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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Emanoel Maciel da Silva Mecanismos para o fortalecimento da Federação brasileira DOUTORADO EM DIREITO SÃO PAULO-SP 2014

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO … partir da Reforma de 1926 o Federalismo brasileiro jamais tornaria a ser o que fora originalmente no seio da Constituição de 1891

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Emanoel Maciel da Silva

Mecanismos para o fortalecimento da Federação brasileira

DOUTORADO EM DIREITO

SÃO PAULO-SP

2014

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Emanoel Maciel da Silva

Mecanismos para o fortalecimento da Federação brasileira

DOUTORADO EM DIREITO

Tese apresentada à Banca

Examinadora da Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo, como exigência

parcial para obtenção do título de Doutor

em Direito sob a orientação do Prof. Dr.

Marcelo de Oliveira Fausto Figueiredo

Santos.

SÃO PAULO-SP

2014

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BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. Marcelo de Oliveira Fausto Figueiredo Santos (Orientador) [PUC-SP]

___________________________________________________________

Prof. Dr. Roberto Baptista Dias da Silva [PUC-SP]

___________________________________________________________

Prof. Dr. Luiz Guilherme Arcaro Conci [PUC-SP]

___________________________________________________________

Prof. Dr. Dircêo Torrecillas Ramos [FGV-SP]

___________________________________________________________

Prof. Dr. Fernando Dias Menezes de Almeida [USP]

___________________________________________________________

Profª. Dra Maria Garcia (Suplente) [PUC-SP]

_________________________________________________________

Profª. Dra. Monica Herman Salem Caggiano (Suplente) [USP]

_________________________________________________________

São Paulo-SP, 25 de fevereiro de 2015.

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DEDICATÓRIA

Para minha família, e especialmente para Dayana,

Ivete e Gustavo, com amor.

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AGRADECIMENTOS

À Universidade Estadual de Roraima pelo

suporte e liberação das atividades docentes.

À Universidade Federal de Roraima pelo apoio

conferido através de concessão de licença para

aperfeiçoamento.

À Faculdade Cathedral de Boa Vista-RR pelo

apoio e concessão de ajuda de custo.

À CAPES, através do programa

PRODOUTORAL, pelo suporte financeiro

destinado ao desenvolvimento da pesquisa.

Ao meu orientador por ter acreditado nesta

pesquisa quando ainda era mera projeção.

A todos que, de algum modo, cooperaram para

a realização deste trabalho.

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Que os povos te louvem, ó Deus! Que todos os

povos te louvem!

(Livro dos Salmos, 67:3)

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RESUMO

A Federação é a forma de Estado mais adequada àqueles Países

democráticos e geograficamente extensos. No Brasil a Federação surgiu em

1889 a reboque da República, e apesar de alternâncias quanto ao regime

político, ela sempre se manteve como a forma de Estado adotada pelo

constitucionalismo pátrio no período republicano. A partir da Reforma de 1926

o Federalismo brasileiro jamais tornaria a ser o que fora originalmente no seio

da Constituição de 1891. Após a superação de um regime de exceção a

Democracia voltou ao País em 1988. A esperança de se ter uma Federação

equilibrada e isonômica foi frustrada, em virtude de uma centralização

excessiva não condizente com os ares democráticos advindos da Constituição

Cidadã. Destarte, profundas alterações na Lei Maior de 1988 precisariam ser

efetuadas, no sentido de melhor adequar o modelo federativo ao Estado

Democrático de Direito. É fato que a Federação pátria apresenta-se imersa em

crises advindas da relação entre a União e os demais entes federados. A seu

turno, no plano horizontal as relações entre os Estados acham-se esgarçadas

em virtude de disputas tributárias. A efetivação do Federalismo cooperativo,

apesar de avanços na repartição de rendas, tem enfrentado uma série de

dificuldades. Deste modo, no Brasil do Século XXI a reestruturação federativa

impõe-se pela necessidade de reordenamento das competências legislativas e

materiais entre os entes federativos. Algumas competências privativas do ente

central também dizem respeito aos interesses estaduais. Deste modo, seria

mais adequado - em nome do princípio da prevalência do interesse - o

compartilhamento de tais atribuições no âmbito das competências concorrentes

e suplementares a fim de fortalecer a autonomia subnacional e fazer valer a

Constituição Estadual no aproveitamento das potencialidades regionais. A

necessidade de reforma federativa é imperiosa. Todavia, esta não é uma tarefa

fácil de ser realizada, haja vista que o reequilíbrio da Federação brasileira

implicaria em diminuição do poder político da União. O presidencialismo exige

que o governo federal forme sua base de apoio político no Congresso Nacional

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a fim de garantir a governabilidade e a manutenção de seus interesses. No

Brasil o processo de emenda constitucional é feito por deputados e senadores

nas funções de Poder Constituinte Derivado. Portanto, o Congresso Nacional -

no qual o governo federal se apresenta com maioria de votos - não se constitui

no instrumento mais adequado à viabilização de uma profunda reforma

constitucional capaz de contrariar os interesses da União. É incontestável que

a Lei Maior admitiria ser reformada para melhor compatibilizar-se com o regime

democrático. Entretanto, não há vontade política para isso. Destarte, nossa

proposta aponta a necessidade de uma consulta popular para que se verifique

a conveniência de ser construir uma nova Constituição Federal. Após isto

poderia haver então ulterior manifestação do Poder Constituinte Originário, sem

função congressual, eleito pelo povo, para exclusivamente produzir uma nova

Lei Maior pela qual seria possível fortalecer a Federação brasileira e efetivar

outras reformas fundamentais demandadas pelo País, e que até hoje não

foram aprovadas pelo Poder Derivado congressual.

Palavras-chaves: Constituição, Federalismo, Descentralização, Reforma

Federativa, Autonomia, Direito Constitucional Estadual, Desenvolvimento

Regional.

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ABSTRACT

The Federation is the most appropriate form of state to democratic and

geographically extensive countries. In Brazil the Federation emerged in 1889 in

the wake of the Republic, and despite alternating as the political regime, it

always remained as the form of government adopted by the Brazilian

constitutionalism in the republican period. From the Reform of 1926, the

national Federalism would never be what was originally within the Constitution

of 1891. In fact, Democracy returned to the country in 1988. The build of an

isonomic Federation was frustrated, because of the maintenance of an

excessively centralized federalism inconsistent with democratic air coming from

the Citizen Constitution. Thus, changes have to be made in order to harmonize

the federative model. It is a fact that the homeland Federation presents itself

immersed in crises arising from the relationship between the Union and others

federal entities. The relationship between states is marked by financial tensions.

Cooperative Federalism is very difficult to be effective. Then, it would be more

appropriate sharing such powers to strengthen subnational autonomy and

enforce the State Constitution in the use of regional potential. The need for

federal reform is imperative. However, there is a serious obstacle, given that the

rebalancing of the Brazilian Federation necessarily imply reduction of the

Union's political power. The presidentialism makes the federal government

seeks coalition for the formation of his parliamentary base, the National

Congress, which guarantees governance and the maintenance of their

interests. In Brazil the constitutional amendment process is done by deputies

and senators in the constituent power functions derivative. Therefore, a National

Congress, in which the federal government always bears the majority of votes,

definitely not present as the most appropriate instrument to ensure the viability

of a deep constitutional reform contrary to the interests of the Union. The

Constitution will be reformed to admit more compatible with the democratic

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system. However, there is no political will for that. Thus, our proposal is that the

federal restructuring manifested by the popular consultation on the convenience

of being build a new Federal Constitution. After that then there would be further

manifestation of constituent power, without congressional function, elected by

the people, to exclusively produce a new Law Major in which it would be

possible to strengthen the Brazilian Federation and carry out other key reforms

demanded by the country, and which have not been approved by Power

congressional.

Keywords: Constitution, Federalism, Decentralization, Federal Reform,

Autonomy, State Constitutional Law, Regional Development.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .............................................................................................. 04

CAPÍTULO 1 NATUREZA DO ESTADO FEDERAL BRASILEIRO .............. 08

1.1 O ideal federalista ................................................................................... 08

1.2. A Federação e sua natureza .................................................................. 13

1.3. O pacto federal ....................................................................................... 20

1.4. O pacto federativo brasileiro .................................................................. 28

1.5. O Estado federal e Constituição democrática ........................................ 31

CAPÍTULO 2 O ATO ADICIONAL DE 1834 E A REFORMA

CONSTITUCIONAL DE 1926 ....................................................................... 36

2.1. O Ato Adicional de 1834: uma resposta aos federalistas ...................... .36

2.2. Unitarismo “descentralizado” e Federação centralizada .................. ......38

2.3.A efetivação do Federalismo proposto pela Carta de 1891.....................40

2.4. A Constituição de 1891 e alguns institutos jurídicos peculiares ........... ..42

2.5. A Reforma de 1926 e a revisão do pacto federativo...............................44

CAPÍTULO 3 A AUTONOMIA DOS ESTADOS-MEMBROS NO BRASIL ... 48

3.1. Retrospectiva: autonomia do Império à Nova República ....................... 48

3.1.1. A luta por autonomia no Império e na 1ª República..........................48

3.1.2. A Revolução de 1930 e a autonomia estadual.................................51

3.1.3. Autonomia estadual em tempos de exceção política........................53

3.2. Autonomia e o endividamento estadual.................................................59

3.3. Autonomia, desenvolvimento e integração............................................ .62

3.4. Sistema de governo e autonomia estadual ............................................ 67

CAPÍTULO 4 O PODER CONSTITUINTE DECORRENTE .......................... 69

4.1. Poder Constituinte Decorrente e Poder Legislativo estadual ................. 69

4.2. O espaço de atuação do Poder Decorrente no Brasil ............................ 71

4.3. A Constituição Analítica e seus efeitos no plano estadual ..................... 73

4.4. O cerceamento do Poder Decorrente para preservação da união ......... 77

CAPÍTULO 5 A CONSTITUIÇÃO ESTADUAL ............................................. 80

5.1. Repartição de competências e Constituição Estadual ........................... 80

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5.2. O problema da delimitação do campo legislativo estadual .................... 85

5.3. O princípio da subsidiariedade ............................................................... 90

5.4. As relações federativas e a Constituição de 1988 ................................. 91

5.5. Constituição Estadual, Constituição da União e Constituição Total ....... 97

5.6. A reprodução da Lex Mater na Constituição Estadual ......................... 101

CAPÍTULO 6 O DIREITO ESTADUAL E O DESENVOLVIMENTO

REGIONAL ................................................................................................. 105

6.1. O Federalismo brasileiro sob a perspectiva regional ........................... 105

6.2. O Direito Estadual e as potencialidades regionais ............................... 109

6.3. Poder Constituinte Estadual e desenvolvimento ................................. 111

6.4. A ordem econômica estadual ............................................................... 113

6.5. Políticas públicas e desenvolvimento regional ..................................... 116

6.6. Orçamento público e regionalização .................................................... 118

6.7. O Fundo de Participação dos Estados ................................................. 120

CAPÍTULO 7 A FEDERAÇÃO E O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL .... 123

7.1. O Tribunal da Federação brasileira ...................................................... 123

7.2. Federalismo e o Judiciário nos EUA e no Brasil .................................. 126

7.3. Controle de constitucionalidade: instrumento de defesa federativa? ... 127

7.4. Julgamento dos desembargadores estaduais e de ministros do STF .. 130

7.5. A constitucionalidade do Julgamento dos governadores ..................... 135

7.6. O Supremo e a manutenção da Federação centralizada ..................... 138

7.7. Usurpações interfederativas ................................................................ 144

7.8. O Fundo de Participação dos Estados à luz da Suprema Corte ...... 15152

7.9. O desvio de poder na atividade normativa do Estado .......................... 154

7.10. O STF e a reprodução da Lei Maior nas Constituições Estaduais ..... 156

7.10.1. A teoria da ociosidade da norma constitucional repetida ............. 157

7.10.2. A doutrina da autonomia da norma reproduzida .......................... 161

CAPÍTULO 8 A CONSTITUIÇÃO E O APERFEIÇOAMENTO DA

FEDERAÇÃO ............................................................................................. 166

8.1. Centralização política e o regime democrático..................................... 166

8.2. Federação, Senado e Democracia ....................................................... 171

8.3. Os Estados e a busca por competências legislativas .......................... 175

8.4. O inadequado aproveitamento do Direito Constitucional Estadual ...... 178

8.5. Assembleia Legislativa e reforma federativa ........................................ 180

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CAPÍTULO 9 A REESTRUTURAÇÃO FEDERATIVA ............................... 187

9.1. A cooperação federativa ...................................................................... 187

9.2. A redefinição de competências legislativas .......................................... 189

9.3. A transformação de algumas competências exclusivas em comuns ... 192

9.4. Federalização ou execução compartilhada de competências? ............ 194

9.5. Consulta popular e processo de elaboração constitucional..................198

9.6. Reestruturação federativa: ato constitucional originário ou derivado?..203

CONCLUSÃO ............................................................................................. 215

BIBLIOGRAFIA .......................................................................................... 219

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INTRODUÇÃO

A tese visa inicialmente constatar a realidade do modelo federativo

atualmente praticado no Brasil, para então, analisá-lo criticamente a fim de

demonstrar a existência de uma série de questões que afetam o bom funcionamento

da Federação, com vistas a apresentar uma solução que entendemos ser a mais

adequada para o problema.

O Federalismo é uma fórmula que se amolda muito bem aos Países com

grande extensão territorial. Entretanto, tem se destacado pela proposta de

distribuição do poder e interessantes arranjos referentes à prestação dos serviços

públicos. Nesta perspectiva tem-se que a referida forma de Estado assume aspectos

diferenciados nos lugares onde fora implantada, para muito além do modelo

inicialmente formulado pelos Estados Unidos da América.1 Deste modo, é possível

encontrar experiências federalistas exitosas, e outras que se notabilizam por

contradições.2

Neste passo, ao longo do constitucionalismo pátrio estabeleceu-se uma forma

de Estado peculiar, meio termo entre Unitarismo e Federalismo. Trata-se da

Federação à brasileira.

Na intenção de se reproduzir o modelo constitucional estadunidense é que de

todas as Constituições nacionais apenas três delas não continham a nomenclatura

“Estados Unidos do Brasil”,3 a saber: a primeira de 1824 (Constituição Política do

Império do Brazil), a ditatorial de 1967 (Constituição do Brasil) e a atual Constituição

de 1988 (Constituição da República Federativa do Brasil).

1 “No entanto, esse modelo difere de um Estado federal para outro. Alguns dão como exemplo de

primeira federação – união total e permanente de Estados-membros (entes federados) – a Confederação Helvética, surgida em 1291, quando três cantões suíços celebraram um pacto de amizade e aliança. Entretanto, essa união, que depois foi ampliada com a adesão de outros cantões, permaneceu limitada e restrita quanto a seus objetivos e ao relacionamento entre seus Estados-partes até 1848, quando se originou a Suíça como Estado federal.” MARTINS FILHO, Luiz Dias. O federalismo fiscal brasileiro sob a ótica da integração econômica internacional. Cad. Fin. Públ., Brasília, n.8, p. 41-100, dez.2007, p.69.

2 “Grande número de países – por exemplo, a Austrália, o Canadá, a Alemanha, a Áustria, a Bélgica,

a Suíça, os Estados Unidos da América do Norte, a Indonésia, o México, o próprio Brasil – tem uma estrutura federal, no âmbito da qual alguns assuntos, como a política externa, são decididos em nível federal, enquanto outros são decididos pelos diferentes entes federados. Idem.

3 Em 1891 o nome Brasil era escrito na Constituição com a letra “z”, a saber: Brazil.

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Na América do Norte os Estados-membros usufruem de ampla autonomia

legislativa que lhes permite uma liberdade de atuação invejável. No Brasil, a partir do

modelo constitucional atualmente adotado, é improvável que os Estados atinjam

semelhante nível de autonomia, pelo receio que isso gere o enfraquecimento do

poder central e a secessão.

A indissolubilidade federativa deverá ser preservada através de mecanismos

que evitem a excessiva dispersão dos entes em torno de seus interesses a ponto de

fomentar instabilidades institucionais. Nesta linha, a autonomia estadual não poderá

violar a estabilidade federativa.

Por outro lado, inexiste Estado federal sem descentralização, e esta se

manifesta pelo modo como a autonomia dos entes federados é desenhada pela

Constituição Federal. O desequilíbrio exacerbado na distribuição de competências

enfraquece o sistema federativo, pois despreza a adequada repartição do poder.4

No modelo federalista brasileiro adotado em 1988 tem-se a participação dos

Estados-membros na vontade nacional a partir da atuação do Senado. Assim é que

a vontade política do Estado federal manifesta-se através de confluência de

vontades, sendo que neste contexto a Câmara Alta representa apenas um dos

componentes formadores dessa volonté générale.

Além da construção da vontade geral, os Estados-membros precisam atuar

decisivamente na formação da vontade regional através da concessão, pela Lei

Maior, de uma série de competências legislativas reverberadas na Carta Estadual.

Ocorre que parte dessas competências de interesse dos Estados encontra-se

atualmente a cargo da União, situação que gera dificuldades para que o Direito

Estadual atue preponderante na consecução dos interesses regionais.

Neste começo de Século XXI a situação do Estado federal brasileiro, marcada

por tensões, exige a tomada de medidas com vistas a compor os interesses e

estabelecer harmonia entre os entes federativos. A Federação, em sua missão de

distribuir o poder, esbarra muitas vezes no desafio de equacionar desequilíbrios

manifestos no influxo das relações entre as coletividades, e neste cenário as falhas

do sistema federativo brasileiro saltam aos olhos.

4FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves Curso de direito constitucional

Imprenta: São Paulo, Saraiva, 22ª. ed., atual. 1995, p. 42.

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6

A Democracia, enquanto direito de todos os povos, tempera o Federalismo

através do pluralismo e da descentralização política.5

A Constituição de 1988 é democrática, não duvidamos disto. Todavia, a

existência de uma estrutura federativa em que a vontade regional é

preponderantemente formada a partir da União, parece destoar da essência

democrática que se pretendeu imprimir à Lei Maior.

Com efeito, a Constituição Cidadã norteou o processo de criação das

Constituições Estaduais em 1989. Todavia, existem dificuldades para que se

estabeleça sintonia entre a Democracia e o modelo federativo atualmente adotado.

A Carta Magna - por inadequação no modelo de repartição das competências

legislativas – tem causado o cerceamento da autonomia estadual, o que resulta num

déficit de participação das populações dos Estados-membros na composição de

seus interesses.

É preciso destacar que o estilo federalista adotado na Carta de 1988 tem

produzido na prática crises desfavoráveis ao ambiente de solidariedade e

cooperação que se almeja, e nisto a atual Lei Fundamental se assemelha àquela de

1967, sobretudo no que se refere ao cerceamento da autonomia estadual, em

descompasso com o compromisso de se rechaçar o espólio normativo impregnado

pelo autoritarismo da Revolução Militar de 1964.

Assim é que neste contexto, a despeito de boas intenções, as relações

federativas apresentam-se desarmônicas, predatórias e tensas. A solução para o

dilema federativo brasileiro exige o enfrentamento de temas importantes: A dívida

dos Estados-membros para com a União6, a reforma do sistema tributário nacional, a

5 A configuração da forma de Estado se opera pelo “modo de exercício do poder político em função

do território que dá origem ao conceito de forma de Estado”. SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 100.

6 “A principal reivindicação é a mudança da regra de correção da dívida estadual junto à União. O

argumento é de que os altos juros praticados no país inviabilizam o esforço fiscal para reduzir o principal da dívida. Também está em discussão: elevar os prazos de amortização, abater o saldo da dívida e reduzir o percentual máximo da receita utilizado no pagamento das prestações. Cerca de 90% da dívida atual decorre de renegociações entre 1997 e 1999 (Lei 9.496/1997), quando a União, para evitar insolvência dos estados, substituiu suas dívidas junto ao mercado por títulos públicos federais. Estão previstos pagamentos em até trinta anos, com correção pela variação do IGP-DI, mais juros entre 6% a 7,5% ao ano. De acordo com dados do Banco Central, a dívida dos governos estaduais em dezembro de 2011 estava em R$ 453,5 bilhões, caindo para R$ 404,6 quando descontados créditos que os estados têm a receber (dívida líquida). Do total da dívida líquida, 76,8% estão concentrados em quatro estados: São Paulo (37,8%), Minas Gerais (15%), Rio de Janeiro

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guerra fiscal, o desenvolvimento regional, a composição dos fundos de participação

dos Estados e Municípios, dentre outros.

Aliás, sobre o Município tem-se que o constitucionalismo pátrio apenas em

1988 concedeu-lhe a condição de ente federado, apesar de já há muito tempo

ostentar autonomia.7 A Carta Magna não legou ao Município uma Constituição

própria, tampouco existe Ministério Público ou uma Justiça municipal. Ora, na

condição de entidade federada, certamente, o Município mereceria tratamento

isonômico com relação aos demais entes federados, sem isto, melhor teria sido não

guindá-lo ao referido patamar de ente autônomo componente da Federação

nacional.

Em verdade, a não inclusão do Município enquanto ente federativo autônomo

não descaracterizaria a essência federativa. A prova disto é que o Federalismo

dualista e a própria Federação pátria, antes da Constituição de 1988, existiram sem

conceder ao Município o reconhecimento de entidade federada. Apesar de ser um

tema interessante, esclarecemos, de já, que o foco desta pesquisa não está no

municipalismo.8

Assim, como solução para o problema apresentado pela tese é que

discorreremos sobre a possibilidade de realização de uma reforma constitucional,

bem como sobre a criação de uma nova Constituição com vistas à promoção da

reestruturação federativa e da reorganização político-institucional do País.

(13,3%), Rio Grande do Sul (10,7%).” Fonte: http://www12.senado.gov.br/noticias/pacto-federativo/dividas-dos-estados.

7 LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto. O município e o movimento representativo no

Brasil. 7ª edição. Companhia das Letras. 2012, p.37.

8 “O federalismo dualista, existente, principalmente, nos séculos XVIII e XIX, foi a criação clássica

norte-americana e consagrava a presença de duas esferas soberanas de poder, a da União de um lado, a do Estado-membro de outro. Sua grande característica, portanto – em face desse paralelismo de poder -, foi a previsão de repartição horizontal de competências constitucionais. (...) Após a Crise da Bolsa americana e com base nas medidas adotadas no New Deal, o governo norte-americano (Roosevelt) passou a abandonar o federalismo dual, dirigindo-se para a idéia de cooperação entre União e Estados, sob a coordenação daquela.” MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 7ª Ed. Atualizada até EC. Nº 55/07, São Paulo: Atlas, 2007, p. 598.

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CAPÍTULO 1

NATUREZA DO ESTADO FEDERAL BRASILEIRO

1.1. O ideal federalista; 1.2. A Federação e sua natureza; 1.3. O pacto

federal; 1.4. O pacto federativo brasileiro; 1.5. Estado federal e

Constituição democrática.

1.1 O ideal federalista

O Federalismo caracteriza-se pela união de níveis políticos diferenciados num

mesmo espaço geográfico, onde o poder se distribui entre a União e os entes

periféricos, o que será decisivo na formação de um modelo centralizado (centrípeto)

ou descentralizado (centrífugo). A Carta Maior confere autonomia e competências

específicas dentro dos limites de atuação dos entes federados.

Neste ponto, é preciso que se apele à propedêutica para o adequado

esclarecimento de algumas expressões utilizadas neste trabalho.

Cabe chamar atenção para possíveis divergências no emprego da

terminologia “Carta” ou “Constituição” para designar a Lei Maior. Preferimos

desconsiderar o magistério pelo qual o termo “Carta” seria empregado para qualificar

Constituições outorgadas, enquanto apenas aquelas Constituições promulgadas

mereceriam ser chamadas de “Constituição”. “Na atualidade parece-nos que a

distinção perdeu a sua razão de ser, estando destituída de qualquer significado

prático. Tanto faz usar uma como outra terminologia. O essencial é cunhar o termo

no sentido de organismo vivo (...).” 9

Ferrari Filho10 quanto à utilização dos termos Federação e Federalismo

chama atenção para o uso indiscriminado e tecnicamente pouco criterioso de tais

9 BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição federal anotada. 4ª Ed. SP: Saraiva, 2002, p.6.

10 FERRARI FILHO, Sérgio Antônio. O município na federação brasileira: limites e possibilidades de

uma organização assimétrica. Tese doutorado UERJ, CDU 343.24(81), 2011, pp. 32, 33.

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termos comumente empregados pela doutrina como sinônimos, apesar de poderem

assumir significados diferentes. Nesta linha, Baracho11 afirma que a Federação seria

propriamente a forma de Estado, enquanto que o termo Federalismo designaria a

ideologia federativa. A observação é pertinente. A doutrina constitucionalista por

vezes diferencia tais termos (Federação e Federalismo), como acima destacado,

contudo não raro também os emprega atribuindo-lhes o mesmo significado, sem que

isto cause problemas para a boa compreensão do tema.

Também importa destacar a utilização dos termos “União” e “união”. A União

designa o ente central como um dos componentes da organização político-

administrativa da República Federativa do Brasil, como disposto no art. 18 da Lei

Maior de 1988. A seu turno, a união é expressão constitucional que significa a

própria Federação (união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito

Federal), como consignado no art. 1º da citada Lei Fundamental.

Cabe pontuar ainda que os termos: “centrípeto” e “centrífugo” nem sempre

estarão relacionados ao modo de repartição do poder político. Um primeiro emprego

de tais expressões se aplica ao modo de formação do sistema federativo. Em Países

nos quais a Federação surgiu a partir de agregação de entidades independentes

formadoras da união, fala-se de uma força centrípeta. Por outro lado, a destruição do

Estado unitário para mediante tal desagregação estabelecer-se o modelo federal,

caracteriza a denominada Federação centrífuga. Nestes termos, a formação da

Federação brasileira teria se dado então de modo centrífugo.12

A outra acepção para os citados termos refere-se à repartição das

competências executivas e legislativas entre os entes federados, neste caso o

Federalismo centrípeto manifesta-se pela centralização de competências no âmbito

da União em desfavor das entidades periféricas, sendo que no modelo centrífugo as

11

BARACHO, José Alfredo de Oliveira. A federação e a revisão constitucional. As novas técnicas dos equilíbrios constitucionais e as relações financeiras. A cláusula federativa e a proteção da forma de estado na Constituição de 1988. Revista de Direito Administrativo: Rio de Janeiro, out./dez.1995, p. 49-60.

12 “A federação brasileira formou-se de dentro para fora, num movimento centrífugo, pois tínhamos

um Estado unitário que se descentralizou para formar unidades autônomas de poder. Se na federação americana, os Estados independentes se despojaram da soberania para formar o Estado federal, no Brasil ocorreu o inverso. Aqui a federação nasceu por meio de segregação. (...)” BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. 6ª Ed. revista e atualizada. São Paulo: Saraiva, 2011, pp. 901/902.

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10

competências se movem do centro para a periferia, com concessão de maior

dignidade federativa às coletividades componentes.

Raul Machado Horta13 fez certa confusão no emprego desta terminologia,

como se pode conferir a partir da referência adiante exposta:

“Se a concepção do constituinte inclinar-se pelo fortalecimento do poder

federal, teremos o federalismo centrípeto, que Georges Scelle chamou de

federalismo por agregação ou associação; se ao contrário, a concepção

fixar-se na preservação do poder estadual emergirá o federalismo centrífugo

ou por segregação, consoante a terminologia do internacionalista francês”.

Com efeito, nem sempre haverá associação invariável entre os termos

agregação/centrípeto e segregação/centrífugo. Ora, nada impede que uma

Federação surgida a partir de agregação produza tanto a centralização quanto a

descentralização política. O mesmo entendimento se aplicaria a uma Federação

advinda de um processo de dispersão. Nesta linha, a Federação norte-americana

surgida de modo centrípeto, estabeleceu-se de forma centrífuga em virtude do modo

como foi delineada a distribuição do poder naquele País.

Destarte, a Federação brasileira é ao mesmo tempo centrífuga e

centrípeta. É centrífuga por ter se originado a partir de um movimento revolucionário

desagregador que destruiu a Monarquia unitarista, para após isso pela vontade do

Poder Constituinte Originário assumir, a partir da Reforma Constitucional de 1926,

um aspecto centrípeto no que diz respeito à concentração de competências no plano

da União.

Portanto, quanto à fundação do Federalismo pátrio, tem-se que seu

caráter centrífugo é um atributo histórico e permanente, não mais possível de ser

alterado. Entretanto, este raciocínio não se aplica à distribuição do poder no âmbito

da Constituição vigente ou no bojo de Constituições vindouras, haja vista que a

estrutura de tais normas poderá ser (re) construída pelo Poder Constituinte em favor

da centralização ou da distribuição de competências legislativas, o que daria à

Federação um aspecto dinâmico de natureza centrípeta ou centrífuga,

respectivamente.

13

HORTA, Raul Machado. Direito constitucional. 4ª Edição, Imprenta: Belo Horizonte, Del Rey, 2003, p. 306/307.

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11

O surgimento do Federalismo centrífugo no Brasil estabeleceu-se a partir da

derrocada de um modelo de Estado pautado no exercício do poder a partir do

governo central. Portanto, a centralização unitarista, presente no Império,

impregnou-se fortemente no Estado federal brasileiro de natureza centrípeta, sob os

auspícios de praticamente todas as Constituições republicanas.

Assim é que a ideia de reordenamento federativo pressupõe a noção de que

nossa Federação tenha surgido a partir do estabelecimento de um acordo.

Entretanto, é preciso pontuar que a desagregação do Estado unitário não resultou

de nenhum acerto entre as Províncias, diferentemente do que ocorreu nos Estados

Unidos através do processo de agregação das antigas colônias inglesas.

Aliás, o controle do Brasil colonial tornou-se imprescindível aos interesses

imperialistas da Metrópole lusitana. Deste modo, propositadamente Portugal buscou

dificultar a relação entre as Capitanias, para mergulhá-las no isolamento, a fim de

que não se articulassem com vistas à formação de um Estado Nacional.

No que tange aos modelos de Federação adotados nos EUA e no Brasil,

assim preleciona Carmem Rocha: 14

“No entanto, por lá, a soberania dos estados veio antes. Aqui, tentaram

fazer a mesma coisa, até mesmo colocando o nome de Estados Unidos do

Brasil. Mas o modelo que existia era bem diferente. Isso colocou o País

numa camisa-de-força. Nunca paramos para discutir que tipo de Federação

queremos ser. Éramos um Estado unitário e não houve nenhum pacto

federativo em nossa história. Hoje, temos que pular etapas até chegarmos a

uma Federação colaborativa”.

Em verdade, no Brasil os ideais do constitucionalismo americano do final do

Século XVIII e os valores oriundos da Revolução Burguesa de 1789, surtiram

resultados mais efetivos apenas no final do Século XIX, após quase cem anos de

atraso, o que inviabilizou a manutenção da Monarquia autoritária e de um Estado

14

Em palestra da Ministra do STF Carmem Lúcia proferida na Escola Superior da Magistratura do Rio Grande do Sul em 14/03/201, transcrita em parte pelo Jornal da AJURIS em reportagem intitulada: “Brasil precisa aprofundar debate sobre Pacto Federativo”, a ministra, destaca que a ausência de autonomia financeira nos estados e municípios é um dos impeditivos para o Brasil implantar, realmente, uma Federação. “É por isso que a tão sonhada reforma tributária é tão difícil de ser realizada. Desde o governo de Juscelino Kubitschek se fala nisso, assim como na reforma política”. Apesar do longo tempo, apenas na Constituição de 1988 é que o sentido de Federação foi resgatado no texto constitucional. “Houve um reforço na forma federativa do Estado brasileiro, com destaque para a importância dos municípios”. Fonte: Jornal da AJURIS – ano XV, nº 272, jan/fev/mar de 2011, p. 05.

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12

unitário moldado com precisão ao intento centralizador do Império. As Províncias, já

há muito tempo, se mostravam insatisfeitas diante da postura do poder central em

face dos problemas regionais. Certamente, esta situação se agravou ainda mais com

a crise fiscal do final do Século XIX.

Os Estados Unidos preferiram não seguir as formas de Estado e de governo

adotadas pela Inglaterra. O sucesso do modelo de governo inglês muito

provavelmente não seria repetido na América, diante do grande desafio de

harmonizar interesses diversos na busca de uma coalizão inicial. A opção dos EUA

na escolha de uma forma de Estado peculiar, adaptada às circunstâncias que se

apresentaram na ocasião de sua formação, certamente cooperou substancialmente

para a estabilidade política que sempre caracterizou aquele País.

“É interessante notar que os federalistas americanos almejaram um governo

central (União) forte, que substituísse a tibiez da frustrada Confederação.

Contudo, para vencerem as resistências dos Estados-membros (as antigas

Colônias), desenvolveram a engenhosa fórmula federativa, no final do

século XVIII, concedendo ou reservando substanciais parcelas de poder às

unidades federadas.” 15

O Federalismo manifesta-se pela reunião de entes dispostos em torno de um

governo central e de um objetivo comum, com a proposta de conceder-lhes parte do

poder total através do exercício de sua autonomia. Essa fórmula mostrou-se possível

através do êxito da experiência americana.

A descentralização política é uma importante ferramenta que se pretende

alcançar com a proposta federalista. Entretanto quando de sua aplicação a

Federação admite diferentes manifestações pela intensidade da autonomia e da

descentralização adotadas pelos diversos Países,16a partir do disposto em suas

Constituições.

15

NETO LOBO, Paulo Luiz. NETO LOBO, Paulo Luiz, Competência legislativa concorrente dos Estados-membros na Constituição de 1988. R. Inf. Legisl. Brasília, a. 26, n. 101, jan/mar. 1989, p. 89.

16 Neste sentido, Arretche reporta-se à teoria de Riker na tentativa de explicar o motivo que leva as

federações a serem menos ou mais centralizadas. “Quanto maior a probabilidade de que um mesmo partido controle simultaneamente o governo central e os Estados-membros e, ainda quanto maior a disciplina partidária dos partidos nacionais, mas fortes seriam as tendências à centralização. Alternativamente, o multipartidarismo, partidos disciplinados de base regional, a possibilidade de alternância efetiva no poder funcionariam como uma espécie de contrapeso às inevitáveis tendências centralizadoras derivadas do desenho institucional das modernas federações.” ARRETCHE, Marta.

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13

Apesar de algumas características presentes na Federação pátria indicarem a

existência de um modelo centrípeto, tem-se que a origem do Federalismo no Brasil

objetivava a promoção da repartição do poder, e isto se deu através da destruição

do Estado, de natureza unitária, para restabelecê-lo sob outro formato, como bem

destaca Paulo Luiz Neto Lobo17:

“No Brasil, a origem do federalismo foi diversa da dos Estados Unidos.

Nestes, ela visou constituir um governo central, e tendeu sempre ao

centralismo político, teórica e praticamente. No Brasil, as províncias

desejaram se transformar em Estados-membros; o processo foi de

centralização política para a descentralização política. Tem sido essa a

marca do federalismo brasileiro, a busca por mais autonomia dos Estados-

membros, apesar das vicissitudes autoritárias por que passou.”

1.2. A Federação e sua natureza

Vale destacar que não existe somente um modelo de Estado federal. A

diversidade se reflete principalmente pelo modo de repartição das competências,

isso não significa impossibilidade de coleta de elementos comuns entre as

experiências federalistas em diversos Países.18

Várias teorias foram elaboradas na tentativa de se determinar os caracteres

do Estado federal. Neste sentido, a doutrina tem procurado estabelecer distinções

entre Federação, Unitarismo e a Confederação.

Desta forma, alguns elementos merecem destaque na busca pelas

características que compõem a Federação: a) emprego da soberania pela união e

pelos Estados-membros; b) participação dos entes federados na determinação da

vontade nacional; c) descentralização enquanto elemento comum às diversas formas

de Estado; d) possibilidade de atribuição de competências legislativas no âmbito do

Unitarismo, e) existência de ordens jurídicas diferenciadas na Federação, f)

existência de um Estado Federal soberano e de Estados federados autônomos, g)

delimitação do modelo de transferência de competências no Estado federal, h)

Federalismo e democracia no Brasil: a visão da ciência política norte-americana. São Paulo em perspectiva, 15(4) 2001, p. 24.

17 NETO LOBO, Paulo Luiz. Op. cit., p.93.

18 ARAÚJO, Luiz Alberto David. Característicos Comuns do Federalismo. Por uma Nova Federação,

Coordenador Celso Bastos. São Paulo: RT, 1995, p. 49.

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14

atuação de um Tribunal criado para equacionar conflitos de competências entre os

entes federativos, etc.

Para compreensão da natureza jurídica da Federação nos estribamos no

magistério de Oswaldo Bandeira de Mello,19 Maria Helena Ferreira da Câmara20 e

Amaro Cavalcanti.21

Na primeira hipótese o Estado federal se formaria a partir da reunião de entes

independentes que celebrariam um pacto estabelecido através de tratados com o fito

de prover assistência mútua e segurança, numa união de coletividades soberanas.

Este é o ideário da chamada teoria da soberania dos Estados federados. Em

verdade, neste tópico o que se tem é a afirmação do modelo confederativo, em

detrimento da construção de uma teoria federalista. Referindo-se a Calhoun e

Seydel, Maria Helena Ferreira da Câmara22 afirma que “eles subtraem do estado

federal a ideia de soberania, equiparando-o à confederação. Para Syedel a

soberania é indivisível, logo seria insustentável a posição de Weitz, que se baseava

na sua divisibilidade.” 23 Esta doutrina foi utilizada nos Estados Unidos para justificar

as teorias separatistas que acabaram por fomentar a chamada Guerra de Secessão.

Esta teoria foi objeto de críticas severas, haja vista que as entidades que

formam a Confederação são soberanas e regidas por tratados internacionais,

portanto não se pode confundi-la com a Federação porque esta é regida por uma

Constituição.24 A própria Confederação não é em si mesma soberana, posto ser este

um atributo apenas dos Países que a compõem. Além do que a soberania nacional

no Estado federal é um atributo conferido à união e não aos entes federados. 25

19

MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira. Natureza Jurídica do Estado Federal. Nova impressão. Monografia premiada pelo Instituto dos Advogados de São Paulo. Publicação da Prefeitura do Município de São Paulo, 1948.

20 CÂMARA, Maria Helena Ferreira da. O conceito moderno de federação. R. Inf. Leg.Brasília a.18

n.71 jul/set. 1981, p.23/42.

21 CAVALCANTI, Amaro. Regimen federativo. A republica brazileira. Rio de Janeiro: Imprensa

Nacional, 1900.

22 CÂMARA, Maria Helena Ferreira da. Op. Cit., p. 30, 31.

23 Idem.

24 “Para BROTERO, porém, a noção de federação confundia-se com a de confederação. Os Estados-

membros de uma federação necessariamente haveriam de manter soberania, negando-a, pois, ao ente total resultante, sob pena de perdê-la.” ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de. Revista Brasileira de Direito Constitucional – RBDC n. 19 – jan./jun. 2012, p. 372.

25 “Os apologistas dessa teoria tinham razão em não admitir a dualidade da soberania, porém erraram

em localizá-la nos Estados-membros, em vez de julgá-la unicamente atributo do Estado federal.” MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira. Op.cit., p. 29.

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15

A teoria da dupla soberania encontrou adeptos nos Estados Unidos e na

Europa (Alexis de Tocqueville, Waitz, James Madison, Alexander Hamilton e John

Jay) durante boa parte do Século XIX.26 A ideia principal consistia em atribuir o

exercício da soberania estatal também aos Estados-membros. Neste sentido a

Federação seria caracterizada por isonomia absoluta entre os entes federados, o

que por certo representaria um extraordinário fortalecimento dos entes periféricos;

com a concessão, inclusive, de capacidade jurídica internacional aos Estados-

Membros.

A dificuldade encontrada na defesa dessa teoria residiu na pretensão

impossível de se estabelecer uma divisão da soberania a fim de acomodá-la de

modo igualitário entre a união federativa e os Estados-Membros. Assim, a soberania

seria atributo não apenas da união, como também das próprias coletividades

participantes da estrutura federativa.

Aliás, a alusão a institutos do Direito Internacional no plano estadual, bem

como a referência à soberania dos Estados-membros no âmbito da Constituição de

1891 é um forte indicativo da influência desta doutrina na construção da primeira

Carta republicana brasileira.27 Com efeito, esta teoria encontra-se superada. A

soberania é atributo indivisível e exclusivo do Estado federal, ou seja, da união, não

conferido às entidades federadas.28

A teoria da soberania da união, destacada por Hermann Heller,

contrapunha-se à existência de coletividades federadas soberanas. Neste formato,

apenas a união seria soberana, e isto seria inerente à formação do Estado federal

por agregação, ocasião em que as unidades juntadas abriram mão de sua soberania

em prol da unidade. Diante disto, tem-se que na Federação não se pode atribuir aos

entes federativos a qualificação de Estados nacionais, porque na verdade são

26

GARCIA-PELAYO, Manuel. Derecho Constitucional Comparado, Madrid, Revista de Occidente, 1967, p. 220.

27 “Uns, como Calhoun e Seydel, amrmando a soberania dos Estados-federados, não fazem

distincção entre a Federação e a Confederação de Estados e, conseguintemente, consideram-na um simples pacto, feito entre Estados independentes, perpetuo, ou ldissoluvel, segundo a vontade dos mesmos -; outros, como Tocqueville, Waitz e Westerkamp, talvez para illudir a dlfficuldade da existência de Estados não-soberanos, admittem a possibilidade de partilha da soberania entre os Estados federados e a União,—- sem attender, aliás, que semelhante partilha repugna á natureza da própria soberania; e outros, finalmente, como Held, não vêem na Federação mais do que um Estado-unitario, ainda que deste se destingua pela autonomia, maior ou maia completa, dos seus respectivos membros.” CAVALCANTI, Amaro. Op.cit., p. 61.

28 CÂMARA, Maria Helena Ferreira da. Op. Cit., p.30.

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apenas entidades autônomas vinculadas à união e submissos à soberania que

decorre da unidade federativa. 29

A teoria da escola alemã, teoria dos Estados não soberanos, foi bem aceita

na Europa, sendo que nos Estados Unidos enfrentou fortes resistências. Para esta

doutrina existiriam, no âmbito da Federação, dois Estados distintos: um primeiro com

soberania (Estado federal) e outro sem soberania (Estado federado). Deste modo,

admitir-se-ia a existência de Estados não soberanos, aptos a participarem da

vontade nacional.

Com efeito, o princípio da finalidade foi destacado como elemento

caracterizador da teoria da escola alemã, pelo qual todo Estado deve ter uma

finalidade nacional de natureza universal, o que incluiria os Estados-membros

através de sua participação na vontade nacional.30

Sustenta-se assim que as coletividades periféricas poderiam denominar-se de

Estados, apesar de serem apenas autônomas. Assim, a soberania seria atributo

exclusivo do Estado federal.31

Esta teoria foi alvo de críticas, sob o argumento de que a participação na

vontade nacional não seria suficiente para caracterizar a Federação, porque isso

também seria possível no Estado unitário. Entretanto, a discussão sobre a finalidade

contribuiu para a influência da Geografia no que tange à distribuição das

competências no âmbito das entidades federativas.

Pela teoria do Estado de fato, destacada por Léon Duguit e H. Berthélemy,

de certo modo reforça-se o entendimento apresentado pela teoria anterior, haja vista

que a Federação consistiria na existência de dois governos, um federal e outro

estadual no mesmo espaço geográfico com suas competências discriminadas pela

Lei Maior,32 sendo que qualquer alteração nas competências constitucionais

29

Ibdem, p. 31.

30 “ROSIN e BRIE representam uma variante dessa teoria. Embora apresentem os mesmos

característicos definidores do Estado federal, rejeitam a doutrina do direito próprio e enjendram em sua substituição a doutrina da finalidade. Este último autor citado aperfeiçoou a doutrina daquele.” MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira. Op. Cit., p. 38, 42.

31 Ibdem, p. 38.

32

Ibdem, p. 42, 43.

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atinentes aos entes federados exigiria a atuação do Poder Decorrente mediante

manifestação da União e dos Estados-membros.33

Este modelo, apesar de não ter se notabilizado como o mais adotado pelos

Estados federais, seria perfeitamente factível desde que houvesse vontade política

para efetivá-lo por determinação do Poder Constituinte Originário.

A participação estadual direta na produção de emendas ajudaria a tornar o

processo constitucional mais rigoroso e poderia evitar, por exemplo, abusos

relacionados ao número excessivo de emendas produzidas no contexto da

Constituição de 1988.

A teoria da participação estadual na formação da vontade do Estado

federal - defendida por Louis Le Fur e criticamente analisada por M. Mouskheli -

apontava para uma relação indissociável entre a soberania e o Estado nacional

sendo que no modelo federativo a soberania deveria ser atribuída apenas à união.

Desta forma, os Estados-Membros não seriam soberanos.

A contribuição participativa das unidades federadas, de acordo com esta

teoria, seria uma condição essencial ao Federalismo, devendo manifestar-se através

do Poder Legislativo federal, bem como pela possibilidade de participação no

processo de reforma constitucional.

É preciso lembrar que o Estado unitário poderá manifestar-se de modo

desconcentrado, admitindo-se inclusive a hipótese de participação das unidades

administrativas na vontade nacional. Entretanto, na essência do Estado unitário tem-

se que a autonomia legislativa não se faz presente.34

Aliás, essa teoria apenas poderia ser efetivamente aplicada ao modelo

federalista, na concepção de M. Mouskheli, mediante inclusão da autonomia

legislativa, extensiva aos entes estaduais. Le Fur reconhecia que sem o diferencial

da autonomia legislativa, os elementos teóricos por ele defendidos, poderiam

caracterizar tanto o modelo federativo quanto o Estado unitário, em reconhecimento

ao acerto da proposição teórica de Mouskheli.35

33

Bandeira de Mello chama destaca que no constitucionalismo pátrio as Constituições não condicionaram o processo de reforma constitucional à autorização dos entes estaduais. MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira de. Op. Cit., pp. 42, 43.

34 PRELOT, Marcel. Institutions Politiques et Droit Constitutionnel, Paris, Dalloz, 1957, p. 231.

35 MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira de. Op. Cit., p. 35.

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Luiz Felipe D’Ávila36 destaca que a Federação não apresenta como

característica apenas a dualidade, esta marcada pela existência de um ente central

e de entes periféricos. Entretanto, a repartição do poder constitucional deverá

pautar-se nesse dualismo37 porque a pouca participação das coletividades na

vontade nacional amoldar-se-ia melhor ao Unitarismo.

De acordo com a teoria da escola austríaca ou teoria das três ordens

jurídicas (ente central, entes periféricos e ente total) o Estado Federal reger-se-ia

pelas normas do Direito Internacional enquanto que os Estados-Membros seriam

regidos pela norma doméstica.

No plano interno a Constituição Federal seria a fusão entre a Constituição da

União e a Constituição Total. Na elaboração desta teoria Kelsen se estribou em

Meyer, Gierke e Haenel para explicar as relações entre os governos estaduais e a

União.38

Assim, a Constituição da União não poderia se confundir com a Constituição

Total, porque esta representaria os interesses da Federação soberana, enquanto

que aquela cuidaria de disciplinar as atribuições de um ente autônomo, a saber, a

União. “Em suma, Kelsen entendia o Estado federal como bloco dividido em três

ordens jurídicas: 1) a total – Gesamtrechtsordnung; 2) a do Estado central; 3) e a

dos Estados componentes.” 39

Esta teoria foi criticada por Oswaldo Bandeira de Mello40 em virtude da pouca

ênfase conferida à autonomia, e pela confusão que se fez entre ela e a

descentralização. Sobre a crítica de Pontes de Miranda a esta teoria, Maria Helena

Câmara41 destaca que “é válida, pois a ordem principal é a da Constituição, que é a

que distribui e delimita as competências. Mas, a ordem da Constituição não é total,

pois se estabelece e se situa em face do direito das gentes.”

A nosso sentir, esta teoria toca num ponto crucial para a compreensão de

desníveis na relação entre a União e os demais entes federados, posto que o ente

36

D’ÁVILA, Luiz Felipe A Federação Brasileira. Por Uma Nova Federação, Coord.: Celso Bastos. São Paulo: RT, 1995, p. 56.

37 Idem.

38 CÂMARA, Maria Helena Ferreira da. Op. Cit., p.33.

39 Idem.

40 MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira. Op.Cit., p. 50.

41 CÂMARA, Maria Helena Ferreira da. Op.cit., p. 33.

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central apresenta-se com sua Constituição inserta na própria Lei Maior, privilégio

não atribuído aos Estados-membros.

A teoria das competências exclusivas,42 escola anglo-americana, defendida

por um número expressivo de juristas americanos e ingleses dentre os quais se

destacam: Durand, Bryce, Haines, Garner, Dicey e Willoughby. Esta doutrina

chamou atenção para o fato de a descentralização se manifestar, no âmbito de uma

Constituição Federal rígida, pela delimitação de competências entre os entes

federados. Esta teoria destacou ainda a atuação do Poder Judiciário enquanto

Tribunal da Federação para resguardar o adequado exercício das competências

legislativas e administrativas.

É preciso salientar que as Constituições dos Estados unitários, desde que

sejam rígidas, também se deixam controlar pelo Judiciário. Deste modo, esta não

seria uma manifestação exclusiva do regime federativo, mas compõe o conjunto de

características - destacadas por outras teorias – que formam a essência federativa.

A complexidade das experiências federalistas, praticadas em muitos Países a

partir das peculiaridades de cada Nação, desfavorece a existência de uma teoria

única capaz de compor um conceito definitivo de Federalismo.

Entretanto, do conjunto das teorias retro citadas, é possível destacar algumas

características que isoladamente poderão compor tanto o Unitarismo quanto o

Federalismo, mas quando reunidas tais elementos permitem uma melhor

compreensão do fenômeno Federativo.

As principais características da forma federativa de Estado são as seguintes:

Existência de uma estrutura multifacetada, surgida por aglutinação ou

desagregação, composta por um ente autônomo coordenador ao centro e partes

autônomas em sua órbita; soberania e indissolubilidade da união; autonomia

(política, legislativa e administrativa) dos entes federados; existência de uma

Constituição Federal rígida que geralmente reúne a Constituição do ente central e a

Constituição da Federação; Estados-membros com sua própria Constituição feita a

partir de princípios impostos pela Lei Mãe; delimitação do campo de atuação dos

entes federados a partir de seus interesses manifestos em competências legislativas

e materiais no âmbito da Lei Maior; descentralização política e desconcentração

administrativa, existência de um órgão do Poder Judiciário para dirimir conflitos de

42

Ibdem, p. 39,50.

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competências entre os entes federativos; representação da vontade dos Estados-

membros pelo Senado; participação estadual na proposição e/ou ratificação de

emendas constitucionais, repartição constitucional de rendas e intervenção federal.

1.3. O pacto federal

Para além da discussão sobre a natureza jurídica da Federação também nos

interessa a abordagem sobre a deflagração do modelo federativo no âmbito do

Estado nacional.43 Noutras palavras, urge que se estabeleça uma análise sobre a

existência de um pacto enquanto ponto inaugural da Federação pátria.

Faz-se necessário identificar o momento da conflagração do pacto federativo

brasileiro.

Cabe investigar essa hipótese por ocasião da Proclamação da República e

posteriormente durante os trabalhos da Assembleia Constituinte pela qual surgiu a

primeira Constituição republicana,44 para então se determinar em que medida houve

de fato um pacto federativo nos moldes daquele estabelecido na construção da

matriz federalista norte-americana.

Bom, sem que seja necessário muito esforço, é possível constatar que o

surgimento do Estado brasileiro não foi resultado de um pacto nos moldes daquele

que se produziu nos Estados Unidos da América, onde a necessidade de unir entes

confederados, libertos do julgo do Império Britânico, fez nascer um acordo pelo qual

43

“Historicamente verifica-se, que a Federação pôde ter origem de dous modos differentes: — ella pôde effèctuar-se, sem que preceda tratado algum entre os Estados particulares nesse intuito ; — ou pôde originar-se de tratados ou convenções concluídas por Estados soberanos, preexistentes â Federação. Dà-se o primeiro modo de formação do Estado-federal: a) quando, ou pelo acto pacifico de uma revisão constitucional, ou por effeito de uma revolução, as províncias de um Estado unitário passam a constituir outros tantos Estados federados, do que temos exemplo nos Estados- Unidos do México, e nos Estados-Unidos do Brasil-, b) quando, em consequência de um movimento nacional, pacifico ou revolucionário, os Estados soberanos existentes são levados a transformarem-se em um Estado-federal, sem haver tratado dos mesmos a este respeito. E' o que succedeu na Suissa, —onde a transformação de 1848 effectuou-se, sem contrariar a vontade dos cantões, — o movimento se tendo operado de uma maneira pacifica, — os poderes públicos dos antigos Estados subsistiam de facto e de direito, e o seu assentimento á nova oxdem de cousas fora necessário, — mas, Exclusivamente delles (en dehors d'eux), pela vontade da nação inteira, sem que os mesmos cantões tivessem cooperado para isso, a não ser pela acceitação da nova constituição; e ainda, semelhante acceitação fora, apenas, tacita por parte decerto numero delles, os quaes, ao principio, se tinham opposto á revisão — O segundo modo de formação do Estaão-feãerãl é igualmente comprovado por factos históricos conhecidos, e referentes és actuaes federações, dos Estados- Unidos da Norte-America, da Republica-Argentina, e da Confederação da Allemanha do Norte (1866), depois, convertida no actual Império Allemão.” CAVALCANTI, Amaro. Op. Cit., p. 65/66.

44 “Historicamente verifica-se, que a Federação pôde ter origem de dous modos differentes: — ella

pôde effèctuar-se, sem que preceda tratado algum entre os Estados particulares nesse intuito ; — ou pôde originar-se de tratados ou convenções concluídas por Estados soberanos, preexistentes â Federação.” HAURIOU, André. Op. Cit., p 143.

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as unidades abririam mão de sua independência em favor de uma associação para

formação de um só Estado nacional de natureza federativa.

No caso brasileiro não foi isso o que aconteceu, pois a independência não

trouxe consigo a forma federativa, apesar dessa hipótese ter sido aventada no

período que antecedeu à feitura da Constituição de 1824, ideia que não prosperou.45

Miriam Dolhnikoff46 discorre sobre os embates políticos travados em torno dos

interesses provinciais:

“A diversidade entre as províncias exigia demandas distintas, e a monarquia

federativa seria capaz de acomodá-las, ao mesmo tempo que serviria aos

interesses comuns, como a preservação da ordem excludente. Mesmo que

isso significasse a impossibilidade de atender a todas as demandas de cada

uma das elites provinciais. Como não desejavam uma reforma profunda na

sociedade, e como consideravam prioritária a autonomia e a participação

política, concentraram-se na defesa da federação.”

André Ramos Tavares47 faz alusão à discussão política havida em torno da

possibilidade de adoção de uma Monarquia federativa48 no Brasil:

“A proposta federativa chegou a ser discutida na efêmera existência da

assembleia constituinte, dissolvida pelo Imperador em 1823. A

Confederação do Equador de 1824 e a revolução Farroupilha (1835)

apresentavam a nota do Federalismo.”

No Rio Grande do Sul e em Pernambuco movimentos ideológicos (Revolução

Farroupilha e a Confederação do Equador) defendiam a adoção do modelo

federalista ainda que de forma heterogênea, diante da resistência unitarista no seio

45

TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. – 9ª. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2011, p. 1110.

46 DOLHNIKOF, Miriam O pacto imperial. Origens do federalismo no Brasil do século XIX. São Paulo,

Globo, 2005, p.41.

47 TAVARES, André Ramos. Op.cit., p. 1110.

48 “O regime federativo era uma aspiração antiga, o debate em torno do tema antecede até mesmo a

ocorrência dos fatores que levaram ao “7 de abril de 1831”, quando o Imperador D. Pedro I foi forçado a abdicar da Coroa. Com efeito, instituída a Regência, houve as primeiras tentativas de se criar uma espécie de monarquia federativa, por meio de medidas descentralizantes (...).”GOMES, Lucivanda Serpa, MONTEIRO, Patrícia Moura. Federalismo republicano e tributação: A contribuição de Amaro Cavalcanti para o pensamento constitucional brasileiro. In: Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Federal de Uberlândia. (Org.). Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Direito. 21ª ed.Florianópolis: Fundação Boiteaux, 2012, v. 1, p. 11442-11461.

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das referidas Províncias. Portanto, inexistia naquele momento uma coesão

ideológica em torno da proposta federativa.49

Naquela ocasião, o Federalismo apresentava-se como um mecanismo

plausível, a ponto de se cogitar adaptá-lo à Monarquia. Entretanto, o regime

monárquico não nutria qualquer simpatia pela teoria federalista, pelo fato de estar

ela - no discurso dos liberais - atrelada à forma de Estado republicana, em alusão ao

modelo norte-americano que lhes servia de paradigma.50

Nos Estados Unidos o acordo que criou a Federação resultou - após uma

breve experiência confederativa - de consenso das treze colônias, maturado na fase

de reconhecimento de sua independência, logo após a Guerra travada com a

Inglaterra, para então em 1787 constar da Convenção de Filadélfia e materializar-se

no texto da Constituição Federal.51

Enquanto os Estados Unidos se originaram de um acordo entre entes

independentes e soberanos, no Brasil as Capitanias formavam uma só estrutura

colonial sob o domínio do Império de Portugal.

A preexistência de um Estado unitário é um fator que nos distancia da matriz

federativa criada pelos EUA, como esclarece Severini: 52

“Nesse sentido, a conversão, desde o Decreto nº 1, do governo provisório –

do Estado unitário sob égide imperial – em uma sequência federativa,

revela-se grande medida para a construção do federalismo brasileiro, ao

apontar para a criação de poderes locais autônomos, que passariam a

conviver como o governo central preexistente, distanciando-se, assim, do

modelo norte-americano que decorreu de pacto de unificação de entes

soberanos confederados.”

49

DOLHNIKOF, Miriam. Op. Cit., p. 45, 46.

50 “Insta observar que, o projeto federalista no Brasil, em grande medida, quase sempre esteve de

mãos dadas com os ideais republicanos, como uma contraposição ideológica ao velho regime. Após o arrefecimento das revoltas nas províncias6, algumas de cunho separatista, houve no Rio de Janeiro a primeira contestação pública ao regime monárquico com a publicação do Manifesto Republicano de 18707, no qual seus adeptos exigiam a implantação da Federação inspirada no modelo norte-americano. A centralização passou a ser vista como um obstáculo para o desenvolvimento do País.” GOMES, Lucivanda Serpa, MONTEIRO, Patrícia Moura. Op.cit., p. 11447.

51 “Na verdade, o processo de formação centrípeta do Estado federal norte-americano começou em

1775 – ocasião da revolta dos colonos contra as políticas financeiras do Reino Unido, sob o comando de Jorge III – e terminou em 1787 com a Convenção de Filadélfia, cujo desfecho foi a promulgação da Constituição dos Estados Unidos da América do Norte.” GÓES, Guilherme Sandoval. O pacto federativo brasileiro: gênese, óbices e núcleo essencial, 2008. http://www.direitopositivo.com.br/modules.php?name=Artigos&file=display&jid=161

52 SEVERINI, Tiago. O pacto federativo brasileiro e os limites à reforma fiscal. Revista SJRJ, Rio de

Janeiro, v.18, n.31, ago/2011, p.197.

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Assim como se deu com as Capitanias Hereditárias em 1822, as Províncias

em 1889 não se uniram para selar seu destino político, consequentemente não

produziram nenhum pacto com vistas à criação da Federação. Deste modo, é que a

“união perpétua e indissolúvel das antigas Províncias”, como disposto no artigo 1º da

Carta de1891, se estabeleceu pela vontade daqueles que derrubaram a Monarquia e

não pela vontade de entidades estatais independentes.

Sobre o assunto é preciso atentar às lições do historiador Boris Fausto: 53

“A proclamação da Repúbica correspondeu ao encontro de duas forças

diversas – exército e fazendeiros de café – movidas por razões diferentes. O

exército tinha motivos de ordem corporativa e ideológica para se opor à

monarquia. A guerra do Paraguai favoreceu a identificação dos militares

como grupo, e eles começaram a criticar a posição secundária que o

Império conferia à instituição. Pouco a pouco, foram afirmando o direito de

expressar abertamente suas críticas e de se organizar politicamente. A

chamada ‘Questão Militar’ girou sobre esses temas. Ao mesmo tempo, um

grupo minoritário mas extremamente ativo, liderado por Benjamin Constant,

combinava tais críticas com uma implantação de um regime republicano e

modernizador. Como se sabe, os fazendeiros paulistas, através do Partido

Republicano Paulista, moviam-se por razões claramente econômicas. A

República, sob forma federativa, significava o fim da centralização imperial,

a autonomia dos estados e a possibilidade de impor ao país um sistema que

favorecesse o núcleo agrário-exportador em expansão. Contando com o

apoio deste núcleo, o exército desfechou o golpe de 15 de novembro e

assumiu o controle do governo. Na luta que se seguiu, entre o grupo militar

e a classe social, esta acabou por triunfar.”

Com efeito, a República - assim como ocorreu com a Monarquia brasileira –

também surgiu de um movimento revolucionário patrocinado por uma conjunção de

forças capitaneadas pelo Exército e pela elite cafeicultora.

Assim sendo, a Federação não foi fruto do consenso provinciano, tendo

surgido na esteira de um golpe de estado, sem ostentar apoio popular maciço. “O

advento da república estabeleceu porém um monismo formalista na teorização do

53

FAUSTO, Boris. Pequenos ensaios de história da república (1889-1945). In: FENELON, Dea Ribeiro. 50 textos de história do Brasil. São Paulo: Hucitec, 1983, p.117, 118.

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sistema ou do regime: já não entrava na Constituição uma vontade privilegiada

desvinculada do consenso, ainda que este fosse o consenso das elites. (...)” 54

Em verdade, a forma de governo não decorreu da expressão da vontade do

povo brasileiro, tampouco a forma de Estado se originou de um consenso entre a

maioria das Províncias.

As Capitanias se transformaram em Províncias em consequência da

Independência nacional, processo revolucionário liderado por Dom Pedro I. Urgia

derrubar a Monarquia para instituição doutra forma de governo, a questão central

era mesmo esta. Portanto, a preocupação referente à forma de Estado, a ser

adotada no período republicano, era uma questão lateral e de menor importância.55

Há quem defenda ter havido um consenso federativo - ainda durante o regime

monárquico, manifesto pela descentralização de competências em favor das

Províncias - ocorrido com a edição do Ato Adicional em 1834. Esta é a opinião de

Riker56 para quem no Brasil o Federalismo nasceu justamente nessa ocasião.

Tal hipótese57 não se sustenta porque na Constituição Imperial o Brasil

adotou o Unitarismo como forma de Estado. Aliás, o Senado rechaçou a pretensão

referente à adição da expressão “monarquia federalista” no texto da Constituição de

1824, através da emenda constitucional de 1834.

Além do mais, a vitaliciedade atribuída ao Senado minava a noção federativa

de representação que ali se intentava imprimir, posto que a inexistência de processo

eleitoral mostrou-se desfavorável à pressão provincial exercida sobre os senadores

para que atuassem de acordo com os interesses regionais. 58

Entretanto, é preciso reconhecer que o Ato Adicional permitiu alguma

autonomia legislativa às Províncias através da criação de um Legislativo próprio

54

BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História constitucional do Brasil. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Ed. Paz e Terra, 1991, pp. 8/9.

55 De acordo com Casimiro Neto no dia 20 de novembro de 1889 é expedido pelo Chefe do Governo

Provisório, Marechal Manoel Deodoro da Fonseca (AL), o Decreto nº 7, que “dissolve e extingue as assembléas provinciaes e fixa provisoriamente as attribuições dos governadores de Estados”. SILVA NETO, Casimiro Pedro da. A construção da democracia : síntese histórica dos grandes momentos da Câmara dos Deputados, das assembléias nacionais constituintes e do Congresso Nacional .../ Casimiro Neto. — Brasília : Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 2003. 751 p. – (Série temas de interesse do Legislativo ; n. 5). p. 285.

56 RIKER, William, apud ARRETCHE, Marta. Federalismo e democracia no Brasil: a visão da ciência

política norte-americana. São Paulo em perspectiva, 15(4) 2001, p.23.

57 ARRETCHE, Marta. Ibdem, p. 25.

58 DOLHNIKOFF, Miriam. Op. Cit., p. 97.

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(Assembleias Provinciais). Todavia, este elemento isoladamente considerado é

insuficiente para fundamentar a tese de existência de uma Federação imperial no

Brasil. A manifestação de resquícios de desconcentração do poder imperial, não foi

suficiente para sustentar essa hipótese, visto existirem Estados unitários que

concedem alguma autonomia as suas entidades administrativas.

Desta maneira, a centralização política continuou nas mãos da Monarquia, e é

certo que não havia eco no Senado para que as Províncias participassem da

vontade nacional. A relativa autonomia provincial foi logo sufocada pela edição da

Lei de Interpretação ao ato adicional, fazendo com que o Império restabelecesse

com mão forte à centralização decisória.

Aliás, é preciso esclarecer que mesmo após a Proclamação da República - já

no período de construção da Constituição de 1891 - houve forte embate ideológico

acerca da forma de Estado que deveria se somar à nova forma de governo

republicana no plano constitucional.

O Governo Provisório nutria simpatia pelo Unitarismo, forma de Estado ideal

ao exercício do controle político. Os cafeicultores, por sua vez, preferiam a forma

federativa, em virtude da autonomia - favorável ao fortalecimento de oligarquias -

concedida aos entes estaduais.

“A elaboração da Constituição também gerou divergências entre os

republicanos: O marechal Deodoro, os positivistas e parte do exército

pretendiam um regime centralizado, enquanto as oligarquias estaduais,

formadas por proprietários de terras, preferiam um regime federalista, que

lhes asseguraria maior participação no poder.” 59

Sob o olhar de Manuel Deodoro da Fonseca, a Constituição de 1891 foi

elaborada por uma Assembleia Nacional Constituinte eleita em 1890 e encarregada

pela primeira vez de traçar os termos do Federalismo pátrio.

“Proclamada a República, a legitimação do novo regime far-se-ia através de

uma Assembléia Constituinte, a ser eleita pelo sufrágio universal, expressão

da soberania popular. É eliminada a barreira do voto censitário,

considerando-se eleitores todos os cidadãos brasileiros maiores de 21 anos

que soubessem ler e escrever (Dec. 200-A, de 8.02.1890). No eleitorado da

capital, isso representou um crescimento considerável em relação ao último

período do Império. De 6.665 eleitores em 1881, o Rio passou a contar em

59

COSTA, Luís César Amad. História do Brasil. São Paulo:Scipione, 1999, p.244.

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1890 com 28.585 eleitores alistados. É preciso, porém, não superestimar

esse crescimento: de saída, a exclusão das mulheres e dos analfabetos

reduzia o eleitorado potencial da cidade a cerca de 100 mil pessoas,

aproximadamente 20% da população fixa total (515.559 habitantes). Os

eleitores efetivamente alistados, portanto, representavam apenas 28% dos

aptos a votar, e cerca de 5,5% da população (contra cerca de 2% em

1881).” 60

É incontestável que a Carta Magna de 1891 foi promulgada, tendo sido

legitimada por constituintes eleitos pelo voto popular.61 Assim, do ponto de vista

constitucional o pacto federal inaugural foi construído pelo Poder Originário,62 a partir

da noção de que precisaria legitimar-se por uma Constituição.63 Ora, se a

Assembleia Nacional Constituinte criou a Constituição e o Estado republicano de

cunho democrático, certamente também teve legitimidade para estabelecer os

termos do pacto federativo. 64

Assim, está claro que durante o Governo Provisório, surgido por um comando

militar revolucionário (1889/1891), a Federação (forma de Estado nascida pelo

60

VENEU, Marcos Guedes. Enferrujando o sonho: partidos e eleições no Rio de Janeiro, 1889-1895. Revista de Ciências Sociais. Rio de Janeiro, Vol. 30, n. 1, 1987, p. 45-72.

61 “23 de junho de 1890. É expedido pelo Chefe do Governo Provisório, Marechal Manoel Deodoro da

Fonseca (AL), o Decreto nº 511, que “manda observar o regulamento para a eleição do primeiro Congresso Nacional”. No artigo 5º observa que: “A nomeação dos deputados e senadores será feita por Estados e por eleição directa, na qual votarão todos os cidadãos qualificados eleitores de conformidade com os decretos ns. 200-A de 8 de fevereiro, 277-D e 277-E de 22 de março de 1890”. Define o quantitativo de 205 deputados e 63 senadores e diz ainda no artigo 67: “Aos cidadãos eleitos, para o primeiro Congresso entendem-se conferidos poderes especiaes para exprimir a vontade nacional ácerca da Constituição publicada pelo decreto n. 510 de 22 de junho corrente, bem como para eleger o primeiro Presidente e Vice-Presidente da Republica”. NETO, Casimiro. Op. Cit.. p. 288.

62 “Quando, porém, os Estados soberanos, que se ligam, querem dar-se uma cohesâo e

homogeneidade, renunciando em favor do poder federal a maior ou melhor parte das suas prerogativas, a união, ora instituída, é uma federação ou Estado-federal. Este presuppõe, não, um simples pacto, mas uma constituição federal, com um governo, dotado de todos os poderes, legislativo, executivo e judiciário, cuja acção estende-se, em maior ou menor escala, sobre Os próprios negócios e interesses de cada um dos Estados federados.” CAVALCANTI, Amaro. Op. Cit., p. 14.

63 HAURIOU, André. Droit constitutionnel et institutions politiques. Paris: Montchrétien, 1966, p 143.

64 “Nesse mesmo dia é expedido o Decreto nº 78-A, que no seu artigo primeiro tratou do seguinte: “É

banido do territorio brazileiro o Sr. D. Pedro de Alcantara, e com elle sua familia”. É expedido, também, o Decreto nº 78-B, que “trata da convocação do Congresso Nacional Constituinte”. Os seus artigos trazem o seguinte: “Art. 1º No dia 15 de setembro de 1890 se celebrará em toda a Republica á eleição geral para a Assembléa Constituinte, a qual compor-se-há de uma só camara, cujos membros serão eleitos por escrutinio de lista em cada um dos Estados. Art. 2º A Assembléa Constituinte reunir-se-há dous mezes depois na Capital da Republica”. A esse respeito ver também o Decreto nº 510, de 22 de junho de 1890.” NETO, Casimiro. Op. Cit., p. 287.

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Decreto nº 01 de 1889) 65 não gozava de lastro constitucional, tampouco resultou da

vontade da maioria das Províncias. Ali importava muito mais proclamar a República

do que propriamente instituir a Federação. 66

"(...) errôneo supor que a Federação no Brasil foi produzida unicamente

pelo Decreto nº 1, do Governo provisório de 1889. Se o presidencialismo

colhe de surpresa o País, desconhecido que era a todas as tradições de

embate doutrinário em que nos havíamos empenhado durante a fase

anterior à República, tal não se deu, porém, com a Federação. Esta, ou

já se desejava, no sentir de monarquistas abalizados, da índole liberal de

Nabuco e Rui, ou já aguardava, por solução lógica e idônea aos

antagonismos e crises que desde muito dilaceravam o corpo político da

Monarquia. O Decreto 1 foi apenas o coroamento vitorioso de velhas

aspirações autonomistas que, não se podendo fazer nos quadros

institucionais do Império por um ato reformista, se fizeram via improvisa

da ação revolucionária de 15 de novembro de 1889, resultando, assim,

na implantação dos sistema republicano".67

Em 1890 o Governo Provisório institui o Decreto nº 510 através do qual

publicou em 22/06/1890 a “Constituição dos Estados Unidos do Brazil” que durou até

o advento da Constituição de 1891. O referido Decreto, portanto, disciplinou as

relações jurídicas no vácuo compreendido entre as Cartas de 1824 e 1891.

A respeito da natureza jurídica do Decreto nº 510 importa esclarecer que sua

criação não adveio do Poder Constituinte Originário,68 e sim de uma manifestação

das forças revolucionárias que tomaram o poder. Por esta razão, não poderia ser o

65

Cf. Decreto nº 1, de 15 de Novembro de 1889.

66 “O pacto federativo pode ser entendido como as regras de coexistência entre poderes da base

nacional e poderes da base regional. No nosso caso pioneiro, foi pouco mais do que um acerto entre setores mais tradicionais do Norte e do Nordeste e Governadores representantes de setores mais dinâmicos do Sul e do Sudeste, interessados no uso prático que poderia ser dado ao poder central, especialmente na viabilização do comércio exterior. A descentralização de ações – característica essencial de um sistema federativo – acabou confundida com uma autorização para o uso indiscriminado do Estado, em nível local, pelas elites pactuantes. A partir daí, nota-se um caráter francamente pendular nas várias reorganizações pelas quais passou o Estado brasileiro. Pobre federalismo... Acabou, na virada da década de 1920 para a de 1930, seguindo o mesmo caminho da monarquia. Incapaz de dar conta da nova dinâmica social, estabelecida pelo avanço da indústria e da urbanização, foi acusado, a partir do movimento tenentista, de ser responsável pelo “atraso”, pela estagnação política e econômica”.

Pronunciamento do Senador Pedro Simon realizado em 20/12/2004 da tribuna do Senado Federal e disposto no ‘Portal de Atividade Legislativa do Senado Federal’, disponível para consulta em: (www.senado.gov.br/atividade/Pronunciamento/detTexto.asp?t=351081).

67 BONAVIDES, Paulo. A Constituição Aberta. 2ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1996, p. 390.

68 HAURIOU, André. Op. cit., p 143.

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referido Decreto considerado uma Constituição, como pretendia o Governo

Provisório. 69

1.4. O pacto federativo brasileiro

O Federalismo não interessava ao Império, por estar associado à

descentralização política e à ideologia republicana. A Monarquia - como estratégia

para se sustentar no poder, diante de manifestações favoráveis à República –

passou a fazer concessões às Províncias, dando-lhes alguma autonomia através do

Ato Adicional de 1834.

Com a queda da Monarquia brasileira, implantou-se a República e a

Federação pelo Decreto nº 1/1889 exarado pelo Governo Provisório, não respaldado

pelo voto popular, portanto sem qualquer representatividade para realização de um

acordo federativo. É fato que a Federação ali criada se estabeleceu num interstício

entre a Constituição (1824) que acabara de cair e outra Constituição (1891) que

estava prestes a nascer. Portanto, como já destacado tem-se que a Federação de

1889 não foi constituída legitimamente, mas sim decretada.70

Convém ainda lembrar que do ponto de vista político-jurídico o Estado é fruto

da própria Constituição.71 ”É que a cada manifestação do Poder Originário inaugura-

se um novo Estado”.72 Portanto, é possível asseverar que os termos do Estado

emanam da Constituição, ponto inaugural do Ordenamento Jurídico.73

“Qualquer que seja, porém, o processo histórico pelo qual se originou um

Estado federal, os seus poderes emanam de uma constituição que,

69

“Quando, porém, os Estados soberanos, que se ligam, querem dar-se uma cohesâo e homogeneidade, renunciando em favor do poder federal a maior ou melhor parte das suas prerogativas, a união, ora instituída, é uma federação ou Estado-federal. Este presuppõe, não, um simples pacto, mas uma constituição federal, com um governo, dotado de todos os poderes, legislativo, executivo e judiciário, cuja acção estende-se, em maior ou menor escala, sobre Os próprios negócios e interesses de cada um dos Estados federados.” CAVALCANTI, Amaro. Op. Cit., p.14.

70 ROSA, Alicides. Manual de direito constitucional, p.30. apud TAVARES, André Ramos. Curso de

direito constitucional / André Ramos Tavares. – 9. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2011, p.71.

71 “A partir dessa advertência é possível falar que o Estado Brasileiro, oriundo da manifestação

constituinte originária de 5 de outubro de 1988, instituiu uma nova ordem jurídica, diversa das anteriores. O novel ordenamento não é o de 1969, nem o de 1946, nem o de 1937, 1934, 1891 ou de 1824. Do ponto de vista histórico e geográfico, pode ser o mesmo; porém da ótica exclusivamente jurídico-formal, não. A cada manifestação constituinte, emissora de atos constitucionais, inaugura-se um novo Estado.” Raymond Carré de malberg. Teoria general Del Estado, p.76, apud BULOS, Uadi Lammêgo. Op. Cit., p. 101

72 Ibdem, p. 384.

73 MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira. Op. Cit., p. 74

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promulgada em nome do Estado federal, constitui a lei fundamental da nova

organização política. A distribuição das competências em tal forma de

Estado é sempre feita na própria Carta federal.” 74

Ora, se a Proclamação da República de fato encerrou o período monárquico,

também destruiu seu maior pilar que foi a Constituição de 1824. Os Estados-

membros surgiram no Governo Provisório, por força do Decreto nº 1 de 1889.

Diante disto, no período que vai de 1889 a 1891, sequer poderíamos cogitar a

existência de um Estado, sob o ponto de vista constitucional. Noutros termos, a

República e a Federação adotadas provisoriamente em 1889, apenas foram

constitucionalizadas a partir da Carta de 1891.

Com efeito, entre nós, a Federação em 1889 surgiu pela imposição e não pelo

consenso. Nestes termos, realmente não faz sentido no Brasil falar-se em acordo

federativo em conformidade com o modelo norte-americano.

A decisão de criar a Federação e a Constituição 1891 coube aos

revolucionários e não aos Estados-Membros. O modelo federativo definitivo

pretendido pelo Governo Provisório - diante de impossibilidade de manutenção do

Estado unitário - seria centralizador com predomínio do Executivo sobre os demais

poderes e deveria exercer controle sobre a autonomia estadual. Esta tendência não

prevaleceu durante os trabalhos da Constituinte, em virtude de forte pressão feita

por forças regionais.

Entre a Federação decretada na fase de transição e aquela oriunda do Estado

Democrático de Direito iniciado na 1ª República, preferimos destacar esta última

como ponto de análise para compreensão da gênese do pacto federativo brasileiro,

e fazemos isso com estribo nos ensinamentos de Hauriou75 para quem o pacto

federativo deve ter necessariamente lastro constitucional.76

Em verdade, a Federação decretada pelo Governo Provisório, e o Estado

federal, oriundo da Constituição de 1981, não surgiram pela deliberação de

Províncias ou Estados.

74

Idem.

75 HAURIOU, André. Op. Cit., p 143.

76 ARAÚJO, Luiz Alberto David. Característicos Comuns do Federalismo. Por uma Nova Federação,

Coordenador Celso Bastos. São Paulo: RT, 1995, p.45.

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Entendemos que o vínculo que legitimamente fez nascer a Federação

brasileira se originou da Assembleia Nacional Constituinte, eleita pelo voto popular,

criadora de uma Constituição democrática. Entretanto, mesmo pontuando este

momento histórico, não é possível identificar nele uma manifestação pactual direta

entre os Estados.

Os Estados-membros, surgidos a partir do Decreto nº 1 de 1889, estavam sob

o domínio de um regime antidemocrático, ao qual se atribuía a tomada de decisões

políticas, sem qualquer compromisso com a oitiva dos interesses regionais.

Destarte, o Brasil não gestou sua Federação a partir da concepção de pacto

federativo - considerado enquanto um acordo entre órgãos ou entes, com vistas a

superar um regime político em curso a fim de instaurar uma nova ordem política -

como aconteceu nos Estados Unidos.

A nossa Federação nasceu a partir da diluição de um conjunto de forças

(Monarquia, Parlamentarismo, Unitarismo) presentes na Constituição de 1824. Neste

contexto, as Províncias se transformaram em Estados-membros, não por vontade

própria, mas em virtude de injunções políticas manifestas pela atuação do Poder

Originário.77

Cármen Lúcia Antunes Rocha78 reconhece que a Federação norte-americana

serviu de parâmetro ao Federalismo adotado no Brasil. Todavia, se opõe à ideia de

77

Nesta etapa da História brasileira foi marcante a influência das forças militares e da elite econômica paulista com vistas à construção de um pacto que fizesse nascer a Federação no Brasil.

78 Em palestra proferida pela Ministra do STF Cármem Rocha em 14/03/2011 na Escola Superior da

Magistratura do Rio Grande do Sul, colhe-se o seguinte: “Brasil precisa aprofundar debate sobre Pacto Federativo: A discussão sobre que tipo de Federação o Brasil quer ser é urgente e necessária. Um movimento para aprofundar este debate deve partir do Rio Grande do Sul e ganhar o País. As afirmações são da ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, do Supremo Tribunal Federal (STF). “Nenhum lugar será melhor para que tenhamos êxito nessa jornada”, ressaltou. A convite da AJURIS, a magistrada esteve em Porto Alegre e falou sobre Democracia e Pacto Federativo no auditório da Escola Superior da Magistratura (ESM), nesta segunda-feira (14/03). O presidente da Associação, João Ricardo dos Santos Costa, lembrou a participação da ministra em campanhas pelos direitos sociais no Estado. Salientou que o assunto da palestra também será tema do IX Congresso Estadual de Magistrados, que ocorrerá no mês de setembro, em Gramado. Cármen Lúcia abriu a explanação destacando o histórico de contribuições que o Rio Grande do Sul tem prestado ao Direito, fazendo o País avançar positivamente. Também comentou que as lutas pelos valores federativos no Brasil tiveram início em território gaúcho. “Mesmo assim, a sociedade brasileira discutiu muito pouco sobre Federação. Há apenas um discurso vazio e retórico sobre República, mas não se fala em Federação.” Na visão dela, a centralização do poder está no centro dos embates políticos há um longo tempo. “Aqui no Rio Grande do Sul, desde o fim do Império e o início da República”. A ministra explicou que o modelo federativo brasileiro foi criado a partir de uma cópia da Constituição dos Estados Unidos. “No entanto, por lá, a soberania dos estados veio antes. Aqui, tentaram fazer a mesma coisa, até mesmo colocando o nome de Estados Unidos do Brasil. Mas o modelo que existia era bem diferente.” “Isso colocou o País numa camisa-de-força”, argumenta a magistrada. “Nunca paramos para discutir que tipo de Federação queremos ser. Éramos um Estado unitário e não houve nenhum pacto

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que a Federação brasileira tenha se originado a partir de um pacto federativo

celebrado entre entidades soberanas, como ocorreu nos Estados Unidos.

Para Ferreira Filho79 o termo pacto federativo talvez não fosse o mais

apropriado para designar o início da experiência federativa no Brasil, em virtude de

não ter surgido a partir de consenso e sim no contexto revolucionário que se

desenrolou a partir de 1889, por imposição e não mediante um acordo consensual

entre as forças políticas nacionais.

“O Brasil, portanto, era uma federação que não derivava de nenhum pacto entre Estados independentes como se deu em outras importantes uniões, a exemplo da estadunidense, da argentina, da suíça e mesmo da alemã, mas diretamente da vontade soberana da nação (CAVALCANTI, 1983, p. 119). A formação da Federação nacional, havia se dado dentro de padrões e circunstâncias históricas completamente distintas daquelas federações. As províncias brasileiras nunca detiveram soberania, direito irredutível ou qualquer prerrogativa ou poder, além do indispensável ao exercício de autonomia administrativa e financeira, de modo que, diversamente dos EE.UU, não se originou de uma Confederação anterior. Amaro Cavalcanti suspeitava que a experiência brasileira, dada a suas peculiaridades, era de fato única.”

80

Portanto, na criação do Estado federal de 1891, a vontade popular fez-se

representar pelos constituintes e não pela decisão pactual dos Estados-membros.

1.5. Estado federal e Constituição democrática

No Brasil foram democráticas as Constituições de 1891, 1934, 1946 e a atual

Constituição de 1988.

No que diz respeito às hipóteses de intervenção federal contidas nas três

primeiras Constituições republicanas, importa ressaltar que a Constituição de 1891,

federativo em nossa história. Hoje, temos que pular etapas até chegarmos a uma Federação colaborativa”. Para a ministra, a ausência de autonomia financeira nos estados e municípios é um dos impeditivos para o Brasil implantar, realmente, uma Federação. “É por isso que a tão sonhada reforma tributária é tão difícil de ser realizada. Desde o governo de Juscelino Kubitschek se fala nisso, assim como na reforma política”. Apesar do longo tempo, apenas na Constituição de 1988 é que o sentido de Federação foi resgatado no texto constitucional. “Houve um reforço na forma federativa do Estado brasileiro, com destaque para a importância dos municípios”. Outro ponto abordado por Cármen Lúcia foi a chamada “morosidade” do Poder Judiciário. “Tem que ter uma explicação objetiva para isso. A quem interessa, é a pergunta que me faço. Se não houver nenhum interesse, nada na vida se mantém”. Segundo a ministra, a parte que está perdendo tenta sempre fazer de tudo para impedir que o processo chegue ao fim. Para que isso se encerre, ela sugere o fortalecimento das decisões dos Tribunais de Justiça (TJs). “Muitas coisas deveriam ser resolvidas no plano estadual, sem a necessidade de federalização”, concluiu. (...)” Fonte: Jornal da AJURIS, Ano XV, nº 272, jan/fev/mar de 2011, p.05.

79 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 27. ed., São Paulo:

Saraiva, 2001, p. 44.

80 GOMES, Lucivanda Serpa, MONTEIRO, Patrícia Moura. Op. Cit., p. 1149.

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em seu artigo 6º, elencou a possibilidade de a União intervir nos Estados para

manter a forma republicana federativa.81 A Constituição de 1934, em seu artigo 12,

de igual modo dispunha sobre a intervenção federal com vistas a manter a

integridade nacional.82

O modelo federativo adotado na Constituição de 1891 conferiu aos entes

periféricos autonomia ampla83; a ponto de alguns Estados-membros proclamarem

em suas Constituições uma declaração de soberania, incompatível com a

indissolubilidade federativa. Naquela ocasião prevaleceu o entendimento pelo qual a

Carta Estadual poderia ser um espaço de complementação da Lei Maior sem a

necessidade de reprodução integral de seus dispositivos pelo Poder Decorrente.

Assim foi que a ideia de levar adiante uma reforma da Constituição de 1891

perdurou durante boa parte da Primeira República (1889-1930). Defendeu-se,

naquela ocasião, a ampliação dos poderes da União para o fortalecimento do

sistema presidencialista a fim de fazer frente às pressões patrocinadas pelos

Estados.

A construção da Constituição Estadual obviamente não poderia afrontar

dispositivos fundamentais contidos na Constituição de 1891. Todavia, alguns

Estados exorbitaram no exercício de suas competências “no organizarem seus

governos apartando-se em alguma cousa do modelo federal".84

Neste sentido é que alguns Estados - com base no art. 65, § 2º da

Constituição de 1891 – autodenominaram-se soberanos, em flagrante desalinho com

a essência federativa. “Tal texto bastou para que alguns Estados se declarassem

81

“Art. 6º - O Governo federal não poderá intervir em negócios peculiares aos Estados, salvo:

1 º) para repelir invasão estrangeira, ou de um Estado em outro;

2 º) para manter a forma republicana federativa;” (...) 82

“Art. 12 - A União não intervirá em negócios peculiares aos Estados, salvo: I - para manter a integridade nacional;” (...)

83 “Quanto aos Estados federados, conservaram, elles, sem duvida, a mais completa autonomia, nas

matérias de legislação, administração e justiça local; mas, em todo o caso, dependentes do poder central, segundo os princípios da nova organização feita.” CAVALCANTI, Amaro. Op.cit., p.24.

84 BARBALHO, João. Constituição Federal Brasileira (1891). Ed. fac-similar. Brasília: Senado Federal:

Conselho Editorial, 2002. p. 267.

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soberanos (Bahia, Goiás, Mato Grosso e Piauí), outros autônomos e soberanos

(Paraná) e, ainda, independente e soberano (Rio de Janeiro).” 85

A ampla autonomia conferida aos Estados pela Constituição de 1891

favoreceu o surgimento de oligarquias que restringiam a influência da União sobre

as questões regionais e populações locais.

Essa liberalidade concedida aos Estados, pela Lei Maior de 1891, foi contida

pela Reforma Constitucional de 1926 através da centralização de competências no

âmbito da União, com o aumento das hipóteses de atuação do Governo federal em

negócios peculiares aos Estados-membros, com possibilidade de se executar

sentenças federais através de intervenção federal, numa clara demonstração de

insatisfação do ente central frente à crescente tendência dos Estados em transpor os

limites de sua autonomia.

A centralização imposta pela Reforma de 1926 influenciou as Cartas Federais

seguintes, inclusive a atual Constituição de 1988. Aliás, este modelo centralizador foi

indistintamente adotado por Constituições autoritárias e democráticas.

Supõe-se que no Estado Democrático de Direito deveria haver maior

flexibilidade na distribuição das competências legislativas em favor da repartição do

poder político entre os entes federativos a fim de desestimular o arbítrio que a

própria essência democrática visa combater.

Na Constituição de 1891 as competências eram privativas e exclusivas, sendo

que apenas na Carta de 1934 a competência concorrente foi adotada com

inspiração na Constituição de Weimar. Nesta ocasião, a redemocratização do País

se deveu, sobretudo, à luta do Estado de São Paulo no âmbito da Revolução

Constitucionalista de 1932 em contraponto à Revolução de 1930, diante da demora

do Governo Provisório na convocação da Assembleia Constituinte.

A Carta Magna de 1934 desfavoreceu a autonomia estadual em virtude do

considerável aumento das competências legislativas da União, tendo conferido aos

85

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 24ª Ed. São Paulo: Editora Atlas, 2009, p. 15.

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Estados poderes remanescentes. O Senado Federal foi transformado em órgão de

colaboração à Câmara dos Deputados em desfavor do sistema bicameral rígido.86

Mais adiante voltaremos a abordar outros aspectos da Constituição Federal

de 1934 desfavoráveis à autonomia estadual.

O final da 2ª Guerra Mundial tornou insustentável a presença do Presidente

Getúlio Vargas no poder, bem como a continuidade da Carta de 1937. Deste modo,

abriu-se o caminho para assunção da Constituição 1946, fundamento de uma

Democracia que durou até a eclosão do golpe militar de 1964.

A Constituição democrática de 1946 obviamente preservou explicitamente a

República e a Federação logo em suas primeiras linhas, como fizeram até ali

praticamente todas as outras Cartas.

Aliás, quanto ao processo de reforma constitucional a Federação apresentou-

se como dispositivo pétreo,87 em face dos fatos, desencadeadores de crises, e por

aqueles decorrentes do término da Segunda Guerra Mundial. Na hipótese de

intervenção federal o termo “União” foi substituído na Carta de 1946 por “governo

federal” como órgão responsável pela condução do processo interventivo.

Numa sequência histórica tem-se que a Constituição democrática posterior à

Carta de 1946 foi a Lei Maior de 1988.

Superado o período de arbítrio desencadeado pela Ditadura Militar de 1964,

restabeleceu-se a ordem democrática. Já no bojo da Constituição de 1988 cumpre

observar que o Estado-membro foi "mutilado em suas atribuições, sem atenção ao

regime de poderes separados que é da essência das instituições democrático-

republicanas” 88

Alexandre de Moraes89 observa que no Brasil a centralização de

competências na esfera federal foi influenciada também pelo modelo de Federalismo

86 ARAÚJO, Luiz Alberto David, NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. – 9ª

ed. - São Paulo: Saraiva, 2005, p. 93.

87 Art. 217 - A Constituição poderá ser emendada.

(...) § 5 º - Não se reformará a Constituição na vigência do estado de sítio. § 6 º - Não serão admitidos como objeto de deliberação projetos tendentes a abolir a Federação ou a República.

88 NUNES, José de Castro. As constituições estaduaes no Brasil. Rio de Janeiro: Edit. Leite Ribeiro,

1922, t. 1, p. 68.

89 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. Op.cit., p. 15.

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empregado nos Estados Unidos a partir da grave crise econômica de 1929. Não

obstante à manutenção das características federalistas elementares, as

Constituições brasileiras republicanas têm operado uma “gradual redução nas

competências legislativas dos Estados-membros.” 90

Com efeito, a excessiva centralização de competências no âmbito da União

destoa da essência federativa e avilta a natureza democrática da Carta de 1988, por

subtrair dos Estados-membros o poder decisório em assuntos que também lhes

dizem respeito. O paradoxo se estabelece, sobretudo, pelo fato da Constituição

Cidadã não compactuar com os anseios da Revolução de 1964, expressos na

Constituição de 1967.

No próximo capítulo faremos uma abordagem sobre as Constituições que

lastrearam os regimes de exceção no Brasil.

90

Idem.

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36

CAPÍTULO 2

O ATO ADICIONAL DE 1834 E A REFORMA CONSTITUCIONAL DE 1926

2.1. O Ato Adicional de 1834: uma resposta aos federalistas; 2.2. Unitarismo

“descentralizado” e Federação centralizada; 2.3. A efetivação do Federalismo

proposto pela Carta de 1891; 2.4. A Constituição de 1891 e alguns institutos

jurídicos peculiares; 2.5. A Reforma de 1926 e a revisão do pacto federativo.

2.1. O Ato Adicional de 1834: uma resposta aos federalistas

Na colonização do Brasil a divisão territorial em Capitanias hereditárias

significou uma forma de desconcentração instituída pela Metrópole. Após a

independência, o Estado unitário se encarregou de dar continuidade a este modelo

como forma de garantia da unidade territorial e resolução de tensões advindas da

prática escravagista.

Superada esta fase, abriu-se caminho para a implantação da Federação,

parecia mesmo que outra não poderia ser a forma de Estado a nos reger, em virtude

principalmente das características geográficas que inviabilizavam o êxito de um

regime unitarista.

Ainda durante o Império cogitou-se em implantar um modelo monárquico

federativo aparentemente plasmado pela criação do Ato Adicional de 12 de agosto

de 1834. “Dessa forma, o Ato Adicional seria o caminho para o sucesso da unidade

do território luso-americano, combinando monarquia com elementos federativos.” 91

Entretanto, a assunção da Lei de Interpretação do Ato Adicional92 recobrou o

ânimo centralizador, principalmente no que tange ao controle do aparato judiciário93,

por retirar das Províncias boa parte do poder que lhes fora concedido em 1834.94

91

DOLHNOKOFF, Miriam. Op. Cit., p. 65.

92 Cf. Lei nº 105 de 12 de maio de 1840.

93 DOLHNOKOFF, Miriam. Op.cit., p.129.

94 RUSSOMANO, Rosah. O princípio do federalismo na constituição brasileira. São Paulo: Livraria

Freitas Bastos S. A, 1965, p.39, 41.

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Pois bem, na fase que antecedeu à criação da Carta de 1824 a hipótese de

adoção do Federalismo95 foi examinada como algo plausível, mas logo foi

descartada.96 Neste sentido, Ivo Coser97 afirma que as ideias federalistas que se

difundiram durante o Império não prevaleceram “na tentativa de transformar o

Império brasileiro em monarquia federativa”.

A dissolução da Assembleia Constituinte pelo Imperador ocorreu ante a

ameaça de ter seus poderes limitados. Diante disto coube ao Conselho de Estado a

missão de elaboração da primeira Constituição brasileira.

Aliás, no próprio texto da Constituição de 1824 havia disposição expressa no

sentido de que o País era fruto da associação política do povo brasileiro, sem a

interferência de qualquer força que lhe pudesse tolher a independência, numa clara

manifestação de incompatibilidade ideológica entre o Federalismo e o governo

monárquico.

Deste modo, no artigo 1º da Constituição Imperial proibia-se a adoção de

elementos federativos ou confederativos em laços com outros Países, porque isso

representaria ameaça à independência nacional.98

Em verdade o que se buscava era a proteção do Estado monárquico em face

dos ideais federalistas.

Com efeito, a Metrópole procurou evitar ao máximo a interação entre as

Capitanias porque isso poderia desfavorecer a segurança institucional. “Não havia

um Brasil com um centro comum. Era um círculo imenso, no qual os raios

convergiam para bem longe da circunferência central.” 99

95 "A questão do federalismo no sistema constitucional brasileiro – O surgimento da ideia federalista

no Império – O modelo federal e a pluralidade de ordens jurídicas (ordem jurídica total e ordens jurídicas parciais) – A repartição constitucional de competências: poderes enumerados (explícitos ou implícitos) e poderes residuais." (ADI 2.995, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 13-12-2006, Plenário, DJ de 28-9-2007.) No mesmo sentido: ADI 3.189, ADI 3.293 e ADI 3.148, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 13-12-2006, Plenário, DJ de 28-9-2007.

96 TAVARES, André Ramos. Op. cit., p.1110.

97 COSER, Ivo. Federal/Federalismo. In: FERES JR. João (org.). Léxico da história dos conceitos

políticos do Brasil. Belo Horizonte: UFMG, 2009, p.110.

98 “Art. 1. O IMPERIO do Brazil é a associação Politica de todos os Cidadãos Brazileiros. Elles

formam uma Nação livre, e independente, que não admitte com qualquer outra laço algum de união, ou federação, que se opponha á sua Independencia.”

99 PRADO, J. F de Almeida. D João VI e o início da classe dirigente no Brasil (1815-1889). São Paulo:

Nacional, 1968, p.134 apud Laurentino Gomes, op. Cit., 2007.

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A lógica unitarista foi alterada pelo Ato Adicional de 1834100 através do qual

se operou relativa autonomia em favor das Províncias que passaram a ter permissão

para criar suas próprias Assembleias Legislativas com atribuições para legislar, criar

tributos e distribuir rendas.101

Durante o Império forças internas exigiram a desconcentração do poder, e

isso se deu com a edição do aludido Ato Adicional, posteriormente alterado pela Lei

de Interpretação pela qual se reestabeleceu boa parte da concentração que vigorava

antes de 1834.

2.2. Unitarismo “descentralizado” e Federação centralizada

Constata-se assim a tendência histórica do Estado brasileiro ao centralismo

político, independentemente da forma de Estado adotada, com base na flagrante

contradição marcada pela adoção em 1834 do Ato Adicional – medida

descentralizadora frustrada em pleno Unitarismo - e, posteriormente já na República,

pelo surgimento da Reforma Constitucional de 1926, instrumento de centralização

política como contraponto à descentralização disposta na Constituição de 1891.

O Ato Adicional, mesmo sob o Estado unitário, promoveu momentaneamente

desconcentração e fortalecimento político das Províncias. Enquanto que a Reforma

de 1926, sob o manto federalista, patrocinou a centralização e o enfraquecimento da

autonomia dos Estados-membros.

Em suas considerações Sahid Maluf102 afirma ter sido o centralismo unitarista

uma das causas que levaram à abdicação de Dom Pedro I:

“O Brasil-Império era um Estado juridicamente unitário, mas na realidade

era dividido em províncias. O ideal da descentralização política, no Brasil,

vem desde os primórdios da nossa existência, desde os tempos coloniais.

Os primeiros sistemas administrativos adotados por Portugal, as

governadorias gerais, as feitorias, as capitanias, traçaram os rumos pelos

quais a nação brasileira caminharia fatalmente para a forma federativa. A

enormidade do território, as variações climáticas, a diferenciação dos grupos

étnicos, toda uma série imensa de fatores naturais ou sociológicos tornaram

a descentralização política um imperativo indeclinável da realidade social,

geográfica e histórica. E quando o centralismo artificial do primeiro império

procurou violentar essa realidade, a nação forçou a abdicação de D. Pedro

100

Cf. Lei nº 16 de 12 de agosto de 1834.

101 DOLHNOKOFF, Miriam. Op.cit. p. 65.

102 MALUF, Sahid. Teoria geral do estado. 30ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 188.

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I, impondo a reforma da Carta Imperial de 1824, o que se realizou pelo Ato

Adicional de 1834, concessivo da autonomia provincial.”

Assim, o Brasil por suas características geográficas parecia estar

naturalmente destinado à Federação. Todavia, o regime monárquico, estabelecido

após a independência nacional, não consentiu associar-se ao modelo federativo

porque isso dificultaria o exercício do poder político.

Além do que no Brasil a necessidade de coesão nacional levou Dom Pedro I a

rechaçar o Federalismo em prol do Unitarismo, regime adotado durante quase todo o

Século XIX. Aliás, o centro do poder político do País, antes mesmo da

independência nacional, já tinha migrado do Nordeste para o Sudeste em virtude da

atuação de forças econômicas.

Assim, apesar da descentralização federativa mostrar-se mais adequada à

realidade brasileira, em termos políticos, o País quase sempre se pautou em bases

centralizadoras, tanto na Monarquia quanto na República.

A centralização presente no Império foi constantemente combatida por

manifestações de oposição ao Regime, isso produziu instabilidade política e

insurreições pontuais. Vale lembrar ainda que a descentralização prevista na

Constituição de 1891 foi igualmente combatida, desta feita, pelo governo federal.

Sobre o papel do Ato Adicional de 1834 para o fortalecimento das Províncias,

assim esclarece Miriam Dolhnikoff: 103

“(...) o Ato Adicional resultou em profunda transformação institucional, na

medida em que promoveu a divisão constitucional das competências

legislativa, tributária e coercitiva entre centro e províncias, de modo que

estas últimas gozavam de efetiva autonomia em itens importantes do

funcionamento do Estado, como a cobrança de tributos, investimento em

obras públicas, criação e manutenção de uma força policial, o controle sobre

todos os empregos provinciais e municipais, a instrução pública, etc.”

O Estado unitário brasileiro provocou intensa insatisfação nas Províncias, a

ponto de gerar uma reestruturação política no âmbito do Império. A reforma retirou

poderes do governo central para satisfação de interesses locais. Ocorre que,

fortalecidas, as Províncias passaram a almejar a queda da Monarquia, razão pela

qual o Império tratou de criar uma norma para rapidamente restabelecer a

centralização.

103

DOLHNOKOFF, Miriam. Op.cit., p. 286.

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Algo parecido ocorreu nos primeiros anos de implantação da forma federativa

no Brasil. A ampla autonomia experimentada pelos Estados, no início da Primeira

República, também teve efeito contrário àquele pretendido. Os abusos, cometidos

pelos Estados-membros no exercício inadequado dos poderes que lhes foram

concedidos, fizeram surgir uma emenda constitucional pela qual se transferiu

poderes estaduais à União.

Com efeito, o texto constitucional de 1891 era mesmo favorável ao

estadualismo, a ponto de se permitir que os Estados-membros em conjunto com a

União pudessem exercer a competência residual na criação de novos impostos.104

Além do que, ainda na seara tributária, na Constituição de 1891 os tributos sobre a

exportação de mercadorias produzidas nos Estados, sobre imóveis rurais e sobre

indústrias e profissões encontravam-se sob a competência estadual.105

Noutros termos, na Constituição de 1891 o Poder Originário prestigiou a

autonomia estadual, para logo depois o Poder Derivado mitigá-la. Assim é que partir

da Reforma de 1926 a República deu início a sua fase de restrição às competências

estaduais, o que fez ressurgir uma prática que se pensava superada com a queda

da Monarquia.

Mesmo com o advento da Federação o Brasil não se adaptou a um regime de

descentralização política ampla porque isso nunca fez parte, de modo duradouro e

efetivo, de nossa tradição política monárquica ou republicana.

2.3. A efetivação do Federalismo proposto pela Carta de 1891

É fato que na primeira República, o Brasil não soube lidar com um sistema

federativo que concedia autonomia ampla aos Estados-membros. Tal experiência

pôs em risco a própria união. Com efeito, aquele não era mesmo o momento mais

adequado à concessão de tamanha força aos Estados, em virtude de seu

despreparo para o exercício de suas competências e para o estabelecimento de

relações harmônicas com o poder central.

No governo do presidente Manuel Ferraz de Campos Sales (1898-1902) a

política dos governadores representou uma forma de resolução para os constantes

104

“Art. 12 - Além das fontes de receita discriminadas nos arts. 7º e 9º, é licito à União como aos Estados, cumulativamente ou não, criar outras quaisquer, não contravindo, o disposto nos arts. 7º, 9º e 11, nº 1.”

105 Atualmente no art. 154, I da CF/88 tem-se que a competência para criação de novos impostos

pertence apenas à União, e o Imposto que incide sobre a propriedade territorial rural é federal com base no art. 153, VI da Lei Maior.

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problemas advindos da ampla autonomia estadual que caracterizava a forma

federativa recentemente inaugurada pela Constituição de 1891.

“A oposição entre diferentes áreas geográficas ganhava muita

importância, dividindo a classe dominante e criando conflitos

determinados por interesses regionais divergentes. Esses conflitos

refletiam-se no plano institucional, acentuando as contradições entre o

Legislativo e o Executivo e entre o poder federal e estadual. Campos

Sales procurou enfrentar o problema, pois não pretendia governar com

um Congresso que lhe fosse hostil ou com insubordinações nos

governos estaduais. A fórmula para solucionar essas contradições foi

obtida através da política dos governadores, baseada numa troca de

favores entre o presidente e os governadores estaduais, o que permitia a

estabilização do governo federal.” 106

Naquele momento de crise federativa coube à União catalisar essas forças

periféricas para que atuassem em consonância com a vontade política do ente

central. Essa estratégia possibilitou a formação de uma base de sustentação política

erigida a partir de troca de favores entre oligarcas, governadores e o governo

federal.

Assim, firmou-se um acordo em prol da governabilidade. Esta atuação

permitiu a Campos Sales fazer seu sucessor, Francisco de Paula Rodrigues Alves

(1902-1906).

A propósito, a política dos governadores surgiu para produzir estabilidade no

plano federativo. Entretanto, privilegiou os interesses de São Paulo e Minas Gerais,

Estados que se alternavam na Presidência da República, apenas retardando o efeito

de insatisfação federativa, manifesto pela dissidência dos oligarcas do Sul e do

Nordeste.

No governo de Artur Bernardes (1922-1926) estabeleceu-se forte embate

entre os interesses do governo central e aqueles ostentados pelas oligarquias

estaduais, alijadas da parceria estabelecida entre mineiros e paulistas, sobretudo no

que se refere à indicação dos candidatos à presidência da República.

O governo do Presidente Bernardes - imerso em crises regionais – ansiava

pela realização de uma reforma no Ordenamento Jurídico pátrio, o que incluiria

também emendar a própria Constituição de 1891 não mais condizente com os

106

COSTA, Luís César Amad. História do Brasil. São Paulo:Scipione, 1999, p.270.

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desafios domésticos e externos advindos a partir da prática republicana, de acordo

com o ponto de vista do governo federal.

Washington Luís (1926-1930) assumiu a Presidência da República com o

propósito de acalmar os ânimos políticos. Entretanto a situação econômica

decorrente da crise internacional de 1929 agravou o caótico cenário político

nacional, fazendo ruir a “política dos governadores” e a própria República Velha,

encerrada em 1930 com o advento da Era Vargas.107

Nesta perspectiva, tem-se que a força da autonomia concedida pela

Constituição de 1891 aos Estados-membros gerou - em decorrência da efetiva

separação dos poderes e da Democracia ali criadas - uma situação de constante

divergência entre o Legislativo e o Executivo, sem que o governo pudesse se utilizar

dos mesmos instrumentos que a Monarquia dispunha para anular a oposição e

dominar a atuação dos demais poderes.

É certo que nesta Carta os Estados exerceram competências legislativas com

base num modelo de descentralização política que nunca mais se repetiu. A

experiência federativa vivenciada no período compreendido entre 1891 a 1926

precisa ser cuidadosamente examinada na atualidade pelos idealizadores da

reforma do Estado federal brasileiro, com vistas a equilibrar o exercício de

competências, a repartição de receitas tributárias e eliminar as causas da

dependência econômica dos Estados-membros que tanto fragilizam sua autonomia.

É fundamental que tal experiência sirva de parâmetro para a construção de

um novo modelo federativo no Séc. XXI, sobretudo no que tange a não repetição

dos mesmos erros que inviabilizaram a Federação proposta pela primeira

Constituição republicana.

2.4. A Constituição de 1891 e alguns institutos jurídicos peculiares

A Carta Magna de 1891 trouxe alguns institutos jurídicos singulares, atinentes

às relações entre os Estados-membros, não mais reproduzidos a partir de então nas

Constituições seguintes.

107

“Após a primeira Guerra Mundial, as oligarquias brasileiras já não conseguiam manter o controle político da nação. A república, que segundo a Constituição de 1891 deveria ser democrática, representativa e federativa, na prática havia-se transformado ao longo de quase três décadas em uma imensa propriedade administrada em conformidade com os interesses político-econômicos das oligarquias rurais. O sistema político da república era totalmente manipulado por elites regionais, que controlavam eleições, partidos e juízes, utilizando a violência e a corrupção.” Ibdem, p.285.

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Merece menção a autorização constitucional concedida aos Estados108 para

celebração de tratados entre si, como se depreende da leitura do artigo 48.109 Esta

proposição nos remete a uma possível aplicação moderada, no âmbito da

Constituição de 1891, da chamada ‘teoria da dupla soberania’, já mencionada

quando cuidamos da natureza jurídica da Federação. Tal teoria, difundida no Século

XIX na Europa e Estados Unidos, atribuía o exercício da soberania à união

federativa, bem como aos próprios entes federados (União e Estados-membros).

Deste modo, haveria como que um compartilhamento da soberania estatal, em vez

de ser ela um atributo exclusivo da Federação.

Evidentemente que tais espécies de tratados, na verdade acordos estaduais,

mencionados pela Constituição de 1891 não tinham a mesma natureza daqueles

outros celebrados pelos Países no plano internacional. Assim, tais convenções

pactuadas pelos Estados-membros possuíam natureza doméstica (nacional), mais

especificamente interestadual e se apresentavam como manifestação do prestígio

auferido à autonomia estadual no início da Velha República.

Importa destacar também que naquela ocasião os tratados estaduais eram

aprovados privativamente pelo Presidente da República e submetidos, quando fosse

o caso, ao Congresso Nacional de acordo com o artigo 48, 16.º da Carta de 1891,

sendo que competia privativamente ao Poder Legislativo federal - conforme o artigo

34, 12º da citada Lei Maior - resolver de forma definitiva a respeito da celebração de

tratados internacionais, sem qualquer interferência estadual nesta matéria.

Merece ainda menção a hipótese de extradição de criminosos entre os

Estados-membros. Em verdade, a extradição e o tratado são institutos celebrados no

bojo das relações internacionais. Com efeito, ao Congresso Nacional competia

regular os casos de extradição estadual, de acordo com o artigo 34, 32º) da

Constituição de 1891, sendo defeso aos Estados-membros não extraditar os

criminosos solicitados pela Justiça de outros Estados ou do Distrito Federal, como se

extrai do disposto no artigo 66, 4º) da 1ª Constituição republicana.

108

Art. 65 - É facultado aos Estados: 1º) celebrar entre si ajustes e convenções sem caráter político (art. 48, nº. 16); 109

Art. 48 - Compete privativamente ao Presidente da República: (...) 16º) entabular negociações internacionais, celebrar ajustes, convenções e tratados, sempre ad referendum do Congresso, e aprovar os que os Estados, celebrarem na conformidade do art. 65, submetendo-os, quando cumprir, à autoridade do Congresso.

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Deste modo, não se admitia a recusa de um Estado-membro em autorizar a

extradição de um criminoso para outro Estado federado onde ele houvesse cometido

crime.110

Tal situação é indicativa de que, guardadas as devidas proporções, o Poder

Originário quis compartilhar com os Estados algumas competências pertencentes à

União, sem descuidar de impor limites à atuação estadual no exercício de tais

assuntos.

Assim é que por influência do Federalismo norte-americano alguns institutos

comuns ao Direito Internacional, que pressupõem necessariamente a independência

e soberania dos Países, sofreram na Constituição de 1891 adaptações para serem

atribuídos aos Estados-membros.

2.5. A Reforma de 1926 e a revisão do pacto federativo

Na Carta de 1891 competia à União cuidar de assuntos, tais como: dívida

pública; serviços dos correios e telégrafos federais, organização do Exército e da

Armada, terras e minas da União, organização do Distrito Federal, polícia, ensino

superior, Direito Civil, Direito Comercial, Direito Criminal da República, Direito

Processual da Justiça Federal, dentre outros temas.

A Reforma de 1926 surgiu sob o argumento de que alguns dispositivos da Lei

Maior de 1891 eram inviáveis e de difícil aplicação, além do que se afirmava naquela

ocasião que a descentralização de competências legislativas enfraquecia o poder da

União na manutenção do pacto federativo.

A citada Reforma não extinguiu a Federação, assim como o Ato Adicional de

1831 não eliminou o Unitarismo, mas frustrou as expectativas dos federalistas ao

restabelecer a combatida centralização política em formato quase semelhante

àquele praticado no período unitarista.

Havia no Brasil, do final do Século XIX, um conflito entre o que dispunha a

Constituição de 1891 e o que se depreendia dos intentos do governo central. O

Executivo não cogitava em se amoldar à Carta Magna, o que seria o mais correto,

preferindo adequá-la ao seu plano político, utilizando-se do processo reformador

para instituir no corpo da Constituição o que lhe era conveniente na ocasião.

110

Art. 66 - É defeso aos Estados: (...) 4º) denegar a extradição de criminosos, reclamados pelas Justiças de outros Estados, ou Distrito Federal, segundo as leis da União por que esta matéria se reger (art. 34, nº 32).

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Assim na Primeira República o Brasil experimentou um formato de

Federação, até certo ponto, inspirado no modelo aplicado nos Estados Unidos, com

ampla descentralização política e fortalecimento da autonomia dos entes federados.

Entretanto, a experiência foi frustrada em virtude do despreparo institucional para

lidar com as liberdades conferidas aos Estados e pela falta de habilidade do governo

central e dos entes estaduais para harmonizar as relações federativas.

Havia posições doutrinárias contrárias ao modelo de descentralização política

proposto pela Constituição de 1891, pelo qual se concedia aos Estados-membros

competência legislativa sobre diversos temas que a partir de 1926 tornaram-se de

competência privativa da União.111

Com efeito, não convinha mais regressar ao Estado unitário, a solução que se

apresentara pela emenda de 1926,112 consistia em adaptar o Federalismo à

centralização política sob a justificativa de facilitar a atuação da União em favor da

governabilidade e da segurança nacional.

111

“Felizmente deixou-se-nos, ao menos, a unidade do direito civil, criminal e commercial da Republica, a despeito do esforço com que também alguns pretenderam dilacerar-lhe o corpo, dividindo-o pelos vinte Estados federados... Entretanto, a verdade que se antolhava a todos, era, sabidamente outra: pela mesma razão, por que foi preferida a dualidade do direito civil e da magistratura em outras Federações, tal como na Norte-America, justamente por esta razão, se devia ter | conservado a unidade, tão completa quanto possivel, de taes matérias na Republica Brazileira. Com effeito, ao str constituído a Federação Norte-Americana, já tendo os Estados, separadamente, o direito de legislar sobre o direito civil e a administração da justiça no seu território,—julgou- se que seria o mais acertado, nada innovar-se sobre tão importante ramo da vida publica, — respeitados, desta sorte, o direito vigente, os hábitos e a tradicção histórica do paiz. No Brazil, pelo contrario, sendo o direito uno e a administração da justiça um serviço, inteiramente nacional, desde os tempos mais remotos, e, além disso, achando-se confiado a uma magistratura, que procurou sempre mostrar-se digna da sua nobre funcção, — preferiu-se, não obstante, tentar agora o desconhecido, abandonando-se a tradicção, aliás, consoante com os nossos conhecimentos jurídicos, — só porque se afigurara a alguns ser isto mais de molde com a dignidade ou a supposta soberania dos Estados federados !” CAVALCANTI, Amaro. Op. Cit.,p. 251.

112 “A proposta de revisão foi enviada à Câmara dos Deputados em 1925 pela chamada ‘Comissão

dos 21’. Essa comissão especial era composta pelos vinte e um representantes de cada estado do país, sendo ela responsável pela feitura e parecer de cada proposta de emenda apresentada ao Congresso. Para liderar os trabalhos, foi escolhido como relator da reforma o senador paulista Adolpho Gordo, político com experiência sobre a matéria de expulsão de estrangeiros, e que tinha conseguido aprovar a polêmica Lei de Imprensa, da qual fora propositor. Difícil tarefa a ser cumprida pelo senador, que além de se deparar com numerosas reclamações sobre a constitucionalidade das discussões da proposta de revisão da Constituição, por ocorrerem durante vigência do estado de sítio; teria recebido também várias críticas pelo fato das constantes intervenções feitas pelo presidente Arthur Bernardes na reforma, com a denúncia de que ela havia sido elaborada no Catete e não no interior das Casas legislativas. Os principais argumentos utilizados durante os debates no Congresso, ocorridos nos anos de 1925 e 1926, entre aqueles que se colocaram contrários à proposta da revisão seguiram essas críticas que pontuaram o discurso de alguns parlamentares.” RIBEIRO, Anna Clara Sampaio. “Abre-se a sessão” embates no poder legislativo para elaboração e aprovação de leis de expulsão a estrangeiros na primeira república (1889-1926), 2010, p.143.

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Aliás, foi durante o estado de sítio, medida garantidora da estabilidade

institucional decretada por Artur Bernardes, que o Congresso Nacional emendou a

Lei Maior de 1891 apesar da crítica velada de vários parlamentares.

A Carta de 1891 dispunha de mecanismos que permitiam às unidades

estaduais atuarem com desenvoltura em favor de seus interesses, o que por certo

enfraquecia a utilização daqueles instrumentos disponíveis para manutenção da

ordem em face de levantes regionais e movimentos separatistas.

Esse ambiente de instabilidade política e de ameaça à Federação fez com

que a Reforma de 1926 dispusesse de modo detalhado sobre o instituto da

intervenção federal, como solução garantidora da tranquilidade institucional e da

governabilidade, imprescindíveis aos primeiros governos da República. Em verdade,

neste ambiente de tantas dificuldades políticas, o estado de sítio foi constantemente

empregado como garantidor da ordem.

É certo que a citada Reforma de 1926 implicou em centralização de poderes

e enfraquecimento da autonomia dos Estados-membros, responsabilizados naquela

ocasião pela situação de desordem política vivenciada pelo País. 113

A respeito da conveniência de se reformar a Constituição de 1891, houve

certa resistência por parte do Legislativo, diante do reconhecimento de que se

tratava muito mais de uma manobra do Executivo do que propriamente de uma

legítima manifestação de vontade parlamentar.

É certo que ajustes precisavam ser feitos, e sobre isso havia consenso, mas

não necessariamente com a intensidade almejada pelo governo central. “Formou-se

entre nós uma mentalidade hostil à revisão constitucional, não tanto porque seja

desnecessária, mas porque se afigura a todos inoportuna. É o argumento dilatório

que fecha a porta a todas as iniciativas.” 114

Aliás, Nunes115 manifestou-se favoravelmente às alterações constitucionais

pontuais e graduais desde que não desfigurassem o modelo federalista, pelo receio

113

Almeida ao comentar a centralização política no Império, a partir da obra de José Maria de Avellar Brotero, assim averbou: Ideia análoga aplica aos “estados”, cuja existência política – para além da mera situação de corpos administrativos – poria em risco a unidade da soberania de um País. ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de.Op. Cit. P. 372.

114 NUNES, José de Castro. As constituições estaduaes no Brasil. Rio de Janeiro: Edit. Leite Ribeiro,

1922, p. 03.

115 Ibdem, p. 08.

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de que uma reforma radical, nos termos pretendidos pelo governo federal,

produzisse consequências nocivas ao País pelo risco de proliferação de intentos

separatistas em virtude da insatisfação de alguns Estados-membros diante do

cerceamento de sua autonomia.

Deste modo, é certo que a defesa contumaz dos ideais republicanos refletiu-

se sobre a elaboração da Constituição de 1891, bem como permitiu o surgimento de

um conjunto de normas criadas naquele período. O momento era, portanto,

sobremaneira otimista com relação à República e o que ela poderia proporcionar aos

brasileiros. Em verdade, tal expectativa não se confirmou nos primeiros governos

republicanos diante das dificuldades advindas da relação do governo central com os

Estados.

Com efeito, durante boa parte da Primeira República (1889-1930) o

movimento revisionista manifestou-se diante da necessidade de se executar uma

reforma constitucional substancial, com vistas a restringir a autonomia estadual –

foco de tensões entre a União e os Estados-membros - através da amplificação das

competências da União, com destaque para a atuação do Presidente da República.

Neste sentido, Rui Barbosa se ocupou da defesa da revisão, inclusive, fazendo

desta ideia uma de suas bandeiras na disputa da presidência da República.116

Neste sentido, a Reforma Constitucional de 1926 surgiu com o objetivo de

reverter o modelo de descentralização surgido em 1891. A emenda, naquela

ocasião, atendia às pretensões políticas do governo federal que passaria a se impor

mais facilmente aos Estados a partir do fortalecimento de seus poderes. 117

Destarte, todas as Constituições posteriores à primeira Carta republicana

(CF/1934, CF/1937, CF/1946, CF/1967 e CF/1988) se inclinaram muito mais ao

modelo federativo, desenhado a partir da Reforma de 1926 do que para aquele

construído a partir de valores e princípios republicanos que nortearam a Assembleia

Nacional Constituinte em 1891.

116

BARBOSA, Rui. Comentários à Constituição federal brasileira. São Paulo: Acadêmica, v. 6, 1932, p. 461-462.

117 A rigidez reforça a hegemonia constitucional, todavia as constituições escritas são essencialmente

mutáveis para que reflitam a evolução da sociedade para a qual foram destinadas. “É pura vaidade pensar que se criam obras eternas ou definitivas nas construções sociais e nas construções legais; fizeram uma lei para o tempo e nela própria estabeleceram o processo das suas possíveis modificações.” FREITAS, Herculano de. Direito constitucional. São Paulo: Câmara Municipal de São Paulo, 1923, p.65.

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CAPÍTULO 3

A AUTONOMIA DOS ESTADOS-MEMBROS NO BRASIL

3.1. Retrospectiva: autonomia do Império à Nova República, 3.1.1. A luta por

autonomia no Império e na 1ª República, 3.1.2. A Revolução de 1930 e a

autonomia estadual, 3.1.3. Autonomia estadual em tempos de exceção política;

3.2. Autonomia e endividamento estadual; 3.3. Autonomia, desenvolvimento e

integração; 3.4. Sistema de governo e autonomia estadual.

3.1. Retrospectiva: autonomia do Império à Nova República

3.1.1. A luta por autonomia no Império e na 1ª República

Para Oswaldo Bandeira de Mello118 a “autonomia se conceitua como a

faculdade que tem uma comunidade jurídica de regular os seus próprios negócios,

mediante normas jurídicas, por ela própria, editadas.” Neste contexto, ainda segundo

o citado autor, a autonomia manifesta-se pela via administrativa, política e

constitucional.

Com efeito, a autonomia decorre da repartição de competências, elencadas

na Constituição Federal, como atributo que opera em favor da descentralização

política pelo compartilhamento de poderes entre as entidades federativas.

Assim, em todas as Constituições brasileiras, com exceção da primeira, a

adoção do Estado federal trouxe consigo a concessão de autonomia às

coletividades federadas. O desprezo à autonomia de tais entes violaria a

Constituição Federal, por ser ela (autonomia) um princípio indisponível, não podendo

os Estados-membros abrirem mão dele em favor do ente central.

A Constituição de 1824 não atribuiu às Províncias a prerrogativa de se

autogovernarem, eram antes regidas a partir de Decretos imperiais, e seus

presidentes eram nomeados pelo Imperador e passíveis de destituição sumária do

118

MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira de. Op. Cit., p.46.

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cargo ao sabor da conveniência da realeza.119 A Monarquia cerceou a liberdade de

atuação política local, não sendo possível assemelhar a liberdade administrativa,

vivenciada no período de 1834 a 1840, com a autonomia estadual praticada no

Brasil a partir de 1889.

Assim como se deu com a Guerra de Secessão nos EUA, a grave crise

política vivenciada pelo Brasil no âmbito da República Velha foi motivada pela

implantação de um modelo federativo sobremodo descentralizado em que os

Estados-membros assumiam uma postura ativa, onde os freios constitucionais

disponíveis eram insuficientes para a manutenção satisfatória da ordem político-

institucional afetada por constantes insurreições.

Em verdade, as Constituições de 1824 e 1891 apresentaram diferenças

fundamentais quando comparadas respectivamente: Unitarismo x Federalismo,

Monarquia x República, Parlamentarismo x Presidencialismo, Autoritarismo x

Democracia, e isso se refletiu na forma de repartição do poder político.

As revoluções surgidas durante o Império reverberavam essa necessidade de

maior liberdade política local, demanda esta atendida em 1834 pelo Ato Adicional,

pelo qual se estabeleceu uma nova estrutura legislativa provincial bem mais

arrojada.

O Poder Legislativo provinciano, composto pelos conselhos gerais, era de

pouca valia para os interesses locais em face da submissão de seus projetos de lei à

Assembleia Geral por intermédio do presidente da Província.120

A abdicação de Dom Pedro I, tal qual a renúncia de Jânio Quadros alguns

anos depois, mergulhou o País numa forte crise política, marcada por contingências

internas (revoltas regionais e crise econômica) e externas (reação de Portugal à

perda de sua colônia). A menoridade de D Pedro II impedira-lhe de assumir

imediatamente o governo, o que acirrou ainda mais a crise política nacional. O poder

era exercido, naquela ocasião, por uma regência trina incapaz de resolver os

119

“Art. 165. Haverá em cada Provincia um Presidente, nomeado pelo Imperador, que o poderá remover, quando entender, que assim convem ao bom serviço do Estado.” 120

“Art. 84. As Resoluções dos Conselhos Geraes de Provincia serão remettidas directamente ao Poder Executivo, pelo intermedio do Presidente da Provincia. Art. 85. Se a Assembléa Geral se achar a esse tempo reunida, lhe serão immediatamente enviadas pela respectiva Secretaria de Estado, para serem propostas como Projectos de Lei, e obter a approvação da Assembléa por uma unica discussão em cada Camara.”

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problemas institucionais agravados pela ausência de um Imperador no governo do

País.121

Resistia-se ao ideal liberalista quanto ao fortalecimento do poder provincial e

à manutenção dos interesses das oligarquias regionais. A resistência a tal influência

se deu pela centralização política defendida pelos conservadores e encabeçada pela

Constituição de 1824.

Diante deste quadro, para os liberais urgia reformar a Constituição Imperial,

centralizadora e desfavorável aos interesses oligárquicos. A reforma manifestou-se

pela criação em 1934 da primeira emenda constitucional brasileira.122 A propósito, as

duas primeiras Constituições pátrias economizaram em termos de quantidade de

emendas, em total contraste com a atual realidade manifesta pela Carta de 1988.

A desconcentração promovida pelo Ato Adicional foi rapidamente restringida

pela interpretação normativa que se deu ao referido instituto, exegese manifesta a

partir da produção de uma Lei especificamente criada para tolher as liberdades

concedidas às Províncias. A incapacidade do Império em atender aos interesses

provincianos cooperou para o advento da República.123

Travou-se naquela ocasião forte embate parlamentar entre liberais e

conservadores. Estes eram defensores da centralização em nome da manutenção

da ordem institucional e como forma de preservação do próprio Estado nacional,

fortemente ameaçado por tendências libertárias e separatistas. A seu turno, os

liberais operavam em favor da defesa dos interesses locais, continuamente

reprimidos pelo forte controle exercido pelo regime monárquico.124

121

A Constituição de 1824 previa que o governo do Império seria entregue a uma regência trina na hipótese de menoridade do imperador, conforme se depreende dos artigos 121 a 123 da citada Carta: “Art. 121. O Imperador é menor até á idade de dezoito annos completos. Art. 122. Durante a sua menoridade, o Imperio será governado por uma Regencia, a qual pertencerá na Parente mais chegado do Imperador, segundo a ordem da Successão, e que seja maior de vinte e cinco annos.

Art. 123. Se o Imperador não tiver Parente algum, que reuna estas qualidades, será o Imperio governado por uma Regencia permanente, nomeada pela Assembléa Geral, composta de tres Membros, dos quaes o mais velho em idade será o Presidente.”

122 Ato Adicional de 1934.

123 IGLÉSIAS, Francisco. Política unitária do Segundo Reinado. Revista de Ciências Econômicas da

Universidade de Minas Gerais. Ano 4, nº 8, jul-dez 1955, p. 38

124 DOLHNIKOFF, Miriam. Op. Cit., p. 142.

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Os conservadores foram chamados de centralistas por seu empenho em

defesa do governo, não obstante concordarem com a necessidade de repartição do

poder administrativo, essencial para o bom funcionamento das Províncias e também

com a concessão de alguma autonomia política, desde que isso não afetasse a

coesão unitarista, imprescindível à sustentação do Estado nacional.125

Com efeito, o Ato Adicional de 1834 não surgiu necessariamente para

prestigiar o Federalismo. Em verdade, tal medida apresentou-se muito mais como

autodefesa da Monarquia frente aos avanços dos ideais republicanos. Assim, a

concessão de autonomia às Províncias funcionou como uma estratégia de

preservação do Império.126 Noutros termos, tem-se que a eliminação dos rigores,

relacionados à forma de Estado, serviram para preservação da forma de governo.

Um golpe derrubou o Império e inaugurou a República, a Federação e a

Democracia, para logo depois o País retroceder em 1926, do ponto de vista da

descentralização política, a um patamar apenas um pouco mais elevado àquele no

qual se encontrava durante o período monárquico.

O dilema federativo atual tem pelo menos um ponto em comum com a crise

do Unitarismo vivenciada no Império. Assim como no Século XIX as Províncias

lutavam para que lhes fossem concedidas competências legislativas, já agora no

Século XXI os Estados-membros buscam o mesmo. O Brasil continuou politicamente

centralizado independentemente da forma de Estado e da forma de governo

adotadas.

3.1.2. A Revolução de 1930 e a autonomia estadual

A segunda Constituição republicana surgiu na esteira da Revolução de 1930.

As pressões sofridas por Vargas, encabeçadas pelo Movimento Constitucionalista de

1932, obrigaram-no a permitir o surgimento de uma Constituição democrática em

1934, marcada por forte restrição à autonomia estadual em comparação com o que

dispunha na época de sua promulgação a Constituição de 1891.

Deste modo, em favor da defesa do Estado Democrático de Direito, Vargas se

viu forçado a convocar uma Assembleia Nacional Constituinte, legitimadora do

125

“É verdade que os próprios conservadores apresentavam-se como defensores da centralização. Mas é preciso considerar o que eles entendiam por centralização.” Idem.

126 TAVARES BASTOS, Aureliano Cândido. A Província: estudo sobre a descentralização no Brasil.

Brasília: Senado federal, 1996. (1ª Edição: 1870). p. 338.

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governo constitucionalista que viria em 1934 e que durou até o advento do Estado

Novo.127

A retórica, em favor do fortalecimento da autonomia estadual e de maior

participação decisória dos Estados no processo político nacional, sucumbiu quando

o governo revolucionário assumiu o poder. Naquela ocasião Getúlio Vargas não

sinalizou no sentido de fortalecer a autonomia dos Estados-membros, em verdade

durante o Governo Provisório (1930-1934) o contrário foi o que se deu.

Deste modo, o Governo Provisório - instalado através do Decreto nº 19.398

de 1930 – enfraqueceu a autonomia estadual. Os Estados passaram a ser

governados por interventores escolhidos pelo governo federal. Estabeleceu-se ali

forte centralização política.

O nacionalismo, em voga naquela ocasião na Alemanha e na Itália, inspirou o

regime de Vargas com vistas ao fortalecimento da identidade nacional. A unidade

política exigiria o combate aos vários focos de resistências regionais. Na prática,

durante o Governo Provisório da década de 1930, a Constituição de 1891 foi

suspensa pelo fato de ter sua aplicação preterida por atos normativos.128

A Constituição de 1934129 alargou a competência tributária dos Estados-

membros atribuindo-lhes outros tributos, para além daqueles previstos na

Constituição anterior.130

127

“Os boatos, a pressão dos tenentistas e o temor de que as eleições prometidas não se realizariam – além de problemas na indicação dos sucessivos interventores para o estado de São Paulo – acabaram levando à Revolução Constitucionalista de 1932.” VILLA, Marco Antônio. A história das constituições brasileiras. São Paulo: Leya, 2011, p. 46.

128 “A Constituição de 1891, na prática ficou suspensa, pois poderia ser restringida por simples

decretos, leis ou atos do governo ou de seus delegados (...).” Ibdem, p. 44.

129 Art. 8º - Também compete privativamente aos Estados:

I - decretar impostos sobre: (...) d) consumo de combustíveis de motor de explosão; e) vendas e consignações efetuadas por comerciantes e produtores, inclusive os industriais, ficando isenta a primeira operação do pequeno produtor, como tal definido na lei estadual; (...) Art. 10 - Compete concorrentemente à União e aos Estados: (...) VII - criar outros impostos, além dos que lhes são atribuídos privativamente. Parágrafo único - A arrecadação dos impostos a que se refere o número VII será feita pelos Estados, que entregarão, dentro do primeiro trimestre do exercício seguinte, trinta por cento à União, e vinte por cento aos Municípios de onde tenham provindo. Se o Estado faltar ao pagamento das cotas devidas à União ou aos Municípios, o lançamento e a arrecadação passarão a ser feitos pelo Governo federal, que atribuirá, nesse caso, trinta por cento ao Estado e vinte por cento aos Municípios. 130

Foram atribuídos aos Estados impostos cobrados sobre consumo de combustíveis de motor de explosão, bem como sobre vendas e consignações efetuadas por comerciantes e produtores. A

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Permitia-se ainda a atuação suplementar dos Estados em face de legislação

federal para atender às peculiaridades regionais.131

Paulo Luiz Neto Lobo,132 ainda sobre a competência estadual, destaca o

seguinte no âmbito da Constituição de 1934:

“A Constituição de 1934 inova, ampliando os poderes residuais dos

Estados-membros. No art. 5º, concede aos Estados-membros a

competência para legislação supletiva ou complementar sobre determinadas

matérias enumeradas dentre os poderes da União.”

Com efeito, naquela ocasião a conformação da autonomia estadual pautou-se

no modelo restritivo estabelecido pela Reforma Constitucional de 1926, com maior

ênfase no papel da União na preservação do pacto federativo, como garantidora da

estabilidade institucional em face de ameaças separatistas e golpes políticos que

rondavam a vida política nacional.

3.1.3. Autonomia dos Estados-membros em tempos de exceção política

A Constituição de 1937 confirmou a República,133 como forma de governo, e

manteve a Federação134 como forma de Estado. Interessante é que a referência não

foi conjunta, diferentemente do disposto nas Constituições de 1891 e 1934 nas quais

se fazia menção à existência de uma República federativa em que a palavra

norma constitucional de 1934 permitia aos Estados criar outros impostos além daqueles originariamente previstos na Constituição Federal, sendo que do montante arrecado com novos impostos os Estados deveriam entregar, dentro do primeiro trimestre do exercício seguinte, trinta por cento à União, e vinte por cento aos Municípios. Neste caso, o Estado respectivo mantinha em seu poder a metade do valor arrecadado, todavia caso o Estado não fizesse o repasse das cotas devidas à União ou aos Municípios, o lançamento e a arrecadação passariam a ser feitos pelo governo federal, que ficaria com cinquenta por cento do valor arrecadado, repassando vinte por cento aos Municípios e o restante ao respectivo Estado. 131

Tais peculiaridades se traduziam nas seguintes matérias: registros públicos, desapropriações, arbitragem comercial, juntas comerciais e respectivos processos; requisições civis e militares, radiocomunicação, emigração, imigração e caixas econômicas; riquezas do subsolo, mineração, metalurgia, águas, energia hidrelétrica, florestas, caça e pesca, diretrizes da educação nacional, normas fundamentais do direito rural, do regime penitenciário, da arbitragem comercial, da assistência social, da assistência judiciária, das estatísticas de interesse coletivo, comércio exterior e interestadual, instituições de crédito; câmbio e transferência de valores para fora do País; normas específicas sobre o trabalho, a produção e o consumo. O rol de matérias estava disposto no artigo 5º, § 3º da CF/1934.

132 NETO LOBO, Paulo Luiz. Op. Cit.,p.93.

133 “Art. 1º - O Brasil é uma República. O poder político emana do povo e é exercido em nome dele e

no interesse do seu bem-estar, da sua honra, da sua independência e da sua prosperidade.”

134 “Art. 3º - O Brasil é um Estado federal, constituído pela união indissolúvel dos Estados, do Distrito

Federal e dos Territórios. É mantida a sua atual divisão política e territorial.”

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“federativa” adjetivava o termo “República”.135 Tal dissociação foi uma característica

do teor autoritário e centralizador daquela Carta. Enfatizou-se a referência à

República e pouca importância se conferiu ao aspecto descentralizador

característico do Estado federal.

A Polaca concedeu amplos poderes ao Presidente da República que passou

a atuar como ditador sob a justificativa de proteger o Brasil contra a ameaça

comunista. As disposições para repelir invasões internas e externas e aquelas

relacionadas ao cumprimento de sentenças federais demonstravam muito mais uma

preocupação com a preservação territorial e da ordem institucional do que

propriamente com a salvaguarda da Federação.

Vale lembrar que a pena de morte estava prevista na Constituição do Estado

Novo, para além dos casos previstos na legislação militar em tempo de guerra, e um

dos motivos que poderiam levar à pena capital seria atentar - com auxilio ou subsidio

de Estado estrangeiro ou organização de caráter internacional - contra a unidade da

Nação, procurando desmembrar o território nacional.136

A Carta de 1937 não fugiu à regra de centralização demasiada imposta pelos

regimes de exceção. Apesar disso, pelo menos teoricamente - em seus artigos 17 e

18 - dispunha sobre as situações em que seria possível aos Estados-membros

especificar a Lei Federal ou suprir as omissões do Ordenamento Jurídico federal

quando coubesse, até o momento da atuação do Congresso Nacional no exercício

da competência concorrente.137

135

A Constituição de 1891 assim se manifestou: “Art. 1º - A Nação brasileira adota como forma de Governo, sob o regime representativo, a República Federativa, proclamada a 15 de novembro de 1889, e constitui-se, por união perpétua e indissolúvel das suas antigas Províncias, em Estados Unidos do Brasil.”

Na Constituição de 1934 de igual modo dispõe assim: “Art. 1º - A Nação brasileira, constituída pela união perpétua e indissolúvel dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios em Estados Unidos do Brasil, mantém como forma de Governo, sob o regime representativo, a República federativa proclamada em 15 de novembro de 1889.”

136 De acordo com o que preceituava o artigo 122, 13, b da CF/37.

137 “Art. 17 - Nas matérias de competência exclusiva da União, a lei poderá delegar aos Estados a

faculdade de legislar, seja para regular a matéria, seja para suprir as lacunas da legislação federal, quando se trate de questão que interesse, de maneira predominante, a um ou alguns Estados. Nesse caso, a lei votada pela Assembléia estadual só entrará em vigor mediante aprovação do Governo federal. Art. 18 - Independentemente de autorização, os Estados podem legislar, no caso de haver lei federal sobre a matéria, para suprir-lhes as deficiências ou atender às peculiaridades locais, desde que não dispensem ou diminuam as exigências da lei federal, ou, em não havendo lei federal e até que esta regule, sobre os seguintes assuntos: a) riquezas do subsolo, mineração, metalurgia, águas, energia hidrelétrica, florestas, caça e pesca e sua exploração;

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No Brasil os regimes autoritários sustentados pelas Cartas de 1937 e 1967

adotaram o Federalismo, apesar de na prática terem se aproximado bastante do

Estado unitário. O Federalismo e a separação dos poderes, no bojo das citadas

cartas republicanas ditatoriais, algumas vezes assumiram aspecto de mera ficção.

Não raro, tais Constituições eram violentadas por caprichos e conveniências

políticas em nome da segurança nacional.

Apesar de seu viés ditatorial, manifesto pelo fechamento do Congresso

Nacional e pela centralização do poder, a Polaca, em tese, possibilitava a delegação

de competência legislativa aos Estados-membros. Entretanto, a norma produzida por

delegação legislativa, em matéria de interesse estadual por cada uma das

Assembleias Legislativas, somente poderia vigorar após manifestação favorável do

governo federal.

Durante o Estado Novo o governo submeteu, a si, o STF através da produção

de atos desrespeitosos (reversão de decisões, em sede de controle de

constitucionalidade, em favor do restabelecimento de normas revogadas) emitidos

pelo Presidente da República que detinha o poder de influenciar a aprovação das

leis de acordo com os interesses do regime.

Na Câmara dos Deputados o governo Vargas sempre detivera a maioria dos

votos. O Senado, antes de seu fechamento, não se opunha aos ditames do

presidencialismo de então. O novo órgão legislativo, criado em substituição ao

Senado, passou fervorosamente a corroborar os decretos oriundos do Executivo.

A relação de Vargas com a autonomia estadual era igualmente acintosa. O

comando político regional era exercido com mão de ferro pelo governo federal

através de seus interventores, com repressão a quaisquer iniciativas regionais

b) radiocomunicação; regime de eletricidade, salvo o disposto no nº XV do art. 16; c) assistência pública, obras de higiene popular, casas de saúde, clínicas, estações de clima e fontes medicinais; d) organizações públicas, com o fim de conciliação extrajudiciária dos litígios ou sua decisão arbitral; e) medidas de polícia para proteção das plantas e dos rebanhos contra as moléstias ou agentes nocivos; f) crédito agrícola, incluídas as cooperativas entre agricultores; g) processo judicial ou extrajudicial. Parágrafo único - Tanto nos casos deste artigo, como no do artigo anterior, desde que o Poder Legislativo federal ou o Presidente da República haja expedido lei ou regulamento sobre a matéria, a lei estadual ter-se-á por derrogada nas partes em que for incompatível com a lei ou regulamento federal.”

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supostamente contrárias à harmonia institucional. As manifestações explícitas, no

que tange às insatisfações regionais, foram rigorosamente inibidas.

Naquele contexto histórico, a autonomia financeira estadual era um fator

imprescindível à manutenção da sua condição de ente federado, haja vista que as

situações de insolvência poderiam transformar um Estado-membro em território

federal tutelado pela União.138

Após a experiência antidemocrática vivenciada no âmbito da Carta de 1937 a

Democracia voltou a ser adotada com o término da Segunda Grande Guerra, para

outra vez deixar-se suprimir por um golpe de Estado em 1964, ocasião em que se

tentou legar à Constituição de 1967 características incompatíveis com a ditadura

militar instalada, e isso se manifestou, por exemplo, quando se pretendeu atribuir

legitimidade àquela Carta, pelo simples fato de ter sido criada por uma Assembleia

Nacional Constituinte, apesar de seus membros não terem sido eleitos pelo voto

popular, e sim nomeados pelo governo federal.

No que se refere ao Regime Militar de 1964 a relação entre presidencialismo,

Federalismo e separação dos poderes não se deu de modo harmonioso. O controle

exercido pelo governo federal, sobre os Poderes Legislativo e Judiciário e sobre os

governos estaduais, descaracterizou a noção mais básica que se tinha de

Federalismo e independência entre os Poderes da República.

Na Democracia a soberania popular se manifesta mediante processo de

representação política, enquanto que na ditadura sua repercussão se dá de forma

autoritária, mediante usurpação da vontade popular, no bojo de um governo

revolucionário, sem qualquer lastro representativo que lhe conceda legitimidade.139

De fato cuidava-se de uma Carta outorgada que se pretendia promulgada, na

tentativa de legitimar a si própria. Diferentemente do que aconteceu em 1937, a

138

Cf. artigo 8º da Constituição de 1937:

“Art. 8º - A cada Estado caberá organizar os serviços do seu peculiar interesse e custeá-los com seus próprios recursos. Parágrafo único - O Estado que, por três anos consecutivos, não arrecadar receita suficiente à manutenção dos seus serviços, será transformado em território até o restabelecimento de sua capacidade financeira.”

139 “A Constituição vigorou cerca de 20 meses. A edição do Ato institucional nº 5, em 13 de dezembro de 1968, deu amplos poderes ao presidente e deixou de lado boa parte da Constituição. O AI-5 pode, sem exagero, ser considerado um dos atos mais arbitrários da história republicana.” VILLA, Marco Antônio. Op.cit., p. 100.

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Carta de 1967 fez menção expressa à associação entre a República e a Federação,

logo no artigo 1º. Em seu propósito de mostrar-se democrática, exacerbou ao dispor

que o poder seria exercido em nome do povo, autodenominando-se

representativa.140

Quanto aos Estados-membros, confirmou-se mais uma vez no plano

constitucional a adoção da teoria dos poderes implícitos através da competência

remanescente.

Na Constituição de 1967 o imposto de exportação, que nas Constituições

anteriores estava sob a égide dos Estados, passou a ser de competência da União,

o mesmo também se pode afirmar com relação ao imposto sobre propriedade

territorial rural, com significativo desfalque nas finanças estaduais e incremento da

receita tributária da União. Esta situação permitiu ao governo federal estabelecer

uma relação de domínio sobre os Estados, cada vez mais dependentes dos

repasses federais. Tal cenário contribuiu para o agravamento das desigualdades

regionais.

Na Carta de 1967 merece menção ainda o mecanismo para evitar guerra

fiscal entre os Estados cujo emprego mirava o chamado imposto sobre operações

relativas à circulação de mercadorias. Citado mecanismo consistia na uniformidade

da alíquota, para todas as mercadorias, estabelecida pelo Senado Federal através

de Resolução tomada por iniciativa do Presidente da República. Assim competia à

Câmara Alta fixar as alíquotas máximas para as operações internas, para as

operações interestaduais e para as operações de exportação. 141

Aqui há um indicativo acerca da importância do Senado enquanto órgão

representativo dos Estados no sentido de dirimir conflitos e tensões gerados a partir

do exercício de sua competência tributária.

Aliás, o emprego dos termos “Fundo de Participação dos Estados” e “Fundo

de Participação dos Municípios” se deu pela primeira vez na Constituição de 1967,

na qual havia referência à composição dos citados fundos a partir de repasses

oriundos da União, em percentuais de 12% sobre os valores auferidos com a

arrecadação do imposto sobre produtos industrializados e do imposto sobre

140

“Art. 1º - O Brasil é uma República Federativa, constituída sob o regime representativo, pela união indissolúvel dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.” § 1º - Todo poder emana do povo e em seu nome é exercido.

141 Esta determinação constava do artigo 24, § 4º da CF/1967.

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operações de crédito, câmbio, seguro. Havia também repasse aos Estados e

Municípios do montante de outros impostos de competência da União. 142

Portanto, o regime de 1964, estribado na Constituição de 1967, limitou a

autonomia estadual em nome de um controle político absoluto exercido pelo governo

federal.

Apesar do cenário desfavorável aos Estados-membros, destaque-se que foi

neste período que o governo militar, através dos fundos de participação dos Estados

e Municípios, elaborou uma equação de cooperação federativa que até hoje

representa um importante fator de desenvolvimento regional.

Vale esclarecer, entretanto, que essa medida, favorável ao maior equilíbrio na

distribuição dos recursos públicos, não suplantou o controle normativo e

administrativo imposto pelo governo federal aos Estados e Municípios, anulando boa

parte de sua capacidade de autogoverno, administração e investimento.143

Em 1969 o acirramento da ditadura fez surgir a Emenda Constitucional nº 1144

que alterou significativamente a Carta de 1967 a ponto de alguns doutrinadores

afirmarem ter se tratado de uma manifestação do Poder Constituinte Originário.145

142

Conforme o artigo 28 da CF/67 o governo federal repassava a Estados e Municípios parte do que arrecadava com os seguintes tributos: 40% da arrecadação do Imposto sobre produção, importação, circulação, distribuição ou consumo de lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos, 60% da arrecadação do Imposto sobre produção, importação, distribuição ou consumo de energia elétrica, 90% da arrecadação do imposto sobre extração, circulação, distribuição ou consumo de minerais do País.

143 “Pelo § 1º do artigo 2º, o Executivo estava autorizado a “legislar em todas as matérias e exercer as

atribuições previstas na Constituição”. A intervenção do Executivo federal nos estados e municípios era permitida sem as limitações previstas na Constituição.” VILLA, Marco Antônio. Op. Cit., p. 101.

144 Aliás, a Emenda nº 1 de 1969 foi outorgada no dia 17 de outubro por uma junta militar, tendo entrado em vigor no dia 30 de outubro de 1969. Apesar da polêmica que se estabeleceu em torno deste tema, é preciso esclarecer que na prática a referida reforma alterou profundamente a ordem constitucional de 1967, o que não significa necessariamente a assunção de uma nova Constituição. “Em 1969, a junta composta pelos Ministros que chefiavam cada uma das três Armas, e que assumiu o governo, depois de declarada a incapacidade, por motivo de saúde, do Presidente, promoveu uma alargada reforma da Constituição de 1967, por meio de ato que ganhou o nome de Emenda Constitucional n. 1/69. O Congresso Nacional havia sido posto em recesso. O novo texto tornou mais acentuadas as cores de centralização do poder e de preterimento das liberdades em função de inquietações com a segurança, que davam a feição característica do texto de 1967. Não poucos autores veem na Emenda n.1/69 uma nova Constituição, outorgada pela Junta Militar.” MENDES, Gilmar. Op. cit., p. 115.

145 O entendimento pelo qual o governo militar produziu em 1969 uma nova Constituição Federal é

defendido dentre outros constitucionalistas pelo mestre José Afonso da Silva nos seguintes termos: “[...] teórica e tecnicamente, não se tratou de emenda, mas de nova constituição. A emenda só serviu como mecanismo de outorga, uma vez que verdadeiramente se promulgou texto integralmente reformulado, a começar pela denominação que se lhe deu: Constituição da República do Brasil, enquanto

a de 1967 se chamava apenas Constituição do Brasil.” SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 2001, p.87.

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3.2. Autonomia e endividamento estadual

Sob o manto da Constituição de 1988 há dificuldades na efetivação de ações

com vistas a resolver o antigo dilema do desenvolvimento regional no Brasil. Os

Estados mais pobres, pela carência de instrumentos institucionais, se mostram

incapazes de promover desenvolvimento a partir de sua própria base (política,

econômica, jurídica).

A necessidade de recursos tem levado os Estados a tomarem empréstimos

junto a União.146 Esse tipo de endividamento tem comprometido consideravelmente

a autonomia financeira estadual.147

Atualmente a União conta com um número de sete impostos, enquanto que

aos Estados e aos Municípios a Lei Maior atribuiu três impostos para cada. Portanto,

o ente central possui mais impostos que Estados e Municípios juntos. Ao longo do

constitucionalismo pátrio, os Estados tiveram parte de sua competência tributária

transferida à União.

Além disso, no âmbito da Carta de 1988 apenas o ente central poderá criar

novos impostos, bem como instituir empréstimos compulsórios e contribuições,

exceto as previdenciárias que também poderão ser criadas pelos demais entes

federados.

Aliás, em regra as contribuições sociais e econômicas criadas pela União,

pelas quais o governo federal amealha um montante considerável de recursos, não

compõem a receita para repartição do bolo tributário com Estados e Municípios.

146 “A reestruturação do endividamento dos estados com a União é outro desafio imposto ao Senado.

Mudança no índice de correção dessas dívidas, que chegavam a quase R$ 460 bilhões em dezembro de 2011, e a redução do percentual de comprometimento da receita corrente líquida dos estados com o pagamento desses débitos (atualmente de 13%) devem nortear esse debate.” (Agência Senado, Comissões - Assuntos Econômicos - Atualizado em 14.06.2012, http://www12.senado.gov.br/noticias/materias/2012/06/14/secretarios-de-fazenda-debatem-no-senado-distribuicao-dos-recursos-do-fpe-e-dividas-estaduais)

147 Em matéria publicada pela Agência Senado intitulada: “Comissão do Pacto Federativo deve

sugerir IPCA como indexador de dívidas dos estados” publicada no site do Senado no dia 11/06/2012, extrai-se o seguinte: “A dívida total dos governos estaduais, sem contar as estatais, somava quase R$ 453,5 bilhões em dezembro de 2011, conforme texto do Núcleo de Estudos e Pesquisas do Senado. Quando descontados os créditos que os estados têm a receber, a dívida líquida cai para R$ 404,6 bilhões, sendo a União credora de 90% desse montante. Os demais 10% representavam dívidas bancárias e dívidas externas. São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul concentravam 90% dos valores renegociados. Quinze anos após a última renegociação, os mesmos quatro estados lideram movimento pela mudança do índice, sendo os governos mineiro e gaúcho os que apresentam maior comprometimento de caixa com o pagamento da dívida.” Fonte:http://www12.senado.gov.br/noticias/materias/2012/06/11/comissao-do-pacto-federativo-deve-sugerir-ipca como-indexador-de-dividas-dos-estados

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Deste modo, em vez de, por exemplo, majorar a alíquota de um determinado

imposto, a União tem preferido criar novos tributos não partilháveis.

Assim enquanto a União bate recordes de arrecadação tributária a cada ano,

os Estados não dispõem de mecanismos para incrementar o aumento de suas

receitas tributárias. Tal lógica faz com que o ente central mantenha tranquilamente a

ordem federativo-institucional pelo estabelecimento de uma relação em que parte

considerável dos Estados-membros e Municípios apresenta-se financeiramente

subserviente.148

A situação financeira dos Estados é realmente grave, a ponto de a União

colocar a sua disposição uma linha de crédito para realização de investimentos.149

Ocorre que este modelo de realização de projetos - através de financiamentos

e empréstimos obtidos pelos Estados no sistema bancário – tem agravado ainda

mais o problema de endividamento estadual, inviabilizando uma política racional de

investimentos.

Em tais empréstimos e financiamentos tem sido utilizado o “Índice Geral de

Preços” 150como indexador, quando o mais adequado aos interesses

estaduais151seria mesmo a adoção do “Índice Nacional de Preços ao Consumidor

Amplo”.152

148

“Contrariamente, porém, às aflições da União, as dificuldades dos estados tendem a ser mais profundas e de solução mais demorada. Enquanto o governo federal pode lançar mão de poderes fiscais, monetários e creditícios para minimizar descompassos conjunturais entre receitas e despesas, os estados têm que recorrer a paliativos e aguardar as melhorias decorrentes da recuperação da economia nacional. Nesse entrementes, premido pelas pressões inflacionárias sobre os custos crescentes de manutenção de sua burocracia, confrontados com a inelasticidade de sua base tributária já distendida ao máximo e com a sua capacidade de endividamento quase esgotada, os governadores vêm sendo obrigados a promover cortes expressivos na execução de seus orçamentos” PINTO, Aluísio Loureiro. Os estados e a racionalização administrativa. Revista de administração municipal. Rio de Janeiro, jan/jun de 1976, p.11-50.

149 Diante da falta de capacidade de investimento no plano estadual, em 2012 o governo federal pôs à

disposição dos Estados-membros uma linha de empréstimos para fomentar a efetivação de políticas públicas, investimentos e realização de obras de infraestrutura, pelo qual os Estados terão crédito especial com aporte em torno de R$ 20 bilhões pelo BNDES e com prazo de 20 anos para pagamento a juros “módicos” de 7,1% a 8,1% ao ano. Fonte: Reportagem do Jornal o Estado de São Paulo do dia 15/06/2012 com o título: “Mantega confirma linha de crédito de R$ 20 bilhões para Estados”.Fonte: Eduardo Cucolo e Célia Froufe, da Agência Estado.

150 IGP-DI é o chamado ‘Índice Geral de Preços - Disponibilidade Interna’ cujo cálculo é feito pela

Fundação Getúlio Vargas, este é na atualidade o índice utilizado não correção das dívidas dos Estados-membros.

151 Este tema é recorrente nas discussões e seminários promovidos pela UNALE em que na

atualidade o pacto federativo tem sido debatido intensamente. Na Revista da UNALE de nº 58 as Assembléias Legislativa manifestam forte preocupação com a questão da dívida dos Estados-membros para com a União, como se percebe a seguir: “A substituição do IGP- -DI pelo IPCA como

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A substituição do índice “Índice Geral de Preços” pela SELIC, no que tange à

indexação das dívidas estaduais, agravaria ainda mais a situação financeira dos

Estados.

Com vistas a evitar a insolvência, tramitam projetos legislativos dedicados à

mudança do indexador da dívida pública estadual. 153

O fomento ao desenvolvimento regional feito a partir da União mediante

transferência de receitas tributárias advindas de impostos (Imposto sobre Produtos

Industrializados, Imposto sobre Operações Financeiras e Imposto de Renda) e

contribuições (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) que compõe os

índice de correção da dívida, retroativamente à data de assinatura dos contratos; a redução do percentual máximo de comprometimento da recei- ta líquida dos estados; o ajuste da taxa de juros, para manter o equilíbrio econômico-financeiro à época da assinatura e a celebração de compromisso de modo a que todo o eventual ganho possibilitado pela renegociação aos orçamentos estaduais seja obrigatoriamente direcionado a investimentos em saúde pública, no enfrentamento da pobreza e na melhoria da infraestrutura. São esses os principais pontos da “Carta de Minas”, na qual os presidentes das Assembléias Legislativas da região Sudeste (Minas, Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo) definem os parâmetros para a renegociação da dívida dos estados brasileiros com a União. (...) O assunto foi debatido no dia 13 de fevereiro, na Assembléia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), na capital mineira, com a participação de representantes dos estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Espírito Santo, Amazonas, Goiás, Sergipe, Maranhão, Rio Grande do Sul e Acre, com o apoio da União Nacional dos Legisladores e Legislativos Estaduais (Unale). A dívida dos 23 estados com a União supera R$ 350 bilhões. Para o presidente do Colegiado de Presidente das Assembléias Legislativas, Dinis Pinheiro (PSDB/MG), é uma situação “insustentável”. Daí, a necessidade da redução da taxa dos juros cobrada e a mudança da base de cálculo. Durante o encontro, o presidente da Unale, José Luis Tchê (PDT/AC) adicionou mais um item na discussão e estados mais pobres. Segundo ele, o montante da dívida dos grandes estados não pode ser comparado ao do Acre e Sergipe, que “deveriam realmente ter anistia”. Tchê lembrou, ainda, que a dívida dos estados com a União subiu de R$ 93,2 bilhões, em 1998, para R$ 350 bilhões, em 2010 – alta de 471% em juros, aferidos pelo IGP-DI com correção de 6% ao ano. “Um índice bem superior às taxas de outras modalidades de financiamento, o que mostra que as dívidas dos Estados são um bom negócio para a União”, comentou. O presidente da Unale considera de fundamental importância debater as relações do governo federal com os estados e municípios e, mais importante, levar o assunto para conhecimento da população. Ele lamenta que, apesar da União arrecadar R$ 1,5 trilhão em impostos (R$ 7,5 mil por cada cidadão brasileiro), estados e municípios são obrigados a ir a Brasília “de pires na mão para buscar recursos”. (Revista UNALE, ano XIII, nº 58, Editora do Senado Federal , março de 2012, p.26 a 29)

152 IPCA – ‘Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo’ é calculado pelo IBGE.A idéia de

adoção deste índice como indexador das dívidas estaduais é objeto de projeto de lei do Senado: PLS nº 86/2012.

153 “Os contratos firmados entre estados e União, com base na Lei 9.496/1997, prevêem 30 anos de

prazo de pagamento. Após esse período e havendo valores residuais, a lei prevê mais dez anos para quitação. Na proposta dos especialistas, esse prazo para quitar o saldo residual pode desaparecer, ficando estabelecido o pagamento conforme o limite de comprometimento, no tempo necessário. A proposta dos especialistas é semelhante a projeto (PLS 86/2012 – Complementar) apresentado pelo senador Francisco Dornelles (PP-RJ). O parlamentar também sugere a adoção do IPCA e fixa os juros em, no máximo, 3% ao ano. Dornelles, no entanto, propõe que o novo indexador seja aplicado retroativamente à data da assinatura do contrato de financiamento.” Agência Senado. Fonte: http://www12.senado.gov.br/noticias/materias/2012/06/11/comissao-do-pacto-federativo-deve-sugerir-ipca-como-indexador-de-dividas-dos-estados.

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fundos de participação e os fundos constitucionais de desenvolvimento regional, não

tem sido suficiente para alavancar o desenvolvimento das Regiões Norte e Nordeste.

Nas diversas regiões do País é preciso atentar ainda para as disparidades

econômicas entre as unidades federativas. Cada Estado trava uma luta ferrenha em

favor da afirmação de sua autonomia financeira.

No Brasil os Estados das regiões Sul e Sudeste lidam melhor com esse

problema pelo fato de possuírem uma economia dinâmica que lhes possibilita auferir

uma boa receita tributária. Nas demais regiões do País a fraca economia

compromete a saúde das finanças públicas. Em razão desta fragilidade econômica é

que os Estados das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste auferem a maior parte

dos recursos do FPE.

Diante disto, tem-se que boa parte dos recursos advindos da repartição

tributária destinados aos Estados-membros, em nome do Federalismo cooperativo,

acaba voltando à União em forma de pagamento de juros da dívida pública. Esta

lógica compromete o ambiente de harmonia federativa pela necessidade que os

Estados têm de competirem entre si em busca de recursos, e pela afirmação da

União enquanto maior fonte de recursos para investimentos no âmbito dos Estados e

Municípios. O fato é que a autonomia financeira dos entes federados revela-se

fundamental à saúde da Federação brasileira.

3.3. Autonomia, desenvolvimento e integração

Pela atuação do Constituinte de 1988 depreende-se que os Estados-membros

ainda não se achavam devidamente preparados para o exercício pleno de sua

própria autonomia.

“O que se dizia, no passado, é que as autonomias locais, Prefeitos e

Vereadores, e também as autoridades regionais, Governadores ou

Assembleias Legislativas, estariam utilizando mal sua autonomia e

fixando valores remuneratórios absurdos pelos respectivos servidores.

Em nenhum momento da discussão sobre o assunto se cogitou do

enfraquecimento da autonomia dessas entidades, em matéria fortemente

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relacionada à arrecadação e à capacidade econômica de cada uma

delas, como decorrência da instituição do teto remuneratório.” 154

Lamentavelmente, problemas estruturais têm recebido soluções paliativas, em

flagrante desprestígio à autonomia estadual, sem que se conceda aos Estados

maiores possibilidades de atuação. Além da reforma tributária, o incremento das

competências concorrentes a partir de algumas competências privativas atribuídas

atualmente à União, certamente operariam em favor da superação das

desigualdades regionais.

A insistência na manutenção e preservação do atual modelo federativo,

inadequado à realidade brasileira do Século XXI, tem produzido graves

desdobramentos políticos, sociais e econômicos, prejudiciais à almejada instituição

de uma forma de Estado verdadeiramente cooperativa.

Existem dificuldades na efetivação de vários dispositivos da Constituição de

1988 (art.3º, III; art.21, IX; art.25, §3º; art.43, § 2º, III; art.151, I; art.159, I, a, b, c;

art.163, VII; art.165, § 7º; art.170, VII, art.174, §1º) que favoreceriam o ideal

cooperativo em prol do desenvolvimento regional em temas tais como: Mecanismos

de transferências constitucionais, incentivos fiscais federais, instrumento de

planejamento regional, competência para planejamento regional, dentre outros.

A necessidade de execução compartilhada de serviços públicos exige a

criação de regulamentos pelos quais se estabeleçam condições para a cooperação

federativa na prestação de tais serviços públicos.155

154 RAMOS, Elival da Silva. As novas fronteiras do federalismo – Organização Mônica Herman Caggiano (e) Nina Ranieri. O federalismo no Brasil – São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2008. p. 172.

155 “(...) Dessa forma, a União, os Estados-Membros e os Municípios devem cooperar e desenvolver

atividades conjuntas para atender melhor a população em suas necessidades. Infelizmente, a ausência de regras precisas sobre como o relacionamento entre as três esferas de governo deve ocorrer, parece fazer surgir um vazio na atuação dos entes federativos, pois falta uma regulamentação clara de quem cuidará de algumas questões sociais, já que a norma constitucional, prevista no parágrafo único do art. 23 da Constituição, ainda carece de regulamentação: "Leis complementares fixarão normas para cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem estar em âmbito nacional”. Este vazio pode ser suprido, pela descentralização das ações e desde que haja participação de todos os entes interessados na implantação de determinada política, de maneira coordenada e cooperativa.” TAVARES, Alessandra Schettino. O federalismo cooperativo no Brasil [manuscrito]: o perfil do Estado brasileiro segundo a Constituição Federal de 1988 / Biblioteca digital da Câmara dos Deputados, Brasília-DF, 2009, p.38.

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O Federalismo cooperativo no plano constitucional poderá se efetivar

independentemente de regulamentação, como ocorre com a repartição das receitas

tributárias. 156

A cooperação na execução comum de serviços é fundamental, mas exige

articulação e boa vontade dos entes envolvidos, o que pressupõe um ambiente de

harmonia federativa. Portanto, quanto mais tensas as relações federativas se

apresentarem, mais difícil será obter consenso para colaboração recíproca na

prestação de serviços públicos.

Outro tema importante no tabuleiro federativo é a possibilidade de

participação dos Estados-membros nas relações internacionais em favor da defesa

de seus interesses.

Em verdade, o fortalecimento da autonomia estadual e o aperfeiçoamento da

ordem jurídica (federal e estadual) mostram-se fundamentais diante das

possibilidades oriundas da globalização e da integração econômica (internacional e

doméstica).

No plano internacional a autonomia estadual não se sustenta. Deste modo, a

soberania apresenta-se como atributo que caracteriza apenas a união e que

compreende nela própria a autonomia, fração do poder soberano concedido pela Lei

Maior aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios. 157

As relações federativas no Brasil não se mostram afetadas pela interface

entre soberania (união) e autonomia (entes federados), mas sim pelo trato entre

autonomias, vale dizer, entre a autonomia da União, forte, e a autonomia dos entes

subnacionais, enfraquecida.

A relação entre autonomia e soberania é mesmo de subordinação, lógica esta

que não deveria prevalecer entre autonomias. Deste modo, da relação entre os

156

Neste sentido é que Alessandra Schettino Tavares afirma acertadamente que: “O federalismo cooperativo de viés democrático se propõe exatamente a minimizar estes desvios, por meio da elaboração e da implantação descentralizada das políticas, buscando a participação coordenada e cooperativa de todos os entes federados interessados. Assim, o planejamento geral, que requer uma visão global do todo, compete à União e a implantação das políticas fica a cargo do membro federado, com o apoio técnico, administrativo e financeiro dos outros entes.” Ibdem, p. 37.

157 “A soberania, já o dissemos, também é um poder de auto-determinação. A sua distinção de

autonomia consiste, justamente, em não ter o seu campo de ação diretamente determinado por outrem.” MELLO, Oswaldo Bandeira. Op. Cit., p. 96.

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entes federados é normal que se espere cooperação e coordenação, todavia quando

daí decorre subordinação, é porque algo não vai bem.

Em regiões de fronteira afloram oportunidades que exigem celeridade na

celebração de acordos econômicos.158A Constituição de 1988 não permite a atuação

direta dos Estados-membros no plano internacional. O Direito Internacional permite

que apenas Países e organismos internacionais celebrem tratados internacionais.

Em verdade, o que se pretende aqui não é a concessão de competência para

os Estados-membros produzirem tratados internacionais, mas o incremento das

condições pelas quais se possibilite sua atuação plenipotenciária no âmbito das

relações internacionais em prol da defesa de seus interesses quando se apresente

plausível a hipótese de realização de acordos com outros Países, cuja repercussão

seja notadamente regional.

Note-se que aqui estamos a falar de acordos feitos entre Países, cujo

interesse regional possibilitaria sua feitura pelos Estados-membros a partir de

autorização emanada pelo Estado nacional.

“No tocante à política externa e à integração regional, agrega-se a esse

cenário um outro elemento desconsiderado até o momento: os Estados

subnacionais (não são considerados pelo direito internacional público como

atores válidos desse sistema. Portanto, sua participação deve ser realizada

por meio das instituições federais competentes.” 159

A respeito do modo como alguns Países lidavam no Século XX com a

possibilidade de atuação dos Estados-membros na esfera internacional, assim

manifestou-se Willoughby: 160

“É permitido aos Estados-membros terem intercâmbio com os Estados

estrangeiros e mesmo elaborarem tratados com eles no que diz respeito a

certos interesses locais. Porém, em caso algum, é permitido aos Estados-

membros terem relações diretas com os Estados estrangeiros nos assuntos

de importância política geral. Os Estados federais, todavia, respondem

158

O acordo é uma espécie de tratado internacional. “(...) Comumente emprega-se a expressão para designar tratados de natureza econômica, financeira, comercial ou cultural, podendo, contudo, dispor sobre segurança recíproca, projetos de desarmamento, questões sobre fronteiras, arbitramento, etc.”. MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direito internacional público. São Paulo: Ed. RT, 2006, p. 121.

159 MARIANO, Marcelo Passini e MARIANO, Kariana I. P. As teorias de integração regional e os

estados subnacionais. Impulso nº 31, 2002, p. 49.

160 WILLOUGHBY, Westel W. The fundamental concepts of public Law, New York, 1931, p. 215. Apud

MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira. Op.cit. PP. 84, 85.

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perante os Estados estrangeiros, por todos os atos praticados pelos

Estados-membros, que infrinjam o direito internacional ou as obrigações

provenientes dos tratados quer os tenham realizados em virtude de uma

autorização ou nos limites das suas competências.”

Destarte, é preciso desembaraçar ao máximo o exercício da atuação

plenipotenciária161 dos Estados-membros, através da carta de plenos poderes, com

vistas à celebração de acordos internacionais em temas de interesse estadual sob a

supervisão da União, o que certamente impulsionaria o desenvolvimento regional.162

Nesta toada, a integração econômica internacional163 exige do Brasil uma

reforma legislativa a fim de tornar a economia nacional mais competitiva, pela

eliminação de gargalos fiscais e problemas de infraestrutura que encarecem nossos

produtos em comparação com os de outros Países.164

161

“Os representantes dos Estados ou Organizações Internacionais apresentam-se às negociações munidos de uma carta de plenos poderes. A carta de plenos poderes é o documento pelo qual o Estado ou Organização Internacional concede poderes de representação ao chefe da missão diplomática para uma determinada negociação. Tal documento está na origem do próprio termo diplomacia, que vem do grego di ploûm, ou diploma, que significa dobrado em dois, representando o documento que os representantes dos Estados portavam indicando seus poderes. Era um documento em pergaminho, encadernado, elaborado com esmero, de modo a apresentar certa solenidade.” VARELLA, Marcelo Dias. Direito internacional público. 2ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 29.

162 “No caso brasileiro, a competência do Chefe do Poder Executivo para celebração de tratados é

privativa, o que permite que haja delegação, por sinal, muito comum nos atos internacionais, uma vez que o Presidente da República tem outras funções além de celebrar tratados. A Constituição brasileira de 1988 diz competir privativamente ao Presidente da República “manter relações com Estados estrangeiros e acreditar seus representantes diplomáticos” (art. 84, inc. VII). Essa competência normalmente é delegada aos Ministros das Relações Exteriores (Ministros dos Negócios Estrangeiros ou dos Assuntos Estrangeiros) ou aos Chefes de Missão Diplomática. Todo funcionário de carreira, entretanto, acreditado ou credenciado pelo país estrangeiro, pode ser agente plenipotenciário. (...)” MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Op. Cit., p. 129.

163 “(...) Os governos subnacionais são muito vulneráveis nos processos de integração regional

porque não possuem poder decisório direto para lidar com seus efeitos. Quando um Estado subnacional é prejudicado por uma política adotada no Mercosul, por exemplo, ele tem de se reportar à estrutura do governo federal para conseguir alguma compensação ou adaptar-se para minimizar suas perdas, o que nem sempre é viável. Uma forma de enfrentar essa tendência é a criação de mecanismos decisórios ou de estruturas capazes de representar os interesses subnacionais e de influir tanto no interior do Estado nacional quanto no âmbito da integração regional. Um exemplo disso seria a última reforma constitucional argentina, que permitiu às províncias negociarem acordos internacionais desde que não entrem em contradição com os compromissos assumidos pelo Estado nacional, ou então o caso do Estado de Otawa, Canadá, que tem ascendido enquanto ator internacional principalmente devido à sua importância econômica, comercial e tecnológica para o país.” Marcelo Passini MARIANO e Kariana I. P. MARIANO. Op. Cit., p. 65/66.

164 MARTINS FILHO, Luiz Dias. O federalismo fiscal brasileiro sob a ótica da integração econômica

internacional. Cad. Fin. Públ., Brasília, n.8, p. 41-100, dez.2007, p.63.

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3.4. Sistema de governo e autonomia estadual

Num sistema federativo equilibrado certamente não se toleraria um formato

de presidencialismo como o disposto pela Constituição Cidadã, em que por motivos

financeiros, no final das contas, Estados e Municípios tem sua autonomia lesionada

pelos ditames do governo federal.165

O presidencialismo não é um elemento essencial ao Federalismo, haja vista

que este sistema de governo também poderá compor a forma de Estado unitário

onde o governo nacional domina as questões políticas mais importantes. Além do

mais, a Federação poderá fazer-se acompanhar do sistema parlamentarista. 166

Com efeito, a centralização se mede pelo modo como se dá a delegação de

poderes às unidades administrativas. É oportuno lembrar que o presidencialismo no

modelo unitário não é necessariamente sinônimo de autoritarismo - apesar da

natureza centralizadora do Unitarismo se amoldar muito bem aos interesses dos

regimes de exceção – haja vista que poderá muito bem associar-se à Democracia e

à separação dos poderes com imposição de limites a atuação do Poder Executivo,

como proposto pela teoria dos freios e contrapesos.167

“Ademais, a descentralização do poder do Estado é precisamente uma

das formas de controlar o próprio Estado; de saber como as relações de

poder estão estruturadas no Estado.” 168

165

“A recente expansão da autoridade federal levou a apelos por mais um novo federalismo – desta vez para inverter a tendência centrípeta. Em particular, tem havido apelos para diminuição da dependência dos estados em relação às subvenções federais, ou pelo menos, para eliminar algumas das condições que precisam ser satisfeitas antes que os recursos financeiros federais sejam concedidos.” SCHWARTZ, Bernnard. O federalismo norte-americano. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1984, p. 65.

166 “Note-se, porém, que a evolução do federalismo dual, para um modelo de federalismo centrípeto

e cooperativo, possibilitou maior centralização de poderes na União, seja no Presidente da República, seja no Congresso Nacional. (...) Dessa forma, à evolução centralizadora do federalismo correspondeu um maior fortalecimento do regime presidencialista de governo e do Legislativo Nacional.” MORAES, Alexandre de. Federação Brasileira — Necessidade de Fortalecimento das Competências dos Estados-Membros. Op. Cit., p. 13.

167 “A luta pela concretização democrática na América Latina, e, especialmente no Brasil, que seguiu

os modelos federalista e presidencialista norte-americanos, tem gerado grande debates sobre as difíceis escolhas dos modelos institucionais a serem implantados, os poderes e funções presidenciais, os controles e a fiscalização: bem como a divisão de competências entre União, Estados e Municípios.” Ibdem, p. 11.

168 FIGUEIREDO, Marcelo. Federalismo x centralização. A eterna busca do equilíbrio – a tendência

mundial de concentração de poderes na União. A questão dos governos locais. As novas fronteiras do federalismo. Organização Mónica H. Caggiano (e) Nina Ranieri. São Paulo: Imprensa oficial de São Paulo, 2008, p. 121.

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A estabilidade democrática e o fortalecimento da autonomia estadual

reclamam por alteração no modelo de divisão constitucional de competências para

superação de um modelo político em que o Federalismo presidencialista gera

excessiva centralização de poder em torno da União, apesar dos esforços para

superação de resquícios autoritários, advindos da ditadura, através dos controles

oriundos da separação dos poderes.169

Com relação à hipótese de adoção do parlamentarismo no contexto da

Constituição Cidadã tem-se que pelo plebiscito de 1993 o Brasil fez sua opção pelo

sistema de governo presidencialista. Diante disto, qualquer pretensão atinente à

adoção do parlamentarismo, a nosso sentir, exigiria a atuação do Poder Constituinte

Originário.

169

MORAES, Alexandre de. Federação Brasileira — Necessidade de Fortalecimento das Competências dos Estados-Membros. Op. Cit.,p. 16.

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CAPÍTULO 4

O PODER CONSTITUINTE DECORRENTE

4.1. Poder Constituinte Decorrente e Poder Legislativo estadual; 4.2. O

espaço de atuação do Poder Decorrente no Brasil; 4.3. A Constituição

Analítica e seus efeitos no plano estadual; 4.4. O cerceamento do Poder

Decorrente para preservação da união.

4.1. Poder Constituinte Decorrente e Poder Legislativo estadual

Alexandre de Moraes170sobre o Poder Constituinte Derivado Decorrente

esclarece que “consiste na possibilidade que os Estados-membros têm, em virtude

de sua autonomia político-administrativa, de se auto-organizarem por meio de suas

respectivas Constituições estaduais.”

A autonomia dos Estados-Membros deveria permitir-lhes adequar plenamente

a Constituição Estadual aos seus interesses e particularidades através da atuação

do Poder Decorrente.

O Poder Constituinte Decorrente é limitado por dispositivos elencados na

Constituição Federal. Os limites manifestam-se não apenas pelos princípios

sensíveis, mas também por outros dispositivos, inclusive implícitos, que restringem o

espaço de atuação estadual.

O Poder Legislativo e o Poder Constituinte são forças criadoras de normas,

todavia as diferenças entre eles são expressivas. Além de possuírem atribuições

distintas, tem-se que a origem de um depende da atuação do outro. O Poder

Legislativo estadual atua a partir dos ditames do Constituinte Decorrente e a atuação

deste se pauta nos termos da Lei Maior a partir dos desígnios do Poder Constituinte

Originário. Assim, o ponto de partida do Estado e do Direito se estabelece a partir do

Poder Originário.

170

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. Op.cit. p. 29.

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A convocação de uma Assembleia Constituinte se dá numa fase pré-

constitucional, enquanto que a formação da Constituinte Estadual sempre pressupõe

a existência de uma Constituição Nacional que lhe concede lastro.

Aliás, a criação e reforma da Constituição Federal ocorre por diferentes

manifestações do Poder Constituinte. Entretanto, no plano estadual a norma

constitucional é criada e reformada apenas pelo Poder Decorrente.

Destarte, a Assembleia Legislativa, cujas atribuições se pautam no art. 27 da

Carta Magna, não se confunde com o Poder Decorrente - regulado pelo art. 11 do

Ato das Disposições Constitucionais Transitórias - mesmo porque, como já

salientado, a competência constitucional estadual antecede-se àquela competência

concedida pela Constituição Estadual à Assembleia Legislativa.

O Poder Decorrente como manifestação do Poder Derivado é condicionado,

limitado e autônomo, como bem esclarece Tércio Sampaio Ferraz: 171

“O poder constituinte decorrente, costuma-se dizer, não é soberano, mas

goza de autonomia. Autonomia significa a competência, em virtude de

direito próprio e não de delegação, de estabelecer normas jurídicas

vinculantes. A autonomia tem algo da originalidade, na medida em que é, no

âmbito territorial de sua competência, princípio de uma ordem. Dela se

separa, porém, na medida em que este atributo da principialidade nasce

condicionado. Principialidade significa que os atos do poder constituinte são

vistos como início, o começo de algo novo, suas normas não pertencem a

um sistema por força de procedimentos e competências previstos, posto

que não se inserem nele, mas o instauram.”

No Brasil o Poder Decorrente não é eleito especificamente para produzir a

Carta Magna estadual, tal atribuição é conferida pela Lei Fundamental às

Assembleias Legislativas. A escolha de uma Assembleia Constituinte estadual,

desvinculada da Assembleia Legislativa, poderia ter contribuído para o melhor

aproveitamento dos espaços disponíveis nas Constituições Estaduais.

A urgência imposta pela Carta de 1988, para atuação do Poder Decorrente,

cooperou para deflagração de um procedimento que desfavoreceu o surgimento de

uma Constituição Estadual comprometida com a realidade regional. A adequação da

171

FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio Princípios condicionantes do poder constituinte estadual em face da constituição federal. Revista de Direito Público, São Paulo, v. 22, 1989, p.01.

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Carta Estadual, aos interesses tipicamente estaduais, é fundamental para afirmação

da natureza democrática do Federalismo pátrio.

No âmbito da Constituição Cidadã o Brasil não conseguiu utilizar

adequadamente as potencialidades ofertadas pelo constitucionalismo estadual.

Portanto, estamos diante de uma área ainda pouco explorada e subestimada,

inclusive, pelo Constituinte Decorrente que se manteve pouco operante diante de

suas possibilidades de atuação autônoma para além da histórica dependência

econômica e política dos Estados-membros em face do ente central.

4.2. O espaço de atuação do Poder Decorrente no Brasil

Nos Estados Unidos o estabelecimento de amplo espaço de atuação dos

Estados-Membros se deu em virtude de fatores que foram determinantes durante as

negociações que fizeram surgir uma Federação por agregação.172 No Brasil o

Federalismo não adveio do consenso das coletividades. Entretanto, a desagregação

do Estado unitário não significou, pelo menos no caso brasileiro, a construção de um

Estado federal com cerceamento das competências estaduais no âmbito da primeira

Carta republicana.

Interessante é que mesmo na vigência da Constituição de 1891 a doutrina

brasileira tecia fortes críticas ao domínio do governo federal sobre os Estados-

membros, especialmente quanto à questão da intervenção federal. Naquela ocasião,

criticava-se ainda a atuação do Poder Judiciário federal na limitação dos atos

produzidos no âmbito estadual, bem como a falta de mecanismos pelos quais a

Justiça dos Estados pudesse limitar a atuação do Congresso Nacional. 173

Apesar do grande número de competências estaduais expressas, a teoria dos

poderes implícitos estava presente na Constituição de 1891 facultando aos Estados

dispor sobre tudo aquilo que não lhes fosse negado nas cláusulas presentes na

172

TARR.Allan. Op. Cit., p. 04.

173 Neste sentido é que Cardoso de Oliveira em obra do início do Século XX, assim manifestou-se:

“Os Estados são absolutamente mesmo privados de toda deffesa effectiva de suas prerrogativas evidentes, porque não são elles, mas os poderes nacionaes, que têm a missão de determinar com uma auctoridade decisiva e incontestada, quaes são os poderes do Estado que, no caso de contestação, ou de conflicto serão reconhecidos. Em resumo, um dos privilégios que os Estados têm abandonado às mãos do governo federal, é o que comprehende todos os outros, o de determinar o que elles mesmos podem fazer. As Côrtes federaes podem annullar a acção dos Estados, mas as Côrtes dos Estados não podem deter a expansão do poder do Congresso.” OLIVEIRA, Virgílio Cardoso de. A intervençao federal nos estados estudada a luz da doutrina, da legislacao comparada e em face da Constituicao Brazileira. Pará, TYP, Imprensa Official, 1903, p. 09.

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72

Constituição.174 Posteriormente, já na fase de centralização legislativa, este

mecanismo passou a fazer parte das demais Constituições Federais brasileiras,

passando a falsa impressão de que o campo de atuação dos Estados seria mais

vasto do que realmente era.

Desta forma, o Federalismo brasileiro adotou a teoria dos poderes implícitos

reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal175 e pela doutrina constitucionalista

nacional. 176

“Incorporou-se em nosso ordenamento jurídico, portanto, a pacífica doutrina

constitucional norte-americana sobre a teoria dos poderes implícitos —

inherent powers —, pela qual no exercício de sua missão constitucional

enumerada, o órgão executivo deveria dispor de todas as funções

necessárias, ainda que implícitas, desde que não expressamente limitadas

(Myers v. Estados Unidos US — 272 — 52, 118), consagrando-se, dessa

forma, e entre nós aplicável ao Ministério Público, o reconhecimento de

competências genéricas implícitas que possibilitem o exercício de sua

missão constitucional, apenas sujeitas às proibições e limites estruturais da

Constituição Federal.” 177

A intromissão da União em assuntos pertinentes à rotina dos Estados e

Municípios já incomodava a Aliomar Baleeiro quando observou a tendência de

enfraquecimento da autonomia estadual apesar da superação da centralização

monárquica pela República federativa, configurando-se - em sua visão - numa

situação de flagrante paradoxo. 178

174

Esta disposição está contida no artigo 65, 2º) da primeira Constituição da República.

175 “Ora, é princípio basilar da hermenêutica constitucional” o dos “poderes implícitos”, segundo o

qual, quando a Constituição Federal concede os fins, dá os meios.” (HC 91.661-PE, 03/04/2009)

176 Nos EUA consagrou-se a doutrina dos poderes implícitos - oriunda da Suprema Corte norte-americana a partir do julgamento do caso MacCulloch vs. Maryland em 1819 - pela qual a conferência de função a uma autoridade faz-se acompanhar, de modo implícito, dos meios imprescindíveis a sua

boa execução. “Na sua gênese, o federalismo continha um pacto implícito, segundo o qual ficariam reservadas às vontades parciais tudo o que não explicitamente indicado como de alçada da vontade central.” ARAÚJO, Luiz Alberto David, NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. – 9ª ed. - São Paulo: Saraiva, 2005, p. 261.

177 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. Op.cit., p. 610.

178 A este respeito Baleeiro tece a seguinte observação: “(...) Depois que a nossa República passou a

chamar-se de ‘federativa’, por amarga ironia a autonomia local — seja a do Estado- Membro, seja a do Município — vem sendo metida num colete de aço,que o legislador federal pode apertar com larga discrição.” AMARAL JÚNIOR, José Levi Mello do. Memória jurisprudencial [recurso eletrônico]: Ministro Aliomar Baleeiro. Brasília: STF, 2006. P.421.

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José Afonso da Silva179, sobre o espaço de atuação do Poder Constituinte

Decorrente, ensina que há limites oriundos dos chamados princípios sensíveis cuja

violação possibilitaria a instauração de intervenção federal, bem como dos princípios

fundamentais da ordem política, social, econômica e administrativa. Tais limites se

constituiriam em vedações expressas ou implícitas com vistas a tolher a atuação do

Poder Decorrente. 180

Percebe-se assim que o Poder Decorrente encontra-se limitado não apenas

por disposições expressas, mas também por ponderações tácitas. A este respeito

esclarece Oswaldo Trigueiro: 181

“(...) Em princípio, pois, os poderes dos Estados se estendem a tudo o que

não lhes é proibido por norma constitucional federal, ou não haja sido

atribuído privativamente à União, quer por preceito explícito, quer por estar

implicitamente contido nos poderes expressos.”

A participação dos Estados nos destinos da Federação, através do exercício

de sua autonomia, é uma exigência que quando descumprida fragiliza a união.

Entretanto, os Estados não têm a exata dimensão sobre o que podem ou não fazer

em matéria constitucional. Esse quadro de incertezas repercutiu na construção das

Constituições Estaduais brasileiras em 1989 e tem reforçado a apatia na disciplina

dos interesses regionais.

Destarte, trata-se de um pântano jurídico no qual as competências legislativas

dos Estados-Membros não estão devidamente claras, tampouco há luz suficiente

para clarear a extensão de suas vedações, pelo fato delas poderem também advir

de dispositivos implícitos que exigem interpretação acurada para terem sua essência

extraída.

4.3. A Constituição Analítica e seus efeitos no plano estadual

A Carta Magna não deveria cuidar amplamente de temas pertinentes à

legislação infraconstitucional. A Constituição de 1988 desprestigiou as Constituições

Estaduais por lhes deixar pouco espaço de atuação própria.

179

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. Op.cit., p.520-521.

180 CUNHA FERRAZ, Anna Cândida. Poder Constituinte do Estado-Membro. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 1979, p. 133.

181 TRIGUEIRO, Oswaldo. “Direito Constitucional Estadual”, Editora Forense, 1980, p. 84.

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74

Jorge Miranda182 referindo-se ao conteúdo da Constituição Cidadã destacou

sua natureza detalhista manifestada pela própria extensão de um texto

demasiadamente prolixo. Em verdade, a Carta de 1988 poderia ter se pautado muito

mais em bases axiomáticas, deixando aos Estados-membros um campo maior para

que legislassem com maior desenvoltura em homenagem a sua autonomia e ao

fortalecimento do próprio Federalismo.

A Constituição Federal analítica não favorece o desenvolvimento do Direito

Estadual por abarcar uma série de temas que poderiam estar dispostos na

legislação ordinária e na Constituição Estadual. A excessiva abrangência normativa

da Lei Maior fez com que a Carta Estadual passasse a reproduzir em seu texto uma

série de temas já dispostos na Lei Fundamental.

Aliás, tornou-se um problema a decisão de se transladar para a Carta

Estadual tantos dispositivos da Lei Maior, pois tais matérias reproduzidas não

poderão sofrer reforma constitucional substancial no plano estadual antes de uma

iniciativa reformadora no âmbito federal.183

182

Em palestra preferida durante evento comemorativo dos 20 anos da Constituição de 1988, Miranda assim se posicionou sobre alguns aspectos da Lex Major brasileira relacionados ao modelo de estado federal adotado e às relações daí decorrentes, sobretudo àquelas atinentes à autonomia dos Estados-membros: "Sendo o Brasil um país federal, uma República federativa, eu acredito que muitas dessas matérias poderiam ser deixadas para as Constituições dos Estados. Parece-me que é muito diferente a explicitação de muitos dos princípios (da Constituição) no Estado de São Paulo e, por exemplo, no Estado do Rio Grande do Norte. Acho que deveria haver maior maleabilidade na Constituição, deixando uma margem maior aos Estados, para, através de suas constituições, adotarem os grandes princípios constitucionais. A Constituição poderia ser mais principialista e deixar maior liberdade aos Estados federados" Fonte: UOL Notícias em Brasília. Claudia Andrade em 10/10/2008.

183 "(....) a ação direta de inconstitucionalidade tem como causa petendi, não a inconstitucionalidade

em face dos dispositivos invocados na inicial como violados, mas a inconstitucionalidade em face de qualquer dispositivo do parâmetro adotado (a Constituição Federal ou a Constituição Estadual). Por isso é que não há necessidade, para a declaração de inconstitucionalidade do ato normativo impugnado, que se forme maioria absoluta quanto ao dispositivo constitucional que leve cada juiz da Corte a declarar a inconstitucionalidade do ato. Ora, para se concluir, em reclamação, que a inconstitucionalidade argüida em face da Constituição Estadual seria uma argüição só admissível em face de princípio de reprodução estadual que, em verdade, seria princípio constitucional federal, mister se faria que se examinasse a argüição formulada perante o Tribunal local não apenas - como o parecer da Procuradoria-Geral da República fez no caso presente, no que foi acompanhado pelo eminente Ministro Velloso no voto que proferiu - em face dos preceitos constitucionais indicados na inicial, mas também, de todos o da Constituição Estadual. E mais, julgada procedente a reclamação, estar-se-ia reconhecendo que a lei municipal ou estadual impugnada não feriria nenhum preceito constitucional estritamente estadual, o que impossibilitaria nova argüição de inconstitucionalidade em face de qualquer desses preceitos, se, na conversão feita por meio da reclamação, a ação direta estadual em face da Constituição Federal fosse julgada improcedente, por não violação de qualquer preceito constitucional federal que não apenas os invocados na inicial. E como, com essa transformação, o Supremo Tribunal Federal não estaria sujeito ao exame da inconstitucionalidade da lei estadual ou municipal em face dos preceitos constitucionais invocados na inicial perante o Tribunal

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A Constituição de 1988 é democrática, e por isso mesmo deveria favorecer a

atuação mais efetiva das unidades parciais na consolidação de um modelo de

Estado Federal participativo. O Federalismo possibilita a conciliação entre unidade e

pluralidade. Neste sentido, a Federação casa muito bem com a Democracia. 184

“Exatamente sobre os efeitos benéficos exercidos sobre o desenvolvimento

da democracia, desde o Segundo Conflito Bélico Mundial, sob o coloridos

de nuanças diferenciadas, mais de dezena de nações acolheram o modelo

federativo. Este sistema ou soluções políticas de índole federativa vêm

conquistando adeptos em todas as partes, apresentando-se, na

contemporaneidade, uma das mais requisitadas opções para o desenho do

modelo de organização estatal. (...) O seu ponto nevrálgico reside na

partilha do poder entre diferentes instituições governamentais , em

diferentes níveis ou esferas do poder. Sua ideia dimana do entendimento de

que esta distribuição de competências políticas viabilizará maiores

benefícios às comunidades. A mola mestra implica, exatamente, na

indicação precisa destas competências.(...)” 185

O Estado federal caracteriza-se ao mesmo tempo pela unidade e pela

repartição do poder. Entretanto, tais valores devem se apresentar harmonizados.

Destarte, a centralização extremada do poder é lesiva à harmonia institucional, tanto

quando favorece ao nível estadual, como quando beneficia à União.

A Constituição Federal catalisou uma série de temas que não mereciam estar

em seu texto. O Poder Originário decidiu concentrar o maior número de temas

possível no bojo da Constituição Cidadã, no que também optou por disponibilizar

boa parte de tais matérias no âmbito da competência legislativa da União.

A chancela do STF em prol da teoria da autonomia da norma repetida, aliada

à inclusão de temas materialmente infraconstitucionais na Constituição de 1988, tem

de Justiça, e tidos, na reclamação, como preceitos verdadeiramente federais, mudar-se-ia a causa petendi da ação: de inconstitucionalidade em face da Constituição Estadual para inconstitucionalidade em face da Constituição Federal, sem limitação, evidentemente, aos preceitos invocados na inicial". (Rcl. nº 383, Rel. Min. Moreira Alves, julgada em 11.06.1992, DJ de 21.05.1993)

184 “Pilar de sustentação da democracia moderna, entendido o federalismo como mecânica de

acomodação de interesses e expectativas diferenciadas, no círculo de uma mesma comunidade estatal, apresenta-se o sistema sustentado por três específicos pilares: a) poder político partilhado; b) quadro de repartição de competências, fixado pela Constituição; c) soberania alojada no âmbito do poder central, restando os entes periféricos com a sua autonomia assegurada.”

CAGGIANO, Mônica

Herman. As novas fronteiras do federalismo – Organização Mônica Herman Caggiano (e) Nina Ranieri. O federalismo no Brasil – São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2008, p. 143.

185 Ibdem, p. 142,143.

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cooperado para a sobrecarga de ações e recursos que abarrotam aquele Tribunal. O

Supremo é levado a decidir não apenas sobre temas da mais alta relevância, sendo

obrigado também a tomar partido em questões menores que de modo algum

deveriam alcançar a estatura daquela Corte.

Há uma desconfiança histórica com relação à atuação dos Estados-membros.

As Constituições Federais, surgidas desde a Reforma de 1926, têm restringido a

autonomia estadual a pretexto de se evitar ameaças à Federação.

Destarte, a conjuntura constitucional, atualmente vigente no Brasil, é

desfavorável ao desenvolvimento de uma Constituição Estadual genuína. A Carta de

1988 impõe barreiras à originalidade normativa na esfera estadual. Deste modo, no

Brasil o Direito Federal e o Direito Constitucional nacional prevalecem em áreas que

deveriam também ser disciplinadas pelas Constituições Estaduais.

Cogita-se que em alguns Países poderá ter havido uma convergência entre

as Constituições Estaduais no intuito de não inovarem para além da Lei Maior.

“Primeiro, determinar se a unidade constituinte fez uso ou não do espaço

constitucional disponibilizado a ela é uma tarefa relativamente arriscada.

Para fazê-la, é necessário procurar por diferenças existentes entre as

Constituições subnacionais e a Constituição Federal, bem como por

diferenças existentes entre as próprias Constituições subnacionais do

sistema federativo. Isto porque tais diferenças indicariam que as unidades

constituintes, de fato, cogitaram arranjos constitucionais alternativos em vez

de adotarem, de maneira automática, os dispositivos constantes da

Constituição Federal ou das demais unidades constituintes. Contudo, esta

verificação não está à prova de falhas. As unidades constituintes podem ter

cogitado seriamente alternativas àquilo que está presente nas Constituições

das demais unidades constituintes ou da Federação, tendo, contudo, ao

final concluído que não haveria qualquer razão para divergir destes

modelos. Apesar da identidade existente entre os arranjos constitucionais,

isto parece se qualificar como preenchimento do espaço constitucional,

porque os constituintes fizeram uma escolha consciente em vez de terem

simplesmente copiado o que encontraram.” 186

A Federação democrática de 1988 deveria permitir aos entes federados o

exercício de suas competências legislativas a partir de seus interesses, na busca de

soluções para questões inadequadamente atendidas pela União.

186

TARR.Allan. Op. Cit., p 06.

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Com efeito, a repetição indiscriminada da Lei Maior nas Cartas Estaduais

reforça o equívoco de que todos os espaços federativos teriam as mesmas

características.

Vale lembrar que nem sempre a Constituição Federal permite às

Constituições Estaduais a repetição daquilo por ela propugnado para a União, ainda

quando isto pudesse contribuir positivamente para uma participação mais efetiva da

vontade dos entes periféricos na mecânica federativa.

É o que acontece, por exemplo, com o Senado Federal, órgão de

representação dos Estados no Congresso Nacional. Neste caso, a Lei Maior de

1988 não permitiu que se estabelecesse órgão semelhante na estrutura dos

Estados, tendo feito opção pelo unicameralismo, apesar de se apresentar

democrática a ideia de se conceder voz aos Municípios na seara legislativa estadual.

Nesta hipótese, o Senado Estadual seria uma arena para representação dos

interesses municipais nos domínios territoriais de cada um dos Estados-membros.

A propósito, na República Velha permitiu-se a criação de Senado Estadual.

Naquela ocasião, os Estados estavam aptos a decidir sobre o modelo de

organização e estrutura do seu Poder Legislativo independentemente do

propugnado no plano federal.

Em 1890 o Governo Provisório permitiu aos recém-criados Estados-membros

escolherem o modelo legislativo a partir de sua conveniência.187 Deste modo, alguns

Estados (São Paulo, Ceará, Pernambuco, Bahia, Maranhão, Alagoas, Minas Gerais

e Pará) adotaram o bicameralismo à moda norte-americana.

4.4. O cerceamento do Poder Decorrente para preservação da união

O Constituinte Decorrente não foi bem sucedido em seu dever de produzir a

partir dos interesses estaduais uma Constituição de acordo com as possibilidades

advindas das competências remanescentes, concorrentes e comuns dispostas na

Constituição Cidadã.

O adequado exercício do Poder Constituinte é fundamental para os desígnios

dos Estados-membros. As Cartas Estaduais poderiam muito bem dispor de modo

peculiar sobre questões regionais de acordo com as características de cada Estado.

Diante disto, as experiências bem sucedidas no âmbito do constitucionalismo

estadual poderiam inspirar às demais unidades federadas. Portanto, a falta desta

187

Cf. o artigo 4º do Decreto nº 802 de 1890.

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atuação inovadora do Constituinte Decorrente tem frustrado o surgimento de

soluções a partir da esfera estadual.

Nos EUA é possível que iniciativas funcionais no âmbito estadual, sejam

adotadas por outros Estados e até mesmo repercutam na esfera federal. Essa

possibilidade é salutar porque impulsiona a criatividade do Constituinte Decorrente,

muito mais próximo da realidade regional que o legislador federal. 188

Numa Federação democrática e equilibrada a Constituição Estadual é um

importante instrumento favorável à autonomia estadual, desde que seja

adequadamente manejada.

Em verdade, o fundamento de validade do Direito Estadual se estriba

diretamente na Lei Maior. A Constituição de 1988 determinou a criação de

Constituições Estaduais para em seguida desprestigiar a atuação do Poder

Decorrente mediante uma série restrições.

O amadurecimento da Democracia brasileira tem favorecido à realização de

um reordenamento federativo. Portanto, na Federação pátria, sem tensões étnicas

ou religiosas relevantes, impõe-se estabelecer solidariedade e coesão entre os

entes federativos.

O argumento utilizado pelos regimes de exceção no sentido de promover a

unidade nacional através de forte centralização política, não pode mais reverberar

em tempos de liberdade política. Portanto, as velhas justificativas para tolhimento da

autonomia estadual, relacionadas ao perigo de secessão e ao surgimento de crises

institucionais pelo enfraquecimento do poder central, perderam o brilho.

188

“O preenchimento, pelas unidades constituintes, do espaço constitucional disponibilizado a elas pode causar, também, efeitos na política constitucional federal. Nossa análise está centrada nos Estados Unidos, mas, presumivelmente, possui, igualmente, uma aplicação mais ampla. Dispositivos constitucionais estaduais prestaram um importante papel na elaboração da Constituição dos Estados Unidos, na medida em que os seus elaboradores se valeram de ideias presentes em suas Constituições estaduais - por exemplo, a instituição do Presidente foi moldada de maneira bem semelhante ao governador de Nova York — e rejeitaram experimentos constitucionais que eles reputavam como mal conduzidos — por exemplo, o poder dos cidadãos em "instruir" os seus representantes.

Dispositivos constitucionais estaduais também influenciaram a Carta de Direitos. E,

desde a criação da Constituição dos EUA, tanto as leis federais como as emendas à Constituição Federal se pautaram em modelos constitucionais estaduais. Por exemplo, o direito de votar concedido aos afro-americanos, às mulheres e às pessoas com dezoito anos foi desbravado por Constituições estaduais antes que fosse incorporado na Carta Federal. Desta feita, uma consequência irônica, uma das implicações da metáfora de Brandeis acerca dos Estados enquanto laboratórios que é notada com menor frequência,é a de que os Estados que tiverem preenchido, com sucesso, o seu espaço constitucional poderão encorajar o governo federal a adotar estas inovações. Mas, ao se federalizar a questão, poderá haver a diminuição do escopo da gestão constitucional subnacional.” TARR, G. Alan. Op.cit., p.08.

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No Brasil a secessão não pode ser considerada uma ameaça real, pois não

há movimentos sociais representativos em favor de formação de novos Estados

nacionais a partir de uma fragmentação do território nacional. Há no Brasil fortes

laços de unidade cultural, o que torna desnecessário anular o Ordenamento Jurídico

estadual para preservação da unidade nacional.

A Federação não se mostra a forma de Estado mais adequada aos Países

ameaçados por insurreições separatistas, porque neste caso a repartição política,

característica fundamental do Federalismo, desfavoreceria a unidade geográfica.

Deste modo, é difícil entender as razões pelas quais o Federalismo brasileiro,

talhado em 1988, mostrou-se assaz restritivo e pouco generoso na concessão de

espaço político aos Estados, quando a grande extensão do território brasileiro

aconselharia, pelo menos no regime democrático, a que se procedesse de modo

diferente.

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CAPÍTULO 5

A CONSTITUIÇÃO ESTADUAL

5.1. Repartição de competências e Constituição Estadual; 5.2. O

problema da delimitação do campo legislativo estadual; 5.3. O princípio

da subsidiariedade, 5.4. As relações federativas e a Constituição de

1988; 5.5. Constituição Estadual, Constituição da União e Constituição

Total; 5.6. A reprodução da Lex Mater na Constituição Estadual.

5.1. Repartição de competências e Constituição Estadual

A força da Constituição Estadual depende do modelo de repartição de

competências adotado pela Lei Maior. Deste modo, a autonomia dos Estados-

membros é um reflexo das disposições contidas na Constituição Federal.

A Constituição Estadual deriva da Lei Maior que lhe fixa as bases sobre as

quais os Estados poderão edificar seu Ordenamento Jurídico com maior ou menor

liberdade, a depender dos limites impostos à atuação do Constituinte Decorrente,

bem como de sua disposição em fazer o melhor dentro do espaço que lhe fora

conferido.

As atuais Constituições Estaduais são promulgadas, escritas, dogmáticas,

formais, rígidas e analíticas,189 quanto ao conteúdo elas são formais e devem dispor

sobre matérias de interesse dos Estados-membros e seus Municípios.

Enquanto a Assembleia Nacional Constituinte instalada no início de 1987

dispôs de aproximadamente dois anos para preparar a Constituição Federal, às

Assembleias Legislativas concedeu-se um prazo máximo de um ano para a feitura

das Constituições Estaduais, conforme o art. 11 do ADCT.

O exíguo prazo determinado pela Constituição Cidadã, para realização dos

trabalhos, cooperou para a produção de Constituições Estaduais recheadas de

189

“Os Estados-membros de uma federação nunca teriam as suas atribuições garantidas se elas não fossem prefixadas por uma constituição rígida. Reputamos esse elemento de grande relevo para se caracterizar um Estado federal, pois, sem esse meio asseguratório das suas atividades, os Estados federados se transformariam, naturalmente, em circunscrições tuteladas, sujeitas ao livre alvedrio do governo federal.” MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira. Op.cit., p. 52.

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normas copiadas da Constituição Federal. Neste caso a falta de criatividade aliou-se

à omissão do Poder Decorrente em flagrante contraste, por exemplo, com a atuação

do Poder Decorrente no âmbito da Constituição de 1891, ocasião em que as Cartas

Estaduais apresentaram-se dinâmicas, apesar de alguns exageros, como resultado

da autonomia atribuída aos Estados-membros pela Lei Maior.

Assim as Constituições Estaduais não devem existir apenas para serem

reprodutoras de normas advindas da Lei Maior. Elas representam mesmo um

instrumento para disciplina das relações jurídicas estaduais, uma ferramenta valiosa

com vistas à construção de bases normativas favoráveis ao desenvolvimento

regional em face de oportunidades econômicas domésticas e daquelas oriundas da

globalização econômica.

Com efeito, o princípio da prevalência do interesse deverá nortear a

repartição das competências legislativas e materiais no âmbito da Lei Maior. É certo

que o exercício das competências administrativas deverá ter lastro na Lei

orçamentária anual.

As demandas por serviços públicos se manifestam majoritariamente no plano

local e regional, onde se afigura imprescindível a atuação dos Municípios e dos

Estados-membros. As atribuições administrativas, por si mesmas, não fortalecem a

autonomia dos entes que as detém, e sem o devido lastro financeiro para supri-las, o

que haverá mesmo é o enfraquecimento da autonomia de tais entes.

Charles Durand,190 a partir da análise do Federalismo praticado em alguns

Países, chamou atenção para o indevido esvaziamento das Constituições Estaduais,

pelo fato da Constituição Federal negar aos Estados-membros poder de decisão

sobre assuntos de seu interesse e pormenorizar atividades que deveriam ficar a

cargo do Direito Estadual.

Manoel Gonçalves Ferreira Filho191 também tratou do assunto, nos seguintes

termos:

190

DURAND, Charles. “El Estado federal en el derecho positivo”, El Federalismo. Madrid, Tecnos S/A. 1965, p. 192.

191 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. As novas fronteiras do federalismo – Organização Mônica

Herman Caggiano (e) Nina Ranieri. O federalismo no Brasil – São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2008, p.46.

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“A referência a “princípios”, no eu tange à auto-organização, é, por outro

lado enganosa. A Constituição brasileira pré-ordena pormenorizadamente a

organização dos Estados, como o faz relativamente ao Distrito Federal e

aos Municípios. Ela o faz, ora indiretamente, prescrevendo que

determinadas normas por ela fixadas para a União se apliquem a outros

entes (p. ex. art.75 – sobre a prestação de contas), ou estipulando

princípios propriamente ditos a serem observados (art.34, VII), ora direta e

frontalmente regendo ela própria a estruturação de tais entes. É o que

decorre, por exemplo, dos art. 27 (relativo à composição da Assembléia

Legislativa) e 28 (referente ao mandato e à eleição de Governador e Vice-

Governador) para os Estados (afora os princípios propriamente ditos

enumerados no art. 37, VII), do art. 29 para os Municípios, do art. 32 para o

Distrito Federal, sem se falar do art. 37 que se rege a administração pública

de toda a espécie em todos os entes federativos. A auto-organização,

portanto, é mais aparente do que real.”

Ferreira Filho192esclarece ainda que no âmbito da Constituição de 1988 a

proposta em favor da superação da permanente centralização de poderes na esfera

da União, na prática não se efetivou.

“Em resumo, a evolução do federalismo no período anterior à Constituição

atual pode ser resumida numa constante concentração do poder em favor

da União. Embora na Constituinte de 1987/1988 se apregoasse como meta

uma reação a esta concentração, tal não se concretizou, nem na realidade

política, nem na estrutura jurídica. O Brasil tem um federalismo fortemente

centralizado centrípeto.”

Raul Machado Horta193 destaca que na Federação é fundamental que se

conceda espaço de atuação para cada um dos entes federados. Desta forma, os

Estados precisam fazer valer sua autonomia no âmbito regional. Anna Ferraz194

ressalta que além de um espaço de atuação, tais entes deverão ter governo,

legislação, organização e administração próprios.

O exercício da autonomia estadual resvala em determinações previamente

estabelecidas das quais a Constituição Estadual não pode fugir, e isto ocorre em

benefício da própria unidade do sistema federativo. Desta forma, a soberania

popular, alicerce do pacto federativo, prevalece sobre a autonomia dos entes

192

Ibdem, p. 45.

193 MACHADO HORTA, Raul. Op. Cit., p.13.

194CUNHA FERRAZ, Anna Cândida da. Op. Cit., p.54.

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federados, instrumento que lhes permite estabelecer seu próprio governo,

administração e normas.195 Portanto, o problema não reside na limitação do Poder

Decorrente, mas sim no rigor de tal cerceamento.

Existe no Brasil uma forte crise gerada por excessivos poderes concedidos

pela Carta de 1988 à União, em detrimento de um espaço que também deveria ser

ocupado pelos Estados-membros. O resultado disto é a desqualificação da

representação popular no plano estadual.

“O traço principal que marca profundamente a nossa já capenga estrutura

federativa é o fortalecimento da União relativamente às demais pessoas

integrantes do sistema. É lamentável que o constituinte não tenha

aproveitado a oportunidade para atender ao que era o grande clamor

nacional no sentido de uma revitalização do nosso princípio federativo. O

Estado brasileiro na nova Constituição ganha níveis de centralização

superiores à maioria dos Estados que se consideram unitários e que, pela

via de uma descentralização por regiões ou por províncias, conseguem um

nível de transferência das competências tanto legislativas quanto de

execução muito superior àquele alcançado pelo Estado brasileiro.

Continuamos, pois, sob uma Constituição eminentemente centralizadora, e

se alguma diferença existe relativamente à anterior é no sentido de que

esse mal (para aqueles que entendem ser um mal) se agravou

sensivelmente.” 196

Aliás, vale lembrar que na Democracia a repartição harmoniosa de

competências entre os entes federativos é considerada como uma das

características essenciais do Federalismo.197 O Legislativo realiza a vontade popular

através da Democracia indireta. Desta forma, quando assuntos que também

interessam aos Estados-membros são remetidos privativamente ao plano federal,

certamente a vontade popular no âmbito estadual não poderá manifestar-se pela

Assembleia Legislativa.

195

Sobre a matéria vale consultar: CLÉVE, Clémerson Merlin. Temas de direito constitucional. São Paulo: Acadêmica, 1993. p. 62-63; SILVA, José Afonso. O estado-membro na constituição federal; RDP, 16/15.

196 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 27. Ed.Op. Cit., p. 293, 294.

197 TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional Econômico. São Paulo: Método, 2003, p. 836.

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Alexandre de Moraes198 ressalta que a centralização do poder, favorável a

certo ente federado, é determinada pela Lei Maior de acordo com a soberana

vontade do Poder Constituinte Originário.

A questão é que algumas matérias não se enquadram apenas no interesse

especifico de um dos entes federados, e é justamente neste espaço que se impõe a

atuação concorrente da União, Estados e Distrito Federal. Aliás, na esteira de tal

competência concorrente é que os Municípios poderão atuar no exercício de sua

competência suplementar. 199

Assim é razoável que a determinação das competências seja pautada em

critérios relacionados aos interesses de cada uma das coletividades.200 Nesta linha,

na esfera regional a atuação dos Estados-membros deverá prevalecer. 201

Deste modo, o acúmulo de temas de interesse de todos os entes no âmbito

da União, dando-lhe competência privativa para sobre eles legislar, é mesmo operar

em desfavor do equilíbrio federativo. Neste caso, a competência concorrente é

aquela que melhor atenderia às pretensões dos entes federados em face da

intersecção de interesses legislativos.

Em nome da adequada representação das populações estaduais, é preciso

reafirmar o compromisso federativo com a distribuição equilibrada de competências

legislativas entre os entes federados com reflexos sobre as Constituições Estaduais.

Neste sentido, é constrangedor verificar que a Constituição Cidadã não alterou

significativamente a centralização patrocinada pela Carta ditatorial de 1967.

198

MORAES, Alexandre de. Federação Brasileira — Necessidade de Fortalecimento das

Competências dos Estados-Membros. Op.cit., p. 20.

199 Cf. art. 30, II da CF/88.

200 “A distribuição das competências é o problema nuclear do federalismo, sinalizando a opção

constituinte por mais ou menos centralização política, por mais ou menos aderência aos modelos e princípios assentes de Estado federal.” NETO LOBO, Paulo Luiz. Op. Cit., p.02.

201 Este é também o entendimento de Alexandre de Moraes: “Não poucas vezes, a aplicação do

princípio da predominância do interesse é esquecida no Brasil, em detrimento dos Estados-membros e, em benefício da centralização na União.” MORAES, Alexandre de. Federação Brasileira —

Necessidade de Fortalecimento das Competências dos Estados-Membros. Op. Cit., p. 21.

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5.2. O problema da delimitação do campo legislativo estadual

Os Estados Unidos202 optaram por fortalecer a União a partir da primeira

metade do século XX, apesar disso os Estados-membros ainda legislam sobre

temas importantes relacionados ao Direito Penal e ao Direito Civil, matérias que no

Brasil pertencem privativamente à União. 203

Paulo Luiz Neto Lobo,204 em sua análise histórica sobre o Federalismo

estadunidense, no que se refere à distribuição dos poderes no plano constitucional

afirma que: “Os poderes da União seriam os enumerados na própria Constituição.

Tudo o mais estaria reservado aos Estados-membros.”

Nesta linha é que Stepan205 destaca que os Estados Unidos e o Brasil têm em

comum a concessão de competência remanescente aos Estados-membros em

áreas não previamente definidas, o que configuraria para o autor uma restrição à

Democracia.

Na América do Norte a distribuição de poder entre a União e os Estados

manifestava-se por uma delimitação clara da área de atuação de tais entes, com o

fortalecimento das decisões locais a partir das Assembleias Estaduais. Este modelo

- adotado desde a independência estadunidense - alterou-se no começo do Século

passado, com a quebra da bolsa de valores em 1929.

Atualmente os EUA dispõem de um modelo de Federalismo cooperativo com

fortalecimento do sistema presidencialista, e isto certamente alterou o fluxo do poder

202

O texto da 10ª emenda à Constituição dos Estados Unidos não foi suficiente para barrar o fortalecimento da União. “A redução da competência estadual, nos Estados Unidos, teve dois momentos destacados: (1) A doutrina dos poderes implícitos da União, partida de genial construção da Suprema Corte americana, em 1819, no “leading case” Mclloch versus Maryland. Decidiu-se que na Constituição, apesar dos poderes enumerados, não existia qualquer expressão que exclua poderes eventuais ou implícitos e que requeira que tudo o que foi concedido deve ser descrito expressa e minuciosamente. (2) A consagração do princípio da supremacia federal, mercê do exercício do poder de revisão judicial, que é, assim, o árbitro do sistema federal, sobretudo a partir da legislação intervencionista do “New Deal” de 1933. A Suprema Corte no caso Estados Unidos versus Darby, de 1941, chegou mesmo a considerar a Décima Emenda como um truísmo, sendo seu propósito o de moderar temores de que o novo Governo nacional pudesse procurar exercer poderes não concedidos e os Estados pudessem não ser capazes de exercer plenamente seus poderes reservados.” NETO LOBO, Paulo Luiz. Op.cit., p .91.

203 Ibdem, p.92.

204 Ibdem, p.04.

205 “No entanto, o impacto político do que a Constituição prescreve é muito menos restritivo nos

Estados Unidos do que no Brasil, porque a Constituição americana é mais parcimoniosa; e entre outras coisas, nos Estados Unidos não existem bancos estaduais.” STEPAN, Alfred. Op. Cit., p.22.

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político em desprestígio do Legislativo Estadual e uma sobrevalorização das

atribuições do Congresso Nacional, com perceptível fragilização dos governos

estaduais. 206

O controle exercido nos Estados Unidos pelo Presidente da República, em

assuntos de interesse estadual, demonstra também naquele País a existência de

problemas quanto à preservação da autonomia dos Estados-membros.

Especificamente sobre esta questão vejamos o que informa Bernard Schwartz: 207

"O poder do Governo Nacional sobre o comércio é interpretado de modo a

sujeitar até mesmo empreendimentos com somente efeito remoto sobre a

economia nacional a minuciosas normas federais. E, à medida que a

autoridade da Nação a este respeito cresceu, a dos estados sofreu

correspondente decréscimo, pois a nação estadual, no sistema americano,

é barrada quando é validamente exercido o poder federal incompatível com

ela"

No Brasil a maioria das Constituições Estaduais apenas menciona possuir

competência para cuidar de assuntos não vedados pela Lex Major, e desta maneira

reproduz as competências comuns e concorrentes sem se dar ao trabalho de

enumerar o rol de suas atribuições remanescentes. Nota-se, portanto, que as

competências legislativas estaduais expressas são escassas e encontram-se

espalhadas no texto da Constituição Federal.

Depreende-se do art. 25, §1º da Carta de 1988 que caberá ao Direito

Estadual legislar sobre uma gama de temas cuja dimensão é incerta.208 A

delimitação da competência remanescente é fundamental, para saber se de fato

206

BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria geral do federalismo. Rio de Janeiro: Forense, 1986, p. 317.

207 SCHWARTZ, Bernnard. O federalismo norte-americano. Rio de Janeiro: Forense Universitária,

1984, p. 74.

208 “Aos Estados-membros são reservadas as competências administrativas que não lhes sejam

vedadas pela Constituição, ou seja, cabem na área administrativa privativamente ao Estado todas as competências que não forem da União (CF, art. 21), dos municípios (CF, art. 30) e comuns (CF, art. 23). É a chamada competência remanescente dos Estados-membros, técnica clássica adotada originariamente pela Constituição norte-americana e por todas as Constituições brasileiras, desde a República, e que presumia o benefício e a preservação de autonomia destes em relação à União, uma vez que a regra é o governo dos Estados, a exceção o Governo Federal, pois o poder reservado ao governo local é mais extenso, por ser indefinido e decorrer da soberania do povo, enquanto o poder geral é limitado e se compõe de certo modo de exceções taxativas. Em seu art. 30, o texto constitucional determina competir aos municípios os assuntos de interesse local.” MORAES, Alexandre de. Federação Brasileira — Necessidade de Fortalecimento das Competências dos Estados-Membros. Op. Cit., p. 20.

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existe uma tábua expressiva de temas a serem alcançados pela atuação estadual.209

É certo que tal competência incide sobre temas de menor relevância, posto que as

competências mais importantes encontram-se na Constituição de 1988 a cargo da

União, a quem compete legislar privativamente sobre boa parte das matérias de

Direito Público e Direito Privado.

O grande desafio é identificar quais são tais temas remanescentes, não

expressamente manifestos, para discipliná-los no âmbito infraconstitucional a partir

na norma estadual.

Alexandre de Moraes210 afirma que aos Estados é atribuída a chamada

competência remanescente não apenas em matéria legislativa, mas também no que

se refere ao exercício de atribuições materiais:

“Aos Estados-membros são reservadas as competências administrativas

que não lhes sejam vedadas pela constituição, ou seja, cabe na área

administrativa privativamente ao Estado todas as competências que não

forem da União (CF, art. 21), dos municípios (CF, art. 30) e comuns (CF, art.

23). É a chamada competência remanescente dos Estados-membros,

técnica clássica adotada originariamente pela Constituição norte-americana

e por todas as Constituições brasileiras, desde a República, e que presumia

o benefício e a preservação de autonomia desses em relação à União (...).”

211

Entretanto, Os Estados-membros não demonstram tanto interesse em tais

competências administrativas implícitas porque implicam em obrigações de fazer, e

toda prestação adicional de serviços terá repercussão orçamentária.

Marcelo Figueiredo212 destaca que além das competências concorrentes,

comuns e remanescentes, aos Estados-membros também a Constituição Federal 213

atribuiu algumas competências privativas de modo excepcional, senão vejamos:

209

“As constituições brasileiras, desde a de 1891, referem-se a poderes reservados (a denominação é um tributo ao prestígio da Constituição americana) com o significado de poderes residuais, não contido nos poderes enumerados ou implícitos da União. Na doutrina estrangeira esta significação tem predominado, porque pode haver poderes reservados tanto da União quanto dos Estados-membros.” NETO LOBO, Paulo Luiz. Op. Cit., p. 93.

210 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. Op.cit., p. 290.

211 Idem.

212 FIGUEIREDO, Marcelo. Federalismo x centralização. A eterna busca do equilíbrio – a tendência

mundial de concentração de poderes na União. A questão dos governos locais. As novas fronteiras

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“Esse sistema admite, entretanto, ressalvas. Para os Estados, além da

competência residual mencionada, no §1º, do art. 25, estão previstas

competências expressas no art.18, §4º (criação, incorporação, fusão e

desmembramento de Municípios), e no §3º, do artigo 25 (instituição de

regiões metropolitanas, aglomerados urbanos e microrregiões). Em relação

à competência tributária, detém a União a competência residual, além das

enumeradas como privativas; aos Estados, Distrito Federal e Municípios são

enunciadas as respectivas competências privativas.”

A competência estadual abrange ainda matéria orçamentária; criação,

extinção e fixação de cargos públicos estaduais; autorizações para alienações de

imóveis; criação de secretarias de governo; organização administrativa, judiciária e

do Ministério Público, da Defensoria Pública e da Procuradoria-Geral do Estado.214

A Lei Fundamental dispõe que a competência dos tribunais estaduais será

definida pelas Constituições Estaduais.215 Além do mais, tem-se que o controle de

constitucionalidade de Leis estaduais e municipais, em face da Constituição

Estadual, deverá ser instituído pelos Estados-membros no bojo de suas Cartas

Reitoras. Concedeu-se ainda aos Estados a possibilidade de criação de uma Justiça

Militar própria. 216

Trilhando o caminho percorrido em 1919 pela Constituição de Weimar a Carta

Maior de 1988 previu a competência legislativa concorrente para a União, os

Estados e Distrito Federal.217 O campo para atuação dos Estados-membros, no

exercício das competências concorrentes e comuns, incide principalmente em

matérias concernentes aos direitos de segunda e terceira dimensão.

A Constituição de 1988 admite a hipótese de delegação de competência da

União aos Estados-membros através de Lei Complementar para que legislem sobre

questões específicas, como previsto no parágrafo único do art. 22 da Carta Magna.

do federalismo. Organização Mónica H. Caggiano (e) Nina Ranieri. São Paulo: Imprensa oficial de São Paulo, 2008, p. 129.

213 Cf. artigo 18, §4º, artigo 25, §2º e artigo 25, §3º da CF/88.

214 MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional / Gilmar Ferreira Mendes, Paulo

Gustavo Gonet Branco – 6. Ed. Ver. E atual. – São Paulo: Saraiva, 2011, p, 819.

215 Entretanto o art. 70 do ADCT dispõe que enquanto a competência dos tribunais estaduais não seja

definida pela Constituição Estadual ficará mantida a atual competência prevista na CF/88.

216 Cf. art. 125 e o art. 235, X da CF/88.

217 BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. Op.cit., p. 971.

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Ora, esta hipótese de delegação legislativa impressa pelo Poder Constituinte

Originário na Lei Maior é um indicativo da consciência existente sobre o interesse

estadual em vários dos temas atribuídos privativamente à União. Em verdade, o art.

22 da Carta de 1988 ostenta tanto matérias que dizem respeito apenas à União,

como também apresenta outros temas que melhor estariam dispostos no rol das

competências concorrentes por também interessar aos Estados-membros.

Destarte, não faria o menor sentido que Lei Complementar autorizasse os

Estados, por exemplo, a legislar sobre o disposto no art. 22, XII (nacionalidade,

cidadania e naturalização). Nesta linha, tal delegação se faria possível apenas em

matérias relacionadas ao cotidiano dos Estados-membros. Portanto, tais temas

possíveis de especificação estadual deveriam compor o rol do art. 24 da Lei Maior.

Com efeito, são raríssimos os casos de efetivação do disposto no parágrafo

único do art. 22 da Carta de 1988. Aliás, a edição da Lei Complementar nº 103/2000

- pela qual a União autorizou os Estados e o Distrito Federal a instituir o piso salarial

a que se refere o art. 7º, V da Constituição Federal218- constitui-se num dos poucos

exemplos de aplicabilidade do aludido dispositivo.

Portanto, o Poder Originário autorizou o Congresso Nacional a decidir, pela

edição de Lei Complementar, sobre a possibilidade dos Estados atuarem em

competências privativas da União, cujo interesse estadual seja evidente. Ora, se o

Congresso raramente operacionaliza tal mecanismo, apesar de existir interesse

estadual em atuar nessas áreas, seria muito difícil acreditar que esse mesmo

Congresso Nacional (Poder Constituinte Derivado) permitiria uma reforma federativa

pela qual fossem atribuídas aos Estados-membros essas mesmas competências

que atualmente são passíveis de partilha por delegação.

218

“A competência legislativa do Estado do Rio de Janeiro para fixar piso salarial decorre da LC federal 103, de 2000, mediante a qual a União, valendo-se do disposto no art. 22, inciso I e parágrafo único, da Carta Maior, delegou aos Estados e ao Distrito Federal a competência para instituir piso salarial para os empregados que não tenham esse mínimo definido em lei federal, convenção ou acordo coletivo de trabalho. Trata-se de lei estadual que consubstancia um exemplo típico de exercício, pelo legislador federado, da figura da competência privativa delegada. A expressão ‘que o fixe a maior’ contida no caput do art. 1º da Lei estadual 5.627/2009 tornou os valores fixados na lei estadual aplicáveis, inclusive, aos trabalhadores com pisos salariais estabelecidos em lei federal, convenção ou acordo coletivo de trabalho inferiores a esse. A inclusão da expressão extrapola os limites da delegação legislativa advinda da LC 103/2000, violando, assim, o art. 22, inciso I e parágrafo único, da CF, por invadir a competência da União para legislar sobre direito do trabalho. (...) Atuar fora dos limites da delegação é legislar sem competência, e a usurpação da competência legislativa qualifica-se como ato de transgressão constitucional.” (ADI 4.391, Rel. Min. Dias Toffoli, julgamento em 2-3-2011, Plenário, DJE de 20-6-2011.)

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Aliás, boa parte dos conflitos federativos, acerca da usurpação de

competências legislativas que tramitam no STF, seria evitada caso o disposto no

parágrafo único do art. 22 da Constituição Cidadã fosse operacionalizado pelo

Congresso Nacional. Portanto, o compartilhamento de algumas competências

legislativas privativas da União com os Estados-membros - efetivado através da

reestruturação federativa - produziria uma Federação mais harmônica.

5.3. O princípio da subsidiariedade

As políticas públicas também são executadas no nível local e regional pelos

Municípios e Estados, entes constantemente insatisfeitos em face de sua

insuficiência financeira para fazer frente ao volume de atribuições administrativas, a

eles, conferidas pela Lei Fundamental.

A este respeito assim preleciona José Alfredo Baracho219:

“(...) Nos dias de hoje o princípio da subsidiariedade completa a doutrina

federativa, possibilitando o crescimento das formas de colaboração,

integração, participação e parceria dos entes governamentais, componentes

da estrutura federal de governo. Nos diversos estudos sobre o federalismo,

existe grande preocupação em torno da economia e das finanças no estado

federativo, com grande destaque para a repartição dos tributos.”

A prestação de serviços públicos exige uma contrapartida financeira. Desta

forma, não faria o menor sentido atribuir aos Estados e Municípios a maioria das

competências materiais se a Lei Maior não lhes deu instrumentos pelos quais

pudessem arrecadar tributos na medida de suas obrigações administrativas.

Portanto, urge que o Poder Constituinte toque neste ponto através da redistribuição

das receitas tributárias.

Com esteio nos princípios da subsidiariedade e da prevalência do interesse,

tem-se que a atuação administrativa se dá nas esferas: local, regional e nacional, de

acordo com o interesse de cada um dos citados entes na prestação dos serviços

públicos.

Paulo José Leite Farias sobre o princípio da subsidiariedade destaca o seguinte:

219

BARACHO, José Alfredo de Oliveira. A federação e a revisão constitucional. As novas técnicas dos equilíbrios constitucionais e as relações financeiras. A cláusula federativa e a proteção da forma de estado na Constituição de 1988. Revista de Direito Administrativo: Rio de Janeiro, 202: 49-60, out./dez.1995, p.58.

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“A subsidiariedade deve ser vista como princípio pelo qual as decisões

serão tomadas ao nível político mais baixo possível, isto é, por aqueles que

estão, o mais próximo possível, das decisões que são definidas, efetuadas e

executadas. Está, assim, o princípio, relacionado com o processo de

descentralização política e administrativa, em outras palavras, associado ao

fortalecimento do poder local” 220

Deste modo, a atuação do ente central poderia ser subsidiária a dos demais

entes federados a partir do seu campo de atuação natural, com fulcro no princípio da

prevalência do interesse. Alexandre de Moraes221 reforça esta noção do seguinte

modo:

“A regra é o governo dos Estados, a exceção o Governo Federal, pois o

poder reservado ao governo local é mais extenso, por ser indefinido e

decorrer da soberania do povo, enquanto o poder geral é limitado e se

compõe de certo modo de exceções taxativas.”

Todavia, o contrário é o que efetivamente ocorre no bojo da Constituição de

1988. A partir de um conjunto de competências atribuídas à União pelo Poder

Constituinte Originário é que se desenha a atuação dos demais entes federados.

Aliás, isso é o que se depreende, por exemplo, do disposto no art. 30, II da

Constituição Cidadã em que se atribui aos Municípios competência para

suplementar a legislação federal e estadual naquilo que lhes couber. Reiteramos

que esta foi uma opção do Poder Originário.

5.4. As relações federativas e a Constituição de 1988

O modelo federativo adotado no Brasil pelas Constituições republicanas se

deixou influenciar pela instabilidade política advinda dos sobressaltos institucionais

que constantemente determinavam a alternância entre a Democracia e o regime

autoritário. Com efeito, o Federalismo centralizador - adotado durante os regimes de

exceção nas décadas de 1930 e 1960 - atribuiu à União o planejamento das políticas

públicas nacionais e locais com pouca participação dos Estados no processo

decisório.

220

FARIAS, Paulo José Leite. Competência Federativa e Proteção Ambiental. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor, 1999, p. 319.

221 MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. Op.cit., p. 290.

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Assim, é certo que a Constituição de 1988 está na origem dos atuais dilemas

federativos. Estados e Municípios tem sua autonomia (financeira, administrativa e

política) mitigada pelo modelo de repartição de competências legislativas adotado

pela Lex Mater.

Existem problemas com relação à organização do Estado federal brasileiro,

como bem pontua André Ramos Tavares: 222

“De outra parte, não existe no Brasil uma Justiça municipal que pudesse

corresponder ao âmbito federativo das cidades. A Justiça local, portanto, é

apenas aquela de âmbito estadual. Passível de crítica, nesse ponto, a

Constituição, porque poderia ter implementado a descentralização também

da organização judiciária do País, aproximando mais a Justiça do cidadão

(munícipe).”

A redemocratização não alterou substancialmente esta lógica federativa,

trazendo pouca novidade quanto à descentralização mais efetiva das competências

e atribuições constitucionais. O ente central apresenta interesses políticos na

manutenção desse modelo, porque se utiliza dele para subjugar financeiramente os

demais entes.

A possibilidade de se embargar os projetos de interesse do governo federal

pelo veto - através de sua bancada no Congresso Nacional - tem se mostrado um

instrumento de barganha que favorece aos Estados em sua relação com a União. O

poder econômico do ente central é utilizado para angariar apoio político das

bancadas estaduais na aprovação de votações de interesse do governo federal no

Congresso Nacional.

Entre os Estados-membros existem tensões de natureza econômica, o que

tem impossibilitado a criação de um ambiente cooperativo em âmbito regional. As

disparidades federativas se agravaram nas relações interestaduais por conta das

disputas em torno do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços. Aliás, o

ICMS passou a servir de indutor de desenvolvimento industrial mediante isenções ou

redução de alíquotas, com vistas a atrair indústrias para as regiões mais pobres. As

222

TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. Op. Cit., p. 1209.

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distorções fiscais promoveram tensões regionais que expuseram as deficiências do

Federalismo pátrio. 223

Aliás, apresenta-se relevante a atuação do Senado em favor do equilíbrio das

relações entre os Estados no plano tributário224 através, por exemplo, da unificação

de alíquotas (art. 155, § 6º, I da Lei Maior), sobretudo quando fracassarem as

deliberações estaduais com vistas a resolver questões controversas.

Compete ainda à Câmara Alta225 estabelecer as alíquotas do ICMS aplicáveis

às operações e prestações, interestaduais e de exportação, por intermédio de

Resolução de iniciativa do Presidente da República ou de um terço dos senadores,

aprovada pela maioria absoluta dos membros da referida Casa.

Os Estados-membros, com vistas à promoção de seu crescimento

econômico, têm concedido uma série de incentivos fiscais para atrair investimentos

da iniciativa privada. Ocorre que esse procedimento deve ser submetido ao

Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ), órgão que concede o lastro de

constitucionalidade a tais operações. Entretanto, boa parte dessas manobras

financeiras feitas pelos Estados-membros afronta tal exigência.

223

“O principal imposto estadual (de maior arrecadação nacional) foi criado em 1966 como um imposto sobre o valor agregado relativo à circulação de mercadorias (ICM). Este veio substituir o antigo Imposto sobre Vendas e Consignações (IVC), que incidia cumulativamente sobre cada operação de venda ou consignação de mercadorias. Em 1988, foram incorporados à base de cálculo do ICM (que passou a se denominar Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços — ICMS) os fatos geradores dos impostos únicos sobre lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos (IULCLG), energia elétrica (IUEE) e minerais (IUM), assim como os impostos sobre serviços de comunicações (ISSC) e transporte rodoviário (IST). Estes impostos eram de competência federal, mas eram compartilhados com os estados e municípios.” ALMEIDA, Anna Ozorio de. Evolução e Crise da Dívida Pública Estadual. Texto para discussão nº448. IPEA, Brasília, 1996, p.12.

224 A PEC nº 12/2008, de autoria de Adelmir Santana, realça a importância do Senado Federal em

matéria tributária, senão vejamos: “No final de 2003, o Senado Federal recebeu a importante incumbência de zelar pela funcionalidade do Sistema Tributário Nacional e avaliar o desempenho das administrações tributárias da União, dos Estados e do Distrito Federal e dos Municípios. No entanto, não há como ser considerado funcional um sistema tributário que retira da sociedade mais de 35% do Produto Interno Bruto (PIB). Da mesma forma, com tantos tributos e com alíquotas tão elevadas, também não é possível avaliar o desempenho das administrações tributárias. Parece-nos essencial, pois, que o Senado Federal acompanhe a evolução da carga tributária e conceba mecanismos adequados, técnica e juridicamente, a reduzi-la. O objetivo da Proposta é deixar expressa essa incumbência, além de explicitar que esses estudos e diagnósticos devem servir como diretriz para a elaboração dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, no espírito cooperativo que marca nosso Federalismo. Não é aceitável que entremos em nova discussão sobre Reforma Tributária sem que seja discutido profundamente o problema da carga tributária brasileira que, no patamar em que se encontra, dificulta o crescimento de longo prazo da economia brasileira. São essas as razões que embasam nossa Proposta e para a qual pedimos o apoio dos nossos Pares. (...)”

225 Cf. o art. 155, § 2º, IV da Constituição de 1988.

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A situação econômica dos Estados é precária. 226 As obrigações relacionadas

à prestação de serviços públicos de educação, saúde, segurança pública, dentre

outros, cresceram demasiadamente com o advento da Constituição Cidadã.

A adequada dotação orçamentária deverá fazer-se acompanhar de

planejamento financeiro e gestão pública eficiente quando da prestação dos serviços

públicos, numa interação adequada entre tributação, orçamento e gestão sob os

auspícios do Direito Tributário, Financeiro e Administrativo.

Cabe à Constituição da República propiciar ferramentas para a superação das

vulnerabilidades sociais e econômicas que impactam a vida da maioria dos

brasileiros. A execução de soluções para os problemas econômicos dos Estados-

membros exige vontade política para promoção de reformas estruturantes cujos

frutos se colhem no longo prazo.

A pretensão de se ter no Brasil um Federalismo solidário, foi impactada pela

dura realidade, caracterizada por incerteza e desconfiança, com enfrentamentos e

interesses antagônicos.

A Constituição Cidadã pretendeu reduzir as desigualdades regionais pela

repartição das receitas tributárias e pela instituição de fundos pelos quais uma

porcentagem de alguns impostos da União fosse desigualmente distribuída entre os

Estados, com base em critérios sociais e econômicos. É preciso que se reconheça a

importância dessa iniciativa. Entretanto, a vontade do Constituinte não bastou para

assegurar o desenvolvimento das regiões mais pobres no Brasil. 227

O crescimento econômico precisa repercutir socialmente em áreas como:

educação, saúde e saneamento, e tais serviços devem ser operacionalizados

através de políticas públicas e pela atuação da iniciativa privada.

226

Entre 2007 e 2010 a arrecadação da União cresceu em termos reais 25% enquanto que as transferências cresceram apenas 15,3%. A unanimidade entre os parlamentares é que esta gerência é injusta e inoportuna. Há um grande desequilíbrio entre as atribuições e competências. (Revista UNALE, Ano XII, n. 57, junho de 2011, p.19).

227 “No entanto, em que pese ao dinamismo dos pólos regionais, seu crescimento é insuficiente para

levar o País como um todo ao crescimento sustentado; tem se revelado capaz apenas de produzir uma certa descentralização em direção às economias regionais, enquanto a crise do “motor” da industrialização nacional, a Região Sudeste, continua dando os limites e as possibilidades de desempenho da economia nacional.” RODRIGUEZ, Vicente. Os interesses regionais e a federação brasileira. Ensaios, FEE, Porto Alegre, (15) 2:338-353, 1994, p. 340.

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Aliás, o modelo de cooperação proposto pela Constituição de 1988 pelo qual

se busca fomentar o desenvolvimento nas regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste,

contou com a oposição de parlamentares do centro-sul. Isso ficou evidente durante a

Reforma revisional da Carta de 1988, diante das tentativas de alteração do modelo

de transferências de recursos federais, em prejuízo das regiões mais pobres.228

Naquela ocasião, cogitou-se ainda em eliminar o referencial de distribuição dos

recursos públicos.229

A criação de normas financeiras para contenção dos gastos públicos teve

seus reflexos no equilíbrio as contas públicas. A estabilidade econômica, obtida pelo

Brasil na segunda metade dos anos 1990, contribuiu para esse cenário.

O sucesso do Plano Real no controle da inflação possibilitou o acesso de

parte da população brasileira aos bens de consumo, beneficiada pelas políticas de

assistência social e pelo ganho real do salário mínimo. Estabeleceu-se assim um

ciclo econômico favorável que trouxe consigo um incremento na arrecadação dos

tributos estaduais, com benefícios aos Estados, sobretudo os mais pobres.230

Naquele momento, a crise financeira estadual levou à privatização de bancos

públicos, corriqueiramente usados para fins eleitoreiros pelos governos estaduais.

Tal medida impactou positivamente a economia regional. Em verdade, tem-se que

228

“As características do processo de descentralização – em especial o expressivo crescimento das regiões Centro-oeste, Norte e Nordeste – apontam o fortalecimento das instâncias subnacionais e o aumento do equilíbrio político e econômico regional. No entanto, embora os indicadores macroeconômicos regionais mostrem claramente uma tendência convergente em direção à média nacional, evidenciando a evolução do processo de integração nacional nas últimas décadas, não há indicações de redução dos desequilíbrios políticos federativos; ao contrário, vivemos um momento de profundo desequilíbrio da federação brasileira.”

CAMARGO, A. Federalismo e inflação. São

Paulo,(Brandel papers, n. 3), 1992, p.05.

229 LAVINAS, Lena e MAGINA, Manoel A.. Federalismo e desenvolvimento regional: debates da

revisão constitucional. Rio de Janeiro: IPEA, 1995, p.20.

230“O governo do Acre, por exemplo, elevou sua receita de impostos em 186%, em termos reais, entre

2003 e 2010, em comparação com os oito anos anteriores. No mesmo período, as chamadas transferências correntes - formadas quase na totalidade por verbas da União - subiram bem menos, cerca de 55%, ou seja, no bolo total da receita, os repasses federais perderam peso. Apesar da melhora, ainda há nove unidades da Federação que arrecadam menos com impostos próprios - principalmente ICMS e IPVA - do que recebem em transferências. Até 2002, eram 11 Estados nessa situação. São Paulo lidera o ranking da “independência” em relação ao governo federal - para cada real recebido como transferência, o governo local arrecadou mais de oito, em média, entre 2003 e 2010. Mas o Estado está em último lugar na lista dos que mais aumentaram a arrecadação, 11 unidades da Federação mais do que dobraram suas receitas próprias, em termos reais (descontada a variação da inflação). Dos cinco com melhor desempenho, quatro são nortistas (além do Acre, Amapá, Roraima e Rondônia) e um do Centro-Oeste (Mato Grosso do Sul)." Reportagem do Jornal o Estado de São Paulo em reportagem de Daniel Bramatti, publicada no dia 20.08.2011.

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por determinação da Lei de Responsabilidade Fiscal passou-se a exigir o controle

rigoroso dos gastos públicos, o que gerou mudanças no obsoleto modelo brasileiro

de gestão pública.

Na década de 1990, em nome da estabilidade econômica do País, houve uma

intensa ofensiva contra os abusos cometidos na gestão estadual. Assim, governos

que se utilizavam das finanças estaduais para fins eleitoreiros passaram a sofrer os

rigores da legislação.

Com efeito, o Brasil ainda enfrenta sérios problemas de corrupção e gestão

pública temerária. Aliás, o País tem intensificado o combate àquela corrupção

oriunda das relações do governo federal com sua base de apoio no Congresso

Nacional. Corrupção esta que surge a pretexto de se garantir a governabilidade.

Neste cenário a reforma política apresenta-se como mais um instrumento que se

propõe a aperfeiçoar o constitucionalismo pátrio.

No período republicano, problemas de caixa sempre levaram prefeitos e

governadores a se socorrerem do governo federal para remediar o descompasso

nas contas públicas, alimentando um processo nocivo à autonomia estadual.

Um grande número de Estados brasileiros, principalmente os das regiões

Nordeste e Norte, tem sua economia atrelada aos recursos repassados pela União,

caracterizando uma situação de insuficiência financeira que tem levado ao

endividamento público, diante da necessidade de se buscar recursos para custeio e

investimento.

O Congresso Nacional tem se omitido no que se refere à regulamentação de

alguns dispositivos, da Carta de 1988, fundamentais à superação das disparidades

regionais, dentre os quais podemos citar o art. 43 que versa sobre as condições para

integração de regiões em desenvolvimento e o art. 163, VII, que define a forma de

atuação das instituições oficiais de crédito.

A ação legislativa é um meio indutor de desenvolvimento. Assim, reiteramos

que a Constituição Estadual poderá oferecer sua contribuição como ferramenta para

promoção do desenvolvimento regional, a depender evidentemente da forma de sua

utilização por cada Estado. Num tempo em que a globalização econômica impacta

as bases do Estado nacional é que a valorização de instituições regionais e locais

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poderá operar em favor da preservação do próprio sentimento nacional e de coesão

federativa.

5.5. Constituição Estadual, Constituição da União e Constituição Total

De acordo com a teoria das três ordens (escola austríaca), citada no primeiro

capítulo, a Constituição Federal contém duas Constituições. A primeira é a geral que

rege os interesses de toda a Federação, a segunda é aquela que diz respeito

apenas aos interesses da União, entendida enquanto ente federativo.

Ora, a partir desta constatação; tem-se que entre os entes federativos, o

princípio isonômico perdeu sua força, visto que no plano subnacional a Constituição

Estadual não possui o mesmo privilégio de se confundir com a própria Constituição

Federal, diluindo-se nela, como ocorre com a Constituição da União.

No caso dos Municípios e do Distrito Federal a situação é mais grave ainda,

haja vista que suas Leis Orgânicas, de acordo com a Constituição Federal, sequer

são consideradas uma manifestação do Poder Constituinte, apresentando-se como

atos do Poder Legislativo.

A Lei Maior cuida dos interesses da união (Federação) o que inclui os

assuntos da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, de acordo com o artigo

18 da Lei Maior. A União (ente federado) não tem uma Constituição apartada que

possa ser dissociada da Lex Mater. Deste modo, o ente central usufrui de um

beneficio não concedido a nenhum outro ente federativo, manifesto pela inserção de

sua Constituição na Constituição Federal. Essa situação se apresenta como um

privilégio, pois guinda ao nível mais alto do Ordenamento Jurídico a defesa dos

interesses da União.

As normas centrais da Constituição Federal cuidam da organização do Estado

federal para manter a unidade e a harmonia do sistema, a fim de possibilitar uma

interface entre soberania e autonomias em prol da cooperação e da resolução de

tensões entre as coletividades federadas. Tais normas não se confundem com

aquelas normas centralizadoras dispostas nas Constituições unitaristas. 231

231

“A atuação do constituinte estadual é derivativa deste conjunto de normas devendo a constituição estadual e a norma subnacional observá-las fielmente.” HORTA, Raul Machado. Normas Centrais da Constituição Federal. Revista de informação legislativa, Brasília, a. 34n. 135 jul./set. 1997, p. 176.

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Com base na Carta de 1988 tem-se que a Constituição da União, por estar

inserida na Constituição Federal, é igualmente norma suprema prevalecendo diante

das normas constitucionais estaduais. Esta relação se reflete no controle de

constitucionalidade, posto que a norma constitucional da União na prática tem um

valor diferente daquele atribuído à norma constitucional estadual, posto ser esta

controlada em face daquela.

Nesta linha, a Constituição Estadual encontra-se normativamente submetida

aos ditames da Carta da União, quando em verdade as normas constitucionais dos

entes federativos deveriam atuar a partir das competências distribuídas pela

Constituição Federal, pondo-se todas elas no mesmo patamar a fim de também

serem controladas face à Constituição da Federação.

A Carta Magna é a Constituição da Federação e a ela deveriam submeter-se

não apenas as Constituições Estaduais e as Leis Orgânicas, como também a

Constituição da União. Essa hipótese favoreceria ao equilíbrio das relações

federativas.

Com efeito, a maior parte dos comandos da Constituição Federal vale para

todos os níveis da Federação. Todavia, como já ressaltado, existe também uma

parte da Carta da República que disciplina apenas questões de interesse de um dos

entes federados, a saber, a União. Com base nisto atente-se ao magistério de

Oswaldo Bandeira de Mello: 232

"A chamada ‘Constituição Federal’ pode ser desdobrada em duas cartas

distintas: a Constituição Total e a Constituição da União. A Constituição

Total compreende a verdadeira Constituição Federal e regula, portanto, os

poderes do Estado Federal. A Constituição da União dispõe somente sobre

as competências da coletividade central, delegadas pela Constituição Total

Inexiste controle de constitucionalidade sobre a Constituição da União com

vistas à proteção da Constituição Total, como ocorre com relação às Constituições

Estaduais e Leis Orgânicas. A supremacia deveria caracterizar apenas a

Constituição Total, todavia, está presente também na Constituição da União.

Estes argumentos bastam para demonstrar que as Constituições da União e

dos Estados-membros não estão no mesmo patamar. Neste ponto, discordamos de

232

MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira. Op.cit., p. 49.

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Bandeira de Mello quando afirma que as Constituições da União e dos Estados se

acham em idêntico plano. 233

A Constituição da União deveria mesmo estar no mesmo patamar das

Constituições Estaduais. Em verdade, deveria e poderia ser assim se a União

tivesse sua Constituição dissociada da Lei Maior.

Melhor seria se a União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios

fossem regidos por Constituições autônomas submetidas à Lei Maior que a seu

turno poderia dispor apenas sobre matéria essencialmente constitucional.

O desmembramento da Constituição da União do corpo da Constituição

Federal dificilmente se daria através de emenda constitucional. No atual formato, o

Supremo Tribunal Federal, com arrimo no art. 102 da Carta de 1988, se ocupa da

guarda da Constituição Federal sem decréscimo da parcela normativa referente à

Constituição da União.

A Constituição Estadual é protegida pelo Tribunal de Justiça Estadual. Assim,

na hipótese de criação de uma Constituição da União, desmembrada da

Constituição Federal, seria apropriado conceder a outro tribunal, que não fosse o

STF, atribuições para proteção da Constituição da União. Ao Supremo, com base

nesta lógica, competiria apenas o controle de constitucionalidade referente aos

temas de interesse do Estado federativo.

Nesta linha de raciocínio, melhor seria que a Constituição da União fosse uma

manifestação do Poder Constituinte Derivado, com atuação condicionada e limitada

pelos comandos contidos na Lei Maior.

Os limites que são naturalmente impostos à Constituição Estadual não têm

sua origem na chamada Constituição da União, pois se assim o fosse, estar-se-ia

admitindo a existência de hierarquia entres os entes federados, quando em verdade

a relação entre eles presume-se ser de coordenação e cooperação e não de

subordinação.

233

“Ela se encontra em plano idêntico ao das constituições dos Estados-membros que regem as competências outorgadas pela constituição total às coletividades particulares. Desse modo se evitam confusões como as que quotidianamente ocorrem entre a União – uma das coletividades parciais e o Estado federal – a comunidade total." Idem.

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É a Constituição Total que determina os fundamentos, as balizas e os limites

que caracterizam a Constituição Estadual, haja vista que é nela que se encontra o

substrato que nutre o Estado Federal brasileiro. Neste sentido, o nivelamento da

Constituição da União no mesmo plano da Constituição Total é um indicativo da

desigualdade que se opera entre os entes federativos. 234

Para efeito comparativo, tem-se que a Lei federal e a Lei nacional são criadas

pelo Congresso Nacional, entretanto diferem quanto a sua destinação, haja vista que

aos interesses da União aplica-se a norma federal, enquanto que a Lei nacional

obriga todos os entes federativos. Esta dinâmica também poderia ser aplicada à

Constituição Federal e à Constituição da União, esta cuidaria apenas dos interesses

do ente central enquanto aquela se ocuparia de reger a Federação como um todo,

inclusive a própria União.

Dotar o ente central de uma Constituição própria teria efeitos positivos sobre a

Constituição Federal que passaria a ser mais compacta e se ocuparia somente

daquelas questões de interesse da união.

No caso brasileiro, o Poder Constituinte Originário - soberano, inicial, ilimitado

e incondicionado - decidiu construir a Constituição da União incorporada à Lei Maior,

tornando aquela parte desta. Entretanto, por ser um poder inicial nada o impediria de

construir a Lei Maior dissociada da Constituição da União, atribuindo a esta o

mesmo valor concedido à Constituição Estadual.

Em verdade, a isonomia entre os entes federativos é frágil e encontra

obstáculos a partir do próprio texto constitucional, visto não haver justificativa

plausível para que entes igualmente autônomos possuam normas reitoras tão

desniveladas.

Ainda que inexista uma Constituição da União autônoma, melhor seria tê-la

para então atribuir-lhe o mesmo valor concedido às Constituições Estaduais, bem

como mais adequado seria dotar o Distrito Federal e os Municípios de uma

Constituição.

234

“De fato, inexiste hierarquia jurídica entre os entes federativos. Todos são pessoas jurídicas dotadas de capacidade política, enquanto atuam dentro de suas esferas de competência, constitucionalmente traçadas. Portanto, a harmonia deve presidir a conveniência dos entes federativos (pessoas políticas). Há, aliás, implícita na Constituição Brasileira a idéia de que desta conveniência harmoniosa resultará o bem de toda a Nação.” CARRAZZA, A. Roque. Curso de Direito Constitucional Tributário. 19ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 129.

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5.6. A reprodução da Lex Mater na Constituição Estadual

A Constituição Estadual é um documento que deve observar a Lei Maior por

imposição da soberania federativa, “respeitando os princípios constitucionais

sensíveis, princípios federais extensíveis e princípios constitucionais

estabelecidos”.235

Para Celso de Mello,236 no plano constitucional os princípios federais

extensíveis e os princípios constitucionais estabelecidos são bem mais numerosos

do que os chamados princípios constitucionais sensíveis, previstos no artigo 34, VII

da Constituição Federal, e todos estes princípios apresentam-se como de

reprodução obrigatória pelas Constituições Estaduais.

Os princípios extensíveis são comuns a todos os entes federativos por se

constituírem em normas centrais. Aliás, Raul Machado Horta237a eles se refere como

“princípios desta Constituição” provavelmente em alusão ao artigo 11 dos Atos das

Disposições Constitucionais Transitórias, dentre os quais estão os dispositivos

elencados no título I da Carta Magna.

Os princípios estabelecidos manifestam-se em favor da ordenação da

Federação e da auto-organização dos Estados-membros, cuidando de competências

administrativas, organização da administração pública e disposições expressas

sobre a organização do próprio governo.

“Em primeiro lugar, devemos reconhecer que para observar princípios, o

constituinte não precisa repeti-los na Constituição Estadual, embora

nada impeça de fazê-lo. Observar um princípio significa assim abster-se

de emitir regras com ele incompatíveis ou, positivamente, emitir regras

235

SILVA, José Afonso. O Estado-membro na Constituição Federal. RDP 16/15.

236 "Se é certo que a nova Carta Política contempla um elenco menos abrangente de princípios

constitucionais sensíveis, a denotar, com isso, a expansão de poderes jurídicos na esfera das coletividades autônomas locais, o mesmo não se pode afirmar quanto aos princípios federais extensíveis e aos princípios constitucionais estabelecidos, os quais, embora disseminados pelo texto constitucional, posto que não é tópica a sua localização, configuram acervo expressivo de limitações dessa autonomia local, cuja identificação – até mesmo pelos efeitos restritivos que deles decorrem – impõese realizar. A questão da necessária observância, ou não, pelos Estados-membros, das normas e princípios inerentes ao processo legislativo, provoca a discussão sobre o alcance do poder jurídico da União Federal de impor, ou não, às demais pessoas estatais que integram a estrutura da Federação, o respeito incondicional a padrões heterônomos por ela própria instituídos como fatores de compulsória aplicação. (...) Da resolução dessa questão central, emergirá a definição do modelo de Federação a ser efetivamente observado nas práticas institucionais." (ADI 216-MC, Rel. p/ o ac. Min. Celso de Mello, julgamento em 23-5-1990, Plenário, DJ de 7-5-1993.)

237 MACHADO, Horta. Estudos de direito constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 1995, p. 391-392.

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constitucionais compatíveis. Não se cumpre um princípio repetindo o seu

teor, mas emitindo regras que com ele compõem um conjunto

hierarquicamente harmônico. Como princípios não exigem um

comportamento específico nem são aplicáveis à maneira de um ‘tudo ou

nada’, observá-los significa seguir-lhes a orientação ao estabelecerem-

se regras constitucionais estaduais.” 238

É natural que as Cartas Estaduais tratem de alguns assuntos dispostos na Lei

Maior, adaptando-os à situação específica vivenciada pelos Estados-membros.

Assim, no exercício de sua competência é de pouca serventia aos Estados

transcreverem trechos genéricos dispostos na Constituição da República, haja vista

que nestes casos o que se espera é a especificação da norma geral, salvo na

hipótese da União ter se omitido na construção do preceito geral no que tange à

competência concorrente.

A repetição além de pouco influenciar na validade da norma jurídica, produz

dificuldades no que se refere ao controle de constitucionalidade. Em verdade,

normas contidas na Lei Maior reproduzidas pela Constituição Estadual poderão ser

protegidas pelo STF, bem como pelos Tribunais de Justiça estaduais. Essa dinâmica

poderá gerar demora na resolução de suposta inconstitucionalidade e fomentar um

ambiente de incerteza jurídica diante da existência opiniões divergentes, com maior

demora na produção de uma decisão definitiva pelo Supremo.

Com efeito, de acordo com o art. 125, §2º da Constituição Federal, podem os

Estados-membros conhecer e decidir através dos Tribunais de Justiça sobre a

inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da

Constituição Estadual.

A tradição brasileira é mesmo de repetição meticulosa de um grande número

de dispositivos da Constituição Federal nas Constituições Estaduais, a ponto do STF

já ter sido acionado para se manifestar, por exemplo, sobre controvérsia relativa à

ausência da menção a Deus no preâmbulo da Constituição do Acre, em virtude de

238

FERRAZ JUNIOR, Tércio. Sampaio. Princípios condicionantes do poder constituinte estadual em face da constituição federal. Revista de Direito Público, São Paulo, v. 22, 1989, p. 90.

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suposta obrigação de repetir em seu texto a referência ao Criador, contida no

preâmbulo da Lei Maior. 239

Através da Reclamação nº 383 o Supremo adotou a “tese da autonomia da

norma repetida”. Dispositivos das Constituições Estaduais - reproduzidos a partir de

normas de observância obrigatória dispostas na Constituição Federal - poderão ser

objeto de controle de constitucionalidade perante os Tribunais de Justiça dos

Estados-membros, sem que isso signifique usurpação da competência atribuída pela

Carta de 1988 ao STF. 240

Nos termos do artigo 34, VII da Carta Magna, a palavra “observância”, foi

interpretada pelo STF como sinônimo de obrigatoriedade de reprodução normativa

direcionada ao Constituinte Decorrente para transportar uma série de dispositivos

estruturantes para a Constituição Estadual.

Entretanto, o Supremo já foi favorável à desnecessidade da reprodução desse

tipo de norma no contexto das Constituições Estaduais. Pela Reclamação nº 370241

tinha-se o entendimento de que era ociosa a reprodução de normas constitucionais

obrigatórias no âmbito da Constituição Estadual.

A “teoria da ociosidade da norma constitucional repetida”, anteriormente

adotada, não reconhecia a autonomia da norma repetida, por isso mesmo retirava a

competência da Justiça Estadual para realizar o controle abstrato dessa norma.

Dispunha ainda que a observância dos princípios contidos na Constituição Federal

não significava necessariamente o dever de copiá-los no texto da Constituição

Estadual.

Do ponto de vista dos interesses estaduais, de pouco valeria ter toda a

Constituição Federal reproduzida na Constituição Estadual. A Lei Maior não dispõe

239

O Partido Social Liberal arguiu perante o STF lesão à CF/88 pelo fato da Constituição Estadual do Acre não ter repetido em seu preâmbulo a expressão “sob a proteção de Deus” no que o Supremo julgou a referida ação improcedente, fazendo entender que a Constituição Estadual não é obrigada a reproduzir na íntegra todo o texto da Lei Maior. STF, Pleno, ADI nº 2.076/AC, REl.Min. Carlos Velloso, decisão de 15.08.2002.

240 Rcl. nº 383, Rel. Min.Moreira Alves, julgada em 11.06.1992, DJ de 21.05.1993.

241 Anteriormente, julgando a Reclamação nº 370, afirmara o Supremo Tribunal Federal que faleceria

competência aos Tribunais de Justiça estaduais para conhecer de representação de inconstitucionalidade de lei estadual ou municipal em face de parâmetros formalmente estaduais, mas substancialmente integrantes da ordem constitucional federal. (...) (Rcl. nº 370, Rel. Min. Octavio Gallotti, julgada em 09.04.1992, DJ de 29.06.2001).

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detidamente sobre questões específicas das diversas regiões do País, tarefa esta

atribuída ao Constituinte Decorrente no âmbito da Carta Estadual.

O importante é que a Carta Estadual não se notabilize por um conjunto de

normas reproduzidas a partir da Lei Maior. A Constituição Estadual não pode se

restringir a este programa normativo porque isto significaria uma afronta à autonomia

estadual e ao princípio federativo. 242

Com isso queremos dizer que ao abrigo de qualquer uma das teorias

(ociosidade ou autonomia) cabe ao Poder Constituinte Decorrente o exercício das

competências que lhe foram atribuídas pela Constituição Federal no sentido de

adaptar a norma constitucional estadual à realidade dos Estados e Municípios. A

nosso sentir, o que mais interessa é a obediência e não a reprodução normativa

exaustiva dos referidos princípios da Carta Magna no texto da Constituição Estadual.

Por um lado a Constituição de 1988 ofertou aos Estados-membros um

diminuto espaço de atuação legislativa. Doutra banda, tem-se que o Poder

Decorrente tem sido omisso em sua tarefa de prover a Constituição Estadual de

dispositivos autênticos, não reproduzidos ou imitados a partir da Constituição

Federal.

Destarte, nem mesmo o pequeno espaço favorável à atuação estadual foi

adequadamente utilizado pelo Poder Decorrente no âmbito das Cartas Estaduais. É

legítimo que as Assembleias Legislativas almejem partilhar as competências

privativas da União (PEC nº 47/2012). Entretanto, é fundamental que o Poder

Decorrente cumpra seu papel de adequar a Constituição Estadual à realidade

cultural, social e econômica de cada um dos Estados da Federação.

242

“A exuberância de casos em que o princípio da separação dos poderes cerceia toda a criatividade do constituinte estadual, levou a que se falasse num princípio da simetria, para designar a obrigação do constituinte estadual de seguir fielmente as opções de organização e de relacionamento entre os poderes acolhidos pelo constituinte federal. Esse princípio da simetria, contudo, não deve ser compreendido como absoluto. Nem todas as normas que regem o Poder Legislativo da União são de absorção necessária pelos estados. As normas de observância obrigatória são as que refletem o inter-relacionamento entre os poderes”.

MENDES, Gilmar Ferreira. Op.cit., p. 814.

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CAPÍTULO 6

O DIREITO ESTADUAL E O DESENVOLVIMENTO REGIONAL

6.1. O Federalismo brasileiro sob a perspectiva regional; 6.2. O Direito

Estadual e as potencialidades regionais; 6.3. Poder Constituinte

Estadual e desenvolvimento; 6.4. A ordem econômica estadual; 6.5.

Políticas públicas e desenvolvimento regional; 6.6. Orçamento público e

regionalização; 6.7. O Fundo de Participação dos Estados.

6.1. O Federalismo brasileiro sob a perspectiva regional

É possível que Estados pertencentes a uma determinada região geográfica do

País não ostentem as mesmas peculiaridades. Deste modo, pertencer a uma

determinada região nem sempre faz com que os Estados-membros tenham

interesses comuns.

Deste modo, as peculiaridades geográficas aliadas a fatores culturais poderão

determinar a existência de características próprias que poderão redundar na defesa

de diferentes interesses. Apesar disto, é perfeitamente possível que - no âmbito de

uma região - os Estados-membros elejam temas de interesse comum a fim de

estabelecer os termos de sua defesa em face das demais regiões ou mesmo da

União.

A questão regional pauta-se na identidade cultural, econômica e social de

cada um dos Estados-membros. Portanto, é justo que essas questões permeiem a

competência legislativa dos entes periféricos na construção de um Direito Estadual

mais genuíno.

O interesse comum de um conjunto de Estados pertencentes a uma mesma

região geográfica produz uma espécie de interesse regional coletivo voltado muito

mais ao exercício de competências administrativas.

No Brasil as regiões não são entidades políticas, assim não se constituem em

entes componentes da Federação. Em verdade, a competência legislativa de

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interesse regional é aquela concedida pela Carta Magna ao Estado-membro

enquanto entidade singular.

Paulo Bonavides243 observa que no Brasil a temática regionalista esteve

ausente em praticamente todas as Constituições, com menções insignificantes no

âmbito das Cartas de 1946 e 1967, sendo que apenas a partir da Constituição de

1988 o regionalismo mereceu maior destaque. 244

Assim a Carta de 1988 abriu espaço para a discussão sobre o papel das

regiões no cenário federativo, com o reconhecimento formal de sua existência

enquanto entidade administrativa245, como se depreende da referência à redução

das desigualdades regionais no Brasil disposta nos artigos 3º, III; 43 e 170, VII da

Carta Magna. 246

Aliás, durante o processo de criação da Constituição de 1988 o Poder

Originário descartou a hipótese de inclusão das regiões enquanto ente federativo

possivelmente porque isso implicaria em maior coesão dos Estados-membros e

fortalecimento de sua autonomia.247 A insistência em associar autonomia estadual a

243

BONAVIDES, Paulo. Op. Cit., p.359.

244 “Muitos autores enfatizam o uso redundante e excessivo do princípio da regionalização ao longo

de vários artigos da Constituição. De fato, dadas as transformações no padrão de crescimento da economia brasileira e diante do processo de globalização que redefine as formas de inserção das economias locais e regionais no mercado internacional, trazendo maior heterogeneidade interna às regiões e rompendo com especificidades intrínsecas, parece inadequada essa referência reiterada à escala macrorregional como escala espacial predominante nos processos econômicos, sociais e políticos. É verdade que, ao contrário da prática política dos congressistas que ainda reproduz uma estruturação em grandes blocos regionais, a dinâmica econômica opera em distintas escalas, que vão da nacional, e até mesmo supranacional, ao nível local.” Ibdem, p.02.

245 A Carta Magna de 1988 fez referências às regiões quando determinou, por exemplo, a destinação

de receitas tributárias para financiamento do setor produtivo regional.

246 “O Estado regional é visto, por alguns, como modelo intermediário entre o Estado unitário e o

federal. Exemplo clássico desse tipo de Estado é a República Italiana. No Estado regional, a descentralização ocorre de cima para baixo, sendo transferidas pelo poder central, através de lei nacional, competências administrativas e legislativas ordinárias. Quanto à forma de Estado denominada autonômico, apesar de se assemelhar ao Estado regional no concernente à descentralização, com este não se confunde. Entende a melhor doutrina que o Estado autonômico é a fórmula de administração territorial mais criativa surgida nos últimos tempos, precisamente após a Constituição espanhola de 1978, sendo justamente a Espanha o paradigma e o clássico exemplo.” MARTINS FILHO, Luiz Dias. Op.cit. p.69

247 “Durante a Constituinte de 1987/1988 não faltaram propostas conducentes a efetivar, de imediato,

o princípio federativo sobre bases regionais. Partiram sobretudo de membros do colégio constituinte, pertencentes aos Estados do Nordeste, sendo dignas de menção as Emendas apresentadas por Firmo de Castro, Paes de Andrade, José Lins de Albuquerque e Aluísio Campos, entre outros. Mas a adoção foi tenazmente combatida e obstacularizada por constituintes do Sudeste sob a alegativa maior, inteiramente destituída de fundamento, de que a introdução de semelhante fórmula poderia levar ao separatismo e à desagregação da unidade nacional.” BONAVIDES, Paulo. Op. Cit., p.359.

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intentos separatistas não deveria mais prevalecer num País com instituições

democráticas consolidadas.

Paulo Bonavides248 destaca o Estado regional como possibilidade de se fazer

frente aos vícios oriundos do presidencialismo brasileiro, alimentado pela

centralização política. “O aspecto do centralismo continua, pois, presente, deitando

sombras e ameaças à ordem federativa, enquanto não se resolver a questão

regional.” 249

Há críticas ao modo como a Constituição Federal de 1988 fez referência às

regiões:

“Os entes federados são estados e municípios e não regiões. Regiões

específicas não deveriam ser nomeadas na Constituição, tal como o foram

no caso dos fundos constitucionais, dos programas de irrigação etc. Ao

tratar das regiões no seu artigo 43, para efeitos administrativos, o texto

constitucional as nomeia como complexos articulados do ponto de vista

geoeconômico e social, passíveis de serem reconstituídas para fins de ação

governamental. Se a flexibilidade ainda não pode orientar os princípios do

federalismo brasileiro, dado o caráter atual do nosso Estado e os riscos em

que incorreríamos, ela talvez possa balizar os princípios de regionalização e

infirmar aqueles do regionalismo.” 250

A instituição da região enquanto ente federativo, no bojo da Constituição

Federal, poderia inaugurar consigo uma nova perspectiva de embate federativo

gerado a partir da relação entre as regiões na defesa dos interesses dos Estados-

membros aos quais elas representariam. Em vez de se criar um novo ente

federativo, melhor seria aperfeiçoar a relação entre os entes federativos que já

compõem a Federação brasileira.

248

“Assim como os Municípios são mais fortes pela sua aglutinação num Estado-membro, do mesmo modo os Estados teriam mais força e expressão se seu vínculo se fizesse mediante a união regional, provida esta também de autonomia. No federalismo das autonomias regionais, o que se propõe não é a eliminação das autonomias dos Estados-membros e dos Municípios, mas precisamente o contrário, a saber, o seu fortalecimento com a adição da autonomia regional”. Idem.

249 Ibdem.

250 LAVINAS, Lena e MAGINA, Manoel A.. Federalismo e desenvolvimento regional: debates da

revisão constitucional. Rio de Janeiro: IPEA, 1995, p. 03.

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6.2. O Direito Estadual e as potencialidades regionais

É certo que o desenvolvimento regional resulta da articulação entre diversos

atores, a saber: a sociedade civil, organizações não governamentais, instituições

políticas, empresas e o próprio Estado. 251

Há instrumentos pelos quais os Estados-membros poderão superar suas

dificuldades econômicas. Assim, a intervenção do Estado na economia regional bem

como a atuação da iniciativa privada são medidas imprescindíveis ao

desenvolvimento regional.

A atuação do Estado - através da produção normativa, do planejamento e da

execução de ações estruturais - favorece ao desenvolvimento regional pela

construção de um ambiente benéfico à iniciativa privada com vistas à exploração de

potencialidades econômicas existentes em cada região do País. 252

Portanto, é preciso que se garanta à iniciativa privada um ambiente

econômico regional permeado por segurança jurídica. A economia rege-se por

princípios próprios a partir de bases jurídicas sólidas capazes de gerar tranquilidade

ao mercado. 253

“Nem tudo está, no entanto, capturado ou movido pela parte mais poderosa

e dinâmica do sistema. A vida social e econômica persiste nas áreas

periféricas, realimentando circuitos secundários de valorização dos capitais

ou de iniciativas de organização alternativas que animam a vida quotidiana

de amplas camadas da população. Dessa forma, mesmo nas franjas menos

significativas do sistema econômico hegemônico, recursos mal ou pouco

aproveitados podem ser melhor mobilizados, desde que hajam estímulos

para tanto - uma postura que chama atenção novamente para o esforço

inovador demandado pelo desenvolvimento regional. A criatividade e

capacidade de organização coletiva das populações pode perfeitamente

251

BUARQUE, Sérgio C. Metodologia de planejamento do desenvolvimento local e municipal sustentável. Material para orientação técnica e treinamento de multiplicadores e técnicos em planejamento local e municipal. Brasília, DF: IICA, 1999, p. 132.

252 “O enfoque globalizante dos processos que corresponde à proeminência do Estado como agente

propulsor e orientador das atividades econômicas e árbitro dos conflitos de classes na definição do interesse nacional, viria finalmente a prevalecer na concepção do desenvolvimento.” FURTADO, Celso. Pequena introdução ao desenvolvimento: enfoque interdisciplinar. 2ª edição. São Paulo: Editora nacional, 1981, p.20.

253 Vital Moreira observa que atualmente as economias capitalistas são mistas quanto ao modelo de

coordenação, na medida em que combinam em doses variáveis a coordenação estatal, a do mercado e a auto-regulação através da atuação dos próprios agentes econômicos. MOREIRA, Vital. Auto-regulação profissional e administração pública. Coimbra: Almeida, 1997, p. 121.

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explorar brechas para a inclusão social e econômica e, assim, reencontrar

nichos de inserção sustentada no mercados.”254

Compete à Lei estabelecer as diretrizes e bases do planejamento na busca de

desenvolvimento equilibrado que deverá incluir e compatibilizar os planos nacionais

e regionais de desenvolvimento, num ambiente de integração federativa conforme o

art. 174, §1º da Carta Magna. Entretanto, esta previsão esbarra na falta de norma

regulamentadora federal.

O planejamento regional, feito exclusivamente a partir da União, dificilmente

atenderia satisfatoriamente as demandas de todos os Estados-membros. Por isso

mesmo, mostra-se fundamental a integração entre os projetos estaduais e a

proposição da União. 255

É preciso efetivar os dispositivos constitucionais favoráveis ao

desenvolvimento. Entretanto, Manoel Gonçalves Ferreira Filho256 chama a atenção

para a necessidade de operacionalização da norma jurídica econômica em

consonância com os princípios constitucionais garantidores da dignidade da pessoa

humana.

Em verdade, a norma jurídica estadual precisa manifestar-se favoravelmente

no plano regional. O Federalismo exige que a realidade de cada Estado repercuta no

plano jurídico, e esta necessidade também se aplica à questão econômica. 257

A atual discussão sobre a reforma federativa oportuniza a discussão em torno

da necessidade de adaptação do Direito Estadual à realidade socioeconômica

regional. 258

254

Ministério da Integração Nacional. Ministério da Integração nacional. Secretaria de Políticas de Desenvolvimento Regional. Fundos constitucionais de financiamento – 20 anos – desempenho operacional. Brasília, 2009, p.10. Fonte; http://www.integracao.gov.br/publicacoes2.

255 “Importa que no planejamento e execução de políticas públicas reconheça-se a importância do

elemento regional. Os entes federativos devem trabalhar articulados, de maneira a se definirem os objetivos que possibilitem a elaboração de políticas públicas de baixo para cima.” RODRIGUES, Isabel Cristina. O desenvolvimento econômico regional no contexto do desenvolvimento sustentável, 2003, p. 08.

256 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. Op.cit., p. 347.

257 Na concepção de Fonseca o conceito jurídico de Constituição econômica vem dar respostas a

estas indagações e pretende ver como o direito conduz o fenômeno econômico, para que se consiga uma adequação entre a norma e o fato. FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Direito Econômico. 2ª ed. Forense: Rio de Janeiro, 1998, p.51.

258 SANTOS, Boaventura de Sousa (org.). Produzir para viver: os caminhos da produção não

capitalista. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002, p. 67.

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Atritos são gerados entre os Estados na disputa pela captação de recursos

federais e investimentos privados. 259

A Carta de 1988 atribuiu à União, em caso de solicitação dos Estados, a

possibilidade de atuação para resolução de algumas pendências.260 A harmonia

institucional impõe-se também pela atuação do ente central para equacionar

questões de interesse federativo, mesmo que seja pela intervenção federal, quando

for o caso. Com efeito, alguns órgãos são fundamentais para estabilização

institucional, dentre os quais merecem destaque o Senado e o STF.

No plano tributário o Senado poderá harmonizar conflitos interestaduais. A

propósito, a resolução da tensão estadual em torno do ICMS, poderia então contar

com a atuação da Câmara Alta, caso houvesse vontade política para tal. 261

Nesse sentido, o papel do Senado assumiria cabal relevância, por sua

atuação enquanto órgão moderador capaz de harmonizar os interesses entre os

Estados, sobretudo em questões delicadas que se apresentam como foco de

hostilidades. 262

Destarte, a hipótese de um Estado federal sem Senado, defendida por alguns

juristas,263 não atenderia aos anseios da Federação brasileira em prol de seu

aperfeiçoamento.

259

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 11ª. ed. Op.cit., 2008, p. 811.

260 Esta hipótese está prevista no Art.12, §3º do ADCT, em que por solicitação dos Estados e

Municípios interessados, a União poderá encarregar-se dos trabalhos demarcatórios das linhas divisórias litigiosas.

261 O papel do Senado mostra-se fundamental para resolução de entraves tributários como também

se depreende da disposição elencada no Art. 155, §2º, IV da Lex Mater, nos termos que se seguem: Art. 155 (...) (...) § 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: (...) IV - resolução do Senado Federal, de iniciativa do Presidente da República ou de um terço dos Senadores, aprovada pela maioria absoluta de seus membros, estabelecerá as alíquotas aplicáveis às operações e prestações, interestaduais e de exportação; (...)

262 Na concepção de Bercovici: “O Senado foi criado no Brasil como órgão de moderação, o que ficou

bem claro durante o Império, não cumprindo com o seu papel originário de ‘Câmara dos Estados’ para garantir o equilíbrio da Federação.” BERCOVICI, Gilberto. Dilemas do estado federal brasileiro. Porto Alegre: Livraria do advogado Editora, 2004, p. 86.

263 Otávio Rocha, em sua dissertação, associou José Afonso da Silva e Gilberto Bercovici à defesa da

ideia de extinção do Senado Federal. Nesta linha, para Silva a inexistência de Senado não afetaria a harmonia federativa, tendo inclusive proposto a criação de um ‘congresso da federação’ composto por representantes dos Estados-membros e dos Municípios em substituição à Câmara Alta. De semelhante modo, para Bercovici a Câmara dos Deputados representa na prática os interesses estaduais, o que supriria a ausência da Casa dos Estados. ROCHA, Otávio Túlio Pedersoli. A

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Alega-se existir disparidade de representatividade popular na composição da

Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Assim sendo, diz-se que a Câmara

Alta, modelada pela Carta de 1988, afrontaria o princípio democrático por atribuir aos

Estados o mesmo número de senadores, independentemente de sua população.

Ocorre que o Senado representa os Estados, e por isso mesmo não faria sentido

que sua composição se medisse por critérios populacionais.

6.3. Poder Constituinte Estadual e desenvolvimento

As decisões políticas internas tomadas no sentido de adequar o Ordenamento

Jurídico estadual aos princípios constitucionais que regem o desenvolvimento,

demonstram a importância da atuação do Poder Decorrente como fator de distinção

positiva entre as unidades federadas.

Assim tem-se que em matéria de desenvolvimento regional cada Estado-

membro tem suficiente autonomia para imprimir seu próprio crescimento a partir de

bases jurídicas e econômicas dispostas na Carta Estadual e na Constituição

Federal.

Portanto, a Constituição Estadual precisa ser encarada como instrumento de

desenvolvimento. A partir disto seria possível conferir nova roupagem ao Direito

Estadual com destaque para uma ordem econômica voltada às potencialidades

regionais.

Vale lembrar que a atuação do Poder Constituinte Estadual está muito

distante daquilo que dele se esperava diante do seu potencial para alavancar um

ambiente regional socioeconomicamente favorável.

É possível citar algumas matérias sobre as quais a atuação administrativa e

legislativa dos Estados-membros poderia favorecer a economia regional: Artesanato;

confecção; calçados; alimentação; extrativismo; cultivos; pesca; turismo;

microempresas e empresas de pequeno porte; cooperativismo e associativismo;

política fundiária; política agrícola: (geração e difusão de tecnologia agropecuária,

defesa sanitária, informação rural, comercialização, abastecimento e

armazenamento, crédito rural, seguro agrícola, formação profissional e educação

rural, irrigação e drenagem, habitação e eletrificação rural, agroindústria, assistência

relevância do senado para o estado federal no Brasil. Dissertação de Mestrado em direito PUC/MG. Orientador: José Alfredo Baracho Júnior. Belo Horizonte-MG, 2010, p.208, 209.

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técnica e extensão rural); atividade hídrica e mineral; meio ambiente; regiões

metropolitanas; trabalho e emprego; defesa do consumidor; dentre outras vocações.

Desta forma, a norma jurídica e o desenvolvimento manifestam-se

respectivamente através de uma relação de causa e efeito, temperada pela

efetividade normativa e pela boa gestão governamental.

Cabe reforçar que se tem desfavorecido à essência democrática presente na

Constituição Cidadã, em virtude de grande limitação imposta ao constitucionalismo

estadual pela sonegação de uma série de temas atualmente privativos à União, mas

que de igual modo deveriam constar do campo de interesse dos Estados-membros

por também lhes dizerem respeito.

Ora, a União deve ocupar-se da regência de temas no plano federal.

Entretanto em algumas das matérias que lhe são privativamente conferidas pela

Constituição de 1988, tem-se que o mais adequado seria mesmo a atuação conjunta

entre a União e os Estados. Portanto, em tais assuntos a manifestação da vontade

popular através do Poder Decorrente e do Poder Legislativo estadual tem sido

cerceada pela Carta de 1988.

Com efeito, Federação e Democracia se complementam. O Federalismo

manifesta-se pela distribuição de competências aos entes federados a fim de fazer

com que os interesses das populações sejam atendidos no plano federal, estadual e

municipal.

O Brasil vive um momento de tranquilidade política e as instituições

encontram-se consolidadas. Cabe, portanto, uma reflexão sobre a conveniência de

uma reforma federativa capaz de melhor adequar a Federação pátria à Democracia.

No contexto da Constituição de 1988 ressalte-se que a Federação não poderá

ser abolida. Entretanto, nada impede que seja ela aperfeiçoada através de emenda

constitucional, pela qual se considere a possibilidade de redefinição do poder como

alternativa ao modelo excessivamente centralizador, disposto na Carta Magna,

mediante reposicionamento de competências legislativas com reflexo sobre as

Constituições Estaduais.

Assim, neste momento em que o Poder Legislativo Federal se ocupa da

discussão dos problemas que afligem a Federação brasileira, faz-se oportuno

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destacar o papel do Direito Estadual na consecução dos interesses regionais, com

esteio na noção de que urge discutir os termos do reordenamento federativo.

Aliás, a doutrina compartilha dessa opinião ao apontar problemas decorrentes

da distribuição das competências dispostas na Constituição brasileira:

“Nesse sentido, constata-se que a própria repartição de competências

legislativas, que é o cerne do modelo federativo, está a merecer na

Constituição brasileira uma profunda reformulação, de sorte que se

pretendermos mesmo viver em um estado federal, vamos, então meditar

sobre quais matérias os Estados deveriam legislar, sobre aquelas em que

os Estados, efetivamente deveriam editar normas.” 264

A questão que se impõe é: O Poder Derivado congressual reúne as condições

para produzir uma reestruturação federativa em detrimento dos interesses do

governo federal?

Por enquanto, não tentaremos dar uma resposta a esta indagação,

voltaremos a este questionamento um pouco mais adiante.

6.4. A ordem econômica estadual

A ordem econômica brasileira procurou agregar elementos aparentemente

inconciliáveis, a saber: o capital e o trabalho, conforme o art. 170 da Constituição

Federal.

O capitalismo proposto em 1988 trouxe consigo uma série de princípios que

buscam orientar a atividade econômica a partir de valores sociais.265 O Direito

Estadual deverá repercutir a orientação econômica exarada da Lei Maior,

conciliando-a com a justiça social. 266

O Direito Econômico está disposto no âmbito da competência concorrente

contida no art. 24 da Lei Maior. Diante disto, há espaço para a construção de uma

ordem econômica específica na Constituição Estadual. Assim, no exercício de sua

competência concorrente os Estados-membros poderão adaptar a norma econômica

264

RAMOS, Elival da Silva. Op. Cit., p. 173.

265 BONAVIDES, Paulo. Op.cit., p.371.

266 A Constituição pernambucana em seu título VI, atinente à ordem econômica, reproduz a Lei Maior

ao dispor que o desenvolvimento econômico deverá conciliar a livre iniciativa com a justiça social a fim de gerar bem-estar. Cf. artigo 139 da constituição do Estado de Pernambuco.

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a sua realidade. Destarte, é preciso aperfeiçoar o marco jurídico estadual atinente a

esta matéria.

Aliás, Bandeira de Mello267 já nutria simpatia diante da possibilidade dos

Estados legislarem sobre a ordem social, sendo que para ele a União deveria atuar

concorrentemente nesta matéria.

“Já vimos que os assuntos de ordem geral devem caber à União e os de

ordem particular aos Estados-membros. Assim, a maior parte da atividade

jurídica deve ser entregue à União, isto é, as questões atinentes à defesa

externa, privativamente, e as condizentes à ordem interna; parcialmente, se

bem que a porção mais importante. Por motivo idêntico, a maior parte da

atividade social deve caber aos Estados federados, tocando à União,

quando muito, traçar as diretrizes legislativas nessas matérias e exercer

concorrentemente, e de modo secundário, os serviços referentes a essa

última atividade.” 268

A atuação estatal se estabelece em pelo menos três frentes: Administrativa,

financeira e legislativa.

Portanto, o Estado cumpre importância cabal como elemento indutor de

desenvolvimento. Ademais, não poderá se furtar de seu dever constitucional de

garantir dignidade às populações economicamente vulneráveis através de políticas

públicas que promovam justiça social.

Neste sentido, Bandeira de Mello 269 afirma o seguinte:

“O Estado, na consecução do seu fim, exerce uma dupla atividade: jurídica

e social. Aquela é considerada primária, pois só a ele incumbe sob pena da

sua falência virtual; ao passo que a outra, se bem que necessária, é

supletiva e concorrente, porquanto o Estado a exerce ao mesmo tempo que

os particulares e para preencher as deficiências ou falta destes.”

Com efeito, os repasses financeiros feitos pela União aos Estados-membros,

em virtude de determinação constitucional, são fundamentais à sobrevivência

econômica de Estados, Distrito Federal e Municípios, e visam ainda promover

desenvolvimento econômico e social nas regiões mais pobres. Os Fundos

Constitucionais de Financiamento do Norte (FNO), do Nordeste (FNE) e do Centro-

267

MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira. Op.cit., pp. 80, 81.

268 Idem.

269 Ibdem.

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Oeste (FCO), representam importante mecanismo de fomento na execução da

política de desenvolvimento regional no Brasil.

A composição dos referidos fundos (FNE, FCO, FNO) se dá pela destinação

de 3% da soma da arrecadação do Imposto de Renda (IR) e do Imposto sobre

Produtos Industrializados (IPI) de um total de 48%, deste percentual tem-se que

21,5% são destinados para compor os recursos que formam o FPE e 23,5% para a

composição do FPM, de acordo com o art. 159, I, a, b e c da Carta de 1988. 270

A União é o ente federativo com o maior número de impostos e é o único que

tem autorização da Lei Fundamental para criação de outros, o que deu ao ente

central uma posição privilegiada na composição de sua arrecadação cuja dimensão

é nacional. Diante disto, em nome do Federalismo cooperativo a Constituição de

1988 promove uma repartição de rendas entre os entes federativos em que a União

repassa parte do montante de alguns de seus impostos aos Estados, Distrito Federal

e Municípios. A seu turno, os Estados-membros destinam parte do IPVA e do ICMS

aos seus Municípios.

Assim por questões óbvias a repartição das receitas não se dá da periferia

para o centro, o contrário é o que ocorre. A União reparte receitas com todos os

demais entes federativos, sem de nenhum deles auferir repasses oriundos de

impostos, enquanto que os Municípios apenas recebem, sem redistribuir parte de

seus impostos com nenhum outro ente federal.

Interessante é que, no artigo 157, I e II, a Lei Maior atribuiu aos Estados e ao

Distrito Federal os valores atinentes ao Imposto de Renda arrecadado na fonte por

tais entes, suas autarquias e fundações, bem como 20% do montante arrecadado

com impostos criados extraordinariamente pela União no exercício de sua

competência residual. Nesta última hipótese, a repartição do tributo arrecadado

residualmente pela União estaria condicionada à disposição do ente central em criar

novos impostos, num cenário que tende a desestimular o surgimento deste tipo de

tributo, em virtude justamente da obrigação da União em reparti-lo com os demais

entes federados.

270

“Administrados pelo Ministério da Integração Nacional, pelos Conselhos Deliberativos de cada Fundo e operados pelo Banco da Amazônia, na Região Norte (FNO), o Banco do Nordeste na Região Nordeste (FNE) e o Banco do Brasil na Região Centro-Oeste (FCO), os Fundos Constitucionais são, atualmente, a mais expressiva fonte de financiamento da política regional Brasileira.” Ministério da Integração nacional. Op.cit., p.04.

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Com base na Carta de 1988 a União partilha com os Municípios metade do

montante arrecadado com o Imposto Territorial Rural (ITR) sobre os imóveis inscritos

em seu território. No que tange ao ITR os Municípios terão direito à totalidade do

montante auferido, cuja incidência tenha se dado no âmbito do respectivo Município,

na hipótese de se responsabilizarem por sua fiscalização e arrecadação.

Os Municípios recebem dos Estados 50% do Imposto sobre Propriedade de

Veículos Automotores (IPVA) referentes aos veículos licenciados em seu território e

auferem 25% do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), além

de lhes pertencer o montante do Imposto de Renda arrecadado na fonte por eles,

suas autarquias e fundações.

É certo que a competência tributária estadual se estende por todo o território

do respectivo Estado-membro. Deste modo em todos os Municípios, que compõem

um determinado Estado, haverá cobrança e arrecadação de IPVA e ICMS. Enquanto

que a capacidade tributária municipal resume-se ao seu território, cujo contingente

populacional compõe-se apenas de uma parcela do montante populacional que

forma o Estado-membro no qual se insere.

Destarte, a União não tem do que reclamar no plano tributário. Por outro lado,

tem-se que os Estados-membros foram desprestigiados na formulação do arranjo

constitucional referente à repartição de receitas tributárias porque perderam

competência sobre uma série de impostos que em ordens constitucionais pretéritas

estavam sob sua égide.271

6.5. Políticas públicas e desenvolvimento regional

O Estado brasileiro mira a realização dos objetivos da ordem social

relacionados ao bem-estar da sociedade e à produção de justiça social.272 O

desenvolvimento regional passa pela adequação geográfica do crescimento

econômico, e isto não significa necessariamente, por exemplo, a mera transferência

271

Pertencem efetivamente aos Estados 75% do ICMS, 50 % do IPVA, 100% do ITCD, 100% do Imposto de Renda retido na fonte por eles arrecadados, 10% do IPI sobre exportações, 29% da CIDE, 30% do IOF em operações com ouro, 21,5% do montante arrecadado com IPI e Imposto de Renda para composição do FPE, 3% para composição dos fundos constitucionais de financiamento do desenvolvimento regional. Sendo que deste bolo tributário os Estados devem repassar aos Municípios ¼ do ICMS, ½ do IPVA, ¼ da CIDE e ¼ do IPI sobre exportações. O IOF incidirá sobre operações com ouro quando este for considerado ativo financeiro ou instrumento cambial, cuja alíquota será de no mínimo 1%, quando definido em lei, conforme art. 153, §5º, I da CF/88. 272

Cf. artigo 193 da Lei Maior de 1988.

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de fábricas do Sudeste para o Nordeste brasileiro. Aliás, este tipo de medida tende

também a produzir consequências negativas, como perda de receita tributária,

desindustrialização e desemprego, acirrando ainda mais as tensões federativas.

Neste passo, a exploração das potencialidades econômicas regionais mostra-

se fundamental à construção de um modelo econômico menos desigual para o País,

e neste esforço é preciso enfrentar impasses administrativos e legislativos. A defesa

dos valores sociais exige o fortalecimento da autonomia financeira e política dos

entes federados.

O território brasileiro apresenta regiões economicamente excluídas onde a

atuação da iniciativa privada não tem sido suficiente para produzir desenvolvimento

e prosperidade, e por isso mesmo é que os fluxos econômicos nessas áreas se

movem principalmente a partir da atuação governamental. 273

Essa realidade economicamente desfavorável, muito comum em Estados das

regiões Nordeste e Norte, produz distorções indesejáveis e um modelo econômico

em que o principal agente é o Estado. 274 Neste caso não nos referimos à

intervenção estatal direta na economia pelo exercício de atividade empresarial. Com

efeito, a importância do Estado, para as citadas regiões, manifesta-se pela renda

gerada a partir do pagamento de servidores públicos, aposentados, pensionistas e

pela assistência governamental à população carente através dos vários programas

sociais.

Em verdade, o Direito é um mecanismo para operacionalização de políticas

de desenvolvimento. Neste sentido, a reestruturação federativa apresenta-se como

uma alavanca para possibilitar maior atuação dos Estados-membros em matérias de

seu interesse.

Deste modo, com base na Carta de 1988, cabe às Assembleias Legislativas a

possibilidade de construir uma ordem econômica estadual que faça frente aos

desafios regionais a partir de uma reforma nas Constituições Estaduais.

273

Como exemplo disso é possível citar o esforço do Poder Constituinte Originário e Decorrente no sentido de equilibrar o desenvolvimento através de medidas de discriminação positiva em favor das regiões economicamente vulneráveis, como bem se percebe da análise do Art. 42 do ADCT, pelo qual se determina que durante 25 (vinte e cinco) anos, a União aplicará, dos recursos destinados à irrigação, 20% na Região Centro-Oeste e 50% na Região Nordeste, preferencialmente no semi-árido.

274 Em 2007 a Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR) passou a ser executada a fim

de promover inclusão social e combater desigualdades regionais através do patrocínio de ações regionais e de incentivos a sistemas produtivos locais. O Ministério da Integração criado em 1999 passou a se ocupar de políticas públicas desenvolvimentistas.

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O desenvolvimento regional se constrói a partir da conjunção de esforços

entre o Estado e a iniciativa privada, sendo que àquele cabe disponibilizar a

estrutura sobre a qual a atividade empresarial atuará. A norma jurídica estadual é

parte dessa estrutura estatal montada para favorecer a economia regional.

“A regulação prévia à tomada de decisão privada sobre os investimentos e o

monitoramento das iniciativas com vistas a assegurar minimamente os

interesses das populações circunvizinhas pareceu crescentemente

desejável. O desenvolvimento das regiões podia se beneficiar diretamente

dos grandes investimentos, desde que iniciativas complementares fossem

implementadas, impulsionando maior agregação de valor na região, maior

conexão com as estruturas de produção pré-existentes, a criação de

empregos diretos e indiretos e assim por diante.” 275

O Estado deve facilitar ao máximo, com segurança jurídica e

desburocratização, a geração de iniciativas empresariais que estabeleçam arranjos

produtivos a partir da exploração da economia regional.

A ideia não é somente atrair investimentos para essas áreas, mas consiste,

sobretudo, em desenvolver potencialidades econômicas a partir de iniciativas locais,

através do fomento ao empreendedorismo pelo emprego de recursos advindos dos

fundos constitucionais para financiamento do desenvolvimento das Regiões

Nordeste, Norte e Centro-Oeste. (FNE, FNO, FCO).

6.6. Orçamento público e regionalização

As desigualdades regionais exigem que Estados-membros submetidos a

situações socioeconômicas díspares, sejam tratados de modo diferenciado na

tentativa de diminuir as graves desigualdades econômicas existentes entre as

regiões do País.

No Federalismo cooperativo espera-se que aqueles Estados,

economicamente desfavorecidos, usufruam de tratamento constitucional

positivamente distinto. 276

Com fulcro na Constituição da República o plano plurianual deverá ser

regionalizado e atribuir tratamento desigual aos entes federados. Ademais os planos

e programas nacionais, regionais e setoriais previstos na Carta Magna serão

275

Ministério da Integração Nacional. Op.cit., p. 09.

276 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional. 19ª Ed. Op.cit., p.616.

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elaborados em consonância com o plano plurianual e apreciados pelo Congresso

Nacional.277 O orçamento fiscal e o orçamento de investimento no bojo da Lei

orçamentária anual, compatibilizados com o plano plurianual, terão entre suas

funções a redução de desigualdades regionais.

A Carta Federal278 determina que os fundos de participação promovam o

equilíbrio econômico entre os Estados. Neste sentido, haverá desigualdade entre os

critérios de rateio dos citados fundos para garantia da aplicação de recursos em

favor das regiões menos desenvolvidas.

Diante das enormes dificuldades na efetivação de dispositivos jurídico-

econômicos atinentes ao desenvolvimento, a Lei Maior acenou com a previsão de

exercício de competências compartilhadas, bem como com a repartição do bolo

tributário entre os entes federativos.

Nesse propósito, o planejamento político-jurídico é imprescindível como um

meio para se atingir o desenvolvimento regional. 279 Assim, cabe ao Estado atuar em

benefício de um melhor aproveitamento das potencialidades regionais pela

destinação de investimentos que fomentem as atividades empreendedoras.

Em regra as políticas públicas se concretizam a partir de vontade política não

necessariamente estribada em critérios técnicos ou em razoabilidade administrativa.

À exceção daqueles serviços cuja prestação é expressamente delimitada pela Lei

Maior. Portanto, os governos poderão muito bem mover-se por interesses político-

partidários.

Destarte, algumas vezes o investimento governamental não se pauta

efetivamente pela urgência de realização de um determinado serviço ou obra

pública. Percebe-se, portanto que nem sempre os Estados-membros mais

agraciados com recursos federais são necessariamente aqueles Estados que mais

deles necessitam.

Assim sendo, a política move-se por uma lógica própria, e nem sempre opera

em compasso com o fator jurídico.280 Além do mais, a legalidade não exclui a

277

É justamente o que preceitua o art. 165,§1º, §4º e §7º da CF/88.

278 Cf. o art. 159, I e art.161, II da Lei Maior.

279 O planejamento para Quadri constitui-se em importante instrumento jurídico nas ações estatais de

direcionamento político-econômico. Deste modo, tais ações se efetivam a partir do plano jurídico e político. QUADRI, Giovanni. Diritto Pubblico dell´Economia, 2ª Ed, Padova, Cedam, 1980, p.115.

280 WEBER, Max. Economia y sociedad: Esbozo de sociologia comprensiva, México, fondo de cultua

econômica, 1969, p.251.

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discricionariedade na prestação do serviço público, haja vista que sobre uma base

legal é possível que o gestor público faça suas escolhas e eleja suas prioridades.

Deste modo, as ações em favor do desenvolvimento nem sempre se

concretizaram a partir das reais necessidades regionais.

6.7. O Fundo de Participação dos Estados

Alguns Estados-membros são sustentados a partir dos repasses advindos do

Fundo de Participação dos Estados, e tem na injeção de salários dos servidores

públicos na economia local um dos principais fatores de desenvolvimento.

Neste contexto, a atuação estatal prepondera em virtude de lacunas deixadas

pela iniciativa privada. Este modelo econômico indesejável é ainda agravado por

problemas crônicos relacionados à gestão administrativa e à corrupção.

Para melhor ilustrar essa realidade mencionemos o que ocorre no Estado de

Roraima onde parte considerável do território foi inviabilizada economicamente por

conta da demarcação de reservas indígenas gigantescas, com a chancela do

Supremo Tribunal Federal. 281

Neste caso, em particular, a competência da União para cuidar dessa matéria

(demarcação de terras indígenas) foi utilizada em desfavor do desenvolvimento

econômico daquele Estado-membro, cujo custeio se dá preponderantemente a partir

dos repasses federais e da “economia de contracheque”. 282

O fato é que o exercício de competências comuns e a repartição obrigatória

de verbas tributárias não têm sido bastante para concretizar o modelo de

cooperação federativa proposto pela Lei Fundamental.

A necessidade de sobrevivência econômica tem levado os Estados mais

pobres a se utilizarem de artifícios predatórios na captação de investimentos

privados.

Vale lembrar que a própria Lex Mater determinou medidas com vistas ao

equilíbrio federativo quando instituiu o modelo para distribuição dos recursos do

Fundo de Participação dos Estados através do artigo 2º da Lei Complementar nº

281

Petição nº 3388-4/RR, Relator Min. Carlos Ayres Britto. 282

O Estado de Roraima, criado pela Constituição de 1988, faz fronteira com a Venezuela e com a República Cooperativista da Guiana e tem quase metade, 46,37%, de seu território ocupado com áreas indígenas, dentre as quais se destacam as reservas São Marcos e Raposa Serra do Sol, essa última teve sua demarcação contestada por produtores rurais de soja e arroz. A referida demarcação foi confirmada pelo STF.

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62/89,283 pelo qual estavam definidos os critérios de rateio. Ocorre que tal dispositivo

foi considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal. 284

Diante disto, os governadores dos Estados da Bahia, Maranhão, Minas Gerais

e Pernambuco solicitaram ao STF a manutenção daqueles mesmos critérios de

distribuição do FPE expressos na Lei Complementar nº 62/89. 285

Sobre a Lei Complementar nº 62 tem-se que foi feita às pressas no ano de

1989 a partir de coeficientes de rateio estabelecidos de forma aleatória. Em verdade,

a citada Lei foi pautada no contexto socioeconômico da época de sua criação,

completamente distinto da realidade atual.

Percebe-se na iniciativa de alguns Estados do Sul e Centro-oeste (Rio

Grande do Sul, Mato Grosso, Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul) em

também questionar a Lei Complementar nº 62 perante o STF, a intenção de

obtenção de maior participação nos valores que lhes são repassados pelo FPE.

Vale destacar que a maior parte dos recursos do Fundo de Participação dos

Estados destina-se às regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. A revisão do rateio

de acordo com o que pleiteiam alguns Estados representaria a insolvência de boa

parte dos Estados do Nordeste e Norte do País.

Com efeito, os Estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul não teriam

motivos para reclamar do modelo de repartição dos valores do Fundo de

Participação dos Estados em virtude de também se beneficiam dele, diferentemente

283

Assim dispunha a antiga redação do art. 2º da LC nº 62/89: “Art. 2° Os recursos do Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal - FPE serão distribuídos da seguinte forma: I - 85% (oitenta e cinco por cento) às Unidades da Federação integrantes das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste; II - 15% (quinze por cento) às Unidades da Federação integrantes das regiões Sul e Sudeste. § 1° Os coeficientes individuais de participação dos Estados e do Distrito Federal no Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal - FPE a serem aplicados até o exercício de 1991, inclusive, são os constantes do Anexo Único, que é parte integrante desta Lei Complementar. § 2° Os critérios de rateio do Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal, a vigorarem a partir de 1992, serão fixados em lei específica , com base na apuração do censo de 1990. § 3° Até que sejam definidos os critérios a que se refere o parágrafo anterior, continuarão em vigor os coeficientes estabelecidos nesta Lei Complementar.”

284 Deste modo, 31/12/2012 foi o prazo estipulado pelo STF para a criação da nova norma jurídica

sobre o tema. Entretanto, o citado prazo expirou sem manifestação do Congresso Nacional no sentido de suprir a lacuna legal apontada pelo Supremo. Após isso, a Suprema Corte, liminarmente, determinou a continuidade das regras de distribuição do FPE até o mês de maio de 2013. ADI 2727.

285 ADI 2727, ADI 3243, ADI 875, ADI 1987. “O julgamento foi unânime apenas em relação à ADI

1987, que na verdade é uma Ação Direita de Inconstitucionalidade por Omissão, no tocante à declaração de que há um vácuo de lei complementar a partir do ano de 1992. Nas demais ações, o ministro Marco Aurélio foi vencido pela maioria que julgou as ações de inconstitucionalidade procedentes.” Fonte: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=120714.

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do Rio Grande do Sul que tem sua quota do FPE retirada dos repasses destinados

aos Estados do Sul e Sudeste, repasses estes bem inferiores àqueles feitos às

demais regiões brasileiras.

A nova equação distributiva, defendida pelo Centro-Sul, certamente

representaria uma diminuição das receitas transferidas aos Estados do Norte e

Nordeste, o que produziria o agravamento da crise federativa brasileira em seu

aspecto financeiro.

No próximo capítulo faremos menção mais detalhada sobre as decisões do

STF sobre os critérios de rateio do Fundo de Participação dos Estados.

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CAPÍTULO 7

A FEDERAÇÃO E O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

7.1. O Tribunal da Federação brasileira; 7.2. Federalismo e o Judiciário nos

EUA e no Brasil; 7.3. Controle de constitucionalidade: instrumento de defesa

federativa?; 7.4. Julgamento dos desembargadores estaduais e de ministros

do STF; 7.5. A constitucionalidade do Julgamento dos governadores; 7.6. O

Supremo e a manutenção da Federação centralizada; 7.7. Usurpações

interfederativas; 7.8. O Fundo de Participação dos Estados à luz da Suprema

Corte; 7.9. O desvio de poder na atividade normativa do Estado; 7.10. O STF e

a reprodução da Lei Maior nas Constituições Estaduais, 7.10.1. A teoria da

ociosidade da norma constitucional repetida, 7.10.2. A doutrina da autonomia

da norma reproduzida.

7.1. O Tribunal da Federação brasileira

Conflitos emergem quando os entes federativos ultrapassam os limites

impostos pela Constituição pela usurpação de competências uns dos outros.

Desta forma, no plano constitucional o Supremo Tribunal Federal é

fundamental para o equilíbrio das relações federativas. Assim, a existência de um

Tribunal da Federação se mostra crucial, como destaca Norberto Bobbio:286

“Sendo que o modelo federal exerce uma verdadeira divisão de poder

soberano de base territorial, o equilíbrio constitucional não pode se manter

sem a primazia da Constituição em todos os seus poderes. Com efeito, a

autonomia desse modelo se traduz no fato de que o poder de decidir

concretamente, em caso de conflito, quais sejam os limites que as duas

ordens de poderes soberanos não podem ultrapassar, não pertence nem ao

poder central (como acontece no Estado unitário, onde as coletividades

territoriais menores usufruem de uma autonomia delegada) nem aos

Estados federados (como acontece no sistema confederativo), que não

286

BOBBIO, Norberto. MATTEUCCI, Nicola, PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. Tradução de João Ferreira e outros. 3ª edição. Brasília: Editora da UNB, p.481.

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limita a soberania absoluta dos Estados. Esse poder pertence a uma

autoridade neutral, os tribunais, aos quais é conferido o poder de revisão

constitucional das leis. Eles baseiam sua autonomia no equilíbrio entre o

poder central e os poderes periféricos e podem desempenhar eficazmente

suas funções com a condição de que nenhuma das duas ordens de poderes

conflitantes prevaleça de modo decisivo.”

No sistema federativo pátrio existem conflitos entre a União e os Estados,

bem como afloram tensões interestaduais. Diante disto, a Constituição Federal287

atribuiu ao Supremo Tribunal Federal a competência para conhecer e julgar causas

e conflitos que envolvam as competências constitucionais das unidades

federativas.288

“Neste sentido, uma histórica e prolongada disputa sobre a quem

pertenceria a competência para dispor sobre o fumo em São Paulo – à

União, ao Estado ou às Prefeituras municipais? Mais ainda, o recente caso

do gás canalizado, objeto de longa disputa judicial entre o Estado de São

Paulo e a esfera federal (mais precisamente a Petrobrás). 289

Deste modo, o STF é a Corte da Federação brasileira.

Atualmente tramitam na Suprema Corte inúmeras ações que põem em

discussão a questão federativa. Em tais ações os legitimados ingressaram em face

dos Estados-membros ou das Assembleias Legislativas em virtude de supostas

lesões perpetradas, contra a Carta Magna, por Leis estaduais e emendas

constitucionais estaduais.

A jurisprudência do Supremo tem reiteradamente reafirmado a estrutura

centralizadora da Federação brasileira através do resultado do julgamento de ações

de constitucionalidade interpostas pela União pelas quais o ente central alega

constante usurpação de suas competências legislativas pelos Estados-membros.

Vale lembrar que o STF tem decidido favoravelmente à obrigatoriedade de

reprodução normativa de dispositivos da Lei Maior no âmbito das Constituições

Estaduais.

287

Cf. o artigo 102, I, f da CF/88.

288 BORGES NETTO, André Luiz. Competências legislativas dos Estados-membros, 1999, p. 53 e 54.

289 Matéria objeto da Reclamação nº 4.210-3 SP, na qual a Ministra Carmen Lúcia manifestou-se em

prol da prerrogativa da esfera estadual de dispor sobre as atividades de distribuição de gás.”

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Com efeito, a União também usurpa competências legislativas dos Estados-

membros, sobretudo quando exagera na produção de normas em concorrência com

os Estados. Neste caso a União além de dispor de modo amplo sobre temas

concorrentes, também especifica a norma, cumprindo uma incumbência que não lhe

cabe. Ferreira Filho290 chama a atenção para os exageros cometidos pelo ente

central nesta seara:

“Entretanto, o rol de competências conferido à União é tão grande que sua

prevalência é absoluta no dia a dia. (...) No campo das competências

concorrentes (art. 24) em que a ela caberia apenas editar “normas gerais”,

na prática o direito federal tem regulado quase por inteiro as matérias aí

inscritas, com a benevolência do Supremo Tribunal Federal.”

Em verdade, o poder político dos entes federados se mede pelo volume de

competências legislativas, a cada um deles, atribuído pela Constituição Federal. A

União foi de longe o ente mais prestigiado pelo Constituinte Originário a partir de sua

decisão soberana de formatação das competências legislativas. 291

Com efeito, aos Estados-membros e aos Municípios coube uma atuação

menos decisiva no desenho federativo brasileiro disposto na Constituição de 1988.

Tem-se que os Estados sempre ofereceram muito maior ameaça à unidade

federativa que os Municípios, possivelmente isso contribuiu para motivar a

preocupação de todas as Constituições brasileiras republicanas - criadas depois da

Reforma de 1926 – no que se refere ao estreitamento dos limites da competência

legislativa estadual.

Assim, a jurisprudência do STF tem se consolidado no sentido de reforçar a

centralização política em favor da União, mesmo quando há embate em algumas

matérias em que a usurpação legislativa estadual não se mostra tão óbvia. É

evidente que o Supremo tem independência para interpretar como lhe convém a Lex

Mater, todavia suas decisões não estão isentas de críticas. 292

290

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 27. Ed. Op. Cit., p.48. 291

Ibdem, p.47. 292

ADI 2667. “A Carta Política, por sua vez, ao instituir um sistema de condomínio legislativo nas matérias taxativamente indicadas no seu art. 24 - dentre as quais avulta, por sua importância, aquela concernente ao ensino (art. 24, IX) -, deferiu ao Estado-membro e ao Distrito Federal, em "inexistindo lei federal sobre normas gerais", a possibilidade de exercer a competência legislativa plena, desde que "para atender a suas peculiaridades" (art. 24, § 3º). - Os Estados-membros e o Distrito Federal não podem, mediante legislação autônoma, agindo "ultra vires", transgredir a legislação fundamental ou de princípios que a União Federal fez editar no desempenho legítimo de sua competência

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7.2. Federalismo e peculiaridades do Judiciário nos EUA e no Brasil

No Direito Constitucional estadunidense a autonomia concedida aos Estados-

membros pela Lei Maior lhes permite a construção de um modelo judiciário próprio a

partir da vontade manifesta no texto da Constituição Estadual.

Assim, nos EUA os Estados-membros têm ampla liberdade para determinar a

forma de admissão de magistrados. Na maioria dos Estados americanos os juízes

são selecionados a partir de uma fórmula democrática, muito bem aplicada, através

da qual o povo, pelo voto, manifesta sua vontade na escolha de juízes para

cumprimento de um mandato.

Destarte, nos Estados Unidos o modelo federativo permite que cada Estado

decida sobre o modo de composição dos tribunais de justiça. No Brasil os Estados-

membros organizam sua Justiça com base na Carta Magna, com pouca liberdade de

atuação ao Constituinte Decorrente.

Vladimir Passos de Freitas,293 em sua análise sobre a organização da Justiça

nos Estados Unidos e no Brasil, apontou alguns problemas no modelo brasileiro de

organização da Justiça Estadual, previsto na Constituição Federal, pelo fato de na

composição deste modelo a realidade e as peculiaridades de cada um dos Estados-

membros terem sido desconsideradas.

“Mas, de qualquer maneira, a autonomia estadual é mais respeitada lá do

que aqui. No Brasil, além de praticamente todos os Acórdãos dos TJs

submterem-se ao STJ ou ao STF, não se reconhece aos estados nem

mesmo o direito de terem regras processuais mínimas (a previsão de

procedimentos da CF de nada vale), deiliberarem sobre a oportunidade de

terem Tribunais de Alçada, Cargos de Pretor (como havia no RS e PA),

igualando-se realidades tão distintas como o Paraná e o Amazonas.”

Com efeito, nos Estados Unidos a eleição de juízes admite a proliferação de

vícios decorrentes do processo político-eleitoral, em virtude da influência do poder

econômico na arrecadação dos recursos de campanha. Critica-se esta relação, sob

o argumento de que poderia contaminar a imparcialidade do magistrado no exercício

futuro de suas atividades jurisdicionais.

constitucional e de cujo exercício deriva o poder de fixar, validamente, diretrizes e bases gerais pertinentes a determinada matéria (educação e ensino, na espécie).”

293 FREITAS, Vladimir Passos de. A justiça estadual nos Estados Unidos. Revista Consultor Jurídico,

21/02/2010. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2010-fev-21/segunda-leitura-autonomia-justica-estadual-norte-americana.

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127

Ora, este argumento pelo qual se busca desqualificar a escolha de juízes pelo

voto popular, em virtude das ingerências do poder econômico, não é suficiente para

que se faça do modelo pelo qual os juízes são recrutados por concurso público uma

opção melhor.

O formato americano de composição do Poder Judiciário não é perfeito,

tampouco imune a toda sorte de vícios políticos. Todavia, o referido sistema merece

toda a distinção por ser o que mais se aproxima do ideal democrático com esteio na

mesma lógica que norteia o processo de escolha dos membros do Poder Legislativo

e do Poder Executivo.

Vale destacar que no Brasil dentre os poderes da República, apenas o

Judiciário não se utiliza de eleições na escolha de seus membros. Portanto tem-se ai

um argumento desfavorável à plenitude democrática. Além do mais, o modelo pátrio

sofre críticas pelo fato do Poder Executivo indicar os membros dos tribunais

superiores federais e estaduais, o que poderia afetar a imparcialidade dos

magistrados em julgamentos de causas de interesse do governo, apesar de lhes ser

concedida a prerrogativa para atuar com esteio no princípio do livre convencimento

decisório.

A eleição dos agentes políticos não está isenta da influência dos grandes

grupos econômicos e de interesses os mais diversos. Através do sufrágio a Carta de

1988 conferiu ao povo a responsabilidade de escolha de seus representantes

legislativos, a quem cabe a importante tarefa de produzir e reformar o Ordenamento

Jurídico no qual se fundamentam as decisões judiciais.

Assim, parece-nos descabido defender a ideia de que o povo brasileiro não

esteja preparado para eleger juízes, quando é ele quem escolhe aqueles que fazem

as leis, nas quais os magistrados fundamentam as sentenças que prolatam.

Escolher pelo voto popular os juízes não seria uma tarefa menos complexa do que

aquela obrigação manifesta pela responsabilidade do povo em eleger seus

legisladores.

7.3. Controle de constitucionalidade: instrumento de defesa federativa?

As Constituições Estaduais brasileiras deveriam apresentar diferenças entre

si, mesmo diante da obrigação de reproduzir dispositivos da Constituição Federal,

em virtude do exercício de competências remanescentes e do modo como dispõem

sobre as competências comuns e concorrentes a partir de seus interesses.

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Apesar de todos os Estados estarem limitados pela Carta Magna, seria

natural que houvesse diferenças no uso deste espaço exíguo de acordo com a

vontade política e os interesses econômicos que caracterizam cada um desses

entes.

Entretanto, as Cartas Estaduais balizadas na Constituição de 1988, de modo

geral, são muito parecidas. Portanto, a pouca criatividade é, na atualidade, a

principal marca que caracteriza o constitucionalismo estadual no Brasil.

O controle de constitucionalidade das leis incide sobre as Constituições

Estaduais e funciona como um limitador à atuação do Constituinte Decorrente e do

legislador estadual contra possíveis abusos cometidos em face da Constituição

Federal. Trata-se de um mecanismo pelo qual o Poder Judiciário tem balizado o

Direito Estadual.

O controle de constitucionalidade estadual, feito a partir de normas da

Constituição Estadual reproduzidas da Lei Maior, poderá produzir situações

curiosas.

Pela via do exame de constitucionalidade normativa o Tribunal de Justiça

poderá considerar uma Lei Estadual lesiva a um dispositivo específico de repetição

não obrigatória presente na Constituição Estadual. Entretanto, o Supremo Tribunal

Federal ao analisar esta mesma norma estadual poderá considerá-la constitucional

em face da Constituição Federal. Neste caso, com base num mesmo dispositivo

constante na Lei Maior e repetido pela Carta Estadual haverá duas decisões

distintas. Diante disto, prevalecerá obviamente aquela decisão exarada a partir da

interpretação definitiva do STF.294

A repetição voluntária da Lei Mãe pela Constituição Estadual poderá levar o

Tribunal de Justiça a se manifestar sobre tema que apenas será definitivamente

decidido pelo STF. Todavia, a decisão da Justiça estadual nesse tipo de matéria

significa uma etapa que inutilmente protela o processo e retarda o trânsito em

julgado da sentença. Assim, estabelece-se - quanto a esta espécie normativa - um

controle de constitucionalidade estadual inteiramente desnecessário.

Portanto, esse quadro consagrado pelo STF, através da “teoria da autonomia

da norma repetida”, tem causado morosidade e insegurança jurídica.

294

GAMPER, Anna. "Austrian Federalism and the Protection of Minorities," in Federalism, Subnational Constitutions, and Minority Rights, 2004, p. 59.

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O mais adequado, a nosso sentir, seria que o controle de constitucionalidade

estadual se operasse a partir de matéria oriunda de competência dos Estados-

membros. É sabido que a queda de um preceito contido na Constituição Estadual,

por violação à Lei Maior, terá reflexos sobre as normas estaduais e municipais

produzidas a partir do preceito constitucional expelido do sistema jurídico.

Com efeito, o controle de constitucionalidade deverá ser realizado

preventivamente ainda durante o processo legislativo para produção de normas

federais, estaduais, distritais e municipais. Portanto, o aludido controle opera no

sentido de evitar a usurpação de competências pertencentes à União pelos Estados-

membros e demais entes.

Percebe-se assim que, em alguns casos, a fronteira que separa os terrenos

da União e dos Estados em algumas competências legislativas é bastante tênue,

podendo escapar ao crivo do controle de constitucionalidade preventivo.

O controle de constitucionalidade deverá objetivar a proteção da Lei Maior

produzida a partir da manifestação de vontade do Poder Constituinte Originário. A

(in) constitucionalidade normativa é aferida a partir do emprego de hermenêutica

jurídica pela qual o Supremo fará imprimir sua interpretação colhida da análise do

texto constitucional.

O STF poderá, mediante variadas técnicas de interpretação, acrescentar

diferentes contornos a um dispositivo constitucional aparentemente rígido quanto ao

seu significado. Um exemplo deste ativismo judicial verificou-se quando o Supremo

Tribunal Federal reconheceu a união estável para casais do mesmo sexo através de

ações, ADI295 e ADPF,296 ajuizadas respectivamente pela Procuradoria-Geral da

República e pelo governador do Rio de Janeiro.

Portanto, em tese, o Supremo Tribunal poderia relativizar os rigores da

centralização excessiva de competências legislativas no âmbito da União.

Entretanto, o que o STF tem feito é apenas confirmar este modelo vigente a partir do

rigor estabelecido pelo Poder Originário criador da Constituição Cidadã.

Diante disto, não será pelo ativismo judicial do STF que a Federação pátria

será aperfeiçoada no plano das competências legislativas. Esta é uma tarefa que

exige a atuação do Poder Constituinte.

295

Cf. ADI nº 4277.

296 Cf. ADPF nº 132.

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7.4. Julgamento dos desembargadores estaduais e de ministros do STF

Nos crimes de responsabilidade dos chefes do Poder Executivo o julgamento

é político, por isso mesmo deverá ser realizado pelo Legislativo. Deste modo, em

caso de cometimento de crime de responsabilidade pelo Presidente da Repúbica

cabe ao Senado Federal julgá-lo através de um procedimento denominado de

impeachment.

Bulos297 discorre sobre o surgimento do termo impeachment:

“Etimologicamente, impeachment é um anglicismo incorporado à nossa

língua. Significa “proibir que se ponha o pé”: im (do latim in = não)

peachment (do latim pedimentum, pes, pedis = pé). Como seu verbo

congnato é to impeach, ou seja, “incriminar ou acusar para o fim de impedir

a pessoa criminosa”, muitos se valem do signo “impedimento” para referi-lo.

Noutra vertente, impeachment é palavra que encontra origem no latim

impedimentum, logrando assim, a mesma raiz que o português

impedimento, do francês empêchement, do italiano impedimento. Só que

impedimento é a consequência advinda do processo de impeachment, e

não termo que lhe seja sinônimo, mediante traduções forçadas. Para ilustrar

no episódio Mônica Levinski, o presidente Bill Clinton sofreu impeachment,

mas não foi destituído. Por isso, não podemos confundir impeachment com

impedimento. Esta confusão quase fez com que, aceita a renúncia de

Fernando Collor, se encerrasse o processo de sua responsabilização

política. O impeachment é apenas parte ou fase de responsabilização

política: o recebimento da denúncia que abre as portas ao julgamento pelo

Senado Federal.”

No plano federal o impedimento também poderá atingir além do Presidente, o

Vice-Presidente da República, os Ministros do Supremo Tribunal Federal, os

membros do Conselho Nacional de Justiça, do Conselho Nacional do Ministério

Público, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União de acordo

com prescrito no artigo 52, I e II da Constituição Federal.

Na estrutura federativa brasileira, tal procedimento também foi incorporado

pelas Constituições Estaduais, em sede de reprodução normativa necessária,

quanto à apuração de crime de responsabilidade do qual esteja sendo acusado o

Governador do Estado ou do Distrito Federal. Nesta hipótese as Assembleias

Legislativas e o Legislativo do DF estarão investidos da competência para proceder

297

BULOS, Uadi Lammêgo. Op. Cit., p. 1239, 1240.

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ao impedimento das referidas autoridades, sendo que qualquer cidadão poderá

denunciá-los perante a Poder Legislativo estadual, competente para processar e

julgar além do Governador, o Vice-Governador, o Procurador-Geral de Justiça e o

Procurador-Geral do Estado.

As Constituições Estaduais não se preocuparam em dispor sobre as

situações que caracterizam a prática de crime de responsabilidade pelos

desembargadores estaduais. É certo que a Carta Magna também não o fez com

relação aos Ministros do STF, legando tal atribuição à Lei nº 1.079/50. 298

Com efeito, as Cartas Estaduais elencaram as hipóteses de crime de

responsabilidade para o governador e não o fizeram com relação aos citados

desembargadores.

A Constituição de Goiás, por exemplo, apenas se deu ao trabalho de dispor

no parágrafo único do seu artigo 45 sobre a competência do STJ para julgar os

desembargadores estaduais299por crime comum e de responsabilidade, coisa que

muitas Constituições Estaduais sequer fizeram, talvez pela competência em favor do

STJ para cuidar dessa matéria expressa na Carta Magna.

As Constituições Estaduais dispõem sobre as hipóteses que caracterizam o

crime de responsabilidade, sendo que tal disposição poderá variar no âmbito de

cada uma das Cartas Estaduais.

A título de ilustração, a Constituição do Amazonas dispõe sobre as hipóteses

de crimes de responsabilidade praticados pelo Governador, em seus artigos 55 e

56,300donde se depreende que o Poder Decorrente amazonense relacionou sete

298

Art. 39. São crimes de responsabilidade dos Ministros do Supremo Tribunal Federal: 1- altera, por qualquer forma, exceto por via de recurso, a decisão ou voto já proferido em sessão do Tribunal; 2 - proferir julgamento, quando, por lei,seja suspeito na causa; 3 - ser patentemente desidioso no cumprimento dos deveres do cargo: 5 - proceder de modo incompatível com a honra dignidade e decôro de suas funções. 299

Art. 45 - O Tribunal de Justiça, com sede na Capital e jurisdição em todo o Estado, compõe-se de trinta e dois Desembargadores. Parágrafo único - Nos crimes comuns e nos de responsabilidade, os Desembargadores serão processados e julgados, originariamente, pelo Superior Tribunal de Justiça. 300

ART. 55. São crimes de responsabilidade os atos do Governador que atentem contra a Constituição da República e do Estado e, especialmente, contra: I - a existência da União, do Estado ou do Município; II - o livre exercício dos Poderes constituídos e do Ministério Público; III - o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais; IV - a segurança interna do País, do Estado ou dos Municípios; V - a probidade na administração; VI - a lei orçamentária; VII - o cumprimento das leis e das decisões judiciais.

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hipóteses, que não necessariamente são as mesmas situações elencadas, por

exemplo, pela Constituição do Ceará em seus artigos 89 e 90 para caracterizar o

mesmo crime de responsabilidade praticado por Governador de Estado. 301

Percebe-se a partir disto que as Constituições Estaduais se pautaram no art.

85 da Constituição de 1988, dispositivo este operacionalizado pelo artigo 4º da Lei nº

1.079/50, onde são definidos os crimes de responsabilidade e o respectivo processo

de julgamento, sendo que tal artigo dispõe sobre as hipóteses de prática de crime de

responsabilidade pelo Presidente da República.302

§ l.º A definição e o processo de apuração e julgamento desses crimes obedecerão às normas da lei. § 2º Qualquer cidadão poderá denunciar o Governador perante a Assembléia Legislativa, por crime de responsabilidade. ART. 56. Admitida por dois terços dos integrantes da Assembléia Legislativa a acusação contra o Governador do Estado, será ele submetido a julgamento perante o Superior Tribunal de Justiça, nas infrações penais comuns, ou perante a Assembléia Legislativa, nos crimes de responsabilidade. § l.º. O Governador do Estado ficará suspenso de suas funções: I - desde o recebimento da denúncia ou queixa-crime pelo Superior Tribunal de Justiça, quando se tratar de infrações penais comuns; II - após a instauração do processo pela Assembléia Legislativa, nos crimes de responsabilidade. § 2º. Cessará o afastamento do Governador do Estado se o julgamento não estiver concluído no prazo de cento e oitenta dias, sem prejuízo do regular prosseguimento do processo. 301

Art. 89. São crimes de responsabilidade os atos do Governador do Estado que atentem contra a Constituição Estadual e, especialmente, contra: I - o livre exercício dos Poderes Legislativo, Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes dos Municípios; II - o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais; III - a ordem pública no âmbito estadual; IV - a probidade administrativa; V - a lei orçamentária; VI - o cumprimento das leis, das decisões judiciais e deliberações legislativas. Parágrafo único. Esses crimes serão definidos em lei especial, que estabelecerá as normas de processo e julgamento. Art. 90. O Governador será julgado nos crimes de responsabilidade pela Assembléia Legislativa e, nos comuns, pelo Superior Tribunal de Justiça, após admitida a acusação por dois terços dos membros da Assembléia. §1º O Governador será afastado de suas funções: I - nos crimes comuns, após recebida a acusação pelo Superior Tribunal de Justiça; II - nos crimes de responsabilidade, após instaurado o processo pela Assembléia, acolhida a acusação por dois terços dos seus membros. §2º O afastamento cessará, se o julgamento não estiver concluído no prazo de cento e vinte dias, sem prejuízo do regular andamento do processo. §3º Será assegurada ao acusado ampla defesa, somente prevalecendo a acusação se por ela se pronunciarem dois terços dos Deputados. §4º Declarada procedente a acusação limitar-se-á a condenação à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das sanções penais. §5º Aplicam-se ao Vice-Governador, no que couber, as normas constantes desta seção. 302

Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra: I - a existência da União; II - o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação; III - o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais; IV - a segurança interna do País;

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Caberá ao Supremo Tribunal Federal julgar o Presidente da República, o

Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros (STF)

e o Procurador-Geral da República, com fulcro no artigo 102, I, b da Carta de 1988.

Todavia, conforme o disposto no artigo 105, I, a,303 os desembargadores dos

Tribunais de Justiça estaduais e do Distrito Federal serão julgados nos crimes de

responsabilidade e comuns pelo Superior Tribunal de Justiça em vez de serem

julgados pelo Poder Legislativo estadual e distrital, respectivamente.

Ora, se o Poder Legislativo Federal (Senado) é competente para julgar o

órgão máximo do Judiciário (STF) por crime de responsabilidade, era de se esperar

que também o Legislativo Estadual tivesse a competência para julgar em caso de

crime de responsabilidade os desembargadores estaduais, pois assim como o STF,

os Tribunais de Justiça têm a atribuição de realizar o controle de constitucionalidade

difuso e concentrado em face da Constituição Estadual e da própria Carta Magna.

Assim a Constituição de 1988 - em visível desprestígio à autonomia estadual -

optou por destinar à União tal atribuição, ao conferir ao STJ a competência para

julgar por crime de responsabilidade os desembargadores estaduais, federais e do

Distrito Federal. Entretanto, é preciso tecer algumas considerações sobre o

tratamento dispensado aos referidos tribunais pela Lex Major. 304

Cabe lembrar que os Tribunais Regionais Federais não realizam controle de

constitucionalidade concentrado, apenas poderão realizar o controle de

constitucionalidade incidental, igualmente franqueado a qualquer órgão do

Judiciário. Entretanto, a Constituição Cidadã optou por conferir tratamento paritário

V - a probidade na administração; VI - a lei orçamentária; VII - o cumprimento das leis e das decisões judiciais. Parágrafo único. Esses crimes serão definidos em lei especial, que estabelecerá as normas de processo e julgamento. 303

Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça: I - processar e julgar, originariamente: a) nos crimes comuns, os Governadores dos Estados e do Distrito Federal, e, nestes e nos de responsabilidade, os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, os dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministério Público da União que oficiem perante tribunais;

304 A lei nº 1.079/50 define os crimes de responsabilidade e regula o seu respectivo processo de

julgamento. Dispõe em seu artigo 39 sobre os crimes de responsabilidade praticados pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal: a) alterar, por qualquer forma, exceto por via de recurso, a decisão ou voto já proferido em sessão do Tribunal; b) proferir julgamento, quando, por lei,seja suspeito na causa; c) exercer atividade político-partidária; d) ser patentemente desidioso no cumprimento dos deveres do cargo; e) proceder de modo incompatível com a honra, dignidade e decoro de suas funções.

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aos Tribunais Estaduais e Federais quanto ao julgamento de seus desembargadores

por crime de responsabilidade perante o Superior Tribunal de Justiça.

Com efeito, há profunda diferença entre esses tribunais (TJ e TRF), posto que

enquanto os Tribunais de Justiça estaduais são Cortes constitucionais, realizadoras

de controle de constitucionalidade abstrato, os Tribunais Regionais Federais não têm

essa envergadura.

A competência constitucional dos Tribunais de Justiça se restringe aos limites

geográficos do respectivo Estado-membro para proteção da Constituição Estadual

pela via do controle de constitucionalidade abstrato. Nas matérias regionais não

reproduzidas da Constituição Federal, cuja competência seja exclusivamente

estadual, a decisão do Tribunal de Justiça não subirá ao STF. Em tais casos

específicos a Justiça Estadual decide definitivamente a questão que envolva Direito

Constitucional genuinamente estadual. Portanto, dentre todos os tribunais pátrios

tem-se que o Tribunal de Justiça estadual é aquele que mais se aproxima do STF

pelo fato de também realizarem no plano estadual o controle de constitucionalidade

concentrado.

Ora, então estamos a falar de tribunais constitucionais (STF e Tribunais de

Justiça) merecedores, a nosso sentir, de semelhante deferência no que se tange ao

julgamento de seus membros quando do cometimento de crimes políticos. Deste

modo, o Tribunal de Justiça estadual foi indevidamente alinhado a tribunais sem

competência para o exercício do controle de constitucionalidade por ação.

Assim como os Ministros do STF foram especialmente distinguidos pela Lei

Maior no que concerne ao seu julgamento político sob os auspícios do Senado - em

virtude de sua natureza de Tribunal Constitucional - tal também deveria ocorrer com

relação aos desembargadores estaduais que deveriam ser julgados não pelo STJ,

nos crimes de responsabilidade, mas sim pela Assembleia Legislativa do respectivo

Estado-membro onde se localiza a Corte a qual os citados magistrados estariam

vinculados.

Podemos perceber certa desconfiança manifesta pela Carta Magna com

relação à capacidade da Assembleia Legislativa em julgar os crimes relacionados

aos desembargadores estaduais.

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7.5. A constitucionalidade do Julgamento dos governadores

Passaremos a partir deste ponto a fazer uma análise sobre o modo como a

maioria das Cartas Estaduais determina a competência para julgamento dos

governadores.

Quanto ao julgamento de governadores pelo Poder Legislativo estadual, em

virtude da prática de crime de responsabilidade, não há previsão expressa na Lex

Mater sobre a questão. Entretanto, esta matéria traduz-se em competência

remanescente de natureza implícita. A seu turno, mesmo sem previsão

constitucional explícita, a maioria das Constituições Estaduais conferiu essa

atribuição às Assembleias Legislativas.

A previsão de julgamento do governador, e dos procuradores gerais de

Estado e de Justiça pela Assembleia Legislativa consta das seguintes Constituições

Estaduais: Constituição do Amapá no art. 95, XI; Constituição do Amazonas no art.

28, XI, XXII; Constituição do Ceará no art. 49, XX, XXIV; Constituição do Pará no art.

92, XXXIII, XXXIV; Constituição do Mato Grosso no art. 26, XVI, XVII; Constituição

do Rio de Janeiro no art. 99, XIII, XIV; Constituição de Rondônia no art. 29 XVI, XXII;

Constituição do Rio Grande do Sul no art. 53, V, VI, VII; Constituição de Roraima no

art. 33, IX, X, XI; Constituição de Sergipe no art. 47, XXV, XXVI.

A Constituição do Piauí, art. 63, XIII, destinou competência à Assembleia

Legislativa para processar e julgar o governador, bem como o Procurador-Geral de

Justiça, sem mencionar o Procurador-Geral do Estado.

As seguintes Constituições disciplinam o julgamento do governador pelo

Legislativo Estadual em caso de crime de responsabilidade: Constituição do Acre no

art. 44, VII; Constituição da Bahia no art. 71, XV; Constituição de Goiás no art. 11,

XIII; Constituição do Espírito Santo no art. 56, XXI; Constituição do Mato Grosso Sul

no art. 63, XIX; Constituição de Minas Gerais no art. 62 XIII, XIV; Constituição do

Maranhão no art. 31, VIII e Constituição do Tocantins no art. 19, XII.

No art.79, I, a Constituição de Alagoas autorizou a Assembleia Legislativa a

instaurar o procedimento referente a crime de responsabilidade praticado pelo

governador, mas não houve menção à competência de julgamento.

No artigo 40, XVI, XX e XXI a Constituição de Santa Catarina atribuiu

competência à Assembleia Legislativa para autorizar a abertura de procedimento

contra o governador, bem como para julgá-lo em caso de cometimento de crime de

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responsabilidade. A competência do Legislativo Estadual se estende ao julgamento

do Procurador-Geral do Estado e do Procurador-Geral de Justiça. O procedimento

deverá ser presidido pelo presidente do Tribunal de Justiça do Estado. De igual

modo, a Carta Estadual da Paraíba, artigo 54 V, VI, XXIV, §1º, determinou que o

julgamento do governador, do Procurador-Geral do Estado e do Procurador-Geral de

Justiça, fosse presidido pelo presidente do Tribunal de Justiça do Estado.

Aliás, o Procurador-Geral de Justiça e o Procurador-Geral do Estado, ainda

com fulcro no art. 52, II da Carta Maior, deveriam ser julgados pela Assembleia

Legislativa por crime de responsabilidade, pois compete ao Senado julgar pelo

mesmo crime o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União.

Entretanto, nem todas as Constituições estaduais trazem esta previsão.

A Constituição do Rio Grande do Norte, art. 35 XIV, XVIII, atribui à

Assembleia Legislativa a autorização para procedimento de destituição do

governador impedido, mas optou por não atribuir a competência para julgamento do

crime de responsabilidade ao Legislativo Estadual. A Constituição de Pernambuco -

art. 14, XII – apenas atribui ao Legislativo a concessão de autorização para

processar o governador, sem menção a sua competência para julgá-lo.

No art. 20, XXV da Constituição de São Paulo há previsão para recebimento

da denúncia e realização pela Assembleia Legislativa de procedimento para

impedimento do governador em caso de crime de responsabilidade. Aliás, o artigo

49 dispôs sobre a existência de um Tribunal Especial apto a julgar o governador em

caso de crime de responsabilidade em substituição à Assembleia Legislativa.

Entretanto, o STF305 suspendeu os efeitos do citado art. 49 da Carta paulista,

sob o argumento de que compete privativamente à União legislar sobre as questões

inerentes às condutas típicas que caracterizam o crime de responsabilidade, bem

como o estabelecimento das normas sobre o processo e julgamento de agentes

políticos federais, estaduais ou municipais. O Supremo decidiu com base no art. 85

da Lei Maior que essa matéria será disciplinada pela Lei nº 1.079/50,306 norma que

305

Cf. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.220-2.

306 “Súmula 722/STF: São da Competência legislativa da União a definição dos crimes de

responsabilidade e o estabelecimento das respectivas normas de processo e julgamento”.

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por sua vez atribuiu à Constituição Estadual dispor sobre o julgamento dos

governadores em crime de responsabilidade.307

Por tratar-se de matéria de competência privativa da União, é evidente que a

disciplina do tema pela Carta Estadual não poderá contrariar ou trazer elementos

inovadores não previstos na citada norma nacional especial (Lei nº 1.079/50).

O STF entende que não houve inconstitucionalidade na transferência para o

STJ da competência para julgamento de governadores em caso de crime comum. 308

A nosso sentir, seria mais adequado - em nome da harmonia e coerência do sistema

constitucional - que a Lei Fundamental fosse alterada a fim de transferir do STJ para

os Tribunais de Justiça estaduais a competência para julgamento dos governadores

em caso de crime comum. Além do que, em caso de julgamento dos

desembargadores estaduais por crimes comuns e crimes de responsabilidade a

competência deveria ser do Tribunal de Justiça e da Assembleia Legislativa

respectivamente.

Assim, os desembargadores dos Tribunais Estaduais nos crimes comuns e de

responsabilidade serão julgados pelo Superior Tribunal de Justiça. Apesar de, neste

caso, a Lei Maior fazer referência apenas ao julgamento pelo STJ nos crimes

comuns.

No plano estadual o Tribunal de Justiça é uma Corte constitucional, diante

disto é que defendemos que tenha por parâmetro o STF, no que tange ao

julgamento de seus membros. Apesar da Constituição Federal não exigir

expressamente a observância das normas de elaboração de Leis federais no âmbito

do Direito Estadual.309

307

Art. 78. O Governador será julgado nos crimes de responsabilidade, pela forma que determinar a Constituição do Estado e não poderá ser condenado, senão à perda do cargo, com inabilitação até cinco anos, para o exercício de qualquer função pública, sem prejuízo da ação da justiça comum.

(...)

308 “A transferência para o STJ da competência originária para o processo por crime comum contra os

governadores, ao invés de elidi-la, reforça a constitucionalidade da exigência da autorização da Assembleia Legislativa para a sua instauração: se, no modelo federal, a exigência da autorização da Câmara dos Deputados para o processo contra o presidente da República finca raízes no princípio da independência dos poderes centrais, à mesma inspiração se soma o dogma da autonomia do Estado-membro perante a União, quando se cuida de confiar a própria subsistência do mandato do governador do primeiro a um órgão judiciário federal.” (RE 159.230, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 28-3-1994, Plenário, DJ de 10-6-1994.)

309 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 27. Ed. Op. Cit., p.46

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Vale lembrar que os ministros do STF em caso de crimes comuns serão

julgados pelo próprio Supremo, e em caso de crime de responsabilidade o

julgamento se dará pelo Senado como preceitua o art. 52, II da Carta Magna.

Em suma, no âmbito federal nos crimes comuns e de responsabilidade o

Presidente da República será julgado pelo STF e pelo Senado, respectivamente. Os

Ministros do Supremo em crimes comuns e de responsabilidade serão julgados pelo

próprio STF e pelo Senado, respectivamente. Com relação, à esfera estadual, o

governador nos crimes comuns e de responsabilidade será julgado pelo STJ e pela

Assembleia Legislativa, respectivamente.

7.6. O Supremo e a manutenção da Federação centralizada

A maioria das decisões do Supremo tem desfavorecido aos interesses

estaduais em prol de um arranjo federativo centralizador. 310

“As Constituições dos Estados acabaram sendo reduzidas pelo Supremo

Tribunal Federal a uma verdadeira cópia da Constituição Federal e qualquer

arroubo no sentido de promover alguma inovação, enfim, no sentido de

exercer a liberdade de conformação normativa, invariavelmente, é declarada

inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.” 311

A centralização política apresenta sérios problemas, porque inverte a lógica

da prevalência das normas locais e regionais na regência de assuntos comezinhos,

e sobrecarrega os tribunais federais pela extensão do trâmite de demandas que

poderiam se resolver no plano da Justiça Estadual.312

310

“De todo o modo, na jurisprudência mais recente do STF pode ser constatada uma tendência ainda restritiva quanto a um amplo e real compartilhamento competencial, ou seja, a admissão de um largo espaço para a autonomia legislativa dos estados-membros no Brasil, no que se refere a essa pontualmente prevista “competência concorrente”. É que o critério da Constituição de 1988 é por demais insuficiente, carecendo de uma concretização mais intensa por parte do Judiciário (que aqui desenvolve a delicada função de árbitro da federação) no segmento das chamadas cláusulas abertas ou conceitos indefinidos.” BERCOVICI Gilberto (coordenador). O federalismo no Brasil e os limites da competência legislativa e administrativa: memórias da pesquisa. Rev. Jur., Brasília, v. 10, n. 90, Ed. Esp., p.01-18, abr./maio, 2008, p.10.

311 RAMOS, Elival da Silva. Op.cit.,p. 172.

312 Este é também um problema que aflige o federalismo argentino, como bem destaca Hernández:

“En el fundamental tema de La distribución de competencias en el Estado federal, La reforma constitucional de 1994 no modificó la regla máxima en la matéria, que es el antiguo art. 104 –actual 121 -, que resumió el derecho histórico de los argentinos, em La expresión de Joaquín V. González. La circunstancia de que no se debatiesen estas cuestiones, no implica que la Convención haya negado importancia y transcendência a estos problemas, posiblemente lo más dificiles para uma federación. Para nosotros, ello implica que los constituyentes dieron por inconmovibles los grandes princípios fijados por La ley suprema de 1853/1860. Tienem plena vigência los conceptos de Alberdi y Gorostiaga, aceptados por La doctrina y jurisprudência de La Corte Suprema em El sentido de que las

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O STF tem desfavorecido aos Estados-membros, por exemplo, pela

indeterminação do conceito de norma geral atribuída à União no âmbito da chamada

competência concorrente, onde a atuação estadual é subjugada pela ausência de

interpretação delimitadora da atuação do ente central. Na prática o poder de

especificação atribuído aos Estados é usurpado pela União quando esta produz

normas nacionais extremamente detalhistas. 313

Percebe-se que o Poder Judiciário não tem se apresentado como a arena

adequada para solução do impasse que aqui se apresenta, pelo fato de

reiteradamente já ter se manifestado contrário a qualquer interpretação que melhor

equilibre as competências federativas. Portanto, afigura-se imprescindível a atuação

do Poder Constituinte. É neste sentido que os interesses dos Estados-membros

devem rumar.

Ramos314chama a atenção para o enfraquecimento da autonomia estadual,

constantemente tolhida pela interpretação do STF, nos seguintes termos:

“Tenho, particularmente, a opinião de que há uma questão central a ser

enfrentada pelo federalismo brasileiro. De um lado, temos a cultura

profundamente centralizadora que permeia o Estado brasileiro, remontando

as origens da colonização Portuguesa, e, de outro, uma Constituição que

adota o modelo de federalismo, tendo, inclusive, o Constituinte se

preocupado em ampliar a autonomia do Estado-membro. Esses dois vetores

aparecem, frequentemente, em contradição, porquanto os dispositivos que

poderiam ser interpretados de maneira pró-autonômica, a favor da maior

liberdade de ação dos Estados e Municípios são, invariavelmente,

interpretados em sentido oposto pelo próprio Supremo Tribunal Federal, de

modo a suprimir competências ou a negar competências às entidades

regionais e locais da federação.”

Assim, à atuação do Poder Constituinte Originário somou-se a exegese

manifesta pelo Supremo com vistas a limitar a autonomia estadual em vários casos

envolvendo conflitos de competências legislativas entre os Estados-membros e a

províncias tienem poderes conservados e ilimitados, y el gobierno federal ejercita los delegados em forma expresa o implícita, y, por tanto, son poderes limitados.” HERNÁNDEZ, Antonio. Aspectos históricos y políticos del federalismo argentino. 1ª Ed. Córdoba: Academia Nacional de Derecho y Ciencias Sociales de Córdoba, 2010, p. 43.

313 ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Competências na Constituição de 1988. 2. ed. São. Paulo:

Atlas, 2000, p. 148.

314 RAMOS, Elival da Silva. Op. Cit., p. 170.

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União. Passaremos a citar alguns desses exemplos colhidos a partir da

jurisprudência da Suprema Corte.

O STF manifestou-se sobre a Lei nº 11.438/91 do Estado de Goiás referente a

acesso ao cargo de diretor-geral da polícia civil restrito, pela citada lei, apenas aos

delegados de polícia situados na classe mais elevada da carreira. O Procurador

Geral da República arguiu perante o STF possível lesão ao Art. 144, § 4º da Lei

Maior, cuja exigência manifesta consiste apenas que a direção das polícias civis seja

exercida por delegados de carreira sem menção a sua posição na classe mais

elevada.315 Neste decisório, o Supremo alterou seu entendimento anterior, manifesto

na ADI 132, pelo qual tinha declarado a inconstitucionalidade de dispositivo

semelhante na Constituição de Rondônia. 316

A jurisprudência da Suprema Corte evoluiu, através da ADI 3.062-GO, em

2010 para prestigiar a autonomia dos Estados-membros e o princípio federativo.

Entretanto, é preciso lembrar que há poucos anos, mais precisamente em 2003, o

Supremo havia consignado, na ADI 132, entendimento oposto ao que por último foi

adotado. Alguns ministros que participaram da ADI 3.062 também votaram a ADI

132. No que se refere ao tema, ainda não se pode afirmar que se trata de uma

virada jurisprudencial em favor da autonomia estadual, nada impede que outra vez a

decisão seja revertida.

Quanto à investidura no cargo de procurador-geral do Estado de São Paulo, o

Supremo manifestou-se pela possibilidade da Constituição Estadual dispor sobre a

obrigatoriedade da escolha ser realizada entre integrantes da carreira do Parquet

estadual, sem que se tome por parâmetro a escolha do Advogado-Geral da União.317

A organização da Justiça Federal propugnada pela Lei Maior não favoreceu a

descentralização na prestação deste serviço. A criação de tribunais regionais

315

Cf. ADI 3.062-GO, Rel. Min. Gilmar Mendes.

316 Na ADI 793-RO, o STF decidiu pela constitucionalidade de norma da Constituição Estadual de

Rondônia que, diferentemente do § 4º do art. 57 da CF, permitia a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subseqüente de membros da Mesa Diretora da Assembleia Legislativa, no sentido de que “a norma, além de não constituir norma-princípio inerente e essencial à Federação e à República, tendo, na verdade, natureza materialmente regimental, não está entre aquelas que devem ser compulsoriamente observadas pelo Poder Constituinte dos Estados Federados”.

317 Cf. ADI 2581-SP, Rel.Min. Maurício Correa.

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federais consta do art. 27, §6º do ADCT,318donde se depreende que a região

Sudeste conta com dois tribunais federais, as regiões Nordeste e Sul contam com

um tribunal cada uma e as regiões Norte e Centro-oeste não conta com tribunais

regionais federais.

A Emenda Constitucional nº 73/2013 determinou a criação de mais quatro

Tribunais Regionais Federais (PR, BA, AM e MG). A medida foi acusada de violação

à Lei Maior por manifesta incompetência do Poder Legislativo para propor sobre a

matéria,319 haja vista que a iniciativa pertenceria apenas ao Judiciário.320 A questão

encontra-se sob a análise do STF através da ADI nº 5017/2013, proposta pela

Associação Nacional dos Procuradores Federais sob o argumento de vício de

iniciativa e ausência de dotação orçamentária.

A descentralização é uma marca do Federalismo, e nisto o Poder Judiciário

também se insere. A aparente economicidade não deve tolher a adequada aplicação

do princípio federativo.

Parece-nos acertada a iniciativa de melhor distribuir a prestação jurisdicional

pela criação de novas Cortes Federais, apesar das críticas de que essa medida

representaria significativo aumento das despesas com o aparato judicial. O Brasil é

mesmo um País geograficamente extenso, tal característica deve ser levada em

consideração no que se refere à prestação judicial no plano nacional.

Outro exemplo, a reforçar a crise federativa nacional, diz respeito à querela

surgida a partir da concessão de competência disciplinar do Conselho Nacional de

318

Aqui transcrevemos o Art. 27, §6º do ADCT como inicialmente proposto pelo constituinte originário de 1988, onde se determinava a criação de cinco TRF. Art. 27 (...) § 6º - Ficam criados cinco Tribunais Regionais Federais, a serem instalados no prazo de seis meses a contar da promulgação da Constituição, com a jurisdição e sede que lhes fixar o Tribunal Federal de Recursos, tendo em conta o número de processos e sua localização geográfica.

319 A PEC nº 544/2002, foi proposta e iniciada pelo Senado Federal.

320 Neste sentido, a nova redação do Art. 27, § 11º do Ato das Disposições Constitucionais

Transitórias manifesta-se do seguinte modo:

Art. 27. (...) (...) § 11. São criados, ainda, os seguintes Tribunais Regionais Federais: o da 6ª Região, com sede em Curitiba, Estado do Paraná, e jurisdição nos Estados do Paraná, Santa Catarina e Mato Grosso do Sul; o da 7ª Região, com sede em Belo Horizonte, Estado de Minas Gerais, e jurisdição no Estado de Minas Gerais; o da 8ª Região, com sede em Salvador, Estado da Bahia, e jurisdição nos Estados da Bahia e Sergipe; e o da 9ª Região, com sede em Manaus, Estado do Amazonas, e jurisdição nos Estados do Amazonas, Acre, Rondônia e Roraima.

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Justiça (CNJ) para agir independentemente da atuação primária das corregedorias

das Justiças Estaduais321. Tal competência atribuída ao CNJ foi considerada

constitucional, de acordo com o que assentou recentemente o STF.322

A referida constitucionalidade, no que concerne à atuação do CNJ, confirma

um modelo de Estado federal no qual a competência para cuidar deste tema é

concorrente, sem primazia decisória da esfera estadual. Entretanto, a competência

concorrente, em matéria de procedimento administrativo como interpretado pelo

Supremo, retira poderes das corregedorias de justiça estaduais, posto que em caso

de decisões administrativas divergentes certamente prevalecerá o decisório do CNJ.

Ainda a título de exemplo, tem-se que o Supremo Tribunal Federal no curso

da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 486, referente à produção de emendas à

Constituição Estadual, decidiu que não poderia a Constituição Estadual adotar um

quórum diferente daquele disposto na Lei Maior em seu processo de reforma, em

nítida consagração ao princípio da simetria.323

Entretanto, a simetria nem sempre se aplica às relações constitucionais, pois

em algumas situações a Constituição dos Estados estará impossibilitada de

reproduzir dispositivos da Lex Mater em virtude de características peculiares

advindas da organização da União e dos Estados-membros. Assim sendo, não pode

o Direito Estadual dispor sobre a exigência de aprovação de emendas à Constituição

Estadual em sessão bicameral, como ocorre no plano federal.

321

Em matéria publicada na página do Supremo Tribunal Federal, em 08 de fevereiro de 2012, sob o título: STF conclui julgamento que apontou competência concorrente do CNJ para investigar juízes, extrai-se o seguinte: “O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu nesta quarta-feira (08) o julgamento do referendo da liminar concedida parcialmente pelo ministro Marco Aurélio em 19 de dezembro de 2011 na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4638), ajuizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) contra pontos da Resolução 135 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que uniformizou as normas relativas ao procedimento administrativo disciplinar aplicável aos magistrados. Os pontos questionados foram votados um a um. Na análise de um dos dispositivos mais polêmicos (artigo 12 da Resolução 135), os ministros decidiram, por maioria de votos, que o CNJ pode iniciar investigação contra magistrados independentemente da atuação da corregedoria do tribunal, sem necessidade de fundamentar a decisão. Os ministros analisaram a questão em três sessões plenárias. Nas duas primeiras sessões (dias 1º e 2 de fevereiro), foram analisados os artigos 2º; 3º, inciso V; 3º, parágrafo 1º; 4º e 20; 8º e 9º, parágrafos 2º e 3º; 10 e 12 da Resolução135. Na sessão de hoje (8), foi concluída a análise, também ponto a ponto, dos parágrafos 3º, 7º, 8º e 9º do artigo 14; cabeça e incisos IV e V do artigo 17; parágrafo 3º do artigo 20; parágrafo 1º do artigo 15 e parágrafo único do artigo 21 da norma do CNJ.(...) ”Fonte: http://stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=199645&caixaBusca=N

322 Cf. ADI 4638.

323 Cf. ADI nº 486, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 03.04.1997, DJ de 10.11.2006.

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143

Os limites materiais à criação de emendas constitucionais - dispostos do

parágrafo 4º do art. 60 da Constituição Federal de 1988 - e os princípios sensíveis -

contidos no art. 34, VII da Constituição Federal - condicionam a atuação do Poder

Constituinte Decorrente quando da criação e reforma das Constituições dos

Estados-membros.

Neste sentido, Machado Horta324 destaca o seguinte:

“(...) a precedência da Constituição Federal [leia-se Constituição da

República ou Lei Fundamental], sobre a do Estado-membro é exigência

lógica da organização federal, e essa procedência, que confere validez ao

sistema federal, imprime a força de matriz originária ao constituinte federal e

faz do constituinte um seguimento derivado daquele.”

O Poder Decorrente não poderá usurpar competências que lhe sejam

vedadas pela Lei Fundamental, ainda que a pretexto de cuidar de assuntos locais

atinentes aos Municípios325, como se depreende do julgamento pelo STF da Ação

Direta de Inconstitucionalidade nº 1.221/RJ em que o Supremo declarou a

inconstitucionalidade do art. 13 da Constituição Estadual do Rio de Janeiro de 1989

e da Lei Estadual nº 2.007/92 regulamentadora.326

Assim sendo, as Constituições Estaduais devem obediência aos princípios da

Carta Magna, cuja referência consta do artigo 11 dos ADCT e do caput do artigo 25

da Carta de 1988, e em nome desta base axiológica é que devem ser elas rígidas,

324

HORTA, Raul Machado. Op. Cit., p. 07.

325 "Ação direta de inconstitucionalidade – Art. 75, § 2º, da Constituição de Goiás – Dupla vacância

dos cargos de prefeito e vice-prefeito – Competência legislativa municipal – Domínio normativo da lei orgânica – Afronta aos arts. 1º e 29 da CR. O poder constituinte dos Estados-membros está limitado pelos princípios da CR, que lhes assegura autonomia com condicionantes, entre as quais se tem o respeito à organização autônoma dos Municípios, também assegurada constitucionalmente. O art. 30, I, da CR outorga aos Municípios a atribuição de legislar sobre assuntos de interesse local. A vocação sucessória dos cargos de prefeito e vice-prefeito põe-se no âmbito da autonomia política local, em caso de dupla vacância. Ao disciplinar matéria, cuja competência é exclusiva dos Municípios, o art. 75, § 2º, da Constituição de Goiás fere a autonomia desses entes, mitigando-lhes a capacidade de auto-organização e de autogoverno e limitando a sua autonomia política assegurada pela Constituição brasileira. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente." (ADI 3.549, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 17-9-2007, Plenário, DJ de 31-10-2007.) Vide: ADI 4.298-MC, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 7-10-2009, Plenário, DJE de 27-11- 2009; ADI 1.057-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 20-4-1994, Plenário, DJ de 6-4-2001.

326 Nesta ação questionava-se a gratuidade de sepultamento e dos procedimentos a ele necessários,

enquanto direito e garantia fundamental, para todos com renda até um salário mínimo, os desempregados e os reconhecidamente pobres. Em virtude dos serviços funerários serem de interesse dos Municípios com fulcro no art. 30, inc. V, da CF/88, foi que o STF decidiu que o Estado do Rio de Janeiro não poderia ter inovado dispondo em sua constituição sobre tal previsão.

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promulgadas, escritas, dogmáticas, formais e devem ostentar igual forma de Estado,

forma de governo, sistema de governo, sistema econômico e regime político.

O Estado nacional é soberano tanto no modelo unitário quanto na forma

federativa, entretanto não se pode subtrair do Federalismo a autonomia

(administrativa, governamental e principalmente financeira) que essencialmente

caracteriza os entes que compõem a união.327

7.7. Usurpações interfederativas

Com efeito, no Brasil atribui-se à União a competência privativa para legislar

sobre normas gerais de licitação e contratos administrativos de acordo com o art. 22,

XXVII da Lex Major.328 Assim, parece estranho a Constituição realçar a atuação mais

genérica da União nesta matéria, e não ter disposto sobre este tema no rol das

competências concorrentes.

Neste ponto a técnica constitucional não foi empregada com esmero em

virtude de suscitar dúvidas, a ponto de se cogitar que a atuação dos Estados-

membros nesta seara (licitações e contratos) não decorreria do art.24, §2º da Lei

Maior, posto que a competência geral da União acha-se disposta no âmbito da

competência privativa contida no art. 22 da Constituição.329

Com efeito, no que se refere à competência privativa, a União é detentora ao

mesmo tempo de competência geral e da competência específica para cuidar das

matérias dispostas no art. 22 da Carta Magna.

327

“Continua o federalismo, contudo se afigurando, sensível e exigente e, para sua boa execução, impõe o respeito e o atendimento a dois princípios essenciais – às duas leis da sua mecânica operativa: a lei da autonomia e a lei da participação.” CAGGIANO, Mônica Herman. Op. Cit., p. 144.

328 "Tribunal de Contas estadual. Controle prévio das licitações. Competência privativa da União (art.

22, XXVII, da CF). Legislação federal e estadual compatíveis. Exigência indevida feita por ato do Tribunal que impõe controle prévio sem que haja solicitação para a remessa do edital antes de realizada a licitação. O art. 22, XXVII, da CF dispõe ser da União, privativamente, a legislação sobre normas gerais de licitação e contratação. A Lei federal 8.666/1993 autoriza o controle prévio quando houver solicitação do Tribunal de Contas para a remessa de cópia do edital de licitação já publicado. A exigência feita por atos normativos do Tribunal sobre a remessa prévia do edital, sem nenhuma solicitação, invade a competência legislativa distribuída pela CF, já exercida pela Lei federal 8.666/1993, que não contém essa exigência. (RE 547.063, Rel. Min. Menezes Direito, julgamento em 7-10-2008, Primeira Turma, DJE de 12-12-2008.)

329 Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

(...) XXVII - normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1°, III; (...)

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145

Entretanto, a Lei Maior assevera que a competência legislativa da União

sobre licitações é apenas genérica, apesar desta referência achar-se presente no

artigo que cuida das competências privativas do ente central. Portanto, em matéria

de licitação e contratos a única competência específica que a União poderá exercer

é a relacionada ao próprio ente central.330 Nesta hipótese, poderia a União delegar a

competência legislativa aos Estados para especificarem esta matéria conforme o

parágrafo único do art. 22 da Lei Maior? 331

A resposta é não, pelo simples fato do art. 22 XXVII332 implicitamente ter

excluído da União, aquela competência específica para legislar sobre licitações.

Neste caso, os Estados não precisariam garimpar autorização da União para

especificação de matérias através da criação de Lei Complementar, haja vista que

possuem a competência suplementar para especificar a temática de licitação e

contratos no âmbito de seu território.

Este arranjo complexo feito pelo Poder Originário quanto à competência para

legislar sobre licitações e contratos, no âmbito do art. 22 da Lei Maior, tem sua razão

de ser, pois visa impedir que os Estados-membros disponham sobre a norma geral

no vácuo normativo deixado pela União, em virtude de ser esta uma característica

da competência concorrente (art. 24 CF) e não daquela competência privativa do

ente central.

Aliás, o Poder Originário, com o advento da Constituição de 1988, espancou

definitivamente a noção segundo a qual “Nenhum dispositivo constitucional

autorizava a União a impor normas de licitação a sujeitos alheios a sua órbita.” 333

Os Estados não podem criar norma geral sobre licitações e contratos diante

de lacuna normativa deixada pela União, portanto a competência não pode ser

considerada concorrente. Por outro lado, a Constituição de 1988 também não impõe

aos Estados-membros a criação de Lei Complementar delegada pela União para

330

Cf. ADI 927-3-RS.

331 “Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias

relacionadas neste artigo.” 332

O citado dispositivo diz respeito a: “normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1°, III; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)”

333 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Elementos de Dir. Administrativo. Malheiros. 4ª Ed., 1992, p.

177.

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legislar sobre essa matéria, o que nos impede de cogitar sobre o emprego de

competência privativa.

Esta técnica promovida pelo Poder Originário fez possível que a competência

suplementar estadual decorresse também, ainda que excepcionalmente, do

exercício da competência privativa da União e não apenas em decorrência da

competência legislativa concorrente.

Portanto, nesta matéria a Constituição Federal transitou pelas competências

privativas e concorrentes para ao final atribuir competência suplementar aos

Estados-membros para legislar sobre licitações e contratos. A partir deste raciocínio,

aos Estados-membros - com esteio no art. 22, XXVII da Lei Maior - competem

especificar as disposições gerais criadas pela União no exercício de sua

competência suplementar.

Feitas estas considerações, vale destacar que se atribui à Lei nº 8.666/93 a

pecha de lesionar a Carta Magna no que diz respeito à usurpação pela União da

competência legislativa para especificar o referido estatuto licitatório no que tange

aos demais entes, haja vista que a Lex Mater não lhe concede tal competência

regulamentadora.

A exorbitância da União nesta área possivelmente decorre do fato desta

matéria constar do rol das competências privativas, onde geralmente se concede ao

ente central tanto a competência genérica quanto a específica.

Atentemos às lições de Diogenes Gasparini334 sobre o assunto:

“A União, ao editar a Lei federal n. 8.666/93, de 21 de junho de 1993, que

regulamenta o inciso XXI do art. 37 da Constituição Federal, foi muito além,

desconhecendo, como se verifica do seu art. 1º, a atribuição dos demais

entes federados para estatuir legislativamente, nessas áreas, as

competentes normas particulares. Acabou assim, por editar referida lei com

a pretensão de submeter todas as unidades da Federação ao mesmo

regime licitatório. Esse comportamento da União só poder ser havido como

inconstitucional.”

O mais acertado, a nosso ver, seria compor essa matéria no bojo da

competência concorrente disposta atualmente no Art. 24 da Carta Magna, no que

334

GASPARINI, Diogenes. Direito administrativo. 8ª ed. Revista e atualizada. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 418, 419.

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caberia ao Município a competência para suplementar a legislação federal e

estadual no que fosse pertinente.

Assim como a União por vezes utiliza-se indevidamente da competência

especificadora dos Estados-membros, estes também em alguns momentos usurpam

a competência geral daquela entidade.335Além do que, apesar de raro, os Municípios

também se utilizam da competência dos demais entes, sem autorização

constitucional.336

Além de Direito material o STF também se manifestou sobre matéria

processual no que tange ao estabelecimento de limites à atuação legislativa entre a

União e os Estados-membros.337

Cabe à União legislar sobre Direito Processual e esta competência legislativa

está exposta no art. 22, I da Constituição da Repúbica. Ocorre que, o art. 24, XI, a

Lex Major determina que sobre matéria processual, os procedimentos devem

concorrentemente ser atribuídos à União DF e Estados-membros. Entretanto, já está

335

"Lei 14.861/2005 do Estado do Paraná. Informação quanto à presença de organismos geneticamente modificados em alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo humano e animal. Lei federal 11.105/2005 e Decretos 4.680/2003 e 5.591/2005. Competência legislativa concorrente para dispor sobre produção, consumo e proteção e defesa da saúde. Art. 24, V e XII, da CF. (...) Ocorrência de substituição – e não suplementação – das regras que cuidam das exigências, procedimentos e penalidades relativos à rotulagem informativa de produtos transgênicos por norma estadual que dispôs sobre o tema de maneira igualmente abrangente. Extrapolação, pelo legislador estadual, da autorização constitucional voltada para o preenchimento de lacunas acaso verificadas na legislação federal. Precedente: ADI 3.035, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ de 14-10-2005." (ADI 3.645, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 31-5-2006, Plenário, DJ de 1º-9-2006.)

336 “A Lei municipal 8.640/2000, ao proibir a circulação de água mineral com teor de flúor acima de 0,9

mg/l, pretendeu disciplinar sobre a proteção e defesa da saúde pública, competência legislativa concorrente, nos termos do disposto no art. 24, XII, da CB. É inconstitucional lei municipal que, na competência legislativa concorrente, utilize-se do argumento do interesse local para restringir ou ampliar as determinações contidas em texto normativo de âmbito nacional.” (RE 596.489-AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 27-10-2009, Segunda Turma, DJE de 20-11-2009.)

337 “Lei 7.716/2001 do Estado do Maranhão. Fixação de nova hipótese de prioridade, em qualquer

instância, de tramitação processual para as causas em que for parte mulher vítima de violência doméstica. Vício formal. (...) A definição de regras sobre a tramitação das demandas judiciais e sua priorização, na medida em que reflete parte importante da prestação da atividade jurisdicional pelo Estado, é aspecto abrangido pelo ramo processual do direito, cuja positivação foi atribuída pela CF privativamente à União (Art. 22, I, da CF/1988). A lei em comento, conquanto tenha alta carga de relevância social, indubitavelmente, ao pretender tratar da matéria, invadiu esfera reservada da União para legislar sobre direito processual. A fixação do regime de tramitação de feitos e das correspondentes prioridades é matéria eminentemente processual, de competência privativa da União, que não se confunde com matéria procedimental em matéria processual, essa, sim, de competência concorrente dos Estados-Membros.” (ADI 3.483, rel. min. Dias Toffoli, julgamento em 3-4-2014, Plenário, DJE de 14-5-2014.)

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consignado na jurisprudência do STF que os Estados não têm competência

legislativa para criação de recursos.338

Em algumas situações confundem-se os limites entre processo e

procedimento, de modo que os Estados - no cumprimento de sua atribuição de

cuidar concorrentemente sobre procedimento - acabam muitas vezes por adentrar

na seara processual pertencente à União.339

Ora, se a Carta Magna permitiu que o Direito Estadual também se ocupasse

de matéria processual - ainda que para instrumentalizar a norma processual

produzida pela União, numa relação regida por competência concorrente - seria

perfeitamente admissível que o Direito Processual também deixasse de funcionar

enquanto norma de competência privativa da União para então passar a constar

como matéria de competência concorrente, no bojo do art. 24 da Lei Mãe. 340

Neste contexto, não significaria dizer que os Estados estariam autorizados a

produzir normas de processo penal e civil autônomas, visto que a atribuição

primacial para a edição de normas gerais sobre o tema caberia à União. A mudança

consistiria em debelar a incerteza jurídica que ronda esta questão, bem como

fortalecer a atuação dos Estados na regulamentação da atividade processual.341

338

Cf. AI-AgR.n.253.518-9-SC, 2ª Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, D.J. 18.08.2000.

339 “Lei 7.716/2001 do Estado do Maranhão. Fixação de nova hipótese de prioridade, em qualquer

instância, de tramitação processual para as causas em que for parte mulher vítima de violência doméstica. Vício formal. (...) A definição de regras sobre a tramitação das demandas judiciais e sua priorização, na medida em que reflete parte importante da prestação da atividade jurisdicional pelo Estado, é aspecto abrangido pelo ramo processual do direito, cuja positivação foi atribuída pela CF privativamente à União (Art. 22, I, da CF/1988). A lei em comento, conquanto tenha alta carga de relevância social, indubitavelmente, ao pretender tratar da matéria, invadiu esfera reservada da União para legislar sobre direito processual. A fixação do regime de tramitação de feitos e das correspondentes prioridades é matéria eminentemente processual, de competência privativa da União, que não se confunde com matéria procedimental em matéria processual, essa, sim, de competência concorrente dos Estados-Membros.” (ADI 3.483, rel. min. Dias Toffoli, julgamento em 3-4-2014, Plenário, DJE de 14-5-2014.)

340 “Natureza jurídica da reclamação não é a de um recurso, de uma ação e nem de um incidente

processual. Situa-se ela no âmbito do direito constitucional de petição previsto no art. 5º, XXXIV, da CF. Em consequência, a sua adoção pelo Estado-membro, pela via legislativa local, não implica em invasão da competência privativa da União para legislar sobre Direito Processual (art. 22, I, da CF).” (ADI 2.212, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 2-10-2003, Plenário, DJ de 14-11-2003.)

341 “Invade a competência da União, norma estadual que disciplina matéria referente ao valor que

deva ser dado a uma causa, tema especificamente inserido no campo do Direito Processual.” (ADI 2.655, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 9-3-2004, Plenário, DJ de 26-3-2004.)

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O trânsito é tema que, por sua dimensão, motiva constantes controvérsias

entre a União e os Estados-membros,342 sobretudo em virtude de sua importância e

dos desafios que representa para as grandes cidades.343 Assim, trânsito e transporte

têm sua regência determinada por competência legislativa privativa da União, como

dispõe o artigo 22, XI da Constituição de 1988.344

A Lei nº 6.457/1993 do Estado da Bahia dispunha sobre a obrigatoriedade de

instalação de cinto de segurança em veículos de transporte coletivo. Esta questão

chegou ao STF em sede de Ação direta de inconstitucionalidade.345 O Supremo

declarou a inconstitucionalidade da citada norma por entender que tal matéria estava

relacionada a trânsito e transporte, sendo de competência exclusiva da União,

carecendo de lei complementar para autorizar os Estados a legislarem sobre tal

questão específica, nos termos do art. 22, parágrafo único, da Lex Major.346

342

"Ação direta de inconstitucionalidade. Lei 3.279/1999 do Estado do Rio de Janeiro, que dispõe sobre o cancelamento de multas de trânsito anotadas em rodovias estaduais em certo período relativas a determinada espécie de veículo. Inconstitucionalidade formal. (...) O cancelamento de toda e qualquer infração é anistia, não podendo ser confundido com o poder administrativo de anular penalidades irregularmente impostas, o qual pressupõe exame individualizado. Somente a própria União pode anistiar ou perdoar as multas aplicadas pelos órgãos responsáveis, restando patente a invasão da competência privativa da União no caso em questão." (ADI 2.137, rel. min. Dias Toffoli, julgamento em 11-4-2013, Plenário, DJE de 9-5-2013.)

343 Competência legislativa exclusiva da União. (...) É inconstitucional a lei distrital ou estadual que

comine penalidades a quem seja flagrado em estado de embriaguez na condução de veículo automotor.” (ADI 3.269, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 1º-8-2011, Plenário, DJE de 22-9-2011.) No mesmo sentido: ADI 2.796, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 16-11-2005, Plenário, DJ de 16-12-2005.

344 "Ação direta de inconstitucionalidade. Lei distrital 3.787, de 2-2-2006, que cria, no âmbito do

Distrito Federal, o sistema de moto-service – transporte remunerado de passageiros com uso de motocicletas: inconstitucionalidade declarada por usurpação da competência privativa da União para legislar sobre trânsito e transporte (CF, art. 22, XI). Precedentes: ADI 2.606, Plenário, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 7-2-2003; ADI 3.136, 1º-8-2006, Rel. Min. Ricardo Lewandowski; ADI 3.135, 1º-8-2006, Rel. Min. Gilmar Mendes." (ADI 3.679, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 18-6- 2007, Plenário, DJ de 3-8-2007. Vide: ADI 3.610, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 1º-8-2011, Plenário, DJE de 22-9-2011.

345 Cf. ADI-874-BA.

346 "Violação da competência privativa da União para legislar sobre trânsito e transporte. (...)

Inconstitucionalidade formal da Lei 10.521/1995 do Estado do Rio Grande do Sul, a qual dispõe sobre a obrigatoriedade do uso de cinto de segurança e proíbe os menores de dez anos de viajar nos bancos dianteiros dos veículos que menciona." (ADI 2.960, rel. min. Dias Toffoli, julgamento em 11-4-2013, Plenário, DJE de 9-5-2013.) Vide: ADI 874, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 3-2-2011, Plenário, DJE de 28-2-2011.

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150

A atuação legislativa estadual nessa matéria seria proveitosa, por representar

mais uma ferramenta para solucionar os graves problemas de transporte público e

engenharia de tráfego.347

A propaganda comercial consta como competência legislativa privativa da

União, conforme o artigo 22, XXIX da Constituição Federal, sendo que os Estados

também manifestam interesse nessa área. O STF decidiu sobre o tema em ação

proposta com vistas a declarar a inconstitucionalidade da Lei Estadual nº

11.377/2000 que proibia as publicações de anúncios comerciais supostamente

pornográficos, em nome da preservação da moral e dos bons costumes.348

No que se refere à educação tem-se outro dilema. A Lei Maior dispõe sobre

educação no bojo da competência privativa da União (art. 22, XXIV), quanto à

regência das diretrizes e bases da educação nacional, bem como no âmbito da

competência legislativa concorrente (art. 24, IX), produzindo grande impasse sobre o

real limite à atuação estadual nesta área.349

Assim a menção contida no art. 22, XXIV da Carta Magna não se contrapõe à

disposição elencada no seu art. 24, IX. Aliás, o Supremo já se posicionou sobre a

347

"É indisputável que a vigente CF atribui competência privativa à União para legislar sobre transito e transporte (...). Tenho por consistentes as alegações do autor, no sentido da inconstitucionalidade da Lei distrital 1.925/1998, por invasão dessa competência, outorgada no art. 22, XI, da CR, assim porque não há lei complementar que autorize o Distrito Federal a legislar sobre fiscalização e policiamento de trânsito, como porque tal matéria, que envolve tipificação de ilícitos e cominação de penalidades, foi objeto de tratamento específico do Código de Trânsito Brasileiro, editado no exercício daquela competência privativa." (ADI 3.625, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 4-3 2009, Plenário, DJE de 15-5-2009.)

348 Como se deu em Santa Catarina quando o Legislativo estadual produziu norma relacionada à

proibição de anúncios eróticos com fotos em jornais e revistas daquele Estado. Neste caso, o STF entendeu ter havido exorbitância da competência estadual não autorizada pela Lex Major para cuidar concorrentemente da citada matéria. Cf. ADI 2.815-SC, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 8.10.2003.

349 "O art. 24 da CF compreende competência estadual concorrente não cumulativa ou suplementar

(art. 24, § 2º) e competência estadual concorrente cumulativa (art. 24, § 3º). Na primeira hipótese, existente a lei federal de normas gerais (art. 24, § 1º), poderão os Estados e o DF, no uso da competência suplementar, preencher os vazios da lei federal de normas gerais, a fim de afeiçoá-la às peculiaridades locais (art. 24, § 2º); na segunda hipótese, poderão os Estados e o DF, inexistente a lei federal de normas gerais, exercer a competência legislativa plena ‘para atender a suas peculiaridades’ (art. 24, § 3º). Sobrevindo a lei federal de normas gerais, suspende esta a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário (art. 24, § 4º). A Lei 10.860, de 31-8-2001, do Estado de São Paulo foi além da competência estadual concorrente não cumulativa e cumulativa, pelo que afrontou a CF, art. 22, XXIV, e art. 24, IX, § 2º e § 3º." (ADI 3.098, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 24-11-2005, Plenário, DJ de 10-3-2006.)

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questão na ADI nº 682, no que reconheceu a competência dos Estados para

legislarem de modo concorrente com a União nesta seara. 350

No âmbito da regulamentação da relação empregatícia351os Estados algumas

vezes adentraram na competência legislativa privativa da União para cuidar de

Direito do Trabalho,352 mesmo quando a intenção se mostrou louvável, como aquela

relacionada a rechaçar discriminações353 e garantir a segurança e higiene do

trabalho.354

350

“O Supremo Tribunal Federal reconheceu a competência concorrente dos estados com a União para legislar sobre educação. Os ministros julgaram improcedente, por unanimidade, Ação Direta de Inconstitucionalidade em que o governador do Paraná, Roberto Requião, questiona a Lei Estadual 9.346/90. A norma faculta a matrícula escolar antecipada em classe de 1ª série de crianças que irão completar seis anos de idade até o final do ano letivo. O governador Roberto Requião sustenta que a legislação que dispõe sobre diretrizes da educação não permite a repartição da competência legislativa dos estados com a União. Requião argumentou também que a lei que fixa diretrizes e bases da educação determina que “para o ingresso no ensino de 1º grau, deverá o aluno ter idade mínima de sete anos”. Segundo a ação, “a lei não deixou margem à legislação estadual para estabelecer idade mínima diversa para a admissão no ensino primário”. Já haviam votado no julgamento, pela improcedência da ADI, os ministros aposentados Maurício Corrêa e Nelson Jobim. Na sessão de 29 de março de 2006, o ministro Joaquim Barbosa pediu vista da ação. Ao proferir seu voto, Barbosa disse não ver inconstitucionalidade na lei. “O estado do Paraná atuou no exercício da competência concorrente dos estados para legislar sobre educação, conforme o artigo 24, IX e parágrafo 2º, da Constituição Federal”, disse o ministro. Ele observou ainda que a Lei 11.274/06 é a Lei de Diretrizes e Bases da Educação em vigor. Ela estabeleceu que o ensino fundamental obrigatório, com duração de nove anos, se inicia aos seis anos de idade. Barbosa acompanhou então o voto do relator ao julgar improcedente a ação. Os demais ministros do plenário acompanharam o voto. Ao proclamar o resultado, a presidente do STF, ministra Ellen Gracie, salientou que, pelo fato do relator da ação, ministro Maurício Correa, estar aposentado, o acórdão será redigido por Barbosa.” Revista Consultor Jurídico de 9 de março de 2007 em referência à ADI nº 682. Fonte: http://www.conjur.com.br/2007-mar-09/estados_competencia_legislar_educacao

351 "Matéria concernente a relações de trabalho. Usurpação de competência privativa da União.

Ofensa aos arts. 21, XXIV, e 22, I, da CF. Vício formal caracterizado. (...) É inconstitucional norma do Estado ou do Distrito Federal que disponha sobre proibição de revista íntima em empregados de estabelecimentos situados no respectivo território." (ADI 2.947, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 5-5-2010, Plenário, DJE de 10-9-2010.)

352 “Lei 11.562/2000 do Estado de Santa Catarina. Mercado de trabalho. Discriminação contra a

mulher. Competência da União para legislar sobre direito do trabalho. (...) A Lei 11.562/2000, não obstante o louvável conteúdo material de combate à discriminação contra a mulher no mercado de trabalho, incide em inconstitucionalidade formal, por invadir a competência da União para legislar sobre direito do trabalho.” (ADI 2.487, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 30-8-2007, Plenário, DJE de 28-3-2008.) No mesmo sentido: ADI 3.166, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 27-5-2010, Plenário, DJE de 10-9-2010.

353 "Ação direta de inconstitucionalidade: Lei distrital 3.705, de 21-11-2005, que cria restrições a

empresas que discriminarem na contratação de mão de obra: inconstitucionalidade declarada. Ofensa à competência privativa da União para legislar sobre normas gerais de licitação e contratação administrativa, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais de todos os entes da Federação (CF, art. 22, XXVII) e para dispor sobre direito do trabalho e inspeção do trabalho (CF, art. 21, XXIV, e art. 22, I)." (ADI 3.670, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 2-4-2007, Plenário, DJ de 18-5-2007.)

354 “Segurança e higiene do trabalho: Competência legislativa. Lei 2.702, de 25-3-1997, do Estado do

Rio de Janeiro. CF, art. 21, XXIV, art. 22, I, art. 24, VI. I. Lei 2.702, de 1997, do Estado do Rio de

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152

7.8. O Fundo de Participação dos Estados à luz da Suprema Corte

No que se refere ao Fundo de Participação dos Estados355, instrumento de

promoção de equilíbrio socioeconômico entre os Estados-membros - surgido com a

Emenda Constitucional nº 18/65, devidamente recepcionado pela Constituição

Federal de 1967 - o STF declarou a inconstitucionalidade de todo o artigo 2º da Lei

Complementar 62/89, definidor dos critérios de rateio concernente aos Estados-

membros e ao Distrito Federal, através das Ações Diretas de Inconstitucionalidade

ajuizadas pelo Rio Grande do Sul (ADI 875) 356, Goiás (ADI 1987) 357, Mato Grosso

(ADI 3243) 358 e Mato Grosso do Sul (ADI 2727) 359.

Um dos argumentos das citadas ações consiste em que o contexto

socioeconômico do Brasil na época em que foi criada a Lei Complementar nº 62,

seria completamente diferente da realidade social e econômica vivenciada pelo País

Janeiro: inconstitucionalidade, porque ofensiva ao disposto nos arts. 21, XXIV, e 22, I, da CF.” (ADI 1.893, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 12-5- 2004, Plenário, DJ de 4-6-2004.)

355 A este respeito extrai-se da PEC nº 04/2012, de autoria do Senador Ricardo Ferraço, o seguinte

extrato: “O Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal – FPE, por sua vez, constitui o principal instrumento de transferência financeira não voluntária do regime federativo brasileiro. Constitucionalmente, o FPE tem como propósito promover o equilíbrio socioeconômico entre os entes da Federação (conforme o art. 161, inciso II, da Lei Maior). No entanto, isso não foi levado em consideração na definição dos coeficientes atribuídos a cada estado pelo art. 2º e pelo Anexo Único da Lei Complementar nº 62, de 1989, o que acabou agravado pela não edição da norma específica prevista no § 2° do recém-citado art. 2º. Em face do não atendimento do comando constitucional, o Supremo Tribunal Federal declarou, em fevereiro de 2010, inconstitucionais os dispositivos da Lei Complementar nº 62, de 1989, relacionados com o FPE, estabelecendo que a sua vigência manter-se-á somente até 31 de dezembro de 2012.”

356 O governo do Rio Grande do Sul, na ADI 875, através desta ação manifestou-se pela

inconstitucionalidade do artigo 2º da Lei Complementar Federal 62/89, alegando ter havido lesão ao princípio da igualdade assegurado pela Constituição Federal, em seu art. 5º da Lex Major.

357 A (ADI 1987) é na verdade uma ação direta de inconstitucionalidade por omissão ajuizada pelo

Mato Grosso e por Goiás em face da Lei Complementar 62/89, sob o argumento de que tal lei não contemplou rateio justo e objetivo na promoção do equilíbrio sócio-econômico entre os Estado da Federação.

358 A ADI 3243 foi ajuizada pelo governo de Mato Grosso contra a Lei Complementar Federal nº

62/98, sob alegação de que o FPE não cumpriria sua função social em favor do equilíbrio sócio-econômico entre as unidades da federação. Assim, o entendimento é que a citada lei afrontaria o artigo 159, inciso II, da Constituição Federal, que determina a distribuição da arrecadação sobre produtos industrializados aos estados e ao DF, bem como o artigo 161, inciso II. Esse dispositivo atribui à lei complementar o estabelecimento de normas sobre a entrega dos recursos e o critério de rateio utilizado pela União.

359 Pela ADI 2727 o governo de Mato Grosso do Sul alegou a inconstitucionalidade dos parágrafos 1º,

2º e 3º do artigo 2º da Lei Complementar Federal nº 62/98 e parte da Decisão Normativa nº 44/01 do Tribunal de Contas da União. Os dispositivos contestados da Lei Complementar definem a forma de distribuição dos recursos do Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal (FPE).

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no limiar do Século XXI. Além do mais, os coeficientes de rateio teriam sido

estabelecidos de modo precário por acordos políticos feitos às pressas.360

O fato é que este modelo de FPE, praticado desde 1989, favorece a alguns

Estados em detrimento de outros, em nome do Federalismo cooperativo.361 Os

Estados das regiões mais pobres se esforçarão para manter o volume de seus

repasses, com óbvia resistência das Regiões Sul e Sudeste.362

Uma solução para este impasse foi apresentada no Senado pela qual se

propôs a manutenção do FPE com base nos seguintes critérios: Índice de

Desenvolvimento Humano (IDH), maior população, menor renda per capita e em

níveis de pobreza. Tais indicadores ajudariam a produzir um coeficiente, para

repartição do dinheiro do Fundo, bem parecido com aquele praticado atualmente. 363

A Lei Complementar nº 62/1989 tinha previsão para valer apenas até 1992. A

partir dos dados obtidos pelo IBGE, no censo de 1990, uma nova norma para

distribuição dos valores do FPE deveria ter sido criada, pautada na admissibilidade

de revisões periódicas dos coeficientes de rateio. O fato é que a referida norma não

foi produzida.

Diante disso, o Supremo considerou inconstitucional a referida LC nº 62/89,

no que determinou prazo até o dia 31 de dezembro de 2012, para que entrasse em

vigor outra norma com nova disciplina sobre o tema. O prazo se esgotou sem que o

Congresso Nacional tivesse produzido a referida lei. O STF prorrogou por mais 150

dias o prazo para a criação de nova legislação.

360

Com base na petição inicial da ADI 1987 tem-se que: “A partir de 1988, as cotas destinadas aos Estados seriam vinculadas a dados objetivos apurados pelo IBGE (Lei Complementar nº 59/88). Contudo, às vésperas do censo previsto para 1990, um acordo político entre Governo Federal e Governos Estaduais levou à aprovação da Lei Complementar nº 62/89, pela qual os índices de participação dos Estados foram fixados arbitrariamente, de forma provisória, para o exercício de 1991 – em prejuízo de várias unidades da federação, principalmente do Centro-Oeste.”

361 “(...) O FPE 2011 distribuiu R$ 48 bilhões. Para efeito de comparação, o Maranhão, com seus 6,5

milhões habitantes, recebeu R$ 3,47 bilhões do fundo, ao passo que São Paulo, o estado mais populoso do país (41 milhões de habitantes), ficou com apenas R$ 480 milhões. Outros casos: o fundo rendeu R$ 1,19 bilhão a Roraima, o Estado menos habitado (450 mil pessoas), e entregou R$ 730 milhões e R$ 720 milhões, respectivamente, ao Rio (16 milhões de habitantes) e ao Espírito Santo (3,5 milhões).” Fonte: Congresso em Foco - Internet - Data: 26/03/2012

362 Projeto de autoria do deputado federal Gilney Viana que altera a Lei Complementar nº 62 de

28/12/1989 visando estabelecer critérios de rateio do FPE dos Estados e do Distrito Federal.

363 Cf. PLC nº 289/2011 apresentado pelo senador Randolfe Rodrigues (Psol-AP).

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No limite deste prazo a Câmara e o Senado aprovaram a Lei Complementar

nº 143/2013, com destaque para o dispositivo de proteção aos Estados-membros

contra desonerações concedidas pela União a partir de impostos repartidos com os

Estados, para que referidas desonerações pudessem ser descontadas apenas da

parte da arrecadação atinente à União, não mais da totalidade dos recursos do FPE.

Entretanto, a norma foi sancionada, com veto a esta proposição.364

A antiga redação do art. 2º, I e II da LC nº 62/89 determinava que 85% do

valor do FPE fossem distribuídos entre as Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e

os outros 15% para as Regiões Sul e Sudeste.

Pela nova redação dada pela Lei Complementar nº 143/2013 tem-se que os

coeficientes individuais de participação dos Estados e do Distrito Federal no FPE, a

serem aplicados até 31/12/2015, são os constantes do Anexo Único contido na

aludida Lei Complementa e a partir de 01/01/2016, cada entidade beneficiária

receberá valor igual ao que foi distribuído no correspondente decêndio do exercício

de 2015, corrigido pela variação acumulada do Índice Nacional de Preços ao

Consumidor Amplo (IPCA) ou outro que vier a substituí-lo e pelo percentual

equivalente a 75% (setenta e cinco por cento) da variação real do Produto Interno

Bruto nacional do ano anterior ao ano considerado para base de cálculo. Após a

aplicação dessas correções, caso ainda existam recursos para distribuição, a

repartição será proporcional à população e inversamente à renda per capita dos

Estados.

7.9. O desvio de poder na atividade normativa do Estado

Cabe destacar que o STF reconhece a teoria do desvio de poder na atividade

normativa365do Estado no que tange às atividades legislativas, sobretudo, aquelas

inerentes ao Poder Constituinte Decorrente e ao legislador estadual, pela qual se

intenta coibir arbitrariedades no exercício da competência legislativa disposta na

Constituição de 1988.

O artigo 24, §2º da Constituição Federal não dispõe claramente sobre os

termos da competência do ente central para legislar sobre normas gerais, fazendo

364

O art. 2º da Lei Complementar no 62/89, passou a vigorar com alteração determinada pela Lei

Complementar nº 143/2013.

365 Cf. ADI 2667-4.

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com que tal imprecisão opere em prejuízo da atribuição especificadora destinada

pela Lei Maior aos Estados-membros, isto tem feito com que a estreita competência

legislativa estadual seja diminuída ainda mais.

“Tradicionalmente, há uma benevolência muito grande do Supremo

Tribunal Federal em relação à amplitude dessas normas gerais. O exemplo

mais contundente disso que foi dito diz respeito à matéria de licitações e

contratos administrativos, para a qual a Constituição prevê a edição de

normas gerais pela União. (...) A própria técnica da competência

concorrente precisaria ser mais adequadamente estruturada, especialmente

dando-se algumas indicações, em nível constitucional, acerca das

características das normas gerais que competem ao Poder central” 366

Com efeito, a Carta de 1988 apontou no sentido da federalização normativa,

uniformizadora de procedimentos no âmbito de todas as unidades federativas. É

verdade que essa tendência eliminou discrepâncias no plano normativo, sobretudo

no âmbito do Direito Penal e do Direito Civil.

Entretanto, o problema se mostrou grave quando a norma (civil e penal) se

mostrou obsoleta sem que os Estados-membros nada pudessem fazer para reverter

o quadro, a não ser esperar pela atuação do Congresso Nacional. A partilha de

competências legislativas privativas da União com os Estados certamente ajudaria a

resolver este problema.

O exercício da competência concorrente favoreceria a atuação normativa

uniformizadora da União somada à possibilidade dos Estados especificarem tais

normas de acordo com sua realidade sem a ameaça de criação de um confuso

cipoal legislativo.

No Direito Estadual, fruto da atuação autônoma de várias Assembleias

Legislativas no exercício de competências constitucionais explícitas e implícitas, as

normas criadas favoreceria o surgimento de soluções para dilemas regionais. Apesar

366

Sobre este assunto Elival Ramos expõe os abusos cometidos pela União contra a autonomia dos Estados-membros e revela que: “O atual Estatuto das licitações, que é de 1993, começa dizendo que nele são estabelecidas as normas gerais sobre a matéria de licitações e contratos administrativos, as quais, no entanto, se desdobram por mais de 120 (cento e vinte) artigos. A própria dimensão desse ato normativo está a indicar que há um exagero e que, por certo, aninham-se na lei inúmeros dispositivos inconstitucionais. Já a declaração inicial do legislador federal denota inconstitucionalidade, porque se pretendeu transformar em normas gerais uma ampla e minudente disciplina do assunto. RAMOS, Elival da Silva. Op. Cit. pp. 171, 173.

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de poderem também fomentar disparidades, como aquelas decorrentes das

legislações que regem o ICMS.367

Assim, seria inadequada a mera transferência de competências privativas da

União para formar um rol de competências privativas dos Estados-membros porque

provavelmente isso não favoreceria a interação federativa.

A nosso sentir, melhor seria realizar o compartilhamento através da retirada

de algumas das competências privativas da União transferindo-as, ao art. 24 da

Carta Magna, a fim de alargar a atuação concorrencial entre o ente central, os

Estados-membros e o Distrito Federal.

A União goza de respaldo na operacionalização de suas atribuições

constitucionais, enquanto que os Estados-membros amargam descrédito na

execução de suas competências.

Desde a Reforma de 1926 no constitucionalismo pátrio a impressão que se

tem é que os Estados-membros não são institucionalmente confiáveis e por isso

mesmo a Constituição Federal concedeu à União uma série de competências

legislativas relacionadas aos interesses estaduais.

7.10. O STF e a reprodução da Lei Maior nas Constituições Estaduais

As Constituições Estaduais reproduzem, no seu texto, dispositivos

pertencentes à Lei Maior. Essa repetição advém de forma obrigatória ou poderá

ocorrer por mera liberalidade do Poder Decorrente.

Sobre este tema Tércio Sampaio Ferraz Júnior368 entende que o dever de

cumprir os princípios dispostos na Constituição Federal não obriga os Estados a

repetir literalmente o preceito a ser observado no texto da Carta Estadual, assim

como o legislador ordinário não se encontra obrigado a repetir no texto da Lei

Ordinária o principio basilar da Lei Maior que lhe dá fundamento.

As normas constitucionais de eficácia contida, por exemplo, possibilitam a

criação de norma restritiva elaborada pelo Congresso Nacional a fim de especificar o

367

Neste sentido têm-se as relações comerciais advindas do comércio eletrônico com efeitos sobre a dinâmica de arrecadação do ICMS, questão esta disciplinada pela Proposta de Emenda Constitucional nº 103 de 2011.

368 FERRAZ JUNIOR, T. S. Princípios condicionantes do poder constituinte estadual em face da constituição federal. Revista de Direito Público, São Paulo, v. 22, 1989, p. 90.

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comando geral contido na Constituição Federal. Entretanto, não se exige a repetição

do dispositivo constitucional a ser restringido no bojo da norma criada.

Destarte, é de pouca serventia, por exemplo, que a Carta Estadual mencione

em seu texto a observância aos princípios da ampla defesa e do contraditório, bem

como faça menção à impossibilidade de se adotar penas cruéis no âmbito dos

Estados e Municípios, porque tais matérias já estão devidamente dispostas na Carta

Federal.

Com efeito, a força normativa da Constituição Federal independe de sua

repetição no âmbito das Constituições Estaduais.

Passaremos a discorrer sobre as duas principais teorias que norteiam essa

matéria no âmbito do Supremo Tribunal Federal, a saber: a teoria da ociosidade da

norma constitucional repetida e a teoria da autonomia da norma reproduzida.

7.10.1. A teoria da ociosidade da norma constitucional repetida

Tem-se que a Constituição Estadual compõe-se preponderantemente por

normas de repetição obrigatória e normas de repetição por imitação.

De acordo com a “teoria da ociosidade da norma constitucional repetida” -

anteriormente adotada pelo STF no julgamento da Reclamação nº 370 - aqueles

dispositivos, contidos na Constituição Federal, de natureza obrigatória que também

estejam no texto da Constituição Estadual, seriam desconsiderados para efeitos de

controle de constitucionalidade estadual, em virtude do lastro de validade já

concedido pela Lex Mater. 369

Portanto, o controle concentrado estadual se limitaria às demais normas

constantes nas Constituições Estaduais provenientes da atuação do Poder

Decorrente a partir das competências estaduais dispostas na Constituição Federal.

Esta teoria foi criticada por Gilmar Mendes,370 pois “adotada a orientação

esposada inicialmente pelo Supremo Tribunal Federal, ficaria o Direito Constitucional

estadual - substancial - reduzido, talvez, ao preâmbulo e às cláusulas derrogatórias.”

369

LEONCY, Léo Ferreira. Controle de constitucionalidade estadual: as normas de observância obrigatória e a defesa abstrata da Constituição do Estado-membro. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 12.

370 Cf. Rcl. nº 4432/TO, Rel. Min. Gilmar Mendes, decisão publicada no DJU de 10.10.2006.

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“Já que além dos princípios gerais, aplicáveis à União, aos Estados e

Municípios (arts. 145 a 149), das limitações do poder de tributar (arts. 150 a

152), contempla o texto constitucional federal, em seções autônomas, os

impostos dos Estados e do Distrito Federal (Seção IV – art. 155) e os

impostos municipais (Seção V – art. 156). Como se vê, é por demais estreito

o espaço efetivamente vago deixado ao alvedrio da constituinte estadual.”

371

O STF a partir da Reclamação nº 370372 entendeu que os Tribunais de Justiça

dos Estados seriam incompetentes para realizar o controle de constitucionalidade de

Lei Municipal ou Lei Estadual em face da Constituição Estadual quando esta

repetisse norma obrigatória materialmente originária da Constituição Federal.

Nossa percepção é de que a teoria da ociosidade acertou ao apontar a

inutilidade da repetição de dispositivos da Lex Major nas Constituições Estaduais

porque isso em hipótese alguma afetaria a validade da Constituição Federal, cuja

aplicabilidade no âmbito regional dispensa a anuência do Poder Decorrente.

A mera padronização de normas reproduzidas pelas Constituições Estaduais

deve ser repensada sob a ótica do interesse público. Sobre esta questão atente-se à

observação de Sabino José Fortes Fleury: 373

“Um exemplo claro disso é a questão dos Tribunais de Conta. No Brasil

inteiro eles têm que ter sete membros, não se importa se seja no Amapá ou

em São Paulo. Então, por mais que você crie uma estrutura monstruosa de

servidores para dar suporte às atividades, no Estado de São Paulo, vão ser

sempre sete membros que vão julgar. Isso é humanamente impossível.

Então quando você desvincula determinadas coisas, pode reorganizar sua

administração de maneira a ter um atendimento melhor à população”.

Mendes374 reconhece que há estreito espaço no constitucionalismo pátrio

para a Constituição Estadual, por essa razão não poderia deixar ela de reproduzir

normas dispostas na Carta Fundamental, porque se assim não fosse, não haveria o

que colocar no texto constitucional estadual.

371

“A tese concernente à ociosidade da reprodução de normas constitucionais federais obrigatórias no texto constitucional estadual esbarra já nos chamados princípios sensíveis, que impõem, inequivocamente, aos Estados-membros a rigorosa observância daquele estatuto mínimo (CF, art. 34, VII). MENDES, Gilmar. Op. Cit., p. 1309:2008.

372 Cf. Rcl. 370. Rel. Octávio Gallotti, DJ de 29/06/2001.

373 Artigo disposto na Revista UNALE, Ano XII, n. 56, junho de 2011, p.19.

374 Cf. Reclamação STF nº 4.432.

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159

Ora, isso é mesmo o reconhecimento de que o modelo federativo brasileiro é

bastante centralizador, a ponto de tolher o espaço que deveria estar reservado aos

Estados-Membros para construção das Constituições Estaduais. Assim a repetição

de norma constitucional de observância obrigatória se prestaria para ocupar espaços

vazios oriundos da carência de competência estadual.375

Para Gilmar Mendes376 a omissão no texto das Constituições Estaduais dos

preceitos contidos no artigo 34, VII da Lei Maior seria suficiente para ensejar

intervenção federal no Estado-membro omisso. Com efeito, a Constituição Cidadã

atribui à União a tarefa de intervir nos Estados para assegurar a observância dos

princípios sensíveis.

Entendemos que o verbo assegurar empregado pela Carta Magna no citado

dispositivo visa garantir a obediência dos Estados-membros ao cumprimento dos

citados princípios, independentemente deles estarem ou não reproduzidos nas

Constituições Estaduais. Aliás, esse já foi o entendimento do próprio STF.

“Sob o império da Constituição de 1988, suscitou-se, entre nós, questão

relativa à competência do Tribunal estadual para conhecer de ação direta

de inconstitucionalidade, formulada contra lei municipal em face de

parâmetro constitucional estadual, que, na sua essência, reproduza

disposição constitucional federal. Cuidava-se de controvérsia sobre a

legitimidade do IPTU instituído por lei Municipal de São Paulo, capital (Lei

municipal n. 11.152 de 30.12.1991). Concedida a liminar pelo Tribunal de

Justiça de São Paulo, opôs a Prefeitura Municipal de São Paulo reclamação

perante o Supremo Tribunal Federal, sustentando que, embora fundada em

inobservância de preceitos constitucionais estaduais, a ação direta acabava

375

"A despeito de ter outorgado aos Estados o poder de instituírem suas próprias Constituições, o legislador constituinte federal quase não deixou espaço para que os entes federativos inovassem nas matérias reservadas à sua competência. Prova disso é o fato de a Constituição Federal ter previamente ordenado, em muitos aspectos, por meio das chamadas normas de observância obrigatória, a atividade do legislador constituinte decorrente, para o qual deixou como única saída, em inúmeras matérias, a mera repetição do discurso constitucional federal, por via da transposição de várias normas constitucionais federais para o texto da Constituição Estadual. Por outro lado, em matérias nas quais a Constituição Federal outorgou ampla competência para que o constituinte estadual deliberasse a seu talante, com a possibilidade de edição das chamadas normas autônomas, este se limitou a imitar o disciplinamento eventualmente constante do modelo federal, mesmo quando a ele não se encontrava subordinado. O resultado de tal fenômeno é a convivência, nos textos da Constituição da República e das Constituições Estaduais, de normas formal ou materialmente iguais, a configurar uma identidade normativa entre os parâmetros de controle federal e estadual.” LEONCY, Léo Ferreira. Op. Cit., p.116,117.

376 MENDES, Gilmar Ferreira. Op. Cit. 2008, p. 1308.

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por submeter à apreciação do Tribunal de Justiça do Estado o contraste

entre a lei municipal e normas da Constituição Federal.” 377

Com efeito, a não exigência de reprodução obrigatória não afastaria o dever

de cumprimento da norma no plano estadual e ainda pouparia a Justiça estadual de

conhecer temas que na prática serão definitivamente resolvidos pelo STF. Portanto,

a teoria da ociosidade não exclui o controle de constitucionalidade estadual que se

ocuparia estritamente daqueles temas relacionados ao exercício da competência dos

Estados-membros.

A respeito deste assunto assim se manifesta Rodrigues de Castro378:

“As normas obrigatórias da Constituição Federal integram o ordenamento

jurídico dos Estados-membros independente de repetição dessas normas

na Constituição dos Estados-membros, cabendo ao Poder Constituinte

Decorrente apenas complementar a obra do Constituinte Federal.”

A força normativa da Constituição Federal independe de sua confirmação no

texto das Constituições Estaduais. Há espaço para atuação do Poder Constituinte

Decorrente que poderá dispor sobre Direito Tributário, Direito Econômico, Direito

Financeiro, dentre outros, sempre em consonância com o disposto na Lei Maior, não

para repetir o que nela se encontra exposto, e sim para construir o cenário

constitucional estadual.

A obrigatoriedade, neste caso, consistiria em obedecer a Lei Fundamental e

isso deveria ocorrer independentemente da reprodução na Carta Estadual.379Neste

mesmo sentido manifesta-se Gabriel Ivo380 nos termos que se seguem:

“A reprodução do princípio, portanto, em nada lhe acrescenta a eficácia nem

tem o condão de satisfazer o comando constitucional de observância e

obediência. Observar ou obedecer um princípio constitucional significa

abster-se de emitir regras que com ele sejam incompatíveis ou, de um modo

377

Reclamação nº 383. Relator Ministro Moreira Alves.

378 CASTRO, João Paulo Rodrigues de. Op. Cit., p.01.

379 “Um dos fundamentos da viabilidade dessa transposição está em que, ainda que se não

transcrevessem essas normas para o texto da Constituição Estadual, teriam elas validade em todo o território do Estado-membro e vinculariam os Poderes Públicos locais. Independentemente de sua absorção pelo ordenamento constitucional local, visto que se enquadram naquela categoria de normas diretamente aplicáveis aos entes federativos componentes da Federação como um todo.” LEONCY, Léo Ferreira. Op.cit., p. 26.

380 IVO, Gabriel. Constituição estadual. Competência para elaboração da constituição do estado-

membro. São Paulo: Ed. Max Limonad, 1997, p. 141.

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positivo, a emissão de regras que venham a imprimir-lhe eficácia. Não se

cumpre um princípio repetindo no texto da Constituição Estadual o seu

enunciado.”

A nosso ver, no plano do Direito Constitucional estadual, o controle de

constitucionalidade faz muito mais sentido quando visto sob a perspectiva das

normas originadas a partir da competência dos Estados-membros.

Assim em matérias reproduzidas tem-se que o controle de constitucionalidade

concentrado, exercido pelo Judiciário Estadual, é desnecessário, pois tende a tornar

o procedimento moroso diante da decisão do STF, a quem caberá proferir a última

palavra. Neste caso, é meramente aparente o fortalecimento da autonomia dos

Estados-membros, haja vista que a decisão estadual jamais prevalecerá sobre a

manifestação final do Supremo, diante da apreciação de possível violação à norma

da Constituição Federal copiada pelas Constituições Estaduais.

7.10.2. A doutrina da autonomia da norma reproduzida

A “teoria da autonomia da norma repetida” defende a força da norma

constitucional reproduzida na Constituição Estadual diante da competência do

Supremo e dos Tribunais de Justiça dos Estados para realizar o controle de

constitucionalidade.

“Nessa hipótese, as normas copiadas só teriam a força de obrigar a sua

reprodução (transplante) para a Constituição estadual. Embora com o

mesmo conteúdo, quem incidiria efetivamente nos fatos previstos pelas

duas normas seria a norma-cópia. Daí a autonomia das normas-cópia

inseridas na Constituição estadual.” 381

A partir da decisão na Reclamação nº 383 o STF passou a acatar a “teoria da

autonomia da norma repetida” pela qual inexiste usurpação de competência quando

os Tribunais de Justiça verificam a constitucionalidade de leis no controle abstrato de

normas municipais reproduzidas da Lei Fundamental face à Carta Estadual.

Mendes382 observa que a omissão de preceitos obrigatórios na Carta Estadual,

em tese, daria azo à interposição de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade

381

Idem.

382 Gilmar Mendes expõe a gravidade sobre tal omissão cogitando inclusive que isto poderá resultar

em intervenção federal: “Nenhuma dúvida subsiste de que a simples omissão da Constituição estadual, quanto à inadequada positivação de um destes postulados, no texto magno estadual, já

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Interventiva por lesão aos princípios sensíveis dispostos no art. 34, VII, da

Constituição Federal.

Para o Supremo o descumprimento da obrigação de repetição normativa pelo

Poder decorrente não afligiria a aplicabilidade da Lei Maior, todavia, isto não

desobrigaria o Poder Constituinte Decorrente de proceder à devida reprodução

dispositiva.

Sobre os princípios que fundamentam a atuação do Poder Constituinte,

Ferraz383 observa o seguinte:

“A partir destes princípios originários, o poder constituinte instaura a

República Federativa. O princípio republicano e o princípio federativo já têm

caráter estatuído. Também eles são fundamentais, mas não são originários

no sentido de imanente à própria principialidade do exercício do poder

constituinte. São uma opção fundamental do poder constituinte. Por seu

caráter podemos chamá-los de fundamentais instituídos. Isto os Estados-

membros não podem alterar, pois seu poder constituinte decorrente ali se

principia como ali se principia o próprio poder constituinte originário. Por

este seu caráter de fundamentos da própria principialidade, estes princípios

devem ser chamados de fundamentais.”

Clève384 afirma que o princípio sensível disposto no art. 34, VII, d, sobre a

prestação de contas da administração direta e indireta deverá ser copiado pelo

Poder Constituinte Decorrente, sob pena de intervenção federal.

A seu turno, Rodrigues de Castro385 afirma que a ausência de repetição dos

princípios sensíveis na Constituição Estadual não ensejaria intervenção federal.

configuraria ofensa suscetível de provocar a instauração da representação interventiva.”MENDES, Gilmar. Op. Cit, p.1309:2008.

383 Sobre princípios comuns de organização Ferraz ensina que: “Os princípios comuns de

organização são, em geral, específicos a certa classe ou assunto especial. Ora se referem à administração, ora à magistratura, ora aos servidores, ora à ordem econômica. Já por essa razão têm um peso menor que os princípios fundamentais, que afetam a estrutura global da Constituição. Ao seu lado, porém, estão outros, que estão implícitos na Constituição, a qual os agasalha sem nomear, como seria o caso do princípio da prevalência hierárquica das normas referentes a direitos fundamentais sobre as demais normas constitucionais, o princípio da unicidade das normas constitucionais, o próprio princípio da supremacia constitucional, etc.”FERRAZ, Tércio Sampaio. Op. Cit., p.04.

384 CLÉVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata de constitucionalidade no direito brasileiro. 2.

ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 136.

385 CASTRO, João Paulo Rodrigues de. Op. Cit., p.01.

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“A possibilidade de ofensa por ato legislativo aos princípios sensíveis só

seria possível em caso de norma da constituição estadual com disposição

contrária ao previsto nos princípios sensíveis. Como, por exemplo, norma de

Constituição Estadual que permitisse chicotear os bandidos presos, o que

ofenderia o princípio sensível do artigo 34, VII, b, que protege a dignidade

da pessoa humana. A mera repetição do princípio sensível não implica

obediência aos princípios sensíveis, pois os Estados-membros podem,

apesar da repetição desses princípios, ofendê-los através de atos

concretos, inclusive por omissão.”

Gilmar Mendes386 esclarece que a Corte Constitucional Alemã firmou

entendimento no sentido de que a adoção pela Constituição Estadual de normas

com conteúdo idêntico a preceitos constitucionais federais opera favoravelmente à

dúplice garantia constitucional, permitindo que os recursos constitucionais e o

controle de normas possam ser instaurados perante o Tribunal Constitucional dos

Estados, nos termos da Constituição Estadual, ou perante a Corte Constitucional

federal, tendo como parâmetro a Lei Fundamental.

Para o STF a Carta Estadual está obrigada a reproduzir algumas normas

dispostas na Lex Mater. Entretanto, as Constituições Estaduais não se limitaram a

copiar apenas tais dispositivos, trazendo para o seu texto boa parte daquilo que está

posto na Carta Magna através das chamadas normas de imitação.

Assim, o controle de constitucionalidade estadual poderá ocorrer a partir da

violação de qualquer dispositivo reproduzido ainda que sua repetição tenha sido

desnecessária.

Em contraponto Rodrigues de Castro387 entende ser inócua a repetição do

artigo 34, VII, da Carta Mãe, em virtude de existir relação hierárquica entre este

dispositivo específico com as normas da Constituição Estadual.

No caso do disposto no artigo 35, IV da Carta Magna, o citado autor sustenta

que haveria aplicação do comando e não repetição, haja vista que o comando seria

uma obrigação de não afrontar princípios sensíveis, enquanto que no art.35, IV tem-

se uma obrigação positiva pela qual os Estados deverão intervir nos Municípios em

386

MENDES, Gilmar Ferreira. Op. Cit., p.1309:2008.

387 CASTRO, João Paulo Rodrigues de. Op. Cit., p. 01.

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virtude de afronta aos princípios dispostos na Constituição Estadual, execução de lei

ou decisão judicial. 388

Moreira Alves389 ressalta a importância da reprodução de normas obrigatórias,

sobretudo aquelas relacionadas à intervenção dos Estados nos Municípios que se

dará com base em dispositivo contido na Constituição Estadual a partir de

reprodução da Lei Maior, nos termos seguintes:

“A intervenção no Município, que se faz também por meio de representação

de inconstitucionalidade pelo parâmetro da Constituição Estadual (e

representação que acarreta a suspensão, com eficácia erga omnes, da

execução da norma municipal impugnada como providência preliminar), ou

não se poderá fazer porque as normas de reprodução são ociosas e sem

qualquer eficácia, ou – ilogicamente – poderá ser feita, controlando-se, por

via dela, a constitucionalidade das leis municipais em face de todos os

princípios contidos na Constituição Estadual (inclusive os federais

obrigatórios inocuamente reproduzidos) e por ela tidos como sensíveis.

Note-se, ademais, que, tanto para a representação de inconstitucionalidade

interventiva quanto para a ação direta de inconstitucionalidade, no âmbito

estadual, o inciso IV do artigo 35 e o parágrafo segundo do artigo 125,

ambos da Carta Magna Federal, estabeleceram como parâmetro a

Constituição Estadual, sem qualquer distinção com relação às normas nesta

contidas.” 390

É possível que a cópia de dispositivos sirva bem ao propósito que caracteriza

o espírito da Lei Maior, no sentido de positivar exaustivamente tudo aquilo que tenha

ou não natureza essencialmente constitucional para conceder-lhe o valor de norma

suprema a fim de imprimir maior efetividade a tais dispositivos.

Além do mais, a centralização normativa no âmbito da União e a repetição de

dispositivos na Carta Estadual tem esvaziado o Direito Estadual.

388

“Repetiria se reeditasse a ordem emitida pela Federação que permite aos Estados-membros intervir nos Municípios, não no caso de estabelecer comando próprio. Além do que, a repetição das hipóteses contidas no artigo 34, VII configura somente repetição do preceito primário da norma extraída desse dispositivo da Constituição, e não da norma que desse se extrai.” Idem.

389 ALVES, Moreira. A jurisdição constitucional estadual e as normas federais reproduzidas nas

Constituições dos Estados membros. In MARTINS, Ives Gandra da Silva (Org.). As vertentes do direito constitucional contemporâneo. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2002, p. 22.

390 Idem.

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165

Nesta matéria, o controle de constitucionalidade estadual que deveria ser

atributo exclusivo da Justiça estadual, não raro sobe ao STF. Assim, a repetição

desnecessária de dispositivos faz com que a Constituição Estadual também seja

obra do Constituinte Originário, ainda que indiretamente, em desprestígio à atuação

do Poder Decorrente.

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CAPÍTULO 8

A CONSTITUIÇÃO E O APERFEIÇOAMENTO DA FEDERAÇÃO

8.1. Centralização política e o regime democrático; 8.2. Federação,

Senado e Democracia; 8.3. Os Estados e a busca por competências

legislativas; 8.4. O inadequado aproveitamento do Direito Constitucional

Estadual; 8.5. Assembleia Legislativa e reforma federativa.

8.1. Centralização política e o regime democrático

Com efeito, a forma de Estado federativa se amolda muito bem ao regime

democrático. Entretanto, verificou-se no constitucionalismo brasileiro a tentativa de

compatibilização do Estado federal com regimes antidemocráticos. Em casos assim,

o espírito federalista391 tende a se desvirtuar.

No período republicano os regimes de exceção (Estado novo e Revolução de

1964) optaram por não reativar o modelo unitário, mais adequado as suas

pretensões, antes preferiram adaptar a Federação, dando-lhe características

unitaristas. Portanto, o sistema federativo não é monopólio do regime democrático,

sua vertente antidemocrática tende naturalmente a gerar centralização política e

enfraquecimento da autonomia estadual.

Assim, o autoritarismo federalista e o Unitarismo têm em comum a

centralização do poder político. É possível que o Estado unitário distribua melhor o

poder que uma Federação ditatorial. Todavia, de um Estado federal democrático o

mínimo que se espera é a distribuição adequada do poder político. Por isso, é

391

“O sucesso dos sistemas federais não se caracteriza apenas por seus arranjos constitucionais, mas pela sua penetração no espírito federalista.” RAMOS, Dircêo Torrecillas. O federalismo assimétrico. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 36, apud OLIVEIRA, Ricardo Victalino de. A configuração assimétrica do federalismo brasileiro. Dissertação de mestrado em direito da USP. Orientadora: Prof. Dra. Fernanda Dias Menezes de Almeida, São Paulo, 2010, p. 15.

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paradoxal que a Federação pátria, de natureza democrática, apresente-se como um

instrumento de centralização política.

O Federalismo brasileiro quase sempre aliou a centralização política

(legislativa) à descentralização geográfica (administrativa).392Vale destacar que o

País, depois de uma breve fase de descentralização política mais efetiva, optou a

partir de 1926 por retomar a centralização que se pensava superada com a queda

da Monarquia Unitarista.

Para Ribeiro Bastos393 a Federação brasileira de 1988 chega a ser mais

centralizadora do que o Estado unitário adotado em vários Países:

“O traço principal que marca profundamente a nossa já capenga estrutura

federativa é o fortalecimento da União relativamente às demais pessoas

integrantes do sistema. É lamentável que os constituintes não tenham

aproveitado a oportunidade para atender ao que era o grande clamor

nacional no sentido de uma revitalização do nosso princípio federativo. O

estado brasileiro na nova Constituição ganha níveis de centralização

superior à maioria dos Estados que se consideram unitários e que, pela via

de uma descentralização por regiões ou por províncias, consegue um nível

de transferências das competências tanto legislativas quanto de execução

muito superior àquele alcançado pelo Estado brasileiro. Continuamos, pois,

sob uma constituição eminentemente centralizadora, e se alguma diferença

existe relativamente à anterior é no sentido de que esse mal (para aqueles

que entende ser um mal) se agravou sensivelmente.”

No Estado unitário não há entes periféricos de natureza política, e as divisões

internas (condados, municípios, distritos, departamentos) ostentam apenas natureza

administrativa. Tem-se na verdade um governo uno cuja jurisdição se estende por

todo o território nacional. A este respeito, assim averbou Sahid Maluf:394

“Estado unitário é aquele que apresenta uma organização política singular,

com um governo único de plena jurisdição nacional, sem divisões internas

que não sejam simplesmente de ordem administrativa. O Estado unitário é o

tipo normal, o Estado padrão. A França é um Estado unitário. Portugal,

Bélgica, Holanda, Uruguai, Panamá, Peru são Estados unitários. Embora

descentralizados em municípios, distritos ou departamentos, tais divisões

392

MALUF, Sahid. Op.cit. p. 386.

393 BASTOS, Ribeiro Celso. Op. Cit., p. 263.

394 MALUF, Sahid. Op. Cit., p. 183.

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são de direito administrativo. Não têm esses organismos menores uma

autonomia política.”

Discordamos de Maluf apenas quanto à hipótese de existência de

descentralização política no âmbito do Estado genuinamente unitário. Com efeito, o

Unitarismo é essencialmente centralizado e tem por característica a

desconcentração e não a descentralização. Em verdade, ambas são formas de

transferência de poder: descentralização (poder político) e desconcentração (poder

administrativo).

A desconcentração manifesta-se internamente, pela transferência de

atribuições de uma entidade para seus diversos órgãos. “Note-se, porém, que na

desconcentração o serviço era centralizado e continuou centralizado, pois que a

substituição se processou apenas internamente.” 395

André Ramos Tavares396 afirma ser possível a divisão interna no âmbito do

Estado unitário para fins administrativos, onde há uma relação de dependência das

entidades inferiores com relação ao ente central.

“É admissível que o Estado unitário promova divisões internas, para fins de

administração. Assim, é possível a divisão administrativa (não a política),

cuja presença não descaracteriza o Estado unitário. Deve estar presente,

contudo, a subordinação ao poder central de qualquer entidade, órgão ou

departamento criado para exercer parcela de atribuições. O vínculo de

subordinação decorre da técnica pela qual se promove a divisão de

atribuições: a delegação. O poder central tanto pode promover a

desconcentração como regredir para a posição inicial de concentração

absoluta, inclusive com a eliminação da entidade subordinada até então

existente.” 397

Sobre o processo de delegação do poder, sem se referir especificamente ao

modelo unitarista, é que Justen Filho398 destaca que “A multiplicação de órgãos no

395

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 10ª edição. Ed. Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2003, p. 274, 275.

396 TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional– 9. ed. rev. e atual. Op. Cit., p.1082.

397 Idem.

398 Para esta autor “A diferença reside em que a descentralização produz a transferência de podres e

atribuições para um outro sujeito distinto. Portanto, há um número maior de sujeito titulares dos poderes públicos. Já a desconcentração mantém os poderes e atribuições na titularidade de um mesmo sujeito, gerando efeitos meramente internos.” JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005, p.96.

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âmbito de uma mesma pessoa jurídica produz o fenômeno da desconcentração do

poder. Já a criação de outras pessoas jurídicas gera efeito de descentralização do

poder.”

Para Prelot399a centralização do Estado unitário permite executar duas formas

distintas de transferência de atribuições. A primeira seria a desconcentração em que

certas competências seriam atribuídas às entidades administrativas, e a segunda

seria a concentração na qual as atribuições seriam reunidas no plano central.

O Estado unitário, essencialmente centralizado, poderá ser concentrado

quando sonegar atribuições às entidades administrativas. Assim também o Estado

federal, fundamentalmente descentralizado, poderá manifestar-se com aspecto

centralizador quando a Lei Maior favorecer a União na distribuição de competências

legislativas.

No que concerne às competências legislativas tem-se que no Unitarismo a

sua reunião no âmbito do ente central impede que ele as transfira em virtude da

ausência de outros entes políticos com autonomia. A pluralidade de coletividades

politicamente autônomas caracteriza o Federalismo e não o Estado unitário.

Portanto, a transferência de competências legislativas a entidades administrativas

descaracterizaria a noção mais elementar de Unitarismo.

Portanto, a Federação é essencialmente descentralizada porque se manifesta

pela repartição de poderes às entidades autônomas. A intensidade dessa

descentralização é que costuma variar. A seu turno, o Unitarismo é centralizado,

todavia admite a desconcentração de atribuições aos entes administrativos.

“Não há, portanto, juridicamente, relação de hierarquia entre entidade

central e entes descentralizados, nem identidade entre controle hierárquico

e tutela administrativa, embora, repita-se, de fato e na prática assim possa

parecer. Onde houver controle hierárquico, certamente existe

desconcentração administrativa, a tutela é típica de descentralização

administrativa. No Brasil, entre os órgãos que integram a Administração

direta existem vínculos de hierarquia característicos da desconcentração;

entre as entidades centrais – União, Estados, Distrito Federal, Municípios -,

e suas autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista,

399

PRELOT, Marcel. Institutions Politiques et Droit Constitutionnel. Paris, Dalloz, 1957, p.219.

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fundações públicas não ocorrem juridicamente vínculos de hierarquia, mas

controle denominado tutela, típico da descentralização administrativa.” 400

Os regimes autoritários tolhem a descentralização efetiva no âmbito da

Federação, e no Estado unitário concentram atribuições em desfavor das entidades

administrativas. Entretanto, no Estado unitário democrático é possível que entes

administrativos participem bem mais do processo decisório nacional do que os

Estados-membros no bojo de uma Federação ditatorial.

A respeito da descentralização política Gasparini401 afirma que:

“Esta ocorre quando há uma pluralidade de pessoas jurídicas públicas com

competências políticas, isto é, investidas no poder de fixar os altos

interesses da coletividade. De forma mais simples, quando existem pessoas

com poderes para legislar ou para dispor, originariamente, sobre os

superiores e fundamentais interesses da coletividade e o modo pelo qual

serão atingidos. Exemplo dessa descentralização tem-se no Estado Federal,

composto de Estados-Membros.” 402

Na perspectiva constitucional a descentralização política, caracterizada pela

transferência de poderes legislativos de um ente federativo para outro, decorre da

própria Constituição Federal. A descentralização administrativa manifesta-se pela

transferência de poder (administrativo) de uma entidade política a outra.

No que tange ao Federalismo o melhor é se falar em (des) centralização

(legislativa e administrativa), já no bojo do Unitarismo mais adequado seria falar-se

em (des) concentração (administrativa).

Há modelos que subvertem a lógica: Unitarismo (centralização), Federação

(descentralização). Formas de Estado mistas se manifestam na Europa e nas

Américas. Deste modo, assim como no Brasil a Federação apresenta-se

400

“Do ponto de vista estritamente jurídico, entre os entes descentralizados e os poderes centrais não se registram vínculos de hierarquia. Os poderes centrais exercem um controle sobre tais entes – tutela – que juridicamente não se assimila ao controle hierárquico, embora na prática assim possa parecer. Algumas diferenças podem ser fixadas entre o controle hierárquico e a tutela administrativa. A relação de hierarquia existe entre órgãos situados em níveis diferentes da estrutura da mesma pessoa jurídica, implicando subordinação de órgãos inferiores àqueles de graus mais elevados; a tutela é controle exercido pelas entidades centrais sobre entes dotados de personalidade jurídica própria de decisão; portanto, na tutela há duas pessoas jurídicas em confronto.” MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 9ª Ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p.65.

401 GASPARINI, Diogenes. Direito administrativo. 8ª ed. Revista e atualizada. São Paulo: Saraiva,

2003, p. 286.

402 Idem.

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centralizada, o Unitarismo manifesta-se politicamente descentralizado em alguns

Países europeus. De fato, tais modelos híbridos se mesclam fortemente a partir de

características essenciais da Federação e do Unitarismo. 403

8.2. Federação, Senado e Democracia

Impende destacar que no contexto federativo, o Senado é extremamente

importante por fazer valer democraticamente a vontade dos Estados, inclusive

daqueles situados nas regiões mais empobrecidas.

A nosso sentir, a Constituição de 1988 atuou em consonância com os

princípios que norteiam a Democracia ao permitir que Estados economicamente

vulneráveis, pudessem por seus representantes fazer uso do veto como forma de

demonstrar alguma força na defesa de seus interesses.

Em verdade, o Senado e a Constituição Estadual são mecanismos oferecidos

pela Lei Maior aos Estados-membros em defesa de sua autonomia. Por isso, o

entendimento - já anteriormente citado - segundo o qual a representação estadual

no Senado brasileiro afetaria a Democracia por lesionar a vontade da maioria,

atende muito mais aos interesses da União e dos Estados mais populosos do que

propriamente aos interesses da maioria dos Estados pobres que se encontram nas

regiões menos densas do País.

Sob o ângulo do princípio federalista - pelo qual as autonomias estaduais têm

o mesmo valor independentemente da condição econômica ou populacional de cada

Estado – o que se verifica é a manutenção da própria igualdade sob a ótica da

representação dos Estados-membros no Senado Federal.

Qualquer alteração na Lei Maior a fim de pautar o número de senadores no

contingente populacional dos Estados-membros representaria uma violação à

Constituição Federal. 404

403

A forma de Estado adotada pela Espanha e pela Itália, por exemplo, reforça a existência de modelos que não se encaixam facilmente naquilo que se supõe ser uma Federação ou um Estado Unitário. Nestes casos, diz-se que há Unitarismo quando numa forma de Estado adotada se tem a prevalência de características unitaristas sobre caracteres federativos. De igual modo, no Brasil, apesar de flagrantes características unitaristas, diz-se que existe uma Federação pela manifestação minoritária das características unitaristas na forma de Estado adotada pela Lei Maior.

404 Cf. art. 46, §1º da Lei Maior.

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Se a composição do Senado fosse pautada no critério populacional, os

Estados mais populosos, que são também os mais ricos, sairiam cada vez mais

fortalecidos, em desfavor da representatividade dos demais Estados-membros que

formam a maioria.

“Em todos os Estados federais há sempre a participação dos Estados-

membros nas deliberações da União, seja direta ou indiretamente. Essa

assistência dos Estados federados, nas resoluções da União, constitui

grande garantia a eles entregue para prevenir excessos do governo

nacional contra os governos locais, como também para contrabalançar o

prestígio excepcional, de que gozam, na câmara baixa, os Estados

particulares mais populosos. Apresentam, assim, as federações a feição de

uma democracia de Estados, pois os Estados-membros exercem o duplo

papel de províncias autônomas e de cidadãos eleitores.” 405

É preciso entender que a representação popular se dá na Câmara dos

Deputados. Deste modo, a argumentação que tenta desqualificar a representação

estadual no Senado não tem fundamento no próprio papel que a Câmara Alta

historicamente desempenha no federalismo.

Ora, retirar dos Estados-membros, com menor contingente populacional, a

prerrogativa de se fazer representar plenamente na esfera federal através do

Senado, seria sepultar de vez a possibilidade de equilibrar a Federação brasileira.

O Senado é a arena revisora de projetos normativos e tem um papel crucial

no veto de proposições de interesse do ente central. Apesar de estruturado no

âmbito da União, o Senado não se vincula ao governo federal.

A centralização federativa confere à União a poder de decidir sobre boa parte

das políticas públicas nacionais e regionais, bem como direcionar recursos (não

vinculados) aos Estados de acordo com sua conveniência. Pelo jogo democrático, o

Senado poderá contrariar o Executivo quando este se opuser aos interesses dos

Estados-membros.

O Federalismo propõe uma conexão entre os entes pactuantes. Certamente

o equilíbrio, imprescindível à sustentação da Democracia, surja também pela

possibilidade das unidades federadas terem o mesmo peso nas votações

405

MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira. Op.cit.,p. 106.

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173

parlamentares, independentemente de seu contingente populacional ou de sua

condição econômica.

Com efeito, o desequilíbrio financeiro entre a União e os entes periféricos tem

produzido efeitos nocivos à Federação e à Democracia, pois gera uma relação de

dependência econômica dos Estados para com a União.

O desprezo à repartição do poder e dos recursos financeiros, associado a não

resolução das desigualdades socioeconômicas no contexto federativo,

historicamente propiciou sublevações e manifestações golpistas. 406

A propósito, é verdade que as emendas parlamentares funcionam como

elemento de barganha política na relação entre o governo federal e o Congresso

nacional, mas também representam o repasse de importantes recursos aos Estados

e Municípios através dos quais poderão realizar investimentos.

Através de deputados e senadores a totalidade dos Estados tem acesso aos

citados recursos das emendas parlamentares. No Senado este mecanismo iguala a

oportunidade de aplicação desse numerário em cada um dos Estados-membros. A

lógica muda na Câmara onde a quantidade de deputados federais, determinada a

partir de critérios demográficos, beneficia os Estados mais populosos.

Assim reiteramos que a Federação brasileira seria afetada caso a

representatividade dos Estados-membros no Senado fosse pautada pelo critério

populacional, com repercussão negativa sobre o princípio democrático.

Percebe-se assim que os conceitos de Federalismo e Democracia são

absolutamente compatíveis porque objetivam a repartição do poder a partir da

distribuição de competências legislativa e materiais com fulcro no princípio da

prevalência do interesse.

No Federalismo antidemocrático há uma série de limitações impostas pela

União ao exercício das competências dos demais entes. Como bem explica Neto

Lobo: 407

406 Neste sentido foi que a falta de coesão em torno de João Goulart culminou na Revolução Militar de 1964 que, sob a justificativa de proteger o Brasil contra a ameaça comunista, se estendeu até a metade dos anos 1980. “Em 1964, com o golpe militar novamente voltamos a era do centralismo autoritário com supressão de todas as franquias democráticas o que durou praticamente vinte anos” FIGUEIREDO, Marcelo. Op. Cit., p. 128.

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“O grande desafio é como preservar o federalismo, diante da crescente

centralização política, na busca de direções que compatibilizem a

necessidade de unificar as soluções aos grandes problemas nacionais e a

necessidade em se fortalecer a democracia e a própria cidadania, que

exigem a descentralização política.” 408

Destarte, a separação dos poderes estabelece um sistema de freios e

contrapesos com possibilidade de controle e fiscalização mútuos, e por isso tende a

compatibilizar-se com o Federalismo e com o regime democrático.

Uma das bandeiras do constitucionalismo é a limitação do poder estatal a fim

de preservar os direitos fundamentais. Neste sentido, o estabelecimento de vários

níveis de poder exige uma reflexão sobre o modo como se dá o exercício do poder

pela União em face dos direitos das populações estaduais, com base nos ideais

democráticos e no princípio federativo.

O exercício privativo pela União de competências potencialmente

concorrentes fragiliza a Democracia ainda quando resulte de decisão do Poder

Originário ao qual compete determinar as atribuições de cada um dos entes

federativos na Lex Major.

O Federalismo democrático pugna por entes autônomos, com poder para

elaborar suas próprias normas, inclusive a Constituição Estadual, em respeito à

participação cidadã auferida pelo voto na esfera estadual. Desta forma, o voto não

se mostra mais valioso no plano federal que nas demais esferas. As manifestações

de vontade do eleitorado estadual não podem ser menosprezadas.

As prioridades e competências federativas devem ser estabelecidas com base

nas necessidades dos indivíduos que habitam simultaneamente em todas as esferas

federativas, haja vista que em regra estar no plano federal significa também fazer

parte do nível estadual e da esfera municipal. É preciso entender que no

Federalismo os cidadãos têm interesses nacionais, regionais e locais. Portanto, a

decisão de se englobar todos esses interesses federativos no âmbito das

competências da União traduzir-se-ia numa opção velada pelo Unitarismo.

407

NETO LOBO, Paulo Luiz. Op. Cit., p.02.

408 Idem.

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175

Assim, uma maior participação na repartição das competências

constitucionais em favor de Estados e Municípios, é uma tendência decorrente da

consolidação do processo democrático.

O equilíbrio federativo exige que a União assuma seu importante papel de

coordenação no plano federativo, e por outro lado permita aos demais entes

federados o exercício de suas atribuições e competências em favor dos seus

interesses. A busca por um consenso que atenda a tais necessidades é um desafio

para o Poder Constituinte.

8.3. Os Estados e a busca por competências legislativas

No exercício de sua competência remanescente os Estados-membros atuam

independentemente de outros entes ou órgãos. Vale lembrar que a dimensão dessa

competência não é inteiramente conhecida e explorada pelo Direito Estadual.

A produção de emendas constitucionais e a delegação de competências

privativas da União aos Estados-membros, através de Lei Complementar, dependem

da atuação do Congresso Nacional e por isto mesmo apresentam maior dificuldade

quanto a sua concretização.

O interesse dos Estados-membros, em fazer uso da competência legislativa

delegada que lhes poderia ser atribuída, é inversamente proporcional à disposição

da União em concedê-las, sobretudo em matérias importantes.

É evidente que este mecanismo dispensa a produção de emenda

constitucional para se efetivar, todavia, isto não torna mais fácil sua manifestação

por exigir como condição de realização a concordância da União em compartilhar

suas competências privativas.

Neste caso, deverá haver a conjunção de duas vontades em prol dos

interesses estaduais, exige-se primeiramente que a União concorde com a

especificação de algumas de suas competências no plano estadual, mas isto não

basta; entrará em cena num segundo momento, deste processo de delegação, o

Congresso Nacional que deverá criar a Lei Complementar ditando seus limites.

Assim, este é certamente um mecanismo pouco funcional pelas dificuldades que

envolvem sua concretização.

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“Apesar do tímido exercício desse mecanismo, tramitam no Congresso

Nacional projetos de lei complementar visando a concessão de

delegações (PLP nº 27290; PLP 3303; PLP 4703; PLP 13607 - na

Câmara dos Deputados, que autorizam os Estados a legislar sobre a

mobilidade urbana, a partir das diretrizes nacionais que estabelece; e

PLS nº 212005 PLS 522007 - no Senado Federal, que autorizam os

Estados a legislar sobre o direito penal em questões específicas que

define).” 409

A Lei Complementar não autoriza a transferência de competências aos

Estados para cuidar amplamente sobre as matérias elencadas no art. 22 da Carta

Magna. Estabelece-se desta forma uma normatização não cumulativa e verticalizada

em que o ente central, mesmo em caso de delegação de competência aos Estados-

membros, terá sempre a primazia na edição de normas gerais.

Vale destacar, por exemplo, que a Carta de 1946, Constituição democrática

anterior a atual Lei Maior de 1988, dispunha sobre a possibilidade dos Estados

produzirem legislação supletiva ou complementar a partir das competências

legislativas da União, sem a exigência de Lei Complementar.410 Portanto, a

Constituição Cidadã dificultou sobremaneira a hipótese de atuação legislativa

supletiva e complementar dos Estados-membros quando remeteu à União a

permissão para este exercício.

O Estado contemporâneo tem sido impelido a incluir no Ordenamento Jurídico

normas que regulem as transformações oriundas da globalização e dos processos

de integração econômica. Entretanto, importa buscar também atender demandas

internas através de um conjunto de normas que permitam a convergência de

interesses regionais díspares que sempre caracterizaram o Estado brasileiro.

Quanto às competências concorrentes a Constituição Estadual tem espaço

para complementar as normas gerais elencadas pela Carta Magna, com

possibilidade para atender suas peculiaridades, desde que não lesione o espírito

contido na Lex Mater. Entretanto, já destacamos que há uma acomodação do

legislador estadual no exercício dessa competência.

409

MORAES, Alexandre de. Federação Brasileira — Necessidade de Fortalecimento das Competências dos Estados-Membros. Revista de Direito Administrativo. Maio/Agosto 2009. p. 22.

410 Art. 6º - A competência federal para legislar sobre as matérias do art. 5º, nº XV,

letras b , e , d , f , h , j , l , o e r , não exclui a legislação estadual supletiva ou complementar.

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Raul Machado Horta411 ressalta a necessidade do Direito Estadual

complementar a norma federal com base em características regionais:

"(...) a legislação federal é reveladora das linhas essenciais, enquanto a

legislação local buscará preencher o claro que lhe ficou, afeiçoando a

matéria revelada na legislação de normas gerais às peculiaridades e às

exigências estaduais. A Lei Fundamental ou de princípios servirá de molde

à legislação local."

Entretanto, Alexandre de Moraes412 expõe esse aspecto do sistema federativo

com muita propriedade ao destacar o ímpeto da União na produção do Direito

nacional aliada à passividade do legislador estadual no exercício de sua

competência complementar:

“Ocorre, entretanto, que os Estados-membros são extremamente tímidos na

edição da legislação complementar, aceitando sem qualquer contestação a

legislação federal que - em matéria concorrente - acaba por disciplinar tanto

os princípios e regras gerais, quanto às normas específicas.”

A Constituição de 1988 possui mecanismos que poderiam ser usados para

melhorar as relações federativas. Entretanto, tais ferramentas são na prática bem

difíceis de ser executadas porque dependem da vontade da União para efetivá-las.

O ente central não deseja uma reforma em que ele próprio perca poderes.

Diante disto, a atuação do Poder Constituinte apresenta-se como o único meio de

reestruturação da Federação brasileira.

411

MACHADO HORTA, Raul. Op. Cit., p. 366.

412 MORAES, Alexandre. Federação Brasileira — Necessidade de Fortalecimento das Competências

dos Estados-Membros. 2009.Op. Cit., p.23.

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8.4. O inadequado aproveitamento do Direito Constitucional Estadual

É indiscutível que a limitação das competências legislativas estaduais

esvaziou a existência da Constituição Estadual. A Carta Magna reservou apertado

espaço à atuação legislativa dos Estados-membros, o que não quer dizer que não

haja espaço, ele existe e poderia ser aproveitado de modo mais adequado.

O Poder Decorrente e o legislador estadual poderiam fazer melhor uso das

escassas oportunidades disponibilizadas pela Carta Magna a fim de fazer da

Constituição Estadual uma peça bem mais útil aos desígnios regionais. Na grande

maioria dos Estados-membros o que caracteriza a Carta Estadual é a mera

reprodução a partir da Carta Mãe.413

Diante disto, é possível compreender mais facilmente a razão pela qual

raramente o Direito Federal invade a seara legislativa pertencente aos demais entes

federados, e entender o motivo pelo qual o Direito Estadual ordinariamente usurpa

as competências legislativas pertencentes à União.

É certo que a concentração de competências pelo ente central poderá

desestimular a existência de movimentos separatistas em virtude da diminuição do

poder de decisão dos Estados. Entretanto, a centralização também poderá trazer

efeitos colaterais extremamente nocivos quando atinge a dignidade federativa dos

Estados-membros pelo enfraquecimento de sua autonomia.

Assim, é certo que as competências legislativas disponibilizadas aos Estados

pela Constituição de 1988 são escassas. Entretanto igualmente grave é o fato dos

Estados subaproveitarem esse potencial.

A construção da Constituição Estadual mostrou-se algo bem mais complexo

do que parecia ser, em virtude da imprecisão do seu espaço de atuação em face dos

limites impostos pela Lei Maior. A obrigatoriedade de reprodução de dispositivos

fundamentais levou o Poder Decorrente a cometer o erro da repetição desnecessária

de outros tantos dispositivos inúteis aos propósitos regionais.

Tal quadro advém da centralização exacerbada que afronta as noções

elementares de Federalismo advindas dos EUA, pelas quais a União deveria exercer

413

SILVA, José Afonso. O Estado-membro na Constituição Federal. RDP, p. 16/15.

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poderes definidos em pequeno número, cabendo aos Estados-membros o exercício

de um maior número de competências. 414

É óbvio que apenas a repartição do poder não se mostra suficiente para o

estabelecimento do Estado federal. A isto se deve somar a existência de

coletividades parciais articuladas com o ente central, dotadas todas elas de

autonomia com representatividade no plano nacional, além de outras várias

características fundamentais já aqui destacadas.

Neste contexto mostra-se fundamental o reconhecimento e valorização da

esfera estadual enquanto fator de desenvolvimento com base numa atuação focada

nos interesses regionais.

Virgílio Cardoso de Oliveira415 em referência ao artigo 6º da Constituição de

1891 destacava que em hipótese alguma a União poderia intrometer-se em negócios

estaduais. Assim, a relação entre a União e os Estados-membros não poderia

ocorrer como se estes fossem meros departamentos administrativos.

Nesta perspectiva, a intervenção da União em assuntos estaduais só poderia

ocorrer nas hipóteses elencadas na Lei Maior, não ficando assim tal decisão ao

sabor do ente central.

Vale lembrar que a Carta Mãe concede aos Estados capacidade de auto-

organização e de autogoverno, autonomia limitada por princípios os mais variados.

Acerca de tais limitações é que José Afonso da Silva416 destaca a necessidade de

serem interpretadas estritamente para que não lesionem a autonomia estadual,

estabelecida enquanto princípio fundamental do Ordenamento Jurídico pátrio.

Deste modo, o princípio federativo exige que se conceda aos Estados um

espaço adequado à promoção do seu desenvolvimento. No âmbito da Constituição

414

Na concepção de MADISON aqueles “poderes delegados ao Governo Federal pela Constituição são poucos e definidos. Os que ficarão em mãos dos Governos dos Estados são numerosos e indefinidos.” HAMILTON, MADISON e JAY. El federalista. Tradução de Gustavo Velasco, México, fundo de cultura econômica, 1943, p. 130.

415 OLIVEIRA, Virgílio Cardoso de. Poderes implicitos: A intervençao federal nos estados estudada a

luz da doutrina, da legislacao comparada e em face da Constituicao Brazileira. Pará, TYP, Imprensa Official, 1903, p.07, 09, 10.

416 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. Op. Cit., p. 519.

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180

de 1988 a hermenêutica colhida no STF tem desfavorecido a atuação legislativa

estadual. 417

A crise federativa brasileira exige uma reação no plano constitucional e na

esfera legal. Ao Poder Constituinte Derivado cabe reformar a Carta Magna para que

a partir disto haja repercussão no plano normativo ordinário. A Constituição Estadual

precisa cumprir seu escopo.

A este respeito é preciso citar Pontes de Miranda:418

“Nada mais perigoso que fazer-se uma Constituição sem o propósito de

cumpri-la. Ou de só cumprir nos princípios de que se precisa, ou se entenda

devam ser cumpridos, o que é pior. No momento, sob a Constituição que,

bem ou mal, está feita, o que nos incumbe a nós, dirigentes, juízes e

intérpretes, é cumpri-la. Só assim saberemos a que serviu e a que não

serviu, nem serve. Se a nada serviu em alguns pontos, que se a emende, se

reveja. Se em algum ponto a nada serve, que se corte nesse pedaço inútil.

Se a algum bem público desserve, que de pronto se elimine. Mas, sem nada

cumprir, nada poderemos fazer que mereça crédito. Não a cumprir é

estrangulá-la ao nascer.”

8.5. Assembleia Legislativa e reforma federativa

A realidade social poderá ser alterada pela intervenção do Estado através do

Direito. Neste sentido, imputa-se à norma jurídica a nobre tarefa de instrumentalizar

o desenvolvimento regional.

O Direito Constitucional é especialmente relevante neste aspecto, pois os

princípios e normas que orientam o Ordenamento Jurídico têm sua base fincada na

Lei Maior. A seu turno, a Constituição Estadual, em seu campo de atuação,

representa também uma possibilidade de transformação social no plano regional.

417

“A jurisprudência selecionada a analisada do STF, apresentada basicamente em sede de controle abstrato, alocando o STF como o guardião da federação e árbitro do conflito federativo (ADIn 2.396-9/MS; ADIn 1.893 RJ; ADIn 3.098; ADIn 3.322 MC/DF; ADIn 2.656-9; ADIn 3.444/RS; ADIn 2.432/RN; ADIn 3.254/ES; ADIn 3.186/DF; ADIn 2.796/DF; ADIn 1.704/MT; ADIn 2.101/MS; ADIn 474/RJ; ADIn 3.135/PA; ADIn 2.796-4/DF; ADIn 2.847; ADIn 2.847/DF; ADIn 3.259/PA; ADIn 2.996/SC; ADIn 3.608) demonstra uma inclinação pelo afastamento da legislação estadual praticada em diversos estados, sob o argumento da pertença competencial à União.” In: BERCOVICI, Gilberto. O federalismo no Brasil e os limites da competência legislativa e administrativa: memórias da pesquisa. Rev. Jur., Brasília, v. 10, n. 90, Ed. Esp., p.01-18, abr./maio, 2008, p. 09.

418 PONTES DE MIRANDA. Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição de 1967 com a

Emenda nº. 1, de 1969", tomo I, 2ª ed., RT, 1970, p.15,16.

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Temas relevantes estão sob a competência legislativa privativa da União. Leis

nacionais obsoletas, atualmente vigentes, afrontam o senso mediano de justiça. O

Código Penal, Código de Processo Penal e a CLT criados ainda durante o Estado

Novo, refletem o desacerto de se deixar apenas com a União a tarefa de buscar

soluções normativas para problemas sociais gravíssimos.

Deste modo, Leis nacionais caducas atravessaram o Século XX sob o olhar

omisso do Congresso Nacional. Algumas dessas normas (Código Comercial de 1850

e Código Civil de 1916) mesmo desatualizadas vigoraram por muito tempo, sem que

os Estados-membros nada pudessem fazer a respeito.

No entendimento de Paulo Luiz Neto Lobo419 o Federalismo não se constitui

apenas em instrumento de descentralização administrativa, pois sua construção

envolve uma função política pela qual se desenvolve, no âmbito das unidades

federativas, uma ampla participação popular. Neste sentido, é possível afirmar que

os excessos em torno da centralização de poderes pela União não favoreceriam o

princípio federativo.

“Durante a vigência da Constituição de 1969, inclusive pelo uso

desenfreado de decretos-leis, a União atingiu o clímax da centralização

política. O modelo dos poderes reservados revelou-se inócuo, sobretudo

nos períodos de autoritarismo, em nada favorecendo o federalismo

brasileiro.” 420

Mudanças estruturais demandam a atuação do Poder Constituinte, com

choques de interesses e desgastes de todas as ordens. A reestruturação federativa

implica necessariamente em diminuição dos poderes da União.

A respeito das dificuldades que se apresentam para reconhecimento das

peculiaridades regionais no bojo de um panorama político efetivamente federativo é

que Marcelo Figueiredo421 assim se manifesta:

“Lamentavelmente sempre oscilamos entre um centralismo federal e uma

pálida autonomia reconhecida aos Estados-membros. O Brasil sempre

praticou uma federação assimétrica. (...) Não há espaços verdadeiramente

autônomos no federalismo brasileiro dedicado aos Estados-membros.

419

NETO LOBO, Paulo Luiz. Op. Cit., pp. 02/ 94

420 Idem.

421 FIGUEIREDO, Marcelo. Op. Cit., 2008, p. 135.

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Nossa cultura centralizadora permeia as instituições. Falta-nos a cultura

federalista reconhecendo as peculiaridades de cada Estado e Região do

País.”

Portanto, urge adaptar a Federação brasileira ao Século XXI diante dos

desafios advindos das relações econômicas internacionais e da necessidade de

inclusão dos Estados e Municípios como agentes de desenvolvimento regional.

No plano estadual há previsão para proposição de emendas à Constituição

Federal, todavia tal hipótese exige a ação conjunta de pelo menos catorze

Assembleias Legislativas de acordo com o artigo 60, III da Lex Mater.422

Teve início em 2011 uma mobilização significativa de alguns Estados-

membros capitaneados pela União Nacional das Assembleias Legislativas (UNALE)

no sentido de elaborar estratégias com vistas a estabelecer mudanças na relação

dos Estados com a União a fim de redefinir a Federação brasileira.

A agenda que motivou esta resistência chamou atenção para a discussão de

pontos fundamentais à reestruturação federal, temas que vão desde a partilha de

competências legislativas até a reforma tributária. 423

Assim, a União Nacional dos Legisladores e Legislativos Estaduais (UNALE)

424 elaborou uma proposta425 com vistas a alargar as competências legislativas

422

Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: (...) III - de mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros. (...)

423 A CF/88 esforçou-se por repartir adequadamente as receitas tributárias, todavia não pode evitar

uma série de problemas que se manifestaram com o correr do tempo, como aquele concernente ao repasse de alguns tributos federais e a influência destes recursos nos fundos constitucionais e de participação dos Estados e Municípios (FPE e FPM). O fato é que os Estados-membros com fulcro na CF/88 têm direito a 21,5% do montante de 47% arrecadado pela União com a cobrança do IPI e IR. A isenção do IPI tem sido utilizada pelo governo federal para regular o preço de alguns produtos industrializados a fim de aquecer a economia. Essa medida tem gerado protestos, em virtude da perda de receita pela diminuição dos valores repassados pela União aos Estados e aos Municípios.

424 Em outubro de 2011 foi instituída pela UNALE, sob a presidência da deputada Aspásia Camargo (PV/RJ), a Comissão Especial de Estudos e Desenvolvimento da Campanha do Pacto Federativo. A Comissão é formada pelos seguintes deputados estaduais: Adjuto Afonso (AM), Álvaro Gomes (BA), Dr. Sarto (CE), Dr. Charles Roberto de Lima (DF), Marcelo Santos (ES), Hermínio Barreto (MT), Ana Cunha e Gabriel Guerreiro (PA), Sérgio Leite (PE), Caíto Quintana (PR), Aurelina Medeiros (RR), Alexandre Postal (RS), Elizeu Mattos (SC), Conceição Vieira (SE) e Itamar Borges (SP). (Revista UNALE, Ano XII, n. 57, junho de 2011, p.18).

425 Cf. Proposta de Emenda à Constituição n° 47 de 2012.

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estaduais em áreas de interesse regional.426 Segundo a referida iniciativa alguns

temas deixariam de compor as competências privativas da União, tais como: trânsito

e transporte, propaganda comercial, licitação, Direito Agrário e Direito Processual,

além de outras matérias que afligem as relações federativas também mereceriam

especial atenção.427

O Senado Federal428instalou em 12/04/2012 uma comissão formada por

especialistas (tributaristas e cientistas políticos) para que no prazo de 60 dias

elaborasse diagnóstico sobre as relações tributárias e políticas entre União, Estados,

DF e Municípios com vistas à proposição de um projeto reformador.429

426

“Começa a tramitar na Câmara dos Deputados a Proposta de Emenda à Constituição, N° 47 de 2012. As Assembleias Legislativas das unidades da Federação foram responsáveis pela proposta, que visa, a ampliação legislativa das prerrogativas estaduais. O projeto de N°47 altera os arts. 22, 24, 61 e 220 da Constituição Federal, para retirar da competência legislativa da União (no art. 22) as normas sobre direito processual e agrário, bem como sobre licitações e contratos, propaganda comercial e trânsito e transporte, que passam a ser de competência concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal (art. 24). Acrescenta como matéria de competência concorrente (no inciso XII do art. 24) a assistência social. Altera redação dos §§ 2º e 3º do art. 24, para definir que as normas gerais sobre as matérias de competência concorrente, a ser editadas pela União, restringem-se a princípios, diretrizes e institutos jurídicos e que aos Estados e ao Distrito Federal compete suplementar as normas gerais no que for de predominante interesse regional, renumerando os atuais §§ 3º e 4º, que passam a ser 4º e 5º. Retira do texto constitucional a referência a diretrizes e bases da educação nacional (art. 22, XXIV) como competência privativa da União. Inclui novo parágrafo (que passa a ser o 2º, renumerando o atual 2º como 3º) no art. 61, para permitir à maioria dos membros das Casas do Congresso Nacional apresentar projeto de lei que verse sobre matéria de iniciativa privativa do Presidente da República, exceto quanto a organização interna do Poder Executivo e matéria orçamentária.” UNALE, notícias, 19/09/2012. Fonte: http://www.unale.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=1494:proposta-em-votacao-visa-ampliar-as-competencias-legislativas-estaduais&catid=23:noticia-2&Itemid=22

427 Dentre as referidas matérias constam: a) defesa da ampliação das prerrogativas legislativas dos

Estados frente à excessiva concentração de poder pela União; b) criação de um piso nacional do magistério com suplementação dos valores pela União quando o custo da aplicação da lei não puder ser arcado pelos Estados e Municípios; c) renegociação das dívidas estaduais junto à União com revisão dos valores em níveis compatíveis com a capacidade econômico-financeira dos Estados; d) repartição adequada das receitas tributárias, etc.

428 O senador Pedro Taques propôs a criação do grupo especial de trabalho, o parlamentar

argumentou que "debates contemporâneos acerca da temática têm ensejado novas discussões sobre a distribuição de recursos naturais da nação, como o problema dos royalties, e a exigência de nova legislação para o FPE e o FPM com vistas a adequar os pilares do federalismo às demandas de um país em desenvolvimento". Fonte: Jornal do Senado de 19/03/2012 – Economia.

429 “Segundo Sarney, as relações entre os entes federados encontram-se esgarçadas, o que

evidencia a necessidade de uma avaliação profunda da situação. O presidente se disse preocupado com a desigualdade entre as regiões do país e lembrou que um dos princípios da Constituição federal é a redução dessas disparidades. Enquanto tivermos regiões condenadas à pobreza e à dependência, estarão esgarçadas as relações federativas. O princípio de dar mais aos que menos têm é que fará com que o país mantenha o equilíbrio federativo — disse Sarney. A comissão de notáveis é presidida por Nelson Jobim, ex-ministro do Supremo Tribunal Federal. Ele afirmou que, historicamente, o país privilegiou os estados do Sul e do Sudeste em detrimento dos estados das demais regiões: O desenvolvimento do país não pode ser o desenvolvimento de uma região em detrimento das demais. Jobim afirmou que a comissão terá como desafio apontar caminhos para que

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184

Vale destacar que a questão aqui não é somente apontar o problema,

consiste principalmente em reunir forças para efetivar propostas com vistas à

atuação do Poder Constituinte, quando se sabe muito bem que os interesses da

União serão contrariados.

Por isso mesmo não cremos que o processo de emenda constitucional

apresente-se como a via mais adequada à reestruturação federativa. Mais à frente

manifestaremos mais detidamente nossa posição sobre esta questão.

Ressalte-se que o Senado é mesmo o local mais apropriado para a

manifestação das insatisfações dos Estados-membros no que tange aos rumos

tomados pela Federação brasileira, principalmente nos aspectos de ordem tributária,

política e financeira.

Questões atinentes ao indexador das dívidas estaduais, à distribuição dos

recursos do FPE, ao ICMS, à partilha dos royalties do petróleo e aos

precatórios,430dentre outros, têm motivado tensões federativas. Alguns destes

o Senado construa mecanismos que garantam o equilíbrio federativo. Entre os temas que a comissão vai discutir, estão mecanismos para evitar a guerra fiscal entre os estados e a criação de novas regras de distribuição dos recursos dos fundos de Participação dos Estados (FPE) e dos Municípios (FPM). O grupo também deverá apresentar soluções para tornar mais eficiente o sistema tributário e discutir formas para reduzir as dívidas dos estados com a União. Ao final dos trabalhos, será apresentado um relatório, que poderá conter anteprojetos de lei. Além de Nelson Jobim, integram a comissão Bernard Appy, João Paulo dos Reis Velloso, Everardo Maciel, Ives Gandra Martins, Adib Jatene, Luís Roberto Barroso, Michal Gartenkraut, Paulo de Barros Carvalho, Bolívar Lamounier, Fernando Rezende, Sérgio Prado, Marco Aurélio Marrafon e Manoel Felipe Rêgo Brandão.” Fonte: Jornal do Senado de 13/04/2012 – Economia.

430 Estados e municípios brasileiros acumularam, até o primeiro semestre de 2012, R$ 94,3 bilhões

em dívidas decorrentes de sentença judicial, conhecidas como precatórios, de acordo com levantamento feito pela Corregedoria Nacional de Justiça, órgão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), junto aos tribunais de todo o País. Desse montante, R$ 87,5 bilhões se referem a precatórios devidos por estados e municípios em processos que tramitam na Justiça Estadual. Outros R$ 6,7 bilhões se referem a dívidas em processos que tramitam na Justiça trabalhista. No levantamento anterior, com dados de 2009, a dívida totalizava R$ 84 bilhões. O valor corresponde à dívida histórica, ou seja, não atualizada, já que o reajuste dos valores é feito no ato do pagamento. Na Justiça comum as administrações estaduais concentram a maior parte da dívida – R$ 48,1 bilhões, o correspondente a 55% do total devido. As prefeituras devem R$ 32,5 bilhões (37% do total), e as autarquias e órgãos da administração indireta devem R$ 6,8 bilhões (8%). Os estados e municípios do Sudeste concentram 70% da dívida em precatórios da Justiça Estadual (R$ 60,8 bilhões). Em segundo lugar está a região Sul, com 16% (14,1 bilhões), seguida pelo Nordeste, com 7%. Norte e Centro-Oeste são responsáveis por 3% e 4% da dívida, respectivamente. O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo é o responsável pela administração do maior montante das dívidas a serem ainda pagas por estados e municípios: R$ 51,8 bilhões, sendo R$ 24,4 bilhões da administração estadual, R$ 26,9 bilhões dos municípios e R$ 475 milhões das autarquias. Os estados do Rio Grande do Sul, Paraná e Rio de Janeiro e seus municípios devem entre R$ 5 bilhões e R$ 6 bilhões, cada um. A dívida está distribuída em 127.208 processos nos tribunais estaduais. Embora a dívida dos estados seja maior, os municípios lideram em volume de processos: 44% das ações. Os estados são responsáveis por 33% do volume. Na Justiça trabalhista há 53.443 ações relacionadas a precatórios. PIB – As dívidas

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problemas tiveram sua origem no trato da União com os Estados, mas outras

questões surgiram a partir das relações horizontais entre os próprios Estados-

membros.431

Além da questão política, a crise estadual é financeira e de gestão. A reforma

federativa deverá assegurar uma maior participação dos entes federados no bolo

tributário. Por outro lado, a legislação administrativa e o Direito Penal devem ser

aperfeiçoados com o intuito de coibir práticas lesivas ao Erário.

em precatórios variam, de acordo com o estudo da Corregedoria Nacional de Justiça, de 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) a 7,5% do PIB do estado correspondente. O menor percentual de comprometimento, de 0,5% do PIB, foi registrado no Mato Grosso. Já o mais alto, de 7,5%, é o de Rondônia. Apenas cinco estados devem mais de 3% do PIB – Paraná, Sergipe, Piauí, São Paulo e Tocantins. A dívida de São Paulo (estado e municípios) corresponde a 4,79% do PIB do estado. Além dos 26 estados e Distrito Federal, 2.995 municípios brasileiros têm dívida em precatórios. Evolução da dívida – A estruturação do setor de precatórios, com apoio da Corregedoria Nacional de Justiça, foi concluída nos tribunais dos estados de Alagoas, Amazonas, Ceará, Mato Grosso, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte e Tocantins. Na Bahia e em São Paulo, o programa foi iniciado. Em Alagoas, mesmo com a organização do serviço e a retomada dos pagamentos com base nos critérios constitucionais, a dívida estadual registrou pequeno crescimento, de R$ 334 milhões para R$ 335 milhões, de 2011 para 2012. O mesmo aconteceu com a dívida dos municípios (de R$ 21,2 milhões para 21,8 milhões). Em compensação, as dívidas preferenciais e de alimentos caíram de R$ 307 milhões para R$ 274 milhões e de R$ 228 milhões para R$ 61 milhões, respectivamente. Outra conseqüência da estruturação foi o aumento dos valores repassados pelos devedores ao Tribunal para pagamento de precatórios: o repasse feito pelo estado de Alagoas saltou de R$ 69 milhões, em 2011, para R$ 109 milhões no primeiro semestre deste ano. Os repasses dos municípios subiram de R$ 2,3 milhões para R$ 2,9 milhões. Já o Amazonas reduziu as dívidas de alimentos, mas aumentou a de créditos preferenciais. No primeiro semestre, os repasses feitos pelos municípios amazonenses superaram os do ano passado. Entretanto, o valor repassado pelo estado ainda está abaixo do valor de 2011. No Ceará, a dívida apresentou pequeno aumento de 2011 para 2012, e os repasses ainda estão abaixo dos do ano passado. Já no Mato Grosso, houve redução nas dívidas do estado e dos municípios, mas a dívida de autarquias e administração indireta saltou de R$ 905 mil para R$ 6,7 milhões. No Paraná, a dívida estadual aumentou de R$ 5,6 bilhões para R$ 5,7 bilhões, e a municipal, de R$ 269 milhões para R$ 383 milhões. Matéria publicada na página do Conselho Nacional de Justiça em 30/12/2012 intitulada: “Dívida de estados e municípios com precatórios chega a R$ 94 bi”, por: Gilson Euzébio e Mariana Braga Fonte: Agência CNJ de Notícias.

431 O Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitucional o atual modelo de distribuição de

recursos do Fundo de Participação dos Estados (FPE) e deu prazo até 31 de dezembro de 2012 para que o Congresso Nacional aprovasse uma nova lei, caso contrário, o FPE seria extinto. Segundo o STF, até a aprovação da nova lei, o governo federal poderia utilizar os mesmos percentuais que definiam o repasse de recursos para os Estados. A decisão foi tomada no julgamento de quatro ações de inconstitucionalidade movidas pelos governos do Rio Grande do Sul, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Paraná e Santa Catarina. Apenas o ministro Marco Aurélio Mello votou contra a inconstitucionalidade da lei. Segundo o presidente do STF, Gilmar Mendes, relator das ações, a lei que rege o Fundo de Participação dos Estados, datada de 1989, não estabelece os critérios de distribuição dos recursos, o que deveria ter sido feito dois anos depois que entrou em vigor. “É uma fotografia congelada”, disse o ministro. O FPE é composto por recursos arrecadados com o Imposto de Renda, Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e Contribuição de Intervenção sobre Domínio Econômico (Cide), sendo que 85% do FPE são destinados aos Estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste, enquanto o restante é repassado para o Sul e Sudeste. Em 2009, os Estados receberam R$ 36,2 bilhões. Fonte: Agência Brasil reportagem de Lísia Gusmão em 24/02/2010. www.stf.jus.br.

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A União tem aumentado suas receitas, pela criação de novos tributos

(contribuições) desvinculados de qualquer compartilhamento com relação aos

demais entes federativos. Em contrapartida os Estados não têm aumentado sua

receita tributária na mesma proporção do crescimento da arrecadação da União.

Além do que o endividamento estadual face à União aumentou,432 o que inviabiliza

sua capacidade de investimento.

Deste modo, é pertinente a iniciativa das Assembleias Legislativas, através da

UNALE, a fim de chamar a atenção do País para a necessidade de readequação do

terreno federativo, tornando-o mais democrático pela participação mais ativa dos

Estados-membros na defesa dos interesses regionais.

432

Para a senadora Ana Amélia (PP-RS) a União centraliza tributos, impondo dificuldades a governadores e prefeitos, gerando uma permanente dependência de Estados e Municípios em relação à União, fragilizando o pacto federativo. Destaca ainda que o aumento da dívida dos entes federados se deve à política de juros do governo federal e à adoção do Índice Geral de Preços Distribuição Interna (IGP-DI) para corrigir esses débitos. Existe, para a nobre parlamentar, a clara necessidade de revisão do indexador das dívidas, não pela Selic, como propõe o governo porque seria um péssimo negócio para Estados e Municípios. Fonte: Jornal do Senado de 24/04/2012.

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187

CAPÍTULO 9

A REESTRUTURAÇÃO FEDERATIVA

9.1. A cooperação federativa; 9.2. A redefinição de competências legislativas;

9.3. A transformação de algumas competências exclusivas em comuns; 9.4.

Federalização ou execução compartilhada de competências?; 9.5. Consulta

popular e processo de elaboração constitucional; 9.6. Reestruturação

federativa: ato constitucional originário ou derivado?

9.1. A cooperação federativa

A doutrina tem se importado cada vez mais com os aspectos utilitários do

Federalismo. No Estado Federal os entes parciais formam um único sistema em

conjunto com a União, pelo qual se visa estabelecer uma relação coordenada em

que todos possuam suas atribuições específicas, dentro do seu campo de ação e

com isto cooperem para o bem comum.

Assim os interesses regionais e locais acabam por integrar-se na formação do

interesse nacional, constituído não apenas a partir dos ditames do governo central,

mas também a partir dos interesses de todos os entes federativos que se reúnem

também em torno de objetivos comuns, influenciando-se mutuamente.

É fato que inexiste qualquer hierarquia na disposição dos componentes

federativos, haja vista que o escalonamento do poder hierárquico é uma

característica do poder administrativo e não do poder político.

Neste sentido é que no Estado federal não cabe à União estabelecer-se como

origem do poder estatal impondo seu jugo sobre os demais entes. Antes, caberá à

Lei Maior dispor sobre a distribuição das competências legislativas e materiais, sem

que nada impeça que haja distinção nessa repartição em favor deste ou daquele

ente. Entretanto, esta opção poderá gerar desequilíbrios a ponto de descaracterizar

a essência federativa, a depender do grau da distinção conferida pelo Poder

Originário a um determinado ente federado.

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188

A cooperação pressupõe ajuda mútua para realização de atribuições

materiais, sendo que a organização administrativa dos entes envolvidos nesse

processo tende a variar bastante, o que poderá gerar atritos.

Vale destacar que raramente a cooperação decorre de iniciativa própria dos

entes federativos, sendo que nesta seara os exemplos bem sucedidos decorrem de

imposição da Lei Maior.

É natural que os entes se movam a partir de seus interesses. Neste cenário, o

consenso federativo passa pela composição de questões divergentes. Deste modo,

a cooperação federativa manifesta-se também pela disposição de competências

concorrentes expressas no texto constitucional.

A competência comum de natureza material manifesta-se pela possibilidade

de atuação conjunta das coletividades, e isso implica em interação num mesmo

território. Nesse caso, a conjunção de esforços através de planejamento opera em

prol da qualidade do serviço público.

Tal dinâmica deveria resultar em economia de recursos públicos, pois

racionaliza a prestação de serviços de atribuição solidária. Entretanto, isso nem

sempre acontece, haja vista que não basta que a Lei Maior discipline a repartição de

competências administrativas, sendo necessário também que aqueles entes com

maior experiência ajudem aqueles outros com dificuldades de gestão. Este é um

aspecto fundamental da cooperação federativa.

Com efeito, é sabido que as melhores escolas, universidades e hospitais

públicos encontram-se no plano federal. Estados e Municípios têm dificuldades na

prestação de serviços de saúde e educação. Em tais áreas, a gestão conjunta de

serviços públicos estaduais e municipais através de parcerias com a União, ajudaria

a diminuir as disparidades observadas quanto à qualidade de serviços públicos

essenciais. Este tipo de cooperação se efetivaria através de convênios a partir da

articulação política dos entes envolvidos.

Aliás, a Constituição Federal determina que a União e os Estados-membros

estabeleçam cooperação de natureza técnica e financeira com os Municípios para

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189

que sejam mantidos programas de educação infantil e de ensino fundamental. Tal

atribuição decorreu da Emenda Constitucional nº 53/2006. 433

A Lei Maior dispõe que a União e os Estados devem estabelecer cooperação

técnica e financeira com os Municípios para prestação de serviços de atendimento à

saúde da população. 434

A Lei nº 11.473/2007 dispõe que a União poderá firmar convênio com Estados

e Distrito Federal com vistas à execução de serviços e atividades fundamentais à

preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio. Na

prática esta norma possibilitou a criação da Força Nacional de Segurança Pública

em consagração à solidariedade federativa pela qual a União coordena atividades

em conjunto com o ente federado com o qual foi firmado o acordo.

Com efeito, o sistema federativo tem se mostrado travado e pouco

operacional no campo da cooperação entre os entes, onde os bons exemplos

constituem-se em exceção.

9.2. A redefinição de competências legislativas

As competências constitucionais precisam ser reordenadas a fim de

possibilitar maior descentralização política. Os princípios da prevalência do interesse

e da subsidiariedade apresentam-se como instrumentos pelo quais se poderá operar

a reengenharia de competências constitucionais. Neste sentido é o magistério de

Raul Machado Horta: 435

“Na Constituição, como norma fundamental do Direito Estatal, o poder

constituinte introduzirá o princípio da subsidiariedade no campo da

repartição de competências. A introdução do princípio da subsidiariedade no

ordenamento jurídico plural do Estado Federal, formulada na exposição

anterior, permitirá a esquematização, pelo poder constituinte, de nova

repartição de competências para, incorporando a experiência histórica da

técnica de repartição, redimensionar os poderes da União, dos Estados-

membros e dos Municípios na Federação brasileira. Será a oportunidade

para, no século atual, estabelecer a reformulação entre a legislação da

433

Cf. art. 30, VI da CF/88.

434 Cf. art. 30, VII da Constituição de 1988.

435 HORTA, Raul Machado. Federalismo e o princípio da subsidiariedade. As vertentes do direito

constitucional contemporâneo: estudos em homenagem a Manoel Gonçalves F. Filho. Rio de Janeiro: América jurídica, 2002, p. 461/472.

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União, dos Estados-membros e a dos Municípios, submetendo a repartição

a maior grau de descentralização, mediante o deslocamento de

competências, a criação de competências novas, a intensificação da

participação de ordenamentos parciais nas decisões do ordenamento

central, atendendo a regras decorrentes da aplicação do princípio da

subsidiariedade no ordenamento global da Federação, conforme decisão do

poder constituinte federal, que se propagaria pela atividade posterior do

poder constituinte autônomo e da legislação dos ordenamentos parciais do

Estado e do Município. Estas reflexões contemplam o caso da introdução

inaugural do princípio da subsidiariedade na Constituição Federal.

Independentemente de norma comunitária anterior, esse procedimento

atenderia a uma exigência formal de introdução do princípio da

subsidiariedade em Constituição que não o incluía entre os princípios

constitucionais nela adotados. Dispõe, entretanto, de preexistência no

Direito Constitucional federal brasileiro técnica de repartição de

competências, dotada de correspondência com o princípio da

subsidiariedade, não obstante a terminologia diferenciada. A

subsidiariedade incorpora na palavra a idéia de auxílio, de reforço, de

subsidiário, de subsídio, de compensação, de supletividade.”

A União, apesar de sua vasta gama de competências legislativas, por vezes

penetra no terreno atribuições estaduais. Entretanto, a União é o ente que mais tem

suas competências inadequadamente apropriadas pelos demais entes federados.

Como já mencionado, o STF já declarou a inconstitucionalidade de normas

estaduais sobre trânsito e transporte436, propaganda comercial437e processo438.

A situação é tão interessante que os Estados ao legislarem sobre matéria que

também lhes interessa poderão usurpar a competência legislativa da União em

virtude da Lei Maior não ter atribuído em tais temas o exercício de competência

concorrente. 439

436

Cf. ADI 874, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 3-2-2011, Plenário, DJE de 28-2-2011.

437 Cf. ADI 2.815-SC, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 8.10.2003.

438 Cf. AI-AgR.n.253.518-9-SC, 2ª Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, D.J. 18.08.2000.

439 Em matéria de Direito Agrário, por exemplo, os Estados têm sido submetidos a normas obsoletas

e pouco sensíveis aos avanços no meio rural. Assim não há justificativa, sob a ótica federativa, para atribuir apenas à União a prerrogativa para legislar sobre o tema. Entendemos que a disposição contida no artigo 48, IV da CF/88- referente aos planos e programas nacionais, regionais e setoriais de desenvolvimento – poderia contemplar a atuação normativa estadual diante da relevância desse assunto para o desenvolvimento regional.

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191

Cabe ao Judiciário evitar o desvio de finalidade na atuação legislativa.

Entretanto, como já destacado, a solução para o problema passa pelo reequilíbrio na

distribuição das competências entre os entes federados. 440

O exercício ilegal de competência praticado por Estados e pela União

configura-se em anomalia que precisa ser combatida pela delimitação mais clara do

espaço legislativo pertencente a cada unidade federada e pelo compartilhamento de

competências de interesse legislativo recíproco. Esta questão se resolve com estribo

nas próprias regras constitucionais pela via do processo de emenda constitucional

ou pela criação de uma nova Constituição Federal.

Uma Constituição material e sintética certamente se amoldaria melhor aos

interesses estaduais, porque propiciaria uma considerável diminuição na reprodução

desnecessária de dispositivos da Lex Mater no âmbito das Constituições Estaduais,

o que obrigaria o Poder Decorrente a compor adequadamente a Carta Estadual.

A manutenção do enfraquecimento da autonomia estadual poderá fomentar

instabilidade política. Os entes federados têm direito ao estabelecimento de sua

dignidade federativa. Estados-membros, verdadeiramente, autônomos não devem

representar ameaça à união, e para o caso disto ocorrer tem-se que a intervenção

federal funcionaria como um recurso de estabilização constitucional.

É sabido que não há hierarquia entre autonomias. Entretanto, a autonomia

deixa-se influenciar pelo modelo de distribuição das competências normativas. Neste

passo, no âmbito da Constituição de 1988, a autonomia da União distingue-se

daquela concedida aos demais entes federados, justamente pela dimensão das suas

competências legislativas.

Ora, o compartilhamento de algumas competências legislativas privativas da

União com os Estados não alteraria o papel do ente central no cenário federativo,

mas surtiria grande efeito com vistas ao fortalecimento da Federação pátria.

No exercício de competências concorrentes a União, o Distrito Federal e os

Estados atuam juntos, diferentemente do que ocorre com as competências privativas

da União em que apenas se admite delegação a partir de manifestação de vontade

política do ente central.

440

“A teoria do desvio de poder, quando aplicada ao plano das atividades legislativas, permite que se contenham eventuais excessos decorrentes do exercício imoderado e arbitrário da competência institucional outorgada ao Poder Público, pois o Estado não pode, no desempenho de suas atribuições, dar causa à instauração de situações normativas que comprometam e afetem os fins que regem a prática da função de legislar.” ADI 2.667/DF.

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192

No âmbito da competência concorrente a ausência de norma geral, a cargo

da União, possibilita a atuação supletiva dos Estados na criação de normas de

acordo com suas peculiaridades, com aplicação restrita ao seu território. Neste caso

a superveniência de Lei federal sobre normas gerais emitidas pelos Estados, fará

suspender a eficácia da norma geral estadual emitida para suprir a inércia da União.

Deste modo, com o incremento das competências concorrentes ter-se-ia uma

oportunidade para os Estados atuarem na especificação de matérias de interesse

estadual. É certo que na atualidade, a hipótese do art. 24, § 1º a 3º da Carta

Magna441 poderia funcionar em prol de maior atuação normativa dos Estados em

matérias de seu interesse, o que cooperaria para o fortalecimento da Federação.

Todavia, na esfera estadual este é um recurso ainda mal utilizado.

Na Constituição Cidadã a disposição de competências remanescentes não

tem se mostrado suficiente para alimentar a autonomia estadual. Estados-membros

enfraquecidos, privados do exercício de competências legislativas importantes, são

obrigados a buscar seu espaço e, não raro, isso tem deflagrado disputas ferrenhas.

Por outro lado, os dispositivos constitucionais de cooperação tem sido insuficientes

para promover a harmonia federativa. O resultado deste processo é o

enfraquecimento da Federação brasileira.

Com efeito, a reação dos Estados-membros a este modelo inadequado de

repartição de competências deverá se operar dentro das regras do jogo democrático

através da atuação do Poder Constituinte.

9.3. A transformação de algumas competências exclusivas em comuns

As competências administrativas não concedem aos entes federativos o

mesmo poder emanado do exercício das competências legislativas. Todavia, as

competências materiais devem ser bem ordenadas no plano constitucional, no intuito

de promover a articulação federativa em favor da boa prestação de serviços

públicos.

441

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: (...) § 1º - No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais. § 2º - A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados. § 3º - Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades. (...)

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193

A União possui competência administrativa para elaborar e executar planos

nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e

social.442 É necessário vislumbrar a possibilidade de participação dos Estados e

Municípios neste processo, e especificamente no que se refere às questões

eminentemente regionais e locais. 443

A atuação da União no plano regional precisa priorizar o aporte de recursos

para financiar a infraestrutura e os setores produtivos, bem como se impõe sua

colaboração na prestação de assessoria técnica indispensável à execução de

políticas públicas de desenvolvimento regional.

Um traço comum no desenho federativo brasileiro é o de se atribuir à União a

competência material para planejamento, instituição de diretrizes e elaboração de

políticas públicas sobre temas que abarcam interesses regionais, sem que se

permita a participação dos Estados.

Citaremos alguns exemplos para ilustrar melhor esta questão.

O ente central possui competência exclusiva para “instituir diretrizes para o

desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes

urbanos”.444 Os demais entes federados, a partir dessas diretrizes advindas da

União, têm a competência comum para promover programas de construção de

moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico.445

Ora, se todos os entes têm competência comum para executar tais serviços,

mais apropriado seria permitir também que todos eles pudessem atuar

conjuntamente na produção de diretrizes nessa área. Assim, a competência

exclusiva da União para instituição de diretrizes sobre desenvolvimento urbano,

habitação, saneamento básico e transportes urbanos, melhor estaria disposta se

colocada no bojo das competências comuns.

442

Cf. artigo 21, IX da Constituição Federal de 1988.

443 “Um ponto de vista defendido igualmente por parlamentares das regiões mais ricas e das menos

desenvolvidas do país, embora permeado por distintos matizes. Para alguns, o papel da União em áreas como habitação, saneamento, transporte urbano e educação deve limitar-se ao apoio técnico e financeiro, cabendo aos outros níveis da federação a execução dos programas. Para outros, trata-se de buscar equilíbrio nas relações federativas, rompendo com a prevalência da União, redefinindo, pois, o pacto federativo.” LAVINAS e MAGINA, Op. Cit., p.09.

444 Cf. artigo 21, XX da Constituição Federal de 1988.

445 Cf. 23, IX da CF/88.

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Compete ainda exclusivamente à União elaborar e executar planos nacionais

e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social, 446

sendo que os Estados-membros não têm participação na elaboração e execução

desta matéria que é de seu interesse, e que por isso poderia compor o rol das

competências comuns.

Outra possibilidade de readequação de competências materiais manifesta-se

quando a Constituição Federal atribui à União a possibilidade de criação de sistema

nacional de gerenciamento de recursos hídricos e a definição de critérios de outorga

de direito de uso de tais recursos.447 Note-se que aqui a competência não é

normativa, mas sim administrativa.

Portanto, nesta seara, a definição de critérios de outorga de uso é matéria

que poderia demandar entendimento comum entre os entes federados, haja vista

que a competência comum já se estende sobre temas correlatos ligados ao registro,

acompanhamento e fiscalização das concessões de direitos de pesquisa e

exploração de recursos hídricos. 448

Deste modo, melhor seria que tais competências exclusivas citadas

estivessem dispostas no âmbito das competências comuns a todos os entes

federativos, pela importância da matéria para Estados e Municípios, executores das

diretrizes, e como forma de estimular a atuação cooperativa na busca de um

Federalismo mais democrático.

9.4. Federalização ou execução compartilhada de competências?

O termo “federalização” é aqui empregado no sentido de designar a atuação

da União e não da Federação.

Há diferença entre federalização sob a ótica administrativa e sob o prisma

legislativo.

A federalização normativa significa o predomínio de competências legislativas

no âmbito do ente central.

A União tanto poderá produzir normas que terão validade apenas no âmbito

do ente central (Lei Federal), quanto criar também outras normas cuja validade se

446

Cf. art. 21, IX da Lei Maior.

447 Cf. art. 21, XIX da Carta Magna.

448 Cf. art. 23, XI da CF/88.

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estenderá sobre todos os entes federativos (Lei Nacional). Assim para exemplificar,

a Lei nº 8.112/90 é uma norma federal válida apenas na esfera da União para reger

seus servidores públicos civis, enquanto que a Lei nº 10.406/2002 (Código Civil) é

uma Lei nacional aplicada no âmbito da União e dos demais entes.449

A Constituição Federal concedeu à União a prerrogativa de legislar sobre os

temas mais importantes, numa espécie de federalização normativa. Deste modo, no

Brasil a condução de temas relevantes é sempre feita pelo Congresso Nacional,

geralmente sem qualquer participação direta dos Estados-membros.

Ora, é legítimo que a União tenha competência para legislar sobre matérias

que apenas lhe dizem respeito. Entretanto, não é razoável que apenas o ente central

possa legislar sobre temas nacionais que interessam a todos os demais entes

federados. Essa lógica é pouco democrática e desfavorece o princípio federativo.

A atuação da União, em temas privativos do art. 22 da Carta Magna, inibiu a

busca por soluções normativas regionais e locais para os problemas que afligem a

sociedade. A federalização legislativa padroniza soluções em detrimento de

proposições específicas oriundas de cada Estado-membro a partir de sua vivência.

Diante disto, atribui-se privativamente à União a responsabilidade pelo êxito

ou pelo fracasso normativo em matérias de alta relevância que atingem toda a

população brasileira. Neste caso, os Estados pouco podem fazer para a resolução

de questões que estão constitucionalmente atreladas ao ente central.

O combate à criminalidade, por exemplo, além de ser uma questão de

segurança pública, também sofre influência da normatização atinente ao Direito

Penal e Processual Penal, temas nos quais a Lei Maior não concede aos Estados

espaço para que atuem concorrentemente a partir de sua realidade social. Em

virtude disto é que os Estados extrapolam também, em tais matérias, a sua

competência legislativa. 450

449

"Já no que respeita ao âmbito material de validade, a lei nacional e a federal se apartam, na exata medida em que a matéria regulada pela primeira (e que lhe é expressamente cometida pela Lei Suprema) alcança não só a União (o que acontece com a lei federal), como as demais pessoas políticas. Impende remarcar, projeta-se até os Estados e Municípios, paralisando a eficácia das normas advindas destas pessoas, que com ela se sobreponham" CARRAZA, Roque Antônio. O Regulamento no direito tributário. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1981, pp. 77/78.

450"Competência da União para legislar sobre direito penal e material bélico. Lei 1.317/2004 do Estado

de Rondônia. Lei estadual que autoriza a utilização, pelas polícias civil e militar, de armas de fogo apreendidas. A competência exclusiva da União para legislar sobre material bélico, complementada pela competência para autorizar e fiscalizar a produção de material bélico, abrange a disciplina sobre a destinação de armas apreendidas e em situação irregular." (ADI 3.258, Rel. Min. Joaquim Barbosa,

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196

No Brasil a norma penal e a de processo penal assumem aspecto genérico

sem atentar para a realidade de cada Estado. No âmbito da segurança pública

consta como concorrente a competência legislativa sobre organização, garantias,

direitos e deveres das polícias civis. 451

Desta forma, é preciso permitir que Estados-membros atuem na busca de

modelos próprios para solução do problema da criminalidade. Além do que, na

medida do possível, em tais áreas a competência concorrente viria para possibilitar a

colaboração estadual no combate à violência e a impunidade.

A federalização administrativa implica em cooperação entre os entes,

mediante ato administrativo ou legislativo452, a fim de melhorar a prestação de

serviços públicos.453 A federalização cooperativa não viola a autonomia estadual,

pelo contrário, fortalece os laços federativos, como ocorreu quando da criação da

Força Nacional de Segurança. 454

No exercício das competências materiais, é necessário que se pugne por

maior eficiência e economicidade. Os Estados e Municípios apresentam graves

problemas de gestão. Em serviços prestados em comum, a União tem se

julgamento em 6-4-2005, Plenário, DJ de 9-9-2005.) No mesmo sentido: ADI 3.193, rel. min. Marco Aurélio, julgamento em 9-5-2013, Plenário, DJE de 6-8-2013.

451 Cf. art. 24, XVI da Lex Mater.

452 Em virtude do art. 23, parágrafo único da CF/88 a União produziu a Lei Complementar nº 140/2011

para proteção cooperativa do meio ambiente no âmbito de todos os entes federativos.

453 O Senador Cristovam Buarque (PDT/DF) tem proposto a federalização da educação básica, não

no intuito de retirar competências dos Estados e Municípios para concentrá-las no âmbito da União, mas no sentido de compartilhá-las com a União na esperança de se conseguir resultados semelhantes àqueles obtidos pelas poucas e excelentes escolas federais que cuidam de ensino básico no Brasil. A experiência de gestão escolar da União nessa área poderia ser partilhada com os Estados e Municípios, fazendo-se acompanhar também por repasses financeiros. Vide a PEC nº 32/2013.

454 “O federalismo brasileiro é cooperativo. Os entes da federação devem cooperar entre si para a

realização das finalidades públicas: compartilham a “obrigação ao entendimento”. A União tem o dever de cooperar com os estados para auxiliá-los no alcance de suas metas também no campo da segurança pública. Para isso, é adequada a criação da Força Nacional de Segurança, a ser empregada no auxílio aos governos estaduais, quando estes requisitarem, para a realização de policiamento ostensivo, em conjunto com a polícia estadual. A interpretação do art. 144 da Constituição Federal como taxativo, que predomina no STF, não contribui para a conformação desse tipo de arranjo cooperativo, e deve, pelo menos no tocante a este ponto, ser superada. Corrigidos os vícios formais que caracterizaram seu ato de criação, com a edição da Lei nº 11.473/2007, a Força Nacional de Segurança pode representar uma importante inovação institucional cooperativa, que possui o mérito de reduzir a pressão autoritária pela mobilização inconstitucional das Forças Armadas.” SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. A segurança pública na Constituição Federal de 1988: conceituação constitucionalmente adequada, competências federativas e órgãos de execução das políticas. Revista de Direito do Estado, v.8, 2007, p.67.

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197

sobressaído como a melhor gestora. A excelência alcançada pelo ente central, em

serviços de educação e saúde, precisa repercutir na esfera estadual e municipal.

Aliás, por solicitação do Governador as Forças Armadas poderão atuar para

manter a ordem pública na execução extraordinária de operações de segurança

quando os meios disponíveis na esfera estadual se mostrarem insuficientes para

manutenção da ordem. Neste caso, as Forças Armadas têm competência subsidiária

para realizar ações de policiamento preventivo e repressivo.455 Esta atuação também

poderá se manifestar no plano federal por solicitação do Presidente da República.

Neste caso, a atuação das Forças Armadas na esfera estadual decorre da

vontade do próprio Estado-membro que decide, por ele próprio, relativizar sua

autonomia em nome da ordem pública.

Assim cabe salientar que a atuação da União em colaboração com os

Estados através de um processo cooperativo favorece ao princípio federativo.

É possível que a “cooperação” também se dê sem a anuência estadual pela

substituição aos Estados diante de excepcionalidades, como se dá com o

deslocamento de foro, nos casos de crimes contra os direitos humanos, por força da

Emenda Constitucional nº 45/2004. Nesta hipótese, a autonomia estadual foi

atingida.

O deslocamento de foro é procedimento subsidiário à ação estadual e se

opera de modo extraordinário quando o Estado supostamente atua de modo

insatisfatório ou se omita na apuração e/ou julgamento de crimes lesivos aos

tratados internacionais de proteção aos direitos humanos. Neste caso específico o

Poder Constituinte Derivado reforçou a centralização política desfavorável aos

Estados-membros. 456

Importa realçar que a competência do Poder Judiciário estadual é aquela não

abarcada pela Justiça especializada e pela Justiça Federal, portanto já se trata de

uma competência residual.

Deste modo, a federalização judiciária desprestigia a Justiça Estadual em

favor da atuação de um órgão Judiciário da União - apesar de se operar em

455

Cf. art. 16-A, I, II e III da Lei Complementar nº 97/1999.

456 O artigo 109, § 5º da CF/88 dispõe que nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o

Procurador-Geral da República, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência para a justiça federal.

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situações excepcionais diante da pressão internacional favorável à preservação dos

direitos humanos - por partir do pressuposto segundo o qual em momentos de crises

a Justiça Federal reuniria melhores condições para julgar tais crimes do que a

Justiça Estadual.

Destaque-se que o Estado onde o crime será julgado permanecerá o mesmo,

apenas o processo será deslocado da Justiça Estadual para a Justiça Federal da

mesma unidade federativa.

No caso do incidente de deslocamento de foro não se tem propriamente uma

cooperação entre as Justiças federal e estadual, e sim uma substituição desta por

aquela outra. Há risco de abuso na requisição deste instituto sob o argumento de

que os juízes estaduais são menos preparados que os magistrados federais para

apreciar crimes que sempre foram julgados, sem maiores problemas, pelos Estados.

Neste caso, tem-se que a autorização para o deslocamento é dada pelo STJ, quase

sempre em desacordo com a vontade do Estado que se entende apto a Julgar o

Feito.

A melhor solução, certamente, seria aparelhar adequadamente a Justiça

Estadual e exigir a partir daí o cumprimento de metas através de fiscalização

realizada pelo Conselho Nacional de Justiça.

Ora, se a competência para julgar crimes ofensivos aos direitos humanos

poderá ser “compartilhada” (deslocada compulsoriamente) com a Justiça Federal,

seria razoável que algumas competências legislativas privativas da União fossem

compartilhadas com os Estados-membros.

Com efeito, a participação da União na execução de serviços de competência

estadual é positiva quando significar cooperação. Entretanto, não é salutar para o

sistema federativo que as competências dos Estados sejam mitigadas a pretexto de

exercício inadequado da autonomia estadual, sobretudo quando este juízo de valor é

realizado por órgãos pertencentes à União.

9.5. Consulta popular e processo de elaboração constitucional

Vale ressaltar a importância do aspecto sociológico na formação da

Constituição. Aliás, é preciso reconhecer o papel fundamental da Imprensa livre e da

sociedade civil na construção do Estado Democrático de Direito.

A evolução constitucional exige uma análise da própria Lei Maior a fim de

adequá-la socialmente e aperfeiçoá-la para atender ao bem comum. A opinião

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popular para fins político-jurídicos deverá ser aferida através dos instrumentos

democráticos previstos na própria Constituição Federal, e neste propósito o papel da

Imprensa e da sociedade civil mostra-se imprescindível.

O art. 14 da Lei Fundamental dispõe sobre plebiscito e referendo, sendo que

estes institutos foram regulamentados pela Lei nº 9.709/98, onde se prevê que serão

convocados mediante Decreto Legislativo por proposta de no mínimo um terço dos

membros da Câmara dos Deputados ou do Senado, para cuidar de questões de

natureza constitucional, legislativa ou administrativa de relevância nacional no

âmbito da competência dos Poderes Legislativo ou Executivo, e ainda nos termos do

disposto pelo § 3º do art. 18 da Lei Maior.

Vale lembrar que a previsão de representatividade no plano constitucional

poderá ser utilizada para mascarar o autoritarismo, como ocorreu com a Carta de

1937 com relação à previsão de uma consulta popular para confirmação da própria

Lei Maior. 457 Entretanto, a referida consulta não se efetivou. 458

Aliás, a Polaca continha ainda hipótese de submissão a plebiscito de proposta

de emenda constitucional rejeitada. Com efeito, naquele momento da vida política

nacional, tal dispositivo não poderia atender aos interesses dos Estados-membros

na defesa de uma reforma federativa significativa porque a convocação popular se

operava por iniciativa do Poder Executivo, em virtude de sua discordância com

relação aos termos de projeto de emenda aprovado pelo Poder Legislativo ou diante

de recusa de proposição do Executivo pelo Parlamento.459

457 “A primeira Constituição a tratar de “democracia participativa” foi a de 1937 (sem utilizar a expressão). Usou o termo “plebiscito” tanto para designar plebiscito quanto referendo. Não teve precisão técnica, considerando a distinção conceitual hodierna. Instituiu, inclusive, a figura singular do plebiscito (rectius: referendo) no processo de reforma constitucional.” ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Democracia participativa: autoconvocação de referendos e plebiscitos pela população. Análise do caso brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3153, 18 fev. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/21124>. Acesso em: 1 mar. 2013.

458 Em verdade, tratava-se de uma Carta marcada por radicalismos ideológicos decorrentes de um

movimento revolucionário que se pautou pela eliminação dos valores democráticos. A Polaca logo em seu artigo 1º afirmava que o poder emanava do povo e seria exercido em nome dele, e no artigo 187 previa a realização de um plebiscito para chancelar o texto constitucional, consulta essa que na verdade nunca ocorreu. Tal procedimento somente seria efetivado a partir da produção de um decreto expedido pelo Presidente da República. Ocorre que Vargas jamais emitiu o referido decreto, numa demonstração de desprezo à vontade popular e a própria Constituição que construíra. Como se percebe a seguir: “Art. 187 - Esta Constituição entrará em vigor na sua data e será submetida ao plebiscito nacional na forma regulada em decreto do Presidente da República.”

459 Art. 174 – (...)

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200

Aliás, a implantação deste modelo no cenário constitucional atual seria

inviável – mesmo com a convocação plebiscitária por Decreto Legislativo - pelo

grande número de proposições de emendas reprovadas, o que tornaria a consulta

popular um mecanismo corriqueiro. Neste ponto, melhor é a solução contida na

Constituição de 1988 pela qual se admite que o tema constante de uma proposta de

emenda constitucional rejeitada possa ser objeto de nova proposição a partir da

sessão legislativa seguinte àquela em que se deu a sua rejeição.460

A consulta popular para escolha da forma e sistema de governo é uma

possibilidade que poderia ser efetivada ainda durante o processo de criação da

Carta Magna, bem como após a sua promulgação, como disposto, neste último

caso, no âmbito da Constituição de 1988.

A submissão ao crivo popular de alguns dispositivos constitucionais está

prevista na Lei Maior e efetivou-se em 1993 para escolha do sistema e da forma de

governo, conforme dispõe o art. 2º do Ato das Disposições Constitucionais

Transitórias. 461

A propósito, a República e o Presidencialismo não estão expressamente

protegidos por cláusula pétrea na Constituição Cidadã. Todavia, parece

desarrazoado que após o Poder Originário atribuir ao eleitorado o dever de

determinar por plebiscito 462 a forma e o sistema de governo, permita ao Poder

Derivado atuar contrariamente ao resultado desta vontade popular sufragada. 463

§ 4º - No caso de ser rejeitado o projeto de iniciativa do Presidente da República, ou no caso em que o Parlamento aprove definitivamente, apesar da oposição daquele, o projeto de iniciativa da Câmara dos Deputados, o Presidente da República poderá, dentro de trinta dias, resolver que o projeto seja submetido ao plebiscito nacional. (Redação dada pela Lei Constitucional nº 9, de 1945)

460 Cf. Art. 60, §5º da CF/88.

461 Art. 2º. No dia 7 de setembro de 1993 o eleitorado definirá, através de plebiscito, a forma

(república ou monarquia constitucional) e o sistema de governo (parlamentarismo ou presidencialismo) que devem vigorar no País.

462 O Plebiscito realizado em 21 de abril de 1993 resultou em 66,26% dos votos favoráveis à

República e o Presidencialismo obteve 55,58% dos votos. Fonte: Seção de Arquivo do Tribunal Superior Eleitoral.

463 "Ação direta de inconstitucionalidade. Antecipação do plebiscito a que alude o art. 2º do ADCT da

Constituição de 1988. Não há dúvida de que, em face do novo sistema constitucional, é o STF competente para, em controle difuso ou concentrado, examinar a constitucionalidade ou não de emenda constitucional – no caso, a n. 2, de 25 de agosto de 1992 – impugnada por violadora de cláusulas pétreas explícitas ou implícitas. Contendo as normas constitucionais transitórias exceções à parte permanente da Constituição, não tem sentido pretender-se que o ato que as contém seja independente desta, até porque é da natureza mesma das coisas que, para haver exceção, é necessário que haja regra, de cuja existência aquela, como exceção, depende. A enumeração

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201

Numa Democracia plena soaria arbitrária a decisão política para rompimento

abrupto de uma ordem constitucional sem o respaldo de uma consulta plebiscitária

para criação de uma nova Lei Maior.

O Brasil não tem essa tradição de consulta ao povo para averiguação da

necessidade de implantação de uma nova norma constitucional. Tampouco para o

caso de confirmação dos termos da norma constitucional já pronta.

Na Democracia a atuação do Poder Originário se dá por decisão política. A

maioria das Constituições no Brasil surgiu a partir de relevantes fatos históricos que

rompiam ou restauravam o regime democrático.

“Inexiste forma prefixada pela qual se manifesta o Poder Constituinte

originário, uma vez que apresenta as características de incondicionado e

ilimitado. Pela análise histórica da Constituição dos diversos países, porém,

há possibilidade de apontar duas básicas formas de expressão do Poder

Constituinte originário: Convenção ou Assembléia Nacional Constituinte e

Movimento Revolucionário (outorga).” 464

A consulta popular apresenta-se como instrumento valioso para o processo

de construção constitucional pautada na manutenção de valores históricos e na

adoção de elementos jurídicos importantes para a consolidação da Democracia.

Diante da decisão de se criar uma nova Constituição Federal, melhor seria

atribuir esta tarefa a um Poder Originário especificamente eleito para cumprir tal

desiderato, o que serviria para aproximar a Carta Magna das aspirações sociais.465

No Estado Democrático de Direito a reforma constitucional realiza-se de

acordo com os limites impostos pelo próprio Poder Originário. Assim, é preciso

autônoma, obviamente, não tem o condão de dar independência àquilo que, por sua natureza mesma, é dependente." (ADI 829, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 14-4-1993, Plenário, DJ de 16-9-1994.)

464 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 7ª Ed.

Atualizada até EC. Nº 55/07, São Paulo: Atlas, 2007, p. 21.

465 “O poder constituinte, na teoria de Sieyès, seria um poder inicial, autônomo e omnipotente. É

inicial porque não existe, antes dele, nem de facto nem de direito, qualquer outro poder. É nele que se situa, por excelência, a vontade do soberano (instância jurídico-política dotada de autoridade suprema). É um poder autônomo, a ele só a ele compete decidir se, como e quando, deve ‘dar-se’ uma constituição à Nação. É um poder omnipotente, incondicionado: o poder constituinte não está subordinado a qualquer regra de forma ou de fundo” CANOTILHO. J.J. Gomes. Direito constitucional. Coimbra: Almedina, 1993, p. 94.

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proteger algumas matérias em face da atuação do Poder Derivado. 466 Em verdade,

a forma de Estado garante a unidade territorial do País, por isso o Poder Originário

explicitamente limita, quanto a ela, a atuação do Poder Decorrente no âmbito

estadual. Em regra, a Constituição Federal proíbe o Poder Derivado de abolir a

Federação. 467

A Democracia insculpida na Lei Maior não exige que se submeta

constantemente à opinião popular decisões que devem ser tomadas por aqueles que

justamente foram escolhidos pelo povo para representá-lo.

Entretanto, no Estado Democrático de Direito o processo de criação

constitucional precisa legitimar-se pela vontade popular diretamente aferida.

Vale destacar que a consulta popular é determinada por vontade política 468

que poderá surgir a partir de uma manifestação do Poder Originário, a exemplo do

citado plebiscito de 1993. Todavia, uma Lei Maior não costuma dispor em seu texto

sobre o prazo exato de sua duração, e por conta disto não se manifesta

antecipadamente sobre a convocação de uma consulta popular para criação de

outra Constituição. Portanto, no regime democrático a autorização constitucional

para convocação de um plebiscito para aferir a opinião popular sobre a conveniência

de se criar uma nova Constituição não é tarefa do Poder Originário. 469

466

“É cediço que reformar uma Constituição não significa destruí-la, mas sim atualizá-la, não desfazendo o caminho andado, mas avançando sobre ela, em razão da impossibilidade de expressar as necessidades de todos os tempos. Assim, uma Constituição reformada une o passado e o presente e se projeta para o futuro, ratificando a continuidade histórica, política e jurídica. Não se deve, portanto, abandonar os valores e princípios já consagrados, mas sim fortalecê-los. Para salvaguardar a continuidade, toda reforma constitucional deve conservar e fortificar os valores pétreos conquistados no tempo e consagrados no texto constitucional, significando patrimônio da pessoa humana, bem como preservar os princípios inalteráveis que fazem a profunda tradição jurídica de um país. Na ordem jurídica a reforma opera com a definição dos novos valores, acrescidos aos já existentes, figurando como resultado de transformações ocorridas no contexto social, político e econômico.” CARAM, Marselha Bortolan. Federalização dos crimes contra os direitos humanos. Revista Brasileira de Direito Constitucional – RBDC n. 10 – jul./dez. 2007, p. 319.

467 Cf. art. 90 da CF/1891, art. 178, §5º da CF/1934, art. 217, § 6º da CF/1946, art. 50, §1º da

CF/1967, art. 60, § 4º, I da CF/1988.

468 “El problema de La legitimidad de La Constitución - dice Linares Quintana – Es de naturaleza

essencialmente política, y deve resolverse remontándolo hasta La naturaleza de acto constituyente.” HERNÁNDEZ, Antonio. Federalismo y constitucionalismo provincial – 1ª Ed. – Buenos Aires: AbeledoPerrot, 2009, p.48.

469 Cf. art. 2º e art. 3º da Lei nº 9.709/98, onde se determina que plebiscito e referendo serão

convocados mediante Decreto Legislativo por proposta de no mínimo um terço dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado.

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No Brasil a convocação de plebiscito sobre a criação de uma nova

Constituição dependeria de manifestação do Congresso Nacional, onde o governo

federal tem maioria de votos. Portanto, como contraponto à atuação do governo

federal é que a sociedade civil e a Imprensa se apresentariam como elementos

fundamentais para equilibrar o embate em torno da conveniência e oportunidade de

tal iniciativa.

9.6. Reestruturação federativa: ato constitucional originário ou

derivado?

A Carta de 1988 é considerada a mais avançada Constituição brasileira de

todos os tempos. Todavia, apresenta-se com dispositivos de eficácia limitada e

outros de natureza programática, sendo de longe aquela que mais foi emendada.

A Constituição Cidadã não conseguiu resolver uma série de problemas que

ainda hoje reclamam uma solução que alinhe o texto constitucional à realidade

social.

Entretanto, o Poder Derivado não pode atender anseios sociais que resvalam

em cláusulas pétreas, limite este inteiramente desconsiderado pela atuação de um

Poder Originário legitimado para dar novos contornos à Federação.

É importante lembrar que o constitucionalismo pátrio já presenciou pelo

menos três grandes reformas constitucionais em que se redistribuiu o poder político.

A primeira foi o Ato Adicional de 1834 pelo qual se atribuiu alguma força política às

Províncias. As outras duas reformas operaram no sentido de fortalecer a União: A

Reforma Constitucional de 1926 e a Emenda Constitucional de 1969.

Percebe-se que há uma forte relação entre o Federalismo e a centralização

política no Brasil. Todavia, esta combinação casaria muito melhor com o Estado

unitário, denotando assim a natureza híbrida de nossa Federação cabocla.

Com efeito, a reestruturação da Federação não é obra do Legislativo por ser

ele um Poder constituído desprovido de força para recompor os fundamentos do

Estado. Em verdade, esta empreitada institucional demanda a atuação do Poder

Constituinte.

“O Poder do Congresso Nacional não é um Poder originário, nem autônomo,

nem incondicionado. Ele não se rege por si mesmo, uma vez que a atuação

é pautada pelas normas da Constituição. Ele não leva em si a lei de seu

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próprio exercício. Não é um Poder soberano. O Poder Legislativo,

considerado como Poder do Congresso Nacional, é um Poder constituído,

um Poder exercido em conformidade com o que manda o Poder

constituinte.” 470

A atual Constituição da República rompeu a ordem constitucional anterior

marcada pelo arbítrio. A alternância de regimes políticos antagônicos desfavoreceu o

desenvolvimento institucional do Brasil. Com efeito, as Constituições brasileiras, em

sua maioria, surgiram a partir de revoluções, modelo consagrado pelo Brasil e pela

América Latina, cuja essência adveio da Revolução Burguesa de 1789.471

Essa realidade desfavoreceu o processo de criação constitucional na

Democracia. “Não é sustentável que o poder constituinte originário só poderá

acontecer após uma ditadura. Isto seria dizer que jamais poderíamos construir uma

nova ordem para além da Constituição de 1988.” 472

Eis um fragmento da reflexão de Machado Horta sobre o processo de

construção da Carta de 1988:

A próxima Assembléia Constituinte possuirá uma característica que a

singulariza na galeria das constituintes brasileiras. Não é a Revolução a sua

deflagradora, afastando-se, desde logo, do modelo latino da Constituinte

revolucionária. A convocação da Constituinte não veio do Governo

provisório ou de junta de Governo constituídos no coroamento de revolução

vitoriosa pelas armas ou pela insurreição. A convocação processou-se na

via pacífica de órgãos estatais consolidados e estáveis, como o presidente

da República no exercício de iniciativa deferida pela própria Constituição

vigente, e o Congresso Nacional que se elegeu em decorrência de atos

eleitorais previstos na Constituição e na legislação ordinária anterior à

Constituinte. Na mensagem que encaminhou ao Congresso Nacional,

justificando a convocação da Assembléia Nacional Constituinte, para se

470

TELLES JÚNIOR, Goffredo. A Constituição, a Assembleia Constituinte e o Congresso Nacional. São Paulo: Saraiva, 1986, p. 51.

471 “O Poder Constituinte originário, na sua versão clássica de origem francesa, está vinculado às

manifestações revolucionárias, visando consagrar no novo texto constitucional as alterações mais profundas que a Revolução produziu na estrutura social e econômica e na relação de poder dentro do Estado e da Nação. (...)” HORTA, Raul Machado. Reflexões sobre a Constituinte. Revista de administração pública. Op.cit., p. 23

472 MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Entendendo o poder constituinte exclusivo, CONSTITUINTE

EXCLUSIVA. Um outro sistema político é possível. Organizações Plenária Nacional dos Movimentos Sociais. Instituto de Pesquisa Direitos e Movimentos Sociais (IPDMS). http://www.plebiscitoconstituinte.org.br/sites/default/files/material/Livro%20Juridico%20Constituinte%20Exclusiva%202014.pdf

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instalar no início de 1987, o presidente da República registrou a

singularidade dessa iniciativa “pelo fato de estar em plena vigência uma

ordem jurídica e suas instituições políticas e civis, cujo império se estenderá

até o momento em que for promulgada a nova Constituição.” 473

A Democracia de 1988 poderia ter rompido com a centralização excessiva de

competências legislativas pelo ente central - historicamente consagrada pelo

constitucionalismo brasileiro - inexplicavelmente não o fez. Perdeu-se, naquela

ocasião, uma oportunidade para o alinhamento da Lei Maior aos princípios

democráticos que pugnam pela participação dos entes periféricos na construção da

vontade nacional. Desta forma, a Constituição Cidadã desfavorece a plenitude da

relação entre Federalismo e Democracia.

Alexandre de Moraes474 aponta a via da reforma constitucional como

instrumento para repartição das competências federativas, bem como repele dúvidas

quanto à hipótese disto representar lesão à cláusula pétrea federativa.

“(...) há a possibilidade, dentro de um grande acordo político que preserve a

autonomia dos entes federativos, da edição da emenda constitucional com a

migração de algumas competências definidas atualmente como privativas

da União para o rol de competências remanescentes dos Estados-membros

e outras para as competências concorrentes entre União e Estados-

membros, para que nesses assuntos, as peculiaridades regionais sejam

consideradas. Essa alteração constitucional não estaria a ferir a cláusula

pétrea prevista no inciso I, do artigo 60, do texto magno ("Não será objeto

de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir a forma federativa

de Estado"), uma vez que, essa proposta estaria plenamente de acordo com

os objetivos fundamentais da República, entre eles, o de reduzir as

desigualdades sociais e regionais (CF, art. 3º, III).”475

É oportuna a discussão sobre a escolha do mecanismo pelo qual a forma de

Estado poderá ser aperfeiçoada.

Entretanto, qual a intensidade que se deve imprimir à reestruturação da

Federação brasileira?

473

Ibdem, p. 39.

474MORAES, Alexandre de. Federação Brasileira — Necessidade de Fortalecimento das

Competências dos Estados-Membros. Op.Cit. p. 22.

475 Idem.

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206

As questões centrais que afligem o Federalismo pátrio precisam ser

enfrentadas: repartição de competências privativas da União com os Estados,

redefinição das receitas tributárias, dívida pública interna, meios de cooperação para

execução de competências comuns, guerra fiscal, etc. Ora, tais matérias não podem

ser resolvidas através de medidas paliativas. A Federação pátria demanda uma

atuação em suas fundações.

Deste modo, a reforma federativa estrutural poderá ocorrer por manifestação

do Poder Constituinte através da produção de emendas ou pela criação de uma

nova ordem constitucional, apesar da complexidade para se deflagrar a construção

de uma nova Constituição em plena Democracia.

A partir deste ponto, destacaremos alguns mecanismos institucionais pelos

quais a Federação brasileira poderá ser aperfeiçoada.

A primeira alternativa manifestar-se-ia pela atuação do Poder Constituinte

Derivado, formado pelos membros de um Congresso Nacional - não eleito

especificamente para reformar a Lei Maior, mas para compor a Câmara dos

Deputados e o Senado - onde o governo federal geralmente tem maioria

parlamentar para aprovar ou rejeitar propostas.

Ora, as mesmas pressões exercidas pelo ente central, para aprovação de leis

de seu interesse, certamente ocorreriam quando da produção de emendas

constitucionais. Significa dizer que reformas constitucionais desfavoráveis ao ente

central tenderiam a não ser aprovadas. Aliás, este é o modelo praticado no âmbito

da Constituição de 1988.

A atuação do Senado na discussão e votação de propostas de emenda

constitucional e posteriormente na promulgação das emendas aprovadas, é uma

manifestação estadual no processo de reforma constitucional, ainda que

indiretamente através da Câmara Alta. Entretanto, como destacado, o Senado é

parte do Congresso Nacional.

A hipótese de maior participação estadual foi aventada pela “teoria da

participação estadual na formação da vontade do Estado federal” pela qual os

Estados deveriam ter participação ativa no processo de reforma constitucional. 476

476

MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira. Op. Cit., pp. 35,38, 42.

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207

A seu turno, a previsão de participação estadual na proposição de emendas -

contida no art. 60, III da Constituição de 1988 - é salutar, mas pouco utilizada pela

dificuldade de articulação entre os Estados-membros.

A atuação estadual na ratificação de emendas à Lei Maior não tem respaldo

na Constituição de 1988. “O poder do Congresso para emendar a Constituição, sem

ratificação dos Estados, implicaria na prática a subordinação dos governos regionais

às instituições centrais, o que seria uma característica dos Estados unitários.” 477

Com efeito, a ratificação estadual ao processo de emenda constitucional

tornaria o procedimento mais lento e cauteloso.478 A reforma constitucional deve

observar o tempo necessário para maturação e construção de um texto capaz de

compor adequadamente a Lei Maior. Portanto, a participação estadual, nos termos

retro aludidos, poderia favorecer a própria norma constitucional.

É uma tarefa sobremodo difícil operacionalizar uma reforma federativa

incisiva, pelo fato disto representar a diminuição do poder do ente central.

“Desde a proclamação da República até agora, jamais houve da parte das

diversas constituintes instaladas neste País ao longo de século XX um

estado de ânimo volvido para a necessidade de uma revisão federativa

fundamental. O velho modelo precisa de consideráveis aperfeiçoamentos e

de certa mudança qualitativa e até estrutural, se possível.” 479

A aprovação de emendas constitucionais exige uma votação mínima de 60%

dos votos do Senado e da Câmara, e esta parece ser uma porcentagem sobremodo

difícil de ser atingida quando se rivaliza os interesses da União. Sobretudo porque o

sistema de governo e a estrutura partidária adotados no Brasil favorecem conchavos

que influenciam o resultado das votações no Congresso Nacional.

O presidencialismo de coalizão exige que o Executivo se articule para formar

uma maioria no âmbito do Congresso Nacional a fim de aprovar os projetos de seu

interesse e garantir a governabilidade. Esta mesma maioria, como parte do

Parlamento federal, assume o papel de Poder Constituinte Derivado em sua

477

WHEARE, K.C. Federal Government. Nova York: Oxford University Press, 1964, p.21, apud ARRETCHE, Marta. Op. Cit., p. 25.

478 ROCHA, Otávio Túlio Pedersoli. A relevância do senado para o estado federal do Brasil.

(dissertação de mestrado) Belo Horizonte, 2010, p.206.

479 BONAVIDES, Paulo. Direito Constitucional, Ed. Malheiros, 23ª edição. Op.cit. p.357.

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incumbência de emendar a Lei Maior, não raro, em consonância com os interesses

da União.

Os compromissos político-partidários estabelecidos no âmbito do Congresso

Nacional, muitas vezes prevalecem sobre os interesses nacionais, isso ajuda a

explicar o insucesso na efetivação de reformas fundamentais para o País na

vigência da Constituição Cidadã.

Além do mais, a formulação de uma emenda constitucional para reformar a

Federação pátria poderia esbarrar no controle de constitucionalidade de acordo com

a intensidade imprimida à reforma. Vale destacar que a posição do STF, em sede de

controle abstrato de constitucionalidade, tem sido favorável ao reforço da

centralização política disposta na Lei Maior. Desta forma, além das limitações

impostas pelo Poder Executivo, a reestruturação federativa - levada a cabo pelo

Poder Derivado – deixar-se-ia tolher pela ortodoxia manifesta pela Suprema Corte

no trato desta matéria.

Portanto, um Poder Constituinte Derivado não eleito especificamente para

reformar a Constituição Federal não reuniria, a nosso sentir, as condições

necessárias à promoção de uma reforma estrutural na Federação brasileira, em

virtude das fortes pressões impostas pela União para manutenção de seu poder no

cenário federativo.480

Ademais, se houvesse boa vontade da União em harmonizar sua relação com

os demais entes federados, certamente possibilitaria a operacionalização da

previsão contida no art. 22, parágrafo único, da Carta Magna através de Lei

Complementar para autorizar os Estados a legislarem sobre questões específicas no

bojo das competências privativas da União. Todavia, este dispositivo tem sido

pouquíssimo utilizado, numa pequena amostragem de como o ente central se

comporta diante de instrumentos que objetivam a diminuição de seus poderes.

Ora, estamos convictos que o ente central não tem interesse em compartilhar

suas competências legislativas com os Estados-membros. Deste modo, uma reforma

federativa feita pelo Poder Derivado, composto por membros Congresso Nacional,

dificilmente atentaria contra os interesses da União.

480

Cf. a PEC nº 47/2012 apresentada perante o Senado com vistas a fortalecer a autonomia estadual.

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209

A segunda possibilidade consistiria na eleição do Poder Constituinte

Derivado toda vez que houvesse necessidade de emendar a Lei Maior.481 Neste

caso, o sufrágio concederia tranquilidade e isenção à Constituinte reformadora para

realizar seus trabalhos, cujos membros seriam destituídos de sua função após a

realização de sua missão. A adoção deste modelo desestimularia a produção de

emendas constitucionais em larga escala, como atualmente se observa no bojo da

Constituição Cidadã. Esta hipótese não encontra respaldo no procedimento

reformador disposto no art. 60 da Constituição de 1988.482

Aliás, a PEC nº 384/2009 propôs a eleição de uma Assembleia Nacional

Constituinte reformadora exclusiva. Ocorre que este é um mecanismo que também

não encontra guarida na Constituição de 1988. Portanto, a eleição ordinária ou

extraordinária do Poder Derivado não faz parte de nossa tradição constitucionalista.

A terceira proposição manifestar-se-ia pela construção de uma nova

Constituição Federal a partir de uma Assembléia Constituinte formada por deputados

e senadores, anteriormente eleitos para um mandato ordinário. Neste caso, após os

trabalhos constituintes os congressistas assumiriam sua função de legislador

comum. Este modelo foi adotado por algumas Constituições brasileiras, como

veremos a seguir.

Em 1822 convocou-se uma Assembleia Geral Constituinte e Legislativa,

formada por deputados das Províncias eleitos com base em instruções de 19 de

junho de 1822, exaradas pelo conselho de procuradores das Províncias.483 Todavia,

o Imperador dissolveu a Constituinte e outorgou a Constituição de 1824.

Em 1889 o Governo Provisório484 nomeou uma comissão para elaborar um

projeto de Constituição Federal para o Brasil. Marcou-se para o dia 15 de setembro

481

Em Países europeus e nas Américas já se aplicou modelo semelhante. “Tal é o sistema, imperativamente, das Constituições francesas de 1793 (arts. 115 a 117) e 1848 (art. 111), argentina de 1860 (art. 30), sérvia de 1889 (art. 201), bem como a Constituição grega de 1864 (art. 107, com a particularidade de serem necessárias duas, e não apenas uma deliberação, para que se convoque a assembleia de revisão) e ainda da nicaraguense de 1986 (quanto à revisão total). Tal é o sistema facultativamente, da Constituição americana (art. 5º, que concede ao Congresso o poder de convocar uma convenção, se dois terços das assembleias legislativas dos Estados assim o requererem); e, em parte, das Constituições filipinas de 1935 (art. 15) e de 1982 (art. 16).” MIRANDA, Jorge, Manual de Direito Constitucional, Coimbra Editora, 3ª edição, Tomo II, 1996, p. 153/154.

482 BONAVIDES, Paulo, Curso de Direito Constitucional. Op.cit., p. 209.

483 Cf. Decreto de 3 de junho de 1822.

484 Cf. Decreto nº 29, de 3 de dezembro de 1889.

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210

de 1890 a eleição geral485 - regulamentada em 23 de Junho de 1890486 - pela qual

se convocou487 o primeiro Congresso Nacional brasileiro488 cuja atribuição

constitucional iniciou-se no dia 15 de novembro de 1890 e findou-os em fevereiro de

1891. A primeira Constituição republicana foi promulgada pelo Congresso Nacional

Constituinte em 24/02/1891.489

Pela eleição de 02/12/1945 os deputados federais e senadores, com base na

Lei Constitucional nº 13 de 1945, assumiram a incumbência de produzir a

Constituição de 1946. Após a promulgação da Lei Maior determinou-se que a

Câmara e Senado desempenhariam suas funções ordinárias.

Em 1966 pelo Ato Institucional nº 4 convocou-se o Congresso Nacional para

extraordinariamente reunir-se, no período de 12 de dezembro de 1966 a 24 de

janeiro de 1967, para discussão, votação e outorga da Constituição de 1967, feita a

partir de projeto apresentado pelo Presidente da República.

Pela emenda constitucional nº 26/1985 os membros da Câmara dos

Deputados e do Senado Federal reuniram-se, unicameralmente, em Assembleia

485

Cf. Decreto nº 78-B de 21 de dezembro de 1889.

486 Cf. Decreto nº 511, de 23 de Junho de 1890.

487 Cf. Decreto nº 510 de 22 de junho de 1890.

488 “As eleições para a primeira Constituinte republicana foram convocadas em 21 de dezembro de

1889, pelo decreto nº 78/ B, e realizadas em 15 de setembro de1890. Nesse mesmo decreto, Deodoro da Fonseca deixa evidente que este espaço de tempo se tornava necessário para que algumas providências, que ele denominou de “providências preliminares”, pudessem ser tomadas tais como: “a organização do sistema eleitoral, o alistamento do novo eleitorado, o prazo indispensável para a convocação deste e a preparação do projeto da Constituição. (...) Como parte do que Deodoro definiu como “providências preliminares”, o processo de elaboração do projeto da Constituição passou por três etapas antes de ser publicado. Pelo decreto nº 29, de 3 de dezembro de 1889, data de aniversário do Manifesto Republicano, o governo provisório nomeou uma comissão de cinco políticos para a elaboração de um projeto de Constituição. Eram eles: Saldanha Marinho, presidente da comissão; Américo Brasiliense, vice-presidente; Santos Werneck, Rangel Pestana e Magalhães Couto. Conhecida como a Comissão de Petrópolis, elaborou três anteprojetos para a Constituição. Rangel Pestana sistematizou os três projetos e redigiu apenas um, entregue, em maio de 1890, ao governo provisório, que o revisou sob a orientação de Rui Barbosa, sendo publicado pelo decreto nº 510, de 22 de junho de 1890. O mesmo projeto foi revisto novamente por Rui Barbosa e publicado pelo decreto nº 914-A, de 23 de outubro de 1890, no período entre as eleições e a reunião do Congresso Constituinte. Estabelecidos os critérios para a eleição, elaborado o projeto a ser submetido à discussão do Congresso e realizadas as eleições dos constituintes previstas para 15 de setembro, as chamadas “providências preliminares” apontadas por Deodoro haviam sido superadas e se seguiria a própria organização dos trabalhos constituintes, a discussão e a aprovação da primeira Constituição Republicana em 1891.” FERNANDES, Jorge Batista. Acervo, Rio de Janeiro, v. 19, nº 1-2, p. 53-68, jan/dez 2006, p.57.

489 Aos cidadãos eleitos foram conferidos poderes especiais para exprimir a vontade nacional acerca

da Constituição publicada pelo Decreto n. 510 de 1890, bem como para eleger o primeiro Presidente e Vice-Presidente da Republica.

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211

Nacional Constituinte no dia 1º de fevereiro de 1987, na sede do Congresso

Nacional para produzirem a Constituição de 1988.

“O mais grave da constituinte de 1987/88 é o fato de que não houve uma

Constituinte exclusiva eleita com a finalidade exclusiva de elaborar a

Constituição e depois se dissolver, convocando eleições gerais. Este

procedimento, que seria o mais adequado do ponto de vista de uma teoria

democrática, não ocorreu. Em 1987/88 o Congresso Nacional (deputados e

senadores que são legisladores comuns) recebeu também competência

constitucional originária para elaborar uma nova constituição. Entretanto,

apesar deste início confuso, a Constituição de 1988 se legitimou no seu

processo de implementação, e o fato de sua origem atípica, não deslegitima

sua importância na construção de um sistema jurídico mais democrático e

com garantias dos direitos fundamentais conquistados pelo "povo".”490

Com efeito, a mesma preocupação que manifestamos com relação à atuação

do Poder Constituinte Derivado, formado a partir do Congresso Nacional, vale

igualmente para a instituição do Poder Originário formado por deputados e

senadores eleitos pelo povo para cumprir mandato legislativo ordinário.

“É de amplo conhecimento jurídico-nacional que, por ocasião da última

Constituinte brasileira, muito se discutiu sobre a legitimidade de exercer

tão alta tarefa o próprio Congresso Nacional, ficando as opiniões

bastante divididas. Alguns sustentavam que só com a participação dos

partidos políticos é que se livraria a constituinte das pressões

econômicas; outros, ao contrário, compreendiam o exercício da

Constituinte por políticos eleitos como um ato de oferta a estes para

legislar em causa própria, ocorrência que seria inevitável na prática.” 491

A quarta hipótese se daria pela eleição de uma Constituinte especificamente

para o fim de se produzir a Constituição, para logo após ser dissolvida. Neste caso,

o que mais importa não é saber se a Constituinte será extinta após produzir a Carta

Magna ou se irá transformar-se em Legislativo ordinário, o que interessa mesmo é

saber se foi ela escolhida especificamente para produzir a Lei Maior. Assim, neste

caso, não se elegeria o Legislativo ordinário (deputados federais e senadores) para

depois convertê-lo em Poder Constituinte, para após isto guindá-lo à condição inicial

de Poder Legislativo.

490

MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Op. Cit., p. 47-57.

491 TAVARES, André, Ramos. Curso de direito constitucional. Op. Cit., p. 62.

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212

O sistema bicameral adotado pelo Brasil para composição do Legislativo

Federal apresenta-se como um problema para o caso de propositadamente se

eleger uma Constituinte para depois transformá-la em Legislativo ordinário porque a

eleição para formação do Poder Constituinte Originário visa escolher constituintes,

para composição unicameral, sem diferenciá-los pelo critério de representação

popular ou dos Estados-membros, diferente da eleição para escolha de deputados

federais e senadores. 492

Este problema já foi enfrentado quando da criação da Constituição de 1934,

ocasião em que interessante solução foi propugnada pela execução das funções do

Senado pelos Deputados eleitos até que se realizasse eleição para composição do

Senado Federal.

Através do Decreto nº 21.402 de 1932 fixou-se o dia 03/05/1933 para

realização das eleições para compor a Assembleia Constituinte e criação de uma

comissão para elaboração do anteprojeto da Constituição, observados o Decreto nº

21.076 de 24/02/1932 e outros produzidos. Pelo Decreto nº 22.621 de 1933,

determinou-se que a Assembléia Nacional Constituinte seria convocada por Decreto

especial (Decreto nº 23.102 de 1933) produzido após comunicação do Tribunal

Superior de Justiça Eleitoral sobre o resultado das eleições. A Constituinte tinha 254

deputados eleitos com base na população de cada Estado, de acordo com o

disposto no Código Eleitoral de 1932.493

Destarte, no Brasil para criação da Constituição de 1934 elegeu-se uma

Constituinte com a intenção de dissolvê-la após o término dos trabalhos. Todavia,

optou-se pela manutenção dos eleitos na função legislativa ordinária (Câmara dos

Deputados) acumulando-se provisoriamente as funções da Câmara Alta, até que os

Estados-membros promovessem a composição do Senado.494

492

Já o inverso não enfrenta nenhum impedimento, ou seja, a permuta de congresso constituinte para órgão legislativo do Estado: “Ao se transferir para as Assembléias Constituintes representativas o exercício pleno da soberania, nada tem de especial que o poder constituinte soberano se projete, ou pretenda perpetuar-se, como poder legislativo ordinário, inclusive quando a Constituição é aprovada”. Idem.

493 HORTA, Raul Machado. Op. Cit., p. 30.

494 “A Assembléia Constituinte de 1933/34 não exerceu função legislativa e o mandato de seus

membros, uma vez encerrada a atividade Constituinte, prolongou-se no Poder Legislativo ordinário, com a circunstância de que, não tendo havido eleição para o Senado Federal, quando se elegeu a Assembléia Nacional Constituinte, a transformação desta última em Câmara dos Deputados absorveu

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213

Pela tradição constitucional brasileira não se faz eleição especificamente para

escolha da Assembléia Constituinte. Elege-se o Parlamento para lhe incumbir tarefa

constituinte ou simplesmente se aproveita a estrutura parlamentar do Congresso

Nacional à época que se pretende construir uma nova Constituição.

Entretanto, nada impede que se eleja uma Constituinte especificamente para

produzir a Lei Maior, em vez de se optar pelo tradicional modelo de Constituinte

congressual. Portanto, a formação de um Poder Originário, não composto por

membros do Poder Legislativo, com a missão exclusiva de produzir a Carta Magna

dependeria apenas de vontade política. 495

Entendemos que o Poder Constituinte Originário reúne todas as condições

para estabelecer bases condizentes com a realidade social, com a Democracia e

com a repartição mais equilibrada das competências legislativas entre os entes

federativos.

Além do mais, tem-se que os atos do Poder Originário balizam a atuação do

STF. Desta forma, não há controle de constitucionalidade em face do Poder

Constituinte Originário, o que lhe dá a devida estatura para atuar livre de amarras na

produção de uma Constituição mais equilibrada do ponto de vista federativo.

Diante da hipótese de criação de uma nova Carta Magna, pela atuação do

Poder Originário ter-se-iam as seguintes possibilidades quanto à adoção da forma

de Estado, de acordo com o histórico de nosso constitucionalismo:

1) Estado unitário: A propensão nacional à concentração do poder

político poderia fazer ressurgir esta forma de Estado já adotada durante o Império;

2) Estado federal: Nesta hipótese almeja-se uma Federação

devidamente reestruturada e protegida contra emendas constitucionais que lhe

pretendessem extinguir.

na Câmara, transitoriamente, as funções do Senado Federal, até que as Assembléias Constituintes estaduais elegessem os representantes dos estados no Senado Federal (...)”. Ibdem, p. 37.

495 “Tradicionalmente, a primeira Constituição de um novo país que conquiste sua liberdade política

será fruto da primeira forma de expressão: o movimento revolucionário. Entretanto, as demais constituições desse mesmo país adotarão a segunda hipótese, ou seja, as assembléias nacionais constituintes.” Idem.

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214

Com efeito, faz-se necessário a superação de um Federalismo em colapso,

cuja relação de poder disposta pela Carta Magna faz lembrar muito mais o Estado

unitário. 496

O Unitarismo cumpriu seu papel durante o período monárquico, momento em

que se iniciava a construção da identidade nacional, no estabelecimento da unidade

territorial, constantemente ameaçada por sedições separatistas. A adoção do Estado

unitário tornaria ainda mais acirrada a centralização política patrocinada no bojo da

Constituição de 1988.

Ora, se na atualidade existem insatisfações com relação ao Federalismo

centrípeto pela mitigação da autonomia estadual, não faria o menor sentido adotar o

Unitarismo pelo qual sequer haveria autonomia política conferida aos Estados-

membros, transformados em unidades administrativas.

Destarte, pelo que expusemos até este ponto, temos a convicção de que a

Federação é a forma de Estado mais adequada para o Brasil. Entretanto, deverá ser

reestruturada pela atuação do Poder Constituinte Originário eleito especificamente

para produção de uma nova Constituição Federal, para por seu intermédio assentar

novas bases à Federação brasileira.

A criação de uma nova Lei Maior além de promover o reordenamento da

Federação, oportunizaria mudanças em outras áreas estratégicas para o Brasil. Com

efeito, a reforma tributária e a reforma política são questões fundamentais que

também justificariam a construção de uma nova Constituição Federal.

496

“No extremo, o federalismo de integração será um federalismo meramente formal, cuja forte assimetria entre poderes distribuídos entre as entidades componentes da federação o aproxima de um Estado unitário descentralizado, com forte e ampla dependência, por parte das unidades federativas, em relação ao governo da União federal.” TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 9. ed. rev. e atual. Op. Cit., p. 1102.

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215

CONCLUSÃO

São diversas as possibilidades à disposição do Estado para minorar a

situação de desigualdade que historicamente caracteriza o Brasil. Esta discussão

admite logicamente o questionamento sobre a boa operacionalidade de dispositivos

propostos pela Constituição Federal.

Diante disso, há uma forte tendência que se apresenta favorável ao

aperfeiçoamento do modelo de Estado federal adotado pela Constituição de 1988,

pela superação de problemas que dificultam a implantação de um ambiente

verdadeiramente harmônico e cooperativo, o que demandará um esforço unânime

de todos os Poderes da República e entes federativos.

A Constituição de 1988 é recordista em matéria de emendas, pelo fato de ter

sido construída um tanto quanto dissociada da realidade político-econômico-social

do final do Século XX, tendo adotado uma série de dispositivos programáticos

erigidos para atender aos ideais surgidos imediatamente à derrocada da ditadura

militar de 1964.

Atualmente, semelhantemente ao que se deu em 1834, há uma forte

tendência em favor da descentralização das competências legislativas através de um

redesenho constitucional em que o grande desafio é mesmo superar a histórica

propensão nacional à centralização política em face do princípio democrático e da

necessidade de fortalecimento do princípio federativo. 497

Aliás, a autonomia apresenta-se na atualidade não mais como uma ameaça à

Federação, como ocorria em 1891, mas como uma alternativa alvissareira ao

fortalecimento do pacto federativo e ao desenvolvimento regional.

O Século XXI apresenta-se com grandes demandas sociais e econômicas

que exigem do Estado brasileiro uma resposta à altura pela qual se estabeleça uma

série de medidas, dentre as quais se inclui a viabilização de um modelo de

descentralização política que conceda aos Estados-membros plenitude no exercício

de competências legislativas de interesse regional. Com efeito, o Direito Estadual

precisa ser encarado como ferramenta de desenvolvimento regional.

497

FERREIRA, Gabriela Nunes. Centralização e descentralização. O debate entre Tavares Bastos e visconde de Uruguai. São Paulo: Ed. 34, 1999, p.28-29.

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216

A reforma da Federação brasileira deverá se dá em momento de tranquilidade

institucional a fim de que se dimensione a importância de participação e

representação da vontade popular através da atuação dos entes federativos. Além

do que um processo de reformulação política de tão grande envergadura pressupõe

o amadurecimento político do País.

O desenvolvimento contempla em sua essência elementos econômicos e

sociais, sendo que sua efetivação no espaço e no tempo depende da conjunção de

forças relacionadas à política e ao Direito. Neste rumo, cabe à Lei Maior propiciar

segurança jurídica e fornecer as bases do desenvolvimento regional para que os

Estados-membros atuem, com idêntico propósito, através da Constituição Estadual.

A proteção aos valores e princípios universais é fundamental à consolidação

da Democracia brasileira na formação de um ambiente de certeza jurídica, longe de

sobressaltos e crises institucionais que sempre caracterizaram a política e o

constitucionalismo no Brasil.

O escopo federativo da União precisa ser redefinido pela superação do

histórico papel de ente supridor das necessidades econômicas dos demais entes. O

fortalecimento da autonomia financeira dos Estados-membros permitiria ao ente

central maior tranquilidade na atuação como ente coordenador do sistema

federativo.

O fortalecimento da autonomia estadual implicaria em racionalização

federativa em atenção aos princípios da prevalência do interesse e da

subsidiariedade. Em algumas competências privativas e exclusivas da União com

espectro regional, melhor seria o estabelecimento de cooperação a partir do

exercício de competências concorrentes e comuns.

Buscamos chamar a atenção para a necessidade de se buscar uma

alternativa à estrutura federativa brasileira apresentada pela Constituição de 1988.

Portanto, é possível dizer, em arremate, que pela tese conclui-se o seguinte:

1) Em regra, a opção do Brasil sempre foi pela centralização política. A

herança advinda do Estado unitário se perpetuou durante praticamente

todo o período republicano, dando origem a um Federalismo peculiar,

generoso em compartilhar atribuições administrativas e extremante

cauteloso em repartir as competências legislativas para fora do domínio do

ente central;

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217

2) A Constituição de 1988 tem alijado os Estados-membros de uma

participação mais efetiva no campo regional em desacordo com o princípio

da prevalência do interesse. A União possui mecanismos pelos quais

poderá inibir os excessos da atuação estadual, no exercício de suas

competências constitucionais, através da intervenção federal e outras

medidas de estabilização institucional;

3) A teoria dos poderes implícitos apresenta-se como uma fórmula para

repartição de competências. No caso brasileiro, às coletividades parciais

compete tudo aquilo que explicitamente não tenha sido atribuído ao ente

central. Ocorre que a forte concentração de competências legislativas no

âmbito da União (art. 22 da Carta Magna) fragiliza a aplicação da referida

teoria em virtude do desequilíbrio na modulação da descentralização

política;

4) A cooperação federativa precisa efetivar-se mediante reengenharia de

competências legislativas e materiais e através da efetivação de acordos

entre os entes federados com vistas à adequada realização dos serviços

públicos;

5) Constatamos não haver boa vontade da União em delegar, através de Lei

Complementar, suas competências privativas para que os Estados-

membros, em assuntos que lhes digam respeito, possam promover a

devida especificação;

6) Para além da redistribuição de competências é certo que a autonomia

estadual encontra-se enfraquecida em virtude também de inadequada

repartição de rendas a partir das bases delineadas pela Lei Maior;

7) A Constituição Estadual no Brasil não assume a função de dinamizar as

potencialidades existentes no plano regional, em virtude dos limites

impostos pela Lei Maior e pela desídia do Constituinte Decorrente que

pouco fez para utilizar as poucas competências à disposição dos Estados-

membros;

8) Em virtude do apertado espaço e de limites impostos a sua atuação, os

Estados-membros muitas vezes usurpam a competência legislativa da

União em diversas áreas de seu interesse;

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9) O Supremo Tribunal Federal tem reiteradamente confirmado o modelo

centralizador proposto pela Constituição de 1988. Definitivamente, o

ativismo judicial não irá operar em favor do reequilíbrio das forças

federativas;

10) A reforma federativa, pelo Constituinte Derivado, mediante emenda à

Constituição de 1988, dificilmente reuniria forças para fazer frente aos

interesses da União, posto que no bojo da atual Carta Magna o referido

Poder Derivado se manifesta a partir dos membros do Congresso Nacional

onde o governo federal possui maioria de votos. Portanto, apesar de

constitucionalmente viável, este não se apresenta como o meio mais

apropriado à efetivação de uma restauração federal incisiva;

11) Entendemos que a reestruturação federativa, como delineada por esta

tese, exige a atuação do Poder Constituinte Originário eleito

exclusivamente para produzir uma nova Constituição Federal.

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