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Patrícia Figueiredo Pedrosa · prensas Leonora e Graúna. Patrícia Figueiredo Pedrosa 256 sente-se mais por que os equipamentos e insumos como tintas e ácidos não podem ser comprados

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A OFICINA DE LITOGRAFIA E A EBA

Patrícia Figueiredo Pedrosa

O curso de Gravura da Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro tem uma história que traz a marca da modernidade: sua formação se inicia em 1951, em momento de pleno desenvolvimento das linguagens modernas, tendo Raimundo CelaI (1890-1954) como primeiro professorII e elaborador do programa de curso de Especialização em Gravura de Talho-doce, Água-forte e Xilografia, com duração de dois anos, aberto aos alunos formados pela Escola. Em 1955, Oswaldo Goeldi (1895-1961) assume o ensino da Gravura após a morte de Cela. Goeldi seguiu o programa elaborado por Cela, porém seu método de ensino já segue o pensamento moderno da arte, numa abordagem de liberdade e estímulo à criação. Seu desempenho contribuiu para a construção de um ambiente propício aos questionamentos e debates próprios do fazer artístico na Escola, constituindo o atelier num “espaço-refúgio”III para os alunos que ansiavam experiências antagônicas ao perfil conservador da instituição. Em 1961, com a morte de Goeldi, a Congregação da Escola aprova o nome de Adir BotelhoIV para substituí-lo.

Neste mesmo ano, a Congregação aprovou o nome de Ahmés de Paula Machado (1921-1984)V para a regência do ensino de Litografia na ENBA, além de obtenção de verba para equipar o ateliê. Naqueles anos, a gravura se fazia o meio expressivo predominante para as linguagens modernas, como coloca Ferreira Gullar: “a gravura, por razões quaisquer, tomou o primeiro plano de nossa vida artística e se fez objeto de discussão”VI. A litografia que até os anos 40 era usada para tarefas de reprodução gráfica para todos os fins, foi gradualmente sendo substituída por procedimentos mais modernos como o ofset. Este fato contribuiu para a sua incorporação aos ateliês artísticos, possibilitada pela aquisição das antigas prensas e pedras, substituídas pelas gráficas por equipamentos mais modernos. Até esse momento, as disciplinas de gravura, ainda como curso de especialização, eram oferecidas aos alunos de Pintura, Escultura, Professorado de Desenho e Desenho e Artes Gráficas (oficializado em 1959). Este último, o Curso de Desenho e Artes Gráficas, de acordo com TávoraVII, passou a espelhar, nos anos 60, a face mais atualizada da Escola, por sua proposta revolucionária, pois reduzia as distâncias entre a passagem pela Escola de Belas Artes e o mercado de trabalho, integrando os dois campos. Até 1974 a oficina de Litografia funciona na antiga Escola Nacional de Belas Artes, ocupando um espaço menor que a oficina atual, e com uma só prensa. O espaço de limpeza das pedras era externo ao à oficina, num tanque, mas como eram poucos alunos, e as pedras usadas de pequeno a médio formato, de acordo com o Prof. Kazuo IhaVIII, apesar de pequeno, a oficina da Escola antiga era funcional.

Sob a coordenação de Adir Botelho o ensino da gravura passa por uma grande reformulação em 1969, vindo a se tornar em 1970, o atual curso de graduação da Escola de Belas Artes / UFRJ. O curso

Imagem 1. Prédio da Reitoria, onde a EBA está situada

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se organiza em dois ciclos: o básico, com duração de dois anos, cujo programa segue a mesma estrutura dos cursos do Departamento de Artes Base / BAB / EBA; e o profissional, com duração de dois anos, com as disciplinas Gravura em Côncavo, Gravura em Relevo e Gravura em Plano (Litografia).

Em 1975, ocorre a traumática mudança da Escola para o Campus Universitário na Ilha do Fundão e o curso de gravura é alocado no sétimo andar. Apesar das salas serem maiores, não havia e estrutura necessária para o funcionamento das oficinas de gravura. Não havia tanques, e a limpeza das pedras menores era feita na pia pequena que fica encaixada entre os armários (as salas do sétimo ainda hoje conservam essa estrutura). Para as pedras médias e grandes, a limpeza era feita em uma área externa, sobre uma mesa, para onde os alunos levavam água em baldes, graniam e depois lavavam tudo. O Prof. Kazuo, egresso da Escola, tendo feito parte de sua formação na Escola antiga e parte no Fundão, e que vivenciou, portanto, o processo de mudança, lembra-se que depois de tanta água o piso da sala ficou todo deformado. As instalações hidráulicas do ateliê de gravura em metal também sofreram, corroídas pelos ácidos utilizados nas gravações. No sétimo andar, as oficinas de gravura ocuparam quatro salas:

duas para o ateliê de Gravura em Relevo, disciplina ministrada pelo Professor Adir, uma sala para o ateliê de Gravura em Côncavo e uma sala para o ateliê de Litografia, ambos coordenados pelo Professor Ahmés. Na gestão do diretor Almir Paredes (1976-1980), os cursos de Gravura e Escultura foram transferidos para ao térreo, ocupando espaços não utilizados pela Faculdade de Arquitetura que foram adaptados para os fins propostos, bem como receberam muito apoio para seu funcionamento.

Em 1983, falece o professor Ahmés, e o nome do Prof. Kazuo Iha, na ocasião professor de desenho na Instituição, é aprovado por unanimidade pela Congregação para assumir o ensino de litografia.

O Prof. Kazuo relata que encontrou uma boa geração interessada em aprender litografia de maneira que uma só prensa não bastava mais. A outra prensa tinha vindo da escola antiga, mas nunca havia sido montada. Então, começou um capítulo à parte na história do atelier, que foi a montagem da segunda prensa, e deste fato derivou a “Quinzena da Gravura”, mostra já tradicional das obras dos alunos do curso de Gravura. Na empreitada de montagem da prensa, Kazuo e os alunos constataram que faltavam várias peças ou estavam danificadas: a mesa, a ratora, as roldanas. Orçamento feito, mas nenhuma verba. A ideia de fazer uma rifa com trabalhos dos professores foi laçada pelos alunos, e parte do dinheiro foi arrecadado. Dessa forma foi montada a Leonora, carinhosamente batizada na ocasião. A prensa “mais antiga” chama-se Graúna. Nomear as prensas dá a ver o ambiente afetivo que se desenvolve no trabalho do espaço de ensino.

Com os olhos atentos ao futuro da litografia, que com a extinção das pedras se fará, segundo o Prof. Kazuo, por meio do alumínio, o atelier de litografia comprou uma granitadeiraIX. Descobriram que a fábrica (Grafiksilk, situada na Rua Capitão Sampaio, em Del Castilho) que vendia as chapas de alumínio para os alunos, ia vender a granitadeira para o ferro-velho, e numa ação conjunta, o ateliê comprou o equipamento. A granitadeira infelizmente nunca foi montada devido ao antigo e crônico problema de espaço da EBA, que até hoje não tem espaço próprio e continua instalada no prédio da Faculdade de Arquitetura.

Os episódios narrados nos mostram as dificuldades encontradas na manutenção e funcionamento dos ateliês de gravura, que sabemos não serem exclusivas do Curso de Gravura. Todavia, neste caso,

Imagem 2. O Prof. Kazuo no ateliê de litografia com as prensas Leonora e Graúna.

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sente-se mais por que os equipamentos e insumos como tintas e ácidos não podem ser comprados individualmente pelos alunos. O aprendizado de que pra superar as dificuldades se faz necessária união já é uma tradição do ateliê de litografia. Daí a importância da iniciativa da rifa, que começou como estratégia para montar a segunda prensa, e evoluiu para “Feira de Gravura”, mudou o nome para “Semana da Gravura”. Uma semana era pouco tempo, e desdobrou-se finalmente em “Quinzena de Gravura”. A “Quinzena” é um evento em que os alunos organizam uma exposição dos seus trabalhos no hall da reitoria para a venda, e uma porcentagem do valor fica para o ateliê. Todo o processo é organizado e gerido por eles, desde a inscrição, montagem e manutenção durante todo o período do evento, em regime de mutirão, em que os voluntários vão se revezando, para não interromper as aulas. Estas iniciativas garantem certa autonomia e apoio financeiro para manutenção do ateliê, garantindo o funcionamento do curso de gravura. Apesar do ateliê ter problemas climáticos (o procedimento litográfico necessita de temperatura regular), a produção não pára nem no pico do verão: adaptando sempre, alterando a viscosidade na preparação da tinta, usando gelo na água da impressão, alterando o grão na granitagem do alumínio... As restrições e circunstâncias inadequadas conferem ao aluno uma tremenda capacidade de adaptação e inventividade que acabam incorporadas à sua prática expressiva.

O programa de curso da Gravura é basicamente o mesmo desde sua reformulação, porém o que se constata é que, na prática, o programa é um ponto de partida. O que acontece no curso de Gravura da EBA é que cada professor acompanha os alunos nos seus percursos. O aluno interessado aprende muito mais do que o que está no currículo, o que acontece tanto no ateliê de litografia, como no exemplo citado da litografia em alumínio, como nos ateliês de relevo e côncavo, com a serigrafia, para citar um exemplo. A criação é muito respeitada no curso de gravura, que tem que correr paralela ao domínio das técnicas. Pode-se tudo – a tradição da gravura é ser experimental - e um ateliê coletivo é um campo aberto para experimentação.

A implantação do curso de gravura, mais precisamente da oficina de litografia, estabelece paralelos com o caráter inovador que a Escola assume com o advento de sua incorporação à UFRJ, em 1965. Espaço fértil de criação e discussão sobre os rumos da arte desde seu início, o ateliê de litografia afirma-se nesse perfil sob a direção do Professor Kazuo, aliando o ensino de técnicas que sobrevivem há mais de um século com novas pesquisas e experimentações, legitimando a litografia como meio expressivo plástico contemporâneo.

Imagem 3. Exposição dos alunos da Oficina de Litografia da EBA na FESP – RJ. 1993.

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Patrícia Figueiredo Pedrosa - Possui graduação em Gravura pela Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (1994), licenciatura em Educação Artística pela Universidade Cândido Mendes (2006) e pós-graduação em Arteterapia em Educação pela Universidade Cândido Mendes (2010). Atualmente é Professor Docente I - Secretaria de Estado de Educação - RJ. Mestranda em História e Crítica da Arte pela EBA – UFRJ - PPGAV.

Notas finais

I. Raimundo Cela teve sua formação em pintura pela ENBA, tendo obtido o Prêmio de Viagem ao Exterior, em 1917. Aprendeu gravura em Paris com o gravador inglês Frank Brangwyn, obtendo medalha de ouro no Salão Nacional de Belas Artes de 1945. Sobre o assunto ver: TÁVORA, Maria Luísa. A gravura artística na Escola Nacional de Belas Artes - anos 50/60: tensão e conquistas na atualização do seu ensino de arte. XXIV Colóquio CBHA. Belo Horizonte, 2004.II. A indicação de Raimundo Cela para a regência do referido curso foi aprovada pela Congregação da Escola de Belas Artes/UB em 13 de novembro de 1950. III. TÁVORA, op. cit., p. 4.IV. Formado em pintura na ENBA, Adir Botelho foi aluno de Cela, e seu assistente de 1953 a 1954. Foi também professor assistente de Goeldi de 1955 a 1961. Em depoimento escrito à autora em 25/06/2015. Rio de Janeiro.V. Ahmés obteve medalhas de bronze e prata no Salão Nacional de Arte Moderna e participou das Bienais de São Paulo de 1951 e 1953. TÁVORA, op. cit., p. 6.VI. Ferreira Gullar apud TÁVORA, Maria Luísa. A crítica e a gravura artística-Anos 50-60:entendimento da experiência informal. In Arte e Ensaios n. 27. Rio de Janeiro, Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais/ Escola de Belas Artes, dezembro 2013, p. 121.VII. TÁVORA, 2004, p. 7.VIII. Em depoimento gravado à autora em 05/05/2015. Rio de Janeiro.IX. Máquina que prepara a chapa de alumínio - granitagem -para o trabalho litográfico, tornando sua superfície apropriadamente porosa.