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UNIVERSIDADE METODISTA DE SO PAULO
FACULDADE DE HUMANIDADES E DIREITO
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM CINCIAS DA RELIGIO
HELOISA HELENA GUEDES TERROR
O BELO E A SALVAO NO PENSAMENTO DE MEISHU-SAMA
SO BERNARDO DO CAMPO
2009
1
HELOISA HELENA GUEDES TERROR
O BELO E A SALVAO NO PENSAMENTO DE MEISHU-SAMA
Dissertao de Mestrado apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Cincias da Religio como exigncia parcial para a obteno do grau de Mestre. Orientao: Prof. Dr. Etienne Alfred Higuet.
SO BERNARDO DO CAMPO
2009
2
Para
Ademar (in memoriam) e Lourdes.
Sem a existncia de meu pai e de minha me
no existiriam, neste mundo,
meu corpo e minha alma.
Meishu-Sama
3
AGRADECIMENTOS
Ao Prof. Etienne Alfred Higuet, orientador e professor dedicado, pela ateno e pelos dilogos e sugestes, fundamentais para a realizao desta pesquisa.
Aos professores do Programa de Ps-Graduao em Cincias da Religio, pela acolhida e pela sabedoria.
Ao Prof. Jung Mo Sung, pelas aulas e discusses instigantes que muito contribuiram para minhas intuies sobre este projeto.
minha famlia, Carlos, Felipe e Fbio, pela pacincia com as incontveis horas dedicadas aos livros e ao computador, pela fora durante as minhas ausncias do trabalho e pelo apoio durante os dois anos desta empreitada.
Andra Tomita, pela amizade e pelo incentivo aos primeiros passos deste caminho to gratificante.
Aos amigos, que muito colaboraram com tradues, opinies e informaes to importantes para a concretizao deste trabalho
Ao IEPG da Universidade Metodista de So Paulo, pelo apoio financeiro durante este projeto.
4
preciso que cada homem
retorne sua verdadeira natureza
e exponha sua alma Luz de Deus.
Meishu-Sama
5
RESUMO Este texto busca apresentar a relao entre religio e arte a partir do pensamento de Meishu-Sama, fundador da Igreja Messinica Mundial, religio criada no Japo em 1935 e que chegou ao Brasil em 1955. Para isso, descrevemos brevemente a sua trajetria pessoal e religiosa e os fundamentos de seus ensinamentos. Para ele, o Belo pode promover a salvao do ser humano, elevando a sua espiritualidade atravs do contato com as vrias modalidades artsticas. A pesquisa analisa, entre outros, os conceitos de Belo, de salvao e de religio no mbito do pensamento de Meishu-Sama. Apresenta consideraes sobre o fenmeno religioso, abordando principalmente os aspectos do sagrado e do smbolo. Em especial, dialoga com o telogo alemo Paul Tillich e sua Teologia da Cultura, buscando estabelecer uma aproximao entre as duas perspectivas no que diz respeito pintura. O estudo descreve o poder salvfico do Belo em algumas formas de manifestaes artsticas e espaos sagrados da IMM. Palavras-chave: salvao; arte; Belo; religio; espiritualidade, teologia do Belo.
6
ABSTRACT
This present text seeks to present the relationship between religion and art from Meishu-Samas thought, founder of Sekai Kyusei Kyo (named Igreja Messinica Mundial in Portuguese), religion founded in Japan in 1935 and that arrived in Brazil in 1955. To do this, we briefly describe his personal and religious history and the foundations of his teachings. For him, Beauty may promote the salvation of mankind, bringing their spirituality through the contact with various forms of art. The research examines, among others, concepts of Beauty, salvation and religion under the thought of Meishu-Sama. It presents considerations about the religious phenomenon, mainly addressing the aspects of sacred and symbol. Specially, it dialogues with the German theologian Paul Tillich and the Theology of Culture, aiming to establish a rapprochement between the two perspectives with regard to painting. The study describes the salvific power of Beauty in some forms of artistic events and sacred spaces of SKK. Keywords: salvation; art; Beauty; religion; spirituality; theology of Beauty.
7
LISTA DE FIGURAS
Fig. 1 Restaurante Yanagiya - travessia do rio Sumida em Hashiba (s.d.) - Ando Hiroshige. ........................... 19 Fig. 2 Formatura de Mokiti Okada no Segundo Nvel da Escola Primria de Asakusa. .................................... 22 Fig. 3 - Mokiti Okada em 1907. ............................................................................................................................ 26 Fig. 4 Broche e adorno de cabelo confeccionados com o Diamante Asahi criaes de Mokiti Okada. ........ 27 Fig. 5- Loja Okada no Bairro de Kitamaki. ........................................................................................................... 30 Fig. 6- Mokiti Okada em 1919. ............................................................................................................................. 31 Fig. 7- Casamento de Mokiti Okada e Yoshi. ....................................................................................................... 32 Fig. 8- Terremoto em Tquio em 1 de setembro de 1923. ................................................................................... 34 Fig. 9 Incndio em Tquio em 1 de setembro de 1923. .................................................................................... 34 Fig. 10- Miteshiro - Este leque purifica e salva todos os espritos..................................................................... 38 Fig. 11 Hinode Kannon (1931) Mokiti Okada.................................................................................................. 40 Fig. 12- Senju Kannon (1934) - Mokiti Okada...................................................................................................... 45 Fig. 13 Mundo de Luz e Luz do Oriente- Publicaes da Dai Nippon Kannon Kai ............................................ 47 Fig. 14- Parte da casa do Gyokusen-Kyo. .............................................................................................................. 48 Fig. 15 Parte de um texto revisado por Mokiti Okada........................................................................................ 50 Fig. 16- Shinzan-So (Solar da Montanha Divina) Hakone ................................................................................. 55 Fig. 17- Tozan-so (Solar da Montanha do Leste) Atami. ................................................................................... 55 Fig. 18- Cerimnia de Instituio da Igreja Kannon do Japo. ............................................................................. 57 Fig. 19 Meishu-Sama ministrando Johrei coletivo,............................................................................................. 60 Fig. 20- Biombo das Ameixeiras com Flores Vermelhas e Brancas (sc. XVIII)- Korin Ogata. ......................... 62 Fig. 21- Bai-en O Jardim das Ameixeiras Solo Sagrado de Atami.................................................................. 64 Fig. 22- O Caminho do Paraso Solo Sagrado de Guarapiranga......................................................................... 65 Fig. 23- Museu de Belas Artes - Solo Sagrado de Hakone................................................................................... 65 Fig. 24 - Shunjyu-An Solo Sagrado de Kyoto..................................................................................................... 66 Fig. 25 Museu de Arte MOA - Atami ................................................................................................................ 67 Fig. 26 - Pote de Ch com Desenho de Glicnias (Sc. XVII) Ninsei Nonomura. ............................................ 70 Fig. 27 Madona e as crianas com os anjos (1477) Sandro Botticelli .......................................................... 102 Fig. 28 O mundo de cabea para baixo (1665) Jean Steen. .......................................................................... 114 Fig. 29 Noite estrelada (1889) Van Gogh. .................................................................................................... 115 Fig. 30 - Alba Madonna (1508-1511) Rafael Sanzio........................................................................................ 115 Fig. 31 Crucificao ( 1515)- Matthias Grnewald. ........................................................................................ 116 Fig. 32 Guernica (1937) - Pablo Picasso......................................................................................................... 122 Fig. 33 - Os cinco estilos da caligrafia japonesa. ................................................................................................ 143 Fig. 34- Sala de Ch - Centro Cultural do Solo Sagrado de Guarapiranga......................................................... 144 Fig. 35 Jitsuguetsu caligrafia feita por Meishu-Sama. .................................................................................. 146 Fig. 36 - Meishu-Sama caligrafando. .................................................................................................................. 147 Fig. 37 Poema e desenho de Meishu-Sama: ..................................................................................................... 148 Fig. 38 - Hagui-no-Ya, a Casa do Trevo Hakone. ............................................................................................ 149 Fig. 39 Sala de Ch folheada a Ouro Museu de Arte MOA Atami. ........................................................... 155 Fig. 40 - Sanguetsu-An, a Casa de Cerimnia do Ch Montanha e Lua.............................................................. 156 Fig. 41 - Casa de Ch Shotei Solo Sagrado de Atami....................................................................................... 157 Fig. 42 - Interior da Casa de Ch Shotei.............................................................................................................. 157 Fig. 43 - Caixa de Caligrafia com Desenho de Lenhador (sc. XVII) - Hon'ami Ketsu.................................. 157 Fig. 44 Ikebana no estilo Rikka. ....................................................................................................................... 163 Fig. 45 Tamakazura (1852) - Kunisada Utagawa ............................................................................................ 164 Fig. 46 Ikebana na variedade Nagueire. ........................................................................................................... 166 Fig. 47 Ikebana no estilo Shoka........................................................................................................................ 167 Fig. 48 Ikebana na variedade Moribana........................................................................................................... 167 Fig. 49 Ikebana no estilo Soguetsu. .................................................................................................................. 168 Fig. 50 Meishu-Sama nos jardins de Hakone, em 1953. .................................................................................. 170 Fig. 51 Vivificao floral feita por Meishu-Sama. ........................................................................................... 172 Fig. 52 Aprofundamento do modelo bsico. ................................................................................................... 174 Fig. 53 Vivificao floral feita por Meishu-Sama. ........................................................................................... 175 Fig. 54 - Komyo Shindem - Santurio da Divina Luz .......................................................................................... 178 Fig. 55 Kyusei-Kaykan - Templo Messinico e Suisho-Den O Palcio de Cristal e a Colina das Azalias .. 180 Fig. 56 A Terra da Tranqilidade Kyoto. ...................................................................................................... 181
8
Fig. 57 Templo Messinico .............................................................................................................................. 182 Fig. 58 Caminho do Paraso ............................................................................................................................. 183 Fig. 59 Espelhos dgua ................................................................................................................................... 184 Fig. 60 Escadaria Arco-Iris............................................................................................................................... 184 Fig. 61 Templo Messinico .............................................................................................................................. 185 Fig. 62 O altar do Templo. ............................................................................................................................... 186
9
SUMRIO CAPITULO 1 MEISHU-SAMA: A PRESENA da arte NA VIDA DO MESTRE .................................. 17
1.1 Uma Luz no Oriente .............................................................................................................................. 17 1.1.1 O nascimento ................................................................................................................................... 19 1.1.2 O menino ......................................................................................................................................... 21 1.1.3 A maioridade ................................................................................................................................... 23 1.1.4 O empresrio ................................................................................................................................... 25 1.1.5 A famlia .......................................................................................................................................... 30
1.2 O despertar para o sagrado .................................................................................................................... 32 1.2.1 Nascer de novo ................................................................................................................................ 33 1.2.2 As Revelaes ................................................................................................................................. 36
1.3 O Mestre ................................................................................................................................................ 43 1.3.1 O Johrei ........................................................................................................................................... 44 1.3.2 A Agricultura Natural ...................................................................................................................... 52 1.3.3 Os prottipos do Paraso.................................................................................................................. 54
1.4 A expanso religiosa.............................................................................................................................. 57 1.5 O Belo.................................................................................................................................................... 61
CAPITULO 2 RELIGIO E ARTE............................................................................................................ 71 2.1 O fenmeno religioso ............................................................................................................................ 72
2.1.1 A experincia religiosa .................................................................................................................... 72 2.1.2 O Sagrado ........................................................................................................................................ 74 2.1.3 O Smbolo........................................................................................................................................ 76
2.2 A Arte .................................................................................................................................................... 79 2.3 Meishu-Sama e a Arte ........................................................................................................................... 83
2.3.1 A trilogia Verdade-Bem-Belo.......................................................................................................... 83 2.3.1.1 A Verdade...................................................................................................................................... 83 2.3.1.2 O Bem............................................................................................................................................ 85 2.3.1.3 O Belo............................................................................................................................................ 87
2.3.2 Religio e Arte................................................................................................................................. 89 2.3.2.1 A verdadeira religio ..................................................................................................................... 89 2.3.2.2 A arte e sua misso ........................................................................................................................ 93
2.3.3 A salvao ....................................................................................................................................... 97 2.4 Um interlocutor: Paul Tillich............................................................................................................... 100
2.4.1 Fragmentos biogrficos a presena da arte no pensamento do telogo ...................................... 100 2.4.2 A Teologia da Cultura ................................................................................................................... 104 2.4.3 A relao entre religio e arte ........................................................................................................ 111
2.5 A pintura: o objeto da interlocuo ..................................................................................................... 116 2.5.1 O papel do artista........................................................................................................................... 117 2.5.2 A misso da arte ............................................................................................................................ 120
CAPITULO 3 A TEOLOGIA DO BELO DE MEISHU-SAMA.............................................................. 129 3.1 O Belo como salvao nas diversas manifestaes artsticas .............................................................. 131
3.1.1 A poesia e o esprito da palavra..................................................................................................... 131 3.1.1.1 O esprito da palavra.................................................................................................................... 133 3.1.1.2 A poesia ....................................................................................................................................... 135
3.1.2 Caligrafia a via da escrita ........................................................................................................... 141 3.1.3 Chanoyu um modelo de vida ...................................................................................................... 149 3.1.4 A ikebana, a arte da flor ................................................................................................................ 160
3.1.4.1 Um pouco da histria do kado ..................................................................................................... 162 3.1.4.2 Kado Sanguetsu-ryu .................................................................................................................... 168
3.1.4.2.1 Fundamentos da vivificao Sanguetsu-ryu .................................................................... 172 3.1.4.2.2 Korinka ............................................................................................................................ 174
3.2 O simbolismo dos Solos Sagrados: o Belo no Paraso Terrestre ......................................................... 176 3.2.1 Shinsem-kyo, a Terra Divina:......................................................................................................... 178 3.2.2 Zuium-kyo, a Terra Celestial.......................................................................................................... 179 3.2.3 Heiam-kyo, a Terra da Tranqilidade ............................................................................................ 180 3.2.4 Solo Sagrado de Guarapiranga: ..................................................................................................... 181
3.3 O Paraso o mundo dO BELO .......................................................................................................... 187
10
CONSIDERAES FINAIS .............................................................................................................................. 190 BIBLIOGRAFIA................................................................................................................................................. 197
1. BIBLIOGRAFIA ESPECFICA - MEISHU-SAMA...................................................................... 197 2. BIBLIOGRAFIA GERAL ................................................................................................................ 199
11
INTRODUO
Quem se deleita profundamente com a arte
est apto a viver no Paraso.
Meishu-Sama
Relacionar arte e religio pode parecer uma rdua tarefa, primeira vista. A arte est
vinculada, comumente, expresso das emoes, do prazer, s vezes da rebeldia, quase
sempre ao profano, e estabelecer um elo com o sagrado pode se constituir em um caminho
difcil de percorrer.
Em algumas pocas elas estiveram juntas, entre as paredes dos templos e dos mosteiros,
nas esttuas e nos altares, na msica dos coros, uma arte tida como sacra, muitas vezes, mais
por dar forma aos smbolos religiosos do que por expressar a f do artista nestes smbolos.
Esta dissertao pretende apresentar a viso de Meishu-Sama sobre a intrnseca relao
por ele estabelecida entre arte e religio. Ele o fundador da Igreja Messinica Mundial
(IMM), instituda no Japo em 1935 e no Brasil em 1955. Seu nome Mokiti Okada e
Meishu-Sama o seu ttulo religioso, que significa Senhor da Luz.
A arte sempre foi um tema muito caro a Meishu-Sama, para a qual desde criana
manifestou uma inclinao muito grande, sendo de sua autoria diversas pinturas, gravuras,
caligrafias, poemas e vivificaes florais, assim como as concepes arquitetnicas e
paisagsticas dos espaos sagrados da IMM no Japo. Seu interesse pelo assunto o levou a
manter um estreito contato com pintores e artistas de seu tempo, assim como com obras de
arte que ele adquiriu ao longo de sua trajetria religiosa, com o propsito de constituir um
museu de arte ao alcance da sociedade em geral, para possibilitar populao o contato com a
arte de bom nvel. Suas inmeras visitas a museus e monumentos culturais, assim como a
templos e jardins famosos do Japo, contriburam para o aprimoramento de seus
conhecimentos sobre a arte oriental, principalmente japonesa e chinesa.
A IMM empenha-se em dar prosseguimento ao objetivo de seu fundador, no sentido de
disseminar a arte entre as pessoas, visando desenvolver sua sensibilidade e espiritualidade. No
Japo, foram construdos dois Museus de Arte, grandes sonhos de Meishu-Sama; a construo
do primeiro deles, em Hakone, foi projetada e acompanhada de perto por ele. O Museu de
Arte de Atami foi um desejo do Fundador, que no pode v-lo realizado: funcionando, a
princpio, em um prdio ao lado do Templo Messinico, teve suas instalaes definitivas
inauguradas em 1982, com o nome de Museu de Arte MOA.
12
Os Solos Sagrados so locais construdos pela IMM como prottipos do Paraso,
espaos onde a natureza e a beleza construda pelo homem se integram. Jardins, cascatas e
construes se harmonizam e se abrem para toda a sociedade, criando possibilidades de
contato com o Belo. No Japo so trs os Solos Sagrados, construdos nas cidades de Hakone,
Atami e Kyoto; na Tailndia existe um outro, denominado Solo Sagrado de Saraburi, e, no
Brasil, o Solo Sagrado de Guarapiranga se localiza em So Paulo, construdo s margens da
represa do mesmo nome.
O objetivo geral da dissertao compreender o que o Belo, a amplitude do seu papel
e a abrangncia da sua misso na Salvao do ser humano segundo o pensamento de Meishu-
Sama. Na sua concepo, torna-se necessrio elevar o carter do homem por meio da Arte,
alcanando esse objetivo atravs da literatura, da pintura, da msica, do teatro, do cinema e de
outras formas de arte. Identificar e analisar as caractersticas de salvao do Belo em algumas
manifestaes artsticas, assim como em espaos sagrados, so os objetivos especficos do
presente texto.
A proposta da dissertao no somente de relacionar a arte religio, mas de mostrar
que o Belo salva. Para isso, o estudo do sentido que Meishu-Sama d religio
fundamental. Ela um caminho; no se restringe a prticas religiosas ou a locais de devoo.
A salvao atravs do Belo no , para ele, trazer a arte para a liturgia ou para as festas
religiosas, mas para a vida das pessoas, para o cotidiano de cada um. Antecipando o texto,
diremos que trazer o Belo para dentro de cada um.
Minha primeira ligao com o pensamento de Meishu-Sama aconteceu em 1974, quando
eu me tornei membro da Igreja Messinica Mundial do Brasil (IMMB). O interesse em
pesquisar este assunto surgiu a partir do meu envolvimento com o projeto de implantao da
Faculdade Messinica, projeto esse iniciado em 2005 pela Fundao Mokiti Okada (FMO-
MOA), entidade ligada IMMB. Em 2006, fui convidada a integrar este projeto, sonho
acalentado pela IMMB j h alguns anos e que ento se preparava para sair do papel. Passei a
participar de um Grupo de Estudos de Teologia, ao qual me dediquei bastante porque se
tratava de aprender a ver de outra forma a doutrina messinica, que me interessava por
questes de F. Foi um ano muito instigante, pois as discusses me abriram um horizonte
novo e atraente. Nasceu, ento, a vontade de aprender a pesquisar de maneira sria, para poder
colaborar na sistematizao do pensamento de Meishu-Sama e ministrar aulas no Curso de
Graduao em Teologia. J o tema da pesquisa, tem a ver com uma escolha pessoal.
A afinidade e o interesse em tudo o que se relaciona com a Arte sempre fizeram parte de
mim, embora no tenha me dedicado exclusivamente a ela. Minha graduao foi em Letras e,
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por muitos anos, dediquei-me a atividades docentes na rea de literatura, no me restringindo
ao desenvolvimento dos programas de ensino propostos, mas sempre desenvolvendo tambm
algum tipo de atividade de pesquisa e criao com os alunos. A poesia e os poetas sempre
ocuparam um lugar especial em minhas leituras e em meus estudos.
Ao me aproximar da IMMB, identifiquei-me com as idias do Fundador, e, em especial,
com a sua forma de ver a misso da Arte e suas manifestaes. Estudei Ikebana, a arte da
vivificao floral, e Modelagem em Cermica, e descobri o Belo como uma forma de
expressar bons sentimentos e de servir s pessoas, tentando proporcionar a elas e a mim
mesma uma vida mais harmoniosa. Por tudo isso, o tema do Belo foi uma escolha quase que
inevitvel para mim.
A metodologia escolhida para a elaborao da dissertao foi bibliogrfica, e se
desenvolveu a partir de diferentes aes. A primeira foi uma seleo dos textos de Meishu-
Sama, no somente sobre arte, mas tambm sobre os outros conceitos envolvidos no trabalho.
As obras de Meishu-Sama no foram escritas como texto nico, mas so compilaes de
textos independentes, de diferentes pocas. o caso da Coletnea Alicerce do Paraso,
publicada no Brasil em cinco volumes, que rene ensinamentos traduzidos do japons,
constituindo-se, de fato, na obra bsica para toda a dissertao. Apresenta textos escritos por
Meishu-Sama durante os vrios anos de sua atividade religiosa, organizados por assunto em
volumes que receberam ttulos em funo de seu contedo. Mas esta classificao dos textos
no foi tomada por ns como definitiva, o que demandou em uma leitura total da coletnea,
num processo de garimpagem de todos os registros. Os conceitos de religio, arte e salvao,
alm de muitos outros utilizados na dissertao, tm, nessa obra, sua fundamentao.
Portanto, a seleo e o estudo destes textos se deram ao longo de toda a realizao da
dissertao e no somente na fase da elaborao do projeto, dada a circunstncia bibliogrfica
especial.
Outras obras seguem os mesmos padres de elaborao, portanto tambm foram
analisadas da maneira acima descrita. So elas O Po Nosso de cada dia, composta por textos
e poemas de Meishu-Sama, e Alimentao com energia vital, esta mesclando textos sobre
alimentao, a partir da viso particular de Meishu-Sama sobre a Agricultura Natural e sua
importncia para o ser humano, tanto no aspecto fsico como espiritual.
Outro tipo de obra tambm foi usado como fonte bibliogrfica: textos que registram
entrevistas, conversas com perguntas e respostas e orientaes dadas por Meishu-Sama a
membros e ministros. o caso da obra Mioshie Mondoshu, uma coletnea de orientaes
recebidas diretamente de Meishu-Sama em forma de perguntas e respostas, cuja publicao
14
foi iniciada em 1968 pelo Departamento Doutrinrio da IMM no Japo, em sries sucessivas,
sendo que os textos j foram traduzidos para o portugus, mas ainda no esto publicados.
Finalmente, Alicerce da Arte uma obra que rene os textos sobre arte que Meishu-Sama
escreveu, alm de trancries de vrias conversas que ele teve com artistas, escritores e
pessoas ligadas ao mundo da arte, onde encontramos muito de suas idias, opinies,
conceituaes e preferncias artsticas. Est em fase de reviso, mas alguns dos textos dessa
compilao j esto publicados na coletnea Alicerce do Paraso, presentes, sobretudo, no
volume 5, intitulado Agricultura Natural, Arte e Sociedade. O Alicerce da Arte tambm foi
fundamental para a dissertao, porque se relaciona diretamente com o seu tema central, a arte
e o artista. Obras deste segundo tipo tiveram que ser analisadas de forma diferente das
primeiras, acompanhadas por uma pesquisa paralela das obras e artistas citados por Meishu-
Sama, bem como por um estudo das caractersticas do estilo artstico de cada um, no
panorama das artes japonesas, na tentativa de se apreender de forma mais completa o
significado dos comentrios emitidos por Meishu-Sama sobre os assuntos abordados.
A metodologia bibliogrfica tambm abrangeu a pesquisa de textos sobre a histria do
Japo desde a Era Edo (1603-1867) at aproximadamente a metade da Era Showa (1926-
1989), para melhor relacionar o pensamento de Meishu-Sama com o contexto social, cultural
e poltico da poca. Julgamos importante adotar uma atitude cuidadosa e consciente sobre o
contexto, considerando o momento histrico em que seus conceitos e orientaes foram
transmitidos, com todas as implicaes que isso possa ter trazido, ou seja: quando, onde e
para quem aquilo foi falado ou escrito, e se estes fatores, tempo e espao, tiveram influncia
na essncia do contedo transmitido.
Quanto metodologia utilizada nas citaes, optamos por indicar, nas notas de rodap,
apenas as fontes referentes s epgrafes de captulos e de sees de captulos, assim como aos
poemas apresentados no decorrer do texto, visando facilitar a leitura. As demais citaes
foram tratadas pelo sistema autor-data, como recomendam as normas tcnicas.
A dissertao se divide em trs captulos. O primeiro apresenta Meishu-Sama ao leitor,
desde o seu nascimento at o final de sua vida. Optamos por usar o nome prprio, Mokiti
Okada, por todo o tempo em que ele assim foi tratado: primeiro, na sua vida particular e
profissional, e depois, durante o perodo em que suas atividades religiosas no puderam ser
assim caracterizadas publicamente, por questes polticas prprias da sociedade japonesa da
poca. Meishu-Sama foi, segundo ele, um ttulo assumido em 4 de fevereiro de 1950,
baseado na Ordem Divina, ou seja, na Revelao recebida, e a partir desta data, ns o
adotamos na narrao biogrfica. Mas em todo o restante da dissertao, a partir de seu
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prprio ttulo, a opo por usar o ttulo religioso foi porque entendemos que o pensamento
aqui pesquisado, estudado e analisado o do Mestre Meishu-Sama, do Lder Espiritual da
IMM, do qual o homem Mokiti Okada faz parte.
As obras bsicas pesquisadas para a composio deste primeiro captulo so Luz do
Oriente, biografia de Mokiti Okada em trs volumes, e a coleo Reminiscncias sobre
Meishu-Sama, em cinco volumes, alm das obras j citadas, e de outras fontes consultadas
para construir os tpicos que, entremeados com a narrativa biogrfica, trataram de seu
pensamento. Obras referentes histria do Japo tambm fizeram parte das fontes desse
captulo.
A opo no modo de apresentao das ilustraes, presentes neste captulo e nos
seguintes, foi por coloc-las no corpo do texto, para que o leitor pudesse apreci-las sem
perder o contato com o fio condutor do captulo; julgamos que a localizao das mesmas em
anexos prejudicaria a fluidez da leitura da narrativa.
O segundo captulo se prope a discutir as relaes entre religio e arte. Em primeiro
lugar, traz uma breve apresentao terica sobre o fenmeno religioso e sua participao
constante na vida dos povos e na histria de suas culturas. Para essa tarefa, a obra de Jos
Severino Croatto, As Linguagens da Experincia Religiosa: uma introduo fenomenologia
da religio, apontou chaves para aprofundar esse conhecimento.
Os conceitos de sagrado e profano so importantes para a compreenso do ser humano,
e Mircea Eliade, em sua obra O sagrado e o profano, e Rudolf Otto, em O sagrado, mostram
que a experincia do sagrado inerente existncia do homem no mundo, sua forma de
construir-se a partir da distino do que ou no real. Outro conceito fundamental para a
construo do texto o de smbolo, aqui analisado atravs de Croatto, mas tambm abordado
a partir de Trias, no artigo Pensar a religio, atravs das delimitaes espacial e temporal do
acontecer sagrado; Nasser, com a obra O que dizem os smbolos? e sua abordagem da
linguagem simblica, e Eliade, com Imagens e smbolos, tambm contribuiram para esssa
tarefa, sobretudo na anlise do simbolismo presente no espao sagrado, desenvolvida no
captulo 3. Este segundo captulo reflete tambm sobre o conceito de arte e seus momentos de
criao, analisado a partir do filsofo italiano Luigi Pareyson na obra Esttica: teoria da
formatividade e outra fonte para auxiliar nessa anlise a partir de Pareyson Alfredo Bosi,
crtico e historiador de literatura que, na obra Reflexes sobre a arte, esmia o processo
criativo.
Num segundo momento, apresentamos a viso de Meishu-Sama sobre a Arte, analisada
a partir de conceitos bsicos de seu pensamento. A trilogia verdade-bem-belo constitui a
16
essncia deste pensamento e cada um dos elementos que a compem tratado separadamente,
para depois serem retomados na trilogia. Trata tambm da misso da arte e do papel do artista,
onde aspectos da histria do Japo so resgatados e relacionados com textos de Meishu-Sama
que comentam a poca da introduo do budismo no Pas. Pretendemos reunir aqui seus
principais conceitos de forma sistematizada, mas eles so retomados, ampliados e
relacionados com outras idias por toda a dissertao.
O ponto alto deste captulo o dilogo entre Meishu-Sama e Paul Tillich. O telogo
alemo foi escolhido para essa empreitada porque entendemos que rene, em sua Teologia da
Cultura, elementos que analisam a religio de uma forma ampla, que abrange outros setores
da cultura, assim como Meishu-Sama o fez. E tambm se preocupou em qualificar as
experincias estticas das pessoas como religiosas e em fazer com que assim fossem
reconhecidas, pela irrupo da substncia do Absoluto, da essncia que modifica aquele que
as experimenta, possibilitando experincias com o transcendente. Vrias so as possibilidades
de aproximao, de criao de fronteiras que permitam o dilogo entre os dois pensadores. O
objetivo no estabelecer uma exaustiva discusso terica sobre a arte mas, sim, uma
conversa em torno de um assunto de interesse comum aos dois: a relao entre religio e arte.
Para isso, uma obra pictrica, tambm de interesse comum a ambos, ser discutida e
analisada.
O terceiro captulo visa mostrar como acontece a salvao atravs do Belo
especificamente em algumas manifestaes artsticas. Foram escolhidas aquelas com as quais
Meishu-Sama tinha mais afinidade: alm da pintura, j discutida no captulo anterior,
apresentamos a poesia, a caligrafia, a ikebana e a cerimnia do ch. A descrio e a anlise
das modalidades artsticas se fundamentaram em obras especficas de cada assunto, que
tratam da origem e das tcnicas, alm da filosofia que perpassa a prtica da arte em questo.
As idias de autores como Clia Saito, Tenshin Okakura, Madalena Hashimoto e Chang Sing
foram a base destes tpicos. Na segunda parte de cada modalidade artstica, nos propusemos a
fazer a relao com a anlise que Meishu-Sama faz de cada uma delas como caminho para a
elevao espiritual, construindo a sua Teologia do Belo.
De maneira alguma essa dissertao busca esgotar o tema sobre a salvao atravs do
Belo na viso de Meishu-Sama; pelo contrrio, pretende ser uma contribuio, no longo
caminho que se abre, para a sistematizao da Teologia Messinica, mas tambm para o
campo das cincias da religio.
17
CAPITULO 1 MEISHU-SAMA: A PRESENA DA ARTE NA VIDA DO MESTRE
1.1 UMA LUZ NO ORIENTE
Durante 270 longos anos, o Japo viveu a Era Edo, perodo inaugurado em 1603 por
Ieyasu Tokugawa, quando recebeu a nomeao imperial de chefe da ordem feudal, o xogum,
dando incio ao bakufu (xogunato) Tokugawa. Durante a maior parte de sua existncia, este
xogunato foi um estado feudal centralizado e autoritrio. O xogum guerreava, mas tambm
administrava o pas, visando no s manter o controle do territrio como tambm a paz
interna. O imperador, que permanecia enclausurado, exercia um poder meramente simblico,
rodeado pela aristocracia de Kyoto, mas sempre ladeado por um regente, representante do
xogum na cidade e figura estratgica para evitar atos de rebeldia contra o xogunato. O xogum
ficava instalado em Edo (atual Tquio), e seu poder se estendia at mesmo sobre as ordens
religiosas. Ele mantinha os camponeses presos terra, controlados pelos daimio, senhores
feudais que exerciam poder absoluto nas provncias e repassavam parte dos impostos
recolhidos ao xogum. Os samurais, j pouco expostos a grandes lutas, eram remunerados pelo
governo, espera de qualquer requisio de seus servios.
Em 1639, o cl Tokugawa, interessado em manter a estabilidade da dinastia e em
erradicar as disputas comerciais estrangeiras e os conflitos religiosos entre misses
evangelizadoras crists, decidiu fechar os portos japoneses, restringindo gradualmente o
contato com o Ocidente e mantendo o pas margem da modernizao mundial. O
isolacionismo foi a estratgia adotada pelo xogum para conter a influncia ocidental catlica
que ameaava desestruturar a ordem poltica e social no Japo (ZACARIAS, 2008, p.12). Os
comerciantes ocidentais comearam a sofrer sanes at que, finalmente, foram expulsos do
pas e o cristianismo foi banido. O confucionismo ganhou fora e seus preceitos de
valorizao da obedincia na vida diria colaboraram na garantia da ordem social, familiar e
nacional. O budismo j no tinha mais a fora poltica de outrora, mas retomou sua fora com
a sada do cristianismo, e o xintosmo se revitalizou como identidade nacional. E, a partir de
1637, os japoneses foram proibidos de deixar o Japo, e quem tinha sado no podia mais
voltar. Era o isolamento total do mundo exterior e de sua influncia.
18
Nas primeiras dcadas do sculo XIX, surgiram as primeiras presses para que o Japo
retomasse o comrcio internacional. Os Estados Unidos foram os responsveis pelo fim da
poltica isolacionista da Era Tokugawa. Segundo Clia Sakurai.
Alguns analistas apontam que no interior do prprio modelo que se deu o fim do xogunato. A histria oficial japonesa do perodo posterior, no entanto, atribui chegada dos ocidentais o fator primordial para a desagregao do feudalismo (2008, p.130).
Em 1854, a assinatura do Tratado de Kanagawa interrompeu o isolamento internacional
do Japo e iniciou a abertura ao Ocidente. Fortalecido pelo descontentamento de praticamente
todas as camadas da sociedade, insatisfeitas com a situao poltica, econmica e social
decorrente do isolacionismo e partidrias de sua extino, o processo de restaurao do poder
imperial teve incio. No final de 1867, o ltimo xogum, Yoshinobu Tokugawa, entregou seus
poderes militares e polticos ao imperador Mutsuhito Meiji, ento com 16 anos de idade. O
palcio imperial se transfere de Kyoto para Edo, que se torna a sede do imprio com o nome
de Tokyo (capital do Oriente). Em 1868, o imperador Meiji inaugura a Era que ganhou o seu
nome e que se estender at seu falecimento, em 1912. Apressou-se a ocidentalizao do pas,
modernizando a industrializao em todas as regies e introduzindo o Japo em uma nova
realidade, agora mundial.
O ano de 1868 de grande importncia para o povo japons: o Japo corre contra o
relgio para, em poucos anos, adaptar-se aos padres ocidentais que do as cartas naquele
momento (SAKURAI, 2008, p.133). Para os japoneses, o melhor mtodo para resistir ao
Ocidente foi juntar-se a ele, inserindo-se e competindo no mercado mundial. Para absorver
valores to distintos da sua tradio sem se desestruturar totalmente, o Japo os vestiu com
roupagem prpria. Entretanto, segundo o historiador ingls Eric Hobsbawm (apud SAKURAI,
2008, p.134), o objetivo do pas no era realmente se ocidentalizar, mas tornar vivel o Japo
tradicional adotando determinadas inovaes. De fato, a Era Meiji fez do pas uma nao
moderna que no destruiu o seu passado. Capitalizou-o, segundo o antroplogo francs Lvi-
Strauss.
Na Era Edo, s margens do rio Sumida, importante via de transporte para o progresso
da cidade de Edo, o distrito de Asakusa prosperava como centro do transporte fluvial. J na
Era Meiji, a regio tomou outra feio assim que as fbricas comearam a se instalar s
margens do rio e os empregados das indstrias, bem como os comerciantes, estabeleceram-se
no local. Assim, o distrito de Asakusa iniciou um longo perodo de progresso industrial e
comercial, alm de se tornar tambm palco de atividades culturais e religiosas. Mas, vizinha
19
das residncias prsperas e dos estabelecimentos movimentados, comeou a se delinear a
sombra de uma populao que mal tinha onde morar e o que comer.
1.1.1 O nascimento
Mokiti Okada nasceu no bairro de Hashiba, situado em Asakusa, em 23 de dezembro de
1882, no dia seguinte ao dia do solstcio de inverno no hemisfrio norte. Esta data simboliza o
incio da fase positiva do ano, em que o perodo diurno volta a se tornar longo novamente. A
comemorao do solstcio no Japo remonta mitologia da criao das ilhas japonesas,
relatada no Kojiki1, rememorando a sada de Amaterasu, a deusa do Sol, da caverna onde
tinha se escondido, deixando o mundo s escuras. Por este motivo, este dia festejado como
sinal de respeito luz do sol, origem de toda a vida, representando o momento em que a Luz
ressurge e todas as coisas renascem. Este simbolismo foi estendido e relacionado com o
nascimento de Mokiti Okada, segundo a doutrina messinica.
Fig. 1 Restaurante Yanagiya - travessia do rio Sumida em Hashiba (s.d.) - Ando Hiroshige.
Fonte: www.hiroshige.org.uk Acesso em 15 de junho de 2009.
Hashiba fica num lugar afastado, na parte leste de Asakusa. Era o lugar das frgeis
pontes de madeira, flutuantes e estreitas, levadas algumas vezes pelas guas mais vigorosas do
rio Sumida e, ento, novamente refeitas. No incio da Era Meiji, a transitavam barcos que iam
1 O livro Kojiki (712), Registro de fatos antigos, narra mitologicamente essa histria desde a criao do pas. O corpo do texto escrito em chins, adaptado ao japons, mas inclui numerosos nomes e expresses na lngua japonesa.
20
e vinham, importantes meios de transporte para a regio, e pelas margens deste rio se
estendiam os ancoradouros das casas de campo dos daimio, vrias manses e belas lojas; mas
nas ruas estreitas a pobreza enchia a paisagem de lavadeiras com crianas nas costas e roupas
nos varais.
No final da Era Edo, o bisav de Mokiti Okada, Kizaemon, administrava uma casa de
penhores; pessoa muito respeitada, emprestava dinheiro a juros baixos. Ele era um homem
muito bondoso e altrusta, e parece que estas foram qualidades herdadas pelo bisneto Mokiti
Okada. O prprio Mokiti costumava dizer: Meu bisav me acompanha. A famlia possua
excelente condio financeira e o genro de Kizaemon, Sashiti (que tambm aparece com o
nome de Minosuke, em outro registro), adotou o sobrenome Okada ao se casar com sua filha
Yassu. Mas ele se mostrou uma pessoa pouco afeita ao trabalho, e Kizaemon acabou por
exclu-lo da famlia. Mas Yassu j estava grvida e, em 1852, nasceu Kissaburo, o pai de
Mokiti. Aps a morte do bisav, em 1867, a loja Mussashi-ya comeou a decair porque o
neto Kissaburo, que havia sido criado com todas as facilidades de um filho de famlia rica,
no teve experincia para dirigi-la.
Kissaburo tinha quinze anos quando o av morreu, e casou-se aos vinte anos com Tori,
que completara dezoito. Logo depois de seu casamento, a loja faliu. Mais tarde ele comeou a
negociar com objetos usados, levando uma vida apertada, embora organizada e tranqila. Tori
tambm no reclamava e dava conta de todo o servio. Era muito esforada e alm de cuidar
da casa, costurava para toda a famlia.
Quando Mokiti Okada nasceu, as condies da famlia eram de extrema pobreza. Ele
conheceu de perto o sofrimento causado pela misria. Mas a lembrana que ficou dos pais era
de afeto: No me lembro de ter sido repreendido por meus pais (FMO-MOA, 1982, p.89).
Seu pai negociava com objetos usados em casa e, noite, tinha uma barraca na feira do
Parque Asakusa. Era uma vida difcil. Mokiti Okada escreveu sobre suas lembranas desta
poca:
Desde que tenho conscincia, muitas vezes ouvi meu pai falar que, se no conseguisse determinada quantia naquela noite, no teramos o que comer no dia seguinte. Ento, caso no chovesse, ele carregava uma pequena carroa com alguns utenslios velhos, e minha me, levando-me s costas, ia empurrando-a (FMO-MOA, 1982, p.77).
21
1.1.2 O menino
Com a volta do imperador ao centro do poder, foi promulgada, em 1889, a Constituio
do Imprio do Grande Japo, inaugurando o parlamento. Este documento definiu, j no artigo
3, que o imperador era uma pessoa divina e inviolvel, portanto, concentravam-se nele os
poderes secular e espiritual. Um dos objetivos deste documento era, segundo o cientista
poltico Alexandre Uehara, mostrar aos parceiros estrangeiros que o Japo estava se
alinhando com os princpios ocidentais (2008, p.25). Por isso, as eleies, na verdade,
favoreciam as classes dominantes, j que o primeiro-ministro e os membros da Cmara dos
Nobres eram nomeados pelo imperador, enquanto que somente a dos Representantes era eleita
pelo povo.
Em 1890, outra iniciativa legal foi tomada para viabilizar o processo japons de
modernizao: o Edito de Educao. Com este documento, a nfase na educao passa a ser
prioritria na poltica de construo de um novo modelo de nao; ela torna-se obrigatria e
tem como funo dar continuidade ao desenvolvimento do imprio. O Edito ressalta os
deveres dos indivduos: [...] conduza-se com modstia e moderao; estenda a sua
benevolncia para todos; continue aprendendo e cultivando as artes e, desse modo,
desenvolva as faculdades intelectuais e aperfeioe os poderes morais [...] (apud SAKURAI,
2008, p.141). A educao passou a ser uma misso que o governo levou a srio, pois, em
1940, cinqenta anos aps o Edito, 99% da populao j estava alfabetizada.
Mas o povo demorou a entender a importncia do estudo para a vida das crianas e, no
incio, o poder das autoridades de obrigar o cumprimento da lei era um tanto fraco. Mas nota-
se nos pais de Mokiti Okada grande preocupao e cuidado com o filho ao encaminh-lo para
a escola primria, levando-se em conta as dificuldades financeiras da famlia e o fato de ele
ser o segundo filho. Assim, em 1889, com sete anos de idade, ele entrou na Escola Bsica
Nishin, aos nove anos passou para a Escola Primria Asakusa e com quatorze anos concluiu o
Curso Primrio. Foi um aluno muito aplicado aos estudos, recebendo vrios diplomas de
Honra ao Mrito. Mas ele carregava uma tristeza: a sade frgil que o acompanhava desde a
infncia.
22
Fig. 2 Formatura de Mokiti Okada no Segundo Nvel da Escola Primria de Asakusa.
Fonte: FMO-MOA, 1982, v.1, p.107.
A situao da famlia comeava a melhorar. Graas ajuda da irm mais velha, Shizu,
que j trabalhava, Mokiti Okada pde ingressar na Escola de Belas-Artes de Tquio, atual
Universidade de Artes de Tquio, aos quinze anos. Ele gostava muito de desenho, desde
pequeno, e se sentiu realizado: Se eu pudesse ganhar a vida com a pintura de que tanto
gosto... Esta escola tinha como objetivo restaurar a importncia da arte japonesa atravs do
ensino das belas-artes, em vista da nova tendncia dos japoneses de valorizar excessivamente
a arte ocidental. A idia do diretor, Kakuzo Okakura2, cujo nome artstico era Tenshin (1861-
1913), era fomentar a arte japonesa moderna, fruto da arte tradicional aliada a novas
concepes artsticas. Grandes artistas japoneses nasceram dessa escola.
Mas a alegria de Mokiti Okada durou pouco: uma doena sria nos olhos, sem
perspectiva de cura pelos mdicos, fez com que ele deixasse a Escola poucos meses depois.
Dos quatorze aos vinte anos, ele viveu uma longa seqncia de sofrimentos causados por
doenas: alm do problema nos olhos, ele teve pleurisia, depois tuberculose... Estava com
dezoito anos e o diagnstico mdico no dava esperanas de cura. Era como se eu tivesse
sido condenado morte sem dia determinado para a execuo. J quase desistindo de tudo,
decidiu tentar algum mtodo diverso da medicina tradicional. Um pouco melhor do problema
nos olhos, pesquisou sobre plantas medicinais e resolveu buscar a cura na alimentao
2 Artista e grande incentivador da arte moderna japonesa na Era Meiji, revolucionou e, ao mesmo tempo, preservou a arte atravs de iniciativas como a Escola de Belas-Artes de Tquio e o Instituto de Artes do Japo. Foi tambm curador do Departamento de Belas-Artes Orientais do Museu de Belas-Artes de Boston. Autor do Livro do ch, do qual falaremos no captulo 3, publicou-o em ingls e foi o grande divulgador da cultura oriental no Ocidente. (Disponvel em http://www.tenshin.museum.ibk.ed.jp/english/02_tenshin.htm) Acesso em 07/07/09).
23
vegetariana. Seguiu-a com disciplina e sarou da tuberculose, dada como incurvel, ao
completar vinte e um anos.
Seu fsico que era, desde a infncia, muito debilitado, fez dele uma pessoa fechada.
Voltou a pintar quadros e a ler tudo o que encontrava a respeito de pintura, refugiando-se em
seus sonhos. Ele escreveu:
Dos quinze aos vinte anos mais ou menos, eu era mais tmido que qualquer outra pessoa. Sem nenhum motivo, tinha receio de me encontrar com desconhecidos; principalmente quando achava que a pessoa era um pouco mais importante, nem conseguia falar direito com ela. Diante de moas, eu enrubescia, meus olhos ficavam perdidos, e eu nem ao menos conseguia olhar para o seu rosto ou falhar-lhes. Como me tornei pessimista por causa disto! Conseqentemente, tive muitas dvidas se conseguiria integrar-me na sociedade como cidado adulto. Naquela poca, quando me via em frente de qualquer pessoa, sempre tinha a impresso de que ela era mais inteligente e mais importante do que eu (FMO-MOA, 1982, p.124).
1.1.3 A maioridade
Em 1899, Kissaburo, pai de Mokiti, abriu uma loja de utenslios usados, em um bairro
comercial de Tquio. Algum tempo depois, a famlia adquiriu uma penso e Shizu, sua irm
mais velha, assumiu a administrao; todos passaram a ajudar no negcio e Mokiti assumiu a
contabilidade. Entretanto, em fevereiro de 1902, Shizu morreu repentinamente, de pneumonia,
aos vinte e nove anos, e Kissaburo no quis dar prosseguimento ao negcio.
Mokiti Okada, ento com vinte anos, comeou a planejar a abertura de uma loja de
antiguidades, passando a pesquisar este segmento. Visitava os antiqurios da redondeza quase
todas as noites e, aos poucos, foi se familiarizando com o mundo dos objetos de arte, sempre
consultando seu pai sobre o valor dos objetos. Esta experincia foi a base da aguada
capacidade de apreciao e avaliao de obras de arte que ele demonstrou durante toda a sua
vida, de grande utilidade quando ele comeou a adquirir as obras que se constituram no
acervo dos Museus de Belas Artes por ele construdos. Comeou a aprender maki-e3, um tipo
refinado de artesanato em laca caracterstico do Japo. Com o tempo, passou a dominar todo o
elaborado processo artstico, desde o esboo at o acabamento do objeto; apresentou suas
3 Maki-e, pintura polvilhada, um tipo de pintura que polvilha ou espalha p, principalmente de ouro e de prata, sobre laca, utilizando um pincel especial, kebo, ou um pequeno tubo, makizutsu. A tcnica surgiu no Perodo Nara (710-794), tendo sido desenvolvida principalmente no Perodo Heian (794-1185) e ressurgindo, posteriormente, no Perodo Edo (1603-1868). Disponvel em www. Britannica.com Acesso em 22/07/2009).
24
obras em uma exposio de belas-artes de Ueno, bairro de Tquio, e todas foram vendidas.
Mais tarde, a loja de miudezas que adquirira tambm passou a expor e vender trabalhos seus.
De 1902 a 1905, seu estado de sade melhorou bastante. Gostava de assistir a
espetculos teatrais, a apresentaes artsticas e a filmes de cinema. Nunca me esquecerei.
Eu estava com dezesseis ou dezessete anos quando assisti a uma exibio cinematogrfica
pela primeira vez (FMO-MOA, 1982, p.130).
Lia muito e gostava de histrias de pessoas que alcanavam sucesso nos negcios. Estes
relatos de personalidades desbravadoras de seus caminhos vinham exatamente ao encontro da
perspectiva traada pela Restaurao Meiji, ou seja, o desenvolvimento de uma sociedade
dinmica, formada por indivduos empreendedores e conquistadores de posies de destaque.
O estabelecimento do ensino universal e do servio militar obrigatrio reduziu o abismo entre
as classes sociais, estabelecendo o princpio da ascenso pelos mritos pessoais. Admirador
de Ruiko Kuroiwa, jornalista e fundador, em 1892, de um polmico jornal japons, Yorozu-
tyoho, por seu esprito combativo e pelas denncias de fraudes e irregularidades que ele fazia
ao mundo poltico e financeiro, assistiu a vrias conferncias do jornalista. Chegou a citar um
trecho, de uma de suas palestras, que o marcou: Todo homem nasce mesquinho. Para
aperfeioar-se, deve cultivar uma segunda personalidade, isto , nascer pela segunda vez
(FMO-MOA, 1982, p.135). De fato, esta idia aparecer vrias vezes em seus ensinamentos.
E este esprito empreendedor pode ser notado, com intensidade, durante toda a fase
empresarial de sua vida e tambm na sua forma de desenvolver a obra religiosa. E a idia de
ter um jornal para defender a justia social se fez presente em muitos momentos de sua vida.
Apreciava textos de filosofia e leu filsofos como Henri Bergson e William James. A
Filosofia da Intuio de Bergson (1859-1941), dentre outros princpios do pensamento do
filsofo francs, foi seu objeto de estudo, e considerada muito importante e pertinente do
ponto de vista religioso. Algum tempo depois ele escreveu:
Os conceitos formados pela instruo que recebemos, pela tradio, pelos costumes, etc., ocupam o subconsciente humano como se fossem uma barreira, e dificilmente o percebemos. Por essa razo, tal barreira constitui um obstculo quando observamos as coisas. [...] A Teoria da Intuio encarrega-se de corrigir tais erros, comuns entre os homens, libertando-os, completamente, de preconceitos e ensinando-os a fazer uma fiel observao dos fatos. Para isso, necessrio ser o eu do momento, isto , fazer com que a impresso instantnea, captada pela intuio, corresponda verdadeira substncia do objeto de observao (2005 a, v.4, p.51).
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O Pragmatismo de William James tambm influenciou grandemente o pensamento de
Mokiti Okada, que aderiu ao seu princpio essencial, o da aplicabilidade de todo
conhecimento vida prtica, e fez dele a idia norteadora de sua vida e de seus ensinamentos.
Veremos, no decorrer deste estudo, que, para ele, a Arte tem esse carter pragmtico,
revestindo-se de uma funo e de uma misso no mundo e na vida do ser humano. Mokiti
Okada escreveu em 1949:
James achava que a exposio meramente terica da filosofia constitui apenas uma espcie de distrao; para ele, a filosofia s era vlida se fosse posta em prtica. [...] O benefcio que o pragmatismo me proporcionou nessa poca no foi pequeno. Mais tarde, quando iniciei meus trabalhos religiosos, julguei necessrio aplic-lo religio (2005 a, v.4, p.11).
Nessa poca, os primeiros anos do sculo XIX, a vida da famlia passava por uma fase
tranqila; eram seis pessoas o pai, a me, o irmo Takejiro, a cunhada Sue e o sobrinho
Hokoitiro, filho de sua irm Shizu e moravam na regio costeira da baa de Tquio. Mas,
em maio de 1905, o pai de Mokiti, Kissaburo, morreu, de problemas cardacos. Tinha
cinqenta e trs anos. A vida no havia sido fcil para ele, uma pessoa de temperamento
calmo, de gosto artstico muito apurado, que nasceu numa famlia abastada e aos quinze anos
se viu chefe de famlia. As dificuldades financeiras foram uma constante em sua trajetria e
ele no teve condies de viver como gostaria: o ideal, para ele, era um mundo tranqilo, em
que pudesse viver justa e corretamente, no exerccio de suas funes, deleitando-se com
pinturas e antiguidades (FMO-MOA, 1982, p.145). Tanto Mokiti Okada como Takejiro
demonstravam gosto pelas artes, semelhana do pai, Kissaburo, que, reconhecendo essa
habilidade, incentivou-a e entendeu-os perfeitamente quando quiseram se dedicar ao campo
artstico.
1.1.4 O empresrio
No mesmo ano, com a herana que lhe coubera, Mokiti Okada, embora ainda muito
inseguro comercialmente, abriu uma loja de miudezas, a Korin-do. O nome era uma
referncia ao pintor japons Korin Ogata4, cujas obras Mokiti Okada admirava
profundamente. No era o ramo comercial pretendido por ele, que aspirava dirigir uma loja de
4 Famoso pintor japons (1658 1716) do incio da Era Edo, que compreende o perodo entre o sc. XVII e XIX.
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antiguidades, mas, com o apoio de sua me, dedicou-se integralmente ao negcio. A loja
prosperou rapidamente e, em pouco tempo, teve que aumentar o espao e contratar mais
empregados.
Casou-se, em 1907, aos vinte e quatro anos, com Taka Aihara, que tinha dezenove. Foi
graas valiosa ajuda dela, filha de comerciantes, que Mokiti Okada, em apenas dez anos de
comerciante, pde obter um sucesso to grande como fabricante e atacadista de miudezas.
Alguns princpios de vida surgiram a partir de experincias durante sua carreira empresarial.
Em uma ocasio, foi aconselhado por um parente sobre a necessidade de mentir habilmente,
conforme o momento, para conseguir sucesso. Depois de tentar por algum tempo, aquele
modo de agir o angustiava. Tomou ento uma deciso: Uma pessoa como eu no consegue
nada com mentiras. Mesmo que eu no alcance o sucesso, vou voltar a agir com a honestidade
de antes (FMO-MOA, p.149).
Em fevereiro de 1907, abriu a Loja Okada. Foi uma mudana que implicou em grande
coragem, pois no havia nem dois anos que estava no ramo e j estava deixando uma loja de
varejo para se lanar em uma loja atacadista. Conseguiu um funcionrio de confiana, Kinzo
Kimura, e comissionou-o pelas vendas que fizesse. O Japo estava vivendo um momento
econmico delicado, pois a guerra com a Rssia pressionara sua economia com as despesas
geradas pelo conflito, alm da perda de mo-de-obra agrcola que havia sido desviada para a
guerra. A vitria no havia trazido, portanto, uma melhora da situao, como havia acontecido
na guerra contra a China. Entretanto, em meio a esta crise, a Loja Okada alcanou um
crescimento surpreendente.
Fig. 3 - Mokiti Okada em 1907.
Fonte: FMO-MOA, 1982, v.1, p. 151.
27
Mokiti Okada tambm teve que deixar de lado os seus projetos com o maki-e. Sofreu um
acidente no dedo indicador da mo direita, fundamental na produo dos objetos em laca, e
no pde mais produzi-los. Ele passou a apenas desenh-los e mandar um profissional
execut-los. Dedicou-se pesquisa do desenho de pentes e outros objetos de adorno para
cabelos. Criou inmeros deles, vrios premiados em exposies da poca, e alguns
patenteados.
Durante quinze anos (de 1909 a 1923), Mokiti Okada criou inmeros objetos de adorno
inditos, com novos detalhes, utilizando as tcnicas do maki-e e do raden.5 Sua criao mais
famosa foi uma tcnica de espelho, que ele idealizou e, depois de muitas pesquisas, patenteou
como Diamante Asahi, em 1916. Todas as lojas tradicionais de Tquio, Osaka e outras
grandes cidades do Japo comercializavam essas bijuterias e, aos trinta e trs anos, possua
uma das melhores e mais slidas lojas do ramo. Montou uma fbrica que trabalhava dia e
noite na produo do Diamante Asahi.
Fig. 4 Broche e adorno de cabelo confeccionados com o Diamante Asahi criaes de Mokiti Okada.
Fonte: FMO-MOA, 1982, v.1, p. 15.
Este perodo alternou sucessos e sofrimentos na vida de Mokiti Okada. Em 1912, perdeu
sua me, que morreu de nefrite, aos cinqenta e sete anos. Ele sentiu muito a sua falta;
reconhecia ter sido ela a sua grande incentivadora da primeira loja que abrira, a Korin-do,
dando-lhe apoio e acreditando em sua capacidade em uma poca em que ele era muito
inseguro e cheio de desiluso.
5 Trabalho executado com pedaos de conchas finas, utilizados para enfeitar objetos de laca ou de madeira.
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Seis meses aps a abertura da Korin-do, Mokiti Okada sofreu uma grave isquemia
cerebral devido ao excesso de trabalho, extremamente preocupado com um negcio em que
no tinha nenhuma prtica. Aos vinte e seis anos, contraiu tifo intestinal, de forma to grave
que pensou que fosse morrer, chegando a deixar registrados os seus ltimos desejos quanto
aos negcios. Foi desenganado pelos mdicos, pois naquela poca no havia remdio para o
tifo. Curou-se com uma alimentao exclusivamente lquida. A loja prosperava, mas ele
adoecia vrias vezes ao ano. Suas doenas continuaram por dez anos, sofrendo com dores de
cabea e de estmago, reumatismo, prostrao nervosa, catarro intestinal, problemas nas
vlvulas do corao, periodontite e outras enfermidades, alm das dores de dente que o
acompanharam por dois anos.
Mokiti Okada era uma pessoa correta, de bom corao, sempre agindo com justia e
honestidade, tanto na sua vida pessoal como na caminhada profissional, com relao aos
clientes, fornecedores e funcionrios. E, como seu empreendimento tivera tanto sucesso em
um tempo relativamente curto, era natural que ele passasse a sentir grande confiana em sua
inteligncia e capacidade. Acreditava firmemente que o sucesso de uma pessoa dependia
unicamente de seu esforo e capacidade. Em seus pensamentos no havia lugar nem sentido
para uma religio. Para ele, as imagens e caligrafias dos santurios eram simples espelhos6,
pedras ou letras escritas em papel. No fazia sentido reverenciar desenhos e esttuas budistas
como as de Sakyamuni ou Amithaba. Enfim, segundo ele, tudo no passava de idolatria
(FMO-MOA, 1982, p.211). Essas idias identificavam-se com as do filsofo alemo Rudolf
Cristoph Eucken7 (1846-1926), um dos autores lidos por ele na ocasio, que afirma que os
dolos so criados pelo homem para satisfazer ao seu instinto de adorar alguma coisa.
Chegou a atribuir aos templos e santurios japoneses o papel de obstculos ao progresso
do Japo, j que nos pases ocidentais mais desenvolvidos as igrejas eram poucas ou estavam
em decadncia. Mas fazia doaes regulares ao Exrcito da Salvao. Certa vez, interrogado
por um missionrio sobre os motivos que o faziam colaborar com uma entidade crist, ele
respondeu que ela ajudava na recuperao de ex-presidirios, o que livrava a sociedade do
perigo de assaltos. [...] Uma vez que ela me livra desse perigo natural que eu me sinta
agradecido e colabore com suas atividades (FMO-MOA, 1982, p.212).
6 O espelho um dos trs smbolos imperiais do Japo, ao lado da espada e da jia, e remonta ao Kojiki, representando a volta de Amaterasu, a deusa do Sol, ao mundo, depois de permanecer reclusa em uma caverna. (SAKURAI, 2008, p.52). 7 Prmio Nobel de Literatura de 1908.
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A Era Meiji se estendeu at 1912, encerrando-se formalmente com a morte do
imperador e inaugurando a Era Taisho (grande retido). A partir dessa data, a estrutura de
poder estabelecida pela Constituio de 1889 comeou a se enfraquecer. A lacuna criada com
a morte do imperador Meiji foi preenchida por um imperador inexperiente, Yoshihito, que,
pressionado, cedeu espao, na administrao, para o cidado comum: em 1918, o posto de
primeiro-ministro ocupado, pela primeira vez, por um civil.
Este foi um perodo turbulento, com mudanas significativas no contexto interno e
tambm na poltica de expanso japonesa que comeara na Era Meiji. O mundo entra na
Primeira Guerra Mundial dois anos depois, e, embora simblica, a participao do Japo foi
importante por assegurar aos Aliados o seu ponto de apoio no continente asitico, j que a
posio geogrfica do arquiplago era estratgica para as potncias capitalistas. Mas tambm
foi durante esses anos que os atritos com os Estados Unidos comearam. Os pases europeus
envolvidos na guerra sofriam enormes prejuzos com os estragos dela decorrentes e passaram
a adquirir grande quantidade de produtos industrializados, principalmente dos Estados Unidos
e do Japo. A economia japonesa decolou, baseada principalmente na construo naval e nos
transportes martimos. Os japoneses viviam uma onda de prosperidade, tanto poltica como
econmica e cultural. A Loja Okada tambm sentiu estes reflexos positivos e prosperou.
Mas, com o trmino da guerra, a euforia comercial arrefeceu. Segundo Sakurai:
Se a guerra proporcionou a prosperidade aos capitalistas japoneses, por outro lado deixou o governo Taisho enredado no aumento da dvida pblica e obrigado a incrementar os impostos para financiar gastos militares e manuteno dos territrios ocupados (2008, p.170).
Vieram, ento as falncias, o desemprego, as greves, e a insatisfao popular explodiu
em movimentos como o motim de agosto de 1918, que envolveu setecentas mil pessoas em
305 pontos diferentes do Japo. A corrupo corria solta nos meios militares e financeiros,
suscitando denncias que pipocavam por todo lado.
Mokiti Okada pensou novamente no seu antigo sonho de abrir um jornal; talvez fosse
essa a maneira de fazer algo pela sociedade, contribuindo para diminuir os males sociais.
Pesquisando, descobriu que, para abrir um jornal de tiragem mdia, necessitaria de um capital
de um milho de ienes. Por volta de 1916, onze anos aps a abertura da Korin-do, ele j
possua um capital de 150 mil ienes. Mas ainda faltava muito para alcanar o milho de ienes
necessrios para abrir o almejado jornal.
Ele interessou-se, ento, pelo mercado de aes e iniciou uma parceria com o Banco
Soko, usando o dinheiro da Loja Okada para financiar transaes, emprestando-o a juros com
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a garantia do banco. Mas, em 1919, o banco repentinamente parou de fazer os pagamentos e
abriu falncia. Mokiti Okada possua dinheiro depositado neste banco e o gerente financeiro
de sua loja, pensando estar agindo corretamente, tomou dinheiro emprestado aos agiotas para
cobrir os compromissos da empresa. Os juros altssimos renderam juros sobre juros e a Loja
Okada iniciou sua decadncia. Os cheques dados por seu gerente estavam todos em seu nome;
foram sustados, como soluo imediata, e, ento, os bens de Mokiti Okada foram todos
penhorados. A partir da comeou a sua sofrida luta para saldar as dvidas, que se estendeu
durante 22 anos, at 1941. Algum tempo depois, este gerente suicidou-se.
Fig. 5- Loja Okada no Bairro de Kitamaki.
Fonte: FMO-MOA, 1982, v.1, p. 204.
1.1.5 A famlia
Taka colaborou muito para o crescimento da Loja Okada. Ela viera de uma famlia
vendedora de arroz e cuidou muito bem da casa e dos funcionrios, ajudando tambm na loja.
Mas, pela sobrecarga de trabalho, contraiu tuberculose um ano aps o casamento.
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Fig. 6 - Taka e Hikoitiro.
Fonte: FMO-MOA, 1982, v.1, p. 207.
O casal se sentia triste por no conseguir ter filhos. Eles cuidavam do sobrinho Hikoitiro
como filho, principalmente aps a morte de Tori. Mas Taka se sentia sozinha. No oitavo ano
de casamento, ela ficou grvida, com vinte e sete anos. Em 1 de outubro de 1915, nasceu
uma menina que recebeu o nome de Shigueko. Mas o parto fora complicado e, logo depois do
nascimento, ela morreu. O casal experimentou grande tristeza. Houve uma segunda gravidez,
mas uma outra menina nasceu morta, no permitindo que suas esperanas se concretizassem.
Em 1918, Taka engravidou novamente. Todos os cuidados foram tomados, mas, perto
do parto, ela contraiu tifo intestinal e, depois de muito sofrimento, nasceu uma menina,
prematura, em 4 de junho de 1919, que, logo em seguida, morreu. Taka, muito debilitada,
faleceu aps uma semana, em 11 de junho.
Fig. 6- Mokiti Okada em 1919.
Fonte: FMO-MOA, 1982, v.1, p. 237.
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Desde que se casaram, os negcios da famlia comearam a crescer rapidamente e, logo
aps seu falecimento, a loja foi falncia. Nessa poca de sucesso empresarial, Taka foi a
companheira ideal. A falta de Taka tambm se fez sentir intensamente na empresa. Era ela a
pessoa que cuidava dos funcionrios, assim como de receber e hospedar as pessoas com quem
Mokiti Okada se relacionava comercialmente. Aps o funeral, Mokiti Okada desabafou:
Cortaram-me um dos braos (FMO-MOA, 1982, p.231). Em um curto espao de tempo,
Mokiti Okada decidiu-se por um segundo matrimnio, uma decorrncia natural da situao.
Mokiti Okada, ento com trinta e sete anos, props casamento a uma jovem de vinte e
dois anos chamada Yoshi Ota. A famlia, a princpio, no queria, pois era o segundo
casamento dele; mas depois concordou, frente sua grande insistncia. Casaram-se em 1919
no Santurio Hibiya, um importante santurio xintosta do Japo, no qual se cultua a deusa
Amaterasu, e partiram, em viagem de npcias, para Hakone.
Fig. 7- Casamento de Mokiti Okada e Yoshi.
Fonte: FMO-MOA, 1982, v.1, p. 239.
1.2 O DESPERTAR PARA O SAGRADO
Mokiti Okada no acreditava em Deus at essa poca, como j vimos. Sempre pensara
que a vida era algo que se construa com o esforo e a capacidade de cada um: achava que
com trabalho, dedicao e honestidade seria possvel realizar seus planos e desejos. Mas os
repetidos e graves infortnios que o atingiram foram abalando sua autoconfiana, dando-lhe a
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medida da insignificncia da fora humana e mostrando-lhe o mistrio do destino na vida das
pessoas.
Sua viso de mundo foi mudando paulatinamente e ele passou a buscar, nas diversas
religies de que ouvia falar, uma sada para os sofrimentos. Aproximou-se da religio Omoto,
em 1920, atrado principalmente pelo objetivo que ela tinha de reformar o mundo e pelos
ensinamentos relacionados aos txicos dos medicamentos. Mas um acontecimento o afasta da
Omoto por trs anos: seu sobrinho Hikoitiro, voltando de um aprimoramento religioso, morre
afogado num rio ao tentar salvar um conhecido. Isto foi um choque para Mokiti Okada e seu
irmo Takejiro, que acabaram vendo a religio como causa indireta da tristeza que sentiam.
Mas esse acontecimento acabou por despertar, dolorosamente, sua curiosidade sobre o
mundo invisvel e seus mistrios, mergulhando-o em inmeras pesquisas religiosas, estudos
de fenmenos parapsicolgicos, e provocando nele uma mudana radical. Sobre isso, ele
disse: Foi o meu segundo nascimento nesta vida (FMO-MOA, 1982, p.247).
1.2.1 Nascer de novo
Abalado pelas dvidas contradas no episdio do Banco Soko, Mokiti Okada iniciou sua
luta para reconstruir a vida empresarial. Na tentativa de reerguer a Loja Okada, ele a
transformou em sociedade annima; os vrios acionistas da loja esto relacionados no Livro
de Sinetes dos Acionistas da Loja Okada, um documento precioso ainda conservado.
O incio da Loja Okada S.A. no foi fcil. Quando a Primeira Guerra Mundial terminou
a competio internacional retomou seu rumo e as indstrias japonesas, embora tentassem
manter suas transaes internacionais, encontraram grandes dificuldades. Os impostos e a
alta de preos agravaram a situao interna, sobrecarregando a populao. A crise da
economia americana, em 1920, e seu reflexo na Bolsa de Valores do Japo fizeram a
economia entrar em colapso. Seguiram-se falncias, desemprego e corrida aos bancos. A Loja
Okada no foi exceo e desmoronou sem oferecer nenhuma resistncia. Era sua segunda
crise, mas, aos poucos, com o esforo de todos os funcionrios, a situao deu sinal de
recuperao. Mesmo assim, fizemos esforo para levantar o destino da empresa e, por volta
de 1922, finalmente a situao comeou a melhorar... (FMO-MOA, 1982, p.253).
Alguns meses depois do casamento, Yoshi ficou grvida. Mokiti Okada, com a
lembrana ainda recente dos partos de Taka, cercou-a de cuidados. Em 11 de outubro de 1920
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nasceu sua primeira filha, Mitiko. Em 31 de dezembro de 1921 nasceu seu primeiro filho, que
recebeu o nome de Mitimaro.
Em 1923, novo golpe abalou a Loja Okada. O Japo sofreu, em 1 de setembro, um
violento terremoto que alcanou 7,9 graus na escala Richter e matou mais de 140 mil pessoas
na regio de Tquio. O tremor atingiu a regio onde a loja se localizava e, por sorte, as
paredes puderam ser logo reerguidas e as mercadorias, recuperadas. Em seguida, sobreveio
um incndio, causando a morte de 50 mil pessoas e a destruio de 400 mil casas.
Fig. 8- Terremoto em Tquio em 1 de setembro de 1923.
Taisho Era, 12th year. Sept. 1, 1923 Great Kanto Earthquake. Mitsukoshi Bank in Tokyo. Fonte: J. B. Macelwane Archives, Saint Louis University.
http://www.eas.slu.edu/Earthquake_Center/1923EQ/736.html Acesso em 29/07/2009.
Fig. 9 Incndio em Tquio em 1 de setembro de 1923.
Taisho Era, 12th year. Sept. 1, 1923 Great Kanto Earthquake. Ueno-Hirokoji Street, Ueno Park. Fonte: J. B. Macelwane Archives, Saint Louis University.
http://www.eas.slu.edu/Earthquake_Center/1923EQ/732.html
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A maioria dos clientes da Loja Okada foi falncia e, aps esse terremoto, muitas coisas
mudaram. Dois funcionrios de confiana se desligaram da empresa e abriram seus prprios
negcios. Terminavam, assim, os anos dourados da Loja Okada.
Em 3 de outubro do mesmo ano, Mokiti Okada perdeu Mitimaro, seu primeiro filho,
com um ano e nove meses. Houve um surto de clera infantil aps a catstrofe e a criana
contraiu a doena, no tendo sido socorrida a tempo.
Aps esse perodo, a loja ficou menor e com menos funcionrios, mas o Diamante
Asahi continuava vendendo bem. A vida foi se normalizando. Em 15 de agosto de 1925
nasceu sua segunda filha, Miyako.
Mokiti Okada ingressou na Omoto em 1920, mas manteve-se afastado dela por trs
anos, devido, principalmente, morte de Hikoitiro. De 1916 a 1920, essa religio alcanou
uma grande expanso, que pode ser relacionada com o que estava vivendo a sociedade
japonesa da poca.
A indstria estava se desenvolvendo e o nmero de trabalhadores aumentara. Mas, com
a crise econmica, as tenses entre patres e empregados se acirravam. Irromperam greves e a
vida se tornou difcil at para os agricultores, que viram os preos dos produtos agrcolas
baixarem. Diante dessa situao, as pregaes da Omoto, que falavam de um mundo
conturbado que precisava urgentemente de uma reforma, baseada nos Ensinamentos de Deus,
traziam esperana para as pessoas, mas, ao mesmo tempo, despertavam sua conscincia para a
realidade em que viviam. Eram, portanto, muito perigosas para o governo. Ela sofreu, ento
em 1921, uma forte presso das autoridades, que ficou conhecida como Primeiro Caso
Omoto. Seu santurio foi destrudo, assim como o sepulcro da fundadora, Nao Deguti.
Embora afastado da instituio, o sentimento religioso de Mokiti Okada, despertado em
1920, no desaparecera. Continuou a estudar os ensinamentos da fundadora, o Ofudessaki.
Presume-se que ele tenha retornado Omoto entre o outono e o inverno de 1923, logo aps o
grande terremoto. Alm de ter sua vida revolvida de novo, pois a situao da Loja Okada
piorava a cada ano, perdera seu filho. Segundo a obra Luz do Oriente, outro fator poderia t-lo
deixado propenso ao retorno: a partir de sua pesquisa no Ofudessaki, previu o incndio de
Tquio, que se concretizara cerca de um ms depois. A partir da, comeou a se solidificar sua
crena no invisvel, e ele se firmou no caminho da F:
Esse foi o caminho que o levou a fazer uma renovao de sua prpria pessoa: polir a espiritualidade que por longo tempo se mantivera oculta em seu ntimo, refletir sobre o significado de sua existncia neste mundo e buscar uma forma verdadeira de vida (FMO-MOA, 1982, p.262).
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Mokiti Okada escreveu nessa poca: O ponto culminante da F a paixo a Deus. O
uso da palavra paixo revela a sua emoo em descobrir o mundo transcendente, campo at
ento desconhecido para ele e envolto em mistrio. Era uma atrao infinita, que crescia e se
aprofundava com o passar do tempo, mantendo-se sempre acesa. Alguns de seus poemas
falam desta paixo:
Conheci um amor que supera os amores aos quais entreguei minha vida. possuindo um caloroso amor pelo homem que se ama a Deus, a ponto de se lhe entregar a vida.8
A partir de 1924, Mokiti Okada decidiu dedicar-se ao estudo do Mundo Espiritual, mas
ainda no havia se conscientizado de sua misso. Mas alguns acontecimentos j evidenciavam
a atuao do Mundo Divino. Dois seguidores da Omoto descreveram a Mokiti Okada
fenmenos inesperados em que viram, ao seu lado, a figura de Kannon9. Em outras ocasies,
declaraes semelhantes, vindas de pessoas diferentes, se repetiram. At ento, ele no
acreditava, absolutamente, em Kannon; a Omoto era ligada a Buda. Atravs desses fatos,
porm, comeou a se conscientizar gradativamente da sua afinidade com Kannon, que
entendeu remontar aos seus antepassados.
1.2.2 As Revelaes
Certo dia do ms de dezembro de 1926, por volta das vinte e quatro horas, tive uma sensao estranha, jamais sentida at ento. Ao mesmo tempo em que experimentava essa agradvel sensao, sentia-me induzido a falar. Queria deter esse impulso, mas no conseguia. Insopitvel fora me impelia, de dentro para fora. No podendo resistir, deixei-a expressar-se livremente. As primeiras palavras foram: Prepare papel e pincel. Pedi a minha esposa que assim procedesse. As palavras que, em seguida, brotaram ininterrupta e compassadamente, expressavam fatos surpreendentes (FMO-MOA, 1982, p.270-271).
Estas primeiras revelaes aconteceram em 25 de dezembro de 1926, no dia da morte do
imperador Taisho, sucedido pelo prncipe Hirohito. Iniciava-se a Era Showa. Elas se
estenderam por trs meses e resultaram em quase quatrocentas pginas. O seu contedo
8 (FMO-MOA, 1982, p.268-269). 9 Tambm denominado Kanzeon Bosatsu, uma divindade do Budismo.
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abrangia a formao do Japo, a histria do passado, do presente e do futuro de toda a
humanidade, bem como da prpria vida de Mokiti Okada. Algumas previses prximas se
concretizaram, como o incidente da Manchria e a Segunda Guerra Mundial.
Ele duvidou daquilo que havia ditado e, por muito tempo, relia os escritos e os guardava
de novo. Chegou a intitul-los Hatena (Ser?). Depois, decidiu-se por buscar a comprovao
do que fosse passvel de experimentao, refletindo sobre tudo e aprofundando suas prticas.
Havia, naquele material, muitos assuntos relacionados com a famlia imperial e, como as
perseguies s novas religies eram comuns naquela poca, enterrou-o numa lata. Mais
tarde, quando ele prprio passou a ser vigiado e intimado para depor, resolveu queim-lo.
Desde esta poca, incio da Era Showa, ele comeou a escrever um dirio (nikki). Este
um hbito comum entre as crianas japonesas, uma prtica que faz parte de sua vida escolar.
O dirio de Mokiti Okada um registro de suas impresses e reflexes sobre acontecimentos
do cotidiano e mesclava prosa e verso. Quinze cadernos, escritos desde essa poca (1929) at
1943, foram preservados. Eles so uma fonte preciosa para compor sua trajetria, pois
expressam fielmente seus pensamentos e sentimentos dia aps dia na sua caminhada religiosa.
Seus estudos ampliaram-se da pesquisa nos livros para a busca do mtodo de salvao
que libertasse as pessoas do sofrimento atravs da fora espiritual, conduzindo-as para a
felicidade. Mokiti Okada utilizou a palavra Kenshinjitsu (Iluminao) para designar o estado
em que se possua conscincia de tudo e inteligncia clara. Ele assim definiu esse estado:
A religio, a filosofia, a educao e outros ramos da cultura sempre consideraram impossvel entender todas as coisas alm de certo limite e captar a sua essncia mais profunda. Sakyamuni disse ter atingido o Kenshinjitsu aos setenta e dois anos, e Nitiren10, depois dos cinqenta. Kenshinjitsu significa a capacidade de entrar em contato com essa essncia (FMO-MOA, 1982, p.276).
Nessa poca, em 4 de junho de 1927, nasceu sua terceira filha, Itsuki, que se tornou,
posteriormente, a terceira Lder da Igreja Messinica Mundial.
Em 4 de fevereiro de 1928, Mokiti Okada deixou a Loja Okada para concentrar-se, de
corpo e alma, Obra Divina. Ocupou a posio de conselheiro da empresa ainda por alguns
anos, entregando a administrao e as vendas a dois gerentes, mas no deixou os negcios por
completo nessa ocasio.
10 Fundador da religio Nitiren, um importante segmento do Budismo, era um monge budista do Japo (1222-1282).
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No dia 11 de abril de 1929, nasceu Shigueyoshi, seu terceiro filho, e o prprio Mokiti
Okada foi o parteiro.
Suas pesquisas sobre o Mundo Espiritual prosseguiram, entendendo que a grandiosa
obra de salvao da humanidade no poderia ser concretizada sem o esclarecimento daquele
mundo. Crendo nos fenmenos espirituais, torna-se claro que poderemos apreender a causa
fundamental da verdadeira felicidade. Em suma, para obtermos a perfeita paz de esprito,
necessrio profundo conhecimento de tais fenmenos, seja qual for a F que professemos
(FMO-MOA, 1982, p.286-287).
A atuao de Mokiti Okada na Omoto foi alcanando hierarquias cada vez mais altas: de
semidivulgador passou a divulgador e, em 1929, chegou a membro executivo da Sede de
Tquio. Suas pregaes eram muito apreciadas, abordando sempre assuntos acessveis s
pessoas para, ento, relacion-los ao tema de Deus. Interessados, os membros aumentavam a
cada dia. Em 1929, ele alugou uma casa no bairro de Koji, em Tquio, e encarregou um
discpulo seu de realizar a atividades de divulgao da Omoto. Aps algum tempo, ele
mudou-se para esse bairro e instalou, de fato, um local de difuso.
Centralizou-se no tinkon11, um mtodo de origem xintosta restaurado pela Omoto.
Atravs dele, os milagres comearam a acontecer, sucedendo-se curas inesperadas. Sobre este
tempo, ele escreveu: Naquela poca, a minha vida era um contnuo milagre. Quanto mais eu
duvidava, mais milagres surgiam, possibilitando-me desfazer as dvidas (FMO-MOA, 1982,
p.27). Em 30 de abril de 1929, Mokiti Okada confeccionou o primeiro miteshiro, leque de
papel que, na Omoto, significava aquilo que substitui a mo. Em sua parte frontal, ele
escrevia palavras como Este leque purifica e salva todos os espritos, e os entregava aos
principais fiis para que com ele realizassem o tinkon.
Fig. 10- Miteshiro - Este leque purifica e salva todos os espritos
Fonte: FMO-MOA, 1982, v.1, p. 298.
11 Prtica de meditao que tinha como objetivo a cura de enfermidades.
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Quando Mokiti Okada voltou Omoto, em 1923, a literatura fazia parte das atividades
desenvolvidas pela Igreja como um dos segmentos da obra religiosa. Em 1927, a instituio
fundou a Editora Meiko e iniciou a publicao de uma revista mensal de poesia, nos estilos