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PODER JUDICIÁRIO Justiça Federal de Primeira Instância SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DE SERGIPE 1ª VARA FEDERAL Sentença Tipo “D” – Penal Processo nº XXX Classe 31 - Ação Penal Pública. Autor : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL MPF Réus : XXX SENTENÇA 1. RELATÓRIO O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ofereceu denúncia contra XXX, XXX, XXX, qualificados nas fls. 02/03, atribuindo-lhes a prática do delito previsto no art. 1º, inciso I, da Lei 8.137/90 c/c art. 29, caput do Código Penal. Narra a exordial que os denunciados, representantes legais da empresa XXX (CNPJ nº XXX), sonegaram tributos federais relativo ao ano-calendário 2000 ao movimentarem recursos da referida empresa no montante de R$ 744.041,88 (setecentos e quarenta e quatro mil e quarenta e um reais e oitenta centavos) em conta individual de José Alintes, sem que tais valores fossem declarados perante a Receita Federal, nem para fins de recolhimento de IRPF de XXX, nem tampouco dos tributos referentes à atividade da empresa (IRPJ, PIS/COFINS, contribuições sociais). Em razão da ação fiscal promovida em desfavor do denunciado XXX, foi constituído um crédito tributário de R$ 318.894,36, sem que haja notícia de pagamento ou parcelamento. Constou na denúncia que “no curso da referida ação fiscal, tomou-se conhecimento de que a conta em nome do denunciado XXX, na qual a Receita Federal detectou movimentações financeiras de vultosa quantia não declarada, era utilizada, na verdade, pelos então sócio da empresa XXX, XXX, esposa do titular da conta bancária, e XXX, irmão de XX” (f. 03/04) Destacou, ainda, a acusação que, a despeito de não constar na ação fiscal movida, a participação de XXX e XXX, sócios da XXX, se verificou no transcurso da investigação policial. Em cota de fls. 06/08, o MPF esclarece que “a presente denúncia versa unicamente sobre os fatos apurados a partir da representação fiscal de nº 10510.3626/200675

PEN.2947-81.2008 - Absolvição Sumária...resposta inicial, julgar antecipadamente o mérito da acusação para absolver o acusado (jamais para condená-lo). Salutar a inovação,

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  • PODER JUDICIÁRIO

    Justiça Federal de Primeira Instância SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DE SERGIPE

    1ª VARA FEDERAL

    Sentença Tipo “D” – Penal Processo nº XXX Classe 31 - Ação Penal Pública. Autor : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL – MPFRéus : XXX

    S E N T E N Ç A

    1. RELATÓRIO

    O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ofereceu denúncia contra XXX, XXX, XXX, qualificados nas fls. 02/03, atribuindo-lhes a prática do delito previsto no art. 1º, inciso I, da Lei 8.137/90 c/c art. 29, caput do Código Penal.

    Narra a exordial que os denunciados, representantes legais da empresa XXX (CNPJ nº XXX), sonegaram tributos federais relativo ao ano-calendário 2000 ao movimentarem recursos da referida empresa no montante de R$ 744.041,88 (setecentos e quarenta e quatro mil e quarenta e um reais e oitenta centavos) em conta individual de José Alintes, sem que tais valores fossem declarados perante a Receita Federal, nem para fins de recolhimento de IRPF de XXX, nem tampouco dos tributos referentes à atividade da empresa (IRPJ, PIS/COFINS, contribuições sociais). Em razão da ação fiscal promovida em desfavor do denunciado XXX, foi constituído um crédito tributário de R$ 318.894,36, sem que haja notícia de pagamento ou parcelamento.

    Constou na denúncia que “no curso da referida ação fiscal, tomou-se conhecimento de que a conta em nome do denunciado XXX, na qual a Receita Federal detectou movimentações financeiras de vultosa quantia não declarada, era utilizada, na verdade, pelos então sócio da empresa XXX, XXX, esposa do titular da conta bancária, e XXX, irmão de XX” (f. 03/04)

    Destacou, ainda, a acusação que, a despeito de não constar na ação fiscal movida, a participação de XXX e XXX, sócios da XXX, se verificou no transcurso da investigação policial.

    Em cota de fls. 06/08, o MPF esclarece que “a presente denúncia versa unicamente sobre os fatos apurados a partir da representação fiscal de nº 10510.3626/200675

  • Processo nº XXX

    II

    (fls. 01/04, Apenso I), lavrada em desfavor de XXX e cuja conduta delituosa é também atribuída aos então representantes da XXX, XXX E XXX”.

    Durante as férias deste magistrado, a Juíza Titular determinou a notificação dos denunciados para responder à acusação, antes de receber a denúncia (f. 10-18).

    Em suas respostas (f. 29-41 e 47-55), os acusados XXX e XXX alegaram: 1) a ausência de justa causa para promoção da ação penal em face da decadência do crédito tributário; 2) inépcia da inicial, em razão da ilegitimidade, uma vez que a ação fiscal se deu em 26.06.2007, época em que os denunciados não eram sócios da empresa. No mérito, XXX aduziu que apesar de constar no quadro societário da empresa XXX, não exercia qualquer atividade na mesma. Asseverou, ainda, que não tinha participação alguma nas movimentações financeiras em sua conta bancária. No mais, alega que a ausência do dolo específico, afasta a própria existência do crime contra a ordem tributária.

    Na defesa preliminar (f. 58), XXX resguardou-se para a fundamentação apresentada em momento processual mais oportuno.

    É o relatório. Passo a decidir.

    2. FUNDAMENTAÇÃO

    2.1 Mérito

    Inicialmente, é mister fazer um esclarecimento acerca do “recebimento” da denúncia.

    Consoante decisão de f. 10/18, a Juíza Titular entende que se devem notificar os denunciados para responder a acusação para só então receber a denúncia. Já este Juiz entende que, se não houver motivo para rejeição liminar (art. 395 do CPP, outrora art. 43 do CPP), o juiz recebe a denúncia e determinar a citação do acusado para responder a acusação, sendo permitido, ulteriormente, o juiz absolver sumariamente o acusado (art. 397 do CPP). A grande diferença de entendimento é que, para a Juíza Titular, o recebimento da denúncia ocorre na fase de absolvição sumária ao passo que, para este magistrado, a denúncia já foi recebida e que a absolvição sumária seria uma hipótese de julgamento antecipado da lide.

    Não obstante este processo esteja vinculado ao Juiz Substituto, o processo está seguindo o procedimento adotado pela Juíza Titular, já que a referida magistrada despachou nestes durante as férias do Juiz Substituto. Desta maneira, a denúncia ainda não foi recebida, nem interrompida a prescrição.

  • Processo nº XXX

    III

    Por sua vez, não se verificou qualquer prejuízo a defesa. Pelo contrário, a decisão da Juíza Titular lhe é mais beneficia porque a corre a prescrição entre a data da consumação do delito e o recebimento, não se aplicando a modificação da Lei n.º 12.234/10 1 (vedou a aplicação da prescrição retroativa, tendo por marco tempo anterior ao recebimento da denúncia) por se tratar de Lex gravior.

    A absolvição sumária encontra prevista no art. 397 do CPP: Art. 397. Após o cumprimento do disposto no art. 396-A, e parágrafos, deste Código, o juiz deverá absolver sumariamente o acusado quando verificar: (Redação dada pela Lei nº 11.719, de 2008). I - a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato; (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008). II - a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade; (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008). III - que o fato narrado evidentemente não constitui crime; ou (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008). IV - extinta a punibilidade do agente. (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).

    A absolvição sumária nada mais é do que um julgamento antecipado da lide penal em favor do acusado. A respeito do instituo, colaciono excerto doutrinário, a qual estou inteiramente de acordo:

    “Possibilidade de absolvição sumária A reforma previu a inovadora possibilidade de o juiz, após a apresentação da resposta inicial, julgar antecipadamente o mérito da acusação para absolver o acusado (jamais para condená-lo). Salutar a inovação, não prevista anteriormente, permite coarctar, no nascedouro, o processo penal que acaba de se formar, sem a necessidade de transcorrer toda a fase instrutória, submetendo o acusado ao constrangimento de se processado criminalmente por um fato que, desde o início, percebe-se não ser criminoso ou cuja punibilidade já está extinta. Na sistemática anterior, caso o juiz já tivesse recebido a denúncia e, posteriormente, vislumbrasse manifesta atipicidade, por exemplo, não poderia reconsiderar sua decisão, devendo o processo tramitar até o seu final, salvo decisão da superior instância”. 2

    Acrescentaria ao escólio acima que as hipóteses de absolvição sumária, previstas no art. 399 do CPP, podem transmitir a falsa impressão de que seriam 1 Art. 110 - A prescrição depois de transitar em julgado a sentença condenatória regula-se pela pena aplicada e verifica-se nos prazos fixados no artigo anterior, os quais se aumentam de um terço, se o condenado é reincidente. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) § 1º - A prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação, ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) § 2º - A prescrição, de que trata o parágrafo anterior, pode ter por termo inicial data anterior à do recebimento da denúncia ou da queixa. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) § 1o A prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada, não podendo, em nenhuma hipótese, ter por termo inicial data anterior à da denúncia ou queixa. (Redação dada pela Lei nº 12.234, de 2010). 2 MENDONÇA. Andrey de Borges. Nova reforma do Código de Processo Penal: comentada artigo por artigo. São Paulo : Método, 2008, p. 275.

  • Processo nº XXX

    IV

    taxativas. Este não me parece o melhor entendimento, partindo de uma interpretação teleógica das regras.

    Com efeito, a finalidade da absolvição sumária é a de evitar que processos temerários tenham seguimento, já que o processo, enquanto mal necessário (nulla poena sine judicio), constitui uma fator de estigmatização do acusado.

    Por sua vez, analisando as diversas hipóteses de cabimento, tem-se que o pressuposto comum a todas é de que os fatos sejam incontroversos ou, não sendo, o magistrado esteja convencido da situação fática para além de qualquer dúvida. Nesta fase, não é cabível o julgamento com base no ônus da prova, uma vez que a dúvida milita em favor da acusação no sentido de receber a denúncia (in dúbio pro societati). Igualmente, se estiver dúvida acerca da ocorrência de algumas das situações ensejadoras da absolvição sumária, não deve pronunciar a absolvição sumária se não possuir certeza de como os fatos efetivamente aconteceram.

    Neste diapasão, em princípio, venho assim me manifestado na fase de absolvição sumária:

    “Com efeito, a resposta preliminar é o momento adequado para alegar questões preliminares porque eventuais questões como ausência de dolo, autoria, enquadramento típico, devem ser examinadas por ocasião da sentença. Isto porque a possibilidade de absolvição sumária exige que a inexistência de controvérsia fática. Assim, o exame de questões como dolo, autoria demanda uma análise acurada dos autos, o que somente poderá ser feito no curso da instrução criminal. É necessário ouvir os réus, as testemunhas, confrontar com os demais documentos, perícias, para só então concluir acerca de tais matérias. Mesmo que fossem alegadas, este magistrado se reservaria para examinar por ocasião do mérito”.

    A propósito, volto a colacionar o excerto doutrinário: “Outra hipótese em que se admite a absolvição sumária ocorre quando o fato narrado evidentemente não constitui crime. Demonstrada a atipicidade ictu ocouli da conduta, poderá o juiz absolver o acusado. Entendemos que também em outras hipóteses de exclusão da conduta típica – como ausência de dolo, crime impossível por ineficácia absoluta do meio, erro de tipo, entre outras – será possível ao magistrado absolver sumariamente, desde que manifestamente demonstrada a sua ocorrência. 3

    Neste passo, tenho que o presente processo não reúne condições para prosseguimento, uma vez que as provas foram colhidas ilicitamente, já que houve quebra ilegal do sigilo bancário pela Receita Federal do Brasil para a constituição do crédito tributário. Senão vejamos:

    Dispõe o art. 6º da LC n.º 105/2001, verbis:

    3 Op. Cit. p. 276.

  • Processo nº XXX

    V

    LC 105/01, Art. 6o As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente. (Regulamento) Parágrafo único. O resultado dos exames, as informações e os documentos a que se refere este artigo serão conservados em sigilo, observada a legislação tributária.

    Acerca da possibilidade de quebra do sigilo bancário pela Receita Federal, assim me manifestei no processo n.º 0005148-75.2010.44.05.8500 4, verbis:

    Sobre a possibilidade de quebra do sigilo bancário pelo Fisco, sem prévia intervenção do Poder Judiciário, destaco excerto que traça a evolução legislativa sobre a matéria:

    “Para melhor compreensão do tema, impende tecer um pequeno apanhado

    histórico da legislação ordinária a respeito do sigilo bancário. Não é novo o cuidado legislativo com o resguardo das informações relativas

    à vida econômica das pessoas. A se pesquisar mais profundamente, poder-se-á encontrar no Direito Romano, por exemplo, os primeiros contornos do sigilo bancário. Ali, impunha-se reserva aos banqueiros (argentarus) sobre os créditos e débitos registrados em livro próprio (codex), o qual devia ser mantido sob sigilo. A "quebra" do sigilo somente se justificava quando sobreviesse litígio entre o cliente e o banqueiro, o que teria de ser resolvido judicialmente. Para a solução da lide é que se abria à Justiça o acesso e, eventualmente, a divulgação dos dados (cf. a Ministra CÁRMEM LÚCIA ANTUNES ROCHA - Revista Interesse Público n.º 20, p. 33).

    No Brasil, desde o Código Comercial de 1850 (que equiparou os banqueiros a comerciantes - art. 119), as informações bancárias restaram sujeitas à garantia do sigilo comercial. Somente o Poder Judiciário poderia expedir ordem para determinar a sua exibição (arts. 19 e 20).

    Muito tempo depois, foi a "quebra" do sigilo bancário tipificada como crime no Código Penal (art. 154) - violação do segredo profissional.

    O Código de Processo Penal de 1941, cuidando do tema, estabeleceu vedação a que as testemunhas revelassem informações que detinham e sobre as quais deviam manter reserva, excepcionada a hipótese da autorização pelo interessado.

    Na seqüência daquelas primeiras obrigações comerciais, sobrevieram leis que cuidaram da questão específica do sigilo bancário e, mais recentemente, do sigilo fiscal.

    Em 31-12-1964, adveio a Lei n.º 4.595, que determinava (art. 38) às instituições financeiras conservar sigilo em suas operações ativas, passivas e nos serviços prestados. Essa norma foi recepcionada pela CF/88 como lei complementar. Em seus parágrafos disciplinou que: 1) a requisição de informações ou exame de documentos somente seria possível em processo instaurado e sendo a necessidade considerada indispensável pela autoridade competente - § 5º; 2) o dever de sigilo era transmitido àquela autoridade que tivesse acesso às informações - § 6º. Por fim, tem-se de mencionar que o sigilo bancário - consoante tal norma - somente poderia ser "quebrado" com autorização

    4 Estou citando com outra fonte com o propósito de destacar a posição pessoal deste juízo sobre a matéria.

  • Processo nº XXX

    VI

    judicial, conforme entende o Egrégio STJ [Medida Cautelar (MC) 7230, Processo 200301898061/ PR, STJ, Primeira Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJU 28/06/2004].

    O sigilo fiscal, por sua vez, teve norma estabelecida nos arts. 197 e segs. do Código Tributário Nacional (Lei 5.172/66), prevendo a obrigatoriedade da prestação de informações pela instituição financeira ao Fisco. No § único do artigo 197, todavia, foi permitida uma exceção ("A obrigação prevista neste artigo não abrange a prestação de informações quanto aos fatos sobre os quais o informante esteja legalmente obrigado a observar segredo em razão de cargo, ofício, função, ministério, atividade ou profissão), que se destina - segundo parte da doutrina - aos advogados, médicos, etc., e não ao agente financeiro.

    Já sob a vigência da CF de 1988, sobreveio a Lei n.º 8.021/90, tratando da necessidade da instituição financeira prestar informações ao Fisco, a respeito de operações bancárias dos contribuintes. Em seu artigo 8º estabeleceu que:

    Art. 8° Iniciado o procedimento fiscal, a autoridade fiscal poderá solicitar informações sobre operações realizadas pelo contribuinte em instituições financeiras, inclusive extratos de contas bancárias, não se aplicando, nesta hipótese, o disposto no art. 38 da Lei n° 4.595, de 31 de dezembro de 1964. Parágrafo único. As informações, que obedecerão às normas regulamentares expedidas pelo Ministério da Economia, Fazenda e Planejamento, deverão ser prestadas no prazo máximo de dez dias úteis contados da data da solicitação, aplicando-se, no caso de descumprimento desse prazo, a penalidade prevista no § 1° do art. 7°. Todavia, a jurisprudência afastou a aplicação do art. 8º da Lei 8.021/90,

    porque ela disciplinou matéria reservada à lei complementar (chocando-se com a Lei n.º 4.595). Nesse sentido, é unânime o STJ. Para ilustrar:

    (...) A Lei Complementar n.º 70, de 30 de dezembro de 1991, estabeleceu em

    seu artigo 12: "Art. 12. Sem prejuízo do disposto na legislação em vigor, as instituições financeiras, as sociedades corretoras e distribuidoras de títulos e valores mobiliários, as sociedades de investimento e as de arrendamento mercantil, os agentes do Sistema Financeiro da Habitação, as bolsas de valores, de mercadorias, de futuros e instituições assemelhadas e seus associados, e as empresas administradoras de cartões de crédito fornecerão à Receita Federal, nos termos estabelecidos pelo Ministro da Economia, Fazenda e Planejamento, informações cadastrais sobre os usuários dos respectivos serviços, relativas ao nome, à filiação, ao endereço e ao número de inscrição do cliente no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) ou no Cadastro Geral de Contribuintes (CGC). 1° As informações recebidas nos termos deste artigo aplica-se o disposto no § 7° do art. 38 da Lei n° 4.595, de 31 de dezembro de 1964. 2° As informações de que trata o caput deste artigo serão prestadas a partir das relações de usuários constantes dos registros relativos ao ano-calendário de 1992. 3° A não-observância do disposto neste artigo sujeitará o infrator, independentemente de outras penalidades administrativas à multa equivalente a trinta e cinco unidades de valor referidas no art. 5° desta lei complementar, por usuário omitido." Como se percebe, a LC n.º 70/91 manteve a necessidade de autorização

    judicial para a "quebra" do sigilo bancário. Com o advento da Lei 9.311/96, que instituiu a CPMF, as instituições

    financeiras, responsáveis pela retenção da referida contribuição, ficaram obrigadas a prestar à Secretaria da Receita Federal informações a respeito da identificação dos contribuintes e os valores globais das respectivas operações bancárias, sendo vedada, a teor do que preceituava o § 3º da art. 11 da mencionada lei,

  • Processo nº XXX

    VII

    a utilização dessas informações para a constituição de crédito referente a outros tributos, sob pena de nulidade do procedimento fiscal.

    A Lei 10.174, de 09 de janeiro de 2001, possibilitou à Receita Federal, em procedimento fiscal instaurado, a utilização das informações diretamente requisitadas - antes somente relativas à CPMF - para investigar e constituir crédito tributário (através do respectivo lançamento) respeitante às demais contribuições sociais e impostos.

    A Lei Complementar n.º 105, de janeiro de 2001 objetivou sistematizar toda legislação concernente ao sigilo bancário e fiscal.

    Além de afastar a reserva de jurisdição, tal norma jurídica estruturou, a um só tempo, dois modelos diversos de "quebra" de sigilo financeiro para fins de apuração de informações tributárias pela Receita (cf. JULIANA GARCIA BELLOQUE, Sigilo Bancário - Análise crítica da LC 105/2001, RT, 2003, pp. 95-98).

    Em um deles, com sede no art. 6º, as autoridades fiscais da União, dos Estados, do DF e dos Municípios podem requisitar informações em procedimento fiscal instaurado, quando as houver considerado indispensáveis.

    O tratamento descrito aponta a escolha por um critério de razoabilidade na suplantação do sigilo, que só terá cabimento quando estritamente necessário e adequado ao caso concreto.

    O outro modelo edificado pelo artigo 5º da LC 105/2001 cria um sistema automático de repasse de informações:

    "Art. 5º O Poder Executivo disciplinará, inclusive quanto à periodicidade e aos limites de valor, os critérios segundo os quais as instituições financeiras informarão à administração tributária da União, as operações financeiras efetuadas pelos usuários de seus serviços. [...] § 2º As informações transferidas na forma do caput deste artigo restringir-se-ão a informes relacionados com a identificação dos titulares das operações e os montantes globais mensalmente movimentados, vedada a inserção de qualquer elemento que permita identificar a sua origem ou a natureza dos gastos a partir deles efetuados. § 3º Não se incluem entre as informações de que trata este artigo as operações financeiras efetuadas pelas administrações direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. § 4º Recebidas as informações de que trata este artigo, se detectados indícios de falhas, incorreções ou omissões, ou de cometimento de ilícito fiscal, a autoridade interessada poderá requisitar as informações e os documentos de que necessitar, bem como realizar fiscalização ou auditoria para a adequada apuração dos fatos. § 5º As informações a que refere este artigo serão conservadas sob sigilo fiscal, na forma da legislação em vigor." Nessa segunda hipótese de "quebra" do sigilo bancário não há apuração,

    mas permanente vigilância, através de prestação de informações periódicas e rotineiras.

    Por fim, da mesma data da LC 105/2001 (10 de janeiro) é o Decreto n.º 3.724, que regulamenta o art. 6º daquela, "relativamente à requisição, acesso e uso, pela Secretaria da Receita Federal, de informações referentes a operações e serviços das instituições financeiras e das entidades a elas equiparadas".

    Em seu artigo 2º, o decreto estabelece que: "Art. 2º A Secretaria da Receita Federal, por intermédio de servidor ocupante do cargo de Auditor-Fiscal da Receita Federal, somente poderá examinar informações relativas a terceiros, constantes de documentos, livros e registros de instituições financeiras e de entidades a elas equiparadas, inclusive os referentes a contas de depósitos e de aplicações financeiras, quando houver procedimento de fiscalização em curso e tais exames forem considerados indispensáveis.

  • Processo nº XXX

    VIII

    § 1º Entende-se por procedimento de fiscalização a modalidade de procedimento fiscal a que se referem o art. 7º e seguintes do Decreto n.º 70.235, de 6 de março de 1972, que dispõe sobre o processo administrativo fiscal. § 2º O procedimento de fiscalização somente terá início por força de ordem específica denominada Mandado de Procedimento Fiscal (MPF), instituído em ato da Secretaria da Receita Federal, ressalvado o disposto nos §§ 3º e 4º deste artigo. [...]". 5

    Salvo melhor juízo, a Lei Complementar n.º 105/2001 e Lei Ordinária n.º 10.174/014 é constitucional. A correta interpretação do “sigilo bancário” passa pela interpretação conjunta dos art. 5º, X e art. 145, § 1º, ambos da CF.

    CF/88, Art. 5º (omissis), X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; CF/88, Art 145 (omissis), § 1º - Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.

    Consoante escólio de Nelson Abrão 6, “o sigilo bancário se caracteriza como sendo a obrigação do banqueiro – a benefício do cliente – de não revelar certos fatos, atos, cifras ou informações de que teve conhecimento por ocasião do exercício de sua atividade bancária e notadamente aqueles que concernem a seu cliente, sob pena de sanções muito rigorosas, civis, penais ou disciplinares”. A inviolabilidade do sigilo de dados (que abarca sigilo bancário e fiscal) representa complemento ao direito à intimidade e vida privada(art. 5°, X, CF), sendo ambas previsões de defesa da privacidade. Salienta Tercio Sampaio Ferraz que “No recôndito da privacidade se esconde pois a intimidade. A intimidade não exige publicidade porque não envolve direitos de terceiros. No âmbito da privacidade, a intimidade é o mais exclusivo dos seus direitos.”

    Entendo que, quando o texto constitucional utilizou as expressões “nos termos da lei” e “respeitado os direitos individuais”, o constituinte autorizou o legislador infraconstitucional a flexibilizar a garantia prevista no art. 5º, X da CF/88 e desde que respeitado o sigilo das informações obtidas. Em verdade, quando o Fisco Federal obtém acesso as informações bancárias, há uma transferência do sigilo bancário para o âmbito fiscal, uma vez que o Fisco Fedferal se encontra proibido de divulgar as informações para terceiros. Assim, entendo que está preservado o núcleo essencial do direito a privacidade que é a intromissão de terceiros no âmbito da privacidade, sem justa causa.

    LC n.º 105/2001, Art. 6º As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente.

    5 TRF 4ª Reg., 2007.72.99.002698-0/SC, 2ª Turma, Rel. Juiz VÂNIA HACK DE ALMEIDA , D.E. 08/10/2008 6 Direito bancário. 7ª ed. rev. e atual . por Carlos Henrique Abrão. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 54

  • Processo nº XXX

    IX

    Parágrafo único. O resultado dos exames, as informações e os documentos a que se refere este artigo serão conservados em sigilo, observada a legislação tributária. CTN, Art. 198. Sem prejuízo do disposto na legislação criminal, é vedada a divulgação, por parte da Fazenda Pública ou de seus servidores, de informação obtida em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades. (Redação dada pela Lcp nº 104, de 10.1.2001) § 1o Excetuam-se do disposto neste artigo, além dos casos previstos no art. 199, os seguintes: (Redação dada pela Lcp nº 104, de 10.1.2001) I – requisição de autoridade judiciária no interesse da justiça; (Incluído pela Lcp nº 104, de 10.1.2001) II – solicitações de autoridade administrativa no interesse da Administração Pública, desde que seja comprovada a instauração regular de processo administrativo, no órgão ou na entidade respectiva, com o objetivo de investigar o sujeito passivo a que se refere a informação, por prática de infração administrativa. (Incluído pela Lcp nº 104, de 10.1.2001) § 2o O intercâmbio de informação sigilosa, no âmbito da Administração Pública, será realizado mediante processo regularmente instaurado, e a entrega será feita pessoalmente à autoridade solicitante, mediante recibo, que formalize a transferência e assegure a preservação do sigilo. (Incluído pela Lcp nº 104, de 10.1.2001) § 3o Não é vedada a divulgação de informações relativas a: (Incluído pela Lcp nº 104, de 10.1.2001) I – representações fiscais para fins penais; (Incluído pela Lcp nº 104, de 10.1.2001) II – inscrições na Dívida Ativa da Fazenda Pública; (Incluído pela Lcp nº 104, de 10.1.2001) III – parcelamento ou moratória. (Incluído pela Lcp nº 104, de 10.1.2001)

    Pensar de modo contrário é tornar letra morta o art. 145, § 1º da CF/88 e ao mesmo tempo criar uma “reserva de jurisdição” não prevista expressamente no texto constitucional.

    Em adendo, os atos administrativos praticados pelo servidores da Receita Federal do Brasil possuem os atributos da presunção de legitimidade e veracidade, de modo que, eventuais desvio de conduta, podem ser realizados a posterior.

    Por seu turno, na vigência do art. 38 da Lei 4.595, a obtenção de dados bancários pela Administração Tributária somente era possível com prévia autorização judicial. A partir da LC nº 105/01 e na Lei nº 10.174/01 , a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça – STJ e dos Tribunais Regionais Federais é majoritária no sentido da sua constitucionalidade e da possibilidade da aplicação, inclusive retroativa, da quebra de sigilo bancário (no tocante a fatos geradores ocorridos antes da sua entrada em vigor), notadamente porque, em se tratando de norma tributária procedimental (CTN, Art. 144, § 1º), tem aplicação imediata, não se submetendo ao princípio da irretroatividade das leis.

    EMENTA: INCIDENTE DE ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. PARÁGRAFOS 2º e 3º DO ARTS. 11 DA LEI 9.311/96, ARTS. 5º e 6º DA LEI COMPLEMENTAR Nº 105/2001 E ART. 1º DA LEI 10.174/2001, NA PARTE QUE DEU NOVA REDAÇÃO AO PARÁGRAFO 3º DO ART. 11 DA LEI 9.311/96. SIGILO BANCÁRIO. QUEBRA PARA FINS DE INSTRUÇÃO DE PROCEDIMENTO FISCAL. PRINCÍPIO DA RESERVA DE JURISDIÇÃO. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL. REJEIÇÃO DO INCIDENTE.

  • Processo nº XXX

    X

    1. Os arts. 11, §§ 2° e 3°, da Lei n° 9.311/96, e 5° e 6° da Lei Complementar n° 105/2001, ao regularem a quebra do sigilo bancário para fins tributários, não lesaram a tutela do direito à privacidade conferida pela Constituição de 1988. 2. As normas que versam sobre sigilo bancário devem ser interpretadas levando em conta o conjunto principiológico da Constituição, e dessa diretriz sobressaem duas premissas básicas que devem nortear o intérprete: é obrigação precípua do Poder Público combater a sonegação, de modo a propiciar o custeio das necessidades financeiras do Estado, e o sistema financeiro deve servir de elemento estruturante da promoção do desenvolvimento do País e dos interesses da coletividade. Lições na doutrina. 3. O legislador preservou a privacidade do cidadão, instituindo mecanismo cercado de garantias, que apenas transfere a obrigação de sigilo da instituição bancária para a autoridade fiscal. Não é razoável que, sempre que houver a necessidade de acesso à vida financeira das pessoas físicas ou jurídicas por parte da fiscalização tributária, seja a Administração instada a provocar o Judiciário para tanto. Sentindo-se o contribuinte prejudicado com a quebra de seu sigilo, por se apresentar a ação da autoridade arbitrária, pode, então, provocar a tutela jurisdicional. É de se presumir a legitimidade da ação das autoridades constituídas, devendo o contrário ser provado. 4. Não há vício de inconstitucionalidade nos §§ 2º e 3º do art. 11 da Lei 9.311/96, nos arts. 5º e 6º da Lei Complementar nº 105/2001 e no art. 1º da Lei 10.174/2001, na parte que deu nova redação ao § 3º do art. 11 da Lei 9.311/96. 7 Ementa: Constitucional. Requisição pela Receita Federal de informações sobre movimento bancário de empresa. Argüição de inconstitucionalidade do art. 11, § 3º da Lei 9.311/96 e do art. 5º, §§ 4º e 5º da Lei Complementar 105/2001. Razoabilidade dos poderes conferidos à autoridade fiscal. Constitucionalidade dos dispositivos questionados. 8 AGRAVO REGIMENTAL. TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. SIGILO BANCÁRIO. UTILIZAÇÃO DE INFORMAÇÕES DE MOVIMENTAÇÕES FINANCEIRAS PELAS AUTORIDADES FAZENDÁRIAS. APLICAÇÃO DA LC 105/2001 E DA LEI 10.174/2001, INDEPENDENTEMENTE DA ÉPOCA DO FATO GERADOR. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. O entendimento pacífico desta Corte Superior é de que a utilização de informações financeiras pelas autoridades fazendárias não viola o sigilo de dados bancários, em face do que dispõe não só o Código Tributário Nacional (art. 144, § 1º), mas também a Lei 9.311/96 (art. 11, § 3º, com a redação introduzida pela Lei 10.174/2001) e a Lei Complementar 105/2001 (arts. 5º e 6º), inclusive podendo ser efetuada em relação a períodos anteriores à vigência das referidas leis. 2. Nesse sentido, os seguintes precedentes: EREsp 726.778/PR, 1ª Seção, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 5.3.2007, p. 255; EREsp 608.053/RS, 1ª Seção, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 4.9.2006, p. 219; REsp 792.812/RJ, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 2.4.2007, p. 242; REsp 529.818/PR, 2ª Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ de 19.3.2007, p. 302; AgRg no Ag 775.069/SP, 1ª Turma, Rel. Min. José Delgado, DJ de 23.11.2006, p. 224; AgRg no REsp 700.789/RS, 1ª Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, DJ de 19.12.2005, p. 238; REsp 691.601/SC, 2ª Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 21.11.2005, p. 190. 3. Agravo regimental desprovido. 9

    7 TRF 4ª Reg., INAMS 2005.72.01.000181-9/SC, Corte Especial, Relator Otávio Roberto Pamplona, D.E. 14/12/2007 8 TRF 5ª Reg., Incidente de Inconstitucionalidade na AMS80861-PE, Corte Especial, Rel. Des. Federal Lázaro Guimarães, julgada em 6-8-2003 9 STJ, AgRg no REsp 971.102/SP, 1ª Turma, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, julgado em 02/04/2009, DJe 04/05/2009

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    XI

    Ressalte-se que, não obstante existam 5 ADIN´s (2.386, 2.389, 2.390, 2.397 e 2.406) sobre a matéria, até o presente momento o STF não concedeu qualquer medida cautelar suspendendo a vigência do dispositivo (art. 6º da LC n.º 105/2001) ou julgou o mérito da questão”.

    Este juízo entende que a previsão de requisição de dados bancários pela Receita Federal, com base no art. 6º da LC n.º 105/2001 não viola qualquer garantia constitucional, contudo este não foi o posicionamento da Suprema Corte.

    Em sede de controle difuso, o STF deu interpretação conforme a legislação infraconstitucional – Lei 9.311/96, LC n.º 105/01 e Decreto n.º 3.724/01 – para assentar que a Receita somente pode quebrar o sigilo bancário do sujeito com a intervenção do Poder Judiciário, ou seja, com autorização do Estado-Juiz, nos seguintes termos:

    “Com isso, confiro à legislação de regência – Lei 9.311/96, Lei Complementar nº 105/01 e Decreto nº 3.724/01 – interpretação conforme à Carta Federal, tendo como conflitante com esta a que implique afastamento do sigilo bancário do cidadão, da pessoa natural ou jurídica, sem ordem emanada do Judiciário”

    O acórdão recebeu a seguinte ementa: “SIGILO DE DADOS – AFASTAMENTO. Conforme disposto no inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal, a regra é a privacidade quanto à correspondência, às comunicações telegráficas, aos dados e às comunicações, ficando a exceção – a quebra do sigilo – submetida ao crivo de órgão equidistante – o Judiciário – e, mesmo assim, para efeito de investigação criminal ou instrução processual penal. SIGILO DE DADOS BANCÁRIOS – RECEITA FEDERAL. Conflita com a Carta da República norma legal atribuindo à Receita Federal – parte na relação jurídico-tributária – o afastamento do sigilo de dados relativos ao contribuinte” 10.

    Criou-se uma espécie de reserva de jurisdição para a quebra de sigilo bancário. O interessante é que o julgamento da ação cautelar foi indeferida por maioria (6x4), contudo, na semana seguinte, a decisão foi revertida no mérito (5x4). Votaram contra a quebra do sigilo bancário pela Receita Federal os Ministros Marco Aurélio (Relator), Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Celso de Mello, e Cezar Peluso e a favor da quebra do sigilo bancário pela Receita Federal os Ministros Dias Toffoli, Carmen Lúcia, Carlos Ayres Britto e a Ellen Gracie. Não participou daquele julgamento os Ministros Joaquim Barboza (ausente) e Luiz Fux (ainda não fora nomeado).

    Ressalte-se que o Min. Luiz Fux foi o relator no STJ do recurso repetitivo acerca da aplicação da aplicação retroativa da LC n.º 105/01 para fatos anteriores a sua vigência, recebendo o acórdão a seguinte ementa:

    10 STF, RE 389808, Tribunal Pleno Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, , julgado em 15/12/2010, DJe-086 DIVULG 09-05-2011 PUBLIC 10-05-2011 EMENT VOL-02518-01 PP-00218

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    XII

    PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ARTIGO 543-C, DO CPC. TRIBUTÁRIO. QUEBRA DO SIGILO BANCÁRIO SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. CONSTITUIÇÃO DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS REFERENTES A FATOS IMPONÍVEIS ANTERIORES À VIGÊNCIA DA LEI COMPLEMENTAR 105/2001. APLICAÇÃO IMEDIATA. ARTIGO 144, § 1º, DO CTN. EXCEÇÃO AO PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE. 1. A quebra do sigilo bancário sem prévia autorização judicial, para fins de constituição de crédito tributário não extinto, é autorizada pela Lei 8.021/90 e pela Lei Complementar 105/2001, normas procedimentais, cuja aplicação é imediata, à luz do disposto no artigo 144, § 1º, do CTN. 2. O § 1º, do artigo 38, da Lei 4.595/64 (revogado pela Lei Complementar 105/2001), autorizava a quebra de sigilo bancário, desde que em virtude de determinação judicial, sendo certo que o acesso às informações e esclarecimentos, prestados pelo Banco Central ou pelas instituições financeiras, restringir-se-iam às partes legítimas na causa e para os fins nela delineados. 3. A Lei 8.021/90 (que dispôs sobre a identificação dos contribuintes para fins fiscais), em seu artigo 8º, estabeleceu que, iniciado o procedimento fiscal para o lançamento tributário de ofício (nos casos em que constatado sinal exterior de riqueza, vale dizer, gastos incompatíveis com a renda disponível do contribuinte), a autoridade fiscal poderia solicitar informações sobre operações realizadas pelo contribuinte em instituições financeiras, inclusive extratos de contas bancárias, não se aplicando, nesta hipótese, o disposto no artigo 38, da Lei 4.595/64. 4. O § 3º, do artigo 11, da Lei 9.311/96, com a redação dada pela Lei 10.174, de 9 de janeiro de 2001, determinou que a Secretaria da Receita Federal era obrigada a resguardar o sigilo das informações financeiras relativas à CPMF, facultando sua utilização para instaurar procedimento administrativo tendente a verificar a existência de crédito tributário relativo a impostos e contribuições e para lançamento, no âmbito do procedimento fiscal, do crédito tributário porventura existente. 5. A Lei Complementar 105, de 10 de janeiro de 2001, revogou o artigo 38, da Lei 4.595/64, e passou a regular o sigilo das operações de instituições financeiras, preceituando que não constitui violação do dever de sigilo a prestação de informações, à Secretaria da Receita Federal, sobre as operações financeiras efetuadas pelos usuários dos serviços (artigo 1º, § 3º, inciso VI, c/c o artigo 5º, caput, da aludida lei complementar, e 1º, do Decreto 4.489/2002). 6. As informações prestadas pelas instituições financeiras (ou equiparadas) restringem-se a informes relacionados com a identificação dos titulares das operações e os montantes globais mensalmente movimentados, vedada a inserção de qualquer elemento que permita identificar a sua origem ou a natureza dos gastos a partir deles efetuados (artigo 5º, § 2º, da Lei Complementar 105/2001). 7. O artigo 6º, da lei complementar em tela, determina que: "Art. 6º As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente.

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    XIII

    Parágrafo único. O resultado dos exames, as informações e os documentos a que se refere este artigo serão conservados em sigilo, observada a legislação tributária." 8. O lançamento tributário, em regra, reporta-se à data da ocorrência do fato ensejador da tributação, regendo-se pela lei então vigente, ainda que posteriormente modificada ou revogada (artigo 144, caput, do CTN). 9. O artigo 144, § 1º, do Codex Tributário, dispõe que se aplica imediatamente ao lançamento tributário a legislação que, após a ocorrência do fato imponível, tenha instituído novos critérios de apuração ou processos de fiscalização, ampliado os poderes de investigação das autoridades administrativas, ou outorgado ao crédito maiores garantias ou privilégios, exceto, neste último caso, para o efeito de atribuir responsabilidade tributária a terceiros. 10. Conseqüentemente, as leis tributárias procedimentais ou formais, conducentes à constituição do crédito tributário não alcançado pela decadência, são aplicáveis a fatos pretéritos, razão pela qual a Lei 8.021/90 e a Lei Complementar 105/2001, por envergarem essa natureza, legitimam a atuação fiscalizatória/investigativa da Administração Tributária, ainda que os fatos imponíveis a serem apurados lhes sejam anteriores (Precedentes da Primeira Seção: EREsp 806.753/RS, Rel. Ministro Herman Benjamin, julgado em 22.08.2007, DJe 01.09.2008; EREsp 726.778/PR, Rel. Ministro Castro Meira, julgado em 14.02.2007, DJ 05.03.2007; e EREsp 608.053/RS, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, julgado em 09.08.2006, DJ 04.09.2006). 11. A razoabilidade restaria violada com a adoção de tese inversa conducente à conclusão de que Administração Tributária, ciente de possível sonegação fiscal, encontrar-se-ia impedida de apurá-la. 12. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 facultou à Administração Tributária, nos termos da lei, a criação de instrumentos/mecanismos que lhe possibilitassem identificar o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte, respeitados os direitos individuais, especialmente com o escopo de conferir efetividade aos princípios da pessoalidade e da capacidade contributiva (artigo 145, § 1º). 13. Destarte, o sigilo bancário, como cediço, não tem caráter absoluto, devendo ceder ao princípio da moralidade aplicável de forma absoluta às relações de direito público e privado, devendo ser mitigado nas hipóteses em que as transações bancárias são denotadoras de ilicitude, porquanto não pode o cidadão, sob o alegado manto de garantias fundamentais, cometer ilícitos. Isto porque, conquanto o sigilo bancário seja garantido pela Constituição Federal como direito fundamental, não o é para preservar a intimidade das pessoas no afã de encobrir ilícitos. 14. O suposto direito adquirido de obstar a fiscalização tributária não subsiste frente ao dever vinculativo de a autoridade fiscal proceder ao lançamento de crédito tributário não extinto. 15. In casu, a autoridade fiscal pretende utilizar-se de dados da CPMF para apuração do imposto de renda relativo ao ano de 1998, tendo sido instaurado procedimento administrativo, razão pela qual merece reforma o acórdão regional. 16. O Supremo Tribunal Federal, em 22.10.2009, reconheceu a repercussão geral do Recurso Extraordinário 601.314/SP, cujo thema iudicandum restou assim identificado: "Fornecimento de informações sobre movimentação bancária de contribuintes, pelas instituições financeiras, diretamente ao Fisco por meio de procedimento administrativo, sem a prévia autorização judicial.

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    XIV

    Art. 6º da Lei Complementar 105/2001." 17. O reconhecimento da repercussão geral pelo STF, com fulcro no artigo 543-B, do CPC, não tem o condão, em regra, de sobrestar o julgamento dos recursos especiais pertinentes. 18. Os artigos 543-A e 543-B, do CPC, asseguram o sobrestamento de eventual recurso extraordinário, interposto contra acórdão proferido pelo STJ ou por outros tribunais, que verse sobre a controvérsia de índole constitucional cuja repercussão geral tenha sido reconhecida pela Excelsa Corte (Precedentes do STJ: AgRg nos EREsp 863.702/RN, Rel. Ministra Laurita Vaz, Terceira Seção, julgado em 13.05.2009, DJe 27.05.2009; AgRg no Ag 1.087.650/SP, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 18.08.2009, DJe 31.08.2009; AgRg no REsp 1.078.878/SP, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 18.06.2009, DJe 06.08.2009; AgRg no REsp 1.084.194/SP, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 05.02.2009, DJe 26.02.2009; EDcl no AgRg nos EDcl no AgRg no REsp 805.223/RS, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, julgado em 04.11.2008, DJe 24.11.2008; EDcl no AgRg no REsp 950.637/MG, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 13.05.2008, DJe 21.05.2008; e AgRg nos EDcl no REsp 970.580/RN, Rel. Ministro Paulo Gallotti, Sexta Turma, julgado em 05.06.2008, DJe 29.09.2008). 19. Destarte, o sobrestamento do feito, ante o reconhecimento da repercussão geral do thema iudicandum, configura questão a ser apreciada tão somente no momento do exame de admissibilidade do apelo dirigido ao Pretório Excelso. 20. Recurso especial da Fazenda Nacional provido. Acórdão submetido ao regime do artigo 543-C, do CPC, e da Resolução STJ 08/2008. (REsp 1134665/SP, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 25/11/2009, DJe 18/12/2009)

    Embora exista a possibilidade de mudança de jurisprudência, contudo este Juízo não pode fazer exercício de futurologia, devendo decidir o aqui e agora. Assim, malgrado este juízo não concorde com tal entendimento pelas razões acima expostas, ressalvo o meu ponto de vista pessoal para acompanhar o do STF.

    Colhe-se da representação fiscal para fins penais, que serviu de base para a instauração do inquérito e da presente denúncia, a seguinte passagem.

    “O contribuinte acima identificado apresentou uma movimentação financeira no valor total de R$ 744.041,88 (setecentos e quarenta e quatro mil, quarenta e um reais e oitenta e oito centavos), durante o ano calendário 2000, sendo R$ 694.819,20 (seiscentos e noventa e quatro mil, oitocentos e dezenove reais e vinte centavos) no Banco Bandeirantes S/A e R$ 49.222,68 (quarenta e nove mil, duzentos e vinte e dois reais e sessenta e oito centavos) bo Banco Mercantil de São Paulo S/A e, mesmo assim, declarou como rendimentos tributáveis, em sua Declaração de Imposto de Renda Pessoa Física correspondente a esse ano-calendário, apenas o valor de R$ 23.773,29 (vinte e três mil, setecentos e setenta e três reais e vinte e nove centavos. Intimado a apresentar os extratos de todas as contas correntes, poupanças e investimentos, mantidas em seu nome no citado ano-calendário, só apresentou, por intermédio da sra. XXX, os extratos referentes ao Banco Mercantil de São

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    XV

    Paulo S/A. Verificamos que os depósitos constantes desses extratos correspondiam a salários do contribuinte, cujo valor anual foi declarado em sua DIRPF/2001. Em virtude de o contribuinte não ter apresentado os extratos restantes, emitidos uma Requisição de Informações sobre a Movimentação financeira (RMF) do contribuinte no ano-calendário 2000, ao Banco Bandeirantes. Recebidos os extratos do Banco Bandeirantes, efetuamos a conciliação bancária, elaboramos um demonstrativo dos créditos remanescentes e enviamos, via postal, ao contribuinte, juntamente com cópia dos extratos correspondentes, intimando-o a esclarecer a origem dos recursos que possibilitaram os créditos efetuados na conta-corrente nº. 009432-7/001, agência 189 – Aracaju, Banco Bandeirantes, conjunta com a sra. Edjane Barros Nascimento. O prazo dado na intimação expirou, sem que o contribuinte se manifestasse, muito embora na referida intimação fosse ressaltado que o não atendimento à mesma ensejaria lançamento com as informações de que se dispusesse. Por essa razão, concluímos que o contribuinte representado omitiu, em sua DIRPF/2001, os depósitos efetuados em sua conta-corrente, conjunta com edjane barros Nascimento, conforme Demonstratico em anexo, em relação aos quais ele, embora regularmente intimado, não comprovou, mediante documentação hábil e idônea, a origem dos recursos utilizados nessas operações, ficando desse modo caracterizada a ocorrência, em tese, de ilícito tributário”.

    Na f. 31, consta a RMF – Requisição de Movimentação Financeira ao Banco Bandeirantes e na f. 35-60 os extratos bancários da conta corrente nº 189-009432-7/001, em nome de XXX e XXX.

    Com base na movimentação bancária e na presunção de omissão de receita, a Receita Federal do Brasil efetuou um lançamento de ofício (f. 65-68 do apenso 01 IPL n.º 219/2008), constituindo um crédito tributário no montante de R$ 318.894,36, valor atualizado até 26/12/2006, relativo ao Imposto de Renda Pessoa Física.

    Se não houvesse a quebra ilegal do sigilo bancário pela Receita Federal do Brasil, não seria constituído o crédito tributário, nem haveria como ser feita a representação fiscal para fins penais. Ressalte-se que a persecução penal foi instaurada a partir de representação fiscal para fins penais, sendo que todas as demais provas são dele derivadas.

    No referido inquérito, somente foram ouvidas os responsáveis (f. 09/10, 12/13 e 14/15), pelo que não foram produzidas outras provas independentes, nem se está diante da descoberta inevitável.

    Como a quebra do sigilo bancário não foi determinada pelo Poder Judiciário, é forçoso reconhecer que todas as provas constantes na representação fiscal para fins penais são ilícitas. Tal situação compromete a própria materialidade delitiva.

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    O art. 5º, LVI da CF/88 assegura que “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”. Tal disposição de eficácia plena assegura a desvalia da prova ilícita como elemento de valoração em qualquer processo judicial ou administrativo, especialmente no âmbito penal, de que não pode servir para lastrear uma acusação, valorada pelo Juízo e, caso conste nos autos, deve ser desentranhada. Nas palavras do Min. Celso de Mello, “ninguém pode ser denunciado, processado ou condenado com fundamento em provas ilícitas, eis que a atividade persecutória do Poder Público, também nesse domínio, está necessariamente subordinada à estrita observância de parâmetros de caráter ético-jurídico cuja transgressão só pode importar, no contexto emergente de nosso sistema normativo, na absoluta ineficácia dos meios probatórios produzidos pelo Estado”. 11

    A propósito, cito o excerto do acórdão abaixo: E M E N T A: PROVA PENAL - BANIMENTO CONSTITUCIONAL DAS PROVAS ILÍCITAS (CF, ART. 5º, LVI) - ILICITUDE (ORIGINÁRIA E POR DERIVAÇÃO) - INADMISSIBILDADE - BUSCA E APREENSÃO DE MATERIAIS E EQUIPAMENTOS REALIZADA, SEM MANDADO JUDICIAL, EM QUARTO DE HOTEL AINDA OCUPADO - IMPOSSIBLIDADE - QUALIFICAÇÃO JURÍDICA DESSE ESPAÇO PRIVADO (QUARTO DE HOTEL, DESDE QUE OCUPADO) COMO "CASA", PARA EFEITO DA TUTELA CONSTITUCIONAL DA INVIOLABILIDADE DOMICILIAR - GARANTIA QUE TRADUZ LIMITAÇÃO CONSTITUCIONAL AO PODER DO ESTADO EM TEMA DE PERSECUÇÃO PENAL, MESMO EM SUA FASE PRÉ-PROCESSUAL - CONCEITO DE "CASA" PARA EFEITO DA PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL (CF, ART. 5º, XI E CP, ART. 150, § 4º, II) - AMPLITUDE DESSA NOÇÃO CONCEITUAL, QUE TAMBÉM COMPREENDE OS APOSENTOS DE HABITAÇÃO COLETIVA (COMO, POR EXEMPLO, OS QUARTOS DE HOTEL, PENSÃO, MOTEL E HOSPEDARIA, DESDE QUE OCUPADOS): NECESSIDADE, EM TAL HIPÓTESE, DE MANDADO JUDICIAL (CF, ART. 5º, XI). IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO, PELO MINISTÉRIO PÚBLICO, DE PROVA OBTIDA COM TRANSGRESSÃO À GARANTIA DA INVIOLABILIDADE DOMICILIAR - PROVA ILÍCITA - INIDONEIDADE JURÍDICA - RECURSO ORDINÁRIO PROVIDO. BUSCA E APREENSÃO EM APOSENTOS OCUPADOS DE HABITAÇÃO COLETIVA (COMO QUARTOS DE HOTEL) - SUBSUNÇÃO DESSE ESPAÇO PRIVADO, DESDE QUE OCUPADO, AO CONCEITO DE "CASA" - CONSEQÜENTE NECESSIDADE, EM TAL HIPÓTESE, DE MANDADO JUDICIAL, RESSALVADAS AS EXCEÇÕES PREVISTAS NO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL. - Para os fins da proteção jurídica a que se refere o art. 5º, XI, da Constituição da República, o conceito normativo de "casa" revela-se abrangente e, por estender-se a qualquer aposento de habitação coletiva, desde que ocupado (CP, art. 150, § 4º, II), compreende, observada essa específica limitação espacial, os

    11 STF, RE 251445, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, julgado em 21/06/2000, publicado em DJ 03/08/2000 PP-00068

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    quartos de hotel. Doutrina. Precedentes. - Sem que ocorra qualquer das situações excepcionais taxativamente previstas no texto constitucional (art. 5º, XI), nenhum agente público poderá, contra a vontade de quem de direito ("invito domino"), ingressar, durante o dia, sem mandado judicial, em aposento ocupado de habitação coletiva, sob pena de a prova resultante dessa diligência de busca e apreensão reputar-se inadmissível, porque impregnada de ilicitude originária. Doutrina. Precedentes (STF). ILICITUDE DA PROVA - INADMISSIBILIDADE DE SUA PRODUÇÃO EM JUÍZO (OU PERANTE QUALQUER INSTÂNCIA DE PODER) - INIDONEIDADE JURÍDICA DA PROVA RESULTANTE DA TRANSGRESSÃO ESTATAL AO REGIME CONSTITUCIONAL DOS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS. - A ação persecutória do Estado, qualquer que seja a instância de poder perante a qual se instaure, para revestir-se de legitimidade, não pode apoiar-se em elementos probatórios ilicitamente obtidos, sob pena de ofensa à garantia constitucional do "due process of law", que tem, no dogma da inadmissibilidade das provas ilícitas, uma de suas mais expressivas projeções concretizadoras no plano do nosso sistema de direito positivo. - A Constituição da República, em norma revestida de conteúdo vedatório (CF, art. 5º, LVI), desautoriza, por incompatível com os postulados que regem uma sociedade fundada em bases democráticas (CF, art. 1º), qualquer prova cuja obtenção, pelo Poder Público, derive de transgressão a cláusulas de ordem constitucional, repelindo, por isso mesmo, quaisquer elementos probatórios que resultem de violação do direito material (ou, até mesmo, do direito processual), não prevalecendo, em conseqüência, no ordenamento normativo brasileiro, em matéria de atividade probatória, a fórmula autoritária do "male captum, bene retentum". Doutrina. Precedentes. A QUESTÃO DA DOUTRINA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA ("FRUITS OF THE POISONOUS TREE"): A QUESTÃO DA ILICITUDE POR DERIVAÇÃO. - Ninguém pode ser investigado, denunciado ou condenado com base, unicamente, em provas ilícitas, quer se trate de ilicitude originária, quer se cuide de ilicitude por derivação. Qualquer novo dado probatório, ainda que produzido, de modo válido, em momento subseqüente, não pode apoiar-se, não pode ter fundamento causal nem derivar de prova comprometida pela mácula da ilicitude originária. - A exclusão da prova originariamente ilícita - ou daquela afetada pelo vício da ilicitude por derivação - representa um dos meios mais expressivos destinados a conferir efetividade à garantia do "due process of law" e a tornar mais intensa, pelo banimento da prova ilicitamente obtida, a tutela constitucional que preserva os direitos e prerrogativas que assistem a qualquer acusado em sede processual penal. Doutrina. Precedentes. - A doutrina da ilicitude por derivação (teoria dos "frutos da árvore envenenada") repudia, por constitucionalmente inadmissíveis, os meios probatórios, que, não obstante produzidos, validamente, em momento ulterior, acham-se afetados, no entanto, pelo vício (gravíssimo) da ilicitude originária, que a eles se transmite, contaminando-os, por efeito

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    de repercussão causal. Hipótese em que os novos dados probatórios somente foram conhecidos, pelo Poder Público, em razão de anterior transgressão praticada, originariamente, pelos agentes da persecução penal, que desrespeitaram a garantia constitucional da inviolabilidade domiciliar. - Revelam-se inadmissíveis, desse modo, em decorrência da ilicitude por derivação, os elementos probatórios a que os órgãos da persecução penal somente tiveram acesso em razão da prova originariamente ilícita, obtida como resultado da transgressão, por agentes estatais, de direitos e garantias constitucionais e legais, cuja eficácia condicionante, no plano do ordenamento positivo brasileiro, traduz significativa limitação de ordem jurídica ao poder do Estado em face dos cidadãos. - Se, no entanto, o órgão da persecução penal demonstrar que obteve, legitimamente, novos elementos de informação a partir de uma fonte autônoma de prova - que não guarde qualquer relação de dependência nem decorra da prova originariamente ilícita, com esta não mantendo vinculação causal -, tais dados probatórios revelar-se-ão plenamente admissíveis, porque não contaminados pela mácula da ilicitude originária. - A QUESTÃO DA FONTE AUTÔNOMA DE PROVA ("AN INDEPENDENT SOURCE") E A SUA DESVINCULAÇÃO CAUSAL DA PROVA ILICITAMENTE OBTIDA - DOUTRINA - PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - JURISPRUDÊNCIA COMPARADA (A EXPERIÊNCIA DA SUPREMA CORTE AMERICANA): CASOS "SILVERTHORNE LUMBER CO. V. UNITED STATES (1920); SEGURA V. UNITED STATES (1984); NIX V. WILLIAMS (1984); MURRAY V. UNITED STATES (1988)", v.g.. 12

    O reconhecimento da ilicitude não atinge somente a prova produzida em si, mas se propaga para outros elementos decorrente da ilicitude originária, segundo o nexo de causalidade. É a famosa fórmula fruit of the poisonous tree doctrine (frutos da árvore envenenada), de matriz norte-americana, ou seja, havendo uma origem ilícita, toda a prova decorrente desta, mesmo que não seja ilícita em si, não pode ser admitida, pois já estaria contaminada.

    Tal proibição não é absoluta, pois admite-se flexibilização no caso de prova ilícita pro reo (nunca pro societati), a limitação da fonte independente (independente source) e da descoberta inevitável (inevitable discovery)

    Com a reforma do processo penal (Lei 11.690/08), a proibição da prova ilícita se encontra assim regulada:

    CPP, Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais. (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)

    12 STF, RHC 90376, 2ª Turma, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, julgado em 03/04/2007, DJe-018 DIVULG 17-05-2007 PUBLIC 18-05-2007 DJ 18-05-2007 PP-00113 EMENT VOL-02276-02 PP-00321 RTJ VOL-00202-02 PP-00764 RT v. 96, n. 864, 2007, p. 510-525 RCJ v. 21, n. 136, 2007, p. 145-147

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    § 1o São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008) § 2o Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008) § 3o Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008) § 4o (VETADO) (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)

    Ressalte-se que a doutrina faz uma distinção entre prova ilícita e ilegítima, contudo o CPP equiparou os conceitos da prova ilícita ao de ilegítima. Não obstante a literalidade do texto causada pelo legislador, trata-se de conceitos inconfundíveis, já que os vícios são de origem diversa.

    “E assim o autor define a prova ilícita, em sentido estrito, como “a prova

    colhida infringindo-se as normas ou princípios colocados pela CF e pelas leis, frequentemente para a proteção das liberdades públicas e dos direitos da personalidade e daquela sua manifestação que é o direito à intimidade”13

    Melhor exemplificando: se o vício se deu na colheita da prova, por ofensa a uma norma material, como no caso de uma confissão obtida sob tortura, o que é constitucionalmente proibido, teremos prova ilícita. Por outro lado, se o vício se der quando da produção oi inserção da provas no processo, por desobediência a uma norma processual, como o caso da oitiva de testemunha proibida de depor por dever de sigilo, a prova será ilegítima.

    De se ressaltar que a prova pode ser contra os bons costumes e a moral, constituindo-se tais vícios a princípio, no sentido amplo, prova ilícita, sendo esta a intenção do legislador constitucional no Brasil ao se referir à prova ilícita.14

    Portanto, a prova ilegítima é a que é colhida em desobediência às normas processuais, e, segundo LUIZ FRANCISCO TORQUATO AVOLIO, “tudo se resolve dentro do processo, segundo os esquemas processuais que determinam as formas e modalidades de produção de prova, com a sanção correspondente a cada transgressão que pode ser uma sanção de nulidade”.15

    Ainda segundo o autor, “diversamente, por prova ilícita, ou ilicitamente obtida, é de se entender a prova colhida com infração a normas ou princípios de direito material – sobretudo de direito constitucional, porque, como vimos, a problemática da prova lícita se prende sempre à questão das liberdades públicas, onde estão assegurados os direitos atinentes à intimidade, à dignidade humana (...)”

    E arremata distinguindo o momento da transgressão das duas espécies de provas vedadas: “enquanto na prova ilegítima a ilegalidade ocorre no

    13 Op.cit. (a obra é AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas ilícitas – interceptações telefônicas e gravações clandestinas. 2ª Ed. São Paulo, RT, 1999, p. 43.) 14 CAMARGO ARANHA, Adalberto José Q. T. de. Da prova no processo penal. 5ª Ed. São Paulo, 1999, p. 49 e 51. 15 Op. cit., p. 43.

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    momento de sua produção no processo, a prova ilícita pressupões uma violação no momento da colheita da prova, anterior ou concomitantemente ao processo, mas sempre externamente a este.”16 17

    O entendimento pacífico da jurisprudência é de que “Salvo flagrante ilegalidade, alegados vícios na constituição do crédito tributário não comportam discussão no âmbito da ação penal, o mesmo ocorrendo quanto à implementação das causas extintivas da referido crédito, devendo ser apurados em ação própria, perante o juízo cível competente, sobretudo em razão da presunção de legitimidade que se confere ao ato administrativo de lançamento”. (TRF 4ª Reg., ACR 2003.72.03.000315-1/SC, 7ª Turma, Rel. Des. Federal Néfi Cordeiro, D.E. 07/01/2009).

    Peço vênia para transcrever o brilhante voto do Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, nos autos da ACR n.º 2005.71.01.000738-8/RS:

    “Segundo, a jurisprudência dominante manifesta-se no sentido de que

    eventuais vícios na constituição do crédito tributário são, em princípio, examináveis na competente via administrativa e/ou cível (âmbito judicial), não competindo ao juízo criminal imiscuir-se na matéria. Destarte, todas as questões que preconizam a existência de nulidades intrínsecas ao processo administrativo-fiscal, tais como os vícios relacionados às notificações, não devem ser objeto de revisão na seara criminal. Ou seja, para efeitos penais, suficiente é a existência de lançamento definitivo em vigor, valendo a presunção de legitimidade do ato administrativo. Tal entendimento, inclusive, encontra guarida no âmbito do Egrégio Superior Tribunal de Justiça:

    CRIMINAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RHC. NULIDADE. PROCEDIMENTO FISCAL. IRRELEVÂNCIA PARA A AÇÃO PENAL. OMISSÃO NÃO VERIFICADA. EMBARGOS REJEITADOS. I. Persistem as razões do acórdão embargado, que decidiu com acerto a questão sub judice, levando em conta os fundamentos entendidos como suficientes ao embasamento da decisão, no sentido de que eventuais vícios no procedimento administrativo fiscal são irrelevantes para o processo penal em que se apura a possível ocorrência de crime contra a ordem tributária. II. Razões que não se ocupam em evidenciar qualquer omissão, contradição ou equívoco e, sim, visam a atacar os fundamentos do julgado, com o intuito de lograr a reforma do decisum. III. Embargos rejeitados. (STJ, 5ª Turma, EDRHC nº 14459/ES, Rel. Ministro Gilson Dipp, DJU 03.11.2004). Dessarte, conforme consignado em recente precedente desta Corte, a

    existência de eventual vício na constituição do crédito tributário não comporta discussão no âmbito da ação penal, devendo ser apurada em ação própria, perante o juízo cível competente, sobretudo em razão da presunção de legitimidade que se confere ao ato administrativo de

    16 Op. cit., p. 44-45. 17 LIMA, Marcelullus Polastri. Provas lícitas ou ilícitas: considerações sobre a admissibilidade da prova vedada no processo penal brasileiro. Revista Síntese de Direito Penal e Processual Penal. n. 24, p. 49/69, fev/mar, 2004.

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    lançamento (TRF 4ª Região, 7ª Turma, ACR nº 2004.70.01.006450-0/PR, Rel. Des. Federal Néfi Cordeiro, e-DJ 07.01.2009).

    Outrossim, segundo jurisprudência predominante, o fato de o denunciado estar discutindo judicialmente a dívida tributária perante o juízo cível, em razão da independência das esferas judiciais, não importa a compulsória suspensão da ação penal (TRF/4ª, HC 2005.04.01.033231-3, Oitava Turma, Relator Des. Luiz Fernando Wowk Penteado, public. no DJU em 24/08/2005). A propósito, como é cediço, a existência de ações autônomas de impugnação ao crédito tributário ou de embargos à execução fiscal não tem o condão de suspender o trâmite da ação penal, porquanto se trata de instâncias independentes. Somente a discussão na esfera administrativa, acerca do crédito tributário, é que impossibilita a persecução penal na espécie delitiva em alusão”. 18

    Na mesma esteira, é o julgado abaixo: “EMENTA: PENAL. PROCESSO PENAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ARTIGO 1º, INCISO I, DA LEI Nº 8.137/90. PRELIMINAR DE NULIDADE NA CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. VIA IMPRÓPRIA. REQUISITOS. LANÇAMENTO DEFINITIVO. IMPOSTO DE RENDA PESSOA JURÍDICA. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO VERIFICADO. AUTORIA E DOLO COMPROVADOS APENAS QUANTO AO ADMINISTRADOR DA EMPRESA. REDUÇÃO DA PENA APLICADA. 1. O âmbito da ação penal não comporta a discussão sobre a existência de eventual vício na constituição do crédito tributário, a qual deverá ser travada, se for o caso, na competente via administrativa ou, no âmbito judiciário, na esfera cível, sendo suficiente, para os efeitos penais, que se tenha o lançamento definitivo em vigor, erigindo-se, na hipótese, a presunção de legitimidade do ato administrativo. 2. Inexistindo nos autos elemento de convicção que aponte pela ingerência direta de dois dos sócios nos assuntos tributários da entidade, fato este imprescindível para amparar decreto de condenação sem ofensa à cláusula da responsabilidade subjetiva, sua absolvição é medida que se impõe, pois não há prova de que estes estivessem imbuídos do propósito de obter a supressão de tributos, bem como estivesses irmanado na realização da conduta típica. 3. Diante da falta de certeza absoluta quanto à responsabilidade penal, a dúvida milita em favor dos recorridos (princípio do in dubio pro reo). 4. Comprovado nos autos que um dos sócios efetivamente era o único administrador da área fiscal, configurada a autoria e o elemento subjetivo”. 19

    Ressalte-se que este Juízo não está desconstituindo a legalidade do crédito tributário ou o seu valor, mas reconhecendo a desvalia dos elementos de prova, uma vez que foram colhidos em desrespeito a regra constitucional, consoante a interpretação do STF sobre a matéria. O exame de tal questão é feito primo icto oculi. Pouco importa que a prova tenha sido produzida em momento

    18 TRF 4ª Reg., ACR 2005.71.01.000738-8/RS, 8ª Turma, Relator Paulo Afonso Brum Vaz, D.E. 03/03/2010 19 TRF 4ª Reg., ACR 2004.70.03.000284-5/PR, 7ª Turma, Rel. Des. Federal Tadaaqui Hirose, D.E. 25/03/2010

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    anterior a decisão do STF, uma vez que a Suprema Corte não fez qualquer modulação dos seus efeitos, devendo ser aplicado aos processos em curso.

    Nada impede que se dê início a nova persecução penal, desde que constituído novo crédito, sem o vício de ilicitude do anterior.

    3. DISPOSITIVO

    Ante o exposto, absolvo sumariamente os denunciados XXX, XXX, XXX, com fulcro no art. 397, III do CPP.

    Transitado em julgado, arquivem-se os autos com baixa na distribuição, após as comunicações cabíveis.

    Publicar. Registrar. Intimar.

    Aracaju, 11 de outubro de 2011.

    Fábio Cordeiro de Lima Juiz Federal Substituto da 1ª Vara/SE