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Centro da Juventude para a Paz Projeto Programas, Princípios & Referenciais Teresina – PI / 2008

Projeto Juventude pela Paz - Programas, Princípios e Referenciais

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Conjunto de referenciais teóricos para a compreensão e acompanhamento de grupos de jovens que tem como principal foco de atuação a promoção da Justiça, Paz e Integridade da Criação.

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Centro da Juventude para a Paz

Projeto

Programas, Princípios & Referenciais

Teresina – PI / 2008

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Sumário

Introdução 03

I. JUVENTUDES & EDUCAÇÃO PARA A PAZ

1. A paz está em nossas mãos 09 2. A paz como construção 12 3. Aprender a paz 15 4. Protagonismo juvenil 17 5. Formação na ação 20 6. Consciência crítica 21 7. Espaços para a paz 22 8. A paz nas relações 24 9. Currículo da paz 26 10. Calendário da paz 29

II. JUVENTUDES & EDUCAÇÃO PARA OS DIREITOS HUMANOS

1. Juventude(s) 34 2. Os jovens na América Latina e no Brasil 36 3. Políticas Públicas de/para/com as juventudes 38 4. Direitos das Juventudes 41 5. Referenciais normativos para os direitos das juventudes 43 6. Educação em direitos humanos 45 7. Metas e metodologias de educação em direitos humanos 47 8. Conteúdos programáticos 49 9. Algumas instâncias de participação juvenil 50 10. Calendário dos direitos humanos e das lutas sociais 52

III. JUVENTUDES & EDUCAÇÃO SÓCIO-AMBIENTAL

1. As juventudes e a questão ambiental 57 2. A juventude como sujeito ecológico 59 3. Direitos, cidadania e educação ambiental 63 4. Educação Ambiental e cultura de paz 64 5. Educação ambiental e ética 66 6. Referenciais normativos para a educação ambiental 68 7. Objetivos e princípios da educação ambiental 72 8. Conteúdos programáticos 74 9. Espaços de atuação e experiências de engajamento 76 10. Calendário sócio-ambiental 78

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Introdução

O Centro da Juventude para a Paz (CEJUPAZ) é uma entidade ligada aos Missionários Combonianos do Brasil Nordeste. No seu compromisso permanente em favor da JPIC (Justiça, Paz e Integridade da Criação), tenta ser uma resposta aos desafios e perspectivas que apresenta a realidade das juventudes nordestinas.

O CEJUPAZ tem como finalidade principal ajudar na formação, articulação, acompanhamento, assessoria e inserção junto a lideranças de grupos e movimentos juvenis visando à transformação da realidade local e macro, focalizando:

A educação qualificada para a Justiça Paz e Integridade da Criação (JPIC). A promoção da cidadania, Direitos Humanos, Econômicos, Culturais, e

Ambientais (DHECA) e a conseqüente mobilização comunitária e social.

Atendendo a essa finalidade, o CEJUPAZ desenvolve os seus projetos e atividades a partir de três dimensões ou programas:

Educação para a Paz Educação para os Direitos Humanos Educação Ambiental

Tais programas destinam-se fundamentalmente a jovens, lideranças e educadores de jovens dispostos a ajudar na construção de uma Cultura da Paz, na promoção - reivindicação dos DHECA e no cuidado Ecológico, a partir dos seus próprios ambientes, visando incidir na transformação dos mesmos.

O Centro da Juventude para a Paz aplica esses programas a partir dos projetos que ele apóia, assessora e acompanha e na parceria e colaboração com outras entidades e movimentos que trabalham junto às juventudes, na perspectiva da Justiça, Paz e Integridade da Criação.

Uma das iniciativas do Centro da Juventude para a Paz de Teresina (CEJUPAZ) desde o início de suas atividades tem sido o investimento na formação e capacitação de grupos juvenis chamados “Círculos de Paz”. Esses círculos de paz podem ser formados tanto na escola, com a participação de alunos e educadores, quanto na comunidade mais ampla incluindo nesta, além da escola, grupos de jovens das igrejas, movimentos e associações que podem tornar-se espaços privilegiados para a formação e desenvolvimento de ações voltadas para a construção de uma cultura de paz. No âmbito dos círculos de paz são privilegiadas, além da formação dos indivíduos, práticas democráticas tais como a participação, o empoderamento e autonomia, a cooperação, a co-responsabilidade e a criatividade, elementos constitutivos da base sobre a qual se constrói o protagonismo dos jovens.

Os círculos de paz, quando formados na escola, se tornam componentes da base de uma comunidade escolar pacifista a partir da qual se pode desenvolver uma 3

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educação para a paz mais qualificada e integral, ou seja, uma educação que busca alternativas com criatividade para superar as várias formas de violência que surgem e se manifestam na escola e que são sentidas em outros espaços da comunidade. Não se restringindo somente ao espaço da escola, os círculos de paz apresentam-se como uma possibilidade de conduzir a educação para a paz fora do meio escolar. No âmbito da escola, eles se constituem como um meio para reunir e envolver estudantes e educadores no protagonismo pela paz a partir do engajamento em atividades que contribuam fortemente para a construção de uma cultura de paz e desconstrução da atual e perversa cultura de violência. Fora da escola, os círculos de paz podem articular a comunidade como um todo em vista da realização desses mesmos objetivos.

Uma vez constituído o círculo de paz, seja na escola ou na comunidade, o grupo pode adotar uma nomenclatura que favoreça a expressão de sua identidade e objetivos. Na experiência do Bairro Parque Alvorada, na cidade de Timon, Maranhão, o círculo de paz ali formado foi denominado Juventude pela Paz – JUPAZ, fazendo jus à sua identidade. Assessorado pelo Centro da Juventude para a Paz (CEJUPAZ), o grupo JUPAZ passou a fazer parte do processo de implantação de ações da Província Comboniana do Brasil Nordeste, consideradas prioritárias e voltadas para o trabalho com jovens na perspectiva de uma “Juventude para a Paz”. A idéia que fundamenta esse processo é que, a partir da criação de círculos de paz na escola e na comunidade mais ampla, articulados com a prioridade de se ter uma “Juventude para a Paz”, possa-se trabalhar na realização de uma rede de grupos de jovens e educadores, que são os círculos de paz que estejam comprometidos com a construção de uma cultura de paz a partir de suas comunidades e escolas.

Essa iniciativa é reforçada pelo projeto “Escolas pela Paz”, que tem basicamente dois objetivos estreitamente relacionados com os círculos de paz na escola. O primeiro é oferecer aos jovens estudantes mais espaços de participação e uma educação qualificada para a paz, para a promoção dos direitos humanos e para o cuidado com o meio ambiente levando eles ao conhecimento das causas e tipos de violência existentes. É aqui que entra a realização da pesquisa “Violências na Escola” como um instrumento que possibilita detectar os tipos e as causas das violências existentes dentro e fora da escola. O segundo objetivo, em complementação ao primeiro, procura o empoderamento e a capacitação de atores sociais jovens que possam eventualmente intervir na realidade da violência urbana que lhes afeta procurando, portanto, desenvolver ações, mesmo pequenas, mas significativas, de intervenção nas suas realidades particulares. A expectativa é que esses jovens e educadores possam se tornar protagonistas na construção de uma cultura de paz e agentes de transformação social.

Nessa perspectiva, o grupo JUPAZ de Timon procura seguir o princípio da formação na ação para trabalhar temáticas relacionadas à cultura de paz. Desse modo, a educação para a paz, entendida como um processo formativo que privilegia o protagonismo juvenil se constrói a partir de um esforço de “empoderar” os jovens para que eles mesmos possam trabalhar questões de violência e de paz em todos os sentidos. A forma básica de empoderamento tem sido a participação, isto é, o exercício de poder através da palavra e da ação. Na prática, aprende-se fazendo. Através da ação e da intervenção na realidade, o jovem se forma e se transforma. Ele 4

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se torna mais sujeito e protagonista ao desenvolver as potencialidades que possui investindo-as em ações afirmativas para mudar as estruturas contrárias à paz.

Nos quase três anos de atuação do grupo JUPAZ, o protagonismo dos jovens desse círculo de paz tem sido incentivado de maneira a permitir-lhes condições, através da capacitação e acesso ao conhecimento, para que possam ser sujeitos na construção de uma nova perspectiva social com base na superação das violências e na construção de uma cultura de paz, promoção dos direitos e do cuidado para com o meio ambiente. Grupos com o mesmo perfil do JUPAZ estão em fase de composição nas cidades de Açailândia, Balsas e São Luis no Maranhão e Salvador na Bahia. Nesta última o enfoque se volta para a juventude negra para a paz. Pretende-se ampliar a experiência de criação de círculos de paz para João Pessoa, na Paraíba, e Fortaleza, no Ceará, com base nos objetivos do projeto Escolas pela Paz.

As ações mais significativas desse período de existência do grupo JUPAZ, as quais põem em relevo o protagonismo dos jovens, têm sido a promoção e realização de gincanas inter-colegiais por uma cultura de paz envolvendo escolas da rede pública com temas relacionados à paz, direitos humanos e educação ambiental e com encaminhamento de denúncias de agressão ao meio ambiente e de violação de direitos, a participação na campanha pelo desarmamento, o desenvolvimento de oficinas de resolução não-violenta de conflitos, atividades lúdicas e culturais com o tema da paz, a participação ativa na realização da pesquisa “Violência na Escola” e a realização da semana da paz.

Portanto, a identidade do JUPAZ define-se na ação. Todavia, a sua ação inspira-se, além das necessidades e possibilidades locais, em diretrizes e princípios de educação para a paz, para os direitos humanos e para o desenvolvimento social e ambientalmente sustentável que vem sendo consolidados em nível mundial e nacional. São esses referenciais, em continua revisão e aperfeiçoamento, que apresentamos nesta primeira parte do Manual.

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Juventudes &

Educação para a Paz

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“E haverá um tempo em que o céu será testemunha

do maior de todos os descobrimentos: o da fraternidade entre os povos!

E, quando isso acontecer, um arco-íris de cores brancas

cruzará os céus de ponta a ponta neutralizando botas, marchas, fuzis, bombas

mortíferas, canhões, estilhaços: imagens de gente aos pedaços... Será então um tempo de paz!

E, neste dia, as páginas do mundo estarão floridas,

cicatrizar-se-ão as feridas pelo gesto do perdão, do abraço,

do beijo, do aperto de mãos! Então os homens haverão de presenciar

o sorriso de crianças sem medo, o aproximar de diferentes histórias num tempo que ficará para sempre

na memória de todos; um tempo eterno de paz!”

Geni Beroni Nimtz

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No ano de 2005 as Igrejas Cristãs do Brasil, reunidas no CONIC (Conselho

Nacional de Igrejas Cristãs), engajaram-se na Campanha da Fraternidade Ecumênica que tinha como lema “Fraternidade e Paz”. Motivados pelo texto-base e incentivados por alguns animadores e assessores, muitos grupos de jovens e escolas refletiram sobre as bases para a construção de uma cultura de paz e programaram atividades que viessem de encontro à temática proposta. Todavia, terminada a CF-2005, a questão da paz em muitos casos voltou a ser um tema a mais dentro dos programas de formação e agenda de atividades de tais grupos. Mas a questão continua em pé: a violência, em todas as suas dimensões, não dá facilmente marcha ré. A juventude em particular continua a ser atingida por ela em níveis inaceitáveis. A própria sociedade nacional e planetária está ainda longe de atingir níveis satisfatórios de convivência pacífica, de tolerância e de resolução não violenta de conflitos. Convencidos de que a construção da paz é uma tarefa permanente que vai além de campanhas esporádicas, e conhecedores do enorme potencial que os nossos jovens têm para tornarem-se protagonistas na edificação de um mundo mais justo e pacífico, nós, da equipe do CEJUPAZ, oferecemos uma síntese de alguns princípios e uma proposta de programa formativo de Educação para a Paz, esperando que esta seja efetivamente um compromisso permanente daqueles que trabalham com paixão e incansavelmente com as juventudes.

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1. A paz está em nossas mãos

O ano 2000, com todo o simbolismo relacionado ao novo milênio, ofereceu uma oportunidade excelente para lançar um Movimento Mundial por uma Cultura de Paz com base no compromisso individual no dia-a-dia, com o envolvimento de organizações e instituições em todos os níveis, do global ao local. Esse movimento mundial funda-se numa definição muito ampla da Cultura de Paz, baseada “no respeito pelos direitos humanos, a democracia e a tolerância, a promoção pelo desenvolvimento, a educação para a paz, a livre circulação de informação e a ampla participação das mulheres”. Isto implica que o movimento para a Cultura de Paz já existe no mundo inteiro graças às ações de muitos indivíduos, grupos e instituições. Portanto, aqueles envolvidos hoje com organizações humanitárias promovem, por meio de seu trabalho, os valores da tolerância e da solidariedade rejeitando, dessa forma, a própria noção de “inimigo” que reforça a cultura de guerra. Aqueles que lutam pela democracia e pelos direitos humanos se opõem à cultura de opressão que sustenta estruturas injustas e autoritárias, da mesma forma que aqueles que trabalham em favor do desenvolvimento para todos estão lutando contra a exclusão e a pobreza, que freqüentemente são causas da violência. O movimento mundial deve ser então “uma grande aliança de movimentos existentes”, um processo que unifique todos aqueles que já trabalharam e estão trabalhando a favor desta transformação fundamental de nossas sociedades. O objetivo é permitir que toda pessoa ou organização contribua para esse processo de transformação de uma cultura de violência para uma Cultura de Paz em termos de valores, atitudes e comportamento individual, bem como em termos de estruturas e funcionamentos institucionais.

"Posto que as guerras nascem na mente dos homens, é na mente dos homens onde devem erigir-se os baluartes da paz". Partindo desta constatação de que tanto a violência quanto a paz, são fruto de uma cultura e, portanto, construção humana, esse movimento foi tomando forma, adquirindo aos poucos um perfil bem definido graças a diversas iniciativas que tentam envolver o maior número possível de pessoas e instituições. Assim, em 1997, a Assembléia Geral das Nações Unidas proclamou o ano 2000 o Ano Internacional da Cultura de Paz, e em 1998 declarou o período 2001-2010 a "Década Internacional da Cultura de Paz e Não-Violência para as Crianças do Mundo".

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O Ano Internacional da Cultura de Paz foi lançado em 14 de setembro de 1999. Esse foi o dia de abertura da última sessão da Assembléia Geral das Nações Unidas até o ano 2000, e foi designado o 21 de setembro como o Dia Internacional da Paz. Alguns meses antes dessa Assembléia, no dia 4 de março de 1999, foi lançado em Paris o Manifesto 2000 por uma Cultura de Paz e Não-Violência por um grupo de celebridades contempladas com o Prêmio Nobel da Paz e redigido durante a Celebração do 50º Aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos com o propósito de deflagrar na humanidade o senso de responsabilidade individual, social e planetária para com os valores que sustentam a vida.

Norman Borlaug, Adolfo Perez Esquivel, Dalaï Lama, Mikhail Sergeyevich Gorbachev, Mairead Maguire, Nelson Mandela, Rigoberta Menchu Tum, Shimon Peres, Jose Ramos Horta, Joseph Roblat, Desmond Mpilo Tutu, David Trimble, Elie Wiesel e Carlos Felipo Ximenes Belo estavam entre os primeiros cidadãos a assinarem o Manifesto 2000.

O Manifesto 2000 não é uma petição, mas um compromisso de cada pessoa que

o assina de seguir os seis princípios de uma cultura de paz em sua vida cotidiana, família, trabalho e comunidade: respeitar todas as formas de vida, rejeitar a violência, compartilhar, ouvir para compreender, preservar o planeta e redescobrir a solidariedade. Esses princípios correspondem aos seis valores adotados recentemente na declaração final da Cúpula do Milênio da ONU: liberdade, eqüidade, solidariedade, tolerância, respeito à natureza e responsabilidade compartilhada.

O texto do Manifesto 2000, base para o compromisso e o engajamento pessoal

na construção de uma Cultura de Paz, reza: Reconhecendo a minha cota de responsabilidade com o futuro da humanidade,

especialmente com as crianças de hoje e as das gerações futuras, eu me comprometo em minha vida diária, na minha família, no meu trabalho, na minha comunidade, no meu país e na minha região – a:

RESPEITAR TODA VIDA Respeitar a vida e a dignidade de cada pessoa, sem discriminação ou preconceito;

REJEITAR A VIOLÊNCIA Praticar a não- violência ativa, rejeitando a violência sob todas a suas formas: física, sexual, psicológica, econômica e social, em particular contra os grupos mais desprovidos e vulneráveis como as crianças e os adolescentes;

COMPARTILHAR COM OS OUTROS Compartilhar o meu tempo e meus recursos materiais em um espírito de generosidade visando o fim da exclusão, da injustiça e da opressão política e econômica; OUVIR PARA COMPREENDER

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Defender a liberdade de expressão e a diversidade cultural, dando sempre preferência ao diálogo e à escuta do que ao fanatismo, a difamação e a rejeição do outro; PRESERVAR O PLANETA Promover um comportamento de consumo que seja responsável e práticas de desenvolvimento que respeitem todas as formas de vida e preservem o equilíbrio da natureza no planeta; REDESCOBRIR A SOLIDARIEDADE Contribuir para o desenvolvimento da minha comunidade, com a ampla participação da mulher e o respeito pelos princípios democráticos, de modo a construir novas formas de solidariedade. 11

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2. A paz como construção

Quais “baluartes” da paz devem ser construídos na mente dos homens para

alcançarmos a transição de uma cultura de violência para uma Cultura de Paz? A esse respeito a própria ONU, em sua ultima Assembléia Geral do século XX (13 de Setembro de 2003), declara:

Artigo 1º

A cultura da paz é um conjunto de princípios, atitudes, costumes, modos de comportamento e estilos de vida que assentam:

(a) No respeito pela vida, no fim da violência e na promoção e prática da não-violência, através da educação do diálogo e da cooperação;

(b) No respeito profundo pelos princípios da soberania, integridade territorial e independência política dos Estados e não-intervenção em questões que, na sua essência, pertencem à jurisdição nacional de cada Estado, em conformidade com a Carta das Nações Unidas e com o direito internacional;

(c) No profundo respeito e na promoção de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais;

(d) No empenho na resolução pacífica de conflitos;

(e) Nos esforços destinados a satisfazer as necessidades ambientais e de desenvolvimento das gerações actuais e vindouras;

(f) No respeito e na promoção ao do direito ao desenvolvimento;

(g) No respeito e na promoção da igualdade de direitos e oportunidades entre homens e mulheres;

(h) No respeito e na promoção do direito de todos à liberdade de expressão, opinião e informação;

(i) Na adesão aos princípios da liberdade, justiça, democracia, tolerância, solidariedade, cooperação, pluralismo, diversidade cultural, diálogo e compreensão, a todos os níveis da sociedade e entre nações; e são encorajados por um ambiente nacional e intencional conducente à Paz.

Artigo 2º

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O progresso no sentido do desenvolvimento integral de uma cultura da Paz

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alcança-se através de valores, atitudes, modos de comportamento e estilos de vida que conduzam à promoção da paz entre indivíduos, grupos e nações.

Artigo 3º

O desenvolvimento integral de urna cultura da paz está estreitamente relacionado com:

(a) A promoção da resolução pacífica de conflitos, do respeito e compreensão mútuos e da cooperação internacional;

(b) 0 cumprimento das obrigações internacionais, em conformidade com a Carta das Nações Unidas e o direito internacional;

(c) A promoção da democracia, do desenvolvimento e do respeito universal por todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, bem como da sua observância;

(d) A possibilidade dada aos indivíduos, a todos os níveis, de desenvolverem a capacidade de dialogar, negociar, criar consensos e resolver as diferenças de forma pacífica;

(e) 0 reforço das instituições democráticas e o garante da participação plena no processo de desenvolvimento;

(f) A erradicação da pobreza e do analfabetismo, assim como a redução das desigualdades no seio das nações e entre elas;

(g) A promoção do desenvolvimento económico e social sustentável;

(h) A eliminação de todas as formas de discriminação contra as mulheres, através da capacitação e da representação equitativa, a todos os níveis do processo de tomada de decisão;

(i) 0 garante do respeito, promoção e protecção dos direitos das crianças;

(j) 0 garante da livre circulação de informações a todos os níveis, bem como o melhoramento do acesso a essas informações;

(k) 0 aumento da transparência e da responsabilização em termos de governação;

(l) A eliminação de todas as formas de racismo, discriminação racial, xenofobia e outros tipos de intolerância;

(m) A promoção da compreensão, da tolerância e da solidariedade entre todas as civilizações, povos e culturas, nomeadamente em relação às minorias étnicas, religiosas e linguísticas;

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(n) A realização plena do direito de todos os povos a autodeterminação, incluindo os que vivem sob domínio colonial ou qualquer outra forma de ocupação ou domínio estrangeiro, em conformidade com o disposto na Carta das Nações Unidas e previsto no Acordo Internacional sobre os Direitos Humanos1, bem como na Declaração sobre a Concessão da Independência aos Países e Povos Coloniais, em conformidade com a resolução 1514 (XV) da Assembleia Geral, de 14 de Setembro de

1 Resolução 2200 A (XXI), anexo.

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1960;

Artigo 4º

A educação, a todos os níveis, é um dos meios principais para a construção de urna cultura da paz. Neste contexto, a educação para os direitos humanos reveste-se de especial importância.

Artigo 5º

Os governos desempenham um papel essencial na promoção e no reforço da cultura da Paz.

Artigo 6º

É necessário que a sociedade civil participe inteiramente no desenvolvimento integral de uma cultura da paz.

Artigo 7º

0 papel didáctico e informativo dos meios de comunicação social contribui para a promoção de uma cultura da paz.

Artigo 8º

Na promoção da cultura da paz desempenham também um papel primordial: os pais, professores, políticos, jomalistas1 organismos e grupos religiosos, intelectuais, aqueles que participam em actividades científicas, filosóficas, criativas e artísticas, trabalhadores no âmbito da saúde e da acção humanitárias, assistentes sociais, gestores, a vários níveis, e organizações não governamentais.

Artigo 9º

As Nações Unidas devem continuar a desempenhar um papel crucial na promoção e no reforço de uma cultura da paz a nível mundial.

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3. Aprender a paz

“Para combater a cultura de violência que se aprofunda em nossa sociedade, a

geração futura merece uma educação radicalmente diferente – que ao invés de glorificar a guerra, eduque para a paz, para a não-violência e para a cooperação internacional”.

Segundo o Programa do Século XXI para a Justiça e a Paz, a cultura de paz só

“será alcançada quando os cidadãos do mundo compreenderem os problemas mundiais, terem a capacidade de resolver os conflitos e lutar pela justiça de forma não-violenta, observar as normas internacionais de direitos humanos e de justiça, apreciar a diversidade cultural e respeitar a Terra e o próximo. Somente é possível alcançar esse aprendizado mediante uma educação sistemática para a paz”.

Educação, no sentido mais amplo do termo, é o componente crucial da Cultura de Paz; uma educação que torne cada cidadão sensível ao outro, e que imponha um senso de responsabilidade com respeito aos direitos e liberdades. A educação para todos ao longo de toda a vida, formal e informal, deve ser baseada nos quatro pilares do conhecimento, conforme sugere o relatório Educação: um tesouro a descobrir (1996) da Comissão Internacional de Educação para o Século 21, presidida por Jacques Delors: "aprender a conhecer", "aprender a fazer", "aprender a viver junto", e "aprender a ser". Concretamente, como parte do Programa de Ação para uma Cultura de Paz, a ONU, em sua 107 Reunião Plenária (13 de setembro de 1999), propõe as seguintes ações destinadas a promover uma cultura da paz através da educação;

(a) Revigorar os esforços nacionais e a cooperação internacional para promover os objetivos da educação para todos, com vista a alcançar o desenvolvimento humano, social e econômico, e a promover uma cultura da paz;

(b) Assegurar que as crianças beneficiem, desde cedo, de uma educação sobre os valores, atitudes, modos de comportamento e estilos de vida, de forma a permitir-lhes resolver qualquer conflito pacificamente, num espírito de respeito pela dignidade humana, de tolerância e de não-discriminação;

(c) Envolver as crianças em atividades elaboradas com vista a incutir-lhes os valores e objetivos de uma cultura da paz;

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(d) Garantir a igualdade de direitos em termos de acesso das mulheres,

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nomeadamente das jovens, à educação;

(e) Incentivar a revisão dos programas curriculares, incluindo os manuais escolares, tendo em consideração a Declaração sobre Educação para a Paz, Direitos Humanos e Democracia2 e respectivo Quadro Integrado de Ação, de 1995. Para tal, a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura deve oferecer cooperação técnica, mediante a respectiva solicitação;

(f) Incentivar e reforçar os esforços dos diversos actores, tal como definido na Declaração, nomeadamente a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura, com vista a desenvolver os valores e as competências que conduzam a uma cultura da paz, incluindo a educação e a formação em matéria de promoção do diálogo e da criação de consensos;

(g) Reforçar os esforços atuais das entidades do sistema das Nações Unidas destinados a educação e à formação, sempre que aplicável, nas áreas da prevenção de conflitos e gestão de crises, resolução pacífica de diferenças, bem como em matéria de construção da paz após conflito;

(h) Alargar as iniciativas de promoção de uma cultura da paz levadas a efeito por instituições do ensino superior em várias partes do mundo, incluindo a Universidade das Nações Unidas, a Universidade para a Paz e o projeto de geminação de universidades, assim como o Programa de Cátedras da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura.

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2 Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura, Arquivos da Conferência Geral, vigésima oitava sessão, Paris, 25 de Outubro a 16 de Novembro de 1995, Vol. 1: Resoluções, resolução 5.4, anexos

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4. Protagonismo Juvenil

O jovem foi em todos os tempos um mobilizador de mudanças sociais. Pelo seu temperamento contestador de padrões previamente estabelecidos, suas inquietudes, capacidade criativa e ânimo para promover transformações, vem contribuindo para mudanças nas relações sociais, mudanças no campo da comunicação (linguagem, imagens, formas de expressão), mudanças culturais (músicas, estilos, vestuário), nos esportes (esportes radicais, futevôlei, vôlei de praia) e em muitos outros campos de atuação.

As organizações sociais para a juventude são espaços de construção de significados, pois trabalham com o jovem discussões sobre a dignidade do ser humano, a igualdade de direitos, a recusa categórica de formas de discriminação e pré-conceitos e a importância da solidariedade, promovendo uma relação mais próxima com a comunidade. As associações valorizam assim, a participação do jovem, desenvolvendo sua auto-estima, liderança e confiança.

A palavra protagonista é formada por duas raízes gregas: proto, que significa o primeiro, o principal e agonistes que significa o lutador. No “Aurélio”, encontramos a definição: pessoa que desempenha ou ocupa o primeiro lugar em um acontecimento. Com isto, podemos definir o protagonismo juvenil como atuação cidadã dos jovens na luta por suas posições, crenças e valores.

O Protagonismo Juvenil é um tipo de ação de intervenção no contexto social para responder a problemas reais onde o jovem é sempre o ator principal. É uma forma superior de educação para a cidadania não pelo discurso das palavras, mas pelo curso dos acontecimentos. É passar a mensagem da cidadania criando acontecimentos, onde o jovem ocupa uma posição de centralidade.

O Protagonismo Juvenil significa, tecnicamente, o jovem participar como ator principal em ações que não dizem respeito à sua vida privada, familiar e afetiva, mas a problemas relativos ao bem comum, na escola, na comunidade ou na sociedade mais ampla. Outro aspecto do protagonismo é a concepção do jovem como fonte de iniciativa, que é ação; como fonte de liberdade, que é opção; e como fonte de compromissos, que é responsabilidade.

Na raiz do protagonismo tem que haver uma opção livre do jovem, ele tem que participar na decisão se vai ou não fazer a ação. O jovem tem que participar do planejamento da ação. Depois tem que participar na execução da ação, na sua avaliação e na apropriação dos resultados. 17

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Protagonismo juvenil é um termo novo para definir uma forma de participação de adolescentes que os privilegia como atores sociais, como parte integrante e indispensável de projetos, nos quais eles fazem parte de todo o processo de tomada de decisões, sob a orientação direta ou indireta de adultos.

O protagonismo é definido pelo educador Antonio Carlos Gomes da Costa como uma "participação autêntica". Ou seja, o protagonismo pressupõe a criação de espaços e de mecanismos de escuta e participação. Para isso, é preciso conceber os adolescentes como fontes e não simplesmente como receptores ou porta-vozes daquilo que os adultos dizem ou fazem com relação aos adolescentes.

O Protagonismo Juvenil não consiste apenas em projetos ou ações isoladas. O protagonismo é um processo, como explica o professor Antonio Carlos Gomes da Costa, uma conquista gradual e que, em tese, pode ser praticado por todos os jovens. As experiências de participação de adolescentes espalhadas pelo país mostram que o protagonismo se reflete na vida dos jovens adultos de maneira positiva.

Todos nós deveríamos estar conscientes de que absolutamente todas as situações de risco pessoal e social que ocorrem com os adolescentes acontecem quando a família e a escola falham em sua missão de acolher, educar e cuidar da integridade física, psicológica e moral dos adolescentes que estão sob sua responsabilidade. Por isso, é necessário que os adultos sejam capazes de ouvir os adolescentes, garotos e garotas comuns que, apesar das enormes dificuldades vividas no país, continuam vinculados a suas famílias e comunidades e freqüentando a escola.

Esse apoio dos adultos é fundamental. Nas escolas, por exemplo, a presença de um ou mais professores junto aos grêmios estudantis ou a outras atividades culturais, esportivas, artísticas e de exercício de cidadania desenvolvidas pelos jovens têm sido, de modo geral, um incentivo para que tais atividades tenham um maior aprofundamento e, também, uma continuidade. Porém, muitas vezes, a escola não consegue proporcionar espaço para os adolescentes por uma série de motivos, entre eles a falta de tempo, de espaço, os conflitos com a organização da escola, levando os jovens a se sentirem desestimulados em suas tentativas de participação. É importante compreender, no entanto, que as lideranças que surgem nessas organizações de adolescentes e jovens podem ser extremamente positivas para a escola como um todo.

Importante ainda é lembrar que há falsos tipos de participação, que estão longe de ser ações de protagonismo (jovens manipulados por adultos, jovens "de fachada", que participam de eventos ou atividades como "enfeites"). O desafio, então, dos adultos, é o de apoiar os jovens, ajudá-los a iniciar e manter suas atividades, mas sem assumir a tarefa de tomar todas as decisões e iniciativas.

Para que exista realmente protagonismo, os projetos de promoção do protagonismo juvenil devem possuir uma dimensão pedagógica, tendo por objetivo a construção de espaços de aprendizagem dos atos e processos de negociação cidadã. Aqui faz sentido a sugestão de Antônio Carlos Gomes da Costa de se procurar promover uma "participação autêntica". Ou seja, o protagonismo pressupõe, para o autor, a criação de espaços e de mecanismos de escuta e participação. Para isso, é 18

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preciso conceber os adolescentes como fontes e não simplesmente como receptores ou porta-vozes daquilo que os adultos dizem ou fazem com relação aos adolescentes. Contudo, acrescentaria, não são meros espaços de sistematização de intenções e realização de desejos. É, antes de mais nada, um processo formativo.

Assim, ao falarmos do protagonismo juvenil estamos sugerindo um projeto pedagógico com uma clara opção participacionista (desde sua elaboração, os objetivos que persegue, sua execução, avaliação e reformulação), sustentado por um novo estatuto político do jovem, portador de hábitos e cultura específica.

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5. Formação na Ação

A educação para a paz, como processo formativo que privilegia o protagonismo juvenil, deverá constituir-se basicamente em um esforço de “empoderar” os jovens para que eles mesmos possam trabalhar questões de guerra (violência em todos os sentidos) e paz valendo-se da sua influência e do poder (potencialidades) que possuem para mudar as estruturas contrárias à paz. Nesse sentido, a forma básica de empoderamento será a participação, isto é, o exercício de duas formas de poder: a palavra e a ação.

Como dimensões fundamentais do empoderamento juvenil pode-se destacar: a recuperação da auto-estima e da iniciativa criadora; facilitar o acesso à informação e estimular os jovens para que aprofundem o seu conhecimento das teorias que sustentam a ação; possibilitar o domínio de metodologias de intervenção e transformação da realidade.

Visto que a participação na execução e desenvolvimento de uma ação “pacifista” é fundamental para o empoderamento juvenil, a ação como tal constitui-se num espaço privilegiado de aprendizagem e formação.

Aprende-se fazendo. Através da ação e da intervenção na realidade, o jovem se “forma”; transforma-se; torna-se mais sujeito.

As práticas adotadas no decorrer de um processo constituem, mesmo, o próprio processo, influenciando e conduzindo a aprendizagem.

Partindo dessa premissa, pode-se afirmar que na educação para a paz a experiência do engajamento em ações concretas é fundamental. Educar para a paz, portanto, não é apenas um processo intelectual, e sim a vivência de uma comunidade onde a paz se articular como a referência fundamental. A educação para a paz, mais do que um repertório de conteúdos, é um repertório de práticas tais como a tomada de decisões, as práticas cooperativas e comunicativas, a resolução não-violenta de conflitos, a intervenção social não-violenta, etc.

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6. Consciência critica

Uma educação para a paz que corresponda à realidade dos jovens nordestinos deverá, evidentemente, possuir um caráter crítico – transformador. Nesse sentido, pode-se atribuir ao modelo pedagógico de uma educação para a paz “sócio-crítica” as seguintes características:

a) Baseado nos conceitos de paz positiva e na perspectiva criativa do conflito.

b) Concepção ampla e global de paz, inter-relacionada com os obstáculos políticos, sociais, econômicos, etc., que a dificultam.

c) Não-neutra: questiona as atuais estruturas sociais, tanto as nacionais como as que existem entre os estados, assim como as do próprio sistema educativo formal.

d) Fundada na conscientização e orientada para a ação e transformação das estruturas violentas.

e) Ênfase no conflito como central na educação para a paz e em sua resolução não-violenta.

f) Importância de lutar contra a violência estrutural do sistema educativo, assim como a necessidade de conseguir um currículo emancipador.

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7. Espaços para a paz

A comunidade de vida (escola, grupo, associação, igreja) pode tornar-se o espaço privilegiado de educação para a paz quando nela forem privilegiadas práticas democráticas tais como a participação, o potencializar a autonomia, a cooperação e a corresponsabilidade; quando as próprias estruturas e organização são democráticas; e quando, através do diálogo, as diferenças são levadas em consideração.

No caso da comunidade escolar, para que ela possa ser um espaço de educação para a paz, exige-se a revitalização de canais democráticos tais como os conselhos e outros órgãos colegiados, assim como assembléias de classe, planos de trabalho, cooperativas, bibliotecas, etc.

Além disso, devem ser considerados uma outros elementos fundamentais para que a paz possa tornar-se uma vivência permanente:

a) O tempo vivido. O pacifismo torna-se uma referência pedagógica significativa quando, por exemplo, as datas do calendário da paz são reconhecidas como uma oportunidade de trazer para o mundo da escola algumas preocupações da humanidade; e quando o próprio calendário escolar é estruturado desde uma perspectiva pacifista.

b) O espaço estruturado. Na sociedade ocidental o espaço é sutilmente militarizado. E na escola, muitas vezes esse espaço também estrutura-se a partir de uma referência militar, como as filas. Alternativamente a esse militarismo, pode-se pensar o micro-espaço da sala de aula a partir da paridade e da igualdade, onde o outro não aparece como inimigo, superior ou subalterno, mas como companheiro. Neste sentido, o círculo pode tornar-se um sinal configurador de participação. Além disso, pode-se criar outros espaços tais como a biblioteca da paz, as zonas livres de armamentos, os murais da paz, o banco da paz, etc.

c) A linguagem. Educar para a paz pressupõe inserir na comunidade escolar jogos de linguagem que constituam a luta e a busca da humanidade pela paz: não compactuar com linguagem que expresse preconceitos, estereótipos, símbolos militaristas, etc.

d) As narrativas. As narrativas contadas na escola ainda permanecem num âmbito militarizado: são histórias de violentos, dos generais, de violência glorificada. Na educação para a paz, trata-se de recuperar a memória subversiva e escondida da luta pela paz, reconstruindo a história da não- 22

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violência, valendo-se não somente de recursos escritos ou auditivos, mas também visuais (filmes).

e) Os elementos lúdicos. Os jogos, as brincadeiras, a música, as festas, as artes, as celebrações, apresentam um enorme potencial na linha da educação para a paz e a não-violência, como caminho para o estabelecimento de referências pacifistas.

Ora, em outros espaços comunitários diversos do ambiente escolar, os círculos de cultura (Paulo Freire) recriados como “círculos de paz” podem tornar-se instrumentos preciosos para a conformação de comunidades pacifistas. De fato, os círculos de cultura podem contribuir num processo de educação para a paz, seja pelo acento participativo, dialógico e democrático, seja pela possibilidade de dar à educação para a paz um rosto visível e concreto, enraizando-a num grupo de base conhecedor da realidade local.

Constituindo-se como comunidades interpretativas estáveis esses círculos permitem superar o episódico de algumas propostas de educação para a paz.

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8. A paz nas relações

A educação para a paz começa construindo relações harmônicas entre os membros da comunidade educativa ou do círculo da paz. A dinâmica que o diálogo autêntico instaura habilita os participantes do processo de educação para a paz prosseguirem em suas tarefas pacifistas.

Para desenvolver as relações, a comunidade pacifista pode auxiliar-se de jogos cooperativos:

a) jogos de apresentação, com o objetivo de conhecer e aprender os nomes dos membros do grupo; criar um ambiente de distensão e participação; favorecer o processo de iniciação da comunicação.

b) jogos de conhecimento, visando alcançar um maior grau de conhecimento sobre si mesmo, os outros e o próprio grupo; favorecer um ambiente participativo e descontraído; estimular a comunicação.

c) jogos de afirmação, visando favorecer a segurança em si mesmo e no grupo; ajudar a construir um conceito de si positivo; potencializar a aceitação de todos.

d) jogos de confiança, visando favorecer a confiança em si mesmo e no grupo; desenvolver as linguagens de comunicação não-verbais; criar um ambiente de solidariedade e apoio mútuo; facilitar a abertura do outro.

e) jogos de comunicação, visando desenvolver a comunicação interna do grupo; aprofundar o conhecimento dos membros do grupo; indagar sobre as percepções das pessoas assim como de determinadas situações; facilitar a abertura do outro.

f) jogos de cooperação, visando desenvolver estratégias lúdicas cooperativas; sensibilizar sobre a dinâmica cooperação-competição; fomentar a participação de todos os membros do grupo.

Além desses jogos, podem ser usados outros recursos, tais como: a) os jogos e exercícios de simulação, nos quais se trabalha a resolução de uma

determinada situação real ou hipotética, mediante a tomada de decisões dos participantes que seguem regras preestabelecidas; posteriormente, aprofundada pelos participantes, permitindo o estabelecimento de um vínculo afetivo com elas;

b) as dinâmicas de clarificação de valores, construídas de forma a possibilitar que os alunos aprendam a tomar decisões livres diante de distintas alternativas que ante um dilema ou conflito possam acontecer;

c) os jogos de papéis, isto é, a representação de uma situação real ou imaginária, em que cada um dos participantes tem que desempenhar intelectual e 24

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afetivamente o papel que lhe tocou; à diferença dos jogos de simulação, os participantes não têm o protagonismo de forma real na tomada de decisões;

d) os estudos de casos, onde, a partir de uma situação descrita, buscam-se as diferentes soluções para ele;

e) os dilemas morais, trazendo uma situação problemática diante da qual os participantes devem escolher forçosamente uma alternativa;

f) análises de textos literários de autores conhecidos que trazem questões a serem debatidas e discutidas;

g) exercícios de resolução não-violenta de conflitos; h) práticas de observação pessoal, como o diário da paz, proposto por Naomi

Drew. As técnicas cooperativas de gestão, de comunicação intrapessoal, de relações

humanas, e dinâmicas de grupo, possuem, neste contexto, um sentido importante, embora não constituam o fim da educação para a paz. A educação para a convivência, como alguns estudiosos chamam a educação para a paz, adquire transcendência, não como totalidade da educação para a paz, mas como possibilidade de fortalecimento e empoderamento do grupo sujeito e protagonista.

Mesmo ao longo do processo de educação para a paz não convém descuidar

desta dimensão, como forma de manter o próprio dinamismo grupal. É claro que estes recursos não possuem, como nada em educação, resultado imediato ou se estruture a partir da lei ação-reação, mas revelam-se como possibilidade de criar as condições para o estabelecimento de uma autêntica comunidade de diálogo. 25

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9. Currículo da paz

A educação para a paz constitui-se num espaço argumentativo no qual os membros da comunidade pacifista conhecem, refletem, aprofundam e sistematizam conhecimentos que os ajudem, primeiramente, a ser competentes na crítica à cultura da violência, na busca de um consenso sobre como a violência é produzida e expressa pelos diversos agentes da sociedade e o estabelecimento de um sistema de vigilância e de controle destes mecanismos. Em segundo lugar, adquirindo uma adequada racionalidade comunicativa, a comunidade pacifista pode sentir-se apta na projeção de alternativas e possibilidades, concentrando-se no detalhamento e caracterização da agenda e de um projeto de paz bem argumentado e com contornos bem definidos.

Para adquirir as competências anteriores exige-se estruturar um currículo básico de educação para a paz, composto por capacidades, atitudes e conhecimentos. Entre as capacidades podemos enumerar:

a) Reflexão crítica: Os jovens devem ser capazes de abordar as questões com

uma mente aberta e crítica e estar dispostos a modificar suas opiniões diante de novos dados e argumentos convincentes. Devem ser capazes de reconhecer e combater a doutrinação e a propaganda.

b) Cooperação. Os jovens devem poder apreciar o valor de cooperar em tarefas comuns e trabalhar junto com outras pessoas e grupos para alcançar uma meta comum.

c) Compreensão. Os jovens devem ser capazes de imaginar com sensibilidade os pontos de vista e sentimentos de outras pessoas, em especial daquelas que pertencem a grupos, culturas e nações diferentes.

d) Asserção. Os jovens devem poder comunicar clara e assertivamente com outros, isto é, nem de modo agressivo, o que nega o direito dos demais, nem de uma maneira não assertiva, o que nega seus próprios direitos.

e) Solução de conflitos. Os jovens devem ser capazes de analisar de um modo objetivo e sistemático diferentes conflitos e indicar para eles diferentes soluções. Onde resulte apropriado, hão de poder aplicar a eles mesmos.

f) Alfabetização política. Os jovens devem desenvolver a capacidade de intuir reflexivamente na tomada de decisões, tanto dentro de suas próprias vidas como na comunidade local, e também nos níveis nacional e internacional. Entre as atitudes, pode-se relacionar: a) Auto-estima. Os jovens devem possuir um sentido de seu próprio valor e um orgulho por seus antecedentes sociais, culturais e familiares. 26

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b) Respeito pelos demais. Os jovens devem ter um sentido de valia dos demais, sobretudo daqueles com antecedentes sociais, culturais e familiares distintos dos próprios.

c) Preocupação ecológica. Os jovens devem ter um sentido de respeito pelo entorno natural e por nossa posição na trama da vida. Hão de possuir também um sentido de responsabilidade tanto pelo ambiente local como pelo global.

d) Mentalidade aberta. Os jovens devem estar dispostos a abordar diferentes fontes de informação, pessoas e acontecimentos com uma mentalidade crítica porém aberta.

e) Visão. Os jovens devem estar abertos e valorizar diversos sonhos e visões acerca de como poderia ser um mundo melhor, não só em sua própria comunidade como também em outras e no conjunto do mundo.

f) Compromisso com a justiça. Os jovens devem valorizar verdadeiramente os princípios e processos democráticos e estar dispostos a trabalhar por um mundo mais justo e pacífico em nível local, nacional e internacional.

Finalmente, entre os conhecimentos:

a) Conflito. Os jovens militantes da paz devem estudar diversas situações conflitivas contemporâneas, desde as pessoais até às globais, assim como as tentativas efetuadas para solucioná-las. Hão de conhecer também a maneira de resolver, não-violentamente, os conflitos que surgem na vida cotidiana.

b) Paz. Os jovens militantes da paz devem estudar diferentes conceitos de paz como estado de existência e como processo ativo, nas escalas que se estendem desde o pessoal até o global. Devem examinar ademais exemplos do trabalho de indivíduos e de grupos que operem ativamente em prol da paz.

c) Violência e Guerra. Os jovens militantes da paz devem explorar algumas das questões chave e dos dilemas éticos referidos à guerra convencional. Examinarão os efeitos do militarismo tanto nos indivíduos como nos grupos e em escalas que se estendem desde o pessoal até o global. Refletirão profundamente sobre as diversas formas de violência, causas, conseqüências, caminhos de superação, de maneira particular no âmbito da juventude.

d) Desarmamento. Os jovens militantes da paz devem informar-se sobre as diversas formas de armentismo – armas nucleares, leves, químicas, biológicas, minas terrestres, etc. - e ser conscientes dos pontos de vista chaves em defesa e desarme. Hão de compreender os efeitos do armamentismo e apreciar os esforços dos indivíduos, grupos e governos para trabalhar em prol de um mundo sem armas.

e) Justiça e Direitos Humanos. Os jovens militantes da paz devem estudar diversas situações que ilustrem a injustiça, escalas que vão do pessoal ao global. Examinarão o trabalho de indivíduos e grupos comprometidos agora na luta pela justiça. Conhecerão a Declaração Universal de Direitos Humanos e debaterão sua aplicação.

f) Poder. Os jovens militantes da paz devem estudar questões referidas ao poder no mundo atual e na forma em que sua distribuição desigual afeta as 27

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oportunidades na vida das pessoas. Devem analisar os métodos utilizados por pessoas e grupos para recobrar o poder sobre suas próprias vidas.

g) Gênero. Os jovens militantes da paz devem estudar questões referidas à discriminação baseada em gênero. Hão de compreender seus antecedentes históricos e as formas em que opera o sexismo a favor dos homens e em desvantagem para as mulheres.

h) Raça. Os jovens militantes da paz devem estudar questões referentes à discriminação baseada em raça. Devem entender seus antecedentes históricos e as formas em que opera o racismo a favor dos brancos e em desvantagem para os negros.

i) Meio ambiente. Os jovens militantes da paz devem sentir uma preocupação pelo bem-estar ambiental de todas as pessoas do mundo e pelos sistemas naturais de que dependem. Hão de ser capazes de formular juízos fundamentais referidos às questões ambientais e de participar eficazmente nas políticas do meio ambiente.

j) Futuros. Os jovens militantes da paz devem estudar uma série de futuros alternativos, tanto prováveis como preferíveis. Hão de compreender quais são as trajetórias que com maior probabilidade conduzem a um mundo mais justo e menos violento e que mudanças são necessárias para alcançá-las.

k) Mística. Os jovens militantes da paz devem vivenciar algum programa de espiritualidade e prática da não-violência ativa com o intuito de fortalecer as motivações para o seu engajamento.

l) Técnicas pedagógicas. Os jovens militantes da paz devem também aprender algumas técnicas que facilitem a capacitação técnica para a realização de atividades específicas e para o desenvolvimento de habilidades de criatividade necessárias para planejar e trabalhar em grupo e com a comunidade (estudos de caso, sociodramas, artes, técnicas de comunicação, simulação, análise de valores, etc.).

m) Movimento pacifista. Os jovens militantes da paz devem descobrir e conhecer as articulações do movimento pacifista e suas múltiplas frentes, estabelecendo relações, desenvolvendo o sentimento de pertença ao movimento global em prol de uma cultura de paz e fortalecendo conexões a nível local e mundial.

n) Lutadores da paz. Os jovens militantes da paz devem familiarizar-se com a vida e com a luta dos mais importantes lutadores da paz da história contemporânea, inspirando-se neles para a realização das próprias ações pacifistas.

No processo de construção da paz, além de garantir a criação de espaços de comunicação é preciso oferecer momentos para construção de sínteses de saber e para a revisão das práticas realizadas. Nesse sentido, as oficinas pedagógicas tornam possível a construção da paz na perspectiva de um mutirão comunitário. Elas são espaço de trabalho comum, em que todos compartilham e vivenciam idéias, sentimentos e experiências em torno do sonho e da luta pela paz.

A oficina é um instrumento que permite a um grupo relativamente pequeno apropriar-se de determinado conhecimento. O que a caracteriza é a construção gradativa do saber, tanto pessoal como coletiva. 28

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10. Calendário da paz

Algumas datas significativas para o avanço da luta pela justiça e pela paz constituem-se em referências básicas para o planejamento das atividades da comunidade pacifista. Ao considerar algumas delas na programação, as lutas locais adquirem uma dimensão de pertença e de comunhão global. Entre outras, pode-se destacar as seguintes datas:

01/01 Dia Mundial da Paz 30/01 Aniversário da morte de Mahatma Gandhi (1948)

01/03 Aniversário da entrada em vigor do Tratado de Ottawa contra as minas terrestres

08/03 Dia Internacional da Mulher 21/03 Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial 04/04 Dia de Martin Luther King Jr. (nascimento: 1929) 01/05 Dia Internacional do Trabalhador e da Trabalhadora 15/05 Dia Internacional dos Objetores de Consciência

04/06 Dia Internacional das Crianças Vitimas da Agressão 05/06 Dia Internacional da Ecologia e do Meio Ambiente 26/06 Dia Internacional Contra o Uso e o Tráfico de Drogas 06/08 Memória da Bomba Atômica de Hiroshima 09/08 Dia Internacional dos Povos Indígenas 08/09 Dia Mundial da Alfabetização 21/09 Dia Internacional da Paz 16/10 Dia Mundial da Alimentação 17/10 Dia Internacional para Erradicação da Pobreza 20/11 Dia Mundial da Criança 29/11 Dia Internacional de Solidariedade com o Povo Palestino

Quarta quinta-feira e quarto sábado: Dia Internacional de Protesto contra os Brinquedos de Guerra

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01/12 Dia de Solidariedade para com as pessoas presas pela causa da Paz

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01/12 Dia Mundial de Solidariedade com as vítimas da AIDS 03/12 Dia Mundial para Abolição da Escravidão

Dia Mundial de Pessoas Portadoras de Deficiência 10/12 Dia Mundial dos Direitos Humanos

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Juventudes &

Educação

para os Direitos Humanos

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“...Os desesperados serão esperados e os perdidos serão encontrados, porque eles são aqueles

que desesperaram de tanto esperar e os que se perderam de tanto procurar.

Seremos compatriotas e contemporâneos de todos os que tenham desejo de justiça e desejo de beleza, tenham nascido onde

tenham nascido e tenham vivido onde tenham vivido, sem que importem as

fronteiras do mapa e do tempo. A perfeição continuará a “ser o aborrecido privilégio dos deuses, mas neste mundo imperfeito e exaltante, cada noite será

vivida como se fosse a última e cada dia como se fosse o primeiro”

Eduardo Galeano,

Direito ao Delírio, 1999.

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Nos anos anteriores e posteriores à constituinte, uma boa parcela da juventude, consciente de seus direitos civis e políticos, teve um papel protagonista em movimentos como o das “Direitas já” e no processo de impeachment de Collor de Melo.

Mas no percurso dos anos isso foi mudando. O conceito e a reivindicação dos direitos foram paulatinamente associados à “defesa dos bandidos”. Até o ponto de que hoje em dia boa parcela dos jovens, fortemente influenciados pelo sensacionalismo e a manipulação midiáticas, reduzem a sua compreensão positiva dos direitos a questões tais como o acesso à carteira de habilitação e o direito ao sufrágio; ou, no máximo, às discussões ligadas à segurança pública (tal é o caso do debate sobre a redução da maioridade penal).

Embora a Constituição de 1988 reconheça como fundamentos do Estado democrático brasileiro a cidadania e a dignidade da pessoa humana (raiz última dos direitos), as condições sócio-econômicas em que vive grande número de jovens contradizem os princípios da carta magna e dificultam a vivência de uma cidadania plena, caracterizada pelo usufruto real dos direitos de igualdade diante da lei, de participação política e de condições sócio-econômicas básicas (acesso à educação, ao emprego, à cultura, ao lazer e ao esporte, etc.). Assim, muitos têm de conformar-se com cobranças, medidas punitivas ou, no melhor dos casos, com políticas paliativas que não respondem, em absoluto, às suas múltiplas carências e às suas diferenciadas necessidades.

A compreensão plena e a reivindicação eficaz dos direitos estão ligadas, necessariamente, a um processo de educação formal e informal sobre e para os direitos humanos em todos os espaços de socialização dos jovens: escolas, clubes, associações, movimentos, igrejas, etc.

Mas todo processo de ensino exige opções metodológicas. Talvez, para o contexto brasileiro, a metodologia mais adequada para educar os jovens sobre e para os direitos humanos seja a da educação popular, inspirada no método freireano.

Todavia, seja qual for o método utilizado, certamente todo o processo de educação sobre e para os direitos humanos, (extremamente urgente e necessário no atual contexto de negação dos direitos das juventudes) deverá ter como ponto de partida e de chegada a ação do(a)s jovens na transformação das diversas realidades em que ele(a)s estão inserido(a)s 33

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1. Juventude(s)

As Nações Unidas entendem os jovens como indivíduos com idade entre 15 e 24 anos, com a devida salvaguarda que cada país, de acordo com a sua realidade, pode estabelecer sua "faixa jovem". Quer dizer, o conceito de juventude, enquanto grupo populacional mutável, sofre variações de acordo com o contexto social. Isso, não poucas vezes, tem gerado polêmica. Todavia, essa polêmica em torno de quem se fala quando é usado o termo “jovem”, é essencial para a afirmação de uma política de juventude. É legítimo, para efeito de políticas públicas para os países latino-americanos, e especialmente para o Brasil, - responsável por cerca de 50% da população jovem da região - ter como referencial a faixa etária de 15-24, já que serve como denominador comum dos aspectos que nos permitem apreender a idéia de juventude: ingresso no mercado de trabalho, características biológicas e traços culturais marcantes. Afigura-se como razoável, para efeitos estratégicos, aceitar excepcionalmente o grupo de 24-29 anos, desde que por curto espaço de tempo e com objetivos bem determinados. Contudo, indo além da dimensão simplesmente biológico – etária (geracional), pela qual se tenta definir o fenômeno da “juventude”, hoje se fala mais em “juventudes”, quando essa faixa da população é considerada sob o prisma de identidades diferentes. Sem deixar de considerar a existência de um certo denominador comum, a raça, o gênero, a classe e a pertença a um grupo social ou cultural, entre outros fatores, ajudam a configurar a existência de juventudes realmente diferenciadas.

Entendendo as Juventude enquanto “um fenômeno multidimensional e que diversos são os fatores que constituem a identidade juvenil; entendendo que trata-se de um momento onde o indivíduo começa a enfrentar e ter que dar respostas individuais às diversas instituições sociais que o cercam; entendendo ser um momento onde o jovem passa por diversas transformações biológicas e psicológicas; entendendo que o contexto econômico e social ao qual este jovem está inserido é parte integrante da construção de sua personalidade, podemos afirmar que trata-se de um momento na vida que certamente se está mais aberto ao aprendizado de novos conhecimentos, novas posturas e a construção de novas relações sociais, podendo isso significar uma aposta na construção de uma sociedade mais justa e fraterna, no entanto, este potencial transformador que encontra-se latente nos corações e mentes da juventude não será seduzido a participar de processos de construção coletiva de novos valores, sem que existam ações concretas através de programas e projetos que busquem a qualificação e o empoderamento dos indivíduos e instituições que 34

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trabalham com o tema na busca da implementação de políticas públicas que tenham por centralidade a efetiva participação das juventudes na arena política brasileira” (COELHO, Alonso Nunes. Juventude... que bicho é esse? Curso de Formação de Gestores, OBJ, 2003. Citado em www.obj.org.br/, O contexto social da juventude).

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2. Os jovens na América Latina e no Brasil

Três de cada cinco pessoas que vivem na América Latina têm menos de 30 anos. As juventudes representam, atualmente, aproximadamente 53% (cinqüenta e três por cento) da população total da América Latina e Caribe e a grande maioria são jovens que estão crescendo em uma época de grandes dificuldades sociais, econômicas e de acesso a novas tecnologias e isso certamente os afetará profundamente e de uma forma muito particular. Nunca houve uma geração com tantas ameaças e provações e não foram os jovens que construíram as condições nas quais estão inseridos, são sim herdeiros de condições socioeconômicas que não lhe dão condições de acesso a uma sociedade que lhe cobra respostas diariamente. Isso, por si só, já é motivo para entendermos a juventude como parte da construção das soluções e não como um problema a ser resolvido.

Apesar de herdeiros das mazelas sociais e ao mesmo tempo acusados como responsáveis pela sua própria má condição social, os jovens, mesmo assim, buscam o seu espaço e estarão sempre aptos a serem grandes construtores do desenvolvimento desde que tenham políticas de saúde, educação, emprego, habitação, etc., construídas com participação e visem a sua autodeterminação intelectual e econômica.

Mesmo no plano mais formal, liberal, de direitos humanos específicos, de investimento em identidades em si, de políticas focalizadas em alguns segmentos, um dos grupos mais a descoberto é o referenciado à identidade de geração, como o caso dos jovens.

Hoje, grande porcentagem da juventude latino-americana é brasileira e, de acordo com a possibilidade real de desenvolvimento do capital humano e social da juventude, podemos estar diante de um problema ou de uma grande oportunidade para a sociedade deste país. Para falar em números absolutos, a população juvenil representa hoje 28,25% da população brasileira se consideramos a faixa dos 15 aos 29 anos. Mesmo trabalhando com a faixa dos 15 aos 24 anos teremos uma população altamente representativa, ou seja, 20,10% do total da população brasileira e a 36

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tendência demográfica é aumentar sua proporção até 2005, chegando a 30,31% do universo total. Todavia, quando se desagrega a população por sexo, raça/etnicidade e geração, algumas diferenciações são reveladas, confirmando o reforço das desigualdades na contemporaneidade brasileira e o anúncio de que esta é uma tendência que se acentua com o livre jogo do mercado.

Assim, por exemplo, são os jovens negros que apresentam as mais baixas taxas de atividade e as mais altas taxas de desemprego. Os jovens negros entre 15 e 18 anos, nas áreas metropolitanas no Brasil, têm taxa de desemprego superior à media para a população adulta total (cerca de 8%). Este, e outros dados devem certamente ser dignos de consideração.

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3. Políticas públicas de/para/com as Juventudes

Como agravante ao fenômeno demográfico, constatamos que é justamente sobre essa população que recaíram de maneira muito peculiar – qualitativa e quantitativamente – as conseqüências das políticas de redução do estado, desregulamentação da economia, automação do mundo do trabalho e diminuição dos recursos às políticas sociais, acabando com direitos dos trabalhadores e estimulando o processo de desemprego estrutural, fatos estes que acarretaram no aumento da exclusão juvenil.

Sendo assim, entendemos que as políticas públicas de juventude devem ser vistas como estratégicas para o desenvolvimento social do Brasil e da América Latina e estas, para serem contemporâneas ao seu tempo, devem ter presente as discussões de raça, gênero, sexualidades, geração de renda e emprego, combate a fome e desenvolvimento auto-sustentável.

Uma Política de Juventude constitui um conjunto coerente de intenções do Estado para que, em parceria com a sociedade civil, sejam estabelecidos objetivos, diretrizes e estratégias destinados a fomentar e coordenar as atividades em favor da juventude, de modo que façam parte de uma dinâmica de desenvolvimento.

Os temas centrais de uma política de juventude devem ser aqueles que compõem a própria agenda de desenvolvimento do país, notadamente: meio ambiente, saúde, educação, cultura, justiça, trabalho, esporte, turismo e lazer. Mais ainda, uma Política de Juventude deve ter como eixo norteador o estímulo à capacidade do jovem em lidar com seus problemas, fornecendo mecanismos para que ele se afirme socialmente e tenha pontos de referência. Deve estabelecer valores e princípios que comprometam os jovens com as outras gerações, pois, somente desta forma, a juventude responderá positivamente às expectativas sociais a seu respeito, sendo uma efetiva protagonista social no pacto de desenvolvimento humano.

Como afirma Mary Garcia Castro, “não se encontram políticas públicas para juventudes no atacado, predominando programas e ações no varejo, ou seja, existem no Brasil programas isolados, políticas setoriais de ação local no âmbito do Estado, mas que não contemplam a diversidade dos beneficiários em termos de geração e não possuem uma orientação universalista”. Com efeito, “são muitos os complicadores para a elaboração de políticas públicas que sejam a um tempo: I) políticas de juventudes, ou seja, que considerem tanto o que há de único na geração jovem e sua diversidade como contemplem reivindicações de distintos movimentos sociais de jovens. Para tanto há que conceber os jovens como atores com identidade própria, não 38

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como em fase de transição, não como quase adultos ou ex-crianças, ou como adolescentes...; II) políticas para juventude, ou de responsabilidade do Estado, inclusive considerando que essa é uma geração com menor poder de competição em uma sociedade orientada pelo mercado, pois em princípio tempo de ser jovem é tempo de estudar, criar, buscar, divertir-se, exercitar-se e investir em formação de autonomia e capital crítico-social; e III) políticas com juventudes, o que pede que se operacionalize participação, por empoderamento, recursos para os jovens poderem participar inclusive da arena de acompanhamento e formulação de políticas”. (GARCIA, Castro Mary. Políticas públicas por identidades e de ações afirmativas. In Juventude e Sociedade, Ed. Fundação Perseu Abramo, 2005, p. 292).

Uma política pública, em conseqüência, deve ser:

1. Integral: no sentido de apreender a problemática juvenil em todos os seus componentes, por meio de uma visão de conjunto e como parte das estratégias de desenvolvimento social e econômico;

2. Orquestrada: deve envolver todos os atores, direta e indiretamente, vinculados ao processo decisório;

3. Sistematizada: deve estudar, de forma sistematizada e permanente, a dinâmica da juventude, definir suas necessidades, progressos e retrocessos, propor ações adaptadas às necessidades da juventude, atual e coordenar as ações de forma articulada e concertada;

4. Incisiva: apresenta, com a devida precisão, respostas às múltiplas dimensões das problemáticas juvenis, de forma específica e objetiva;

5. Participativa: favorece o protagonismo juvenil, possibilitando a construção de projetos de vida para os jovens, e estabelece pontos de referência - nos quais lideranças locais sejam formadas, e hábitos de conduta positivos sejam estimulados;

6. Seletiva: como toda política pública de natureza social, e este é um ponto de polêmica, a política de juventude deve ser universalista, humanista e adequada ao contexto; mas deve ter também um caráter pragmático, proporcionando aos jovens de baixa renda, do meio rural e urbano, e às "mulheres jovens", em particular, serviços emergenciais de atenção;

7. Descentralizada: entende o papel dos atores locais na solução dos problemas, a política deve promover a desburocratização dos serviços proporcionando capacidade operacional, eficiência no atendimento e participação local dos jovens.

Por outro lado, o debate sobre políticas com juventudes, considerando que os próprios jovens deveriam reivindicar direitos, passa pela formação política deles no sentido de aprender a zelar pela coisa pública, acompanhar e cobrar a ação do Estado – exercício de cidadania civil e política ativa monitorando o uso da coisa pública.

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Até pouco tempo atrás, no que diz respeito às políticas públicas para as juventudes, o Brasil era o único país da América Latina que ainda não tinha constituído um canal de participação que permitisse a integração das organizações da juventude. Essa realidade começou a mudar a partir de 1º de fevereiro de 2005 com a edição pelo presidente Luis Inácio Lula da Silva da Medida Provisória que cria o Programa, o Conselho e a Secretaria Nacional da Juventude. O programa integrará a Política Nacional de Juventude que o Governo Federal está desenvolvendo a partir de 2005. O Conselho e a Secretaria Nacional da Juventude vão orientar, coordenar e integrar a execução de políticas públicas para significativa parcela da população na faixa etária de 18 a 24 anos, em sintonia com os demais Ministérios, os governos estaduais, prefeituras, Poder Legislativo e organizações da sociedade civil.3

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3 A realização da I Conferência Nacional de Políticas Públicas de Juventude, convocada pelo Conselho Nacional da Juventude e pela Secretaria Nacional da Juventude, a ser realizada em abril de 2008 em Brasília poderá constituir-se num “divisor de águas” na forma de fazer políticas públicas de/para/com as juventudes.

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4. Direitos das Juventudes

Como é sabido, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, Lei 8.069/90),

que visa a proteção das pessoas desde a sua gestação até os 16/18 anos, tem se mostrado eficaz instrumento jurídico na efetivação de políticas públicas para esse segmento populacional. Mas se levarmos em consideração a(s) juventude(s) desde a perspectiva geracional, pensando na urgência de políticas públicas para a faixa populacional que vai dos 15 aos 24/29 anos, onde podemos encontrar as bases jurídicas para a cobrança e efetivação dos seus direitos? Não é paradoxal que, enquanto a discussão sobre políticas públicas para a juventude ganha cada vez mais espaço na sociedade a definição dos seus direitos e a luta pela sua garantia jurídica marcha com passos mais lentos? No contexto ibero-americano, no dia 11 de outubro de 2005, em Badajoz (Espanha), durante a Convenção Ibero-americana dos Direitos da Juventude, 13 países latino-americanos, mais a Espanha e o Portugal, assinaram um documento comprometendo-se a promover a ratificação do acordo e a avançar na formulação de instrumentos específicos no âmbito dos direitos humanos, especificamente no dos jovens. A convenção, desde então, ficou aberta para a adoção e ratificação de outros países. A Argentina encontrava-se lá como observadora. O Brasil não participou do encontro. Nos três primeiros artigos, a Convenção de Badajoz considera como referência a dimensão geracional (15-24 anos) para designar os “jovens”; reconhece o direito de todos os jovens de usufruir e apreciar todos os direitos humanos; compromete os participantes na criação de políticas e programas que incentivem e mantenham, de forma permanente, a contribuição e o compromisso dos jovens para com uma cultura de paz e respeito pelos direitos humanos; e reconhece o direito à paz; e determina uma lista de direitos civis e políticos e DHECA dos jovens. Na América Latina, são vários os países que já contam com uma legislação bem definida que garante direitos às juventudes locais. Entre eles destaca-se a Bolívia, a Colômbia, o Chile, a Costa Rica e o Equador. No Brasil existem atualmente várias iniciativas, no nível federal, para a institucionalização jurídica dos direitos da juventude. Ao respeito, pode-se citar:

- A PEC 138-A, de 2003 – Proteção dos Direitos da Juventude - Comissão Especial destinada a proferir parecer à Proposta de Emenda Constitucional nº 138-A/03, do deputado Sandes Júnior, que "dispõe sobre a proteção dos direitos econômicos, sociais e culturais da juventude".

A comissão especial encarregada de analisar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 138/03, que trata da proteção dos direitos econômicos, sociais e culturais da juventude, aprovou no dia 23/11/2005 o texto da matéria, que agora está 41

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pronta para ser incluída na pauta de votação na Câmara Federal. De acordo com o texto, jovem é todo cidadão na faixa etária entre 15 e 29 anos. Eles foram incluídos na denominação do capítulo VII do título VIII da Constituição, que passa a ser "da família, da criança, do adolescente, do jovem e do idoso". Com isso, alteram-se vários itens constitucionais para estender à juventude direitos já assegurados à criança e ao adolescente, como à alimentação, à vida, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade, à convivência familiar e comunitária e à saúde. Neste último item, o texto determina a criação de Unidades de Referência Juvenil, com pessoal especializado na área de hebeatria – tratamento clínico de doenças do jovem, cujo nome deriva de Hebe, a deusa grega da juventude.

- O Projeto de Lei 4529/04 dispõe sobre o Estatuto da Juventude destinado a regular os direitos assegurados ás pessoas com idade entre 15 e 29 anos sem prejuízo do disposto no ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente e dos demais diplomas legais pertinentes. Este PL aguarda instalação de Comissão Especial pra ser apreciado. A proposta do Estatuto da Juventude é regulamentar direitos de pessoas entre 15 e 29 anos, abrangendo temas como igualdade racial e de gênero, saúde e sexualidade, educação, trabalho e representação juvenil (o direito do jovem criar organizações próprias para discutir seus interesses e contribuir com propostas aos órgãos da administração pública encarregados dos assuntos relacionados à juventude). Muitas dessas questões ainda não são asseguradas para jovens entre 15 e 18 anos e seriam suplementares aos direitos estabelecidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

A nível municipal, é no sudeste e no sul do país que alguns Estatutos da Juventude já foram aprovados:

- São Paulo. A Câmara Municipal de São Paulo aprovou, por unanimidade, em 04/12/03, o primeiro Estatuto da Juventude do Brasil. Considerado como uma extensão do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) pelos vereadores da capital paulista, o Estatuto da Juventude foi inspirado em experiências européias e documentos internacionais como a Declaração de Lisboa e o Plano de Ação de Praga, de 1998.

- Porto Alegre. Foi aprovado pela Câmara Municipal de Porto Alegre, no dia 1 de dezembro, projeto de lei, Estatuto da Juventude, de autoria do Vereador Márcio Bins Ely (PDT).

Ainda no mesmo nível municipal, embora sem a proposta de uma legislação específica sobre direitos, já foram constituídos muitos Conselhos Municipais de Juventude pelo país afora. Resta a aprovação das propostas do nível federal para que essas iniciativas tenham uma base jurídica mais consistente. 42

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5. Referenciais Normativos para os Direitos da Juventude

Tendo em vista a proporção da população jovem, ou seja, a importância qualitativa e quantitativa da juventude - que hoje chega a cerca de 1,03 bilhão de jovens -, não equivocadamente, vários países têm notado que o potencial dos jovens não pode ser subestimado. Enfaticamente, os países em desenvolvimento, que reúnem 85% da população mundial, necessitam de um projeto de vida para os jovens.

Reconhecendo essa realidade, em 1985, com a comemoração do Ano Internacional da Juventude, a Assembléia Geral das Nações Unidas produziu um referencial inicial para os países, em termos de políticas de juventude: o Guidelines for further planning and suitable development in the field of youth (Guia para o Planejamento e Desenvolvimento Sustentável em Matéria de Juventude). O documento estabelece orientações para que os países construam bases para uma política de juventude, focalizando como prioridade os temas: participação, desenvolvimento e paz.

Desde 1985, com a comemoração do Ano Internacional da Juventude e a elaboração de um dos primeiros marcos orientativos sobre a questão, até a adoção do Programa de Ação da ONU para a Juventude até o Ano 2000 e Além, pela Assembléia Geral da organização, em 1995, mais de 144 países - ou seja cerca de 78% do total de membros da ONU - definiram modelos de política nacional de juventude, mas somente 73 países - precisamente 40% do total - implementaram um programa nacional de ação.

* Guidelines for further planning and suitable development in the field of youth (Guia para o Planejamento e Desenvolvimento Sustentável em Matéria de Juventude). O Guia das Nações Unidas (resolução 40/14 de 1985) afirma que é essencial, para o desenvolvimento de uma política de juventude, que sejam considerados os seguintes aspectos:

· O lugar e o papel da juventude na sociedade, e a responsabilidade de cada setor para com a juventude;

· Formas e maneiras de reunir os jovens para permitir que eles expressem suas necessidades e aspirações, e tomem parte nas decisões sobre as atividades que os atingem;

· Reorientação do processo político, tanto dos agentes governamentais como dos não-governamentais, para conceder aos jovens seu lugar como beneficiário e contribuinte para todos os aspectos do desenvolvimento nacional. 43

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* O Programa de Ação da ONU para a Juventude até o Ano 2000 e Além (13/03/1996), destaca que as políticas são a melhor forma de combater os problemas que atingem os jovens, e que as premissas, para a existência de uma política, são: implementação de mecanismos de consulta e participação; disseminação adequada de informação para diversas esferas juvenis; e monitoramento e avaliação das ações.

A comunidade reunida no encontro donde surgiu esse documento identificou dez esferas prioritárias, cujos objetivos e medidas refletem os três temas do Ano Internacional da Juventude: Participação, Desenvolvimento e Paz. Essas dez esferas são: educação, emprego, desnutrição e pobreza, saúde, meio ambiente, uso indevido de drogas, delinqüência juvenil e as atividades recreativas, as meninas e as jovens e a participação plena dos jovens na sociedade e na adoção de decisões.

Visto que o Programa de Ação permitia a incorporação de novas prioridades a serem identificadas no futuro, foram acrescentadas mais cinco esferas (“+ 5”): Globalização como força positiva para todos; Tecnologia das informações e comunicações (TIC); HIV/AIDS; Os jovens e a prevenção de conflitos; e as Relações Inter-geracionais.

* A IX Conferência Ibero-americana de Ministros da Juventude, realizada em Lisboa – Portugal, entre os dias 05 a 07 de agosto de 1998, abordou o tema dos direitos da juventude e aprovou um documento com as bases conceituais que deveriam inspirar uma futura Carta dos Direitos dos Jovens Ibero-americanos, a qual deveria ser construída com a participação de todos: jovens, governos, especialistas, ONGs, políticos e a sociedade em geral, tendo presente o conteúdo da proposta da Carta Internacional dos Direitos da Juventude das Nações Unidas.

* III Fórum Mundial da Juventude. Sediado em Braga, Portugal, nos dias 02 a 07 de agosto de 1998, o Fórum reconhece o papel da juventude na promoção dos direitos humanos nos números 25, 26 e 27 da Declaração Final do encontro e recomenda: que a educação dos direitos humanos seja reconhecida como um direito humano básico; assegurar aos jovens um ambiente que favoreça o seu envolvimento na educação sobre direitos humanos; a implementação de estratégias eficazes sobre essa educação; a escolha de um ponto fulcral em direitos humanos, criando parcerias entre o sistema da ONU e esse ponto fulcral. * IV Forum Mundial da Juventude – Dakar / Senegal. Aconteceu dos dias 06 a 10 de agosto de 2001. Destaca recomendações e estratégias para o apoderamento ou “empoderamento” (empowerment) da juventude, nos temas da educação e tecnologias da Informação e comunicação (TIC), do emprego, da saúde, da capacitação, da advocacia, da conscientização, da fome, da pobreza e da dívida, dos assentamentos humanos e do meio ambiente, da integração social, da cultura de paz e da política para a juventude. Neste último item, referindo-se à participação e os direitos, o Fórum apóia “a criação de conselhos da juventude independentes e democráticos em nível local e nacional, bem como plataformas regionais onde não existam.” (no. 54).

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6. Educação em Direitos Humanos

A Assembleia Geral das Nações Unidas quando, a 10 de Dezembro de 1948, proclamou a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) “como ideal comum a atingir por todos os povos e todas as nações, a fim de que todos os indivíduos e todos os órgãos da sociedade, tendo-a constantemente no espírito, se esforcem, pelo ensino pela educação, por desenvolver o respeito desses direitos e liberdades...”

Posteriormente, “A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos considera que o ensino, a formação e a informação ao público em matéria de Direitos Humanos são essenciais para a promoção e a obtenção de relações estáveis e harmoniosas entre as comunidades, bem como para o favorecimento da compreensão mútua, da tolerância e da paz” (Declaração e Programa de Ação de Viena, Parte II. D, parágrafo 78).

A Educação para os Direitos Humanos, proposta pela ONU, deve permitir o conhecimento dos direitos de todos e dos meios para fazê-los respeitar; deve constituir uma prática participativa, num clima de respeito mútuo e visar não só a aquisição daqueles conhecimentos, mas o desenvolvimento de atitudes e a construção de valores conducentes à aplicação universal e quotidiana dos Direitos Humanos. Deve, sobretudo, traduzir-se em experiências e práticas democráticas e do exercício da cidadania em situações concretas. Sem esta condição, o ensino dos Direitos Humanos permanece formal, porque está separado da açào e da realidade viva do grupo social ao qual se dirige. A educação para os Direitos Humanos é, por isso, uma educação sobre os Direitos Humanos, mas também para os Direitos Humanos e tem que superar o fosso, muitas vezes existente, entre o saber e a ação.

Partindo do anterior, pode-se afirmar que a Educação em Direitos Humanos: - É a expressão de um compromisso para com os direitos consagrados na

Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948), nas Convenções das Nações Unidas e nas constituições dos vários países. Torna pública a aceitação de uma responsabilidade em respeitar, proteger e promover os direitos de todos os povos do mundo.

- Promove os princípios democráticos. Através de diversas práticas educativas, permite analisar, de uma forma imparcial, as várias perspectivas respeitantes à problemática dos direitos humanos. 45

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- Ajuda a desenvolver as capacidades de comunicação e um pensamento crítico e lúcido, essencial para o desenvolvimento da democracia. Tem um enfoque multicultural e histórico promovendo a luta universal pela justiça e dignidade humanas.

- Implementa-se com o coração e com o espírito. Promove junto dos alunos, enquanto pessoas, a interrogação acerca do significado dos direitos humanos e encoraja-os a transformar as suas preocupações em acções esclarecidas e não-violentas.

- Afirma a interdependência da "família humana". É respeitante ao estudo do universo de forças abusivas e promove conhecimento relativo à prevenção e abolição dessas situações.

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7. Metas e metodologia da Educação em Direitos Humanos

A educação em direitos humanos deve humanizar, o que significa suscitar nos jovens capacidade de reflexão e de crítica, bem como a aquisição do saber, o acolhimento do próximo, a sensibilidade estática, a capacidade de encarar os problemas da vida, o cultivo do humor, etc. Deve também permitir ao educando o confronto com as diferentes representações do real, reconhecendo assim que a educação é sempre ideológica e o ensino politicamente neutro é apenas um mito da filosofia liberal.

Como recomenda Paulo Freire, a educação em direitos humanos deve ser dialógica, adotando o educador posturas que levem à colaboração, união, organização, síntese cultural e reconstrução do conhecimento e superando comportamentos tais como sedução, manipulação, concorrência, invasão cultural e imposição de valores e de conhecimentos. Segundo Antônio Carlos Ribeiro Fester, um dos mais importantes educadores em direitos humanos no Brasil, o programa deve adotar a pedagogia da indignação e jamais do conformismo. As metodologias devem induzir os educandos à participação social; à contradição; à visão universal que supere etnias, classes, nações etc; estimulando a criatividade, fortalecendo os vínculos com a comunidade e tendo como referência a realidade na qual se vive hoje.

A educação em direitos humanos, segundo Fester, compreende as seguintes etapas: sensibilização, problematização, construção coletiva da interdisciplinariedade, acompanhamento sistemático do processo educativo e formação permanente dos educadores. Os educandos devem trabalhar nos temas da conceituação e do histórico dos direitos humanos, relacionando-os sempre com os problemas locais da comunidade e da nação.

A educação em direitos humanos é uma educação para a justiça e a paz. Uma pessoa só pode dimensionar bem seus próprios direitos na medida em que reconhecer os direitos alheios, sobretudo aqueles que são fundamentais à sobrevivência. Assim, no centro do processo pedagógico devem estar, como eixo, aqueles que mais têm os direitos essenciais negados: os pobres e as vítimas da injustiça estrutural. Nessa linha, assumir os direitos dos pobres é, com freqüência, estar em chique com os interesses daqueles que consideram os lucros do capital privado acima dos direitos coletivos ou as razões de Estado acima do direito individual. Essa dimensão conflitiva do processo educativo deve ser encarada com parte mesma de uma pedagogia que não quer apenas conscientizar, mas formar 47

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agentes transformadores, cidadãos empenhados na erradicação das injustiças e na construção de um mundo verdadeiramente humano.

A metodologia adequada à educação em direitos humanos é a da educação popular inspirada no método Paulo Freire. Ela considera o educando o centro do processo educativo e, indutiva, vai da prática à teoria para retomar e melhor qualificar a prática. Parte de casos concretos e utiliza recursos como dramatização, simulação de casos, papelógrafo, desenhos, jogos, pesquisas e, sobretudo, valoriza a narrativa oral e existencial dos educandos. Ela se direciona do local ao internacional; do pessoal ao social; do detalhe ao geral; do fato ao princípio; do biográfico ao histórico. O educador não educa; ajuda a educar e, ao fazê-lo, se predispõe à reeducação. E todo o processo educativo tem como ponto de partida e de chegada ação dos sujeitos educados (educandos e educadores) na transformação da realidade em que se inserem.

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8. Conteúdos Programáticos

Um programa educativo em direitos humanos certamente deverá englobar os direitos da liberdade (proclamados pelas revoluções burguesas do século XVIII), os direitos da igualdade (exigidos pelas conquistas sociais do século XIX) e os direitos da solidariedade (reconhecidos no século XX após a Segunda Guerra).

* A noção dos direitos humanos: os individuais; os políticos e civis, os sociais, econômicos e culturais; os ambientais e outros emergentes.

* O conhecimento dos documentos fundamentais: Declarações da ONU, Convenções Internacionais, Constituição Brasileira e Legislação específica (ECA e iniciativas de lei sobre a juventude).

* O resgate da história recente do respeito e do desrespeito aos direitos humanos no mundo: dos horrores do nazismo aos Esquadrões da Morte da América Latina; do racismo emergente na Europa à matança de crianças no Brasil.

De acordo com o Programa Mundial para a Educação em Direitos Humanos (2005-2007), “A educação em direitos humanos abrange o seguinte:

a) Conhecimentos e técnicas: aprender acerca dos direitos humanos e os mecanismos para sua proteção, assim como adquirir a capacidade de aplicá-los na vida quotidiana;

b) Valores, atitudes e comportamentos: promoção de valores e reforço de atitudes e comportamentos que respeitem os direitos humanos;

c) Adoção de medidas: fomentar a adoção de medidas para defender e promover os direitos humanos”.

Além disso, a Conferência Mundial sobre Direitos Humanos de Viena (1993) lembrava que “a educação em matéria de Direitos Humanos deverá incluir a paz, a democracia, o desenvolvimento e a justiça social, conforme definidos nos instrumentos internacionais e regionais de Direitos Humanos, a fim de alcançar uma compreensão e uma consciencialização comuns, que permitam reforçar o compromisso universal em favor dos Direitos Humanos” (Declaração e Programa de Ação de Viena, Conferência Mundial sobre Direitos Humanos, Viena, 14-25 de Junho de 1993 , Parte II, no. 80).

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9. Algumas instâncias de participação juvenil

Dentre as instâncias locais de participação dos jovens na efetivação de seus direitos e na elaboração de políticas públicas de/para/com as juventudes, na experiência brasileira, destaca-se três esferas: a Conferência Municipal da Juventude, o Conselho Municipal da Juventude e o Fórum Municipal da Juventude.

- A Conferência de Juventude. Deverá constituir-se como um espaço que seja de participação plena e autônoma dos vários segmentos e "tribos" da juventude em processo de consciência de seu papel na sociedade. Que permita a discussão, a problematização e o aprofundamento do estudo da realidade e das questões relacionadas à juventude. Refletindo coletivamente, os jovens podem socializar experiências comuns e diversificadas buscando entender e ocupar seu lugar no mundo e na sociedade. Para isso, o processo deve realizar-se ao longo de aproximadamente 6 meses, perpassando 4 momentos distintos (apresentação e sensibilização; resgate das práticas, aprofundamento teórico e problematização; definição de princípios e diretrizes para as PPJ) mas que se relacionam um com o outro buscando aprofundar o debate e desencadear uma rede de atividades e discussões nos diversos bairros, regionais e distritos da cidade.

- Conselho Municipal da Juventude. A partir da discussão da Conferência acompanha-se a aprovação e a implantação do Conselho. O Conselho deve ser um espaço de discussão/elaboração das políticas, mas deve também cumprir um papel fiscalizador e acompanhar a execução das políticas pelo governo. O ideal é que ele tenha autonomia e independência, para deliberar sobre as ações propostas.

- Fórum Municipal de Juventude. O Fórum Municipal de juventude (FMJ) deve constituir-se como espaço aberto, direto e permanente de relação entre a Prefeitura e os(as) jovens da cidade, assim como espaço autônomo e independente de articulação das juventudes (organizadas, ou não). No FMJ deve estar expressa a diversidade de opiniões e culturas dos(as) jovens do município. Assim deve ser composto na parceria entre a Prefeitura através da coordenadoria e os movimentos e grupos culturais, de comunicação, geração de renda, comunitários, esportivos, estudantis, religiosos, etc. O FMJ deve ter ainda um caráter consultivo, não sendo como o conselho um espaço de deliberação.

Além da organização de Conferências e Fóruns da Juventude e da participação nos Círculos de discussão e estudo dos Direitos Humanos na linha pedagógica de Freire, a juventude organizada, entre outras propostas, pode: 50

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- Buscar a maneira de participar ativamente dos Conselhos Municipais de Juventude.

- Promover cursos de Capacitação de Conselheiros e de Gestores Jovens de Políticas Públicas.

- Promover campanhas de coleta de assinaturas para a aprovação do Estatuto da Juventude.

- Elaborar projetos de Políticas Públicas com a assessoria de entidades qualificadas e pessoas especializadas na área, buscando o apoio de vereadores e deputados locais.

- Aproveitar o Dia Internacional da Juventude para fomentar o conhecimento do Plano de Ação Mundial para a Juventude e o Dia Mundial e Nacional da Juventude para cobrar Políticas Públicas das autoridades locais.

- Manter o contato com as diversas entidades juvenis e participar de redes regionais e nacionais de juventudes. 51

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10. Calendário dos Direitos Humanos e das Lutas Sociais

Finalmente, como guia inspiradora para a programação de atividades do decorrer do ano, para a Educação em Direitos Humanos, pode-se acompanhar o calendário dos Direitos Humanos:

* Janeiro 8 Dia Mundial da Alfabetização 21 Dia Mundial da Religião

* Fevereiro 21 Dia Internacional da Língua Materna (UNESCO)

24 Dia da conquista do voto feminino no Brasil

* Março 8 Dia Internacional da Mulher 21 Dia Mundial para a Eliminação da Discriminação

Racial * Abril 7 Dia Mundial da Saúde 17 Dia Internacional das Lutas Camponesas 19 Dia do Índio * Maio 1 Dia Internacional dos Trabalhadores e

Trabalhadoras 13 Dia Nacional da Luta contra o Racismo 18 Dia dos Povos Indígenas da América Dia Nacional de Combate à Exploração Sexual

22 Dia da Diversidade Cultural para o Diálogo e o Desenvolvimento

* Junho 4 Dia Internacional das Crianças Vitimas de Agressão 12 Dia Mundial contra o Trabalho Infantil 20 Dia Mundial dos Refugiados

26 Dia Internacional de Luta contra o Abuso e o tráfico de droga

Dia das Nações Unidas para o Apoio às Vítimas da Tortura

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Dia Mundial da Carta das Nações Unidas

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* Julho 13 Dia da Promulgação do ECA (1990) 25 Dia do Trabalhador Rural

25 Dia Internacional da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha

* Agosto 7 Dia Internacional da Educação 9 Dia Internacional dos Povos Indígenas 12 Dia Internacional da Juventude

23 Dia Internacional da Recordação do Tráfico de Escravos e sua Abolição

* Setembro 6 Dia Internacional de Ação pela Igualdade da

Mulher 7 Dia dos Direitos Cívicos das Mulheres

8 Dia Internacional da Alfabetização 21 Dia Nacional de Luta das Pessoas com Deficiência

23 Dia Internacional contra a Exploração Sexual e o Tráfico de Mulheres e de Crianças

* Outubro 5 Dia da Promulgação da Constituição Brasileira (1988)

8 Dia do Nordestino 10 Dia Nacional de Luta Contra a Violência à Mulher 12 Dia Nacional da Criança 16 Dia Mundial da Alimentação (FAO)

17 Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza 24 Dia das Nações Unidas Dia Mundial de Informação sobre o Desenvolvimento Ultimo domingo do mês: Dia Nacional da Juventude (DNJ) * Novembro 5 Dia da Cultura 15 Dia do Esporte Amador 16 Dia Internacional para a Tolerância 20 Dia Nacional da Consciência Negra

25 Dia Mundial para a Eliminação da Violência contra a Mulher

* Dezembro 1 Dia Mundial de Prevenção da AIDS 3 Dia Internacional da Pessoa com Deficiência 10 Dia da Declaração Universal dos Direitos Humanos

16 Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais

Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos 18 Dia Internacional dos Migrantes

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Juventudes &

Educação Sócio-Ambiental

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“Estamos diante de um momento crítico na história da Terra, numa época em que a

humanidade deve escolher o seu futuro. À medida que o mundo torna-se cada vez mais

interdependente e frágil, o futuro enfrenta, ao mesmo tempo, grandes perigos e grandes promessas. Para seguir adiante, devemos

reconhecer que, no meio da uma magnífica diversidade de culturas e formas de vida, somos

uma família humana e uma comunidade terrestre com um destino comum. Devemos somar forças

para gerar uma sociedade sustentável global baseada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e

numa cultura da paz”.

Carta da Terra – Preâmbulo

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Na emergência de novos direitos, face aos sérios problemas que a sociedade mundial experimenta, destaca-se a questão ambiental, que aos poucos vai configurando-se, efetivamente, como "direito verde" ou conjunto de direitos ambientais. No Brasil, a Constituição Cidadã de 1988, no seu art. 225, Cap. VI é contundente a esse respeito: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem como de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações".

Na linha da consolidação dos direitos ambientais, a UNESCO lançou oficialmente, no dia 01 de março de 2005, a Década das Nações Unidas da Educação para o Desenvolvimento Sustentável. O principal objetivo da Década é encorajar os governos dos países membros da ONU a integrar o conceito de desenvolvimento sustentável às políticas educacionais e aos processos de aprendizagem. No Brasil, o lançamento da Década aconteceu durante o Congresso Ibero-americano sobre Desenvolvimento Sustentável 2005, que se realizou no Rio de Janeiro (RJ) nos dias 31 de maio, 01 e 02 de junho de 2005.

Ao instituir a preocupação com o desenvolvimento sustentável, a Década almeja melhorar a qualidade do ensino, facilitar a troca de experiências entre os diversos atores envolvidos e aumentar a atenção pública ao assunto. A definição de educação para o desenvolvimento sustentável ultrapassa a questão ambiental (como água, mudanças climáticas, biodiversidade, etc.) e agrega estes conceitos a aspectos econômicos para o desenvolvimento (luta contra a pobreza, transformações sociais, eco-turismo etc.) e a valores sócio-culturais, tais como igualdade de gênero, promoção da diversidade cultural e construção de uma cultura de paz. Assim, ao integrar o cuidado ambiental num conceito de paz mais abrangente, pode-se afirmar que esta não será mais somente "branca", mas também "verde"!

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1. As juventudes e a questão ambiental

Os jovens de hoje vivem em um momento histórico no qual a tensão local/global se manifesta de maneira contundente. Nunca houve tanta integração globalizada e, ao mesmo tempo, nunca foram tão profundos os sentimentos de desconexão alimentados, sobretudo, pela experiência da precariedade laboral e da violência. Estes dois aspectos da vida atual, reconhecidos pelos jovens como alguns dos seus maiores medos (“de sobrar” e “de morrer”) caracterizam as juventudes brasileiras hodiernas.

Entretanto, há dois outros aspectos que são freqüentemente acionados para

caracterizar esta geração. Ser jovem em um “mundo conectado” e ser jovem em um tempo em que se dissemina o ideário ecológico, são importantes marcos desta geração. Esses, embora ambivalentes, não apontam apenas para vulnerabilidades, mas também para as potencialidades da juventude atual.

As conquistas tecnológicas modificam a comunicação, a socialização, a “visão

do tamanho do mundo” e a distância entre gerações. “Ser jovem” em um “mundo conectado” é viver uma experiência historicamente inédita, reforçada pela mídia, com seus padrões de beleza, linguagens, símbolos e valores que orientados, sobretudo, ao consumo, “constroem” identidades fragmentárias. Mas também, nesse mundo conectado, há grupos que reagem aos modelos dominantes, sobretudo em periferias das grandes cidades. E, além disso, entre muitos jovens espraia-se a causa ecológica.

Pode-se afirmar que as juventudes de hoje constituem a geração do pós-

advento da ecologia. Quer dizer, elas “herdaram” um ideário ecológico, com suas muitas e diferentes versões espalhadas pelo mundo, a diferença de gerações anteriores, que enfrentaram maiores dificuldades e incompreensões por causa dos seus ideais “ambientalistas”. Como nos lembra Regina Novaes: “Todo um trabalho de sensibilização foi feito por organizações não governamentais, empresariais e organismos de direitos humanos, para que a questão ambiental fosse paulatinamente incorporada à agenda pública. A ECO 92 - Fórum oficial e Fórum paralelo – introduziram novas palavras no vocabulário e nos meios de comunicação. Passados estes anos, tal vocabulário se tornou socialmente disponível para exprimir as mazelas ambientais produzidas pelos atuais padrões de desenvolvimento.

Que mazelas são estas? Podemos dizer que os processos são antigos, mas é

nova a maneira de abordá-los. A contaminação do ar, a proliferação do lixo, a falta de tratamento de água, os incêndios, a destruição e o desmatamento de florestas, as diferentes ameaças à biodiversidade e as mudanças climáticas e o uso de agrotóxicos 57

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evocam soluções que passam pela preocupação com a camada de ozônio, com o reflorestamento, com o desenvolvimento sustentável, enfim, com o planeta. Novas categorias de pensamento são freqüentemente acionadas para expressar demandas e para ofertar bandeiras de cunho ecológico para a sociedade. O vocabulário ecológico passou a ser acionado para ‘(re)significar’ problemas, produzir sentimentos e motivar ações” (Panorama da Juventude Ambientalista. In: Juventude, Cidadania e Meio Ambiente, 2006).

É preciso lembrar que muitas preocupações ecológicas se transformaram

facilmente em moedas políticas que circulam em espaços governamentais, na sociedade civil e no mercado e que podem ser usadas de diferentes maneiras, oportunas ou oportunistas. Podem ser usadas apenas como um apelo comercial, pois afinal, o ecológico está na moda. Enfim, como todo conceito que espirala pela sociedade, esse também é polissêmico e está em disputa. As mesmas “palavras de ordem” podem ser usadas com sentidos e compromissos sociais diversos.

Contudo, para além dos diferentes usos políticos e dos abusos comerciais, as

questões ecológicas têm um grande potencial para produzir tanto a crítica ao consumismo quanto para reafirmar importantes valores societários que pressupõem também novas relações com o meio ambiente. Não por acaso, a partir dos anos 90, projetos sociais governamentais e não governamentais dirigidos à juventude, acionam o “ideário ecológico” para motivar a participação e a dinâmica da integração social de diferentes segmentos juvenis no campo e na cidade.

Via ecologia, os jovens rurais e urbanos se conectam com as questões de seu

tempo, fazendo dialogar velhos problemas com novas motivações. Atualmente, no campo e na cidade, há grupos de jovens ambientalistas. E, ao mesmo tempo, o tema é quase obrigatório nas demais organizações juvenis. Os grêmios estudantis, as juventudes partidárias e as pastorais da juventude católica e evangélica se vêem na obrigação de colocar um item ecológico em seus projetos, programas e agendas. Enfim, em um contexto, em que se esgotam oportunidades nas carreiras tradicionais, as novas áreas de profissionalização ambiental acenam com novos espaços de inserção produtiva para jovens. É verdade que, entre tantas vulnerabilidades, produziu-se um encontro providencial de uma linguagem de preocupação com o futuro e com os atuais interesses da heterogênea população jovem. Nesse contexto, em que a violência se banaliza e a natureza está ameaçada, o ideário ecológico pode ser um amálgama para a construção de sentido e de utopias juvenis.

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2. A juventude como sujeito ecológico

Se, por um lado, a atual geração "jovem" percebe e se insere num meio ambientalista já caracterizado por uma boa diversidade de iniciativas e idéias, pelo outro, nem todas as juventudes estão igualmente envolvidas e comprometidas com a temática ambiental no país. Há movimentos e organizações que ainda não despertaram interesse pela questão, seja por certo tradicionalismo, enrijecimento organizacional, falta de visão estratégica e análise conjuntural, seja por considerar que a questão ambiental é ainda secundária, e, portanto, menos prioritária no momento. Há outros movimentos e organizações que já atuam na área, mas muitas vezes sem saber. São aquelas que atuam em áreas afins - cultural, social, etc., como artistas, músicos, poetas, e diversas organizações sociais que ainda não perceberam que toda atuação social, cultural, política pode também ser ambiental.

Contudo, é crescente a articulação e o fortalecimento no Brasil de um movimento de juventude pelo meio ambiente emergente, com boa capilaridade (presente em todas as vinte e sete unidades federativas do país e suas capitais, organizadas em Coletivos Jovens de Meio Ambiente - CJs), articulando-se numa rede nacional em expansão - a REJUMA.

De fato, quem passa a se auto-reconhecer como sendo um novo ambientalista (seja um jovem de idade ou jovem há mais tempo) percebe um cenário cujos avanços são inegáveis e precisam ser reconhecidos e identificados, entre os quais se encontram:

• Arcabouço legal constituído (legislações, resoluções, etc.), especialmente nos âmbitos federal e estadual.

• Instituições atuantes e organizadas (Sistema Nacional de Meio Ambiente - SISNAMA), ainda que com carências e necessidades diversas.

• Aporte técnico disponível (diretrizes, normas, orientações técnicas, publicações), em diversas áreas do campo ambiental.

• Presença de recursos humanos (técnicos, profissionais) em atividade, ainda que com lacunas identificadas em diversas áreas da EA, como por exemplo, as áreas de avaliação, indicadores, juventude, centros de educação ambiental, dentre outras.

• Maior presença da EA nos meios de comunicação, na mídia, internet, com ampla disponibilidade de informação, ainda que passível de filtros e que muitas pessoas não tenham acesso ao computador. 59

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• Oportunidade de formação na área, para além dos espaços "formais" da EA (escola, universidade, colégios técnicos) com considerável avanço em experiências não-formais da Educação Ambiental (Coletivos Jovens, Coletivos Educadores, Centros de Educação Ambiental - CEAs, Redes de EA, ONGs, Institutos, Fundações, movimentos, internet, mídia, projetos, etc.).

Todos estes avanços são o fruto de lutas e esforços de diversas pessoas que levantaram (e continuam levantando) a bandeira ambientalista desde o final dos anos 60 no Brasil, e com mais força a partir dos anos 70 e 80. Nestas épocas a situação era bem diferente de hoje - governo militar, repressão, descrença da sociedade com relação à questão ambiental, baixa institucionalização do tema, carência de recursos, etc. A situação atual é por um lado mais diversificada, com os diversos avanços já mencionados (dentre muitos outros), mas é também mais complexa e mais grave. A questão das mudanças climáticas vem ganhando espaço nas agendas nacionais e mundial, e vai se tornando sem dúvida na "bola da vez" da questão ambiental global.

Neste rápido retrospecto, a contribuição de sujeitos jovens a este processo de construção da questão ambiental no Brasil é inegável, e se deu não no interior de organizações nacionais de juventude, mas sim a partir de sujeitos jovens, ainda pouco identificados como "Juventudes", mas com a energia e a vontade deste segmento em transformar, lutar, denunciar, revolucionar a situação que se vislumbrava na ocasião.

Portanto, os jovens estiveram presentes neste processo histórico, ainda que não se reconhecessem ainda como um segmento de juventude, muito menos hasteando a bandeira própria deste segmento.

Ainda que houvesse iniciativas na área antes de 2003, não há dúvida que o processo de mobilização e organização da I Conferência Nacional Infanto-Juvenil pelo Meio Ambiente (CNIJMA) foi uma espécie de "divisor de águas" na temática. Por um lado alavancou a proposta dos Coletivos Jovens de Meio Ambiente (CJs) pautada nos princípios de: Jovem educa Jovem; Jovem escolhe Jovem; e Uma geração aprende com a outra; catalisou a participação de estudantes das escolas (de 5a a 8a séries) nos processos de conferências de meio ambiente nas escolas; e propiciou um trabalho coletivo e articulado entre diversas instituições da área de educação ambiental.

A 1ª Edição da Conferência, por sua vez, alavancou diversos projetos e ações que procuraram dar continuidade às expectativas geradas pelas conferências de meio ambiente realizadas nas milhares de escolas participantes - Com-vidas, CJs, formação de professores, projetos e ações de EA…

Além da Conferência também merecem destaque outras iniciativas desenvolvidas e/ou apoiadas pelo Órgão Gestor da Política Nacional de Educação Ambiental (MMA e MEC) como a 2ª edição da Conferência Nacional Infanto-juvenil pelo Meio Ambiente (2005/2006), o Programa "Juventude e Meio Ambiente", os Coletivos Jovens de Meio Ambiente (CJs), a Rede da Juventude pelo Meio Ambiente e Sustentabilidade (REJUMA) e o Projeto Geo Juvenil Brasil. Todas elas sendo desenvolvidas a partir de 2003, procurando catalisar e criar sinergia com iniciativas já existentes no país, porém pouco articuladas, localizadas e desconexas. De um modo geral essas iniciativas enunciadas trouxeram importantes inovações estabelecendo 60

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algumas perspectivas interessantes para a área de Juventude e Meio Ambiente no país:

• Trabalham numa perspectiva do jovem como sendo agente de transformação social, e, portanto, ambiental, com inserção e articulação bem além dos espaços escolares, envolvendo uma considerável diversidade de organizações, movimentos e coletivos de juventude (skatistas, surfistas, agricultores, estudantes, escoteiros, trabalhadores, partidos políticos, movimentos sociais, religiosos, empresários, educomunicadores, etc).

• Jovem como cidadão que atua politicamente no mundo, portanto, com capacidade de definição dos seus próprios objetivos, metas, rumos, caminhos, e com habilidade suficiente para articular, criar, implementar e avaliar seus próprios projetos e ações. Essa perspectiva vai além do tão falado "protagonismo juvenil", porque coloca efetivamente os sujeitos jovens no centro da tomada de decisão na definição dos seus rumos, não sendo apenas o "público-alvo" deste ou daquele projeto.

• Práxis de três princípios inovadores: a) jovem educa jovem, assumindo claramente o papel protagônico dos jovens como sujeitos sociais que atuam e educam-se entre si e na mediação com o mundo; b) jovem escolhe jovem demarcando que são os próprios jovens que tomam decisões relativas a processos de escolha, de representações e opções diversas; c) uma geração aprende com a outra, entendo que toda atuação social e a causa a qual ela se remete encontram-se dentro de um processo histórico. Quem embarca em algum engajamento em prol da vida, do planeta e da humanidade, sempre está, de alguma maneira, dando continuidade a um processo acumulado por diversas outras pessoas ao longo de anos. Estes novos "tripulantes" trazem consigo novas idéias, conhecimentos e percepções que inovam esse processo, enquanto os antigos possuem um acúmulo de experiências que são fundamentais, especialmente para os que cheguem não precisem "reinventar a roda".

• Articulação em rede, por meio da difusão na prática da chamada "cultura de redes", procurando conectar iniciativas com objetivos comuns e estimulando o surgimento de novas experiências em sintonia com essa perspectiva. A partir de 2003, o Brasil incentivou a articulação da Rede da Juventude pelo Meio Ambiente e Sustentabilidade - REJUMA, a qual contribuiu para alavancar outras redes, como a Rede Amazônica de Juventude pelo Meio Ambiente - RAJMA, diversas redes estaduais e locais, além de aproximações entre essas redes e as Redes de EA e de Agenda 21 em atividade no país, especialmente da Rede Brasileira de Educação Ambiental (REBEA).

Todas essas iniciativas reforçaram a viabilidade de sucesso na articulação de projetos de educação ambiental com segmentos de juventudes, a partir de princípios, metodologias e formas de gestão inovadoras, diferenciando-se de iniciativas em geral, que apresentam uma visão simplificada do jovem atual, escolarizada e que pouco considera a diversidade de movimentos, coletivos e organizações de juventude existentes. A partir destas experiências mencionadas foi possível identificar importantes lições aprendidas na área da juventude e do meio ambiente: 61

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1) Considerar a complexidade do mundo atual e dos temas - juventudes e EAs;

2) Problematizar visões ingênuas, parciais, estereotipadas dos jovens;

3) Empoderar os sujeitos jovens e suas respectivas organizações;

4) Criar oportunidades e abrir perspectivas conjuntamente com os jovens envolvidos;

5) Fomentar a cultura de redes na prática, estimulando ações cooperadas e o livre fluxo de informações.4

Hoje, a inserção em movimentos ambientais é também uma forma muito atual e "diferente" de conscientização e engajamento político. Partindo da perspectiva do cuidado ambiental como ação cidadã, efetivamente, assistimos à emergência do chamado sujeito ecológico. Esse sujeito, “concebido enquanto um tipo ideal, traduz uma subjetividade ambientalmente orientada, capaz de encarnar os dilemas societários, éticos e estéticos configurados pela crise societária em sua tradução contra-cultural, tributário de um ideal de sociedade socialmente emancipada e ambientalmente sustentável (...). O sujeito ecológico demarca um campo de ideais disponíveis para a formação identitária do jovem que ingressa na esfera pública e que partilha, em algum nível, um projeto político emancipatório. A idéia de mudanças radicais cultivada pelo ideário ecológico abarca não apenas uma nova sociedade, mas também um novo sujeito, que se vê como parte dessa mudança societária e a compreende como uma revolução de corpo e alma, ou seja, uma reconstrução do mundo incluindo os estilos de vida pessoal" 5.

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4 Cf. DEBONI, Fabio. Juventude e Meio Ambiente. Revista ECO 21, num. 127. 5 CARVALHO, Isabel Cristina. Ambientalismo e juventude: o sujeito ecológico e o horizonte da ação política contemporânea. In NOVAES (2004), pp. 71-72.

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3. Direitos, Cidadania e Educação Ambiental

Nunca se falou tanto em meio ambiente como nos tempos atuais. Pouco a pouco outro assunto vai entrando em pauta: a educação ambiental. O que muita gente parece não saber é que meio ambiente, assim como a educação, é um direito. A Constituição Federal de 1988, art. 225, cap. VI é contundente: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem como de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. Uma boa educação deve favorecer a salvaguarda e o cumprimento desse direito, evidenciando, de outro modo, que educação ambiental e direitos são temas correlacionados.

Hoje mais do que nunca se está buscando uma educação orientada para a resolução dos problemas do meio ambiente através de enfoques interdisciplinares e de uma participação ativa e responsável de cada indivíduo e da comunidade. Desse modo, a educação ambiental passa a ser uma dimensão adicional ao conteúdo e à prática da educação comum. De fato, é uma resposta à crise na educação uma vez que esta não estava sendo abrangente e integradora, deixando de inserir, entre outras, as questões ambientais em todas as situações educativas vividas pelos cidadãos em seu cotidiano no sentido de formar pessoas e grupos sociais com valores integradores, de responsabilidade e cuidado para com os recursos ambientais. A primeira conferência ambiental - Conferência de Estocolmo - afirma no Princípio 19 que “é indispensável um esforço para a educação em questões ambientais” e recomenda o desenvolvimento dessa educação como um dos elementos fundamentais para a investida geral contra a crise ambiental do mundo. A Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA), em seu Artigo 1º, define essa nova educação como “os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade”. Estes são, portanto, verdadeiros indicativos que apontam para a educação ambiental como sendo um processo de educação para a cidadania. Trata-se de uma nova educação, o que requer um novo tipo de relacionamento entre estudantes e professores, entre escola e comunidade, entre sistema educacional e sociedade que torne possível o desenvolvimento de novos conhecimentos e habilidades, valores e atitudes, visando à melhoria da qualidade ambiental e, efetivamente, à elevação da qualidade de vida para as gerações presentes e futuras. Enfim, é, na prática, a consolidação de uma educação que contribui fortemente para a garantia dos direitos humanos, econômicos, sociais, culturais e ambientais.

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4. Educação Ambiental e Cultura de Paz

Em seu livro A canção das sete cores Brandão, sugere alguns pontos de

convergência e relacionamento entre Educação Ambiental e construção da Paz: * A Educação Ambiental tem vocação emancipatória e voltada à causa da Paz

e situa-se muito além da simples transmissão de conhecimento, mas tem função social no sentido de realizar desejos e aspirações humanas;

* A escolha da Educação Ambiental como projeto para a formação humana

centra-se em novos valores e idéias e em uma nova relação entre os seres humanos e destes com os demais seres viventes e com o seu meio;

* A Educação Ambiental emancipatória e dirigida à causa da Paz considera que

os princípios de domínio e exploração na relação ser humano versus natureza devem ser radicalmente mudados, na sua base, permitindo que a vida humana seja regida por valores e princípios éticos como a cooperação, solidariedade e a partilha, “em busca da pacificação das relações entre os seres humanos e entre a humanidade e os outros seres da Vida”; (BRANDÃO, Carlos Rodrigues, 2005, p.84).

* Na construção de novas comunidades e de novos relacionamentos a

Educação Ambiental faz renascer novas espiritualidades, filosofias e projetos humanistas de vida, os quais abrem espaços para a partilha, a co-responsabilidade e a participação crítica entre os diversos atores na criação de mundos sociais embasados em uma nova Ética de relacionamento, onde o individualismo, o egoísmo e a competição não sejam valorizados.

* A Educação Ambiental com vocação emancipatória e pacifista reintegra

valores e conhecimentos excluídos pela ciência e valoriza afetos, sensibilidades, o ser e as emoções valorizando-os da mesma maneira que são valorizadas as dimensões racionais do ser humano.

* A Educação Ambiental com propósitos pacifistas não pode prender-se ao

currículo escolar, mas deve ser um novo impulso, uma nova energia, na transformação da própria educação e conseqüentemente, da humanidade.

* A Educação Ambiental torna-se um caminho para a Paz local e planetária.

Não pode escapar à sua vocação de construir novos paradigmas, embasados em novos valores e conhecimentos e de fundar novas relações sociais no presente.

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Nas Conferências e Documentos que tratam das questões ambientais a Educação Ambiental deve tratar diversas questões globais entre elas a Paz. Algumas das afirmações mais explicitas a esse respeito:

- O primeiro parágrafo da Recomendação nº. 2 da Conferência de Tbilisi:

“Reconhecendo que a educação ambiental deveria contribuir para consolidar a paz, desenvolver a compreensão mútua entre os Estados e constituir um verdadeiro instrumento de solidariedade internacional e de eliminação de todas as formas de discriminação racial, política e econômica[1]”.

- O Princípio 7 dos Princípios da Educação para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global elaborados no Tratado de Educação Ambiental Para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global em 1992: “A educação ambiental deve tratar as questões globais críticas, suas causas e inter-relações em uma perspectiva sistêmica, em seu contexto social e histórico. Aspectos primordiais relacionados ao desenvolvimento e ao meio ambiente, tais como população, saúde, paz, direitos humanos, democracia, fome, degradação da flora e fauna, devem se abordados dessa maneira”.

- O Caderno de História da Declaração de Tessalônica: “A reorientação da educação como um todo em direção à sustentabilidade envolve todos os níveis de educação formal, não-formal e informal, em todas as nações. 0 conceito de sustentabilidade não se restringe ao ambiente físico, mas também abrange as questões da pobreza, população, segurança alimentar, democracia, direitos humanos e paz.”

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5. Educação Ambiental e Ética

A formação de uma atitude ética e política é a grande contribuição que a educação ambiental pode dar num mundo em crise como o que vivemos. Não se restringindo apenas à transmissão de informações ou à inculcação de regras de comportamento, a educação ambiental está engajada na construção de uma nova cultura. Ora, uma nova cultura gera novos comportamentos, é claro, mas isso só quando os valores estão amadurecidos e criaram raízes profundas em cada pessoa e na sociedade. Dentre alguns dos valores que devem ser vivenciados no processo de Educação Ambiental, numa perspectiva bio-cêntrica, destacam-se os seguintes: a) Responsabilidade

Nossa responsabilidade para com as gerações futuras não é tanto velar pelos seus direitos. Devemos criar condições para que o direito à felicidade e uma vida harmonicamente equilibrada aconteça. Nossa principal missão é criar condições para que as gerações futuras exerçam o seu dever. Dever de gestar uma “autêntica humanidade”. Estes deveres poderiam acontecer sob a “ética da solidariedade, da simpatia, da equidade, da compaixão inclusive”. Estes mesmos valores éticos nós devemos respeitar hoje. Essa é a nossa responsabilidade. b) Religação

Podemos distinguir duas formas de ética: ética do dever e da responsabilidade

e ética mais abrangente, nutrida pelo querer, a qual podemos considerar uma “ética da aspiração”. Na ética do dever encontramos o respeito à natureza, a preservação, a responsabilidade para com as gerações futuras. Na ética da “aspiração” podemos considerar os sentimentos de beleza, harmonia, a união mística e fraterna com a natureza. Nesta ética podemos encontrar o que podemos chamar de relação de cuidado com a criação. Não somos apenas responsáveis, mas cuidamos de nossa casa (eco) de maneira semelhante a uma mãe que cuida amavelmente seus filhos.

c) Cuidado

Segundo Leonardo Boffi, no modo-de-ser-cuidado a natureza não é vista como objeto de exploração e dominação. Há relação de com-vivência. Ela deixa de ser “sujeito-objeto” para tornar-se um “sujeito-sujeito”. Os seres são vivenciados e entendidos como sujeitos e sua presença junto de nós é uma presença existencial. Eles têm vida, valores, são símbolos de uma Realidade maior e desconhecida que os criou. Esta alteridade na relação Homem-natureza só pode acontecer de forma satisfatória 66

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quando o ser humano se despir de sua ação totalizante, centralizadora e exploradora. Uma relação de respeito, holística e de responsabilidade mútua, torna-se a re-ligadora de uma comunhão criacional ha muito tempo perdida.

d) Holismo

Se colocarmos o cuidado como central em nossas vidas e permitimos o sentimento acontecer, podemos alterar a condição do “modo-de-ser-trabalho-produção-dominação” em que estamos submergidos. Esta posição não significa um abandono total ao trabalho ou à razão, mas uma forma de integrar-se equilibradamente e harmonicamente com todo o universo. É renunciar ao poder, à dominação, à racionalidade instrumental e autodestrutiva. É comungar com a natureza, com o mais sofrido, com a comunidade universal. É permitir o acontecer de um holismo integrador e vivenciador.

“Então ético seria também potencializar a solidariedade generacional no

sentido de respeitar o futuro daqueles que ainda não nasceram. E, por fim, ético seria reconhecer o caráter de autonomia relativa dos seres; eles também têm direito de continuar a existir e a co-existir conosco e com outros seres, já que existiram antes de nós e por milhões de anos sem nós. Numa palavra, eles têm direito ao presente e ao futuro” 6.

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6 Cf. FERRARI, Amarildo. Educação Ambiental e Ética. CENED, Porto Alegre, 2007.

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6. Referenciais normativos para a Educação Ambiental

A Educação Ambiental mais sistematizada e abrangente é fruto de um processo histórico de experiência, debates, reflexão e posicionamentos vividos ao longo de décadas. Os referenciais atuais, mais ou menos consensuados, foram adotados progressivamente, sobretudo depois das diversas conferências mundiais que tratavam das questões ambientais:

A Conferência de Estocolmo

Na Conferência de Estocolmo ainda não se falava em Educação Ambiental da maneira que nós entendemos hoje, porém o Princípio nº. 19 nos diz o seguinte:

“É indispensável um esforço para a educação em questões ambientais, dirigida tanto às gerações jovens como aos adultos e que preste a devida atenção ao setor da população menos privilegiado, para fundamentar as bases de uma opinião pública bem informada, e de uma conduta dos indivíduos, das empresas e das coletividades inspirada no sentido de sua responsabilidade sobre a proteção e melhoramento do meio ambiente em toda sua dimensão humana. É igualmente essencial que os meios de comunicação de massas evitem contribuir para a deterioração do meio ambiente humano e, ao contrário, difundam informação de caráter educativo sobre a necessidade de protegê-lo e melhorá-lo, a fim de que o homem possa desenvolver-se em todos os aspectos”[1]. A partir das reflexões surgidas na Conferência de Estocolmo, as discussões em torno da questão ambiental, inclusive de como educar para o Meio Ambiente, foram se ampliando provocando a organização da Conferência de Tbilisi, em 1977. A Carta de Belgrado

A Conferência de Belgrado realizou-se em 1975 na Iugoslávia, promovido pela UNESCO, seguindo a orientação da Recomendação 96 da Conferência de Estocolmo, a qual atribuía importância fundamental à Educação Ambiental na busca de melhores condições ambientais. Ao final da Conferência foi elaborado a Carta de Belgrado . Seu tema principal foi a necessidade de uma nova Ética que eliminasse a pobreza, a fome, o analfabetismo, a poluição ambiental e a dominação e exploração humana e de nação sobre nação[1]. Sobre Educação Ambiental nos diz o seguinte:

“A reforma dos processos e sistemas educacionais é central para a constatação dessa nova ética de desenvolvimento. A juventude deve receber um novo tipo de educação e isto vai requerer um novo e produtivo relacionamento entre estudantes e professores, entre escolas e a comunidade, entre o sistema educacional e sociedade. 68

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Finaliza com a proposta para um programa mundial de Educação Ambiental . A carta de Belgrado aponta, entre outros, alguns princípios básicos da EA como o de contribuir para descobrir os sintomas e as causas dos problemas ambientais e para desenvolver senso crítico e habilidades necessárias para resolução de problemas. Recomenda, ainda, o uso de ambientes educativos diversificados, utilização de diferentes métodos pedagógicos, realização de atividades práticas e de experiências pessoais, respeito ao conhecimento prévio dos alunos”[2].

Podemos considerar a Carta de Belgrado como uma ampliação da Ética da Terra elaborada por Aldo Leopold a partir de 1949. Com as considerações desta Carta o caminho estava aberto para uma Conferência a nível internacional em Educação Ambiental. E isto se deu com a Conferência de Tbilisi. A Conferência de Tbilisi

A Primeira Conferência Intergovernamental sobre Educação Ambiental ou Conferência de Tbilisi , como ficou mais conhecida, realizou-se no ano de 1977 em Tbilisi, Geórgia, ex-União Soviética.

O contexto da Conferência de Tbilisi exigia uma postura que pudesse

compreender as causas dos problemas ambientais, prevenisse possíveis problemas e encontrasse soluções para um ambiente em estado degenerativo e uma qualidade de vida cada vez mais degradante. Coloca-se, então a Educação Ambiental como chave principal para uma tomada de consciência que pudesse tornar visíveis os problemas já existentes e formasse cidadãos responsáveis para alterar os rumos destrutivos nos quais a sociedade se encontrava.

A Educação ambiental, como criadora de uma nova consciência relacional com

o meio ambiente exigia, portanto, novos valores, comportamentos e atitudes do ser humano para com seu entorno, pois ao mesmo tempo em que se constatava um meio ambiente perigosamente degradado, percebia -se a grande disparidade econômica entre países e entre pessoas de um mesmo país. A realidade era mais complexa do que aparentava ser.

A Conferência enfatiza a importância da Educação Ambiental para transformar

essa realidade complexa. Os avanços da ciência e da tecnologia devem ser utilizados em favor da educação visando criar consciência e uma melhor compreensão dos problemas que atingem o meio ambiente. A Educação Ambiental deve atingir os cidadãos das diversas idades e em todos os níveis da educação, seja não-formal, formal ou informal, proporcionando-lhes uma consciência crítica, uma percepção e análise dos aspectos sociais, políticos, econômicos, culturais, religiosos, etc.

Para as comunidades sugere-se que as informações sobre o estado do meio

ambiente sejam difundidas, tanto a nível local, nacional ou global. Estas informações devem ser feitas de forma simples, numa linguagem acessível e pouco técnica para que todos possam compreender. As comunidades são estimuladas à participação e à solidariedade para a resolução dos problemas ambientais que a afetam. Os meios de comunicação também são convidados a colocar à disposição seus recursos 69

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tecnológicos para que uma nova consciência ambiental pudesse chegar mais longe e atingir um maior número de pessoas.

Para os especialistas ou responsáveis por decisões nas questões ambientais

devem receber os conhecimentos necessários e criar um senso de responsabilidade para com o meio ambiente. Para a Conferência, a Educação Ambiental deve ser uma formação permanente, preparando os indivíduos para os problemas contemporâneos, possibilitando-lhes conhecimentos técnicos que os orientem a qualificar a sua vida e a proteger o ambiente, levando sempre em consideração os princípios éticos contempladores do meio ambiente.

A Conferência convida a um uso sustentável dos recursos naturais,

promovendo a gestão e a responsabilidade de todos perante os mesmos. A paz, a solidariedade e a equidade são colocadas como valores para uma nova ética que não seja mais antropocêntrica, mas integradora do meio ambiente.

Na concretização dessas orientações de conferências internacionais, em nível nacional, além da Constituição, outras leis encorajam fundamentam ações, projetos, programas e planos de educação ambiental:

• A Política Nacional de Educação Ambiental – PNEA (Lei no 9.795/99), que estabelece os princípios e os objetivos da Educação Ambiental e regulamenta e formaliza a sua inclusão em todos os níveis de ensino, permeando todas as disciplinas, e em todos os setores da sociedade.

• Programa Nacional de Educação Ambiental. Conforme o Ministério do Meio Ambiente, o “Programa Nacional de Educação Ambiental, cujo caráter prioritário e permanente deve ser reconhecido por todos os governos, tem como eixo orientador a perspectiva da sustentabilidade ambiental na construção de um país de todos. Suas ações destinam-se a assegurar, no âmbito educativo, a interação e a integração equilibradas das múltiplas dimensões da sustentabilidade ambiental – ecológica, social, ética, cultural, econômica, espacial e política – ao desenvolvimento do país, buscando o envolvimento e a participação social na proteção, recuperação e melhoria das condições ambientais e de qualidade de vida”.

• A Lei no 10.172,de 2001, institui o Plano Nacional de Educação e trata a Educação Ambiental de forma transversal, ou seja, como tema que deve ser desenvolvido a partir de uma prática educativa integrada, contínua e permanente, conforme proposto pelos Parâmetros e Diretrizes Curriculares Nacionais.

• Agenda 21 Uma das ferramentas bastante importantes para a efetivação da

Sustentabilidade local e do planejamento participativo é a Agenda 21, documento elaborado na ECO 92, realizada no Rio de Janeiro. A Agenda 21 Local deve ser construída nos municípios conforme suas realidades e com a participação do povo, pois desta forma haverá reflexão conjunta sobre suas realidades, suas prioridades e estabeleça ações para concretizar suas propostas. A Agenda 21, sendo bem planejada e construída de modo participativo, respeitando-se as necessidades do povo, torna-se 70

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uma importante ferramenta alternativa à globalização e torna-se um lugar privilegiado para o pensamento questionador da atual situação socioambiental.

• O capítulo 25 da Agenda 21 determina que os governos, de acordo com suas

estratégias, devem tomar medidas para permitir a participação da juventude nos processos de tomada de decisões relativas ao meio ambiente. E o capítulo 36 deste documento reforça o caráter transversal da Educação Ambiental. A Agenda 21 Brasileira recomenda instituir a Agenda 21 da escola e do bairro.

• A Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996 que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional (LDB), e a Lei no 10.172, de 2001, estabelecem a criação de processos de integração da sociedade com a escola. Garantem a participação da comunidade na gestão das escolas, a partir de comissões escolares ou órgãos equivalentes. As organizações estudantis, como espaço de participação e exercício da cidadania, deverão ser apoiadas e incentivadas.

• A Lei no 7.398, de novembro de 1985, dispõe sobre a organização de entidades estudantis de 1º e 2o graus e assegura aos estudantes o direito de se organizarem em grêmios e de participarem de entidades estudantis. Esse direito também é garantido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, no artigo 53, inciso

• Outras referências: Lei no. 9.795, de 27 de abril de 1999; Decreto no. 4.281, de 25 de junho de 2002; Deliberações da Conferência Nacional do Meio Ambiente; o Programa Latino-americano e Caribenho de Educação Ambiental; etc.

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7. Objetivos e Princípios da Educação Ambiental

A recomendação nº. 2 da Conferência de Tbilisi dispõe das finalidades, dos objetivos e dos princípios básicos da Educação Ambiental:

Finalidades

1. ajudar a fazer compreender, claramente, a existência e a importância da interdependência econômica, social, política e ecológica, nas zonas urbanas e rurais;

2. proporcionar, a todas as pessoas, a possibilidade de adquirir os conhecimentos, o sentido dos valores, o interesse ativo e as atitudes necessárias para proteger e melhorar o meio ambiente;

3. induzir novas formas de conduta nos indivíduos, nos grupos sociais e na sociedade em seu conjunto, a respeito do meio ambiente.

Categorias de objetivos

1. consciência: ajudar os grupos sociais e os indivíduos a adquirirem consciência do meio ambiente global e ajudar-lhes a sensibilizarem-se por essas questões;

2. conhecimento: ajudar os grupos sociais e os indivíduos a adquirirem diversidade de experiências e compreensão fundamental do meio ambiente e dos problemas anexos;

3. comportamento: ajudar os grupos sociais e os indivíduos a comprometerem-se com uma série de valores, e a sentirem interesse e preocupação pelo meio ambiente, motivando-os de tal modo que possam participar ativamente da melhoria e da proteção do meio ambiente;

4. habilidades: ajudar os grupos sociais e os indivíduos a adquirirem as habilidades necessárias para determinar e resolver os problemas ambientais;

5. participação: proporcionar aos grupos sociais e aos indivíduos a possibilidade de participarem ativamente nas tarefas que têm por objetivo resolver os problemas ambientais.

Princípios básicos

1. considerar o meio ambiente em sua totalidade, ou seja, em seus aspectos naturais e criados pelo homem (tecnológico e social, econômico, político, histórico-cultural, moral e estético);

2. constituir um processo contínuo e permanente, começando pelo pré-escolar e continuando através de todas as fases do ensino formal e não-formal; 72

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3. aplicar um enfoque interdisciplinar, aproveitando o conteúdo específico de cada disciplina, de modo que se adquira uma perspectiva global e equilibrada;

4. examinar as principais questões ambientais, do ponto de vista local, regional, nacional e internacional, de modo que os educandos se identifiquem com as condições ambientais de outras regiões geográficas;

5. concentrar-se nas situações ambientais atuais, tendo em conta também a perspectiva histórica;

6. insistir no valor e na necessidade da cooperação local, nacional e internacional para prevenir e resolver os problemas ambientais;

7. considerar, de maneira explícita, os aspectos ambientais nos planos de desenvolvimento e de crescimento;

8. ajudar a descobrir os sintomas e as causas reais dos problemas ambientais; 9. destacar a complexidade dos problemas ambientais e, em conseqüência, a

necessidade de desenvolver o senso crítico e as habilidades necessárias para resolver tais problemas;

10. utilizar diversos ambientes educativos e uma ampla gama de métodos para comunicar e adquirir conhecimentos sobre o meio ambiente, acentuando devidamente as atividades práticas e as experiências pessoais[1].

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8. Conteúdos Programáticos

Com o passar dos anos, desde o surgimento dos movimentos ambientalistas na década dos 70 e a realização de diversas Conferências Mundiais (Estocolmo, Tbilisi, Rio), o conceito de Educação Ambiental foi sofrendo evoluções. Na prática, ela segue caminhos diversificados. E isso incide também no tipo de engajamento juvenil e na identidade do chamado "sujeito ecológico", como afirma CARVALHO (2004): "São diversos os caminhos pelos quais os jovens podem se aproximar dos valores ecológicos, identificando-se em diferentes níveis com os ideais do sujeito ecológico, uma vez que não se trata de uma identidade totalizante. Esse acercamento dos ideais ecológicos pode assumir de modo não-excludente as formas de adesão a uma luta, a uma ação, a um modo de vida ou a um interesse intelectual. Dessa forma, nomear-se ecologista ou, ao menos, ecologicamente sensibilizado/simpatizante pode ganhar os sentidos de adesão a um ideário de ação militante; pode ser uma opção de engajamento grupal pontual e distintiva; ou ainda signo descrito de um interesse ambiental que pode combinar em diferentes gradações a sensibilidade política com a escolha da formação profissional/intelectual".

Por causa do anterior, os programas de Educação Ambiental podem seguir roteiros diferentes, dependendo do acento que eles derem a determinadas ações, situações e metodologias: "Sauvé et al. (2000,) classificam as representações ambientais em sete categorias: como natureza, como recurso, como problema, como sistema, como meio de vida, como biosfera e como projeto de vida. A síntese de cada percepção ... não busca um sistema fechado de representações nem pretende se inserir na posição cartesiana de agrupar as representações sociais em pacotes fechados e sem diálogo entre si, apenas oferece uma síntese crítica que possa contribuir com o debate sobre as representações do ambiente (Sato, 2001)".

Segundo a mesma autora, "a categorização aqui apresentada não está concluída é que uma ação ou pensamento pode estar conectado com o outro. Igualmente, não existe "certo" ou "errado". São apenas concepções sobre o mundo, as quais podem manter diálogos ou buscar interface, e uma pessoa pode utilizar uma técnica ou outra, através da ação e da reflexão. Ou, como consideram Caride & Meira (2001), "são momentos, inclusive, para rever nossas representações".

Contudo, seja qual for o tipo de Educação Ambiental que os grupos, movimentos juvenis e organizações não governamentais quiserem seguir, eles não deverão desconsiderar as recomendações da Agenda 21 e os princípios da Carta da Terra (o respeito e a manutenção de todas as formas de vida, a integridade ecológica, a justiça social e econômica, a paz, a democracia e a não-violência).

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Certamente, para sustentar e alicerçar as práticas e o engajamento "eco-cidadão" dos jovens, será preciso integrar adequadamente a dimensão da Educação Ambiental no seu processo formativo, ajudando-os a adquirir um mínimo de conhecimentos, de habilidades e de sensibilidades, complementando, numa perspectiva libertadora, a reflexão e a práxis em torno à totalidade da questão ambiental nos seus aspectos biofísicos e sociais. Ou, como bem dizem os jovens num jargão mais popular: "cuidar do meio ambiente é cuidar da nossa gente!".

Uma ampla temática pode servir como pauta formativa válida, sempre e quando forem feitas as devidas adaptações e complementações, conforme a realidade de cada grupo e as novas descobertas das ciências: distinção entre ecologia e meio ambiente; desenvolvimento sustentável; paradigma do cuidado; teoria da Gaia; conferências ambientais, Agenda 21; a Carta da Terra; meio ambiente e relações de gênero; critica do conceito de desenvolvimento e do modelo desenvolvimentista implantado no Brasil; aquecimento global; escassez e poluição dos recursos hídricos; enchentes; poluição do ar; deserto verde, desmatamento e incêndios florestais; problemas dos biomas brasileiros; biodiversidade e biopirataria; grilagem de terras; agronegócio; sojicultura; eucalipto e bio-combustíveis; conflitos agrários; extração predatória de madeira; siderúrgicas e produção ilegal de carvão; terras públicas e mineração; Base de Alcântara; impactos sócio-ambientais de grandes obras de infra-estrutura; etc.

É preciso reconhecer as lacunas que se visualiza na área. Trata-se de campo novo e em emergência, carente de estudos aprofundados e dados sistematizados e com necessidade de um maior aprofundamento conceitual e temático dos jovens envolvidos, considerando:

• Maior conhecimento das leis vigentes, suas implicações, contradições e insuficiências

• Aprofundamento temático nos diversos temas da área: biodiversidade, mudanças climáticas, transgênicos, agenda 21, e diversos outros.

• Maior formação na área (continuada, a distância).

• Ampliação da articulação com diferentes setores da sociedade.

• Ampliar fontes de informação (com mais qualidade), procurando contextualizá-las às diferentes realidades.

• Superar visões utilitaristas, românticas e generalistas da temática ambiental ainda presentes na maioria dos jovens.

• Consolidar a institucionalização das políticas na área de Juventude e Meio Ambiente - Programa Juventude e Meio Ambiente, Conferência Infanto-Juvenil, Programa Vamos Cuidar do Brasil com as Escolas, etc. - assegurando recursos humanos e orçamentários e condições político-institucionais para sua implementação.

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9. Espaços de atuação e experiências de engajamento

Além da participação pontual ou do engajamento permanente em movimentos e organizações de cunho ambientalista, os jovens e estudantes precisam conhecer e interagir em outros espaços privilegiados de educação e de elaboração de políticas ambientais. Entre os quais: a) Conferências de Meio Ambiente

Uma conferência é um processo no qual as pessoas se reúnem, discutem os temas propostos expondo diversos pontos de vista, deliberam coletivamente e, a partir dos debates locais, escolhem representantes que levam adiante as idéias que tenham a concordância de todos. Geralmente é realizada:

• Para divulgar acordos internacionais assinados pelo nosso país com

compromissos que influenciam o dia-a-dia das comunidades. • Para que todos possam ouvir a voz dos adolescentes. Milhões de estudantes

têm o direito de participar, no presente, da construção de um futuro sustentável para sua comunidade, seu município, sua região, para o Brasil e o Planeta.

• Para criar e fortalecer espaços de debate na escola sobre as questões sociais e ambientais da comunidade e perceber como eles se relacionam com o mundo.

• Para incentivar uma nova geração que contribua para transformações sociais e ambientais e para o reconhecimento da diversidade étnico-racial.

A I Conferência Nacional Infanto-Juvenil aconteceu em 2003 e a II em 2005. Nesta última os jovens delegados e delegadas escreveram uma Carta que pede a criação de conselhos jovens e Agendas 21 nas escolas como espaços de participação em defesa do meio ambiente. Os Coletivos Jovens de Meio Ambiente e a Comissão de Meio Ambiente e Qualidade de Vida - COM-VIDA foram uma resposta a esse pedido. b) Coletivos jovens de meio ambiente

A idéia desses Coletivos Jovens (CJs) foi e vem se configurando num interessante processo de estímulo ao envolvimento e à organização de jovens num processo de engajamento e atuação junto às questões socioambientais. Além de envolver os que já atuavam na área ambiental, os Coletivos Jovens podem favorecer à “chegada” de outros jovens nesse processo, aqueles que já ouviram falar sobre meio ambiente, mas que ainda não sentiram vontade de envolver-se com esse assunto.

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São grupos informais que reúnem jovens representantes ou não de organizações e movimentos de juventude que têm como objetivo envolver-se com a

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questão ambiental e desenvolver atividades relacionadas à melhoria do meio ambiente e da qualidade de vida. Esses coletivos são como redes locais, para articular pessoas e organizações, circular informações de forma ágil, pensar criticamente o mundo a partir da sustentabilidade, planejar e desenvolver ações e projetos, produzir e disseminar propostas, que apontem para sociedades mais justas e equitativas, dentre outras ações e realizações.

Esses Coletivos Jovens têm um potencial de mobilização e articulação de

pessoas, de desenvolvimento de atividades, de troca de experiências e informações, de relações de amizade, diálogo e parceria, e de muitas outras possibilidades.

c) Com-Vida

A COM-VIDA é uma nova forma de organização na escola e se baseia na participação de estudantes, professores, funcionários, diretores, comunidade. Quem organiza a COM-VIDA é o delegado ou a delegada e seu suplente da Conferência de Meio Ambiente na Escola, com o apoio de professores. O principal papel da COM-VIDA é contribuir para um dia-a-dia participativo, democrático, animado e saudável na escola, promovendo o intercâmbio entre a escola e a comunidade. Por isso, a COM-VIDA chega para somar esforços com outras organizações da escola, como o Grêmio Estudantil, a Associação de Pais e Mestres e o Conselho da Escola, trazendo a Educação Ambiental para todas as disciplinas. d) Agenda 21 na Escola

A Agenda 21 é um plano de ação aprovado na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio-92, realizada no Rio de Janeiro. Na Agenda 21 estão defi nidos os compromissos que 179 países assinaram e assumiram de construir um novo modelo de desenvolvimento que resulte em melhor qualidade de vida para a humanidade e que seja econômica, social e ambientalmente sustentável. Desde 2002, o nosso país tem uma Agenda 21 Brasileira, feita com a participação de milhares de pessoas.

A Agenda 21 é um programa de ação para todo o planeta. Ela tem 40 capítulos,

que mexem com tudo, do ar ao mar, da floresta aos desertos; propõe até estabelecer uma nova relação entre países ricos e pobres. Na Agenda 21, como em qualquer agenda, estão marcados os compromissos da Humanidade com o Século XXI, visando garantir um futuro melhor para o planeta, respeitando-se o ser humano e o seu ambiente.

Além desse compromisso global, os países participantes da Conferência Rio-92

decidiram criar Agendas 21 nacionais e propor que todos os municípios, bairros e comunidades realizassem Agendas 21 Locais. A Agenda 21 Brasileira tem 21 objetivos que buscam tornar o nosso país um exemplo de proteção da natureza, fortalecendo a economia e a justiça social.

e) Conselhos de Meio Ambiente

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Órgãos consultivos e deliberativos que podem ser instituídos nas três esferas do governo (municipal, estadual e nacional), previstos no Sistema Nacional do Meio Ambiente - SISNAMA, e/ou instituídos pela Lei Federal 6.938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente. São espaços privilegiados de participação social, de diálogo entre os poderes locais, de controle social, de implantação da Agenda 21 e de elaboração de políticas públicas na área sócio-ambiental.

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10. Calendário Sócio-Ambiental

Embora as datas embaixo apresentadas focalizem a dimensão ambiental, cabe recordar que, quando celebradas, devem fazer referência a todas as dimensões da vida social, e a partir da ótica dos direitos ambientais.

21/03 Dia Mundial Florestal 22/03 Dia Mundial da Água

15/04 Dia da Conservação do Solo 19/04 Dia do Planeta Terra 03/05 Dia do Sol 05/06 Dia Mundial do Meio Ambiente e da Ecologia 03-08/06 Semana Mundial do Meio Ambiente 08/06 Dia dos Oceanos 17/06 Dia Mundial para o Combate à Desertificação e à Seca 17/07 Dia do Protetor da Floresta

14/08 Dia de Combate à Poluição 27/08 Dia da Limpeza Urbana 05/09 Dia da Amazônia 16/09 Dia Internacional de Proteção da Camada de Ozônio 21/09 Dia da Árvore 21-27/09 Semana Nacional da Fauna 22/09 Dia de defesa da Fauna 04/10 Dia dos Animais 05/10 Dia das Aves 12/10 Dia do Mar 09/11 Dia do urbanismo 23/11 Dia do Rio 30/11 Dia da Carta da Terra

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29/12 Dia Mundial da Biodiversidade