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Cap´ ıtulo 4 Potenciais Termodinˆ amicos 4.1 Rela¸c˜ ao fundamental Representa¸ ao da energia As propriedades termodinˆamicas de um fluido isotr´opico, confinado num re- cipiente, envolvem diversas grandezas termodinˆamicas tais como a press˜ao, a temperatura, o volume, a energia interna e a entropia. Essas grandezas n˜ao s˜ao todas independentes. Para determinar quantas e quais poder˜ao ser tratadas como independentes come¸ camos por examinar a equa¸ c˜ao dU = T dS - pdV. (4.1) Vemos que ´ e natural imaginar U como dependente de S e V . Al´ em disso, se entendermos a energia interna U (S, V ) como fun¸ c˜aode S e V ,ent˜ao essa equa¸ c˜ao nos permite obter a press˜ao e a temperatura tamb´ em como fun¸ c˜oesde S e V por meio das rela¸ c˜oes T = ∂U ∂S , p = - ∂U ∂V . (4.2) As pondera¸ c˜oes acima foram feitas considerando uma determinada quan- tidade de mat´ eria confinada no recipiente. Entretanto, a quantidade da substˆancia de que ´ e composto o fluido pode tamb´ em ser alterada. Para especificar completamente o estado termodinˆamico do fluido devemos por- tanto indicar o n´ umero de moles N da substˆancia contida no recipiente al´ em de S e V . O estado termodinˆamico de equil´ ıbrio fica definido pelas vari´aveis 51

Potenciais Termodinˆamicos - USPfig.if.usp.br/~oliveira/term042ed.pdf · 1, V 2 = λV 1 e N 2 = λN 1, em que λ ´e o fator de ampliac¸˜ao. As energias s˜ao dadas por U 2 = U(S

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Capıtulo 4

Potenciais Termodinamicos

4.1 Relacao fundamental

Representacao da energia

As propriedades termodinamicas de um fluido isotropico, confinado num re-cipiente, envolvem diversas grandezas termodinamicas tais como a pressao,a temperatura, o volume, a energia interna e a entropia. Essas grandezasnao sao todas independentes. Para determinar quantas e quais poderao sertratadas como independentes comecamos por examinar a equacao

dU = TdS − pdV. (4.1)

Vemos que e natural imaginar U como dependente de S e V . Alem disso,se entendermos a energia interna U(S, V ) como funcao de S e V , entaoessa equacao nos permite obter a pressao e a temperatura tambem comofuncoes de S e V por meio das relacoes

T =∂U

∂S, p = −

∂U

∂V. (4.2)

As ponderacoes acima foram feitas considerando uma determinada quan-tidade de materia confinada no recipiente. Entretanto, a quantidade dasubstancia de que e composto o fluido pode tambem ser alterada. Paraespecificar completamente o estado termodinamico do fluido devemos por-tanto indicar o numero de moles N da substancia contida no recipiente alemde S e V . O estado termodinamico de equilıbrio fica definido pelas variaveis

51

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52 4 Potenciais Termodinamicos

independentes S, V , e N . Equivalentemente, podemos dizer que a cadaestado termodinamico de equilıbrio de um fluido isotropico composto poruma unica substancia pura corresponde um ponto no espaco termodinamico(S, V, N). Notar que estamos supondo o fluido como composto por umaunica substancia pura. Para um fluido composto por varias substanciaspuras seria necessario indicar o numero de moles de cada substancia.

Sendo U tambem uma funcao de N , e conveniente definir uma grandezaque esteja associada a variacao da energia quando se faz um incremento donumero de moles da substancia pura que compoe o fluido. Essa grandezae denominada potencial quımico µ e e definida por

µ =∂U

∂N, (4.3)

de modo que podemos escrever a conservacao da energia em forma diferen-cial como

dU = TdS − pdV + µdN. (4.4)

A energia interna U(S, V, N) como funcao das variaveis independentesS, V , e N e denominada relacao fundamental na representacao da ener-gia, pois a partir dela podemos obter as propriedades termodinamicas dosistema em consideracao. Derivando a energia relativamente a S, V , e N ,obtemos as equacoes (4.2) e (4.3), denominadas equacoes de estado na re-presentacao da energia. Admitimos como postulado que a energia internaU e suas derivadas T , p e µ sejam funcoes contınuas ou, equivalentemente,que a energia interna e funcao contınua e diferenciavel da entropia, volumee numero de moles.

Representacao da entropia

Invertendo a relacao fundamental U(S, V, N) relativamente a S, obtemosa entropia S(U, V, N) como funcao das variaveis independentes U , V , e N ,que e a relacao fundamental na representacao da entropia, pois a partirdela podemos obter as propriedades termodinamicas do sistema em con-sideracao. Nessa representacao, o estado termodinamico e definido por umponto no espaco (U, V, N). A partir de (4.4) podemos escrever

dS =1

TdU +

p

TdV −

µ

TdN, (4.5)

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4.2 Extensividade 53

da qual seguem as tres equacoes de estado

1

T=

∂S

∂U,

p

T=

∂S

∂V,

µ

T= −

∂S

∂N, (4.6)

na representacao da entropia.

Como S(U) e inversa de U(S) e, sendo a energia contınua e diferenciavelem S, V e N , entao a entropia e funcao contınua e diferenciavel na energia,volume e numero de moles.

4.2 Extensividade

Variaveis extensivas

Os sistemas termodinamicos exibem a propriedade de extensividade. Aprincipal consequencia de tal propriedade consiste na reducao do numerode variaveis necessarias a descricao de um sistema termodinamico. Paraa analise da propriedade de extensividade, devemos inicialmente distinguiras variaveis que sao extensivas daquelas que denominamos campos ter-modinamicos, que nao sao extensivas. O volume V , a energia interna U , aentropia S e o numero de moles N sao variaveis extensivas. A pressao p, atemperatura T e o potencial quımico µ, sao campos termodinamicos. Numsistema em equilıbrio termodinamico, os campos termodinamicos possuemo mesmo valor em cada parte do sistema, independentemente do tamanhode cada parte. As variaveis extensivas por outro lado assumem valores quedependem do tamanho de cada parte.

Vamos imaginar duas copias de um mesmo sistema tais que uma delasseja uma ampliacao da outra. As entropias, os volumes e os numeros demoles das copias estao relacionados por S2 = λS1, V2 = λV1 e N2 =λN1, em que λ e o fator de ampliacao. As energias sao dadas por U2 =U(S2, V2, N2) e U1 = U(S1, V1, N1). Tal sistema exibe a propriedade deextensividade se as energias tambem estiverem relacionadas por U2 = λU1.Isso significa que a relacao fundamental deve obedecer a equacao

λU(S, V, N) = U(λS, λV, λN), (4.7)

para quaisquer valores positivos de λ. Ou seja, U deve ser uma funcaohomogenea de primeira ordem relativamente a S, V , e N .

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54 4 Potenciais Termodinamicos

Derivando ambos os lados de (4.7) em λ e colocando em seguida λ = 1,obtemos

U = TS − pV + µN, (4.8)

que e a equacao de Euler. A partir da relacao fundamental, as equacoesde estado sao obtidas por diferenciacao. Se, entretanto, nao conhecermosa relacao fundamental, mas, as tres equacoes de estado, isto e, T , p, e µcomo funcoes de S, V e N , entao aquela pode ser obtida por integracao oupela substituicao na relacao de Euler. Na verdade, o conhecimento de duasequacoes de estado mais a propriedade de extensividade e suficiente paraobter a relacao fundamental.

4.2.1 Grandezas molares

A propriedade de extensividade, dada pela relacao (4.7), permite que a des-cricao de um sistema termodinamico possa ser feito por um numero menorde variaveis independentes. Tal descricao envolve grandezas denominadasdensidades termodinamicas, definidas pela razao entre grandezas extensi-vas. Embora nao sejam extensivas, as densidades termodinamicas formamuma classe de variaveis termodinamicas que deve ser distinguida da classedos campos termodinamicos. Particularmente util sao as densidades ter-modinamicas que se obtem dividindo as grandezas extensivas pelo numerode moles N , chamadas grandezas molares. Assim, definimos a energia pormol, ou energia molar, u = U/N , entropia por mol, ou entropia molar,s = S/N e o volume por mol, ou volume molar, v = V/N .

Se na relacao (4.7) colocarmos λ = 1/N , entao o lado esquerdo se tornaa energia molar u e o lado direito se torna uma funcao de duas variaveisapenas: a entropia molar s e o volume molar v. Concluımos, pois, queu(s, v) e funcao somente de s e v e que

U(S, V, N) = Nu(S

N,V

N). (4.9)

Portanto, se conhecermos u(s, v), a relacao fundamental pode ser imedia-tamente recuperada pela formula acima. Ou seja, u(s, v) e equivalente arelacao fundamental.

A partir de (4.2) e (4.9) concluımos que

T =∂u

∂s, p = −

∂u

∂v, (4.10)

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4.2 Extensividade 55

o que permite escrever a forma diferencial para a energia molar,

du = Tds − pdv. (4.11)

A extensividade de S(U, V, N) permite concluir tambem que as pro-priedades termodinamicas podem ser determinadas a partir da entropiamolar s(u, v) como funcao da energia molar u e do volume molar v. Seconhecermos s(u, v), podemos recuperar a relacao fundamental na repre-sentacao da entropia por meio de

S(U, V, N) = Ns(U

N,V

N). (4.12)

A partir dessa equacao e de (4.6), concluımos que

1

T=

∂s

∂u,

p

T=

∂s

∂v, (4.13)

o que nos permite escrever a forma diferencial,

ds =1

Tdu +

p

Tdv, (4.14)

para a entropia molar.As capacidades termicas molares cv = Cv/N e cp = Cp/N , ou calores

especıficos, assim como κT , κs e α, podem ser obtidos a partir de grandezasmolares

cv = T

(

∂s

∂T

)

v

, cp = T

(

∂s

∂T

)

p

, (4.15)

κT = −1

v

(

∂v

∂p

)

T

, κs = −1

v

(

∂v

∂p

)

s

, α =1

v

(

∂v

∂T

)

p

. (4.16)

Gas ideal

Vamos considerar, como exemplo, um gas ideal cujas equacoes de estadopv = RT e u = cT sao escritas na forma

1

T=

c

u,

p

T=

R

v. (4.17)

Portanto, de acordo com (4.13), obtemos

∂s

∂u=

c

u,

∂s

∂v=

R

v, (4.18)

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56 4 Potenciais Termodinamicos

a partir das quais obtemos s pela integral de caminho

s = s0 +

{1

Tdu +

p

Tdv} = s0 +

{c

udu +

R

vdv}. (4.19)

Escolhendo um caminho qualquer que comece no ponto de referencia (u0, v0),obtemos

s = s0 + c lnu

u0

+ R lnv

v0

. (4.20)

Invertendo essa relacao,

u = u0 exp{1

c[s − s0 − R ln

v

v0

]}. (4.21)

Portanto, as relacoes fundamentais para um gas ideal nas representacoesda entropia e da energia sao, respectivamente,

S = N{s0 + c lnU

Nu0

+ R lnV

Nv0

} (4.22)

e

U = Nu0 exp{1

c[S

N− s0 − R ln

V

Nv0

]}. (4.23)

Efetuando as derivadas de U relativamente a S e V , recuperamos as equa-coes de estado de um gas ideal, T = U/Nc e p = RU/cV . De fato, aprimeira da U = NcT que, substituıda na segunda, fornece p = RNT/V .

Fluido de van der Waals

Como segundo exemplo, vamos considerar um fluido de van der Waals, istoe, um fluido que segue a equacao de van der Waals

p =RT

v − b−

a

v2(4.24)

e a seguinte equacao para a energia interna molar

u = cT −a

v. (4.25)

A partir da equacao (4.25), obtemos

1

T=

cv

uv + a, (4.26)

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4.3 Transformacoes de Legendre 57

que pode ser considerada uma equacao de estado na representacao da en-tropia, ja que o lado direito depende de u e v. A partir da equacao (4.24),obtemos

p

T=

R

v − b−

a

v2

1

T, (4.27)

ou, usando a equacao (4.26),

p

T=

R

v − b−

ac

v(uv + a), (4.28)

ou aindap

T=

R

v − b−

c

v+

cu

uv + a, (4.29)

que pode ser considerada uma equacao de estado na representacao da en-tropia, pois o lado direito depende de u e v. Integrando as equacoes deestado a partir de um estado de referencia (u0, v0), para o qual a entropiamolar vale s0, temos

s = s0 + c ln(uv + a)v0

(u0v0 + a)v+ R ln

v − b

v0 − b. (4.30)

Para obter a relacao fundamental S(U, V, N) basta fazer as substituicoess = S/N , u = U/N e v = V/N ,

S = Ns0 + Nc ln(UV + N2a)v0

(u0v0 + a)NV+ NR ln

V − Nb

(v0 − b)N. (4.31)

4.3 Transformacoes de Legendre

Energia livre de Helmholtz

O uso da transformacao de Legendre nos permite obter outras representa-coes equivalentes da relacao fundamental. Em outros termos, ela permiteque se use outras grandezas termodinamicas como variaveis independentes.Vamos inicialmente fazer a mudanca (S, V, N) → (T, V, N). Nessa novarepresentacao a relacao fundamental e dada pelo potencial termodinamicodenominado energia livre de Helmholtz F (T, V, N), definido pela trans-formacao de Legendre

F (T ) = minS

{U(S) − TS}, (4.32)

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58 4 Potenciais Termodinamicos

S

U(a) (b)

T

F

(c)

S

T S(d)

T

Figura 4.1: Funcao U(S) e sua transformada de Legendre F (T ). Suas derivadasT = ∂U/∂S e S = −∂F/∂T sao funcoes inversas uma da outra.

que deve ser entendida como segue. Fixado um determinado valor da tem-peratura, variamos a entropia ate encontrar o mınimo da expressao entrechaves, isto e, ate encontra a menor diferenca entre U(S) e TS. ComoU(S) e diferenciavel, o mınimo ocorre quando U ′(S) = T . Invertendo essaequacao, obtemos S(T ) que, substituıdo em (4.32), da

F (T ) = U(S) − TS. (4.33)

A partir de (4.33) obtemos F ′(T ) = −S. Portanto as derivadas T (S) =∂U/∂S e S(T ) = −∂F/∂T formam um par de funcoes inversas, como podeser visto na figura 4.1. Esse resultado fornece uma maneira de construira transformada de Legendre: (a) inicialmente, determinamos a derivadaT (S) de U relativamente a S; (b) invertemos T (S) para obter S(T ) que e

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4.3 Transformacoes de Legendre 59

a derivada de −F relativamente a T ; (c) a integral de S(T ) fornece F (T )com sinal contrario, a menos de uma constante.

A partir da relacao (4.33) e (4.4), encontramos,

dF = −SdT − pdV + µdN, (4.34)

ou equivalentemente

S = −

(

∂F

∂T

)

V,N

, p = −

(

∂F

∂V

)

T,N

, µ =

(

∂F

∂N

)

T,V

, (4.35)

que sao as equacoes de estado.

Entalpia

O potencial termodinamico denominado entalpia H(S, p, N) e definido pelatransformacao de Legendre

H(p) = minV

{U(V ) + pV }. (4.36)

e corresponde a mudanca das variaveis independentes (S, V, N) → (S, p, N).Como U(V ) e diferenciavel, entao o mınimo ocorre quando U ′(V ) = −p.Invertendo p(V ), obtemos V (p) que, substituıdo na expressao entre chaves,nos da

H(p) = U(V ) + pV. (4.37)

Derivando relativamente a p, temos H ′(p) = V , de modo que as derivadasp(V ) = −∂U/∂V e V (p) = ∂H/∂p sao funcoes inversas.

A partir da relacao (4.37) e (4.4), encontramos

dH = TdS + V dp + µdN, (4.38)

ou equivalentemente

T =

(

∂H

∂S

)

p,N

, V =

(

∂H

∂p

)

S,N

, µ =

(

∂H

∂N

)

S,p

, (4.39)

que sao as equacoes de estado.

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60 4 Potenciais Termodinamicos

Energia livre de Gibbs

O potencial termodinamico denominado energia livre de Gibbs G(T, p, N)e obtido a partir da energia livre de Helmholtz pela transformacao de Le-gendre

G(p) = minV

{F (V ) + pV }. (4.40)

Usando a relacao (4.34), encontramos

dG = −SdT + V dp + µdN, (4.41)

ou equivalentemente

S = −

(

∂G

∂T

)

p,N

, V =

(

∂G

∂p

)

T,N

, µ =

(

∂G

∂N

)

T,p

, (4.42)

que sao as equacoes de estado. Alternativamente, podemos definir a energialivre de Gibbs a partir da entalpia pela transformacao de Legendre

G(T ) = minS

{H(S) − TS}, (4.43)

o que nos leva novamente a relacao (4.41), bastando para isso usar (4.38).

Grande potencial termodinamico

Outros potenciais termodinamicos podem ser obtidos considerando trans-formacoes que envolvam o numero de moles. Um desses potenciais e ogrande potencial termodinamico Φ(T, V, µ), definido pela transformacao deLegendre,

Φ(µ) = minN

{F (N) − µN}, (4.44)

obtida a partir da energia livre de Helmholtz. A partir da relacao (4.34),encontramos

dΦ = −SdT − pdV − Ndµ, (4.45)

o que nos permite escrever

S = −

(

∂Φ

∂T

)

V,µ

, p = −

(

∂Φ

∂V

)

T,µ

, N = −

(

∂Φ

∂µ

)

T,V

. (4.46)

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4.3 Transformacoes de Legendre 61

Potenciais molares

A propriedade de extensividade da energia livre de Helmholtz F (T, V, N)permite que a energia livre de Helmholtz molar f(T, v), que e definida porf = F/N , seja funcao apenas da temperatura T e do volume molar v. Apartir de f(T, v), podemos recuperar F (T, V, N) por meio de

F (T, V, N) = Nf(T,V

N). (4.47)

Dessa relacao, obtemos

s = −∂f

∂T, p = −

∂f

∂v, (4.48)

edf = −sdT − pdv. (4.49)

De forma analoga, a partir da extensividade da entalpia, concluımosque a entalpia molar h = H/N seja funcao apenas da entropia molar s eda pressao p. A partir de h(s, p) recuperamos a entalpia por meio de

H(S, p, N) = Nh(S

N, p). (4.50)

Dessa relacao, obtemos

T =∂h

∂s, v =

∂h

∂p, (4.51)

edh = Tds + vdp. (4.52)

Devido a extensividade a energia livre de Gibbs G(T, p, N) pode serescrita na forma

G(T, p, N) = Ng(T, p), (4.53)

em que g e a energia livre de Gibbs molar g = G/N e so depende de T e p,pois G e funcao de apenas uma grandeza extensiva. Dessa relacao, obtemos

s = −∂g

∂T, v =

∂g

∂p, (4.54)

edg = −sdT + vdp. (4.55)

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62 4 Potenciais Termodinamicos

Alem disso, tendo em vista que µ = ∂G/∂N , entao concluımos que µ = g.Isto e, para um sistema constituıdo por uma substancia pura, o potencialquımico se identifica com a energia livre de Gibbs molar. Portanto, a partirda ultima equacao obtemos a equacao de Gibbs-Duhem

dµ = −sdT + vdp. (4.56)

O grande potencial termodinamico Φ e tambem funcao de apenas umagrandeza extensiva, de modo que podemos escrever

Φ(T, V, µ) = V φ(T, µ), (4.57)

em que φ so depende da temperatura T e do potencial quımico µ. Asseguintes relacoes podem ser obtidas facilmente:

s = −∂φ

∂T, ρ = −

∂φ

∂µ, (4.58)

em que s = S/V e a entropia por unidade de volume e ρ = N/V e numerode moles por unidade de volume, ou

dφ = −sdT − ρdµ. (4.59)

Alem disso, como p = −∂Φ/∂V , entao p = −φ, de modo que

dp = sdT + ρdµ, (4.60)

que e equivalente a equacao de Gibbs-Duhem. Basta lembrar que s = s/ve ρ = 1/v.

Potenciais termodinamicos de um gas ideal

A partir da energia interna de um gas ideal, podemos determinar a energialivre de Helmholtz por meio de uma transformacao de Legendre. Para isso,substituımos U = NcT na expressao (4.22) para obter a entropia

S = N{s0 + c lnT

T0

+ R lnV

Nv0

} (4.61)

como funcao de T e V , em que T0 = u0/c. Substituindo esses dois resultadosem F = U − TS, obtemos

F = −TN{c lnT

T0

+ a + R lnV

Nv0

}, (4.62)

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4.3 Transformacoes de Legendre 63

em que a = s0−c. A energia livre de Gibbs se obtem pela transformacao deLegendre G = F + pV . Utilizando V = NRT/p para eliminar V , obtemoso resultado

G = N{−bT − γcT lnT

T0

+ RT lnp

p0

}, (4.63)

em que b = a − R.

As respectivas grandezas molares sao dadas por

s = s0 + c lnT

T0

+ R lnv

v0

, (4.64)

f = −T{c lnT

T0

+ a + R lnv

v0

}, (4.65)

e

g = −bT − γcT lnT

T0

+ RT lnp

p0

. (4.66)

Calor, trabalho e potenciais termodinamicos

O calor recebido por um sistema num processo isocorico e igual a variacaoda energia interna, ja que o trabalho e nulo, ou seja,

∆U = Qv. (4.67)

Se, por outro lado, considerarmos um processo isobarico, entao a variacaoda energia interna sera

∆U = Qp − p∆V, (4.68)

pois o trabalho realizado e p∆V para um processo isobarico. Mas a variacaoda entalpia num processo isobarico e ∆H = ∆U + p∆V . Portanto

∆H = Qp, (4.69)

ou seja, o calor recebido por um sistema num processo isobarico e igual avariacao da entalpia.

O trabalho consumido por um sistema num processo quase-estatico a-diabatico e igual a variacao da energia interna, pois nao ha calor trocado,ou seja,

∆U = −Wad. (4.70)

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64 4 Potenciais Termodinamicos

Se, por outro lado, consideramos um processo isotermico, entao o calorrecebido e dado por QT = T∆S, de modo que a variacao da energia internasera

∆U = T∆S − WT, (4.71)

em que WT e o trabalho realizado ao longo do processo isotermico. Tendoem vista que num processo isotermico a variacao da energia livre de Helm-holtz e ∆F = ∆U − T∆S, entao

∆F = −WT, (4.72)

ou seja, o trabalho consumido por um sistema ao longo de um processoisotermico e igual a variacao da energia livre de Helmholtz.

A capacidade termica isocorica Cv e definida como o limite da razaoQv/∆T , quando ∆T → 0, entre o calor introduzido a volume constante eo incremento na temperatura. Tendo em vista a igualdade (4.67), a razaose torna igual a ∆U/∆T ao longo de um processo isocorico e portanto

Cv = (∂U/∂T )V . (4.73)

A capacidade termica isobarica Cp e definida como o limite da razaoQp/∆T , quando ∆T → 0, entre o calor introduzido a pressao constante eo incremento na temperatura. Tendo em vista a igualdade (4.69), a razaose torna igual a ∆H/∆T ao longo de um processo isobarico e portanto

Cp = (∂H/∂T )p. (4.74)

Os calores especıficos molares estao relacionados com a energia molar ea entalpia molar por cv = (∂u/∂T )v e cp = (∂h/∂T )p.

4.4 Convexidade

Princıpio de Clausius-Gibbs

Vimos no capıtulo anterior que o princıpio da mınima energia pode sertraduzido pela equacao

U(S, V ) − U0 ≥ T0(S − S0) − p0(V − V0), (4.75)

estabelecida para um sistema em que o numero de moles e mantido constan-te, em que U0 = U(S0, V0). Para contemplar os processos em que o numero

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4.4 Convexidade 65

de moles possa variar, devemos generalizar essa expressao para incluir onumero de moles. Para isso, comecamos por dividir ambos os membros daequacao (4.75) pelo numero de moles N para obter

u(s, v) − u0 ≥ T0(s − s0) − p0(v − v0), (4.76)

em que u0 = u(s0, v0).Em seguida, usamos a equacao de Euler na forma u0 = T0s0−p0v0 +µ0

para eliminar u0 na expressao (4.76) e obter a desigualdade

u(s, v) ≥ T0s − p0v + µ0. (4.77)

Multiplicando ambos os membros dessa desigualdade pelo numero de molesN , obtemos

U(S, V, N) ≥ T0S − p0V + µ0N, (4.78)

que subtraıdo da equacao de Euler, U0 = T0S0 − p0V0 + µ0N0, nos da

U − U0 ≥ T0(S − S0) − p0(V − V0) + µ0(N − N0), (4.79)

que e a expressao do princıpio da mınima energia em todas as tres variaveis.A entropia obedece o princıpio da maxima entropia expressa na forma

S − S0 ≤1

T0

(U − U0) +p0

T0

(V − V0) −µ0

T0

(N − N0), (4.80)

que se obtem diretamente da desigualdade (4.79). As desigualdades (4.79)e (4.80) sao expressoes do princıpio de Clausius-Gibbs.

Funcoes convexas e concavas

O princıpio da mınima energia equivale a afirmar que a energia e funcaoconvexa de todas as variaveis extensivas conjuntamente. Correspondente-mente, o princıpio da maxima entropia equivale a afirmar que a entropia efuncao concava de todas as variaveis extensivas conjuntamente. Alem disso,uma propriedade importante a respeito de funcoes convexas e concavase que uma transformacao de Legendre converte uma funcao convexa emconcava e vice-versa. Ou seja, duas funcoes ligadas por uma transformacaode Legendre formam um par de funcoes tais que uma e convexa e outra econcava. E oportuno portanto examinar as propriedades das funcoes con-vexas e concavas. Analisamos inicialmente uma funcao convexa de uma

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66 4 Potenciais Termodinamicos

SS0

U

U0

(a) (b)

TT

F

F

0

0

Figura 4.2: (a) Exemplo de uma funcao convexa: energia interna U(S) versusentropia S. (b) Exemplo de uma funcao concava: energia livre de Helmholtz F (T )versus temperatura T .

unica variavel, a energia interna U(S) como funcao da entropia S, e umafuncao concava de uma variavel, a energia livre de Helmholtz, F (T ) comofuncao da temperatura T . As variaveis V e N sao consideradas fixas.

A convexidade de uma funcao convexa ou concava se manifesta se con-sideramos qualquer reta tangente a curva descrita pela funcao. Toda acurva ficara inteiramente em um dos lados da reta tangente. As funcoesconvexas correspondem a curvas que ficam acima de qualquer reta tangenteenquanto as concavas correspondem a curvas que ficam abaixo de qualquerreta tangente, como mostrado na figura 4.2.

Considere uma reta tangente a funcao convexa U(S) num ponto (S0, U0),em que U0 = U(S0). A equacao que descreve a reta tangente e

y(S) = U(S0) + U1(S0)(S − S0), (4.81)

em que U1(S0) e a inclinacao da reta. Tendo em vista que U(S) e dife-renciavel, entao U1(S0) se identifica com a derivada de U calculada emS = S0. Como U(S) e funcao convexa, entao U(S) ≥ y(S), ou seja,

U(S) ≥ U(S0) + U1(S0)(S − S0), (4.82)

valida para qualquer valor de S, como pode ser visto na figura 4.2a. Essadesigualdade e a mesma desigualdade (4.79) para o caso em que o volumee o numero de moles sao mantidos fixos. Basta lembrar que U1(S0) = T0.

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4.4 Convexidade 67

A funcao convexa U(S) possui duas propriedades fundamentais:a) A derivada U1(S) e monotonica crescente de S.b) Se a funcao U(S) possuir a segunda derivada U11(S) num determi-

nado ponto S = S0, entao a condicao de convexidade implica

U11(S0) ≥ 0. (4.83)

Vamos examinar agora a funcao concava F (T ). Analogamente, consi-deramos uma reta tangente a curva descrita por F (T ) num ponto (T0, F0),em que F0 = F (T0). A altura dos pontos sobre a reta tangente e dada por

y(T ) = F (T0) + F1(T0)(T − T0), (4.84)

em que F1(T0) e inclinacao da reta. Nos pontos em que F (T ) for dife-renciavel, F1(T0) se identifica com a derivada de F (T ) calculada em T0.Como F (T ) e concava entao F (T ) ≤ y(T ), ou seja,

F (T ) ≤ F (T0) + F1(T0)(T − T0), (4.85)

valida para qualquer valor de T , como se ve na figura 4.2b.A funcao concava F (T ) possui duas propriedades fundamentais:a) A derivada F1(T ) e monotonica decrescente de T .b) Se a funcao F (T ) possuir a segunda derivada F11(T ) num determi-

nado ponto T = T0, entao a condicao de convexidade implica

F11(T0) ≤ 0. (4.86)

Funcoes convexas e concavas em muitas variaveis

A equacao (4.82) pode ser generalizada para o caso de uma funcao de maisde uma variavel. Vamos considerar inicialmente o caso de uma funcao deduas variaveis: a energia interna U(S, V ) como funcao da entropia S edo volume V , apenas. Estamos supondo que o numero de moles N sejafixo. Tendo em vista que U(S, V ) e diferenciavel, entao sua convexidade seexpressa pela desigualdade

U(S, V ) ≥ U(S0, V0) + U1(S0, V0)(S − S0) + U2(S0, V0)(V − V0), (4.87)

sendo U1(S0, V0) e U2(S0, V0) as derivadas de U(S, V ) relativamente a Se V , respectivamente, calculadas no ponto (S0, V0). O lado direito da de-sigualdade descreve um plano tangente a superfıcie descrita por U(S, V )

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68 4 Potenciais Termodinamicos

no ponto (S0, V0). A superfıcie fica inteiramente acima do plano. Essa de-sigualdade se identifica com a (4.79). Basta lembrar que U1(S0, V0) = T0 eU2(S0, V0) = −p0.

Sendo U(S, V ) convexa nas duas variaveis conjuntamente, segue-se quesuas derivadas segundas U11(S0, V0), U12(S0, V0) e U22(S0, V0) satisfazem aspropriedades

U11 ≥ 0, U22 ≥ 0 (4.88)

e

(U12)2 − U11U22 ≤ 0. (4.89)

Em seguida analisamos a energia livre de Helmholtz F (T, V ) comofuncao da temperatura T e do volume V , com numero de moles N fixo.A energia livre de Helmholtz e obtida da energia interna por meio de umatransformacao de Legendre. Isso torna F (T, V ) uma funcao concava de Tmas permanecendo funcao convexa com relacao a V . Ela obedece portantoas desigualdades

F (T, V ) ≥ F (T, V0) + F2(T, V0)(V − V0) (4.90)

e

F (T, V ) ≤ F (T0, V ) + F1(T0, V )(T − T0), (4.91)

em que os coeficientes F1(T, V0) e F2(T0, V ) das retas tangentes se identifi-cam com as derivadas de F (T, V ) relativamente a T e V , respectivamente,calculadas nos pontos onde F (T, V ) seja diferenciavel. A energia livre deHelmholtz F (T, V ) e um exemplo de funcao concavo-convexa.

Sendo F (T, V ) concava em T e convexa em V , segue-se que suas deriva-das segundas F11(T0, V0) e F22(T0, V0) satisfazem as propriedades

F11 ≤ 0, F22 ≥ 0. (4.92)

A entalpia tambem e obtida a partir da energia interna por uma trans-formacao de Legendre. Para um numero de moles N fixo, a entalpia H(S, p)e uma funcao convexa de S e concava de p e obedece as desigualdades

H(S, p) ≥ H(S0, p) + H1(S0, p)(S − S0) (4.93)

e

H(S, p) ≤ H(S, p0) + H2(S, p0)(p − p0), (4.94)

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4.4 Convexidade 69

em que os coeficientes H1(S0, p) e H2(S, p0) das retas tangentes se identi-ficam com as derivadas de H(S, p) relativamente a S e p, respectivamente,calculadas nos pontos onde H(S, p) seja diferenciavel. A entalpia H(S, p)tambem e um exemplo de funcao concavo-convexa.

Sendo H(S, p) convexa em S e concava em p, segue-se que suas derivadassegundas H11(S0, p0) e H22(S0, p0) satisfazem as propriedades

H11 ≥ 0, H22 ≤ 0. (4.95)

Passamos a examinar agora a energia livre de Gibbs G(T, p) comofuncao da temperatura T e da pressao p, com numero de moles N constan-te. A energia livre de Gibbs e obtida a partir da energia interna U(S, V )por meio de duas transformacoes de Legendre sucessivas. Isso faz com queG(T, P ) se torne concava em ambas as variaveis T e p, conjuntamente. Aconvexidade se manifesta por meio da desigualdade

G(T, p) ≤ G(T0, p0) + G1(T0, p0)(T − T0) + G2(T0, p0)(p − p0), (4.96)

em que G1(T0, p0) e G2(T0, p0) sao os coeficientes que definem a inclinacaodo plano tangente e se identificam com as derivadas de G(T, p) relativa-mente a T e p, respectivamente, calculadas nos pontos em que G(T, p) sejadiferenciavel.

Sendo G(T, p) concava nas duas variaveis conjuntamente, segue-se quesuas derivadas segundas G11(T0, p0), G12(T0, p0) e G22(T0, p0) satisfazem aspropriedades

G11 ≤ 0, G22 ≤ 0 (4.97)

e

(G12)2 − G11G22 ≤ 0. (4.98)

Envoltoria convexa

Em algumas situacoes, a descricao de um sistema em equilıbrio termodi-namico e feita por meio de um potencial que e definido como a envoltoriaconvexa de uma funcao F (V ), como aquela mostrada na figura 4.3a, quee desprovida da propriedade de convexidade. A envoltoria convexa Fec(V )de F (V ) e obtida como segue. Determinamos inicialmente a transformadade Legendre

G(p) = minV

{F (V ) + pV }, (4.99)

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70 4 Potenciais Termodinamicos

VBV

B

FA

(a)

B

A

F

F

VA A C

p

p*

V V VB

(b)

V

C

Figura 4.3: (a) Envoltoria convexa. (b) Construcao de Maxwell.

que e uma funcao concava. Em seguida efetuamos a transformada de Le-gendre inversa

Fec(V ) = minp

{G(p) − V p}, (4.100)

que nos da uma funcao convexa, a envoltoria convexa de F (V ).

A envoltoria convexa Fec(V ) pode ser obtida mais simplesmente pelaconstrucao de uma tangente dupla, como se ve na figura 4.3a. A tangentedupla AB da origem a um segmento de reta horizontal A′B′ na derivadapec(V ) = −∂Fec/∂V da envoltoria convexa, como mostrado na figura 4.3b.Esse segmento horizontal garante que pec(V ) seja uma funcao monotonicaembora a derivada p(V ) = −∂F/∂V da funcao original nao tenha essapropriedade.

Para construir a envoltoria convexa Fec(V ) basta determinar VA e VB,os valores de V nos pontos de tangencia A e B, respectivamente. Seja −p∗

a inclinacao da tangente dupla. De acordo com a figura 4.3a,

F (VA) − F (VB) = p∗(VB − VA). (4.101)

Tendo em vista que as tangentes sao iguais nos pontos A e B entao

p(VA) = p∗, p(VB) = p∗. (4.102)

Essas tres equacoes determinam p∗, VA e VB a partir de F (V ) e de suaderivada.

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4.4 Convexidade 71

As equacoes (4.101) e (4.102), que determinam a localizacao da tangentedupla AB e portanto do segmento horizontal A′B′, sao validas mesmo seF (V ) tiver um comportamento singular no intervalo entre os pontos VA eVB, como acontece quando F (V ) e definido por dois ramos nao conectados.Quando a funcao F (V ) e bem comportada, a posicao do segmento de retaA′B′ e tal que a area da regiao acima de A′B′ e igual a area abaixo deA′B′, como se ve na figura 4.3b. O tracado do segmento A′B′ a partir desseresultado denomina-se construcao de Maxwell e e equivalente a feitura datangente dupla. Para demonstrar esse resultado procedemos como segue.Integrando p(V ) entre VA e VB, obtemos

∫ VB

VA

p(V )dV = F (VA) − F (VB). (4.103)

Utilizando o resultado (4.101), vemos que

∫ VB

VA

p(V )dV = p∗(VB − VA), (4.104)

ou seja,∫ VB

VA

{p∗ − p(V )}dV = 0. (4.105)

Se denotarmos por C o ponto onde o segmento A′B′ corta a curva p(V ),entao podemos separar a integral em duas e obter

∫ VC

VA

{p∗ − p(V )}dV =

∫ VB

VC

{p(V ) − p∗}dV, (4.106)

que e o resultado desejado, pois os lados esquerdo e direito dessa equacaosao, respectivamente, iguais as areas acima e abaixo do segmento que uneos pontos A′ e B′.

Propriedades fundamentais dos potenciais

termodinamicos

Resumimos a seguir as propriedades dos potenciais termodinamicos, quesao obtidos a partir da energia interna por sucessivas transformacoes deLegendre. Lembramos inicialmente que a energia interna e funcao apenas

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72 4 Potenciais Termodinamicos

de variaveis extensivas. Os campos termodinamicos sao obtidos por dife-renciacao da energia interna. Um certo campo termodinamico, obtido pordiferenciacao da energia interna com respeito a uma determinada variavelextensiva, constitui com essa um par de variaveis conjugadas.

A cada transformacao de Legendre, uma variavel extensiva e substituıdapor seu campo termodinamico conjugado. Cada potencial termodinamicoe, portanto, funcao de um conjunto de variaveis extensivas e de um conjuntode campos termodinamicos, os quais constituem o espaco termodinamicocorrespondente a esse potencial. Notar que apenas um componente de umpar de variaveis conjugadas integra um espaco termodinamico. A outravariavel do par e obtida por diferenciacao do potencial termodinamico.

As propriedades fundamentais de um potencial termodinamico associ-ado a um espaco termodinamico sao as seguintes:

a) Continuidade do potencial.

O potencial e funcao contınua de todas as variaveis do espaco.

b) Continuidade do campo termodinamico.

O potencial e diferenciavel com respeito as variaveis extensivas do espaco.Essa propriedade e equivalente a seguinte. Um campo termodinamicoobtido por diferenciacao do potencial e funcao contınua de todas as va-riaveis do espaco.

c) Extensividade do potencial.

Um potencial termodinamico e funcao extensiva de suas variaveis extensi-vas ou, equivalentemente, e funcao homogenea de primeira ordem de suasvariaveis extensivas.

d) Convexidade do potencial.

Um potencial termodinamico e funcao convexa do conjunto de suas variaveisextensivas e funcao concava do conjunto dos campos termodinamicos.

Os potenciais termodinamicos relativos a espacos termodinamicos quecontem apenas uma variavel extensiva sao uteis, principalmente no estudodas transicoes de fase. A grandeza termodinamica que resulta da razaoentre um desses potenciais e a variavel extensiva so depende de campostermodinamicos e ela propria se identifica com um campo termodinamico.

Exercıcios

1. Para cada uma das relacoes fundamentais abaixo, mostre que S e ex-tensiva. Determine as equacoes de estado para cada caso. Ache a relacao

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4.4 Convexidade 73

fundamental na representacao da energia.a) S = A(UV N)1/3, b) S = a(U2V 3N)1/6,c) S = B(U3V )1/4, d) S = b(UV )1/2.

2. Para cada uma das relacoes fundamentais abaixo, mostre que U e ex-tensiva. Determine as equacoes de estado para cada caso.

a) U = aS3/V N , b) U = AS3/(V 3N)1/2,c) U = b(S4/V )1/3, d) U = BS2/V .

3. Para cada um dos potenciais do exercıcio 2, determine F e H por meio detransformacoes de Legendre. Para os potenciais dos ıtens a) e b) determinetambem G e Φ.

4. Determine as tres equacoes de estado de um sistema que obedece aequacao u = av−1s2es/R.

5. Ache a equacao fundamental de um sistema que obedece as seguintesrelacoes U = pV e p = BT 2. Faca o mesmo para um sistema que segue asequacoes u = 3pv/2 e u1/2 = BTv1/3.

6. Determine a entropia molar s(u, v) de um sistema cujas equacoes deestado sao p = aT 4 e u = 3pv.

7. Mostre que as compressibilidades estao relacionadas com a densidade ρpor κT = (1/ρ)(∂ρ/∂p)T e κs = (1/ρ)(∂ρ/∂p)s.

8. Considere as equacoes de estado

1

T=

a

u+ bv,

p

T=

c

v+ f(u).

Determine f(u) e a equacao fundamental sabendo-se que f(0) = 0.

9. A partir das equacoes p = RT/v e cv = c, validas para um gasideal, obtenha a relacao funndamental na representacao da energia livrede Helmholtz.

10. Demonstre as seguintes relacoes entre pressao p, densidade ρ e o po-tencial quımico µ de um gas ideal

p = a eµ/RT , ρ = b eµ/RT ,

em que a e b dependem apenas da temperatura. Determine a e b.

11. Obtenha a relacao fundamental de um gas ideal na representacao dogrande potencial termodinamico Φ.

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74 4 Potenciais Termodinamicos

12. A partir da equacao de van der Waals

p =RT

v − b−

a

v2,

e admitindo que a capacidade termica molar seja constante, cv = c, obtenhaa relacao fundamental do fluido de van der Waals na representacao daenergia livre de Helmholtz. Mostre que u = cT − a/v.

13. A partir da relacao fundamental de um fluido de van der Waals narepresentacao da entropia, obtenha a relacao fundamental na representacaoda energia. Partindo dessa relacao determine a relacao fundamental narepresentacao da energia livre de Helmholtz por meio de uma transformacaode Legendre.

14. Mostre que as funcoes do exercıcio 1 sao concavas e as do exercıcio 2sao convexas.

15. Determine as condicoes que devem ser impostas sobre a, b e c para queS = r UaV bN c seja extensiva e tenha a propriedade de convexidade.

16. Mostre que as funcoes x2, − lnx, ex sao convexas. Determine suastransformadas de Legendre e mostre que elas sao concavas.

17. Determine as envoltorias convexas das funcoes exp{|x| − 1} − |x| e(|x| − 1)2, validas em toda a reta x.

18. Mostre que as funcoes

f(x) =

{

(|x| − 1)2, |x| ≥ 1,0, |x| < 1

e

f(x) =

{

exp{|x| − 1} − |x|, |x| ≥ 1,0, |x| < 1

sao convexas. Determine, para cada uma delas, a transformada de Legendreg(p) = minx{f(x) − px} e mostre que ela e concava. Esboce os graficos def(x), f ′(x), g(p), e g′(p). Mostre que f ′(x) e g′(p) sao inversas uma daoutra.

19. Determine a envoltoria convexa da funcao

f(x) = x4 − ax2 + bx,

em que a e b sao constantes e a > 0. Ache os pontos x1 e x2 corresponden-tes a tangente dupla como funcoes de a e b. Esboce os graficos de f(x), daenvoltoria e de suas derivadas.