Pontuação II

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A aprendizagem da pontuao por alunos dos anos iniciais do Ensino Fundamental: uma anlise a partir da produo de diferentes gneros textuaisAlexsandro da Silva

Resumo Este estudo teve como objetivo analisar, em uma perspectiva exploratria, a aprendizagem da pontuao em gneros textuais diferentes. Participaram da pesquisa alunos de 5 ano do Ensino Fundamental (antiga 4 srie) de uma escola da rede pblica municipal de Recife. Os dados foram coletados por meio de trs atividades de produo de textos, nas quais os alunos foram solicitados a escrever uma carta de reclamao, uma fbula e uma notcia. Os resultados demonstraram que, de modo geral, os sinais de pontuao empregados pelos alunos estavam relacionados s caractersticas dos gneros textuais produzidos. Palavras-chave: pontuao; gneros textuais; produo de textos escritos

The learning of punctuation by students of the first years of Elementary Education: an analysis based on the production of different textual genresAbstract This study aimed to analyze, in an exploratory perspective, the learning of punctuation in different textual genres. The 5th year Elementary Education (former 4th grade) students of a public municipal school in Recife participatedCadernos de Educao | FaE/PPGE/UFPel | Pelotas [35]: 139 - 169, janeiro/abril 2010

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in the research. The data was collected through three text production activities in which the students were requested to write a complaint letter, a fable and a news story. The results demonstrated that, generally, the punctuation used by the students was related to the characteristics of the textual genres that were produced. Keywords: punctuation; textual genres; production of written texts

Introduo Tradicionalmente, o ensino da pontuao em sala de aula tem sido objeto de muitas crticas: atividades centradas em frases isoladas, associadas a explicaes equivocadas, como aquelas que relacionam a pontuao s pausas da fala. Nesse sentido, observamos, no contexto escolar, tanto explicaes do tipo a vrgula indica que devemos respirar para continuar a leitura, quanto a escassez (ou mesmo a ausncia) de atividades nas quais os sinais de pontuao so tomados como recursos lingusticos necessrios (re)construo do(s) sentido(s) do texto. Segundo Ferreiro (1996), No estranho que a escola, com sua tradicional viso aditiva da escrita, no saiba como introduzir a pontuao (p. 125). Como uma alternativa a essas prticas de ensino, acreditamos que a anlise do emprego da pontuao conforme o gnero textual constitui um aspecto prioritrio a ser considerado pelos professores e autores de livros didticos no planejamento de atividades e sequncia didticas em que se pretende que o aprendiz aproprie-se dos sinais de pontuao. Consideramos, assim, que nas prticas escolares de anlise lingustica devem ser garantidos momentos sistemticos de anlise e reflexo sobre a pontuao caracterstica dos diversos gneros escritos, compreendendo que no se pontua textos abstratos, mas, sim, gneros que apresentam propriedades gramaticais, textuais e scio-discursivas peculiares. No entanto, a compreenso da aprendizagem da pontuao na produo de diferentes gneros textuais por alunos dos anos iniciais da escolarizao obrigatria constitui uma empreitada relevante e ainda140

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no suficientemente investigada. Este trabalho pretende contribuir nesta direo. Pontuao: um pouco de histria, o objeto de conhecimento e as suas peculiaridades A pontuao constituiu uma inveno tardia na evoluo da escrita: os sinais de pontuao no existiram durante sculos nos textos escritos, assim como as marcas de segmentao (ROCHA, 1997). Embora tenham surgido com a funo primordial de indicar pausas para respirar durante a leitura em voz alta, isto , durante a oralizao dos textos (FERREIRO, 1996; ROCHA, 1997), os sinais de pontuao no podem mais ser concebidos, nos dias atuais, como sinalizadores de pausas para respirar. Na Antiguidade, as marcas de pontuao estavam preferencialmente ligadas s pausas respiratrias da fala1. Como destacaram Ferreiro (1996) e Rocha (1997), naquele momento histrico a atribuio da pontuao ao texto era uma tarefa do leitor/orador e no do autor ou do escriba do texto2. Entretanto, segundo Rocha (1997), foi na Idade Mdia que a pontuao de fato se disseminou e que as duas orientaes principais para o seu uso encontraram-se difundidas: a lgico-gramatical e a do ritmo respiratrio. Rocha (1997) tambm destaca que, na verdade, o grande marco decisivo na histria da pontuao foi o surgimento e estabelecimento da imprensa, na mudana do sculo XV para o XVI. Segundo a autora, foi a partir de ento que a pontuao de fato se generalizou e se difundiu1

Ferreiro (1996) argumenta que desde a Antiguidade Clssica j estavam presentes as duas principais teorias que vm sendo defendidas at os dias atuais: a teoria da pontuao como separador lgico, sinttico ou retrico e a teoria da pontuao como lugar natural da respirao do leitor. Entretanto, parece que a segunda orientao predominava, de fato, naquela poca. 2 Raramente, o autor se encarregava da tarefa de escrever seus prprios textos. O mais comum era dit-lo a um escriba, que assumia a funo de registr-lo (cf. ROCHA, 1997).141

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como sistema de uso obrigatrio na escrita, tendo em vista que, com a expanso dos leitores, decorrente da produo de livros em larga escala, disseminou-se uma nova prtica de leitura a leitura silenciosa3 que incorporou ao texto um recurso grfico para a leitura visual. Na atualidade, os sinais de pontuao no mais marcam pausas para respirar durante a leitura em voz alta (embora esta explicao ainda aparea em muitas gramticas escolares), pois constituem, ao contrrio, marcas de organizao textual, traos de operaes de conexo e, sobretudo, de segmentao do texto escrito (SCHNEUWLY, 1998). Rocha (1998) observa que existem muitos erros ligados pressuposio da existncia de uma relao simtrica entre a prosdia da fala e a pontuao da escrita. Segundo ela, nesse modo de percepo, transfere-se para a escrita, sem alteraes, padres prprios da oralidade, o que muito comum em escritores inexperientes. Em suma, a autora defende a tese de que nem sempre a prosdia da fala corresponde s prescries gramaticais. Chacon (1997) tambm destaca, a partir da anlise da percepo de alguns estudiosos acerca das relaes entre pontuao e ritmo, que a pontuao marcaria na escrita o ritmo da escrita e no apenas o ritmo da linguagem em geral, circunscrito, em certas concepes tradicionais, ao ritmo da lngua oral. tambm necessrio levarmos em conta a relativa liberdade existente no uso da pontuao, tendo em vista que, na maior parte das vezes, sempre existe mais de uma possibilidade de pontuar, sendo a escolha por uma ou outra marca determinada, entre outros fatores, pelas preferncias autorais (FERREIRO, 1996; ROCHA, 1998; PIZANI; PIMENTEL; LERNER, 1998). Embora a pontuao no possa ser interpretada simplesmente em termos de certo ou errado, importante no esquecermos que estaSegundo Bajard (1994), antes o ato de ler se confundia com o ato de recitar o texto em voz alta, isto , correspondia a devolver a voz ao texto.1423

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flexibilidade no total, pois existem algumas regras que no autorizam uma liberdade total e irrestrita no uso dos sinais de pontuao. Em outras palavras, nem tudo permitido. No entanto, sabemos que determinados gneros textuais, como os anncios publicitrios, por exemplo, permitem a no-obedincia a determinadas regras gramaticais (ROCHA, 1998), o que seria improvvel em um artigo cientfico, por exemplo. Desse modo, necessrio compreendermos que a pontuao est diretamente relacionada aos gneros textuais nos quais ela aparece, sendo estes entendidos como tipos relativamente estveis de enunciados que encontramos na sociedade e que apresentam contedo temtico, construo composicional e um estilo (BAKTHIN, 1992). Assim, os diferentes gneros textuais apresentam usos caractersticos da pontuao, o que requer do escritor versatilidade na forma de pontuar, conforme observaram Rocha (1998) e Leal e Guimares (2002). Em alguns gneros, como as notcias e as reportagens, predominam pontos, vrgulas e dois-pontos. J nos contos, sinais como ponto de interrogao, ponto de exclamao, dois-pontos, travesso e reticncias tendem a aparecer com maior frequncia. Em outros gneros, como em alguns poemas, a pontuao pode ser, at mesmo, desnecessria. Aprendizagem da pontuao: algumas evidncias empricas sobre o uso e a compreenso dos sinais de pontuao Em uma perspectiva psicolingustica, considera-se que a aprendizagem da pontuao se d aps a apropriao do sistema de escrita alfabtica (FERREIRO; TEBEROSKY, 1985; FERREIRO, 1996). No entanto, a compreenso da natureza do sistema de escrita alfabtica condio necessria, mas no suficiente para que as crianas passem a utilizar marcas de pontuao em seus textos. comum encontrarmos crianas do 3 ou 4 ano da escolarizao inicial que no usam qualquer sinal de pontuao em seus textos, ou que o fazem de maneira muito escassa.

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Os estudos sobre a aprendizagem da pontuao tm demonstrado que a criana, ao tentar compreender esse objeto de conhecimento em toda a sua complexidade, elabora hipteses e construes originais, assim como faz em outros domnios de conhecimento (FERREIRO; TEBEROSKY, 1985; FERREIRO, 1996; ROCHA, 1994; 1996; WEISZ, 1998; SILVA; 2003; SILVA; MORAIS, 2007; LIMA, 2003; CARDOSO, 2003). Ferreiro e Teberosky (1985), em uma investigao mais ampla sobre os processos de aquisio da escrita, observaram que crianas prescolares argentinas tinham conhecimentos a respeito dos sinais de pontuao. A partir de perguntas feitas sobre uma pgina impressa de um livro de histrias, as autoras buscaram descobrir se as crianas faziam distino entre letras e sinais de pontuao. Os resultados preliminares encontrados pelas autoras apontaram os seguintes nveis: 1. No h nenhuma distino entre sinais de pontuao e letras; 2. H um incio de diferenciao de algumas marcas: ponto, dois pontos, hfen e reticncias, isto , os sinais formados somente de pontos ou apenas de uma linha reta; 3. H uma distino inicial entre duas classes de sinais de pontuao: aqueles que tm semelhana grfica com letras e/ou nmeros e que continuam sendo assimilados a estes e os que no so letras nem nmeros, mas que a criana ainda no sabe o que podem ser; 4. H uma distino clara entre letras e sinais de pontuao; 5. Alm de uma distino clara entre as letras e os outros grafismos, a criana comea tambm a tentar utilizar uma denominao especfica (sinais ou marcas) e h um comeo de distino de funo. Nessa investigao, as autoras observaram a distribuio das respostas das crianas por idade e por classe social. Elas perceberam144

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que enquanto as crianas de classe mdia apresentavam uma progresso ntida com o avano das idades, chegando algumas inclusive ao nvel 5, as de classe baixa no conseguiram dar repostas desse ltimo nvel, oferecendo explicaes de indiferenciao nas trs idades investigadas (4, 5 e 6 anos). A maioria das respostas das crianas de classe baixa concentrou-se no nvel 2 (incio limitado de diferenciao) e as das crianas de classe media, no nvel 3 (distino inicial). As diferenas encontradas no desempenho de crianas de classes sociais distintas resultariam, segundo as autoras, das experincias sociais distintas a que esto submetidas as crianas em seu contexto extraescolar. Ferreiro (1996), em um estudo comparativo com crianas mexicanas, uruguaias e italianas, solicitou a alunos de 2 e 3 sries que reescrevessem a histria de Chapeuzinho Vermelho. Os dados desse estudo indicaram que o ponto e a vrgula eram os sinais mais frequentes, tanto em espanhol (43% e 18%, respectivamente), quanto em italiano (33% e 17%, respectivamente). Em ambas as amostras, os sinais menos frequentes (menos de 1%) foram os parnteses, as reticncias, o ponto-e-vrgula e um travesso separador de elementos repetidos. Em relao aos sinais com frequncias intermedirias, observou-se que, enquanto no espanhol os travesses (7%) e os doispontos (6%) predominaram, seguidos das aspas (3%), no italiano as frequncias maiores concentraram-se nos dois-pontos (12%) e nas aspas (11%), seguidos dos travesses (3,5%). Os dados do estudo desenvolvido por Ferreiro (1996) tambm indicaram uma relao significativa entre a presena das variveis completitude da histria, presena de pontos internos no texto e presena de entradas pospostas no texto (meno do falante que vem aps o discurso direto) e o aumento da quantidade e da variedade de marcas de pontuao nas histrias. Outro estudo sobre a aquisio da pontuao foi desenvolvido por Rocha (1996). Nesse estudo, desenvolvido com 115 crianas de 1 a 3 sries do Ensino Fundamental de duas escolas, uma escola pblica e145

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uma privada (em Fortaleza), tambm se solicitou aos alunos que reescrevessem a histria de Chapeuzinho Vermelho. Observou-se nessa investigao que o domnio da pontuao ocorria paralelamente ao domnio do formato grfico do texto, isto , textos sem pontuao ou com pouca pontuao tambm no apresentavam organizao grfico-espacial. Constatou-se tambm que a evoluo da pontuao e do formato grfico do texto ocorriam de fora para dentro: o formato global (organizao grfica externa do texto) antecedia o formato interno (distino entre narrao e discurso direto) do texto e a pontuao externa antecedia pontuao interna. Schneuwly (1998) analisou o emprego da pontuao em textos informativos (instruo de jogo) e argumentativos (carta do leitor), produzidos por alunos da 4, 6 e 8 sries do Ensino Fundamental e estudantes universitrios. Os dados desse estudo indicaram que os alunos pontuavam diferentemente textos informativos e argumentativos: enquanto nos textos informativos as vrgulas eram mais frequentes que os pontos, nos textos argumentativos, ao contrrio, havia uma grande densidade de pontos em relao s vrgulas. O autor tambm constatou que os sujeitos pontuaram mais corretamente os textos argumentativos que os informativos. Este ltimo dado teve a seguinte interpretao por parte do autor: enquanto os textos informativos tm partes mais longas e referem-se a um contedo altamente estruturado, os textos argumentativos so menos organizados em funo de uma trama claramente estabelecida, sendo sua estruturao elaborada, na maior parte das vezes, pelo prprio sujeito, em funo da situao. Segundo o autor, como neste caso o processo de planificao se realizaria por pequenos blocos (argumento por argumento), as rupturas da atividade seriam mais frequentes, o que se manifestaria por meio de uma utilizao mais intensa do ponto. Lima (2003) desenvolveu um estudo que tinha como objetivo investigar o uso e a compreenso de marcas de pontuao por crianas146

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com diferentes nveis de instruo sobre a pontuao, no contexto escolar. Participaram do estudo 42 crianas com idades entre 6 e 8 anos, alunas de alfabetizao (21 crianas) e de 1 srie (21 crianas) do Ensino Fundamental de uma escola particular da cidade do Recife (PE). Cada criana realizou de duas atividades, uma de produo e outra de compreenso, aplicadas em duas sesses. Na primeira atividade, aplicada coletivamente em cada turma, o examinador lia em voz alta uma histria. As crianas eram, ento, solicitadas, individualmente, a reproduzir por escrito a histria ouvida. Na segunda atividade, aplicada individualmente, o examinador mostrava criana a histria que ela prpria havia reproduzido na sesso anterior e, a partir de uma entrevista clnica, a criana era solicitada a identificar as marcas de pontuao que havia produzido em seu texto e a explicar os usos e funes atribudos a elas. Em relao produo, observou-se que as crianas da 1 srie usavam marcas de pontuao com maior frequncia e variedade do que as da alfabetizao. Eram, ainda, capazes de delimitar os limites externos e internos do texto com pontuaes, distribuindo essas marcas tanto em trechos de narrativa, quanto em trechos de discurso direto. As crianas de alfabetizao, por sua vez, tendiam a no empregar nenhuma marca de pontuao em suas reprodues, ou, quando o faziam, usavam apenas um tipo de pontuao, que, em geral, era localizada no limite externo final do texto. Quanto compreenso, constatou-se que as crianas da 1 srie atribuam vrios usos e funes a uma mesma pontuao, enquanto as de alfabetizao tendiam a atribuir um nico uso a cada sinal de pontuao. Este estudo apontou que havia uma progresso quanto ao uso e compreenso de crianas acerca de marcas de pontuao, progresso esta que era influenciada pela instruo formal recebida no contexto escolar. Entretanto, mesmo as crianas sem essa instruo formal apresentam hipteses acerca das marcas de pontuao que usavam.

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Silva e Brando (1999), ao realizarem um estudo de interveno didtica em uma turma de 3a srie de uma escola pblica do Recife, observaram uma evoluo significativa das crianas no emprego da pontuao, na produo de textos. Conforme constatado pelas autoras, das 26 crianas submetidas a um pr-teste, 14 (53,9 %) no empregavam qualquer sinal de pontuao em seus textos, diminuindo esse percentual para 19,2% aps a interveno. Assim, os dados encontrados pelas autoras indicaram que as crianas passaram a pontuar com uma frequncia maior seus textos, aumentando o percentual de emprego dos sinais de 46,2% para 80,8% no ps-teste. Entre as atividades desenvolvidas na proposta didtica conduzida por aquelas autoras, encontramos situaes que envolviam um trabalho com os alunos em duplas: a) reconhecimento dos sinais de pontuao nos textos, a fim de torn-la observvel para os alunos; b) produo de sentenas iguais, mas com sinais de pontuao diferentes, seguida de leitura para o grupo tentar descobrir de que sinal se tratava, explorando as mudanas de sentido produzidas; c) produo de textos, seguida da leitura desses mesmos textos para os outros alunos e reviso, considerando as intenes do autor do texto. Ante tais evidncias, decidimos analisar, neste artigo, em uma perspectiva exploratria, a aprendizagem da pontuao em gneros textuais diferentes, produzidos por alunos dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Desse modo, nesta investigao visamos a identificar e comparar os sinais de pontuao usados (quantidade e variedade) e as estratgias de emprego daqueles sinais em gneros de texto distintos. Metodologia Participaram desta pesquisa 15 alunos do 2 ano do 2 ciclo (antiga 4 srie) do Ensino Fundamental de uma escola da rede pblica municipal do Recife, que tinham uma mdia de idade de 14,1 anos. O estudo desenvolveu-se, portanto, com alunos j alfabetizados e que estavam concluindo 4o ano da escolarizao obrigatria. Nesse sentido,148

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estvamos visando a investigar como alunos concluintes dos anos iniciais do Ensino Fundamental haviam se apropriado de um determinado objeto de conhecimento vinculado lngua escrita, ensinado pela escola. Os dados deste estudo foram coletados por meio de trs atividades de produo de textos escritos, tendo sido cada uma delas aplicada pelo examinador na sala de aula em que os alunos estudavam, em trs dias diferentes, sempre no incio do turno escolar. As atividades foram realizadas com todos os alunos que estavam presentes nos dias da coleta de dados, mas nem todos os textos foram analisados: selecionamos as produes escritas dos alunos que participaram das trs situaes (N=15). De acordo com o depoimento dado pela professora dessa turma, os alunos haviam lido, durante o ano letivo, romances, contos, parbolas, cartas, pesquisas cientficas, jornais, poesias, revistas etc. Inicialmente, leram livros mais curtos (literatura infantil). Em seguida, passaram a ler obras mais extensas, que a professora lia por partes. Em um terceiro momento, escolheram um livro de literatura infanto-juvenil da biblioteca da escola para ler e, medida que iam lendo, contavam turma sobre o que estavam lendo e, ao trmino, escreviam um texto com uma recomendao da obra. Segundo a docente, os alunos daquela turma escreveram, ao longo do ano, dissertaes, descries, narraes e dilogos a partir de discusses sobre notcias, poesias, pardias, cartas e acrsticos. Em relao pontuao, a mestra informou ter trabalhado sistematicamente, tanto na leitura como na produo de textos (discutia qual pontuao usar e por qu), e recorreu a anotaes e exerccios com piadas e frases e ditados de texto. Os alunos foram solicitados a produzir, por escrito, trs gneros diferentes, que correspondem, na proposta de grupamento de gneros de Dolz e Schneuwly (2004), a trs categorias distintas: carta de reclamao (argumentar), fbula (narrar) e notcia (relatar).149

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Como o objetivo da pesquisa consiste em analisar a aprendizagem da pontuao em gneros textuais diferentes, selecionamos gneros que tambm apresentassem diferenas significativas quanto ao emprego da pontuao. As cartas so gneros textuais que tm a funo de estabelecer uma comunicao, por escrito, com um destinatrio ausente. Normalmente, possuem uma estrutura bastante definida: o cabealho, que estabelece o local, a data, o nome do destinatrio e a forma de tratamento dirigida ao interlocutor; o corpo, parte do texto em que se desenvolve o assunto a ser tratado, e a despedida, que inclui a saudao e a assinatura do remetente (cf. KAUFMAN; RODRIGUEZ, 1995). As cartas de reclamao so gneros nos quais se reclama sobre algo e solicita-se alguma providncia em relao reclamao. Trata-se, portanto, de textos construdos com sequncias tipolgicas predominantemente argumentativas. A partir de uma anlise de cartas de reclamao de circulao social, Silva (2008) identificou sete componentes textuais que constituiriam esse gnero: 1) indicao do objeto alvo de reclamao; 2) justificativa para convencimento de que o objeto pode ser (merece ser) alvo de reclamao 3) indicao de sugestes de providncias a serem tomadas; 4) justificativa para convencimento de que a sugesto adequada; 5) Indicao das causas do objeto alvo da reclamao; 6) Contra-argumentao relativa ao objeto alvo de reclamao; 7) Contra-argumentao relativa s sugestes. Em relao aos sinais de pontuao caractersticos desse gnero, percebemos, a partir de uma observao assistemtica de cartas de reclamao, que predominam pontos e vrgulas na construo dos perodos e das oraes (e de suas partes) desse gnero, embora tambm possamos encontrar outros sinais de pontuao, como dois pontos, parnteses e mesmo ponto de exclamao e de interrogao. J fbulas so textos, geralmente curtos, que tm a inteno de transmitir uma lio moral (moral da histria). Em geral, as150

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personagens so animais que apresentam comportamentos humanos (virtudes, defeitos). Segundo Machado (1994), o ensinamento moral o que diferencia a fbula de outros gneros narrativos, como a lenda e o conto. De modo semelhante aos contos, as fbulas apresentam, em sua estrutura, trs partes diferentes: comeam com um estado de equilbrio; seguem com o aparecimento de um conflito; encerram com o desfecho do conflito e a recuperao do equilbrio perdido (KAUFMAN; RODRIGUEZ, 1995). Em relao aos sinais de pontuao caractersticos das fbulas, observamos que, alm de pontos e vrgulas, tendem a aparecer outros sinais relacionados notao do discurso direto. Como os dilogos so bastante frequentes nas fbulas, comumente encontrarmos, nesses textos, sinais como dois pontos, travesso, ponto de interrogao, exclamao, reticncias (MACHADO, 1994; TEBEROSKY, 1994). As notcias so textos jornalsticos que tm a funo de transmitir informaes sobre acontecimentos ou fatos atuais de interesse pblico. De modo geral, possuem trs partes claramente distintas: o ttulo ou manchete (apresenta uma sntese do tema central e busca atrair a ateno do leitor), a introduo ou lead (apresenta o principal da informao) e o desenvolvimento (apresenta os detalhes que no constam na introduo). muito comum usar nas notcias uma tcnica chamada de pirmide invertida: parte-se dos fatos mais importantes para os detalhes (KAUFMAN; RODRIGUEZ, 1995; TEBEROSKY, 1994). Como observam Kaufman e Rodriguez (1995) e Teberosky (1994), as notcias caracterizam-se por sua objetividade e esperada veracidade: os dados noticiados devem ser verdadeiros e apresentados de uma forma imparcial. De modo geral, as notcias apresentam sequncias tipolgicas predominantemente narrativas, assim como acontece com as fbulas. No entanto, ao contrrio das fbulas, o contedo das notcias no-ficcional. Em relao pontuao caracterstica das notcias, constatamos, a partir de uma observao assistemtica de notcias jornalsticas, que151

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predominam, assim como nas cartas, pontos e vrgulas. Contudo, alm de pontos e vrgulas, podemos encontrar outros sinais de pontuao, como dois pontos, aspas e parnteses. Nas notcias, as aspas tm, por exemplo, a funo de delimitar trechos em discurso direto (reproduo de depoimentos, por exemplo). interessante observar que isso geralmente no ocorre nas fbulas, nas quais os dilogos so marcados por dois pontos e travesso. Caracterizados os trs gneros, passaremos, agora, a descrio das atividades desenvolvidas: Produo da carta de reclamao Esta atividade foi desenvolvida a partir de uma discusso sobre a escola na qual os alunos estudavam. Inicialmente, incentivamos os estudantes a expressarem suas opinies: sobre o que gostavam, sobre o que no gostavam, quais os problemas que precisariam ser solucionados etc. Em seguida, solicitamos que escolhessem um dos problemas que existia na unidade escolar e sugerimos que escrevessem, individualmente, uma carta direo da escola, reclamando sobre o problema constatado e pedindo providncias em relao ao mesmo. Dissemos a eles que era necessrio convencer o interlocutor (a direo) a atender ao pedido que estavam fazendo, apresentando justificativas que pudessem corroborar o que eles disseram. Quando terminaram de escrever, lemos (o pesquisador e a professora) cada uma das cartas e, seguindo acordo anterior, solicitamos que escolhessem uma delas para ser enviada ao destinatrio. No entanto, os alunos acabaram sugerindo que todas as cartas fossem entregues direo. Eis um exemplo de uma das cartas de reclamao produzidas: Deretora sei que acenhora tem muita coisa para resolve mais quero Lifala um negoso para acenhora resolve. Quando a cenhora este ver com menos pablema para resolve quero que acenhora resova o nego152

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so do balhero pofavor a queles balheros est em muito prisipau mente o balhero tam meninas e uma em mutise o cho fica alagado de agua quase todo o dia e a pasia do balhero mela do de emjieno e quanto a jeite vai lava as mo a pia fica vajano e o tedo fica com abenha e denque capais de pica os alunos e a quadra capais de cai pofavor que acenhora bode simento e tambem menhora o seu maumor com os aluno Produo da fbula Esta atividade foi desenvolvida a partir da leitura da conhecida fbula A lebre e a tartaruga. Inicialmente, dissemos aos alunos que iramos ler uma fbula chamada A lebre e a tartaruga e perguntamos se algum deles a conhecia (alguns disseram que sim). Em seguida, lemos a fbula em voz alta, tendo antes solicitado aos alunos que prestassem bastante ateno. Aps a leitura, conversamos sobre a fbula e recuperamos, oralmente, o texto (as personagens, a situao inicial, o conflito, o desfecho e a moral). Em seguida, solicitamos que reescrevessem a fbula que havia sido lida. Dissemos que as fbulas reescritas seriam lidas por alunos de outra escola que no conheciam a fbula. Portanto, eles precisariam escrever da forma mais clara possvel. Dissemos, tambm, que escrevessem, na fbula, os dilogos que ocorreram entre as personagens. Eis um exemplo de uma das fbulas produzidas: Alebre e a tartaruga Alebre muito impricante viu a tartaruga passando bem lento e dissi: saia da minha frente tartaruga, voc no153

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esta vendo que eu estou correndo, a tartaruga no falou nada mas no outro dia ela falou: alebre voc s veve empricando comigo, alebre dissi: vamos apostar uma corrida para ve que o venscedor. Os animais da floresta j estavam prontos todos sentados para ver a corrida de alebre e a tartaruga. Na hora da partida, os sinos tocaram e alebre saiu como um raiu na frente , a tartaruga bem lenta, alebre viu uma de arvor e foi dormir e esperou a tartaruga chegar. alebre zombou da tartaruga dezendo: Essa tartaruga e muito lenta muito devagar, Quando a tartaruga chegou alebre dissi: Esta canada tarataruga, sombando da tartaruga. O rato dissi: Alebre muito pegrisosa, e a tartaruga no falou nada ela continuou a corrida enquanto alebre pega no sono profundo. a tartaruga vensci e ela grita. Venci... Vensci, eu venci, e os animais j festeja a tartaruga. Produo de uma notcia Esta atividade foi desenvolvida a partir da leitura e discusso de uma notcia sobre uma baleia morta, que havia encalhado em uma praia do municpio de Jaboato dos Guararapes, da regio metropolitana do Recife. Inicialmente, perguntamos aos alunos se eles haviam visto na televiso ou escutado no rdio uma notcia sobre uma baleia que encalhou numa praia do municpio vizinho. Em seguida, mostramos a notcia no jornal e demos algumas informaes (nome do jornal, data da154

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publicao da notcia...). Perguntamos se gostariam de saber mais sobre o fato e, ento, lemos a notcia, tendo antes solicitado que prestassem bastante ateno. Em seguida, discutimos sobre o contedo do texto, buscando explorar as informaes principais (o que aconteceu, quando, onde, como e por que). Aps essa discusso, solicitamos que reescrevessem a notcia. Dissemos a eles que os textos produzidos seriam lidos por alunos de outra escola que no haviam lido a notcia e que no tinham conhecimento do fato (ou tinham uma ideia vaga). Eis um exemplo de uma das notcias produzidas: Baleia morre encalhada no Litoral de Jaboato. Uma baleia aparece morta, na Ilha do Amor, na praia de barra de jangada. trs pescadores, estavam voltando da pesca, de cinco horas da manh, e viram uma baleia de 12 metros de comprimentos, morta boiano na praia, do Litoral de Jaboato. Os pescadores ligaram para os bombeiros, e os bombeiros, diseram que eles rio, pega a lancha. e recolene a baleia da praia, porque o cheiro estava orrivel, trinta minutos depois, os bombeiros chegaram e avisaram, que eles no podiam retirar a balia, porque a lacha poderia ficar preza, nas pedras. Depois os bombeiros ligaram, para a secretaria do Meio ambiente, avisando que tinha, uma baleia na praia, e a secretaria do meio ambiente chegou depois do meio dia foi que a secretaria chegou e retirou a baleia da praia e resolveram enterar a balia na praia mesmo e depois de um ano eles iram voltar ao mesmo lugar para retirar os ossos da balia para monta-la e espor em uma espozio que vo abrir l em barra de Jangada.

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Anlise dos sinais de pontuao (quantidade e variedade) usados e de algumas estratgias de uso desses sinais em gneros textuais diferentes Os resultados deste estudo evidenciaram que a maior parte dos sinais de pontuao apareceu nos textos dos alunos, com exceo apenas dos parnteses e do ponto-e-vrgula, conforme podemos observar na Tabela 1. Constatamos, ainda, que o ponto e a vrgula foram empregados em todos os gneros textuais em quantidades muito superiores s dos outros sinais. importante tambm mencionarmos que o ponto foi usado por praticamente todos os alunos, nos trs gneros, como pode ser constado na Tabela 2. Segundo Rocha (1994), Muitas crianas que j sentem a necessidade de pontuar, mas ainda no sabem bem como faz-lo, recorrem ao ponto ou vrgula (p.170-1).TABELA 1: Frequncia e percentual de emprego dos sinais de pontuao por gneros textuais

Gneros Sinais . , ? ! : ... Total Carta de reclamao n. 64 46 2 5 13 1 1 0 132 % 48,5 34,8 1,5 3,8 9,8 0,8 0,8 0,0 100,0 n. 75 116 13 15 26 23 1 1 270 Fbula % 27,8 43,0 4,8 5,6 9,6 8,5 0,4 0,4 100,0 n. 73 76 0 0 5 0 0 0 154 Notcia % 47,4 49,4 0,0 0,0 3,2 0,0 0,0 0,0 100,0

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TABELA 2: Frequncia e percentual de alunos que empregaram os sinais de pontuao por gneros textuais (N= 15)

Gneros Sinais Carta de reclamao n. % 14 7 1 3 9 1 1 0 93,3 46,7 6,7 20,0 60,0 6,7 6,7 0,0 Fbula n. 15 10 4 2 7 4 1 1 % 100,0 66,7 26,7 13,3 46,7 26,7 6,7 6,7 n. 15 10 0 0 4 0 0 0 Notcia % 100,0 0,0 0,0 0,0 26,7 0,0 0,0 0,0

. , ? ! : ...

Considerando cada um dos gneros, observamos que nas cartas de reclamao os alunos utilizaram ponto, vrgula, ponto de interrogao, ponto de exclamao, dois pontos, travesso e aspas: o ponto foi o sinal mais empregado (48,5%), seguido das vrgulas (34,8%). Schneuwly (1998) constatou que, nas cartas do leitor, um gnero da ordem do argumentar, tambm havia uma grande densidade de pontos em relao s vrgulas. Segundo o autor, como o processo de planificao realizar-se-ia por pequenos blocos (argumento por argumento), as rupturas da atividade seriam mais frequentes, o que se expressaria por meio de um uso mais intenso do ponto. Observamos que alguns dos alunos separavam a indicao do objeto alvo de reclamao da justificativa para convencimento de que o objeto merece ser alvo de reclamao e a indicao de sugestes de providncias a serem tomadas da justificativa para convencimento de que a sugesto adequada por meio de alguma marca de pontuao (vrgula ou ponto). Eis alguns exemplos:157

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Deretora Eu vou Reclamar do banheiro,, Porque fica o banheiro todo molhado. O cho dodo molhado, ficar cheios de microoganmos, baquictraso.... Ns queremos que ageitem o banheiro das Meninas,, porque ns podemos pegar algum jermes. pela quela gua que derrama no cho da pia do banheiro onde ns lava as Mos... Os outros sinais de pontuao que apareceram nas cartas de reclamao tiveram poucas ocorrncias, se comparados ao ponto e vrgula: dois pontos (9,8%), ponto de exclamao (3,8%), ponto de interrogao (1,5%), travesso (0,8%) e aspas (0,8%). Entendemos que tais resultados relacionam-se s caractersticas desse gnero, no qual predomina pontos e vrgulas, conforme observao assistemtica que fizemos de cartas de reclamao de circulao social. Isso parece explicar, portanto, a baixa frequncia dos outros sinais de pontuao encontrados no corpus analisado. Quanto aos dois pontos, observamos que, quando usados de forma convencional, estes sinais tinham a funo de anunciar o destinatrio, o remetente e a data. Embora esta estratgia no seja a mais convencional, interpretamos que aquele emprego dos dois pontos parece estar associado s caractersticas do gnero, pois nas cartas, geralmente, aparecem aqueles componentes (destinatrio, remetente e data) e, ao que parece, os alunos sentiram a necessidade de anunci-los por meio daqueles sinais. Por outro lado, acreditamos que tambm possa haver um efeito de experincias escolares com cabealhos, que, normalmente, apresentam informaes que so introduzidas por dois pontos (nome do aluno, do professor, data). Eis um exemplo:

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De: Michele Cristiane da Silva. : Para: a diretoria da escola. :

Data: 16-08-002 :

Embora mais raros, o ponto de interrogao e o ponto de exclamao tambm apareceram nas cartas de reclamao. Estes sinais tambm se relacionam s caractersticas do gnero, pois no transgridem o seu objetivo, que no apenas expor o objeto de reclamao, mas, principalmente, justificar sua pertinncia, de modo a que a reclamao seja atendida o mais rapidamente possvel (SILVA, 2008). Nesse sentido, o ponto de interrogao e o de exclamao cumprem a finalidade de interpelar o interlocutor e a de indicar que a entonao do perodo enftica, intensa. Eis alguns exemplos: ! (...) Sim! e o buraco do banheiro que cheio de abelhas e maribundos que atacam agente.... (...) Por favor ser que a senhora poderia ageitar obanheiro das meninas?... ?

Como observou Teberosky (1994), nas cartas de opinio, possvel dirigir-se ao destinatrio no s por meio da modalidade assertiva, mas tambm da negativa e/ou interrogativa. Interpretamos, assim, que as exclamaes tambm cumprem uma funo nas cartas de opinio e, mais ainda, nas cartas de reclamao. Concebemos, portanto, que o uso dos pontos de interrogao e de exclamao poderia estar relacionado quelas caractersticas scio-discursivas das cartas de reclamao. Observamos, ainda, um caso de aluna que escreveu em sua carta de reclamao um trecho em discurso direto, empregando convencionalmente dois pontos e travesso, alm de ponto de interrogao. Embora tais sinais tenham sido empregados corretamente, constatamos que ocorre, neste caso, uma transgresso das caractersticas das cartas, de modo geral, pois, via de regra, no encontramos dilogos nesse gnero. No entanto, considerando que o objetivo da carta reclamar, interpreta-mos que o dilogo, apesar de no se ajustar ao que se concebe como prottipo do gnero, no transgride a finalidade de reclamao. Eis o trecho da carta:159

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(...) Eu no guento mais. quando vou ao banheiro pisar numa poa de gua: Ser que pode?... Considerando, agora, as fbulas, observamos que os alunos empregaram ponto, vrgula, ponto de interrogao, de exclamao, dois pontos, travesso, aspas e reticncias. Assim como ocorreu nas cartas de reclamao, os sinais mais frequentes foram as vrgulas (43,0%) e os pontos (27,8%). No entanto, outros sinais tambm foram empregados de forma significativa: dois pontos (9,6%), travesso (8,5%), ponto de exclamao (5,6%) e ponto de interrogao (4,8%). Compreendemos que a presena significativa dos dois pontos e do travesso est associada notao do discurso direto, pois nas fbulas, assim como nas histrias, comum encontrarmos trechos em discurso direto, que reproduzem as falas das personagens. De acordo com Machado (1994), os trechos em discurso direto so marcados, de modo geral, por meio de travesses e anunciados por verbos de elocuo, seguidos de dois pontos. Vejamos alguns trechos em uma das fbulas: .A Lerbe estava andando e foi quando, Ele vio, a Tartaruga, e ficou chingando, a tartaruga, e a Lerbe, disse: Voc Tartaruga, muito Devagar, sua alejadinha: E a tartaruga emtao falou: Se eu sou alejada, emtao Vamos, apostar, uma corrida. E a lerbe, disse. Nem melhor, Voc tenta, Voc muito, devaga, at para, correr. (...) E a tartaruga disse: Vai ou no. E a Lerbe disse: Vamos. Lar....

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Embora este aluno tenha usado convencionalmente os dois pontos e os travesses de modo sistemtico, notamos que h naquela fbula uma oscilao: em um dos trechos o aluno usou ponto e no dois pontos (E a lerbe, disse.). Alm disso, vimos que aquele mesmo aluno usou um dois pontos inusitado ao trmino de um trecho em discurso direto ( Voc Tartaruga, muito Devagar, sua alejadinha:). Essa falta de consistncia ao pontuar revela, como observaram Ferreiro (1996) e Silva e Brando (1999), uma explorao das diversas alternativas para resolver o problema. Observamos, tambm, alguns casos de marcao no-convencional de dilogos. Um deles consistia em empregar ponto de exclamao e ponto de interrogao limitando os trechos em discurso direto. Nesse caso, de modo geral, o ponto de exclamao substitua os dois pontos (aps o verbo disse) e o ponto de interrogao encerrava os trechos em discurso direto. Observando mais detidamente o exemplo, percebemos que tal marcao dos dilogos era bem sistemtica no meio do texto, em contraposio ao incio. Isto , parecia que o aluno estava, inicialmente, ensaiando tal alternativa. Eis o exemplo: A tartaruga, estava, passeando e a Lebre, lhe enterrompeu. A Lebre disse! Saia da frente, sua tartaruga boba? no v, que est me atrapalhando, na corrida. E a tartaruga, nem ligou, e seguiu, o seu passeio. Mas a Lebre, ensistente, ficou emplicando, com a tartaruga! E disse! Vamos apostar, uma corrida? e a tartaruga, disse! Vamos. E a Lebre disse! Mas que tartaruga boba como pode imaginar que pode ganhar di mim? E no dia, seguinte, elas, se encontraram, e a Lebre como sempre implicante disse! esta pronta tartaruga? E ela, disse! estou? E ela disse! vamos comear? E tartaruga, disse! vamos? E a Lebre, como pensava, que iria, vencer, disse! vou descanar, um pouco? sei que vou vencer? disse ela! vou esperar, ela, passar,161

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por aqui. E a tartaruga, como sempre, vinha andando, sem a menor prea. E Lebre. disse! Oi tartaruguinha, como vai est muito, suada? E o rato disse! Mas que Lebre, implicante? E a tartaruga, foi embora e quando a Lebre, se acordou, teve uma amarga, surpresa. Pois a tartaruga, tinha vencido, a corrida. E todos, os animais deram uma festa, por a sua vitria. Outros casos de marcao no-convencional (ou de ausncia de marcao) dos dilogos tambm foram observados: emprego de dois pontos e de vrgulas limitando trechos em discurso direto (sem travesso); emprego de ponto de interrogao aps verbo responsvel pela introduo dos dilogos (verbo dicendi); emprego de travesso indicando a fala das personagens e separando trechos em discurso direto da narrao, mas sem dois pontos introduzindo os dilogos; ausncia de marcao dos dilogos por meio de sinais de pontuao (os dilogos apareciam embutidos na narrativa). De modo geral, observamos que o verbo disse (verbo dicendi ou de elocuo) funcionava como uma pista para o emprego dos dois pontos nos dilogos, conforme tambm constatado por Rocha (1994). Observamos que mesmo nos casos em que os alunos empregavam sinais no-convencionais (como ponto de interrogao e de exclamao), o disse funcionava como elemento sinalizador da separao entre as sequncias discursivas do texto: narrativa e dilogos. Como dissemos na metodologia, solicitamos explicitamente aos alunos que escrevessem, em seus textos, os dilogos entre as personagens das fbulas. Como antecipvamos, esta recomendao propiciou, provavelmente, um aparecimento mais representativo dos sinais que normalmente ocorrem em trechos conversacionais. Conforme evidncias prvias de outras pesquisas (ROCHA, 1994, 1996; FERREIRO, 1996), os dilogos so locais de concentrao da pontuao na escrita infantil. Considerando tais resultados, tnhamos a inteno de162

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observar se isso tambm ocorreria nos textos dos alunos que participaram do nosso estudo, o que se confirmou. Alm dos dois pontos e dos travesses, comum tambm encontrarmos, nos dilogos, sinais que tm funes expressivas mais especficas, como o ponto de interrogao e o ponto de exclamao. Embora as reticncias (0,8%) tenham aparecido apenas uma vez, importante registrar que este sinal foi empregado nos trechos dialogais. Eis alguns exemplos: (...) Por que voc zomba de mim? (...) oi tartaruga demente j est cansada e por que est to suada? (...) a tartaruga ganhou e eles festejaram dizendo viva! a tartaruga venceu! viva! (...) e sino batel tim, tim, tim... Em relao s notcias, constatamos que os alunos usaram, surpreendentemente, apenas pontos (47,4%), vrgulas (49,4%) e dois pontos (3,2%). No entanto, interessante notar que os pontos e as vrgulas predominaram. Compreendemos, mais uma vez, que tais resultados relacionam-se s caractersticas do gnero, pois, nas notcias, o escritor usa predominantemente pontos e vrgulas. A preferncia quase que exclusiva por pontos e vrgulas relaciona-se, portanto, s propriedades sintticas das notcias: preferncia por frases curtas, ativas e afirmativas, com estrutura predominantemente constituda por sujeito-verbo-objeto. Alm disso, as aposies e, consequentemente, as vrgulas so bastante frequentes no gnero notcia jornalstica (TEBEROSKY, 1994; KAUFMAN; RODRIGUEZ, 1995). surpreendente, portanto, constatarmos como os estudantes respeitaram a pontuao caracterstica das notcias jornalsticas, pois no usaram sinais que normalmente no aparecem (e que devem ser

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evitados, de acordo com manuais de redao) nas notcias, tais como os pontos de exclamao, de interrogao e as reticncias. Nas notcias, tambm apareceram alguns dois pontos, que tinham, de modo mais geral, a funo de introduzir uma explicao ou uma enumerao, tal como nos exemplos abaixo. Esses sinais tinham, nesse caso, uma funo muito distinta daquela que exerciam nas fbulas (anunciar as falas das personagens) e mesmo nas cartas de reclamao (anunciar componentes do texto). Noticia: A Baleia fica incalhada na ilha de Jaboato dos guararapes. (...) eles chamaram: o corpo de bonbeiros, o ibama ea secre taria do meio anbiente... Observamos, ainda, que alguns dos alunos usavam determinados sinais de pontuao, principalmente o ponto, separando a informao central dos detalhes da notcia. Que concluses podem ser tiradas a partir desse dado? Interpretamos que tal dado parece sugerir que os alunos sabiam que a informao central da notcia deveria aparecer no incio do texto e que ela deveria ser separada, de algum modo, do restante do texto por meio de algum sinal de pontuao. Como exemplos, temos: Uma baleia aparece morta, na Ilha do Amor, na praia de barra de jangada. trs pescadores, estavam voltando da pesca, de cinco horas da manh, e viram uma baleia de 12 metros... Constatamos, tambm, que alguns alunos empregavam determinadas marcas de pontuao (ponto e/ou espao em branco) separando a manchete do corpo das notcias (6 deixaram espao em branco e 7 colocaram ponto e espao em branco), tal com podemos observar neste exemplo:

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Baleia aparecer mortar em Jaboato dos Guararapes. A Baleia 300 quilos, aparece motar peto da Ilha do amor, em Candeias em Jaboato, dos guararapes. El parece com a espece jubater, 12 m de comprimento, os trabralhadores ligaram para o ibama, mas o ibama no comsiguio tira ela, tiveram que eterala na ilha do amor, porque os bombeiro no comsiquiro puxa ela poque os laxas podio bater nas pedras que etavam na areia da praia. Constatamos, ainda, que alguns dos alunos ressaltavam as manchetes da notcia por meio de recursos grficos, tais como letra de forma, negrito e sublinhado (1 usou letra de forma, 1 negrito e 1 negrito e sublinhado). Eis um dos exemplos: Uma baleia encalhada na praia de Jaboato Foi encontrada na praia de jaboato. Uma baleia de 12 metros de conprimeto, foi encontrada por trs pescadores, ela estava encalhada entre as predas a praia se chamava. Praia do amor, os pescadores no estva aguentando o mao cheiro, chamaro os bonbeiro, chamaran tanbn a secretara do meo anbiente e mandaro. Retalhar, interrar e depois de um ano ia tirar i botar no muzeu das balas que ia costrui assim prometeu.165

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Algumas consideraes finais Apesar de exploratria, esta pesquisa evidenciou que a pontuao usada pelos alunos relaciona-se, de algum modo, s caractersticas dos gneros textuais que foram produzidos. Como evidncia disso, destacamos a ausncia de ponto de interrogao, ponto de exclamao e reticncias nas notcias, assim como a presena significativa de dois pontos, travesso, ponto de interrogao e de exclamao nas fbulas, sobretudo nos dilogos ou em suas imediaes. Como a pontuao no um objeto de conhecimento fixo, pois depende, entre outros fatores, das caractersticas dos gneros textuais a serem produzidos, interpretamos que os alunos usaram, de modo geral, a pontuao de acordo com o gnero, contrariando a ideia de que, por serem escritores iniciantes, usariam a pontuao de uma forma aleatria, desconsiderando os sinais caractersticos de cada gnero. Agora, analisar se o uso da pontuao (quantidade e variedade de sinais e adequao do emprego dessas marcas) est relacionado ao domnio do gnero um aspecto que escapa aos objetivos deste estudo. Entendemos que esta lacuna poder ser preenchida por futuras pesquisas que examinem aquela relao em diversos gneros escritos. Ferreiro (1996), por exemplo, observou que a completude das histrias escritas por crianas relacionava-se significativamente ao aumento no emprego (quantidade e variedade) de sinais de pontuao. Esperamos os resultados deste estudo possam contribuir para evidenciar que a pontuao no pode ser tratada de forma dissociada dos gneros textuais nos quais ela aparece, pois os diversos gneros que circulam na sociedade apresentam propriedades gramaticais, textuais e scio-discursivas distintas, que influenciam tanto a escolha, como o emprego dos sinais de pontuao. Como analisamos os conhecimentos dos aprendizes sobre um determinado objeto de conhecimento ensinado pela escola, acreditamos que os resultados aqui apresentados podero subsidiar a elaborao de estratgias de ensino que levem em conta as evidncias166

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apresentadas sobre como os alunos dos anos iniciais do Ensino Fundamental apropriam-se daquele objeto de saber. RefernciasBAJARD, lie. Ler e dizer: compreenso e comunicao do texto escrito. So Paulo: Cortez, 1994. 118p. BAKHTIN, Mikhail. Esttica da criao verbal. So Paulo: Martins Fontes, 1992. 421p. CARDOSO, Cancionila J. A socioconstruo do texto escrito: uma perspectiva longitudinal. Campinas: Mercado de Letras, 2003. 232p. CHACON, L. A pontuao e a demarcao de aspectos rtmicos da linguagem. DELTA, So Paulo, v.13, n.01, p. 1-16, 1997. SCHNEUWLY, Bernard; DOLZ, Joaquim. Gneros orais e escritos na escola. Campinas: Mercado de Letras, 2004. 278p. FERREIRO, Emilia. Os limites do discurso: pontuao e organizao textual. In: FERREIRO, Emilia. et al. Chapeuzinho Vermelho aprende a escrever: estudos psicolingusticos comparativos em trs lnguas. So Paulo: tica, 1996. p. 123150 FERREIRO, Emilia; TEBEROSKY, Ana. Psicognese da lngua escrita. Porto Alegre: Artes Mdicas, 1985. 284p. KAUFMAN, Ana M.; RODRIGUEZ, Maria E. Escola, leitura e produo de textos. Porto Alegre: Artes Mdicas, 1995. LEAL, Telma F.; GUIMARES, Gilda L. Por que to difcil ensinar a pontuar? Revista Portuguesa de Educao. Porto, v.15, n.01, p. 129-146, 2002. LIMA, Margareth B. de Q. O uso e a compreenso das marcas de pontuao por crianas. 2003. Dissertao Curso de Mestrado em Psicologia Cognitiva,

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Alexsandro da Silva graduado em Pedagogia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), mestre em Educao e doutor em Educao pela mesma instituio, com doutorado-sanduche no Institut National de Recherche Pdagogique Paris, Frana. Atualmente, professor da UFPE e coordenador do Centro de Estudos em Educao e Linguagem (CEEL) dessa mesma universidade. Tem como principal rea de atuao o ensino e a aprendizagem da lngua escrita na Educao Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental (incluindo Educao de Jovens e Adultos), dedicando-se especialmente aos seguintes tpicos: anlise lingustica; alfabetizao e letramento; leitura e produo de diferentes gneros textuais escritos. Organizador, com Artur Gomes de Morais e Ktia Leal Reis de Melo, do livro Ortografia na sala de aula (Autntica, 2005) e co-autor dos livros Desafios da educao de jovens e adultos: construindo prticas de alfabetizao (Autntica, 2005) e A alfabetizao de jovens e adultos em uma perspectiva de letramento (Autntica, 2004). E-mail: [email protected] Submetido em: janeiro de 2010 Aceito em: maro de 2010169