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Revista Brasileira de Geociências 25(1):41-50, março de 1995 PETROGÊNESE DE FORMAÇÕES FERRÍFERAS E METAHIDROTERMALITOS DA FORMAÇÃO AIMBÉ, GRUPO GUARINOS (ARQUEANO), GOIÁS MARCELO GONÇALVES RESENDE & HARDY JOST ABSTRACT PETROGENESIS OF IRON FORMATIONS AND METAHYDROTHERMALITES OF THE AIMBÉ FORMATION, GUARINOS GROUP (ARCHAEAN), GOIÁS. The Airnbe Formation is a stratigraphic unit of the Archaean Guarinos Group (Guarinos greenstone belt, Goiás, Central Brazil) consisting of (I) magnetite- and/or haematite-muscovite iron formations, quartz being absent; (ii) metahydrothermalites representing fossil exhalative centers with preserved vents surrounded by hydrothermal alteration haloes containing tourmaline, chloritoid, magnetite, chlorite, and muscovite, and (iii) minor metaconglomerates and metashales. Tourmaline, chloritoid, magnetite, chlorite, and muscovite were quantitatively analysed in a microprobe to determine compositional variations of mineral species common to different alteration haloes, to the two main facies of the iron formations, and to both, to suport the intepretation of the mineral composition of the protoliths of metahydrothermalites and iron formations. The composition of metamorphic minerals suggest that the metahydrothermalites protoliths were probably composed by variable proportions of kaolinite, diaspore, magnetite, pyrophilite, illite, Na-montmorillonite, while muscovite of the iron formations is interpreted as metamorphosed felsic volcanic ash. Keywords: Iron formations, metahydrothermalites, petrogenesis, Archaean, Goiás RESUMO A Formação Aimbé é uma unidade estratigráfica do Grupo Guarinos (greenstone belt de Guarinos, Goiás), de idade arqueana e contem (i) formações ferríferas predominantes, com magnetita e/ou hematita e muscovita, sem quartzo, (ii) metahidrotermalitos com condutos circundados por diversas zonas de alteração com turmalina, cloritóide, magnetita, clorita e muscovita, e (iii) locais metaconglomerados e metafolhelhos. Turmalina, cloritóide, magnetita, clorita e muscovita foram analisados em microssonda eletrônica para deter- minar variações composicionais de espécies minerais comuns aos diferentes halos de alteração, às duas subfácies de formações ferríferas, e a ambos, e suportar a interpretação da composição mineral dos protolitos de metahidrotermalitos e formações ferríferas. A composição química dos minerais metamórficos sugere que os protolitos dos metahidrotermalitos continham proporções variadas de caolinita, diaspora, magnetita, pirofílita, illita, Na-montmorillonita e albita. A muscovita das formações ferríferas é interpretada como produto meta- mórfico de cinza vulcânica félsica. Palavras-chaves: Formações ferríferas, metahidrotermalitos, petrogênese, Arqueano, Goiás INTRODUÇÃO Formações ferríferas são pouco fre- qüentes nas rochas supracrustais arqueanas do tipo green- stone belt da região de Crixás, Goiás (Fig. 1), mas a sua presença tem sido registrada desde os trabalhos pioneiros de Danni & Ribeiro (1978) e Sabóia (1979). As formações ferríferas ocorrem nas faixas de Pilar de Goiás e Guarinos, mas não foram, ainda, observadas na faixa de Crixás. As ocorrências conhecidas consistem de: (a) depósitos do tipo Algoma, nas fácies óxidos e silicato, intercalados em meta- komatiitos e metatoleiítos de Pilar de Goiás (Danni et al. 1986) e Guarinos (lost & Oliveira 1991); (b) depósitos do tipo Superior, associados a mármores e conglomerados, como os da Seqüência Morro Escuro, na faixa Guarinos (Jost et al. 1989); (c) depósitos do tipo SEDEX, como os da Formação Aimbé, faixa Guarinos (Jost et al. 1994, Resende 1994), e (d) ocorrências de origem incerta, intercaladas em filitos carbonosos do topo das seqüências estratigráficas de Guarinos e Pilar de Goiás (Jost & Oliveira 1991). A Formação Aimbé, objeto do presente estudo, é uma subunidade do Grupo Guarinos e cujas características foram inicialmente descritas por Jost & Oliveira (1991) e complementadas por Resende et al. (1993), Jost et al. (1994), Resende (1994) e Resende & Jost (1994). A unidade tem cerca de 50 m de espessura e está exposta, segundo a direção, por aproximadamente 25 km e consiste de (i) for- mações ferríferas dominantes, com magnetita e/ou hematita e muscovita intersticial ou em bandas, e ausência de quart- zo, (ii) lentes de metahidrotermalitos e (iii) lentes de meta- conglomerados e metafolhelhos. A presença de metahidro- termalitos e a estranha associação mineral das formações ferríferas motivou uma investigação mais detalhada da com- posição das espécies minerais metamórficas comuns às ro- chas dos diferentes halos de alteração hidrotermal, às sub- fácies de formações ferríferas e a ambos, visando identificar variações composicionais dos minerais metamórficos dos dois ambientes e suportar a interpretação da composição mineral dos protolitos de metahidrotermalitos e formações ferríferas. ESTRATIGRAFIA E ESTRUTURA As rochas supra- crustais do greenstone belt de Guarinos (Fig. 2) estão reunidas no Grupo Guarinos (Jost & Oliveira 1991). Á seção inferior do Grupo é constituída por rochas metavulcânicas que, da base para o topo, compreendem metakomatiitos (Formação Serra do Cotovelo), sotopostos a metabasaltos toleiíticos (Formação Serra Azul), ambos com intercalações de formações ferríferas. A seção superior é metasedimentar e, da base para o topo, compreende: (a) quartzo-clorita xistos, comumente rítmicos da Formação São Patricinho, em parte lateralmente dispostos aos metabasaltos da Forma- ção Serra Azul; (b) formações ferríferas, metahidroter- malitos, metaconglomerados e metafolhelhos da Formação Aimbé, e (c) metapelitos, em geral carbonosos, com raras intercalações de metachert, formações ferríferas e manga- nesíferas, da Formação Cabaçal. As paragêneses minerais de metamorfismo regional em metabasaltos e metapelitos são compatíveis com as condi- ções da fácies xisto verde. A foliação metamórfíca resultan- te é paralela ao acamamento original. A variação da atitude de ambos indica que as unidades mapeadas descrevem, na Instituto de Geociências, Universidade de Brasília, Caixa Postal 04421,79919-970 - Brasília, DF, e-mail: [email protected]

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Revista Brasileira de Geociências 25(1):41-50, março de 1995

PETROGÊNESE DE FORMAÇÕES FERRÍFERAS E METAHIDROTERMALITOSDA FORMAÇÃO AIMBÉ, GRUPO GUARINOS (ARQUEANO), GOIÁS

MARCELO GONÇALVES RESENDE & HARDY JOST

ABSTRACT PETROGENESIS OF IRON FORMATIONS AND METAHYDROTHERMALITES OFTHE AIMBÉ FORMATION, GUARINOS GROUP (ARCHAEAN), GOIÁS. The Airnbe Formation is astratigraphic unit of the Archaean Guarinos Group (Guarinos greenstone belt, Goiás, Central Brazil) consistingof (I) magnetite- and/or haematite-muscovite iron formations, quartz being absent; (ii) metahydrothermalitesrepresenting fossil exhalative centers with preserved vents surrounded by hydrothermal alteration haloescontaining tourmaline, chloritoid, magnetite, chlorite, and muscovite, and (iii) minor metaconglomerates andmetashales. Tourmaline, chloritoid, magnetite, chlorite, and muscovite were quantitatively analysed in amicroprobe to determine compositional variations of mineral species common to different alteration haloes, tothe two main facies of the iron formations, and to both, to suport the intepretation of the mineral compositionof the protoliths of metahydrothermalites and iron formations. The composition of metamorphic mineralssuggest that the metahydrothermalites protoliths were probably composed by variable proportions of kaolinite,diaspore, magnetite, pyrophilite, illite, Na-montmorillonite, while muscovite of the iron formations isinterpreted as metamorphosed felsic volcanic ash.

Keywords: Iron formations, metahydrothermalites, petrogenesis, Archaean, Goiás

RESUMO A Formação Aimbé é uma unidade estratigráfica do Grupo Guarinos (greenstone belt de Guarinos,Goiás), de idade arqueana e contem (i) formações ferríferas predominantes, com magnetita e/ou hematita emuscovita, sem quartzo, (ii) metahidrotermalitos com condutos circundados por diversas zonas de alteração comturmalina, cloritóide, magnetita, clorita e muscovita, e (iii) locais metaconglomerados e metafolhelhos.Turmalina, cloritóide, magnetita, clorita e muscovita foram analisados em microssonda eletrônica para deter-minar variações composicionais de espécies minerais comuns aos diferentes halos de alteração, às duassubfácies de formações ferríferas, e a ambos, e suportar a interpretação da composição mineral dos protolitos demetahidrotermalitos e formações ferríferas. A composição química dos minerais metamórficos sugere que osprotolitos dos metahidrotermalitos continham proporções variadas de caolinita, diaspora, magnetita, pirofílita,illita, Na-montmorillonita e albita. A muscovita das formações ferríferas é interpretada como produto meta-mórfico de cinza vulcânica félsica.

Palavras-chaves: Formações ferríferas, metahidrotermalitos, petrogênese, Arqueano, Goiás

INTRODUÇÃO Formações ferríferas são pouco fre-qüentes nas rochas supracrustais arqueanas do tipo green-stone belt da região de Crixás, Goiás (Fig. 1), mas a suapresença tem sido registrada desde os trabalhos pioneiros deDanni & Ribeiro (1978) e Sabóia (1979). As formaçõesferríferas ocorrem nas faixas de Pilar de Goiás e Guarinos,mas não foram, ainda, observadas na faixa de Crixás. Asocorrências conhecidas consistem de: (a) depósitos do tipoAlgoma, nas fácies óxidos e silicato, intercalados em meta-komatiitos e metatoleiítos de Pilar de Goiás (Danni et al.1986) e Guarinos (lost & Oliveira 1991); (b) depósitos dotipo Superior, associados a mármores e conglomerados,como os da Seqüência Morro Escuro, na faixa Guarinos(Jost et al. 1989); (c) depósitos do tipo SEDEX, como os daFormação Aimbé, faixa Guarinos (Jost et al. 1994, Resende1994), e (d) ocorrências de origem incerta, intercaladas emfilitos carbonosos do topo das seqüências estratigráficas deGuarinos e Pilar de Goiás (Jost & Oliveira 1991).

A Formação Aimbé, objeto do presente estudo, é umasubunidade do Grupo Guarinos e cujas característicasforam inicialmente descritas por Jost & Oliveira (1991) ecomplementadas por Resende et al. (1993), Jost et al.(1994), Resende (1994) e Resende & Jost (1994). A unidadetem cerca de 50 m de espessura e está exposta, segundo adireção, por aproximadamente 25 km e consiste de (i) for-mações ferríferas dominantes, com magnetita e/ou hematitae muscovita intersticial ou em bandas, e ausência de quart-zo, (ii) lentes de metahidrotermalitos e (iii) lentes de meta-conglomerados e metafolhelhos. A presença de metahidro-termalitos e a estranha associação mineral das formações

ferríferas motivou uma investigação mais detalhada da com-posição das espécies minerais metamórficas comuns às ro-chas dos diferentes halos de alteração hidrotermal, às sub-fácies de formações ferríferas e a ambos, visando identificarvariações composicionais dos minerais metamórficos dosdois ambientes e suportar a interpretação da composiçãomineral dos protolitos de metahidrotermalitos e formaçõesferríferas.

ESTRATIGRAFIA E ESTRUTURA As rochas supra-crustais do greenstone belt de Guarinos (Fig. 2) estãoreunidas no Grupo Guarinos (Jost & Oliveira 1991). Á seçãoinferior do Grupo é constituída por rochas metavulcânicasque, da base para o topo, compreendem metakomatiitos(Formação Serra do Cotovelo), sotopostos a metabasaltostoleiíticos (Formação Serra Azul), ambos com intercalaçõesde formações ferríferas. A seção superior é metasedimentare, da base para o topo, compreende: (a) quartzo-cloritaxistos, comumente rítmicos da Formação São Patricinho,em parte lateralmente dispostos aos metabasaltos da Forma-ção Serra Azul; (b) formações ferríferas, metahidroter-malitos, metaconglomerados e metafolhelhos da FormaçãoAimbé, e (c) metapelitos, em geral carbonosos, com rarasintercalações de metachert, formações ferríferas e manga-nesíferas, da Formação Cabaçal.

As paragêneses minerais de metamorfismo regional emmetabasaltos e metapelitos são compatíveis com as condi-ções da fácies xisto verde. A foliação metamórfíca resultan-te é paralela ao acamamento original. A variação da atitudede ambos indica que as unidades mapeadas descrevem, na

Instituto de Geociências, Universidade de Brasília, Caixa Postal 04421,79919-970 - Brasília, DF, e-mail: [email protected]

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Figura 1 - Localização geográfica do greenstone beltde Guannos, GoiásFigure l - Geographical location of the Guarinos greenstone belt, Goiás,Central Brazil

metade norte da área estudada, um antiforme inversocuja superfície axial tem atitude média N30°W,35°SW.Na metade sul, essa estrutura se bifurca (Fig. 2) para sulcomo antiforme simétrico e normal, de superfície axial N-Se caimento médio de 10°S, e para sudeste, como antiformeassimétrico e inverso de superfície axial média com atitudeN70°W,45°SW e caimento médio de 15°SE.

Estruturas primárias reliquiares, tais como laminação eestratificação cruzada, estruturas de corte-e-preenchimentoe acamamento gradacional em rochas metassedimentares eestruturas em almofada em metabasaltos indicam que aseqüência estratigráfica do Grupo Guarinos está inteira-mente invertida. Isto condiz com a localização das unidadesmais antigas, como os metakomatiitos da Formação Serra doCotovelo, em posições estruturais elevadas, em contrastecom unidades mais jovens, como os metassedimentos daFormação Cabaçal, situados no núcleo da estrutura.

A Formação Aimbé recobre, a norte, metabasaltos daFormação Serra Azul e, a sul, rochas metassedimentaresda Formação São Patricinho, sinalizando que a unidadeprovavelmente repousa sobre uma discordância. O contato ébrusco, por vezes tectônico. Quando brusco, os metabasaltosda Formação Serra Azul e os metassedimentos da FormaçãoSão Patricinho mostram, freqüentemente, uma zona comaté 2 m de espessura com cloritóide e sericita, sugerindo quea deposição dos sedimentos da Formação Aimbé foi prece-dida da alteração do seu substrato. Já o contato com os xistoscarbonosos da Formação Cabaçal varia de brusco a rapida-mente gradual, quando então a passagem é marcada por umintervalo com até 5 m de espessura onde se alternam finosleitos de filito carbonoso e formação ferrífera. Os metacon-glomerados, metafolhelhos e metahidrotermalitos da base daFormação Aimbé e o contato com os metabasaltosda Formação Serra Azul e as rochas metassedimentares da

Formação São Patricinho situam-se, sempre, em posiçõesestruturais mais elevadas que o contato gradual das forma-ções ferríferas com os metapelitos da Formação Cabaçal, emrazão da inversão estratigráfica intepretada a partir de ou-tros critérios.

Figura 2 - Mapa geológico da porção centro-sul do green-stone belt de Guannos, mostrando a área de ocorrência daFormação AimbéFigure 2 - Geologic map of the central-south part of the Guannos green-stone belt, showing the area of occurrence of the Aimbé Formation

PETROGRAFIA Os litotipos da Formação Aimbécompreendem, em ordem decrescente de abundância,formações ferríferas.. metahidrotermalitos e rochas metas-sedimentares detríticas. Para efeitos do presente trabalho,os aspectos petrográficos das últimas não serão descritos.

Formações Ferríferas As formações ferríferas (Foto1) são as rochas características da Formação Aimbé e ocor-rem em duas subfácies, sendo uma basal com magnetita euma de topo com hematita. A sua estrutura pode ser maciça,presente em ambas as subfácies, bandada, dominante nasubfácies com magnetita, ou laminada, característica dasubfácies com hematita. Laminação e bandamento são da-dos pela alternância de níveis de espessura milimétrica acentimétrica, ora ricos em magnetita ou hematita, ora emmuscovita. Estruturas secundárias tais como dobras de esti-los geométricos variados, lineações de estiramento, superfí-cies S-C e sombras de pressão associadas a porfiroclastos demagnetita ou de hematita, são freqüentes.

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Foto l — Formação Aimbé. Afloramento de formação ferrí-fera bandada, sub-subfácies magnetita, mostrando a alter-nância de níveis de magnetita com níveis de muscovitaPhoto l - Aimbé Formation. Outcrop of the magnetite sub-facies bandediron formation showing the alternation of magnetite and muscovitelayers

Ao microscópio, as formações ferríferas apresentamtexturas granoblástica e lepidoblástica em domínios alterna-dos. Seus constituintes essenciais compreendem magnetitae/ou hematita e muscovita. Quartzo, quando presente, nãoexcede 5%.

Em amostras menos deformadas, a magnetita ocorre emcristais pré-tectônicos comumente euédricos, com diâmetroentre 0,1 mm até 2 mm. Com o incremento da deformação,os cristais se alongam segundo a foliação, adquirem som-bras de pressão com quartzo e muscovita e desenvolvemtrilhas de cominuição mecânica, cujos subgrãos podem, porrecuperação, formar porfiroblastos sin-tectônicos. Indepen-dente de serem pré- ou sin-cinemáticos e do estado dedeformação, os cristais de magnetita estão comumente mar-titizados, sugerindo que a sua oxidação para hematita resultade alteração superficial.

A hematita é da variedade especularita e, a exemplo damagnetita, também ocorre em cristais pré-tectônicos, geral-mente lamelares, euédricos e com comprimento entre 0,1mm e 2 mm. Os cristais de especularita estão sempre alinha-dos segundo uma direção preferencial, independente daorientação dos demais constituintes. O aumento da deforma-ção também é acompanhado da cominuição mecânica dahematita, em geral com recuperação dos sub-grãos paraespecularita mais fina.

A muscovita é ora intersticial à magnetita e/ou hematita,ora ocorre em níveis onde predomina. Em ambos casos, omineral contem diminutas inclusões de magnetita e/ouhematita. Quando intersticial, as palhetas de muscovitasão anédricas, de granulação inferior a 0,3 mm e estãocomumente intercrescidas. Já nos níveis onde predomina, amuscovita é euédrica e suas palhetas, raramente inter-crescidas, possuem dimensões maiores, variáveis entre0,2 e l mm. Em amostras menos deformadas, a muscovitaintersticial não está orientada, mas, nos níveis onde seconcentra, está orientada ortogonalmente ao bandamentocomposicional. Com o aumento da deformação, as palhetasinterticiais se agrupam em filetes que contornam porfi-roclastos alongados de magnetita e/ou hematita, e, nos ní-veis mais ricos no mineral, as palhetas estão orientadassegundo uma direção comum, paralela ao bandamento com-posicional. Amostras com intensa deformação apresentam,comumente, porfiroblastos pós-tectônicos de muscovita,desenvolvidos aleatoriamente sobre a matriz foliada demuscovita.

O quartzo, quando presente, ora é constituinte de sombrasde pressão, ora ocorre como diminutos grãos anédricos,disseminados e intercrescidos com muscovita.Metahidrotermalitos Rochas interpretadas comometahidrotermalitos compreendem associações minerais di-versas agrupadas e localizadas na base das formações ferrífe-ras. Três áreas com estas rochas foram, até o presente,identificadas (Fig. 2), as quais se assemelham em geometria,relações de contato com rochas encaixantes, estrutura inter-na e tipos de rochas, como resumido na figura 3.

A expressão dos corpos com metahidrotermalitos em plan-ta é de uma elipse assimétrica alongada segundo a foliaçãometamórfica local mais proeminente, com eixos médios me-nor e maior respectivamente de 50m e 200m. Esses corposestão, de um lado, engastados em rochas metassedimentaresda Formação São Patricinho ou em metabasaltos da Forma-ção Serra Azul, e, no lado oposto, lateralmente interdigitadascom as formações ferríferas.

Figura 3 —Mapa geológico da lente cie metahidrotermaliiosmais meridional da Formação Aimbé, mostrando a nature-za concêntrica das diversas zonas em torno dos núcleos comcondutos, o seu engaste preferencial no interior de metas-sedimentos da Formação São Patricinho e sua interdi-gitação lateral com a base das formações ferríferas. Obser-var que a orientação dos condutos é contrária à atitude dasformações ferríferas. A seqüência estratigráfica está inver-tida, de modo que a visão do conjunto de condutos e zonasde metahidrotermalitos é de baixo para cima, em direção àsuperfície de deposição das formações ferríferasFigure 3 - Geologic map of the southernmost metahydrothermalite lenseof the Aimbé Formation, showing the alteration haloes concentric arounda core with conduits, as well as the partial setting of the zones withinmetassedimentary rocks of the São Patricinho Formation and, in theoposite side, the partial lateral interfingering of the metahidrothermaliteswith the lower portions of the iron formations. Observe that the orientationof the conduits is oposite to the attitude of the iron formations. Thesequence is overturned so that the plan view of the conduits and metahi-drothermal haloes is from below and toward the depositional surface ofthe iron formations

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A estrutura interna dos corpos de metahidrotermalitos ézonada. Geralmente consistem de um núcleo contendo relí-quias de estruturas e rochas de condutos fossilizados decanalização das soluções hidrotermais, envelopado por trêszonas com metahidrotermalitos. Cada zona é caracterizadapor associações próprias de aluminossilicatos metamórficose, de acordo com o mineral predominante, compreendem aszonas do cloritóide, da clorita e da muscovita, respectiva-mente do núcleo para a periferia. Os condutos fossilizadossituam-se na zona do cloritóide.

Foto 2 —Afloramento da porção mais interna da lente demetahidrotermalitos da figura 4, mostrando um conduto(centro da foto) constituído de um núcleo de quartzo comparedes de turmalinito, em meio à zona do cloritóidePhoto 2- Outcrop of the most internal portion of the metahydrothermaliteslense of figure 4, showing a conduit (centre of the photograph) with aquartz core surrounded by a wall of massive tourmalinite, within thechloritoid zone

Os condutos geralmente se agrupam no interior de umaárea com pouco mais de uma dezena de m2 e apresentam umcaimento que varia de vertical a 60°, dirigido contra a super-fície estratigráfica inferior das formações ferríferas. Geome-tricamente são tubos de seção subcircular a eliptica e comdiâmetro entre 0.50 e 2.00 m. A estrutura interna dos condu-tos é demarcada por rochas de núcleo e de parede.

O núcleo, por onde deve ter ocorrido o escape canalizadode fluídos hidrotermais enquanto sistema ativo, está, hoje,obstruído por quartzo leitoso sacaroidal. As paredes têmespessura entre 20 e 60 cm e consistem de turmalinito, cujaspropriedades texturais e composicionais permitem subdi-vidi-lo em três sub-zonas. A mais interna, situada junto aonúcleo de quartzo, tem espessura centimétrica e é um agre-gado de agulhas euédricas milimétricas de schorlita. A inter-mediária, bem exposta na figura 5, tem espessura entre 10 e20 cm e consiste de um turmalinito preto, de aspecto afa-nítico, estrutura radiada e que, ao microscópio, é maciço aligeiramente bandado e composto por um agregado micro-cristalino de turmalina esferóide, localmente com quartzointersticial. A zona externa está parcialmente superimpostaà do cloritóide em cerca de 1-2 cm e, ao microscópio, mostraturmalina crescida sobre muscovita, cloritóide e magnetita,indicando que, nesta zona, a turmalina é metamórfica, emcontraste com as demais, onde o mineral, se não está parcial-mente recristalizado, pode ser primário.

A zona do cloritóide tem largura média de 10 m e seucontato com o turmalinito das paredes dos condutos é, origi-nalmente, brusco. Contudo, a presença de turmalina meta-mórfica no contato sugere que o contato passou a ser rapida-mente gradual por metamorfismo. O litotipo diagnóstico

desta zona é uma rocha de cor verde-escuro, granulaçãogrossa a média, com fenoblastos euédricos de cloritóide deaté l cm de comprimento, imersos em uma matriz mais fina,foliada ou não. Em lâmina delgada a rocha mostra texturalepidoblástica, localmente porfiroblástica, e é composta porclorita e cloritóide, com muscovita, magnetita e turmalinaacessórias, localmente também stilpnomelano e ilmenita.Em amostras com foliação ausente ou incipiente, todos osconstituintes minerais cresceram desordenadamente, indi-cando recristalização sob regime estático. Com o incremen-to da deformação, todos os minerais da zona do cloritóideestão rotacionados, encurvados, estirados e mecanicamentecominuídos, indicando que os termos foliados resultam porcisalhamento dos não foliados.

Nas proximidades dos condutos, a rocha da zona docloritóide pode conter fragmentos angulosos, milimétricos adecimétricos de turmalinito microcristalino, provavelmenterepresentando brechas de colapso das paredes destes.

A zona da clorita tem largura variável entre l e 20 m e ocontato com a do cloritóide é gradacional, como sugere aprogressiva diminuição da quantidade de cloritóide e au-mento na de muscovita. A rocha típica desta zona é umclorita xisto verde claro, localmente com lentes milimétricasde quartzo. Ao microscópio, a rocha mostra uma texturalepidoblástica, localmente granoblástica e seus constituintesessenciais compreendem clorita e muscovita, com magneti-ta sub-essencial à acessória.

O halo mais externo das lentes de metahidrotermalitos éum muscovita xisto cinza-claro de granulação fina, texturalepidoblástica e pode conter até 90% de muscovita, comturmalina e magnetita acessórias.

QUÍMICA MINERAL Amostras representativas deformações ferríferas e de metahidrotermalitos da FormaçãoAimbé foram preparadas para análise química de espéciesminerais por microssonda eletrônica do Instituto deGeociências da Universidade de Brasília. Foram emprega-das 6 seções polidas de formações ferríferas, representandodiferentes posições estratigráficas, 3 lâminas representati-vas das zonas do cloritóide, da clorita e da muscovita, e llâmina da porção externa da parede de um conduto, conten-do tanto turmalina microcristalina quanto a de substituiçãode cloritóide, muscovita e magnetita. As análises forampontuais e quantitativas (WDS), em grãos minerais previa-mente escolhidos por estudos petrográficos, totalizando 183pontos de análise completa para óxidos de elementos maiorese menores. Eventuais variações composicionais internas decada espécie mineral foram aferidas pela análise de no míni-mo três pontos por grão, localizados respectivamente nocentro, na periferia e em posição intermediária. Os resultadosanalíticos, reduzidos às respecivas médias aritméticas, cons-tam da Tabela I.

Três variedades texturais de turmalina foram analisadas,compreendendo a de turmalinito maciço das paredes doscondutos, a que substitui silicatos e a que substitui óxidos.O fechamento analítico oscila entre 89-90%, uma vez queBoro não é detectado pela microssonda. As três variedadestexturais, no entanto, se resumem a dois tipos composicio-nais, cujas fórmulas estruturais, como proposto por Ro-semberg & Foit (1985) e Deer, Howie & Zussman (1992),compreendem:

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Tabela I - Formação Aimbé. Média aritmética de análises química de óxidos dosados por microssonda eletrônica em (i)íurmalina, cloritóide e clorita de metahidrotermalitos; (ii) muscovita de metahidrotermaUtos e das fades magnetita ehematita das formações ferríferas, (iii) magnetita de metahidrotermaUtos e formações ferríferas (fades magnetita), e (vi)hematita das fades magnetita e hematita das formações ferríferas. N w número de análisesTable I - Aimbé Formation. Arithmetic mean of oxides determined by microprobe analysis in (i) turmaline, chloritóid, and chlorite of the metahydro-thermalites; (ii) muscovite of the metahydroteermalites and of the magnetite and haematite facies of the iron formations; (iii) magnetite of themetahydrothermalites and of the iron formations (magnetite facies), and (vi) haematita of the magnetite and haematite of the facies of the ironformations.N = number of averaged analysis

tuição. Ambos tipos pertencem à série Dravita-Schorlita esituam-se próximo ao termo ferrífero Schorlita-Buergerita.Como mostram as fórmulas estruturais e os dados da TabelaI, a turmalina do Tipo l difere nas proporções um poucomaiores de A12O3 e FeO* e muito menores de MgO, CaO eNa2O, comparativamente a do Tipo 2, como esperado pelasrespectivas relações texturais.

O cloritóide não apresenta variações composicionais docentro para periferia de um mesmo cristal, bem como entrecristais das zonas onde ocorre. O mineral é, portanto, internae faciologicamente homogêneo e sua fórmula estrutural,como proposta por Banfield, et al. (1989), é:

a qual, combinada com a composição média mostrada naTabela I, registra que o mineral pertence ao termo rico emFeO, relativamente ao MgO.

A clorita compreende dois tipos composicionais (Tab. I).Um é representado pela clorita da zona do cloritóide e outroda zona da clorita. As respectivas fórmulas estruturais são:

Segundo a classificação de Foster (1962), ambas caem nocampo da ripidolita, intermediária na solução sólida shera-danita-turingita. As fórmulas estruturais, os dados da TabelaI e as figuras 4a e 4b mostram que a primeira é mais rica emMgO e SiO2, e pobre em FeO*, ocorrendo o inverso com asegunda.

A diferença composicional da clorita da zona do cloritói-de e da zona da clorita sugere que os minerais precursoresformaram-se sob condições hidrotermais diferentes. É pro-vável que a primeira reflita condições hidrotermais delixiviação do ferro e álcalis, menos intensa na zona daclorita.

A muscovita (Tab. I) dos metahidrotermalitos tem umafórmula estrutural expressa por:

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A composição média (Tab. I) e as fórmulas estruturaismostram que a muscovita das formações ferríferas é maisrica em SiO2, MgO, FeO* e BaO que a dos metahidro-termalitos, mais rica em K2O, A12O3 e Cr2O3. Os diagramasdas figuras 5a e 5b distinguem bem as duas variedades embase às proporções de SiO2 x K2O e de MgO x FeO, peloagrupamento das amostras em dois campos, ambos comcorrelação negativa de K2O com SiO2 e positiva FeO comMgO.

As fórmulas estruturais também mostram que, em amboscasos, o Na substitui o K em quantidades consideráveis,indicando significativas proporções da molécula deparagonita na estrutura da muscovita. No sítio octaédrico, o

Al está sendo substituído por Fe, subordinadamente Mg, Tie Cr.

A feição química mais proeminente da muscovita dasformações ferríferas é a variação dos teores em BaO (Tab. I)da subfácies com magnetita, onde o oxido ocorre em até0,8%, para a hematita, onde alcança até 2.5%. A figura 5cmostra que a correlação de TiO2 com BaO é negativa namuscovita da subfácies com magnetita, mas é invariante namuscovita da subfácies com hematita, por sua vez mais ricaem ambos óxidos. Isto indica que o Ti pode estar substituin-do o Al na estrutura da muscovita da subfácies hematita.Nos metahidrotermalitos, o BaO, quando presente, ocorreapenas em traço.

A composição química da magnetita da Formação Aimbépermite atribuir-lhe uma fórmula estrutural dada por :

onde as proporções de Fe+2 e Fe+3, quando se trata deóxidos, são automaticamente geradas pela microssonda. ATabela I mostra que não há diferenças substanciais entre amagnetita dos metahidrotermalitos e das formações ferrífe-ras. Pequenas proporções de Si, Al, Cr e V substituem Fe*3,indicando tratar-se de magnetita sem solução sólida comoutros espinélios. O fechamento analítico pode estar asso-ciado à martitização da magnetita, alterando o balanço decargas entre Fe+2 e Fe+3.

A composição da hematita (Tab. I) das formações ferrífe-ras da Formação Aimbé admite duas fórmulas estruturais.Na subfácies magnetita, o mineral tem fórmula:

e registra proporções ligeiramente menores de Fe+3, maioresde Fe+2, Ti e Al e presença de Cr, relativamente à primeira.Dentre os óxidos, a hematita é o mineral mais sensível avariações composicipnais e, como mostra a figura 6, o TiO2se correlaciona positivamente com FeO, com enriquecimen-to gradual de ambos óxidos de uma subfácies para outra.

PETROGÊNESE Metahidrotermalitos Apetrogênese dos metahidrotermalitos da Formação Aimbépode ser discutida a partir de dois estágios principais: (a)estágio hidrotermal, durante a qual formaram-se as paragê-neses minerais a partir de rochas do substrato devido àpercolação de fluídos hidrotermais, e (b) estágio demetamorfismo, quando houve o re-equilíbrio dos produtosde alteração hidrotermal durante a deformação.

Os condutos exalativos fossilizados sugerem que o fluxodo sistema hidrotermal, próximo da superfície, foi canaliza-do em espaços abertos. Entretanto, a sistemática associaçãodos condutos com amplas zonas de alteração hidroter-mal também sugerem que o sistema foi suficientementepressurizado para a sua difusão para o interior das rochasencaixantes, expandindo lateralmente a alteração. As di-mensões dos condutos e o volume das formações ferríferassugerem, no entanto, que o fluxo foi preferencialmentecanalizado.

Dados geoquímicos de elementos maiores, menores e emtraço de rocha total (Resende et al. 1993, Resende 1994)mostram que os metahidrotermalitos são ricos em Fe, Mg,Cr, Ni e outros elementos pesados, sugerindo que o sistemahidrotermal percolou uma seção crustal composta por ro-chas máficas e ultramáficas, e sedimentares correlatas,subjacente à Formação Aimbé. A intensidade e a amplitude

enquanto na subfácies hematita, onde o mineral está emequilíbrio com espinélio, a fórmula é:

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da alteração hidrotermal indicam que a nucleação das fasesminerais resultantes de alteração hidrotermal foi induzidapor prolongada residência dos fluidos e elevada razão fluí-do/rocha.

A associação clorita-corrensita-esmectita-illita é típicade alteração hidrotermal do substrato dos oceanos modernos(Hillier 1993) e onde a clorita se forma preferencialmentena, ou próximo da, interface fluido exalativo/água do mar, apartir de reações envolvendo Fe, Mg e SiO2 de ambosmeios (Caritat 1993). Assim, a clorita hidrotermal precurso-ra das espécies metamórficas encontradas nas zonas docloritóide e da clorita nos exemplos estudados, pode serexplicada mediante a formação direta de clorita durante aalteração ou por reações envolvendo esmectita da sériesaponita-Fe-saponita.

A ausência de quartzo nos metahidrotermalitos comcloritóide sugere que a formação de cloritóide nas rochasestudadas pode ser justificada, como sugere Ganguli (1969),por reações entre minerais hidrotermais originais, taiscomo:

Caolinita + Diásporo + Magnetita => Cloritóide + H2O + O2 ou

Pirofilita + Diásporo + Magnetita => Cloritóide + H2O +O2

o que implica em que os protolitos de alteração hidrotermalda zona do cloritóide, além de peraluminosos, já poderiamconter magnetita.

Quanto à muscovita, Velde (1985) mostra que argilaspotássicas de alteração hidrotermal, tais como a ilita, po-dem ser precurssoras de muscovita. As elevadas proporçõesde Na no sítio do K da muscovita dos metahidrotermalitosindica que a mesma pertence à série muscovita-paragonita.A solução sólida illita-bramalita poderia justificar a presen-ça de Sódio nos protolitos e a muscovita metamórfica dosmetahidrotermalitos poderia ser explicada pela reação(Winkler 1979):

Ilita + A12O5 => Muscovita + Quartzo + H2O

onde a ilita representaria a fração micácea potássica, geral-mente referida, em produtos de alteração hidrotermal, comosericita ou hidromica (Guven 1988). Contudo, para gerartermos mais sódicos tais como paragonita, seria necessáriauma reação do tipo (Winkler 1979):

Na-montmorilonita + Albita => Paragonita + Quartzo

mas nenhuma das reações explica a pobreza ou ausência dequartzo nas rochas estudadas, a menos que o sistema dereações metamórficas tenha resultado em uma subsaturaçãogeneralizada em SiO2.

A disposição zonada dos metahidrotermalitos indica queos respectivos protolitos eram mineralogicamente distintos,provavelmente em resposta a gradientes termais e químicosa partir dos condutos. Apesar de não ser necessário invocar

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diferenças substanciais de temperatura para explicar osargilo-minerais estimados para os protolitos dos diversoshalos, as fases potássicas, mais externas, requerem tempe-raturas menores que as ferromagnesianas, mais internas,particularmente se a ilita original continha moléculas debramalita (ilita sódica), como sugem Velde (1985) e Guven(1988).

Os dados petrográficos mostram que a turmalina dasparedes dos condutos é primária, e*n contraste com a queextensivamente substitui cloritóide, muscovita e magnetita,e que é produto metamórfíco. A coexistência de ambas emdomínios justapostos se justifica pela inércia química dasparedes monominerálicas dos condutos durante o meta-morfismo, em contraste com a reatividade da associaçãomineral da zona do cloritóide, imediatamente adjacente.

A turmalina hidrotermal pode ser explicada medianteuma reação entre argilominerais ferromagnesianos e fluidosricos em boro. Borossilicatos como serendibita, harrelsita ereedmergerita, de estabilidade reduzida (Taylor & Slack1984), podem ser precursores da turmalina, talvez já forma-da por diagênese. A turmalina metamórfica, no entanto,pode ser explicada por dois processos. Um utilizaria umaturmalina precursora diagenética e sua recristalização du-rante o metamorfismo. Outro implicaria em reações comliberação de Boro contido em argilominerais, por aumentode temperatura durante o metamorfismo, e a reação

Clorita + BO3 => Turmalina

proposta por Henry & Guidotti (1985) poderia justificar asua formação e as relações texturais observadas.

O metamorfismo de óxidos de ferro depende, em grandeparte, da fO2 do sistema (Frost 1991). As paragêneses mine-rais das diversas zonas de metahidrotermalitos contém mag-netita, com ilmenita subordinada. Segundo Melnik (1982) eFrost (1991), um aumento de f02em um sistema saturado emmagnetita, na presença de ilmenita, conduz à formação dehematita. A ausência de hematita nos hidrotermalitos sugereque a presença de magnetita e ilmenita pode ser devida aflutuações de f02 por despressurização durante as descargas

hidrotermais, sendo portanto primárias, ou a f02 do sistemafoi mantida abaixo do buffer hematita/magnetita + ilmenitadurante o metamorfismo, favorecendo as últimas, em virtu-de da simultânea formação de cloritóide e clorita. Entretan-to, em ambos casos há incertezas. No primeiro, a incertezareside na própria natureza das espécies minerais precurso-ras das fases metamórficas, ao que se soma o amplo interva-lo de temperatura de estabilidade do sistema hematita/magnetita + ilmenita, inibindo a definição da temperatura eda f02 das soluções hidrotermais. No segundo caso, a incer-teza reside nas condições termodinâmicas, experimental-mente desconhecidas, que controlam a estabilidade demagnetita e ilmenita durante o metamorfismo de um siste-ma que também estabilizou clorita, cloritóide e muscovita.

Formações Ferríferas Na discussão da petrogênesedas formações ferríferas deve-se abordar, separadamente, osníveis com magnetita e/ou hematita e os níveis com musco-vita.

NÍVEIS FERRÍFEROS Os níveis ferríferos contém aassociação magnetita + hematita, em proporções que variamcom a altura estratigráfica nas formações ferríferas. Generi-camente, a primeira predomina na metade inferior e, a se-gunda, na metade superior do pacote. Ilmenita ocorre emtraços ao longo da coluna.

A hematita não ocorre como fase inteiramente indepen-dente, indicando que em nenhum momento foi ultrapas-sado o buffer magnetita-hematita (Fig. 7) e que o sistemafoi controlado pelo equilíbrio ilmenita-magnetita primárias.A capacidade da estrutura da hematita para acomodar quan-tidades significativas de Ti e o enriquecimento gradual emTi no mineral, da subfácies magnetita para a subfácieshematita, indicam que o mesmo foi estabilizado a fO2 infe-riores ao tampão magnetita-hematita, eliminando a Ti-hema-tita e mantendo o equilíbrio ao longo do solvus ilmenita-magnetita.

Todavia, a capacidade de oxi-redução não se altera signi-ficativamente durante o metamorfismo de formações ferrí-feras, salvo pequenas flutuações, como exemplifica a For-mação Aimbé. Se as subfácies com magnetita e comhematita podem ser explicadas por metamorfismo, então amaior fO2 esteve confinada à zona de passagem gradualentre estas. Entretanto, a posição estratigráfica relativa

Figura 7 —Diagrama de variação log fO2 versus Tempera-tura para a faixa de baixa temperatura do sistema Fe-Ti-O(modificado de Frost 1991)Figure 7 - Variation of log fO2 with temperature for low temperatures inthe system Fe-Ti-O (modified after Frost 1991)

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entre as duas subfácies, a passagem gradual entre ambas e oaumento progressivo das proporções de Ti na hematita dabase para o topo das formações ferríferas sugerem que tantomagnetita quanto hematita são primários e que o ambientedeposicional foi progressivamente mais redutor, o que écorroborado pelo contato gradual entre o topo da subfácieshematita e a base da Formação Cabaçal, sobreposta e com-posta de uma espessa sequência de filhos carbonosos.

Finalmente, a extensiva martitização da magnetita daFormação Aimbé (Resende 1994), também, é comum emdiversas formações ferríferas do tipo Algoma. Floran &Papike (1978) e Melnik (1982) sugerem que a martitizaçãoresulta de variações substanciais na fO2 durante ometamorfismo. No entanto, a idêntica oxidação de cristaisde magnetita, tanto pré- quanto sin-cinemáticos, indica quea martita é supergênica.

NÍVEIS COM MUSCOVITA A mica branca que ocorrenas formações ferríferas estudadas, ora intersticial aos mi-nerais óxidos de ferro, ora em bandas independentes, cons-titui o principal problema petrológico destas rochas e não háregistro de casos similares na literatura. A ausência dequartzo reflete baixas concentrações de silica durante adeposição e sinaliza condições físico-químicas muito seleti-vas durante a lixiviação subterrânea ou durante a deposição.

As diferenças geoquímicas entre metahidrotermalitos eformações ferríferas e os contrastes composicionais da mus-covita de ambos, opõem-se à hipótese de que o mineralprecursor possa ser explicado por uma origem comum.Enquanto a sua presença nos metahidrotermalitos pode serjustificada por argilo-minerais hidrotermais, nas formaçõesferríferas o mineral precursor da muscovita deve ser deproveniência elástica ou vulcanoclástica.

A presença de mica branca nos metaconglomerados ba-sais da Formação Aimbé e a gradação desses para metafo-Ihelhos extremamente ricos em muscovita, composicional-mente idêntica à das formações ferríferas, suportam umaorigem elástica para o mineral. Dados geoquímicos de ele-mentos maiores, menores, em traço e de Terras Raras dasrochas metassedimentares detríticas das Formações SãoPatricinho e Cabaçal (Jost et al. 1993, Jost et al 1995),mostram que a composição dos respectivos protolitos podeser justificada por uma mistura de detritos provenientes debasaltos, komatiítos e rochas félsicas. Este modelo, no en-tanto, não compatibiliza a abundância de muscovita, a au-sência de quartzo e as proporções insignificantes de MgO,CaO, Cr e Ni dos níveis de muscovita das formações ferrífe-ras, em contraste com a abundância de clorita e quartzo e oselevados teores daqueles óxidos e elementos nas rochasmetassedimentares detríticos sub- e sobrejacentes à Forma-ção Aimbé.

Os teores elevados de BaO e Na2O sugerem uma relaçãoda muscovita com feldspatos. Já a assinatura de ETR dosníveis onde o mineral predomina se assemelha com a detrondhjemitos (Resende 1994, Resende & Jost 1994). Estasobservações sugerem que o mineral deriva, provavelmente,

da recristalização metamórfica quer de cinza vulcânica,muito rica em uma componente feldspática, ou de um argilo-mineral do grupo da illita resultante da alteração de centrosvulcânicos conteporâneos à deposição da Formação Aimbé.Contudo, até o presente, não há registro de rochas vulcâni-cas félsicas no contexto estratigráfico do Grupo Guarinos(Jost et al 1993), o que dificulta associá-la ao vulcanismo,exceto, talvez, com centros vulcânicos distais, o que justifi-caria a sua interpretação como de derivação cinerítica.

Qualquer que seja a origem do mineral precursor damuscovita, é necessário conceber um fracionamento entredetritos grossos e finos durante o transporte, com deposiçãodos últimos em sítios distais, como verdadeiros argilitos,sem quartzo.

CONCLUSÕES Formações ferríferas e lentes de meta-hidrotermalitos da Formação Aimbé mostram relações mú-tuas que não podem ser considerados como acidentais, masque permitem interpretar as primeiras como exalitos resul-tantes de emanações que alcançaram a superfície ao longode zonas preferenciais de descarga, fossilizados nos meta-hidrotermalitos. O engaste das lentes de metahidrotermalitosem metassedimentos da Formação São Patricinho e emmetabasaltos da Formação Serra Azul indica que estasunidades alojaram as células do sistema hidrotermal, aszonas de descarga e foram o substrato da deposição daFormação Aimbé. A parcial interdigitação lateral dosmetahidrotermalitos com formações ferríferas indica que oscentros de descarga eram topograficamente elevados.

As paragêneses minerais das lentes de metahidroter-malitos, caracterizadas pela abundância de aluminossili-catos, exceto muscovita, ricos em ferro, são composicional-mente compatíveis com as observadas nas formaçõesferríferas, reforçando uma gênese comum para ambas. Ape-sar da gênese comum, metahidrotermalitos e formações fer-ríferas se explicam mediante protolitos distintos.

A composição das espécies minerais das diversas zonasdos metahidrotermalitos podem ser explicadas, na ausênciade quartzo, por reações metamórficas envolvendo propor-ções variadas de caolinita, diásporo, magnetita, pírofilita,illita, Na-montmorillonita, albita e mesmo turmalina primá-ria. Contudo, a muscovita das formações ferríferas é compo-sicionalmente incompatível com a dos metahidrotermalitos,sugerindo que o seu material precursor não tem, provavel-mente, ligação com as exalações. Os seus teores em K e Baapontam para materiais mais próximos da composição defeldspatos, provavelmente relacionada com o aporte de cin-za vulcânica, simultânea à precipitação dos óxidos e/ouhidróxidos de ferro precursores da magnetita e hematitadestas.

Agradecimentos Ao Conselho Nacional de Desen-volvimento Científico e Tecnológico - CNPq pelos recursosfinanceiros para desenvolvimento desse projeto como parteda Dissertação de Mestrado do autor sênior e pelas Bolsasde Mestrado e de Pesquisa dos autores.

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MANUSCRITO A830Recebido em 24 de fevereiro de 1995

Revisão do autor em 06 de dezembro de 1995Revisão aceita em 11 de dezembro de 1995