aula não pode ser a primeira coisa o conteúdo,

mas tem de ser a primeira coisa o tema que eu vou trabalhar, e daí

dentro desse tema que conteúdo que eu posso trabalhar dentro dele.

Não que eu só faça isso, mas eu tenho tentado privilegiar os temas.

Então, se nós vamos desenvolver um projeto que tema que nós vamos

desenvolver, e dentro desse projeto ir jogando os conteúdos [...].

[...] quando eu estou trabalhando projeto, seu eu ficar preocupada só

com o conteúdo eu não vou trabalhar o projeto. Então procuro colocar

os conteúdos possíveis dentro do projeto, e quando aparecem

dificuldades trabalhar com as dificuldades [...].

[...] não dá para trabalhar tudo, uma coisa que é muito importante, que

eu enfatizei demais esse ano foi leitura e interpretação de textos [...].

Entre os projetos mais trabalhados, a professora “B” comentou sobre o “Projeto

Água”, o “Projeto de conscientização sobre o barulho”, o “Projeto de leitura” e o

“Projeto de Teatro”. A professora afirma que no começo do ano são feitos os Planos “e

depois tem os projetos, e aí a gente vai encaixando esses conteúdos dentro dos

projetos”. Segundo a professora, nem todos os projetos são elaborados pela própria

Escola. Alguns deles são exigências externas, principalmente, em âmbito

governamental. Conforme ela:

[...] no projeto, acaba se desenvolvendo essa questão do atitudinal né,

inclusive o projeto é o que? O resultado dele seria exatamente essa

mudança de atitude em relação a alguma coisa, mesmo que seja uma

conscientização, seja aprender algo mais sobre alguma coisa né.

A fala da professora “B” revela que no trabalho com projetos são priorizados os

temas. Os conteúdos selecionados são os que podem ser exercitados no âmbito escolar,

promovendo situações em que o conhecimento seja mobilizado. Nessa perspectiva, os

conteúdos do ensino são tratados de maneira utilitária. O desenvolvimento de

competências é priorizado em detrimento dos conhecimentos.

Zibas, Ferretti e Tartuce (2006) reafirmam que a indução à elaboração ou à

adesão a projetos é a convocação mais acabada dos órgãos governamentais para a

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implementação e controle da reforma curricular. Pretende-se, oficialmente, que os

projetos se tornem o núcleo do currículo, visando ao trabalho interdisciplinar ao

protagonismo (à participação) discente.

Embora o professor “D” posicione-se a favor do trabalho por projetos, ele aponta

também as contradições inerentes a essa perspectiva. De acordo com o seu discurso, o

trabalho por projetos não significa necessariamente uma mudança significativa no

ensino no que se refere à qualidade. Conforme o professor “D”:

[...] muitas vezes quando se busca trabalhar por meio de projeto,

acaba-se disfarçando o ensino tradicional por meio de um projeto.

Então, que conteúdo que dá para trabalhar nesse projeto, quer dizer eu

trabalhar conteúdo sobre o manto de um projeto que vai trabalhar

determinadas competências.

Quanto aos projetos, o professor “C” entrevistado em 15/12/2005, afirma que

muitos professores negam-se a desenvolvê-los exatamente por que inviabilizam o

desenvolvimento dos conteúdos das suas disciplinas, e pela falta de tempo para

introduzir tais projetos sem prejudicar o planejamento das aulas. O professor afirma:

“[...] não julgo os professores que não trabalham isso, porque eles vão vendo que não

têm tempo para fazer essas coisas todas [...]”.

A fala do professor “C” reafirma a pesquisa realizada por Zibas, Ferretti e

Tartuce (2006) em escolas de São Paulo e do Ceará. Em relação ao desenvolvimento de

diversos tipos de projetos nas escolas, eles chegaram a algumas conclusões. A

existência de resistência dos professores a uma convocação para a implementação de

projetos pelos órgãos oficiais, sendo poucos os professores que participam efetivamente

deles, é uma de suas observações. A recusa dos professores na participação dos projetos

deve-se, principalmente, à falta de recursos materiais e tempo para reuniões. Além

disso, os projetos são desenvolvidos paralelamente aos conteúdos das disciplinas, não se

articulando a elas.

O professor “C” menciona a palavra “jogado” para referir-se às exigências que

são feitas às escolas em âmbito governamental. Ao mencionar tal palavra, o professor se

refere à imposição, pressão, falta de planejamento e falta de espaço para os professores

discutirem sobre as propostas governamentais. Por isso, ele afirma discordar de muitas

coisas. Quanto às propostas governamentais, ele fala:

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[...] eu acho que elas são aplicadas assim muito que, não são

aplicadas, são impostas, e de uma maneira meio rápida demais,

aconteceu isso e vão se adequar. Não há um preparo antes para isso

acontecer (...). Então, ah gente, esse ano vai ser assim (...) a partir de

agora vai ser assim. Tá, mas o que eu fiz durante 12, 13 anos, eu

agora, o quê que eu faço? (...). Adaptar-se assim é muito complicado,

fazer essa adaptação (...). Então, assim, eu sou favorável a muitas

mudanças que eles colocam, mas não da maneira que eles colocam.

Acho que deveria ser um pouco mais trabalhado. Talvez, o resultado

fosse melhor [...].

Em sua fala o professor “C” critica a maneira como o Estado impõe as

exigências às escolas. Para ele, o Estado não considera a experiência dos trabalhadores

das escolas e a necessidade de preparação destes para as mudanças. Dessa forma, ele

critica o autoritarismo do Estado na imposição de suas exigências. Portanto, o professor

questiona não necessariamente as mudanças, mas à maneira autoritária como estas são

colocadas.

A afirmação do professor “C” corrobora a análise realizada por Zibas, Ferretti e

Tartuce (2006). Em sua pesquisa, A reforma do ensino médio e o protagonismo de

alunos e pais, os autores observaram que nos dois estados nos quais a pesquisa foi

realizada, São Paulo e Ceará, há uma omissão estadual quanto ao acompanhamento e

apoio direto às unidades escolares no que diz respeito às inovações. Nos dois estados, as

inovações são cobradas pelos órgãos governamentais, mas os professores não são

preparados para recebê-las. Portanto, não compreendem seus pressupostos. Os

professores também resistem às inovações devido às suas condições de trabalho.

A “resistência” dos professores ao currículo por competências

O professor “D” compreende que existem empecilhos que impossibilitam o

desenvolvimento do conteúdo da sua disciplina com os estudantes. Ele considera que o

problema básico é a dificuldade de leitura apresentada pelos estudantes. Quanto à sua

experiência docente, o professor afirma:

[...] eu comecei trabalhando com essa idéia de conteúdos, depois eu

me tornei um pouco mais maleável porque dentro da sala de aula eu

não conseguia o retorno, não havia retorno por parte do grupo de

alunos com os quais eu trabalhava, havia uma dificuldade por parte

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deles. Então, aí que eu comecei a pensar como eu vou tentar fazer

com que a minha aula torne-se algo útil para o meu aluno, que para

mim determinados conhecimentos de História são mais importantes,

para outras pessoas, mas eu muitas vezes fico pensando para eles,

mais importante para eles muitas vezes refere-se dominar a escrita,

leitura (...) se eles não dominam isso, eles não vão compreender o que

eu estou fazendo. Quando eu comecei a lecionar, muitas vezes eu

fazia o contrário, já cheguei considerando que eles dominavam leitura

e escrita, haja vista que eu estava no Ensino Médio. Eu comecei

lecionando só no Ensino Médio, depois eu fui verificando que aquilo

não existia. Eu estava numa situação absurda. Então, eu tentei

trabalhar com eles leitura e escrita, dentro das aulas de História, até

que chegou um momento que eu resolvi dar aula mais para o

Fundamental (...). Então eu resolvi pegar o fundamental e tentar

acompanhá-los até o Ensino Médio de forma que eu tivesse claro a

dificuldade que eles têm para que então eu pudesse compreendê-los

melhor. Então, eu estou trabalhando com a 5a série (...) eu quero

seguir com uma sala que é 6a, que eu trabalhei ano passado, que eu

quero chegar até o Ensino Médio, porque eu quero verificar de uma

forma geral como é que cada aluno vai desenvolver (...) eu considero

que a maior tarefa aqui da escola dado a situação que ela está agora,

dado a situação da comunidade que está freqüentando-a (...), é

desenvolver leitura e escrita, depois que eles tiverem essa

possibilidade, que eles estiverem melhor preparados, aí eu posso estar

aprofundando [...].

Por meio da sua prática, o professor reafirma a orientação da Secretaria de

Estado da Educação do Estado de São Paulo. A Secretaria indica a leitura e escrita como

as habilidades e competências básicas que devem compor toda a organização curricular

para o ensino fundamental.1

Dessa forma, o Ensino Fundamental deve, através da proposta

pedagógica de cada escola, sedimentar as aquisições básicas para a

cidadania, oferecendo ferramentas para esse exercício. Nesse

compromisso se insere a garantia de condições para a aprendizagem

da leitura e da escrita como habilidades básicas, componentes de toda

a organização curricular (SÃO PAULO-SEE/SP s.d., p. 24).

Monfredini (2010) observa que o desenvolvimento das habilidades de leitura e

escrita é prioridade do currículo proposto pela SEE/SP. Para a autora, essa orientação

para o Ensino Fundamental, expressa no âmbito das políticas da SEE/SP, contradições e

limites contidos nas atuais políticas para a Educação em nível mundial. Tal diretriz

1 A ênfase na leitura e na escrita por meio da orientação dos órgãos oficiais é justificada pelos dados do

SAEB. Os dados revelam que 43% dos estudantes de São Paulo, no final do Ensino Médio, mostram

conhecimentos de leitura e escrita esperadas da 8a série. Apenas um quarto dos estudantes tem

conhecimento esperado para a série. Os dados ainda apontam uma situação pior na escola pública

(TAKAHASHI, O Estado de São Paulo, 1o out. 2007. p. C1).

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parece reduzir os conhecimentos científicos das disciplinas específicas, fundamentais

para o exercício da cidadania. Conforme a autora (Ibid. p. 11):

[...] O compromisso com a aquisição da leitura e escrita pode, na

prática cotidiana da escola, deslocar o foco da apropriação por parte

dos alunos dos conhecimentos e conteúdos específicos das disciplinas,

consensuais para uma determinada sociedade – embora não bastem

por si mesmos para que o aluno complete o processo de socialização

escolar -, transformando estes conhecimentos em instrumentos

diversificados para a aquisição da leitura e da escrita. Ainda que

reconheça a importância do domínio da leitura e da escrita, o

conhecimento considerado socialmente relevante pode reduzir-se à

função de apoio para o seu aprendizado.

De acordo com Monfredini (2010), ao priorizar o domínio da leitura, escrita e

aritmética a Secretaria orienta a escola para uma formação mínima básica, associada à

apropriação de valores que garantam uma convivência harmoniosa. O objetivo é que a

futura geração seja formada para criar oportunidade de renda e de trabalho no mundo

sem emprego. É formá-la para o empreendedorismo, para a empregabilidade e para o

convívio em harmonia. Como lembra a autora, essa mudança inerente à formação por

competências é realizada no campo da intencionalidade da Lei pelas atuais políticas

educacionais. Segundo Monfredini, no início do século, era função da escola formar o

estudante “intelectual e moralmente”. No entanto, atualmente é formá-lo como “cidadão

competente”.

Zibas associa o baixo desempenho apresentado pelos estudantes nos

conhecimentos de leitura e escrita às condições de trabalho dos professores. “Segundo a

Secretaria Estadual de Educação, 70% dos professores têm emprego em outra rede – ou

seja, no mínimo dobram a jornada” (TAKASHASHI, 2007, C1). No entanto, as

propostas apresentadas pela Secretaria não dizem respeito à melhoria das condições de

trabalho dos professores, mas à implementação do ensino por projetos, sem a

preocupação com a viabilização de uma formação fundamentada na constituição dos

conhecimentos científicos.

Na Escola, o professor “C” é quem desenvolve uma crítica mais aprofundada

quanto à orientação do currículo por competências. Ele considera que os conteúdos que

são trabalhados com os estudantes são os principais atingidos diante da orientação do

currículo em conceituais, procedimentais e atitudinais. O professor afirma: “[...] houve

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exclusão de algumas coisas que talvez não se julgue pertinente à realidade do aluno, eu

falaria nos conteúdos, nas disciplinas que eu leciono”.

Dos professores entrevistados na Escola, o professor “C” é o único que observa

que os conteúdos das disciplinas são reduzidos para contemplar a realidade do

estudante. Para o professor a conseqüência da redução dos referidos conteúdos é a

limitação do estudante a sua própria circunstância. Varela (1994, p. 96), lembra que:

[...] As pedagogias renovadoras são, em geral, excessivamente

psicológicas. Ao se opor simplesmente às tradicionais, correm o

perigo de reivindicar uma cultura, também construída, das classes

populares, excessivamente vinculada ao criativo, ao concreto, ao local

e ao prático. Podem deste modo encerrar os filhos das classes mais

desfavorecidas numa espécie de realismo concreto, negando-lhes o

acesso à cultura culta, a determinados saberes, e provocar assim os

efeitos menos desejados: impedir-lhes de escapar a sua condição de

sujeitos submetidos [...].

A fala do professor “C” evidencia a tendência de associação dos conteúdos à

realidade do estudante no sentido de mobilizá-los para a resolução de situações da

prática. Dessa forma, o conhecimento adquire valor de acordo com a sua condição de

uso em situações que demandam eficácia. Em função disso, ele tem sentido na medida

em que possibilita o desenvolvimento de competências.

O professor “C” afirma que alguns conteúdos são eliminados e não são

trabalhados com os estudantes. Conforme ele:

[...] os que não seriam utilizados no cotidiano desses alunos, ou que

talvez não seriam utilizados totalmente (...) a trabalhar, por exemplo,

conteúdo números complexos para uma turma, para uma região que

não tem acesso a essa informação. Para que serve isso? No que vou

usar? Então, isso acaba não sendo visto.

O professor afirma que o trabalho em função de algumas habilidades faz com

que se trabalhem alguns conteúdos, outros são desconsiderados na formação dos

estudantes, principalmente os que não são considerados importantes para a sua

realidade. Segundo o professor “C”, o desenvolvimento das habilidades é trabalhado por

meio de projetos. Nesse sentido, o professor afirma:

[...] é mais em questão de projetos, ah, então foi trabalhado projeto de

alcoolismo. Então, a gente trazia dados estatísticos, aí faziam

referência e discutia. Acabava discutindo casos com os segundos anos,

que são mais maduros, de alcoolismo em família, essas coisas, e aí

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você trabalha estatística. Dá para trabalhar bastante coisa e as outras

coisas acabam saindo (...) acabam saindo no meio do projeto.

[...] se a pessoa tem aquele intuito de querer prestar um vestibular ou

ir para um outro nível de ensino, fica muito complicado para ela,

porque ela perde muita coisa.

[...] e depois você vê que muitos retornam aqui e pedem para estudar,

ou até, ah, posso assistir as aulas de Matemática, de Português?

Porque eu preciso fazer uma prova, e eles não conseguem [...].

O professor “C” considera que por meio dos projetos os conteúdos são tratados

de forma superficial. Ele afirma:

[...] à margem e superficial, mesmo que você consiga, por exemplo,

você vai trabalhar equação. Então, vamos pegar o projeto “Poluição

Sonora” (...) a gente consegue passar isso para eles, mas tudo dentro

do projeto né. Talvez fique até mais suave para ele aprender (...)

porém não é a melhor forma, pelo menos a meu ver não é a melhor

forma (...) ele não vai ter todo conhecimento, ele não vai ter todo

conhecimento e da melhor forma.

De acordo com o professor “C” nem todos os professores concordam em

trabalhar por meio de projetos fundamentados no currículo por competências, mas os

que não concordam acabam sendo minoria. Pelo fato de a maioria acabar concordando

com tal orientação, isso é priorizado.

O referido professor considera que essa rejeição dos colegas quanto ao trabalho

com projetos pode ser explicada pelo fato de atrapalhar uma prática que estava sendo

desenvolvida pelos professores em relação ao seu pensamento pedagógico. Além disso,

ele associa tal rejeição também à imposição dessa prática com projetos. No entanto, ele

considera que essas não são as principais justificativas para a rejeição, ele compreende

que não é só isso. Para o professor “C”, só há sentido trabalhar projetos se os estudantes

não ficarem prejudicados em relação aos conteúdos das disciplinas. O projeto é

relevante quando o estudante tem base sobre o conteúdo, e esse deve ser priorizado para

que depois se possa trabalhar com projetos. O professor discorda de o projeto ser uma

ferramenta para o desenvolvimento do conteúdo. Ele considera que as competências, os

projetos deveriam ser trabalhados a partir do momento que o trabalho com os conteúdos

estivesse bem resolvido.

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Na fala da professora “B” podemos identificar uma tendência de apropriação2 do

currículo por competências. A referida professora considera que as mudanças

introduzidas por ela na sua sala de aula não se devem apenas à exigência da orientação

do currículo por competências. Ela fala:

[...] se a gente não quer mudar, não é uma exigência que vai ajudar. A

hora que você entra na sala, você é que manda na sua sala. Eu acho

que o que faz a gente mudar é a gente conhecer algo mais, a gente

estar sempre buscando aprender alguma coisa a mais. Então, eu acho

que a gente vai a cada vez amadurecendo e melhorando a partir das

experiências e de algumas orientações que a gente busca para

melhorar esse trabalho, não seria só o motivo disso, claro que isso é

um norte né, norteia o trabalho, mas não quer dizer que seria

obrigatório melhorar só por causa disso. Acho que a gente tem de

melhorar né.

A fala da professora “B” revela a sua consideração sobre as mudanças no sentido

de uma contribuição para a sua atividade docente. No entanto, ela demonstra

compreender que tais mudanças não são responsáveis pela melhoria do trabalho do

professor. Para ela, o professor busca no currículo por competências contribuições que

possam auxiliá-lo, mas considerando a sua experiência. A fala dela reafirma a

observação de Sinisi (2006, p. 75):

[...] Nas instituições, o sentido de aceitação do que é oferecido pelo

nível central é interpretado como um benefício para a realização do

que já vinham fazendo com grande esforço „voluntário‟ (...). Não

desperdiçar as oportunidades se transforma num nível de apropriação.

Na fala da professora “B”, o professor é colocado como sujeito, que aceita, que

resiste, que adapta, que ressignifica, e não como objeto que implementa as exigências

que lhe são colocadas. A professora compreende que o professor deve sempre tentar

melhorar o seu trabalho independente das exigências que lhe são feitas, e que é ele que

busca orientação para o seu próprio trabalho. No entanto, a professora não demonstra

compreender que as condições de trabalho limitam a autonomia do professor. Além de

aliená-lo no próprio processo.

Linhares (1995), considera que estamos vivenciando uma política de

conhecimento extremamente severa, tal política é imposta pela burocracia estatal e visa

2 Zibas; Ferretti; Tartuce, 2006, consideram a apropriação como processos que recontextualizam, que

ressignificam as propostas que chegam à escola.

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ao controle ideológico da escola para a sua abertura aos valores capitalistas. Contudo,

“[...] a formação de massas identifica-se à homogeneização crescente, ao aniquilamento

das singularidades, ao amordaçamento de sujeitos históricos, ao mesmo tempo que se

radicalizam as exigências de competitividade [...]” (p. 177).

Temos, portanto, um contexto de formação de identidades fundamentadas na

mercantilização do conhecimento e na regulamentação estatal sobre a sua produção. De

acordo com Beck e Young (2008), Bernstein considera que o conceito de educação está

em jogo em um contexto de predominância da desumanização do conhecimento e da

cultura da auditoria. Tudo isso tem profundas conseqüências para os docentes,

reestruturando as condições externas às práticas acadêmicas e os elementos centrais da

sua identidade.

Beck e Young (2008) consideram a contribuição de Basil Bernstein sobre a

análise da constituição de identidades de docentes e discentes de acordo com a

“regionalização” e com o “genericismo” do conhecimento. Conforme Bernstein, a

“regionalização” como princípio dominante para a estruturação dos currículos por

módulos assume nova importância a partir do final do século XX e tem profundas

implicações para as identidades. Em função disso, os especialistas têm fragilizada a sua

autoridade intelectual de controle do conteúdo, do seqüenciamento e do ritmo do

conhecimento em seu “próprio” campo, uma vez que os cursos são reestruturados pelos

gestores para atender às demandas dos estudantes, dos empregadores e do governo. Os

gestores considerados bons são os que têm habilidades para responder às necessidades

dos empregadores.

Segundo Bernstein, o “genericismo” como novo tipo de estrutura do

conhecimento surgiu com a “regionalização”, a partir da década de 1980. O genericismo

ganha expressão com a predominância da empregabilidade e se fundamenta no

aprendizado por toda a vida e no “aprender a aprender”. Diante desse quadro, os

sistemas educacionais devem se adaptar ou sucumbir ao referencial de formação com

fundamento no desenvolvimento de “habilidades”, “resolução de problemas” e

“trabalho em equipe”.

Para Bernstein, a empregabilidade considera o desenvolvimento de capacidades

e de flexibilidade para adquirir e pôr em uso o que quer que seja necessário no momento

seguinte, por isso, guarda semelhança com o termo “aprender a aprender”. Sob essas

circunstâncias, ocorre o crescente declínio da especialização das instituições de

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educação formal e um esvaziamento das identidades pedagógicas, estas sofrem a

influência das estabilidades temporárias. Conforme o autor, no âmago dos modos

genéricos está um novo conceito de “trabalho” e de “vida” com referência no “curto

prazismo”.

Considerações finais

O currículo por competências é centralidade na reforma educativa com

referência no setor privado. Por isso, significa o enfraquecimento do espaço público e

da ação política que o caracteriza, em um processo de colonização das políticas

educativas pelas políticas econômicas.

Analisamos as condições de trabalho dos professores no referido processo

considerando a ingerência do setor privado no âmbito das escolas públicas por meio da

ação do Estado. A análise dos dados revelou uma tendência de agravamento das

condições de trabalho dos professores no contexto de implementação do currículo por

competências. As degradantes condições de trabalho são acompanhadas pelo

enfraquecimento político dos professores e, por conseguinte, pela privatização do

espaço público.

Verificamos a modificação da organização do trabalho dos professores e do

projeto pedagógico da escola de acordo com a racionalidade técnica do currículo por

competências. Em função disso, a prática pedagógica dos professores foi direcionada

para o desenvolvimento de projetos que fragmentam os conteúdos das disciplinas e os

viabilizam de maneira pragmática de acordo com a resolução de problemas sociais

considerados emergentes.

Dessa perspectiva, o currículo por competências implica a reestruturação da

identidade dos professores para a reafirmação da lógica inerente ao setor privado em

detrimento da sua prática ético-profissional. Temos, portanto, uma nova política de

conhecimento e de formação com ênfase na empregabilidade e que estabelece novas

relações sociais fundamentadas na cultura do novo capitalismo.

As práticas pedagógicas dos professores no processo de implementação do

currículo por competências revelam posições diferenciadas. Quanto ao processo de

implementação do referido currículo, verificamos na fala do mesmo professor a

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possibilidade de adaptação, apropriação e/ou resistência. Além disso, as falas dos

docentes revelam a sua fragmentação coletiva com implicações para a sua autonomia e

para a formação dos estudantes.

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25

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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