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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Emanoel Maciel da Silva
Mecanismos para o fortalecimento da Federação brasileira
DOUTORADO EM DIREITO
SÃO PAULO-SP
2014
Emanoel Maciel da Silva
Mecanismos para o fortalecimento da Federação brasileira
DOUTORADO EM DIREITO
Tese apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência
parcial para obtenção do título de Doutor
em Direito sob a orientação do Prof. Dr.
Marcelo de Oliveira Fausto Figueiredo
Santos.
SÃO PAULO-SP
2014
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dr. Marcelo de Oliveira Fausto Figueiredo Santos (Orientador) [PUC-SP]
___________________________________________________________
Prof. Dr. Roberto Baptista Dias da Silva [PUC-SP]
___________________________________________________________
Prof. Dr. Luiz Guilherme Arcaro Conci [PUC-SP]
___________________________________________________________
Prof. Dr. Dircêo Torrecillas Ramos [FGV-SP]
___________________________________________________________
Prof. Dr. Fernando Dias Menezes de Almeida [USP]
___________________________________________________________
Profª. Dra Maria Garcia (Suplente) [PUC-SP]
_________________________________________________________
Profª. Dra. Monica Herman Salem Caggiano (Suplente) [USP]
_________________________________________________________
São Paulo-SP, 25 de fevereiro de 2015.
DEDICATÓRIA
Para minha família, e especialmente para Dayana,
Ivete e Gustavo, com amor.
AGRADECIMENTOS
À Universidade Estadual de Roraima pelo
suporte e liberação das atividades docentes.
À Universidade Federal de Roraima pelo apoio
conferido através de concessão de licença para
aperfeiçoamento.
À Faculdade Cathedral de Boa Vista-RR pelo
apoio e concessão de ajuda de custo.
À CAPES, através do programa
PRODOUTORAL, pelo suporte financeiro
destinado ao desenvolvimento da pesquisa.
Ao meu orientador por ter acreditado nesta
pesquisa quando ainda era mera projeção.
A todos que, de algum modo, cooperaram para
a realização deste trabalho.
Que os povos te louvem, ó Deus! Que todos os
povos te louvem!
(Livro dos Salmos, 67:3)
RESUMO
A Federação é a forma de Estado mais adequada àqueles Países
democráticos e geograficamente extensos. No Brasil a Federação surgiu em
1889 a reboque da República, e apesar de alternâncias quanto ao regime
político, ela sempre se manteve como a forma de Estado adotada pelo
constitucionalismo pátrio no período republicano. A partir da Reforma de 1926
o Federalismo brasileiro jamais tornaria a ser o que fora originalmente no seio
da Constituição de 1891. Após a superação de um regime de exceção a
Democracia voltou ao País em 1988. A esperança de se ter uma Federação
equilibrada e isonômica foi frustrada, em virtude de uma centralização
excessiva não condizente com os ares democráticos advindos da Constituição
Cidadã. Destarte, profundas alterações na Lei Maior de 1988 precisariam ser
efetuadas, no sentido de melhor adequar o modelo federativo ao Estado
Democrático de Direito. É fato que a Federação pátria apresenta-se imersa em
crises advindas da relação entre a União e os demais entes federados. A seu
turno, no plano horizontal as relações entre os Estados acham-se esgarçadas
em virtude de disputas tributárias. A efetivação do Federalismo cooperativo,
apesar de avanços na repartição de rendas, tem enfrentado uma série de
dificuldades. Deste modo, no Brasil do Século XXI a reestruturação federativa
impõe-se pela necessidade de reordenamento das competências legislativas e
materiais entre os entes federativos. Algumas competências privativas do ente
central também dizem respeito aos interesses estaduais. Deste modo, seria
mais adequado - em nome do princípio da prevalência do interesse - o
compartilhamento de tais atribuições no âmbito das competências concorrentes
e suplementares a fim de fortalecer a autonomia subnacional e fazer valer a
Constituição Estadual no aproveitamento das potencialidades regionais. A
necessidade de reforma federativa é imperiosa. Todavia, esta não é uma tarefa
fácil de ser realizada, haja vista que o reequilíbrio da Federação brasileira
implicaria em diminuição do poder político da União. O presidencialismo exige
que o governo federal forme sua base de apoio político no Congresso Nacional
a fim de garantir a governabilidade e a manutenção de seus interesses. No
Brasil o processo de emenda constitucional é feito por deputados e senadores
nas funções de Poder Constituinte Derivado. Portanto, o Congresso Nacional -
no qual o governo federal se apresenta com maioria de votos - não se constitui
no instrumento mais adequado à viabilização de uma profunda reforma
constitucional capaz de contrariar os interesses da União. É incontestável que
a Lei Maior admitiria ser reformada para melhor compatibilizar-se com o regime
democrático. Entretanto, não há vontade política para isso. Destarte, nossa
proposta aponta a necessidade de uma consulta popular para que se verifique
a conveniência de ser construir uma nova Constituição Federal. Após isto
poderia haver então ulterior manifestação do Poder Constituinte Originário, sem
função congressual, eleito pelo povo, para exclusivamente produzir uma nova
Lei Maior pela qual seria possível fortalecer a Federação brasileira e efetivar
outras reformas fundamentais demandadas pelo País, e que até hoje não
foram aprovadas pelo Poder Derivado congressual.
Palavras-chaves: Constituição, Federalismo, Descentralização, Reforma
Federativa, Autonomia, Direito Constitucional Estadual, Desenvolvimento
Regional.
ABSTRACT
The Federation is the most appropriate form of state to democratic and
geographically extensive countries. In Brazil the Federation emerged in 1889 in
the wake of the Republic, and despite alternating as the political regime, it
always remained as the form of government adopted by the Brazilian
constitutionalism in the republican period. From the Reform of 1926, the
national Federalism would never be what was originally within the Constitution
of 1891. In fact, Democracy returned to the country in 1988. The build of an
isonomic Federation was frustrated, because of the maintenance of an
excessively centralized federalism inconsistent with democratic air coming from
the Citizen Constitution. Thus, changes have to be made in order to harmonize
the federative model. It is a fact that the homeland Federation presents itself
immersed in crises arising from the relationship between the Union and others
federal entities. The relationship between states is marked by financial tensions.
Cooperative Federalism is very difficult to be effective. Then, it would be more
appropriate sharing such powers to strengthen subnational autonomy and
enforce the State Constitution in the use of regional potential. The need for
federal reform is imperative. However, there is a serious obstacle, given that the
rebalancing of the Brazilian Federation necessarily imply reduction of the
Union's political power. The presidentialism makes the federal government
seeks coalition for the formation of his parliamentary base, the National
Congress, which guarantees governance and the maintenance of their
interests. In Brazil the constitutional amendment process is done by deputies
and senators in the constituent power functions derivative. Therefore, a National
Congress, in which the federal government always bears the majority of votes,
definitely not present as the most appropriate instrument to ensure the viability
of a deep constitutional reform contrary to the interests of the Union. The
Constitution will be reformed to admit more compatible with the democratic
system. However, there is no political will for that. Thus, our proposal is that the
federal restructuring manifested by the popular consultation on the convenience
of being build a new Federal Constitution. After that then there would be further
manifestation of constituent power, without congressional function, elected by
the people, to exclusively produce a new Law Major in which it would be
possible to strengthen the Brazilian Federation and carry out other key reforms
demanded by the country, and which have not been approved by Power
congressional.
Keywords: Constitution, Federalism, Decentralization, Federal Reform,
Autonomy, State Constitutional Law, Regional Development.
1
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .............................................................................................. 04
CAPÍTULO 1 NATUREZA DO ESTADO FEDERAL BRASILEIRO .............. 08
1.1 O ideal federalista ................................................................................... 08
1.2. A Federação e sua natureza .................................................................. 13
1.3. O pacto federal ....................................................................................... 20
1.4. O pacto federativo brasileiro .................................................................. 28
1.5. O Estado federal e Constituição democrática ........................................ 31
CAPÍTULO 2 O ATO ADICIONAL DE 1834 E A REFORMA
CONSTITUCIONAL DE 1926 ....................................................................... 36
2.1. O Ato Adicional de 1834: uma resposta aos federalistas ...................... .36
2.2. Unitarismo “descentralizado” e Federação centralizada .................. ......38
2.3.A efetivação do Federalismo proposto pela Carta de 1891.....................40
2.4. A Constituição de 1891 e alguns institutos jurídicos peculiares ........... ..42
2.5. A Reforma de 1926 e a revisão do pacto federativo...............................44
CAPÍTULO 3 A AUTONOMIA DOS ESTADOS-MEMBROS NO BRASIL ... 48
3.1. Retrospectiva: autonomia do Império à Nova República ....................... 48
3.1.1. A luta por autonomia no Império e na 1ª República..........................48
3.1.2. A Revolução de 1930 e a autonomia estadual.................................51
3.1.3. Autonomia estadual em tempos de exceção política........................53
3.2. Autonomia e o endividamento estadual.................................................59
3.3. Autonomia, desenvolvimento e integração............................................ .62
3.4. Sistema de governo e autonomia estadual ............................................ 67
CAPÍTULO 4 O PODER CONSTITUINTE DECORRENTE .......................... 69
4.1. Poder Constituinte Decorrente e Poder Legislativo estadual ................. 69
4.2. O espaço de atuação do Poder Decorrente no Brasil ............................ 71
4.3. A Constituição Analítica e seus efeitos no plano estadual ..................... 73
4.4. O cerceamento do Poder Decorrente para preservação da união ......... 77
CAPÍTULO 5 A CONSTITUIÇÃO ESTADUAL ............................................. 80
5.1. Repartição de competências e Constituição Estadual ........................... 80
2
5.2. O problema da delimitação do campo legislativo estadual .................... 85
5.3. O princípio da subsidiariedade ............................................................... 90
5.4. As relações federativas e a Constituição de 1988 ................................. 91
5.5. Constituição Estadual, Constituição da União e Constituição Total ....... 97
5.6. A reprodução da Lex Mater na Constituição Estadual ......................... 101
CAPÍTULO 6 O DIREITO ESTADUAL E O DESENVOLVIMENTO
REGIONAL ................................................................................................. 105
6.1. O Federalismo brasileiro sob a perspectiva regional ........................... 105
6.2. O Direito Estadual e as potencialidades regionais ............................... 109
6.3. Poder Constituinte Estadual e desenvolvimento ................................. 111
6.4. A ordem econômica estadual ............................................................... 113
6.5. Políticas públicas e desenvolvimento regional ..................................... 116
6.6. Orçamento público e regionalização .................................................... 118
6.7. O Fundo de Participação dos Estados ................................................. 120
CAPÍTULO 7 A FEDERAÇÃO E O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL .... 123
7.1. O Tribunal da Federação brasileira ...................................................... 123
7.2. Federalismo e o Judiciário nos EUA e no Brasil .................................. 126
7.3. Controle de constitucionalidade: instrumento de defesa federativa? ... 127
7.4. Julgamento dos desembargadores estaduais e de ministros do STF .. 130
7.5. A constitucionalidade do Julgamento dos governadores ..................... 135
7.6. O Supremo e a manutenção da Federação centralizada ..................... 138
7.7. Usurpações interfederativas ................................................................ 144
7.8. O Fundo de Participação dos Estados à luz da Suprema Corte ...... 15152
7.9. O desvio de poder na atividade normativa do Estado .......................... 154
7.10. O STF e a reprodução da Lei Maior nas Constituições Estaduais ..... 156
7.10.1. A teoria da ociosidade da norma constitucional repetida ............. 157
7.10.2. A doutrina da autonomia da norma reproduzida .......................... 161
CAPÍTULO 8 A CONSTITUIÇÃO E O APERFEIÇOAMENTO DA
FEDERAÇÃO ............................................................................................. 166
8.1. Centralização política e o regime democrático..................................... 166
8.2. Federação, Senado e Democracia ....................................................... 171
8.3. Os Estados e a busca por competências legislativas .......................... 175
8.4. O inadequado aproveitamento do Direito Constitucional Estadual ...... 178
8.5. Assembleia Legislativa e reforma federativa ........................................ 180
3
CAPÍTULO 9 A REESTRUTURAÇÃO FEDERATIVA ............................... 187
9.1. A cooperação federativa ...................................................................... 187
9.2. A redefinição de competências legislativas .......................................... 189
9.3. A transformação de algumas competências exclusivas em comuns ... 192
9.4. Federalização ou execução compartilhada de competências? ............ 194
9.5. Consulta popular e processo de elaboração constitucional..................198
9.6. Reestruturação federativa: ato constitucional originário ou derivado?..203
CONCLUSÃO ............................................................................................. 215
BIBLIOGRAFIA .......................................................................................... 219
4
INTRODUÇÃO
A tese visa inicialmente constatar a realidade do modelo federativo
atualmente praticado no Brasil, para então, analisá-lo criticamente a fim de
demonstrar a existência de uma série de questões que afetam o bom funcionamento
da Federação, com vistas a apresentar uma solução que entendemos ser a mais
adequada para o problema.
O Federalismo é uma fórmula que se amolda muito bem aos Países com
grande extensão territorial. Entretanto, tem se destacado pela proposta de
distribuição do poder e interessantes arranjos referentes à prestação dos serviços
públicos. Nesta perspectiva tem-se que a referida forma de Estado assume aspectos
diferenciados nos lugares onde fora implantada, para muito além do modelo
inicialmente formulado pelos Estados Unidos da América.1 Deste modo, é possível
encontrar experiências federalistas exitosas, e outras que se notabilizam por
contradições.2
Neste passo, ao longo do constitucionalismo pátrio estabeleceu-se uma forma
de Estado peculiar, meio termo entre Unitarismo e Federalismo. Trata-se da
Federação à brasileira.
Na intenção de se reproduzir o modelo constitucional estadunidense é que de
todas as Constituições nacionais apenas três delas não continham a nomenclatura
“Estados Unidos do Brasil”,3 a saber: a primeira de 1824 (Constituição Política do
Império do Brazil), a ditatorial de 1967 (Constituição do Brasil) e a atual Constituição
de 1988 (Constituição da República Federativa do Brasil).
1 “No entanto, esse modelo difere de um Estado federal para outro. Alguns dão como exemplo de
primeira federação – união total e permanente de Estados-membros (entes federados) – a Confederação Helvética, surgida em 1291, quando três cantões suíços celebraram um pacto de amizade e aliança. Entretanto, essa união, que depois foi ampliada com a adesão de outros cantões, permaneceu limitada e restrita quanto a seus objetivos e ao relacionamento entre seus Estados-partes até 1848, quando se originou a Suíça como Estado federal.” MARTINS FILHO, Luiz Dias. O federalismo fiscal brasileiro sob a ótica da integração econômica internacional. Cad. Fin. Públ., Brasília, n.8, p. 41-100, dez.2007, p.69.
2 “Grande número de países – por exemplo, a Austrália, o Canadá, a Alemanha, a Áustria, a Bélgica,
a Suíça, os Estados Unidos da América do Norte, a Indonésia, o México, o próprio Brasil – tem uma estrutura federal, no âmbito da qual alguns assuntos, como a política externa, são decididos em nível federal, enquanto outros são decididos pelos diferentes entes federados. Idem.
3 Em 1891 o nome Brasil era escrito na Constituição com a letra “z”, a saber: Brazil.
5
Na América do Norte os Estados-membros usufruem de ampla autonomia
legislativa que lhes permite uma liberdade de atuação invejável. No Brasil, a partir do
modelo constitucional atualmente adotado, é improvável que os Estados atinjam
semelhante nível de autonomia, pelo receio que isso gere o enfraquecimento do
poder central e a secessão.
A indissolubilidade federativa deverá ser preservada através de mecanismos
que evitem a excessiva dispersão dos entes em torno de seus interesses a ponto de
fomentar instabilidades institucionais. Nesta linha, a autonomia estadual não poderá
violar a estabilidade federativa.
Por outro lado, inexiste Estado federal sem descentralização, e esta se
manifesta pelo modo como a autonomia dos entes federados é desenhada pela
Constituição Federal. O desequilíbrio exacerbado na distribuição de competências
enfraquece o sistema federativo, pois despreza a adequada repartição do poder.4
No modelo federalista brasileiro adotado em 1988 tem-se a participação dos
Estados-membros na vontade nacional a partir da atuação do Senado. Assim é que
a vontade política do Estado federal manifesta-se através de confluência de
vontades, sendo que neste contexto a Câmara Alta representa apenas um dos
componentes formadores dessa volonté générale.
Além da construção da vontade geral, os Estados-membros precisam atuar
decisivamente na formação da vontade regional através da concessão, pela Lei
Maior, de uma série de competências legislativas reverberadas na Carta Estadual.
Ocorre que parte dessas competências de interesse dos Estados encontra-se
atualmente a cargo da União, situação que gera dificuldades para que o Direito
Estadual atue preponderante na consecução dos interesses regionais.
Neste começo de Século XXI a situação do Estado federal brasileiro, marcada
por tensões, exige a tomada de medidas com vistas a compor os interesses e
estabelecer harmonia entre os entes federativos. A Federação, em sua missão de
distribuir o poder, esbarra muitas vezes no desafio de equacionar desequilíbrios
manifestos no influxo das relações entre as coletividades, e neste cenário as falhas
do sistema federativo brasileiro saltam aos olhos.
4FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves Curso de direito constitucional
Imprenta: São Paulo, Saraiva, 22ª. ed., atual. 1995, p. 42.
6
A Democracia, enquanto direito de todos os povos, tempera o Federalismo
através do pluralismo e da descentralização política.5
A Constituição de 1988 é democrática, não duvidamos disto. Todavia, a
existência de uma estrutura federativa em que a vontade regional é
preponderantemente formada a partir da União, parece destoar da essência
democrática que se pretendeu imprimir à Lei Maior.
Com efeito, a Constituição Cidadã norteou o processo de criação das
Constituições Estaduais em 1989. Todavia, existem dificuldades para que se
estabeleça sintonia entre a Democracia e o modelo federativo atualmente adotado.
A Carta Magna - por inadequação no modelo de repartição das competências
legislativas – tem causado o cerceamento da autonomia estadual, o que resulta num
déficit de participação das populações dos Estados-membros na composição de
seus interesses.
É preciso destacar que o estilo federalista adotado na Carta de 1988 tem
produzido na prática crises desfavoráveis ao ambiente de solidariedade e
cooperação que se almeja, e nisto a atual Lei Fundamental se assemelha àquela de
1967, sobretudo no que se refere ao cerceamento da autonomia estadual, em
descompasso com o compromisso de se rechaçar o espólio normativo impregnado
pelo autoritarismo da Revolução Militar de 1964.
Assim é que neste contexto, a despeito de boas intenções, as relações
federativas apresentam-se desarmônicas, predatórias e tensas. A solução para o
dilema federativo brasileiro exige o enfrentamento de temas importantes: A dívida
dos Estados-membros para com a União6, a reforma do sistema tributário nacional, a
5 A configuração da forma de Estado se opera pelo “modo de exercício do poder político em função
do território que dá origem ao conceito de forma de Estado”. SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 100.
6 “A principal reivindicação é a mudança da regra de correção da dívida estadual junto à União. O
argumento é de que os altos juros praticados no país inviabilizam o esforço fiscal para reduzir o principal da dívida. Também está em discussão: elevar os prazos de amortização, abater o saldo da dívida e reduzir o percentual máximo da receita utilizado no pagamento das prestações. Cerca de 90% da dívida atual decorre de renegociações entre 1997 e 1999 (Lei 9.496/1997), quando a União, para evitar insolvência dos estados, substituiu suas dívidas junto ao mercado por títulos públicos federais. Estão previstos pagamentos em até trinta anos, com correção pela variação do IGP-DI, mais juros entre 6% a 7,5% ao ano. De acordo com dados do Banco Central, a dívida dos governos estaduais em dezembro de 2011 estava em R$ 453,5 bilhões, caindo para R$ 404,6 quando descontados créditos que os estados têm a receber (dívida líquida). Do total da dívida líquida, 76,8% estão concentrados em quatro estados: São Paulo (37,8%), Minas Gerais (15%), Rio de Janeiro
7
guerra fiscal, o desenvolvimento regional, a composição dos fundos de participação
dos Estados e Municípios, dentre outros.
Aliás, sobre o Município tem-se que o constitucionalismo pátrio apenas em
1988 concedeu-lhe a condição de ente federado, apesar de já há muito tempo
ostentar autonomia.7 A Carta Magna não legou ao Município uma Constituição
própria, tampouco existe Ministério Público ou uma Justiça municipal. Ora, na
condição de entidade federada, certamente, o Município mereceria tratamento
isonômico com relação aos demais entes federados, sem isto, melhor teria sido não
guindá-lo ao referido patamar de ente autônomo componente da Federação
nacional.
Em verdade, a não inclusão do Município enquanto ente federativo autônomo
não descaracterizaria a essência federativa. A prova disto é que o Federalismo
dualista e a própria Federação pátria, antes da Constituição de 1988, existiram sem
conceder ao Município o reconhecimento de entidade federada. Apesar de ser um
tema interessante, esclarecemos, de já, que o foco desta pesquisa não está no
municipalismo.8
Assim, como solução para o problema apresentado pela tese é que
discorreremos sobre a possibilidade de realização de uma reforma constitucional,
bem como sobre a criação de uma nova Constituição com vistas à promoção da
reestruturação federativa e da reorganização político-institucional do País.
(13,3%), Rio Grande do Sul (10,7%).” Fonte: http://www12.senado.gov.br/noticias/pacto-federativo/dividas-dos-estados.
7 LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto. O município e o movimento representativo no
Brasil. 7ª edição. Companhia das Letras. 2012, p.37.
8 “O federalismo dualista, existente, principalmente, nos séculos XVIII e XIX, foi a criação clássica
norte-americana e consagrava a presença de duas esferas soberanas de poder, a da União de um lado, a do Estado-membro de outro. Sua grande característica, portanto – em face desse paralelismo de poder -, foi a previsão de repartição horizontal de competências constitucionais. (...) Após a Crise da Bolsa americana e com base nas medidas adotadas no New Deal, o governo norte-americano (Roosevelt) passou a abandonar o federalismo dual, dirigindo-se para a idéia de cooperação entre União e Estados, sob a coordenação daquela.” MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 7ª Ed. Atualizada até EC. Nº 55/07, São Paulo: Atlas, 2007, p. 598.
8
CAPÍTULO 1
NATUREZA DO ESTADO FEDERAL BRASILEIRO
1.1. O ideal federalista; 1.2. A Federação e sua natureza; 1.3. O pacto
federal; 1.4. O pacto federativo brasileiro; 1.5. Estado federal e
Constituição democrática.
1.1 O ideal federalista
O Federalismo caracteriza-se pela união de níveis políticos diferenciados num
mesmo espaço geográfico, onde o poder se distribui entre a União e os entes
periféricos, o que será decisivo na formação de um modelo centralizado (centrípeto)
ou descentralizado (centrífugo). A Carta Maior confere autonomia e competências
específicas dentro dos limites de atuação dos entes federados.
Neste ponto, é preciso que se apele à propedêutica para o adequado
esclarecimento de algumas expressões utilizadas neste trabalho.
Cabe chamar atenção para possíveis divergências no emprego da
terminologia “Carta” ou “Constituição” para designar a Lei Maior. Preferimos
desconsiderar o magistério pelo qual o termo “Carta” seria empregado para qualificar
Constituições outorgadas, enquanto apenas aquelas Constituições promulgadas
mereceriam ser chamadas de “Constituição”. “Na atualidade parece-nos que a
distinção perdeu a sua razão de ser, estando destituída de qualquer significado
prático. Tanto faz usar uma como outra terminologia. O essencial é cunhar o termo
no sentido de organismo vivo (...).” 9
Ferrari Filho10 quanto à utilização dos termos Federação e Federalismo
chama atenção para o uso indiscriminado e tecnicamente pouco criterioso de tais
9 BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição federal anotada. 4ª Ed. SP: Saraiva, 2002, p.6.
10 FERRARI FILHO, Sérgio Antônio. O município na federação brasileira: limites e possibilidades de
uma organização assimétrica. Tese doutorado UERJ, CDU 343.24(81), 2011, pp. 32, 33.
9
termos comumente empregados pela doutrina como sinônimos, apesar de poderem
assumir significados diferentes. Nesta linha, Baracho11 afirma que a Federação seria
propriamente a forma de Estado, enquanto que o termo Federalismo designaria a
ideologia federativa. A observação é pertinente. A doutrina constitucionalista por
vezes diferencia tais termos (Federação e Federalismo), como acima destacado,
contudo não raro também os emprega atribuindo-lhes o mesmo significado, sem que
isto cause problemas para a boa compreensão do tema.
Também importa destacar a utilização dos termos “União” e “união”. A União
designa o ente central como um dos componentes da organização político-
administrativa da República Federativa do Brasil, como disposto no art. 18 da Lei
Maior de 1988. A seu turno, a união é expressão constitucional que significa a
própria Federação (união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito
Federal), como consignado no art. 1º da citada Lei Fundamental.
Cabe pontuar ainda que os termos: “centrípeto” e “centrífugo” nem sempre
estarão relacionados ao modo de repartição do poder político. Um primeiro emprego
de tais expressões se aplica ao modo de formação do sistema federativo. Em Países
nos quais a Federação surgiu a partir de agregação de entidades independentes
formadoras da união, fala-se de uma força centrípeta. Por outro lado, a destruição do
Estado unitário para mediante tal desagregação estabelecer-se o modelo federal,
caracteriza a denominada Federação centrífuga. Nestes termos, a formação da
Federação brasileira teria se dado então de modo centrífugo.12
A outra acepção para os citados termos refere-se à repartição das
competências executivas e legislativas entre os entes federados, neste caso o
Federalismo centrípeto manifesta-se pela centralização de competências no âmbito
da União em desfavor das entidades periféricas, sendo que no modelo centrífugo as
11
BARACHO, José Alfredo de Oliveira. A federação e a revisão constitucional. As novas técnicas dos equilíbrios constitucionais e as relações financeiras. A cláusula federativa e a proteção da forma de estado na Constituição de 1988. Revista de Direito Administrativo: Rio de Janeiro, out./dez.1995, p. 49-60.
12 “A federação brasileira formou-se de dentro para fora, num movimento centrífugo, pois tínhamos
um Estado unitário que se descentralizou para formar unidades autônomas de poder. Se na federação americana, os Estados independentes se despojaram da soberania para formar o Estado federal, no Brasil ocorreu o inverso. Aqui a federação nasceu por meio de segregação. (...)” BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. 6ª Ed. revista e atualizada. São Paulo: Saraiva, 2011, pp. 901/902.
10
competências se movem do centro para a periferia, com concessão de maior
dignidade federativa às coletividades componentes.
Raul Machado Horta13 fez certa confusão no emprego desta terminologia,
como se pode conferir a partir da referência adiante exposta:
“Se a concepção do constituinte inclinar-se pelo fortalecimento do poder
federal, teremos o federalismo centrípeto, que Georges Scelle chamou de
federalismo por agregação ou associação; se ao contrário, a concepção
fixar-se na preservação do poder estadual emergirá o federalismo centrífugo
ou por segregação, consoante a terminologia do internacionalista francês”.
Com efeito, nem sempre haverá associação invariável entre os termos
agregação/centrípeto e segregação/centrífugo. Ora, nada impede que uma
Federação surgida a partir de agregação produza tanto a centralização quanto a
descentralização política. O mesmo entendimento se aplicaria a uma Federação
advinda de um processo de dispersão. Nesta linha, a Federação norte-americana
surgida de modo centrípeto, estabeleceu-se de forma centrífuga em virtude do modo
como foi delineada a distribuição do poder naquele País.
Destarte, a Federação brasileira é ao mesmo tempo centrífuga e
centrípeta. É centrífuga por ter se originado a partir de um movimento revolucionário
desagregador que destruiu a Monarquia unitarista, para após isso pela vontade do
Poder Constituinte Originário assumir, a partir da Reforma Constitucional de 1926,
um aspecto centrípeto no que diz respeito à concentração de competências no plano
da União.
Portanto, quanto à fundação do Federalismo pátrio, tem-se que seu
caráter centrífugo é um atributo histórico e permanente, não mais possível de ser
alterado. Entretanto, este raciocínio não se aplica à distribuição do poder no âmbito
da Constituição vigente ou no bojo de Constituições vindouras, haja vista que a
estrutura de tais normas poderá ser (re) construída pelo Poder Constituinte em favor
da centralização ou da distribuição de competências legislativas, o que daria à
Federação um aspecto dinâmico de natureza centrípeta ou centrífuga,
respectivamente.
13
HORTA, Raul Machado. Direito constitucional. 4ª Edição, Imprenta: Belo Horizonte, Del Rey, 2003, p. 306/307.
11
O surgimento do Federalismo centrífugo no Brasil estabeleceu-se a partir da
derrocada de um modelo de Estado pautado no exercício do poder a partir do
governo central. Portanto, a centralização unitarista, presente no Império,
impregnou-se fortemente no Estado federal brasileiro de natureza centrípeta, sob os
auspícios de praticamente todas as Constituições republicanas.
Assim é que a ideia de reordenamento federativo pressupõe a noção de que
nossa Federação tenha surgido a partir do estabelecimento de um acordo.
Entretanto, é preciso pontuar que a desagregação do Estado unitário não resultou
de nenhum acerto entre as Províncias, diferentemente do que ocorreu nos Estados
Unidos através do processo de agregação das antigas colônias inglesas.
Aliás, o controle do Brasil colonial tornou-se imprescindível aos interesses
imperialistas da Metrópole lusitana. Deste modo, propositadamente Portugal buscou
dificultar a relação entre as Capitanias, para mergulhá-las no isolamento, a fim de
que não se articulassem com vistas à formação de um Estado Nacional.
No que tange aos modelos de Federação adotados nos EUA e no Brasil,
assim preleciona Carmem Rocha: 14
“No entanto, por lá, a soberania dos estados veio antes. Aqui, tentaram
fazer a mesma coisa, até mesmo colocando o nome de Estados Unidos do
Brasil. Mas o modelo que existia era bem diferente. Isso colocou o País
numa camisa-de-força. Nunca paramos para discutir que tipo de Federação
queremos ser. Éramos um Estado unitário e não houve nenhum pacto
federativo em nossa história. Hoje, temos que pular etapas até chegarmos a
uma Federação colaborativa”.
Em verdade, no Brasil os ideais do constitucionalismo americano do final do
Século XVIII e os valores oriundos da Revolução Burguesa de 1789, surtiram
resultados mais efetivos apenas no final do Século XIX, após quase cem anos de
atraso, o que inviabilizou a manutenção da Monarquia autoritária e de um Estado
14
Em palestra da Ministra do STF Carmem Lúcia proferida na Escola Superior da Magistratura do Rio Grande do Sul em 14/03/201, transcrita em parte pelo Jornal da AJURIS em reportagem intitulada: “Brasil precisa aprofundar debate sobre Pacto Federativo”, a ministra, destaca que a ausência de autonomia financeira nos estados e municípios é um dos impeditivos para o Brasil implantar, realmente, uma Federação. “É por isso que a tão sonhada reforma tributária é tão difícil de ser realizada. Desde o governo de Juscelino Kubitschek se fala nisso, assim como na reforma política”. Apesar do longo tempo, apenas na Constituição de 1988 é que o sentido de Federação foi resgatado no texto constitucional. “Houve um reforço na forma federativa do Estado brasileiro, com destaque para a importância dos municípios”. Fonte: Jornal da AJURIS – ano XV, nº 272, jan/fev/mar de 2011, p. 05.
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unitário moldado com precisão ao intento centralizador do Império. As Províncias, já
há muito tempo, se mostravam insatisfeitas diante da postura do poder central em
face dos problemas regionais. Certamente, esta situação se agravou ainda mais com
a crise fiscal do final do Século XIX.
Os Estados Unidos preferiram não seguir as formas de Estado e de governo
adotadas pela Inglaterra. O sucesso do modelo de governo inglês muito
provavelmente não seria repetido na América, diante do grande desafio de
harmonizar interesses diversos na busca de uma coalizão inicial. A opção dos EUA
na escolha de uma forma de Estado peculiar, adaptada às circunstâncias que se
apresentaram na ocasião de sua formação, certamente cooperou substancialmente
para a estabilidade política que sempre caracterizou aquele País.
“É interessante notar que os federalistas americanos almejaram um governo
central (União) forte, que substituísse a tibiez da frustrada Confederação.
Contudo, para vencerem as resistências dos Estados-membros (as antigas
Colônias), desenvolveram a engenhosa fórmula federativa, no final do
século XVIII, concedendo ou reservando substanciais parcelas de poder às
unidades federadas.” 15
O Federalismo manifesta-se pela reunião de entes dispostos em torno de um
governo central e de um objetivo comum, com a proposta de conceder-lhes parte do
poder total através do exercício de sua autonomia. Essa fórmula mostrou-se possível
através do êxito da experiência americana.
A descentralização política é uma importante ferramenta que se pretende
alcançar com a proposta federalista. Entretanto quando de sua aplicação a
Federação admite diferentes manifestações pela intensidade da autonomia e da
descentralização adotadas pelos diversos Países,16a partir do disposto em suas
Constituições.
15
NETO LOBO, Paulo Luiz. NETO LOBO, Paulo Luiz, Competência legislativa concorrente dos Estados-membros na Constituição de 1988. R. Inf. Legisl. Brasília, a. 26, n. 101, jan/mar. 1989, p. 89.
16 Neste sentido, Arretche reporta-se à teoria de Riker na tentativa de explicar o motivo que leva as
federações a serem menos ou mais centralizadas. “Quanto maior a probabilidade de que um mesmo partido controle simultaneamente o governo central e os Estados-membros e, ainda quanto maior a disciplina partidária dos partidos nacionais, mas fortes seriam as tendências à centralização. Alternativamente, o multipartidarismo, partidos disciplinados de base regional, a possibilidade de alternância efetiva no poder funcionariam como uma espécie de contrapeso às inevitáveis tendências centralizadoras derivadas do desenho institucional das modernas federações.” ARRETCHE, Marta.
13
Apesar de algumas características presentes na Federação pátria indicarem a
existência de um modelo centrípeto, tem-se que a origem do Federalismo no Brasil
objetivava a promoção da repartição do poder, e isto se deu através da destruição
do Estado, de natureza unitária, para restabelecê-lo sob outro formato, como bem
destaca Paulo Luiz Neto Lobo17:
“No Brasil, a origem do federalismo foi diversa da dos Estados Unidos.
Nestes, ela visou constituir um governo central, e tendeu sempre ao
centralismo político, teórica e praticamente. No Brasil, as províncias
desejaram se transformar em Estados-membros; o processo foi de
centralização política para a descentralização política. Tem sido essa a
marca do federalismo brasileiro, a busca por mais autonomia dos Estados-
membros, apesar das vicissitudes autoritárias por que passou.”
1.2. A Federação e sua natureza
Vale destacar que não existe somente um modelo de Estado federal. A
diversidade se reflete principalmente pelo modo de repartição das competências,
isso não significa impossibilidade de coleta de elementos comuns entre as
experiências federalistas em diversos Países.18
Várias teorias foram elaboradas na tentativa de se determinar os caracteres
do Estado federal. Neste sentido, a doutrina tem procurado estabelecer distinções
entre Federação, Unitarismo e a Confederação.
Desta forma, alguns elementos merecem destaque na busca pelas
características que compõem a Federação: a) emprego da soberania pela união e
pelos Estados-membros; b) participação dos entes federados na determinação da
vontade nacional; c) descentralização enquanto elemento comum às diversas formas
de Estado; d) possibilidade de atribuição de competências legislativas no âmbito do
Unitarismo, e) existência de ordens jurídicas diferenciadas na Federação, f)
existência de um Estado Federal soberano e de Estados federados autônomos, g)
delimitação do modelo de transferência de competências no Estado federal, h)
Federalismo e democracia no Brasil: a visão da ciência política norte-americana. São Paulo em perspectiva, 15(4) 2001, p. 24.
17 NETO LOBO, Paulo Luiz. Op. cit., p.93.
18 ARAÚJO, Luiz Alberto David. Característicos Comuns do Federalismo. Por uma Nova Federação,
Coordenador Celso Bastos. São Paulo: RT, 1995, p. 49.
14
atuação de um Tribunal criado para equacionar conflitos de competências entre os
entes federativos, etc.
Para compreensão da natureza jurídica da Federação nos estribamos no
magistério de Oswaldo Bandeira de Mello,19 Maria Helena Ferreira da Câmara20 e
Amaro Cavalcanti.21
Na primeira hipótese o Estado federal se formaria a partir da reunião de entes
independentes que celebrariam um pacto estabelecido através de tratados com o fito
de prover assistência mútua e segurança, numa união de coletividades soberanas.
Este é o ideário da chamada teoria da soberania dos Estados federados. Em
verdade, neste tópico o que se tem é a afirmação do modelo confederativo, em
detrimento da construção de uma teoria federalista. Referindo-se a Calhoun e
Seydel, Maria Helena Ferreira da Câmara22 afirma que “eles subtraem do estado
federal a ideia de soberania, equiparando-o à confederação. Para Syedel a
soberania é indivisível, logo seria insustentável a posição de Weitz, que se baseava
na sua divisibilidade.” 23 Esta doutrina foi utilizada nos Estados Unidos para justificar
as teorias separatistas que acabaram por fomentar a chamada Guerra de Secessão.
Esta teoria foi objeto de críticas severas, haja vista que as entidades que
formam a Confederação são soberanas e regidas por tratados internacionais,
portanto não se pode confundi-la com a Federação porque esta é regida por uma
Constituição.24 A própria Confederação não é em si mesma soberana, posto ser este
um atributo apenas dos Países que a compõem. Além do que a soberania nacional
no Estado federal é um atributo conferido à união e não aos entes federados. 25
19
MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira. Natureza Jurídica do Estado Federal. Nova impressão. Monografia premiada pelo Instituto dos Advogados de São Paulo. Publicação da Prefeitura do Município de São Paulo, 1948.
20 CÂMARA, Maria Helena Ferreira da. O conceito moderno de federação. R. Inf. Leg.Brasília a.18
n.71 jul/set. 1981, p.23/42.
21 CAVALCANTI, Amaro. Regimen federativo. A republica brazileira. Rio de Janeiro: Imprensa
Nacional, 1900.
22 CÂMARA, Maria Helena Ferreira da. Op. Cit., p. 30, 31.
23 Idem.
24 “Para BROTERO, porém, a noção de federação confundia-se com a de confederação. Os Estados-
membros de uma federação necessariamente haveriam de manter soberania, negando-a, pois, ao ente total resultante, sob pena de perdê-la.” ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de. Revista Brasileira de Direito Constitucional – RBDC n. 19 – jan./jun. 2012, p. 372.
25 “Os apologistas dessa teoria tinham razão em não admitir a dualidade da soberania, porém erraram
em localizá-la nos Estados-membros, em vez de julgá-la unicamente atributo do Estado federal.” MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira. Op.cit., p. 29.
15
A teoria da dupla soberania encontrou adeptos nos Estados Unidos e na
Europa (Alexis de Tocqueville, Waitz, James Madison, Alexander Hamilton e John
Jay) durante boa parte do Século XIX.26 A ideia principal consistia em atribuir o
exercício da soberania estatal também aos Estados-membros. Neste sentido a
Federação seria caracterizada por isonomia absoluta entre os entes federados, o
que por certo representaria um extraordinário fortalecimento dos entes periféricos;
com a concessão, inclusive, de capacidade jurídica internacional aos Estados-
Membros.
A dificuldade encontrada na defesa dessa teoria residiu na pretensão
impossível de se estabelecer uma divisão da soberania a fim de acomodá-la de
modo igualitário entre a união federativa e os Estados-Membros. Assim, a soberania
seria atributo não apenas da união, como também das próprias coletividades
participantes da estrutura federativa.
Aliás, a alusão a institutos do Direito Internacional no plano estadual, bem
como a referência à soberania dos Estados-membros no âmbito da Constituição de
1891 é um forte indicativo da influência desta doutrina na construção da primeira
Carta republicana brasileira.27 Com efeito, esta teoria encontra-se superada. A
soberania é atributo indivisível e exclusivo do Estado federal, ou seja, da união, não
conferido às entidades federadas.28
A teoria da soberania da união, destacada por Hermann Heller,
contrapunha-se à existência de coletividades federadas soberanas. Neste formato,
apenas a união seria soberana, e isto seria inerente à formação do Estado federal
por agregação, ocasião em que as unidades juntadas abriram mão de sua soberania
em prol da unidade. Diante disto, tem-se que na Federação não se pode atribuir aos
entes federativos a qualificação de Estados nacionais, porque na verdade são
26
GARCIA-PELAYO, Manuel. Derecho Constitucional Comparado, Madrid, Revista de Occidente, 1967, p. 220.
27 “Uns, como Calhoun e Seydel, amrmando a soberania dos Estados-federados, não fazem
distincção entre a Federação e a Confederação de Estados e, conseguintemente, consideram-na um simples pacto, feito entre Estados independentes, perpetuo, ou ldissoluvel, segundo a vontade dos mesmos -; outros, como Tocqueville, Waitz e Westerkamp, talvez para illudir a dlfficuldade da existência de Estados não-soberanos, admittem a possibilidade de partilha da soberania entre os Estados federados e a União,—- sem attender, aliás, que semelhante partilha repugna á natureza da própria soberania; e outros, finalmente, como Held, não vêem na Federação mais do que um Estado-unitario, ainda que deste se destingua pela autonomia, maior ou maia completa, dos seus respectivos membros.” CAVALCANTI, Amaro. Op.cit., p. 61.
28 CÂMARA, Maria Helena Ferreira da. Op. Cit., p.30.
16
apenas entidades autônomas vinculadas à união e submissos à soberania que
decorre da unidade federativa. 29
A teoria da escola alemã, teoria dos Estados não soberanos, foi bem aceita
na Europa, sendo que nos Estados Unidos enfrentou fortes resistências. Para esta
doutrina existiriam, no âmbito da Federação, dois Estados distintos: um primeiro com
soberania (Estado federal) e outro sem soberania (Estado federado). Deste modo,
admitir-se-ia a existência de Estados não soberanos, aptos a participarem da
vontade nacional.
Com efeito, o princípio da finalidade foi destacado como elemento
caracterizador da teoria da escola alemã, pelo qual todo Estado deve ter uma
finalidade nacional de natureza universal, o que incluiria os Estados-membros
através de sua participação na vontade nacional.30
Sustenta-se assim que as coletividades periféricas poderiam denominar-se de
Estados, apesar de serem apenas autônomas. Assim, a soberania seria atributo
exclusivo do Estado federal.31
Esta teoria foi alvo de críticas, sob o argumento de que a participação na
vontade nacional não seria suficiente para caracterizar a Federação, porque isso
também seria possível no Estado unitário. Entretanto, a discussão sobre a finalidade
contribuiu para a influência da Geografia no que tange à distribuição das
competências no âmbito das entidades federativas.
Pela teoria do Estado de fato, destacada por Léon Duguit e H. Berthélemy,
de certo modo reforça-se o entendimento apresentado pela teoria anterior, haja vista
que a Federação consistiria na existência de dois governos, um federal e outro
estadual no mesmo espaço geográfico com suas competências discriminadas pela
Lei Maior,32 sendo que qualquer alteração nas competências constitucionais
29
Ibdem, p. 31.
30 “ROSIN e BRIE representam uma variante dessa teoria. Embora apresentem os mesmos
característicos definidores do Estado federal, rejeitam a doutrina do direito próprio e enjendram em sua substituição a doutrina da finalidade. Este último autor citado aperfeiçoou a doutrina daquele.” MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira. Op. Cit., p. 38, 42.
31 Ibdem, p. 38.
32
Ibdem, p. 42, 43.
17
atinentes aos entes federados exigiria a atuação do Poder Decorrente mediante
manifestação da União e dos Estados-membros.33
Este modelo, apesar de não ter se notabilizado como o mais adotado pelos
Estados federais, seria perfeitamente factível desde que houvesse vontade política
para efetivá-lo por determinação do Poder Constituinte Originário.
A participação estadual direta na produção de emendas ajudaria a tornar o
processo constitucional mais rigoroso e poderia evitar, por exemplo, abusos
relacionados ao número excessivo de emendas produzidas no contexto da
Constituição de 1988.
A teoria da participação estadual na formação da vontade do Estado
federal - defendida por Louis Le Fur e criticamente analisada por M. Mouskheli -
apontava para uma relação indissociável entre a soberania e o Estado nacional
sendo que no modelo federativo a soberania deveria ser atribuída apenas à união.
Desta forma, os Estados-Membros não seriam soberanos.
A contribuição participativa das unidades federadas, de acordo com esta
teoria, seria uma condição essencial ao Federalismo, devendo manifestar-se através
do Poder Legislativo federal, bem como pela possibilidade de participação no
processo de reforma constitucional.
É preciso lembrar que o Estado unitário poderá manifestar-se de modo
desconcentrado, admitindo-se inclusive a hipótese de participação das unidades
administrativas na vontade nacional. Entretanto, na essência do Estado unitário tem-
se que a autonomia legislativa não se faz presente.34
Aliás, essa teoria apenas poderia ser efetivamente aplicada ao modelo
federalista, na concepção de M. Mouskheli, mediante inclusão da autonomia
legislativa, extensiva aos entes estaduais. Le Fur reconhecia que sem o diferencial
da autonomia legislativa, os elementos teóricos por ele defendidos, poderiam
caracterizar tanto o modelo federativo quanto o Estado unitário, em reconhecimento
ao acerto da proposição teórica de Mouskheli.35
33
Bandeira de Mello chama destaca que no constitucionalismo pátrio as Constituições não condicionaram o processo de reforma constitucional à autorização dos entes estaduais. MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira de. Op. Cit., pp. 42, 43.
34 PRELOT, Marcel. Institutions Politiques et Droit Constitutionnel, Paris, Dalloz, 1957, p. 231.
35 MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira de. Op. Cit., p. 35.
18
Luiz Felipe D’Ávila36 destaca que a Federação não apresenta como
característica apenas a dualidade, esta marcada pela existência de um ente central
e de entes periféricos. Entretanto, a repartição do poder constitucional deverá
pautar-se nesse dualismo37 porque a pouca participação das coletividades na
vontade nacional amoldar-se-ia melhor ao Unitarismo.
De acordo com a teoria da escola austríaca ou teoria das três ordens
jurídicas (ente central, entes periféricos e ente total) o Estado Federal reger-se-ia
pelas normas do Direito Internacional enquanto que os Estados-Membros seriam
regidos pela norma doméstica.
No plano interno a Constituição Federal seria a fusão entre a Constituição da
União e a Constituição Total. Na elaboração desta teoria Kelsen se estribou em
Meyer, Gierke e Haenel para explicar as relações entre os governos estaduais e a
União.38
Assim, a Constituição da União não poderia se confundir com a Constituição
Total, porque esta representaria os interesses da Federação soberana, enquanto
que aquela cuidaria de disciplinar as atribuições de um ente autônomo, a saber, a
União. “Em suma, Kelsen entendia o Estado federal como bloco dividido em três
ordens jurídicas: 1) a total – Gesamtrechtsordnung; 2) a do Estado central; 3) e a
dos Estados componentes.” 39
Esta teoria foi criticada por Oswaldo Bandeira de Mello40 em virtude da pouca
ênfase conferida à autonomia, e pela confusão que se fez entre ela e a
descentralização. Sobre a crítica de Pontes de Miranda a esta teoria, Maria Helena
Câmara41 destaca que “é válida, pois a ordem principal é a da Constituição, que é a
que distribui e delimita as competências. Mas, a ordem da Constituição não é total,
pois se estabelece e se situa em face do direito das gentes.”
A nosso sentir, esta teoria toca num ponto crucial para a compreensão de
desníveis na relação entre a União e os demais entes federados, posto que o ente
36
D’ÁVILA, Luiz Felipe A Federação Brasileira. Por Uma Nova Federação, Coord.: Celso Bastos. São Paulo: RT, 1995, p. 56.
37 Idem.
38 CÂMARA, Maria Helena Ferreira da. Op. Cit., p.33.
39 Idem.
40 MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira. Op.Cit., p. 50.
41 CÂMARA, Maria Helena Ferreira da. Op.cit., p. 33.
19
central apresenta-se com sua Constituição inserta na própria Lei Maior, privilégio
não atribuído aos Estados-membros.
A teoria das competências exclusivas,42 escola anglo-americana, defendida
por um número expressivo de juristas americanos e ingleses dentre os quais se
destacam: Durand, Bryce, Haines, Garner, Dicey e Willoughby. Esta doutrina
chamou atenção para o fato de a descentralização se manifestar, no âmbito de uma
Constituição Federal rígida, pela delimitação de competências entre os entes
federados. Esta teoria destacou ainda a atuação do Poder Judiciário enquanto
Tribunal da Federação para resguardar o adequado exercício das competências
legislativas e administrativas.
É preciso salientar que as Constituições dos Estados unitários, desde que
sejam rígidas, também se deixam controlar pelo Judiciário. Deste modo, esta não
seria uma manifestação exclusiva do regime federativo, mas compõe o conjunto de
características - destacadas por outras teorias – que formam a essência federativa.
A complexidade das experiências federalistas, praticadas em muitos Países a
partir das peculiaridades de cada Nação, desfavorece a existência de uma teoria
única capaz de compor um conceito definitivo de Federalismo.
Entretanto, do conjunto das teorias retro citadas, é possível destacar algumas
características que isoladamente poderão compor tanto o Unitarismo quanto o
Federalismo, mas quando reunidas tais elementos permitem uma melhor
compreensão do fenômeno Federativo.
As principais características da forma federativa de Estado são as seguintes:
Existência de uma estrutura multifacetada, surgida por aglutinação ou
desagregação, composta por um ente autônomo coordenador ao centro e partes
autônomas em sua órbita; soberania e indissolubilidade da união; autonomia
(política, legislativa e administrativa) dos entes federados; existência de uma
Constituição Federal rígida que geralmente reúne a Constituição do ente central e a
Constituição da Federação; Estados-membros com sua própria Constituição feita a
partir de princípios impostos pela Lei Mãe; delimitação do campo de atuação dos
entes federados a partir de seus interesses manifestos em competências legislativas
e materiais no âmbito da Lei Maior; descentralização política e desconcentração
administrativa, existência de um órgão do Poder Judiciário para dirimir conflitos de
42
Ibdem, p. 39,50.
20
competências entre os entes federativos; representação da vontade dos Estados-
membros pelo Senado; participação estadual na proposição e/ou ratificação de
emendas constitucionais, repartição constitucional de rendas e intervenção federal.
1.3. O pacto federal
Para além da discussão sobre a natureza jurídica da Federação também nos
interessa a abordagem sobre a deflagração do modelo federativo no âmbito do
Estado nacional.43 Noutras palavras, urge que se estabeleça uma análise sobre a
existência de um pacto enquanto ponto inaugural da Federação pátria.
Faz-se necessário identificar o momento da conflagração do pacto federativo
brasileiro.
Cabe investigar essa hipótese por ocasião da Proclamação da República e
posteriormente durante os trabalhos da Assembleia Constituinte pela qual surgiu a
primeira Constituição republicana,44 para então se determinar em que medida houve
de fato um pacto federativo nos moldes daquele estabelecido na construção da
matriz federalista norte-americana.
Bom, sem que seja necessário muito esforço, é possível constatar que o
surgimento do Estado brasileiro não foi resultado de um pacto nos moldes daquele
que se produziu nos Estados Unidos da América, onde a necessidade de unir entes
confederados, libertos do julgo do Império Britânico, fez nascer um acordo pelo qual
43
“Historicamente verifica-se, que a Federação pôde ter origem de dous modos differentes: — ella pôde effèctuar-se, sem que preceda tratado algum entre os Estados particulares nesse intuito ; — ou pôde originar-se de tratados ou convenções concluídas por Estados soberanos, preexistentes â Federação. Dà-se o primeiro modo de formação do Estado-federal: a) quando, ou pelo acto pacifico de uma revisão constitucional, ou por effeito de uma revolução, as províncias de um Estado unitário passam a constituir outros tantos Estados federados, do que temos exemplo nos Estados- Unidos do México, e nos Estados-Unidos do Brasil-, b) quando, em consequência de um movimento nacional, pacifico ou revolucionário, os Estados soberanos existentes são levados a transformarem-se em um Estado-federal, sem haver tratado dos mesmos a este respeito. E' o que succedeu na Suissa, —onde a transformação de 1848 effectuou-se, sem contrariar a vontade dos cantões, — o movimento se tendo operado de uma maneira pacifica, — os poderes públicos dos antigos Estados subsistiam de facto e de direito, e o seu assentimento á nova oxdem de cousas fora necessário, — mas, Exclusivamente delles (en dehors d'eux), pela vontade da nação inteira, sem que os mesmos cantões tivessem cooperado para isso, a não ser pela acceitação da nova constituição; e ainda, semelhante acceitação fora, apenas, tacita por parte decerto numero delles, os quaes, ao principio, se tinham opposto á revisão — O segundo modo de formação do Estaão-feãerãl é igualmente comprovado por factos históricos conhecidos, e referentes és actuaes federações, dos Estados- Unidos da Norte-America, da Republica-Argentina, e da Confederação da Allemanha do Norte (1866), depois, convertida no actual Império Allemão.” CAVALCANTI, Amaro. Op. Cit., p. 65/66.
44 “Historicamente verifica-se, que a Federação pôde ter origem de dous modos differentes: — ella
pôde effèctuar-se, sem que preceda tratado algum entre os Estados particulares nesse intuito ; — ou pôde originar-se de tratados ou convenções concluídas por Estados soberanos, preexistentes â Federação.” HAURIOU, André. Op. Cit., p 143.
21
as unidades abririam mão de sua independência em favor de uma associação para
formação de um só Estado nacional de natureza federativa.
No caso brasileiro não foi isso o que aconteceu, pois a independência não
trouxe consigo a forma federativa, apesar dessa hipótese ter sido aventada no
período que antecedeu à feitura da Constituição de 1824, ideia que não prosperou.45
Miriam Dolhnikoff46 discorre sobre os embates políticos travados em torno dos
interesses provinciais:
“A diversidade entre as províncias exigia demandas distintas, e a monarquia
federativa seria capaz de acomodá-las, ao mesmo tempo que serviria aos
interesses comuns, como a preservação da ordem excludente. Mesmo que
isso significasse a impossibilidade de atender a todas as demandas de cada
uma das elites provinciais. Como não desejavam uma reforma profunda na
sociedade, e como consideravam prioritária a autonomia e a participação
política, concentraram-se na defesa da federação.”
André Ramos Tavares47 faz alusão à discussão política havida em torno da
possibilidade de adoção de uma Monarquia federativa48 no Brasil:
“A proposta federativa chegou a ser discutida na efêmera existência da
assembleia constituinte, dissolvida pelo Imperador em 1823. A
Confederação do Equador de 1824 e a revolução Farroupilha (1835)
apresentavam a nota do Federalismo.”
No Rio Grande do Sul e em Pernambuco movimentos ideológicos (Revolução
Farroupilha e a Confederação do Equador) defendiam a adoção do modelo
federalista ainda que de forma heterogênea, diante da resistência unitarista no seio
45
TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. – 9ª. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2011, p. 1110.
46 DOLHNIKOF, Miriam O pacto imperial. Origens do federalismo no Brasil do século XIX. São Paulo,
Globo, 2005, p.41.
47 TAVARES, André Ramos. Op.cit., p. 1110.
48 “O regime federativo era uma aspiração antiga, o debate em torno do tema antecede até mesmo a
ocorrência dos fatores que levaram ao “7 de abril de 1831”, quando o Imperador D. Pedro I foi forçado a abdicar da Coroa. Com efeito, instituída a Regência, houve as primeiras tentativas de se criar uma espécie de monarquia federativa, por meio de medidas descentralizantes (...).”GOMES, Lucivanda Serpa, MONTEIRO, Patrícia Moura. Federalismo republicano e tributação: A contribuição de Amaro Cavalcanti para o pensamento constitucional brasileiro. In: Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Federal de Uberlândia. (Org.). Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Direito. 21ª ed.Florianópolis: Fundação Boiteaux, 2012, v. 1, p. 11442-11461.
22
das referidas Províncias. Portanto, inexistia naquele momento uma coesão
ideológica em torno da proposta federativa.49
Naquela ocasião, o Federalismo apresentava-se como um mecanismo
plausível, a ponto de se cogitar adaptá-lo à Monarquia. Entretanto, o regime
monárquico não nutria qualquer simpatia pela teoria federalista, pelo fato de estar
ela - no discurso dos liberais - atrelada à forma de Estado republicana, em alusão ao
modelo norte-americano que lhes servia de paradigma.50
Nos Estados Unidos o acordo que criou a Federação resultou - após uma
breve experiência confederativa - de consenso das treze colônias, maturado na fase
de reconhecimento de sua independência, logo após a Guerra travada com a
Inglaterra, para então em 1787 constar da Convenção de Filadélfia e materializar-se
no texto da Constituição Federal.51
Enquanto os Estados Unidos se originaram de um acordo entre entes
independentes e soberanos, no Brasil as Capitanias formavam uma só estrutura
colonial sob o domínio do Império de Portugal.
A preexistência de um Estado unitário é um fator que nos distancia da matriz
federativa criada pelos EUA, como esclarece Severini: 52
“Nesse sentido, a conversão, desde o Decreto nº 1, do governo provisório –
do Estado unitário sob égide imperial – em uma sequência federativa,
revela-se grande medida para a construção do federalismo brasileiro, ao
apontar para a criação de poderes locais autônomos, que passariam a
conviver como o governo central preexistente, distanciando-se, assim, do
modelo norte-americano que decorreu de pacto de unificação de entes
soberanos confederados.”
49
DOLHNIKOF, Miriam. Op. Cit., p. 45, 46.
50 “Insta observar que, o projeto federalista no Brasil, em grande medida, quase sempre esteve de
mãos dadas com os ideais republicanos, como uma contraposição ideológica ao velho regime. Após o arrefecimento das revoltas nas províncias6, algumas de cunho separatista, houve no Rio de Janeiro a primeira contestação pública ao regime monárquico com a publicação do Manifesto Republicano de 18707, no qual seus adeptos exigiam a implantação da Federação inspirada no modelo norte-americano. A centralização passou a ser vista como um obstáculo para o desenvolvimento do País.” GOMES, Lucivanda Serpa, MONTEIRO, Patrícia Moura. Op.cit., p. 11447.
51 “Na verdade, o processo de formação centrípeta do Estado federal norte-americano começou em
1775 – ocasião da revolta dos colonos contra as políticas financeiras do Reino Unido, sob o comando de Jorge III – e terminou em 1787 com a Convenção de Filadélfia, cujo desfecho foi a promulgação da Constituição dos Estados Unidos da América do Norte.” GÓES, Guilherme Sandoval. O pacto federativo brasileiro: gênese, óbices e núcleo essencial, 2008. http://www.direitopositivo.com.br/modules.php?name=Artigos&file=display&jid=161
52 SEVERINI, Tiago. O pacto federativo brasileiro e os limites à reforma fiscal. Revista SJRJ, Rio de
Janeiro, v.18, n.31, ago/2011, p.197.
23
Assim como se deu com as Capitanias Hereditárias em 1822, as Províncias
em 1889 não se uniram para selar seu destino político, consequentemente não
produziram nenhum pacto com vistas à criação da Federação. Deste modo, é que a
“união perpétua e indissolúvel das antigas Províncias”, como disposto no artigo 1º da
Carta de1891, se estabeleceu pela vontade daqueles que derrubaram a Monarquia e
não pela vontade de entidades estatais independentes.
Sobre o assunto é preciso atentar às lições do historiador Boris Fausto: 53
“A proclamação da Repúbica correspondeu ao encontro de duas forças
diversas – exército e fazendeiros de café – movidas por razões diferentes. O
exército tinha motivos de ordem corporativa e ideológica para se opor à
monarquia. A guerra do Paraguai favoreceu a identificação dos militares
como grupo, e eles começaram a criticar a posição secundária que o
Império conferia à instituição. Pouco a pouco, foram afirmando o direito de
expressar abertamente suas críticas e de se organizar politicamente. A
chamada ‘Questão Militar’ girou sobre esses temas. Ao mesmo tempo, um
grupo minoritário mas extremamente ativo, liderado por Benjamin Constant,
combinava tais críticas com uma implantação de um regime republicano e
modernizador. Como se sabe, os fazendeiros paulistas, através do Partido
Republicano Paulista, moviam-se por razões claramente econômicas. A
República, sob forma federativa, significava o fim da centralização imperial,
a autonomia dos estados e a possibilidade de impor ao país um sistema que
favorecesse o núcleo agrário-exportador em expansão. Contando com o
apoio deste núcleo, o exército desfechou o golpe de 15 de novembro e
assumiu o controle do governo. Na luta que se seguiu, entre o grupo militar
e a classe social, esta acabou por triunfar.”
Com efeito, a República - assim como ocorreu com a Monarquia brasileira –
também surgiu de um movimento revolucionário patrocinado por uma conjunção de
forças capitaneadas pelo Exército e pela elite cafeicultora.
Assim sendo, a Federação não foi fruto do consenso provinciano, tendo
surgido na esteira de um golpe de estado, sem ostentar apoio popular maciço. “O
advento da república estabeleceu porém um monismo formalista na teorização do
53
FAUSTO, Boris. Pequenos ensaios de história da república (1889-1945). In: FENELON, Dea Ribeiro. 50 textos de história do Brasil. São Paulo: Hucitec, 1983, p.117, 118.
24
sistema ou do regime: já não entrava na Constituição uma vontade privilegiada
desvinculada do consenso, ainda que este fosse o consenso das elites. (...)” 54
Em verdade, a forma de governo não decorreu da expressão da vontade do
povo brasileiro, tampouco a forma de Estado se originou de um consenso entre a
maioria das Províncias.
As Capitanias se transformaram em Províncias em consequência da
Independência nacional, processo revolucionário liderado por Dom Pedro I. Urgia
derrubar a Monarquia para instituição doutra forma de governo, a questão central
era mesmo esta. Portanto, a preocupação referente à forma de Estado, a ser
adotada no período republicano, era uma questão lateral e de menor importância.55
Há quem defenda ter havido um consenso federativo - ainda durante o regime
monárquico, manifesto pela descentralização de competências em favor das
Províncias - ocorrido com a edição do Ato Adicional em 1834. Esta é a opinião de
Riker56 para quem no Brasil o Federalismo nasceu justamente nessa ocasião.
Tal hipótese57 não se sustenta porque na Constituição Imperial o Brasil
adotou o Unitarismo como forma de Estado. Aliás, o Senado rechaçou a pretensão
referente à adição da expressão “monarquia federalista” no texto da Constituição de
1824, através da emenda constitucional de 1834.
Além do mais, a vitaliciedade atribuída ao Senado minava a noção federativa
de representação que ali se intentava imprimir, posto que a inexistência de processo
eleitoral mostrou-se desfavorável à pressão provincial exercida sobre os senadores
para que atuassem de acordo com os interesses regionais. 58
Entretanto, é preciso reconhecer que o Ato Adicional permitiu alguma
autonomia legislativa às Províncias através da criação de um Legislativo próprio
54
BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História constitucional do Brasil. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Ed. Paz e Terra, 1991, pp. 8/9.
55 De acordo com Casimiro Neto no dia 20 de novembro de 1889 é expedido pelo Chefe do Governo
Provisório, Marechal Manoel Deodoro da Fonseca (AL), o Decreto nº 7, que “dissolve e extingue as assembléas provinciaes e fixa provisoriamente as attribuições dos governadores de Estados”. SILVA NETO, Casimiro Pedro da. A construção da democracia : síntese histórica dos grandes momentos da Câmara dos Deputados, das assembléias nacionais constituintes e do Congresso Nacional .../ Casimiro Neto. — Brasília : Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 2003. 751 p. – (Série temas de interesse do Legislativo ; n. 5). p. 285.
56 RIKER, William, apud ARRETCHE, Marta. Federalismo e democracia no Brasil: a visão da ciência
política norte-americana. São Paulo em perspectiva, 15(4) 2001, p.23.
57 ARRETCHE, Marta. Ibdem, p. 25.
58 DOLHNIKOFF, Miriam. Op. Cit., p. 97.
25
(Assembleias Provinciais). Todavia, este elemento isoladamente considerado é
insuficiente para fundamentar a tese de existência de uma Federação imperial no
Brasil. A manifestação de resquícios de desconcentração do poder imperial, não foi
suficiente para sustentar essa hipótese, visto existirem Estados unitários que
concedem alguma autonomia as suas entidades administrativas.
Desta maneira, a centralização política continuou nas mãos da Monarquia, e é
certo que não havia eco no Senado para que as Províncias participassem da
vontade nacional. A relativa autonomia provincial foi logo sufocada pela edição da
Lei de Interpretação ao ato adicional, fazendo com que o Império restabelecesse
com mão forte à centralização decisória.
Aliás, é preciso esclarecer que mesmo após a Proclamação da República - já
no período de construção da Constituição de 1891 - houve forte embate ideológico
acerca da forma de Estado que deveria se somar à nova forma de governo
republicana no plano constitucional.
O Governo Provisório nutria simpatia pelo Unitarismo, forma de Estado ideal
ao exercício do controle político. Os cafeicultores, por sua vez, preferiam a forma
federativa, em virtude da autonomia - favorável ao fortalecimento de oligarquias -
concedida aos entes estaduais.
“A elaboração da Constituição também gerou divergências entre os
republicanos: O marechal Deodoro, os positivistas e parte do exército
pretendiam um regime centralizado, enquanto as oligarquias estaduais,
formadas por proprietários de terras, preferiam um regime federalista, que
lhes asseguraria maior participação no poder.” 59
Sob o olhar de Manuel Deodoro da Fonseca, a Constituição de 1891 foi
elaborada por uma Assembleia Nacional Constituinte eleita em 1890 e encarregada
pela primeira vez de traçar os termos do Federalismo pátrio.
“Proclamada a República, a legitimação do novo regime far-se-ia através de
uma Assembléia Constituinte, a ser eleita pelo sufrágio universal, expressão
da soberania popular. É eliminada a barreira do voto censitário,
considerando-se eleitores todos os cidadãos brasileiros maiores de 21 anos
que soubessem ler e escrever (Dec. 200-A, de 8.02.1890). No eleitorado da
capital, isso representou um crescimento considerável em relação ao último
período do Império. De 6.665 eleitores em 1881, o Rio passou a contar em
59
COSTA, Luís César Amad. História do Brasil. São Paulo:Scipione, 1999, p.244.
26
1890 com 28.585 eleitores alistados. É preciso, porém, não superestimar
esse crescimento: de saída, a exclusão das mulheres e dos analfabetos
reduzia o eleitorado potencial da cidade a cerca de 100 mil pessoas,
aproximadamente 20% da população fixa total (515.559 habitantes). Os
eleitores efetivamente alistados, portanto, representavam apenas 28% dos
aptos a votar, e cerca de 5,5% da população (contra cerca de 2% em
1881).” 60
É incontestável que a Carta Magna de 1891 foi promulgada, tendo sido
legitimada por constituintes eleitos pelo voto popular.61 Assim, do ponto de vista
constitucional o pacto federal inaugural foi construído pelo Poder Originário,62 a partir
da noção de que precisaria legitimar-se por uma Constituição.63 Ora, se a
Assembleia Nacional Constituinte criou a Constituição e o Estado republicano de
cunho democrático, certamente também teve legitimidade para estabelecer os
termos do pacto federativo. 64
Assim, está claro que durante o Governo Provisório, surgido por um comando
militar revolucionário (1889/1891), a Federação (forma de Estado nascida pelo
60
VENEU, Marcos Guedes. Enferrujando o sonho: partidos e eleições no Rio de Janeiro, 1889-1895. Revista de Ciências Sociais. Rio de Janeiro, Vol. 30, n. 1, 1987, p. 45-72.
61 “23 de junho de 1890. É expedido pelo Chefe do Governo Provisório, Marechal Manoel Deodoro da
Fonseca (AL), o Decreto nº 511, que “manda observar o regulamento para a eleição do primeiro Congresso Nacional”. No artigo 5º observa que: “A nomeação dos deputados e senadores será feita por Estados e por eleição directa, na qual votarão todos os cidadãos qualificados eleitores de conformidade com os decretos ns. 200-A de 8 de fevereiro, 277-D e 277-E de 22 de março de 1890”. Define o quantitativo de 205 deputados e 63 senadores e diz ainda no artigo 67: “Aos cidadãos eleitos, para o primeiro Congresso entendem-se conferidos poderes especiaes para exprimir a vontade nacional ácerca da Constituição publicada pelo decreto n. 510 de 22 de junho corrente, bem como para eleger o primeiro Presidente e Vice-Presidente da Republica”. NETO, Casimiro. Op. Cit.. p. 288.
62 “Quando, porém, os Estados soberanos, que se ligam, querem dar-se uma cohesâo e
homogeneidade, renunciando em favor do poder federal a maior ou melhor parte das suas prerogativas, a união, ora instituída, é uma federação ou Estado-federal. Este presuppõe, não, um simples pacto, mas uma constituição federal, com um governo, dotado de todos os poderes, legislativo, executivo e judiciário, cuja acção estende-se, em maior ou menor escala, sobre Os próprios negócios e interesses de cada um dos Estados federados.” CAVALCANTI, Amaro. Op. Cit., p. 14.
63 HAURIOU, André. Droit constitutionnel et institutions politiques. Paris: Montchrétien, 1966, p 143.
64 “Nesse mesmo dia é expedido o Decreto nº 78-A, que no seu artigo primeiro tratou do seguinte: “É
banido do territorio brazileiro o Sr. D. Pedro de Alcantara, e com elle sua familia”. É expedido, também, o Decreto nº 78-B, que “trata da convocação do Congresso Nacional Constituinte”. Os seus artigos trazem o seguinte: “Art. 1º No dia 15 de setembro de 1890 se celebrará em toda a Republica á eleição geral para a Assembléa Constituinte, a qual compor-se-há de uma só camara, cujos membros serão eleitos por escrutinio de lista em cada um dos Estados. Art. 2º A Assembléa Constituinte reunir-se-há dous mezes depois na Capital da Republica”. A esse respeito ver também o Decreto nº 510, de 22 de junho de 1890.” NETO, Casimiro. Op. Cit., p. 287.
27
Decreto nº 01 de 1889) 65 não gozava de lastro constitucional, tampouco resultou da
vontade da maioria das Províncias. Ali importava muito mais proclamar a República
do que propriamente instituir a Federação. 66
"(...) errôneo supor que a Federação no Brasil foi produzida unicamente
pelo Decreto nº 1, do Governo provisório de 1889. Se o presidencialismo
colhe de surpresa o País, desconhecido que era a todas as tradições de
embate doutrinário em que nos havíamos empenhado durante a fase
anterior à República, tal não se deu, porém, com a Federação. Esta, ou
já se desejava, no sentir de monarquistas abalizados, da índole liberal de
Nabuco e Rui, ou já aguardava, por solução lógica e idônea aos
antagonismos e crises que desde muito dilaceravam o corpo político da
Monarquia. O Decreto 1 foi apenas o coroamento vitorioso de velhas
aspirações autonomistas que, não se podendo fazer nos quadros
institucionais do Império por um ato reformista, se fizeram via improvisa
da ação revolucionária de 15 de novembro de 1889, resultando, assim,
na implantação dos sistema republicano".67
Em 1890 o Governo Provisório institui o Decreto nº 510 através do qual
publicou em 22/06/1890 a “Constituição dos Estados Unidos do Brazil” que durou até
o advento da Constituição de 1891. O referido Decreto, portanto, disciplinou as
relações jurídicas no vácuo compreendido entre as Cartas de 1824 e 1891.
A respeito da natureza jurídica do Decreto nº 510 importa esclarecer que sua
criação não adveio do Poder Constituinte Originário,68 e sim de uma manifestação
das forças revolucionárias que tomaram o poder. Por esta razão, não poderia ser o
65
Cf. Decreto nº 1, de 15 de Novembro de 1889.
66 “O pacto federativo pode ser entendido como as regras de coexistência entre poderes da base
nacional e poderes da base regional. No nosso caso pioneiro, foi pouco mais do que um acerto entre setores mais tradicionais do Norte e do Nordeste e Governadores representantes de setores mais dinâmicos do Sul e do Sudeste, interessados no uso prático que poderia ser dado ao poder central, especialmente na viabilização do comércio exterior. A descentralização de ações – característica essencial de um sistema federativo – acabou confundida com uma autorização para o uso indiscriminado do Estado, em nível local, pelas elites pactuantes. A partir daí, nota-se um caráter francamente pendular nas várias reorganizações pelas quais passou o Estado brasileiro. Pobre federalismo... Acabou, na virada da década de 1920 para a de 1930, seguindo o mesmo caminho da monarquia. Incapaz de dar conta da nova dinâmica social, estabelecida pelo avanço da indústria e da urbanização, foi acusado, a partir do movimento tenentista, de ser responsável pelo “atraso”, pela estagnação política e econômica”.
Pronunciamento do Senador Pedro Simon realizado em 20/12/2004 da tribuna do Senado Federal e disposto no ‘Portal de Atividade Legislativa do Senado Federal’, disponível para consulta em: (www.senado.gov.br/atividade/Pronunciamento/detTexto.asp?t=351081).
67 BONAVIDES, Paulo. A Constituição Aberta. 2ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1996, p. 390.
68 HAURIOU, André. Op. cit., p 143.
28
referido Decreto considerado uma Constituição, como pretendia o Governo
Provisório. 69
1.4. O pacto federativo brasileiro
O Federalismo não interessava ao Império, por estar associado à
descentralização política e à ideologia republicana. A Monarquia - como estratégia
para se sustentar no poder, diante de manifestações favoráveis à República –
passou a fazer concessões às Províncias, dando-lhes alguma autonomia através do
Ato Adicional de 1834.
Com a queda da Monarquia brasileira, implantou-se a República e a
Federação pelo Decreto nº 1/1889 exarado pelo Governo Provisório, não respaldado
pelo voto popular, portanto sem qualquer representatividade para realização de um
acordo federativo. É fato que a Federação ali criada se estabeleceu num interstício
entre a Constituição (1824) que acabara de cair e outra Constituição (1891) que
estava prestes a nascer. Portanto, como já destacado tem-se que a Federação de
1889 não foi constituída legitimamente, mas sim decretada.70
Convém ainda lembrar que do ponto de vista político-jurídico o Estado é fruto
da própria Constituição.71 ”É que a cada manifestação do Poder Originário inaugura-
se um novo Estado”.72 Portanto, é possível asseverar que os termos do Estado
emanam da Constituição, ponto inaugural do Ordenamento Jurídico.73
“Qualquer que seja, porém, o processo histórico pelo qual se originou um
Estado federal, os seus poderes emanam de uma constituição que,
69
“Quando, porém, os Estados soberanos, que se ligam, querem dar-se uma cohesâo e homogeneidade, renunciando em favor do poder federal a maior ou melhor parte das suas prerogativas, a união, ora instituída, é uma federação ou Estado-federal. Este presuppõe, não, um simples pacto, mas uma constituição federal, com um governo, dotado de todos os poderes, legislativo, executivo e judiciário, cuja acção estende-se, em maior ou menor escala, sobre Os próprios negócios e interesses de cada um dos Estados federados.” CAVALCANTI, Amaro. Op. Cit., p.14.
70 ROSA, Alicides. Manual de direito constitucional, p.30. apud TAVARES, André Ramos. Curso de
direito constitucional / André Ramos Tavares. – 9. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2011, p.71.
71 “A partir dessa advertência é possível falar que o Estado Brasileiro, oriundo da manifestação
constituinte originária de 5 de outubro de 1988, instituiu uma nova ordem jurídica, diversa das anteriores. O novel ordenamento não é o de 1969, nem o de 1946, nem o de 1937, 1934, 1891 ou de 1824. Do ponto de vista histórico e geográfico, pode ser o mesmo; porém da ótica exclusivamente jurídico-formal, não. A cada manifestação constituinte, emissora de atos constitucionais, inaugura-se um novo Estado.” Raymond Carré de malberg. Teoria general Del Estado, p.76, apud BULOS, Uadi Lammêgo. Op. Cit., p. 101
72 Ibdem, p. 384.
73 MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira. Op. Cit., p. 74
29
promulgada em nome do Estado federal, constitui a lei fundamental da nova
organização política. A distribuição das competências em tal forma de
Estado é sempre feita na própria Carta federal.” 74
Ora, se a Proclamação da República de fato encerrou o período monárquico,
também destruiu seu maior pilar que foi a Constituição de 1824. Os Estados-
membros surgiram no Governo Provisório, por força do Decreto nº 1 de 1889.
Diante disto, no período que vai de 1889 a 1891, sequer poderíamos cogitar a
existência de um Estado, sob o ponto de vista constitucional. Noutros termos, a
República e a Federação adotadas provisoriamente em 1889, apenas foram
constitucionalizadas a partir da Carta de 1891.
Com efeito, entre nós, a Federação em 1889 surgiu pela imposição e não pelo
consenso. Nestes termos, realmente não faz sentido no Brasil falar-se em acordo
federativo em conformidade com o modelo norte-americano.
A decisão de criar a Federação e a Constituição 1891 coube aos
revolucionários e não aos Estados-Membros. O modelo federativo definitivo
pretendido pelo Governo Provisório - diante de impossibilidade de manutenção do
Estado unitário - seria centralizador com predomínio do Executivo sobre os demais
poderes e deveria exercer controle sobre a autonomia estadual. Esta tendência não
prevaleceu durante os trabalhos da Constituinte, em virtude de forte pressão feita
por forças regionais.
Entre a Federação decretada na fase de transição e aquela oriunda do Estado
Democrático de Direito iniciado na 1ª República, preferimos destacar esta última
como ponto de análise para compreensão da gênese do pacto federativo brasileiro,
e fazemos isso com estribo nos ensinamentos de Hauriou75 para quem o pacto
federativo deve ter necessariamente lastro constitucional.76
Em verdade, a Federação decretada pelo Governo Provisório, e o Estado
federal, oriundo da Constituição de 1981, não surgiram pela deliberação de
Províncias ou Estados.
74
Idem.
75 HAURIOU, André. Op. Cit., p 143.
76 ARAÚJO, Luiz Alberto David. Característicos Comuns do Federalismo. Por uma Nova Federação,
Coordenador Celso Bastos. São Paulo: RT, 1995, p.45.
30
Entendemos que o vínculo que legitimamente fez nascer a Federação
brasileira se originou da Assembleia Nacional Constituinte, eleita pelo voto popular,
criadora de uma Constituição democrática. Entretanto, mesmo pontuando este
momento histórico, não é possível identificar nele uma manifestação pactual direta
entre os Estados.
Os Estados-membros, surgidos a partir do Decreto nº 1 de 1889, estavam sob
o domínio de um regime antidemocrático, ao qual se atribuía a tomada de decisões
políticas, sem qualquer compromisso com a oitiva dos interesses regionais.
Destarte, o Brasil não gestou sua Federação a partir da concepção de pacto
federativo - considerado enquanto um acordo entre órgãos ou entes, com vistas a
superar um regime político em curso a fim de instaurar uma nova ordem política -
como aconteceu nos Estados Unidos.
A nossa Federação nasceu a partir da diluição de um conjunto de forças
(Monarquia, Parlamentarismo, Unitarismo) presentes na Constituição de 1824. Neste
contexto, as Províncias se transformaram em Estados-membros, não por vontade
própria, mas em virtude de injunções políticas manifestas pela atuação do Poder
Originário.77
Cármen Lúcia Antunes Rocha78 reconhece que a Federação norte-americana
serviu de parâmetro ao Federalismo adotado no Brasil. Todavia, se opõe à ideia de
77
Nesta etapa da História brasileira foi marcante a influência das forças militares e da elite econômica paulista com vistas à construção de um pacto que fizesse nascer a Federação no Brasil.
78 Em palestra proferida pela Ministra do STF Cármem Rocha em 14/03/2011 na Escola Superior da
Magistratura do Rio Grande do Sul, colhe-se o seguinte: “Brasil precisa aprofundar debate sobre Pacto Federativo: A discussão sobre que tipo de Federação o Brasil quer ser é urgente e necessária. Um movimento para aprofundar este debate deve partir do Rio Grande do Sul e ganhar o País. As afirmações são da ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, do Supremo Tribunal Federal (STF). “Nenhum lugar será melhor para que tenhamos êxito nessa jornada”, ressaltou. A convite da AJURIS, a magistrada esteve em Porto Alegre e falou sobre Democracia e Pacto Federativo no auditório da Escola Superior da Magistratura (ESM), nesta segunda-feira (14/03). O presidente da Associação, João Ricardo dos Santos Costa, lembrou a participação da ministra em campanhas pelos direitos sociais no Estado. Salientou que o assunto da palestra também será tema do IX Congresso Estadual de Magistrados, que ocorrerá no mês de setembro, em Gramado. Cármen Lúcia abriu a explanação destacando o histórico de contribuições que o Rio Grande do Sul tem prestado ao Direito, fazendo o País avançar positivamente. Também comentou que as lutas pelos valores federativos no Brasil tiveram início em território gaúcho. “Mesmo assim, a sociedade brasileira discutiu muito pouco sobre Federação. Há apenas um discurso vazio e retórico sobre República, mas não se fala em Federação.” Na visão dela, a centralização do poder está no centro dos embates políticos há um longo tempo. “Aqui no Rio Grande do Sul, desde o fim do Império e o início da República”. A ministra explicou que o modelo federativo brasileiro foi criado a partir de uma cópia da Constituição dos Estados Unidos. “No entanto, por lá, a soberania dos estados veio antes. Aqui, tentaram fazer a mesma coisa, até mesmo colocando o nome de Estados Unidos do Brasil. Mas o modelo que existia era bem diferente.” “Isso colocou o País numa camisa-de-força”, argumenta a magistrada. “Nunca paramos para discutir que tipo de Federação queremos ser. Éramos um Estado unitário e não houve nenhum pacto
31
que a Federação brasileira tenha se originado a partir de um pacto federativo
celebrado entre entidades soberanas, como ocorreu nos Estados Unidos.
Para Ferreira Filho79 o termo pacto federativo talvez não fosse o mais
apropriado para designar o início da experiência federativa no Brasil, em virtude de
não ter surgido a partir de consenso e sim no contexto revolucionário que se
desenrolou a partir de 1889, por imposição e não mediante um acordo consensual
entre as forças políticas nacionais.
“O Brasil, portanto, era uma federação que não derivava de nenhum pacto entre Estados independentes como se deu em outras importantes uniões, a exemplo da estadunidense, da argentina, da suíça e mesmo da alemã, mas diretamente da vontade soberana da nação (CAVALCANTI, 1983, p. 119). A formação da Federação nacional, havia se dado dentro de padrões e circunstâncias históricas completamente distintas daquelas federações. As províncias brasileiras nunca detiveram soberania, direito irredutível ou qualquer prerrogativa ou poder, além do indispensável ao exercício de autonomia administrativa e financeira, de modo que, diversamente dos EE.UU, não se originou de uma Confederação anterior. Amaro Cavalcanti suspeitava que a experiência brasileira, dada a suas peculiaridades, era de fato única.”
80
Portanto, na criação do Estado federal de 1891, a vontade popular fez-se
representar pelos constituintes e não pela decisão pactual dos Estados-membros.
1.5. Estado federal e Constituição democrática
No Brasil foram democráticas as Constituições de 1891, 1934, 1946 e a atual
Constituição de 1988.
No que diz respeito às hipóteses de intervenção federal contidas nas três
primeiras Constituições republicanas, importa ressaltar que a Constituição de 1891,
federativo em nossa história. Hoje, temos que pular etapas até chegarmos a uma Federação colaborativa”. Para a ministra, a ausência de autonomia financeira nos estados e municípios é um dos impeditivos para o Brasil implantar, realmente, uma Federação. “É por isso que a tão sonhada reforma tributária é tão difícil de ser realizada. Desde o governo de Juscelino Kubitschek se fala nisso, assim como na reforma política”. Apesar do longo tempo, apenas na Constituição de 1988 é que o sentido de Federação foi resgatado no texto constitucional. “Houve um reforço na forma federativa do Estado brasileiro, com destaque para a importância dos municípios”. Outro ponto abordado por Cármen Lúcia foi a chamada “morosidade” do Poder Judiciário. “Tem que ter uma explicação objetiva para isso. A quem interessa, é a pergunta que me faço. Se não houver nenhum interesse, nada na vida se mantém”. Segundo a ministra, a parte que está perdendo tenta sempre fazer de tudo para impedir que o processo chegue ao fim. Para que isso se encerre, ela sugere o fortalecimento das decisões dos Tribunais de Justiça (TJs). “Muitas coisas deveriam ser resolvidas no plano estadual, sem a necessidade de federalização”, concluiu. (...)” Fonte: Jornal da AJURIS, Ano XV, nº 272, jan/fev/mar de 2011, p.05.
79 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 27. ed., São Paulo:
Saraiva, 2001, p. 44.
80 GOMES, Lucivanda Serpa, MONTEIRO, Patrícia Moura. Op. Cit., p. 1149.
32
em seu artigo 6º, elencou a possibilidade de a União intervir nos Estados para
manter a forma republicana federativa.81 A Constituição de 1934, em seu artigo 12,
de igual modo dispunha sobre a intervenção federal com vistas a manter a
integridade nacional.82
O modelo federativo adotado na Constituição de 1891 conferiu aos entes
periféricos autonomia ampla83; a ponto de alguns Estados-membros proclamarem
em suas Constituições uma declaração de soberania, incompatível com a
indissolubilidade federativa. Naquela ocasião prevaleceu o entendimento pelo qual a
Carta Estadual poderia ser um espaço de complementação da Lei Maior sem a
necessidade de reprodução integral de seus dispositivos pelo Poder Decorrente.
Assim foi que a ideia de levar adiante uma reforma da Constituição de 1891
perdurou durante boa parte da Primeira República (1889-1930). Defendeu-se,
naquela ocasião, a ampliação dos poderes da União para o fortalecimento do
sistema presidencialista a fim de fazer frente às pressões patrocinadas pelos
Estados.
A construção da Constituição Estadual obviamente não poderia afrontar
dispositivos fundamentais contidos na Constituição de 1891. Todavia, alguns
Estados exorbitaram no exercício de suas competências “no organizarem seus
governos apartando-se em alguma cousa do modelo federal".84
Neste sentido é que alguns Estados - com base no art. 65, § 2º da
Constituição de 1891 – autodenominaram-se soberanos, em flagrante desalinho com
a essência federativa. “Tal texto bastou para que alguns Estados se declarassem
81
“Art. 6º - O Governo federal não poderá intervir em negócios peculiares aos Estados, salvo:
1 º) para repelir invasão estrangeira, ou de um Estado em outro;
2 º) para manter a forma republicana federativa;” (...) 82
“Art. 12 - A União não intervirá em negócios peculiares aos Estados, salvo: I - para manter a integridade nacional;” (...)
83 “Quanto aos Estados federados, conservaram, elles, sem duvida, a mais completa autonomia, nas
matérias de legislação, administração e justiça local; mas, em todo o caso, dependentes do poder central, segundo os princípios da nova organização feita.” CAVALCANTI, Amaro. Op.cit., p.24.
84 BARBALHO, João. Constituição Federal Brasileira (1891). Ed. fac-similar. Brasília: Senado Federal:
Conselho Editorial, 2002. p. 267.
33
soberanos (Bahia, Goiás, Mato Grosso e Piauí), outros autônomos e soberanos
(Paraná) e, ainda, independente e soberano (Rio de Janeiro).” 85
A ampla autonomia conferida aos Estados pela Constituição de 1891
favoreceu o surgimento de oligarquias que restringiam a influência da União sobre
as questões regionais e populações locais.
Essa liberalidade concedida aos Estados, pela Lei Maior de 1891, foi contida
pela Reforma Constitucional de 1926 através da centralização de competências no
âmbito da União, com o aumento das hipóteses de atuação do Governo federal em
negócios peculiares aos Estados-membros, com possibilidade de se executar
sentenças federais através de intervenção federal, numa clara demonstração de
insatisfação do ente central frente à crescente tendência dos Estados em transpor os
limites de sua autonomia.
A centralização imposta pela Reforma de 1926 influenciou as Cartas Federais
seguintes, inclusive a atual Constituição de 1988. Aliás, este modelo centralizador foi
indistintamente adotado por Constituições autoritárias e democráticas.
Supõe-se que no Estado Democrático de Direito deveria haver maior
flexibilidade na distribuição das competências legislativas em favor da repartição do
poder político entre os entes federativos a fim de desestimular o arbítrio que a
própria essência democrática visa combater.
Na Constituição de 1891 as competências eram privativas e exclusivas, sendo
que apenas na Carta de 1934 a competência concorrente foi adotada com
inspiração na Constituição de Weimar. Nesta ocasião, a redemocratização do País
se deveu, sobretudo, à luta do Estado de São Paulo no âmbito da Revolução
Constitucionalista de 1932 em contraponto à Revolução de 1930, diante da demora
do Governo Provisório na convocação da Assembleia Constituinte.
A Carta Magna de 1934 desfavoreceu a autonomia estadual em virtude do
considerável aumento das competências legislativas da União, tendo conferido aos
85
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 24ª Ed. São Paulo: Editora Atlas, 2009, p. 15.
34
Estados poderes remanescentes. O Senado Federal foi transformado em órgão de
colaboração à Câmara dos Deputados em desfavor do sistema bicameral rígido.86
Mais adiante voltaremos a abordar outros aspectos da Constituição Federal
de 1934 desfavoráveis à autonomia estadual.
O final da 2ª Guerra Mundial tornou insustentável a presença do Presidente
Getúlio Vargas no poder, bem como a continuidade da Carta de 1937. Deste modo,
abriu-se o caminho para assunção da Constituição 1946, fundamento de uma
Democracia que durou até a eclosão do golpe militar de 1964.
A Constituição democrática de 1946 obviamente preservou explicitamente a
República e a Federação logo em suas primeiras linhas, como fizeram até ali
praticamente todas as outras Cartas.
Aliás, quanto ao processo de reforma constitucional a Federação apresentou-
se como dispositivo pétreo,87 em face dos fatos, desencadeadores de crises, e por
aqueles decorrentes do término da Segunda Guerra Mundial. Na hipótese de
intervenção federal o termo “União” foi substituído na Carta de 1946 por “governo
federal” como órgão responsável pela condução do processo interventivo.
Numa sequência histórica tem-se que a Constituição democrática posterior à
Carta de 1946 foi a Lei Maior de 1988.
Superado o período de arbítrio desencadeado pela Ditadura Militar de 1964,
restabeleceu-se a ordem democrática. Já no bojo da Constituição de 1988 cumpre
observar que o Estado-membro foi "mutilado em suas atribuições, sem atenção ao
regime de poderes separados que é da essência das instituições democrático-
republicanas” 88
Alexandre de Moraes89 observa que no Brasil a centralização de
competências na esfera federal foi influenciada também pelo modelo de Federalismo
86 ARAÚJO, Luiz Alberto David, NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. – 9ª
ed. - São Paulo: Saraiva, 2005, p. 93.
87 Art. 217 - A Constituição poderá ser emendada.
(...) § 5 º - Não se reformará a Constituição na vigência do estado de sítio. § 6 º - Não serão admitidos como objeto de deliberação projetos tendentes a abolir a Federação ou a República.
88 NUNES, José de Castro. As constituições estaduaes no Brasil. Rio de Janeiro: Edit. Leite Ribeiro,
1922, t. 1, p. 68.
89 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. Op.cit., p. 15.
35
empregado nos Estados Unidos a partir da grave crise econômica de 1929. Não
obstante à manutenção das características federalistas elementares, as
Constituições brasileiras republicanas têm operado uma “gradual redução nas
competências legislativas dos Estados-membros.” 90
Com efeito, a excessiva centralização de competências no âmbito da União
destoa da essência federativa e avilta a natureza democrática da Carta de 1988, por
subtrair dos Estados-membros o poder decisório em assuntos que também lhes
dizem respeito. O paradoxo se estabelece, sobretudo, pelo fato da Constituição
Cidadã não compactuar com os anseios da Revolução de 1964, expressos na
Constituição de 1967.
No próximo capítulo faremos uma abordagem sobre as Constituições que
lastrearam os regimes de exceção no Brasil.
90
Idem.
36
CAPÍTULO 2
O ATO ADICIONAL DE 1834 E A REFORMA CONSTITUCIONAL DE 1926
2.1. O Ato Adicional de 1834: uma resposta aos federalistas; 2.2. Unitarismo
“descentralizado” e Federação centralizada; 2.3. A efetivação do Federalismo
proposto pela Carta de 1891; 2.4. A Constituição de 1891 e alguns institutos
jurídicos peculiares; 2.5. A Reforma de 1926 e a revisão do pacto federativo.
2.1. O Ato Adicional de 1834: uma resposta aos federalistas
Na colonização do Brasil a divisão territorial em Capitanias hereditárias
significou uma forma de desconcentração instituída pela Metrópole. Após a
independência, o Estado unitário se encarregou de dar continuidade a este modelo
como forma de garantia da unidade territorial e resolução de tensões advindas da
prática escravagista.
Superada esta fase, abriu-se caminho para a implantação da Federação,
parecia mesmo que outra não poderia ser a forma de Estado a nos reger, em virtude
principalmente das características geográficas que inviabilizavam o êxito de um
regime unitarista.
Ainda durante o Império cogitou-se em implantar um modelo monárquico
federativo aparentemente plasmado pela criação do Ato Adicional de 12 de agosto
de 1834. “Dessa forma, o Ato Adicional seria o caminho para o sucesso da unidade
do território luso-americano, combinando monarquia com elementos federativos.” 91
Entretanto, a assunção da Lei de Interpretação do Ato Adicional92 recobrou o
ânimo centralizador, principalmente no que tange ao controle do aparato judiciário93,
por retirar das Províncias boa parte do poder que lhes fora concedido em 1834.94
91
DOLHNOKOFF, Miriam. Op. Cit., p. 65.
92 Cf. Lei nº 105 de 12 de maio de 1840.
93 DOLHNOKOFF, Miriam. Op.cit., p.129.
94 RUSSOMANO, Rosah. O princípio do federalismo na constituição brasileira. São Paulo: Livraria
Freitas Bastos S. A, 1965, p.39, 41.
37
Pois bem, na fase que antecedeu à criação da Carta de 1824 a hipótese de
adoção do Federalismo95 foi examinada como algo plausível, mas logo foi
descartada.96 Neste sentido, Ivo Coser97 afirma que as ideias federalistas que se
difundiram durante o Império não prevaleceram “na tentativa de transformar o
Império brasileiro em monarquia federativa”.
A dissolução da Assembleia Constituinte pelo Imperador ocorreu ante a
ameaça de ter seus poderes limitados. Diante disto coube ao Conselho de Estado a
missão de elaboração da primeira Constituição brasileira.
Aliás, no próprio texto da Constituição de 1824 havia disposição expressa no
sentido de que o País era fruto da associação política do povo brasileiro, sem a
interferência de qualquer força que lhe pudesse tolher a independência, numa clara
manifestação de incompatibilidade ideológica entre o Federalismo e o governo
monárquico.
Deste modo, no artigo 1º da Constituição Imperial proibia-se a adoção de
elementos federativos ou confederativos em laços com outros Países, porque isso
representaria ameaça à independência nacional.98
Em verdade o que se buscava era a proteção do Estado monárquico em face
dos ideais federalistas.
Com efeito, a Metrópole procurou evitar ao máximo a interação entre as
Capitanias porque isso poderia desfavorecer a segurança institucional. “Não havia
um Brasil com um centro comum. Era um círculo imenso, no qual os raios
convergiam para bem longe da circunferência central.” 99
95 "A questão do federalismo no sistema constitucional brasileiro – O surgimento da ideia federalista
no Império – O modelo federal e a pluralidade de ordens jurídicas (ordem jurídica total e ordens jurídicas parciais) – A repartição constitucional de competências: poderes enumerados (explícitos ou implícitos) e poderes residuais." (ADI 2.995, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 13-12-2006, Plenário, DJ de 28-9-2007.) No mesmo sentido: ADI 3.189, ADI 3.293 e ADI 3.148, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 13-12-2006, Plenário, DJ de 28-9-2007.
96 TAVARES, André Ramos. Op. cit., p.1110.
97 COSER, Ivo. Federal/Federalismo. In: FERES JR. João (org.). Léxico da história dos conceitos
políticos do Brasil. Belo Horizonte: UFMG, 2009, p.110.
98 “Art. 1. O IMPERIO do Brazil é a associação Politica de todos os Cidadãos Brazileiros. Elles
formam uma Nação livre, e independente, que não admitte com qualquer outra laço algum de união, ou federação, que se opponha á sua Independencia.”
99 PRADO, J. F de Almeida. D João VI e o início da classe dirigente no Brasil (1815-1889). São Paulo:
Nacional, 1968, p.134 apud Laurentino Gomes, op. Cit., 2007.
38
A lógica unitarista foi alterada pelo Ato Adicional de 1834100 através do qual
se operou relativa autonomia em favor das Províncias que passaram a ter permissão
para criar suas próprias Assembleias Legislativas com atribuições para legislar, criar
tributos e distribuir rendas.101
Durante o Império forças internas exigiram a desconcentração do poder, e
isso se deu com a edição do aludido Ato Adicional, posteriormente alterado pela Lei
de Interpretação pela qual se reestabeleceu boa parte da concentração que vigorava
antes de 1834.
2.2. Unitarismo “descentralizado” e Federação centralizada
Constata-se assim a tendência histórica do Estado brasileiro ao centralismo
político, independentemente da forma de Estado adotada, com base na flagrante
contradição marcada pela adoção em 1834 do Ato Adicional – medida
descentralizadora frustrada em pleno Unitarismo - e, posteriormente já na República,
pelo surgimento da Reforma Constitucional de 1926, instrumento de centralização
política como contraponto à descentralização disposta na Constituição de 1891.
O Ato Adicional, mesmo sob o Estado unitário, promoveu momentaneamente
desconcentração e fortalecimento político das Províncias. Enquanto que a Reforma
de 1926, sob o manto federalista, patrocinou a centralização e o enfraquecimento da
autonomia dos Estados-membros.
Em suas considerações Sahid Maluf102 afirma ter sido o centralismo unitarista
uma das causas que levaram à abdicação de Dom Pedro I:
“O Brasil-Império era um Estado juridicamente unitário, mas na realidade
era dividido em províncias. O ideal da descentralização política, no Brasil,
vem desde os primórdios da nossa existência, desde os tempos coloniais.
Os primeiros sistemas administrativos adotados por Portugal, as
governadorias gerais, as feitorias, as capitanias, traçaram os rumos pelos
quais a nação brasileira caminharia fatalmente para a forma federativa. A
enormidade do território, as variações climáticas, a diferenciação dos grupos
étnicos, toda uma série imensa de fatores naturais ou sociológicos tornaram
a descentralização política um imperativo indeclinável da realidade social,
geográfica e histórica. E quando o centralismo artificial do primeiro império
procurou violentar essa realidade, a nação forçou a abdicação de D. Pedro
100
Cf. Lei nº 16 de 12 de agosto de 1834.
101 DOLHNOKOFF, Miriam. Op.cit. p. 65.
102 MALUF, Sahid. Teoria geral do estado. 30ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 188.
39
I, impondo a reforma da Carta Imperial de 1824, o que se realizou pelo Ato
Adicional de 1834, concessivo da autonomia provincial.”
Assim, o Brasil por suas características geográficas parecia estar
naturalmente destinado à Federação. Todavia, o regime monárquico, estabelecido
após a independência nacional, não consentiu associar-se ao modelo federativo
porque isso dificultaria o exercício do poder político.
Além do que no Brasil a necessidade de coesão nacional levou Dom Pedro I a
rechaçar o Federalismo em prol do Unitarismo, regime adotado durante quase todo o
Século XIX. Aliás, o centro do poder político do País, antes mesmo da
independência nacional, já tinha migrado do Nordeste para o Sudeste em virtude da
atuação de forças econômicas.
Assim, apesar da descentralização federativa mostrar-se mais adequada à
realidade brasileira, em termos políticos, o País quase sempre se pautou em bases
centralizadoras, tanto na Monarquia quanto na República.
A centralização presente no Império foi constantemente combatida por
manifestações de oposição ao Regime, isso produziu instabilidade política e
insurreições pontuais. Vale lembrar ainda que a descentralização prevista na
Constituição de 1891 foi igualmente combatida, desta feita, pelo governo federal.
Sobre o papel do Ato Adicional de 1834 para o fortalecimento das Províncias,
assim esclarece Miriam Dolhnikoff: 103
“(...) o Ato Adicional resultou em profunda transformação institucional, na
medida em que promoveu a divisão constitucional das competências
legislativa, tributária e coercitiva entre centro e províncias, de modo que
estas últimas gozavam de efetiva autonomia em itens importantes do
funcionamento do Estado, como a cobrança de tributos, investimento em
obras públicas, criação e manutenção de uma força policial, o controle sobre
todos os empregos provinciais e municipais, a instrução pública, etc.”
O Estado unitário brasileiro provocou intensa insatisfação nas Províncias, a
ponto de gerar uma reestruturação política no âmbito do Império. A reforma retirou
poderes do governo central para satisfação de interesses locais. Ocorre que,
fortalecidas, as Províncias passaram a almejar a queda da Monarquia, razão pela
qual o Império tratou de criar uma norma para rapidamente restabelecer a
centralização.
103
DOLHNOKOFF, Miriam. Op.cit., p. 286.
40
Algo parecido ocorreu nos primeiros anos de implantação da forma federativa
no Brasil. A ampla autonomia experimentada pelos Estados, no início da Primeira
República, também teve efeito contrário àquele pretendido. Os abusos, cometidos
pelos Estados-membros no exercício inadequado dos poderes que lhes foram
concedidos, fizeram surgir uma emenda constitucional pela qual se transferiu
poderes estaduais à União.
Com efeito, o texto constitucional de 1891 era mesmo favorável ao
estadualismo, a ponto de se permitir que os Estados-membros em conjunto com a
União pudessem exercer a competência residual na criação de novos impostos.104
Além do que, ainda na seara tributária, na Constituição de 1891 os tributos sobre a
exportação de mercadorias produzidas nos Estados, sobre imóveis rurais e sobre
indústrias e profissões encontravam-se sob a competência estadual.105
Noutros termos, na Constituição de 1891 o Poder Originário prestigiou a
autonomia estadual, para logo depois o Poder Derivado mitigá-la. Assim é que partir
da Reforma de 1926 a República deu início a sua fase de restrição às competências
estaduais, o que fez ressurgir uma prática que se pensava superada com a queda
da Monarquia.
Mesmo com o advento da Federação o Brasil não se adaptou a um regime de
descentralização política ampla porque isso nunca fez parte, de modo duradouro e
efetivo, de nossa tradição política monárquica ou republicana.
2.3. A efetivação do Federalismo proposto pela Carta de 1891
É fato que na primeira República, o Brasil não soube lidar com um sistema
federativo que concedia autonomia ampla aos Estados-membros. Tal experiência
pôs em risco a própria união. Com efeito, aquele não era mesmo o momento mais
adequado à concessão de tamanha força aos Estados, em virtude de seu
despreparo para o exercício de suas competências e para o estabelecimento de
relações harmônicas com o poder central.
No governo do presidente Manuel Ferraz de Campos Sales (1898-1902) a
política dos governadores representou uma forma de resolução para os constantes
104
“Art. 12 - Além das fontes de receita discriminadas nos arts. 7º e 9º, é licito à União como aos Estados, cumulativamente ou não, criar outras quaisquer, não contravindo, o disposto nos arts. 7º, 9º e 11, nº 1.”
105 Atualmente no art. 154, I da CF/88 tem-se que a competência para criação de novos impostos
pertence apenas à União, e o Imposto que incide sobre a propriedade territorial rural é federal com base no art. 153, VI da Lei Maior.
41
problemas advindos da ampla autonomia estadual que caracterizava a forma
federativa recentemente inaugurada pela Constituição de 1891.
“A oposição entre diferentes áreas geográficas ganhava muita
importância, dividindo a classe dominante e criando conflitos
determinados por interesses regionais divergentes. Esses conflitos
refletiam-se no plano institucional, acentuando as contradições entre o
Legislativo e o Executivo e entre o poder federal e estadual. Campos
Sales procurou enfrentar o problema, pois não pretendia governar com
um Congresso que lhe fosse hostil ou com insubordinações nos
governos estaduais. A fórmula para solucionar essas contradições foi
obtida através da política dos governadores, baseada numa troca de
favores entre o presidente e os governadores estaduais, o que permitia a
estabilização do governo federal.” 106
Naquele momento de crise federativa coube à União catalisar essas forças
periféricas para que atuassem em consonância com a vontade política do ente
central. Essa estratégia possibilitou a formação de uma base de sustentação política
erigida a partir de troca de favores entre oligarcas, governadores e o governo
federal.
Assim, firmou-se um acordo em prol da governabilidade. Esta atuação
permitiu a Campos Sales fazer seu sucessor, Francisco de Paula Rodrigues Alves
(1902-1906).
A propósito, a política dos governadores surgiu para produzir estabilidade no
plano federativo. Entretanto, privilegiou os interesses de São Paulo e Minas Gerais,
Estados que se alternavam na Presidência da República, apenas retardando o efeito
de insatisfação federativa, manifesto pela dissidência dos oligarcas do Sul e do
Nordeste.
No governo de Artur Bernardes (1922-1926) estabeleceu-se forte embate
entre os interesses do governo central e aqueles ostentados pelas oligarquias
estaduais, alijadas da parceria estabelecida entre mineiros e paulistas, sobretudo no
que se refere à indicação dos candidatos à presidência da República.
O governo do Presidente Bernardes - imerso em crises regionais – ansiava
pela realização de uma reforma no Ordenamento Jurídico pátrio, o que incluiria
também emendar a própria Constituição de 1891 não mais condizente com os
106
COSTA, Luís César Amad. História do Brasil. São Paulo:Scipione, 1999, p.270.
42
desafios domésticos e externos advindos a partir da prática republicana, de acordo
com o ponto de vista do governo federal.
Washington Luís (1926-1930) assumiu a Presidência da República com o
propósito de acalmar os ânimos políticos. Entretanto a situação econômica
decorrente da crise internacional de 1929 agravou o caótico cenário político
nacional, fazendo ruir a “política dos governadores” e a própria República Velha,
encerrada em 1930 com o advento da Era Vargas.107
Nesta perspectiva, tem-se que a força da autonomia concedida pela
Constituição de 1891 aos Estados-membros gerou - em decorrência da efetiva
separação dos poderes e da Democracia ali criadas - uma situação de constante
divergência entre o Legislativo e o Executivo, sem que o governo pudesse se utilizar
dos mesmos instrumentos que a Monarquia dispunha para anular a oposição e
dominar a atuação dos demais poderes.
É certo que nesta Carta os Estados exerceram competências legislativas com
base num modelo de descentralização política que nunca mais se repetiu. A
experiência federativa vivenciada no período compreendido entre 1891 a 1926
precisa ser cuidadosamente examinada na atualidade pelos idealizadores da
reforma do Estado federal brasileiro, com vistas a equilibrar o exercício de
competências, a repartição de receitas tributárias e eliminar as causas da
dependência econômica dos Estados-membros que tanto fragilizam sua autonomia.
É fundamental que tal experiência sirva de parâmetro para a construção de
um novo modelo federativo no Séc. XXI, sobretudo no que tange a não repetição
dos mesmos erros que inviabilizaram a Federação proposta pela primeira
Constituição republicana.
2.4. A Constituição de 1891 e alguns institutos jurídicos peculiares
A Carta Magna de 1891 trouxe alguns institutos jurídicos singulares, atinentes
às relações entre os Estados-membros, não mais reproduzidos a partir de então nas
Constituições seguintes.
107
“Após a primeira Guerra Mundial, as oligarquias brasileiras já não conseguiam manter o controle político da nação. A república, que segundo a Constituição de 1891 deveria ser democrática, representativa e federativa, na prática havia-se transformado ao longo de quase três décadas em uma imensa propriedade administrada em conformidade com os interesses político-econômicos das oligarquias rurais. O sistema político da república era totalmente manipulado por elites regionais, que controlavam eleições, partidos e juízes, utilizando a violência e a corrupção.” Ibdem, p.285.
43
Merece menção a autorização constitucional concedida aos Estados108 para
celebração de tratados entre si, como se depreende da leitura do artigo 48.109 Esta
proposição nos remete a uma possível aplicação moderada, no âmbito da
Constituição de 1891, da chamada ‘teoria da dupla soberania’, já mencionada
quando cuidamos da natureza jurídica da Federação. Tal teoria, difundida no Século
XIX na Europa e Estados Unidos, atribuía o exercício da soberania à união
federativa, bem como aos próprios entes federados (União e Estados-membros).
Deste modo, haveria como que um compartilhamento da soberania estatal, em vez
de ser ela um atributo exclusivo da Federação.
Evidentemente que tais espécies de tratados, na verdade acordos estaduais,
mencionados pela Constituição de 1891 não tinham a mesma natureza daqueles
outros celebrados pelos Países no plano internacional. Assim, tais convenções
pactuadas pelos Estados-membros possuíam natureza doméstica (nacional), mais
especificamente interestadual e se apresentavam como manifestação do prestígio
auferido à autonomia estadual no início da Velha República.
Importa destacar também que naquela ocasião os tratados estaduais eram
aprovados privativamente pelo Presidente da República e submetidos, quando fosse
o caso, ao Congresso Nacional de acordo com o artigo 48, 16.º da Carta de 1891,
sendo que competia privativamente ao Poder Legislativo federal - conforme o artigo
34, 12º da citada Lei Maior - resolver de forma definitiva a respeito da celebração de
tratados internacionais, sem qualquer interferência estadual nesta matéria.
Merece ainda menção a hipótese de extradição de criminosos entre os
Estados-membros. Em verdade, a extradição e o tratado são institutos celebrados no
bojo das relações internacionais. Com efeito, ao Congresso Nacional competia
regular os casos de extradição estadual, de acordo com o artigo 34, 32º) da
Constituição de 1891, sendo defeso aos Estados-membros não extraditar os
criminosos solicitados pela Justiça de outros Estados ou do Distrito Federal, como se
extrai do disposto no artigo 66, 4º) da 1ª Constituição republicana.
108
Art. 65 - É facultado aos Estados: 1º) celebrar entre si ajustes e convenções sem caráter político (art. 48, nº. 16); 109
Art. 48 - Compete privativamente ao Presidente da República: (...) 16º) entabular negociações internacionais, celebrar ajustes, convenções e tratados, sempre ad referendum do Congresso, e aprovar os que os Estados, celebrarem na conformidade do art. 65, submetendo-os, quando cumprir, à autoridade do Congresso.
44
Deste modo, não se admitia a recusa de um Estado-membro em autorizar a
extradição de um criminoso para outro Estado federado onde ele houvesse cometido
crime.110
Tal situação é indicativa de que, guardadas as devidas proporções, o Poder
Originário quis compartilhar com os Estados algumas competências pertencentes à
União, sem descuidar de impor limites à atuação estadual no exercício de tais
assuntos.
Assim é que por influência do Federalismo norte-americano alguns institutos
comuns ao Direito Internacional, que pressupõem necessariamente a independência
e soberania dos Países, sofreram na Constituição de 1891 adaptações para serem
atribuídos aos Estados-membros.
2.5. A Reforma de 1926 e a revisão do pacto federativo
Na Carta de 1891 competia à União cuidar de assuntos, tais como: dívida
pública; serviços dos correios e telégrafos federais, organização do Exército e da
Armada, terras e minas da União, organização do Distrito Federal, polícia, ensino
superior, Direito Civil, Direito Comercial, Direito Criminal da República, Direito
Processual da Justiça Federal, dentre outros temas.
A Reforma de 1926 surgiu sob o argumento de que alguns dispositivos da Lei
Maior de 1891 eram inviáveis e de difícil aplicação, além do que se afirmava naquela
ocasião que a descentralização de competências legislativas enfraquecia o poder da
União na manutenção do pacto federativo.
A citada Reforma não extinguiu a Federação, assim como o Ato Adicional de
1831 não eliminou o Unitarismo, mas frustrou as expectativas dos federalistas ao
restabelecer a combatida centralização política em formato quase semelhante
àquele praticado no período unitarista.
Havia no Brasil, do final do Século XIX, um conflito entre o que dispunha a
Constituição de 1891 e o que se depreendia dos intentos do governo central. O
Executivo não cogitava em se amoldar à Carta Magna, o que seria o mais correto,
preferindo adequá-la ao seu plano político, utilizando-se do processo reformador
para instituir no corpo da Constituição o que lhe era conveniente na ocasião.
110
Art. 66 - É defeso aos Estados: (...) 4º) denegar a extradição de criminosos, reclamados pelas Justiças de outros Estados, ou Distrito Federal, segundo as leis da União por que esta matéria se reger (art. 34, nº 32).
45
Assim na Primeira República o Brasil experimentou um formato de
Federação, até certo ponto, inspirado no modelo aplicado nos Estados Unidos, com
ampla descentralização política e fortalecimento da autonomia dos entes federados.
Entretanto, a experiência foi frustrada em virtude do despreparo institucional para
lidar com as liberdades conferidas aos Estados e pela falta de habilidade do governo
central e dos entes estaduais para harmonizar as relações federativas.
Havia posições doutrinárias contrárias ao modelo de descentralização política
proposto pela Constituição de 1891, pelo qual se concedia aos Estados-membros
competência legislativa sobre diversos temas que a partir de 1926 tornaram-se de
competência privativa da União.111
Com efeito, não convinha mais regressar ao Estado unitário, a solução que se
apresentara pela emenda de 1926,112 consistia em adaptar o Federalismo à
centralização política sob a justificativa de facilitar a atuação da União em favor da
governabilidade e da segurança nacional.
111
“Felizmente deixou-se-nos, ao menos, a unidade do direito civil, criminal e commercial da Republica, a despeito do esforço com que também alguns pretenderam dilacerar-lhe o corpo, dividindo-o pelos vinte Estados federados... Entretanto, a verdade que se antolhava a todos, era, sabidamente outra: pela mesma razão, por que foi preferida a dualidade do direito civil e da magistratura em outras Federações, tal como na Norte-America, justamente por esta razão, se devia ter | conservado a unidade, tão completa quanto possivel, de taes matérias na Republica Brazileira. Com effeito, ao str constituído a Federação Norte-Americana, já tendo os Estados, separadamente, o direito de legislar sobre o direito civil e a administração da justiça no seu território,—julgou- se que seria o mais acertado, nada innovar-se sobre tão importante ramo da vida publica, — respeitados, desta sorte, o direito vigente, os hábitos e a tradicção histórica do paiz. No Brazil, pelo contrario, sendo o direito uno e a administração da justiça um serviço, inteiramente nacional, desde os tempos mais remotos, e, além disso, achando-se confiado a uma magistratura, que procurou sempre mostrar-se digna da sua nobre funcção, — preferiu-se, não obstante, tentar agora o desconhecido, abandonando-se a tradicção, aliás, consoante com os nossos conhecimentos jurídicos, — só porque se afigurara a alguns ser isto mais de molde com a dignidade ou a supposta soberania dos Estados federados !” CAVALCANTI, Amaro. Op. Cit.,p. 251.
112 “A proposta de revisão foi enviada à Câmara dos Deputados em 1925 pela chamada ‘Comissão
dos 21’. Essa comissão especial era composta pelos vinte e um representantes de cada estado do país, sendo ela responsável pela feitura e parecer de cada proposta de emenda apresentada ao Congresso. Para liderar os trabalhos, foi escolhido como relator da reforma o senador paulista Adolpho Gordo, político com experiência sobre a matéria de expulsão de estrangeiros, e que tinha conseguido aprovar a polêmica Lei de Imprensa, da qual fora propositor. Difícil tarefa a ser cumprida pelo senador, que além de se deparar com numerosas reclamações sobre a constitucionalidade das discussões da proposta de revisão da Constituição, por ocorrerem durante vigência do estado de sítio; teria recebido também várias críticas pelo fato das constantes intervenções feitas pelo presidente Arthur Bernardes na reforma, com a denúncia de que ela havia sido elaborada no Catete e não no interior das Casas legislativas. Os principais argumentos utilizados durante os debates no Congresso, ocorridos nos anos de 1925 e 1926, entre aqueles que se colocaram contrários à proposta da revisão seguiram essas críticas que pontuaram o discurso de alguns parlamentares.” RIBEIRO, Anna Clara Sampaio. “Abre-se a sessão” embates no poder legislativo para elaboração e aprovação de leis de expulsão a estrangeiros na primeira república (1889-1926), 2010, p.143.
46
Aliás, foi durante o estado de sítio, medida garantidora da estabilidade
institucional decretada por Artur Bernardes, que o Congresso Nacional emendou a
Lei Maior de 1891 apesar da crítica velada de vários parlamentares.
A Carta de 1891 dispunha de mecanismos que permitiam às unidades
estaduais atuarem com desenvoltura em favor de seus interesses, o que por certo
enfraquecia a utilização daqueles instrumentos disponíveis para manutenção da
ordem em face de levantes regionais e movimentos separatistas.
Esse ambiente de instabilidade política e de ameaça à Federação fez com
que a Reforma de 1926 dispusesse de modo detalhado sobre o instituto da
intervenção federal, como solução garantidora da tranquilidade institucional e da
governabilidade, imprescindíveis aos primeiros governos da República. Em verdade,
neste ambiente de tantas dificuldades políticas, o estado de sítio foi constantemente
empregado como garantidor da ordem.
É certo que a citada Reforma de 1926 implicou em centralização de poderes
e enfraquecimento da autonomia dos Estados-membros, responsabilizados naquela
ocasião pela situação de desordem política vivenciada pelo País. 113
A respeito da conveniência de se reformar a Constituição de 1891, houve
certa resistência por parte do Legislativo, diante do reconhecimento de que se
tratava muito mais de uma manobra do Executivo do que propriamente de uma
legítima manifestação de vontade parlamentar.
É certo que ajustes precisavam ser feitos, e sobre isso havia consenso, mas
não necessariamente com a intensidade almejada pelo governo central. “Formou-se
entre nós uma mentalidade hostil à revisão constitucional, não tanto porque seja
desnecessária, mas porque se afigura a todos inoportuna. É o argumento dilatório
que fecha a porta a todas as iniciativas.” 114
Aliás, Nunes115 manifestou-se favoravelmente às alterações constitucionais
pontuais e graduais desde que não desfigurassem o modelo federalista, pelo receio
113
Almeida ao comentar a centralização política no Império, a partir da obra de José Maria de Avellar Brotero, assim averbou: Ideia análoga aplica aos “estados”, cuja existência política – para além da mera situação de corpos administrativos – poria em risco a unidade da soberania de um País. ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de.Op. Cit. P. 372.
114 NUNES, José de Castro. As constituições estaduaes no Brasil. Rio de Janeiro: Edit. Leite Ribeiro,
1922, p. 03.
115 Ibdem, p. 08.
47
de que uma reforma radical, nos termos pretendidos pelo governo federal,
produzisse consequências nocivas ao País pelo risco de proliferação de intentos
separatistas em virtude da insatisfação de alguns Estados-membros diante do
cerceamento de sua autonomia.
Deste modo, é certo que a defesa contumaz dos ideais republicanos refletiu-
se sobre a elaboração da Constituição de 1891, bem como permitiu o surgimento de
um conjunto de normas criadas naquele período. O momento era, portanto,
sobremaneira otimista com relação à República e o que ela poderia proporcionar aos
brasileiros. Em verdade, tal expectativa não se confirmou nos primeiros governos
republicanos diante das dificuldades advindas da relação do governo central com os
Estados.
Com efeito, durante boa parte da Primeira República (1889-1930) o
movimento revisionista manifestou-se diante da necessidade de se executar uma
reforma constitucional substancial, com vistas a restringir a autonomia estadual –
foco de tensões entre a União e os Estados-membros - através da amplificação das
competências da União, com destaque para a atuação do Presidente da República.
Neste sentido, Rui Barbosa se ocupou da defesa da revisão, inclusive, fazendo
desta ideia uma de suas bandeiras na disputa da presidência da República.116
Neste sentido, a Reforma Constitucional de 1926 surgiu com o objetivo de
reverter o modelo de descentralização surgido em 1891. A emenda, naquela
ocasião, atendia às pretensões políticas do governo federal que passaria a se impor
mais facilmente aos Estados a partir do fortalecimento de seus poderes. 117
Destarte, todas as Constituições posteriores à primeira Carta republicana
(CF/1934, CF/1937, CF/1946, CF/1967 e CF/1988) se inclinaram muito mais ao
modelo federativo, desenhado a partir da Reforma de 1926 do que para aquele
construído a partir de valores e princípios republicanos que nortearam a Assembleia
Nacional Constituinte em 1891.
116
BARBOSA, Rui. Comentários à Constituição federal brasileira. São Paulo: Acadêmica, v. 6, 1932, p. 461-462.
117 A rigidez reforça a hegemonia constitucional, todavia as constituições escritas são essencialmente
mutáveis para que reflitam a evolução da sociedade para a qual foram destinadas. “É pura vaidade pensar que se criam obras eternas ou definitivas nas construções sociais e nas construções legais; fizeram uma lei para o tempo e nela própria estabeleceram o processo das suas possíveis modificações.” FREITAS, Herculano de. Direito constitucional. São Paulo: Câmara Municipal de São Paulo, 1923, p.65.
48
CAPÍTULO 3
A AUTONOMIA DOS ESTADOS-MEMBROS NO BRASIL
3.1. Retrospectiva: autonomia do Império à Nova República, 3.1.1. A luta por
autonomia no Império e na 1ª República, 3.1.2. A Revolução de 1930 e a
autonomia estadual, 3.1.3. Autonomia estadual em tempos de exceção política;
3.2. Autonomia e endividamento estadual; 3.3. Autonomia, desenvolvimento e
integração; 3.4. Sistema de governo e autonomia estadual.
3.1. Retrospectiva: autonomia do Império à Nova República
3.1.1. A luta por autonomia no Império e na 1ª República
Para Oswaldo Bandeira de Mello118 a “autonomia se conceitua como a
faculdade que tem uma comunidade jurídica de regular os seus próprios negócios,
mediante normas jurídicas, por ela própria, editadas.” Neste contexto, ainda segundo
o citado autor, a autonomia manifesta-se pela via administrativa, política e
constitucional.
Com efeito, a autonomia decorre da repartição de competências, elencadas
na Constituição Federal, como atributo que opera em favor da descentralização
política pelo compartilhamento de poderes entre as entidades federativas.
Assim, em todas as Constituições brasileiras, com exceção da primeira, a
adoção do Estado federal trouxe consigo a concessão de autonomia às
coletividades federadas. O desprezo à autonomia de tais entes violaria a
Constituição Federal, por ser ela (autonomia) um princípio indisponível, não podendo
os Estados-membros abrirem mão dele em favor do ente central.
A Constituição de 1824 não atribuiu às Províncias a prerrogativa de se
autogovernarem, eram antes regidas a partir de Decretos imperiais, e seus
presidentes eram nomeados pelo Imperador e passíveis de destituição sumária do
118
MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira de. Op. Cit., p.46.
49
cargo ao sabor da conveniência da realeza.119 A Monarquia cerceou a liberdade de
atuação política local, não sendo possível assemelhar a liberdade administrativa,
vivenciada no período de 1834 a 1840, com a autonomia estadual praticada no
Brasil a partir de 1889.
Assim como se deu com a Guerra de Secessão nos EUA, a grave crise
política vivenciada pelo Brasil no âmbito da República Velha foi motivada pela
implantação de um modelo federativo sobremodo descentralizado em que os
Estados-membros assumiam uma postura ativa, onde os freios constitucionais
disponíveis eram insuficientes para a manutenção satisfatória da ordem político-
institucional afetada por constantes insurreições.
Em verdade, as Constituições de 1824 e 1891 apresentaram diferenças
fundamentais quando comparadas respectivamente: Unitarismo x Federalismo,
Monarquia x República, Parlamentarismo x Presidencialismo, Autoritarismo x
Democracia, e isso se refletiu na forma de repartição do poder político.
As revoluções surgidas durante o Império reverberavam essa necessidade de
maior liberdade política local, demanda esta atendida em 1834 pelo Ato Adicional,
pelo qual se estabeleceu uma nova estrutura legislativa provincial bem mais
arrojada.
O Poder Legislativo provinciano, composto pelos conselhos gerais, era de
pouca valia para os interesses locais em face da submissão de seus projetos de lei à
Assembleia Geral por intermédio do presidente da Província.120
A abdicação de Dom Pedro I, tal qual a renúncia de Jânio Quadros alguns
anos depois, mergulhou o País numa forte crise política, marcada por contingências
internas (revoltas regionais e crise econômica) e externas (reação de Portugal à
perda de sua colônia). A menoridade de D Pedro II impedira-lhe de assumir
imediatamente o governo, o que acirrou ainda mais a crise política nacional. O poder
era exercido, naquela ocasião, por uma regência trina incapaz de resolver os
119
“Art. 165. Haverá em cada Provincia um Presidente, nomeado pelo Imperador, que o poderá remover, quando entender, que assim convem ao bom serviço do Estado.” 120
“Art. 84. As Resoluções dos Conselhos Geraes de Provincia serão remettidas directamente ao Poder Executivo, pelo intermedio do Presidente da Provincia. Art. 85. Se a Assembléa Geral se achar a esse tempo reunida, lhe serão immediatamente enviadas pela respectiva Secretaria de Estado, para serem propostas como Projectos de Lei, e obter a approvação da Assembléa por uma unica discussão em cada Camara.”
50
problemas institucionais agravados pela ausência de um Imperador no governo do
País.121
Resistia-se ao ideal liberalista quanto ao fortalecimento do poder provincial e
à manutenção dos interesses das oligarquias regionais. A resistência a tal influência
se deu pela centralização política defendida pelos conservadores e encabeçada pela
Constituição de 1824.
Diante deste quadro, para os liberais urgia reformar a Constituição Imperial,
centralizadora e desfavorável aos interesses oligárquicos. A reforma manifestou-se
pela criação em 1934 da primeira emenda constitucional brasileira.122 A propósito, as
duas primeiras Constituições pátrias economizaram em termos de quantidade de
emendas, em total contraste com a atual realidade manifesta pela Carta de 1988.
A desconcentração promovida pelo Ato Adicional foi rapidamente restringida
pela interpretação normativa que se deu ao referido instituto, exegese manifesta a
partir da produção de uma Lei especificamente criada para tolher as liberdades
concedidas às Províncias. A incapacidade do Império em atender aos interesses
provincianos cooperou para o advento da República.123
Travou-se naquela ocasião forte embate parlamentar entre liberais e
conservadores. Estes eram defensores da centralização em nome da manutenção
da ordem institucional e como forma de preservação do próprio Estado nacional,
fortemente ameaçado por tendências libertárias e separatistas. A seu turno, os
liberais operavam em favor da defesa dos interesses locais, continuamente
reprimidos pelo forte controle exercido pelo regime monárquico.124
121
A Constituição de 1824 previa que o governo do Império seria entregue a uma regência trina na hipótese de menoridade do imperador, conforme se depreende dos artigos 121 a 123 da citada Carta: “Art. 121. O Imperador é menor até á idade de dezoito annos completos. Art. 122. Durante a sua menoridade, o Imperio será governado por uma Regencia, a qual pertencerá na Parente mais chegado do Imperador, segundo a ordem da Successão, e que seja maior de vinte e cinco annos.
Art. 123. Se o Imperador não tiver Parente algum, que reuna estas qualidades, será o Imperio governado por uma Regencia permanente, nomeada pela Assembléa Geral, composta de tres Membros, dos quaes o mais velho em idade será o Presidente.”
122 Ato Adicional de 1934.
123 IGLÉSIAS, Francisco. Política unitária do Segundo Reinado. Revista de Ciências Econômicas da
Universidade de Minas Gerais. Ano 4, nº 8, jul-dez 1955, p. 38
124 DOLHNIKOFF, Miriam. Op. Cit., p. 142.
51
Os conservadores foram chamados de centralistas por seu empenho em
defesa do governo, não obstante concordarem com a necessidade de repartição do
poder administrativo, essencial para o bom funcionamento das Províncias e também
com a concessão de alguma autonomia política, desde que isso não afetasse a
coesão unitarista, imprescindível à sustentação do Estado nacional.125
Com efeito, o Ato Adicional de 1834 não surgiu necessariamente para
prestigiar o Federalismo. Em verdade, tal medida apresentou-se muito mais como
autodefesa da Monarquia frente aos avanços dos ideais republicanos. Assim, a
concessão de autonomia às Províncias funcionou como uma estratégia de
preservação do Império.126 Noutros termos, tem-se que a eliminação dos rigores,
relacionados à forma de Estado, serviram para preservação da forma de governo.
Um golpe derrubou o Império e inaugurou a República, a Federação e a
Democracia, para logo depois o País retroceder em 1926, do ponto de vista da
descentralização política, a um patamar apenas um pouco mais elevado àquele no
qual se encontrava durante o período monárquico.
O dilema federativo atual tem pelo menos um ponto em comum com a crise
do Unitarismo vivenciada no Império. Assim como no Século XIX as Províncias
lutavam para que lhes fossem concedidas competências legislativas, já agora no
Século XXI os Estados-membros buscam o mesmo. O Brasil continuou politicamente
centralizado independentemente da forma de Estado e da forma de governo
adotadas.
3.1.2. A Revolução de 1930 e a autonomia estadual
A segunda Constituição republicana surgiu na esteira da Revolução de 1930.
As pressões sofridas por Vargas, encabeçadas pelo Movimento Constitucionalista de
1932, obrigaram-no a permitir o surgimento de uma Constituição democrática em
1934, marcada por forte restrição à autonomia estadual em comparação com o que
dispunha na época de sua promulgação a Constituição de 1891.
Deste modo, em favor da defesa do Estado Democrático de Direito, Vargas se
viu forçado a convocar uma Assembleia Nacional Constituinte, legitimadora do
125
“É verdade que os próprios conservadores apresentavam-se como defensores da centralização. Mas é preciso considerar o que eles entendiam por centralização.” Idem.
126 TAVARES BASTOS, Aureliano Cândido. A Província: estudo sobre a descentralização no Brasil.
Brasília: Senado federal, 1996. (1ª Edição: 1870). p. 338.
52
governo constitucionalista que viria em 1934 e que durou até o advento do Estado
Novo.127
A retórica, em favor do fortalecimento da autonomia estadual e de maior
participação decisória dos Estados no processo político nacional, sucumbiu quando
o governo revolucionário assumiu o poder. Naquela ocasião Getúlio Vargas não
sinalizou no sentido de fortalecer a autonomia dos Estados-membros, em verdade
durante o Governo Provisório (1930-1934) o contrário foi o que se deu.
Deste modo, o Governo Provisório - instalado através do Decreto nº 19.398
de 1930 – enfraqueceu a autonomia estadual. Os Estados passaram a ser
governados por interventores escolhidos pelo governo federal. Estabeleceu-se ali
forte centralização política.
O nacionalismo, em voga naquela ocasião na Alemanha e na Itália, inspirou o
regime de Vargas com vistas ao fortalecimento da identidade nacional. A unidade
política exigiria o combate aos vários focos de resistências regionais. Na prática,
durante o Governo Provisório da década de 1930, a Constituição de 1891 foi
suspensa pelo fato de ter sua aplicação preterida por atos normativos.128
A Constituição de 1934129 alargou a competência tributária dos Estados-
membros atribuindo-lhes outros tributos, para além daqueles previstos na
Constituição anterior.130
127
“Os boatos, a pressão dos tenentistas e o temor de que as eleições prometidas não se realizariam – além de problemas na indicação dos sucessivos interventores para o estado de São Paulo – acabaram levando à Revolução Constitucionalista de 1932.” VILLA, Marco Antônio. A história das constituições brasileiras. São Paulo: Leya, 2011, p. 46.
128 “A Constituição de 1891, na prática ficou suspensa, pois poderia ser restringida por simples
decretos, leis ou atos do governo ou de seus delegados (...).” Ibdem, p. 44.
129 Art. 8º - Também compete privativamente aos Estados:
I - decretar impostos sobre: (...) d) consumo de combustíveis de motor de explosão; e) vendas e consignações efetuadas por comerciantes e produtores, inclusive os industriais, ficando isenta a primeira operação do pequeno produtor, como tal definido na lei estadual; (...) Art. 10 - Compete concorrentemente à União e aos Estados: (...) VII - criar outros impostos, além dos que lhes são atribuídos privativamente. Parágrafo único - A arrecadação dos impostos a que se refere o número VII será feita pelos Estados, que entregarão, dentro do primeiro trimestre do exercício seguinte, trinta por cento à União, e vinte por cento aos Municípios de onde tenham provindo. Se o Estado faltar ao pagamento das cotas devidas à União ou aos Municípios, o lançamento e a arrecadação passarão a ser feitos pelo Governo federal, que atribuirá, nesse caso, trinta por cento ao Estado e vinte por cento aos Municípios. 130
Foram atribuídos aos Estados impostos cobrados sobre consumo de combustíveis de motor de explosão, bem como sobre vendas e consignações efetuadas por comerciantes e produtores. A
53
Permitia-se ainda a atuação suplementar dos Estados em face de legislação
federal para atender às peculiaridades regionais.131
Paulo Luiz Neto Lobo,132 ainda sobre a competência estadual, destaca o
seguinte no âmbito da Constituição de 1934:
“A Constituição de 1934 inova, ampliando os poderes residuais dos
Estados-membros. No art. 5º, concede aos Estados-membros a
competência para legislação supletiva ou complementar sobre determinadas
matérias enumeradas dentre os poderes da União.”
Com efeito, naquela ocasião a conformação da autonomia estadual pautou-se
no modelo restritivo estabelecido pela Reforma Constitucional de 1926, com maior
ênfase no papel da União na preservação do pacto federativo, como garantidora da
estabilidade institucional em face de ameaças separatistas e golpes políticos que
rondavam a vida política nacional.
3.1.3. Autonomia dos Estados-membros em tempos de exceção política
A Constituição de 1937 confirmou a República,133 como forma de governo, e
manteve a Federação134 como forma de Estado. Interessante é que a referência não
foi conjunta, diferentemente do disposto nas Constituições de 1891 e 1934 nas quais
se fazia menção à existência de uma República federativa em que a palavra
norma constitucional de 1934 permitia aos Estados criar outros impostos além daqueles originariamente previstos na Constituição Federal, sendo que do montante arrecado com novos impostos os Estados deveriam entregar, dentro do primeiro trimestre do exercício seguinte, trinta por cento à União, e vinte por cento aos Municípios. Neste caso, o Estado respectivo mantinha em seu poder a metade do valor arrecadado, todavia caso o Estado não fizesse o repasse das cotas devidas à União ou aos Municípios, o lançamento e a arrecadação passariam a ser feitos pelo governo federal, que ficaria com cinquenta por cento do valor arrecadado, repassando vinte por cento aos Municípios e o restante ao respectivo Estado. 131
Tais peculiaridades se traduziam nas seguintes matérias: registros públicos, desapropriações, arbitragem comercial, juntas comerciais e respectivos processos; requisições civis e militares, radiocomunicação, emigração, imigração e caixas econômicas; riquezas do subsolo, mineração, metalurgia, águas, energia hidrelétrica, florestas, caça e pesca, diretrizes da educação nacional, normas fundamentais do direito rural, do regime penitenciário, da arbitragem comercial, da assistência social, da assistência judiciária, das estatísticas de interesse coletivo, comércio exterior e interestadual, instituições de crédito; câmbio e transferência de valores para fora do País; normas específicas sobre o trabalho, a produção e o consumo. O rol de matérias estava disposto no artigo 5º, § 3º da CF/1934.
132 NETO LOBO, Paulo Luiz. Op. Cit.,p.93.
133 “Art. 1º - O Brasil é uma República. O poder político emana do povo e é exercido em nome dele e
no interesse do seu bem-estar, da sua honra, da sua independência e da sua prosperidade.”
134 “Art. 3º - O Brasil é um Estado federal, constituído pela união indissolúvel dos Estados, do Distrito
Federal e dos Territórios. É mantida a sua atual divisão política e territorial.”
54
“federativa” adjetivava o termo “República”.135 Tal dissociação foi uma característica
do teor autoritário e centralizador daquela Carta. Enfatizou-se a referência à
República e pouca importância se conferiu ao aspecto descentralizador
característico do Estado federal.
A Polaca concedeu amplos poderes ao Presidente da República que passou
a atuar como ditador sob a justificativa de proteger o Brasil contra a ameaça
comunista. As disposições para repelir invasões internas e externas e aquelas
relacionadas ao cumprimento de sentenças federais demonstravam muito mais uma
preocupação com a preservação territorial e da ordem institucional do que
propriamente com a salvaguarda da Federação.
Vale lembrar que a pena de morte estava prevista na Constituição do Estado
Novo, para além dos casos previstos na legislação militar em tempo de guerra, e um
dos motivos que poderiam levar à pena capital seria atentar - com auxilio ou subsidio
de Estado estrangeiro ou organização de caráter internacional - contra a unidade da
Nação, procurando desmembrar o território nacional.136
A Carta de 1937 não fugiu à regra de centralização demasiada imposta pelos
regimes de exceção. Apesar disso, pelo menos teoricamente - em seus artigos 17 e
18 - dispunha sobre as situações em que seria possível aos Estados-membros
especificar a Lei Federal ou suprir as omissões do Ordenamento Jurídico federal
quando coubesse, até o momento da atuação do Congresso Nacional no exercício
da competência concorrente.137
135
A Constituição de 1891 assim se manifestou: “Art. 1º - A Nação brasileira adota como forma de Governo, sob o regime representativo, a República Federativa, proclamada a 15 de novembro de 1889, e constitui-se, por união perpétua e indissolúvel das suas antigas Províncias, em Estados Unidos do Brasil.”
Na Constituição de 1934 de igual modo dispõe assim: “Art. 1º - A Nação brasileira, constituída pela união perpétua e indissolúvel dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios em Estados Unidos do Brasil, mantém como forma de Governo, sob o regime representativo, a República federativa proclamada em 15 de novembro de 1889.”
136 De acordo com o que preceituava o artigo 122, 13, b da CF/37.
137 “Art. 17 - Nas matérias de competência exclusiva da União, a lei poderá delegar aos Estados a
faculdade de legislar, seja para regular a matéria, seja para suprir as lacunas da legislação federal, quando se trate de questão que interesse, de maneira predominante, a um ou alguns Estados. Nesse caso, a lei votada pela Assembléia estadual só entrará em vigor mediante aprovação do Governo federal. Art. 18 - Independentemente de autorização, os Estados podem legislar, no caso de haver lei federal sobre a matéria, para suprir-lhes as deficiências ou atender às peculiaridades locais, desde que não dispensem ou diminuam as exigências da lei federal, ou, em não havendo lei federal e até que esta regule, sobre os seguintes assuntos: a) riquezas do subsolo, mineração, metalurgia, águas, energia hidrelétrica, florestas, caça e pesca e sua exploração;
55
No Brasil os regimes autoritários sustentados pelas Cartas de 1937 e 1967
adotaram o Federalismo, apesar de na prática terem se aproximado bastante do
Estado unitário. O Federalismo e a separação dos poderes, no bojo das citadas
cartas republicanas ditatoriais, algumas vezes assumiram aspecto de mera ficção.
Não raro, tais Constituições eram violentadas por caprichos e conveniências
políticas em nome da segurança nacional.
Apesar de seu viés ditatorial, manifesto pelo fechamento do Congresso
Nacional e pela centralização do poder, a Polaca, em tese, possibilitava a delegação
de competência legislativa aos Estados-membros. Entretanto, a norma produzida por
delegação legislativa, em matéria de interesse estadual por cada uma das
Assembleias Legislativas, somente poderia vigorar após manifestação favorável do
governo federal.
Durante o Estado Novo o governo submeteu, a si, o STF através da produção
de atos desrespeitosos (reversão de decisões, em sede de controle de
constitucionalidade, em favor do restabelecimento de normas revogadas) emitidos
pelo Presidente da República que detinha o poder de influenciar a aprovação das
leis de acordo com os interesses do regime.
Na Câmara dos Deputados o governo Vargas sempre detivera a maioria dos
votos. O Senado, antes de seu fechamento, não se opunha aos ditames do
presidencialismo de então. O novo órgão legislativo, criado em substituição ao
Senado, passou fervorosamente a corroborar os decretos oriundos do Executivo.
A relação de Vargas com a autonomia estadual era igualmente acintosa. O
comando político regional era exercido com mão de ferro pelo governo federal
através de seus interventores, com repressão a quaisquer iniciativas regionais
b) radiocomunicação; regime de eletricidade, salvo o disposto no nº XV do art. 16; c) assistência pública, obras de higiene popular, casas de saúde, clínicas, estações de clima e fontes medicinais; d) organizações públicas, com o fim de conciliação extrajudiciária dos litígios ou sua decisão arbitral; e) medidas de polícia para proteção das plantas e dos rebanhos contra as moléstias ou agentes nocivos; f) crédito agrícola, incluídas as cooperativas entre agricultores; g) processo judicial ou extrajudicial. Parágrafo único - Tanto nos casos deste artigo, como no do artigo anterior, desde que o Poder Legislativo federal ou o Presidente da República haja expedido lei ou regulamento sobre a matéria, a lei estadual ter-se-á por derrogada nas partes em que for incompatível com a lei ou regulamento federal.”
56
supostamente contrárias à harmonia institucional. As manifestações explícitas, no
que tange às insatisfações regionais, foram rigorosamente inibidas.
Naquele contexto histórico, a autonomia financeira estadual era um fator
imprescindível à manutenção da sua condição de ente federado, haja vista que as
situações de insolvência poderiam transformar um Estado-membro em território
federal tutelado pela União.138
Após a experiência antidemocrática vivenciada no âmbito da Carta de 1937 a
Democracia voltou a ser adotada com o término da Segunda Grande Guerra, para
outra vez deixar-se suprimir por um golpe de Estado em 1964, ocasião em que se
tentou legar à Constituição de 1967 características incompatíveis com a ditadura
militar instalada, e isso se manifestou, por exemplo, quando se pretendeu atribuir
legitimidade àquela Carta, pelo simples fato de ter sido criada por uma Assembleia
Nacional Constituinte, apesar de seus membros não terem sido eleitos pelo voto
popular, e sim nomeados pelo governo federal.
No que se refere ao Regime Militar de 1964 a relação entre presidencialismo,
Federalismo e separação dos poderes não se deu de modo harmonioso. O controle
exercido pelo governo federal, sobre os Poderes Legislativo e Judiciário e sobre os
governos estaduais, descaracterizou a noção mais básica que se tinha de
Federalismo e independência entre os Poderes da República.
Na Democracia a soberania popular se manifesta mediante processo de
representação política, enquanto que na ditadura sua repercussão se dá de forma
autoritária, mediante usurpação da vontade popular, no bojo de um governo
revolucionário, sem qualquer lastro representativo que lhe conceda legitimidade.139
De fato cuidava-se de uma Carta outorgada que se pretendia promulgada, na
tentativa de legitimar a si própria. Diferentemente do que aconteceu em 1937, a
138
Cf. artigo 8º da Constituição de 1937:
“Art. 8º - A cada Estado caberá organizar os serviços do seu peculiar interesse e custeá-los com seus próprios recursos. Parágrafo único - O Estado que, por três anos consecutivos, não arrecadar receita suficiente à manutenção dos seus serviços, será transformado em território até o restabelecimento de sua capacidade financeira.”
139 “A Constituição vigorou cerca de 20 meses. A edição do Ato institucional nº 5, em 13 de dezembro de 1968, deu amplos poderes ao presidente e deixou de lado boa parte da Constituição. O AI-5 pode, sem exagero, ser considerado um dos atos mais arbitrários da história republicana.” VILLA, Marco Antônio. Op.cit., p. 100.
57
Carta de 1967 fez menção expressa à associação entre a República e a Federação,
logo no artigo 1º. Em seu propósito de mostrar-se democrática, exacerbou ao dispor
que o poder seria exercido em nome do povo, autodenominando-se
representativa.140
Quanto aos Estados-membros, confirmou-se mais uma vez no plano
constitucional a adoção da teoria dos poderes implícitos através da competência
remanescente.
Na Constituição de 1967 o imposto de exportação, que nas Constituições
anteriores estava sob a égide dos Estados, passou a ser de competência da União,
o mesmo também se pode afirmar com relação ao imposto sobre propriedade
territorial rural, com significativo desfalque nas finanças estaduais e incremento da
receita tributária da União. Esta situação permitiu ao governo federal estabelecer
uma relação de domínio sobre os Estados, cada vez mais dependentes dos
repasses federais. Tal cenário contribuiu para o agravamento das desigualdades
regionais.
Na Carta de 1967 merece menção ainda o mecanismo para evitar guerra
fiscal entre os Estados cujo emprego mirava o chamado imposto sobre operações
relativas à circulação de mercadorias. Citado mecanismo consistia na uniformidade
da alíquota, para todas as mercadorias, estabelecida pelo Senado Federal através
de Resolução tomada por iniciativa do Presidente da República. Assim competia à
Câmara Alta fixar as alíquotas máximas para as operações internas, para as
operações interestaduais e para as operações de exportação. 141
Aqui há um indicativo acerca da importância do Senado enquanto órgão
representativo dos Estados no sentido de dirimir conflitos e tensões gerados a partir
do exercício de sua competência tributária.
Aliás, o emprego dos termos “Fundo de Participação dos Estados” e “Fundo
de Participação dos Municípios” se deu pela primeira vez na Constituição de 1967,
na qual havia referência à composição dos citados fundos a partir de repasses
oriundos da União, em percentuais de 12% sobre os valores auferidos com a
arrecadação do imposto sobre produtos industrializados e do imposto sobre
140
“Art. 1º - O Brasil é uma República Federativa, constituída sob o regime representativo, pela união indissolúvel dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.” § 1º - Todo poder emana do povo e em seu nome é exercido.
141 Esta determinação constava do artigo 24, § 4º da CF/1967.
58
operações de crédito, câmbio, seguro. Havia também repasse aos Estados e
Municípios do montante de outros impostos de competência da União. 142
Portanto, o regime de 1964, estribado na Constituição de 1967, limitou a
autonomia estadual em nome de um controle político absoluto exercido pelo governo
federal.
Apesar do cenário desfavorável aos Estados-membros, destaque-se que foi
neste período que o governo militar, através dos fundos de participação dos Estados
e Municípios, elaborou uma equação de cooperação federativa que até hoje
representa um importante fator de desenvolvimento regional.
Vale esclarecer, entretanto, que essa medida, favorável ao maior equilíbrio na
distribuição dos recursos públicos, não suplantou o controle normativo e
administrativo imposto pelo governo federal aos Estados e Municípios, anulando boa
parte de sua capacidade de autogoverno, administração e investimento.143
Em 1969 o acirramento da ditadura fez surgir a Emenda Constitucional nº 1144
que alterou significativamente a Carta de 1967 a ponto de alguns doutrinadores
afirmarem ter se tratado de uma manifestação do Poder Constituinte Originário.145
142
Conforme o artigo 28 da CF/67 o governo federal repassava a Estados e Municípios parte do que arrecadava com os seguintes tributos: 40% da arrecadação do Imposto sobre produção, importação, circulação, distribuição ou consumo de lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos, 60% da arrecadação do Imposto sobre produção, importação, distribuição ou consumo de energia elétrica, 90% da arrecadação do imposto sobre extração, circulação, distribuição ou consumo de minerais do País.
143 “Pelo § 1º do artigo 2º, o Executivo estava autorizado a “legislar em todas as matérias e exercer as
atribuições previstas na Constituição”. A intervenção do Executivo federal nos estados e municípios era permitida sem as limitações previstas na Constituição.” VILLA, Marco Antônio. Op. Cit., p. 101.
144 Aliás, a Emenda nº 1 de 1969 foi outorgada no dia 17 de outubro por uma junta militar, tendo entrado em vigor no dia 30 de outubro de 1969. Apesar da polêmica que se estabeleceu em torno deste tema, é preciso esclarecer que na prática a referida reforma alterou profundamente a ordem constitucional de 1967, o que não significa necessariamente a assunção de uma nova Constituição. “Em 1969, a junta composta pelos Ministros que chefiavam cada uma das três Armas, e que assumiu o governo, depois de declarada a incapacidade, por motivo de saúde, do Presidente, promoveu uma alargada reforma da Constituição de 1967, por meio de ato que ganhou o nome de Emenda Constitucional n. 1/69. O Congresso Nacional havia sido posto em recesso. O novo texto tornou mais acentuadas as cores de centralização do poder e de preterimento das liberdades em função de inquietações com a segurança, que davam a feição característica do texto de 1967. Não poucos autores veem na Emenda n.1/69 uma nova Constituição, outorgada pela Junta Militar.” MENDES, Gilmar. Op. cit., p. 115.
145 O entendimento pelo qual o governo militar produziu em 1969 uma nova Constituição Federal é
defendido dentre outros constitucionalistas pelo mestre José Afonso da Silva nos seguintes termos: “[...] teórica e tecnicamente, não se tratou de emenda, mas de nova constituição. A emenda só serviu como mecanismo de outorga, uma vez que verdadeiramente se promulgou texto integralmente reformulado, a começar pela denominação que se lhe deu: Constituição da República do Brasil, enquanto
a de 1967 se chamava apenas Constituição do Brasil.” SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 2001, p.87.
59
3.2. Autonomia e endividamento estadual
Sob o manto da Constituição de 1988 há dificuldades na efetivação de ações
com vistas a resolver o antigo dilema do desenvolvimento regional no Brasil. Os
Estados mais pobres, pela carência de instrumentos institucionais, se mostram
incapazes de promover desenvolvimento a partir de sua própria base (política,
econômica, jurídica).
A necessidade de recursos tem levado os Estados a tomarem empréstimos
junto a União.146 Esse tipo de endividamento tem comprometido consideravelmente
a autonomia financeira estadual.147
Atualmente a União conta com um número de sete impostos, enquanto que
aos Estados e aos Municípios a Lei Maior atribuiu três impostos para cada. Portanto,
o ente central possui mais impostos que Estados e Municípios juntos. Ao longo do
constitucionalismo pátrio, os Estados tiveram parte de sua competência tributária
transferida à União.
Além disso, no âmbito da Carta de 1988 apenas o ente central poderá criar
novos impostos, bem como instituir empréstimos compulsórios e contribuições,
exceto as previdenciárias que também poderão ser criadas pelos demais entes
federados.
Aliás, em regra as contribuições sociais e econômicas criadas pela União,
pelas quais o governo federal amealha um montante considerável de recursos, não
compõem a receita para repartição do bolo tributário com Estados e Municípios.
146 “A reestruturação do endividamento dos estados com a União é outro desafio imposto ao Senado.
Mudança no índice de correção dessas dívidas, que chegavam a quase R$ 460 bilhões em dezembro de 2011, e a redução do percentual de comprometimento da receita corrente líquida dos estados com o pagamento desses débitos (atualmente de 13%) devem nortear esse debate.” (Agência Senado, Comissões - Assuntos Econômicos - Atualizado em 14.06.2012, http://www12.senado.gov.br/noticias/materias/2012/06/14/secretarios-de-fazenda-debatem-no-senado-distribuicao-dos-recursos-do-fpe-e-dividas-estaduais)
147 Em matéria publicada pela Agência Senado intitulada: “Comissão do Pacto Federativo deve
sugerir IPCA como indexador de dívidas dos estados” publicada no site do Senado no dia 11/06/2012, extrai-se o seguinte: “A dívida total dos governos estaduais, sem contar as estatais, somava quase R$ 453,5 bilhões em dezembro de 2011, conforme texto do Núcleo de Estudos e Pesquisas do Senado. Quando descontados os créditos que os estados têm a receber, a dívida líquida cai para R$ 404,6 bilhões, sendo a União credora de 90% desse montante. Os demais 10% representavam dívidas bancárias e dívidas externas. São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul concentravam 90% dos valores renegociados. Quinze anos após a última renegociação, os mesmos quatro estados lideram movimento pela mudança do índice, sendo os governos mineiro e gaúcho os que apresentam maior comprometimento de caixa com o pagamento da dívida.” Fonte:http://www12.senado.gov.br/noticias/materias/2012/06/11/comissao-do-pacto-federativo-deve-sugerir-ipca como-indexador-de-dividas-dos-estados
60
Deste modo, em vez de, por exemplo, majorar a alíquota de um determinado
imposto, a União tem preferido criar novos tributos não partilháveis.
Assim enquanto a União bate recordes de arrecadação tributária a cada ano,
os Estados não dispõem de mecanismos para incrementar o aumento de suas
receitas tributárias. Tal lógica faz com que o ente central mantenha tranquilamente a
ordem federativo-institucional pelo estabelecimento de uma relação em que parte
considerável dos Estados-membros e Municípios apresenta-se financeiramente
subserviente.148
A situação financeira dos Estados é realmente grave, a ponto de a União
colocar a sua disposição uma linha de crédito para realização de investimentos.149
Ocorre que este modelo de realização de projetos - através de financiamentos
e empréstimos obtidos pelos Estados no sistema bancário – tem agravado ainda
mais o problema de endividamento estadual, inviabilizando uma política racional de
investimentos.
Em tais empréstimos e financiamentos tem sido utilizado o “Índice Geral de
Preços” 150como indexador, quando o mais adequado aos interesses
estaduais151seria mesmo a adoção do “Índice Nacional de Preços ao Consumidor
Amplo”.152
148
“Contrariamente, porém, às aflições da União, as dificuldades dos estados tendem a ser mais profundas e de solução mais demorada. Enquanto o governo federal pode lançar mão de poderes fiscais, monetários e creditícios para minimizar descompassos conjunturais entre receitas e despesas, os estados têm que recorrer a paliativos e aguardar as melhorias decorrentes da recuperação da economia nacional. Nesse entrementes, premido pelas pressões inflacionárias sobre os custos crescentes de manutenção de sua burocracia, confrontados com a inelasticidade de sua base tributária já distendida ao máximo e com a sua capacidade de endividamento quase esgotada, os governadores vêm sendo obrigados a promover cortes expressivos na execução de seus orçamentos” PINTO, Aluísio Loureiro. Os estados e a racionalização administrativa. Revista de administração municipal. Rio de Janeiro, jan/jun de 1976, p.11-50.
149 Diante da falta de capacidade de investimento no plano estadual, em 2012 o governo federal pôs à
disposição dos Estados-membros uma linha de empréstimos para fomentar a efetivação de políticas públicas, investimentos e realização de obras de infraestrutura, pelo qual os Estados terão crédito especial com aporte em torno de R$ 20 bilhões pelo BNDES e com prazo de 20 anos para pagamento a juros “módicos” de 7,1% a 8,1% ao ano. Fonte: Reportagem do Jornal o Estado de São Paulo do dia 15/06/2012 com o título: “Mantega confirma linha de crédito de R$ 20 bilhões para Estados”.Fonte: Eduardo Cucolo e Célia Froufe, da Agência Estado.
150 IGP-DI é o chamado ‘Índice Geral de Preços - Disponibilidade Interna’ cujo cálculo é feito pela
Fundação Getúlio Vargas, este é na atualidade o índice utilizado não correção das dívidas dos Estados-membros.
151 Este tema é recorrente nas discussões e seminários promovidos pela UNALE em que na
atualidade o pacto federativo tem sido debatido intensamente. Na Revista da UNALE de nº 58 as Assembléias Legislativa manifestam forte preocupação com a questão da dívida dos Estados-membros para com a União, como se percebe a seguir: “A substituição do IGP- -DI pelo IPCA como
61
A substituição do índice “Índice Geral de Preços” pela SELIC, no que tange à
indexação das dívidas estaduais, agravaria ainda mais a situação financeira dos
Estados.
Com vistas a evitar a insolvência, tramitam projetos legislativos dedicados à
mudança do indexador da dívida pública estadual. 153
O fomento ao desenvolvimento regional feito a partir da União mediante
transferência de receitas tributárias advindas de impostos (Imposto sobre Produtos
Industrializados, Imposto sobre Operações Financeiras e Imposto de Renda) e
contribuições (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) que compõe os
índice de correção da dívida, retroativamente à data de assinatura dos contratos; a redução do percentual máximo de comprometimento da recei- ta líquida dos estados; o ajuste da taxa de juros, para manter o equilíbrio econômico-financeiro à época da assinatura e a celebração de compromisso de modo a que todo o eventual ganho possibilitado pela renegociação aos orçamentos estaduais seja obrigatoriamente direcionado a investimentos em saúde pública, no enfrentamento da pobreza e na melhoria da infraestrutura. São esses os principais pontos da “Carta de Minas”, na qual os presidentes das Assembléias Legislativas da região Sudeste (Minas, Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo) definem os parâmetros para a renegociação da dívida dos estados brasileiros com a União. (...) O assunto foi debatido no dia 13 de fevereiro, na Assembléia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), na capital mineira, com a participação de representantes dos estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Espírito Santo, Amazonas, Goiás, Sergipe, Maranhão, Rio Grande do Sul e Acre, com o apoio da União Nacional dos Legisladores e Legislativos Estaduais (Unale). A dívida dos 23 estados com a União supera R$ 350 bilhões. Para o presidente do Colegiado de Presidente das Assembléias Legislativas, Dinis Pinheiro (PSDB/MG), é uma situação “insustentável”. Daí, a necessidade da redução da taxa dos juros cobrada e a mudança da base de cálculo. Durante o encontro, o presidente da Unale, José Luis Tchê (PDT/AC) adicionou mais um item na discussão e estados mais pobres. Segundo ele, o montante da dívida dos grandes estados não pode ser comparado ao do Acre e Sergipe, que “deveriam realmente ter anistia”. Tchê lembrou, ainda, que a dívida dos estados com a União subiu de R$ 93,2 bilhões, em 1998, para R$ 350 bilhões, em 2010 – alta de 471% em juros, aferidos pelo IGP-DI com correção de 6% ao ano. “Um índice bem superior às taxas de outras modalidades de financiamento, o que mostra que as dívidas dos Estados são um bom negócio para a União”, comentou. O presidente da Unale considera de fundamental importância debater as relações do governo federal com os estados e municípios e, mais importante, levar o assunto para conhecimento da população. Ele lamenta que, apesar da União arrecadar R$ 1,5 trilhão em impostos (R$ 7,5 mil por cada cidadão brasileiro), estados e municípios são obrigados a ir a Brasília “de pires na mão para buscar recursos”. (Revista UNALE, ano XIII, nº 58, Editora do Senado Federal , março de 2012, p.26 a 29)
152 IPCA – ‘Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo’ é calculado pelo IBGE.A idéia de
adoção deste índice como indexador das dívidas estaduais é objeto de projeto de lei do Senado: PLS nº 86/2012.
153 “Os contratos firmados entre estados e União, com base na Lei 9.496/1997, prevêem 30 anos de
prazo de pagamento. Após esse período e havendo valores residuais, a lei prevê mais dez anos para quitação. Na proposta dos especialistas, esse prazo para quitar o saldo residual pode desaparecer, ficando estabelecido o pagamento conforme o limite de comprometimento, no tempo necessário. A proposta dos especialistas é semelhante a projeto (PLS 86/2012 – Complementar) apresentado pelo senador Francisco Dornelles (PP-RJ). O parlamentar também sugere a adoção do IPCA e fixa os juros em, no máximo, 3% ao ano. Dornelles, no entanto, propõe que o novo indexador seja aplicado retroativamente à data da assinatura do contrato de financiamento.” Agência Senado. Fonte: http://www12.senado.gov.br/noticias/materias/2012/06/11/comissao-do-pacto-federativo-deve-sugerir-ipca-como-indexador-de-dividas-dos-estados.
62
fundos de participação e os fundos constitucionais de desenvolvimento regional, não
tem sido suficiente para alavancar o desenvolvimento das Regiões Norte e Nordeste.
Nas diversas regiões do País é preciso atentar ainda para as disparidades
econômicas entre as unidades federativas. Cada Estado trava uma luta ferrenha em
favor da afirmação de sua autonomia financeira.
No Brasil os Estados das regiões Sul e Sudeste lidam melhor com esse
problema pelo fato de possuírem uma economia dinâmica que lhes possibilita auferir
uma boa receita tributária. Nas demais regiões do País a fraca economia
compromete a saúde das finanças públicas. Em razão desta fragilidade econômica é
que os Estados das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste auferem a maior parte
dos recursos do FPE.
Diante disto, tem-se que boa parte dos recursos advindos da repartição
tributária destinados aos Estados-membros, em nome do Federalismo cooperativo,
acaba voltando à União em forma de pagamento de juros da dívida pública. Esta
lógica compromete o ambiente de harmonia federativa pela necessidade que os
Estados têm de competirem entre si em busca de recursos, e pela afirmação da
União enquanto maior fonte de recursos para investimentos no âmbito dos Estados e
Municípios. O fato é que a autonomia financeira dos entes federados revela-se
fundamental à saúde da Federação brasileira.
3.3. Autonomia, desenvolvimento e integração
Pela atuação do Constituinte de 1988 depreende-se que os Estados-membros
ainda não se achavam devidamente preparados para o exercício pleno de sua
própria autonomia.
“O que se dizia, no passado, é que as autonomias locais, Prefeitos e
Vereadores, e também as autoridades regionais, Governadores ou
Assembleias Legislativas, estariam utilizando mal sua autonomia e
fixando valores remuneratórios absurdos pelos respectivos servidores.
Em nenhum momento da discussão sobre o assunto se cogitou do
enfraquecimento da autonomia dessas entidades, em matéria fortemente
63
relacionada à arrecadação e à capacidade econômica de cada uma
delas, como decorrência da instituição do teto remuneratório.” 154
Lamentavelmente, problemas estruturais têm recebido soluções paliativas, em
flagrante desprestígio à autonomia estadual, sem que se conceda aos Estados
maiores possibilidades de atuação. Além da reforma tributária, o incremento das
competências concorrentes a partir de algumas competências privativas atribuídas
atualmente à União, certamente operariam em favor da superação das
desigualdades regionais.
A insistência na manutenção e preservação do atual modelo federativo,
inadequado à realidade brasileira do Século XXI, tem produzido graves
desdobramentos políticos, sociais e econômicos, prejudiciais à almejada instituição
de uma forma de Estado verdadeiramente cooperativa.
Existem dificuldades na efetivação de vários dispositivos da Constituição de
1988 (art.3º, III; art.21, IX; art.25, §3º; art.43, § 2º, III; art.151, I; art.159, I, a, b, c;
art.163, VII; art.165, § 7º; art.170, VII, art.174, §1º) que favoreceriam o ideal
cooperativo em prol do desenvolvimento regional em temas tais como: Mecanismos
de transferências constitucionais, incentivos fiscais federais, instrumento de
planejamento regional, competência para planejamento regional, dentre outros.
A necessidade de execução compartilhada de serviços públicos exige a
criação de regulamentos pelos quais se estabeleçam condições para a cooperação
federativa na prestação de tais serviços públicos.155
154 RAMOS, Elival da Silva. As novas fronteiras do federalismo – Organização Mônica Herman Caggiano (e) Nina Ranieri. O federalismo no Brasil – São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2008. p. 172.
155 “(...) Dessa forma, a União, os Estados-Membros e os Municípios devem cooperar e desenvolver
atividades conjuntas para atender melhor a população em suas necessidades. Infelizmente, a ausência de regras precisas sobre como o relacionamento entre as três esferas de governo deve ocorrer, parece fazer surgir um vazio na atuação dos entes federativos, pois falta uma regulamentação clara de quem cuidará de algumas questões sociais, já que a norma constitucional, prevista no parágrafo único do art. 23 da Constituição, ainda carece de regulamentação: "Leis complementares fixarão normas para cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem estar em âmbito nacional”. Este vazio pode ser suprido, pela descentralização das ações e desde que haja participação de todos os entes interessados na implantação de determinada política, de maneira coordenada e cooperativa.” TAVARES, Alessandra Schettino. O federalismo cooperativo no Brasil [manuscrito]: o perfil do Estado brasileiro segundo a Constituição Federal de 1988 / Biblioteca digital da Câmara dos Deputados, Brasília-DF, 2009, p.38.
64
O Federalismo cooperativo no plano constitucional poderá se efetivar
independentemente de regulamentação, como ocorre com a repartição das receitas
tributárias. 156
A cooperação na execução comum de serviços é fundamental, mas exige
articulação e boa vontade dos entes envolvidos, o que pressupõe um ambiente de
harmonia federativa. Portanto, quanto mais tensas as relações federativas se
apresentarem, mais difícil será obter consenso para colaboração recíproca na
prestação de serviços públicos.
Outro tema importante no tabuleiro federativo é a possibilidade de
participação dos Estados-membros nas relações internacionais em favor da defesa
de seus interesses.
Em verdade, o fortalecimento da autonomia estadual e o aperfeiçoamento da
ordem jurídica (federal e estadual) mostram-se fundamentais diante das
possibilidades oriundas da globalização e da integração econômica (internacional e
doméstica).
No plano internacional a autonomia estadual não se sustenta. Deste modo, a
soberania apresenta-se como atributo que caracteriza apenas a união e que
compreende nela própria a autonomia, fração do poder soberano concedido pela Lei
Maior aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios. 157
As relações federativas no Brasil não se mostram afetadas pela interface
entre soberania (união) e autonomia (entes federados), mas sim pelo trato entre
autonomias, vale dizer, entre a autonomia da União, forte, e a autonomia dos entes
subnacionais, enfraquecida.
A relação entre autonomia e soberania é mesmo de subordinação, lógica esta
que não deveria prevalecer entre autonomias. Deste modo, da relação entre os
156
Neste sentido é que Alessandra Schettino Tavares afirma acertadamente que: “O federalismo cooperativo de viés democrático se propõe exatamente a minimizar estes desvios, por meio da elaboração e da implantação descentralizada das políticas, buscando a participação coordenada e cooperativa de todos os entes federados interessados. Assim, o planejamento geral, que requer uma visão global do todo, compete à União e a implantação das políticas fica a cargo do membro federado, com o apoio técnico, administrativo e financeiro dos outros entes.” Ibdem, p. 37.
157 “A soberania, já o dissemos, também é um poder de auto-determinação. A sua distinção de
autonomia consiste, justamente, em não ter o seu campo de ação diretamente determinado por outrem.” MELLO, Oswaldo Bandeira. Op. Cit., p. 96.
65
entes federados é normal que se espere cooperação e coordenação, todavia quando
daí decorre subordinação, é porque algo não vai bem.
Em regiões de fronteira afloram oportunidades que exigem celeridade na
celebração de acordos econômicos.158A Constituição de 1988 não permite a atuação
direta dos Estados-membros no plano internacional. O Direito Internacional permite
que apenas Países e organismos internacionais celebrem tratados internacionais.
Em verdade, o que se pretende aqui não é a concessão de competência para
os Estados-membros produzirem tratados internacionais, mas o incremento das
condições pelas quais se possibilite sua atuação plenipotenciária no âmbito das
relações internacionais em prol da defesa de seus interesses quando se apresente
plausível a hipótese de realização de acordos com outros Países, cuja repercussão
seja notadamente regional.
Note-se que aqui estamos a falar de acordos feitos entre Países, cujo
interesse regional possibilitaria sua feitura pelos Estados-membros a partir de
autorização emanada pelo Estado nacional.
“No tocante à política externa e à integração regional, agrega-se a esse
cenário um outro elemento desconsiderado até o momento: os Estados
subnacionais (não são considerados pelo direito internacional público como
atores válidos desse sistema. Portanto, sua participação deve ser realizada
por meio das instituições federais competentes.” 159
A respeito do modo como alguns Países lidavam no Século XX com a
possibilidade de atuação dos Estados-membros na esfera internacional, assim
manifestou-se Willoughby: 160
“É permitido aos Estados-membros terem intercâmbio com os Estados
estrangeiros e mesmo elaborarem tratados com eles no que diz respeito a
certos interesses locais. Porém, em caso algum, é permitido aos Estados-
membros terem relações diretas com os Estados estrangeiros nos assuntos
de importância política geral. Os Estados federais, todavia, respondem
158
O acordo é uma espécie de tratado internacional. “(...) Comumente emprega-se a expressão para designar tratados de natureza econômica, financeira, comercial ou cultural, podendo, contudo, dispor sobre segurança recíproca, projetos de desarmamento, questões sobre fronteiras, arbitramento, etc.”. MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direito internacional público. São Paulo: Ed. RT, 2006, p. 121.
159 MARIANO, Marcelo Passini e MARIANO, Kariana I. P. As teorias de integração regional e os
estados subnacionais. Impulso nº 31, 2002, p. 49.
160 WILLOUGHBY, Westel W. The fundamental concepts of public Law, New York, 1931, p. 215. Apud
MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira. Op.cit. PP. 84, 85.
66
perante os Estados estrangeiros, por todos os atos praticados pelos
Estados-membros, que infrinjam o direito internacional ou as obrigações
provenientes dos tratados quer os tenham realizados em virtude de uma
autorização ou nos limites das suas competências.”
Destarte, é preciso desembaraçar ao máximo o exercício da atuação
plenipotenciária161 dos Estados-membros, através da carta de plenos poderes, com
vistas à celebração de acordos internacionais em temas de interesse estadual sob a
supervisão da União, o que certamente impulsionaria o desenvolvimento regional.162
Nesta toada, a integração econômica internacional163 exige do Brasil uma
reforma legislativa a fim de tornar a economia nacional mais competitiva, pela
eliminação de gargalos fiscais e problemas de infraestrutura que encarecem nossos
produtos em comparação com os de outros Países.164
161
“Os representantes dos Estados ou Organizações Internacionais apresentam-se às negociações munidos de uma carta de plenos poderes. A carta de plenos poderes é o documento pelo qual o Estado ou Organização Internacional concede poderes de representação ao chefe da missão diplomática para uma determinada negociação. Tal documento está na origem do próprio termo diplomacia, que vem do grego di ploûm, ou diploma, que significa dobrado em dois, representando o documento que os representantes dos Estados portavam indicando seus poderes. Era um documento em pergaminho, encadernado, elaborado com esmero, de modo a apresentar certa solenidade.” VARELLA, Marcelo Dias. Direito internacional público. 2ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 29.
162 “No caso brasileiro, a competência do Chefe do Poder Executivo para celebração de tratados é
privativa, o que permite que haja delegação, por sinal, muito comum nos atos internacionais, uma vez que o Presidente da República tem outras funções além de celebrar tratados. A Constituição brasileira de 1988 diz competir privativamente ao Presidente da República “manter relações com Estados estrangeiros e acreditar seus representantes diplomáticos” (art. 84, inc. VII). Essa competência normalmente é delegada aos Ministros das Relações Exteriores (Ministros dos Negócios Estrangeiros ou dos Assuntos Estrangeiros) ou aos Chefes de Missão Diplomática. Todo funcionário de carreira, entretanto, acreditado ou credenciado pelo país estrangeiro, pode ser agente plenipotenciário. (...)” MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Op. Cit., p. 129.
163 “(...) Os governos subnacionais são muito vulneráveis nos processos de integração regional
porque não possuem poder decisório direto para lidar com seus efeitos. Quando um Estado subnacional é prejudicado por uma política adotada no Mercosul, por exemplo, ele tem de se reportar à estrutura do governo federal para conseguir alguma compensação ou adaptar-se para minimizar suas perdas, o que nem sempre é viável. Uma forma de enfrentar essa tendência é a criação de mecanismos decisórios ou de estruturas capazes de representar os interesses subnacionais e de influir tanto no interior do Estado nacional quanto no âmbito da integração regional. Um exemplo disso seria a última reforma constitucional argentina, que permitiu às províncias negociarem acordos internacionais desde que não entrem em contradição com os compromissos assumidos pelo Estado nacional, ou então o caso do Estado de Otawa, Canadá, que tem ascendido enquanto ator internacional principalmente devido à sua importância econômica, comercial e tecnológica para o país.” Marcelo Passini MARIANO e Kariana I. P. MARIANO. Op. Cit., p. 65/66.
164 MARTINS FILHO, Luiz Dias. O federalismo fiscal brasileiro sob a ótica da integração econômica
internacional. Cad. Fin. Públ., Brasília, n.8, p. 41-100, dez.2007, p.63.
67
3.4. Sistema de governo e autonomia estadual
Num sistema federativo equilibrado certamente não se toleraria um formato
de presidencialismo como o disposto pela Constituição Cidadã, em que por motivos
financeiros, no final das contas, Estados e Municípios tem sua autonomia lesionada
pelos ditames do governo federal.165
O presidencialismo não é um elemento essencial ao Federalismo, haja vista
que este sistema de governo também poderá compor a forma de Estado unitário
onde o governo nacional domina as questões políticas mais importantes. Além do
mais, a Federação poderá fazer-se acompanhar do sistema parlamentarista. 166
Com efeito, a centralização se mede pelo modo como se dá a delegação de
poderes às unidades administrativas. É oportuno lembrar que o presidencialismo no
modelo unitário não é necessariamente sinônimo de autoritarismo - apesar da
natureza centralizadora do Unitarismo se amoldar muito bem aos interesses dos
regimes de exceção – haja vista que poderá muito bem associar-se à Democracia e
à separação dos poderes com imposição de limites a atuação do Poder Executivo,
como proposto pela teoria dos freios e contrapesos.167
“Ademais, a descentralização do poder do Estado é precisamente uma
das formas de controlar o próprio Estado; de saber como as relações de
poder estão estruturadas no Estado.” 168
165
“A recente expansão da autoridade federal levou a apelos por mais um novo federalismo – desta vez para inverter a tendência centrípeta. Em particular, tem havido apelos para diminuição da dependência dos estados em relação às subvenções federais, ou pelo menos, para eliminar algumas das condições que precisam ser satisfeitas antes que os recursos financeiros federais sejam concedidos.” SCHWARTZ, Bernnard. O federalismo norte-americano. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1984, p. 65.
166 “Note-se, porém, que a evolução do federalismo dual, para um modelo de federalismo centrípeto
e cooperativo, possibilitou maior centralização de poderes na União, seja no Presidente da República, seja no Congresso Nacional. (...) Dessa forma, à evolução centralizadora do federalismo correspondeu um maior fortalecimento do regime presidencialista de governo e do Legislativo Nacional.” MORAES, Alexandre de. Federação Brasileira — Necessidade de Fortalecimento das Competências dos Estados-Membros. Op. Cit., p. 13.
167 “A luta pela concretização democrática na América Latina, e, especialmente no Brasil, que seguiu
os modelos federalista e presidencialista norte-americanos, tem gerado grande debates sobre as difíceis escolhas dos modelos institucionais a serem implantados, os poderes e funções presidenciais, os controles e a fiscalização: bem como a divisão de competências entre União, Estados e Municípios.” Ibdem, p. 11.
168 FIGUEIREDO, Marcelo. Federalismo x centralização. A eterna busca do equilíbrio – a tendência
mundial de concentração de poderes na União. A questão dos governos locais. As novas fronteiras do federalismo. Organização Mónica H. Caggiano (e) Nina Ranieri. São Paulo: Imprensa oficial de São Paulo, 2008, p. 121.
68
A estabilidade democrática e o fortalecimento da autonomia estadual
reclamam por alteração no modelo de divisão constitucional de competências para
superação de um modelo político em que o Federalismo presidencialista gera
excessiva centralização de poder em torno da União, apesar dos esforços para
superação de resquícios autoritários, advindos da ditadura, através dos controles
oriundos da separação dos poderes.169
Com relação à hipótese de adoção do parlamentarismo no contexto da
Constituição Cidadã tem-se que pelo plebiscito de 1993 o Brasil fez sua opção pelo
sistema de governo presidencialista. Diante disto, qualquer pretensão atinente à
adoção do parlamentarismo, a nosso sentir, exigiria a atuação do Poder Constituinte
Originário.
169
MORAES, Alexandre de. Federação Brasileira — Necessidade de Fortalecimento das Competências dos Estados-Membros. Op. Cit.,p. 16.
69
CAPÍTULO 4
O PODER CONSTITUINTE DECORRENTE
4.1. Poder Constituinte Decorrente e Poder Legislativo estadual; 4.2. O
espaço de atuação do Poder Decorrente no Brasil; 4.3. A Constituição
Analítica e seus efeitos no plano estadual; 4.4. O cerceamento do Poder
Decorrente para preservação da união.
4.1. Poder Constituinte Decorrente e Poder Legislativo estadual
Alexandre de Moraes170sobre o Poder Constituinte Derivado Decorrente
esclarece que “consiste na possibilidade que os Estados-membros têm, em virtude
de sua autonomia político-administrativa, de se auto-organizarem por meio de suas
respectivas Constituições estaduais.”
A autonomia dos Estados-Membros deveria permitir-lhes adequar plenamente
a Constituição Estadual aos seus interesses e particularidades através da atuação
do Poder Decorrente.
O Poder Constituinte Decorrente é limitado por dispositivos elencados na
Constituição Federal. Os limites manifestam-se não apenas pelos princípios
sensíveis, mas também por outros dispositivos, inclusive implícitos, que restringem o
espaço de atuação estadual.
O Poder Legislativo e o Poder Constituinte são forças criadoras de normas,
todavia as diferenças entre eles são expressivas. Além de possuírem atribuições
distintas, tem-se que a origem de um depende da atuação do outro. O Poder
Legislativo estadual atua a partir dos ditames do Constituinte Decorrente e a atuação
deste se pauta nos termos da Lei Maior a partir dos desígnios do Poder Constituinte
Originário. Assim, o ponto de partida do Estado e do Direito se estabelece a partir do
Poder Originário.
170
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. Op.cit. p. 29.
70
A convocação de uma Assembleia Constituinte se dá numa fase pré-
constitucional, enquanto que a formação da Constituinte Estadual sempre pressupõe
a existência de uma Constituição Nacional que lhe concede lastro.
Aliás, a criação e reforma da Constituição Federal ocorre por diferentes
manifestações do Poder Constituinte. Entretanto, no plano estadual a norma
constitucional é criada e reformada apenas pelo Poder Decorrente.
Destarte, a Assembleia Legislativa, cujas atribuições se pautam no art. 27 da
Carta Magna, não se confunde com o Poder Decorrente - regulado pelo art. 11 do
Ato das Disposições Constitucionais Transitórias - mesmo porque, como já
salientado, a competência constitucional estadual antecede-se àquela competência
concedida pela Constituição Estadual à Assembleia Legislativa.
O Poder Decorrente como manifestação do Poder Derivado é condicionado,
limitado e autônomo, como bem esclarece Tércio Sampaio Ferraz: 171
“O poder constituinte decorrente, costuma-se dizer, não é soberano, mas
goza de autonomia. Autonomia significa a competência, em virtude de
direito próprio e não de delegação, de estabelecer normas jurídicas
vinculantes. A autonomia tem algo da originalidade, na medida em que é, no
âmbito territorial de sua competência, princípio de uma ordem. Dela se
separa, porém, na medida em que este atributo da principialidade nasce
condicionado. Principialidade significa que os atos do poder constituinte são
vistos como início, o começo de algo novo, suas normas não pertencem a
um sistema por força de procedimentos e competências previstos, posto
que não se inserem nele, mas o instauram.”
No Brasil o Poder Decorrente não é eleito especificamente para produzir a
Carta Magna estadual, tal atribuição é conferida pela Lei Fundamental às
Assembleias Legislativas. A escolha de uma Assembleia Constituinte estadual,
desvinculada da Assembleia Legislativa, poderia ter contribuído para o melhor
aproveitamento dos espaços disponíveis nas Constituições Estaduais.
A urgência imposta pela Carta de 1988, para atuação do Poder Decorrente,
cooperou para deflagração de um procedimento que desfavoreceu o surgimento de
uma Constituição Estadual comprometida com a realidade regional. A adequação da
171
FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio Princípios condicionantes do poder constituinte estadual em face da constituição federal. Revista de Direito Público, São Paulo, v. 22, 1989, p.01.
71
Carta Estadual, aos interesses tipicamente estaduais, é fundamental para afirmação
da natureza democrática do Federalismo pátrio.
No âmbito da Constituição Cidadã o Brasil não conseguiu utilizar
adequadamente as potencialidades ofertadas pelo constitucionalismo estadual.
Portanto, estamos diante de uma área ainda pouco explorada e subestimada,
inclusive, pelo Constituinte Decorrente que se manteve pouco operante diante de
suas possibilidades de atuação autônoma para além da histórica dependência
econômica e política dos Estados-membros em face do ente central.
4.2. O espaço de atuação do Poder Decorrente no Brasil
Nos Estados Unidos o estabelecimento de amplo espaço de atuação dos
Estados-Membros se deu em virtude de fatores que foram determinantes durante as
negociações que fizeram surgir uma Federação por agregação.172 No Brasil o
Federalismo não adveio do consenso das coletividades. Entretanto, a desagregação
do Estado unitário não significou, pelo menos no caso brasileiro, a construção de um
Estado federal com cerceamento das competências estaduais no âmbito da primeira
Carta republicana.
Interessante é que mesmo na vigência da Constituição de 1891 a doutrina
brasileira tecia fortes críticas ao domínio do governo federal sobre os Estados-
membros, especialmente quanto à questão da intervenção federal. Naquela ocasião,
criticava-se ainda a atuação do Poder Judiciário federal na limitação dos atos
produzidos no âmbito estadual, bem como a falta de mecanismos pelos quais a
Justiça dos Estados pudesse limitar a atuação do Congresso Nacional. 173
Apesar do grande número de competências estaduais expressas, a teoria dos
poderes implícitos estava presente na Constituição de 1891 facultando aos Estados
dispor sobre tudo aquilo que não lhes fosse negado nas cláusulas presentes na
172
TARR.Allan. Op. Cit., p. 04.
173 Neste sentido é que Cardoso de Oliveira em obra do início do Século XX, assim manifestou-se:
“Os Estados são absolutamente mesmo privados de toda deffesa effectiva de suas prerrogativas evidentes, porque não são elles, mas os poderes nacionaes, que têm a missão de determinar com uma auctoridade decisiva e incontestada, quaes são os poderes do Estado que, no caso de contestação, ou de conflicto serão reconhecidos. Em resumo, um dos privilégios que os Estados têm abandonado às mãos do governo federal, é o que comprehende todos os outros, o de determinar o que elles mesmos podem fazer. As Côrtes federaes podem annullar a acção dos Estados, mas as Côrtes dos Estados não podem deter a expansão do poder do Congresso.” OLIVEIRA, Virgílio Cardoso de. A intervençao federal nos estados estudada a luz da doutrina, da legislacao comparada e em face da Constituicao Brazileira. Pará, TYP, Imprensa Official, 1903, p. 09.
72
Constituição.174 Posteriormente, já na fase de centralização legislativa, este
mecanismo passou a fazer parte das demais Constituições Federais brasileiras,
passando a falsa impressão de que o campo de atuação dos Estados seria mais
vasto do que realmente era.
Desta forma, o Federalismo brasileiro adotou a teoria dos poderes implícitos
reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal175 e pela doutrina constitucionalista
nacional. 176
“Incorporou-se em nosso ordenamento jurídico, portanto, a pacífica doutrina
constitucional norte-americana sobre a teoria dos poderes implícitos —
inherent powers —, pela qual no exercício de sua missão constitucional
enumerada, o órgão executivo deveria dispor de todas as funções
necessárias, ainda que implícitas, desde que não expressamente limitadas
(Myers v. Estados Unidos US — 272 — 52, 118), consagrando-se, dessa
forma, e entre nós aplicável ao Ministério Público, o reconhecimento de
competências genéricas implícitas que possibilitem o exercício de sua
missão constitucional, apenas sujeitas às proibições e limites estruturais da
Constituição Federal.” 177
A intromissão da União em assuntos pertinentes à rotina dos Estados e
Municípios já incomodava a Aliomar Baleeiro quando observou a tendência de
enfraquecimento da autonomia estadual apesar da superação da centralização
monárquica pela República federativa, configurando-se - em sua visão - numa
situação de flagrante paradoxo. 178
174
Esta disposição está contida no artigo 65, 2º) da primeira Constituição da República.
175 “Ora, é princípio basilar da hermenêutica constitucional” o dos “poderes implícitos”, segundo o
qual, quando a Constituição Federal concede os fins, dá os meios.” (HC 91.661-PE, 03/04/2009)
176 Nos EUA consagrou-se a doutrina dos poderes implícitos - oriunda da Suprema Corte norte-americana a partir do julgamento do caso MacCulloch vs. Maryland em 1819 - pela qual a conferência de função a uma autoridade faz-se acompanhar, de modo implícito, dos meios imprescindíveis a sua
boa execução. “Na sua gênese, o federalismo continha um pacto implícito, segundo o qual ficariam reservadas às vontades parciais tudo o que não explicitamente indicado como de alçada da vontade central.” ARAÚJO, Luiz Alberto David, NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. – 9ª ed. - São Paulo: Saraiva, 2005, p. 261.
177 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. Op.cit., p. 610.
178 A este respeito Baleeiro tece a seguinte observação: “(...) Depois que a nossa República passou a
chamar-se de ‘federativa’, por amarga ironia a autonomia local — seja a do Estado- Membro, seja a do Município — vem sendo metida num colete de aço,que o legislador federal pode apertar com larga discrição.” AMARAL JÚNIOR, José Levi Mello do. Memória jurisprudencial [recurso eletrônico]: Ministro Aliomar Baleeiro. Brasília: STF, 2006. P.421.
73
José Afonso da Silva179, sobre o espaço de atuação do Poder Constituinte
Decorrente, ensina que há limites oriundos dos chamados princípios sensíveis cuja
violação possibilitaria a instauração de intervenção federal, bem como dos princípios
fundamentais da ordem política, social, econômica e administrativa. Tais limites se
constituiriam em vedações expressas ou implícitas com vistas a tolher a atuação do
Poder Decorrente. 180
Percebe-se assim que o Poder Decorrente encontra-se limitado não apenas
por disposições expressas, mas também por ponderações tácitas. A este respeito
esclarece Oswaldo Trigueiro: 181
“(...) Em princípio, pois, os poderes dos Estados se estendem a tudo o que
não lhes é proibido por norma constitucional federal, ou não haja sido
atribuído privativamente à União, quer por preceito explícito, quer por estar
implicitamente contido nos poderes expressos.”
A participação dos Estados nos destinos da Federação, através do exercício
de sua autonomia, é uma exigência que quando descumprida fragiliza a união.
Entretanto, os Estados não têm a exata dimensão sobre o que podem ou não fazer
em matéria constitucional. Esse quadro de incertezas repercutiu na construção das
Constituições Estaduais brasileiras em 1989 e tem reforçado a apatia na disciplina
dos interesses regionais.
Destarte, trata-se de um pântano jurídico no qual as competências legislativas
dos Estados-Membros não estão devidamente claras, tampouco há luz suficiente
para clarear a extensão de suas vedações, pelo fato delas poderem também advir
de dispositivos implícitos que exigem interpretação acurada para terem sua essência
extraída.
4.3. A Constituição Analítica e seus efeitos no plano estadual
A Carta Magna não deveria cuidar amplamente de temas pertinentes à
legislação infraconstitucional. A Constituição de 1988 desprestigiou as Constituições
Estaduais por lhes deixar pouco espaço de atuação própria.
179
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. Op.cit., p.520-521.
180 CUNHA FERRAZ, Anna Cândida. Poder Constituinte do Estado-Membro. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1979, p. 133.
181 TRIGUEIRO, Oswaldo. “Direito Constitucional Estadual”, Editora Forense, 1980, p. 84.
74
Jorge Miranda182 referindo-se ao conteúdo da Constituição Cidadã destacou
sua natureza detalhista manifestada pela própria extensão de um texto
demasiadamente prolixo. Em verdade, a Carta de 1988 poderia ter se pautado muito
mais em bases axiomáticas, deixando aos Estados-membros um campo maior para
que legislassem com maior desenvoltura em homenagem a sua autonomia e ao
fortalecimento do próprio Federalismo.
A Constituição Federal analítica não favorece o desenvolvimento do Direito
Estadual por abarcar uma série de temas que poderiam estar dispostos na
legislação ordinária e na Constituição Estadual. A excessiva abrangência normativa
da Lei Maior fez com que a Carta Estadual passasse a reproduzir em seu texto uma
série de temas já dispostos na Lei Fundamental.
Aliás, tornou-se um problema a decisão de se transladar para a Carta
Estadual tantos dispositivos da Lei Maior, pois tais matérias reproduzidas não
poderão sofrer reforma constitucional substancial no plano estadual antes de uma
iniciativa reformadora no âmbito federal.183
182
Em palestra preferida durante evento comemorativo dos 20 anos da Constituição de 1988, Miranda assim se posicionou sobre alguns aspectos da Lex Major brasileira relacionados ao modelo de estado federal adotado e às relações daí decorrentes, sobretudo àquelas atinentes à autonomia dos Estados-membros: "Sendo o Brasil um país federal, uma República federativa, eu acredito que muitas dessas matérias poderiam ser deixadas para as Constituições dos Estados. Parece-me que é muito diferente a explicitação de muitos dos princípios (da Constituição) no Estado de São Paulo e, por exemplo, no Estado do Rio Grande do Norte. Acho que deveria haver maior maleabilidade na Constituição, deixando uma margem maior aos Estados, para, através de suas constituições, adotarem os grandes princípios constitucionais. A Constituição poderia ser mais principialista e deixar maior liberdade aos Estados federados" Fonte: UOL Notícias em Brasília. Claudia Andrade em 10/10/2008.
183 "(....) a ação direta de inconstitucionalidade tem como causa petendi, não a inconstitucionalidade
em face dos dispositivos invocados na inicial como violados, mas a inconstitucionalidade em face de qualquer dispositivo do parâmetro adotado (a Constituição Federal ou a Constituição Estadual). Por isso é que não há necessidade, para a declaração de inconstitucionalidade do ato normativo impugnado, que se forme maioria absoluta quanto ao dispositivo constitucional que leve cada juiz da Corte a declarar a inconstitucionalidade do ato. Ora, para se concluir, em reclamação, que a inconstitucionalidade argüida em face da Constituição Estadual seria uma argüição só admissível em face de princípio de reprodução estadual que, em verdade, seria princípio constitucional federal, mister se faria que se examinasse a argüição formulada perante o Tribunal local não apenas - como o parecer da Procuradoria-Geral da República fez no caso presente, no que foi acompanhado pelo eminente Ministro Velloso no voto que proferiu - em face dos preceitos constitucionais indicados na inicial, mas também, de todos o da Constituição Estadual. E mais, julgada procedente a reclamação, estar-se-ia reconhecendo que a lei municipal ou estadual impugnada não feriria nenhum preceito constitucional estritamente estadual, o que impossibilitaria nova argüição de inconstitucionalidade em face de qualquer desses preceitos, se, na conversão feita por meio da reclamação, a ação direta estadual em face da Constituição Federal fosse julgada improcedente, por não violação de qualquer preceito constitucional federal que não apenas os invocados na inicial. E como, com essa transformação, o Supremo Tribunal Federal não estaria sujeito ao exame da inconstitucionalidade da lei estadual ou municipal em face dos preceitos constitucionais invocados na inicial perante o Tribunal
75
A Constituição de 1988 é democrática, e por isso mesmo deveria favorecer a
atuação mais efetiva das unidades parciais na consolidação de um modelo de
Estado Federal participativo. O Federalismo possibilita a conciliação entre unidade e
pluralidade. Neste sentido, a Federação casa muito bem com a Democracia. 184
“Exatamente sobre os efeitos benéficos exercidos sobre o desenvolvimento
da democracia, desde o Segundo Conflito Bélico Mundial, sob o coloridos
de nuanças diferenciadas, mais de dezena de nações acolheram o modelo
federativo. Este sistema ou soluções políticas de índole federativa vêm
conquistando adeptos em todas as partes, apresentando-se, na
contemporaneidade, uma das mais requisitadas opções para o desenho do
modelo de organização estatal. (...) O seu ponto nevrálgico reside na
partilha do poder entre diferentes instituições governamentais , em
diferentes níveis ou esferas do poder. Sua ideia dimana do entendimento de
que esta distribuição de competências políticas viabilizará maiores
benefícios às comunidades. A mola mestra implica, exatamente, na
indicação precisa destas competências.(...)” 185
O Estado federal caracteriza-se ao mesmo tempo pela unidade e pela
repartição do poder. Entretanto, tais valores devem se apresentar harmonizados.
Destarte, a centralização extremada do poder é lesiva à harmonia institucional, tanto
quando favorece ao nível estadual, como quando beneficia à União.
A Constituição Federal catalisou uma série de temas que não mereciam estar
em seu texto. O Poder Originário decidiu concentrar o maior número de temas
possível no bojo da Constituição Cidadã, no que também optou por disponibilizar
boa parte de tais matérias no âmbito da competência legislativa da União.
A chancela do STF em prol da teoria da autonomia da norma repetida, aliada
à inclusão de temas materialmente infraconstitucionais na Constituição de 1988, tem
de Justiça, e tidos, na reclamação, como preceitos verdadeiramente federais, mudar-se-ia a causa petendi da ação: de inconstitucionalidade em face da Constituição Estadual para inconstitucionalidade em face da Constituição Federal, sem limitação, evidentemente, aos preceitos invocados na inicial". (Rcl. nº 383, Rel. Min. Moreira Alves, julgada em 11.06.1992, DJ de 21.05.1993)
184 “Pilar de sustentação da democracia moderna, entendido o federalismo como mecânica de
acomodação de interesses e expectativas diferenciadas, no círculo de uma mesma comunidade estatal, apresenta-se o sistema sustentado por três específicos pilares: a) poder político partilhado; b) quadro de repartição de competências, fixado pela Constituição; c) soberania alojada no âmbito do poder central, restando os entes periféricos com a sua autonomia assegurada.”
CAGGIANO, Mônica
Herman. As novas fronteiras do federalismo – Organização Mônica Herman Caggiano (e) Nina Ranieri. O federalismo no Brasil – São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2008, p. 143.
185 Ibdem, p. 142,143.
76
cooperado para a sobrecarga de ações e recursos que abarrotam aquele Tribunal. O
Supremo é levado a decidir não apenas sobre temas da mais alta relevância, sendo
obrigado também a tomar partido em questões menores que de modo algum
deveriam alcançar a estatura daquela Corte.
Há uma desconfiança histórica com relação à atuação dos Estados-membros.
As Constituições Federais, surgidas desde a Reforma de 1926, têm restringido a
autonomia estadual a pretexto de se evitar ameaças à Federação.
Destarte, a conjuntura constitucional, atualmente vigente no Brasil, é
desfavorável ao desenvolvimento de uma Constituição Estadual genuína. A Carta de
1988 impõe barreiras à originalidade normativa na esfera estadual. Deste modo, no
Brasil o Direito Federal e o Direito Constitucional nacional prevalecem em áreas que
deveriam também ser disciplinadas pelas Constituições Estaduais.
Cogita-se que em alguns Países poderá ter havido uma convergência entre
as Constituições Estaduais no intuito de não inovarem para além da Lei Maior.
“Primeiro, determinar se a unidade constituinte fez uso ou não do espaço
constitucional disponibilizado a ela é uma tarefa relativamente arriscada.
Para fazê-la, é necessário procurar por diferenças existentes entre as
Constituições subnacionais e a Constituição Federal, bem como por
diferenças existentes entre as próprias Constituições subnacionais do
sistema federativo. Isto porque tais diferenças indicariam que as unidades
constituintes, de fato, cogitaram arranjos constitucionais alternativos em vez
de adotarem, de maneira automática, os dispositivos constantes da
Constituição Federal ou das demais unidades constituintes. Contudo, esta
verificação não está à prova de falhas. As unidades constituintes podem ter
cogitado seriamente alternativas àquilo que está presente nas Constituições
das demais unidades constituintes ou da Federação, tendo, contudo, ao
final concluído que não haveria qualquer razão para divergir destes
modelos. Apesar da identidade existente entre os arranjos constitucionais,
isto parece se qualificar como preenchimento do espaço constitucional,
porque os constituintes fizeram uma escolha consciente em vez de terem
simplesmente copiado o que encontraram.” 186
A Federação democrática de 1988 deveria permitir aos entes federados o
exercício de suas competências legislativas a partir de seus interesses, na busca de
soluções para questões inadequadamente atendidas pela União.
186
TARR.Allan. Op. Cit., p 06.
77
Com efeito, a repetição indiscriminada da Lei Maior nas Cartas Estaduais
reforça o equívoco de que todos os espaços federativos teriam as mesmas
características.
Vale lembrar que nem sempre a Constituição Federal permite às
Constituições Estaduais a repetição daquilo por ela propugnado para a União, ainda
quando isto pudesse contribuir positivamente para uma participação mais efetiva da
vontade dos entes periféricos na mecânica federativa.
É o que acontece, por exemplo, com o Senado Federal, órgão de
representação dos Estados no Congresso Nacional. Neste caso, a Lei Maior de
1988 não permitiu que se estabelecesse órgão semelhante na estrutura dos
Estados, tendo feito opção pelo unicameralismo, apesar de se apresentar
democrática a ideia de se conceder voz aos Municípios na seara legislativa estadual.
Nesta hipótese, o Senado Estadual seria uma arena para representação dos
interesses municipais nos domínios territoriais de cada um dos Estados-membros.
A propósito, na República Velha permitiu-se a criação de Senado Estadual.
Naquela ocasião, os Estados estavam aptos a decidir sobre o modelo de
organização e estrutura do seu Poder Legislativo independentemente do
propugnado no plano federal.
Em 1890 o Governo Provisório permitiu aos recém-criados Estados-membros
escolherem o modelo legislativo a partir de sua conveniência.187 Deste modo, alguns
Estados (São Paulo, Ceará, Pernambuco, Bahia, Maranhão, Alagoas, Minas Gerais
e Pará) adotaram o bicameralismo à moda norte-americana.
4.4. O cerceamento do Poder Decorrente para preservação da união
O Constituinte Decorrente não foi bem sucedido em seu dever de produzir a
partir dos interesses estaduais uma Constituição de acordo com as possibilidades
advindas das competências remanescentes, concorrentes e comuns dispostas na
Constituição Cidadã.
O adequado exercício do Poder Constituinte é fundamental para os desígnios
dos Estados-membros. As Cartas Estaduais poderiam muito bem dispor de modo
peculiar sobre questões regionais de acordo com as características de cada Estado.
Diante disto, as experiências bem sucedidas no âmbito do constitucionalismo
estadual poderiam inspirar às demais unidades federadas. Portanto, a falta desta
187
Cf. o artigo 4º do Decreto nº 802 de 1890.
78
atuação inovadora do Constituinte Decorrente tem frustrado o surgimento de
soluções a partir da esfera estadual.
Nos EUA é possível que iniciativas funcionais no âmbito estadual, sejam
adotadas por outros Estados e até mesmo repercutam na esfera federal. Essa
possibilidade é salutar porque impulsiona a criatividade do Constituinte Decorrente,
muito mais próximo da realidade regional que o legislador federal. 188
Numa Federação democrática e equilibrada a Constituição Estadual é um
importante instrumento favorável à autonomia estadual, desde que seja
adequadamente manejada.
Em verdade, o fundamento de validade do Direito Estadual se estriba
diretamente na Lei Maior. A Constituição de 1988 determinou a criação de
Constituições Estaduais para em seguida desprestigiar a atuação do Poder
Decorrente mediante uma série restrições.
O amadurecimento da Democracia brasileira tem favorecido à realização de
um reordenamento federativo. Portanto, na Federação pátria, sem tensões étnicas
ou religiosas relevantes, impõe-se estabelecer solidariedade e coesão entre os
entes federativos.
O argumento utilizado pelos regimes de exceção no sentido de promover a
unidade nacional através de forte centralização política, não pode mais reverberar
em tempos de liberdade política. Portanto, as velhas justificativas para tolhimento da
autonomia estadual, relacionadas ao perigo de secessão e ao surgimento de crises
institucionais pelo enfraquecimento do poder central, perderam o brilho.
188
“O preenchimento, pelas unidades constituintes, do espaço constitucional disponibilizado a elas pode causar, também, efeitos na política constitucional federal. Nossa análise está centrada nos Estados Unidos, mas, presumivelmente, possui, igualmente, uma aplicação mais ampla. Dispositivos constitucionais estaduais prestaram um importante papel na elaboração da Constituição dos Estados Unidos, na medida em que os seus elaboradores se valeram de ideias presentes em suas Constituições estaduais - por exemplo, a instituição do Presidente foi moldada de maneira bem semelhante ao governador de Nova York — e rejeitaram experimentos constitucionais que eles reputavam como mal conduzidos — por exemplo, o poder dos cidadãos em "instruir" os seus representantes.
Dispositivos constitucionais estaduais também influenciaram a Carta de Direitos. E,
desde a criação da Constituição dos EUA, tanto as leis federais como as emendas à Constituição Federal se pautaram em modelos constitucionais estaduais. Por exemplo, o direito de votar concedido aos afro-americanos, às mulheres e às pessoas com dezoito anos foi desbravado por Constituições estaduais antes que fosse incorporado na Carta Federal. Desta feita, uma consequência irônica, uma das implicações da metáfora de Brandeis acerca dos Estados enquanto laboratórios que é notada com menor frequência,é a de que os Estados que tiverem preenchido, com sucesso, o seu espaço constitucional poderão encorajar o governo federal a adotar estas inovações. Mas, ao se federalizar a questão, poderá haver a diminuição do escopo da gestão constitucional subnacional.” TARR, G. Alan. Op.cit., p.08.
79
No Brasil a secessão não pode ser considerada uma ameaça real, pois não
há movimentos sociais representativos em favor de formação de novos Estados
nacionais a partir de uma fragmentação do território nacional. Há no Brasil fortes
laços de unidade cultural, o que torna desnecessário anular o Ordenamento Jurídico
estadual para preservação da unidade nacional.
A Federação não se mostra a forma de Estado mais adequada aos Países
ameaçados por insurreições separatistas, porque neste caso a repartição política,
característica fundamental do Federalismo, desfavoreceria a unidade geográfica.
Deste modo, é difícil entender as razões pelas quais o Federalismo brasileiro,
talhado em 1988, mostrou-se assaz restritivo e pouco generoso na concessão de
espaço político aos Estados, quando a grande extensão do território brasileiro
aconselharia, pelo menos no regime democrático, a que se procedesse de modo
diferente.
80
CAPÍTULO 5
A CONSTITUIÇÃO ESTADUAL
5.1. Repartição de competências e Constituição Estadual; 5.2. O
problema da delimitação do campo legislativo estadual; 5.3. O princípio
da subsidiariedade, 5.4. As relações federativas e a Constituição de
1988; 5.5. Constituição Estadual, Constituição da União e Constituição
Total; 5.6. A reprodução da Lex Mater na Constituição Estadual.
5.1. Repartição de competências e Constituição Estadual
A força da Constituição Estadual depende do modelo de repartição de
competências adotado pela Lei Maior. Deste modo, a autonomia dos Estados-
membros é um reflexo das disposições contidas na Constituição Federal.
A Constituição Estadual deriva da Lei Maior que lhe fixa as bases sobre as
quais os Estados poderão edificar seu Ordenamento Jurídico com maior ou menor
liberdade, a depender dos limites impostos à atuação do Constituinte Decorrente,
bem como de sua disposição em fazer o melhor dentro do espaço que lhe fora
conferido.
As atuais Constituições Estaduais são promulgadas, escritas, dogmáticas,
formais, rígidas e analíticas,189 quanto ao conteúdo elas são formais e devem dispor
sobre matérias de interesse dos Estados-membros e seus Municípios.
Enquanto a Assembleia Nacional Constituinte instalada no início de 1987
dispôs de aproximadamente dois anos para preparar a Constituição Federal, às
Assembleias Legislativas concedeu-se um prazo máximo de um ano para a feitura
das Constituições Estaduais, conforme o art. 11 do ADCT.
O exíguo prazo determinado pela Constituição Cidadã, para realização dos
trabalhos, cooperou para a produção de Constituições Estaduais recheadas de
189
“Os Estados-membros de uma federação nunca teriam as suas atribuições garantidas se elas não fossem prefixadas por uma constituição rígida. Reputamos esse elemento de grande relevo para se caracterizar um Estado federal, pois, sem esse meio asseguratório das suas atividades, os Estados federados se transformariam, naturalmente, em circunscrições tuteladas, sujeitas ao livre alvedrio do governo federal.” MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira. Op.cit., p. 52.
81
normas copiadas da Constituição Federal. Neste caso a falta de criatividade aliou-se
à omissão do Poder Decorrente em flagrante contraste, por exemplo, com a atuação
do Poder Decorrente no âmbito da Constituição de 1891, ocasião em que as Cartas
Estaduais apresentaram-se dinâmicas, apesar de alguns exageros, como resultado
da autonomia atribuída aos Estados-membros pela Lei Maior.
Assim as Constituições Estaduais não devem existir apenas para serem
reprodutoras de normas advindas da Lei Maior. Elas representam mesmo um
instrumento para disciplina das relações jurídicas estaduais, uma ferramenta valiosa
com vistas à construção de bases normativas favoráveis ao desenvolvimento
regional em face de oportunidades econômicas domésticas e daquelas oriundas da
globalização econômica.
Com efeito, o princípio da prevalência do interesse deverá nortear a
repartição das competências legislativas e materiais no âmbito da Lei Maior. É certo
que o exercício das competências administrativas deverá ter lastro na Lei
orçamentária anual.
As demandas por serviços públicos se manifestam majoritariamente no plano
local e regional, onde se afigura imprescindível a atuação dos Municípios e dos
Estados-membros. As atribuições administrativas, por si mesmas, não fortalecem a
autonomia dos entes que as detém, e sem o devido lastro financeiro para supri-las, o
que haverá mesmo é o enfraquecimento da autonomia de tais entes.
Charles Durand,190 a partir da análise do Federalismo praticado em alguns
Países, chamou atenção para o indevido esvaziamento das Constituições Estaduais,
pelo fato da Constituição Federal negar aos Estados-membros poder de decisão
sobre assuntos de seu interesse e pormenorizar atividades que deveriam ficar a
cargo do Direito Estadual.
Manoel Gonçalves Ferreira Filho191 também tratou do assunto, nos seguintes
termos:
190
DURAND, Charles. “El Estado federal en el derecho positivo”, El Federalismo. Madrid, Tecnos S/A. 1965, p. 192.
191 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. As novas fronteiras do federalismo – Organização Mônica
Herman Caggiano (e) Nina Ranieri. O federalismo no Brasil – São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2008, p.46.
82
“A referência a “princípios”, no eu tange à auto-organização, é, por outro
lado enganosa. A Constituição brasileira pré-ordena pormenorizadamente a
organização dos Estados, como o faz relativamente ao Distrito Federal e
aos Municípios. Ela o faz, ora indiretamente, prescrevendo que
determinadas normas por ela fixadas para a União se apliquem a outros
entes (p. ex. art.75 – sobre a prestação de contas), ou estipulando
princípios propriamente ditos a serem observados (art.34, VII), ora direta e
frontalmente regendo ela própria a estruturação de tais entes. É o que
decorre, por exemplo, dos art. 27 (relativo à composição da Assembléia
Legislativa) e 28 (referente ao mandato e à eleição de Governador e Vice-
Governador) para os Estados (afora os princípios propriamente ditos
enumerados no art. 37, VII), do art. 29 para os Municípios, do art. 32 para o
Distrito Federal, sem se falar do art. 37 que se rege a administração pública
de toda a espécie em todos os entes federativos. A auto-organização,
portanto, é mais aparente do que real.”
Ferreira Filho192esclarece ainda que no âmbito da Constituição de 1988 a
proposta em favor da superação da permanente centralização de poderes na esfera
da União, na prática não se efetivou.
“Em resumo, a evolução do federalismo no período anterior à Constituição
atual pode ser resumida numa constante concentração do poder em favor
da União. Embora na Constituinte de 1987/1988 se apregoasse como meta
uma reação a esta concentração, tal não se concretizou, nem na realidade
política, nem na estrutura jurídica. O Brasil tem um federalismo fortemente
centralizado centrípeto.”
Raul Machado Horta193 destaca que na Federação é fundamental que se
conceda espaço de atuação para cada um dos entes federados. Desta forma, os
Estados precisam fazer valer sua autonomia no âmbito regional. Anna Ferraz194
ressalta que além de um espaço de atuação, tais entes deverão ter governo,
legislação, organização e administração próprios.
O exercício da autonomia estadual resvala em determinações previamente
estabelecidas das quais a Constituição Estadual não pode fugir, e isto ocorre em
benefício da própria unidade do sistema federativo. Desta forma, a soberania
popular, alicerce do pacto federativo, prevalece sobre a autonomia dos entes
192
Ibdem, p. 45.
193 MACHADO HORTA, Raul. Op. Cit., p.13.
194CUNHA FERRAZ, Anna Cândida da. Op. Cit., p.54.
83
federados, instrumento que lhes permite estabelecer seu próprio governo,
administração e normas.195 Portanto, o problema não reside na limitação do Poder
Decorrente, mas sim no rigor de tal cerceamento.
Existe no Brasil uma forte crise gerada por excessivos poderes concedidos
pela Carta de 1988 à União, em detrimento de um espaço que também deveria ser
ocupado pelos Estados-membros. O resultado disto é a desqualificação da
representação popular no plano estadual.
“O traço principal que marca profundamente a nossa já capenga estrutura
federativa é o fortalecimento da União relativamente às demais pessoas
integrantes do sistema. É lamentável que o constituinte não tenha
aproveitado a oportunidade para atender ao que era o grande clamor
nacional no sentido de uma revitalização do nosso princípio federativo. O
Estado brasileiro na nova Constituição ganha níveis de centralização
superiores à maioria dos Estados que se consideram unitários e que, pela
via de uma descentralização por regiões ou por províncias, conseguem um
nível de transferência das competências tanto legislativas quanto de
execução muito superior àquele alcançado pelo Estado brasileiro.
Continuamos, pois, sob uma Constituição eminentemente centralizadora, e
se alguma diferença existe relativamente à anterior é no sentido de que
esse mal (para aqueles que entendem ser um mal) se agravou
sensivelmente.” 196
Aliás, vale lembrar que na Democracia a repartição harmoniosa de
competências entre os entes federativos é considerada como uma das
características essenciais do Federalismo.197 O Legislativo realiza a vontade popular
através da Democracia indireta. Desta forma, quando assuntos que também
interessam aos Estados-membros são remetidos privativamente ao plano federal,
certamente a vontade popular no âmbito estadual não poderá manifestar-se pela
Assembleia Legislativa.
195
Sobre a matéria vale consultar: CLÉVE, Clémerson Merlin. Temas de direito constitucional. São Paulo: Acadêmica, 1993. p. 62-63; SILVA, José Afonso. O estado-membro na constituição federal; RDP, 16/15.
196 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 27. Ed.Op. Cit., p. 293, 294.
197 TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional Econômico. São Paulo: Método, 2003, p. 836.
84
Alexandre de Moraes198 ressalta que a centralização do poder, favorável a
certo ente federado, é determinada pela Lei Maior de acordo com a soberana
vontade do Poder Constituinte Originário.
A questão é que algumas matérias não se enquadram apenas no interesse
especifico de um dos entes federados, e é justamente neste espaço que se impõe a
atuação concorrente da União, Estados e Distrito Federal. Aliás, na esteira de tal
competência concorrente é que os Municípios poderão atuar no exercício de sua
competência suplementar. 199
Assim é razoável que a determinação das competências seja pautada em
critérios relacionados aos interesses de cada uma das coletividades.200 Nesta linha,
na esfera regional a atuação dos Estados-membros deverá prevalecer. 201
Deste modo, o acúmulo de temas de interesse de todos os entes no âmbito
da União, dando-lhe competência privativa para sobre eles legislar, é mesmo operar
em desfavor do equilíbrio federativo. Neste caso, a competência concorrente é
aquela que melhor atenderia às pretensões dos entes federados em face da
intersecção de interesses legislativos.
Em nome da adequada representação das populações estaduais, é preciso
reafirmar o compromisso federativo com a distribuição equilibrada de competências
legislativas entre os entes federados com reflexos sobre as Constituições Estaduais.
Neste sentido, é constrangedor verificar que a Constituição Cidadã não alterou
significativamente a centralização patrocinada pela Carta ditatorial de 1967.
198
MORAES, Alexandre de. Federação Brasileira — Necessidade de Fortalecimento das
Competências dos Estados-Membros. Op.cit., p. 20.
199 Cf. art. 30, II da CF/88.
200 “A distribuição das competências é o problema nuclear do federalismo, sinalizando a opção
constituinte por mais ou menos centralização política, por mais ou menos aderência aos modelos e princípios assentes de Estado federal.” NETO LOBO, Paulo Luiz. Op. Cit., p.02.
201 Este é também o entendimento de Alexandre de Moraes: “Não poucas vezes, a aplicação do
princípio da predominância do interesse é esquecida no Brasil, em detrimento dos Estados-membros e, em benefício da centralização na União.” MORAES, Alexandre de. Federação Brasileira —
Necessidade de Fortalecimento das Competências dos Estados-Membros. Op. Cit., p. 21.
85
5.2. O problema da delimitação do campo legislativo estadual
Os Estados Unidos202 optaram por fortalecer a União a partir da primeira
metade do século XX, apesar disso os Estados-membros ainda legislam sobre
temas importantes relacionados ao Direito Penal e ao Direito Civil, matérias que no
Brasil pertencem privativamente à União. 203
Paulo Luiz Neto Lobo,204 em sua análise histórica sobre o Federalismo
estadunidense, no que se refere à distribuição dos poderes no plano constitucional
afirma que: “Os poderes da União seriam os enumerados na própria Constituição.
Tudo o mais estaria reservado aos Estados-membros.”
Nesta linha é que Stepan205 destaca que os Estados Unidos e o Brasil têm em
comum a concessão de competência remanescente aos Estados-membros em
áreas não previamente definidas, o que configuraria para o autor uma restrição à
Democracia.
Na América do Norte a distribuição de poder entre a União e os Estados
manifestava-se por uma delimitação clara da área de atuação de tais entes, com o
fortalecimento das decisões locais a partir das Assembleias Estaduais. Este modelo
- adotado desde a independência estadunidense - alterou-se no começo do Século
passado, com a quebra da bolsa de valores em 1929.
Atualmente os EUA dispõem de um modelo de Federalismo cooperativo com
fortalecimento do sistema presidencialista, e isto certamente alterou o fluxo do poder
202
O texto da 10ª emenda à Constituição dos Estados Unidos não foi suficiente para barrar o fortalecimento da União. “A redução da competência estadual, nos Estados Unidos, teve dois momentos destacados: (1) A doutrina dos poderes implícitos da União, partida de genial construção da Suprema Corte americana, em 1819, no “leading case” Mclloch versus Maryland. Decidiu-se que na Constituição, apesar dos poderes enumerados, não existia qualquer expressão que exclua poderes eventuais ou implícitos e que requeira que tudo o que foi concedido deve ser descrito expressa e minuciosamente. (2) A consagração do princípio da supremacia federal, mercê do exercício do poder de revisão judicial, que é, assim, o árbitro do sistema federal, sobretudo a partir da legislação intervencionista do “New Deal” de 1933. A Suprema Corte no caso Estados Unidos versus Darby, de 1941, chegou mesmo a considerar a Décima Emenda como um truísmo, sendo seu propósito o de moderar temores de que o novo Governo nacional pudesse procurar exercer poderes não concedidos e os Estados pudessem não ser capazes de exercer plenamente seus poderes reservados.” NETO LOBO, Paulo Luiz. Op.cit., p .91.
203 Ibdem, p.92.
204 Ibdem, p.04.
205 “No entanto, o impacto político do que a Constituição prescreve é muito menos restritivo nos
Estados Unidos do que no Brasil, porque a Constituição americana é mais parcimoniosa; e entre outras coisas, nos Estados Unidos não existem bancos estaduais.” STEPAN, Alfred. Op. Cit., p.22.
86
político em desprestígio do Legislativo Estadual e uma sobrevalorização das
atribuições do Congresso Nacional, com perceptível fragilização dos governos
estaduais. 206
O controle exercido nos Estados Unidos pelo Presidente da República, em
assuntos de interesse estadual, demonstra também naquele País a existência de
problemas quanto à preservação da autonomia dos Estados-membros.
Especificamente sobre esta questão vejamos o que informa Bernard Schwartz: 207
"O poder do Governo Nacional sobre o comércio é interpretado de modo a
sujeitar até mesmo empreendimentos com somente efeito remoto sobre a
economia nacional a minuciosas normas federais. E, à medida que a
autoridade da Nação a este respeito cresceu, a dos estados sofreu
correspondente decréscimo, pois a nação estadual, no sistema americano,
é barrada quando é validamente exercido o poder federal incompatível com
ela"
No Brasil a maioria das Constituições Estaduais apenas menciona possuir
competência para cuidar de assuntos não vedados pela Lex Major, e desta maneira
reproduz as competências comuns e concorrentes sem se dar ao trabalho de
enumerar o rol de suas atribuições remanescentes. Nota-se, portanto, que as
competências legislativas estaduais expressas são escassas e encontram-se
espalhadas no texto da Constituição Federal.
Depreende-se do art. 25, §1º da Carta de 1988 que caberá ao Direito
Estadual legislar sobre uma gama de temas cuja dimensão é incerta.208 A
delimitação da competência remanescente é fundamental, para saber se de fato
206
BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria geral do federalismo. Rio de Janeiro: Forense, 1986, p. 317.
207 SCHWARTZ, Bernnard. O federalismo norte-americano. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
1984, p. 74.
208 “Aos Estados-membros são reservadas as competências administrativas que não lhes sejam
vedadas pela Constituição, ou seja, cabem na área administrativa privativamente ao Estado todas as competências que não forem da União (CF, art. 21), dos municípios (CF, art. 30) e comuns (CF, art. 23). É a chamada competência remanescente dos Estados-membros, técnica clássica adotada originariamente pela Constituição norte-americana e por todas as Constituições brasileiras, desde a República, e que presumia o benefício e a preservação de autonomia destes em relação à União, uma vez que a regra é o governo dos Estados, a exceção o Governo Federal, pois o poder reservado ao governo local é mais extenso, por ser indefinido e decorrer da soberania do povo, enquanto o poder geral é limitado e se compõe de certo modo de exceções taxativas. Em seu art. 30, o texto constitucional determina competir aos municípios os assuntos de interesse local.” MORAES, Alexandre de. Federação Brasileira — Necessidade de Fortalecimento das Competências dos Estados-Membros. Op. Cit., p. 20.
87
existe uma tábua expressiva de temas a serem alcançados pela atuação estadual.209
É certo que tal competência incide sobre temas de menor relevância, posto que as
competências mais importantes encontram-se na Constituição de 1988 a cargo da
União, a quem compete legislar privativamente sobre boa parte das matérias de
Direito Público e Direito Privado.
O grande desafio é identificar quais são tais temas remanescentes, não
expressamente manifestos, para discipliná-los no âmbito infraconstitucional a partir
na norma estadual.
Alexandre de Moraes210 afirma que aos Estados é atribuída a chamada
competência remanescente não apenas em matéria legislativa, mas também no que
se refere ao exercício de atribuições materiais:
“Aos Estados-membros são reservadas as competências administrativas
que não lhes sejam vedadas pela constituição, ou seja, cabe na área
administrativa privativamente ao Estado todas as competências que não
forem da União (CF, art. 21), dos municípios (CF, art. 30) e comuns (CF, art.
23). É a chamada competência remanescente dos Estados-membros,
técnica clássica adotada originariamente pela Constituição norte-americana
e por todas as Constituições brasileiras, desde a República, e que presumia
o benefício e a preservação de autonomia desses em relação à União (...).”
211
Entretanto, Os Estados-membros não demonstram tanto interesse em tais
competências administrativas implícitas porque implicam em obrigações de fazer, e
toda prestação adicional de serviços terá repercussão orçamentária.
Marcelo Figueiredo212 destaca que além das competências concorrentes,
comuns e remanescentes, aos Estados-membros também a Constituição Federal 213
atribuiu algumas competências privativas de modo excepcional, senão vejamos:
209
“As constituições brasileiras, desde a de 1891, referem-se a poderes reservados (a denominação é um tributo ao prestígio da Constituição americana) com o significado de poderes residuais, não contido nos poderes enumerados ou implícitos da União. Na doutrina estrangeira esta significação tem predominado, porque pode haver poderes reservados tanto da União quanto dos Estados-membros.” NETO LOBO, Paulo Luiz. Op. Cit., p. 93.
210 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. Op.cit., p. 290.
211 Idem.
212 FIGUEIREDO, Marcelo. Federalismo x centralização. A eterna busca do equilíbrio – a tendência
mundial de concentração de poderes na União. A questão dos governos locais. As novas fronteiras
88
“Esse sistema admite, entretanto, ressalvas. Para os Estados, além da
competência residual mencionada, no §1º, do art. 25, estão previstas
competências expressas no art.18, §4º (criação, incorporação, fusão e
desmembramento de Municípios), e no §3º, do artigo 25 (instituição de
regiões metropolitanas, aglomerados urbanos e microrregiões). Em relação
à competência tributária, detém a União a competência residual, além das
enumeradas como privativas; aos Estados, Distrito Federal e Municípios são
enunciadas as respectivas competências privativas.”
A competência estadual abrange ainda matéria orçamentária; criação,
extinção e fixação de cargos públicos estaduais; autorizações para alienações de
imóveis; criação de secretarias de governo; organização administrativa, judiciária e
do Ministério Público, da Defensoria Pública e da Procuradoria-Geral do Estado.214
A Lei Fundamental dispõe que a competência dos tribunais estaduais será
definida pelas Constituições Estaduais.215 Além do mais, tem-se que o controle de
constitucionalidade de Leis estaduais e municipais, em face da Constituição
Estadual, deverá ser instituído pelos Estados-membros no bojo de suas Cartas
Reitoras. Concedeu-se ainda aos Estados a possibilidade de criação de uma Justiça
Militar própria. 216
Trilhando o caminho percorrido em 1919 pela Constituição de Weimar a Carta
Maior de 1988 previu a competência legislativa concorrente para a União, os
Estados e Distrito Federal.217 O campo para atuação dos Estados-membros, no
exercício das competências concorrentes e comuns, incide principalmente em
matérias concernentes aos direitos de segunda e terceira dimensão.
A Constituição de 1988 admite a hipótese de delegação de competência da
União aos Estados-membros através de Lei Complementar para que legislem sobre
questões específicas, como previsto no parágrafo único do art. 22 da Carta Magna.
do federalismo. Organização Mónica H. Caggiano (e) Nina Ranieri. São Paulo: Imprensa oficial de São Paulo, 2008, p. 129.
213 Cf. artigo 18, §4º, artigo 25, §2º e artigo 25, §3º da CF/88.
214 MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional / Gilmar Ferreira Mendes, Paulo
Gustavo Gonet Branco – 6. Ed. Ver. E atual. – São Paulo: Saraiva, 2011, p, 819.
215 Entretanto o art. 70 do ADCT dispõe que enquanto a competência dos tribunais estaduais não seja
definida pela Constituição Estadual ficará mantida a atual competência prevista na CF/88.
216 Cf. art. 125 e o art. 235, X da CF/88.
217 BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. Op.cit., p. 971.
89
Ora, esta hipótese de delegação legislativa impressa pelo Poder Constituinte
Originário na Lei Maior é um indicativo da consciência existente sobre o interesse
estadual em vários dos temas atribuídos privativamente à União. Em verdade, o art.
22 da Carta de 1988 ostenta tanto matérias que dizem respeito apenas à União,
como também apresenta outros temas que melhor estariam dispostos no rol das
competências concorrentes por também interessar aos Estados-membros.
Destarte, não faria o menor sentido que Lei Complementar autorizasse os
Estados, por exemplo, a legislar sobre o disposto no art. 22, XII (nacionalidade,
cidadania e naturalização). Nesta linha, tal delegação se faria possível apenas em
matérias relacionadas ao cotidiano dos Estados-membros. Portanto, tais temas
possíveis de especificação estadual deveriam compor o rol do art. 24 da Lei Maior.
Com efeito, são raríssimos os casos de efetivação do disposto no parágrafo
único do art. 22 da Carta de 1988. Aliás, a edição da Lei Complementar nº 103/2000
- pela qual a União autorizou os Estados e o Distrito Federal a instituir o piso salarial
a que se refere o art. 7º, V da Constituição Federal218- constitui-se num dos poucos
exemplos de aplicabilidade do aludido dispositivo.
Portanto, o Poder Originário autorizou o Congresso Nacional a decidir, pela
edição de Lei Complementar, sobre a possibilidade dos Estados atuarem em
competências privativas da União, cujo interesse estadual seja evidente. Ora, se o
Congresso raramente operacionaliza tal mecanismo, apesar de existir interesse
estadual em atuar nessas áreas, seria muito difícil acreditar que esse mesmo
Congresso Nacional (Poder Constituinte Derivado) permitiria uma reforma federativa
pela qual fossem atribuídas aos Estados-membros essas mesmas competências
que atualmente são passíveis de partilha por delegação.
218
“A competência legislativa do Estado do Rio de Janeiro para fixar piso salarial decorre da LC federal 103, de 2000, mediante a qual a União, valendo-se do disposto no art. 22, inciso I e parágrafo único, da Carta Maior, delegou aos Estados e ao Distrito Federal a competência para instituir piso salarial para os empregados que não tenham esse mínimo definido em lei federal, convenção ou acordo coletivo de trabalho. Trata-se de lei estadual que consubstancia um exemplo típico de exercício, pelo legislador federado, da figura da competência privativa delegada. A expressão ‘que o fixe a maior’ contida no caput do art. 1º da Lei estadual 5.627/2009 tornou os valores fixados na lei estadual aplicáveis, inclusive, aos trabalhadores com pisos salariais estabelecidos em lei federal, convenção ou acordo coletivo de trabalho inferiores a esse. A inclusão da expressão extrapola os limites da delegação legislativa advinda da LC 103/2000, violando, assim, o art. 22, inciso I e parágrafo único, da CF, por invadir a competência da União para legislar sobre direito do trabalho. (...) Atuar fora dos limites da delegação é legislar sem competência, e a usurpação da competência legislativa qualifica-se como ato de transgressão constitucional.” (ADI 4.391, Rel. Min. Dias Toffoli, julgamento em 2-3-2011, Plenário, DJE de 20-6-2011.)
90
Aliás, boa parte dos conflitos federativos, acerca da usurpação de
competências legislativas que tramitam no STF, seria evitada caso o disposto no
parágrafo único do art. 22 da Constituição Cidadã fosse operacionalizado pelo
Congresso Nacional. Portanto, o compartilhamento de algumas competências
legislativas privativas da União com os Estados-membros - efetivado através da
reestruturação federativa - produziria uma Federação mais harmônica.
5.3. O princípio da subsidiariedade
As políticas públicas também são executadas no nível local e regional pelos
Municípios e Estados, entes constantemente insatisfeitos em face de sua
insuficiência financeira para fazer frente ao volume de atribuições administrativas, a
eles, conferidas pela Lei Fundamental.
A este respeito assim preleciona José Alfredo Baracho219:
“(...) Nos dias de hoje o princípio da subsidiariedade completa a doutrina
federativa, possibilitando o crescimento das formas de colaboração,
integração, participação e parceria dos entes governamentais, componentes
da estrutura federal de governo. Nos diversos estudos sobre o federalismo,
existe grande preocupação em torno da economia e das finanças no estado
federativo, com grande destaque para a repartição dos tributos.”
A prestação de serviços públicos exige uma contrapartida financeira. Desta
forma, não faria o menor sentido atribuir aos Estados e Municípios a maioria das
competências materiais se a Lei Maior não lhes deu instrumentos pelos quais
pudessem arrecadar tributos na medida de suas obrigações administrativas.
Portanto, urge que o Poder Constituinte toque neste ponto através da redistribuição
das receitas tributárias.
Com esteio nos princípios da subsidiariedade e da prevalência do interesse,
tem-se que a atuação administrativa se dá nas esferas: local, regional e nacional, de
acordo com o interesse de cada um dos citados entes na prestação dos serviços
públicos.
Paulo José Leite Farias sobre o princípio da subsidiariedade destaca o seguinte:
219
BARACHO, José Alfredo de Oliveira. A federação e a revisão constitucional. As novas técnicas dos equilíbrios constitucionais e as relações financeiras. A cláusula federativa e a proteção da forma de estado na Constituição de 1988. Revista de Direito Administrativo: Rio de Janeiro, 202: 49-60, out./dez.1995, p.58.
91
“A subsidiariedade deve ser vista como princípio pelo qual as decisões
serão tomadas ao nível político mais baixo possível, isto é, por aqueles que
estão, o mais próximo possível, das decisões que são definidas, efetuadas e
executadas. Está, assim, o princípio, relacionado com o processo de
descentralização política e administrativa, em outras palavras, associado ao
fortalecimento do poder local” 220
Deste modo, a atuação do ente central poderia ser subsidiária a dos demais
entes federados a partir do seu campo de atuação natural, com fulcro no princípio da
prevalência do interesse. Alexandre de Moraes221 reforça esta noção do seguinte
modo:
“A regra é o governo dos Estados, a exceção o Governo Federal, pois o
poder reservado ao governo local é mais extenso, por ser indefinido e
decorrer da soberania do povo, enquanto o poder geral é limitado e se
compõe de certo modo de exceções taxativas.”
Todavia, o contrário é o que efetivamente ocorre no bojo da Constituição de
1988. A partir de um conjunto de competências atribuídas à União pelo Poder
Constituinte Originário é que se desenha a atuação dos demais entes federados.
Aliás, isso é o que se depreende, por exemplo, do disposto no art. 30, II da
Constituição Cidadã em que se atribui aos Municípios competência para
suplementar a legislação federal e estadual naquilo que lhes couber. Reiteramos
que esta foi uma opção do Poder Originário.
5.4. As relações federativas e a Constituição de 1988
O modelo federativo adotado no Brasil pelas Constituições republicanas se
deixou influenciar pela instabilidade política advinda dos sobressaltos institucionais
que constantemente determinavam a alternância entre a Democracia e o regime
autoritário. Com efeito, o Federalismo centralizador - adotado durante os regimes de
exceção nas décadas de 1930 e 1960 - atribuiu à União o planejamento das políticas
públicas nacionais e locais com pouca participação dos Estados no processo
decisório.
220
FARIAS, Paulo José Leite. Competência Federativa e Proteção Ambiental. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor, 1999, p. 319.
221 MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. Op.cit., p. 290.
92
Assim, é certo que a Constituição de 1988 está na origem dos atuais dilemas
federativos. Estados e Municípios tem sua autonomia (financeira, administrativa e
política) mitigada pelo modelo de repartição de competências legislativas adotado
pela Lex Mater.
Existem problemas com relação à organização do Estado federal brasileiro,
como bem pontua André Ramos Tavares: 222
“De outra parte, não existe no Brasil uma Justiça municipal que pudesse
corresponder ao âmbito federativo das cidades. A Justiça local, portanto, é
apenas aquela de âmbito estadual. Passível de crítica, nesse ponto, a
Constituição, porque poderia ter implementado a descentralização também
da organização judiciária do País, aproximando mais a Justiça do cidadão
(munícipe).”
A redemocratização não alterou substancialmente esta lógica federativa,
trazendo pouca novidade quanto à descentralização mais efetiva das competências
e atribuições constitucionais. O ente central apresenta interesses políticos na
manutenção desse modelo, porque se utiliza dele para subjugar financeiramente os
demais entes.
A possibilidade de se embargar os projetos de interesse do governo federal
pelo veto - através de sua bancada no Congresso Nacional - tem se mostrado um
instrumento de barganha que favorece aos Estados em sua relação com a União. O
poder econômico do ente central é utilizado para angariar apoio político das
bancadas estaduais na aprovação de votações de interesse do governo federal no
Congresso Nacional.
Entre os Estados-membros existem tensões de natureza econômica, o que
tem impossibilitado a criação de um ambiente cooperativo em âmbito regional. As
disparidades federativas se agravaram nas relações interestaduais por conta das
disputas em torno do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços. Aliás, o
ICMS passou a servir de indutor de desenvolvimento industrial mediante isenções ou
redução de alíquotas, com vistas a atrair indústrias para as regiões mais pobres. As
222
TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. Op. Cit., p. 1209.
93
distorções fiscais promoveram tensões regionais que expuseram as deficiências do
Federalismo pátrio. 223
Aliás, apresenta-se relevante a atuação do Senado em favor do equilíbrio das
relações entre os Estados no plano tributário224 através, por exemplo, da unificação
de alíquotas (art. 155, § 6º, I da Lei Maior), sobretudo quando fracassarem as
deliberações estaduais com vistas a resolver questões controversas.
Compete ainda à Câmara Alta225 estabelecer as alíquotas do ICMS aplicáveis
às operações e prestações, interestaduais e de exportação, por intermédio de
Resolução de iniciativa do Presidente da República ou de um terço dos senadores,
aprovada pela maioria absoluta dos membros da referida Casa.
Os Estados-membros, com vistas à promoção de seu crescimento
econômico, têm concedido uma série de incentivos fiscais para atrair investimentos
da iniciativa privada. Ocorre que esse procedimento deve ser submetido ao
Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ), órgão que concede o lastro de
constitucionalidade a tais operações. Entretanto, boa parte dessas manobras
financeiras feitas pelos Estados-membros afronta tal exigência.
223
“O principal imposto estadual (de maior arrecadação nacional) foi criado em 1966 como um imposto sobre o valor agregado relativo à circulação de mercadorias (ICM). Este veio substituir o antigo Imposto sobre Vendas e Consignações (IVC), que incidia cumulativamente sobre cada operação de venda ou consignação de mercadorias. Em 1988, foram incorporados à base de cálculo do ICM (que passou a se denominar Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços — ICMS) os fatos geradores dos impostos únicos sobre lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos (IULCLG), energia elétrica (IUEE) e minerais (IUM), assim como os impostos sobre serviços de comunicações (ISSC) e transporte rodoviário (IST). Estes impostos eram de competência federal, mas eram compartilhados com os estados e municípios.” ALMEIDA, Anna Ozorio de. Evolução e Crise da Dívida Pública Estadual. Texto para discussão nº448. IPEA, Brasília, 1996, p.12.
224 A PEC nº 12/2008, de autoria de Adelmir Santana, realça a importância do Senado Federal em
matéria tributária, senão vejamos: “No final de 2003, o Senado Federal recebeu a importante incumbência de zelar pela funcionalidade do Sistema Tributário Nacional e avaliar o desempenho das administrações tributárias da União, dos Estados e do Distrito Federal e dos Municípios. No entanto, não há como ser considerado funcional um sistema tributário que retira da sociedade mais de 35% do Produto Interno Bruto (PIB). Da mesma forma, com tantos tributos e com alíquotas tão elevadas, também não é possível avaliar o desempenho das administrações tributárias. Parece-nos essencial, pois, que o Senado Federal acompanhe a evolução da carga tributária e conceba mecanismos adequados, técnica e juridicamente, a reduzi-la. O objetivo da Proposta é deixar expressa essa incumbência, além de explicitar que esses estudos e diagnósticos devem servir como diretriz para a elaboração dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, no espírito cooperativo que marca nosso Federalismo. Não é aceitável que entremos em nova discussão sobre Reforma Tributária sem que seja discutido profundamente o problema da carga tributária brasileira que, no patamar em que se encontra, dificulta o crescimento de longo prazo da economia brasileira. São essas as razões que embasam nossa Proposta e para a qual pedimos o apoio dos nossos Pares. (...)”
225 Cf. o art. 155, § 2º, IV da Constituição de 1988.
94
A situação econômica dos Estados é precária. 226 As obrigações relacionadas
à prestação de serviços públicos de educação, saúde, segurança pública, dentre
outros, cresceram demasiadamente com o advento da Constituição Cidadã.
A adequada dotação orçamentária deverá fazer-se acompanhar de
planejamento financeiro e gestão pública eficiente quando da prestação dos serviços
públicos, numa interação adequada entre tributação, orçamento e gestão sob os
auspícios do Direito Tributário, Financeiro e Administrativo.
Cabe à Constituição da República propiciar ferramentas para a superação das
vulnerabilidades sociais e econômicas que impactam a vida da maioria dos
brasileiros. A execução de soluções para os problemas econômicos dos Estados-
membros exige vontade política para promoção de reformas estruturantes cujos
frutos se colhem no longo prazo.
A pretensão de se ter no Brasil um Federalismo solidário, foi impactada pela
dura realidade, caracterizada por incerteza e desconfiança, com enfrentamentos e
interesses antagônicos.
A Constituição Cidadã pretendeu reduzir as desigualdades regionais pela
repartição das receitas tributárias e pela instituição de fundos pelos quais uma
porcentagem de alguns impostos da União fosse desigualmente distribuída entre os
Estados, com base em critérios sociais e econômicos. É preciso que se reconheça a
importância dessa iniciativa. Entretanto, a vontade do Constituinte não bastou para
assegurar o desenvolvimento das regiões mais pobres no Brasil. 227
O crescimento econômico precisa repercutir socialmente em áreas como:
educação, saúde e saneamento, e tais serviços devem ser operacionalizados
através de políticas públicas e pela atuação da iniciativa privada.
226
Entre 2007 e 2010 a arrecadação da União cresceu em termos reais 25% enquanto que as transferências cresceram apenas 15,3%. A unanimidade entre os parlamentares é que esta gerência é injusta e inoportuna. Há um grande desequilíbrio entre as atribuições e competências. (Revista UNALE, Ano XII, n. 57, junho de 2011, p.19).
227 “No entanto, em que pese ao dinamismo dos pólos regionais, seu crescimento é insuficiente para
levar o País como um todo ao crescimento sustentado; tem se revelado capaz apenas de produzir uma certa descentralização em direção às economias regionais, enquanto a crise do “motor” da industrialização nacional, a Região Sudeste, continua dando os limites e as possibilidades de desempenho da economia nacional.” RODRIGUEZ, Vicente. Os interesses regionais e a federação brasileira. Ensaios, FEE, Porto Alegre, (15) 2:338-353, 1994, p. 340.
95
Aliás, o modelo de cooperação proposto pela Constituição de 1988 pelo qual
se busca fomentar o desenvolvimento nas regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste,
contou com a oposição de parlamentares do centro-sul. Isso ficou evidente durante a
Reforma revisional da Carta de 1988, diante das tentativas de alteração do modelo
de transferências de recursos federais, em prejuízo das regiões mais pobres.228
Naquela ocasião, cogitou-se ainda em eliminar o referencial de distribuição dos
recursos públicos.229
A criação de normas financeiras para contenção dos gastos públicos teve
seus reflexos no equilíbrio as contas públicas. A estabilidade econômica, obtida pelo
Brasil na segunda metade dos anos 1990, contribuiu para esse cenário.
O sucesso do Plano Real no controle da inflação possibilitou o acesso de
parte da população brasileira aos bens de consumo, beneficiada pelas políticas de
assistência social e pelo ganho real do salário mínimo. Estabeleceu-se assim um
ciclo econômico favorável que trouxe consigo um incremento na arrecadação dos
tributos estaduais, com benefícios aos Estados, sobretudo os mais pobres.230
Naquele momento, a crise financeira estadual levou à privatização de bancos
públicos, corriqueiramente usados para fins eleitoreiros pelos governos estaduais.
Tal medida impactou positivamente a economia regional. Em verdade, tem-se que
228
“As características do processo de descentralização – em especial o expressivo crescimento das regiões Centro-oeste, Norte e Nordeste – apontam o fortalecimento das instâncias subnacionais e o aumento do equilíbrio político e econômico regional. No entanto, embora os indicadores macroeconômicos regionais mostrem claramente uma tendência convergente em direção à média nacional, evidenciando a evolução do processo de integração nacional nas últimas décadas, não há indicações de redução dos desequilíbrios políticos federativos; ao contrário, vivemos um momento de profundo desequilíbrio da federação brasileira.”
CAMARGO, A. Federalismo e inflação. São
Paulo,(Brandel papers, n. 3), 1992, p.05.
229 LAVINAS, Lena e MAGINA, Manoel A.. Federalismo e desenvolvimento regional: debates da
revisão constitucional. Rio de Janeiro: IPEA, 1995, p.20.
230“O governo do Acre, por exemplo, elevou sua receita de impostos em 186%, em termos reais, entre
2003 e 2010, em comparação com os oito anos anteriores. No mesmo período, as chamadas transferências correntes - formadas quase na totalidade por verbas da União - subiram bem menos, cerca de 55%, ou seja, no bolo total da receita, os repasses federais perderam peso. Apesar da melhora, ainda há nove unidades da Federação que arrecadam menos com impostos próprios - principalmente ICMS e IPVA - do que recebem em transferências. Até 2002, eram 11 Estados nessa situação. São Paulo lidera o ranking da “independência” em relação ao governo federal - para cada real recebido como transferência, o governo local arrecadou mais de oito, em média, entre 2003 e 2010. Mas o Estado está em último lugar na lista dos que mais aumentaram a arrecadação, 11 unidades da Federação mais do que dobraram suas receitas próprias, em termos reais (descontada a variação da inflação). Dos cinco com melhor desempenho, quatro são nortistas (além do Acre, Amapá, Roraima e Rondônia) e um do Centro-Oeste (Mato Grosso do Sul)." Reportagem do Jornal o Estado de São Paulo em reportagem de Daniel Bramatti, publicada no dia 20.08.2011.
96
por determinação da Lei de Responsabilidade Fiscal passou-se a exigir o controle
rigoroso dos gastos públicos, o que gerou mudanças no obsoleto modelo brasileiro
de gestão pública.
Na década de 1990, em nome da estabilidade econômica do País, houve uma
intensa ofensiva contra os abusos cometidos na gestão estadual. Assim, governos
que se utilizavam das finanças estaduais para fins eleitoreiros passaram a sofrer os
rigores da legislação.
Com efeito, o Brasil ainda enfrenta sérios problemas de corrupção e gestão
pública temerária. Aliás, o País tem intensificado o combate àquela corrupção
oriunda das relações do governo federal com sua base de apoio no Congresso
Nacional. Corrupção esta que surge a pretexto de se garantir a governabilidade.
Neste cenário a reforma política apresenta-se como mais um instrumento que se
propõe a aperfeiçoar o constitucionalismo pátrio.
No período republicano, problemas de caixa sempre levaram prefeitos e
governadores a se socorrerem do governo federal para remediar o descompasso
nas contas públicas, alimentando um processo nocivo à autonomia estadual.
Um grande número de Estados brasileiros, principalmente os das regiões
Nordeste e Norte, tem sua economia atrelada aos recursos repassados pela União,
caracterizando uma situação de insuficiência financeira que tem levado ao
endividamento público, diante da necessidade de se buscar recursos para custeio e
investimento.
O Congresso Nacional tem se omitido no que se refere à regulamentação de
alguns dispositivos, da Carta de 1988, fundamentais à superação das disparidades
regionais, dentre os quais podemos citar o art. 43 que versa sobre as condições para
integração de regiões em desenvolvimento e o art. 163, VII, que define a forma de
atuação das instituições oficiais de crédito.
A ação legislativa é um meio indutor de desenvolvimento. Assim, reiteramos
que a Constituição Estadual poderá oferecer sua contribuição como ferramenta para
promoção do desenvolvimento regional, a depender evidentemente da forma de sua
utilização por cada Estado. Num tempo em que a globalização econômica impacta
as bases do Estado nacional é que a valorização de instituições regionais e locais
97
poderá operar em favor da preservação do próprio sentimento nacional e de coesão
federativa.
5.5. Constituição Estadual, Constituição da União e Constituição Total
De acordo com a teoria das três ordens (escola austríaca), citada no primeiro
capítulo, a Constituição Federal contém duas Constituições. A primeira é a geral que
rege os interesses de toda a Federação, a segunda é aquela que diz respeito
apenas aos interesses da União, entendida enquanto ente federativo.
Ora, a partir desta constatação; tem-se que entre os entes federativos, o
princípio isonômico perdeu sua força, visto que no plano subnacional a Constituição
Estadual não possui o mesmo privilégio de se confundir com a própria Constituição
Federal, diluindo-se nela, como ocorre com a Constituição da União.
No caso dos Municípios e do Distrito Federal a situação é mais grave ainda,
haja vista que suas Leis Orgânicas, de acordo com a Constituição Federal, sequer
são consideradas uma manifestação do Poder Constituinte, apresentando-se como
atos do Poder Legislativo.
A Lei Maior cuida dos interesses da união (Federação) o que inclui os
assuntos da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, de acordo com o artigo
18 da Lei Maior. A União (ente federado) não tem uma Constituição apartada que
possa ser dissociada da Lex Mater. Deste modo, o ente central usufrui de um
beneficio não concedido a nenhum outro ente federativo, manifesto pela inserção de
sua Constituição na Constituição Federal. Essa situação se apresenta como um
privilégio, pois guinda ao nível mais alto do Ordenamento Jurídico a defesa dos
interesses da União.
As normas centrais da Constituição Federal cuidam da organização do Estado
federal para manter a unidade e a harmonia do sistema, a fim de possibilitar uma
interface entre soberania e autonomias em prol da cooperação e da resolução de
tensões entre as coletividades federadas. Tais normas não se confundem com
aquelas normas centralizadoras dispostas nas Constituições unitaristas. 231
231
“A atuação do constituinte estadual é derivativa deste conjunto de normas devendo a constituição estadual e a norma subnacional observá-las fielmente.” HORTA, Raul Machado. Normas Centrais da Constituição Federal. Revista de informação legislativa, Brasília, a. 34n. 135 jul./set. 1997, p. 176.
98
Com base na Carta de 1988 tem-se que a Constituição da União, por estar
inserida na Constituição Federal, é igualmente norma suprema prevalecendo diante
das normas constitucionais estaduais. Esta relação se reflete no controle de
constitucionalidade, posto que a norma constitucional da União na prática tem um
valor diferente daquele atribuído à norma constitucional estadual, posto ser esta
controlada em face daquela.
Nesta linha, a Constituição Estadual encontra-se normativamente submetida
aos ditames da Carta da União, quando em verdade as normas constitucionais dos
entes federativos deveriam atuar a partir das competências distribuídas pela
Constituição Federal, pondo-se todas elas no mesmo patamar a fim de também
serem controladas face à Constituição da Federação.
A Carta Magna é a Constituição da Federação e a ela deveriam submeter-se
não apenas as Constituições Estaduais e as Leis Orgânicas, como também a
Constituição da União. Essa hipótese favoreceria ao equilíbrio das relações
federativas.
Com efeito, a maior parte dos comandos da Constituição Federal vale para
todos os níveis da Federação. Todavia, como já ressaltado, existe também uma
parte da Carta da República que disciplina apenas questões de interesse de um dos
entes federados, a saber, a União. Com base nisto atente-se ao magistério de
Oswaldo Bandeira de Mello: 232
"A chamada ‘Constituição Federal’ pode ser desdobrada em duas cartas
distintas: a Constituição Total e a Constituição da União. A Constituição
Total compreende a verdadeira Constituição Federal e regula, portanto, os
poderes do Estado Federal. A Constituição da União dispõe somente sobre
as competências da coletividade central, delegadas pela Constituição Total
Inexiste controle de constitucionalidade sobre a Constituição da União com
vistas à proteção da Constituição Total, como ocorre com relação às Constituições
Estaduais e Leis Orgânicas. A supremacia deveria caracterizar apenas a
Constituição Total, todavia, está presente também na Constituição da União.
Estes argumentos bastam para demonstrar que as Constituições da União e
dos Estados-membros não estão no mesmo patamar. Neste ponto, discordamos de
232
MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira. Op.cit., p. 49.
99
Bandeira de Mello quando afirma que as Constituições da União e dos Estados se
acham em idêntico plano. 233
A Constituição da União deveria mesmo estar no mesmo patamar das
Constituições Estaduais. Em verdade, deveria e poderia ser assim se a União
tivesse sua Constituição dissociada da Lei Maior.
Melhor seria se a União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios
fossem regidos por Constituições autônomas submetidas à Lei Maior que a seu
turno poderia dispor apenas sobre matéria essencialmente constitucional.
O desmembramento da Constituição da União do corpo da Constituição
Federal dificilmente se daria através de emenda constitucional. No atual formato, o
Supremo Tribunal Federal, com arrimo no art. 102 da Carta de 1988, se ocupa da
guarda da Constituição Federal sem decréscimo da parcela normativa referente à
Constituição da União.
A Constituição Estadual é protegida pelo Tribunal de Justiça Estadual. Assim,
na hipótese de criação de uma Constituição da União, desmembrada da
Constituição Federal, seria apropriado conceder a outro tribunal, que não fosse o
STF, atribuições para proteção da Constituição da União. Ao Supremo, com base
nesta lógica, competiria apenas o controle de constitucionalidade referente aos
temas de interesse do Estado federativo.
Nesta linha de raciocínio, melhor seria que a Constituição da União fosse uma
manifestação do Poder Constituinte Derivado, com atuação condicionada e limitada
pelos comandos contidos na Lei Maior.
Os limites que são naturalmente impostos à Constituição Estadual não têm
sua origem na chamada Constituição da União, pois se assim o fosse, estar-se-ia
admitindo a existência de hierarquia entres os entes federados, quando em verdade
a relação entre eles presume-se ser de coordenação e cooperação e não de
subordinação.
233
“Ela se encontra em plano idêntico ao das constituições dos Estados-membros que regem as competências outorgadas pela constituição total às coletividades particulares. Desse modo se evitam confusões como as que quotidianamente ocorrem entre a União – uma das coletividades parciais e o Estado federal – a comunidade total." Idem.
100
É a Constituição Total que determina os fundamentos, as balizas e os limites
que caracterizam a Constituição Estadual, haja vista que é nela que se encontra o
substrato que nutre o Estado Federal brasileiro. Neste sentido, o nivelamento da
Constituição da União no mesmo plano da Constituição Total é um indicativo da
desigualdade que se opera entre os entes federativos. 234
Para efeito comparativo, tem-se que a Lei federal e a Lei nacional são criadas
pelo Congresso Nacional, entretanto diferem quanto a sua destinação, haja vista que
aos interesses da União aplica-se a norma federal, enquanto que a Lei nacional
obriga todos os entes federativos. Esta dinâmica também poderia ser aplicada à
Constituição Federal e à Constituição da União, esta cuidaria apenas dos interesses
do ente central enquanto aquela se ocuparia de reger a Federação como um todo,
inclusive a própria União.
Dotar o ente central de uma Constituição própria teria efeitos positivos sobre a
Constituição Federal que passaria a ser mais compacta e se ocuparia somente
daquelas questões de interesse da união.
No caso brasileiro, o Poder Constituinte Originário - soberano, inicial, ilimitado
e incondicionado - decidiu construir a Constituição da União incorporada à Lei Maior,
tornando aquela parte desta. Entretanto, por ser um poder inicial nada o impediria de
construir a Lei Maior dissociada da Constituição da União, atribuindo a esta o
mesmo valor concedido à Constituição Estadual.
Em verdade, a isonomia entre os entes federativos é frágil e encontra
obstáculos a partir do próprio texto constitucional, visto não haver justificativa
plausível para que entes igualmente autônomos possuam normas reitoras tão
desniveladas.
Ainda que inexista uma Constituição da União autônoma, melhor seria tê-la
para então atribuir-lhe o mesmo valor concedido às Constituições Estaduais, bem
como mais adequado seria dotar o Distrito Federal e os Municípios de uma
Constituição.
234
“De fato, inexiste hierarquia jurídica entre os entes federativos. Todos são pessoas jurídicas dotadas de capacidade política, enquanto atuam dentro de suas esferas de competência, constitucionalmente traçadas. Portanto, a harmonia deve presidir a conveniência dos entes federativos (pessoas políticas). Há, aliás, implícita na Constituição Brasileira a idéia de que desta conveniência harmoniosa resultará o bem de toda a Nação.” CARRAZZA, A. Roque. Curso de Direito Constitucional Tributário. 19ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 129.
101
5.6. A reprodução da Lex Mater na Constituição Estadual
A Constituição Estadual é um documento que deve observar a Lei Maior por
imposição da soberania federativa, “respeitando os princípios constitucionais
sensíveis, princípios federais extensíveis e princípios constitucionais
estabelecidos”.235
Para Celso de Mello,236 no plano constitucional os princípios federais
extensíveis e os princípios constitucionais estabelecidos são bem mais numerosos
do que os chamados princípios constitucionais sensíveis, previstos no artigo 34, VII
da Constituição Federal, e todos estes princípios apresentam-se como de
reprodução obrigatória pelas Constituições Estaduais.
Os princípios extensíveis são comuns a todos os entes federativos por se
constituírem em normas centrais. Aliás, Raul Machado Horta237a eles se refere como
“princípios desta Constituição” provavelmente em alusão ao artigo 11 dos Atos das
Disposições Constitucionais Transitórias, dentre os quais estão os dispositivos
elencados no título I da Carta Magna.
Os princípios estabelecidos manifestam-se em favor da ordenação da
Federação e da auto-organização dos Estados-membros, cuidando de competências
administrativas, organização da administração pública e disposições expressas
sobre a organização do próprio governo.
“Em primeiro lugar, devemos reconhecer que para observar princípios, o
constituinte não precisa repeti-los na Constituição Estadual, embora
nada impeça de fazê-lo. Observar um princípio significa assim abster-se
de emitir regras com ele incompatíveis ou, positivamente, emitir regras
235
SILVA, José Afonso. O Estado-membro na Constituição Federal. RDP 16/15.
236 "Se é certo que a nova Carta Política contempla um elenco menos abrangente de princípios
constitucionais sensíveis, a denotar, com isso, a expansão de poderes jurídicos na esfera das coletividades autônomas locais, o mesmo não se pode afirmar quanto aos princípios federais extensíveis e aos princípios constitucionais estabelecidos, os quais, embora disseminados pelo texto constitucional, posto que não é tópica a sua localização, configuram acervo expressivo de limitações dessa autonomia local, cuja identificação – até mesmo pelos efeitos restritivos que deles decorrem – impõese realizar. A questão da necessária observância, ou não, pelos Estados-membros, das normas e princípios inerentes ao processo legislativo, provoca a discussão sobre o alcance do poder jurídico da União Federal de impor, ou não, às demais pessoas estatais que integram a estrutura da Federação, o respeito incondicional a padrões heterônomos por ela própria instituídos como fatores de compulsória aplicação. (...) Da resolução dessa questão central, emergirá a definição do modelo de Federação a ser efetivamente observado nas práticas institucionais." (ADI 216-MC, Rel. p/ o ac. Min. Celso de Mello, julgamento em 23-5-1990, Plenário, DJ de 7-5-1993.)
237 MACHADO, Horta. Estudos de direito constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 1995, p. 391-392.
102
constitucionais compatíveis. Não se cumpre um princípio repetindo o seu
teor, mas emitindo regras que com ele compõem um conjunto
hierarquicamente harmônico. Como princípios não exigem um
comportamento específico nem são aplicáveis à maneira de um ‘tudo ou
nada’, observá-los significa seguir-lhes a orientação ao estabelecerem-
se regras constitucionais estaduais.” 238
É natural que as Cartas Estaduais tratem de alguns assuntos dispostos na Lei
Maior, adaptando-os à situação específica vivenciada pelos Estados-membros.
Assim, no exercício de sua competência é de pouca serventia aos Estados
transcreverem trechos genéricos dispostos na Constituição da República, haja vista
que nestes casos o que se espera é a especificação da norma geral, salvo na
hipótese da União ter se omitido na construção do preceito geral no que tange à
competência concorrente.
A repetição além de pouco influenciar na validade da norma jurídica, produz
dificuldades no que se refere ao controle de constitucionalidade. Em verdade,
normas contidas na Lei Maior reproduzidas pela Constituição Estadual poderão ser
protegidas pelo STF, bem como pelos Tribunais de Justiça estaduais. Essa dinâmica
poderá gerar demora na resolução de suposta inconstitucionalidade e fomentar um
ambiente de incerteza jurídica diante da existência opiniões divergentes, com maior
demora na produção de uma decisão definitiva pelo Supremo.
Com efeito, de acordo com o art. 125, §2º da Constituição Federal, podem os
Estados-membros conhecer e decidir através dos Tribunais de Justiça sobre a
inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da
Constituição Estadual.
A tradição brasileira é mesmo de repetição meticulosa de um grande número
de dispositivos da Constituição Federal nas Constituições Estaduais, a ponto do STF
já ter sido acionado para se manifestar, por exemplo, sobre controvérsia relativa à
ausência da menção a Deus no preâmbulo da Constituição do Acre, em virtude de
238
FERRAZ JUNIOR, Tércio. Sampaio. Princípios condicionantes do poder constituinte estadual em face da constituição federal. Revista de Direito Público, São Paulo, v. 22, 1989, p. 90.
103
suposta obrigação de repetir em seu texto a referência ao Criador, contida no
preâmbulo da Lei Maior. 239
Através da Reclamação nº 383 o Supremo adotou a “tese da autonomia da
norma repetida”. Dispositivos das Constituições Estaduais - reproduzidos a partir de
normas de observância obrigatória dispostas na Constituição Federal - poderão ser
objeto de controle de constitucionalidade perante os Tribunais de Justiça dos
Estados-membros, sem que isso signifique usurpação da competência atribuída pela
Carta de 1988 ao STF. 240
Nos termos do artigo 34, VII da Carta Magna, a palavra “observância”, foi
interpretada pelo STF como sinônimo de obrigatoriedade de reprodução normativa
direcionada ao Constituinte Decorrente para transportar uma série de dispositivos
estruturantes para a Constituição Estadual.
Entretanto, o Supremo já foi favorável à desnecessidade da reprodução desse
tipo de norma no contexto das Constituições Estaduais. Pela Reclamação nº 370241
tinha-se o entendimento de que era ociosa a reprodução de normas constitucionais
obrigatórias no âmbito da Constituição Estadual.
A “teoria da ociosidade da norma constitucional repetida”, anteriormente
adotada, não reconhecia a autonomia da norma repetida, por isso mesmo retirava a
competência da Justiça Estadual para realizar o controle abstrato dessa norma.
Dispunha ainda que a observância dos princípios contidos na Constituição Federal
não significava necessariamente o dever de copiá-los no texto da Constituição
Estadual.
Do ponto de vista dos interesses estaduais, de pouco valeria ter toda a
Constituição Federal reproduzida na Constituição Estadual. A Lei Maior não dispõe
239
O Partido Social Liberal arguiu perante o STF lesão à CF/88 pelo fato da Constituição Estadual do Acre não ter repetido em seu preâmbulo a expressão “sob a proteção de Deus” no que o Supremo julgou a referida ação improcedente, fazendo entender que a Constituição Estadual não é obrigada a reproduzir na íntegra todo o texto da Lei Maior. STF, Pleno, ADI nº 2.076/AC, REl.Min. Carlos Velloso, decisão de 15.08.2002.
240 Rcl. nº 383, Rel. Min.Moreira Alves, julgada em 11.06.1992, DJ de 21.05.1993.
241 Anteriormente, julgando a Reclamação nº 370, afirmara o Supremo Tribunal Federal que faleceria
competência aos Tribunais de Justiça estaduais para conhecer de representação de inconstitucionalidade de lei estadual ou municipal em face de parâmetros formalmente estaduais, mas substancialmente integrantes da ordem constitucional federal. (...) (Rcl. nº 370, Rel. Min. Octavio Gallotti, julgada em 09.04.1992, DJ de 29.06.2001).
104
detidamente sobre questões específicas das diversas regiões do País, tarefa esta
atribuída ao Constituinte Decorrente no âmbito da Carta Estadual.
O importante é que a Carta Estadual não se notabilize por um conjunto de
normas reproduzidas a partir da Lei Maior. A Constituição Estadual não pode se
restringir a este programa normativo porque isto significaria uma afronta à autonomia
estadual e ao princípio federativo. 242
Com isso queremos dizer que ao abrigo de qualquer uma das teorias
(ociosidade ou autonomia) cabe ao Poder Constituinte Decorrente o exercício das
competências que lhe foram atribuídas pela Constituição Federal no sentido de
adaptar a norma constitucional estadual à realidade dos Estados e Municípios. A
nosso sentir, o que mais interessa é a obediência e não a reprodução normativa
exaustiva dos referidos princípios da Carta Magna no texto da Constituição Estadual.
Por um lado a Constituição de 1988 ofertou aos Estados-membros um
diminuto espaço de atuação legislativa. Doutra banda, tem-se que o Poder
Decorrente tem sido omisso em sua tarefa de prover a Constituição Estadual de
dispositivos autênticos, não reproduzidos ou imitados a partir da Constituição
Federal.
Destarte, nem mesmo o pequeno espaço favorável à atuação estadual foi
adequadamente utilizado pelo Poder Decorrente no âmbito das Cartas Estaduais. É
legítimo que as Assembleias Legislativas almejem partilhar as competências
privativas da União (PEC nº 47/2012). Entretanto, é fundamental que o Poder
Decorrente cumpra seu papel de adequar a Constituição Estadual à realidade
cultural, social e econômica de cada um dos Estados da Federação.
242
“A exuberância de casos em que o princípio da separação dos poderes cerceia toda a criatividade do constituinte estadual, levou a que se falasse num princípio da simetria, para designar a obrigação do constituinte estadual de seguir fielmente as opções de organização e de relacionamento entre os poderes acolhidos pelo constituinte federal. Esse princípio da simetria, contudo, não deve ser compreendido como absoluto. Nem todas as normas que regem o Poder Legislativo da União são de absorção necessária pelos estados. As normas de observância obrigatória são as que refletem o inter-relacionamento entre os poderes”.
MENDES, Gilmar Ferreira. Op.cit., p. 814.
105
CAPÍTULO 6
O DIREITO ESTADUAL E O DESENVOLVIMENTO REGIONAL
6.1. O Federalismo brasileiro sob a perspectiva regional; 6.2. O Direito
Estadual e as potencialidades regionais; 6.3. Poder Constituinte
Estadual e desenvolvimento; 6.4. A ordem econômica estadual; 6.5.
Políticas públicas e desenvolvimento regional; 6.6. Orçamento público e
regionalização; 6.7. O Fundo de Participação dos Estados.
6.1. O Federalismo brasileiro sob a perspectiva regional
É possível que Estados pertencentes a uma determinada região geográfica do
País não ostentem as mesmas peculiaridades. Deste modo, pertencer a uma
determinada região nem sempre faz com que os Estados-membros tenham
interesses comuns.
Deste modo, as peculiaridades geográficas aliadas a fatores culturais poderão
determinar a existência de características próprias que poderão redundar na defesa
de diferentes interesses. Apesar disto, é perfeitamente possível que - no âmbito de
uma região - os Estados-membros elejam temas de interesse comum a fim de
estabelecer os termos de sua defesa em face das demais regiões ou mesmo da
União.
A questão regional pauta-se na identidade cultural, econômica e social de
cada um dos Estados-membros. Portanto, é justo que essas questões permeiem a
competência legislativa dos entes periféricos na construção de um Direito Estadual
mais genuíno.
O interesse comum de um conjunto de Estados pertencentes a uma mesma
região geográfica produz uma espécie de interesse regional coletivo voltado muito
mais ao exercício de competências administrativas.
No Brasil as regiões não são entidades políticas, assim não se constituem em
entes componentes da Federação. Em verdade, a competência legislativa de
106
interesse regional é aquela concedida pela Carta Magna ao Estado-membro
enquanto entidade singular.
Paulo Bonavides243 observa que no Brasil a temática regionalista esteve
ausente em praticamente todas as Constituições, com menções insignificantes no
âmbito das Cartas de 1946 e 1967, sendo que apenas a partir da Constituição de
1988 o regionalismo mereceu maior destaque. 244
Assim a Carta de 1988 abriu espaço para a discussão sobre o papel das
regiões no cenário federativo, com o reconhecimento formal de sua existência
enquanto entidade administrativa245, como se depreende da referência à redução
das desigualdades regionais no Brasil disposta nos artigos 3º, III; 43 e 170, VII da
Carta Magna. 246
Aliás, durante o processo de criação da Constituição de 1988 o Poder
Originário descartou a hipótese de inclusão das regiões enquanto ente federativo
possivelmente porque isso implicaria em maior coesão dos Estados-membros e
fortalecimento de sua autonomia.247 A insistência em associar autonomia estadual a
243
BONAVIDES, Paulo. Op. Cit., p.359.
244 “Muitos autores enfatizam o uso redundante e excessivo do princípio da regionalização ao longo
de vários artigos da Constituição. De fato, dadas as transformações no padrão de crescimento da economia brasileira e diante do processo de globalização que redefine as formas de inserção das economias locais e regionais no mercado internacional, trazendo maior heterogeneidade interna às regiões e rompendo com especificidades intrínsecas, parece inadequada essa referência reiterada à escala macrorregional como escala espacial predominante nos processos econômicos, sociais e políticos. É verdade que, ao contrário da prática política dos congressistas que ainda reproduz uma estruturação em grandes blocos regionais, a dinâmica econômica opera em distintas escalas, que vão da nacional, e até mesmo supranacional, ao nível local.” Ibdem, p.02.
245 A Carta Magna de 1988 fez referências às regiões quando determinou, por exemplo, a destinação
de receitas tributárias para financiamento do setor produtivo regional.
246 “O Estado regional é visto, por alguns, como modelo intermediário entre o Estado unitário e o
federal. Exemplo clássico desse tipo de Estado é a República Italiana. No Estado regional, a descentralização ocorre de cima para baixo, sendo transferidas pelo poder central, através de lei nacional, competências administrativas e legislativas ordinárias. Quanto à forma de Estado denominada autonômico, apesar de se assemelhar ao Estado regional no concernente à descentralização, com este não se confunde. Entende a melhor doutrina que o Estado autonômico é a fórmula de administração territorial mais criativa surgida nos últimos tempos, precisamente após a Constituição espanhola de 1978, sendo justamente a Espanha o paradigma e o clássico exemplo.” MARTINS FILHO, Luiz Dias. Op.cit. p.69
247 “Durante a Constituinte de 1987/1988 não faltaram propostas conducentes a efetivar, de imediato,
o princípio federativo sobre bases regionais. Partiram sobretudo de membros do colégio constituinte, pertencentes aos Estados do Nordeste, sendo dignas de menção as Emendas apresentadas por Firmo de Castro, Paes de Andrade, José Lins de Albuquerque e Aluísio Campos, entre outros. Mas a adoção foi tenazmente combatida e obstacularizada por constituintes do Sudeste sob a alegativa maior, inteiramente destituída de fundamento, de que a introdução de semelhante fórmula poderia levar ao separatismo e à desagregação da unidade nacional.” BONAVIDES, Paulo. Op. Cit., p.359.
107
intentos separatistas não deveria mais prevalecer num País com instituições
democráticas consolidadas.
Paulo Bonavides248 destaca o Estado regional como possibilidade de se fazer
frente aos vícios oriundos do presidencialismo brasileiro, alimentado pela
centralização política. “O aspecto do centralismo continua, pois, presente, deitando
sombras e ameaças à ordem federativa, enquanto não se resolver a questão
regional.” 249
Há críticas ao modo como a Constituição Federal de 1988 fez referência às
regiões:
“Os entes federados são estados e municípios e não regiões. Regiões
específicas não deveriam ser nomeadas na Constituição, tal como o foram
no caso dos fundos constitucionais, dos programas de irrigação etc. Ao
tratar das regiões no seu artigo 43, para efeitos administrativos, o texto
constitucional as nomeia como complexos articulados do ponto de vista
geoeconômico e social, passíveis de serem reconstituídas para fins de ação
governamental. Se a flexibilidade ainda não pode orientar os princípios do
federalismo brasileiro, dado o caráter atual do nosso Estado e os riscos em
que incorreríamos, ela talvez possa balizar os princípios de regionalização e
infirmar aqueles do regionalismo.” 250
A instituição da região enquanto ente federativo, no bojo da Constituição
Federal, poderia inaugurar consigo uma nova perspectiva de embate federativo
gerado a partir da relação entre as regiões na defesa dos interesses dos Estados-
membros aos quais elas representariam. Em vez de se criar um novo ente
federativo, melhor seria aperfeiçoar a relação entre os entes federativos que já
compõem a Federação brasileira.
248
“Assim como os Municípios são mais fortes pela sua aglutinação num Estado-membro, do mesmo modo os Estados teriam mais força e expressão se seu vínculo se fizesse mediante a união regional, provida esta também de autonomia. No federalismo das autonomias regionais, o que se propõe não é a eliminação das autonomias dos Estados-membros e dos Municípios, mas precisamente o contrário, a saber, o seu fortalecimento com a adição da autonomia regional”. Idem.
249 Ibdem.
250 LAVINAS, Lena e MAGINA, Manoel A.. Federalismo e desenvolvimento regional: debates da
revisão constitucional. Rio de Janeiro: IPEA, 1995, p. 03.
108
6.2. O Direito Estadual e as potencialidades regionais
É certo que o desenvolvimento regional resulta da articulação entre diversos
atores, a saber: a sociedade civil, organizações não governamentais, instituições
políticas, empresas e o próprio Estado. 251
Há instrumentos pelos quais os Estados-membros poderão superar suas
dificuldades econômicas. Assim, a intervenção do Estado na economia regional bem
como a atuação da iniciativa privada são medidas imprescindíveis ao
desenvolvimento regional.
A atuação do Estado - através da produção normativa, do planejamento e da
execução de ações estruturais - favorece ao desenvolvimento regional pela
construção de um ambiente benéfico à iniciativa privada com vistas à exploração de
potencialidades econômicas existentes em cada região do País. 252
Portanto, é preciso que se garanta à iniciativa privada um ambiente
econômico regional permeado por segurança jurídica. A economia rege-se por
princípios próprios a partir de bases jurídicas sólidas capazes de gerar tranquilidade
ao mercado. 253
“Nem tudo está, no entanto, capturado ou movido pela parte mais poderosa
e dinâmica do sistema. A vida social e econômica persiste nas áreas
periféricas, realimentando circuitos secundários de valorização dos capitais
ou de iniciativas de organização alternativas que animam a vida quotidiana
de amplas camadas da população. Dessa forma, mesmo nas franjas menos
significativas do sistema econômico hegemônico, recursos mal ou pouco
aproveitados podem ser melhor mobilizados, desde que hajam estímulos
para tanto - uma postura que chama atenção novamente para o esforço
inovador demandado pelo desenvolvimento regional. A criatividade e
capacidade de organização coletiva das populações pode perfeitamente
251
BUARQUE, Sérgio C. Metodologia de planejamento do desenvolvimento local e municipal sustentável. Material para orientação técnica e treinamento de multiplicadores e técnicos em planejamento local e municipal. Brasília, DF: IICA, 1999, p. 132.
252 “O enfoque globalizante dos processos que corresponde à proeminência do Estado como agente
propulsor e orientador das atividades econômicas e árbitro dos conflitos de classes na definição do interesse nacional, viria finalmente a prevalecer na concepção do desenvolvimento.” FURTADO, Celso. Pequena introdução ao desenvolvimento: enfoque interdisciplinar. 2ª edição. São Paulo: Editora nacional, 1981, p.20.
253 Vital Moreira observa que atualmente as economias capitalistas são mistas quanto ao modelo de
coordenação, na medida em que combinam em doses variáveis a coordenação estatal, a do mercado e a auto-regulação através da atuação dos próprios agentes econômicos. MOREIRA, Vital. Auto-regulação profissional e administração pública. Coimbra: Almeida, 1997, p. 121.
109
explorar brechas para a inclusão social e econômica e, assim, reencontrar
nichos de inserção sustentada no mercados.”254
Compete à Lei estabelecer as diretrizes e bases do planejamento na busca de
desenvolvimento equilibrado que deverá incluir e compatibilizar os planos nacionais
e regionais de desenvolvimento, num ambiente de integração federativa conforme o
art. 174, §1º da Carta Magna. Entretanto, esta previsão esbarra na falta de norma
regulamentadora federal.
O planejamento regional, feito exclusivamente a partir da União, dificilmente
atenderia satisfatoriamente as demandas de todos os Estados-membros. Por isso
mesmo, mostra-se fundamental a integração entre os projetos estaduais e a
proposição da União. 255
É preciso efetivar os dispositivos constitucionais favoráveis ao
desenvolvimento. Entretanto, Manoel Gonçalves Ferreira Filho256 chama a atenção
para a necessidade de operacionalização da norma jurídica econômica em
consonância com os princípios constitucionais garantidores da dignidade da pessoa
humana.
Em verdade, a norma jurídica estadual precisa manifestar-se favoravelmente
no plano regional. O Federalismo exige que a realidade de cada Estado repercuta no
plano jurídico, e esta necessidade também se aplica à questão econômica. 257
A atual discussão sobre a reforma federativa oportuniza a discussão em torno
da necessidade de adaptação do Direito Estadual à realidade socioeconômica
regional. 258
254
Ministério da Integração Nacional. Ministério da Integração nacional. Secretaria de Políticas de Desenvolvimento Regional. Fundos constitucionais de financiamento – 20 anos – desempenho operacional. Brasília, 2009, p.10. Fonte; http://www.integracao.gov.br/publicacoes2.
255 “Importa que no planejamento e execução de políticas públicas reconheça-se a importância do
elemento regional. Os entes federativos devem trabalhar articulados, de maneira a se definirem os objetivos que possibilitem a elaboração de políticas públicas de baixo para cima.” RODRIGUES, Isabel Cristina. O desenvolvimento econômico regional no contexto do desenvolvimento sustentável, 2003, p. 08.
256 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. Op.cit., p. 347.
257 Na concepção de Fonseca o conceito jurídico de Constituição econômica vem dar respostas a
estas indagações e pretende ver como o direito conduz o fenômeno econômico, para que se consiga uma adequação entre a norma e o fato. FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Direito Econômico. 2ª ed. Forense: Rio de Janeiro, 1998, p.51.
258 SANTOS, Boaventura de Sousa (org.). Produzir para viver: os caminhos da produção não
capitalista. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002, p. 67.
110
Atritos são gerados entre os Estados na disputa pela captação de recursos
federais e investimentos privados. 259
A Carta de 1988 atribuiu à União, em caso de solicitação dos Estados, a
possibilidade de atuação para resolução de algumas pendências.260 A harmonia
institucional impõe-se também pela atuação do ente central para equacionar
questões de interesse federativo, mesmo que seja pela intervenção federal, quando
for o caso. Com efeito, alguns órgãos são fundamentais para estabilização
institucional, dentre os quais merecem destaque o Senado e o STF.
No plano tributário o Senado poderá harmonizar conflitos interestaduais. A
propósito, a resolução da tensão estadual em torno do ICMS, poderia então contar
com a atuação da Câmara Alta, caso houvesse vontade política para tal. 261
Nesse sentido, o papel do Senado assumiria cabal relevância, por sua
atuação enquanto órgão moderador capaz de harmonizar os interesses entre os
Estados, sobretudo em questões delicadas que se apresentam como foco de
hostilidades. 262
Destarte, a hipótese de um Estado federal sem Senado, defendida por alguns
juristas,263 não atenderia aos anseios da Federação brasileira em prol de seu
aperfeiçoamento.
259
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 11ª. ed. Op.cit., 2008, p. 811.
260 Esta hipótese está prevista no Art.12, §3º do ADCT, em que por solicitação dos Estados e
Municípios interessados, a União poderá encarregar-se dos trabalhos demarcatórios das linhas divisórias litigiosas.
261 O papel do Senado mostra-se fundamental para resolução de entraves tributários como também
se depreende da disposição elencada no Art. 155, §2º, IV da Lex Mater, nos termos que se seguem: Art. 155 (...) (...) § 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: (...) IV - resolução do Senado Federal, de iniciativa do Presidente da República ou de um terço dos Senadores, aprovada pela maioria absoluta de seus membros, estabelecerá as alíquotas aplicáveis às operações e prestações, interestaduais e de exportação; (...)
262 Na concepção de Bercovici: “O Senado foi criado no Brasil como órgão de moderação, o que ficou
bem claro durante o Império, não cumprindo com o seu papel originário de ‘Câmara dos Estados’ para garantir o equilíbrio da Federação.” BERCOVICI, Gilberto. Dilemas do estado federal brasileiro. Porto Alegre: Livraria do advogado Editora, 2004, p. 86.
263 Otávio Rocha, em sua dissertação, associou José Afonso da Silva e Gilberto Bercovici à defesa da
ideia de extinção do Senado Federal. Nesta linha, para Silva a inexistência de Senado não afetaria a harmonia federativa, tendo inclusive proposto a criação de um ‘congresso da federação’ composto por representantes dos Estados-membros e dos Municípios em substituição à Câmara Alta. De semelhante modo, para Bercovici a Câmara dos Deputados representa na prática os interesses estaduais, o que supriria a ausência da Casa dos Estados. ROCHA, Otávio Túlio Pedersoli. A
111
Alega-se existir disparidade de representatividade popular na composição da
Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Assim sendo, diz-se que a Câmara
Alta, modelada pela Carta de 1988, afrontaria o princípio democrático por atribuir aos
Estados o mesmo número de senadores, independentemente de sua população.
Ocorre que o Senado representa os Estados, e por isso mesmo não faria sentido
que sua composição se medisse por critérios populacionais.
6.3. Poder Constituinte Estadual e desenvolvimento
As decisões políticas internas tomadas no sentido de adequar o Ordenamento
Jurídico estadual aos princípios constitucionais que regem o desenvolvimento,
demonstram a importância da atuação do Poder Decorrente como fator de distinção
positiva entre as unidades federadas.
Assim tem-se que em matéria de desenvolvimento regional cada Estado-
membro tem suficiente autonomia para imprimir seu próprio crescimento a partir de
bases jurídicas e econômicas dispostas na Carta Estadual e na Constituição
Federal.
Portanto, a Constituição Estadual precisa ser encarada como instrumento de
desenvolvimento. A partir disto seria possível conferir nova roupagem ao Direito
Estadual com destaque para uma ordem econômica voltada às potencialidades
regionais.
Vale lembrar que a atuação do Poder Constituinte Estadual está muito
distante daquilo que dele se esperava diante do seu potencial para alavancar um
ambiente regional socioeconomicamente favorável.
É possível citar algumas matérias sobre as quais a atuação administrativa e
legislativa dos Estados-membros poderia favorecer a economia regional: Artesanato;
confecção; calçados; alimentação; extrativismo; cultivos; pesca; turismo;
microempresas e empresas de pequeno porte; cooperativismo e associativismo;
política fundiária; política agrícola: (geração e difusão de tecnologia agropecuária,
defesa sanitária, informação rural, comercialização, abastecimento e
armazenamento, crédito rural, seguro agrícola, formação profissional e educação
rural, irrigação e drenagem, habitação e eletrificação rural, agroindústria, assistência
relevância do senado para o estado federal no Brasil. Dissertação de Mestrado em direito PUC/MG. Orientador: José Alfredo Baracho Júnior. Belo Horizonte-MG, 2010, p.208, 209.
112
técnica e extensão rural); atividade hídrica e mineral; meio ambiente; regiões
metropolitanas; trabalho e emprego; defesa do consumidor; dentre outras vocações.
Desta forma, a norma jurídica e o desenvolvimento manifestam-se
respectivamente através de uma relação de causa e efeito, temperada pela
efetividade normativa e pela boa gestão governamental.
Cabe reforçar que se tem desfavorecido à essência democrática presente na
Constituição Cidadã, em virtude de grande limitação imposta ao constitucionalismo
estadual pela sonegação de uma série de temas atualmente privativos à União, mas
que de igual modo deveriam constar do campo de interesse dos Estados-membros
por também lhes dizerem respeito.
Ora, a União deve ocupar-se da regência de temas no plano federal.
Entretanto em algumas das matérias que lhe são privativamente conferidas pela
Constituição de 1988, tem-se que o mais adequado seria mesmo a atuação conjunta
entre a União e os Estados. Portanto, em tais assuntos a manifestação da vontade
popular através do Poder Decorrente e do Poder Legislativo estadual tem sido
cerceada pela Carta de 1988.
Com efeito, Federação e Democracia se complementam. O Federalismo
manifesta-se pela distribuição de competências aos entes federados a fim de fazer
com que os interesses das populações sejam atendidos no plano federal, estadual e
municipal.
O Brasil vive um momento de tranquilidade política e as instituições
encontram-se consolidadas. Cabe, portanto, uma reflexão sobre a conveniência de
uma reforma federativa capaz de melhor adequar a Federação pátria à Democracia.
No contexto da Constituição de 1988 ressalte-se que a Federação não poderá
ser abolida. Entretanto, nada impede que seja ela aperfeiçoada através de emenda
constitucional, pela qual se considere a possibilidade de redefinição do poder como
alternativa ao modelo excessivamente centralizador, disposto na Carta Magna,
mediante reposicionamento de competências legislativas com reflexo sobre as
Constituições Estaduais.
Assim, neste momento em que o Poder Legislativo Federal se ocupa da
discussão dos problemas que afligem a Federação brasileira, faz-se oportuno
113
destacar o papel do Direito Estadual na consecução dos interesses regionais, com
esteio na noção de que urge discutir os termos do reordenamento federativo.
Aliás, a doutrina compartilha dessa opinião ao apontar problemas decorrentes
da distribuição das competências dispostas na Constituição brasileira:
“Nesse sentido, constata-se que a própria repartição de competências
legislativas, que é o cerne do modelo federativo, está a merecer na
Constituição brasileira uma profunda reformulação, de sorte que se
pretendermos mesmo viver em um estado federal, vamos, então meditar
sobre quais matérias os Estados deveriam legislar, sobre aquelas em que
os Estados, efetivamente deveriam editar normas.” 264
A questão que se impõe é: O Poder Derivado congressual reúne as condições
para produzir uma reestruturação federativa em detrimento dos interesses do
governo federal?
Por enquanto, não tentaremos dar uma resposta a esta indagação,
voltaremos a este questionamento um pouco mais adiante.
6.4. A ordem econômica estadual
A ordem econômica brasileira procurou agregar elementos aparentemente
inconciliáveis, a saber: o capital e o trabalho, conforme o art. 170 da Constituição
Federal.
O capitalismo proposto em 1988 trouxe consigo uma série de princípios que
buscam orientar a atividade econômica a partir de valores sociais.265 O Direito
Estadual deverá repercutir a orientação econômica exarada da Lei Maior,
conciliando-a com a justiça social. 266
O Direito Econômico está disposto no âmbito da competência concorrente
contida no art. 24 da Lei Maior. Diante disto, há espaço para a construção de uma
ordem econômica específica na Constituição Estadual. Assim, no exercício de sua
competência concorrente os Estados-membros poderão adaptar a norma econômica
264
RAMOS, Elival da Silva. Op. Cit., p. 173.
265 BONAVIDES, Paulo. Op.cit., p.371.
266 A Constituição pernambucana em seu título VI, atinente à ordem econômica, reproduz a Lei Maior
ao dispor que o desenvolvimento econômico deverá conciliar a livre iniciativa com a justiça social a fim de gerar bem-estar. Cf. artigo 139 da constituição do Estado de Pernambuco.
114
a sua realidade. Destarte, é preciso aperfeiçoar o marco jurídico estadual atinente a
esta matéria.
Aliás, Bandeira de Mello267 já nutria simpatia diante da possibilidade dos
Estados legislarem sobre a ordem social, sendo que para ele a União deveria atuar
concorrentemente nesta matéria.
“Já vimos que os assuntos de ordem geral devem caber à União e os de
ordem particular aos Estados-membros. Assim, a maior parte da atividade
jurídica deve ser entregue à União, isto é, as questões atinentes à defesa
externa, privativamente, e as condizentes à ordem interna; parcialmente, se
bem que a porção mais importante. Por motivo idêntico, a maior parte da
atividade social deve caber aos Estados federados, tocando à União,
quando muito, traçar as diretrizes legislativas nessas matérias e exercer
concorrentemente, e de modo secundário, os serviços referentes a essa
última atividade.” 268
A atuação estatal se estabelece em pelo menos três frentes: Administrativa,
financeira e legislativa.
Portanto, o Estado cumpre importância cabal como elemento indutor de
desenvolvimento. Ademais, não poderá se furtar de seu dever constitucional de
garantir dignidade às populações economicamente vulneráveis através de políticas
públicas que promovam justiça social.
Neste sentido, Bandeira de Mello 269 afirma o seguinte:
“O Estado, na consecução do seu fim, exerce uma dupla atividade: jurídica
e social. Aquela é considerada primária, pois só a ele incumbe sob pena da
sua falência virtual; ao passo que a outra, se bem que necessária, é
supletiva e concorrente, porquanto o Estado a exerce ao mesmo tempo que
os particulares e para preencher as deficiências ou falta destes.”
Com efeito, os repasses financeiros feitos pela União aos Estados-membros,
em virtude de determinação constitucional, são fundamentais à sobrevivência
econômica de Estados, Distrito Federal e Municípios, e visam ainda promover
desenvolvimento econômico e social nas regiões mais pobres. Os Fundos
Constitucionais de Financiamento do Norte (FNO), do Nordeste (FNE) e do Centro-
267
MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira. Op.cit., pp. 80, 81.
268 Idem.
269 Ibdem.
115
Oeste (FCO), representam importante mecanismo de fomento na execução da
política de desenvolvimento regional no Brasil.
A composição dos referidos fundos (FNE, FCO, FNO) se dá pela destinação
de 3% da soma da arrecadação do Imposto de Renda (IR) e do Imposto sobre
Produtos Industrializados (IPI) de um total de 48%, deste percentual tem-se que
21,5% são destinados para compor os recursos que formam o FPE e 23,5% para a
composição do FPM, de acordo com o art. 159, I, a, b e c da Carta de 1988. 270
A União é o ente federativo com o maior número de impostos e é o único que
tem autorização da Lei Fundamental para criação de outros, o que deu ao ente
central uma posição privilegiada na composição de sua arrecadação cuja dimensão
é nacional. Diante disto, em nome do Federalismo cooperativo a Constituição de
1988 promove uma repartição de rendas entre os entes federativos em que a União
repassa parte do montante de alguns de seus impostos aos Estados, Distrito Federal
e Municípios. A seu turno, os Estados-membros destinam parte do IPVA e do ICMS
aos seus Municípios.
Assim por questões óbvias a repartição das receitas não se dá da periferia
para o centro, o contrário é o que ocorre. A União reparte receitas com todos os
demais entes federativos, sem de nenhum deles auferir repasses oriundos de
impostos, enquanto que os Municípios apenas recebem, sem redistribuir parte de
seus impostos com nenhum outro ente federal.
Interessante é que, no artigo 157, I e II, a Lei Maior atribuiu aos Estados e ao
Distrito Federal os valores atinentes ao Imposto de Renda arrecadado na fonte por
tais entes, suas autarquias e fundações, bem como 20% do montante arrecadado
com impostos criados extraordinariamente pela União no exercício de sua
competência residual. Nesta última hipótese, a repartição do tributo arrecadado
residualmente pela União estaria condicionada à disposição do ente central em criar
novos impostos, num cenário que tende a desestimular o surgimento deste tipo de
tributo, em virtude justamente da obrigação da União em reparti-lo com os demais
entes federados.
270
“Administrados pelo Ministério da Integração Nacional, pelos Conselhos Deliberativos de cada Fundo e operados pelo Banco da Amazônia, na Região Norte (FNO), o Banco do Nordeste na Região Nordeste (FNE) e o Banco do Brasil na Região Centro-Oeste (FCO), os Fundos Constitucionais são, atualmente, a mais expressiva fonte de financiamento da política regional Brasileira.” Ministério da Integração nacional. Op.cit., p.04.
116
Com base na Carta de 1988 a União partilha com os Municípios metade do
montante arrecadado com o Imposto Territorial Rural (ITR) sobre os imóveis inscritos
em seu território. No que tange ao ITR os Municípios terão direito à totalidade do
montante auferido, cuja incidência tenha se dado no âmbito do respectivo Município,
na hipótese de se responsabilizarem por sua fiscalização e arrecadação.
Os Municípios recebem dos Estados 50% do Imposto sobre Propriedade de
Veículos Automotores (IPVA) referentes aos veículos licenciados em seu território e
auferem 25% do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), além
de lhes pertencer o montante do Imposto de Renda arrecadado na fonte por eles,
suas autarquias e fundações.
É certo que a competência tributária estadual se estende por todo o território
do respectivo Estado-membro. Deste modo em todos os Municípios, que compõem
um determinado Estado, haverá cobrança e arrecadação de IPVA e ICMS. Enquanto
que a capacidade tributária municipal resume-se ao seu território, cujo contingente
populacional compõe-se apenas de uma parcela do montante populacional que
forma o Estado-membro no qual se insere.
Destarte, a União não tem do que reclamar no plano tributário. Por outro lado,
tem-se que os Estados-membros foram desprestigiados na formulação do arranjo
constitucional referente à repartição de receitas tributárias porque perderam
competência sobre uma série de impostos que em ordens constitucionais pretéritas
estavam sob sua égide.271
6.5. Políticas públicas e desenvolvimento regional
O Estado brasileiro mira a realização dos objetivos da ordem social
relacionados ao bem-estar da sociedade e à produção de justiça social.272 O
desenvolvimento regional passa pela adequação geográfica do crescimento
econômico, e isto não significa necessariamente, por exemplo, a mera transferência
271
Pertencem efetivamente aos Estados 75% do ICMS, 50 % do IPVA, 100% do ITCD, 100% do Imposto de Renda retido na fonte por eles arrecadados, 10% do IPI sobre exportações, 29% da CIDE, 30% do IOF em operações com ouro, 21,5% do montante arrecadado com IPI e Imposto de Renda para composição do FPE, 3% para composição dos fundos constitucionais de financiamento do desenvolvimento regional. Sendo que deste bolo tributário os Estados devem repassar aos Municípios ¼ do ICMS, ½ do IPVA, ¼ da CIDE e ¼ do IPI sobre exportações. O IOF incidirá sobre operações com ouro quando este for considerado ativo financeiro ou instrumento cambial, cuja alíquota será de no mínimo 1%, quando definido em lei, conforme art. 153, §5º, I da CF/88. 272
Cf. artigo 193 da Lei Maior de 1988.
117
de fábricas do Sudeste para o Nordeste brasileiro. Aliás, este tipo de medida tende
também a produzir consequências negativas, como perda de receita tributária,
desindustrialização e desemprego, acirrando ainda mais as tensões federativas.
Neste passo, a exploração das potencialidades econômicas regionais mostra-
se fundamental à construção de um modelo econômico menos desigual para o País,
e neste esforço é preciso enfrentar impasses administrativos e legislativos. A defesa
dos valores sociais exige o fortalecimento da autonomia financeira e política dos
entes federados.
O território brasileiro apresenta regiões economicamente excluídas onde a
atuação da iniciativa privada não tem sido suficiente para produzir desenvolvimento
e prosperidade, e por isso mesmo é que os fluxos econômicos nessas áreas se
movem principalmente a partir da atuação governamental. 273
Essa realidade economicamente desfavorável, muito comum em Estados das
regiões Nordeste e Norte, produz distorções indesejáveis e um modelo econômico
em que o principal agente é o Estado. 274 Neste caso não nos referimos à
intervenção estatal direta na economia pelo exercício de atividade empresarial. Com
efeito, a importância do Estado, para as citadas regiões, manifesta-se pela renda
gerada a partir do pagamento de servidores públicos, aposentados, pensionistas e
pela assistência governamental à população carente através dos vários programas
sociais.
Em verdade, o Direito é um mecanismo para operacionalização de políticas
de desenvolvimento. Neste sentido, a reestruturação federativa apresenta-se como
uma alavanca para possibilitar maior atuação dos Estados-membros em matérias de
seu interesse.
Deste modo, com base na Carta de 1988, cabe às Assembleias Legislativas a
possibilidade de construir uma ordem econômica estadual que faça frente aos
desafios regionais a partir de uma reforma nas Constituições Estaduais.
273
Como exemplo disso é possível citar o esforço do Poder Constituinte Originário e Decorrente no sentido de equilibrar o desenvolvimento através de medidas de discriminação positiva em favor das regiões economicamente vulneráveis, como bem se percebe da análise do Art. 42 do ADCT, pelo qual se determina que durante 25 (vinte e cinco) anos, a União aplicará, dos recursos destinados à irrigação, 20% na Região Centro-Oeste e 50% na Região Nordeste, preferencialmente no semi-árido.
274 Em 2007 a Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR) passou a ser executada a fim
de promover inclusão social e combater desigualdades regionais através do patrocínio de ações regionais e de incentivos a sistemas produtivos locais. O Ministério da Integração criado em 1999 passou a se ocupar de políticas públicas desenvolvimentistas.
118
O desenvolvimento regional se constrói a partir da conjunção de esforços
entre o Estado e a iniciativa privada, sendo que àquele cabe disponibilizar a
estrutura sobre a qual a atividade empresarial atuará. A norma jurídica estadual é
parte dessa estrutura estatal montada para favorecer a economia regional.
“A regulação prévia à tomada de decisão privada sobre os investimentos e o
monitoramento das iniciativas com vistas a assegurar minimamente os
interesses das populações circunvizinhas pareceu crescentemente
desejável. O desenvolvimento das regiões podia se beneficiar diretamente
dos grandes investimentos, desde que iniciativas complementares fossem
implementadas, impulsionando maior agregação de valor na região, maior
conexão com as estruturas de produção pré-existentes, a criação de
empregos diretos e indiretos e assim por diante.” 275
O Estado deve facilitar ao máximo, com segurança jurídica e
desburocratização, a geração de iniciativas empresariais que estabeleçam arranjos
produtivos a partir da exploração da economia regional.
A ideia não é somente atrair investimentos para essas áreas, mas consiste,
sobretudo, em desenvolver potencialidades econômicas a partir de iniciativas locais,
através do fomento ao empreendedorismo pelo emprego de recursos advindos dos
fundos constitucionais para financiamento do desenvolvimento das Regiões
Nordeste, Norte e Centro-Oeste. (FNE, FNO, FCO).
6.6. Orçamento público e regionalização
As desigualdades regionais exigem que Estados-membros submetidos a
situações socioeconômicas díspares, sejam tratados de modo diferenciado na
tentativa de diminuir as graves desigualdades econômicas existentes entre as
regiões do País.
No Federalismo cooperativo espera-se que aqueles Estados,
economicamente desfavorecidos, usufruam de tratamento constitucional
positivamente distinto. 276
Com fulcro na Constituição da República o plano plurianual deverá ser
regionalizado e atribuir tratamento desigual aos entes federados. Ademais os planos
e programas nacionais, regionais e setoriais previstos na Carta Magna serão
275
Ministério da Integração Nacional. Op.cit., p. 09.
276 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional. 19ª Ed. Op.cit., p.616.
119
elaborados em consonância com o plano plurianual e apreciados pelo Congresso
Nacional.277 O orçamento fiscal e o orçamento de investimento no bojo da Lei
orçamentária anual, compatibilizados com o plano plurianual, terão entre suas
funções a redução de desigualdades regionais.
A Carta Federal278 determina que os fundos de participação promovam o
equilíbrio econômico entre os Estados. Neste sentido, haverá desigualdade entre os
critérios de rateio dos citados fundos para garantia da aplicação de recursos em
favor das regiões menos desenvolvidas.
Diante das enormes dificuldades na efetivação de dispositivos jurídico-
econômicos atinentes ao desenvolvimento, a Lei Maior acenou com a previsão de
exercício de competências compartilhadas, bem como com a repartição do bolo
tributário entre os entes federativos.
Nesse propósito, o planejamento político-jurídico é imprescindível como um
meio para se atingir o desenvolvimento regional. 279 Assim, cabe ao Estado atuar em
benefício de um melhor aproveitamento das potencialidades regionais pela
destinação de investimentos que fomentem as atividades empreendedoras.
Em regra as políticas públicas se concretizam a partir de vontade política não
necessariamente estribada em critérios técnicos ou em razoabilidade administrativa.
À exceção daqueles serviços cuja prestação é expressamente delimitada pela Lei
Maior. Portanto, os governos poderão muito bem mover-se por interesses político-
partidários.
Destarte, algumas vezes o investimento governamental não se pauta
efetivamente pela urgência de realização de um determinado serviço ou obra
pública. Percebe-se, portanto que nem sempre os Estados-membros mais
agraciados com recursos federais são necessariamente aqueles Estados que mais
deles necessitam.
Assim sendo, a política move-se por uma lógica própria, e nem sempre opera
em compasso com o fator jurídico.280 Além do mais, a legalidade não exclui a
277
É justamente o que preceitua o art. 165,§1º, §4º e §7º da CF/88.
278 Cf. o art. 159, I e art.161, II da Lei Maior.
279 O planejamento para Quadri constitui-se em importante instrumento jurídico nas ações estatais de
direcionamento político-econômico. Deste modo, tais ações se efetivam a partir do plano jurídico e político. QUADRI, Giovanni. Diritto Pubblico dell´Economia, 2ª Ed, Padova, Cedam, 1980, p.115.
280 WEBER, Max. Economia y sociedad: Esbozo de sociologia comprensiva, México, fondo de cultua
econômica, 1969, p.251.
120
discricionariedade na prestação do serviço público, haja vista que sobre uma base
legal é possível que o gestor público faça suas escolhas e eleja suas prioridades.
Deste modo, as ações em favor do desenvolvimento nem sempre se
concretizaram a partir das reais necessidades regionais.
6.7. O Fundo de Participação dos Estados
Alguns Estados-membros são sustentados a partir dos repasses advindos do
Fundo de Participação dos Estados, e tem na injeção de salários dos servidores
públicos na economia local um dos principais fatores de desenvolvimento.
Neste contexto, a atuação estatal prepondera em virtude de lacunas deixadas
pela iniciativa privada. Este modelo econômico indesejável é ainda agravado por
problemas crônicos relacionados à gestão administrativa e à corrupção.
Para melhor ilustrar essa realidade mencionemos o que ocorre no Estado de
Roraima onde parte considerável do território foi inviabilizada economicamente por
conta da demarcação de reservas indígenas gigantescas, com a chancela do
Supremo Tribunal Federal. 281
Neste caso, em particular, a competência da União para cuidar dessa matéria
(demarcação de terras indígenas) foi utilizada em desfavor do desenvolvimento
econômico daquele Estado-membro, cujo custeio se dá preponderantemente a partir
dos repasses federais e da “economia de contracheque”. 282
O fato é que o exercício de competências comuns e a repartição obrigatória
de verbas tributárias não têm sido bastante para concretizar o modelo de
cooperação federativa proposto pela Lei Fundamental.
A necessidade de sobrevivência econômica tem levado os Estados mais
pobres a se utilizarem de artifícios predatórios na captação de investimentos
privados.
Vale lembrar que a própria Lex Mater determinou medidas com vistas ao
equilíbrio federativo quando instituiu o modelo para distribuição dos recursos do
Fundo de Participação dos Estados através do artigo 2º da Lei Complementar nº
281
Petição nº 3388-4/RR, Relator Min. Carlos Ayres Britto. 282
O Estado de Roraima, criado pela Constituição de 1988, faz fronteira com a Venezuela e com a República Cooperativista da Guiana e tem quase metade, 46,37%, de seu território ocupado com áreas indígenas, dentre as quais se destacam as reservas São Marcos e Raposa Serra do Sol, essa última teve sua demarcação contestada por produtores rurais de soja e arroz. A referida demarcação foi confirmada pelo STF.
121
62/89,283 pelo qual estavam definidos os critérios de rateio. Ocorre que tal dispositivo
foi considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal. 284
Diante disto, os governadores dos Estados da Bahia, Maranhão, Minas Gerais
e Pernambuco solicitaram ao STF a manutenção daqueles mesmos critérios de
distribuição do FPE expressos na Lei Complementar nº 62/89. 285
Sobre a Lei Complementar nº 62 tem-se que foi feita às pressas no ano de
1989 a partir de coeficientes de rateio estabelecidos de forma aleatória. Em verdade,
a citada Lei foi pautada no contexto socioeconômico da época de sua criação,
completamente distinto da realidade atual.
Percebe-se na iniciativa de alguns Estados do Sul e Centro-oeste (Rio
Grande do Sul, Mato Grosso, Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul) em
também questionar a Lei Complementar nº 62 perante o STF, a intenção de
obtenção de maior participação nos valores que lhes são repassados pelo FPE.
Vale destacar que a maior parte dos recursos do Fundo de Participação dos
Estados destina-se às regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. A revisão do rateio
de acordo com o que pleiteiam alguns Estados representaria a insolvência de boa
parte dos Estados do Nordeste e Norte do País.
Com efeito, os Estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul não teriam
motivos para reclamar do modelo de repartição dos valores do Fundo de
Participação dos Estados em virtude de também se beneficiam dele, diferentemente
283
Assim dispunha a antiga redação do art. 2º da LC nº 62/89: “Art. 2° Os recursos do Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal - FPE serão distribuídos da seguinte forma: I - 85% (oitenta e cinco por cento) às Unidades da Federação integrantes das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste; II - 15% (quinze por cento) às Unidades da Federação integrantes das regiões Sul e Sudeste. § 1° Os coeficientes individuais de participação dos Estados e do Distrito Federal no Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal - FPE a serem aplicados até o exercício de 1991, inclusive, são os constantes do Anexo Único, que é parte integrante desta Lei Complementar. § 2° Os critérios de rateio do Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal, a vigorarem a partir de 1992, serão fixados em lei específica , com base na apuração do censo de 1990. § 3° Até que sejam definidos os critérios a que se refere o parágrafo anterior, continuarão em vigor os coeficientes estabelecidos nesta Lei Complementar.”
284 Deste modo, 31/12/2012 foi o prazo estipulado pelo STF para a criação da nova norma jurídica
sobre o tema. Entretanto, o citado prazo expirou sem manifestação do Congresso Nacional no sentido de suprir a lacuna legal apontada pelo Supremo. Após isso, a Suprema Corte, liminarmente, determinou a continuidade das regras de distribuição do FPE até o mês de maio de 2013. ADI 2727.
285 ADI 2727, ADI 3243, ADI 875, ADI 1987. “O julgamento foi unânime apenas em relação à ADI
1987, que na verdade é uma Ação Direita de Inconstitucionalidade por Omissão, no tocante à declaração de que há um vácuo de lei complementar a partir do ano de 1992. Nas demais ações, o ministro Marco Aurélio foi vencido pela maioria que julgou as ações de inconstitucionalidade procedentes.” Fonte: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=120714.
122
do Rio Grande do Sul que tem sua quota do FPE retirada dos repasses destinados
aos Estados do Sul e Sudeste, repasses estes bem inferiores àqueles feitos às
demais regiões brasileiras.
A nova equação distributiva, defendida pelo Centro-Sul, certamente
representaria uma diminuição das receitas transferidas aos Estados do Norte e
Nordeste, o que produziria o agravamento da crise federativa brasileira em seu
aspecto financeiro.
No próximo capítulo faremos menção mais detalhada sobre as decisões do
STF sobre os critérios de rateio do Fundo de Participação dos Estados.
123
CAPÍTULO 7
A FEDERAÇÃO E O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
7.1. O Tribunal da Federação brasileira; 7.2. Federalismo e o Judiciário nos
EUA e no Brasil; 7.3. Controle de constitucionalidade: instrumento de defesa
federativa?; 7.4. Julgamento dos desembargadores estaduais e de ministros
do STF; 7.5. A constitucionalidade do Julgamento dos governadores; 7.6. O
Supremo e a manutenção da Federação centralizada; 7.7. Usurpações
interfederativas; 7.8. O Fundo de Participação dos Estados à luz da Suprema
Corte; 7.9. O desvio de poder na atividade normativa do Estado; 7.10. O STF e
a reprodução da Lei Maior nas Constituições Estaduais, 7.10.1. A teoria da
ociosidade da norma constitucional repetida, 7.10.2. A doutrina da autonomia
da norma reproduzida.
7.1. O Tribunal da Federação brasileira
Conflitos emergem quando os entes federativos ultrapassam os limites
impostos pela Constituição pela usurpação de competências uns dos outros.
Desta forma, no plano constitucional o Supremo Tribunal Federal é
fundamental para o equilíbrio das relações federativas. Assim, a existência de um
Tribunal da Federação se mostra crucial, como destaca Norberto Bobbio:286
“Sendo que o modelo federal exerce uma verdadeira divisão de poder
soberano de base territorial, o equilíbrio constitucional não pode se manter
sem a primazia da Constituição em todos os seus poderes. Com efeito, a
autonomia desse modelo se traduz no fato de que o poder de decidir
concretamente, em caso de conflito, quais sejam os limites que as duas
ordens de poderes soberanos não podem ultrapassar, não pertence nem ao
poder central (como acontece no Estado unitário, onde as coletividades
territoriais menores usufruem de uma autonomia delegada) nem aos
Estados federados (como acontece no sistema confederativo), que não
286
BOBBIO, Norberto. MATTEUCCI, Nicola, PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. Tradução de João Ferreira e outros. 3ª edição. Brasília: Editora da UNB, p.481.
124
limita a soberania absoluta dos Estados. Esse poder pertence a uma
autoridade neutral, os tribunais, aos quais é conferido o poder de revisão
constitucional das leis. Eles baseiam sua autonomia no equilíbrio entre o
poder central e os poderes periféricos e podem desempenhar eficazmente
suas funções com a condição de que nenhuma das duas ordens de poderes
conflitantes prevaleça de modo decisivo.”
No sistema federativo pátrio existem conflitos entre a União e os Estados,
bem como afloram tensões interestaduais. Diante disto, a Constituição Federal287
atribuiu ao Supremo Tribunal Federal a competência para conhecer e julgar causas
e conflitos que envolvam as competências constitucionais das unidades
federativas.288
“Neste sentido, uma histórica e prolongada disputa sobre a quem
pertenceria a competência para dispor sobre o fumo em São Paulo – à
União, ao Estado ou às Prefeituras municipais? Mais ainda, o recente caso
do gás canalizado, objeto de longa disputa judicial entre o Estado de São
Paulo e a esfera federal (mais precisamente a Petrobrás). 289
Deste modo, o STF é a Corte da Federação brasileira.
Atualmente tramitam na Suprema Corte inúmeras ações que põem em
discussão a questão federativa. Em tais ações os legitimados ingressaram em face
dos Estados-membros ou das Assembleias Legislativas em virtude de supostas
lesões perpetradas, contra a Carta Magna, por Leis estaduais e emendas
constitucionais estaduais.
A jurisprudência do Supremo tem reiteradamente reafirmado a estrutura
centralizadora da Federação brasileira através do resultado do julgamento de ações
de constitucionalidade interpostas pela União pelas quais o ente central alega
constante usurpação de suas competências legislativas pelos Estados-membros.
Vale lembrar que o STF tem decidido favoravelmente à obrigatoriedade de
reprodução normativa de dispositivos da Lei Maior no âmbito das Constituições
Estaduais.
287
Cf. o artigo 102, I, f da CF/88.
288 BORGES NETTO, André Luiz. Competências legislativas dos Estados-membros, 1999, p. 53 e 54.
289 Matéria objeto da Reclamação nº 4.210-3 SP, na qual a Ministra Carmen Lúcia manifestou-se em
prol da prerrogativa da esfera estadual de dispor sobre as atividades de distribuição de gás.”
125
Com efeito, a União também usurpa competências legislativas dos Estados-
membros, sobretudo quando exagera na produção de normas em concorrência com
os Estados. Neste caso a União além de dispor de modo amplo sobre temas
concorrentes, também especifica a norma, cumprindo uma incumbência que não lhe
cabe. Ferreira Filho290 chama a atenção para os exageros cometidos pelo ente
central nesta seara:
“Entretanto, o rol de competências conferido à União é tão grande que sua
prevalência é absoluta no dia a dia. (...) No campo das competências
concorrentes (art. 24) em que a ela caberia apenas editar “normas gerais”,
na prática o direito federal tem regulado quase por inteiro as matérias aí
inscritas, com a benevolência do Supremo Tribunal Federal.”
Em verdade, o poder político dos entes federados se mede pelo volume de
competências legislativas, a cada um deles, atribuído pela Constituição Federal. A
União foi de longe o ente mais prestigiado pelo Constituinte Originário a partir de sua
decisão soberana de formatação das competências legislativas. 291
Com efeito, aos Estados-membros e aos Municípios coube uma atuação
menos decisiva no desenho federativo brasileiro disposto na Constituição de 1988.
Tem-se que os Estados sempre ofereceram muito maior ameaça à unidade
federativa que os Municípios, possivelmente isso contribuiu para motivar a
preocupação de todas as Constituições brasileiras republicanas - criadas depois da
Reforma de 1926 – no que se refere ao estreitamento dos limites da competência
legislativa estadual.
Assim, a jurisprudência do STF tem se consolidado no sentido de reforçar a
centralização política em favor da União, mesmo quando há embate em algumas
matérias em que a usurpação legislativa estadual não se mostra tão óbvia. É
evidente que o Supremo tem independência para interpretar como lhe convém a Lex
Mater, todavia suas decisões não estão isentas de críticas. 292
290
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 27. Ed. Op. Cit., p.48. 291
Ibdem, p.47. 292
ADI 2667. “A Carta Política, por sua vez, ao instituir um sistema de condomínio legislativo nas matérias taxativamente indicadas no seu art. 24 - dentre as quais avulta, por sua importância, aquela concernente ao ensino (art. 24, IX) -, deferiu ao Estado-membro e ao Distrito Federal, em "inexistindo lei federal sobre normas gerais", a possibilidade de exercer a competência legislativa plena, desde que "para atender a suas peculiaridades" (art. 24, § 3º). - Os Estados-membros e o Distrito Federal não podem, mediante legislação autônoma, agindo "ultra vires", transgredir a legislação fundamental ou de princípios que a União Federal fez editar no desempenho legítimo de sua competência
126
7.2. Federalismo e peculiaridades do Judiciário nos EUA e no Brasil
No Direito Constitucional estadunidense a autonomia concedida aos Estados-
membros pela Lei Maior lhes permite a construção de um modelo judiciário próprio a
partir da vontade manifesta no texto da Constituição Estadual.
Assim, nos EUA os Estados-membros têm ampla liberdade para determinar a
forma de admissão de magistrados. Na maioria dos Estados americanos os juízes
são selecionados a partir de uma fórmula democrática, muito bem aplicada, através
da qual o povo, pelo voto, manifesta sua vontade na escolha de juízes para
cumprimento de um mandato.
Destarte, nos Estados Unidos o modelo federativo permite que cada Estado
decida sobre o modo de composição dos tribunais de justiça. No Brasil os Estados-
membros organizam sua Justiça com base na Carta Magna, com pouca liberdade de
atuação ao Constituinte Decorrente.
Vladimir Passos de Freitas,293 em sua análise sobre a organização da Justiça
nos Estados Unidos e no Brasil, apontou alguns problemas no modelo brasileiro de
organização da Justiça Estadual, previsto na Constituição Federal, pelo fato de na
composição deste modelo a realidade e as peculiaridades de cada um dos Estados-
membros terem sido desconsideradas.
“Mas, de qualquer maneira, a autonomia estadual é mais respeitada lá do
que aqui. No Brasil, além de praticamente todos os Acórdãos dos TJs
submterem-se ao STJ ou ao STF, não se reconhece aos estados nem
mesmo o direito de terem regras processuais mínimas (a previsão de
procedimentos da CF de nada vale), deiliberarem sobre a oportunidade de
terem Tribunais de Alçada, Cargos de Pretor (como havia no RS e PA),
igualando-se realidades tão distintas como o Paraná e o Amazonas.”
Com efeito, nos Estados Unidos a eleição de juízes admite a proliferação de
vícios decorrentes do processo político-eleitoral, em virtude da influência do poder
econômico na arrecadação dos recursos de campanha. Critica-se esta relação, sob
o argumento de que poderia contaminar a imparcialidade do magistrado no exercício
futuro de suas atividades jurisdicionais.
constitucional e de cujo exercício deriva o poder de fixar, validamente, diretrizes e bases gerais pertinentes a determinada matéria (educação e ensino, na espécie).”
293 FREITAS, Vladimir Passos de. A justiça estadual nos Estados Unidos. Revista Consultor Jurídico,
21/02/2010. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2010-fev-21/segunda-leitura-autonomia-justica-estadual-norte-americana.
127
Ora, este argumento pelo qual se busca desqualificar a escolha de juízes pelo
voto popular, em virtude das ingerências do poder econômico, não é suficiente para
que se faça do modelo pelo qual os juízes são recrutados por concurso público uma
opção melhor.
O formato americano de composição do Poder Judiciário não é perfeito,
tampouco imune a toda sorte de vícios políticos. Todavia, o referido sistema merece
toda a distinção por ser o que mais se aproxima do ideal democrático com esteio na
mesma lógica que norteia o processo de escolha dos membros do Poder Legislativo
e do Poder Executivo.
Vale destacar que no Brasil dentre os poderes da República, apenas o
Judiciário não se utiliza de eleições na escolha de seus membros. Portanto tem-se ai
um argumento desfavorável à plenitude democrática. Além do mais, o modelo pátrio
sofre críticas pelo fato do Poder Executivo indicar os membros dos tribunais
superiores federais e estaduais, o que poderia afetar a imparcialidade dos
magistrados em julgamentos de causas de interesse do governo, apesar de lhes ser
concedida a prerrogativa para atuar com esteio no princípio do livre convencimento
decisório.
A eleição dos agentes políticos não está isenta da influência dos grandes
grupos econômicos e de interesses os mais diversos. Através do sufrágio a Carta de
1988 conferiu ao povo a responsabilidade de escolha de seus representantes
legislativos, a quem cabe a importante tarefa de produzir e reformar o Ordenamento
Jurídico no qual se fundamentam as decisões judiciais.
Assim, parece-nos descabido defender a ideia de que o povo brasileiro não
esteja preparado para eleger juízes, quando é ele quem escolhe aqueles que fazem
as leis, nas quais os magistrados fundamentam as sentenças que prolatam.
Escolher pelo voto popular os juízes não seria uma tarefa menos complexa do que
aquela obrigação manifesta pela responsabilidade do povo em eleger seus
legisladores.
7.3. Controle de constitucionalidade: instrumento de defesa federativa?
As Constituições Estaduais brasileiras deveriam apresentar diferenças entre
si, mesmo diante da obrigação de reproduzir dispositivos da Constituição Federal,
em virtude do exercício de competências remanescentes e do modo como dispõem
sobre as competências comuns e concorrentes a partir de seus interesses.
128
Apesar de todos os Estados estarem limitados pela Carta Magna, seria
natural que houvesse diferenças no uso deste espaço exíguo de acordo com a
vontade política e os interesses econômicos que caracterizam cada um desses
entes.
Entretanto, as Cartas Estaduais balizadas na Constituição de 1988, de modo
geral, são muito parecidas. Portanto, a pouca criatividade é, na atualidade, a
principal marca que caracteriza o constitucionalismo estadual no Brasil.
O controle de constitucionalidade das leis incide sobre as Constituições
Estaduais e funciona como um limitador à atuação do Constituinte Decorrente e do
legislador estadual contra possíveis abusos cometidos em face da Constituição
Federal. Trata-se de um mecanismo pelo qual o Poder Judiciário tem balizado o
Direito Estadual.
O controle de constitucionalidade estadual, feito a partir de normas da
Constituição Estadual reproduzidas da Lei Maior, poderá produzir situações
curiosas.
Pela via do exame de constitucionalidade normativa o Tribunal de Justiça
poderá considerar uma Lei Estadual lesiva a um dispositivo específico de repetição
não obrigatória presente na Constituição Estadual. Entretanto, o Supremo Tribunal
Federal ao analisar esta mesma norma estadual poderá considerá-la constitucional
em face da Constituição Federal. Neste caso, com base num mesmo dispositivo
constante na Lei Maior e repetido pela Carta Estadual haverá duas decisões
distintas. Diante disto, prevalecerá obviamente aquela decisão exarada a partir da
interpretação definitiva do STF.294
A repetição voluntária da Lei Mãe pela Constituição Estadual poderá levar o
Tribunal de Justiça a se manifestar sobre tema que apenas será definitivamente
decidido pelo STF. Todavia, a decisão da Justiça estadual nesse tipo de matéria
significa uma etapa que inutilmente protela o processo e retarda o trânsito em
julgado da sentença. Assim, estabelece-se - quanto a esta espécie normativa - um
controle de constitucionalidade estadual inteiramente desnecessário.
Portanto, esse quadro consagrado pelo STF, através da “teoria da autonomia
da norma repetida”, tem causado morosidade e insegurança jurídica.
294
GAMPER, Anna. "Austrian Federalism and the Protection of Minorities," in Federalism, Subnational Constitutions, and Minority Rights, 2004, p. 59.
129
O mais adequado, a nosso sentir, seria que o controle de constitucionalidade
estadual se operasse a partir de matéria oriunda de competência dos Estados-
membros. É sabido que a queda de um preceito contido na Constituição Estadual,
por violação à Lei Maior, terá reflexos sobre as normas estaduais e municipais
produzidas a partir do preceito constitucional expelido do sistema jurídico.
Com efeito, o controle de constitucionalidade deverá ser realizado
preventivamente ainda durante o processo legislativo para produção de normas
federais, estaduais, distritais e municipais. Portanto, o aludido controle opera no
sentido de evitar a usurpação de competências pertencentes à União pelos Estados-
membros e demais entes.
Percebe-se assim que, em alguns casos, a fronteira que separa os terrenos
da União e dos Estados em algumas competências legislativas é bastante tênue,
podendo escapar ao crivo do controle de constitucionalidade preventivo.
O controle de constitucionalidade deverá objetivar a proteção da Lei Maior
produzida a partir da manifestação de vontade do Poder Constituinte Originário. A
(in) constitucionalidade normativa é aferida a partir do emprego de hermenêutica
jurídica pela qual o Supremo fará imprimir sua interpretação colhida da análise do
texto constitucional.
O STF poderá, mediante variadas técnicas de interpretação, acrescentar
diferentes contornos a um dispositivo constitucional aparentemente rígido quanto ao
seu significado. Um exemplo deste ativismo judicial verificou-se quando o Supremo
Tribunal Federal reconheceu a união estável para casais do mesmo sexo através de
ações, ADI295 e ADPF,296 ajuizadas respectivamente pela Procuradoria-Geral da
República e pelo governador do Rio de Janeiro.
Portanto, em tese, o Supremo Tribunal poderia relativizar os rigores da
centralização excessiva de competências legislativas no âmbito da União.
Entretanto, o que o STF tem feito é apenas confirmar este modelo vigente a partir do
rigor estabelecido pelo Poder Originário criador da Constituição Cidadã.
Diante disto, não será pelo ativismo judicial do STF que a Federação pátria
será aperfeiçoada no plano das competências legislativas. Esta é uma tarefa que
exige a atuação do Poder Constituinte.
295
Cf. ADI nº 4277.
296 Cf. ADPF nº 132.
130
7.4. Julgamento dos desembargadores estaduais e de ministros do STF
Nos crimes de responsabilidade dos chefes do Poder Executivo o julgamento
é político, por isso mesmo deverá ser realizado pelo Legislativo. Deste modo, em
caso de cometimento de crime de responsabilidade pelo Presidente da Repúbica
cabe ao Senado Federal julgá-lo através de um procedimento denominado de
impeachment.
Bulos297 discorre sobre o surgimento do termo impeachment:
“Etimologicamente, impeachment é um anglicismo incorporado à nossa
língua. Significa “proibir que se ponha o pé”: im (do latim in = não)
peachment (do latim pedimentum, pes, pedis = pé). Como seu verbo
congnato é to impeach, ou seja, “incriminar ou acusar para o fim de impedir
a pessoa criminosa”, muitos se valem do signo “impedimento” para referi-lo.
Noutra vertente, impeachment é palavra que encontra origem no latim
impedimentum, logrando assim, a mesma raiz que o português
impedimento, do francês empêchement, do italiano impedimento. Só que
impedimento é a consequência advinda do processo de impeachment, e
não termo que lhe seja sinônimo, mediante traduções forçadas. Para ilustrar
no episódio Mônica Levinski, o presidente Bill Clinton sofreu impeachment,
mas não foi destituído. Por isso, não podemos confundir impeachment com
impedimento. Esta confusão quase fez com que, aceita a renúncia de
Fernando Collor, se encerrasse o processo de sua responsabilização
política. O impeachment é apenas parte ou fase de responsabilização
política: o recebimento da denúncia que abre as portas ao julgamento pelo
Senado Federal.”
No plano federal o impedimento também poderá atingir além do Presidente, o
Vice-Presidente da República, os Ministros do Supremo Tribunal Federal, os
membros do Conselho Nacional de Justiça, do Conselho Nacional do Ministério
Público, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União de acordo
com prescrito no artigo 52, I e II da Constituição Federal.
Na estrutura federativa brasileira, tal procedimento também foi incorporado
pelas Constituições Estaduais, em sede de reprodução normativa necessária,
quanto à apuração de crime de responsabilidade do qual esteja sendo acusado o
Governador do Estado ou do Distrito Federal. Nesta hipótese as Assembleias
Legislativas e o Legislativo do DF estarão investidos da competência para proceder
297
BULOS, Uadi Lammêgo. Op. Cit., p. 1239, 1240.
131
ao impedimento das referidas autoridades, sendo que qualquer cidadão poderá
denunciá-los perante a Poder Legislativo estadual, competente para processar e
julgar além do Governador, o Vice-Governador, o Procurador-Geral de Justiça e o
Procurador-Geral do Estado.
As Constituições Estaduais não se preocuparam em dispor sobre as
situações que caracterizam a prática de crime de responsabilidade pelos
desembargadores estaduais. É certo que a Carta Magna também não o fez com
relação aos Ministros do STF, legando tal atribuição à Lei nº 1.079/50. 298
Com efeito, as Cartas Estaduais elencaram as hipóteses de crime de
responsabilidade para o governador e não o fizeram com relação aos citados
desembargadores.
A Constituição de Goiás, por exemplo, apenas se deu ao trabalho de dispor
no parágrafo único do seu artigo 45 sobre a competência do STJ para julgar os
desembargadores estaduais299por crime comum e de responsabilidade, coisa que
muitas Constituições Estaduais sequer fizeram, talvez pela competência em favor do
STJ para cuidar dessa matéria expressa na Carta Magna.
As Constituições Estaduais dispõem sobre as hipóteses que caracterizam o
crime de responsabilidade, sendo que tal disposição poderá variar no âmbito de
cada uma das Cartas Estaduais.
A título de ilustração, a Constituição do Amazonas dispõe sobre as hipóteses
de crimes de responsabilidade praticados pelo Governador, em seus artigos 55 e
56,300donde se depreende que o Poder Decorrente amazonense relacionou sete
298
Art. 39. São crimes de responsabilidade dos Ministros do Supremo Tribunal Federal: 1- altera, por qualquer forma, exceto por via de recurso, a decisão ou voto já proferido em sessão do Tribunal; 2 - proferir julgamento, quando, por lei,seja suspeito na causa; 3 - ser patentemente desidioso no cumprimento dos deveres do cargo: 5 - proceder de modo incompatível com a honra dignidade e decôro de suas funções. 299
Art. 45 - O Tribunal de Justiça, com sede na Capital e jurisdição em todo o Estado, compõe-se de trinta e dois Desembargadores. Parágrafo único - Nos crimes comuns e nos de responsabilidade, os Desembargadores serão processados e julgados, originariamente, pelo Superior Tribunal de Justiça. 300
ART. 55. São crimes de responsabilidade os atos do Governador que atentem contra a Constituição da República e do Estado e, especialmente, contra: I - a existência da União, do Estado ou do Município; II - o livre exercício dos Poderes constituídos e do Ministério Público; III - o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais; IV - a segurança interna do País, do Estado ou dos Municípios; V - a probidade na administração; VI - a lei orçamentária; VII - o cumprimento das leis e das decisões judiciais.
132
hipóteses, que não necessariamente são as mesmas situações elencadas, por
exemplo, pela Constituição do Ceará em seus artigos 89 e 90 para caracterizar o
mesmo crime de responsabilidade praticado por Governador de Estado. 301
Percebe-se a partir disto que as Constituições Estaduais se pautaram no art.
85 da Constituição de 1988, dispositivo este operacionalizado pelo artigo 4º da Lei nº
1.079/50, onde são definidos os crimes de responsabilidade e o respectivo processo
de julgamento, sendo que tal artigo dispõe sobre as hipóteses de prática de crime de
responsabilidade pelo Presidente da República.302
§ l.º A definição e o processo de apuração e julgamento desses crimes obedecerão às normas da lei. § 2º Qualquer cidadão poderá denunciar o Governador perante a Assembléia Legislativa, por crime de responsabilidade. ART. 56. Admitida por dois terços dos integrantes da Assembléia Legislativa a acusação contra o Governador do Estado, será ele submetido a julgamento perante o Superior Tribunal de Justiça, nas infrações penais comuns, ou perante a Assembléia Legislativa, nos crimes de responsabilidade. § l.º. O Governador do Estado ficará suspenso de suas funções: I - desde o recebimento da denúncia ou queixa-crime pelo Superior Tribunal de Justiça, quando se tratar de infrações penais comuns; II - após a instauração do processo pela Assembléia Legislativa, nos crimes de responsabilidade. § 2º. Cessará o afastamento do Governador do Estado se o julgamento não estiver concluído no prazo de cento e oitenta dias, sem prejuízo do regular prosseguimento do processo. 301
Art. 89. São crimes de responsabilidade os atos do Governador do Estado que atentem contra a Constituição Estadual e, especialmente, contra: I - o livre exercício dos Poderes Legislativo, Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes dos Municípios; II - o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais; III - a ordem pública no âmbito estadual; IV - a probidade administrativa; V - a lei orçamentária; VI - o cumprimento das leis, das decisões judiciais e deliberações legislativas. Parágrafo único. Esses crimes serão definidos em lei especial, que estabelecerá as normas de processo e julgamento. Art. 90. O Governador será julgado nos crimes de responsabilidade pela Assembléia Legislativa e, nos comuns, pelo Superior Tribunal de Justiça, após admitida a acusação por dois terços dos membros da Assembléia. §1º O Governador será afastado de suas funções: I - nos crimes comuns, após recebida a acusação pelo Superior Tribunal de Justiça; II - nos crimes de responsabilidade, após instaurado o processo pela Assembléia, acolhida a acusação por dois terços dos seus membros. §2º O afastamento cessará, se o julgamento não estiver concluído no prazo de cento e vinte dias, sem prejuízo do regular andamento do processo. §3º Será assegurada ao acusado ampla defesa, somente prevalecendo a acusação se por ela se pronunciarem dois terços dos Deputados. §4º Declarada procedente a acusação limitar-se-á a condenação à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das sanções penais. §5º Aplicam-se ao Vice-Governador, no que couber, as normas constantes desta seção. 302
Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra: I - a existência da União; II - o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação; III - o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais; IV - a segurança interna do País;
133
Caberá ao Supremo Tribunal Federal julgar o Presidente da República, o
Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros (STF)
e o Procurador-Geral da República, com fulcro no artigo 102, I, b da Carta de 1988.
Todavia, conforme o disposto no artigo 105, I, a,303 os desembargadores dos
Tribunais de Justiça estaduais e do Distrito Federal serão julgados nos crimes de
responsabilidade e comuns pelo Superior Tribunal de Justiça em vez de serem
julgados pelo Poder Legislativo estadual e distrital, respectivamente.
Ora, se o Poder Legislativo Federal (Senado) é competente para julgar o
órgão máximo do Judiciário (STF) por crime de responsabilidade, era de se esperar
que também o Legislativo Estadual tivesse a competência para julgar em caso de
crime de responsabilidade os desembargadores estaduais, pois assim como o STF,
os Tribunais de Justiça têm a atribuição de realizar o controle de constitucionalidade
difuso e concentrado em face da Constituição Estadual e da própria Carta Magna.
Assim a Constituição de 1988 - em visível desprestígio à autonomia estadual -
optou por destinar à União tal atribuição, ao conferir ao STJ a competência para
julgar por crime de responsabilidade os desembargadores estaduais, federais e do
Distrito Federal. Entretanto, é preciso tecer algumas considerações sobre o
tratamento dispensado aos referidos tribunais pela Lex Major. 304
Cabe lembrar que os Tribunais Regionais Federais não realizam controle de
constitucionalidade concentrado, apenas poderão realizar o controle de
constitucionalidade incidental, igualmente franqueado a qualquer órgão do
Judiciário. Entretanto, a Constituição Cidadã optou por conferir tratamento paritário
V - a probidade na administração; VI - a lei orçamentária; VII - o cumprimento das leis e das decisões judiciais. Parágrafo único. Esses crimes serão definidos em lei especial, que estabelecerá as normas de processo e julgamento. 303
Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça: I - processar e julgar, originariamente: a) nos crimes comuns, os Governadores dos Estados e do Distrito Federal, e, nestes e nos de responsabilidade, os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, os dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministério Público da União que oficiem perante tribunais;
304 A lei nº 1.079/50 define os crimes de responsabilidade e regula o seu respectivo processo de
julgamento. Dispõe em seu artigo 39 sobre os crimes de responsabilidade praticados pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal: a) alterar, por qualquer forma, exceto por via de recurso, a decisão ou voto já proferido em sessão do Tribunal; b) proferir julgamento, quando, por lei,seja suspeito na causa; c) exercer atividade político-partidária; d) ser patentemente desidioso no cumprimento dos deveres do cargo; e) proceder de modo incompatível com a honra, dignidade e decoro de suas funções.
134
aos Tribunais Estaduais e Federais quanto ao julgamento de seus desembargadores
por crime de responsabilidade perante o Superior Tribunal de Justiça.
Com efeito, há profunda diferença entre esses tribunais (TJ e TRF), posto que
enquanto os Tribunais de Justiça estaduais são Cortes constitucionais, realizadoras
de controle de constitucionalidade abstrato, os Tribunais Regionais Federais não têm
essa envergadura.
A competência constitucional dos Tribunais de Justiça se restringe aos limites
geográficos do respectivo Estado-membro para proteção da Constituição Estadual
pela via do controle de constitucionalidade abstrato. Nas matérias regionais não
reproduzidas da Constituição Federal, cuja competência seja exclusivamente
estadual, a decisão do Tribunal de Justiça não subirá ao STF. Em tais casos
específicos a Justiça Estadual decide definitivamente a questão que envolva Direito
Constitucional genuinamente estadual. Portanto, dentre todos os tribunais pátrios
tem-se que o Tribunal de Justiça estadual é aquele que mais se aproxima do STF
pelo fato de também realizarem no plano estadual o controle de constitucionalidade
concentrado.
Ora, então estamos a falar de tribunais constitucionais (STF e Tribunais de
Justiça) merecedores, a nosso sentir, de semelhante deferência no que se tange ao
julgamento de seus membros quando do cometimento de crimes políticos. Deste
modo, o Tribunal de Justiça estadual foi indevidamente alinhado a tribunais sem
competência para o exercício do controle de constitucionalidade por ação.
Assim como os Ministros do STF foram especialmente distinguidos pela Lei
Maior no que concerne ao seu julgamento político sob os auspícios do Senado - em
virtude de sua natureza de Tribunal Constitucional - tal também deveria ocorrer com
relação aos desembargadores estaduais que deveriam ser julgados não pelo STJ,
nos crimes de responsabilidade, mas sim pela Assembleia Legislativa do respectivo
Estado-membro onde se localiza a Corte a qual os citados magistrados estariam
vinculados.
Podemos perceber certa desconfiança manifesta pela Carta Magna com
relação à capacidade da Assembleia Legislativa em julgar os crimes relacionados
aos desembargadores estaduais.
135
7.5. A constitucionalidade do Julgamento dos governadores
Passaremos a partir deste ponto a fazer uma análise sobre o modo como a
maioria das Cartas Estaduais determina a competência para julgamento dos
governadores.
Quanto ao julgamento de governadores pelo Poder Legislativo estadual, em
virtude da prática de crime de responsabilidade, não há previsão expressa na Lex
Mater sobre a questão. Entretanto, esta matéria traduz-se em competência
remanescente de natureza implícita. A seu turno, mesmo sem previsão
constitucional explícita, a maioria das Constituições Estaduais conferiu essa
atribuição às Assembleias Legislativas.
A previsão de julgamento do governador, e dos procuradores gerais de
Estado e de Justiça pela Assembleia Legislativa consta das seguintes Constituições
Estaduais: Constituição do Amapá no art. 95, XI; Constituição do Amazonas no art.
28, XI, XXII; Constituição do Ceará no art. 49, XX, XXIV; Constituição do Pará no art.
92, XXXIII, XXXIV; Constituição do Mato Grosso no art. 26, XVI, XVII; Constituição
do Rio de Janeiro no art. 99, XIII, XIV; Constituição de Rondônia no art. 29 XVI, XXII;
Constituição do Rio Grande do Sul no art. 53, V, VI, VII; Constituição de Roraima no
art. 33, IX, X, XI; Constituição de Sergipe no art. 47, XXV, XXVI.
A Constituição do Piauí, art. 63, XIII, destinou competência à Assembleia
Legislativa para processar e julgar o governador, bem como o Procurador-Geral de
Justiça, sem mencionar o Procurador-Geral do Estado.
As seguintes Constituições disciplinam o julgamento do governador pelo
Legislativo Estadual em caso de crime de responsabilidade: Constituição do Acre no
art. 44, VII; Constituição da Bahia no art. 71, XV; Constituição de Goiás no art. 11,
XIII; Constituição do Espírito Santo no art. 56, XXI; Constituição do Mato Grosso Sul
no art. 63, XIX; Constituição de Minas Gerais no art. 62 XIII, XIV; Constituição do
Maranhão no art. 31, VIII e Constituição do Tocantins no art. 19, XII.
No art.79, I, a Constituição de Alagoas autorizou a Assembleia Legislativa a
instaurar o procedimento referente a crime de responsabilidade praticado pelo
governador, mas não houve menção à competência de julgamento.
No artigo 40, XVI, XX e XXI a Constituição de Santa Catarina atribuiu
competência à Assembleia Legislativa para autorizar a abertura de procedimento
contra o governador, bem como para julgá-lo em caso de cometimento de crime de
136
responsabilidade. A competência do Legislativo Estadual se estende ao julgamento
do Procurador-Geral do Estado e do Procurador-Geral de Justiça. O procedimento
deverá ser presidido pelo presidente do Tribunal de Justiça do Estado. De igual
modo, a Carta Estadual da Paraíba, artigo 54 V, VI, XXIV, §1º, determinou que o
julgamento do governador, do Procurador-Geral do Estado e do Procurador-Geral de
Justiça, fosse presidido pelo presidente do Tribunal de Justiça do Estado.
Aliás, o Procurador-Geral de Justiça e o Procurador-Geral do Estado, ainda
com fulcro no art. 52, II da Carta Maior, deveriam ser julgados pela Assembleia
Legislativa por crime de responsabilidade, pois compete ao Senado julgar pelo
mesmo crime o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União.
Entretanto, nem todas as Constituições estaduais trazem esta previsão.
A Constituição do Rio Grande do Norte, art. 35 XIV, XVIII, atribui à
Assembleia Legislativa a autorização para procedimento de destituição do
governador impedido, mas optou por não atribuir a competência para julgamento do
crime de responsabilidade ao Legislativo Estadual. A Constituição de Pernambuco -
art. 14, XII – apenas atribui ao Legislativo a concessão de autorização para
processar o governador, sem menção a sua competência para julgá-lo.
No art. 20, XXV da Constituição de São Paulo há previsão para recebimento
da denúncia e realização pela Assembleia Legislativa de procedimento para
impedimento do governador em caso de crime de responsabilidade. Aliás, o artigo
49 dispôs sobre a existência de um Tribunal Especial apto a julgar o governador em
caso de crime de responsabilidade em substituição à Assembleia Legislativa.
Entretanto, o STF305 suspendeu os efeitos do citado art. 49 da Carta paulista,
sob o argumento de que compete privativamente à União legislar sobre as questões
inerentes às condutas típicas que caracterizam o crime de responsabilidade, bem
como o estabelecimento das normas sobre o processo e julgamento de agentes
políticos federais, estaduais ou municipais. O Supremo decidiu com base no art. 85
da Lei Maior que essa matéria será disciplinada pela Lei nº 1.079/50,306 norma que
305
Cf. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.220-2.
306 “Súmula 722/STF: São da Competência legislativa da União a definição dos crimes de
responsabilidade e o estabelecimento das respectivas normas de processo e julgamento”.
137
por sua vez atribuiu à Constituição Estadual dispor sobre o julgamento dos
governadores em crime de responsabilidade.307
Por tratar-se de matéria de competência privativa da União, é evidente que a
disciplina do tema pela Carta Estadual não poderá contrariar ou trazer elementos
inovadores não previstos na citada norma nacional especial (Lei nº 1.079/50).
O STF entende que não houve inconstitucionalidade na transferência para o
STJ da competência para julgamento de governadores em caso de crime comum. 308
A nosso sentir, seria mais adequado - em nome da harmonia e coerência do sistema
constitucional - que a Lei Fundamental fosse alterada a fim de transferir do STJ para
os Tribunais de Justiça estaduais a competência para julgamento dos governadores
em caso de crime comum. Além do que, em caso de julgamento dos
desembargadores estaduais por crimes comuns e crimes de responsabilidade a
competência deveria ser do Tribunal de Justiça e da Assembleia Legislativa
respectivamente.
Assim, os desembargadores dos Tribunais Estaduais nos crimes comuns e de
responsabilidade serão julgados pelo Superior Tribunal de Justiça. Apesar de, neste
caso, a Lei Maior fazer referência apenas ao julgamento pelo STJ nos crimes
comuns.
No plano estadual o Tribunal de Justiça é uma Corte constitucional, diante
disto é que defendemos que tenha por parâmetro o STF, no que tange ao
julgamento de seus membros. Apesar da Constituição Federal não exigir
expressamente a observância das normas de elaboração de Leis federais no âmbito
do Direito Estadual.309
307
Art. 78. O Governador será julgado nos crimes de responsabilidade, pela forma que determinar a Constituição do Estado e não poderá ser condenado, senão à perda do cargo, com inabilitação até cinco anos, para o exercício de qualquer função pública, sem prejuízo da ação da justiça comum.
(...)
308 “A transferência para o STJ da competência originária para o processo por crime comum contra os
governadores, ao invés de elidi-la, reforça a constitucionalidade da exigência da autorização da Assembleia Legislativa para a sua instauração: se, no modelo federal, a exigência da autorização da Câmara dos Deputados para o processo contra o presidente da República finca raízes no princípio da independência dos poderes centrais, à mesma inspiração se soma o dogma da autonomia do Estado-membro perante a União, quando se cuida de confiar a própria subsistência do mandato do governador do primeiro a um órgão judiciário federal.” (RE 159.230, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 28-3-1994, Plenário, DJ de 10-6-1994.)
309 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 27. Ed. Op. Cit., p.46
138
Vale lembrar que os ministros do STF em caso de crimes comuns serão
julgados pelo próprio Supremo, e em caso de crime de responsabilidade o
julgamento se dará pelo Senado como preceitua o art. 52, II da Carta Magna.
Em suma, no âmbito federal nos crimes comuns e de responsabilidade o
Presidente da República será julgado pelo STF e pelo Senado, respectivamente. Os
Ministros do Supremo em crimes comuns e de responsabilidade serão julgados pelo
próprio STF e pelo Senado, respectivamente. Com relação, à esfera estadual, o
governador nos crimes comuns e de responsabilidade será julgado pelo STJ e pela
Assembleia Legislativa, respectivamente.
7.6. O Supremo e a manutenção da Federação centralizada
A maioria das decisões do Supremo tem desfavorecido aos interesses
estaduais em prol de um arranjo federativo centralizador. 310
“As Constituições dos Estados acabaram sendo reduzidas pelo Supremo
Tribunal Federal a uma verdadeira cópia da Constituição Federal e qualquer
arroubo no sentido de promover alguma inovação, enfim, no sentido de
exercer a liberdade de conformação normativa, invariavelmente, é declarada
inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.” 311
A centralização política apresenta sérios problemas, porque inverte a lógica
da prevalência das normas locais e regionais na regência de assuntos comezinhos,
e sobrecarrega os tribunais federais pela extensão do trâmite de demandas que
poderiam se resolver no plano da Justiça Estadual.312
310
“De todo o modo, na jurisprudência mais recente do STF pode ser constatada uma tendência ainda restritiva quanto a um amplo e real compartilhamento competencial, ou seja, a admissão de um largo espaço para a autonomia legislativa dos estados-membros no Brasil, no que se refere a essa pontualmente prevista “competência concorrente”. É que o critério da Constituição de 1988 é por demais insuficiente, carecendo de uma concretização mais intensa por parte do Judiciário (que aqui desenvolve a delicada função de árbitro da federação) no segmento das chamadas cláusulas abertas ou conceitos indefinidos.” BERCOVICI Gilberto (coordenador). O federalismo no Brasil e os limites da competência legislativa e administrativa: memórias da pesquisa. Rev. Jur., Brasília, v. 10, n. 90, Ed. Esp., p.01-18, abr./maio, 2008, p.10.
311 RAMOS, Elival da Silva. Op.cit.,p. 172.
312 Este é também um problema que aflige o federalismo argentino, como bem destaca Hernández:
“En el fundamental tema de La distribución de competencias en el Estado federal, La reforma constitucional de 1994 no modificó la regla máxima en la matéria, que es el antiguo art. 104 –actual 121 -, que resumió el derecho histórico de los argentinos, em La expresión de Joaquín V. González. La circunstancia de que no se debatiesen estas cuestiones, no implica que la Convención haya negado importancia y transcendência a estos problemas, posiblemente lo más dificiles para uma federación. Para nosotros, ello implica que los constituyentes dieron por inconmovibles los grandes princípios fijados por La ley suprema de 1853/1860. Tienem plena vigência los conceptos de Alberdi y Gorostiaga, aceptados por La doctrina y jurisprudência de La Corte Suprema em El sentido de que las
139
O STF tem desfavorecido aos Estados-membros, por exemplo, pela
indeterminação do conceito de norma geral atribuída à União no âmbito da chamada
competência concorrente, onde a atuação estadual é subjugada pela ausência de
interpretação delimitadora da atuação do ente central. Na prática o poder de
especificação atribuído aos Estados é usurpado pela União quando esta produz
normas nacionais extremamente detalhistas. 313
Percebe-se que o Poder Judiciário não tem se apresentado como a arena
adequada para solução do impasse que aqui se apresenta, pelo fato de
reiteradamente já ter se manifestado contrário a qualquer interpretação que melhor
equilibre as competências federativas. Portanto, afigura-se imprescindível a atuação
do Poder Constituinte. É neste sentido que os interesses dos Estados-membros
devem rumar.
Ramos314chama a atenção para o enfraquecimento da autonomia estadual,
constantemente tolhida pela interpretação do STF, nos seguintes termos:
“Tenho, particularmente, a opinião de que há uma questão central a ser
enfrentada pelo federalismo brasileiro. De um lado, temos a cultura
profundamente centralizadora que permeia o Estado brasileiro, remontando
as origens da colonização Portuguesa, e, de outro, uma Constituição que
adota o modelo de federalismo, tendo, inclusive, o Constituinte se
preocupado em ampliar a autonomia do Estado-membro. Esses dois vetores
aparecem, frequentemente, em contradição, porquanto os dispositivos que
poderiam ser interpretados de maneira pró-autonômica, a favor da maior
liberdade de ação dos Estados e Municípios são, invariavelmente,
interpretados em sentido oposto pelo próprio Supremo Tribunal Federal, de
modo a suprimir competências ou a negar competências às entidades
regionais e locais da federação.”
Assim, à atuação do Poder Constituinte Originário somou-se a exegese
manifesta pelo Supremo com vistas a limitar a autonomia estadual em vários casos
envolvendo conflitos de competências legislativas entre os Estados-membros e a
províncias tienem poderes conservados e ilimitados, y el gobierno federal ejercita los delegados em forma expresa o implícita, y, por tanto, son poderes limitados.” HERNÁNDEZ, Antonio. Aspectos históricos y políticos del federalismo argentino. 1ª Ed. Córdoba: Academia Nacional de Derecho y Ciencias Sociales de Córdoba, 2010, p. 43.
313 ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Competências na Constituição de 1988. 2. ed. São. Paulo:
Atlas, 2000, p. 148.
314 RAMOS, Elival da Silva. Op. Cit., p. 170.
140
União. Passaremos a citar alguns desses exemplos colhidos a partir da
jurisprudência da Suprema Corte.
O STF manifestou-se sobre a Lei nº 11.438/91 do Estado de Goiás referente a
acesso ao cargo de diretor-geral da polícia civil restrito, pela citada lei, apenas aos
delegados de polícia situados na classe mais elevada da carreira. O Procurador
Geral da República arguiu perante o STF possível lesão ao Art. 144, § 4º da Lei
Maior, cuja exigência manifesta consiste apenas que a direção das polícias civis seja
exercida por delegados de carreira sem menção a sua posição na classe mais
elevada.315 Neste decisório, o Supremo alterou seu entendimento anterior, manifesto
na ADI 132, pelo qual tinha declarado a inconstitucionalidade de dispositivo
semelhante na Constituição de Rondônia. 316
A jurisprudência da Suprema Corte evoluiu, através da ADI 3.062-GO, em
2010 para prestigiar a autonomia dos Estados-membros e o princípio federativo.
Entretanto, é preciso lembrar que há poucos anos, mais precisamente em 2003, o
Supremo havia consignado, na ADI 132, entendimento oposto ao que por último foi
adotado. Alguns ministros que participaram da ADI 3.062 também votaram a ADI
132. No que se refere ao tema, ainda não se pode afirmar que se trata de uma
virada jurisprudencial em favor da autonomia estadual, nada impede que outra vez a
decisão seja revertida.
Quanto à investidura no cargo de procurador-geral do Estado de São Paulo, o
Supremo manifestou-se pela possibilidade da Constituição Estadual dispor sobre a
obrigatoriedade da escolha ser realizada entre integrantes da carreira do Parquet
estadual, sem que se tome por parâmetro a escolha do Advogado-Geral da União.317
A organização da Justiça Federal propugnada pela Lei Maior não favoreceu a
descentralização na prestação deste serviço. A criação de tribunais regionais
315
Cf. ADI 3.062-GO, Rel. Min. Gilmar Mendes.
316 Na ADI 793-RO, o STF decidiu pela constitucionalidade de norma da Constituição Estadual de
Rondônia que, diferentemente do § 4º do art. 57 da CF, permitia a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subseqüente de membros da Mesa Diretora da Assembleia Legislativa, no sentido de que “a norma, além de não constituir norma-princípio inerente e essencial à Federação e à República, tendo, na verdade, natureza materialmente regimental, não está entre aquelas que devem ser compulsoriamente observadas pelo Poder Constituinte dos Estados Federados”.
317 Cf. ADI 2581-SP, Rel.Min. Maurício Correa.
141
federais consta do art. 27, §6º do ADCT,318donde se depreende que a região
Sudeste conta com dois tribunais federais, as regiões Nordeste e Sul contam com
um tribunal cada uma e as regiões Norte e Centro-oeste não conta com tribunais
regionais federais.
A Emenda Constitucional nº 73/2013 determinou a criação de mais quatro
Tribunais Regionais Federais (PR, BA, AM e MG). A medida foi acusada de violação
à Lei Maior por manifesta incompetência do Poder Legislativo para propor sobre a
matéria,319 haja vista que a iniciativa pertenceria apenas ao Judiciário.320 A questão
encontra-se sob a análise do STF através da ADI nº 5017/2013, proposta pela
Associação Nacional dos Procuradores Federais sob o argumento de vício de
iniciativa e ausência de dotação orçamentária.
A descentralização é uma marca do Federalismo, e nisto o Poder Judiciário
também se insere. A aparente economicidade não deve tolher a adequada aplicação
do princípio federativo.
Parece-nos acertada a iniciativa de melhor distribuir a prestação jurisdicional
pela criação de novas Cortes Federais, apesar das críticas de que essa medida
representaria significativo aumento das despesas com o aparato judicial. O Brasil é
mesmo um País geograficamente extenso, tal característica deve ser levada em
consideração no que se refere à prestação judicial no plano nacional.
Outro exemplo, a reforçar a crise federativa nacional, diz respeito à querela
surgida a partir da concessão de competência disciplinar do Conselho Nacional de
318
Aqui transcrevemos o Art. 27, §6º do ADCT como inicialmente proposto pelo constituinte originário de 1988, onde se determinava a criação de cinco TRF. Art. 27 (...) § 6º - Ficam criados cinco Tribunais Regionais Federais, a serem instalados no prazo de seis meses a contar da promulgação da Constituição, com a jurisdição e sede que lhes fixar o Tribunal Federal de Recursos, tendo em conta o número de processos e sua localização geográfica.
319 A PEC nº 544/2002, foi proposta e iniciada pelo Senado Federal.
320 Neste sentido, a nova redação do Art. 27, § 11º do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias manifesta-se do seguinte modo:
Art. 27. (...) (...) § 11. São criados, ainda, os seguintes Tribunais Regionais Federais: o da 6ª Região, com sede em Curitiba, Estado do Paraná, e jurisdição nos Estados do Paraná, Santa Catarina e Mato Grosso do Sul; o da 7ª Região, com sede em Belo Horizonte, Estado de Minas Gerais, e jurisdição no Estado de Minas Gerais; o da 8ª Região, com sede em Salvador, Estado da Bahia, e jurisdição nos Estados da Bahia e Sergipe; e o da 9ª Região, com sede em Manaus, Estado do Amazonas, e jurisdição nos Estados do Amazonas, Acre, Rondônia e Roraima.
142
Justiça (CNJ) para agir independentemente da atuação primária das corregedorias
das Justiças Estaduais321. Tal competência atribuída ao CNJ foi considerada
constitucional, de acordo com o que assentou recentemente o STF.322
A referida constitucionalidade, no que concerne à atuação do CNJ, confirma
um modelo de Estado federal no qual a competência para cuidar deste tema é
concorrente, sem primazia decisória da esfera estadual. Entretanto, a competência
concorrente, em matéria de procedimento administrativo como interpretado pelo
Supremo, retira poderes das corregedorias de justiça estaduais, posto que em caso
de decisões administrativas divergentes certamente prevalecerá o decisório do CNJ.
Ainda a título de exemplo, tem-se que o Supremo Tribunal Federal no curso
da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 486, referente à produção de emendas à
Constituição Estadual, decidiu que não poderia a Constituição Estadual adotar um
quórum diferente daquele disposto na Lei Maior em seu processo de reforma, em
nítida consagração ao princípio da simetria.323
Entretanto, a simetria nem sempre se aplica às relações constitucionais, pois
em algumas situações a Constituição dos Estados estará impossibilitada de
reproduzir dispositivos da Lex Mater em virtude de características peculiares
advindas da organização da União e dos Estados-membros. Assim sendo, não pode
o Direito Estadual dispor sobre a exigência de aprovação de emendas à Constituição
Estadual em sessão bicameral, como ocorre no plano federal.
321
Em matéria publicada na página do Supremo Tribunal Federal, em 08 de fevereiro de 2012, sob o título: STF conclui julgamento que apontou competência concorrente do CNJ para investigar juízes, extrai-se o seguinte: “O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu nesta quarta-feira (08) o julgamento do referendo da liminar concedida parcialmente pelo ministro Marco Aurélio em 19 de dezembro de 2011 na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4638), ajuizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) contra pontos da Resolução 135 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que uniformizou as normas relativas ao procedimento administrativo disciplinar aplicável aos magistrados. Os pontos questionados foram votados um a um. Na análise de um dos dispositivos mais polêmicos (artigo 12 da Resolução 135), os ministros decidiram, por maioria de votos, que o CNJ pode iniciar investigação contra magistrados independentemente da atuação da corregedoria do tribunal, sem necessidade de fundamentar a decisão. Os ministros analisaram a questão em três sessões plenárias. Nas duas primeiras sessões (dias 1º e 2 de fevereiro), foram analisados os artigos 2º; 3º, inciso V; 3º, parágrafo 1º; 4º e 20; 8º e 9º, parágrafos 2º e 3º; 10 e 12 da Resolução135. Na sessão de hoje (8), foi concluída a análise, também ponto a ponto, dos parágrafos 3º, 7º, 8º e 9º do artigo 14; cabeça e incisos IV e V do artigo 17; parágrafo 3º do artigo 20; parágrafo 1º do artigo 15 e parágrafo único do artigo 21 da norma do CNJ.(...) ”Fonte: http://stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=199645&caixaBusca=N
322 Cf. ADI 4638.
323 Cf. ADI nº 486, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 03.04.1997, DJ de 10.11.2006.
143
Os limites materiais à criação de emendas constitucionais - dispostos do
parágrafo 4º do art. 60 da Constituição Federal de 1988 - e os princípios sensíveis -
contidos no art. 34, VII da Constituição Federal - condicionam a atuação do Poder
Constituinte Decorrente quando da criação e reforma das Constituições dos
Estados-membros.
Neste sentido, Machado Horta324 destaca o seguinte:
“(...) a precedência da Constituição Federal [leia-se Constituição da
República ou Lei Fundamental], sobre a do Estado-membro é exigência
lógica da organização federal, e essa procedência, que confere validez ao
sistema federal, imprime a força de matriz originária ao constituinte federal e
faz do constituinte um seguimento derivado daquele.”
O Poder Decorrente não poderá usurpar competências que lhe sejam
vedadas pela Lei Fundamental, ainda que a pretexto de cuidar de assuntos locais
atinentes aos Municípios325, como se depreende do julgamento pelo STF da Ação
Direta de Inconstitucionalidade nº 1.221/RJ em que o Supremo declarou a
inconstitucionalidade do art. 13 da Constituição Estadual do Rio de Janeiro de 1989
e da Lei Estadual nº 2.007/92 regulamentadora.326
Assim sendo, as Constituições Estaduais devem obediência aos princípios da
Carta Magna, cuja referência consta do artigo 11 dos ADCT e do caput do artigo 25
da Carta de 1988, e em nome desta base axiológica é que devem ser elas rígidas,
324
HORTA, Raul Machado. Op. Cit., p. 07.
325 "Ação direta de inconstitucionalidade – Art. 75, § 2º, da Constituição de Goiás – Dupla vacância
dos cargos de prefeito e vice-prefeito – Competência legislativa municipal – Domínio normativo da lei orgânica – Afronta aos arts. 1º e 29 da CR. O poder constituinte dos Estados-membros está limitado pelos princípios da CR, que lhes assegura autonomia com condicionantes, entre as quais se tem o respeito à organização autônoma dos Municípios, também assegurada constitucionalmente. O art. 30, I, da CR outorga aos Municípios a atribuição de legislar sobre assuntos de interesse local. A vocação sucessória dos cargos de prefeito e vice-prefeito põe-se no âmbito da autonomia política local, em caso de dupla vacância. Ao disciplinar matéria, cuja competência é exclusiva dos Municípios, o art. 75, § 2º, da Constituição de Goiás fere a autonomia desses entes, mitigando-lhes a capacidade de auto-organização e de autogoverno e limitando a sua autonomia política assegurada pela Constituição brasileira. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente." (ADI 3.549, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 17-9-2007, Plenário, DJ de 31-10-2007.) Vide: ADI 4.298-MC, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 7-10-2009, Plenário, DJE de 27-11- 2009; ADI 1.057-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 20-4-1994, Plenário, DJ de 6-4-2001.
326 Nesta ação questionava-se a gratuidade de sepultamento e dos procedimentos a ele necessários,
enquanto direito e garantia fundamental, para todos com renda até um salário mínimo, os desempregados e os reconhecidamente pobres. Em virtude dos serviços funerários serem de interesse dos Municípios com fulcro no art. 30, inc. V, da CF/88, foi que o STF decidiu que o Estado do Rio de Janeiro não poderia ter inovado dispondo em sua constituição sobre tal previsão.
144
promulgadas, escritas, dogmáticas, formais e devem ostentar igual forma de Estado,
forma de governo, sistema de governo, sistema econômico e regime político.
O Estado nacional é soberano tanto no modelo unitário quanto na forma
federativa, entretanto não se pode subtrair do Federalismo a autonomia
(administrativa, governamental e principalmente financeira) que essencialmente
caracteriza os entes que compõem a união.327
7.7. Usurpações interfederativas
Com efeito, no Brasil atribui-se à União a competência privativa para legislar
sobre normas gerais de licitação e contratos administrativos de acordo com o art. 22,
XXVII da Lex Major.328 Assim, parece estranho a Constituição realçar a atuação mais
genérica da União nesta matéria, e não ter disposto sobre este tema no rol das
competências concorrentes.
Neste ponto a técnica constitucional não foi empregada com esmero em
virtude de suscitar dúvidas, a ponto de se cogitar que a atuação dos Estados-
membros nesta seara (licitações e contratos) não decorreria do art.24, §2º da Lei
Maior, posto que a competência geral da União acha-se disposta no âmbito da
competência privativa contida no art. 22 da Constituição.329
Com efeito, no que se refere à competência privativa, a União é detentora ao
mesmo tempo de competência geral e da competência específica para cuidar das
matérias dispostas no art. 22 da Carta Magna.
327
“Continua o federalismo, contudo se afigurando, sensível e exigente e, para sua boa execução, impõe o respeito e o atendimento a dois princípios essenciais – às duas leis da sua mecânica operativa: a lei da autonomia e a lei da participação.” CAGGIANO, Mônica Herman. Op. Cit., p. 144.
328 "Tribunal de Contas estadual. Controle prévio das licitações. Competência privativa da União (art.
22, XXVII, da CF). Legislação federal e estadual compatíveis. Exigência indevida feita por ato do Tribunal que impõe controle prévio sem que haja solicitação para a remessa do edital antes de realizada a licitação. O art. 22, XXVII, da CF dispõe ser da União, privativamente, a legislação sobre normas gerais de licitação e contratação. A Lei federal 8.666/1993 autoriza o controle prévio quando houver solicitação do Tribunal de Contas para a remessa de cópia do edital de licitação já publicado. A exigência feita por atos normativos do Tribunal sobre a remessa prévia do edital, sem nenhuma solicitação, invade a competência legislativa distribuída pela CF, já exercida pela Lei federal 8.666/1993, que não contém essa exigência. (RE 547.063, Rel. Min. Menezes Direito, julgamento em 7-10-2008, Primeira Turma, DJE de 12-12-2008.)
329 Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
(...) XXVII - normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1°, III; (...)
145
Entretanto, a Lei Maior assevera que a competência legislativa da União
sobre licitações é apenas genérica, apesar desta referência achar-se presente no
artigo que cuida das competências privativas do ente central. Portanto, em matéria
de licitação e contratos a única competência específica que a União poderá exercer
é a relacionada ao próprio ente central.330 Nesta hipótese, poderia a União delegar a
competência legislativa aos Estados para especificarem esta matéria conforme o
parágrafo único do art. 22 da Lei Maior? 331
A resposta é não, pelo simples fato do art. 22 XXVII332 implicitamente ter
excluído da União, aquela competência específica para legislar sobre licitações.
Neste caso, os Estados não precisariam garimpar autorização da União para
especificação de matérias através da criação de Lei Complementar, haja vista que
possuem a competência suplementar para especificar a temática de licitação e
contratos no âmbito de seu território.
Este arranjo complexo feito pelo Poder Originário quanto à competência para
legislar sobre licitações e contratos, no âmbito do art. 22 da Lei Maior, tem sua razão
de ser, pois visa impedir que os Estados-membros disponham sobre a norma geral
no vácuo normativo deixado pela União, em virtude de ser esta uma característica
da competência concorrente (art. 24 CF) e não daquela competência privativa do
ente central.
Aliás, o Poder Originário, com o advento da Constituição de 1988, espancou
definitivamente a noção segundo a qual “Nenhum dispositivo constitucional
autorizava a União a impor normas de licitação a sujeitos alheios a sua órbita.” 333
Os Estados não podem criar norma geral sobre licitações e contratos diante
de lacuna normativa deixada pela União, portanto a competência não pode ser
considerada concorrente. Por outro lado, a Constituição de 1988 também não impõe
aos Estados-membros a criação de Lei Complementar delegada pela União para
330
Cf. ADI 927-3-RS.
331 “Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias
relacionadas neste artigo.” 332
O citado dispositivo diz respeito a: “normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1°, III; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)”
333 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Elementos de Dir. Administrativo. Malheiros. 4ª Ed., 1992, p.
177.
146
legislar sobre essa matéria, o que nos impede de cogitar sobre o emprego de
competência privativa.
Esta técnica promovida pelo Poder Originário fez possível que a competência
suplementar estadual decorresse também, ainda que excepcionalmente, do
exercício da competência privativa da União e não apenas em decorrência da
competência legislativa concorrente.
Portanto, nesta matéria a Constituição Federal transitou pelas competências
privativas e concorrentes para ao final atribuir competência suplementar aos
Estados-membros para legislar sobre licitações e contratos. A partir deste raciocínio,
aos Estados-membros - com esteio no art. 22, XXVII da Lei Maior - competem
especificar as disposições gerais criadas pela União no exercício de sua
competência suplementar.
Feitas estas considerações, vale destacar que se atribui à Lei nº 8.666/93 a
pecha de lesionar a Carta Magna no que diz respeito à usurpação pela União da
competência legislativa para especificar o referido estatuto licitatório no que tange
aos demais entes, haja vista que a Lex Mater não lhe concede tal competência
regulamentadora.
A exorbitância da União nesta área possivelmente decorre do fato desta
matéria constar do rol das competências privativas, onde geralmente se concede ao
ente central tanto a competência genérica quanto a específica.
Atentemos às lições de Diogenes Gasparini334 sobre o assunto:
“A União, ao editar a Lei federal n. 8.666/93, de 21 de junho de 1993, que
regulamenta o inciso XXI do art. 37 da Constituição Federal, foi muito além,
desconhecendo, como se verifica do seu art. 1º, a atribuição dos demais
entes federados para estatuir legislativamente, nessas áreas, as
competentes normas particulares. Acabou assim, por editar referida lei com
a pretensão de submeter todas as unidades da Federação ao mesmo
regime licitatório. Esse comportamento da União só poder ser havido como
inconstitucional.”
O mais acertado, a nosso ver, seria compor essa matéria no bojo da
competência concorrente disposta atualmente no Art. 24 da Carta Magna, no que
334
GASPARINI, Diogenes. Direito administrativo. 8ª ed. Revista e atualizada. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 418, 419.
147
caberia ao Município a competência para suplementar a legislação federal e
estadual no que fosse pertinente.
Assim como a União por vezes utiliza-se indevidamente da competência
especificadora dos Estados-membros, estes também em alguns momentos usurpam
a competência geral daquela entidade.335Além do que, apesar de raro, os Municípios
também se utilizam da competência dos demais entes, sem autorização
constitucional.336
Além de Direito material o STF também se manifestou sobre matéria
processual no que tange ao estabelecimento de limites à atuação legislativa entre a
União e os Estados-membros.337
Cabe à União legislar sobre Direito Processual e esta competência legislativa
está exposta no art. 22, I da Constituição da Repúbica. Ocorre que, o art. 24, XI, a
Lex Major determina que sobre matéria processual, os procedimentos devem
concorrentemente ser atribuídos à União DF e Estados-membros. Entretanto, já está
335
"Lei 14.861/2005 do Estado do Paraná. Informação quanto à presença de organismos geneticamente modificados em alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo humano e animal. Lei federal 11.105/2005 e Decretos 4.680/2003 e 5.591/2005. Competência legislativa concorrente para dispor sobre produção, consumo e proteção e defesa da saúde. Art. 24, V e XII, da CF. (...) Ocorrência de substituição – e não suplementação – das regras que cuidam das exigências, procedimentos e penalidades relativos à rotulagem informativa de produtos transgênicos por norma estadual que dispôs sobre o tema de maneira igualmente abrangente. Extrapolação, pelo legislador estadual, da autorização constitucional voltada para o preenchimento de lacunas acaso verificadas na legislação federal. Precedente: ADI 3.035, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ de 14-10-2005." (ADI 3.645, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 31-5-2006, Plenário, DJ de 1º-9-2006.)
336 “A Lei municipal 8.640/2000, ao proibir a circulação de água mineral com teor de flúor acima de 0,9
mg/l, pretendeu disciplinar sobre a proteção e defesa da saúde pública, competência legislativa concorrente, nos termos do disposto no art. 24, XII, da CB. É inconstitucional lei municipal que, na competência legislativa concorrente, utilize-se do argumento do interesse local para restringir ou ampliar as determinações contidas em texto normativo de âmbito nacional.” (RE 596.489-AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 27-10-2009, Segunda Turma, DJE de 20-11-2009.)
337 “Lei 7.716/2001 do Estado do Maranhão. Fixação de nova hipótese de prioridade, em qualquer
instância, de tramitação processual para as causas em que for parte mulher vítima de violência doméstica. Vício formal. (...) A definição de regras sobre a tramitação das demandas judiciais e sua priorização, na medida em que reflete parte importante da prestação da atividade jurisdicional pelo Estado, é aspecto abrangido pelo ramo processual do direito, cuja positivação foi atribuída pela CF privativamente à União (Art. 22, I, da CF/1988). A lei em comento, conquanto tenha alta carga de relevância social, indubitavelmente, ao pretender tratar da matéria, invadiu esfera reservada da União para legislar sobre direito processual. A fixação do regime de tramitação de feitos e das correspondentes prioridades é matéria eminentemente processual, de competência privativa da União, que não se confunde com matéria procedimental em matéria processual, essa, sim, de competência concorrente dos Estados-Membros.” (ADI 3.483, rel. min. Dias Toffoli, julgamento em 3-4-2014, Plenário, DJE de 14-5-2014.)
148
consignado na jurisprudência do STF que os Estados não têm competência
legislativa para criação de recursos.338
Em algumas situações confundem-se os limites entre processo e
procedimento, de modo que os Estados - no cumprimento de sua atribuição de
cuidar concorrentemente sobre procedimento - acabam muitas vezes por adentrar
na seara processual pertencente à União.339
Ora, se a Carta Magna permitiu que o Direito Estadual também se ocupasse
de matéria processual - ainda que para instrumentalizar a norma processual
produzida pela União, numa relação regida por competência concorrente - seria
perfeitamente admissível que o Direito Processual também deixasse de funcionar
enquanto norma de competência privativa da União para então passar a constar
como matéria de competência concorrente, no bojo do art. 24 da Lei Mãe. 340
Neste contexto, não significaria dizer que os Estados estariam autorizados a
produzir normas de processo penal e civil autônomas, visto que a atribuição
primacial para a edição de normas gerais sobre o tema caberia à União. A mudança
consistiria em debelar a incerteza jurídica que ronda esta questão, bem como
fortalecer a atuação dos Estados na regulamentação da atividade processual.341
338
Cf. AI-AgR.n.253.518-9-SC, 2ª Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, D.J. 18.08.2000.
339 “Lei 7.716/2001 do Estado do Maranhão. Fixação de nova hipótese de prioridade, em qualquer
instância, de tramitação processual para as causas em que for parte mulher vítima de violência doméstica. Vício formal. (...) A definição de regras sobre a tramitação das demandas judiciais e sua priorização, na medida em que reflete parte importante da prestação da atividade jurisdicional pelo Estado, é aspecto abrangido pelo ramo processual do direito, cuja positivação foi atribuída pela CF privativamente à União (Art. 22, I, da CF/1988). A lei em comento, conquanto tenha alta carga de relevância social, indubitavelmente, ao pretender tratar da matéria, invadiu esfera reservada da União para legislar sobre direito processual. A fixação do regime de tramitação de feitos e das correspondentes prioridades é matéria eminentemente processual, de competência privativa da União, que não se confunde com matéria procedimental em matéria processual, essa, sim, de competência concorrente dos Estados-Membros.” (ADI 3.483, rel. min. Dias Toffoli, julgamento em 3-4-2014, Plenário, DJE de 14-5-2014.)
340 “Natureza jurídica da reclamação não é a de um recurso, de uma ação e nem de um incidente
processual. Situa-se ela no âmbito do direito constitucional de petição previsto no art. 5º, XXXIV, da CF. Em consequência, a sua adoção pelo Estado-membro, pela via legislativa local, não implica em invasão da competência privativa da União para legislar sobre Direito Processual (art. 22, I, da CF).” (ADI 2.212, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 2-10-2003, Plenário, DJ de 14-11-2003.)
341 “Invade a competência da União, norma estadual que disciplina matéria referente ao valor que
deva ser dado a uma causa, tema especificamente inserido no campo do Direito Processual.” (ADI 2.655, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 9-3-2004, Plenário, DJ de 26-3-2004.)
149
O trânsito é tema que, por sua dimensão, motiva constantes controvérsias
entre a União e os Estados-membros,342 sobretudo em virtude de sua importância e
dos desafios que representa para as grandes cidades.343 Assim, trânsito e transporte
têm sua regência determinada por competência legislativa privativa da União, como
dispõe o artigo 22, XI da Constituição de 1988.344
A Lei nº 6.457/1993 do Estado da Bahia dispunha sobre a obrigatoriedade de
instalação de cinto de segurança em veículos de transporte coletivo. Esta questão
chegou ao STF em sede de Ação direta de inconstitucionalidade.345 O Supremo
declarou a inconstitucionalidade da citada norma por entender que tal matéria estava
relacionada a trânsito e transporte, sendo de competência exclusiva da União,
carecendo de lei complementar para autorizar os Estados a legislarem sobre tal
questão específica, nos termos do art. 22, parágrafo único, da Lex Major.346
342
"Ação direta de inconstitucionalidade. Lei 3.279/1999 do Estado do Rio de Janeiro, que dispõe sobre o cancelamento de multas de trânsito anotadas em rodovias estaduais em certo período relativas a determinada espécie de veículo. Inconstitucionalidade formal. (...) O cancelamento de toda e qualquer infração é anistia, não podendo ser confundido com o poder administrativo de anular penalidades irregularmente impostas, o qual pressupõe exame individualizado. Somente a própria União pode anistiar ou perdoar as multas aplicadas pelos órgãos responsáveis, restando patente a invasão da competência privativa da União no caso em questão." (ADI 2.137, rel. min. Dias Toffoli, julgamento em 11-4-2013, Plenário, DJE de 9-5-2013.)
343 Competência legislativa exclusiva da União. (...) É inconstitucional a lei distrital ou estadual que
comine penalidades a quem seja flagrado em estado de embriaguez na condução de veículo automotor.” (ADI 3.269, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 1º-8-2011, Plenário, DJE de 22-9-2011.) No mesmo sentido: ADI 2.796, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 16-11-2005, Plenário, DJ de 16-12-2005.
344 "Ação direta de inconstitucionalidade. Lei distrital 3.787, de 2-2-2006, que cria, no âmbito do
Distrito Federal, o sistema de moto-service – transporte remunerado de passageiros com uso de motocicletas: inconstitucionalidade declarada por usurpação da competência privativa da União para legislar sobre trânsito e transporte (CF, art. 22, XI). Precedentes: ADI 2.606, Plenário, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 7-2-2003; ADI 3.136, 1º-8-2006, Rel. Min. Ricardo Lewandowski; ADI 3.135, 1º-8-2006, Rel. Min. Gilmar Mendes." (ADI 3.679, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 18-6- 2007, Plenário, DJ de 3-8-2007. Vide: ADI 3.610, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 1º-8-2011, Plenário, DJE de 22-9-2011.
345 Cf. ADI-874-BA.
346 "Violação da competência privativa da União para legislar sobre trânsito e transporte. (...)
Inconstitucionalidade formal da Lei 10.521/1995 do Estado do Rio Grande do Sul, a qual dispõe sobre a obrigatoriedade do uso de cinto de segurança e proíbe os menores de dez anos de viajar nos bancos dianteiros dos veículos que menciona." (ADI 2.960, rel. min. Dias Toffoli, julgamento em 11-4-2013, Plenário, DJE de 9-5-2013.) Vide: ADI 874, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 3-2-2011, Plenário, DJE de 28-2-2011.
150
A atuação legislativa estadual nessa matéria seria proveitosa, por representar
mais uma ferramenta para solucionar os graves problemas de transporte público e
engenharia de tráfego.347
A propaganda comercial consta como competência legislativa privativa da
União, conforme o artigo 22, XXIX da Constituição Federal, sendo que os Estados
também manifestam interesse nessa área. O STF decidiu sobre o tema em ação
proposta com vistas a declarar a inconstitucionalidade da Lei Estadual nº
11.377/2000 que proibia as publicações de anúncios comerciais supostamente
pornográficos, em nome da preservação da moral e dos bons costumes.348
No que se refere à educação tem-se outro dilema. A Lei Maior dispõe sobre
educação no bojo da competência privativa da União (art. 22, XXIV), quanto à
regência das diretrizes e bases da educação nacional, bem como no âmbito da
competência legislativa concorrente (art. 24, IX), produzindo grande impasse sobre o
real limite à atuação estadual nesta área.349
Assim a menção contida no art. 22, XXIV da Carta Magna não se contrapõe à
disposição elencada no seu art. 24, IX. Aliás, o Supremo já se posicionou sobre a
347
"É indisputável que a vigente CF atribui competência privativa à União para legislar sobre transito e transporte (...). Tenho por consistentes as alegações do autor, no sentido da inconstitucionalidade da Lei distrital 1.925/1998, por invasão dessa competência, outorgada no art. 22, XI, da CR, assim porque não há lei complementar que autorize o Distrito Federal a legislar sobre fiscalização e policiamento de trânsito, como porque tal matéria, que envolve tipificação de ilícitos e cominação de penalidades, foi objeto de tratamento específico do Código de Trânsito Brasileiro, editado no exercício daquela competência privativa." (ADI 3.625, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 4-3 2009, Plenário, DJE de 15-5-2009.)
348 Como se deu em Santa Catarina quando o Legislativo estadual produziu norma relacionada à
proibição de anúncios eróticos com fotos em jornais e revistas daquele Estado. Neste caso, o STF entendeu ter havido exorbitância da competência estadual não autorizada pela Lex Major para cuidar concorrentemente da citada matéria. Cf. ADI 2.815-SC, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 8.10.2003.
349 "O art. 24 da CF compreende competência estadual concorrente não cumulativa ou suplementar
(art. 24, § 2º) e competência estadual concorrente cumulativa (art. 24, § 3º). Na primeira hipótese, existente a lei federal de normas gerais (art. 24, § 1º), poderão os Estados e o DF, no uso da competência suplementar, preencher os vazios da lei federal de normas gerais, a fim de afeiçoá-la às peculiaridades locais (art. 24, § 2º); na segunda hipótese, poderão os Estados e o DF, inexistente a lei federal de normas gerais, exercer a competência legislativa plena ‘para atender a suas peculiaridades’ (art. 24, § 3º). Sobrevindo a lei federal de normas gerais, suspende esta a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário (art. 24, § 4º). A Lei 10.860, de 31-8-2001, do Estado de São Paulo foi além da competência estadual concorrente não cumulativa e cumulativa, pelo que afrontou a CF, art. 22, XXIV, e art. 24, IX, § 2º e § 3º." (ADI 3.098, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 24-11-2005, Plenário, DJ de 10-3-2006.)
151
questão na ADI nº 682, no que reconheceu a competência dos Estados para
legislarem de modo concorrente com a União nesta seara. 350
No âmbito da regulamentação da relação empregatícia351os Estados algumas
vezes adentraram na competência legislativa privativa da União para cuidar de
Direito do Trabalho,352 mesmo quando a intenção se mostrou louvável, como aquela
relacionada a rechaçar discriminações353 e garantir a segurança e higiene do
trabalho.354
350
“O Supremo Tribunal Federal reconheceu a competência concorrente dos estados com a União para legislar sobre educação. Os ministros julgaram improcedente, por unanimidade, Ação Direta de Inconstitucionalidade em que o governador do Paraná, Roberto Requião, questiona a Lei Estadual 9.346/90. A norma faculta a matrícula escolar antecipada em classe de 1ª série de crianças que irão completar seis anos de idade até o final do ano letivo. O governador Roberto Requião sustenta que a legislação que dispõe sobre diretrizes da educação não permite a repartição da competência legislativa dos estados com a União. Requião argumentou também que a lei que fixa diretrizes e bases da educação determina que “para o ingresso no ensino de 1º grau, deverá o aluno ter idade mínima de sete anos”. Segundo a ação, “a lei não deixou margem à legislação estadual para estabelecer idade mínima diversa para a admissão no ensino primário”. Já haviam votado no julgamento, pela improcedência da ADI, os ministros aposentados Maurício Corrêa e Nelson Jobim. Na sessão de 29 de março de 2006, o ministro Joaquim Barbosa pediu vista da ação. Ao proferir seu voto, Barbosa disse não ver inconstitucionalidade na lei. “O estado do Paraná atuou no exercício da competência concorrente dos estados para legislar sobre educação, conforme o artigo 24, IX e parágrafo 2º, da Constituição Federal”, disse o ministro. Ele observou ainda que a Lei 11.274/06 é a Lei de Diretrizes e Bases da Educação em vigor. Ela estabeleceu que o ensino fundamental obrigatório, com duração de nove anos, se inicia aos seis anos de idade. Barbosa acompanhou então o voto do relator ao julgar improcedente a ação. Os demais ministros do plenário acompanharam o voto. Ao proclamar o resultado, a presidente do STF, ministra Ellen Gracie, salientou que, pelo fato do relator da ação, ministro Maurício Correa, estar aposentado, o acórdão será redigido por Barbosa.” Revista Consultor Jurídico de 9 de março de 2007 em referência à ADI nº 682. Fonte: http://www.conjur.com.br/2007-mar-09/estados_competencia_legislar_educacao
351 "Matéria concernente a relações de trabalho. Usurpação de competência privativa da União.
Ofensa aos arts. 21, XXIV, e 22, I, da CF. Vício formal caracterizado. (...) É inconstitucional norma do Estado ou do Distrito Federal que disponha sobre proibição de revista íntima em empregados de estabelecimentos situados no respectivo território." (ADI 2.947, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 5-5-2010, Plenário, DJE de 10-9-2010.)
352 “Lei 11.562/2000 do Estado de Santa Catarina. Mercado de trabalho. Discriminação contra a
mulher. Competência da União para legislar sobre direito do trabalho. (...) A Lei 11.562/2000, não obstante o louvável conteúdo material de combate à discriminação contra a mulher no mercado de trabalho, incide em inconstitucionalidade formal, por invadir a competência da União para legislar sobre direito do trabalho.” (ADI 2.487, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 30-8-2007, Plenário, DJE de 28-3-2008.) No mesmo sentido: ADI 3.166, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 27-5-2010, Plenário, DJE de 10-9-2010.
353 "Ação direta de inconstitucionalidade: Lei distrital 3.705, de 21-11-2005, que cria restrições a
empresas que discriminarem na contratação de mão de obra: inconstitucionalidade declarada. Ofensa à competência privativa da União para legislar sobre normas gerais de licitação e contratação administrativa, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais de todos os entes da Federação (CF, art. 22, XXVII) e para dispor sobre direito do trabalho e inspeção do trabalho (CF, art. 21, XXIV, e art. 22, I)." (ADI 3.670, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 2-4-2007, Plenário, DJ de 18-5-2007.)
354 “Segurança e higiene do trabalho: Competência legislativa. Lei 2.702, de 25-3-1997, do Estado do
Rio de Janeiro. CF, art. 21, XXIV, art. 22, I, art. 24, VI. I. Lei 2.702, de 1997, do Estado do Rio de
152
7.8. O Fundo de Participação dos Estados à luz da Suprema Corte
No que se refere ao Fundo de Participação dos Estados355, instrumento de
promoção de equilíbrio socioeconômico entre os Estados-membros - surgido com a
Emenda Constitucional nº 18/65, devidamente recepcionado pela Constituição
Federal de 1967 - o STF declarou a inconstitucionalidade de todo o artigo 2º da Lei
Complementar 62/89, definidor dos critérios de rateio concernente aos Estados-
membros e ao Distrito Federal, através das Ações Diretas de Inconstitucionalidade
ajuizadas pelo Rio Grande do Sul (ADI 875) 356, Goiás (ADI 1987) 357, Mato Grosso
(ADI 3243) 358 e Mato Grosso do Sul (ADI 2727) 359.
Um dos argumentos das citadas ações consiste em que o contexto
socioeconômico do Brasil na época em que foi criada a Lei Complementar nº 62,
seria completamente diferente da realidade social e econômica vivenciada pelo País
Janeiro: inconstitucionalidade, porque ofensiva ao disposto nos arts. 21, XXIV, e 22, I, da CF.” (ADI 1.893, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 12-5- 2004, Plenário, DJ de 4-6-2004.)
355 A este respeito extrai-se da PEC nº 04/2012, de autoria do Senador Ricardo Ferraço, o seguinte
extrato: “O Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal – FPE, por sua vez, constitui o principal instrumento de transferência financeira não voluntária do regime federativo brasileiro. Constitucionalmente, o FPE tem como propósito promover o equilíbrio socioeconômico entre os entes da Federação (conforme o art. 161, inciso II, da Lei Maior). No entanto, isso não foi levado em consideração na definição dos coeficientes atribuídos a cada estado pelo art. 2º e pelo Anexo Único da Lei Complementar nº 62, de 1989, o que acabou agravado pela não edição da norma específica prevista no § 2° do recém-citado art. 2º. Em face do não atendimento do comando constitucional, o Supremo Tribunal Federal declarou, em fevereiro de 2010, inconstitucionais os dispositivos da Lei Complementar nº 62, de 1989, relacionados com o FPE, estabelecendo que a sua vigência manter-se-á somente até 31 de dezembro de 2012.”
356 O governo do Rio Grande do Sul, na ADI 875, através desta ação manifestou-se pela
inconstitucionalidade do artigo 2º da Lei Complementar Federal 62/89, alegando ter havido lesão ao princípio da igualdade assegurado pela Constituição Federal, em seu art. 5º da Lex Major.
357 A (ADI 1987) é na verdade uma ação direta de inconstitucionalidade por omissão ajuizada pelo
Mato Grosso e por Goiás em face da Lei Complementar 62/89, sob o argumento de que tal lei não contemplou rateio justo e objetivo na promoção do equilíbrio sócio-econômico entre os Estado da Federação.
358 A ADI 3243 foi ajuizada pelo governo de Mato Grosso contra a Lei Complementar Federal nº
62/98, sob alegação de que o FPE não cumpriria sua função social em favor do equilíbrio sócio-econômico entre as unidades da federação. Assim, o entendimento é que a citada lei afrontaria o artigo 159, inciso II, da Constituição Federal, que determina a distribuição da arrecadação sobre produtos industrializados aos estados e ao DF, bem como o artigo 161, inciso II. Esse dispositivo atribui à lei complementar o estabelecimento de normas sobre a entrega dos recursos e o critério de rateio utilizado pela União.
359 Pela ADI 2727 o governo de Mato Grosso do Sul alegou a inconstitucionalidade dos parágrafos 1º,
2º e 3º do artigo 2º da Lei Complementar Federal nº 62/98 e parte da Decisão Normativa nº 44/01 do Tribunal de Contas da União. Os dispositivos contestados da Lei Complementar definem a forma de distribuição dos recursos do Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal (FPE).
153
no limiar do Século XXI. Além do mais, os coeficientes de rateio teriam sido
estabelecidos de modo precário por acordos políticos feitos às pressas.360
O fato é que este modelo de FPE, praticado desde 1989, favorece a alguns
Estados em detrimento de outros, em nome do Federalismo cooperativo.361 Os
Estados das regiões mais pobres se esforçarão para manter o volume de seus
repasses, com óbvia resistência das Regiões Sul e Sudeste.362
Uma solução para este impasse foi apresentada no Senado pela qual se
propôs a manutenção do FPE com base nos seguintes critérios: Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH), maior população, menor renda per capita e em
níveis de pobreza. Tais indicadores ajudariam a produzir um coeficiente, para
repartição do dinheiro do Fundo, bem parecido com aquele praticado atualmente. 363
A Lei Complementar nº 62/1989 tinha previsão para valer apenas até 1992. A
partir dos dados obtidos pelo IBGE, no censo de 1990, uma nova norma para
distribuição dos valores do FPE deveria ter sido criada, pautada na admissibilidade
de revisões periódicas dos coeficientes de rateio. O fato é que a referida norma não
foi produzida.
Diante disso, o Supremo considerou inconstitucional a referida LC nº 62/89,
no que determinou prazo até o dia 31 de dezembro de 2012, para que entrasse em
vigor outra norma com nova disciplina sobre o tema. O prazo se esgotou sem que o
Congresso Nacional tivesse produzido a referida lei. O STF prorrogou por mais 150
dias o prazo para a criação de nova legislação.
360
Com base na petição inicial da ADI 1987 tem-se que: “A partir de 1988, as cotas destinadas aos Estados seriam vinculadas a dados objetivos apurados pelo IBGE (Lei Complementar nº 59/88). Contudo, às vésperas do censo previsto para 1990, um acordo político entre Governo Federal e Governos Estaduais levou à aprovação da Lei Complementar nº 62/89, pela qual os índices de participação dos Estados foram fixados arbitrariamente, de forma provisória, para o exercício de 1991 – em prejuízo de várias unidades da federação, principalmente do Centro-Oeste.”
361 “(...) O FPE 2011 distribuiu R$ 48 bilhões. Para efeito de comparação, o Maranhão, com seus 6,5
milhões habitantes, recebeu R$ 3,47 bilhões do fundo, ao passo que São Paulo, o estado mais populoso do país (41 milhões de habitantes), ficou com apenas R$ 480 milhões. Outros casos: o fundo rendeu R$ 1,19 bilhão a Roraima, o Estado menos habitado (450 mil pessoas), e entregou R$ 730 milhões e R$ 720 milhões, respectivamente, ao Rio (16 milhões de habitantes) e ao Espírito Santo (3,5 milhões).” Fonte: Congresso em Foco - Internet - Data: 26/03/2012
362 Projeto de autoria do deputado federal Gilney Viana que altera a Lei Complementar nº 62 de
28/12/1989 visando estabelecer critérios de rateio do FPE dos Estados e do Distrito Federal.
363 Cf. PLC nº 289/2011 apresentado pelo senador Randolfe Rodrigues (Psol-AP).
154
No limite deste prazo a Câmara e o Senado aprovaram a Lei Complementar
nº 143/2013, com destaque para o dispositivo de proteção aos Estados-membros
contra desonerações concedidas pela União a partir de impostos repartidos com os
Estados, para que referidas desonerações pudessem ser descontadas apenas da
parte da arrecadação atinente à União, não mais da totalidade dos recursos do FPE.
Entretanto, a norma foi sancionada, com veto a esta proposição.364
A antiga redação do art. 2º, I e II da LC nº 62/89 determinava que 85% do
valor do FPE fossem distribuídos entre as Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e
os outros 15% para as Regiões Sul e Sudeste.
Pela nova redação dada pela Lei Complementar nº 143/2013 tem-se que os
coeficientes individuais de participação dos Estados e do Distrito Federal no FPE, a
serem aplicados até 31/12/2015, são os constantes do Anexo Único contido na
aludida Lei Complementa e a partir de 01/01/2016, cada entidade beneficiária
receberá valor igual ao que foi distribuído no correspondente decêndio do exercício
de 2015, corrigido pela variação acumulada do Índice Nacional de Preços ao
Consumidor Amplo (IPCA) ou outro que vier a substituí-lo e pelo percentual
equivalente a 75% (setenta e cinco por cento) da variação real do Produto Interno
Bruto nacional do ano anterior ao ano considerado para base de cálculo. Após a
aplicação dessas correções, caso ainda existam recursos para distribuição, a
repartição será proporcional à população e inversamente à renda per capita dos
Estados.
7.9. O desvio de poder na atividade normativa do Estado
Cabe destacar que o STF reconhece a teoria do desvio de poder na atividade
normativa365do Estado no que tange às atividades legislativas, sobretudo, aquelas
inerentes ao Poder Constituinte Decorrente e ao legislador estadual, pela qual se
intenta coibir arbitrariedades no exercício da competência legislativa disposta na
Constituição de 1988.
O artigo 24, §2º da Constituição Federal não dispõe claramente sobre os
termos da competência do ente central para legislar sobre normas gerais, fazendo
364
O art. 2º da Lei Complementar no 62/89, passou a vigorar com alteração determinada pela Lei
Complementar nº 143/2013.
365 Cf. ADI 2667-4.
155
com que tal imprecisão opere em prejuízo da atribuição especificadora destinada
pela Lei Maior aos Estados-membros, isto tem feito com que a estreita competência
legislativa estadual seja diminuída ainda mais.
“Tradicionalmente, há uma benevolência muito grande do Supremo
Tribunal Federal em relação à amplitude dessas normas gerais. O exemplo
mais contundente disso que foi dito diz respeito à matéria de licitações e
contratos administrativos, para a qual a Constituição prevê a edição de
normas gerais pela União. (...) A própria técnica da competência
concorrente precisaria ser mais adequadamente estruturada, especialmente
dando-se algumas indicações, em nível constitucional, acerca das
características das normas gerais que competem ao Poder central” 366
Com efeito, a Carta de 1988 apontou no sentido da federalização normativa,
uniformizadora de procedimentos no âmbito de todas as unidades federativas. É
verdade que essa tendência eliminou discrepâncias no plano normativo, sobretudo
no âmbito do Direito Penal e do Direito Civil.
Entretanto, o problema se mostrou grave quando a norma (civil e penal) se
mostrou obsoleta sem que os Estados-membros nada pudessem fazer para reverter
o quadro, a não ser esperar pela atuação do Congresso Nacional. A partilha de
competências legislativas privativas da União com os Estados certamente ajudaria a
resolver este problema.
O exercício da competência concorrente favoreceria a atuação normativa
uniformizadora da União somada à possibilidade dos Estados especificarem tais
normas de acordo com sua realidade sem a ameaça de criação de um confuso
cipoal legislativo.
No Direito Estadual, fruto da atuação autônoma de várias Assembleias
Legislativas no exercício de competências constitucionais explícitas e implícitas, as
normas criadas favoreceria o surgimento de soluções para dilemas regionais. Apesar
366
Sobre este assunto Elival Ramos expõe os abusos cometidos pela União contra a autonomia dos Estados-membros e revela que: “O atual Estatuto das licitações, que é de 1993, começa dizendo que nele são estabelecidas as normas gerais sobre a matéria de licitações e contratos administrativos, as quais, no entanto, se desdobram por mais de 120 (cento e vinte) artigos. A própria dimensão desse ato normativo está a indicar que há um exagero e que, por certo, aninham-se na lei inúmeros dispositivos inconstitucionais. Já a declaração inicial do legislador federal denota inconstitucionalidade, porque se pretendeu transformar em normas gerais uma ampla e minudente disciplina do assunto. RAMOS, Elival da Silva. Op. Cit. pp. 171, 173.
156
de poderem também fomentar disparidades, como aquelas decorrentes das
legislações que regem o ICMS.367
Assim, seria inadequada a mera transferência de competências privativas da
União para formar um rol de competências privativas dos Estados-membros porque
provavelmente isso não favoreceria a interação federativa.
A nosso sentir, melhor seria realizar o compartilhamento através da retirada
de algumas das competências privativas da União transferindo-as, ao art. 24 da
Carta Magna, a fim de alargar a atuação concorrencial entre o ente central, os
Estados-membros e o Distrito Federal.
A União goza de respaldo na operacionalização de suas atribuições
constitucionais, enquanto que os Estados-membros amargam descrédito na
execução de suas competências.
Desde a Reforma de 1926 no constitucionalismo pátrio a impressão que se
tem é que os Estados-membros não são institucionalmente confiáveis e por isso
mesmo a Constituição Federal concedeu à União uma série de competências
legislativas relacionadas aos interesses estaduais.
7.10. O STF e a reprodução da Lei Maior nas Constituições Estaduais
As Constituições Estaduais reproduzem, no seu texto, dispositivos
pertencentes à Lei Maior. Essa repetição advém de forma obrigatória ou poderá
ocorrer por mera liberalidade do Poder Decorrente.
Sobre este tema Tércio Sampaio Ferraz Júnior368 entende que o dever de
cumprir os princípios dispostos na Constituição Federal não obriga os Estados a
repetir literalmente o preceito a ser observado no texto da Carta Estadual, assim
como o legislador ordinário não se encontra obrigado a repetir no texto da Lei
Ordinária o principio basilar da Lei Maior que lhe dá fundamento.
As normas constitucionais de eficácia contida, por exemplo, possibilitam a
criação de norma restritiva elaborada pelo Congresso Nacional a fim de especificar o
367
Neste sentido têm-se as relações comerciais advindas do comércio eletrônico com efeitos sobre a dinâmica de arrecadação do ICMS, questão esta disciplinada pela Proposta de Emenda Constitucional nº 103 de 2011.
368 FERRAZ JUNIOR, T. S. Princípios condicionantes do poder constituinte estadual em face da constituição federal. Revista de Direito Público, São Paulo, v. 22, 1989, p. 90.
157
comando geral contido na Constituição Federal. Entretanto, não se exige a repetição
do dispositivo constitucional a ser restringido no bojo da norma criada.
Destarte, é de pouca serventia, por exemplo, que a Carta Estadual mencione
em seu texto a observância aos princípios da ampla defesa e do contraditório, bem
como faça menção à impossibilidade de se adotar penas cruéis no âmbito dos
Estados e Municípios, porque tais matérias já estão devidamente dispostas na Carta
Federal.
Com efeito, a força normativa da Constituição Federal independe de sua
repetição no âmbito das Constituições Estaduais.
Passaremos a discorrer sobre as duas principais teorias que norteiam essa
matéria no âmbito do Supremo Tribunal Federal, a saber: a teoria da ociosidade da
norma constitucional repetida e a teoria da autonomia da norma reproduzida.
7.10.1. A teoria da ociosidade da norma constitucional repetida
Tem-se que a Constituição Estadual compõe-se preponderantemente por
normas de repetição obrigatória e normas de repetição por imitação.
De acordo com a “teoria da ociosidade da norma constitucional repetida” -
anteriormente adotada pelo STF no julgamento da Reclamação nº 370 - aqueles
dispositivos, contidos na Constituição Federal, de natureza obrigatória que também
estejam no texto da Constituição Estadual, seriam desconsiderados para efeitos de
controle de constitucionalidade estadual, em virtude do lastro de validade já
concedido pela Lex Mater. 369
Portanto, o controle concentrado estadual se limitaria às demais normas
constantes nas Constituições Estaduais provenientes da atuação do Poder
Decorrente a partir das competências estaduais dispostas na Constituição Federal.
Esta teoria foi criticada por Gilmar Mendes,370 pois “adotada a orientação
esposada inicialmente pelo Supremo Tribunal Federal, ficaria o Direito Constitucional
estadual - substancial - reduzido, talvez, ao preâmbulo e às cláusulas derrogatórias.”
369
LEONCY, Léo Ferreira. Controle de constitucionalidade estadual: as normas de observância obrigatória e a defesa abstrata da Constituição do Estado-membro. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 12.
370 Cf. Rcl. nº 4432/TO, Rel. Min. Gilmar Mendes, decisão publicada no DJU de 10.10.2006.
158
“Já que além dos princípios gerais, aplicáveis à União, aos Estados e
Municípios (arts. 145 a 149), das limitações do poder de tributar (arts. 150 a
152), contempla o texto constitucional federal, em seções autônomas, os
impostos dos Estados e do Distrito Federal (Seção IV – art. 155) e os
impostos municipais (Seção V – art. 156). Como se vê, é por demais estreito
o espaço efetivamente vago deixado ao alvedrio da constituinte estadual.”
371
O STF a partir da Reclamação nº 370372 entendeu que os Tribunais de Justiça
dos Estados seriam incompetentes para realizar o controle de constitucionalidade de
Lei Municipal ou Lei Estadual em face da Constituição Estadual quando esta
repetisse norma obrigatória materialmente originária da Constituição Federal.
Nossa percepção é de que a teoria da ociosidade acertou ao apontar a
inutilidade da repetição de dispositivos da Lex Major nas Constituições Estaduais
porque isso em hipótese alguma afetaria a validade da Constituição Federal, cuja
aplicabilidade no âmbito regional dispensa a anuência do Poder Decorrente.
A mera padronização de normas reproduzidas pelas Constituições Estaduais
deve ser repensada sob a ótica do interesse público. Sobre esta questão atente-se à
observação de Sabino José Fortes Fleury: 373
“Um exemplo claro disso é a questão dos Tribunais de Conta. No Brasil
inteiro eles têm que ter sete membros, não se importa se seja no Amapá ou
em São Paulo. Então, por mais que você crie uma estrutura monstruosa de
servidores para dar suporte às atividades, no Estado de São Paulo, vão ser
sempre sete membros que vão julgar. Isso é humanamente impossível.
Então quando você desvincula determinadas coisas, pode reorganizar sua
administração de maneira a ter um atendimento melhor à população”.
Mendes374 reconhece que há estreito espaço no constitucionalismo pátrio
para a Constituição Estadual, por essa razão não poderia deixar ela de reproduzir
normas dispostas na Carta Fundamental, porque se assim não fosse, não haveria o
que colocar no texto constitucional estadual.
371
“A tese concernente à ociosidade da reprodução de normas constitucionais federais obrigatórias no texto constitucional estadual esbarra já nos chamados princípios sensíveis, que impõem, inequivocamente, aos Estados-membros a rigorosa observância daquele estatuto mínimo (CF, art. 34, VII). MENDES, Gilmar. Op. Cit., p. 1309:2008.
372 Cf. Rcl. 370. Rel. Octávio Gallotti, DJ de 29/06/2001.
373 Artigo disposto na Revista UNALE, Ano XII, n. 56, junho de 2011, p.19.
374 Cf. Reclamação STF nº 4.432.
159
Ora, isso é mesmo o reconhecimento de que o modelo federativo brasileiro é
bastante centralizador, a ponto de tolher o espaço que deveria estar reservado aos
Estados-Membros para construção das Constituições Estaduais. Assim a repetição
de norma constitucional de observância obrigatória se prestaria para ocupar espaços
vazios oriundos da carência de competência estadual.375
Para Gilmar Mendes376 a omissão no texto das Constituições Estaduais dos
preceitos contidos no artigo 34, VII da Lei Maior seria suficiente para ensejar
intervenção federal no Estado-membro omisso. Com efeito, a Constituição Cidadã
atribui à União a tarefa de intervir nos Estados para assegurar a observância dos
princípios sensíveis.
Entendemos que o verbo assegurar empregado pela Carta Magna no citado
dispositivo visa garantir a obediência dos Estados-membros ao cumprimento dos
citados princípios, independentemente deles estarem ou não reproduzidos nas
Constituições Estaduais. Aliás, esse já foi o entendimento do próprio STF.
“Sob o império da Constituição de 1988, suscitou-se, entre nós, questão
relativa à competência do Tribunal estadual para conhecer de ação direta
de inconstitucionalidade, formulada contra lei municipal em face de
parâmetro constitucional estadual, que, na sua essência, reproduza
disposição constitucional federal. Cuidava-se de controvérsia sobre a
legitimidade do IPTU instituído por lei Municipal de São Paulo, capital (Lei
municipal n. 11.152 de 30.12.1991). Concedida a liminar pelo Tribunal de
Justiça de São Paulo, opôs a Prefeitura Municipal de São Paulo reclamação
perante o Supremo Tribunal Federal, sustentando que, embora fundada em
inobservância de preceitos constitucionais estaduais, a ação direta acabava
375
"A despeito de ter outorgado aos Estados o poder de instituírem suas próprias Constituições, o legislador constituinte federal quase não deixou espaço para que os entes federativos inovassem nas matérias reservadas à sua competência. Prova disso é o fato de a Constituição Federal ter previamente ordenado, em muitos aspectos, por meio das chamadas normas de observância obrigatória, a atividade do legislador constituinte decorrente, para o qual deixou como única saída, em inúmeras matérias, a mera repetição do discurso constitucional federal, por via da transposição de várias normas constitucionais federais para o texto da Constituição Estadual. Por outro lado, em matérias nas quais a Constituição Federal outorgou ampla competência para que o constituinte estadual deliberasse a seu talante, com a possibilidade de edição das chamadas normas autônomas, este se limitou a imitar o disciplinamento eventualmente constante do modelo federal, mesmo quando a ele não se encontrava subordinado. O resultado de tal fenômeno é a convivência, nos textos da Constituição da República e das Constituições Estaduais, de normas formal ou materialmente iguais, a configurar uma identidade normativa entre os parâmetros de controle federal e estadual.” LEONCY, Léo Ferreira. Op. Cit., p.116,117.
376 MENDES, Gilmar Ferreira. Op. Cit. 2008, p. 1308.
160
por submeter à apreciação do Tribunal de Justiça do Estado o contraste
entre a lei municipal e normas da Constituição Federal.” 377
Com efeito, a não exigência de reprodução obrigatória não afastaria o dever
de cumprimento da norma no plano estadual e ainda pouparia a Justiça estadual de
conhecer temas que na prática serão definitivamente resolvidos pelo STF. Portanto,
a teoria da ociosidade não exclui o controle de constitucionalidade estadual que se
ocuparia estritamente daqueles temas relacionados ao exercício da competência dos
Estados-membros.
A respeito deste assunto assim se manifesta Rodrigues de Castro378:
“As normas obrigatórias da Constituição Federal integram o ordenamento
jurídico dos Estados-membros independente de repetição dessas normas
na Constituição dos Estados-membros, cabendo ao Poder Constituinte
Decorrente apenas complementar a obra do Constituinte Federal.”
A força normativa da Constituição Federal independe de sua confirmação no
texto das Constituições Estaduais. Há espaço para atuação do Poder Constituinte
Decorrente que poderá dispor sobre Direito Tributário, Direito Econômico, Direito
Financeiro, dentre outros, sempre em consonância com o disposto na Lei Maior, não
para repetir o que nela se encontra exposto, e sim para construir o cenário
constitucional estadual.
A obrigatoriedade, neste caso, consistiria em obedecer a Lei Fundamental e
isso deveria ocorrer independentemente da reprodução na Carta Estadual.379Neste
mesmo sentido manifesta-se Gabriel Ivo380 nos termos que se seguem:
“A reprodução do princípio, portanto, em nada lhe acrescenta a eficácia nem
tem o condão de satisfazer o comando constitucional de observância e
obediência. Observar ou obedecer um princípio constitucional significa
abster-se de emitir regras que com ele sejam incompatíveis ou, de um modo
377
Reclamação nº 383. Relator Ministro Moreira Alves.
378 CASTRO, João Paulo Rodrigues de. Op. Cit., p.01.
379 “Um dos fundamentos da viabilidade dessa transposição está em que, ainda que se não
transcrevessem essas normas para o texto da Constituição Estadual, teriam elas validade em todo o território do Estado-membro e vinculariam os Poderes Públicos locais. Independentemente de sua absorção pelo ordenamento constitucional local, visto que se enquadram naquela categoria de normas diretamente aplicáveis aos entes federativos componentes da Federação como um todo.” LEONCY, Léo Ferreira. Op.cit., p. 26.
380 IVO, Gabriel. Constituição estadual. Competência para elaboração da constituição do estado-
membro. São Paulo: Ed. Max Limonad, 1997, p. 141.
161
positivo, a emissão de regras que venham a imprimir-lhe eficácia. Não se
cumpre um princípio repetindo no texto da Constituição Estadual o seu
enunciado.”
A nosso ver, no plano do Direito Constitucional estadual, o controle de
constitucionalidade faz muito mais sentido quando visto sob a perspectiva das
normas originadas a partir da competência dos Estados-membros.
Assim em matérias reproduzidas tem-se que o controle de constitucionalidade
concentrado, exercido pelo Judiciário Estadual, é desnecessário, pois tende a tornar
o procedimento moroso diante da decisão do STF, a quem caberá proferir a última
palavra. Neste caso, é meramente aparente o fortalecimento da autonomia dos
Estados-membros, haja vista que a decisão estadual jamais prevalecerá sobre a
manifestação final do Supremo, diante da apreciação de possível violação à norma
da Constituição Federal copiada pelas Constituições Estaduais.
7.10.2. A doutrina da autonomia da norma reproduzida
A “teoria da autonomia da norma repetida” defende a força da norma
constitucional reproduzida na Constituição Estadual diante da competência do
Supremo e dos Tribunais de Justiça dos Estados para realizar o controle de
constitucionalidade.
“Nessa hipótese, as normas copiadas só teriam a força de obrigar a sua
reprodução (transplante) para a Constituição estadual. Embora com o
mesmo conteúdo, quem incidiria efetivamente nos fatos previstos pelas
duas normas seria a norma-cópia. Daí a autonomia das normas-cópia
inseridas na Constituição estadual.” 381
A partir da decisão na Reclamação nº 383 o STF passou a acatar a “teoria da
autonomia da norma repetida” pela qual inexiste usurpação de competência quando
os Tribunais de Justiça verificam a constitucionalidade de leis no controle abstrato de
normas municipais reproduzidas da Lei Fundamental face à Carta Estadual.
Mendes382 observa que a omissão de preceitos obrigatórios na Carta Estadual,
em tese, daria azo à interposição de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade
381
Idem.
382 Gilmar Mendes expõe a gravidade sobre tal omissão cogitando inclusive que isto poderá resultar
em intervenção federal: “Nenhuma dúvida subsiste de que a simples omissão da Constituição estadual, quanto à inadequada positivação de um destes postulados, no texto magno estadual, já
162
Interventiva por lesão aos princípios sensíveis dispostos no art. 34, VII, da
Constituição Federal.
Para o Supremo o descumprimento da obrigação de repetição normativa pelo
Poder decorrente não afligiria a aplicabilidade da Lei Maior, todavia, isto não
desobrigaria o Poder Constituinte Decorrente de proceder à devida reprodução
dispositiva.
Sobre os princípios que fundamentam a atuação do Poder Constituinte,
Ferraz383 observa o seguinte:
“A partir destes princípios originários, o poder constituinte instaura a
República Federativa. O princípio republicano e o princípio federativo já têm
caráter estatuído. Também eles são fundamentais, mas não são originários
no sentido de imanente à própria principialidade do exercício do poder
constituinte. São uma opção fundamental do poder constituinte. Por seu
caráter podemos chamá-los de fundamentais instituídos. Isto os Estados-
membros não podem alterar, pois seu poder constituinte decorrente ali se
principia como ali se principia o próprio poder constituinte originário. Por
este seu caráter de fundamentos da própria principialidade, estes princípios
devem ser chamados de fundamentais.”
Clève384 afirma que o princípio sensível disposto no art. 34, VII, d, sobre a
prestação de contas da administração direta e indireta deverá ser copiado pelo
Poder Constituinte Decorrente, sob pena de intervenção federal.
A seu turno, Rodrigues de Castro385 afirma que a ausência de repetição dos
princípios sensíveis na Constituição Estadual não ensejaria intervenção federal.
configuraria ofensa suscetível de provocar a instauração da representação interventiva.”MENDES, Gilmar. Op. Cit, p.1309:2008.
383 Sobre princípios comuns de organização Ferraz ensina que: “Os princípios comuns de
organização são, em geral, específicos a certa classe ou assunto especial. Ora se referem à administração, ora à magistratura, ora aos servidores, ora à ordem econômica. Já por essa razão têm um peso menor que os princípios fundamentais, que afetam a estrutura global da Constituição. Ao seu lado, porém, estão outros, que estão implícitos na Constituição, a qual os agasalha sem nomear, como seria o caso do princípio da prevalência hierárquica das normas referentes a direitos fundamentais sobre as demais normas constitucionais, o princípio da unicidade das normas constitucionais, o próprio princípio da supremacia constitucional, etc.”FERRAZ, Tércio Sampaio. Op. Cit., p.04.
384 CLÉVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata de constitucionalidade no direito brasileiro. 2.
ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 136.
385 CASTRO, João Paulo Rodrigues de. Op. Cit., p.01.
163
“A possibilidade de ofensa por ato legislativo aos princípios sensíveis só
seria possível em caso de norma da constituição estadual com disposição
contrária ao previsto nos princípios sensíveis. Como, por exemplo, norma de
Constituição Estadual que permitisse chicotear os bandidos presos, o que
ofenderia o princípio sensível do artigo 34, VII, b, que protege a dignidade
da pessoa humana. A mera repetição do princípio sensível não implica
obediência aos princípios sensíveis, pois os Estados-membros podem,
apesar da repetição desses princípios, ofendê-los através de atos
concretos, inclusive por omissão.”
Gilmar Mendes386 esclarece que a Corte Constitucional Alemã firmou
entendimento no sentido de que a adoção pela Constituição Estadual de normas
com conteúdo idêntico a preceitos constitucionais federais opera favoravelmente à
dúplice garantia constitucional, permitindo que os recursos constitucionais e o
controle de normas possam ser instaurados perante o Tribunal Constitucional dos
Estados, nos termos da Constituição Estadual, ou perante a Corte Constitucional
federal, tendo como parâmetro a Lei Fundamental.
Para o STF a Carta Estadual está obrigada a reproduzir algumas normas
dispostas na Lex Mater. Entretanto, as Constituições Estaduais não se limitaram a
copiar apenas tais dispositivos, trazendo para o seu texto boa parte daquilo que está
posto na Carta Magna através das chamadas normas de imitação.
Assim, o controle de constitucionalidade estadual poderá ocorrer a partir da
violação de qualquer dispositivo reproduzido ainda que sua repetição tenha sido
desnecessária.
Em contraponto Rodrigues de Castro387 entende ser inócua a repetição do
artigo 34, VII, da Carta Mãe, em virtude de existir relação hierárquica entre este
dispositivo específico com as normas da Constituição Estadual.
No caso do disposto no artigo 35, IV da Carta Magna, o citado autor sustenta
que haveria aplicação do comando e não repetição, haja vista que o comando seria
uma obrigação de não afrontar princípios sensíveis, enquanto que no art.35, IV tem-
se uma obrigação positiva pela qual os Estados deverão intervir nos Municípios em
386
MENDES, Gilmar Ferreira. Op. Cit., p.1309:2008.
387 CASTRO, João Paulo Rodrigues de. Op. Cit., p. 01.
164
virtude de afronta aos princípios dispostos na Constituição Estadual, execução de lei
ou decisão judicial. 388
Moreira Alves389 ressalta a importância da reprodução de normas obrigatórias,
sobretudo aquelas relacionadas à intervenção dos Estados nos Municípios que se
dará com base em dispositivo contido na Constituição Estadual a partir de
reprodução da Lei Maior, nos termos seguintes:
“A intervenção no Município, que se faz também por meio de representação
de inconstitucionalidade pelo parâmetro da Constituição Estadual (e
representação que acarreta a suspensão, com eficácia erga omnes, da
execução da norma municipal impugnada como providência preliminar), ou
não se poderá fazer porque as normas de reprodução são ociosas e sem
qualquer eficácia, ou – ilogicamente – poderá ser feita, controlando-se, por
via dela, a constitucionalidade das leis municipais em face de todos os
princípios contidos na Constituição Estadual (inclusive os federais
obrigatórios inocuamente reproduzidos) e por ela tidos como sensíveis.
Note-se, ademais, que, tanto para a representação de inconstitucionalidade
interventiva quanto para a ação direta de inconstitucionalidade, no âmbito
estadual, o inciso IV do artigo 35 e o parágrafo segundo do artigo 125,
ambos da Carta Magna Federal, estabeleceram como parâmetro a
Constituição Estadual, sem qualquer distinção com relação às normas nesta
contidas.” 390
É possível que a cópia de dispositivos sirva bem ao propósito que caracteriza
o espírito da Lei Maior, no sentido de positivar exaustivamente tudo aquilo que tenha
ou não natureza essencialmente constitucional para conceder-lhe o valor de norma
suprema a fim de imprimir maior efetividade a tais dispositivos.
Além do mais, a centralização normativa no âmbito da União e a repetição de
dispositivos na Carta Estadual tem esvaziado o Direito Estadual.
388
“Repetiria se reeditasse a ordem emitida pela Federação que permite aos Estados-membros intervir nos Municípios, não no caso de estabelecer comando próprio. Além do que, a repetição das hipóteses contidas no artigo 34, VII configura somente repetição do preceito primário da norma extraída desse dispositivo da Constituição, e não da norma que desse se extrai.” Idem.
389 ALVES, Moreira. A jurisdição constitucional estadual e as normas federais reproduzidas nas
Constituições dos Estados membros. In MARTINS, Ives Gandra da Silva (Org.). As vertentes do direito constitucional contemporâneo. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2002, p. 22.
390 Idem.
165
Nesta matéria, o controle de constitucionalidade estadual que deveria ser
atributo exclusivo da Justiça estadual, não raro sobe ao STF. Assim, a repetição
desnecessária de dispositivos faz com que a Constituição Estadual também seja
obra do Constituinte Originário, ainda que indiretamente, em desprestígio à atuação
do Poder Decorrente.
166
CAPÍTULO 8
A CONSTITUIÇÃO E O APERFEIÇOAMENTO DA FEDERAÇÃO
8.1. Centralização política e o regime democrático; 8.2. Federação,
Senado e Democracia; 8.3. Os Estados e a busca por competências
legislativas; 8.4. O inadequado aproveitamento do Direito Constitucional
Estadual; 8.5. Assembleia Legislativa e reforma federativa.
8.1. Centralização política e o regime democrático
Com efeito, a forma de Estado federativa se amolda muito bem ao regime
democrático. Entretanto, verificou-se no constitucionalismo brasileiro a tentativa de
compatibilização do Estado federal com regimes antidemocráticos. Em casos assim,
o espírito federalista391 tende a se desvirtuar.
No período republicano os regimes de exceção (Estado novo e Revolução de
1964) optaram por não reativar o modelo unitário, mais adequado as suas
pretensões, antes preferiram adaptar a Federação, dando-lhe características
unitaristas. Portanto, o sistema federativo não é monopólio do regime democrático,
sua vertente antidemocrática tende naturalmente a gerar centralização política e
enfraquecimento da autonomia estadual.
Assim, o autoritarismo federalista e o Unitarismo têm em comum a
centralização do poder político. É possível que o Estado unitário distribua melhor o
poder que uma Federação ditatorial. Todavia, de um Estado federal democrático o
mínimo que se espera é a distribuição adequada do poder político. Por isso, é
391
“O sucesso dos sistemas federais não se caracteriza apenas por seus arranjos constitucionais, mas pela sua penetração no espírito federalista.” RAMOS, Dircêo Torrecillas. O federalismo assimétrico. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 36, apud OLIVEIRA, Ricardo Victalino de. A configuração assimétrica do federalismo brasileiro. Dissertação de mestrado em direito da USP. Orientadora: Prof. Dra. Fernanda Dias Menezes de Almeida, São Paulo, 2010, p. 15.
167
paradoxal que a Federação pátria, de natureza democrática, apresente-se como um
instrumento de centralização política.
O Federalismo brasileiro quase sempre aliou a centralização política
(legislativa) à descentralização geográfica (administrativa).392Vale destacar que o
País, depois de uma breve fase de descentralização política mais efetiva, optou a
partir de 1926 por retomar a centralização que se pensava superada com a queda
da Monarquia Unitarista.
Para Ribeiro Bastos393 a Federação brasileira de 1988 chega a ser mais
centralizadora do que o Estado unitário adotado em vários Países:
“O traço principal que marca profundamente a nossa já capenga estrutura
federativa é o fortalecimento da União relativamente às demais pessoas
integrantes do sistema. É lamentável que os constituintes não tenham
aproveitado a oportunidade para atender ao que era o grande clamor
nacional no sentido de uma revitalização do nosso princípio federativo. O
estado brasileiro na nova Constituição ganha níveis de centralização
superior à maioria dos Estados que se consideram unitários e que, pela via
de uma descentralização por regiões ou por províncias, consegue um nível
de transferências das competências tanto legislativas quanto de execução
muito superior àquele alcançado pelo Estado brasileiro. Continuamos, pois,
sob uma constituição eminentemente centralizadora, e se alguma diferença
existe relativamente à anterior é no sentido de que esse mal (para aqueles
que entende ser um mal) se agravou sensivelmente.”
No Estado unitário não há entes periféricos de natureza política, e as divisões
internas (condados, municípios, distritos, departamentos) ostentam apenas natureza
administrativa. Tem-se na verdade um governo uno cuja jurisdição se estende por
todo o território nacional. A este respeito, assim averbou Sahid Maluf:394
“Estado unitário é aquele que apresenta uma organização política singular,
com um governo único de plena jurisdição nacional, sem divisões internas
que não sejam simplesmente de ordem administrativa. O Estado unitário é o
tipo normal, o Estado padrão. A França é um Estado unitário. Portugal,
Bélgica, Holanda, Uruguai, Panamá, Peru são Estados unitários. Embora
descentralizados em municípios, distritos ou departamentos, tais divisões
392
MALUF, Sahid. Op.cit. p. 386.
393 BASTOS, Ribeiro Celso. Op. Cit., p. 263.
394 MALUF, Sahid. Op. Cit., p. 183.
168
são de direito administrativo. Não têm esses organismos menores uma
autonomia política.”
Discordamos de Maluf apenas quanto à hipótese de existência de
descentralização política no âmbito do Estado genuinamente unitário. Com efeito, o
Unitarismo é essencialmente centralizado e tem por característica a
desconcentração e não a descentralização. Em verdade, ambas são formas de
transferência de poder: descentralização (poder político) e desconcentração (poder
administrativo).
A desconcentração manifesta-se internamente, pela transferência de
atribuições de uma entidade para seus diversos órgãos. “Note-se, porém, que na
desconcentração o serviço era centralizado e continuou centralizado, pois que a
substituição se processou apenas internamente.” 395
André Ramos Tavares396 afirma ser possível a divisão interna no âmbito do
Estado unitário para fins administrativos, onde há uma relação de dependência das
entidades inferiores com relação ao ente central.
“É admissível que o Estado unitário promova divisões internas, para fins de
administração. Assim, é possível a divisão administrativa (não a política),
cuja presença não descaracteriza o Estado unitário. Deve estar presente,
contudo, a subordinação ao poder central de qualquer entidade, órgão ou
departamento criado para exercer parcela de atribuições. O vínculo de
subordinação decorre da técnica pela qual se promove a divisão de
atribuições: a delegação. O poder central tanto pode promover a
desconcentração como regredir para a posição inicial de concentração
absoluta, inclusive com a eliminação da entidade subordinada até então
existente.” 397
Sobre o processo de delegação do poder, sem se referir especificamente ao
modelo unitarista, é que Justen Filho398 destaca que “A multiplicação de órgãos no
395
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 10ª edição. Ed. Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2003, p. 274, 275.
396 TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional– 9. ed. rev. e atual. Op. Cit., p.1082.
397 Idem.
398 Para esta autor “A diferença reside em que a descentralização produz a transferência de podres e
atribuições para um outro sujeito distinto. Portanto, há um número maior de sujeito titulares dos poderes públicos. Já a desconcentração mantém os poderes e atribuições na titularidade de um mesmo sujeito, gerando efeitos meramente internos.” JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005, p.96.
169
âmbito de uma mesma pessoa jurídica produz o fenômeno da desconcentração do
poder. Já a criação de outras pessoas jurídicas gera efeito de descentralização do
poder.”
Para Prelot399a centralização do Estado unitário permite executar duas formas
distintas de transferência de atribuições. A primeira seria a desconcentração em que
certas competências seriam atribuídas às entidades administrativas, e a segunda
seria a concentração na qual as atribuições seriam reunidas no plano central.
O Estado unitário, essencialmente centralizado, poderá ser concentrado
quando sonegar atribuições às entidades administrativas. Assim também o Estado
federal, fundamentalmente descentralizado, poderá manifestar-se com aspecto
centralizador quando a Lei Maior favorecer a União na distribuição de competências
legislativas.
No que concerne às competências legislativas tem-se que no Unitarismo a
sua reunião no âmbito do ente central impede que ele as transfira em virtude da
ausência de outros entes políticos com autonomia. A pluralidade de coletividades
politicamente autônomas caracteriza o Federalismo e não o Estado unitário.
Portanto, a transferência de competências legislativas a entidades administrativas
descaracterizaria a noção mais elementar de Unitarismo.
Portanto, a Federação é essencialmente descentralizada porque se manifesta
pela repartição de poderes às entidades autônomas. A intensidade dessa
descentralização é que costuma variar. A seu turno, o Unitarismo é centralizado,
todavia admite a desconcentração de atribuições aos entes administrativos.
“Não há, portanto, juridicamente, relação de hierarquia entre entidade
central e entes descentralizados, nem identidade entre controle hierárquico
e tutela administrativa, embora, repita-se, de fato e na prática assim possa
parecer. Onde houver controle hierárquico, certamente existe
desconcentração administrativa, a tutela é típica de descentralização
administrativa. No Brasil, entre os órgãos que integram a Administração
direta existem vínculos de hierarquia característicos da desconcentração;
entre as entidades centrais – União, Estados, Distrito Federal, Municípios -,
e suas autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista,
399
PRELOT, Marcel. Institutions Politiques et Droit Constitutionnel. Paris, Dalloz, 1957, p.219.
170
fundações públicas não ocorrem juridicamente vínculos de hierarquia, mas
controle denominado tutela, típico da descentralização administrativa.” 400
Os regimes autoritários tolhem a descentralização efetiva no âmbito da
Federação, e no Estado unitário concentram atribuições em desfavor das entidades
administrativas. Entretanto, no Estado unitário democrático é possível que entes
administrativos participem bem mais do processo decisório nacional do que os
Estados-membros no bojo de uma Federação ditatorial.
A respeito da descentralização política Gasparini401 afirma que:
“Esta ocorre quando há uma pluralidade de pessoas jurídicas públicas com
competências políticas, isto é, investidas no poder de fixar os altos
interesses da coletividade. De forma mais simples, quando existem pessoas
com poderes para legislar ou para dispor, originariamente, sobre os
superiores e fundamentais interesses da coletividade e o modo pelo qual
serão atingidos. Exemplo dessa descentralização tem-se no Estado Federal,
composto de Estados-Membros.” 402
Na perspectiva constitucional a descentralização política, caracterizada pela
transferência de poderes legislativos de um ente federativo para outro, decorre da
própria Constituição Federal. A descentralização administrativa manifesta-se pela
transferência de poder (administrativo) de uma entidade política a outra.
No que tange ao Federalismo o melhor é se falar em (des) centralização
(legislativa e administrativa), já no bojo do Unitarismo mais adequado seria falar-se
em (des) concentração (administrativa).
Há modelos que subvertem a lógica: Unitarismo (centralização), Federação
(descentralização). Formas de Estado mistas se manifestam na Europa e nas
Américas. Deste modo, assim como no Brasil a Federação apresenta-se
400
“Do ponto de vista estritamente jurídico, entre os entes descentralizados e os poderes centrais não se registram vínculos de hierarquia. Os poderes centrais exercem um controle sobre tais entes – tutela – que juridicamente não se assimila ao controle hierárquico, embora na prática assim possa parecer. Algumas diferenças podem ser fixadas entre o controle hierárquico e a tutela administrativa. A relação de hierarquia existe entre órgãos situados em níveis diferentes da estrutura da mesma pessoa jurídica, implicando subordinação de órgãos inferiores àqueles de graus mais elevados; a tutela é controle exercido pelas entidades centrais sobre entes dotados de personalidade jurídica própria de decisão; portanto, na tutela há duas pessoas jurídicas em confronto.” MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 9ª Ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p.65.
401 GASPARINI, Diogenes. Direito administrativo. 8ª ed. Revista e atualizada. São Paulo: Saraiva,
2003, p. 286.
402 Idem.
171
centralizada, o Unitarismo manifesta-se politicamente descentralizado em alguns
Países europeus. De fato, tais modelos híbridos se mesclam fortemente a partir de
características essenciais da Federação e do Unitarismo. 403
8.2. Federação, Senado e Democracia
Impende destacar que no contexto federativo, o Senado é extremamente
importante por fazer valer democraticamente a vontade dos Estados, inclusive
daqueles situados nas regiões mais empobrecidas.
A nosso sentir, a Constituição de 1988 atuou em consonância com os
princípios que norteiam a Democracia ao permitir que Estados economicamente
vulneráveis, pudessem por seus representantes fazer uso do veto como forma de
demonstrar alguma força na defesa de seus interesses.
Em verdade, o Senado e a Constituição Estadual são mecanismos oferecidos
pela Lei Maior aos Estados-membros em defesa de sua autonomia. Por isso, o
entendimento - já anteriormente citado - segundo o qual a representação estadual
no Senado brasileiro afetaria a Democracia por lesionar a vontade da maioria,
atende muito mais aos interesses da União e dos Estados mais populosos do que
propriamente aos interesses da maioria dos Estados pobres que se encontram nas
regiões menos densas do País.
Sob o ângulo do princípio federalista - pelo qual as autonomias estaduais têm
o mesmo valor independentemente da condição econômica ou populacional de cada
Estado – o que se verifica é a manutenção da própria igualdade sob a ótica da
representação dos Estados-membros no Senado Federal.
Qualquer alteração na Lei Maior a fim de pautar o número de senadores no
contingente populacional dos Estados-membros representaria uma violação à
Constituição Federal. 404
403
A forma de Estado adotada pela Espanha e pela Itália, por exemplo, reforça a existência de modelos que não se encaixam facilmente naquilo que se supõe ser uma Federação ou um Estado Unitário. Nestes casos, diz-se que há Unitarismo quando numa forma de Estado adotada se tem a prevalência de características unitaristas sobre caracteres federativos. De igual modo, no Brasil, apesar de flagrantes características unitaristas, diz-se que existe uma Federação pela manifestação minoritária das características unitaristas na forma de Estado adotada pela Lei Maior.
404 Cf. art. 46, §1º da Lei Maior.
172
Se a composição do Senado fosse pautada no critério populacional, os
Estados mais populosos, que são também os mais ricos, sairiam cada vez mais
fortalecidos, em desfavor da representatividade dos demais Estados-membros que
formam a maioria.
“Em todos os Estados federais há sempre a participação dos Estados-
membros nas deliberações da União, seja direta ou indiretamente. Essa
assistência dos Estados federados, nas resoluções da União, constitui
grande garantia a eles entregue para prevenir excessos do governo
nacional contra os governos locais, como também para contrabalançar o
prestígio excepcional, de que gozam, na câmara baixa, os Estados
particulares mais populosos. Apresentam, assim, as federações a feição de
uma democracia de Estados, pois os Estados-membros exercem o duplo
papel de províncias autônomas e de cidadãos eleitores.” 405
É preciso entender que a representação popular se dá na Câmara dos
Deputados. Deste modo, a argumentação que tenta desqualificar a representação
estadual no Senado não tem fundamento no próprio papel que a Câmara Alta
historicamente desempenha no federalismo.
Ora, retirar dos Estados-membros, com menor contingente populacional, a
prerrogativa de se fazer representar plenamente na esfera federal através do
Senado, seria sepultar de vez a possibilidade de equilibrar a Federação brasileira.
O Senado é a arena revisora de projetos normativos e tem um papel crucial
no veto de proposições de interesse do ente central. Apesar de estruturado no
âmbito da União, o Senado não se vincula ao governo federal.
A centralização federativa confere à União a poder de decidir sobre boa parte
das políticas públicas nacionais e regionais, bem como direcionar recursos (não
vinculados) aos Estados de acordo com sua conveniência. Pelo jogo democrático, o
Senado poderá contrariar o Executivo quando este se opuser aos interesses dos
Estados-membros.
O Federalismo propõe uma conexão entre os entes pactuantes. Certamente
o equilíbrio, imprescindível à sustentação da Democracia, surja também pela
possibilidade das unidades federadas terem o mesmo peso nas votações
405
MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira. Op.cit.,p. 106.
173
parlamentares, independentemente de seu contingente populacional ou de sua
condição econômica.
Com efeito, o desequilíbrio financeiro entre a União e os entes periféricos tem
produzido efeitos nocivos à Federação e à Democracia, pois gera uma relação de
dependência econômica dos Estados para com a União.
O desprezo à repartição do poder e dos recursos financeiros, associado a não
resolução das desigualdades socioeconômicas no contexto federativo,
historicamente propiciou sublevações e manifestações golpistas. 406
A propósito, é verdade que as emendas parlamentares funcionam como
elemento de barganha política na relação entre o governo federal e o Congresso
nacional, mas também representam o repasse de importantes recursos aos Estados
e Municípios através dos quais poderão realizar investimentos.
Através de deputados e senadores a totalidade dos Estados tem acesso aos
citados recursos das emendas parlamentares. No Senado este mecanismo iguala a
oportunidade de aplicação desse numerário em cada um dos Estados-membros. A
lógica muda na Câmara onde a quantidade de deputados federais, determinada a
partir de critérios demográficos, beneficia os Estados mais populosos.
Assim reiteramos que a Federação brasileira seria afetada caso a
representatividade dos Estados-membros no Senado fosse pautada pelo critério
populacional, com repercussão negativa sobre o princípio democrático.
Percebe-se assim que os conceitos de Federalismo e Democracia são
absolutamente compatíveis porque objetivam a repartição do poder a partir da
distribuição de competências legislativa e materiais com fulcro no princípio da
prevalência do interesse.
No Federalismo antidemocrático há uma série de limitações impostas pela
União ao exercício das competências dos demais entes. Como bem explica Neto
Lobo: 407
406 Neste sentido foi que a falta de coesão em torno de João Goulart culminou na Revolução Militar de 1964 que, sob a justificativa de proteger o Brasil contra a ameaça comunista, se estendeu até a metade dos anos 1980. “Em 1964, com o golpe militar novamente voltamos a era do centralismo autoritário com supressão de todas as franquias democráticas o que durou praticamente vinte anos” FIGUEIREDO, Marcelo. Op. Cit., p. 128.
174
“O grande desafio é como preservar o federalismo, diante da crescente
centralização política, na busca de direções que compatibilizem a
necessidade de unificar as soluções aos grandes problemas nacionais e a
necessidade em se fortalecer a democracia e a própria cidadania, que
exigem a descentralização política.” 408
Destarte, a separação dos poderes estabelece um sistema de freios e
contrapesos com possibilidade de controle e fiscalização mútuos, e por isso tende a
compatibilizar-se com o Federalismo e com o regime democrático.
Uma das bandeiras do constitucionalismo é a limitação do poder estatal a fim
de preservar os direitos fundamentais. Neste sentido, o estabelecimento de vários
níveis de poder exige uma reflexão sobre o modo como se dá o exercício do poder
pela União em face dos direitos das populações estaduais, com base nos ideais
democráticos e no princípio federativo.
O exercício privativo pela União de competências potencialmente
concorrentes fragiliza a Democracia ainda quando resulte de decisão do Poder
Originário ao qual compete determinar as atribuições de cada um dos entes
federativos na Lex Major.
O Federalismo democrático pugna por entes autônomos, com poder para
elaborar suas próprias normas, inclusive a Constituição Estadual, em respeito à
participação cidadã auferida pelo voto na esfera estadual. Desta forma, o voto não
se mostra mais valioso no plano federal que nas demais esferas. As manifestações
de vontade do eleitorado estadual não podem ser menosprezadas.
As prioridades e competências federativas devem ser estabelecidas com base
nas necessidades dos indivíduos que habitam simultaneamente em todas as esferas
federativas, haja vista que em regra estar no plano federal significa também fazer
parte do nível estadual e da esfera municipal. É preciso entender que no
Federalismo os cidadãos têm interesses nacionais, regionais e locais. Portanto, a
decisão de se englobar todos esses interesses federativos no âmbito das
competências da União traduzir-se-ia numa opção velada pelo Unitarismo.
407
NETO LOBO, Paulo Luiz. Op. Cit., p.02.
408 Idem.
175
Assim, uma maior participação na repartição das competências
constitucionais em favor de Estados e Municípios, é uma tendência decorrente da
consolidação do processo democrático.
O equilíbrio federativo exige que a União assuma seu importante papel de
coordenação no plano federativo, e por outro lado permita aos demais entes
federados o exercício de suas atribuições e competências em favor dos seus
interesses. A busca por um consenso que atenda a tais necessidades é um desafio
para o Poder Constituinte.
8.3. Os Estados e a busca por competências legislativas
No exercício de sua competência remanescente os Estados-membros atuam
independentemente de outros entes ou órgãos. Vale lembrar que a dimensão dessa
competência não é inteiramente conhecida e explorada pelo Direito Estadual.
A produção de emendas constitucionais e a delegação de competências
privativas da União aos Estados-membros, através de Lei Complementar, dependem
da atuação do Congresso Nacional e por isto mesmo apresentam maior dificuldade
quanto a sua concretização.
O interesse dos Estados-membros, em fazer uso da competência legislativa
delegada que lhes poderia ser atribuída, é inversamente proporcional à disposição
da União em concedê-las, sobretudo em matérias importantes.
É evidente que este mecanismo dispensa a produção de emenda
constitucional para se efetivar, todavia, isto não torna mais fácil sua manifestação
por exigir como condição de realização a concordância da União em compartilhar
suas competências privativas.
Neste caso, deverá haver a conjunção de duas vontades em prol dos
interesses estaduais, exige-se primeiramente que a União concorde com a
especificação de algumas de suas competências no plano estadual, mas isto não
basta; entrará em cena num segundo momento, deste processo de delegação, o
Congresso Nacional que deverá criar a Lei Complementar ditando seus limites.
Assim, este é certamente um mecanismo pouco funcional pelas dificuldades que
envolvem sua concretização.
176
“Apesar do tímido exercício desse mecanismo, tramitam no Congresso
Nacional projetos de lei complementar visando a concessão de
delegações (PLP nº 27290; PLP 3303; PLP 4703; PLP 13607 - na
Câmara dos Deputados, que autorizam os Estados a legislar sobre a
mobilidade urbana, a partir das diretrizes nacionais que estabelece; e
PLS nº 212005 PLS 522007 - no Senado Federal, que autorizam os
Estados a legislar sobre o direito penal em questões específicas que
define).” 409
A Lei Complementar não autoriza a transferência de competências aos
Estados para cuidar amplamente sobre as matérias elencadas no art. 22 da Carta
Magna. Estabelece-se desta forma uma normatização não cumulativa e verticalizada
em que o ente central, mesmo em caso de delegação de competência aos Estados-
membros, terá sempre a primazia na edição de normas gerais.
Vale destacar, por exemplo, que a Carta de 1946, Constituição democrática
anterior a atual Lei Maior de 1988, dispunha sobre a possibilidade dos Estados
produzirem legislação supletiva ou complementar a partir das competências
legislativas da União, sem a exigência de Lei Complementar.410 Portanto, a
Constituição Cidadã dificultou sobremaneira a hipótese de atuação legislativa
supletiva e complementar dos Estados-membros quando remeteu à União a
permissão para este exercício.
O Estado contemporâneo tem sido impelido a incluir no Ordenamento Jurídico
normas que regulem as transformações oriundas da globalização e dos processos
de integração econômica. Entretanto, importa buscar também atender demandas
internas através de um conjunto de normas que permitam a convergência de
interesses regionais díspares que sempre caracterizaram o Estado brasileiro.
Quanto às competências concorrentes a Constituição Estadual tem espaço
para complementar as normas gerais elencadas pela Carta Magna, com
possibilidade para atender suas peculiaridades, desde que não lesione o espírito
contido na Lex Mater. Entretanto, já destacamos que há uma acomodação do
legislador estadual no exercício dessa competência.
409
MORAES, Alexandre de. Federação Brasileira — Necessidade de Fortalecimento das Competências dos Estados-Membros. Revista de Direito Administrativo. Maio/Agosto 2009. p. 22.
410 Art. 6º - A competência federal para legislar sobre as matérias do art. 5º, nº XV,
letras b , e , d , f , h , j , l , o e r , não exclui a legislação estadual supletiva ou complementar.
177
Raul Machado Horta411 ressalta a necessidade do Direito Estadual
complementar a norma federal com base em características regionais:
"(...) a legislação federal é reveladora das linhas essenciais, enquanto a
legislação local buscará preencher o claro que lhe ficou, afeiçoando a
matéria revelada na legislação de normas gerais às peculiaridades e às
exigências estaduais. A Lei Fundamental ou de princípios servirá de molde
à legislação local."
Entretanto, Alexandre de Moraes412 expõe esse aspecto do sistema federativo
com muita propriedade ao destacar o ímpeto da União na produção do Direito
nacional aliada à passividade do legislador estadual no exercício de sua
competência complementar:
“Ocorre, entretanto, que os Estados-membros são extremamente tímidos na
edição da legislação complementar, aceitando sem qualquer contestação a
legislação federal que - em matéria concorrente - acaba por disciplinar tanto
os princípios e regras gerais, quanto às normas específicas.”
A Constituição de 1988 possui mecanismos que poderiam ser usados para
melhorar as relações federativas. Entretanto, tais ferramentas são na prática bem
difíceis de ser executadas porque dependem da vontade da União para efetivá-las.
O ente central não deseja uma reforma em que ele próprio perca poderes.
Diante disto, a atuação do Poder Constituinte apresenta-se como o único meio de
reestruturação da Federação brasileira.
411
MACHADO HORTA, Raul. Op. Cit., p. 366.
412 MORAES, Alexandre. Federação Brasileira — Necessidade de Fortalecimento das Competências
dos Estados-Membros. 2009.Op. Cit., p.23.
178
8.4. O inadequado aproveitamento do Direito Constitucional Estadual
É indiscutível que a limitação das competências legislativas estaduais
esvaziou a existência da Constituição Estadual. A Carta Magna reservou apertado
espaço à atuação legislativa dos Estados-membros, o que não quer dizer que não
haja espaço, ele existe e poderia ser aproveitado de modo mais adequado.
O Poder Decorrente e o legislador estadual poderiam fazer melhor uso das
escassas oportunidades disponibilizadas pela Carta Magna a fim de fazer da
Constituição Estadual uma peça bem mais útil aos desígnios regionais. Na grande
maioria dos Estados-membros o que caracteriza a Carta Estadual é a mera
reprodução a partir da Carta Mãe.413
Diante disto, é possível compreender mais facilmente a razão pela qual
raramente o Direito Federal invade a seara legislativa pertencente aos demais entes
federados, e entender o motivo pelo qual o Direito Estadual ordinariamente usurpa
as competências legislativas pertencentes à União.
É certo que a concentração de competências pelo ente central poderá
desestimular a existência de movimentos separatistas em virtude da diminuição do
poder de decisão dos Estados. Entretanto, a centralização também poderá trazer
efeitos colaterais extremamente nocivos quando atinge a dignidade federativa dos
Estados-membros pelo enfraquecimento de sua autonomia.
Assim, é certo que as competências legislativas disponibilizadas aos Estados
pela Constituição de 1988 são escassas. Entretanto igualmente grave é o fato dos
Estados subaproveitarem esse potencial.
A construção da Constituição Estadual mostrou-se algo bem mais complexo
do que parecia ser, em virtude da imprecisão do seu espaço de atuação em face dos
limites impostos pela Lei Maior. A obrigatoriedade de reprodução de dispositivos
fundamentais levou o Poder Decorrente a cometer o erro da repetição desnecessária
de outros tantos dispositivos inúteis aos propósitos regionais.
Tal quadro advém da centralização exacerbada que afronta as noções
elementares de Federalismo advindas dos EUA, pelas quais a União deveria exercer
413
SILVA, José Afonso. O Estado-membro na Constituição Federal. RDP, p. 16/15.
179
poderes definidos em pequeno número, cabendo aos Estados-membros o exercício
de um maior número de competências. 414
É óbvio que apenas a repartição do poder não se mostra suficiente para o
estabelecimento do Estado federal. A isto se deve somar a existência de
coletividades parciais articuladas com o ente central, dotadas todas elas de
autonomia com representatividade no plano nacional, além de outras várias
características fundamentais já aqui destacadas.
Neste contexto mostra-se fundamental o reconhecimento e valorização da
esfera estadual enquanto fator de desenvolvimento com base numa atuação focada
nos interesses regionais.
Virgílio Cardoso de Oliveira415 em referência ao artigo 6º da Constituição de
1891 destacava que em hipótese alguma a União poderia intrometer-se em negócios
estaduais. Assim, a relação entre a União e os Estados-membros não poderia
ocorrer como se estes fossem meros departamentos administrativos.
Nesta perspectiva, a intervenção da União em assuntos estaduais só poderia
ocorrer nas hipóteses elencadas na Lei Maior, não ficando assim tal decisão ao
sabor do ente central.
Vale lembrar que a Carta Mãe concede aos Estados capacidade de auto-
organização e de autogoverno, autonomia limitada por princípios os mais variados.
Acerca de tais limitações é que José Afonso da Silva416 destaca a necessidade de
serem interpretadas estritamente para que não lesionem a autonomia estadual,
estabelecida enquanto princípio fundamental do Ordenamento Jurídico pátrio.
Deste modo, o princípio federativo exige que se conceda aos Estados um
espaço adequado à promoção do seu desenvolvimento. No âmbito da Constituição
414
Na concepção de MADISON aqueles “poderes delegados ao Governo Federal pela Constituição são poucos e definidos. Os que ficarão em mãos dos Governos dos Estados são numerosos e indefinidos.” HAMILTON, MADISON e JAY. El federalista. Tradução de Gustavo Velasco, México, fundo de cultura econômica, 1943, p. 130.
415 OLIVEIRA, Virgílio Cardoso de. Poderes implicitos: A intervençao federal nos estados estudada a
luz da doutrina, da legislacao comparada e em face da Constituicao Brazileira. Pará, TYP, Imprensa Official, 1903, p.07, 09, 10.
416 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. Op. Cit., p. 519.
180
de 1988 a hermenêutica colhida no STF tem desfavorecido a atuação legislativa
estadual. 417
A crise federativa brasileira exige uma reação no plano constitucional e na
esfera legal. Ao Poder Constituinte Derivado cabe reformar a Carta Magna para que
a partir disto haja repercussão no plano normativo ordinário. A Constituição Estadual
precisa cumprir seu escopo.
A este respeito é preciso citar Pontes de Miranda:418
“Nada mais perigoso que fazer-se uma Constituição sem o propósito de
cumpri-la. Ou de só cumprir nos princípios de que se precisa, ou se entenda
devam ser cumpridos, o que é pior. No momento, sob a Constituição que,
bem ou mal, está feita, o que nos incumbe a nós, dirigentes, juízes e
intérpretes, é cumpri-la. Só assim saberemos a que serviu e a que não
serviu, nem serve. Se a nada serviu em alguns pontos, que se a emende, se
reveja. Se em algum ponto a nada serve, que se corte nesse pedaço inútil.
Se a algum bem público desserve, que de pronto se elimine. Mas, sem nada
cumprir, nada poderemos fazer que mereça crédito. Não a cumprir é
estrangulá-la ao nascer.”
8.5. Assembleia Legislativa e reforma federativa
A realidade social poderá ser alterada pela intervenção do Estado através do
Direito. Neste sentido, imputa-se à norma jurídica a nobre tarefa de instrumentalizar
o desenvolvimento regional.
O Direito Constitucional é especialmente relevante neste aspecto, pois os
princípios e normas que orientam o Ordenamento Jurídico têm sua base fincada na
Lei Maior. A seu turno, a Constituição Estadual, em seu campo de atuação,
representa também uma possibilidade de transformação social no plano regional.
417
“A jurisprudência selecionada a analisada do STF, apresentada basicamente em sede de controle abstrato, alocando o STF como o guardião da federação e árbitro do conflito federativo (ADIn 2.396-9/MS; ADIn 1.893 RJ; ADIn 3.098; ADIn 3.322 MC/DF; ADIn 2.656-9; ADIn 3.444/RS; ADIn 2.432/RN; ADIn 3.254/ES; ADIn 3.186/DF; ADIn 2.796/DF; ADIn 1.704/MT; ADIn 2.101/MS; ADIn 474/RJ; ADIn 3.135/PA; ADIn 2.796-4/DF; ADIn 2.847; ADIn 2.847/DF; ADIn 3.259/PA; ADIn 2.996/SC; ADIn 3.608) demonstra uma inclinação pelo afastamento da legislação estadual praticada em diversos estados, sob o argumento da pertença competencial à União.” In: BERCOVICI, Gilberto. O federalismo no Brasil e os limites da competência legislativa e administrativa: memórias da pesquisa. Rev. Jur., Brasília, v. 10, n. 90, Ed. Esp., p.01-18, abr./maio, 2008, p. 09.
418 PONTES DE MIRANDA. Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição de 1967 com a
Emenda nº. 1, de 1969", tomo I, 2ª ed., RT, 1970, p.15,16.
181
Temas relevantes estão sob a competência legislativa privativa da União. Leis
nacionais obsoletas, atualmente vigentes, afrontam o senso mediano de justiça. O
Código Penal, Código de Processo Penal e a CLT criados ainda durante o Estado
Novo, refletem o desacerto de se deixar apenas com a União a tarefa de buscar
soluções normativas para problemas sociais gravíssimos.
Deste modo, Leis nacionais caducas atravessaram o Século XX sob o olhar
omisso do Congresso Nacional. Algumas dessas normas (Código Comercial de 1850
e Código Civil de 1916) mesmo desatualizadas vigoraram por muito tempo, sem que
os Estados-membros nada pudessem fazer a respeito.
No entendimento de Paulo Luiz Neto Lobo419 o Federalismo não se constitui
apenas em instrumento de descentralização administrativa, pois sua construção
envolve uma função política pela qual se desenvolve, no âmbito das unidades
federativas, uma ampla participação popular. Neste sentido, é possível afirmar que
os excessos em torno da centralização de poderes pela União não favoreceriam o
princípio federativo.
“Durante a vigência da Constituição de 1969, inclusive pelo uso
desenfreado de decretos-leis, a União atingiu o clímax da centralização
política. O modelo dos poderes reservados revelou-se inócuo, sobretudo
nos períodos de autoritarismo, em nada favorecendo o federalismo
brasileiro.” 420
Mudanças estruturais demandam a atuação do Poder Constituinte, com
choques de interesses e desgastes de todas as ordens. A reestruturação federativa
implica necessariamente em diminuição dos poderes da União.
A respeito das dificuldades que se apresentam para reconhecimento das
peculiaridades regionais no bojo de um panorama político efetivamente federativo é
que Marcelo Figueiredo421 assim se manifesta:
“Lamentavelmente sempre oscilamos entre um centralismo federal e uma
pálida autonomia reconhecida aos Estados-membros. O Brasil sempre
praticou uma federação assimétrica. (...) Não há espaços verdadeiramente
autônomos no federalismo brasileiro dedicado aos Estados-membros.
419
NETO LOBO, Paulo Luiz. Op. Cit., pp. 02/ 94
420 Idem.
421 FIGUEIREDO, Marcelo. Op. Cit., 2008, p. 135.
182
Nossa cultura centralizadora permeia as instituições. Falta-nos a cultura
federalista reconhecendo as peculiaridades de cada Estado e Região do
País.”
Portanto, urge adaptar a Federação brasileira ao Século XXI diante dos
desafios advindos das relações econômicas internacionais e da necessidade de
inclusão dos Estados e Municípios como agentes de desenvolvimento regional.
No plano estadual há previsão para proposição de emendas à Constituição
Federal, todavia tal hipótese exige a ação conjunta de pelo menos catorze
Assembleias Legislativas de acordo com o artigo 60, III da Lex Mater.422
Teve início em 2011 uma mobilização significativa de alguns Estados-
membros capitaneados pela União Nacional das Assembleias Legislativas (UNALE)
no sentido de elaborar estratégias com vistas a estabelecer mudanças na relação
dos Estados com a União a fim de redefinir a Federação brasileira.
A agenda que motivou esta resistência chamou atenção para a discussão de
pontos fundamentais à reestruturação federal, temas que vão desde a partilha de
competências legislativas até a reforma tributária. 423
Assim, a União Nacional dos Legisladores e Legislativos Estaduais (UNALE)
424 elaborou uma proposta425 com vistas a alargar as competências legislativas
422
Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: (...) III - de mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros. (...)
423 A CF/88 esforçou-se por repartir adequadamente as receitas tributárias, todavia não pode evitar
uma série de problemas que se manifestaram com o correr do tempo, como aquele concernente ao repasse de alguns tributos federais e a influência destes recursos nos fundos constitucionais e de participação dos Estados e Municípios (FPE e FPM). O fato é que os Estados-membros com fulcro na CF/88 têm direito a 21,5% do montante de 47% arrecadado pela União com a cobrança do IPI e IR. A isenção do IPI tem sido utilizada pelo governo federal para regular o preço de alguns produtos industrializados a fim de aquecer a economia. Essa medida tem gerado protestos, em virtude da perda de receita pela diminuição dos valores repassados pela União aos Estados e aos Municípios.
424 Em outubro de 2011 foi instituída pela UNALE, sob a presidência da deputada Aspásia Camargo (PV/RJ), a Comissão Especial de Estudos e Desenvolvimento da Campanha do Pacto Federativo. A Comissão é formada pelos seguintes deputados estaduais: Adjuto Afonso (AM), Álvaro Gomes (BA), Dr. Sarto (CE), Dr. Charles Roberto de Lima (DF), Marcelo Santos (ES), Hermínio Barreto (MT), Ana Cunha e Gabriel Guerreiro (PA), Sérgio Leite (PE), Caíto Quintana (PR), Aurelina Medeiros (RR), Alexandre Postal (RS), Elizeu Mattos (SC), Conceição Vieira (SE) e Itamar Borges (SP). (Revista UNALE, Ano XII, n. 57, junho de 2011, p.18).
425 Cf. Proposta de Emenda à Constituição n° 47 de 2012.
183
estaduais em áreas de interesse regional.426 Segundo a referida iniciativa alguns
temas deixariam de compor as competências privativas da União, tais como: trânsito
e transporte, propaganda comercial, licitação, Direito Agrário e Direito Processual,
além de outras matérias que afligem as relações federativas também mereceriam
especial atenção.427
O Senado Federal428instalou em 12/04/2012 uma comissão formada por
especialistas (tributaristas e cientistas políticos) para que no prazo de 60 dias
elaborasse diagnóstico sobre as relações tributárias e políticas entre União, Estados,
DF e Municípios com vistas à proposição de um projeto reformador.429
426
“Começa a tramitar na Câmara dos Deputados a Proposta de Emenda à Constituição, N° 47 de 2012. As Assembleias Legislativas das unidades da Federação foram responsáveis pela proposta, que visa, a ampliação legislativa das prerrogativas estaduais. O projeto de N°47 altera os arts. 22, 24, 61 e 220 da Constituição Federal, para retirar da competência legislativa da União (no art. 22) as normas sobre direito processual e agrário, bem como sobre licitações e contratos, propaganda comercial e trânsito e transporte, que passam a ser de competência concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal (art. 24). Acrescenta como matéria de competência concorrente (no inciso XII do art. 24) a assistência social. Altera redação dos §§ 2º e 3º do art. 24, para definir que as normas gerais sobre as matérias de competência concorrente, a ser editadas pela União, restringem-se a princípios, diretrizes e institutos jurídicos e que aos Estados e ao Distrito Federal compete suplementar as normas gerais no que for de predominante interesse regional, renumerando os atuais §§ 3º e 4º, que passam a ser 4º e 5º. Retira do texto constitucional a referência a diretrizes e bases da educação nacional (art. 22, XXIV) como competência privativa da União. Inclui novo parágrafo (que passa a ser o 2º, renumerando o atual 2º como 3º) no art. 61, para permitir à maioria dos membros das Casas do Congresso Nacional apresentar projeto de lei que verse sobre matéria de iniciativa privativa do Presidente da República, exceto quanto a organização interna do Poder Executivo e matéria orçamentária.” UNALE, notícias, 19/09/2012. Fonte: http://www.unale.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=1494:proposta-em-votacao-visa-ampliar-as-competencias-legislativas-estaduais&catid=23:noticia-2&Itemid=22
427 Dentre as referidas matérias constam: a) defesa da ampliação das prerrogativas legislativas dos
Estados frente à excessiva concentração de poder pela União; b) criação de um piso nacional do magistério com suplementação dos valores pela União quando o custo da aplicação da lei não puder ser arcado pelos Estados e Municípios; c) renegociação das dívidas estaduais junto à União com revisão dos valores em níveis compatíveis com a capacidade econômico-financeira dos Estados; d) repartição adequada das receitas tributárias, etc.
428 O senador Pedro Taques propôs a criação do grupo especial de trabalho, o parlamentar
argumentou que "debates contemporâneos acerca da temática têm ensejado novas discussões sobre a distribuição de recursos naturais da nação, como o problema dos royalties, e a exigência de nova legislação para o FPE e o FPM com vistas a adequar os pilares do federalismo às demandas de um país em desenvolvimento". Fonte: Jornal do Senado de 19/03/2012 – Economia.
429 “Segundo Sarney, as relações entre os entes federados encontram-se esgarçadas, o que
evidencia a necessidade de uma avaliação profunda da situação. O presidente se disse preocupado com a desigualdade entre as regiões do país e lembrou que um dos princípios da Constituição federal é a redução dessas disparidades. Enquanto tivermos regiões condenadas à pobreza e à dependência, estarão esgarçadas as relações federativas. O princípio de dar mais aos que menos têm é que fará com que o país mantenha o equilíbrio federativo — disse Sarney. A comissão de notáveis é presidida por Nelson Jobim, ex-ministro do Supremo Tribunal Federal. Ele afirmou que, historicamente, o país privilegiou os estados do Sul e do Sudeste em detrimento dos estados das demais regiões: O desenvolvimento do país não pode ser o desenvolvimento de uma região em detrimento das demais. Jobim afirmou que a comissão terá como desafio apontar caminhos para que
184
Vale destacar que a questão aqui não é somente apontar o problema,
consiste principalmente em reunir forças para efetivar propostas com vistas à
atuação do Poder Constituinte, quando se sabe muito bem que os interesses da
União serão contrariados.
Por isso mesmo não cremos que o processo de emenda constitucional
apresente-se como a via mais adequada à reestruturação federativa. Mais à frente
manifestaremos mais detidamente nossa posição sobre esta questão.
Ressalte-se que o Senado é mesmo o local mais apropriado para a
manifestação das insatisfações dos Estados-membros no que tange aos rumos
tomados pela Federação brasileira, principalmente nos aspectos de ordem tributária,
política e financeira.
Questões atinentes ao indexador das dívidas estaduais, à distribuição dos
recursos do FPE, ao ICMS, à partilha dos royalties do petróleo e aos
precatórios,430dentre outros, têm motivado tensões federativas. Alguns destes
o Senado construa mecanismos que garantam o equilíbrio federativo. Entre os temas que a comissão vai discutir, estão mecanismos para evitar a guerra fiscal entre os estados e a criação de novas regras de distribuição dos recursos dos fundos de Participação dos Estados (FPE) e dos Municípios (FPM). O grupo também deverá apresentar soluções para tornar mais eficiente o sistema tributário e discutir formas para reduzir as dívidas dos estados com a União. Ao final dos trabalhos, será apresentado um relatório, que poderá conter anteprojetos de lei. Além de Nelson Jobim, integram a comissão Bernard Appy, João Paulo dos Reis Velloso, Everardo Maciel, Ives Gandra Martins, Adib Jatene, Luís Roberto Barroso, Michal Gartenkraut, Paulo de Barros Carvalho, Bolívar Lamounier, Fernando Rezende, Sérgio Prado, Marco Aurélio Marrafon e Manoel Felipe Rêgo Brandão.” Fonte: Jornal do Senado de 13/04/2012 – Economia.
430 Estados e municípios brasileiros acumularam, até o primeiro semestre de 2012, R$ 94,3 bilhões
em dívidas decorrentes de sentença judicial, conhecidas como precatórios, de acordo com levantamento feito pela Corregedoria Nacional de Justiça, órgão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), junto aos tribunais de todo o País. Desse montante, R$ 87,5 bilhões se referem a precatórios devidos por estados e municípios em processos que tramitam na Justiça Estadual. Outros R$ 6,7 bilhões se referem a dívidas em processos que tramitam na Justiça trabalhista. No levantamento anterior, com dados de 2009, a dívida totalizava R$ 84 bilhões. O valor corresponde à dívida histórica, ou seja, não atualizada, já que o reajuste dos valores é feito no ato do pagamento. Na Justiça comum as administrações estaduais concentram a maior parte da dívida – R$ 48,1 bilhões, o correspondente a 55% do total devido. As prefeituras devem R$ 32,5 bilhões (37% do total), e as autarquias e órgãos da administração indireta devem R$ 6,8 bilhões (8%). Os estados e municípios do Sudeste concentram 70% da dívida em precatórios da Justiça Estadual (R$ 60,8 bilhões). Em segundo lugar está a região Sul, com 16% (14,1 bilhões), seguida pelo Nordeste, com 7%. Norte e Centro-Oeste são responsáveis por 3% e 4% da dívida, respectivamente. O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo é o responsável pela administração do maior montante das dívidas a serem ainda pagas por estados e municípios: R$ 51,8 bilhões, sendo R$ 24,4 bilhões da administração estadual, R$ 26,9 bilhões dos municípios e R$ 475 milhões das autarquias. Os estados do Rio Grande do Sul, Paraná e Rio de Janeiro e seus municípios devem entre R$ 5 bilhões e R$ 6 bilhões, cada um. A dívida está distribuída em 127.208 processos nos tribunais estaduais. Embora a dívida dos estados seja maior, os municípios lideram em volume de processos: 44% das ações. Os estados são responsáveis por 33% do volume. Na Justiça trabalhista há 53.443 ações relacionadas a precatórios. PIB – As dívidas
185
problemas tiveram sua origem no trato da União com os Estados, mas outras
questões surgiram a partir das relações horizontais entre os próprios Estados-
membros.431
Além da questão política, a crise estadual é financeira e de gestão. A reforma
federativa deverá assegurar uma maior participação dos entes federados no bolo
tributário. Por outro lado, a legislação administrativa e o Direito Penal devem ser
aperfeiçoados com o intuito de coibir práticas lesivas ao Erário.
em precatórios variam, de acordo com o estudo da Corregedoria Nacional de Justiça, de 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) a 7,5% do PIB do estado correspondente. O menor percentual de comprometimento, de 0,5% do PIB, foi registrado no Mato Grosso. Já o mais alto, de 7,5%, é o de Rondônia. Apenas cinco estados devem mais de 3% do PIB – Paraná, Sergipe, Piauí, São Paulo e Tocantins. A dívida de São Paulo (estado e municípios) corresponde a 4,79% do PIB do estado. Além dos 26 estados e Distrito Federal, 2.995 municípios brasileiros têm dívida em precatórios. Evolução da dívida – A estruturação do setor de precatórios, com apoio da Corregedoria Nacional de Justiça, foi concluída nos tribunais dos estados de Alagoas, Amazonas, Ceará, Mato Grosso, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte e Tocantins. Na Bahia e em São Paulo, o programa foi iniciado. Em Alagoas, mesmo com a organização do serviço e a retomada dos pagamentos com base nos critérios constitucionais, a dívida estadual registrou pequeno crescimento, de R$ 334 milhões para R$ 335 milhões, de 2011 para 2012. O mesmo aconteceu com a dívida dos municípios (de R$ 21,2 milhões para 21,8 milhões). Em compensação, as dívidas preferenciais e de alimentos caíram de R$ 307 milhões para R$ 274 milhões e de R$ 228 milhões para R$ 61 milhões, respectivamente. Outra conseqüência da estruturação foi o aumento dos valores repassados pelos devedores ao Tribunal para pagamento de precatórios: o repasse feito pelo estado de Alagoas saltou de R$ 69 milhões, em 2011, para R$ 109 milhões no primeiro semestre deste ano. Os repasses dos municípios subiram de R$ 2,3 milhões para R$ 2,9 milhões. Já o Amazonas reduziu as dívidas de alimentos, mas aumentou a de créditos preferenciais. No primeiro semestre, os repasses feitos pelos municípios amazonenses superaram os do ano passado. Entretanto, o valor repassado pelo estado ainda está abaixo do valor de 2011. No Ceará, a dívida apresentou pequeno aumento de 2011 para 2012, e os repasses ainda estão abaixo dos do ano passado. Já no Mato Grosso, houve redução nas dívidas do estado e dos municípios, mas a dívida de autarquias e administração indireta saltou de R$ 905 mil para R$ 6,7 milhões. No Paraná, a dívida estadual aumentou de R$ 5,6 bilhões para R$ 5,7 bilhões, e a municipal, de R$ 269 milhões para R$ 383 milhões. Matéria publicada na página do Conselho Nacional de Justiça em 30/12/2012 intitulada: “Dívida de estados e municípios com precatórios chega a R$ 94 bi”, por: Gilson Euzébio e Mariana Braga Fonte: Agência CNJ de Notícias.
431 O Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitucional o atual modelo de distribuição de
recursos do Fundo de Participação dos Estados (FPE) e deu prazo até 31 de dezembro de 2012 para que o Congresso Nacional aprovasse uma nova lei, caso contrário, o FPE seria extinto. Segundo o STF, até a aprovação da nova lei, o governo federal poderia utilizar os mesmos percentuais que definiam o repasse de recursos para os Estados. A decisão foi tomada no julgamento de quatro ações de inconstitucionalidade movidas pelos governos do Rio Grande do Sul, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Paraná e Santa Catarina. Apenas o ministro Marco Aurélio Mello votou contra a inconstitucionalidade da lei. Segundo o presidente do STF, Gilmar Mendes, relator das ações, a lei que rege o Fundo de Participação dos Estados, datada de 1989, não estabelece os critérios de distribuição dos recursos, o que deveria ter sido feito dois anos depois que entrou em vigor. “É uma fotografia congelada”, disse o ministro. O FPE é composto por recursos arrecadados com o Imposto de Renda, Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e Contribuição de Intervenção sobre Domínio Econômico (Cide), sendo que 85% do FPE são destinados aos Estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste, enquanto o restante é repassado para o Sul e Sudeste. Em 2009, os Estados receberam R$ 36,2 bilhões. Fonte: Agência Brasil reportagem de Lísia Gusmão em 24/02/2010. www.stf.jus.br.
186
A União tem aumentado suas receitas, pela criação de novos tributos
(contribuições) desvinculados de qualquer compartilhamento com relação aos
demais entes federativos. Em contrapartida os Estados não têm aumentado sua
receita tributária na mesma proporção do crescimento da arrecadação da União.
Além do que o endividamento estadual face à União aumentou,432 o que inviabiliza
sua capacidade de investimento.
Deste modo, é pertinente a iniciativa das Assembleias Legislativas, através da
UNALE, a fim de chamar a atenção do País para a necessidade de readequação do
terreno federativo, tornando-o mais democrático pela participação mais ativa dos
Estados-membros na defesa dos interesses regionais.
432
Para a senadora Ana Amélia (PP-RS) a União centraliza tributos, impondo dificuldades a governadores e prefeitos, gerando uma permanente dependência de Estados e Municípios em relação à União, fragilizando o pacto federativo. Destaca ainda que o aumento da dívida dos entes federados se deve à política de juros do governo federal e à adoção do Índice Geral de Preços Distribuição Interna (IGP-DI) para corrigir esses débitos. Existe, para a nobre parlamentar, a clara necessidade de revisão do indexador das dívidas, não pela Selic, como propõe o governo porque seria um péssimo negócio para Estados e Municípios. Fonte: Jornal do Senado de 24/04/2012.
187
CAPÍTULO 9
A REESTRUTURAÇÃO FEDERATIVA
9.1. A cooperação federativa; 9.2. A redefinição de competências legislativas;
9.3. A transformação de algumas competências exclusivas em comuns; 9.4.
Federalização ou execução compartilhada de competências?; 9.5. Consulta
popular e processo de elaboração constitucional; 9.6. Reestruturação
federativa: ato constitucional originário ou derivado?
9.1. A cooperação federativa
A doutrina tem se importado cada vez mais com os aspectos utilitários do
Federalismo. No Estado Federal os entes parciais formam um único sistema em
conjunto com a União, pelo qual se visa estabelecer uma relação coordenada em
que todos possuam suas atribuições específicas, dentro do seu campo de ação e
com isto cooperem para o bem comum.
Assim os interesses regionais e locais acabam por integrar-se na formação do
interesse nacional, constituído não apenas a partir dos ditames do governo central,
mas também a partir dos interesses de todos os entes federativos que se reúnem
também em torno de objetivos comuns, influenciando-se mutuamente.
É fato que inexiste qualquer hierarquia na disposição dos componentes
federativos, haja vista que o escalonamento do poder hierárquico é uma
característica do poder administrativo e não do poder político.
Neste sentido é que no Estado federal não cabe à União estabelecer-se como
origem do poder estatal impondo seu jugo sobre os demais entes. Antes, caberá à
Lei Maior dispor sobre a distribuição das competências legislativas e materiais, sem
que nada impeça que haja distinção nessa repartição em favor deste ou daquele
ente. Entretanto, esta opção poderá gerar desequilíbrios a ponto de descaracterizar
a essência federativa, a depender do grau da distinção conferida pelo Poder
Originário a um determinado ente federado.
188
A cooperação pressupõe ajuda mútua para realização de atribuições
materiais, sendo que a organização administrativa dos entes envolvidos nesse
processo tende a variar bastante, o que poderá gerar atritos.
Vale destacar que raramente a cooperação decorre de iniciativa própria dos
entes federativos, sendo que nesta seara os exemplos bem sucedidos decorrem de
imposição da Lei Maior.
É natural que os entes se movam a partir de seus interesses. Neste cenário, o
consenso federativo passa pela composição de questões divergentes. Deste modo,
a cooperação federativa manifesta-se também pela disposição de competências
concorrentes expressas no texto constitucional.
A competência comum de natureza material manifesta-se pela possibilidade
de atuação conjunta das coletividades, e isso implica em interação num mesmo
território. Nesse caso, a conjunção de esforços através de planejamento opera em
prol da qualidade do serviço público.
Tal dinâmica deveria resultar em economia de recursos públicos, pois
racionaliza a prestação de serviços de atribuição solidária. Entretanto, isso nem
sempre acontece, haja vista que não basta que a Lei Maior discipline a repartição de
competências administrativas, sendo necessário também que aqueles entes com
maior experiência ajudem aqueles outros com dificuldades de gestão. Este é um
aspecto fundamental da cooperação federativa.
Com efeito, é sabido que as melhores escolas, universidades e hospitais
públicos encontram-se no plano federal. Estados e Municípios têm dificuldades na
prestação de serviços de saúde e educação. Em tais áreas, a gestão conjunta de
serviços públicos estaduais e municipais através de parcerias com a União, ajudaria
a diminuir as disparidades observadas quanto à qualidade de serviços públicos
essenciais. Este tipo de cooperação se efetivaria através de convênios a partir da
articulação política dos entes envolvidos.
Aliás, a Constituição Federal determina que a União e os Estados-membros
estabeleçam cooperação de natureza técnica e financeira com os Municípios para
189
que sejam mantidos programas de educação infantil e de ensino fundamental. Tal
atribuição decorreu da Emenda Constitucional nº 53/2006. 433
A Lei Maior dispõe que a União e os Estados devem estabelecer cooperação
técnica e financeira com os Municípios para prestação de serviços de atendimento à
saúde da população. 434
A Lei nº 11.473/2007 dispõe que a União poderá firmar convênio com Estados
e Distrito Federal com vistas à execução de serviços e atividades fundamentais à
preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio. Na
prática esta norma possibilitou a criação da Força Nacional de Segurança Pública
em consagração à solidariedade federativa pela qual a União coordena atividades
em conjunto com o ente federado com o qual foi firmado o acordo.
Com efeito, o sistema federativo tem se mostrado travado e pouco
operacional no campo da cooperação entre os entes, onde os bons exemplos
constituem-se em exceção.
9.2. A redefinição de competências legislativas
As competências constitucionais precisam ser reordenadas a fim de
possibilitar maior descentralização política. Os princípios da prevalência do interesse
e da subsidiariedade apresentam-se como instrumentos pelo quais se poderá operar
a reengenharia de competências constitucionais. Neste sentido é o magistério de
Raul Machado Horta: 435
“Na Constituição, como norma fundamental do Direito Estatal, o poder
constituinte introduzirá o princípio da subsidiariedade no campo da
repartição de competências. A introdução do princípio da subsidiariedade no
ordenamento jurídico plural do Estado Federal, formulada na exposição
anterior, permitirá a esquematização, pelo poder constituinte, de nova
repartição de competências para, incorporando a experiência histórica da
técnica de repartição, redimensionar os poderes da União, dos Estados-
membros e dos Municípios na Federação brasileira. Será a oportunidade
para, no século atual, estabelecer a reformulação entre a legislação da
433
Cf. art. 30, VI da CF/88.
434 Cf. art. 30, VII da Constituição de 1988.
435 HORTA, Raul Machado. Federalismo e o princípio da subsidiariedade. As vertentes do direito
constitucional contemporâneo: estudos em homenagem a Manoel Gonçalves F. Filho. Rio de Janeiro: América jurídica, 2002, p. 461/472.
190
União, dos Estados-membros e a dos Municípios, submetendo a repartição
a maior grau de descentralização, mediante o deslocamento de
competências, a criação de competências novas, a intensificação da
participação de ordenamentos parciais nas decisões do ordenamento
central, atendendo a regras decorrentes da aplicação do princípio da
subsidiariedade no ordenamento global da Federação, conforme decisão do
poder constituinte federal, que se propagaria pela atividade posterior do
poder constituinte autônomo e da legislação dos ordenamentos parciais do
Estado e do Município. Estas reflexões contemplam o caso da introdução
inaugural do princípio da subsidiariedade na Constituição Federal.
Independentemente de norma comunitária anterior, esse procedimento
atenderia a uma exigência formal de introdução do princípio da
subsidiariedade em Constituição que não o incluía entre os princípios
constitucionais nela adotados. Dispõe, entretanto, de preexistência no
Direito Constitucional federal brasileiro técnica de repartição de
competências, dotada de correspondência com o princípio da
subsidiariedade, não obstante a terminologia diferenciada. A
subsidiariedade incorpora na palavra a idéia de auxílio, de reforço, de
subsidiário, de subsídio, de compensação, de supletividade.”
A União, apesar de sua vasta gama de competências legislativas, por vezes
penetra no terreno atribuições estaduais. Entretanto, a União é o ente que mais tem
suas competências inadequadamente apropriadas pelos demais entes federados.
Como já mencionado, o STF já declarou a inconstitucionalidade de normas
estaduais sobre trânsito e transporte436, propaganda comercial437e processo438.
A situação é tão interessante que os Estados ao legislarem sobre matéria que
também lhes interessa poderão usurpar a competência legislativa da União em
virtude da Lei Maior não ter atribuído em tais temas o exercício de competência
concorrente. 439
436
Cf. ADI 874, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 3-2-2011, Plenário, DJE de 28-2-2011.
437 Cf. ADI 2.815-SC, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 8.10.2003.
438 Cf. AI-AgR.n.253.518-9-SC, 2ª Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, D.J. 18.08.2000.
439 Em matéria de Direito Agrário, por exemplo, os Estados têm sido submetidos a normas obsoletas
e pouco sensíveis aos avanços no meio rural. Assim não há justificativa, sob a ótica federativa, para atribuir apenas à União a prerrogativa para legislar sobre o tema. Entendemos que a disposição contida no artigo 48, IV da CF/88- referente aos planos e programas nacionais, regionais e setoriais de desenvolvimento – poderia contemplar a atuação normativa estadual diante da relevância desse assunto para o desenvolvimento regional.
191
Cabe ao Judiciário evitar o desvio de finalidade na atuação legislativa.
Entretanto, como já destacado, a solução para o problema passa pelo reequilíbrio na
distribuição das competências entre os entes federados. 440
O exercício ilegal de competência praticado por Estados e pela União
configura-se em anomalia que precisa ser combatida pela delimitação mais clara do
espaço legislativo pertencente a cada unidade federada e pelo compartilhamento de
competências de interesse legislativo recíproco. Esta questão se resolve com estribo
nas próprias regras constitucionais pela via do processo de emenda constitucional
ou pela criação de uma nova Constituição Federal.
Uma Constituição material e sintética certamente se amoldaria melhor aos
interesses estaduais, porque propiciaria uma considerável diminuição na reprodução
desnecessária de dispositivos da Lex Mater no âmbito das Constituições Estaduais,
o que obrigaria o Poder Decorrente a compor adequadamente a Carta Estadual.
A manutenção do enfraquecimento da autonomia estadual poderá fomentar
instabilidade política. Os entes federados têm direito ao estabelecimento de sua
dignidade federativa. Estados-membros, verdadeiramente, autônomos não devem
representar ameaça à união, e para o caso disto ocorrer tem-se que a intervenção
federal funcionaria como um recurso de estabilização constitucional.
É sabido que não há hierarquia entre autonomias. Entretanto, a autonomia
deixa-se influenciar pelo modelo de distribuição das competências normativas. Neste
passo, no âmbito da Constituição de 1988, a autonomia da União distingue-se
daquela concedida aos demais entes federados, justamente pela dimensão das suas
competências legislativas.
Ora, o compartilhamento de algumas competências legislativas privativas da
União com os Estados não alteraria o papel do ente central no cenário federativo,
mas surtiria grande efeito com vistas ao fortalecimento da Federação pátria.
No exercício de competências concorrentes a União, o Distrito Federal e os
Estados atuam juntos, diferentemente do que ocorre com as competências privativas
da União em que apenas se admite delegação a partir de manifestação de vontade
política do ente central.
440
“A teoria do desvio de poder, quando aplicada ao plano das atividades legislativas, permite que se contenham eventuais excessos decorrentes do exercício imoderado e arbitrário da competência institucional outorgada ao Poder Público, pois o Estado não pode, no desempenho de suas atribuições, dar causa à instauração de situações normativas que comprometam e afetem os fins que regem a prática da função de legislar.” ADI 2.667/DF.
192
No âmbito da competência concorrente a ausência de norma geral, a cargo
da União, possibilita a atuação supletiva dos Estados na criação de normas de
acordo com suas peculiaridades, com aplicação restrita ao seu território. Neste caso
a superveniência de Lei federal sobre normas gerais emitidas pelos Estados, fará
suspender a eficácia da norma geral estadual emitida para suprir a inércia da União.
Deste modo, com o incremento das competências concorrentes ter-se-ia uma
oportunidade para os Estados atuarem na especificação de matérias de interesse
estadual. É certo que na atualidade, a hipótese do art. 24, § 1º a 3º da Carta
Magna441 poderia funcionar em prol de maior atuação normativa dos Estados em
matérias de seu interesse, o que cooperaria para o fortalecimento da Federação.
Todavia, na esfera estadual este é um recurso ainda mal utilizado.
Na Constituição Cidadã a disposição de competências remanescentes não
tem se mostrado suficiente para alimentar a autonomia estadual. Estados-membros
enfraquecidos, privados do exercício de competências legislativas importantes, são
obrigados a buscar seu espaço e, não raro, isso tem deflagrado disputas ferrenhas.
Por outro lado, os dispositivos constitucionais de cooperação tem sido insuficientes
para promover a harmonia federativa. O resultado deste processo é o
enfraquecimento da Federação brasileira.
Com efeito, a reação dos Estados-membros a este modelo inadequado de
repartição de competências deverá se operar dentro das regras do jogo democrático
através da atuação do Poder Constituinte.
9.3. A transformação de algumas competências exclusivas em comuns
As competências administrativas não concedem aos entes federativos o
mesmo poder emanado do exercício das competências legislativas. Todavia, as
competências materiais devem ser bem ordenadas no plano constitucional, no intuito
de promover a articulação federativa em favor da boa prestação de serviços
públicos.
441
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: (...) § 1º - No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais. § 2º - A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados. § 3º - Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades. (...)
193
A União possui competência administrativa para elaborar e executar planos
nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e
social.442 É necessário vislumbrar a possibilidade de participação dos Estados e
Municípios neste processo, e especificamente no que se refere às questões
eminentemente regionais e locais. 443
A atuação da União no plano regional precisa priorizar o aporte de recursos
para financiar a infraestrutura e os setores produtivos, bem como se impõe sua
colaboração na prestação de assessoria técnica indispensável à execução de
políticas públicas de desenvolvimento regional.
Um traço comum no desenho federativo brasileiro é o de se atribuir à União a
competência material para planejamento, instituição de diretrizes e elaboração de
políticas públicas sobre temas que abarcam interesses regionais, sem que se
permita a participação dos Estados.
Citaremos alguns exemplos para ilustrar melhor esta questão.
O ente central possui competência exclusiva para “instituir diretrizes para o
desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes
urbanos”.444 Os demais entes federados, a partir dessas diretrizes advindas da
União, têm a competência comum para promover programas de construção de
moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico.445
Ora, se todos os entes têm competência comum para executar tais serviços,
mais apropriado seria permitir também que todos eles pudessem atuar
conjuntamente na produção de diretrizes nessa área. Assim, a competência
exclusiva da União para instituição de diretrizes sobre desenvolvimento urbano,
habitação, saneamento básico e transportes urbanos, melhor estaria disposta se
colocada no bojo das competências comuns.
442
Cf. artigo 21, IX da Constituição Federal de 1988.
443 “Um ponto de vista defendido igualmente por parlamentares das regiões mais ricas e das menos
desenvolvidas do país, embora permeado por distintos matizes. Para alguns, o papel da União em áreas como habitação, saneamento, transporte urbano e educação deve limitar-se ao apoio técnico e financeiro, cabendo aos outros níveis da federação a execução dos programas. Para outros, trata-se de buscar equilíbrio nas relações federativas, rompendo com a prevalência da União, redefinindo, pois, o pacto federativo.” LAVINAS e MAGINA, Op. Cit., p.09.
444 Cf. artigo 21, XX da Constituição Federal de 1988.
445 Cf. 23, IX da CF/88.
194
Compete ainda exclusivamente à União elaborar e executar planos nacionais
e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social, 446
sendo que os Estados-membros não têm participação na elaboração e execução
desta matéria que é de seu interesse, e que por isso poderia compor o rol das
competências comuns.
Outra possibilidade de readequação de competências materiais manifesta-se
quando a Constituição Federal atribui à União a possibilidade de criação de sistema
nacional de gerenciamento de recursos hídricos e a definição de critérios de outorga
de direito de uso de tais recursos.447 Note-se que aqui a competência não é
normativa, mas sim administrativa.
Portanto, nesta seara, a definição de critérios de outorga de uso é matéria
que poderia demandar entendimento comum entre os entes federados, haja vista
que a competência comum já se estende sobre temas correlatos ligados ao registro,
acompanhamento e fiscalização das concessões de direitos de pesquisa e
exploração de recursos hídricos. 448
Deste modo, melhor seria que tais competências exclusivas citadas
estivessem dispostas no âmbito das competências comuns a todos os entes
federativos, pela importância da matéria para Estados e Municípios, executores das
diretrizes, e como forma de estimular a atuação cooperativa na busca de um
Federalismo mais democrático.
9.4. Federalização ou execução compartilhada de competências?
O termo “federalização” é aqui empregado no sentido de designar a atuação
da União e não da Federação.
Há diferença entre federalização sob a ótica administrativa e sob o prisma
legislativo.
A federalização normativa significa o predomínio de competências legislativas
no âmbito do ente central.
A União tanto poderá produzir normas que terão validade apenas no âmbito
do ente central (Lei Federal), quanto criar também outras normas cuja validade se
446
Cf. art. 21, IX da Lei Maior.
447 Cf. art. 21, XIX da Carta Magna.
448 Cf. art. 23, XI da CF/88.
195
estenderá sobre todos os entes federativos (Lei Nacional). Assim para exemplificar,
a Lei nº 8.112/90 é uma norma federal válida apenas na esfera da União para reger
seus servidores públicos civis, enquanto que a Lei nº 10.406/2002 (Código Civil) é
uma Lei nacional aplicada no âmbito da União e dos demais entes.449
A Constituição Federal concedeu à União a prerrogativa de legislar sobre os
temas mais importantes, numa espécie de federalização normativa. Deste modo, no
Brasil a condução de temas relevantes é sempre feita pelo Congresso Nacional,
geralmente sem qualquer participação direta dos Estados-membros.
Ora, é legítimo que a União tenha competência para legislar sobre matérias
que apenas lhe dizem respeito. Entretanto, não é razoável que apenas o ente central
possa legislar sobre temas nacionais que interessam a todos os demais entes
federados. Essa lógica é pouco democrática e desfavorece o princípio federativo.
A atuação da União, em temas privativos do art. 22 da Carta Magna, inibiu a
busca por soluções normativas regionais e locais para os problemas que afligem a
sociedade. A federalização legislativa padroniza soluções em detrimento de
proposições específicas oriundas de cada Estado-membro a partir de sua vivência.
Diante disto, atribui-se privativamente à União a responsabilidade pelo êxito
ou pelo fracasso normativo em matérias de alta relevância que atingem toda a
população brasileira. Neste caso, os Estados pouco podem fazer para a resolução
de questões que estão constitucionalmente atreladas ao ente central.
O combate à criminalidade, por exemplo, além de ser uma questão de
segurança pública, também sofre influência da normatização atinente ao Direito
Penal e Processual Penal, temas nos quais a Lei Maior não concede aos Estados
espaço para que atuem concorrentemente a partir de sua realidade social. Em
virtude disto é que os Estados extrapolam também, em tais matérias, a sua
competência legislativa. 450
449
"Já no que respeita ao âmbito material de validade, a lei nacional e a federal se apartam, na exata medida em que a matéria regulada pela primeira (e que lhe é expressamente cometida pela Lei Suprema) alcança não só a União (o que acontece com a lei federal), como as demais pessoas políticas. Impende remarcar, projeta-se até os Estados e Municípios, paralisando a eficácia das normas advindas destas pessoas, que com ela se sobreponham" CARRAZA, Roque Antônio. O Regulamento no direito tributário. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1981, pp. 77/78.
450"Competência da União para legislar sobre direito penal e material bélico. Lei 1.317/2004 do Estado
de Rondônia. Lei estadual que autoriza a utilização, pelas polícias civil e militar, de armas de fogo apreendidas. A competência exclusiva da União para legislar sobre material bélico, complementada pela competência para autorizar e fiscalizar a produção de material bélico, abrange a disciplina sobre a destinação de armas apreendidas e em situação irregular." (ADI 3.258, Rel. Min. Joaquim Barbosa,
196
No Brasil a norma penal e a de processo penal assumem aspecto genérico
sem atentar para a realidade de cada Estado. No âmbito da segurança pública
consta como concorrente a competência legislativa sobre organização, garantias,
direitos e deveres das polícias civis. 451
Desta forma, é preciso permitir que Estados-membros atuem na busca de
modelos próprios para solução do problema da criminalidade. Além do que, na
medida do possível, em tais áreas a competência concorrente viria para possibilitar a
colaboração estadual no combate à violência e a impunidade.
A federalização administrativa implica em cooperação entre os entes,
mediante ato administrativo ou legislativo452, a fim de melhorar a prestação de
serviços públicos.453 A federalização cooperativa não viola a autonomia estadual,
pelo contrário, fortalece os laços federativos, como ocorreu quando da criação da
Força Nacional de Segurança. 454
No exercício das competências materiais, é necessário que se pugne por
maior eficiência e economicidade. Os Estados e Municípios apresentam graves
problemas de gestão. Em serviços prestados em comum, a União tem se
julgamento em 6-4-2005, Plenário, DJ de 9-9-2005.) No mesmo sentido: ADI 3.193, rel. min. Marco Aurélio, julgamento em 9-5-2013, Plenário, DJE de 6-8-2013.
451 Cf. art. 24, XVI da Lex Mater.
452 Em virtude do art. 23, parágrafo único da CF/88 a União produziu a Lei Complementar nº 140/2011
para proteção cooperativa do meio ambiente no âmbito de todos os entes federativos.
453 O Senador Cristovam Buarque (PDT/DF) tem proposto a federalização da educação básica, não
no intuito de retirar competências dos Estados e Municípios para concentrá-las no âmbito da União, mas no sentido de compartilhá-las com a União na esperança de se conseguir resultados semelhantes àqueles obtidos pelas poucas e excelentes escolas federais que cuidam de ensino básico no Brasil. A experiência de gestão escolar da União nessa área poderia ser partilhada com os Estados e Municípios, fazendo-se acompanhar também por repasses financeiros. Vide a PEC nº 32/2013.
454 “O federalismo brasileiro é cooperativo. Os entes da federação devem cooperar entre si para a
realização das finalidades públicas: compartilham a “obrigação ao entendimento”. A União tem o dever de cooperar com os estados para auxiliá-los no alcance de suas metas também no campo da segurança pública. Para isso, é adequada a criação da Força Nacional de Segurança, a ser empregada no auxílio aos governos estaduais, quando estes requisitarem, para a realização de policiamento ostensivo, em conjunto com a polícia estadual. A interpretação do art. 144 da Constituição Federal como taxativo, que predomina no STF, não contribui para a conformação desse tipo de arranjo cooperativo, e deve, pelo menos no tocante a este ponto, ser superada. Corrigidos os vícios formais que caracterizaram seu ato de criação, com a edição da Lei nº 11.473/2007, a Força Nacional de Segurança pode representar uma importante inovação institucional cooperativa, que possui o mérito de reduzir a pressão autoritária pela mobilização inconstitucional das Forças Armadas.” SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. A segurança pública na Constituição Federal de 1988: conceituação constitucionalmente adequada, competências federativas e órgãos de execução das políticas. Revista de Direito do Estado, v.8, 2007, p.67.
197
sobressaído como a melhor gestora. A excelência alcançada pelo ente central, em
serviços de educação e saúde, precisa repercutir na esfera estadual e municipal.
Aliás, por solicitação do Governador as Forças Armadas poderão atuar para
manter a ordem pública na execução extraordinária de operações de segurança
quando os meios disponíveis na esfera estadual se mostrarem insuficientes para
manutenção da ordem. Neste caso, as Forças Armadas têm competência subsidiária
para realizar ações de policiamento preventivo e repressivo.455 Esta atuação também
poderá se manifestar no plano federal por solicitação do Presidente da República.
Neste caso, a atuação das Forças Armadas na esfera estadual decorre da
vontade do próprio Estado-membro que decide, por ele próprio, relativizar sua
autonomia em nome da ordem pública.
Assim cabe salientar que a atuação da União em colaboração com os
Estados através de um processo cooperativo favorece ao princípio federativo.
É possível que a “cooperação” também se dê sem a anuência estadual pela
substituição aos Estados diante de excepcionalidades, como se dá com o
deslocamento de foro, nos casos de crimes contra os direitos humanos, por força da
Emenda Constitucional nº 45/2004. Nesta hipótese, a autonomia estadual foi
atingida.
O deslocamento de foro é procedimento subsidiário à ação estadual e se
opera de modo extraordinário quando o Estado supostamente atua de modo
insatisfatório ou se omita na apuração e/ou julgamento de crimes lesivos aos
tratados internacionais de proteção aos direitos humanos. Neste caso específico o
Poder Constituinte Derivado reforçou a centralização política desfavorável aos
Estados-membros. 456
Importa realçar que a competência do Poder Judiciário estadual é aquela não
abarcada pela Justiça especializada e pela Justiça Federal, portanto já se trata de
uma competência residual.
Deste modo, a federalização judiciária desprestigia a Justiça Estadual em
favor da atuação de um órgão Judiciário da União - apesar de se operar em
455
Cf. art. 16-A, I, II e III da Lei Complementar nº 97/1999.
456 O artigo 109, § 5º da CF/88 dispõe que nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o
Procurador-Geral da República, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência para a justiça federal.
198
situações excepcionais diante da pressão internacional favorável à preservação dos
direitos humanos - por partir do pressuposto segundo o qual em momentos de crises
a Justiça Federal reuniria melhores condições para julgar tais crimes do que a
Justiça Estadual.
Destaque-se que o Estado onde o crime será julgado permanecerá o mesmo,
apenas o processo será deslocado da Justiça Estadual para a Justiça Federal da
mesma unidade federativa.
No caso do incidente de deslocamento de foro não se tem propriamente uma
cooperação entre as Justiças federal e estadual, e sim uma substituição desta por
aquela outra. Há risco de abuso na requisição deste instituto sob o argumento de
que os juízes estaduais são menos preparados que os magistrados federais para
apreciar crimes que sempre foram julgados, sem maiores problemas, pelos Estados.
Neste caso, tem-se que a autorização para o deslocamento é dada pelo STJ, quase
sempre em desacordo com a vontade do Estado que se entende apto a Julgar o
Feito.
A melhor solução, certamente, seria aparelhar adequadamente a Justiça
Estadual e exigir a partir daí o cumprimento de metas através de fiscalização
realizada pelo Conselho Nacional de Justiça.
Ora, se a competência para julgar crimes ofensivos aos direitos humanos
poderá ser “compartilhada” (deslocada compulsoriamente) com a Justiça Federal,
seria razoável que algumas competências legislativas privativas da União fossem
compartilhadas com os Estados-membros.
Com efeito, a participação da União na execução de serviços de competência
estadual é positiva quando significar cooperação. Entretanto, não é salutar para o
sistema federativo que as competências dos Estados sejam mitigadas a pretexto de
exercício inadequado da autonomia estadual, sobretudo quando este juízo de valor é
realizado por órgãos pertencentes à União.
9.5. Consulta popular e processo de elaboração constitucional
Vale ressaltar a importância do aspecto sociológico na formação da
Constituição. Aliás, é preciso reconhecer o papel fundamental da Imprensa livre e da
sociedade civil na construção do Estado Democrático de Direito.
A evolução constitucional exige uma análise da própria Lei Maior a fim de
adequá-la socialmente e aperfeiçoá-la para atender ao bem comum. A opinião
199
popular para fins político-jurídicos deverá ser aferida através dos instrumentos
democráticos previstos na própria Constituição Federal, e neste propósito o papel da
Imprensa e da sociedade civil mostra-se imprescindível.
O art. 14 da Lei Fundamental dispõe sobre plebiscito e referendo, sendo que
estes institutos foram regulamentados pela Lei nº 9.709/98, onde se prevê que serão
convocados mediante Decreto Legislativo por proposta de no mínimo um terço dos
membros da Câmara dos Deputados ou do Senado, para cuidar de questões de
natureza constitucional, legislativa ou administrativa de relevância nacional no
âmbito da competência dos Poderes Legislativo ou Executivo, e ainda nos termos do
disposto pelo § 3º do art. 18 da Lei Maior.
Vale lembrar que a previsão de representatividade no plano constitucional
poderá ser utilizada para mascarar o autoritarismo, como ocorreu com a Carta de
1937 com relação à previsão de uma consulta popular para confirmação da própria
Lei Maior. 457 Entretanto, a referida consulta não se efetivou. 458
Aliás, a Polaca continha ainda hipótese de submissão a plebiscito de proposta
de emenda constitucional rejeitada. Com efeito, naquele momento da vida política
nacional, tal dispositivo não poderia atender aos interesses dos Estados-membros
na defesa de uma reforma federativa significativa porque a convocação popular se
operava por iniciativa do Poder Executivo, em virtude de sua discordância com
relação aos termos de projeto de emenda aprovado pelo Poder Legislativo ou diante
de recusa de proposição do Executivo pelo Parlamento.459
457 “A primeira Constituição a tratar de “democracia participativa” foi a de 1937 (sem utilizar a expressão). Usou o termo “plebiscito” tanto para designar plebiscito quanto referendo. Não teve precisão técnica, considerando a distinção conceitual hodierna. Instituiu, inclusive, a figura singular do plebiscito (rectius: referendo) no processo de reforma constitucional.” ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Democracia participativa: autoconvocação de referendos e plebiscitos pela população. Análise do caso brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3153, 18 fev. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/21124>. Acesso em: 1 mar. 2013.
458 Em verdade, tratava-se de uma Carta marcada por radicalismos ideológicos decorrentes de um
movimento revolucionário que se pautou pela eliminação dos valores democráticos. A Polaca logo em seu artigo 1º afirmava que o poder emanava do povo e seria exercido em nome dele, e no artigo 187 previa a realização de um plebiscito para chancelar o texto constitucional, consulta essa que na verdade nunca ocorreu. Tal procedimento somente seria efetivado a partir da produção de um decreto expedido pelo Presidente da República. Ocorre que Vargas jamais emitiu o referido decreto, numa demonstração de desprezo à vontade popular e a própria Constituição que construíra. Como se percebe a seguir: “Art. 187 - Esta Constituição entrará em vigor na sua data e será submetida ao plebiscito nacional na forma regulada em decreto do Presidente da República.”
459 Art. 174 – (...)
200
Aliás, a implantação deste modelo no cenário constitucional atual seria
inviável – mesmo com a convocação plebiscitária por Decreto Legislativo - pelo
grande número de proposições de emendas reprovadas, o que tornaria a consulta
popular um mecanismo corriqueiro. Neste ponto, melhor é a solução contida na
Constituição de 1988 pela qual se admite que o tema constante de uma proposta de
emenda constitucional rejeitada possa ser objeto de nova proposição a partir da
sessão legislativa seguinte àquela em que se deu a sua rejeição.460
A consulta popular para escolha da forma e sistema de governo é uma
possibilidade que poderia ser efetivada ainda durante o processo de criação da
Carta Magna, bem como após a sua promulgação, como disposto, neste último
caso, no âmbito da Constituição de 1988.
A submissão ao crivo popular de alguns dispositivos constitucionais está
prevista na Lei Maior e efetivou-se em 1993 para escolha do sistema e da forma de
governo, conforme dispõe o art. 2º do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias. 461
A propósito, a República e o Presidencialismo não estão expressamente
protegidos por cláusula pétrea na Constituição Cidadã. Todavia, parece
desarrazoado que após o Poder Originário atribuir ao eleitorado o dever de
determinar por plebiscito 462 a forma e o sistema de governo, permita ao Poder
Derivado atuar contrariamente ao resultado desta vontade popular sufragada. 463
§ 4º - No caso de ser rejeitado o projeto de iniciativa do Presidente da República, ou no caso em que o Parlamento aprove definitivamente, apesar da oposição daquele, o projeto de iniciativa da Câmara dos Deputados, o Presidente da República poderá, dentro de trinta dias, resolver que o projeto seja submetido ao plebiscito nacional. (Redação dada pela Lei Constitucional nº 9, de 1945)
460 Cf. Art. 60, §5º da CF/88.
461 Art. 2º. No dia 7 de setembro de 1993 o eleitorado definirá, através de plebiscito, a forma
(república ou monarquia constitucional) e o sistema de governo (parlamentarismo ou presidencialismo) que devem vigorar no País.
462 O Plebiscito realizado em 21 de abril de 1993 resultou em 66,26% dos votos favoráveis à
República e o Presidencialismo obteve 55,58% dos votos. Fonte: Seção de Arquivo do Tribunal Superior Eleitoral.
463 "Ação direta de inconstitucionalidade. Antecipação do plebiscito a que alude o art. 2º do ADCT da
Constituição de 1988. Não há dúvida de que, em face do novo sistema constitucional, é o STF competente para, em controle difuso ou concentrado, examinar a constitucionalidade ou não de emenda constitucional – no caso, a n. 2, de 25 de agosto de 1992 – impugnada por violadora de cláusulas pétreas explícitas ou implícitas. Contendo as normas constitucionais transitórias exceções à parte permanente da Constituição, não tem sentido pretender-se que o ato que as contém seja independente desta, até porque é da natureza mesma das coisas que, para haver exceção, é necessário que haja regra, de cuja existência aquela, como exceção, depende. A enumeração
201
Numa Democracia plena soaria arbitrária a decisão política para rompimento
abrupto de uma ordem constitucional sem o respaldo de uma consulta plebiscitária
para criação de uma nova Lei Maior.
O Brasil não tem essa tradição de consulta ao povo para averiguação da
necessidade de implantação de uma nova norma constitucional. Tampouco para o
caso de confirmação dos termos da norma constitucional já pronta.
Na Democracia a atuação do Poder Originário se dá por decisão política. A
maioria das Constituições no Brasil surgiu a partir de relevantes fatos históricos que
rompiam ou restauravam o regime democrático.
“Inexiste forma prefixada pela qual se manifesta o Poder Constituinte
originário, uma vez que apresenta as características de incondicionado e
ilimitado. Pela análise histórica da Constituição dos diversos países, porém,
há possibilidade de apontar duas básicas formas de expressão do Poder
Constituinte originário: Convenção ou Assembléia Nacional Constituinte e
Movimento Revolucionário (outorga).” 464
A consulta popular apresenta-se como instrumento valioso para o processo
de construção constitucional pautada na manutenção de valores históricos e na
adoção de elementos jurídicos importantes para a consolidação da Democracia.
Diante da decisão de se criar uma nova Constituição Federal, melhor seria
atribuir esta tarefa a um Poder Originário especificamente eleito para cumprir tal
desiderato, o que serviria para aproximar a Carta Magna das aspirações sociais.465
No Estado Democrático de Direito a reforma constitucional realiza-se de
acordo com os limites impostos pelo próprio Poder Originário. Assim, é preciso
autônoma, obviamente, não tem o condão de dar independência àquilo que, por sua natureza mesma, é dependente." (ADI 829, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 14-4-1993, Plenário, DJ de 16-9-1994.)
464 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 7ª Ed.
Atualizada até EC. Nº 55/07, São Paulo: Atlas, 2007, p. 21.
465 “O poder constituinte, na teoria de Sieyès, seria um poder inicial, autônomo e omnipotente. É
inicial porque não existe, antes dele, nem de facto nem de direito, qualquer outro poder. É nele que se situa, por excelência, a vontade do soberano (instância jurídico-política dotada de autoridade suprema). É um poder autônomo, a ele só a ele compete decidir se, como e quando, deve ‘dar-se’ uma constituição à Nação. É um poder omnipotente, incondicionado: o poder constituinte não está subordinado a qualquer regra de forma ou de fundo” CANOTILHO. J.J. Gomes. Direito constitucional. Coimbra: Almedina, 1993, p. 94.
202
proteger algumas matérias em face da atuação do Poder Derivado. 466 Em verdade,
a forma de Estado garante a unidade territorial do País, por isso o Poder Originário
explicitamente limita, quanto a ela, a atuação do Poder Decorrente no âmbito
estadual. Em regra, a Constituição Federal proíbe o Poder Derivado de abolir a
Federação. 467
A Democracia insculpida na Lei Maior não exige que se submeta
constantemente à opinião popular decisões que devem ser tomadas por aqueles que
justamente foram escolhidos pelo povo para representá-lo.
Entretanto, no Estado Democrático de Direito o processo de criação
constitucional precisa legitimar-se pela vontade popular diretamente aferida.
Vale destacar que a consulta popular é determinada por vontade política 468
que poderá surgir a partir de uma manifestação do Poder Originário, a exemplo do
citado plebiscito de 1993. Todavia, uma Lei Maior não costuma dispor em seu texto
sobre o prazo exato de sua duração, e por conta disto não se manifesta
antecipadamente sobre a convocação de uma consulta popular para criação de
outra Constituição. Portanto, no regime democrático a autorização constitucional
para convocação de um plebiscito para aferir a opinião popular sobre a conveniência
de se criar uma nova Constituição não é tarefa do Poder Originário. 469
466
“É cediço que reformar uma Constituição não significa destruí-la, mas sim atualizá-la, não desfazendo o caminho andado, mas avançando sobre ela, em razão da impossibilidade de expressar as necessidades de todos os tempos. Assim, uma Constituição reformada une o passado e o presente e se projeta para o futuro, ratificando a continuidade histórica, política e jurídica. Não se deve, portanto, abandonar os valores e princípios já consagrados, mas sim fortalecê-los. Para salvaguardar a continuidade, toda reforma constitucional deve conservar e fortificar os valores pétreos conquistados no tempo e consagrados no texto constitucional, significando patrimônio da pessoa humana, bem como preservar os princípios inalteráveis que fazem a profunda tradição jurídica de um país. Na ordem jurídica a reforma opera com a definição dos novos valores, acrescidos aos já existentes, figurando como resultado de transformações ocorridas no contexto social, político e econômico.” CARAM, Marselha Bortolan. Federalização dos crimes contra os direitos humanos. Revista Brasileira de Direito Constitucional – RBDC n. 10 – jul./dez. 2007, p. 319.
467 Cf. art. 90 da CF/1891, art. 178, §5º da CF/1934, art. 217, § 6º da CF/1946, art. 50, §1º da
CF/1967, art. 60, § 4º, I da CF/1988.
468 “El problema de La legitimidad de La Constitución - dice Linares Quintana – Es de naturaleza
essencialmente política, y deve resolverse remontándolo hasta La naturaleza de acto constituyente.” HERNÁNDEZ, Antonio. Federalismo y constitucionalismo provincial – 1ª Ed. – Buenos Aires: AbeledoPerrot, 2009, p.48.
469 Cf. art. 2º e art. 3º da Lei nº 9.709/98, onde se determina que plebiscito e referendo serão
convocados mediante Decreto Legislativo por proposta de no mínimo um terço dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado.
203
No Brasil a convocação de plebiscito sobre a criação de uma nova
Constituição dependeria de manifestação do Congresso Nacional, onde o governo
federal tem maioria de votos. Portanto, como contraponto à atuação do governo
federal é que a sociedade civil e a Imprensa se apresentariam como elementos
fundamentais para equilibrar o embate em torno da conveniência e oportunidade de
tal iniciativa.
9.6. Reestruturação federativa: ato constitucional originário ou
derivado?
A Carta de 1988 é considerada a mais avançada Constituição brasileira de
todos os tempos. Todavia, apresenta-se com dispositivos de eficácia limitada e
outros de natureza programática, sendo de longe aquela que mais foi emendada.
A Constituição Cidadã não conseguiu resolver uma série de problemas que
ainda hoje reclamam uma solução que alinhe o texto constitucional à realidade
social.
Entretanto, o Poder Derivado não pode atender anseios sociais que resvalam
em cláusulas pétreas, limite este inteiramente desconsiderado pela atuação de um
Poder Originário legitimado para dar novos contornos à Federação.
É importante lembrar que o constitucionalismo pátrio já presenciou pelo
menos três grandes reformas constitucionais em que se redistribuiu o poder político.
A primeira foi o Ato Adicional de 1834 pelo qual se atribuiu alguma força política às
Províncias. As outras duas reformas operaram no sentido de fortalecer a União: A
Reforma Constitucional de 1926 e a Emenda Constitucional de 1969.
Percebe-se que há uma forte relação entre o Federalismo e a centralização
política no Brasil. Todavia, esta combinação casaria muito melhor com o Estado
unitário, denotando assim a natureza híbrida de nossa Federação cabocla.
Com efeito, a reestruturação da Federação não é obra do Legislativo por ser
ele um Poder constituído desprovido de força para recompor os fundamentos do
Estado. Em verdade, esta empreitada institucional demanda a atuação do Poder
Constituinte.
“O Poder do Congresso Nacional não é um Poder originário, nem autônomo,
nem incondicionado. Ele não se rege por si mesmo, uma vez que a atuação
é pautada pelas normas da Constituição. Ele não leva em si a lei de seu
204
próprio exercício. Não é um Poder soberano. O Poder Legislativo,
considerado como Poder do Congresso Nacional, é um Poder constituído,
um Poder exercido em conformidade com o que manda o Poder
constituinte.” 470
A atual Constituição da República rompeu a ordem constitucional anterior
marcada pelo arbítrio. A alternância de regimes políticos antagônicos desfavoreceu o
desenvolvimento institucional do Brasil. Com efeito, as Constituições brasileiras, em
sua maioria, surgiram a partir de revoluções, modelo consagrado pelo Brasil e pela
América Latina, cuja essência adveio da Revolução Burguesa de 1789.471
Essa realidade desfavoreceu o processo de criação constitucional na
Democracia. “Não é sustentável que o poder constituinte originário só poderá
acontecer após uma ditadura. Isto seria dizer que jamais poderíamos construir uma
nova ordem para além da Constituição de 1988.” 472
Eis um fragmento da reflexão de Machado Horta sobre o processo de
construção da Carta de 1988:
A próxima Assembléia Constituinte possuirá uma característica que a
singulariza na galeria das constituintes brasileiras. Não é a Revolução a sua
deflagradora, afastando-se, desde logo, do modelo latino da Constituinte
revolucionária. A convocação da Constituinte não veio do Governo
provisório ou de junta de Governo constituídos no coroamento de revolução
vitoriosa pelas armas ou pela insurreição. A convocação processou-se na
via pacífica de órgãos estatais consolidados e estáveis, como o presidente
da República no exercício de iniciativa deferida pela própria Constituição
vigente, e o Congresso Nacional que se elegeu em decorrência de atos
eleitorais previstos na Constituição e na legislação ordinária anterior à
Constituinte. Na mensagem que encaminhou ao Congresso Nacional,
justificando a convocação da Assembléia Nacional Constituinte, para se
470
TELLES JÚNIOR, Goffredo. A Constituição, a Assembleia Constituinte e o Congresso Nacional. São Paulo: Saraiva, 1986, p. 51.
471 “O Poder Constituinte originário, na sua versão clássica de origem francesa, está vinculado às
manifestações revolucionárias, visando consagrar no novo texto constitucional as alterações mais profundas que a Revolução produziu na estrutura social e econômica e na relação de poder dentro do Estado e da Nação. (...)” HORTA, Raul Machado. Reflexões sobre a Constituinte. Revista de administração pública. Op.cit., p. 23
472 MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Entendendo o poder constituinte exclusivo, CONSTITUINTE
EXCLUSIVA. Um outro sistema político é possível. Organizações Plenária Nacional dos Movimentos Sociais. Instituto de Pesquisa Direitos e Movimentos Sociais (IPDMS). http://www.plebiscitoconstituinte.org.br/sites/default/files/material/Livro%20Juridico%20Constituinte%20Exclusiva%202014.pdf
205
instalar no início de 1987, o presidente da República registrou a
singularidade dessa iniciativa “pelo fato de estar em plena vigência uma
ordem jurídica e suas instituições políticas e civis, cujo império se estenderá
até o momento em que for promulgada a nova Constituição.” 473
A Democracia de 1988 poderia ter rompido com a centralização excessiva de
competências legislativas pelo ente central - historicamente consagrada pelo
constitucionalismo brasileiro - inexplicavelmente não o fez. Perdeu-se, naquela
ocasião, uma oportunidade para o alinhamento da Lei Maior aos princípios
democráticos que pugnam pela participação dos entes periféricos na construção da
vontade nacional. Desta forma, a Constituição Cidadã desfavorece a plenitude da
relação entre Federalismo e Democracia.
Alexandre de Moraes474 aponta a via da reforma constitucional como
instrumento para repartição das competências federativas, bem como repele dúvidas
quanto à hipótese disto representar lesão à cláusula pétrea federativa.
“(...) há a possibilidade, dentro de um grande acordo político que preserve a
autonomia dos entes federativos, da edição da emenda constitucional com a
migração de algumas competências definidas atualmente como privativas
da União para o rol de competências remanescentes dos Estados-membros
e outras para as competências concorrentes entre União e Estados-
membros, para que nesses assuntos, as peculiaridades regionais sejam
consideradas. Essa alteração constitucional não estaria a ferir a cláusula
pétrea prevista no inciso I, do artigo 60, do texto magno ("Não será objeto
de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir a forma federativa
de Estado"), uma vez que, essa proposta estaria plenamente de acordo com
os objetivos fundamentais da República, entre eles, o de reduzir as
desigualdades sociais e regionais (CF, art. 3º, III).”475
É oportuna a discussão sobre a escolha do mecanismo pelo qual a forma de
Estado poderá ser aperfeiçoada.
Entretanto, qual a intensidade que se deve imprimir à reestruturação da
Federação brasileira?
473
Ibdem, p. 39.
474MORAES, Alexandre de. Federação Brasileira — Necessidade de Fortalecimento das
Competências dos Estados-Membros. Op.Cit. p. 22.
475 Idem.
206
As questões centrais que afligem o Federalismo pátrio precisam ser
enfrentadas: repartição de competências privativas da União com os Estados,
redefinição das receitas tributárias, dívida pública interna, meios de cooperação para
execução de competências comuns, guerra fiscal, etc. Ora, tais matérias não podem
ser resolvidas através de medidas paliativas. A Federação pátria demanda uma
atuação em suas fundações.
Deste modo, a reforma federativa estrutural poderá ocorrer por manifestação
do Poder Constituinte através da produção de emendas ou pela criação de uma
nova ordem constitucional, apesar da complexidade para se deflagrar a construção
de uma nova Constituição em plena Democracia.
A partir deste ponto, destacaremos alguns mecanismos institucionais pelos
quais a Federação brasileira poderá ser aperfeiçoada.
A primeira alternativa manifestar-se-ia pela atuação do Poder Constituinte
Derivado, formado pelos membros de um Congresso Nacional - não eleito
especificamente para reformar a Lei Maior, mas para compor a Câmara dos
Deputados e o Senado - onde o governo federal geralmente tem maioria
parlamentar para aprovar ou rejeitar propostas.
Ora, as mesmas pressões exercidas pelo ente central, para aprovação de leis
de seu interesse, certamente ocorreriam quando da produção de emendas
constitucionais. Significa dizer que reformas constitucionais desfavoráveis ao ente
central tenderiam a não ser aprovadas. Aliás, este é o modelo praticado no âmbito
da Constituição de 1988.
A atuação do Senado na discussão e votação de propostas de emenda
constitucional e posteriormente na promulgação das emendas aprovadas, é uma
manifestação estadual no processo de reforma constitucional, ainda que
indiretamente através da Câmara Alta. Entretanto, como destacado, o Senado é
parte do Congresso Nacional.
A hipótese de maior participação estadual foi aventada pela “teoria da
participação estadual na formação da vontade do Estado federal” pela qual os
Estados deveriam ter participação ativa no processo de reforma constitucional. 476
476
MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira. Op. Cit., pp. 35,38, 42.
207
A seu turno, a previsão de participação estadual na proposição de emendas -
contida no art. 60, III da Constituição de 1988 - é salutar, mas pouco utilizada pela
dificuldade de articulação entre os Estados-membros.
A atuação estadual na ratificação de emendas à Lei Maior não tem respaldo
na Constituição de 1988. “O poder do Congresso para emendar a Constituição, sem
ratificação dos Estados, implicaria na prática a subordinação dos governos regionais
às instituições centrais, o que seria uma característica dos Estados unitários.” 477
Com efeito, a ratificação estadual ao processo de emenda constitucional
tornaria o procedimento mais lento e cauteloso.478 A reforma constitucional deve
observar o tempo necessário para maturação e construção de um texto capaz de
compor adequadamente a Lei Maior. Portanto, a participação estadual, nos termos
retro aludidos, poderia favorecer a própria norma constitucional.
É uma tarefa sobremodo difícil operacionalizar uma reforma federativa
incisiva, pelo fato disto representar a diminuição do poder do ente central.
“Desde a proclamação da República até agora, jamais houve da parte das
diversas constituintes instaladas neste País ao longo de século XX um
estado de ânimo volvido para a necessidade de uma revisão federativa
fundamental. O velho modelo precisa de consideráveis aperfeiçoamentos e
de certa mudança qualitativa e até estrutural, se possível.” 479
A aprovação de emendas constitucionais exige uma votação mínima de 60%
dos votos do Senado e da Câmara, e esta parece ser uma porcentagem sobremodo
difícil de ser atingida quando se rivaliza os interesses da União. Sobretudo porque o
sistema de governo e a estrutura partidária adotados no Brasil favorecem conchavos
que influenciam o resultado das votações no Congresso Nacional.
O presidencialismo de coalizão exige que o Executivo se articule para formar
uma maioria no âmbito do Congresso Nacional a fim de aprovar os projetos de seu
interesse e garantir a governabilidade. Esta mesma maioria, como parte do
Parlamento federal, assume o papel de Poder Constituinte Derivado em sua
477
WHEARE, K.C. Federal Government. Nova York: Oxford University Press, 1964, p.21, apud ARRETCHE, Marta. Op. Cit., p. 25.
478 ROCHA, Otávio Túlio Pedersoli. A relevância do senado para o estado federal do Brasil.
(dissertação de mestrado) Belo Horizonte, 2010, p.206.
479 BONAVIDES, Paulo. Direito Constitucional, Ed. Malheiros, 23ª edição. Op.cit. p.357.
208
incumbência de emendar a Lei Maior, não raro, em consonância com os interesses
da União.
Os compromissos político-partidários estabelecidos no âmbito do Congresso
Nacional, muitas vezes prevalecem sobre os interesses nacionais, isso ajuda a
explicar o insucesso na efetivação de reformas fundamentais para o País na
vigência da Constituição Cidadã.
Além do mais, a formulação de uma emenda constitucional para reformar a
Federação pátria poderia esbarrar no controle de constitucionalidade de acordo com
a intensidade imprimida à reforma. Vale destacar que a posição do STF, em sede de
controle abstrato de constitucionalidade, tem sido favorável ao reforço da
centralização política disposta na Lei Maior. Desta forma, além das limitações
impostas pelo Poder Executivo, a reestruturação federativa - levada a cabo pelo
Poder Derivado – deixar-se-ia tolher pela ortodoxia manifesta pela Suprema Corte
no trato desta matéria.
Portanto, um Poder Constituinte Derivado não eleito especificamente para
reformar a Constituição Federal não reuniria, a nosso sentir, as condições
necessárias à promoção de uma reforma estrutural na Federação brasileira, em
virtude das fortes pressões impostas pela União para manutenção de seu poder no
cenário federativo.480
Ademais, se houvesse boa vontade da União em harmonizar sua relação com
os demais entes federados, certamente possibilitaria a operacionalização da
previsão contida no art. 22, parágrafo único, da Carta Magna através de Lei
Complementar para autorizar os Estados a legislarem sobre questões específicas no
bojo das competências privativas da União. Todavia, este dispositivo tem sido
pouquíssimo utilizado, numa pequena amostragem de como o ente central se
comporta diante de instrumentos que objetivam a diminuição de seus poderes.
Ora, estamos convictos que o ente central não tem interesse em compartilhar
suas competências legislativas com os Estados-membros. Deste modo, uma reforma
federativa feita pelo Poder Derivado, composto por membros Congresso Nacional,
dificilmente atentaria contra os interesses da União.
480
Cf. a PEC nº 47/2012 apresentada perante o Senado com vistas a fortalecer a autonomia estadual.
209
A segunda possibilidade consistiria na eleição do Poder Constituinte
Derivado toda vez que houvesse necessidade de emendar a Lei Maior.481 Neste
caso, o sufrágio concederia tranquilidade e isenção à Constituinte reformadora para
realizar seus trabalhos, cujos membros seriam destituídos de sua função após a
realização de sua missão. A adoção deste modelo desestimularia a produção de
emendas constitucionais em larga escala, como atualmente se observa no bojo da
Constituição Cidadã. Esta hipótese não encontra respaldo no procedimento
reformador disposto no art. 60 da Constituição de 1988.482
Aliás, a PEC nº 384/2009 propôs a eleição de uma Assembleia Nacional
Constituinte reformadora exclusiva. Ocorre que este é um mecanismo que também
não encontra guarida na Constituição de 1988. Portanto, a eleição ordinária ou
extraordinária do Poder Derivado não faz parte de nossa tradição constitucionalista.
A terceira proposição manifestar-se-ia pela construção de uma nova
Constituição Federal a partir de uma Assembléia Constituinte formada por deputados
e senadores, anteriormente eleitos para um mandato ordinário. Neste caso, após os
trabalhos constituintes os congressistas assumiriam sua função de legislador
comum. Este modelo foi adotado por algumas Constituições brasileiras, como
veremos a seguir.
Em 1822 convocou-se uma Assembleia Geral Constituinte e Legislativa,
formada por deputados das Províncias eleitos com base em instruções de 19 de
junho de 1822, exaradas pelo conselho de procuradores das Províncias.483 Todavia,
o Imperador dissolveu a Constituinte e outorgou a Constituição de 1824.
Em 1889 o Governo Provisório484 nomeou uma comissão para elaborar um
projeto de Constituição Federal para o Brasil. Marcou-se para o dia 15 de setembro
481
Em Países europeus e nas Américas já se aplicou modelo semelhante. “Tal é o sistema, imperativamente, das Constituições francesas de 1793 (arts. 115 a 117) e 1848 (art. 111), argentina de 1860 (art. 30), sérvia de 1889 (art. 201), bem como a Constituição grega de 1864 (art. 107, com a particularidade de serem necessárias duas, e não apenas uma deliberação, para que se convoque a assembleia de revisão) e ainda da nicaraguense de 1986 (quanto à revisão total). Tal é o sistema facultativamente, da Constituição americana (art. 5º, que concede ao Congresso o poder de convocar uma convenção, se dois terços das assembleias legislativas dos Estados assim o requererem); e, em parte, das Constituições filipinas de 1935 (art. 15) e de 1982 (art. 16).” MIRANDA, Jorge, Manual de Direito Constitucional, Coimbra Editora, 3ª edição, Tomo II, 1996, p. 153/154.
482 BONAVIDES, Paulo, Curso de Direito Constitucional. Op.cit., p. 209.
483 Cf. Decreto de 3 de junho de 1822.
484 Cf. Decreto nº 29, de 3 de dezembro de 1889.
210
de 1890 a eleição geral485 - regulamentada em 23 de Junho de 1890486 - pela qual
se convocou487 o primeiro Congresso Nacional brasileiro488 cuja atribuição
constitucional iniciou-se no dia 15 de novembro de 1890 e findou-os em fevereiro de
1891. A primeira Constituição republicana foi promulgada pelo Congresso Nacional
Constituinte em 24/02/1891.489
Pela eleição de 02/12/1945 os deputados federais e senadores, com base na
Lei Constitucional nº 13 de 1945, assumiram a incumbência de produzir a
Constituição de 1946. Após a promulgação da Lei Maior determinou-se que a
Câmara e Senado desempenhariam suas funções ordinárias.
Em 1966 pelo Ato Institucional nº 4 convocou-se o Congresso Nacional para
extraordinariamente reunir-se, no período de 12 de dezembro de 1966 a 24 de
janeiro de 1967, para discussão, votação e outorga da Constituição de 1967, feita a
partir de projeto apresentado pelo Presidente da República.
Pela emenda constitucional nº 26/1985 os membros da Câmara dos
Deputados e do Senado Federal reuniram-se, unicameralmente, em Assembleia
485
Cf. Decreto nº 78-B de 21 de dezembro de 1889.
486 Cf. Decreto nº 511, de 23 de Junho de 1890.
487 Cf. Decreto nº 510 de 22 de junho de 1890.
488 “As eleições para a primeira Constituinte republicana foram convocadas em 21 de dezembro de
1889, pelo decreto nº 78/ B, e realizadas em 15 de setembro de1890. Nesse mesmo decreto, Deodoro da Fonseca deixa evidente que este espaço de tempo se tornava necessário para que algumas providências, que ele denominou de “providências preliminares”, pudessem ser tomadas tais como: “a organização do sistema eleitoral, o alistamento do novo eleitorado, o prazo indispensável para a convocação deste e a preparação do projeto da Constituição. (...) Como parte do que Deodoro definiu como “providências preliminares”, o processo de elaboração do projeto da Constituição passou por três etapas antes de ser publicado. Pelo decreto nº 29, de 3 de dezembro de 1889, data de aniversário do Manifesto Republicano, o governo provisório nomeou uma comissão de cinco políticos para a elaboração de um projeto de Constituição. Eram eles: Saldanha Marinho, presidente da comissão; Américo Brasiliense, vice-presidente; Santos Werneck, Rangel Pestana e Magalhães Couto. Conhecida como a Comissão de Petrópolis, elaborou três anteprojetos para a Constituição. Rangel Pestana sistematizou os três projetos e redigiu apenas um, entregue, em maio de 1890, ao governo provisório, que o revisou sob a orientação de Rui Barbosa, sendo publicado pelo decreto nº 510, de 22 de junho de 1890. O mesmo projeto foi revisto novamente por Rui Barbosa e publicado pelo decreto nº 914-A, de 23 de outubro de 1890, no período entre as eleições e a reunião do Congresso Constituinte. Estabelecidos os critérios para a eleição, elaborado o projeto a ser submetido à discussão do Congresso e realizadas as eleições dos constituintes previstas para 15 de setembro, as chamadas “providências preliminares” apontadas por Deodoro haviam sido superadas e se seguiria a própria organização dos trabalhos constituintes, a discussão e a aprovação da primeira Constituição Republicana em 1891.” FERNANDES, Jorge Batista. Acervo, Rio de Janeiro, v. 19, nº 1-2, p. 53-68, jan/dez 2006, p.57.
489 Aos cidadãos eleitos foram conferidos poderes especiais para exprimir a vontade nacional acerca
da Constituição publicada pelo Decreto n. 510 de 1890, bem como para eleger o primeiro Presidente e Vice-Presidente da Republica.
211
Nacional Constituinte no dia 1º de fevereiro de 1987, na sede do Congresso
Nacional para produzirem a Constituição de 1988.
“O mais grave da constituinte de 1987/88 é o fato de que não houve uma
Constituinte exclusiva eleita com a finalidade exclusiva de elaborar a
Constituição e depois se dissolver, convocando eleições gerais. Este
procedimento, que seria o mais adequado do ponto de vista de uma teoria
democrática, não ocorreu. Em 1987/88 o Congresso Nacional (deputados e
senadores que são legisladores comuns) recebeu também competência
constitucional originária para elaborar uma nova constituição. Entretanto,
apesar deste início confuso, a Constituição de 1988 se legitimou no seu
processo de implementação, e o fato de sua origem atípica, não deslegitima
sua importância na construção de um sistema jurídico mais democrático e
com garantias dos direitos fundamentais conquistados pelo "povo".”490
Com efeito, a mesma preocupação que manifestamos com relação à atuação
do Poder Constituinte Derivado, formado a partir do Congresso Nacional, vale
igualmente para a instituição do Poder Originário formado por deputados e
senadores eleitos pelo povo para cumprir mandato legislativo ordinário.
“É de amplo conhecimento jurídico-nacional que, por ocasião da última
Constituinte brasileira, muito se discutiu sobre a legitimidade de exercer
tão alta tarefa o próprio Congresso Nacional, ficando as opiniões
bastante divididas. Alguns sustentavam que só com a participação dos
partidos políticos é que se livraria a constituinte das pressões
econômicas; outros, ao contrário, compreendiam o exercício da
Constituinte por políticos eleitos como um ato de oferta a estes para
legislar em causa própria, ocorrência que seria inevitável na prática.” 491
A quarta hipótese se daria pela eleição de uma Constituinte especificamente
para o fim de se produzir a Constituição, para logo após ser dissolvida. Neste caso,
o que mais importa não é saber se a Constituinte será extinta após produzir a Carta
Magna ou se irá transformar-se em Legislativo ordinário, o que interessa mesmo é
saber se foi ela escolhida especificamente para produzir a Lei Maior. Assim, neste
caso, não se elegeria o Legislativo ordinário (deputados federais e senadores) para
depois convertê-lo em Poder Constituinte, para após isto guindá-lo à condição inicial
de Poder Legislativo.
490
MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Op. Cit., p. 47-57.
491 TAVARES, André, Ramos. Curso de direito constitucional. Op. Cit., p. 62.
212
O sistema bicameral adotado pelo Brasil para composição do Legislativo
Federal apresenta-se como um problema para o caso de propositadamente se
eleger uma Constituinte para depois transformá-la em Legislativo ordinário porque a
eleição para formação do Poder Constituinte Originário visa escolher constituintes,
para composição unicameral, sem diferenciá-los pelo critério de representação
popular ou dos Estados-membros, diferente da eleição para escolha de deputados
federais e senadores. 492
Este problema já foi enfrentado quando da criação da Constituição de 1934,
ocasião em que interessante solução foi propugnada pela execução das funções do
Senado pelos Deputados eleitos até que se realizasse eleição para composição do
Senado Federal.
Através do Decreto nº 21.402 de 1932 fixou-se o dia 03/05/1933 para
realização das eleições para compor a Assembleia Constituinte e criação de uma
comissão para elaboração do anteprojeto da Constituição, observados o Decreto nº
21.076 de 24/02/1932 e outros produzidos. Pelo Decreto nº 22.621 de 1933,
determinou-se que a Assembléia Nacional Constituinte seria convocada por Decreto
especial (Decreto nº 23.102 de 1933) produzido após comunicação do Tribunal
Superior de Justiça Eleitoral sobre o resultado das eleições. A Constituinte tinha 254
deputados eleitos com base na população de cada Estado, de acordo com o
disposto no Código Eleitoral de 1932.493
Destarte, no Brasil para criação da Constituição de 1934 elegeu-se uma
Constituinte com a intenção de dissolvê-la após o término dos trabalhos. Todavia,
optou-se pela manutenção dos eleitos na função legislativa ordinária (Câmara dos
Deputados) acumulando-se provisoriamente as funções da Câmara Alta, até que os
Estados-membros promovessem a composição do Senado.494
492
Já o inverso não enfrenta nenhum impedimento, ou seja, a permuta de congresso constituinte para órgão legislativo do Estado: “Ao se transferir para as Assembléias Constituintes representativas o exercício pleno da soberania, nada tem de especial que o poder constituinte soberano se projete, ou pretenda perpetuar-se, como poder legislativo ordinário, inclusive quando a Constituição é aprovada”. Idem.
493 HORTA, Raul Machado. Op. Cit., p. 30.
494 “A Assembléia Constituinte de 1933/34 não exerceu função legislativa e o mandato de seus
membros, uma vez encerrada a atividade Constituinte, prolongou-se no Poder Legislativo ordinário, com a circunstância de que, não tendo havido eleição para o Senado Federal, quando se elegeu a Assembléia Nacional Constituinte, a transformação desta última em Câmara dos Deputados absorveu
213
Pela tradição constitucional brasileira não se faz eleição especificamente para
escolha da Assembléia Constituinte. Elege-se o Parlamento para lhe incumbir tarefa
constituinte ou simplesmente se aproveita a estrutura parlamentar do Congresso
Nacional à época que se pretende construir uma nova Constituição.
Entretanto, nada impede que se eleja uma Constituinte especificamente para
produzir a Lei Maior, em vez de se optar pelo tradicional modelo de Constituinte
congressual. Portanto, a formação de um Poder Originário, não composto por
membros do Poder Legislativo, com a missão exclusiva de produzir a Carta Magna
dependeria apenas de vontade política. 495
Entendemos que o Poder Constituinte Originário reúne todas as condições
para estabelecer bases condizentes com a realidade social, com a Democracia e
com a repartição mais equilibrada das competências legislativas entre os entes
federativos.
Além do mais, tem-se que os atos do Poder Originário balizam a atuação do
STF. Desta forma, não há controle de constitucionalidade em face do Poder
Constituinte Originário, o que lhe dá a devida estatura para atuar livre de amarras na
produção de uma Constituição mais equilibrada do ponto de vista federativo.
Diante da hipótese de criação de uma nova Carta Magna, pela atuação do
Poder Originário ter-se-iam as seguintes possibilidades quanto à adoção da forma
de Estado, de acordo com o histórico de nosso constitucionalismo:
1) Estado unitário: A propensão nacional à concentração do poder
político poderia fazer ressurgir esta forma de Estado já adotada durante o Império;
2) Estado federal: Nesta hipótese almeja-se uma Federação
devidamente reestruturada e protegida contra emendas constitucionais que lhe
pretendessem extinguir.
na Câmara, transitoriamente, as funções do Senado Federal, até que as Assembléias Constituintes estaduais elegessem os representantes dos estados no Senado Federal (...)”. Ibdem, p. 37.
495 “Tradicionalmente, a primeira Constituição de um novo país que conquiste sua liberdade política
será fruto da primeira forma de expressão: o movimento revolucionário. Entretanto, as demais constituições desse mesmo país adotarão a segunda hipótese, ou seja, as assembléias nacionais constituintes.” Idem.
214
Com efeito, faz-se necessário a superação de um Federalismo em colapso,
cuja relação de poder disposta pela Carta Magna faz lembrar muito mais o Estado
unitário. 496
O Unitarismo cumpriu seu papel durante o período monárquico, momento em
que se iniciava a construção da identidade nacional, no estabelecimento da unidade
territorial, constantemente ameaçada por sedições separatistas. A adoção do Estado
unitário tornaria ainda mais acirrada a centralização política patrocinada no bojo da
Constituição de 1988.
Ora, se na atualidade existem insatisfações com relação ao Federalismo
centrípeto pela mitigação da autonomia estadual, não faria o menor sentido adotar o
Unitarismo pelo qual sequer haveria autonomia política conferida aos Estados-
membros, transformados em unidades administrativas.
Destarte, pelo que expusemos até este ponto, temos a convicção de que a
Federação é a forma de Estado mais adequada para o Brasil. Entretanto, deverá ser
reestruturada pela atuação do Poder Constituinte Originário eleito especificamente
para produção de uma nova Constituição Federal, para por seu intermédio assentar
novas bases à Federação brasileira.
A criação de uma nova Lei Maior além de promover o reordenamento da
Federação, oportunizaria mudanças em outras áreas estratégicas para o Brasil. Com
efeito, a reforma tributária e a reforma política são questões fundamentais que
também justificariam a construção de uma nova Constituição Federal.
496
“No extremo, o federalismo de integração será um federalismo meramente formal, cuja forte assimetria entre poderes distribuídos entre as entidades componentes da federação o aproxima de um Estado unitário descentralizado, com forte e ampla dependência, por parte das unidades federativas, em relação ao governo da União federal.” TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 9. ed. rev. e atual. Op. Cit., p. 1102.
215
CONCLUSÃO
São diversas as possibilidades à disposição do Estado para minorar a
situação de desigualdade que historicamente caracteriza o Brasil. Esta discussão
admite logicamente o questionamento sobre a boa operacionalidade de dispositivos
propostos pela Constituição Federal.
Diante disso, há uma forte tendência que se apresenta favorável ao
aperfeiçoamento do modelo de Estado federal adotado pela Constituição de 1988,
pela superação de problemas que dificultam a implantação de um ambiente
verdadeiramente harmônico e cooperativo, o que demandará um esforço unânime
de todos os Poderes da República e entes federativos.
A Constituição de 1988 é recordista em matéria de emendas, pelo fato de ter
sido construída um tanto quanto dissociada da realidade político-econômico-social
do final do Século XX, tendo adotado uma série de dispositivos programáticos
erigidos para atender aos ideais surgidos imediatamente à derrocada da ditadura
militar de 1964.
Atualmente, semelhantemente ao que se deu em 1834, há uma forte
tendência em favor da descentralização das competências legislativas através de um
redesenho constitucional em que o grande desafio é mesmo superar a histórica
propensão nacional à centralização política em face do princípio democrático e da
necessidade de fortalecimento do princípio federativo. 497
Aliás, a autonomia apresenta-se na atualidade não mais como uma ameaça à
Federação, como ocorria em 1891, mas como uma alternativa alvissareira ao
fortalecimento do pacto federativo e ao desenvolvimento regional.
O Século XXI apresenta-se com grandes demandas sociais e econômicas
que exigem do Estado brasileiro uma resposta à altura pela qual se estabeleça uma
série de medidas, dentre as quais se inclui a viabilização de um modelo de
descentralização política que conceda aos Estados-membros plenitude no exercício
de competências legislativas de interesse regional. Com efeito, o Direito Estadual
precisa ser encarado como ferramenta de desenvolvimento regional.
497
FERREIRA, Gabriela Nunes. Centralização e descentralização. O debate entre Tavares Bastos e visconde de Uruguai. São Paulo: Ed. 34, 1999, p.28-29.
216
A reforma da Federação brasileira deverá se dá em momento de tranquilidade
institucional a fim de que se dimensione a importância de participação e
representação da vontade popular através da atuação dos entes federativos. Além
do que um processo de reformulação política de tão grande envergadura pressupõe
o amadurecimento político do País.
O desenvolvimento contempla em sua essência elementos econômicos e
sociais, sendo que sua efetivação no espaço e no tempo depende da conjunção de
forças relacionadas à política e ao Direito. Neste rumo, cabe à Lei Maior propiciar
segurança jurídica e fornecer as bases do desenvolvimento regional para que os
Estados-membros atuem, com idêntico propósito, através da Constituição Estadual.
A proteção aos valores e princípios universais é fundamental à consolidação
da Democracia brasileira na formação de um ambiente de certeza jurídica, longe de
sobressaltos e crises institucionais que sempre caracterizaram a política e o
constitucionalismo no Brasil.
O escopo federativo da União precisa ser redefinido pela superação do
histórico papel de ente supridor das necessidades econômicas dos demais entes. O
fortalecimento da autonomia financeira dos Estados-membros permitiria ao ente
central maior tranquilidade na atuação como ente coordenador do sistema
federativo.
O fortalecimento da autonomia estadual implicaria em racionalização
federativa em atenção aos princípios da prevalência do interesse e da
subsidiariedade. Em algumas competências privativas e exclusivas da União com
espectro regional, melhor seria o estabelecimento de cooperação a partir do
exercício de competências concorrentes e comuns.
Buscamos chamar a atenção para a necessidade de se buscar uma
alternativa à estrutura federativa brasileira apresentada pela Constituição de 1988.
Portanto, é possível dizer, em arremate, que pela tese conclui-se o seguinte:
1) Em regra, a opção do Brasil sempre foi pela centralização política. A
herança advinda do Estado unitário se perpetuou durante praticamente
todo o período republicano, dando origem a um Federalismo peculiar,
generoso em compartilhar atribuições administrativas e extremante
cauteloso em repartir as competências legislativas para fora do domínio do
ente central;
217
2) A Constituição de 1988 tem alijado os Estados-membros de uma
participação mais efetiva no campo regional em desacordo com o princípio
da prevalência do interesse. A União possui mecanismos pelos quais
poderá inibir os excessos da atuação estadual, no exercício de suas
competências constitucionais, através da intervenção federal e outras
medidas de estabilização institucional;
3) A teoria dos poderes implícitos apresenta-se como uma fórmula para
repartição de competências. No caso brasileiro, às coletividades parciais
compete tudo aquilo que explicitamente não tenha sido atribuído ao ente
central. Ocorre que a forte concentração de competências legislativas no
âmbito da União (art. 22 da Carta Magna) fragiliza a aplicação da referida
teoria em virtude do desequilíbrio na modulação da descentralização
política;
4) A cooperação federativa precisa efetivar-se mediante reengenharia de
competências legislativas e materiais e através da efetivação de acordos
entre os entes federados com vistas à adequada realização dos serviços
públicos;
5) Constatamos não haver boa vontade da União em delegar, através de Lei
Complementar, suas competências privativas para que os Estados-
membros, em assuntos que lhes digam respeito, possam promover a
devida especificação;
6) Para além da redistribuição de competências é certo que a autonomia
estadual encontra-se enfraquecida em virtude também de inadequada
repartição de rendas a partir das bases delineadas pela Lei Maior;
7) A Constituição Estadual no Brasil não assume a função de dinamizar as
potencialidades existentes no plano regional, em virtude dos limites
impostos pela Lei Maior e pela desídia do Constituinte Decorrente que
pouco fez para utilizar as poucas competências à disposição dos Estados-
membros;
8) Em virtude do apertado espaço e de limites impostos a sua atuação, os
Estados-membros muitas vezes usurpam a competência legislativa da
União em diversas áreas de seu interesse;
218
9) O Supremo Tribunal Federal tem reiteradamente confirmado o modelo
centralizador proposto pela Constituição de 1988. Definitivamente, o
ativismo judicial não irá operar em favor do reequilíbrio das forças
federativas;
10) A reforma federativa, pelo Constituinte Derivado, mediante emenda à
Constituição de 1988, dificilmente reuniria forças para fazer frente aos
interesses da União, posto que no bojo da atual Carta Magna o referido
Poder Derivado se manifesta a partir dos membros do Congresso Nacional
onde o governo federal possui maioria de votos. Portanto, apesar de
constitucionalmente viável, este não se apresenta como o meio mais
apropriado à efetivação de uma restauração federal incisiva;
11) Entendemos que a reestruturação federativa, como delineada por esta
tese, exige a atuação do Poder Constituinte Originário eleito
exclusivamente para produzir uma nova Constituição Federal.
219
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