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Castelo Branco Científica - Ano II - Nº 04 - julho/dezembro de 2013 - www.castelobrancocientifica.com.br 1 Faculdade Castelo Branco ISSN 2316-4255 OS PROBLEMAS DO CÁRCERE E A RESSOCIALIZAÇÃO NO SISTEMA PRISIONAL: UMA ANÁLISE DO ENCARCERAMENTO BRASILEIRO (1) OLIVEIRA, Fernanda Rebelim; (2) SOUSA, Mirian Moraes de; (3) ZACCHÉ, Ítalo Juliano; (4) JACOB, Alexandre RESUMO A prisão foi criada para o encarceramento dos criminosos e a aplicação das penas para sancionar e prevenir novas ocorrências, contudo o estado não tem conseguido manter seu papel na reeducação e reinserção social dos condenados, ressocializando os presos e permitindo seu retorno social de forma harmônica. A função social da pena e consequentemente da prisão não se efetiva no decorrer do tempo, pelo contrário, deve haver mudanças no sentido de permitir um tratamento prisional que respeite a dignidade e a incolumidade física e mental dos apenados. A educação é um poderoso ins- trumento de mudança social e deve ser implantada no sistema prisional de forma a garantir a inserção no mundo do trabalho e recolocação social. O encarceramento brasileiro já não obedece aos fatores de cor de pele e etnia, (1) Autora. Graduanda em Direito. Faculdade Castelo Branco. Colatina-ES. (2) Autora. Graduanda em Direito. Faculdade Castelo Branco. Colatina-ES. (3) Autor. Graduando em Direito. Faculdade Castelo Branco. Colatina-ES. (4) Orientador. Especialista em Direito Civil. Faculdade Castelo Branco. Colatina-ES.

OS PROBLEMAS DO CÁRCERE E A RESSOCIALIZAÇÃO NO … · de Jessé Souza: Os negros são sistematicamente marginalizados por conta da cor de sua pele ou porque a ausência secular

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Faculdade Castelo Branco ISSN 2316-4255

OS PROBLEMAS DO CÁRCERE E A RESSOCIALIZAÇÃO NO SISTEMA PRISIONAL: UMA ANÁLISE DO

ENCARCERAMENTO BRASILEIRO

(1) OLIVEIRA, Fernanda Rebelim; (2) SOUSA, Mirian Moraes de; (3) ZACCHÉ, Ítalo Juliano; (4) JACOB, Alexandre

RESUMO

A prisão foi criada para o encarceramento dos criminosos e a aplicação das penas para sancionar e prevenir novas ocorrências, contudo o estado não tem conseguido manter seu papel na reeducação e reinserção social dos condenados, ressocializando os presos e permitindo seu retorno social de forma harmônica. A função social da pena e consequentemente da prisão não se efetiva no decorrer do tempo, pelo contrário, deve haver mudanças no sentido de permitir um tratamento prisional que respeite a dignidade e a incolumidade física e mental dos apenados. A educação é um poderoso ins-trumento de mudança social e deve ser implantada no sistema prisional de forma a garantir a inserção no mundo do trabalho e recolocação social. O encarceramento brasileiro já não obedece aos fatores de cor de pele e etnia,

(1) Autora. Graduanda em Direito. Faculdade Castelo Branco. Colatina-ES.(2) Autora. Graduanda em Direito. Faculdade Castelo Branco. Colatina-ES.(3) Autor. Graduando em Direito. Faculdade Castelo Branco. Colatina-ES.(4) Orientador. Especialista em Direito Civil. Faculdade Castelo Branco. Colatina-ES.

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mas persiste a segregação pelo poder econômico. O preso brasileiro atual necessita de educação profissional e tratamento humano e o estado precisa adotar políticas eficazes para garantir que a ressocialização se inicie nos presídios e seja efetiva aos egressos.

Palavras-chave: prisão; ressocialização; encarceramento; problemas so-ciais; educação.

1 - INTRODUÇÃO

Há séculos as sociedades têm investido na segregação dos condenados com o fim da manutenção da ordem pública e bem-estar social. Alojados em prisões, os condenados deixam suas comunidades livres de suas pre-senças e influências nefandas, facilitando ao Estado seu papel garantidor.

Ideologicamente, a pena é a resposta do Estado ao cometimento de fato previsto como crime no ordenamento jurídico. Uma vez condenado irre-corrivelmente, o cidadão é privado de sua liberdade e tem seus direitos civis restringidos durante o cumprimento da pena. Esse cumprimento dar--se-á em estabelecimentos prisionais adequados, cuja estrutura obedecerá às condições pessoais de cada condenado, para que seja possível propor-cionar condições para a sua harmônica integração social, conforme o artigo 1º da Lei nº. 7.210/84.

Para Michel Foucault, no entanto, a prisão é anterior à organização do Es-tado e sistematização das normas penais:

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A prisão é menos recente do que se diz quando se faz datar seu nas-cimento dos novos códigos. A forma-prisão pré-existente à sua uti-lização sistemática nas leis penais. Ela se constitui fora do aparelho judiciário, quando se elaboraram, por todo o corpo social, os proces-sos para repartir os indivíduos, fixá-los e distribui-los espacialmente, classificá-los, tirar deles o máximo de tempo, e o máximo de forças, treinar seus corpos, codificar seu comportamento contínuo, mantê-los numa visibilidade sem lacuna, formar em torno deles um aparelho completo de observação, registro e notações, constituir sobre eles um saber que se cumula e se centraliza. (FOUCAULT, 2002).

Resta claro, portanto, que a prisão existe desde que o ser humano quis se-gregar outros de sua espécie, sendo utilizada pelo Estado com a mesma ou várias outras finalidades.

É tido como verdade que uma das funções da pena, e por consequência da prisão, seja o de recuperar o cidadão condenado. Infelizmente também tem sido aceito que nenhuma prisão é capaz disso.

Longe de ser uma questão eminentemente brasileira, o escritor português João Mineiro, analisando o sistema carcerário daquele país, explica e questiona:

A hipótese de Foucault é a de que desde 1820 que a prisão deixou de querer “transformar indivíduos” para apenas servir para fabricar novos criminosos ou afundá-los ainda mais na criminalidade. Se a prisão serve para reabilitar indivíduos como é que é possível morre-rem tantas e tantas pessoas na prisão? (MINEIRO, 2006).

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Com esse e outros questionamentos, pode-se acreditar que a prisão tem se de-monstrado um grande problema social e que desde a sua utilização não é eficaz.

Uma questão preocupante é a máxima de que nos presídios brasileiros há enorme quantidade de pobres e negros encarcerados. Se tomarmos essa assertiva como verdade e levarmos em consideração a formação do povo brasileiro, não seria irreal concluir, por exemplo, que a população carcerá-ria é formada apenas por uma parcela da população brasileira.

Outra questão de destaque é a constatação de que não há disponibilidade de empregos em quantidade suficiente para a parcela pobre e analfabeta da população brasileira, o que dificulta a reinserção do egresso do sistema carcerário no seio social.

2 - A PRISÃO E AS DESIGUALDADES SOCIAIS

A prisão deveria ser um local para se ensinar o condenado a se comportar como um cidadão capaz de retornar ao convívio social; devia ser a oportuni-dade do indivíduo se profissionalizar e se instruir, para se tornar emancipado, autônomo e capaz de viver como cidadão comum após cumprir sua pena.

Sob vários aspectos, a prisão não se mostrou a melhor das escolhas para essa finalidade, porém, como o Estado não possui outro meio para buscar esse fim, a prisão se mantém.

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E se, em pouco mais de um século, o clima de obviedade se trans-formou, não desapareceu. Conhecem-se todos os inconvenientes de prisão; e sabe-se que é perigosa quando não útil. E, entretanto não ‘vemos’ o que pôr em seu lugar. Ela é a detestável solução de que não se pode abrir mão. (FOUCAULT, 2002).

A prisão serve em sua obviedade para transformar os indivíduos e foi ime-diatamente aceita para essa finalidade, pois se mostrou oportuna na função de reeducar, tornar dócil e acentuar os condenados ao corpo social.

Foucault define a prisão como “um quartel um pouco estrito, uma escola sem indulgência, uma oficina sombria, mas, levando ao fundo, nada de qualitativamente diferente” (FOCAULT, 2002). Ela pode até ser conside-rada assim, mas sem sua utilização, crê-se que os problemas sociais pode-riam estar mais incontroláveis.

Há quem creia que a falta de recursos financeiros é a possível causa do cometimento de delitos, por conseguinte, causa do grande índice de crimi-nalidade e do grande encarceramento. Isso se daria em razão de as pessoas se encontrarem em situações difíceis, vislumbrando no mundo do crime a possibilidade de melhor sobrevivência, isso em se tratando de crimes contra o patrimônio ou aqueles que possam significar vantagem financeira.

A qualidade de vida do brasileiro, em que pesem os projetos sociais vi-gentes, não parece alcançar a todos os cidadãos. Ainda hoje não se podem garantir os direitos fundamentais ao cidadão, dispostos na Constituição Fe-deral em seu artigo 5º, caput:

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Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (...). (BRASIL, 1988)

O Brasil é um país de diversidade, e essas diferenças ultrapassaram os parâmetros culturais e de sua formação, refletindo principalmente nas de-sigualdades sociais. Por muito tempo essa desigualdade se pautou na cor de pele ou etnia dos cidadãos, contudo, há de se ressaltar o questionamento de Jessé Souza:

Os negros são sistematicamente marginalizados por conta da cor de sua pele ou porque a ausência secular de qualquer ‘esforço cívico’ de redimir e educar os ex-escravos tem reproduzido sistematica-mente, junto com parcelas expressivas de brancos e pessoas de cor, uma ‘ralé’ de indivíduos sem qualquer das precondições psicosso-ciais para o trabalho disciplinado e produtivo em condições capita-listas? Se alguém desejar minha opinião sincera é isso que acho que aconteceu e isso se refere primariamente à desigualdade de classes e não de cor! Outra questão óbvia que não é jamais feita e que vai ao mesmo sentido é: se a desigualdade é de cor, então porque quantida-de expressiva de brancos compartilha a mesma posição dos negros? (SOUZA, 2006)

Parece sensato aceitar que as desigualdades estão relacionadas às diferen-ças de classes antes das diferenças de cor de pele ou etnia. Se a quantidade de negros encarcerados for realmente maior que a de brancos e se houver um indicador do estado financeiro desses cidadãos poderíamos concluir que há marginalização em razão do poder aquisitivo e depois em razão da cor de pele conforme o resultado dessa análise.

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Souza (2006) explica que a pessoa que pretende influenciar uma sociedade necessita compreender a teoria com a prática. O que é escrito precisa ter base e fundamentos para deixar o papel e se tornar real. Aplicando isso a nossas leis, tem-se que por mais prolixo que o Brasil seja em matéria de legislação, muitas leis permanecem apenas no papel.

Malgrado isso, os representantes populares parecem ter esquecido o que é a Política e parecem preferir viver a “politicagem”, assim, o poder consti-tuído parece estar cego e de mãos atadas. Desse modo, há de se encontrar novos métodos para ver a mudança nesse quadro:

A política é um campo de lutas sociais, por recursos escassos, ma-teriais e ideias muitos concretos. É preciso outros instrumentos, in-dependentes de boa argumentação e boas e claras ideias para tornar realidade mudanças sociais expressivas. Por outro lado, sem clareza teórica do que quer fazer, a chance de mudança efetiva morre no nascedouro. (SOUZA, 2006).

A desigualdade é muito significativa no meio social e precisa ser discutida sem pudores, como queria Luiz Eduardo Soares. Para Souza (2006), contudo, “isso simplesmente não é verdade e a demonstração disso, como à referência é o discurso público ao qual todos têm acesso, parece-me insofismável”.

De fato, a desigualdade social não é discutida aberta e amplamente entre os cidadãos. O que se vê são discussões sobre as desigualdades econômicas e proposições de “remédios econômicos”:

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A discussão pública da desigualdade econômica, no entanto, não produz qualquer incômodo seja para a consciência pública seja para o esclarecimento da questão da desigualdade e sua reprodução. A ra-zão para isso é muito simples: a desigualdade econômica é legítima no capitalismo. (SOUZA, 2006)

Salvar o capital do mundo parece ser mais viável que salvar as pessoas:

A ideologia do capitalismo contemporâneo é a meritocracia, ou seja, a ideia de que os indivíduos e classes são aquinhoados (que compar-tilham) diferencialmente em termo de renda e prestígio a partir da aferição de seus desempenhos diferenciais. (SOUZA, 2006)

O fato de pessoas se envolverem com a marginalidade cada vez mais cedo pode estar relacionado a problemas pessoais, sociais e/ou psicológicos. Se-gundo Celso Athayde, citado por Jessé Souza (2006): “a mesma realidade da desorganização familiar da carência afetiva, da ausência dos pais estão neste fato”, quando demonstra que 90% dos jovens envolvidos no crime não tinham pais, o que mostra que os problemas pessoais podem estar in-terligados às desigualdades sociais.

3 - A RESSOCIALIZAÇÃO E OS PROBLEMAS DA PRISÃO

O modo como o Estado trata seus condenados é importante para o que se espera quando o interno se torna egresso. A primeira Constituição de 1824 já estabelecia que as cadeias devessem assegurar o mínimo de salubridade aos internos:

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Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Políticos dos Cida-dãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança indivi-dual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Império, pela maneira seguinte.[...]XXI. As Cadêas serão seguras, limpas, o bem arejadas, havendo diversas casas para separação dos Réos, conforme suas circumstan-cias, e natureza dos seus crimes (BRASIL, 1824).

A Lei nº. 7.210/84, em seu artigo 88, parágrafo único, estabelece como requisitos básicos da unidade celular a salubridade do ambiente pela con-corrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana, mantendo a mesma política pública rela-cionada ao ambiente prisional (BRASIL, 1984).

Se ao Estado interessa um estabelecimento prisional que mantenha a inte-gridade física de seus condenados, por qual razão ainda é possível encon-trar prisões sem a menor condição de habitação?

Para René Ariel Dotti:

(...) na verdade, o problema das penitenciárias não está na falta de leis, e sim, na desobediência secular do poder público e de seus agentes, que na ineficácia deixam a desejar que os antigos princípios fundamentais e as antigas regras sejam cumpridos. (DOTTI, 2003)

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Foucault (2002) explica que a prisão não é uma solução para que o preso possa retornar ao convívio social, sendo no mínimo estranho querer resso-cializar alguém fora do meio social, contudo, é o que a legislação brasileira adota como princípio para o cumprimento da pena.

De maneira que se eu traí meu país, sou preso; se matei meu pai, sou preso; todos os delitos imagináveis são punidos da maneira mais uniforme. Tenho a impressão de ver um médico que, para todas as doenças, tem o mesmo remédio (FOUCAULT, 2002).

Se todo aquele que comete crime e é condenado pelo Estado deve ficar preso longe da sociedade por tempo determinado, o Estado deve fornecer meios possíveis para esse tratamento prisional. Do contrário, como esperar que o interno tivesse atitudes contrárias àquelas que foram à causa de seu encarceramento?

Émile Durkheim entende que essa segregação distante da sociedade é a verdadeira função da pena:

A pena não serve, ou só serve de maneira muito secundária, para corri-gir o culpado ou intimidar seus possíveis imitadores desse duplo ponto de vista, sua eficácia é justamente duvidosa e, em todo caso, medíocre. Sua verdadeira função é manter intacta a coesão social, mantendo toda a vitalidade da consciência comum (DURKHEIM, 1999).

Todos os condenados, independente do tipo criminal, se considerados uma ameaça para a sociedade, precisam ser acompanhados diuturnamente, en-sinados ou reeducados, com acompanhamento multidisciplinar num am-biente que proporcione a resposta adequada, na forma da ressocialização.

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Para o professor Alexandre Jacob, em entrevista realizada em 2012 para realização do projeto que culminou com essa pesquisa, ressocializar no Direito Penitenciário é reintegrar o indivíduo ao seio social de onde foi retirado em decorrência de condutas previstas como crime, independente de sua condenação irrecorrível. Significa que o fim social da pena deve se antecipar à condenação, visto que a Lei de Execução Penal prevê sua apli-cação, no que couber também ao preso provisório.

Para o professor há um problema temporal no entendimento da ressocia-lização:

O problema é que se quer que a ressocialização apresente resultados dentro do cárcere, quando o mais viável é que ela se apresente após a saída do egresso. Esperar que o preso demonstre mudança de com-portamento dentro do sistema prisional é no mínimo ingenuidade do poder público, pois ele está acondicionado, seus reflexos não são espontâneos, são vigiados; e isso possibilita uma falsa impressão de arrependimento. O que o egresso fará após o cumprimento da pena é que dará o tamanho de sua ressocialização (JACOB, 2012).

De fato, se é dever do condenado manter bom comportamento e submeter--se às normas disciplinares, não há que se esperar que esse comportamento signifique, em todas as ocasiões, arrependimento e reabilitação.

Para Wesley Botelho Alvim, as penitenciárias brasileiras estão longe de ser o ambiente adequado para ressocializar internos:

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O que se vê atualmente no Brasil, no entanto, são instituições peni-tenciárias conhecidas como ‘’escolas do crime’’ que não cumprem seu papel ressocializante (ALVIM, 2006).

O preso precisa muito mais que um ambiente físico que mantenha sua sa-lubridade, por mais que o presídio não tenha superlotação celular, e que a alimentação seja de boa qualidade, é preciso fazer valer todas as assistên-cias previstas em Lei.

Vera Malaguti (2012) – analisando a obra Vigiar e Punir, de Foucault – escla-rece que o suplício aplicado aos condenados tinha a finalidade de restaurar a autoridade do soberano, o sistema punitivo era precário; a situação era desumana; o tratamento dos guardas com os encarcerados era rígido e com-plicado. O ser humano não podia errar, pois se o fizesse deveria ser punido publicamente, de tal forma que o sofrimento fosse entendido pela sociedade inteira como prova do poder punitivo do estado autoritário, a fim de causar temor aos demais cidadãos, para que a lei não fosse infligida novamente.

Pode-se dizer que o medo e a intimidação não funcionaram como medida socializadora, visto que, com o tempo, a sociedade “cortou a cabeça do rei”, uma alusão à França da época relatada por Foucault, onde os homens queriam cortar a cabeça do rei, pois significava o grande medo da socie-dade e o Iluminismo surgiu, afastando o castigo intimidador e colocando os criminosos não mais em evidência, mas sim à margem da sociedade, como uma parte podre que precisa ser retirada do meio em que se encontra através da justiça (MALAGUTI, 2012).

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Segundo Foucault (2002), a grande causa dessa mudança de paradigma foi o espírito iluminista presente a partir do século XVII, o qual impôs a máxima de que: é preciso que a justiça criminal puna em vez de se vingar. Nesse sentido, observa:

Nessa época das luzes não é como tema de um saber positivo que o homem é posto como objeção contra a barbárie dos suplícios, mas como limite de direito, como fronteira legítima do poder de punir. Não o que ela tem de atingir se quiser modificá-lo, mas o que ela deve deixar inato para estar em condições de respeitá-lo (FOU-CAULT, 2002).

A partir de então, não se tratava mais de ostentar toda a possível vingança do poder absoluto do soberano sobre o corpo do condenado, mas a puni-ção deveria ser alcançada à custa de múltiplas intervenções (FOUCAULT, 2002). Ou seja, é preciso que a justiça criminal puna o indivíduo pelo que fez e não com ódio ao ponto de querer torturá-lo ou até mesmo tirar sua vida. O erro não pode ser visto como algo inaceitável e irreparável.

A fábrica e a prisão antigas eram vistas como ambientes degradantes da personalidade humana. Naquela época as condições de trabalho nas fá-bricas eram degradantes demais para os trabalhadores, sendo que muitas vezes o comprometimento da saúde era inevitável. Do mesmo modo, as condições de higiene eram péssimas nas prisões e frequentemente o deten-to morria de alguma doença ou enfermidade antes de cumprir a sua pena.

Desse modo, conclui-se que a questão prisional não depende apenas de métodos ressocializadores contemporâneos ao cárcere, mas também de po-líticas e ações após o encarceramento.

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Ressocializar efetivamente pressupõe uma gama de ações ordenadas e complementares, basicamente em duas etapas: durante o cárcere é preciso que a equipe multidisciplinar elabore programa individualizador da pena, que assistirá aos condenados de forma especial, respeitando as peculia-ridades de cada um; após o cárcere é necessária à efetivação de políticas criminais assistenciais, beneficiárias e especialmente emancipatórias, para que o egresso possa viver com autonomia e de acordo com o que a socie-dade capitalista espera.

Se Oscar Wilde estiver correto, ao dizer que uma sociedade se embrutece mais com o emprego habitual dos castigos que com a repetição dos delitos, talvez seja momento de repensar a prisão e todo o sistema carcerário como instrumento apenas punitivo, para que possamos vislumbrar um amanhã menos violento.

4 - A EDUCAÇÃO PARA O TRABALHO E A PROFISSIONALIZAÇÃO DOS INTERNOS COMO ELEMENTO SOCIALIZADOR

Tornou-se comum o pensamento que a prisão só ensina como ser pior, con-tudo, experiências em curso têm demonstrado que ensinar na prisão, apesar de não ser a prioridade no sistema carcerário, pode ser um bom elemento socializador.

A preocupação com o tipo de indivíduo que deixará as prisões deve ser concomitante ao tratamento que lhe é dispensado no cumprimento da pena. Eis o grande objetivo quando se fala de políticas penitenciárias para fins de reintegração social.

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Nesse diapasão, também é importante aliar o tratamento prisional com a reinserção social com duas poderosas frentes: a educação emancipatória e a educação para o trabalho.

Löic Wacquant explica que:

A despeito dos zeladores do Novo Éden neoliberal, a urgência, no Brasil como na maioria dos países do planeta, é lutar em todas as direções não contra os criminosos, mas contra a pobreza e a desi-gualdade, isto é, contra a insegurança social que, em todo lugar, impele ao crime e normatiza a economia informal depredação que alimenta a violência (WACQUANT, 2001).

Ou seja, a maior preocupação do Estado deveria ser destinar verbas para a educação e redução das desigualdades, porque é melhor educar do que punir, é melhor prevenir do que remediar, e aparentemente o Estado só tem remediado.

Sobre a importância do trabalho e da educação emancipatória, Solange Toldo Soares e Jussara das Graças Trindade, citando Marx, entendem que:

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O trabalho está diretamente relacionado com a existência do ho-mem, mas o trabalho alienado torna o homem uma mercadoria, e à medida que não trabalha, perde sua existência. A sua vida é va-lorizada de acordo com a procura e a oferta, condicionada à Lei de Oferta e Procura do Mercado, à medida que a existência do capital é a existência do homem, evidencia-se a condição da dependência humana em relação ao capital. Consequentemente o burlão, o la-drão, o pedinte, o desempregado, o faminto, o miserável, ou seja, as pessoas excluídas da sociedade são consideradas como inexistentes para o capitalismo, pois não estão produzindo lucro para o capita-lista. Quem não faz parte da classe dos trabalhadores não é gente (SOARES e TRINDADE, 2007).

Assim, é possível crer que o indivíduo que cometeu crime não é visto com bons olhos pela comunidade que o segregou e precisa se realinhar ao perfil social para que consiga o respeito dos demais.

Embora muito criticada, essa visão capitalista do ser humano como útil à sociedade do capital ainda persiste e é possível verificá-la em toda a Lei de Execução Penal, ao prever o trabalho e o ensino como obrigatórios ao condenado. Durkheim é dos que se opõem a esse movimento:

Ninguém é obrigado a se lançar no grande turbilhão industrial, nin-guém é obrigado a ser artista, mas todo o mundo, agora, é obrigado a não ser ignorante. Essa obrigação é, inclusive, sentida com tama-nha força que em certas sociedades não é apenas sancionada pela opinião pública, mas pela lei (DURKHEIM, 1999).

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No entanto, se o perfil desejado de cidadão é daquele que se necessita ser útil à sociedade, é preciso dotar o sistema carcerário de instrumentos necessários à instrução dos detentos, um trabalho eficaz para que, quando egressos, pos-sam retornar ao meio social com competências suficientes para sua autono-mia, o que poderia ser capaz de reduzir a chance de retornar à criminalidade.

Para tanto, é preciso mudar o modo como o criminoso é visto pela socie-dade. É preciso compreender que não há e nem haverá prisão perpétua no Brasil e nem pena de morte, com isso, a noção de temporalidade do encarceramento é requisito para políticas públicas adequadas e eficazes. Também é preciso conceber que não há diferença entre as pessoas que estão livres com as que estão presas senão o fato de haver uma sentença condenatória transitada em julgado.

É preciso lembrar que aqueles que estão encarcerados já carregam o estig-ma de elementos perigosos, que não merecem retornar à vida social. Se for possível reduzir os preconceitos e se aproximar do ser humano encarcera-do, talvez seja mais eficaz repensar o próprio sistema carcerário.

Tem-se observado que há uma relação entre a instrução e as oportunida-des de emprego. Ainda que muitos cidadãos optem pela informalidade, o mercado de trabalho ainda demanda mão-de-obra especializada e técnica. Assim, a instrução intelectual e profissional parece ser um caminho para um futuro bem sucedido.

Consequentemente, se o perfil de homem médio comporta o ser humano instruído e bem empregado, conclui-se que a educação é de grande valia para o sistema carcerário, não somente a educação instrutiva, mas, se pos-

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sível, também a profissionalizante e emancipadora.

Porém, se para o cidadão o investimento em instrução de qualidade implica em grande soma de tempo e dinheiro, não é difícil compreender que a gran-de maioria dos brasileiros não tem condição de acesso a uma escola cujo ensino seja de qualidade. Dessa forma, sem instrução, o cidadão se deixa vencer pela ignorância e comodidade, sem chance de crescimento pessoal e profissional. Se isso é um dos fatores que conduzem o cidadão ao crime, não é o momento para afirmar, porém, seria natural pensar que adultos bem sucedidos não teriam motivos para se empregar no crime.

Há quem diga que a marginalidade possui estreita relação com as classes sociais, porém, seria necessário um estudo mais detalhado para afirmar isso. O que pode ser um forte indicativo da marginalização é o fato de que o salário-mínimo há muito tempo perdeu seu valor real e já não consegue suprir os direitos essenciais de todo cidadão, como previsto na Constitui-ção Federal. Dessa forma, é possível que aquele que não tenha condições de uma vida estável acabe encontrando no crime um modo fácil de conse-guir dinheiro e subsistir.

O investimento na educação parece ser o meio mais eficaz para impedir o acesso de cidadãos economicamente menos favorecidos ao mundo do crime. Se o Estado proporcionar educação eficaz, melhorando a qualidade do ensino na rede pública, oferecendo educação para o trabalho, ensino profissionalizante e técnico de qualidade e ampliando a rede de educação de base será possível eliminar uma aresta na construção do cidadão mode-lo, pleno e consciente.

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Assim, tal como na vida em comunidade, também no cárcere, a educação instrutiva e voltada ao trabalho, de forma profissional pode ser um ele-mento socializador eficiente, pois dessa forma o egresso retornará ao seio social emancipado e competente para o mercado de trabalho, e não ocioso e sem perspectiva de futuro, senão ao velho mundo do crime de onde saiu.

Em 2011, com a reforma da Lei de Execução Penal, o ensino nos estabele-cimentos prisionais passou a ser passível de remição legalmente. A prática de abatimento e desconto dos dias estudados dentro do sistema carcerário só era admitida por alguns Juízos da Execução e de formas variadas. Com essa possibilidade positivada, a adoção da educação profissionalizante nos estabelecimentos prisionais pode ser efetivada e ser um poderoso instru-mento de ocupação do tempo ocioso dos internos e de revitalização dos projetos de ressocialização dos egressos, com início ainda no cárcere.

Ressalte-se que a legislação fala de frequência escolar de forma totalmente ampla. O que antes era apenas atividade de ensino fundamental, tido como obrigatório no sistema, passou a abranger o ensino médio, inclusive pro-fissionalizante e ainda o superior ou ainda o de requalificação profissional.

Não há dúvida que, se houver investimento e adoção de métodos educacio-nais que não exponham os internos e nem o corpo docente a riscos, o su-cesso dessas medidas será absoluto. Em pouco tempo será possível reduzir o tempo ocioso dos internos e expandir o seu intelecto.

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5 - O ENCARCERAMENTO BRASILEIRO

Com o fim de averiguar o perfil do encarcerado brasileiro e atestar a má-xima que nas prisões só há negros e jovens, pesquisas foram realizadas no ano de 2012 no sítio do Ministério da Justiça além de pesquisa documental, bibliográfica e entrevistas.

Em junho de 2012 o Ministério da Justiça informou que a população car-cerária brasileira somava 549.577 entre presos provisórios e condena-dos. Desses, 508.357 encontravam-se no sistema penitenciário, os outros 41.220 encontravam-se sob a custódia da polícia judiciária, em delegacias (BRASIL, 2012).

Num panorama geral, a realidade dos internos dos estabelecimentos prisio-nais brasileiros, com relação à cor de pele ou etnia é a seguinte, conforme os dados do Ministério da Justiça:

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Gráfico 01. População carcerária brasileira por cor de pele/etnia.

Fonte: Ministério da Justiça, 2012.

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Assim, não é verdade que a maioria dos encarcerados brasileiros seja ne-gra, pelo contrário, o número de negros encarcerados é menor que a meta-de do número de brancos, prevalecendo em sua maioria os pardos, multir-raciais ou multiétnicos.

Já no Espírito Santo, há mais negros encarcerados que brancos, porém, a diferença é pequena:

Gráfico 02. População carcerária capixaba por cor de pele/etnia.

Fonte: Ministério da Justiça, 2012.

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Por sua vez, no município de Colatina, local da pesquisa, a situação quase se equilibra entre brancos e negros, mas ainda há mais brancos:

Gráfico 03. População carcerária colatinense por cor de pele/etnia.

Pode-se concluir que, ao contrário do que a máxima estabelecia e era tido como verdade, não há maioria negra nos estabelecimentos prisionais, essa maioria é composta de pardos, brasileiros multirraciais, seguidos dos brancos.

Esse estereótipo equivocado pode ter origem em fatores socioeconômicos, mas não são puramente em razão da cor de pele.

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Com relação à faixa etária dos internos, o resultado nacional reflete exa-tamente a máxima que há muito mais jovens encarcerados, se levarmos em consideração os jovens adultos (entre 18 a 29 anos). O resultado foi o seguinte:

Gráfico 04. População carcerária brasileira por faixa etária.

No Espírito Santo essa diferença é mais acentuada, o que pode refletir que o jovem capixaba está entrando no mundo do crime mais cedo, em relação ao jovem brasileiro em geral. É o que demonstra o gráfico 05 a seguir:

Fonte: Ministério da Justiça, 2012.

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Fonte: Ministério da Justiça, 2012.

Gráfico 05. População carcerária capixaba por faixa etária.

Já em Colatina o cenário é bem parecido com o nacional:

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Gráfico 06. População carcerária colatinense por faixa etária.

Qualquer que seja a motivação, o resultado da pesquisa não surpreende, mas é assustador, pois reflete o encarceramento de jovens adultos, em ple-na idade de trabalho, desperdiçando mão-de-obra e tempo no cárcere.

Com relação aos condenados brasileiros e o trabalho durante o cárcere, a situação nacional é a seguinte:

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Gráfico 07. População carcerária brasileira e trabalho.

Fonte: Ministério da Justiça, 2012.

No Espírito Santo, a diferença entre os condenados que trabalham e os que não trabalham são bem maiores:

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Gráfico 08. População carcerária capixaba e trabalho.

Fonte: Ministério da Justiça, 2012.

Em Colatina a realidade mostrou-se tal como a brasileira:

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Gráfico 09. População carcerária colatinense e trabalho.

Após esses resultados, constatou-se que a grande maioria dos encarcerados em âmbito nacional, estadual e municipal não exerce nenhuma atividade laboral, o que também significa um desperdício de mão-de-obra e tempo no cárcere.

Assim, o perfil do encarcerado brasileiro é o de um jovem adulto, entre 18 e 29 anos, pardo e sem trabalho durante o cárcere.

Se não se pode atestar que a maioria dos encarcerados é negra, pode-se negar, por exemplo, a máxima estereotipada e preconceituosa que a mar-ginalidade tem relação com a cor de pele ou etnia. Tal fator já não parece preponderante para o encarceramento.

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Com relação ao poder econômico, não há dados oficiais que atestem que a maioria dos internos do sistema prisional seja pobre, contudo, um estudo realizado na Penitenciária de Segurança Média de Colatina pelo professor Alexandre Jacob com uma amostra de 273 internos condenados constatou que quase 90% dos internos trabalhavam antes do cárcere e recebia entre 02 e 04 salários-mínimos, ou seja, em Colatina pelo menos não há relação entre o poder econômico e o cometimento de delitos, ou esse não foi um fator determinante para o cometimento dos delitos.

Seria necessário um estudo apurado nos âmbitos federal e estadual para verificar se o poder econômico tem relação com a criminalidade de forma efetiva. Enquanto esses dados não forem atestados, pode-se acreditar na te-oria aparente que permeia o sistema carcerário brasileiro, de que a maioria é pobre e que o encarceramento atualmente já não seja feito com relação à cor de pele ou etnia e sim em relação às diferenças sociais, especialmente a econômica.

6 - CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com o advento do questionamento criminológico, o crime passou a ser visto não como algo ontológico, mas sim como uma construção histórico-social, baseada na ideia de que o Estado é corrupto e não garante a igualdade de direitos a todos perante a lei. O problema da criminologia não está na ne-cessidade de ordem numa perspectiva de classes, mas sim em estabelecer a melhor forma de punir o delito praticado por determinado delinquente.

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Cotidianamente é noticiado que jovens nas ruas se matam por causas ba-nais, o padrão de vida das pessoas passou a ditar os comportamentos, onde o importante é o ter e não o ser, um capitalismo egoísta e nada saudável.

Nesse contexto, a sociedade se ilude acreditando que com a pena ou com o cárcere segregatório e excludente apenas, o indivíduo mudará. Mas o fato é que nem a vingança estatal, nem o agravamento do cárcere se mostraram eficazes para a devolução do indivíduo infrator ao seio social.

A ressocialização somente será efetiva se as mudanças de objetivos e po-líticas apropriadas forem implantadas desde já. Se o indivíduo não muda o seu comportamento violento apenas com o cumprimento da pena priva-tiva de liberdade, a saída está no reconhecimento desse ser humano como cidadão dotado de todos os direitos e deveres que qualquer outro cidadão tenha ou deva ter.

Aliado a isso, o entendimento e adoção dos valores familiares como um padrão e a releitura de um modelo de cidadão médio pode ser um indicati-vo de políticas públicas modernas e que respeitem as diferenças e necessi-dades de cada interno. Há também que se pensar nas mudanças culturais, o investimento na juventude de forma a acompanhar os avanços tecnológicos e desestimular a concorrência desenfreada e sem princípios, para que haja a valorização e respeito pelo próximo, menos fugazes e mais sustentáveis.

Dessa forma, a visão de Wacquant deve ser a exceção e não mais a regra:

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(...) o recorte da hierarquia de classes e da estratificação étnico--racial e a discriminação baseada na cor, endêmica nas burocracias policial e judiciária. Sabe-se, por exemplo, que em São Paulo, como nas outras grandes cidades, os indiciados de cor ‘se beneficiam’ de uma vigilância particular por parte da polícia, têm mais dificuldade de acesso e ajuda jurídica e, por um crime igual, são punidos com penas mais pesadas que seus comparsas brancos e, uma vez atrás das grades, são ainda submetidos às condições de detenção mais duras e sofrem as violências mais graves. Penalizar a miséria signi-fica aqui ‘tornar invisível’ o problema negro e assentar a dominação racial dando-lhe um aval de Estado (WACQUANT, 2001).

Ou seja, investindo na valorização do ser humano, as diferenças existentes, sejam pela cor de pele, sejam pelo poder econômico, devem desaparecer e dar lugar a um tratamento humano e com vistas à reinserção social, não mais para a segregação definitiva.

Não se pode tolerar mais a segregação, mesmo que hoje ela não se limite a esses parâmetros, ainda é possível perceber que os mais pobres são os que sofrem mais com a mão estatal, seja por ação ou principalmente por omis-são, e por consequência, há o agravamento dessas diferenças.

Em 1999 era essa a situação do sistema prisional brasileiro:

É o estado apavorante das prisões do país, que se parecem mais com campos de concentração para pobres, ou com empresas públicas de depósito industrial dos dejetos sociais, do que com instituições judiciárias servindo para alguma função pena lógica – dissuasão, neutralização ou reinserção. O sistema penitenciário brasileiro acu-mula, com efeito, as taras das piores jaulas do Terceiro Mundo, mas

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levadas a uma escala digna do Primeiro Mundo, por sua dimensão e pela indiferença estudada dos políticos e do público: entupimento estarrecedor dos estabelecimentos, o que se traduz por condições de vida e de higiene abomináveis, caracterizadas pela falta de espaço, ar, luz e alimentação (nos distritos policiais, os detentos, frequente-mente inocentes, são empilhados, meses e até anos a fio em comple-ta ilegalidade, até oito em celas concebidas para uma única pessoa, como na Casa de Detenção de São Paulo, onde são reconhecidos pelo aspecto raquítico e tez amarelada, o que lhes vale o apelido de ‘amarelos’; negação de acesso à assistência jurídica e aos cuidados elementares de saúde, cujo resultado é a aceleração dramática da difusão da tuberculose e do vírus HIV entre as classes populares; violência pandêmica entre detentores, sob forma de maus-tratos, extorsões, sovas, estupros e assassinatos, em razão da superlotação superacentuada, da ausência de separação entre as diversas catego-rias de criminosos, da inatividade forçada (embora a lei estipule que todos os prisioneiros devam participar de programas de educação ou de formação) e das carências da supervisão (WACQUANT, 2001).

Se hoje não temos mais a maioria negra nos presídios, conforme dados oficiais, temos o encarceramento em massa dos pardos, dos miscigenados, dos multirraciais. Essa população está cada vez mais jovem e desperdiçan-do seu melhor momento sem sua liberdade de ir e vir e sem seus direitos políticos. Se é entre os 18 e 29 anos que as mudanças sociais são mais importantes para a estabilidade do adulto, resta claro que o apenado perde cerca de 10 anos dos mais importantes de sua vida sem o investimento para uma vida adulta plena, estável, emancipadora e autônoma.

Deve ser por isso que a máxima de que só há pobres nos estabelecimentos prisionais ainda vigore, mesmo que não seja provado oficialmente, há que se pensar que esse período da idade adulta é importante para o investimento

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intelectual e onde normalmente se encontra o primeiro emprego e as reali-zações financeiras. É muito mais fácil ingressar no mercado de trabalho no início da idade adulta que depois. Basta que se verifiquem quantas pessoas alcançam seu ápice profissional, intelectual e financeiro antes dos 30 anos.

Tomando isso como requisito, se mais de um terço de todos os encarcera-dos são jovens pardos que não trabalham durante o cárcere, o que esperar deles quando se tornarem egressos?

A iniciativa mais eficaz do Estado neste aspecto deveria ser os investimen-tos em educação profissional no sistema prisional e nas assistências ao egresso, de forma a se manter essa educação voltada ao mundo do trabalho enquanto ele retorna ao convívio social, de forma ininterrupta e sem popu-lismo, porque a educação ainda é o melhor investimento para a juventude.

Ainda que o sistema econômico influencie todas as políticas estatais, crê--se que um cidadão que tenha a oportunidade de se profissionalizar mais cedo, tem mais chances de viver no mundo capitalista e atingir suas metas e seus objetivos, não seria anormal pensar que este tipo de cidadão não teria motivação para adentrar ao mundo do crime. Do contrário, um jovem que vem de uma infância e adolescência medíocres e sem expectativas, não estudou e se subempregou precocemente, desse é possível não esperar a maturidade profissional e intelectual, para quem, talvez, o mundo do crime e suas tentações financeiras e possibilidades de enriquecimento urgente seja muito mais aprazível.

Que se relembre a lição de Cesare Beccaria:

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É melhor prevenir os crimes do que ter de puni-los. O meio mais se-guro, mas ao mesmo tempo mais difícil de tornar os homens menos inclinados a praticar o mal, é aperfeiçoar a educação.

REFERÊNCIAS

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