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Exército Brasileiro - EB
Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais - EsAO
Curso de Ensino a Distância - CEAD
Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais - CAO
História Militar I
Rio de Janeiro2007
Copyright © 2007 Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais
Todos os direitos reservados à Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais.
Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida, armazenada outransmitida de qualquer forma ou por quaisquer meios – eletrônico, mecânico,fotocópia ou gravação, sem autorização da Escola de Aperfeiçoamento deOficiais.
Créditos
Capa: Rafael Fontenele
Projeto gráfico e diagramação: Guido da Silva Godinho
Revisão: Ana Maria Andrade AraujoHeloisa Cardoso de Castro
Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais (EsAO)Avenida Duque de Caxias, 2071Vila Militar, Rio de Janeiro - RJCEP 21615-220Tel (21) 2450 8551
História Militar I/org. ALEXANDRE SOBRALLOBO RODRIGUES - Cap Inf – Rio deJaneiro: EsAO, 2007.288p. – (Curso de Aperfeiçoamento deOficiais).
3
APROVAÇÃOAPROVAÇÃO
(PUB 20 - 0 - 3)
O Comandante da Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais, com baseno Inciso III do Art 6º do Regulamento de Preceitos Comuns aos
Estabelecimentos de Ensino do Exército (R-126) e nos Incisos III e IX do
Art 9º do regulamento da EsAO (R-75), resolve:
- Aprovar, para fins escolares, a publicação História Militar I, edição
2007.
- Revogar os documentos publicados anteriormente, que tratam doassunto.
Rio de Janeiro, RJ, 01 de outubro de 2007.
5
SUMÁRIOSUMÁRIO
Apresentação ................................................................................. 7
Orientações de Estudo .................................................................... 9
Capítulo 1 - História - um entendimento .......................................... 13
Capitulo 2 - História Militar ou da Doutrina Militar ............................ 31
Capitulo 3 - Um Pouco da História do Exército Brasileiro ................... 45
Capitulo 4 - Fundamentos para a Pesquisa e oEstudo Crítico da História Militar ................................... 65
Capítulo 5 - Polemologia ................................................................. 103
Capítulo 6 - Principais Batalhas e Vultos do Período Colonial ............. 133
Capítulo 7 - Principais Batalhas e Vultos do Período do Império ......... 207
Capítulo 8 - Principais Batalhas e Vultos do Período da República ...... 225
7
APRESENTAÇÃOAPRESENTAÇÃO
Prezado Aluno
Bem-vindo a este módulo do primeiro ano do Curso de Aperfeiçoamento deOficiais. Você está iniciando a Disciplina 04 - História Militar I. Com oestudo desta disciplina, você deverá adquirir conhecimentos sobre osseguintes assuntos:
- fundamentos para pesquisa e estudo da história militar;
- fundamentos da arte da guerra;
- principais conflitos da História Militar do Brasil (Colônia, Império eRepública);
- principais vultos da História Militar do Brasil. (Colônia, Império eRepública).
A carga horária desta disciplina está prevista para 25 horas e deve seradministrada conforme sua disponibilidade. É importante que você estuderegularmente.
Lembre-se de que:
- haverá uma avaliação ao fim da disciplina; e
- sugestões para aprimorar a publicação poderão ser encaminhadasdiretamente ao Curso de Ensino a Distância (CEAD) desta Escola.
Bom estudo!
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ORIENTAÇÕES DE ESTUDOORIENTAÇÕES DE ESTUDO
Os capítulos 1, 2, 3 e 4 desta publicação foram extraídos da obra Como
Estudar 2 e Pesquisar a História do Exército Brasileiro, 2ª edição, 1999, do
Coronel R/1 Cláudio Moreira Bento, Presidente da Academia de HistóriaMilitar Terrestre do Brasil (AHMTB). O capítulo 5, versando sobre
"Polemologia", foi extraído da Dissertação de Mestrado de título
"Polemologia: um estudo científico da guerra", do Tenente-Coronel RogerioGomes da Costa, apresentada à Escola de Comando e Estado-Maior do
Exército (ECEME), no ano de 2003. Os capítulos 6, 7 e 8 foram organizados,
revisados e confeccionados, respectivamente, pelo Capitão Alexandre SobralLobo Rodrigues, Capitão Rodolfo Roque S. de La Vega Filho e Cel R/1
Eduardo Henrique de Souza Martins Alves, todos instrutores da EsAO e
especialistas (pós-graduados) em História Militar, pela UNIRIO, em parceriacom o Departamento de Ensino e Pesquisa (DEP) e com o Instituto de
Geografia e História Militar do Brasil (IGHMB).
1. PLADIS
Para sua orientação, apresentamos o plano de disciplinas (PLADIS). Nele
encontram-se os assuntos a serem tratados em cada unidade e respectivosobjetivos específicos. Há também uma previsão de carga horária a dedicar
ao estudo.
ESAO/CEAD/CAO – HISTÓRIA MILITAR I
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Referências: a. ACADEMIA DE HISTÓRIA MILITAR TERRESTRE DO BRASIL.Como estudar e pesquisar a história do Exército Brasileiro. Resende-RJ:
AHMTB, 1999.b. BRASIL. Exército. Estado-Maior. História do Exército
Brasileiro. Brasília-DF: 1972. 3 v.Obs: Bibliografia prevista no PLADIS daEsAO. Entretanto, consta uma bibliografia mais vasta e detalhada nos
capítulos da publicação.
2. Procedimentos
Na seqüência de seu estudo, procure identificar, no corpo da publicação,
os assuntos e objetivos específicos constantes do PLADIS, procurando fazeruma leitura seletiva deste material para fins de estudo relacionado ao CAO
1º Ano. Tal orientação é importante, pois a presente publicação é bastante
abrangente, abordando muito mais assuntos que os previstos no Plano deDisciplinas. Isso se justifica pela necessidade, reconhecida na EsAO, de
disponibilizar um material didático que implemente o ensino, o estudo e a
pesquisa em História Militar, contribuindo para preservar, divulgar e cultuaras tradições, a memória histórica e os valores morais, culturais e históricos
da Força Terrestre.
Pelo exposto, verifica-se, logicamente, que as 25 horas previstas no PLADISpara as duas unidades didáticas não seriam suficientes para a leitura de
toda a publicação. E nem é esse o objetivo. Tenha em mente que, mais do
que cumprir os objetivos propostos para a História Militar do CAO 1º Ano, apresente publicação deve ser considerada um instrumento de orientação
11
para trabalhos de pesquisas históricas militares, para aqueles que desejem
se aprofundar em algum tema de natureza militar, particularmente pela
abordagem metodológica e científica aqui apresentada.
Para isso, nos valemos do trabalho desenvolvido pelo Coronel Cláudio Moreira
Bento, Presidente da Academia de História Militar Terrestre do Brasil, um
apaixonado estudioso e pesquisador da história militar, o qual, em sua obraComo Estudar e Pesquisar a História do Exército Brasileiro, 2ª edição, 1999,
de forma cartesiana, precisa, simples e objetiva, oferece ao leitor todos os
caminhos e dicas para que reúna os elementos necessários à realização deuma pesquisa histórica abrangente e científica. Entendemos que a inserção
de alguns capítulos (quatro no total) daquela obra-referência na presente
publicação contribuirá para o efeito multiplicador pretendido quanto à suadivulgação. Dispensamos, também, um capítulo inteiro para a abordagem
do tema "polemologia", dada a importância do assunto para o profissional
da guerra. Para isso, nos valemos do conteúdo da Dissertação de Mestradodo Tenente-Coronel Rogerio Gomes da Costa, apresentada em 2003, na
ECEME. Os cinco primeiros capítulos da publicação, aos quais nos referimos
anteriormente, destinam-se ao cumprimento dos objetivos específicos daUD I do PLADIS. Os três últimos capítulos da publicação, organizados,
revisados e confeccionados pelos Capitães Lobo, De La Vega e pelo Coronel
R/1 Martins Alves, instrutores da EsAO e especialistas (pós-graduados) emHistória Militar, pela UNIRIO, destinam-se ao cumprimento dos objetivos
específicos da UD II do PLADIS.
Cabe salientar, por oportuno, que esta publicação foi formatada e
diagramada visando atender às mais modernas concepções de ensino adistância, na medida em que privilegia a leitura agradável, atrativa e dinâmica,
em detrimento a algumas servidões impostas pelas Instruções Gerais para a
Correspondência, as Publicações e os Atos Administrativos no Âmbito doExército (IG 10-42), particularmente no que se refere ao inciso XI, do Art
78., Seção III, Capítulo IV, Título IV. Tal adendo está sendo feito para que
o aluno não venha a considerar a técnica de elaboração desta publicaçãocomo referência para a confecção de trabalhos escolares, "trabalhos de
comando", ou quaisquer outros tipos de documentos, operacionais ou não.
ESAO/CEAD/CAO – HISTÓRIA MILITAR I
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Entre em contato conosco, lembrando-se sempre de seu tutor local!
EsAO/CEAD - CURSO DE APERFEIÇOAMENTO DE OFICIAIS - 1º Ano
Tel: (21) 2450-8551 ou 2450-8531
Fax: 2450-8537
RITEX: 818-8551 ou 818-8531
e-mail: [email protected]
Homepage: www.esao.ensino.eb.br
Portal de Educação do Exército: www.ensino.eb.br
3. Tutoria
A tutoria cumpre uma função primordial na modalidade EAD: motiva,
estimula, apóia e tira dúvidas dos cursistas. O tutor, além de desempenharfunções em relação à construção do conhecimento pelo aluno, constitui o
elemento de ligação deste com o curso. Assim, pode fornecer feedback no
sentido de que seja reformulado o que tenha sido considerado de difícilcompreensão por parte do grupo. Entre em contato conosco, lembrando-se
sempre de seu tutor local!
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CAPÍTULO 1CAPÍTULO 1
História - um entendimento
Antes de penetrarmos no assunto objeto do presente trabalho, impõe-se o
ensaio sintético e singelo, de aspectos vastos, complexos e discutidos,relacionados com História.
1.1 História
Um conceito: Consiste objetivamente do passado e, subjetivamente, do
conhecimento que temos desse passado. Ou, em síntese, o fato históricosucedido e o conhecimento que dele temos. O termo origina-se do grego
“istoria”.
Maneiras de exposição: História narrativa, educativa e científica.
História narrativa: Consiste no registro cronológico de fatos históricosimportantes ou extraordinários. É a forma mais antiga e consagrou o
historiador grego Heródoto. As partes de combate em História Militar são
um exemplo desta vertente.
História educativa: Vai além da narrativa do fato histórico importante ouextraordinário; consiste em extrair do fato ensinamentos úteis para o
desenvolvimento da Humanidade. Enfim, é a História atuando como “a mestra
da vida” ou a História como a “mestra das mestras” – em razão de todo o tipode conhecimento do homem, no atual estágio da civilização, ter-lhe sido
transmitido pela História. Isto, por meio de sínteses históricas educativas que
traduzem o estágio de desenvolvimento atingido pela Humanidade.
ESAO/CEAD/CAO – HISTÓRIA MILITAR I
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Esta é a maneira que interessa prioritariamente ao Exército Brasileiro, como
força operacional. Objetiva o desenvolvimento de sua Doutrina Militar, com
base nos ensinamentos colhidos da experiência dos demais exércitos domundo e em sua própria experiência histórica, de quase cinco séculos no
Brasil, de lutas internas e externas, pois as dimensões continentais do Brasil
não são obra do milagre. Para sua formação e posterior preservação, muitoé devido à Expressão Militar, representada pelas forças terrestres e navais
brasileiras do período colonial; após a Independência, pela Marinha e Exército;
e, a partir da década de 40, pela Aeronáutica. Assiste muita razão a Jominipara explicar o fato de as forças armadas de todo o mundo darem especial
relevância à pesquisa e ao estudo crítico da História Militar. Ela é pesquisada
e estudada em todas as escolas militares do mundo: de formação,aperfeiçoamento e estado-maior. Nos corpos de tropa, é evocada sob a
forma de culto aos heróis, dos feitos guerreiros e das tradições militares.
Escreveu Jomini: “A pesquisa é o estudo da história militar acompanhadade crítica sadia; é, na realidade, a verdadeira escola da guerra”.
Portanto, conclui-se que o Exército Brasileiro possui, na História Militar
própria e dos demais exércitos, um manancial de ensinamentos provados,
que são a base do espírito crítico e criador para a promoção do progressivodesenvolvimento de sua Doutrina Militar. Esta entendida, no consenso de
pensadores militares nacionais e estrangeiros, como o conjunto dos princípios
pelos quais um exército se organiza, se equipa, se instrui, é empregado edesenvolve as forças morais na guerra. As últimas – Napoleão cotava de 3
para 1 sobre as forças materiais – entendidas como a motivação de cada
combatente para lutar ou instruir-se. Ou a motivação do porquê lutar einstruir-se. Ou, finalmente, a justiça da causa pela qual se deva lutar e bem
aplicar-se na instrução. Este campo da Doutrina Militar tem sido bem
enfatizado pelos exércitos mais aguerridos.
A História Militar nos oferece milhares de exemplos de exércitos bem
organizados, equipados e instruídos, que sucumbiram frente a exércitos
com problemas de organização, equipamento e deficiências de instrução,porém altamente motivados e que em combate liberaram enorme potencial
representado pelas forças morais da guerra. O desenvolvimento deste campo
doutrinário assume especial relevo para exércitos pobres. Suas forças morais
Capítulo 1 - História - um entendimento
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poderão superar muitas adversidades do combate, na guerra, e deficiências
materiais na instrução, em tempo de paz.
A História Militar Brasileira nos oferece um rico exemplo nas duas Batalhasde Guararapes, nas quais foi despertado o espírito da Nacionalidade e do
Exército Brasileiro. De um lado o Exército Holandês no Brasil, rico, bem
organizado, equipado e instruído, mas sem motivação do por que lutar,baqueou frente ao exército patriota, pobre, sob bloqueio naval, mal
organizado, equipado e instruído, mas altamente motivado e convicto do
por que lutar. O resultado foi desenvolver uma doutrina adequada à guerrade guerrilhas, para impor sua vontade àquelas memoráveis batalhas. A
estratégia do fraco foi vitoriosa contra a do forte: a guerra brasílica. Em
momento oportuno, voltaremos com considerações sobre a relevância destecampo doutrinário e como a História contribui para seu desenvolvimento,
assim como concorreu, nos casos da Guerra do Paraguai e nas vitórias da
FEB, na Itália.
História científica: É a que reconstitui o fato histórico, como ele realmenteocorreu, livre de injunções de qualquer ordem. Para isto utiliza fontes
suficientes, autênticas, fidedignas e íntegras, assim caracterizadas por
metodologia científica. Esta consiste na crítica interna e externa das fontespertinentes ao fato histórico.
A partir de 1949, a História Científica começou a ganhar impulso entre nós,
com a edição da obra “Teoria de História do Brasil”, de José HonórioRodrigues, após o autor haver realizado curso nos EUA, em 1944, na
Fundação Rockefeller. Mas, independentemente de metodologia acadêmica
ou engenho, vários historiadores brasileiros, usando a arte com que foramdotados por Deus, produziram história científica ou a infra-estruturaram,
pela preservação e catalogação de parcela importante das fontes da História
do Brasil, ou a Memória Nacional.
Correntes de pensadores divergem da classificação da História como ciência.Mas, são concordes, em grande parte, de que ela já possui uma metodologia
científica, particularmente quanto à crítica das fontes. A falta ou
inobservância da metodologia histórica por parte de alguns pseudo-historiadores contribuiu para o desprestígio da História, ao ponto de ser
classificada como “balela”. A História Científica interessa ao Exército como
ESAO/CEAD/CAO – HISTÓRIA MILITAR I
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instituição. Isto para que, do estudo de seu passado, os dirigentes do
presente a entendam e tirem ensinamentos, para moldar e conduzir seu
futuro, à altura do destino da grandeza do Brasil, entre um mar de dificuldades– característica presente desde a Independência, até por volta de 1930 (2).
Concepção filosófica: Os pensadores discutem qual seria a verdadeira causa
do fato histórico. Dessa discussão surgiram as seguintes concepçõesfilosóficas: idealista, materialista e psicológico-social. História não é feita
apenas de fatos históricos. Utilizamos o termo para designar, didaticamente,
tudo o que é objeto de investigação histórica.
A idealista: Defende que o fato histórico é produto do processo evolutivodo homem, disciplinado pela razão. E mais, presidido por idéias políticas,
sociais e econômicas ou por imposições geográficas, que poderão concorrer,
em determinadas circunstâncias, com a predominância de uma sobre a outra,mas concomitante com as demais.
Esta é a concepção filosófica do mundo democrático, que o Brasil integra. A
análise da Revolução de 1893 no Rio Grande do Sul tem desafiado, até opresente, os historiadores que tentam identificar suas causas econômicas. A
concepção idealista procura entender o fato histórico e determinar as causas
geográficas, políticas, sociais e econômicas. Neste esquema baseia-se ametodologia das Forças Armadas do Brasil. Nela seus integrantes são iniciados
nas escolas militares, acompanhando-os por toda a vida, sob a forma de
campos do Poder Nacional – fatores geográficos, políticos, sociais eeconômicos no Estudo Militar de Áreas – ou, na metodologia de Levantamento
Estratégico de Áreas Geográficas, com vistas ao planejamento de uma ação
estratégica do Poder Nacional ou de alternativas de ações, etc.
A materialista: Opõe-se fundamentalmente à idealista. Atribui como causasde todo fato histórico as de ordem econômica. Baseia sua tese na afirmação
de que o homem preocupa-se, fundamentalmente, com a obtenção de bens
materiais que lhe assegurem a sobrevivência; que as causas sociais e políticasservem aos idealistas para dourarem esta realidade. Esta concepção é a
base do materialismo histórico expresso por Marx e Engels no Manifesto
Comunista de 1847. Ao lermos a obra de um historiador materialista, épossível deduzir sua concepção filosófica, pela ênfase de interpretação dada
à parte econômica. A realidade, no entanto, é que, ao determinarem-se as
Capítulo 1 - História - um entendimento
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causas de diferentes fatos históricos isolados, poderemos concluir a
predominância, para eles, de causas econômicas, bem como de políticas,
sociais e geográficas. É comum ver-se democratas desavisados defendereme se entusiasmarem com interpretações materialistas, divorciados da base
filosófica teísta, essência da Democracia.
A concepção psicológico-social: É a que atribui como causas de um fatohistórico as manifestações espirituais produzidas por um grupo social. Esta
concepção não fez escola.
1.2 Fontes de História
Um conceito: É todo elemento que proporciona ao historiador subsídios
para a reconstituição histórica. Segundo Bernhen, dividem-se em dois grandes
grupos: os restos e a tradição de um fato histórico (3).
Fonte utilizável: É todo elemento relacionado com a reconstituição histórica
que a crítica respectiva assegure ser autêntica, fidedigna e íntegra.
Valor da fonte: É função de seu maior grau de influência na reconstituiçãohistórica e de sua autenticidade, fidedignidade e integridade.
Fontes preferidas: Em princípio, são documentos públicos escritos, impressos
ou manuscritos, chamados também de primordiais ou primárias. São originais,
de primeira mão. Livros e artigos, embora importantes, costumam serclassificados como fontes secundárias. Eles exigem um maior trabalho de
crítica histórica. Resolvido este problema pelo historiador, ele poderá utilizá-
los como fontes primordiais, no todo, em parte, ou em detalhes. O valor dequalquer fonte para determinada reconstituição histórica depende do
historiador. Em princípio, será sempre desejável e aconselhável utilizar as
fontes secundárias para ambientação e as primárias para a reconstituiçãohistórica. Na crítica histórica de artigos e livros é importante para o historiador
saber a autoridade de seu colega no assunto (conhecimento, metodologia e
precisão). Observamos que, ao tratar de um determinado assunto, umhistoriador pode ser preciso no objetivo e impreciso em detalhes acessórios
que colheu. Isto por força de circunstâncias ou falta de tempo para o exercício
da critica histórica. Ou mesmo, pela impossibilidade temporária de realizá-la.Para conhecer o valor de uma fonte o historiador necessita ter, além do
engenho da metodologia, muita arte e anos de convivência como pesquisador.
ESAO/CEAD/CAO – HISTÓRIA MILITAR I
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O problema relacionado com fontes históricas brasileiras é bem tratado na
obra “Teoria de História do Brasil”, de José Honório Rodrigues. Trata-se de
leitura para orientar os candidatos a historiador brasileiro, em suas diversasespecializações.
Tipos de fontes: Quanto ao meio de comunicação para sua transmissão,
segundo adaptação de Bauer (4).
- por transmissão oral (lendas, anedotas, provérbios, etc.);
- por transmissão escrita, fontes que tratam:
- da vida prática (contas, receitas, inventários, etc.);
- de manifestações de vontade humana (códigos, regulamentos,documentos oficiais em geral, etc.); e
- da vida espiritual (obras históricas em geral, escritos literários, etc.).
- por transmissão plástica (mapas, retratos, reproduções de utensíliosusados nos diversos estágios da civilização, filmes, slides, videotapes,gravuras, enfim, tudo o que se possa classificar como iconografia).
A tradição como fonte: A tradição exige um grande esforço de críticos para
ser aceita. Entendo que ela só poderá ser assim definida se comprovada suabase histórica. Do contrário cai no campo da lenda. Segundo Tardif, “só
podem ser aceitos como tradição e, em conseqüência, como fonte histórica”:
- referências a um fato histórico público, amplamente testemunhado; e
- um fato histórico admitido sem contestação por longo tempo, porestudiosos que teriam interesse e meios para contradizê-lo. Assimentendemos que só poderá ser aceito como tradições gaúchas e,em conseqüência, cultuadas, as que tiverem base histórica. Ocontrário é cair-se no domínio da forjicação de nossas tradições,com evidente prejuízo das autênticas. No tocante às tradiçõesmilitares, aplica-se a mesma regra. Elas devem possuir base histórica.Do contrário não podem ser levadas em conta como fonte histórica.
Documento público: Enquadra-se entre as fontes preferidas pelo historiador.As condições às quais ele deve satisfazer para assim ser classificado são
definidas no Brasil pelo Código Civil Brasileiro.
Fontes falsas ou forjicadas: O historiador deve ter especial cuidado para
não utilizar, como fontes, documentos forjicados. Isto é, documentos
Capítulo 1 - História - um entendimento
19
falsificados para os mais variados fins. É clássico exemplo brasileiro de
forjicação, por suas graves conseqüências e envolvimento do Exército, as
cartas falsas atribuídas ao Presidente de Minas Gerais, Arthur Bernardes,candidato à Presidência da República. Elas continham ataques aos oficiais
do Exército e a políticos da oposição. Referidos ataques por vários meses
produziram os efeitos esperados por seus forjicadores, Oldemar Lacerda, oautor, e Jacinto Guimarães, o falsificador da letra de Arthur Bernardes. E
ele foi eleito Presidente da República nesse ambiente confuso. Hoje existem
especialistas em forjicar documentos públicos. Possuem mais gravesconseqüências os relativos à posse de terras na Amazônia e no Centro-
Oeste, particularmente. E provocam graves problemas sociais ao ponto de
tornarem as autoridades impotentes e difícil a solução jurídica a curto prazo.Contou-me uma autoridade do INCRA, que alguém forjicou um título de
doação de terras que lhe fora feito por D. Pedro II. A falsificação seria
perfeita, não fora a amarração do imóvel ter sido feita por D. Pedro II, “àmargem da rodovia Belém-Brasília”, inexistente à época da pretensa doação.
Na História da Revolução Farroupilha existe um documento forjicado, sob a
forma de ofício. Seu teor apresenta Davi Canabarro reunindo seu Exércitoem Porongos para facilitar, em acordo com Caxias, que o Exército Farroupilha
ali fosse atacado e derrotado. Enfim, procura apresentar Canabarro como
um traidor que preparou uma armadilha para seu próprio Exército, ao trocode sua liberdade e outras vantagens. O referido ofício encontra-se publicado
na coleção “Ofícios do Barão de Caxias” da citada revolução (6).
1.3 Disciplinas auxiliares da História
Para o historiador solucionar o complexo problema de autenticidade,
fidedignidade e integridade das fontes históricas, terá para auxiliá-lo, nacrítica histórica, as seguintes disciplinas auxiliares da História.
1.3.1 Heurística: Orienta o historiador sobre os subsídios pertinentes e
disponíveis para o trabalho que irá realizar. Isto quanto ao que deve serconsiderado fonte histórica. E, mais, com as respectivas categorias e
localizações. Orientação transmitida por meio de instrumentos de trabalho
do historiador (catálogos de documentos, índices bibliográficos,hemerográficos, etc.). O auxílio da heurística culmina com a conclusão com
relação a uma fonte histórica sobre sua:
ESAO/CEAD/CAO – HISTÓRIA MILITAR I
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a. Autenticidade: Que é do autor ao qual se atribui sua produção. Ouoriginal, genuína e não forjicada ou falsa;
b. Fidedignidade: Que é digna de fé, merecedora de crédito por traduzira verdade em seu conteúdo. Que não é mentirosa ou inverídica; e
c. Integridade: Que a fonte histórica original conservou-se íntegra.Não apresenta acréscimos ou supressões que modifiquem seusentido original. Na produção de informações o encarregado deproduzi-la chega a esta fase, apoiando seu trabalho em informaçõesque devem traduzir a essência da verdade e, em informes A-1. Esterefere-se ao índice máximo de idoneidade e de veracidade da fonteque produziu o informe.
1.3.2 Bibliografia: Fornece ao historiador dados relativos aos livros. O quejá foi escrito sobre o assunto ou, se o que pretende escrever, já foi escrito
por alguém. Em matéria de História do Exército Brasileiro, o ideal que vem
sendo perseguido é o seguinte:
a. Que todos os livros publicados sobre a História do Exército sejamreferenciados e classificados à luz do Sistema de Classificação deAssuntos das Forças Terrestres Brasileiras, editado em 1971, peloEstado-Maior do Exército (Sistema fruto de pesquisa da Comissãode História do Exército). Documento a que, por sua importância,nos reportaremos com freqüência.
b. O referido documento, além de traduzir a Teoria de História doExército, serve de guia para a pesquisa da História da Doutrina doExército em seu duplo aspecto de Ciência e Arte. A última éfundamental para contribuir, cada vez mais, para o desenvolvimentoda doutrina do Exército, do presente e do futuro, com apoio naexperiência acumulada das forças terrestres que o antecederam, dodescobrimento até a independência, e de sua própria experiênciaapós. Aí temos quase cinco séculos de Arte Militar do Exército. Ou,as soluções táticas estratégicas e logísticas que contribuíram paraa configuração do Brasil, país de dimensões continentais. (3) Idênticaprovidência igualmente seria tomada com relação à hemerografia,que será abordada a seguir, e aos documentos mais importantes,relacionados com a História das Forças Terrestres Brasileiras,existentes no Brasil e no exterior. E, mais, com tudo que possa serconsiderado fonte de história do Exército Brasileiro.
Capítulo 1 - História - um entendimento
21
1.3.3 Hemerografia: Fornece ao historiador dados relativos a artigos
publicados em periódicos, revistas, jornais, etc., civis e militares, tratando
do assunto objeto de determinada pesquisa. No Exército Brasileiro, ao longode sua história, têm sido publicadas diversas revistas militares. Dedicou
especial atenção à elaboração de índices das mesmas o coronel Francisco
Ruas Santos. Este fato irá facilitar sobremaneira a pesquisa de artigos emnossas revistas militares até 1957. Voltaremos, em momento próprio, a
este assunto.
1.3.4 Arquivologia: Trata da reunião, preservação, inventário e catalogaçãode fontes. Fornece ao historiador dados sobre a natureza e conteúdo de
documentos preservados em arquivos e local onde são guardados. Creio ser
esta a mais valiosa disciplina auxiliar da História. Ela informa ao historiadoro conteúdo e a localização das fontes a que deve recorrer primordialmente,
para infra-estruturar pesquisa que pretenda ser científica. A elaboração de
catálogos é feita por assuntos, por especialistas em arquivologia e sob aresponsabilidade de entidades oficiais ou privadas. Isto pressupõe que as
fontes de que tratam tenham passado por um processo de crítica histórica
(autenticidade, fidedignidade e integridade). Este setor está poucodesenvolvido no Brasil. Merece destaque a organização específica do Arquivo
Histórico da Câmara Federal e a que vem sendo implantada na Fundação
Getúlio Vargas, relativa a arquivos de grandes personalidades da República.Muito, mas muito deve ser feito, investido neste setor para que a História
do Brasil venha a ajudar a instrumentar o destino de grandeza da Pátria
Brasileira. É um problema que desafia as autoridades brasileiras. Clama porsolução antes que a preservação da Memória Nacional fique
irremediavelmente comprometida, conforme alertam diariamente especialistas
nacionais e estrangeiros que nos visitam. É o mais grave problema da Históriado Brasil. Seria catastrófico para o destino da Nacionalidade Brasileira a
perda de sua memória. Tornar-se-ia uma nau sem bússola, à deriva na
tempestade, sem saber de onde veio e para onde vai. Até as tribos maisprimitivas possuem e prestigiam seus historiadores. O desenvolvimento e a
fidelidade a suas origens, aspirações e valores e, até, sua própria
sobrevivência, foram função da qualidade de seus historiadores. ArnoldToynbee, consagrado historiador universal, em sua conferência no Recife
em 1970 - História, Função e Valor, diz, a certa altura, com indiscutível
autoridade:
ESAO/CEAD/CAO – HISTÓRIA MILITAR I
22
“OS ESTUDOS HISTÓRICOS TÊM SIDO ESTÍMULO PARA O DESPERTAR,
EM MUITOS POVOS, DE UMA CONSCIÊNCIA NACIONAL ADORMECIDA”.
E acrescentaríamos, para que a consciência nacional despertada não venhaa adormecer ou confundir-se, que tanto sua afirmação, como a nossa, aplicou-
se e aplica-se ao Brasil. Fica aqui nosso humilde alerta para a reflexão, a
quem de direito e investido de autoridade para modificar esta conjuntura.Ou, para lançar os fundamentos para que o setor se desenvolva
satisfatoriamente, dentro das possibilidades do Poder Nacional. Poder, para
cujo fortalecimento, a História do Brasil tem contribuído significativamente,como o procuraremos demonstrar sempre que oportuno, fato reconhecido
pela ESG. A Memória Nacional, representada por seu acervo documental,
tem sofrido grandes acidentes. Ali uma prefeitura incendiando seusdocumentos para fazer lugar, encobrir falhas administrativas ou para tapar
buracos. Lá, uma autoridade desavisada mandando eliminar documentos
valiosos, por serem velhos e prejudicarem a estética. Ou, para apagaremuma mancha negra da vida brasileira, como os documentos relativos à
escravidão. No Exército Brasileiro estes acidentes têm sido menos numerosos
em razão das normas rigorosas relativas à eliminação de documentos. E istoé uma norma adotada universalmente pelos exércitos. Existe até a seguinte
piada de caserna: Um comandante de uma unidade nos EUA, constatando
estar seu arquivo insuficiente para guardar os documentos da unidade,relacionou grande parte deles e dirigiu-se aos escalões superiores pedindo
autorização para destruí-los. Recebeu como despacho ao seu pedido mais
ou menos o seguinte: Eliminação autorizada, após reprodução de cadadocumento em três vias que devem ter o seguinte destino: (1) Uma para o
Arquivo Nacional, outra para o arquivo da unidade para possíveis consultas.
Esta norma existe, para impedir que qualquer pessoa, usando seu bomsenso, que segundo Descartes é o que todas as pessoas se julgam
possuidoras, em alta dose, venham eliminar importantes documentos. Uma
das vias devia ser enviada ao Arquivo do Exército dos EUA. Mas, mesmoassim, as fontes da História do Exército têm sofrido acidentes. Não por
inexistência de normas, aliás rigorosas. Mas, por descumprimento ou
desconhecimento das normas e de seu espírito. Será atitude sadia paratodos os integrantes do Exército, preservarem os documentos que
constituem sua Memória Histórica. Não tomarem a iniciativa de eliminá-los,
em desrespeito às normas especificas. É melhor ouvir quem possa dizer de
Capítulo 1 - História - um entendimento
23
sua importância e validade, como instrumento para auxiliar a construção do
Exército Brasileiro do futuro.
1.3.5 Paleografia: Auxilia a História, junto com a filologia, a estudar, decifrar,ler e entender o sentido de manuscritos antigos. Estuda, também, os
instrumentos, material e técnicas utilizados para produzi-los. Enfim,
proporciona o conteúdo do documento e à filologia o seu significado. Estadisciplina é valiosa para a História do Exército. Serve para traduzir o conteúdo
de documentos portugueses e espanhóis pertinentes à nossa História Militar.
Documentos escritos, por volta do período 1490 - 1700, têm quatro tiposde escritas. Daí por diante será mais fácil. Mas ela não será dispensável para
a leitura de documentos de interesse de sua história, produzidos manuscritos,
até a generalização da datilografia no Exército. O conhecimento da certidãode nascimento do Brasil, a carta de Pero Vaz de Caminha, só foi possível
após 300 anos do descobrimento, isto ao ser encontrada e paleografada.
Foi escrita ria forma processual.
1.3.6 Cartografia: É a representação gráfica do terreno em escala reduzida.Sendo o terreno, ao lado da missão, do inimigo e dos meios, um dos fatores
de uma decisão militar, a representação gráfica deste terreno torna-se de
especial importância para a História do Exército, como força operacional. Emais, como indispensável instrumento didático, para a exploração de
ensinamentos operacionais colhidos na História Militar. As operações militares
são montadas sobre croquis, esboços, cartas e mapas representativos doterreno. Quem falar em exploração didática da História Militar entende
abundância de cartas topográficas. Em data recente analisei e interpretei,
pela primeira vez, em carta topográfica atualizada, sobre o ângulo dos fatoresda decisão militar, a Batalha do Passo do Rosário (8). De igual forma,
levantamento procedido pelo INCRA nos Montes Guararapes possibilitou-
me reconstituir as Batalhas dos Guararapes (9). Isto veio assegurar umavisão bem mais realista, de como as batalhas transcorreram e como nelas
interferiram os aspectos topotáticos do terreno (observação e campos de
tiro, cobertas e abrigos, obstáculos, vias de acesso e acidentes capitais).
O Centro de Documentação do Exército e o Arquivo Histórico do Exército
possuem excelente cartografia histórica catalogada e separada por Estados
da Federação. Abrange, inclusive plantas de fortificações e edifícios. ADiretoria do Serviço Geográfico do Exército Brasileiro possui valiosa
ESAO/CEAD/CAO – HISTÓRIA MILITAR I
24
cartografia histórica na antiga Fortaleza da Conceição no Rio de Janeiro -
RJ. Merece destaque a mapoteca Histórica do Itamaraty, ao lado do Palácio
Duque de Caxias.
1.3.7 Diplomática: Origina-se da palavra diploma. Estuda documentos quanto
ao idioma, estilo, autenticidade, integridade e credibilidade.
1.3.8 Epigrafia: Lê e interpreta inscrições antigas, gravadas ou pintadas.
Neste particular a História do Exército poderá recorrer ao Departamento deAssuntos Culturais do MEC. E terá aplicação neste particular, relativamente
às fortalezas históricas.
1.3.9 Arqueologia: Investiga restos deixados pelas civilizações ou por certosfatos de interesse, como batalhas e combates, no caso da História Militar.
Durante a localização dos vestígios dos alicerces da casa onde nasceu o
Duque de Caxias, em Caxias - RJ, foram realizadas pesquisas arqueológicas.Foram descobertos vestígios da época em que ali viveu o Patrono do Exército.
Por ocasião da construção do Parque Nacional dos Guararapes, a Universidade
Federal de Pernambuco procedeu a pesquisas no local das batalhas que alitiveram lugar, atendendo solicitação do IV Exército, atual Comando Militar
do Nordeste. Localizaram-se muitos vestígios das mesmas. Ossadas humanas,
projéteis de canhões e metais de uniforme, o que proporcionou, também, aconfirmação de localização do Boqueirão, ponto focal das duas batalhas.
Pesquisas arqueológicas no local da Batalha do Passo do Rosário e de fortalezas
militares poderão prestar grande auxílio à História do Exército Brasileiro.
1.3.10 Sigilografia: Estuda a autenticidade de sinais antigos, selos, carimbos,sinetes, etc., colocados em documentos antigos para conferir-lhes validade
e produzir os efeitos jurídicos que deles se esperam.
1.3.11 Heráldica: Estuda brasões, símbolos, escudos, bandeiras e seussignificados, sob a forma de mensagens simbolizadas por seus componentes.
Trata-se de instrumento valioso para traduzir, para a História do Exército
Brasileiro, a simbologia de seus brasões, escudos, símbolos e bandeiras. Emais, para orientar, por exemplo, a elaboração de brasões de unidades.
1.3.12 Genealogia: Estuda as famílias e seu desenvolvimento através dos
tempos. Os estudos genealógicos brasileiros são valiosos para a História do
Exército Brasileiro. Eles fornecem subsídios, ao tratarem de famílias das
Capítulo 1 - História - um entendimento
25
quais fizeram parte militares do passado. Bem explorada, auxilia sobremodo
a reconstituição de um fato histórico militar.
1.3.13 Medalhística: Estuda medalhas e ordens honoríficas. Conclui sobre seuvalor e autenticidade. É importante disciplina auxiliar da História do Exército.
1.3.14 Cronologia: Consiste praticamente na apresentação dos fatos
históricos em ordem cronológica. No caso do Exército Brasileiro o ideal
seria a elaboração de uma relação de fatos históricos significativos, sob aforma de efemérides. É um trabalho ainda por realizar e muito reclamado
nas seções de Relações Públicas, por exemplo. O registro histórico das
unidades é um exemplo de cronologia. O Tenente-Brigadeiro Nelson FreireLavenère-Wanderley, historiador de nossa Aeronáutica, acaba de escrever
as Efemérides da Aeronáutica do Brasil. Trabalho valioso para desenvolver a
História do Exército Brasileiro, constitui-se, ainda hoje, pela abundância dereferências à nossa História Militar, as efemérides do Barão do Rio Branco
(10). A cronologia é valiosa disciplina auxiliar para orientar o estudo e a
pesquisa histórica. E, também, para a evocação e culto de efemérides evultos nacionais, prática rotineira no dia-a-dia de nossas Forças Armadas. É
uma lacuna a preencher cujo vulto exigirá uma equipe para organizá-la.
1.3.15 Numismática: É o estudo das moedas. Problemas neste sentido paraa História do Exército poderão ter solução no Museu Histórico Nacional,
local onde funcionou a primeira Escola Militar do Brasil, raiz histórica da
AMAN. O pouco desenvolvimento no Brasil da metodologia das disciplinasauxiliares tem obrigado o historiador, antes de entrar em seu trabalho
específico, a resolver, ele próprio, problemas pertinentes àquelas áreas. Daí
conclui-se quão difícil é ser historiador no Brasil. Muitos chefes, pensadorese planejadores do Exército, ao explorarem a história do Exército, tiveram
que enfrentar e resolver tais problemas.
1.4 A verdade histórica
O farol que ilumina o historiador, como homem de informações, é que seu
trabalho traduza a essência da verdade, dentro do enfoque filosófico em queele se situa. No caso do Brasil, o enfoque filosófico se definiria deste modo:
País sob Deus que objetiva preservar ou conquistar seus objetivos nacionais
permanentes de Integridade, Soberania, Independência, Integração, Paz Sociale Democracia, sob a égide de sua escala axiológica, representada pelos valores
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espirituais, morais e culturais e, nesta hierarquia, o de Nacionalidade. Este
enfoque filosófico explica a transformação, em menos de 200 anos, do alferes
Joaquim da Silva Xavier, o Tiradentes, de traidor de Portugal em mártir daIndependência e, finalmente, em Patrono Cívico da Nacionalidade. Só é possível
cogitar-se no restabelecimento da verdade histórica com serenidade e livre da
influência de paixões que causaram o fato histórico. Isto, pelo menos, decorridos50 anos ou mais do acontecimento do fato. Neste intervalo chovem os
depoimentos, as memórias e os ensaios. Os principais atores do fato, na maior
parte, desaparecem. Todas as pretensas tentativas de reconstituição da verdadehistórica não passarão, à semelhança da atividade de informações, de informes.
Estes, desde o menor ao maior grau de idoneidade e veracidade. Serenados os
ânimos e livre de pressões e injunções, começa o trabalho do historiador,como juiz do Tribunal da História. Não existe uma regra fixa sobre a época
oportuna do início da reconstituição da verdade histórica relacionada com um
fato histórico. A abordagem de revoluções e lutas brasileiras tem reveladoinconveniência e inoportunidade de tratamento, antes que decorra um século.
Pois, em muitos casos, os descendentes dos atores do fato interferirão no
trabalho. E seriam feridas muitas suscetibilidades. O historiador poderá fazerda História instrumento de discórdia ao invés de construção. No caso de lutas
internas, decorridos 20 anos, elas poderão ser exploradas pela História Militar
com fins didáticos. Isto, do ponto de vista essencialmente técnico-militar.Explorá-las política, econômica e socialmente e mesmo, militarmente, sem a
devida prudência, poderá provocar a abertura das feridas que se deseja
ardentemente que cicatrizem. Poderão ser estudadas criticamente, logo após,mas não é prudente que sejam publicadas. A abordagem de lutas externas
exige prudência semelhante, pela possibilidade de causarem dificuldades
diplomáticas, com o inimigo de ontem e amigo de hoje. Mas a História Militarpode e deve explorá-la didaticamente, de imediato, do ponto de vista técnico-
militar e colher ensinamentos. E esta tarefa, ao que parece, seria desejável
fosse realizada em círculo restrito e confidencial. A História do Exército Brasileirolevou século e meio para ser escrita. A enorme equipe, que nela trabalhou,
teve o cuidado de não enveredar por caminhos perigosos, na abordagem
científica de lutas internas e externas mais recentes. Nossas consideraçõesservem para demonstrar, ao leitor interessado, o longo e penoso caminho do
historiador até atingir seu ideal, a reconstituição da verdade histórica sem
influências espúrias. Tenho para mim que a História se faz por aproximaçõessucessivas. Isto é, pelo estabelecimento de verdades provisórias. Dentro deste
Capítulo 1 - História - um entendimento
27
contexto, todo o trabalho de caráter histórico é útil. Ainda não me deparei
com trabalho histórico pertinente ao assunto objeto de minha pesquisa, que
poderia classificar de inútil. Dos mais fracos ou inexpressivos, sempre colhouma idéia, ou uma pérola perdida em seu emaranhado. E será da reunião
dessas pérolas, por estudiosos de determinado assunto, que se chegará, um
dia, ao alicerce para o historiador do futuro atingir a verdade histórica sobreum fato. A certidão de nascimento do Brasil, a carta de Pero Vaz de Caminha,
levou 273 anos para ser descoberta na Torre de Tombo, em Portugal, por
Seabra da Silva. Somente cerca de 300 anos após o descobrimento, foi publicadapela primeira vez pelo padre Aires da Cunha Casal, professor da Escola Militar,
no Largo de São Francisco, na Corografia Brasileira. Decorridos 343 anos do
descobrimento é que a certidão de nascimento do Brasil foi publicada comprecisão. E mais, explorada devidamente, tudo na obra de Jaime Cortesão: a
Carta de Pero Vaz de Caminha (11).
Ainda em 1973, existia a incerteza histórica sobre o verdadeiro local dodescobrimento do Brasil. Para sua definição fomos convidados pelo Ministro
Andreazza a opinar. Isto para que se decidisse construir uma rodovia de
Porto Seguro a Cabrália (12). E ela foi efetivamente construída. Portanto,uma incerteza histórica de 473 anos sobre as circunstâncias do descobrimento
do Brasil. O local exato da primeira missa ainda não foi determinado. A
comissão de seis membros nomeada pelo Presidente Getúlio Vargas nãochegou a uma conclusão. Cada membro optou por um local diferente.
1.5 Importância da História do Brasil
Acreditamos que não exista melhor exemplo para caracterizar a importância
da pesquisa e do estudo crítico da História, e mais, a necessidade de
implementá-la entre nós, para colocá-la a serviço da construção do destinode grandeza do Brasil, do que as palavras a seguir:
A ninguém é lícito ignorar a importância da contribuição da Históriano desenvolvimento nacional, como instrumento de ação, naelucidação de temas e na definição de alternativas prospectivas,assim como no encontro de métodos de análise dos conhecimentos,que sirvam ao individual e ao coletivo. Aqui também podemosafirmar que não se governa sem História e sem historiadores. Enós, os brasileiros, podemos dizê-lo melhor do que ninguém, pois,pacificamente, nenhum país cresceu mais do que o nosso, pelapesquisa e análise de nossos historiadores [...]
ESAO/CEAD/CAO – HISTÓRIA MILITAR I
28
Elas foram pronunciadas pelo Presidente Emílio Garrastazú Médici, em 1970,
no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, cumprindo uma tradição iniciada
por D. Pedro II. Com o Presidente Médici as atividades de História do Brasilviveram um de seus grandes momentos. Apoiou a construção da nova sede
do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Propiciou a esta benemérita
instituição base econômica para prosseguir suas tradicionais e relevantestarefas. No Exército, foi possível, com seu apoio, a produção e a edição da
História do Exército Brasileiro em 3 volumes, concretização de antigas
aspirações de várias gerações de militares do Exército. O Sesquicentenárioda Independência, em seu governo, criou condições para o revigoramento
das tradições nacionais, do culto da história e para a pesquisa e publicação
de diversas obras históricas. Deu ênfase especial ao culto da história, atravésdas iniciativas de construção de parques históricos, como o Parque Histórico
Manoel Osório e o Parque Histórico Nacional dos Guararapes cuja construção
coordenamos. Foi criado o Centro de Documentação do Exército, guardiãode fontes relacionadas com a História da Doutrina do Exército. Fontes
pacientemente reunidas, desde a criação do Estado-Maior do Exército, em
1899, por integrantes de suas extintas 5ª Seção, História e Geografia, eComissão de História do Exército Brasileiro. 5ª Seção/ EME restabelecida
em data recente pelo Exmo Sr Gen Ex Ariel Pacca da Fonseca, Chefe do
Estado-Maior do Exército, com a designação de SD-3. Em seu governoforam promovidos diversos certames literário-históricos. Eles criaram
condições para o despertar de novos historiadores e o despontar de novos
valores. Sem estas providências seria difícil estimular este importante setor,fundamental para instrumentar, com segurança, o futuro do Brasil.
1.6 Importância da História segundo Cícero
“A História é verdadeiramente a testemunha dos tempos, a luz da verdade,
a vida da memória, a mestra da vida, a embaixatriz da antigüidade”.
Extraída do Boletim Especial de 10 de dezembro de 1977, do III Exército,atual Comando Militar do Sul, firmado pelo seu comandante interino, Gen
Div Antonio Carlos de Andrada Serpa, dando prosseguimento à idéia de
seu antecessor, Gen Ex Fernando Belfort Bethlem.
Capítulo 1 - História - um entendimento
29
Notas ao Capítulo 1
1. BENTO, Cláudio Moreira. As Batalhas dos Guararapes, p. 15-16. Vercomo o Visconde de Porto Seguro e o Marechal Mascarenhas de Moraisutilizaram as tradições militares das guerras contra os holandeses, paralevantarem o moral dos soldados brasileiros no Paraguai e na Itália.Stalin, em momento crucial da guerra, teve de apelar para as tradiçõesmilitares da Rússia Czarista.
2. Para que o leitor interessado ajuíze as dificuldades enfrentadas peloExército, leia entre outras as seguintes obras:
(1) GUIMARÃES, J. C. Macedo Soares. Civis e militares. Carta Mensal.dez 77, p. 1-14.
(2) COELHO, Edmundo Campos. O Exército e a política na sociedadebrasileira. Rio de Janeiro: Forense, 1976.
(3) COUTINHO, Lourival. O general Goes depõe. Rio de Janeiro: CoelhoBranco, 1956.
(4) GOES MONTEIRO, Pedro Aurélio. A revolução de 30 e a finalidadepolítica do Exército. Rio de Janeiro: Aderron, 1936.
(5) CASTRO, Jeanne Berrance. A milícia cidadã; a Guarda Nacional de1831-50. São Paulo: Nacional, 1977.
(6) OLINTO, Antonio. Para onde caminha o Brasil. Rio de Janeiro: 1978.
Estes estudos assumem especial relevância para os chefes do Exércitodo presente e do futuro. Curiosa é a intensidade desses estudos nosanos 76-77.
3. Citado por José Honório Rodrigues em sua Teoria da História do Brasil.
4. Citado por Ruas Santos em Teoria e Pesquisa da História Militar, AMAN.Os exemplos foram selecionados pelo autor.
5. Citado por José Honório Rodrigues em sua Teoria da História do Brasil.
6. Caxias. Ofícios na Revolução Farroupilha. S.l.: Imprensa Militar, 1950.
7. Ruy Barbosa, sob este pretexto, como Ministro da Fazenda teria mandadoeliminar os documentos relativos à escravidão. Trato deste assunto nomeu livro O Negro e Descendentes na sociedade RGS (Apresentação).
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30
8. BENTO, Cláudio Moreira. Fatores da decisão militar na Batalha do Passodo Rosário. Defesa Nacional. n. 672, 1977, p. 63-108.
9. BENTO, Cláudio Moreira. As batalhas dos Guararapes. Recife, UFPE,1971. 2 v.
10. O Barão do Rio Branco, como Cônsul em Liverpool, realizou valiosaspesquisas sobre nossa História Militar. Seu trabalho de estréia comohistoriador foi um ensaio biográfico sobre o Marechal José de Abreu,herói de nossas guerras contra Artigas. O referido trabalho o levou aser eleito membro do IHGB, ainda jovem. Embora civil, é um grandenome da História Militar. A Marinha e o Exército lhe são credores demuitos benefícios recebidos, em razão dos conhecimentos de nossaHistória Militar que acumulou, difundiu e usou. Pois deles adquiriu aconsciência da necessidade do Brasil possuir Marinha e Exército fortes.E não poupou sacrifícios para que isto se tornasse realidade.
11. Para detalhes ver a obra: MAIA, Rocha. Do Monte Paschoal a Cabrália.Brasília: Ministério dos Transportes, 1973.
12. MAIA, Rocha. Do Monte Paschoal a Cabrália. Brasília: Ministério dosTransportes, 1973.
13. BENTO. A grande festa dos lanceiros. Recife: UFPE, 1971. (Contémdetalhes sobre os dois parques citados).
14. CORREIO DO POVO. Conservação da memória nacional. Porto Alegre,17 de janeiro de 1978.
31
CAPÍTULO 2CAPÍTULO 2
História Militar ouDa Doutrina Militar
História Militar - História da Doutrina - História da Ciência e Arte da Guerra
2.1 Um conceito:
História Militar é a parte da História da Humanidade que nos permite
reconstituir a História da Doutrina Militar. É a Ciência e a Arte da Guerrautilizadas pelos exércitos, com o fim de, respectivamente, se prepararem
para as guerras ou quando nelas forem empregados. Doutrina Militar são os
princípios pelos quais os exércitos têm se preparado (organizado, equipado,instruído e desenvolvido as forças morais) para a eventualidade de conflitos
e se empregado em guerras. Referido conceito constitui uma versão prática
do conceito de Doutrina Militar constante do C 20-320 - Glossário de Termos
e Expressões para uso no Exército, instrumento de trabalho também
indispensável para a pesquisa da História do Exército: “Doutrina Militar -
Conjunto de conceitos, princípios, normas, métodos, processos e valores,que tem por finalidade estabelecer as bases para a organização, o preparo e
o emprego das Forças Armadas”. O preparo de uma força para a guerra
relaciona-se com o conceito de Ciência da Guerra. O emprego da força naguerra relaciona-se com a Arte da Guerra. A Ciência tem registrado sensível
desenvolvimento que se acentua em proporção geométrica, função do
progresso tecnológico. A Arte da Guerra possui fundamentos constantes:fatores da decisão, mandamentos e princípios de guerra, elementos de
manobra etc. Referidos fundamentos permitem infinitas combinações. E,
em conseqüência, infinitas soluções táticas, estratégicas e logísticas. Poresta razão, a pesquisa e o estudo da evolução da Arte da Guerra Mundial e
ESAO/CEAD/CAO – HISTÓRIA MILITAR I
32
a de um país considerado assumem especial relevância. Isto, por ser a Arte
da Guerra um dos mais valiosos instrumentos da construção do futuro de
um Exército. Seja como instrumento de formação profissional, seja,finalmente, como instrumento para o desenvolvimento de sua doutrina.
2.2 História da ciência e da Arte da Guerra do ExércitoBrasileiro:
Dentro do conceito anterior podemos afirmar: existe a Arte da Guerra do
Exército Brasileiro. Incluímos, neste trabalho, como Exército Brasileiro todasas forças terrestres que o antecederam, do Descobrimento à Independência.
E entendo como a Arte da Guerra do Exército, o conjunto de soluções
táticas, estratégicas e logísticas, relacionadas com emprego de forçasterrestres brasileiras, em mais de cinco séculos, do descobrimento até nossos
dias. Emprego responsável, em grande parte, pelas dimensões continentais
do Brasil. Dimensões que não são obra do milagre, mas sim, do correto ejudicioso emprego tático e estratégico no território brasileiro da Expressão
Militar Terrestre do Poder. Seja no Brasil colonial ou independente. A pesquisa
da Arte da Guerra do Exército Brasileiro torna-se então o produto nobre daHistória Militar. Nobre, por ser capaz de auxiliar a construir o Exército
Brasileiro do futuro, à altura do destino de grandeza do Brasil. Nobre,
igualmente, por poder imprimir à Doutrina do Exército uma característicamarcadamente brasileira. Ou, com um índice expressivo de nacionalização e
menos dependente de importação de doutrinas de outros exércitos. Isto,
particularmente, no que uma Doutrina Militar encerra de Arte da Guerra.Existe, igualmente, uma Ciência da Guerra do Exército Brasileiro. São as
soluções brasileiras e importadas que têm, desde o descobrimento, orientado
o preparo das forças terrestres para a guerra. Preparo nos campos daorganização, do equipamento, da instrução e desenvolvimento das forças
morais. A Ciência da Guerra do Exército é relevante para a construção do
Exército do futuro. Isto na parte referente às soluções brasileiras nelacontidas. Soluções que responderam e ainda respondem às realidades
brasileiras diversas. Soluções particularmente nos campos doutrinários da
organização, instrução e desenvolvimento das forças morais. No campo dahistória do equipamento, pouco a História da Ciência da Guerra poderá
alicerçar aquele futuro. Nesta matéria, é relevante acompanhar-se o progresso
dos exércitos das grandes potências. E, em conseqüência, procurar-seatualização, na medida das possibilidades do Poder Nacional. Igualmente,
Capitulo 2 - História Mlitar ou da Doutrina Militar
33
deve-se olhar para o presente dos exércitos das grandes potências em seus
progressos de organização e instrução, sem desprezar o que de útil e válido
foi consagrado pela Ciência da Guerra do Exército Brasileiro, fruto dopensamento militar brasileiro, e em função de nossas realidades. O que a
pesquisa da História do Exército mostrar útil para a doutrina será seu
patrimônio cultural. E, o que for considerado ultrapassado, ou obsoletopara este fim, particularmente quanto a equipamentos, instalações etc.,
constituirá, em princípio, seu patrimônio histórico, patrimônio a ser
preservado e divulgado como homenagem aos militares do passado. Istopara lembrar, eternamente, suas contribuições para a construção do Brasil.
E mais, como valioso instrumento para o desenvolvimento das forças morais,
através do culto e evocação de nossos heróis, feitos e tradições militares. Atradição é a alma de um Exército. Um Exército sem tradição é espada sem
têmpera. É flor sem perfume! Existe história das forças terrestres, navais e
aéreas e, talvez, já no nascedouro, história das forças espaciais. Designaçãode história das forças terrestres confunde-se com a designação de História
Militar que por nós será utilizada com aquele sentido, neste ensaio.
2.3 Estudo da História Militar:
As forças armadas de todos os países estudam a História Militar sob os
enfoques de História da Doutrina Militar e História da Ciência e da Arte daGuerra. Ao assim procederem visam delas extrair ensinamentos para a
formação de seus integrantes e subsídios para o desenvolvimento de suas
doutrinas. Segundo Foch, um grande artista da Guerra da França na 2ªGuerra Mundial: “Para sustentar em tempo de paz o cérebro de um exército
e prepará-lo para a guerra, não há livro mais fecundo em meditações e
lições do que o da História Militar” (1). Reconhecendo esta importância doestudo crítico da História Militar; como História da Doutrina e da Ciência e
da Arte da Guerra, todas as escolas militares do mundo a estudam. E cada
país confere especial relevo ao estudo e exploração de sua História Militar,particularmente no que ela encerra de Arte da Guerra. No Brasil, este estudo
foi introduzido na Academia Militar Real, criada pelo Príncipe D. João, em
1810, e raiz da atual Academia Militar das Agulhas Negras, por decreto doPresidente Getúlio Vargas.
Utilidade e importância - Sobre a importância do estudo da História Militar,
no seu conceito de História da Doutrina Militar ou de História da Ciência e
ESAO/CEAD/CAO – HISTÓRIA MILITAR I
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da Arte da Guerra, deixemos falar destacados chefes, pensadores e
historiadores militares.
Frederico, o Grande: “Eu estudo toda a espécie de história Militar, desdeCésar até Carlos XII. E a estudo com todas as minhas forças...”
Napoleão: ”O conhecimento superior da Arte da Guerra só se adquire pela
experiência e pelo estudo da história das guerras e das batalhas dos grandes
capitães. Façam a guerra como Alexandre, Aníbal, César, Gustavo Adolfo,Turenne, Eugênio e Frederico – o Grande. Leiam e releiam a história de suas
campanhas e guiem-se por elas. Eis o único meio de fazer um grande general
e aprender os segredos da Arte da Guerra”.
Patton: “A leitura objetiva da História Militar é condição de êxito para o
militar. Deve este ler biografias e autobiografias de chefes militares. Quem
assim proceder concluirá que a guerra é simples”.
Moltke, o Velho: “A História Militar, por dominar inteiramente a condutaprática da guerra, é uma fonte inesgotável de ensinamentos”.
Conclui-se daí a ênfase que estas autoridades deram ao estudo do emprego
da força ou a Arte de Guerra. Isto por fundamentar-se em elementosconstantes em todas as guerras, a despeito da evolução da Ciência da
Guerra.
2.4 Considerações diversas sobre História Militar ou da Doutrina:
1. Toda a instrução e ensino militares são síntese dos ensinamentosresultantes da pesquisa e estudo crítico da história Militar, levadosa efeito por chefes, planejadores, pensadores e historiadoresMilitares, na História Militar da Humanidade ou na de um paísconsiderado. O conteúdo da instrução militar é fruto da experiênciada guerra colhida, em particular, no Campo da Batalha. Portanto,em última análise, na História Militar. O laboratório mais completode Doutrina Militar é o Campo de Batalha.
2. História Militar é a História da Ciência e da Arte da Guerra. Ela épesquisada, analisada e interpretada pelos chefes, planejadores,pensadores e historiadores de um exército, visando a colher subsídiosdoutrinários. Isto para desenvolverem a doutrina militar de umexército considerado.
Capitulo 2 - História Mlitar ou da Doutrina Militar
35
3. A História Militar permite ao chefe, ao planejador, ao pensador eao historiador militar acompanhar a evolução da Doutrina militar,nos campos do equipamento, organização, processos de instruçãoe processos de combate. E mais, de novos processos que a psicologiae a sociologia da guerra oferecem para a preservação e fortalecimentodas forças morais do combatente.
4. A História Militar permitiu detectar as características maisimportantes dos grandes generais da História Militar da Humanidadee da própria História Militar de um país considerado. Ascaracterísticas ideais do chefe e do líder militar resultaram dapesquisa, análise e interpretações das vidas dos grandes generaisda História Militar.
5. Foi a pesquisa, análise, interpretação e síntese da História Militarda Humanidade que permitiu, após Napoleão, a determinação docaráter de permanência da Manobra e dos demais Princípios deGuerra, hoje consagrados em todos os exércitos do mundo. Diferemna denominação, mas conservam sua essência filosófica.
6. A História Militar permite ao chefe, ao planejador, ao pensador eao historiador militar do presente compreender a evolução daDoutrina Militar até seus dias. E, mais, estima, de certa forma, qualserá sua evolução provável no futuro próximo. O estudo do passadomilitar possibilita entender-se o presente militar e estimar suaevolução provável no futuro. Em conseqüência, atualização com opróximo conflito e não com o último superado pelo pensamentomilitar criador.
7. História Militar estudada como um amontoado de fatos históricosem ordem cronológica é cultura inútil. Não capacitará ninguém aser um grande General. É impositivo que seja pesquisada e estudadacom espírito crítico. Apelo e raciocínio indutivo. Capacidade dedecompor os fatos e selecionar os que têm valor comoensinamentos. Estes são a essência para o profissional militar.
8. História Militar, como história de guerras, é a principal fonte para oDesenvolvimento da Doutrina Militar do presente. As guerrasacarretam profundas transformações econômicas, políticas e sociaisE o historiador militar científico não pode deixar de considerá-las.Mas isto não ocorre com o historiador militar pragmático. Seu
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objetivo é colher ensinamentos militares utilizáveis para odesenvolvimento da doutrina das instituições militares de sua nação.
9. A História Militar dos inimigos ou aliados potenciais, pesquisada eestudada com espírito crítico, oferece ao chefe, ao planejador, aopensador e ao historiador militar valiosos subsídios. Isto, sob formade possibilidades e intenções, etc. Assume especial relevo o estudodo caráter de seus líderes, dos grupos dominantes e do caráternacional dos mesmos.
10. A História Militar estudada nas escolas militares não é suficientepara a formação histórica de um profissional militar. Serve apenascomo um alerta da relevância do assunto. É impositivo que o alunoprossiga em seus estudos, por conta própria. Os que têm persistidono estudo colheram reais benefícios. Ou, pelo menos, no caso doExército Brasileiro, a ter mais fácil ingresso na ECEME de cujo examede admissão consta o de História, com regular dose de HistóriaMilitar do Brasil.
11. A História Militar, segundo o a general Tasso Fragoso: “É a mestrada vida militar. Seu estudo, fonte perene de patriotismo, não deveser desconhecida dos militares. O estudo dos episódios das geraçõesmilitares brasileiras que nos antecederam é salutar à juventudemilitar brasileira. Esta pois, lhe fortalece o espírito, retempera ocaráter e proporciona sólidos elementos para julgar questõesimprevistas. Questões por vezes incandescentes, em que as paixõesdominantes, sem as luzes da verdadeira História, acarretariam osmaiores desatinos” (2). O general Tasso Fragoso falava a propósitodo ensino do Exército na sua mocidade. Ensino que descuidou daHistória em geral na Escola Militar de Praia Vermelha, fechada eposteriormente extinta, por envolvimento de cadetes na política eem revoltas absurdas, manipulados por agentes externos. Revoltas“que acarretariam os maiores desatinos, sem as luzes da verdadeiraHistória”. E o Exército pagou alto preço por estes desatinos, mascolheu um importante ensinamento. O próprio general Leitão deCarvalho, mais tarde destacado chefe do Exército e ilustre historiadormilitar, assim recordou seu tempo de cadete: “A ausência do espíritomilitar nos cursos das escolas do Realengo e da Praia Vermelhatinha feito de mim um intelectual diletante, que não sabia bempara onde se virar: se para as ciências exatas, a literatura ou,simplesmente, para os assuntos recreativos do espírito” (3). Sobre
Capitulo 2 - História Mlitar ou da Doutrina Militar
37
a importância da História Militar, convém registrar-se: após a Guerrados Seis Dias entre Israel e Egito, Moshe Dayan reuniu suaoficialidade. Aproveitou a ocasião para enaltecer a contribuiçãopreponderante para a vitória, dos historiadores do Exército de Israel.Referida contribuição resultou do estudo, por eles procedido, dasvias de acesso utilizadas nos últimos 5000 anos pelos Exércitos emluta na região. A conclusão, aconselhou, com base histórica, asvias de acesso que foram utilizadas. Estas constituíram fatores desurpresa militar de Israel sobre o Egito (4).
2.5 Historiador Militar:
É o civil ou militar que pesquisa, analisa, interpreta, retira ensinamentos eescreve sobre fatos histórico-militares. No Exército dos EUA existem duas
categorias de historiadores militares: Historiadores do Exército e Historiadores
de Estado-Maior. (5)
2.6 Historiador do Exército:
É um historiador militar qualificado com métodos específicos, civil e militar,que ocupa posição no QO de historiadores do Exército.
2.7 Historiador do Estado-Maior:
É um historiador do Exército ou oficial de História do Exército, responsável
pelo desempenho de atividades histórico-militares, inclusive, assessoria
específica no Estado-Maior de um comandante.
2.8 Historiadores de Estado-Maior no Exército Brasileiro - casoshistóricos:
O primeiro foi o capitão Diogo Arouche de Morais Lara, na primeira guerra
contra Artigas em 1816. Ou, a primeira guerra do Brasil como nação, condição
de reino Unido a Portugal e Algarve. Produziu o trabalho Memória sobre a
Campanha de 1816. Brasileiro de São Paulo, sua obra foi de real valia para
condução da segunda campanha contra Artigas. Campanha em que nosso
historiador de Estado-Maior perdeu a vida, já como tenente-coronel, numcombate no povoado de São Nicolau, no comando do Regimento de
Cavalaria dos Guaranis das Missões, ao cair numa emboscada preparada
pelos artiguenhos no interior do referido povoado. Era filho do Mal. Arouche
ESAO/CEAD/CAO – HISTÓRIA MILITAR I
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Redon e Taques, o fundador e 1º diretor da atual faculdade de Direito do
Largo do São Francisco em São Paulo, celeiro de presidentes da República
Velha. O trabalho de Diogo é modelar para a época. Possui aspectos degrande atualidade e a falta de obra idêntica na segunda campanha quase a
mergulhou nas profundezas nebulosas da Memória Militar do Brasil. No
espírito de seu trabalho percebe-se a influência de Camões (6). Atuou àsemelhança de um historiador de Estado-Maior, o mais tarde Visconde de
Taunay, integrando o Estado-Maior do Conde D’Eu na Campanha da
Cordilheira, ao final da Guerra da Tríplice Aliança contra o Paraguai. Estacircunstância está caracterizada nas seguintes obras de sua autoria:
- Diário do Exército. Rio de Janeiro: BIBLIEX, 1958;
- Memória do Visconde de Taunay. São Paulo: Melhoramentos, 1946(código 2620). Taunay conta em suas memórias haver o Marquêsde Caxias lamentado não ter encontrado ou providenciado, como oConde D’Eu, alguém que durante seu comando desempenhasse oencargo de historiador de seu Estado-Maior.
A nossa FEB na Itália teve como historiador de Estado-Maior o então Majorde Eng Antônio de Souza Júnior. Historiador militar que depois enriqueceria
a História do Exército Brasileiro, com relevantes trabalhos histórico-militares
de caráter didático. Foi instrutor de História Militar na ECEME. Finalmentefoi o diretor, no Rio de Janeiro, do projeto da História do Exército Brasileiro,
em 1972. Entre os trabalhos de nosso historiador de Estado-Maior citado
ficaram muito conhecidos:
- Caminho histórico de invasão. Rio de Janeiro: BIBLIEX, 1949;
- Do Recôncavo aos Guararapes. Rio de Janeiro: BIBLIEX, 1950.
2.9 Historiador do Exército Brasileiro:
O nosso Exército não tem quadro específico - A lacuna tem sido sanada por
seus integrantes da reserva e da ativa que revelam vocação e, sobretudo,amor a este tipo de atividade. Muitos, mesmo carentes de metodologia
específica, têm emprestado seu concurso nesta relevante tarefa. Para
constatar isto, basta consultar-se a bibliografia e hemerografia queapresentamos em local próprio. Veremos, com admiração, que chefes dos
mais altos escalões do Exército emprestaram seu valioso concurso ao
Capitulo 2 - História Mlitar ou da Doutrina Militar
39
desenvolvimento da História do Exército Brasileiro. A própria metodologia
da História do Exército Brasileiro, em bases científicas, foi sendo desenvolvida
ao custo de esforço próprio por muitos dos integrantes do Exército. Entremuitos registrem-se: O general Tasso Fragoso “O Pai da História do Exército”.
O marechal Castelo Branco, inexcedível na síntese histórico-militar brasileira,
a serviço da Doutrina do Exército. O general Paula Cidade, por sua visão daliteratura histórico-militar brasileira, fundamental para a posterior formulação
da teoria da História do Exército Brasileiro. O coronel Rego Monteiro, por
infra-estruturar, com abundantes, autênticos e fidedignos documentos, osestudos histórico-militares de nossas lutas no Sul. E finalmente, o coronel
Francisco Ruas Santos, por sua preocupação com o domínio de fontes,
com a produção de instrumentos de trabalho e a formulação da Teoria deHistória do Exército Brasileiro e tratamento científico do assunto, aspecto
que abordaremos oportunamente.
2.10 Quadro de historiadores do Exército:
Embora inexistindo um quadro de historiadores no Exército, os que têm se
aproximado deste conceito vinham ou vêm se desenvolvendo naespecialidade do seguinte modo: Oficialmente, através do exercício de
funções afins, no EME, na 5ª Seção – História e Geografia Militar, e após
Comissão de História do Exército Brasileiro. E mais, na cadeira de História eGeografia, da AMAN, desde 1953, privativa de oficiais com o curso de
Estado-Maior, que teve como primeiro instrutor QEMA o sempre lembrado
por seus alunos o então Major Otávio Tosta, pelo entusiasmo contagiantecom que transmitia o assunto. Afora estas oportunidades oficiais, passaram
estes historiadores militares a tratar da História do Exército como “hobby”.
Ou, auxiliar os colegas candidatos à ECEME, com aulas ou elaboração deapostilas específicas. Isto, particularmente, em cursos no Clube Militar.
Hoje a cadeira, na AMAN, não é mais privativa de oficial do QEMA. Penso
que esta solução não satisfará de futuro às necessidades do Exército. Pois,o muito que está feito é insignificante se comparado com o muito a fazer.
Isto, para que a História do Exército, como História da Doutrina do Exército
e História da Arte e da Ciência da Guerra do Exército, venha se transformarem instrumento efetivo de construção do Exército do futuro. O depois
general Álvaro Cardoso foi o introdutor do estudo crítico de História Militar
na AMAN.
ESAO/CEAD/CAO – HISTÓRIA MILITAR I
40
2.11 Historiador do Exército Brasileiro, Civil ou Militar:
Este é um ponto que tem sido muito discutido. A verdade é que até o
presente foram os militares da ativa e da reserva do Exército que cuidaramdo desenvolvimento da História do Exército Brasileiro. Mesmo a despeito
de carecerem de metodologia, conforme poderá ser constatado no
desenvolvimento do trabalho. Refiro-me à História Militar em seu duploaspecto profissional militar de história da Doutrina e da Arte e Ciência da
Guerra. E não nos demais, aos quais os historiadores civis têm emprestado
relevante contribuição (reconstituições, preservação e produção de fontes,etc.). José Honório Rodrigues, autoridade brasileira em pesquisa e teoria da
História do Brasil, assim viu o problema do historiador do Exército Brasileiro.
Concluiu, após analisar os trabalhos produzidos por militares, até a épocade sua análise da Historiografia Militar Brasileira: “De regra, o militar tem a
experiência necessária para o estudo técnico dos fatos militares, mas falha
pela falta de métodos de pesquisa, por não saber valorizar as fontes e pelo
desprezo da crítica. O historiador civil dispõe desses elementos essenciais,
mas não possui especialização própria do oficial, também indispensável
para a compreensão do fenômeno”. (O grifo é do autor). Donde se concluique o civil para ser historiador militar necessitaria de vivência profissional
militar. E esta, segundo Camões, no verso a seguir de Os Lusíadas, se é
difícil para o próprio militar, sê-lo-á sobremodo para o civil. Escreveu opoeta e soldado: “A disciplina militar prestante não se aprende, senhores
na fantasia...senão vendo, tratando e pelejando”. Para o militar ser historiador
do Exército, segundo conclui José Honório Rodrigues, deveria ser-lheministrado metodologia específica. Esta solução seria a linha de resistência
menor do que conferir ao historiador militar civil vivência profissional. Mas
volta e meia alguém sem vivência no assunto, mas com poder, insiste nestalinha inviável. Em 1972, o Estado-Maior do Exército, em convênio com o
Projeto Rondon, promoveu um curso de Pesquisadores de História das Forças
Terrestres Brasileiras que foi ministrado pela sua Comissão de História. Numaprimeira fase, ele visou preparar monitores para dirigirem a Operação Arquivos,
que se destinava a uma pregação nacional em prol da preservação dos
documentos existentes nos arquivos brasileiros. Numa segunda faseexperimentou habilitá-los para a execução de pesquisas históricas de interesse
do Exército. Freqüentaram o curso diversos biblioteconomistas e professores
de História. O rendimento da segunda fase foi baixo por carência total de
vivência militar. O entendimento dos problemas mais simples da Teoria da
Capitulo 2 - História Mlitar ou da Doutrina Militar
41
História das Forças Terrestres Brasileiras, editado pelo EME, provocou grandes
dúvidas. Por exemplo, o que significavam os termos cantil, bornal, mochila,
coturnos, baioneta e assim por diante. Os militares conhecedores de História,que freqüentaram o curso, tiveram maior rendimento. Particularmente, os
que conseguiram absorver fundamentos de biblioteconomia essenciais para
a condução de pesquisas em qualquer ramo de conhecimento. À luz dessaexperiência, parece-nos, de futuro, que a solução ideal seria: o historiador
civil com metodologia científica (por sinal muito semelhante à da produção
de informações), na qual muitos oficiais que cursaram a EsNI se adestraram,seria encarregado de reconstruir o fato histórico. Caberia ao historiador
militar do Exército a transformação desse material, segundo metodologia e
à luz dos conceitos de Arte e Ciência militar, em ensinamentos didáticos esubsídios para o desenvolvimento da Doutrina do Exército. Estes elementos
seriam a matéria-prima a ser utilizada pelos chefes, pensadores, planejadores,
instrutores e professores do Exército. Por enquanto existe um problema: osHistoriadores civis são poucos. Falta-lhes mercado de trabalho. E os poucos
existentes, raros são os que contribuem objetivamente com subsídios de
História do Exército. É fácil verificar o que afirmamos, ao analisar-se acrítica conjuntura da historiografia brasileira, obrigada, inclusive, a socorrer-
se de professores estrangeiros. E, mais, vem sendo escrita, em grande parte,
nas universidades do EUA, por falta de apoio editorial no Brasil. Enquantonão se modificar este quadro adverso, uma solução a considerar: manutenção
pelo Exército de um quadro mínimo de historiadores militares, com vocação
para o assunto. Historiadores capacitados, com metodologia científica, aoexercício periódico das funções de historiadores do Exército, ao longo de
sua carreira militar. Funções do EME, Centro de Documentação do Exército,
Colégios Militares, CPOR, EsPCEx, AMAN, EsAO e ECEME e, se possível,nos Grandes Comandos e Comandos Militares de Área. E não desprezar os
conhecimentos e experiência dos militares na Reserva ou Reformados da
AHIMTB e IGHMB. O historiador Militar do Exército não seria umaqualificação e sim especialização. Pelo mínimo um oficial por turma egressa
da AMAN. Assim, acreditamos, não sofreriam solução de continuidade as
atividades do Exército no campo da História, com metodologia científica,pois estaria infra-estruturada por pessoas capacitadas a atingir os seguintes
objetivos:
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(1) contribuir para o aperfeiçoamento dos quadros e tropa do Exército;
(2) contribuir para o desenvolvimento da doutrina das forças terrestresbrasileiras; e
(3) preservar e divulgar o Patrimônio Histórico-Cultural do Exército.
E para conquistar-se tão relevantes objetivos são necessários cérebros para
infra-estruturar as atividades de História no Exército. Acreditamos que a
improvisação e o empirismo demorarão a conquistá-los.
2.12 Sem historiadores não há História Militar:
É comum a afirmação: “Sem documentos não há História”. E poderíamosacrescentar: sem historiadores para explorar os documentos, não haverá
História. De nada adiantará política de ensino de História Militar e
apresentação de documentos sem que se disponha, em quantidade equalidade, de historiadores habilitados a explorá-los, com metodologia e
fins específicos. Sem historiadores militares capazes de reconstituir e
interpretar fatos históricos. E mais, sem prepará-los previamente paraaproveitamento por chefes, pensadores e planejadores militares, encontrarão
estes enormes dificuldades, em concluir e aproveitar subsídios da História
Militar. Terão, então, de substituir o historiador militar em suas tarefas. Ouseja, reunião, crítica e análise de fontes e, finalmente, reconstituição e
interpretação do fato. O resultado, além de improvisado, empírico e
distorcido, roubará precioso tempo de suas tarefas específicas. E isto nãoseria o desejável. Julgamos que nenhuma organização que deseje evoluir e
colher subsídios de sua experiência, para alicerçar o seu futuro, poderá
prescindir de seus historiadores. Portanto, penso que, em matéria deexploração de ensinamentos de História Militar, o historiador militar é o
agente principal do processo e, se não for formado, pelo menos um historiador
do Exército por cada turma egressa da AMAN, acreditamos que seráextremamente difícil ao Exército colocar a História de sua Doutrina ou de
sua Ciência da Arte da Guerra a serviço da construção de seu futuro. Este
problema parece mais grave hoje do que ao tempo do general Tasso Fragosoe outros chefes. Eles, para recuperar o tempo perdido, tiveram que acumular
as atribuições de chefes, pensadores, planejadores e historiadores do
Exército. Hoje, os que se dedicam a estas tarefas são em número insuficiente,conforme se poderá constatar ao longo do trabalho.
Capitulo 2 - História Mlitar ou da Doutrina Militar
43
2.13 Bibliografia sobre Arte e Ciência da Guerra:
Para o leitor interessado em se aproximar dos problemas relacionados com
a evolução e atualidade da Arte da Guerra, indicamos os seguintes trabalhospublicados no Brasil:
(1) De pensadores estrangeiros;
- FULLER, John F. C. A conduta da guerra. Trad. HermanBergqvist. Rio de Janeiro: BIBLIEX, 1976.
- SCHNEIDER, Fernand. História das doutrinas militares. SãoPaulo: DIFEL, 1975.
(2) De pensadores brasileiros:
ALVARES, Obino Lacerda. Estudos de estratégia. Rio de Janeiro:BIBLIEX, 1973. Este trabalho apontará outras fontes pertinentes.Como trabalho relativo à evolução da Ciência da Guerra, citem-seos seguintes do Cel V. Portella Ferreira Alves:
- Seis séculos de Artilharia. Rio de Janeiro: BIBLIEX, 1959.
- Os blindados através dos séculos. Rio de Janeiro: BIBLIEX, 1964.
No desenvolvimento do trabalho, sempre que oportuno, indicaremosoutras fontes. Reproduzimos, ao final do capítulo, importantedepoimento do Marechal Odylio Denys sobre a importância da HistóriaMilitar e da existência de historiadores militares do Exército (7).
Notas ao Capítulo 2
1. FERDINAND FOCH, marechal de França. Comandou durante a PrimeiraGuerra o 20º Corpo do II Exército e Grupo de Exércitos do Norte.Conduziu, como generalíssimo, as tropas aliadas à vitória na 1ª GuerraMundial. Viveu de 1851-1929.
2. TASSO FRAGOSO. A Batalha do Passo do Rosário. Rio de Janeiro:1922. Tasso Fragoso, no prefácio dessa obra, faz importante depoimentosobre as graves conseqüências da influência positivista na Escola Militarda Praia Vermelha, onde o ensino profissional foi descurado e nossaHistória Militar reinterpretada sob o enfoque filosófico positivista. Seuprefácio contém um permanente e atual ensinamento.
ESAO/CEAD/CAO – HISTÓRIA MILITAR I
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3. CARVALHO, Leitão de. Memórias de um Soldado Legalista. v. 1, p. 32-35. Encerra um grande ensinamento sob a forma de erros a seremevitados.
4. Fato relatado pelo general Octávio Aguiar de Medeiros, como Diretorda Escola Nacional de Informações, ex-adido militar em Israel.
5. BENTO, Cláudio; CHAVES, José Spangenberg. A História Militar noDesenvolvimento da Doutrina do Exército dos EUA. Cultura Militar,EME n. 221, 1972 (Tradução e comentário da AR 870-5 “Military History”- 1965, que regula no Exército dos EUA o problema de História Militar).
6. A memória citada foi publicada na RIHGB, ano 1839. Escolhemos ocapitão Diogo como nosso patrono no IHGSP. Em discurso de posse,nov. 1977, evocamos sua vida e obra. Provamos ser ele filho do TenGen Arouche de Toledo Rondon. Estudamos pai e filho na obraEstrangeiros e descendentes, p. 181-182, antes de provarmos a relaçãofamiliar entre ambos.
7. Trecho de carta do Marechal Odylio Denys ao autor, em 21 fev. 1978:
Por falta de historiadores; muitos são os grandes acontecimentosde todos os países que ficaram ignorados pela posteridade. Nãofora o Memorial de Santa Helena de Las Cases, Napoleão serialembrado de modo incompleto... As tradições orais se esbatemcom o tempo e até desaparecem. Taunay, na obra Retirada daLaguna, é um exemplo. Se lá não estivesse estado, ou nada tivesseescrito, ficaria desconhecida a abnegação e coragem daquelesbrasileiros, em luta contra um inimigo mais forte, num terrenoingrato e sem recursos. Caxias realçou o valor de Taunay aoencontrá-lo ao finaI da guerra, na rua Ouvidor, esquina com 1ºde Março, ao dizer lhe - Que falta o Sr me fez na guerra ! Se otivesse a meu lado quanta coisa teria ocasião de escrever ! ETaunay, que acompanhou o Conde D’Eu, deixou um relato daCampanha das Cordilheiras, com um realce que não tiveram asgrandes e decisivas operações da planície dos anos anteriores.
Mais tarde Taunay foi o orador oficial na cerimônia de sepultamentodo Duque de Caxias, interpretando o sentimento do Exército.
45
CAPÍTULO 3CAPÍTULO 3
Um Pouco da História do ExércitoBrasileiro
Incluímos como Exército Brasileiro todas as Forças Terrestres Brasileiras (FTB),
do Descobrimento à Independência, das quais ele é o herdeiro e repositório,seja das tradições, seja do patrimônio histórico-cultural, acumulado por
aquelas Forças.
3.1 História do Exército e a História de sua Arte e Ciência daGuerra
A História do Exército Brasileiro encerra o conceito de História da Arte eCiência da Guerra do Exército Brasileiro. E mais, o de História da Doutrina
do Exército Brasileiro. Esta entendida como os princípios pelos quais o
Exército, desde o Descobrimento até o presente, vem sendo organizado,equipado, instruído, desenvolvidas suas forças morais e empregado em lutas
internas e externas. A História do preparo do Exército ou das FTB
(organização, equipamento, instrução e desenvolvimento das forças morais),sem muito rigor, seria a História da Ciência da Guerra do Exército Brasileiro.
E ela é rica em soluções brasileiras – particularmente nos campos da
organização, instrução e forças morais; soluções fruto do pensamento militarcriador brasileiro, capazes de alicerçar o futuro do Exército. Já no campo do
equipamento, não se pode afirmar o mesmo, pois é o que mais evolui em
uma Doutrina Militar. Novos equipamentos introduzidos tornam obsoletosou ultrapassados os usados até então. Neste campo, compete a um Exército
atualizar-se, dentro das possibilidades do Poder Nacional, com o mais
moderno produzido pela Ciência Militar Mundial. A História do empregodas FTB ou do Exército, desde o Descobrimento, seria a História da Arte da
Guerra do Exército. E como Arte da Guerra, o conjunto de decisões táticas,
estratégicas e logísticas militares que contribuíram para a configuração e
ESAO/CEAD/CAO – HISTÓRIA MILITAR I
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manutenção de um Brasil de dimensões continentais. Decisões fruto da
judiciosa aplicação dos fundamentos da Arte da Guerra (Fatores da Decisão,
Princípios de Guerra, etc.), tudo no território nacional, para a solução deproblemas militares brasileiros. A Arte da Guerra do Exército Brasileiro,
estudada e pesquisada com objetividade, será valioso instrumento para a
construção do Exército do futuro. É comum considerar-se História do Exércitocomo coisa irrelevante, que nada poderá contribuir para seu futuro. E só,
com o seu aspecto de patrimônio histórico. Ou, com vestígios de lutas
passadas, em museus. Enfim, coisa do passado, cuja serventia futura seriao culto aos heróis, dos feitos e das tradições militares do Exército. Culto
por sua vez capaz de fortalecer o moral da Instituição, o que é relevante.
Esta ótica distorcida tem sido obstáculo para que a História do Exércitoseja vista em seu verdadeiro papel: História da Doutrina do Exército ou da
Arte e Ciência da Guerra do Exército. E mais, a de seu patrimônio cultural
profissional, acumulado em quase cinco séculos, desde o Descobrimento.Patrimônio que deve ser pesquisado e estudado objetivamente, em particular
no que ele encerra de Arte da Guerra do Exército. Estudo e pesquisa a
serem realizados por chefes, pensadores, planejadores e historiadores doExército. Pesquisa e estudo crítico, objetivam subsídios para a construção
do Exército do futuro. Ótica distorcida que tem, inclusive, afetado a imagem
profissional de militares que se têm dedicado à pesquisa e ao estudo críticoda História do Exército. Incompreendidos, são taxados de ratos de arquivo,
ou trânsfugas, que buscam refúgio no assunto para esconder sua
incompetência. Percebendo esta realidade outros iniciados desistem. Nãopersistem! O que é lamentável! Pois um exército é construído por chefes e
escritores. E assim o foi o Exército Brasileiro, de Canudos à FEB.
3.2 Utilização da História do Exército:
É valioso instrumento didático para a formação profissional do combatente
do Exército. É importante fonte tributária de subsídios para o desenvolvimentoda Doutrina do Exército. É ela que emprestará, progressivamente, por meio
de subsídios que fornece, a característica brasileira da Doutrina do Exército.
Característica sonhada e almejada pelas gerações passadas e atuais doExército. Característica que assume especial relevo para as gerações do
Exército do futuro e do Terceiro Milênio. A maior parte do conhecimento
do combatente brasileiro é adquirido pela instrução, estudo e leitura. Muitopouco, ele adquire pela experiência. E esta é adquirida por meio de manobras
Capitulo 3 - Um Pouco da História do Exército Brasileiro
47
freqüentes ou em ações de guerra. As primeiras são de alto custo, fator que
limita a freqüência e amplitude desejáveis. Guerras não temos tido desde
1945. Resta ao combatente do Exército, o estudo das experiênciascomprovadas no maior laboratório da Arte e da Ciência da Guerra - o Campo
de Batalha. Experiências de seu próprio Exército e dos demais exércitos do
mundo, no que for compatível. Experiências que lhe são transmitidas apóspesquisadas e estudadas por chefes, pensadores, planejadores e historiadores
do Exército. E é isto que os últimos têm feito, fazem e terão que fazer com
maior intensidade para a construção do Exército do futuro. E a História doExército servirá de valioso instrumento, particularmente para o chefe, o
pensador e o planejador da instituição como:
- Valiosa substituta da ausência de experiência pessoal;
- Fonte de dados empíricos, para deduzirem-se princípios oucaracterísticas;
- Fonte de dados comprovados, para viabilizar o planejamento, à luzdas realidades culturais e operacionais do Brasil;
- Elemento auxiliar para reduzir o espaço entre o desejável e arealidade;
- Elemento para o estudo das reações do fator de decisão do terrenobrasileiro, nas operações militares sobre ele realizadas em quasecinco séculos;
- Meio auxiliar na instrução do combatente, sob a forma de exploraçãode casos históricos brasileiros, pois o ajudará a melhor aprender efixar idéias abstratas, conceitos e fundamentos da Arte e Ciênciada Guerra do Exército Brasileiro. Principalmente, casos que indiquemsucessos e fracassos e apontem ensinamentos decorrentes;
- Valioso instrumento para o desenvolvimento das forças morais docombatente do Exército. Isto, através do culto e evocação dosheróis, feitos e tradições do Exército e da convicção, de que ele éinstrumento a serviço da conquista ou preservação dos ObjetivosNacionais Permanentes do Brasil (ONP);
- Fonte de exemplos edificantes de prática de virtudes militares, pormilitares do passado. Assunto de grande utilidade, face a invasãoque ora se percebe de novas escalas de valores, ou axiológícas,
ESAO/CEAD/CAO – HISTÓRIA MILITAR I
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relacionadas com o bem-estar e não com a felicidade. Esta, nocaso do militar, é a satisfação do dever bem cumprido e harmoniaentre seus interesses e os da Nacionalidade. Ou, entre seus objetivose os ONP; e
- Elemento precioso, se pesquisado e estudado à luz da Doutrina doExército ensinada nas escolas do Exército (AMAN, CPOR, EsAO,ECEME). Tudo com o objetivo de colher e fixar ensinamentos.Acredito seja esta a melhor maneira da História do Exército contribuirpara a formação de seus quadros e desenvolvimento de sua DoutrinaMilitar. Neste particular, a ECEME realizou com seus alunos, porvolta de 1960, valiosas pesquisas. Elas abrangeram, entre outrosassuntos: a Revolução de 1893; a Guerra do Contestado; a Revoluçãode 1924; a Revolução de 1932 e o Combatente Brasileiro na Itália.Encontram-se à disposição dos interessados: um exemplar na ECEMEe outro no C Doc Ex. São ricas em ensinamentos logísticos, sobreas características do combatente e do chefe brasileiro e reações doterreno brasileiro às operações militares. Este veio cuja exploraçãofoi iniciada pela ECEME, segundo orientação do EME, está muitolonge de esgotar-se. As fontes disponíveis para o estudo do restantedas experiências do nosso Exército, durante quase cinco séculos,em lutas internas e externas, já permitem explorações do ponto devista didático.
3.3 Convém aqui assinalar a importância da História doExército, conforme a Port 61-EME, de 07 Out 77:- como importante manancial de valores a considerar para orientar as
atividades do Exército, como instituição e como força operacional;
- como instrumento para o desenvolvimento do tirocínio docombatente do Exército;
- como o instrumento à disposição do chefe para evitar a repetiçãode erros passados em todos os níveis de comando;
- como meio auxiliar na instrução do Exército, pois permite aidentificação de conceitos e princípios básicos pouco mutáveis naArte da Guerra;
Capitulo 3 - Um Pouco da História do Exército Brasileiro
49
- como instrumento auxiliar do planejador militar brasileiro, naidentificação das características e peculiaridades do integrante doExército, como chefe e como combatente;
- como instrumento auxiliar na identificação das características epeculiaridades reveladas pelas OM e pelo Exército, ao longo doprocesso histórico do Brasil;
- como fonte de subsídios para o desenvolvimento da Doutrina Militardo Exército, ao levar em conta, em seu desenvolvimento progressivo,as características e peculiaridades reveladas ao longo do processohistórico do Brasil pelo homem, terra e instituições brasileiras,particularmente quanto a seus reflexos no Exército Brasileiro, comoinstituição e força operacional.
Neste particular assumem relevância os estudos da História do Exército
Brasileiro que permitam a análise, interpretação e, particularmente, sínteseshistóricas sobre aspectos relacionados com “chefia e liderança, características
do combatente terrestre brasileiro, com operações militares, com apoio
administrativo e com a evolução das OM”. Além destes, retirados da Portaria61- EME, 07 OUT 77 - Diretriz para as Atividades do Exército no Campo da
História -, poderíamos enumerar e detalhar múltiplas utilizações profissionais
da História do Exército.
3.4 Um pouco da história da História do Exército:
3.4.1 Introdução da cadeira de História Militar na Academia Real, em 1810:
O Príncipe Regente D. João, por Carta de Lei de 4 Dez 1810 e em nome daRainha D. Maria I, criou a Academia Real Militar, raiz da AMAN, por decreto
do Presidente Getúlio Vargas, mas historicamente tendo por raiz a Real
Academia de Artilharia Fortificação e Desenho, fundada na Casa do Trem,em 1792, pelo Vice-Rei Conde de Resende, no aniversário da Rainha D.
Maria I e sob a égide do Regente Príncipe D. João. Determinou quanto ao
estudo de História Militar:
Haverá um lente de História Militar que servirá de bibliotecário.No último ano lecionará História Militar de todos os povo e seusrespectivos progressos, na Arte e Ciência Militar. Dará idéia dosmaiores generais nacionais e estrangeiros e explicará os planosdas mais célebres batalhas, o que acabará de formar os alunos(1).
ESAO/CEAD/CAO – HISTÓRIA MILITAR I
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3.4.2 Os Patronos do Exército e a História Militar:
Em 1819, o Alferes Luiz Alves de Lima e Silva, atual Patrono do Exército
Brasileiro e maior general da História do Brasil, freqüentou a cadeira deHistória Militar daquela Academia. Desde então, o estudo da História Militar
foi constante na vida de Caxias. E mais, o acompanhamento da evolução
da Arte e da Ciência Militar Mundial e o estudo das campanhas de Napoleão,segundo o Marechal Castelo Branco, e as da Guerra de Secessão nos EUA,
segundo o Marechal Tristão de Araripe. Antes do transcurso da Guerra da
Tríplice Aliança, estudou atentamente o desenvolvimento da Guerra deSecessão dos EUA, com vistas a colher os ensinamentos que ela sugeria.
O Brigadeiro Antônio de Sampaio, atual Patrono de Infantaria, embora sem
formação acadêmica, foi surpreendido por Dionísio Cerqueira durante a
guerra da Tríplice Aliança, a estudar, em sua barraca, a vida e obra deNapoleão (2).
O general Osório, Patrono da Cavalaria, teve uma formação militar mais vivencial
em plena luta e na forma definida por Camões: “A disciplina militar prestantenão se aprende, senhores, na fantasia, [...] se não vendo, tratando e pelejando”.
Osório valorizava a História Militar. E a transmitiu, em parte, a seu filho –
Fernando Luiz Osório, ilustre historiador brasileiro que a registrou em sua obraHistória do General Osório. O neto do General Osório, Fernando Osório, seria
um destacado historiador militar e principalmente divulgador das glórias e
tradições militares brasileiras, particularmente por meio das obras - O Espíritodas Armas Brasileiras, Sangue e Alma do Rio Grande (4) e colaboração no 2º
volume, História do General Osório, iniciada por seu ilustre pai.
O Marechal Floriano e o estudo da Arte da Guerra Brasileira: Floriano Peixoto
foi dedicado profissional do Exército e destacado herói da Guerra de TrípliceAliança. Quando Presidente da República, preocupou-se com o
aproveitamento da experiência histórica. Encarregou o Cel Carlos Emílio
Jourdan (5), veterano da Guerra da Tríplice Aliança e construtor de algumasdas pontes sobre a Estrada do Chaco, como tenente engenheiro no comando
de uma das companhias do Batalhão de Pontoneiros do 22º Corpo de
Exército, de escrever a História das Campanhas do Uruguai, Mato Grosso,Rio Grande do Sul e a de 1866-70 (6). Esta História a ser ilustrada com
mapas é destinada, segundo diretriz do Marechal Floriano – “O Marechal de
Capitulo 3 - Um Pouco da História do Exército Brasileiro
51
Ferro” – a “desenvolver as aptidões dos alunos das nossas escolas militares
a criar e aperfeiçoar uma tática e uma estratégia apropriadas às condições
geográficas especiais do Brasil”. Jourdan não conseguiu editar toda a suaobra. Mas seu Atlas da Guerra do Paraguai (7) vem prestando, há mais de
um século, relevante serviço ao ensino da História Militar do Exército, em
relação à Guerra da Tríplice Aliança. Tasso Fragoso foi o encarregado decoordenar a publicação da obra de Jourdan. Revelou ser o seu autor predileto,
ao escrever sua monumental Guerra da Tríplice Aliança. Naquela ocasião,
acreditamos que tenha despertado para o valor da História e idealizado,então como oficial do Estado-Maior do Exército, escrever a História do
Serviço do Estado-Maior no Brasil. Tarefa que teve logo que abandonar,
com este desabafo na memória que leu para a Comissão de Reorganizaçãodo Exército, ou Reforma Militar (8): “Quase nada, para não dizer nada,
existe publicado entre nós sobre a História do Exército Brasileiro”.
3.4.3 A Reforma Militar valoriza a História do Exército:
Com o advento da Reforma Militar, a situação foi se modificando aos poucos.
Foi criada a Revista Militar no Estado-Maior do Exército (EME). Ela e o
Boletim Mensal do mesmo EME, passaram a publicar pesquisas sobre aHistória do Exército. A estas publicações vieram juntar-se os esforços da
Defesa Nacional e de publicações da BIBLIEX e a Nação Armada (1939-
1947) (9). Somente após 70 anos de acumulação de subsídios, tarefa realizadaparticularmente pela 5ª Seção de História e Geografia do EME, foi possível,
em 1972, consolidá-los na obra História do Exército Brasileiro, editada em 3
volumes pelo EME, sob a coordenação da Comissão da História do ExércitoBrasileiro (CHEB), comissão que sucedeu (até ser extinta em 1973) a 5ª
Seção de História e Geografia, existente desde a criação do EME, em 1899,
e extinta por volta de 1970. A maioria esmagadora destes trabalhos foiproduzida por historiadores da ativa e da reserva do Exército, inclusive
expressivo número de altos chefes do Exército. A presença de historiadores
civis instrumentados com metodologia científica em faculdades foiinsignificante ou mesmo não existiam. E o problema da História do Exército
Brasileiro, no atual estágio em que se encontra, foi resolvido pelos próprios
militares de modo empírico, intuitivo por alguns, e de modo científico poralguns poucos autodidatas. Entre os últimos, registre-se Tasso Fragoso,
considerado o “Pai da História do Exército Brasileiro”. Seus esforços, junto
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à Comissão encarregada da Reforma Militar do Exército, surtiram efeitos.
Posteriormente produziria dois clássicos de nossa História Militar: A Batalha
do Passo do Rosário e A Guerra da Tríplice Aliança contra o Paraguai. Emais o General Paula Cidade, autor de Síntese de Três Séculos de Literatura
Militar Brasileira e Lutas no Sul do Brasil com Espanhóis e Descendentes.
Genserico Vasconcellos com seus livros sobre História Militar Geral e doBrasil, abordando aspectos de Arte e Ciência de Guerra do Exército Brasileiro
na Guerra contra Oribe e Rosas (1851-52), marca o início da exploração da
História do Exército, com objetivos didáticos. Jonathas do Rego Monteiro,autor de Colônia do Sacramento e da Dominação Espanhola do Rio Grande
do Sul 1763 -77, modelar trabalho sobre nossas lutas no Sul (1630-1778),
também buscou aqueles objetivos.
3.4.4 Missão Militar Francesa (MMF) recomenda o estudo da História do
Exército:
Na falta de textos sobre a História do Exército Brasileiro – deficiênciaassinalada por Tasso Fragoso – no início da Reforma Militar, seus instrutores
foram forçados a ensinar Estratégia e Tática, ou Arte de Guerra, com apoio
na História Militar Geral. Mas, segundo o Cel Ruas Santos, os instrutoresda Missão Francesa insistiam com seus instruendos do Exército Brasileiro:
“Estudem a História Militar do Brasil e dela procurem tirar os ensinamentos
de Arte e Ciência da Guerra do Brasil que contribuirão para corporificar umaDoutrina Militar Brasileira”. O alerta da Missão Francesa virou modismo.
Vários foram os militares e particularmente chefes, que arregaçaram as
mangas e passaram a pesquisar e a publicar trabalhos sobre a História doExército. Socorreram-se de todas as fontes ao seu alcance e descobriram e
divulgaram novas, em quantidades apreciáveis. Houve então um surto cultural
geral e profissional que revelou diversos pensadores do Exército e forjou eprojetou destacados chefes. A este esforço juntaram-se vários historiadores
civis de todo o Brasil. Houve tempos em que a Biblioteca do Exército
(BIBLIEX) concentrou seu esforço a serviço da divulgação de pesquisassobre História Militar. Para confirmação, basta consultar o catálogo da
BIBLIEX. Outras editoras civis, como a Editora Globo no Rio Grande do Sul,
forte reduto de historiadores militares, prestaram valiosa e alentadadivulgação da História do Exército Brasileiro. A Coleção Brasiliana não ficou
atrás.
Capitulo 3 - Um Pouco da História do Exército Brasileiro
53
3.4.5 Descaso pela História do Exército na Escola Militar da Praia Vermelha:
Em 1922, Tasso Fragoso editou sua obra de estréia como historiador - A
Batalha do Passo do Rosário. No prefácio procurou responder a seguintepergunta: “Por que seria a História do Exército Brasileiro tão descurada na
Escola da Praia Vermelha ?” Isto, após depor com a autoridade de um
oficial general e como um dos maiores expoentes da classe, fato reconhecidopor seus pares e sociedade civil:
Logo aos primeiros passos de minha vida como oficial do ExércitoBrasileiro, senti com mágoa, a deficiência de minha preparaçãohistórica. Reconheci a falta ao conhecimento dos fastos da Pátria.Mas, sobretudo, os seus feitos militares. Foi no estrangeiro que aconstatação desta verdade me compungiu a alma de brasileiro.Pois, assim como a ausência aumenta a amizade, o peregrinarem terra alheia exalta o patriotismo.
Tasso Fragoso encontrou a seguinte resposta à sua pergunta:
Talvez se possa explicar tão surpreendente contraste. Nos anosanteriores ao advento de República havia se arraigado no espíritode muitos, a falsa idéia de que a democracia verdadeira e afraternidade real entre os povos, deviam fundamentar-se noesquecimento e até na maldição de certos fatos do passado. Daío estado de alma da geração militar a que pertenci e do meio quepreparava. Neste ambiente havia um temor de falar em guerrasna presença dos moços. Estes não tinham para com os veteranosda Guerra do Paraguai, que desfilavam diante daqueles quebradospela velhice e com fardas rebrilhantes de condecorações, orespeito e a estima que mereciam, como dignos e leais servidoresda Pátria comum.
Esta atitude equivaleria hoje, da parte dos cadetes da AMAN, por exemplo,a um menosprezo e um deboche para com nossos heróis da FEB, atitude
impossível de ocorrer. Mas, caso acontecesse, seria considerado absurdo,
sem precedentes. Este período vem sendo revisto do ponto de vista de suanegativa influência no Exército, influência traduzida na prática por sua
doutrina Militar na Guerra de Canudos e Guerra civil 1983-95 na Região
Sul. Conclui-se de Tasso Fragoso, do Marechal Estevão de Carvalho (10) edo General Moacir Lopes de Rezende, na obra História da AMAN, e Edmundo
do Campos Coelho, na obra Em busca de Identidade – o Exército Política
na Sociedade Brasileira, que, durante o período imediatamente anterior eposterior à Proclamação da República, vingou sob a forma de idéias na
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Escola Militar da Praia Vermelha e do ponto de vista profissional militar,
mais joio do que trigo. O general Raul Silveira de Mello se refere a este
assunto (11). Roberto Piragibe da Fonseca em Dois Estudos Militares – Rio,1974, aborda o problema. Acreditamos que uma revisão histórica deste
período no Exército irá fornecer-lhe preciosos ensinamentos na forma de
erros a serem evitados em seu futuro como instituição, bem como os malesdecorrentes como força operacional, dos quais a Campanha de Canudos e
a revolta da vacina obrigatória, em novembro de 1904, nas escolas militares
da Praia Vermelha e do Realengo, são exemplos de triste lembrança. Oúltimo, obrigando a suspensão do funcionamento das duas escolas e extinção
de ambas por decreto nº 5.698, de 02 Out 1905. A Escola Militar da Praia
Vermelha foi abandonada para sempre. No mesmo local, em 1935, terialugar a Intentona Comunista. Alguns analistas atribuem a estes males reflexos
negativos da doutrina positivista no Exército. Ou, no mínimo, má
interpretação de seus Princípios por muitos de seus seguidores. A cadeirade História Militar, embora curricular na Escola Militar da Praia Vermelha,
passou por completo desprestígio, é conhecida como rememoração dos
crimes contra a Humanidade e ensino de más lições para os jovens. Daí,interpretarmos, originar-se a deficiência da preparação histórica confirmada
por Tasso Fragoso. Para outros analistas, estas circunstâncias adversas para
a História do Exército Brasileiro e para o culto de suas tradições incorporaram-se ao inconsciente coletivo de parcela de seus membros. E assim, viria
sendo inconscientemente transmitida de geração a geração. Daí resultaria o
conceito da História do Exército como “balela” ou cultura inútil; coisas paravelhos e saudosistas e não a História da Doutrina e da Ciência e da Arte da
Guerra do Exército, conforme era o espírito da Port 61-EME-1977.
Estou certo de que nossa História Militar de quase 5 séculos, se bemexplorada, será fator importante na formulação de uma Doutrina Militar do
Exército Brasileiro do futuro. E não se iludam! Muito tem de ser feito neste
sentido. E a Port 61-EME citada responde a esta necessidade, ao considerartodo o pessoal e OM, participantes das atividades do Exército no campo da
História. Esperamos, assim, que seja recuperado o tempo perdido.
Capitulo 3 - Um Pouco da História do Exército Brasileiro
55
3.4.6 Dois pensadores militares do Exército:
Na década de 30 começam a emergir no seio do Exército dois brilhantes
pensadores militares brasileiros. Suas obras possuem grande atualidade dentrodo ideal de formulação de uma Doutrina Militar do Exército, progressivamente
apoiada em subsídios colhidos da História do Exército Brasileiro,
particularmente no que elas encerram de Arte e Ciência da Guerra do Brasil.Foram o coronel João Batista Magalhães e o Marechal Carlos de Alencar
Castelo Branco. O primeiro é autor de alentada obra específica, na qual se
destaca A Evolução Militar do Brasil (12). Era muito admirado e respeitadointelectualmente por Castelo Branco. Este seria mais tarde o oficial de
operações do Brasil na FEB. Foi igualmente comandante da ECEME e Chefe
do EME. Segundo o Coronel Ruas Santos, que organizou para a ECEME,em 1960, junto com o major Maia Pedrosa, a obra - O Marechal Castelo
Branco, seu Pensamento Militar: “Ninguém excedeu o Marechal Castelo
Branco no aproveitamento de subsídios doutrinários, sugeridos pela HistóriaMilitar do Brasil”. E a constatação é simples. Basta ler-se na obra citada, na
parte VI, “O Marechal Castelo Branco e a História Militar do Brasil”. Veremos
que usou a História do Exército Brasileiro como valioso instrumento didáticopara auxiliar a formação dos oficiais do Exército de sua geração. Foi brilhante
na captação de idéias focais ou aspectos essenciais de um assunto histórico-
militar brasileiro. De igual forma, na formulação da síntese históricaconseqüente. E mais, no aproveitamento doutrinário da síntese, para si,
como chefe, e para seus instruendos. Seus planejamentos de defesa do
Nordeste, como comandante do IV Exército, eram precedidos de umapesquisa e interpretação histórica, à luz das lutas internas e externas ocorridas
na área desde o Descobrimento. E mais, justificados com apoio nos
ensinamentos doutrinários colhidos naquelas lutas.
3.4.7 Alguns estudos de História do Exército de Castelo Branco:
As pesquisas a seguir, são modelares para o chefe, o pensador, o planejador
e historiador do Exército, do presente e do futuro, colocarem a História do
Exército, em seus aspectos de História da Doutrina e de História da Ciênciae da Arte da Guerra do Exército, a serviço de sua construção futura:
- A Guerra Holandesa (1624-1654);
- A Manobra da Santa Luzia - 1842;
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- A Campanha de 1851-1852;
- A Organização do Comando na Guerra da Tríplice Aliança contra oParaguai;
- Aspectos da Guerra da Tríplice Aliança contra o Paraguai;
- O Alto Comando Aliado na Guerra entre a Tríplice Aliança e oParaguai;
- O Problema Humano da FEB;
- Participação do Brasil na II Grande Guerra;
- Reflexões sobre as Forças Morais no Combate e sua relação com aFEB; e
- Grandes Chefes Militares Brasileiros (Caxias, Sampaio, Osório) (13).
3.4.8 O Marechal Castelo Branco e o Patrimônio Histórico do Exército:
Em nosso trabalho, As Batalhas dos Guararapes (14), evidenciamos a
preocupação e veneração do Marechal Castelo Branco pela preservação dopatrimônio histórico-militar do Brasil representado pelos Montes Guararapes,
desde 1971 transformados em Parque Histórico Nacional dos Guararapes,
pelo Presidente Médici. Trabalho que tivemos a honra cívica de coordenar oplanejamento, construção e inauguração, por designação do General Ex
Arthur Duarte Candal da Fonseca, confirmada por seu sucessor, General Ex
João Bina Machado, comandante do IV Exército. Obra concretizada emtempo recorde, com o apoio das autoridades pernambucanas e interesse
pessoal do Presidente Emílio Garrastazú Médici e dos Generais Orlando
Geisel, então Ministro do Exército, e Alfredo Souto Malan, então na chefiado EME. Este, como comandante do IV Exército, já havia desenvolvido
esforços neste sentido (15). Ao estímulo e apoio dessas três autoridades,
muito deve o Exército à edição da História do Exército Brasileiro em 3volumes, em 1972, antiga aspiração dos integrantes da Instituição. O então
Tenente Coronel Castelo Branco, antes de partir para a Itália esteve em
Guararapes. Lá assistiu à transladação para sua igreja dos restos mortais deFernandes Vieira Vidal de Negreiros. Foi ele, junto com outros febianos,
buscar inspiração para a luta na Itália. No retorno vitorioso da FEB da Itália,
foi a Guararapes, junto com seu comandante, o então general Mascarenhasde Morais, e com outros febianos. Lá depositaram os louros conquistados
pelo Exército Brasileiro nos campos da Itália. Naquele local, em 28 de abril
Capitulo 3 - Um Pouco da História do Exército Brasileiro
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de 1970, o general Arthur Duarte Candal da Fonseca inaugurou o monumento
mandado construir pelo prefeito do Recife Dr Geraldo Magalhães. Constaram
em placa as palavras, proferidas pelo comandante da FEB, ao depositar oslouros colhidos pelo Exército nos campos de Itália, nos Montes Guararapes,
local onde despertou o espírito do Exército Brasileiro. Como comandante
do IV Exército, o general Castelo Branco visitava com freqüência os MontesGuararapes. Ali ministrava aulas sobre as batalhas a seus acompanhantes.
Invadida a área por mocambos, tomou providências enérgicas para que
refluíssem para outros locais. Em 15 de novembro de 1965, como Presidenteda República, e por Dec 57 272, desapropriou a área dos Montes Guararapes.
Em 17 de outubro de 1960, como um dos últimos atos de seu governo,
para tornar a desapropriação irreversível, mandou executá-la com rapidez,antes mesmo da finalização do processo.
3.4.9 Instituto de Geografia e História Militar do Brasil:
Em 07 de novembro de 1936, foi fundado o Instituto de Geografia e HistóriaMilitar do Brasil (IGHMB), entidade que tem congregado em seu quadro social
as maiores expressões das nossas Forças Armadas em História e Geografia
Militar do Brasil e alguns historiadores civis, particularmente residentes no Riode Janeiro (16). Por Dec. Nº 27 512, de 28 de novembro de 1949, do Presidente
da República, Marechal Eurico Gaspar Dutra, foi considerado órgão consultivo
oficial em assuntos de História e Geografia Militar. Sua contribuição à elaboraçãoda História do Exército Brasileiro foi assinalada, por meio de colaborações dos
membros que o integram. Em seu cinqüentenário em 1987, comemorado na
Escola de Saúde, foi orador um dos seus idealizadores e fundadores, e o únicosobrevivente hoje, o Gen Severino Sombra. Organizamos então como seu
bibliotecário e com o apoio do AHEx que dirigíamos e da FHE-POUPEX, o seu
Arquivo de Sócios, da Revista e de importantes instrumentos de História Militardas Forças Armadas do Brasil. A cada patrono de cadeira e sócio efetivo ou
correspondente foi destinada uma ou mais caixas e nelas depositadas obras,
currículos e outros elementos correspondentes a cada sócio, balizadores desua vida e obra cultural. Posteriormente foi registrado em livro manuscrito o
conteúdo de cada caixa para facilitar pesquisas de seus conteúdos. Na Revista
foi preservada uma coleção com o índice que o AHEx elaborou. Em datarecente foi transferido para a Casa de Deodoro, depois de funcionar largo
período no 12ª andar do Palácio Duque de Caxias. Para dinamizar suas pesquisas,
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sugerimos em 1991, e a Assembléia aprovou, o Núcleo de Pesquisas de História
Militar (NEPHIM) que coordenamos em sua fase inicial e com vistas a dinamizá-
lo com comunicações solicitadas aos sócios ou por iniciativa dos mesmos eparticipação de correspondentes; idéia adaptada da Comissão de Pesquisas
Históricas do IHGB (CEPHAS), que impulsionou a pesquisa e o debate histórico
em concorridas sessões às quartas-feiras à tarde. Como a maioria das instituiçõeshistóricas, em razão de seu alto custo estava proibitiva a edição de sua revista
RIHGMB sem o apoio de quem tem o poder e dever de Estado ou Social de
fazê-lo. As revistas publicadas são ricas em valiosas pesquisas. Providenciamosa microfilmagem das mesmas, cujos microfilmes foram enviados para o arquivo
de Segurança em Brasília. Presidiram o Instituto diversas personalidades,
cumprindo destacar o Gen Prof. Jonas Morais Correia Neto, que o presidiusuperiormente por cerca de 12 anos.
3.4.10 Academia de História Militar Terrestre do Brasil:
A Academia de História Militar Terrestre do Brasil (AHIMTB) foi fundada emResende em 1º março 1996, aniversário do término da Guerra do Paraguai e
do início do ensino militar na AMAN. Destina-se a desenvolver a História das
Forças Terrestres do Brasil: Exército, Fuzileiros Navais, Infantaria daAeronáutica, Forças Auxiliares e outras forças que as antecederam desde o
Descobrimento. A novel entidade de amplitude nacional tem, como patrono,
o Duque de Caxias e, como patronos de cadeiras, historiadores militaresterrestres assinalados, por vezes, também ilustres chefes militares, como os
marechais José Pessoa, Leitão de Carvalho, Tasso Fragoso, Mascarenhas de
Moraes e Castelo Branco. Figuram, como patronos, os civis Barão do RioBranco e Pedro Calmon, pelas contribuições assinaladas à História Militar
Terrestre do Brasil. A novel entidade tem, como 1º presidente de honra
empossado, o Exmo Sr Gen Ex Zenildo de Lucena – Ministro do Exército,grande estimulador da idéia. Entre os fatores da escolha de Resende, ressaltam
ser a AMAN a maior consumidora de assuntos de História Militar, que ministra
a seus cadetes nos 2º, 3º e 4º anos, por meio de sua cadeira de HistóriaMilitar, o único núcleo contínuo e dinâmico de estudo e ensino de História
Militar no Brasil. A Diretoria da AHIMTB foi assim constituída: Presidente:
Cel Cláudio Moreira Bento; Vice-presidente: Cel Arivaldo Stiveira Fontes;Conselho Fiscal: Gen Ex Luiz Pires Ururay Neto e os Cel Geraldo Levasseur
França e Flávio Arruda Alves. A primeira posse como acadêmico foi a do Gen
Capitulo 3 - Um Pouco da História do Exército Brasileiro
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Carlos de Meira Mattos, na cadeira Marechal João Batista Mascarenhas de
Moraes, e a quem muito se deve a preservação da Memória da Força
Expedicionária Brasileira. A segunda posse como acadêmico foi a do GenPlínio Pitaluga, na cadeira Gen Raul Silveira de Mello. A Academia participou
ativamente do 13º Simpósio de História do Vale do Paraíba, tendo por tema
central A História Militar do Vale do Paraíba, que foi realizado no período de3 a 5 de julho 1996, nas Faculdades D. Bosco, AMAN e Centro de Recuperação
de Itatiaia e, também, de 23 a 25 de setembro 1997 em um Seminário
Comemorativo da Guerra de Canudos na Câmara Federal e, em 25 de setembrona Globo News, sobre o mesmo tema e defendendo a participação das Forças
Terrestres no Trágico Episódio que, via de regra, vinha sendo deturpada quando
em realidade a responsabilidade moral e política foi da Sociedade Civil daépoca que ordenou a destruição de Canudos. A Academia possui como órgão
de divulgação o jornal O GUARARAPES – que é dirigido a especialistas e a
autoridades com responsabilidade de Estado pelo desenvolvimento desteassunto de importância estratégica, por ser gerador da perspectiva e identidade
históricas das Forças Terrestres do Brasil e, principalmente, do desenvolvimento
de suas doutrinas militares – desenvolve seu trabalho em duas dimensões: 1- A clássica, como instrumento de aprendizagem em Arte Militar, com vistas
ao melhor desempenho constitucional das Forças Terrestres, com apoio em
suas experiências passadas etc. 2 - A outra, com vistas a isolar os mecanismosgeradores de confrontos bélicos externos e internos para, se colocados à
disposição das lideranças civis, evitarem futuros confrontos bélicos com todo
o seu rosário de graves conseqüências para a Sociedade Civil Brasileira. 1 –Tentar evitar conflitos. 2 – Se ele for inevitável conduzi-lo da melhor maneira
possível! A Academia se propõe a dar especial atenção à Juventude Militar
masculina e feminina vinculada às Forças Terrestres Brasileiras, com vistas apromover o encontro dela com as velhas gerações e as atuais de historiadores
militares terrestres e soldados terrestres e, além disso, tentar despertar, no
turbilhão da hora presente, prestes a ingressar-se no insondável 3º milênio,novas gerações de historiadores militares terrestres, especialidade hoje em
vias de extinção por falta de apoio e, sobretudo, estímulo e editorial. Constatar
é obra de simples raciocínio e verificação. É assunto que merece, salvo melhorjuízo, séria reflexão de parte de lideranças das Forças Terrestres com
responsabilidade funcional de desenvolver a identidade e a perspectiva
históricas das mesmas e, além, das suas doutrinas militares expressivamentenacionalizadas calcadas na criatividade de seus quadros e em suas experiências
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históricas bem-sucedidas. A AHIMTB foi pioneira em Home Page. No
desempenho de sua proposta, ela vem realizando sessões solenes junto à
juventude militar terrestre brasileira, a par de posses de novos acadêmicos doExército, Fuzileiros Navais, Infantaria da Aeronáutica e Polícias Militares, que
vem progressivamente mobilizando e integrando em sua cruzada cultural. Ela
não é uma dissidência do IGHMB e sim um reforço no tocante à HistóriaMilitar Terrestre do Brasil e já consagrou, como patronos, diversos sócios
falecidos do IGHMB e possui, como acadêmicos, diversos membros do IGHMB,
oriundos do Exército. Uma proposta que depende do apoio e prestígio daslideranças das FTB sem o que seu futuro é incerto. O historiador detém o
saber e o chefe militar o poder. E deste consórcio dependerá o êxito da
AHIMTB como hoje é um sucesso a Academia Brasileira de Letras, onde sãoraros os militares lá aceitos ao longo de sua história. Daí a necessidade de
uma Academia de História Militar Terrestre. Um Exército é construído por
chefes e livros de seus escritores, da mesma forma que alguém afirmou que oBrasil é construído por homens e livros. Pois, o sabre e o livro são irmãos!
3.4.11 O pesquisador Ruas Santos:
Dos quadros de nossa FEB despontou um dos mais profícuos e produtivoshistoriadores do Exército - o Cel Inf Francisco Ruas Santos. Preocupado
com a filosofia, teoria e instrumentos de trabalho da História do Exército,
realizou importantes ensaios. Entre eles, registre-se a elaboração dos índicesde todas as nossas revistas militares até 1957 (18). Preocupou-se igualmente
com o relacionamento de fontes bibliográficas e hemerográficas relativas à
FEB, difundidas pela BIBLIEX (19). Durante 20 anos, como “hobby”, ou noexercício de funções ligadas à História, seja na AMAN, seja na 5ª Sec
(História e Geografia) - EME, e finalmente, na Comissão de História do
Exército Brasileiro, pesquisou intensamente a História do Exército. Oresultado foi o ensaio da Teoria do Exército. Teoria produzida,
particularmente, na parte de “Lutas Internas e Externas”, de nossas FTB,
desde o Descobrimento. Acreditamos que poucos são os exércitos quedispõem de uma Teoria de História como o nosso. Vestígios de seu intenso
labor neste sentido são os arquivos que deixou na Seção de História da
AMAN e no C Doc Ex, em Brasília. Em local próprio voltaremos ao assunto.Em 1971, o EME recorreu aos seus conhecimentos e experiências para
integrar a Comissão de História do Exército - EME (CM),.comissão que teve
Capitulo 3 - Um Pouco da História do Exército Brasileiro
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a seu cargo o planejamento, coordenação e elaboração da História do
Exército Brasileiro – perfil militar de um povo, obra editada, em 1972, sob
os auspícios do EME, como parte dos festejos do sesquicentenário daIndependência. E mais, o encaminhamento de problemas relativos à História
Científica do Exército, nos seus aspectos de História da Doutrina do Exército
ou da Arte e da Ciência da Guerra do Exército Brasileiro. História Científica,visando a extrair subsídios didáticos e doutrinários, do patrimônio cultural
das FTB, acumulado em quase cinco séculos, desde o Descobrimento.
Objetivo: colocá-los a serviço da construção do Exército do futuro (20). OCel Ruas Santos coordenou a 2ª edição da História da Guerra da Tríplice
Aliança contra o Paraguai, de Tasso Fragoso. Organizou índices que a
valorizaram, sobremodo, como instrumento de trabalho.
3.4.12 Chefes do Exército que têm estudado e pesquisado a História do
Exército Brasileiro:
Ao tratar-se da História do Exército Brasileiro, conclui-se que altos chefesdo Exército dedicaram boas horas de seu lazer para estudá-la e pesquisá-la
criticamente. E mais, a divulgar suas conclusões. O Duque de Caxias, em
1857, produziu o primeiro estudo crítico sobre a Batalha do Passo do Rosário.Suas conclusões, solicitadas pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro,
foram publicadas pela revista da Instituição do mesmo ano (21), e a
divulgamos em A Defesa Nacional Nº 777 Jul/Set 1997. Produziram edivulgaram trabalhos de interesse da História do Exército os seguintes
Ministros da Guerra e após do Exército:
- Jerônimo Francisco Coelho (1844-50 e 1857-8);
- Luiz Alves de Lima e Silva (1855-7, 1861, 1875 e 1876-8);
- Francisco Inácio Marcondes Homem de Mello (1881);
- Dionísio Evangelista Cerqueira (1896);
- João Nepomuceno Medeiros Mallet (1898-1902) (22);
- Hermes Rodrigues da Fonseca (1906-9);
- José Bernardino Bormann (1909-10) (23);
- João Pandiá Calógeras (1919-22);
- Emídio Dantas Barreto (1910-1);
- José Caetano de Faria (1914-8);
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- Fernando Setembrino de Carvalho (1922-6);
- Pedro Aurélio de Goes Monteiro (24);
- Odylio Denys; e
- Aurélio Lyra Tavares (25).
3.4.13 Chefes do Estado-Maior e oficiais-generais que têm pesquisado
criticamente e publicado trabalhos sobre História do Exército (relação parcial):
Augusto Tasso Fragoso, Alfredo Malan d’Angrone, Humberto Castelo Branco,Antônio Carlos da Silva Muricy, Alfredo Souto Malan. Como oficiais-generais
alinhem-se entre muitos J. B. Mascarenhas de Morais, Estevão de Carvalho,
José Pessoa, Antonio Leôncio Ferraz, Severino Sombra, Altamirano NunesPereira, Raphael Danton Garrastazu Teixeira, Francisco José Pinto, Raul
Bandeira de Mello, João Borges Fortes, Moreira Guimarães, Souza Docca,
Virgílio de Primo, Manoel Liberato Bittencourt, Jonas Morais Correia, J. F.de Lima Mindello, José Lima Figueiredo, P. Cordolino F. Azevedo, Paulo
Cidade, Arnaldo Damasceno Vieira, João Batista de Mattos, João Manuel
Borges Fortes, Afonso do Carvalho, Onofre Muniz de Lima, Paranhos Antunes,Inácio José Veríssimo, A. F. Correia Lima, Cavalcanti Proença, Carlos Sudá
Andrade, José Felício de Lima, João de Melo Moraes, Tristão Alencar Araripe,
Djalma Poly Coelho, Valentím Benício, Walter Santos Meyer, Meira Mattos,Frederico Rondon, Adalardo Fialho, Ayrton Freitas, Joaquim Rondon, Otávio
Castro, Omar Chaves, Humberto Peregrino, Lauro Alves Pinto, Adailton
Pirassununga, Ferdinando de Carvalho, Salim de Miranda Amyr Borges Fortes,Waldemiro Pimentel, Edmundo Macedo Soares, Otávio Costa, Raul Silveira
de Mello, Antonio de Souza Junior, Silveira Prado, J. Campos de Aragão,
Azevedo Pondé, Aguinaldo Senna Campos. Langleberto Soares, Figueiredode Lobo, Riograndino Costa e Silva, irmãos Andrada Serpa, além de outros.
Esta relação está longe de estar completa. Serve apenas como uma
amostragem da preocupação de chefes do Exército, com a preservação daMemória Militar Terrestre Brasileira. Ela foi retirada da Bibliografia da REB e
da RIGHMB. Temos conhecimento de muitos chefes do Exército que têm
estudado com especial interesse a História Militar Mundial e a do ExércitoHistória Militar Mundial e a do Exército Brasileiro, sem no entanto divulgarem
suas conclusões, mas sim, incorporarem à Doutrina do Exército os
ensinamentos colhidos (26). Muitos chefes do Exército, ao passarem para areserva, têm encontrado na pesquisa e na divulgação da História do Exército
Capitulo 3 - Um Pouco da História do Exército Brasileiro
63
Brasileiro um lenitivo. E mais uma forma de continuar prestando serviço ao
Exército e ao Brasil. Alguns denominam esta atividade como “ócio com
dignidade”. E muito tem se beneficiado e enriquecido a História do Exércitocom estas contribuições.
Notas ao Capítulo 3
1. Carta de Lei, de 07 de dezembro de 1810, publicação da AMAN.
2. CERQUEIRA, Reminiscências da... 4. ed. Rio de Janeiro: BIBLIEX, 1958.
3. Fernando Luiz Osório, Fernando Osório e Fernando Luiz Osóriodedicaram-se à História Militar. Ou sejam, pai, fi lho e neto,respectivamente, filho, neto e bisneto do general Osório.
4. OSÓRIO, Fernando. Sangue e Alma do Rio Grande. Porto Alegre: 1934.(Relaciona as obras do autor p.8).
5. BENTO, Cláudio Moreira. Fortificação e Fortificadores do RGS. RevistaEngenharia no RGS – Os Primeiros Pontoneiros do Exército Brasileiro.In: Anais do 1º Simpósio de História da Imigração e Colonização doRGS. São Leopoldo, Ed Rotermund, 1974, p. 333-354.
6. Vide JOURDAN, Emílio. In: BARRETO. Bibliografia sul-rio grandense.
7. Idem nota anterior.
8. BENTO, Cláudio Moreira. Discurso de posse na Academia Brasileira deHistória, 07 Out 76, em São Paulo, tendo como patrono o generalTasso Fragoso.
9. Ver RUAS SANTOS. Coleção Bibliográfica Militar. Índice de assuntos eautores.
10. Vide sua obra Memórias de um Soldado Legalista.
11. Letras em Marcha. Fev 1978,
12. Vide bibliografia parcial na EB, p. e 1105 – v. 3, e seu retrato projeçãode sua obra, P.1072. Acaba de ser reeditada pela BIBLIEX sua obrasobre o General Osório. J.B. Magalhães tirou curso militar na França.
13. Vide obra O Marechal Castelo Branco seu Pensamento Militar. Rio:ECEME.
ESAO/CEAD/CAO – HISTÓRIA MILITAR I
64
14. O Presidente Castelo Branco e os Montes Guararapes. In: op. cit. nota5 p. 21-22.
15. BENTO, Cláudio Moreira. Parque Histórico Nacional dos Guararapes.In: A Grande Festa dos Lanceiros. Recife: UFPE, 1571, p. 53-55.
16. Vide relação de sócios e patronos do IHGMB era sua revista RIHGMB,v. 15, 1975, p. 2-18, bem como o Decreto de sua criação.
17. Carta ao autor, de 09 Fev 78, abordando problemas relacionados coma necessidade de dinamização do IGHIG (Reformas de estatutos,necessidades de apoio oficial, etc.). Carta idêntica dirigida ao Ten-CelFernando Maia Pedrosa.
18. RUAS SANTOS. Bibliografia Militar. Índices da Defesa Nacional (DN) eRevista Militar Brasileira (RMB) até 1957, com um exemplar no C DocEx.
19. RUAS SANTOS. Fontes para a História da FEB. Rio de Janeiro: BIBLIEX,1958.
20. Vide no C Doc Ex. Documento relativo à História da CHEB (Criação,missões, extinção).
21. RIHGB - 1957 - CAXIAS interpretou a Batalha do Passo do Rosário como apoio em testemunhos que colheu de oficiais brasileiros, orientais eargentinos durante a Revolução Farroupilha e a Guerra contra Oribe eRosas.
22. Trabalho a pedido do Dr Fernando Luiz, Osório, filho do general Osório,sobre a Devassa e sobre a entrega da Vila do Rio Grande, em 1763, aosespanhóis.
23. BENTO, Cláudio Moreira. Estrangeiros e Descendentes...
24. Um grande estudioso de História Militar.
25. Desde major vem produzindo importantes trabalhos sobre a História doExército, particularmente sobre a Engenharia Militar. Foi membro daJunta Militar que substituiu o Presidente Costa e Silva. É membro daAcademia Brasileira de Letras.
26. Foi o Mal Hermes da Fonseca um estudioso da História da DoutrinaMilitar Geral e a da Doutrina do Exército, com vistas a desenvolvê-la àaltura do Brasil da época.
65
CAPÍTULO 4CAPÍTULO 4
Fundamentos para a Pesquisa e oEstudo Crítico da História Militar
4.1 História como instrumento da edificação do futuro de umExército:
Não basta a simples leitura de fatos históricos militares, para deles colhersubsídios que contribuam para alicerçar o progresso de uma força armada
considerada, em sua instrução e doutrina (1). É impositivo que a leitura e a
pesquisa sejam feitas à luz de elementos de crítica. Elementos que, emprincípio, informam a Doutrina Militar do Exército, ministrada nas seguintes
escolas: AMAN, EsAO, ECEME e inclusive na ESG. Estas escolas, pois,ensinam os elementos de crítica à luz dos quais a História do Exército deve
ser pesquisada e estudada. O presente capítulo abordará os principais
elementos de crítica (2).
4.2 Fundamento Filosófico: Brasil, país sob Deus:
O Brasil é tradicionalmente cristão e democrático. Esta tradição encontra-se
consagrada nas primeiras palavras ou preâmbulo da Constituição Federal:“O Congresso Nacional, invocando a proteção de Deus, decreta e promulga
o seguinte”. Segundo Pontes de Miranda, a crença na existência num ser
superior deve iluminar toda a nossa Carta Magna. Em matéria de interpretaçãohistórica, é excluída a concepção filosófica materialista, base do materialismo
histórico expresso por Marx e Engels, no Manifesto Comunista, em 1847.
Fundamentos Críticos - Objetivos Nacionais Permanentes. Estes sãoimportantes elementos de crítica e interpretação, para o estudioso e
pesquisador da História do Exército Brasileiro. Antes de abordá-los, é
importante recordar alguns conceitos relativos à Expressão Militar do PoderNacional, que o Exército integra como uma de suas expressivas parcelas e
tratados pela ESG (3).
ESAO/CEAD/CAO – HISTÓRIA MILITAR I
66
4.3 Poder Nacional:
É o instrumento de que dispõe a Nação para, sob a direção do Estado,
conquistar e manter seus Objetivos”.
4.4 Expressão Militar do Poder Nacional:
“Constituída de meios predominantemente militares, de que dispõe a Naçãopara, sob a direção do Estado, promover, pela dissuasão ou pela coação, a
conquista e a manutenção dos Objetivos Nacionais” (4).
4.5 Caracterização da Expressão Militar:
É caracterizada pelos efeitos na área de Segurança Nacional, tanto no campo
interno como no externo (5). Estes conceitos são fundamentais para o
pesquisador e estudioso da História do Exército, em razão de ser esta forçaparcela significativa da Expressão Militar do Brasil. Terão pois que estudar e
pesquisar quais os efeitos gerados pelo Exército, ao longo de seu processo
histórico, nos campos interno e externo da Segurança Nacional. E, mais, asprojeções do Exército nas expressões política, social e econômica do Poder
Nacional, por ser este um todo integrado e indivisível. Pois, sua divisão, emexpressões do poder, é apenas didática para facilitar análises.
4.6 Objetivos Nacionais Permanentes (ONP):
É o Exército, parcela da Expressão Militar do Poder Nacional, e o PoderNacional, o instrumento de que dispõe o Brasil para, sob a direção do
Estado Brasileiro, conquistar e manter seus Objetivos Nacionais Permanentes.
Decorre disto, para o historiador do Exército, a filosofia que norteará seutrabalho interpretativo da contribuição do Exército para a dos Objetivos
Nacionais Permanentes ao longo de nosso processo histórico (5). Os ONP
representam interesses e aspirações vitais da Nação Brasileira e que por estarazão subsistem durante longo período de tempo. São assim enumerados
pela ESG, sobre os quais o estudioso e historiador do Exército deverá
responder às seguintes perguntas:
Capitulo 4 - Fundamentos para a Pesquisa e o Estudo Crítico da História Militar
67
4.6.1 ONP - Integridade Territorial:
Qual tem sido ou qual foi a contribuição do Exército em um momento
considerado, “para preservar o território nacional em toda a sua extensão emanter suas fronteiras”.
4.6.2 ONP – Integração Nacional:
Qual tem sido a contribuição histórica do Exército, ou em uma conjuntura
considerada, “para consolidar a inteireza da comunidade nacional e asolidariedade entre seus membros, sem preconceitos ou disparidades de
qualquer natureza e sua participação consciente e ativa no esforço comum
de preservação dos valores que caracterizam a personalidade brasileira,tradicionalmente cristã”?
4.6.3 ONP - Progresso:
Qual tem sido a contribuição histórica do Exército ou, em uma conjunturaconsiderada, para desenvolver “todos os campos da atividade nacional”?
4.6.4 ONP - Paz Social:
Qual tem sido a contribuição histórica do Exército ou, em uma conjuntura
considerada, para o estabelecimento no Brasil de um “sistema fundamentadona harmonia, na solidariedade e na solução dos conflitos de interesses
entre indivíduos, grupos e categorias sociais, sob a égide do Direito, da
Justiça Social e dos Valores Espirituais, Morais e Culturais que alicerçam aNacionalidade”?
4.6.5 ONP - Soberania:
Qual tem sido a contribuição do Exército ou, em uma conjuntura considerada,para a “manutenção da intangibilidade da Nação Brasileira, por contribuir
para assegurar a sua faculdade de autodeterminação e a sua convivência
com as demais nações, em termos de igualdade de direitos e oportunidade”?
ESAO/CEAD/CAO – HISTÓRIA MILITAR I
68
4.6.6 ONP - Democracia:
Qual tem sido a contribuição histórica do Exército ou, em uma conjuntura
considerada, para preservar, defender e “aperfeiçoar o regime político, combase nos princípios democráticos e em coerência com a realidade brasileira”?
Estes ONP têm caráter didático. São os constantes do Manual Básico da
ESG. Eles têm registrado algumas alterações ao longo da História da ESG,
quanto a conceitos, mas não em sua essência. Uma corrente de estudiososdo assunto, com a qual concordo, tem defendido, academicamente, o
acréscimo do seguinte ONP: A preservação, fortalecimento e projeção dos
valores espirituais, morais e culturais da Nacionalidade Brasileira. Esta mesmacorrente, quanto ao campo da Doutrina Militar, defende a criação de um
campo específico de seu desenvolvimento, denominado Forças Morais.
Campo que encontra, na preservação dos valores da Nacionalidade, asmotivações anímicas do por que instruir-se, lutar e morrer se preciso for, em
defesa da Pátria e da Bandeira Brasileira. Do contrário, penso, poderemos
correr o risco de, no futuro, sabermos o preço de tudo e desconhecermos ovalor do nada. Ou, em realidade, começarmos a fazer de fato o que
condenamos na filosofia materialista. Um conceito de Unidade Nacional
diluído nos conceitos de Integridade Territorial e Integração Nacional, pensoser contrário às lições da história brasileira. Como Unidade Nacional
entendemos o desejo de todos os filhos do Brasil, ou naturalizamos, serem
brasileiros a despeito de divergências intestinas de toda a ordem quepoderiam acarretar o surgimento de mais de uma nação em nosso território.
E a consagrar historicamente o termo, temos a expressão - Duque de Caxias,
o preservador da Unidade Nacional, e sua consagração popular com o títulode Pacificador, ao atuar nas lutas posteriores à Regência, que ameaçaram
transformar o Brasil numa colcha de retalhos, de pequenas nacionalidades.
Já como Integração Nacional, entendemos, academicamente, como sendoum conceito geopolítico: o ideal de que um dia, no Brasil, seu espaço
geográfico, venha a ser ecumênico, por superposição a ele, dos espaços
político, econômico e social. Isto, sem desníveis regionais acentuados.Espaço no qual todos os brasileiros participem, espaço no qual todos
brasileiros participem igualmente dos benefícios e das riquezas da comunidade
nacional. Integração que vem sendo feita com vias de transportes e meiosde comunicações, a serviço da circulação dos brasileiros, das riquezas que
produzem e de suas idéias. Uma interpretação pelo estudioso, e historiador
Capitulo 4 - Fundamentos para a Pesquisa e o Estudo Crítico da História Militar
69
militar do papel histórico do Exército Brasileiro, como instituição, dará a
seus dirigentes uma visão do seu passado, base para o entendimento do
presente e para a moldagem do seu futuro, traduzida por estratégias, frutode ensinamentos do que deve ser adotado, modificado ou evitado. Do
contrário, corre-se o risco de repetir-se erros do passado. Acreditamos que
trabalho desta natureza, por ter de utilizar fontes sigilosas, somente deveriaser realizado por chefes, estudiosos e historiadores militares qualificados
do quadro do Exército e no mais alto nível de sua administração e direção.
4.7 Fundamentos da Expressão Militar:
Os conceitos utilizados para definir a expressão militar do poder e seus
elementos constitutivos são instrumentos valiosos para a pesquisa e estudocrítico da História Militar por chefes e planejadores militares encarregados da
atualização de sua doutrina e por historiadores militares. Permitem avaliar a
expressão militar de uma força considerada, em determinado momentohistórico, e tirar os ensinamentos decorrentes. A ESG trata com detalhes do
assunto que a seguir sintetizaremos, adaptando-os ao Exército. Fundamentam
a Expressão Militar do Exército num momento histórico considerado: osrecursos humanos, o Território e a sua destinação Constitucional.
4.7.1 Recursos Humanos:
Potencial humano, quantitativo e qualitativo, à disposição do Exército,num momento histórico considerado.
4.7.2 Território:
É o território brasileiro, o patrimônio que o Exército, junto com a Marinha e
Aeronáutica, têm preservado. É a situação geoestratégica do território quetem influído historicamente na expressão militar do Exército, através dos
seguintes fatores: posição, extensão, forma, fisiografia e recursos naturais.
4.7.3 Destinação Constitucional:
Ao longo do processo histórico brasileiro, o Exército tem sofrido modificações
quanto à sua finalidade, com reflexos nos seguintes elementos que o
fundamentam constitucionalmente:
ESAO/CEAD/CAO – HISTÓRIA MILITAR I
70
- limitações de esfera de atribuições;
- subordinação legal;
- princípios de hierarquia e disciplina;
- caráter de permanência; e
- composição básica.
A análise crítica desses elementos de 1824-1930 é rica de ensinamentospara o Exército, como instituição e como força operacional, pelos reflexos
negativos na sua evolução. Estudos recentes de Coelho, Em busca de
Identidade - o Exército e a Política na Sociedade Brasíleira, e Castro, A
Milícia Cidadã - A Guarda Nacional 1831-1850, evidenciam quão difícil foi
para o Exército o período em referência, além de apontarem lições de grande
valia particularmente, com erros que não podem ser repetidos (7).
4.8 Fatores da Expressão Militar:
Como fatores da Expressão Militar do Exército, indicadores do estágio queatingiu num momento histórico considerado, poderíamos usar como
elementos de pesquisa e estudo crítico para dirigentes, planejadores e
historiadores, no mais alto nível governamental, os seguintes:
4.8.1 Doutrina do Exército:
Em determinado momento histórico, como o Exército era organizado,
equipado, instruído, desenvolvia as suas forças morais na guerra e foiempregado? O produto nobre a extrair a Arte da Guerra do Exército Brasileiro,
por refletir as táticas e estratégias que usou quando empregado. Exemplo:
Guerra Brasílica.
4.8.2 Estrutura Militar:
Em determinado momento histórico, como a FTB se organizava e qual era a
sua articulação no território? Aí extrairemos subsídios para desenvolver a
Geo-História Militar do Brasil.
Capitulo 4 - Fundamentos para a Pesquisa e o Estudo Crítico da História Militar
71
4.8.3 Alto Comando:
Em determinado momento histórico, quais eram os critérios de seleção e
padrões culturais profissionais e gerais dos integrantes do Alto Comando ecomo este atuava?
4.8.4 Integração do Exército com as demais Forças Singulares:
Em determinado momento histórico, qual era o grau de integração do Exército
com a Marinha e Aeronáutica e o rendimento de operações conjuntas? Ricoe relevante filão a explorar!
4.8.5 Instrução:
Qual era em determinado momento histórico a capacidade operativa e aeficiência do apoio logístico no Exército, produto da instrução?
4.8.6 Moral Militar e Virtudes Militares:
Qual a qualidade, em determinado momento histórico, do Moral do Exército
e como era preservado e fortalecido?
As Virtudes Militares:
Como as demais funções sociais a profissão militar possui sua escala de
valores ou axiológica específica, traduzida por virtudes militares. Como
boas qualidades morais, elas impelem o soldado a bem cumprir seus deverespara com a sua pátria, com o mais elevado grau de obediência e respeito à
hierarquia e à disciplina, vigas mestras de toda a instituição militar. Elas
desenvolvem o espírito militar do soldado, ao ponto dele encontrar forçasem seu íntimo, para dar a sua vida, se preciso, em defesa, no caso em tela,
do Brasil. As virtudes militares são predicados morais indispensáveis ao
eficiente exercício da profissão soldado. Vale a pena recordá-las e defini-lassinteticamente, no torvelinho da hora presente, em que valores consumistas
e amorais estranhos às tradições do Brasil, propagados intensamente pela
mídia, tendem a amortecê-las e confundi-las e mesmo sufocá-las no peitode muitos soldados brasileiros, confusos com o mundo a sua volta:
ESAO/CEAD/CAO – HISTÓRIA MILITAR I
72
- Coragem: É a virtude que faz com que o soldado despreze o perigo,face a imposição de bem cumprir o dever militar custe o que custar!
- Bravura: É a virtude que caracteriza o soldado valente, intrépido,impetuoso, arrojado e que se destingue da coragem por ser frutode temperamento pessoal.
- Camaradagem: É a virtude que caracteriza o elevado sentimento defraternidade e de afeição que cada soldado deve cultivar em relaçãoaos demais soldados.
- Solidariedade: É a virtude que impele os soldados a se auxiliaremmutuamente.
- Abnegação: É a virtude que sustenta o soldado no cumprimentodo dever militar, a despeito das adversidades, sacrifícios e privaçõesa que for submetido.
- Honra Militar: É a virtude que leva o soldado a cumprirconscientemente o dever que for imposto. É a religião da disciplinaconsciente.
- Iniciativa: É a virtude que impele o soldado, numa emergência, aagir com consciência e reflexão para dar com a maior presteza e,sobretudo com oportunidade, a solução adequada exigida para ocaso. Ela é importante em campanha!
- Devotamento: É a virtude que impele o soldado a fazer sacrifícios ea padecer privações em beneficio da segurança de sua pátria e deseus compatriotas.
- Moralidade: É a virtude que impõe ao soldado, não só o cumprimentodas leis e regulamentos e normas como ir além, cumprindo os ditamesda moral social.
- Amor à ordem: É a virtude que impõe ao soldado apresentar-sebem em todas as atividades profissionais e sociais. É, por exemplo,bem fardar-se.
- Pontualidade: É a virtude que impõe ao soldado o cumprimento fiela tempo e a hora das ordens recebidas e das obrigações decorrentes.
- Presteza: É a virtude que impõe ao soldado consciente que elecumpra no menor espaço de tempo e na melhor forma possível asordens recebidas.
- Decoro militar: É a virtude que impõe ao soldado boa conduta eeducação civil e militar.
Capitulo 4 - Fundamentos para a Pesquisa e o Estudo Crítico da História Militar
73
Estudiosos do assunto mencionam como a insistência do ensino com base
em exemplos reais de militares brasileiros e a cobrança destas virtudes em
todos os níveis, numa instituição militar, bem como a sistemática emulaçãoe destaque aos soldados que as praticam, resultam numa grande eficiência
operacional de uma tropa militar considerada. Outros consideram as virtudes
militares como a base da infra-estrutura educacional do soldado sobre aqual deve se assentar como superestrutura o seu processo de adestramento.
4.8.7 Ciência e tecnologia: Qual é o estágio científico e tecnológico atingido
pelo Exército num momento histórico considerado? E quais os seus reflexosna organização, equipamento, instrução e emprego? Esta parte pertence ao
que chamaríamos ciência da guerra do Exército e que contribuirá para a
edificação do seu futuro. Pois nesta matéria devemos estar de olho nopresente da ciência da guerra mundial, para inclusive visualizarmos sua
tendência futura.
4.8.8 Mobilização: Qual foi a capacidade do Exército num momento
considerado, de planejar e beneficiar-se de recursos humanos e materiais,que lhe assegurassem a máxima possibilidade de durar numa ação? O estudo
crítico deste fator encerra grandes ensinamentos para a edificação do Exército
do futuro.
4.8.9 Serviço Militar: Quais eram as formas do Exército, num momento
histórico considerado, de utilizar recursos humanos e formar reservas para o
caso de guerra? Este fator estudado com espírito crítico é fonte de grandesensinamentos históricos.
4.9 História Militar:O estudo da História, particularmente da História Militar de umanação, conduz a conclusões e levanta fatores capazes de influirna Expressão Militar de seu Poder Nacional. Campanhas militares,caminhos normais de penetração, erros e acertos, tradições ecultos a líderes e heróis trazem reflexos na formulação da doutrina,no moral e na estrutura militares, respeitada, é claro, a evoluçãono tempo. Figuram, ainda, as tradições históricas e militares comofatores de influência sobre o Poder Militar. Essas tradições, quecumpre cultuar e manter, não devem, por outro lado, apresentarobstáculos intransponíveis à evolução, ao desenvolvimento e àtecnologia (8).
ESAO/CEAD/CAO – HISTÓRIA MILITAR I
74
A frase expressa no conceito “respeitada, é claro, a evolução do tempo”,
merece a seguinte reflexão: Podemos falar em evolução da Arte e da Ciência
da Guerra do Exército Brasileiro. Entendo a primeira como soluções táticas,estratégicas e logísticas usadas pelo Exército para ajudar, com destaque, a
solucionar problemas específicos. E mais, contribuir para um Brasil de
dimensões continentais, não por obra do milagre, mas com o concursoexpressivo da Expressão Militar. E o que for extraído desta análise pelo
espírito militar criador de chefes, pensadores, planejadores e historiadores
do Exército, será o alicerce de sua edificação futura. A confusão da Históriado Exército Brasileiro com a História da Ciência da Guerra, particularmente
do equipamento do Exército, tem levado muitos a subestimar sua capacidade
de edificar o Exército do futuro. E assim, a tem desprestigiado como culturainútil só válida para fortalecer a coesão do Exército, através do culto dos
heróis e das tradições militares. É posição que causa grandes prejuízos ao
Exército. Convém seja revista pelos que assim pensam.
4.10 Fundamentação da Arte e Ciência Militar
A parte a seguir refere-se a fundamentos diretamente ligados à Arte e àCiência Militar. Eles possibilitam a pesquisa e o estudo crítico de operações
e ações militares do ponto de vista profissional militar, com fins didáticos
ou para o desenvolvimento da doutrina militar de uma força considerada.Sempre com apoio na experiência colhida pela História Militar Geral e na
experiência própria, no maior laboratório da Arte e Ciência Militar: o Campo
de Batalha.
4.11 Conceitos de Arte e Ciência Militar
4.11.1 Ciência Militar:
Conjunto de conhecimentos militares acumulados pela História Militar daHumanidade, coordenados com vistas ao preparo das forças armadas para a
guerra. Está a serviço da política interna e externa de um Estado considerado.
4.11.2 Arte Militar:
Poderíamos conceituar como a perícia, inspiração, originalidade, habilidade
e a astúcia de um chefe militar, em bem coordenar os conhecimentos e
meios fornecidos pela Ciência Militar e os empregar com apoio nos
Capitulo 4 - Fundamentos para a Pesquisa e o Estudo Crítico da História Militar
75
fundamentos da própria Arte Militar. Tudo, com vistas a conquista de
objetivos militares, em acordo com a política de guerra de seu país. É
possível muitos serem cientistas da guerra. Isto é, serem capazes de bemorganizar, equipar, instruir e desenvolver as forças morais de um Exército. É
privilégio de poucos cientistas militares atingirem o estágio de artistas da
guerra, ou o de bem realizarem a conduta superior de guerra, ou a “arte dopraticável na guerra”. Entre muitos grandes capitães neste caso, registrem-
se: Alexandre, o Grande; Aníbal; Cesar; Carlos Magno; Gengis Kan; Gustavo
Adolfo; Frederico II; Turenne; Napoleão; Patton; o nosso Duque de Caxiasetc. Todos ainda hoje estudados na Academia Militar das Agulhas Negras,
no assunto Evolução da Arte da Guerra, incluídos entre os chefes da História
que não copiaram e exercitaram o Pensamento Militar Criador.
4.12 Estratégia e Tática Militar:
A Estratégia é Arte Militar no tocante a planejar e bem conduzir forças(homens e equipamentos) na batalha. A estratégia responde diretamente à
política de guerra de uma nação. Caracteriza-a o planejamento e emprego
de grandes massas militares. No caso das forças terrestres, em princípio, doescalão Exército para cima, atuando em grandes espaços. Tudo com
finalidades operacionais decisivas no desenvolvi- mento de guerras. E mais,
executando ações sobre direções estratégicas, incidindo sobre objetivosestratégicos fixados pela política de guerra. Tática corresponde em menor
amplitude à mesma idéia de estratégia. Ela se subordina diretamente aos
interesses da Estratégia. Caracterizam-na ações de menor amplitude,executadas por forças, em princípio, inferiores ao escalão Exército. Isto,
para a conquista de objetivos intermediários necessários à conquista dos
objetivos estratégicos. Como exemplo, poderíamos dizer: No Brasil, emprincípio, os exércitos realizam ações estratégicas. Os demais escalões, em
principio, ações táticas. Mas não existe rigor nisso. Cada caso é um caso.
Possuindo o mesmo conceito as palavras estratégia e tática, torna-se difícildistingui-las, nos limites em que se aproximam. A caracterização de cada
uma necessita um certo estudo da situação militar para defini-la. Moltke, o
Velho, assim as definiu: “A estratégia ensina quando e onde se deve combatere a tática nos ensina como se deve combater”. Preferimos hoje o conceito
definido por Beaufre: “Estratégia é a arte de aplicar a força de modo a
contribuir, o mais eficiente, na consecução dos fins estabelecidos pelapolítica (10). E como Moltke muitos tentaram estabelecer diferenças entre
ESAO/CEAD/CAO – HISTÓRIA MILITAR I
76
a tática e a estratégia, numa simples frase. Mas elas continuaram a desafiar
os pensadores. Para quem quiser desenvolver-se no assunto relacionado
com estratégia, tratado por pensadores brasileiros, recomendo a leitura dasseguintes obras:
- ALVARES, Obino. Estudos de estratégia. Rio de Janeiro: BIBLIEX,1973.
- LAVANERE, Wanderley Nelson Freire. Estratégia militar edesarmamento. Rio de Janeiro: BIBLIEX, 1971.
- ECEME. O Marechal Castelo Branco e o seu pensamento militar.
- COUTO e SILVA, Golbery. Geopolítica do Brasil. Rio de Janeiro:BIBLIEX / José Olympio, 1967.
- MATTOS, Carlos Meira. A geopolítica e as projeções do poder. Riode Janeiro: BIBLIEX, 1976.
- RODRIGUES, Lysias. Geopolítica do Brasil. Rio de Janeiro: BIBLIEX.
- ECEME - As Forças Armadas Brasileiras – O Exército, 1969 (Rio).Trabalho em equipe realizado pelos coronéis Osny Vascolos, OtávioPereira da Costa e tenentes-coronéis Alkin Machado Bona e DalnioStarling. Sempre procuramos neste trabalho evidenciar e valorizaro pensador militar brasileiro. Golbery do Couto e Silva, ao prefaciaro livro A Manobra na Guerra, de Amerino Raposo Filho, e queabordaremos em local próprio, preconiza a seguinte tipologia daestratégia: Estratégia do forte contra o fraco; Estratégia do fracocontra o forte; e Estratégia entre equipotentes.
4.13 Logística:
É a parte da Arte e da Ciência Militar encarregada de “prever para prover”.
Prever, ou seja, planejar, organizar, dirigir, controlar e coordenar a aquisiçãode suprimentos necessários às operações militares. Prover é fornecer no
local e tempo previstos os suprimentos, em quantidade e qualidade
suficientes (alimentos, fardamento, munição, combustíveis, água, etc.). Emais, prestação de serviços diversos, essenciais à vida de uma força em
campanha. Este aspecto da História do Exército propicia inúmeros casos
para o exercício da crítica como a definiu Jomini. Pelo seu descuido, pagamosalto preço em Canudos. Providências, para sanar suas deficiências naquela
campanha pelo Ministro da Guerra Marechal Carlos Machado Bitencourt, o
consagrariam, em 1940, como Patrono do Serviço de Intendência do Exército
Capitulo 4 - Fundamentos para a Pesquisa e o Estudo Crítico da História Militar
77
(11). É um setor importante da Arte e Ciência da Guerra, e por vez
subestimado e descuidado na paz. Sem uma Logística eficiente, a Tática e
a Estratégia não se realizam. A ECEME, preocupada com o problema, ensaioupor volta de 1966-69 o SAEB, ou Sistema de Apoio Administrativo do
Exército Brasileiro. Sistema feito da análise da experiência histórica do
Exército adaptado às nossas realidades operacionais e econômicas. Talvez,no campo da Logística, a análise crítica da História do Exército é a que
tenha mais contribuído para adaptar sua doutrina à realidade brasileira:
realidade muito distante da americana, que vinha sendo ensinada no Brasil,com apoio em manuais específicos. A lição da História do Exército aconselha:
“Não descuide ou subestime a Logística”. Para colher-se ensinamentos de
Logística e de sua realidade em nossa última experiência na FEB,aconselhamos a leitura e meditação do trabalho: CAMPOS, Senna A. J.
Gen – Com a FEB na Itália – Rio, S Ge Ex, 1970. Testemunho sincero de
autoridade militar brasileira que teve a seu cargo na Itália a chefia da 4ªSeção – Logística do EM da FEB. Trabalho histórico-militar crítico, com
ensinamentos obtidos no maior laboratório da Doutrina Militar – o Campo
de Batalha.
4.14 Fundamentos da Arte de Guerra
4.14.1 Doutrina Militar:
São os princípios pelos quais uma força militar é organizada, equipada,
instruída, empregada e desenvolvidas suas forças morais da guerra. Uma
Doutrina Militar se desenvolve em cinco campos:
O que acabamos de expor é um entendimento pessoal e prático da definição
de Doutrina Militar expressa no C-20-320: “Conceitos básicos, princípios
gerais, processos e normas de comportamento que sistematizam e coordenamas atividades de uma força armada”. Os campos da doutrina militar são
ESAO/CEAD/CAO – HISTÓRIA MILITAR I
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valiosos instrumentos para o chefe, o pensador, o planejador – encarregados
do seu desenvolvimento e para o historiador, tendo em vista a pesquisa e
estudo crítico de uma força considerada. Tudo buscando caracterizar odesenvolvimento histórico atingido em certo momento. Por exemplo, o
advento das armas nucleares determinou profundas modificações nos
campos da Organização, Equipamento, Instrução e Forças Morais. E, emconseqüência, no planejamento do emprego de uma força. A introdução do
canhão, da metralhadora, dos carros de combate, do avião, dos gases e de
propaganda psicológica provocaram modificações profundas na DoutrinaMilitar. De igual forma o cartucho, o estribo na cavalaria, a baioneta, etc. A
idéia de Doutrina Militar é de real valia no estudo crítico de evolução da
Arte e Ciência da Guerra, nos diversos estágios da Civilização.
4.14.2 Fatores da decisão:
São fundamentos críticos valiosos para a pesquisa e estudo de História
Militar. Isto, para a pesquisa dos ensinamentos colhidos na decisão de umcomandante de um escalão considerado. Eles são: Missão, Terreno, Inimigo
e Meios. Foram percebidos e tratados por Sun Tzu, em sua obra Arte da
Guerra, há dois e meio milênios. Qualquer decisão militar é fruto de umaanálise lógica desses fatores, no clássico Estudo de Situação. Processo
lógico de raciocínio, deriva do Discurso do Método de Descartes, aplicado
à resolução de um problema de Arte e Ciência Militar (13). Missão: Quem arecebe formula a clássica pergunta “De que se trata?” A seguir, procura
saber as ações, que foram impostas e deduzir as não expressas. Depois
passa ao estudo de outros fatores condicionantes de sua missão, à luz deinformações militares suficientes. Terreno: Tendo como farol a missão
recebida, estuda o terreno onde irá atuar. Isto, quanto a seus aspectos
topotáticos: Observação e Campos de Tiro, Cobertas e Abrigos, Obstáculos,Vias de Acesso e Acidentes Capitais. E mais, as Condições Meteorológicas.
Inimigo: Procura estudar o inimigo a enfrentar, em seus aspectos:
Organização, Equipamento, Instrução e Forças Morais. Depois conclui sobresuas deficiências, vulnerabilidade e possibilidades. Meios: É o estudo crítico
de sua situação sobre o mesmo enfoque, para concluir suas deficiências,
Capitulo 4 - Fundamentos para a Pesquisa e o Estudo Crítico da História Militar
79
vulnerabilidades, pontos fortes e possibilidades reais. Sua decisão,
teoricamente, se baseará na exploração de seus pontos fortes contra as
vulnerabilidades do inimigo. E mais, na adoção de medidas de segurançapara negar ao inimigo a exploração de suas deficiências e vulnerabilidades,
ou contra-informação. No Estudo de Situação, função do escalão, cada
fator se desdobra em diversos elementos. Eles serão considerados napesquisa e estudo crítico de uma ação militar passada. A decisão, resultante
de um Estudo de Situação, contém em seu bojo a aplicação dos princípios
de guerra e a manobra a adotar (Objetivo, Forma, Direção e Repartição deMeios) (14). Do Estudo de Situação, ministrado na ECEME, o chefe, o
planejador e o historiador militar poderão retirar os fundamentos e elementos
para a pesquisa e estudo crítico de uma operação militar passada ou deuma manobra realizada como exercício.
4.14.3 Fator Militar:
É um conjunto resultante do somatório de diversas parcelas. Seudesempenho positivo ou negativo é função da qualidade ou influência das
múltiplas parcelas que caracterizam: Chefe, Estado-Maior, Tropa,
Equipamento, Terreno, Condições Meteorológicas, Imponderáveis da Guerra,Incerteza da Situação, Confusão no Combate, Aplicação dos Fundamentos
da Arte da Guerra, Grau de Operacionalidade, Moral, Pensamento Militar
Criador, Tecnologia, etc. O Fator Militar é composto de duas ordens deforças: as materiais e as morais. As últimas assumem relevância nos exércitos
pobres. Os estudiosos de Arte e Ciência Militar têm enfatizado este aspecto.
Napoleão as cotava em 3x1, em relação às forças materiais. Os pensadoresmilitares brasileiros J. B. Magalhães e Castelo Branco davam especial relevo
às forças morais de uma tropa (15).
4.14.3.1 Chefe: ele é o catalisador de todos os elementos do fator militar.
É o responsável pela combinação harmônica de todos eles no combate.Assemelha-se ao regente de uma grande orquestra. O chefe caracteriza-se
por seu caráter, capacidade, experiência profissional e características de
sua liderança. A História Militar dedica especial atenção ao estudo dosgrandes chefes militares, através dos estudos biográficos e autobiográficos.
Em Campanha, é uma preocupação das informações militares conhecer as
características do chefe que está do outro lado (16).
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4.14.3.2 Estado-Maior: após Napoleão, este elemento passou a ter uma
grande relevância. A derrota daquele grande Capitão é atribuída à falta de
um Estado- Maior, para auxiliá-lo na conduta da guerra. Na Prússia doséculo XIX, ficou patenteada a relevância de um Estado-Maior. Com
perseverança e continuidade de permanência na função e na ação, o Estado-
Maior conseguiu transformar o inexpressivo Exército Prussiano na maiseficiente máquina de guerra do século. A satisfação e a complexidade
crescentes da guerra obrigaram os chefes a recorrerem a assessores em
pessoal, material, instrução e emprego de tropa, informações, em açõespsicológicas, governo civil e em História Militar e Geografia. No Brasil, o
Estado-Maior do Exército foi criado em 1899 (17). Logo após foi iniciada a
formação de oficiais de Estado-Maior, destinados a assessorar os chefesnos mais altos escalões do Exército, como instituição e força operacional. E
os frutos obtidos são indiscutíveis.
4.14.3.3 Tropa: define-se pela quantidade e qualidade. Nesta última, entreoutros elementos, considera-se o seu grau de adestramento, padrões
sanitários, características que refletem o caráter nacional do povo a que
pertence e forças morais (convicção de por que lutar ou na justiça da causa).Para estimar-se a qualidade de uma tropa, dispõe o estudioso ou o
pesquisador de vários elementos de crítica.
4.14.3.4 Equipamento: são os recursos quantitativos e qualitativos postos
em jogo no combate: material bélico, suprimentos e materiais de toda ordem,não enquadrados nas duas categorias citadas. O material de comunicações
assume especial relevo. Ele infraestrutura a arma do chefe, as Comunicações.
Sem elas suficientes e eficientes, o chefe não poderá bem reger a orquestraposta a sua disposição. Fica mudo e impotente. Deficiências neste setor
ensejam interessantes exercícios de crítica, para o chefe, o pensador, o
planejador e historiador militar. No desembarque na Normandia, umcomandante americano ficou isolado do restante de seus elementos
subordinados. Um tenente conseguiu descobrir um “hand talk”. Mas para
que pudesse ser usado, dependia de um ferro de soldar que não foiencontrado disponível, no meio de todo o material desembarcado na praia.
Isto é o que contou o general Omar Bradley, em História de um Soldado
(18). A experiência histórica tem demonstrado, em guerras recentes, queexércitos dispondo de bom equipamento não foram capazes de tirar
rendimento do mesmo, por deficiências culturais da tropa.
Capitulo 4 - Fundamentos para a Pesquisa e o Estudo Crítico da História Militar
81
4.14.3.5 Terreno: o grau de dificuldade que o terreno apresenta a uma
operação repercute sensivelmente no Fator Militar. Seus elementos
topotáticos servem para a pesquisa e estudo crítico de uma operação militar.
4.14.3.6 Condições meteorológicas: as condições meteorológicas, chuva,
neve, vento, nevoeiro, fase da lua, etc. repercutem no Fator Militar.
4.14.3.7 Os imponderáveis da guerra: são circunstâncias imprevisíveis num
combate, influindo decisivamente em seus resultados. Na Rússia, antecipaçãode cinco semanas na entrada do inverno, contrariando o que vinha
acontecendo há 20 anos, terminou por destruir o Exército de Napoleão. Em
Passo do Rosário, em 20 fevereiro de 1827, o vento soprando na direção doExército de Barbacena e mais o capim seco pela longa estiagem, criaram
condições para que o campo de batalha fosse incendiado. Em conseqüência,
Barbacena teve de ordenar a realização da retirada, para evitar que seuExército fosse destruído pelo fogo e asfixia.
4.14.3.8 Incerteza da situação: normalmente um chefe não dispõe de
informações suficientes para lastrear seu Estudo de Situação. As medidasde contrainformação do inimigo restringem a ação de seu setor de
informações. Daí decorre o risco calculado. Churchill já afirmva: “não se
pode conduzir uma guerra na base da certeza”. O chefe, nestas ocasiões,procura apoiar-se nos princípios de guerra da Segurança e de Economia de
Forças, para precaver-se contra a incerteza.
4.14.3.9 Confusão no combate: alguém já definiu: “Combate é confusão”.
E o chefe e a tropa têm de estar preparados e com a cabeça fria, paraexercitarem o espírito de iniciativa, em situações confusas de combate.
4.14.3.10 Observância dos mandamentos da guerra, de seus princípios e da
doutrina de manobra: estes elementos fundamentam as decisões no campoda Arte da Guerra. Dada a sua relevância, serão estudados e desenvolvidos
em separado.
4.14.3.11 Grau de operacionalidade: uma força poderá dispor de um bom
chefe, bom Estado-Maior, boa Tropa, bom Equipamento e Moral, mas, nãoestando habituados a atuar em conjunto na paz, poderá apresentar um
baixo rendimento na guerra. Daí a necessidade de exercícios na paz:
manobras na carta, de Estado-Maior e de quadros, e, finalmente, exercícios
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de Estado-Maior, quadros e tropa, no campo. No Brasil são caros os exercícios
do último tipo. Os jogos de guerra são mais baratos e de grande rendimento.
4.14.3.12 Moral: quanto mais elevado, maior será a qualidade do FatorMilitar. É o combatente convicto da razão de por que instruir-se ou lutar.
Este assunto já foi abordado em outros locais neste trabalho. Influi no
moral, o pensamento militar de uma força, decorrente do pensamento políticode sua nação. Exemplo: Pensamento político português foi o de dilatar a Fé
e o Império. O pensamento militar decorrente foi uma conseqüência: “Julgada
a causa justa, pedir proteção divina e atuar ofensivamente, mesmo eminferioridade de meios”.
4.14.3.13 Pensamento militar criador: espírito que deve dominar todos os
integrantes de uma força. Pensar para rejeitar, modificar, inovar e progredir.
Capacidade de criticar, sadiamente, idéias previamente aceitas, visando arejeitá-las ou modificá-las. Contrapõe-se à derrotista de que nada se cria,
tudo se copia. Todos os conceitos da Doutrina Militar resultaram do
pensamento militar criador. Todas as inovações na Doutrina Militar foramem determinada ocasião uma idéia revolucionária de um chefe ou pensador
militar. O sucesso militar dos grandes capitães da História Militar deveu-se,
em grande parte, ao pensamento militar criador. Tiveram coragem de nãocopiar. De discutir idéias previamente aceitas de Doutrina Militar. E a seguir,
rejeitá-las, modificá-las ou criarem idéias novas responsáveis pelas vitórias
de seus exércitos. É o caso de Alexandre, Aníbal, Gustavo Adolfo, Napoleão,Clausewitz, Frederico II, Douhent, Mahan, Vauban e outros tantos nomes
da Arte da Guerra. Existe nos exércitos do mundo uma barreira sociológica
tendente a asfixiar o pensamento militar criador de seus membros. Estatendência deve ser combatida por chefes em todos os escalões. Segundo o
Ten Cel Keneth Hatch, do Exército dos EUA (18), “contribuem para a asfixia
do pensamento militar: a tradição, a obediência submissa, o conservadorismo,
o conformismo, o preconceito entre Forças Armadas e nelas de Armas, o
pensamento copiado ou comprado”. Nos EUA, segundo o autor citado, a
necessidade de estímulo ao pensamento militar criador é reconhecida eadotada nas Academias do Exército, da Marinha e da Aeronáutica e nos
demais cursos superiores das referidas forças. Em “West Point”, o
pensamento militar criador faz parte do curso de liderança militar.
Capitulo 4 - Fundamentos para a Pesquisa e o Estudo Crítico da História Militar
83
4.14.3.14 Tecnologia: a qualidade do Fator Militar depende muito do grau
tecnológico dos equipamentos militares. E os exércitos das grandes potências
são um exemplo de como o desenvolvimento tecnológico interfere norendimento de seus equipamentos.
Advertência: o pensamento militar criador não deve ser confundido com
improvisação. Suas criações não podem ser aleatoriamente introduzidasnuma Doutrina Militar. Devem ser encaminhadas ao órgão competente, o
Estado-Maior do Exército, para estudo e posterior incorporação no Corpo
de Doutrina do Exército. A Doutrina é dinâmica, mas possui o caráter de leipara o militar que pratica a disciplina consciente. E sua modificação só
poderá ser feita pelo órgão competente. Uma inovação sem satisfazer esta
exigência poderá causar mais males do que benefícios ao Exército. SegundoJ. E. Magalhães, a cópia pura e simples de doutrinas de outros povos é
lesiva e prejudicial à força que o copia. O ideal é a assimilação de doutrinas,
o que implica adaptações às realidades mais diversas da força militarconsiderada. Dentro deste espírito, o autor citado, patrono de cadeira na
Academia de História Militar Terrestre, editou:
- Civilização, Guerra e Chefe Militar. Rio de Janeiro: BIBLIEX, 1959;
- A Compreensão da Unidade do Brasil. Rio de Janeiro: BIBLIEX,1956;
- Evolução Militar do Brasil. Rio de Janeiro: BIBLIEX, 1958; e
- Noções Militares Fundamentais. Rio de Janeiro: BIBLIEX, 1945.
O pensamento militar deste autor do Exército Brasileiro possui grande
atualidade e utilidade para o ideal de desenvolvimento progressivo da Doutrina
do Exército. Escritores contemporâneos de J. B. Magalhães o classificam eo consideram o maior pensador militar brasileiro da sua geração, ao lado do
Mal Castelo Branco.
4.14.4 Mandamentos da Guerra:
Considero como mandamentos certos fatores, que por decisivos, não podem
ser desprezados pelo chefe e pensador militar, no planejamento e na conduta
tática e estratégica da guerra. Isto, por constituírem a essência filosóficada guerra:
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4.14.4.1 Mandamento da força - Sem força em todos os seus aspectos,
não se faz a guerra. São forças morais e materiais.
4.14.4.2 Mandamento do movimento - Guerra é movimento. Guerra estáticanão existe. O movimento é o deslocamento da força para o objetivo.
4.14.4.3 Mandamento da ofensiva - Guerra sem planejamento de atitudes
ofensivas, em qualquer fase de sua execução, é condenação prévia à
capitulação.
4.14.4.4 Mandamento da segurança - A proteção pura e simples não é
garantia de segurança, mas sim, a ação militar flexível, protegida por medidas
de segurança.
4.14.4.5 Mandamento da contingência - Entre a guerra e seu planejamentoexiste a contingência e o imponderável. Não se submeter a esses fatores.
Procurar dominá-los ou diminuir seus efeitos. Normalmente o que é planejado
não é executado, em razão da contingência e do imponderável da guerra.Os mandamentos citados permitem a pesquisa e o estudo crítico da História
Militar no nível estratégico. O assunto, sob o título de leis de guerra, foi
desenvolvido pelo general Castelo Branco, em 02 de março de 1962, naaula inaugural da EsAO (20).
4.14.5 Princípios de Guerra:
É um conjunto de elementos que - a pesquisa e o estudo crítico intensos daHistória Militar da Humanidade, levados a efeito por chefes, pensadores e
historiadores militares - revelaram um emprego constante. Tudo, com vistas
à judiciosa aplicação dos meios postos à disposição de um comandante, nosmais diversos escalões táticos e estratégicos, empenhados na execução das
guerras. Eles são válidos para os comandantes, desde o mais alto escalão
operacional, até o mais baixo. Válidos, inclusive, para o combatente isoladoe para o homem comum. No último caso, para conduzir sua vida com sucesso,
na conquista de seus objetivos. Eles podem ser apropriados a qualquer tipo
de ação na vida civil. Por todas essas razões, os Princípios de Guerra sãoestudados e analisados, através de casos históricos, na AMAN, na cadeira de
História Militar (21) e, posteriormente, na EsAO e na ECEME, nos estudos de
Tática, Estratégia e de História Militar. Para aprofundamento no assunto,consultar manuais específicos utilizados por essas escolas. Não existe um
Capitulo 4 - Fundamentos para a Pesquisa e o Estudo Crítico da História Militar
85
consenso internacional sobre a denominação e definição dos Princípios de
Guerra. Consideremos os que julgamos mais apropriados e que temos utilizado
para o estudo e pesquisa crítica em História Militar. Deles, não foi consagradopelo Estado-Maior o Princípio das Informações que abordo historicamente e
não em caráter oficial ou doutrinário. Em nosso Exército este princípio está
compreendido no Princípio de Guerra da Segurança.
4.14.5.1 Princípio das informações: é a infra-estrutura dos demais. Nenhum
comandante pode realizar seu Estudo de Situação e chegar a uma decisão
judiciosa, sem dispor de informações suficientes e o mais aproximadaspossível, sobre o Terreno, Inimigo, Meios e Forças Morais, de sua tropa e da
inimiga. Sem informações ele encontrará dificuldade em decidir qual o
objetivo. Sem informações, equivalerá a realizar um vôo cego. Correrá riscos.Não poderá cobrir-se contra a surpresa. Aumentarão as possibilidades de
ocorrências de contingências e imponderáveis da guerra. Este assunto é
abordado pela revista Coletânea da EsNI, Nº 12/77. Ao final da abordagemde todos os princípios, voltaremos ao das informações que, em razão da
complexidade crescente da guerra, vem proclamando sua independência do
princípio da segurança.
4.14.5.2 Princípio do objetivo: o que atacar e onde atacar, destruir,conquistar, defender, manter, retardar, etc. Após o das informações,
considero o mais importante. O princípio do objetivo encerra a idéia de
convergência e persistência de esforços para conquistá-lo. Ele é a razão detoda operação. Mal aplicado este princípio, comprometerá a aplicação dos
demais. A política fixa o objetivo estratégico a ser conquistado. Com apoio
nele, a partir do mais alto escalão operacional encarregado de conquistá-lo,todos os escalões subordinados receberão ou deduzirão os objetivos
correspondentes intermediários, para chegar ao objetivo final.
4.14.5.3 Princípio da massa: ser forte, material e moralmente, no pontodecisivo. O ponto decisivo não é o ponto mais fraco do inimigo nem onde
ele é mais forte – é o centro de gravidade de seu sistema ofensivo ou
defensivo. É a sua parte mais comprometedora. É o calcanhar de Aquiles. Ajudiciosa aplicação desse princípio tem proporcionado vitórias a forças
numericamente inferiores, porém, melhor comandadas. Na prática, hoje,
ele se traduz pelo Ataque Principal ou “Esforço Defensivo”. Massa, nocaso, significa maior dosagem de armas base e de apoios, numa direção de
ESAO/CEAD/CAO – HISTÓRIA MILITAR I
86
ataque ou direção mais provável do ataque principal ou esforço inimigo. Na
direção do esforço defensivo, através de obstáculos de toda a ordem. A
Engenharia aumenta o poder defensivo da tropa encarregada de realizá-lo,através do Sistema de Barreiras.
4.14.5.4 Princípio da ofensiva: refere-se à atitude ofensiva e não a manobra
ofensiva. É própria das manobras ofensiva e defensiva a atitude ofensiva.Daí poder-se afirmar: só a atitude ofensiva conduz à vitória. Numa manobra
defensiva, através de potentes e bem executados contra-ataques, pode se
abrir a porta para a manobra ofensiva. A manobra defensiva é uma imposiçãotemporária por circunstâncias adversas. Manobra defensiva, sem atitudes
ofensivas (Ex.: contra-ataques) é derrota, ou condenação prévia a derrota.
Mesmo o fraco contra o muito forte mantém a atitude ofensiva - a guerrade guerrilhas, que um dia poderá conduzi-lo à manobra ofensiva e à vitória
final. Ofensiva é ofender, agredir, causar danos e prejuízos ao adversário
em qualquer circunstância. Inclui emboscar, uma tradição militar brasileiracolonial. E a História do Exército Brasileiro nos fornece dois clássicos
exemplos. O primeiro, nas guerras Holandesas e o segundo, na guerra 1763-
1777, no Rio Grande do Sul, onde o recurso à guerra de guerrilhas, do fracocontra o forte, conduziu a vitória final. Foram a Guerra Brasílica no NE e a
gaúcha no Sul. Para informações sobre o papel das guerrilhas nas Guerras
Holandesas e na Guerra do Sul 1763-1777, leia-se do autor A Batalha dos
Guararapes e A Guerra da Restauração do Rio Grande do Sul (22). Ofensiva
é conquistar e manter a iniciativa das ações e impor a vontade ao adversário.
4.14.5.5 Princípio da economia de forças: empregue o mínimo necessário
para ações secundárias: ataques secundários, vigilância, fintas, dissimulação,etc. Para Castelo Branco, em 1946, na ECEME, “o princípio da economia de
forças poderia resumir os demais princípios de guerra”. Para ser forte no
ponto mais comprometedor do inimigo, é impositivo a economia de meiosnas ações complementares à principal. A aplicação deste princípio e seu
domínio marca a vocação do artista da guerra. Razão de Castelo Branco
afirmar ser ele a síntese dos demais.
4.14.5.6 Princípio da manobra: manobra é movimento. É o deslocamento
da massa para o ponto mais comprometedor do dispositivo inimigo - o
objetivo - “ou o calcanhar de Aquiles”. Tudo, para colocá-lo em posiçãodesvantajosa. O princípio da manobra foi assim caracterizado por Napoleão,
Capitulo 4 - Fundamentos para a Pesquisa e o Estudo Crítico da História Militar
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juntamente com os da massa, ofensiva e objetivo”. “Quando inferior em
forças, frente a um grande Exército, concentrava minhas forças (MASSA) e
caía como um raio (MANOBRA e OFENSIVA) sobre uma das alas do inimigoe o destruía (OBJETIVO). E o atacava (OFENSIVA) em outros pontos
(MANOBRA), sempre com todas as minhas forças (MASSA)”. É da essência
do princípio da manobra a rapidez e a massa. O princípio aplica-se a todosos tipos de operações, ofensivas ou defensivas, sempre que uma força deva
ser deslocada de um ponto para outro. Alguns denominam este princípio de
Movimento ou o decompõem em: Mobilidade, Rapidez, Liberdade de Açãoe Flexibilidade. Caxias - o Patrono do Exército Brasileiro - consagrou-se na
História Militar Mundial pela judiciosa aplicação do princípio da manobra,
na marcha sobre o Chaco, para flanquear Piquiciri - e decidirestrategicamente a guerra, na Dezembrada. E mais, na marcha de flanco
sobre Humaitá, fazendo-a cair pela manobra. O então major Humberto de
Alencar Castelo Branco realizou, em 1939, na ECEME, duas conferênciassobre as manobras de Humaitá e Piquiciri, tendo como enfoque crítico os
princípios de guerra, particularmente o da manobra (23).
4.14.5.7 Princípio da surpresa: é atingir o inimigo onde e quando ele nãoesteja preparado para reagir. Se obtida pelo fraco, pode implicar na derrota
do forte. A surpresa militar é tática ou estratégica e se obtida:
- neutraliza a segurança do inimigo; e
- anula sua capacidade física e psicológica de reação.
Surpresa técnica liga-se à idéia do emprego pela primeira vez de um novo
meio ou instrumento de guerra (canhão, gases, carro de combate e até o
cavalo, etc.). Surpresa é segredo, audácia, rapidez, iniciativa de execução,agressividade e é originalidade, capazes de provocar no inimigo confusão,
desmoralização, pânico e impossibilidade de reação em tempo útil. Na
primeira Batalha dos Guararapes, o princípio de guerra da surpresa concorreudecisivamente para a vitória. De igual forma, na marcha de flanco de Piquiciri,
realizada por Caxias, através da Estrada do Chaco. Para a conquista do
Forte São Martinho, em 1775, próximo a Santa Maria-RS, a surpresa foidecisiva. Foi aberta uma picada pelo mato que levou o major Rafael Pinto
Bandeira, durante a noite, diretamente à retaguarda do forte. A reconquista
da Vila do Rio Grande, em 1776, deveu-se à correta aplicação do princípioda surpresa, pelo general Henrique Boehn - comandante do Exército do Sul
ESAO/CEAD/CAO – HISTÓRIA MILITAR I
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(24). Na reconquista de Corumbá, no final da guerra do Paraguai, ficou
evidenciada a aplicação do princípio da surpresa. Os brasileiros a atacaram
na hora em que o adversário sesteava. A História do Exército Brasileiro érica em casos históricos de aplicação da surpresa. Casos que estão
aguardando a exploração crítica pelos estudiosos brasileiros, militares em
geral e historiadores. O soldado português foi mestre da surpresa, comodecorrência do pequeno potencial humano de seu país. E o próprio
pensamento militar que os norteava “a ofensiva, mesmo em inferioridade
de meios”, implicava a procura da máxima exploração do princípio da surpresa.As raízes branca e índia do brasileiro cultivavam este princípio.
4.14.5.8 Princípio da segurança: ele decorre da judiciosa aplicação do
princípio das informações, antes e durante o combate. E mais: do princípioda economia de meios na judiciosa organização do dispositivo. Nesta
organização, as forças e a reserva traduzem um dos mais importantes aspectos
do princípio da segurança. O princípio de segurança é o que se contrapõeao princípio da surpresa, tentada aplicar pelo inimigo. Poderíamos caracterizá-
lo hoje: pela busca de informações sobre o inimigo, antes e durante a ação,
existência de uma reserva compatível na mão do comandante, PAG, PAC,vigilância, apoio dos flancos em obstáculos, medidas de contra-informação
e sistema de comunicações eficiente para o rápido fluxo de informes e
informações sobre o inimigo e das ordens conseqüentes, dos comandantes,para exercitarem o princípio da unidade de comando. Princípio da segurança
é proteger, por diversos meios, à disposição de um comandante, a força
encarregada de realizar a ação principal. Segurança é principalmenteinformações e contra-informações, reserva e dispositivo flexível. Eles
previnem a surpresa e protegem a força encarregada da ação decisiva. E,
caso ocorra a surpresa, asseguram condições para o comandante neutralizarou minimizar seus efeitos, através do emprego da reserva. Caxias, na marcha
de flanco de Humaitá, aplicou o princípio da segurança. No ataque a
Curupaiti, num reconhecimento à viva força para obter-se informações sobreo inimigo, morreram mais de 4.000 brasileiros. Caxias, que foi chamado ao
Teatro de Guerra, em decorrência deste desastre, obteve as informações de
que necessitava sobre Humaitá, pelo uso de dois balões cativos que mandouvir dos EUA. O resultado foi a montagem de uma operação sobre Humaitá.
Esta terminou de cair através de segura e decisiva manobra que planejou e
executou, sem o sacrifício inútil de vidas de soldados brasileiros e aliados.
Capitulo 4 - Fundamentos para a Pesquisa e o Estudo Crítico da História Militar
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O princípio da segurança não foi observado por Moreira César, na expedição
que comandou sobre Canudos. Isto ao subestimar o adversário e não se
preocupar em colher informações sobre ele. O resultado foi mais um desastremilitar, com a perda inútil de vidas de soldados brasileiros.
4.14.5.9 Princípio de simplicidade: planos simples e ordens claras, precisas,
inteligíveis e de fácil execução caracterizam o princípio da simplicidade.“Na guerra só dá resultado o que é simples”, insistiam os militares da Missão
Francesa no nosso Exército. “A Arte da Guerra é simples e é toda execução”,
dizia Napoleão. E Caxias, segundo o Marechal Castelo Branco, foi fiel aesta máxima. A pesquisa e o estudo crítico da História Militar têm
demonstrado que a vitória é decorrência de manobras simples e a derrota é
fruto de manobras complexas e confusas. Simplicidade é a marcha de flancosobre Piquiciri concebida por Caxias. Fixação da posição de Piquiciri e seu
envolvimento, por meio de força enviada pela estrada do Chaco.
4.14.5.10 Princípio da unidade de comando: basicamente se resume em
qualidade de chefia e condições estruturais da organização para que elaseja exercida em sua plenitude. Esta figura traduz a essência do princípio.
Um comanda e todos obedecem, o que se contrapõe à figura oposta: todos
mandam e ninguém obedece. É o chefe quem aciona diretamente osubordinado. Unidade de comando significa hoje: - Cadeia de comando
bem definida e nítida divisão de responsabilidade; - Boa qualidade das
comunicações que infra-estruturam a Arma do Chefe; - Doutrina Militar,bem entendida, aceita e praticada por todos; - Chefe competente que
desperte confiança e obtenha do subordinado obediência consciente,
continuada e entusiástica no combate. O desastre de Curupaiti, na guerrado Paraguai, é o mais eloqüente exemplo na História Militar do Brasil, de
inobservância do princípio da unidade de comando e de funestas
conseqüências. Sua origem reside em 1º de março de 1865, na estruturaçãodo Comando Aliado pelo Tratado da Tríplice Aliança contra o Paraguai. A
análise do desastre aliado em Curupaiti é o exemplo mais eloqüente em
nossa História Militar para um estudo crítico do princípio de unidade decomando. Seus ensinamentos possuem grande atualidade e devem estar
sempre presentes na mente dos comandantes brasileiros do presente e do
futuro. O então coronel Humberto Castelo Branco, em 1962, produziuexcelente e permanente estudo crítico sobre o assunto, ao analisar o
Comando Aliado na guerra do Paraguai (25). O princípio da segurança, em
ESAO/CEAD/CAO – HISTÓRIA MILITAR I
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seus aspectos de informações e contra-informação, tem assumido especial
relevo nos últimos conflitos. Para bem atendê-lo naqueles aspectos, o
comandante, nos mais diversos escalões, em campanha, deveria consideraros princípios gerais a seguir, úteis para a pesquisa e estudo crítico da
observância do princípio da segurança: Princípios de Williams para prevenir
a surpresa - assim os denominei (26) após algumas adaptações ecomplementações. Foram enunciados por um general dos EUA,
contemporâneo e com larga experiência de combate. Observados pelos
comandantes, ajudam a prevenir ou minimizar a surpresa militar:
- Defina com objetividade, precisão e clareza as informações de quenecessita. Insista em obtê-las oportunas, imparciais, seguras, comamplitude necessária, claras, simples, precisas e controladas quantoà difusão, indicada no caso. Não desgaste seus analistas na duplatarefa de desvendar as suas intenções e a do inimigo;
- Insista em receber estimativas baseadas em fatos. Verifique acoerência das mesmas. Ouça as opiniões divergentes ou conflitantes,mas abalizadas;
- Não corte a iniciativa dos analistas à sua disposição e oriente-os nadireção conveniente;
- Não conte, exclusivamente com as informações de seus analistas.Utilize fontes múltiplas, pois é raro o consenso entre analistas deinformações. Encoraje, mais do que desestimule, uma competiçãosaudável entre as fontes múltiplas e mantenha as portas abertaspara elas;
- Se for surpreendido assuma a responsabilidade. O chefe é responsávelpor tudo que aconteça ou deixe de acontecer. É provável que nãotenha tido tempo para ocupar-se das informações disponíveis oude acreditar nas que lhe foram fornecidas;
- Resista a ser influenciado por um clima de opinião generalizada.Examine e considere todos os elementos disponíveis que contrariama opinião generalizada (27);
- Convença-se e se esforce para crer que seu oponente é tão espertoquanto você. Portanto, não o subestime sem conhecê-lo o suficiente;
- Reconhecendo que seu oponente é tão esperto ou mais do quevocê, admita que ele possui sempre um plano para conquistar seusobjetivos. Portanto, empenhe-se, e a seus analistas, em descobri-lo;
Capitulo 4 - Fundamentos para a Pesquisa e o Estudo Crítico da História Militar
91
- Não se deixe influenciar pelos exercícios didáticos de aula e campoem que o inimigo é um obstáculo temporário entre você e o seuobjetivo. Não confunda inimigo figurado, com o real;
- Determine as possibilidades do inimigo, Depois, aplique-se nadeterminação de suas intenções reais. Lembre-se: a corretadeterminação das possibilidades do inimigo não exclui a ocorrênciade surpresa. Para descobrir a real intenção do inimigo recorra àespionagem, interceptação de mensagens a PG, a desertores, adocumentos capturados, ao conhecimento do caráter do líderoponente, etc. Não esqueça de elaborar e difundir uma lista deindícios capazes de indicar, com oportunidade, que determinadapossibilidade inimiga está se caracterizando;
- Exija e se assegure de que os informes sobre o inimigo fluamlivremente através dos canais de informações do serviço à suadisposição;
- Espere de seu oponente tentativas de surpreendê-lo na pior hora,local ou circunstâncias para você;
- Saiba que os sinais de surpresa freqüentemente estão perdidosnuma pilha de informes disponíveis, conflitantes ou irrelevantes.Procure resolver este problema e tirar partido do mesmo;
- Desenvolva alto padrão no serviço de informações à sua disposição.Escolha um chefe experimentado e qualificado para o mister, paraorganizá-lo, coordená-lo e para ser seu elo de ligação com o sistemade informações que integra. Não permita que o serviço à suadisposição seja afogado pela burocracia excessiva;
- Lembre-se: um indício de surpresa, historicamente, tem sido captadopor analistas menos graduados. Por tanto, certifique-se se todoseles são capazes e qualificados, ou se bons em outras funções,mas não qualificados para a de analistas.
Hoje os princípios de guerra foram incorporados na doutrina dos escalões
táticos na defensiva e ofensiva. Mas não quer dizer que num país de
dimensões continentais como o Brasil, o chefe brasileiro de pequenosescalões não se veja na contingência de criar um dispositivo original que
não figure nos manuais. Constitui excelente exercício crítico para os cadetes,
capitães em aperfeiçoamento e oficiais cursando a ECEME procurar identificaronde os princípios de guerra foram atendidos no dispositivo adotado para o
combate.
ESAO/CEAD/CAO – HISTÓRIA MILITAR I
92
4.14.5.11 Síntese dos Princípios de Guerra:
Com apoio no máximo de informações, procurar atingir o inimigo no ponto
decisivo (OBJETIVO) com toda a força material e moral possível (MASSA),que não comprometa o restante do dispositivo complementar (ECONOMIA
DE MEIOS). Deslocar sua força para o objetivo com o máximo de rapidez
(MANOBRA) e agressividade (OFENSIVA). Proteger a força durante odeslocamento (SEGURANÇA). Deixar forças em reserva na direção do
objetivo, para reforçar a ação principal ou livrá-la de uma ameaça real
(SEGURANÇA). Realizar tudo sob uma direção centralizada (UNIDADE DECOMANDO). A execução será descentralizada e com apoio em planos simples
e ordens claras, precisas e concisas, entendidas por todos os executantes
(SIMPLICIDADE). Procurar atingir o objetivo no local e na hora em que oinimigo não o espere (SURPRESA).
4.14.6 A Manobra e seus Elementos
A História Militar e a Manobra: Segundo o então coronel Golbery do Couto
e Silva, em prefácio do livro A Manobra na Guerra do então major AmerinoRaposo, distinto pensador militar brasileiro:
No estudo da Arte da Guerra - setor terrestre - não há, por certo,capítulo mais fecundo e de interesse do que a Manobra, tal comovem sendo realizada e concebida, através dos tempos, pelosgrandes capitães. Isto desde que nela se busque, sobretudo,caracterizar-lhe a sua essência imutável, distinguir os elementosfundamentais que a estruturaram e a definem, deduzir suasconstantes e identificar suas variáveis. E traçar, após tudo isso,com a mais ampla latitude e sob clara ordenação lógica, umaverdadeira tipologia da manobra (28).
E prossegue mais adiante:
Assim sendo, cumpre levar-se a efeito, em cada época e emcada país, à luz das características específicas do problemaestratégico que desafia cada geração e orienta toda a preparaçãopara a guerra, reinterpretação válida e realmente útil da HistóriaMilitar. E daí, a reformulação da própria doutrina da Manobra -será o passo imediato.
[...]
E tudo isso impulsionado por um sentimento profundo, de quequalquer estudo, de Estratégia ou História Militar, deve ser sempre
Capitulo 4 - Fundamentos para a Pesquisa e o Estudo Crítico da História Militar
93
orientado por preocupações objetivas com o problema estratégicoque nós enfrentamos, em nossa época e em nosso próprio país.
4.14.6.1 A Manobra na Guerra:
O então major Amerino Raposo produziu, sob este título valioso, profundo
e permanente estudo sobre o assunto. Infra-estruturou sua pesquisa emobras de Jomini, Rommel, Montgomery, Clausewitz, Von Schilieffen, L.
Rousset, Dervien, Guillaume, Hana Speidel e valiosa documentação
específica produzida pela ECEME, nos anos de 1958 e 1959. Seu trabalhofornece valiosos elementos críticos para o estudo e pesquisa da manobra e
seus elementos na História Militar e na História do Exército Brasileiro. Desta,
explora algumas das manobras realizadas por Caxias na Guerra da TrípliceAliança (Humaitá, Piquiciri e Curupaiti). Apoiamo-nos, inclusive, em seu
trabalho, como aluno da ECEME oriundo de uma arma de apoio, depois, ao
produzirmos e publicarmos trabalho sobre as Batalhas dos Guararapes. Aseguir reproduzimos, sinteticamente, seu esquema:
Definição - Manobra é um conjunto de ações, que comporta de modo
sucessivo ou simultâneo:
- uma combinação de atitudes e direções; e
- adequada repartição das forças, no espaço em que irão operar.
Tudo, para a configuração de um sistema harmônico e integrado, com a
finalidade de conquistar um objetivo, no conjunto das forças adversárias e
a despeito do inimigo.
4.14.6.2 Elementos da manobra: Objetivo, Formas (29), Direção e Repartição
de meios.
1 - Objetivo - Definido na missão, ou a deduzir dela.
2 - Formas - Para conquistar o objetivo:
- ofensiva;
- defensiva; e
- ofensiva - defensiva, ou mista.
3 - Direções - Utilizadas para a conquista do objetivo:
- paralelas;
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94
- convergentes; e
- divergentes.
4 - Repartição de meios - Como dosar judiciosamente os meiosdisponíveis para alcançar o objetivo, conciliando os princípios deguerra da massa e economia de meios.
4.14.6.3 Formas de manobra ofensiva:
1 - Manobra Central:
- ruptura ou penetração; e
- linhas interiores.
2 - Manobra de Flanco ou Ala:
- desbordamento; e
- envolvimento.
4.14.6.4 Amplitude da manobra - Função do esforço operacional e dos
objetivos a conquistar:
- Manobra Tática; e
- Manobra Estratégica.
4.14.6.5 Execução da manobra
- Quanto ao tempo: sucessivas (Ex.: envolvimento e desbordamento);e simultâneas (Ex.: ruptura).
- Quanto à dependência do Comando da operação: centralizada (Ex.:ruptura e desbordamento); e descentralizada.
4.14.6.6 Manobra Central: - Atuação mais ou menos perpendicular à frente
do inimigo a atacar, por ruptura (ou penetração) ou linhas interiores. No
primeiro caso, para romper a posição inimiga e criar flancos, para, rebatendo-os, abrir a brecha necessária para a massa empregada conquistar o objetivo.
No segundo caso, para colocar nossa massa no interior do dispositivo inimigo
e batê-lo por partes para impedir que suas forças de manobra ocorramtodas ao mesmo tempo, no ponto ameaçado.
4.14.6.7 Manobra de flanco ou ala: Uma ação secundária para fixar o inimigo
na posição e uma principal para atuar no flanco. Chama-se desbordamento,
Capitulo 4 - Fundamentos para a Pesquisa e o Estudo Crítico da História Militar
95
quando a ação principal é dirigida para um objetivo na retaguarda próxima
do inimigo. Objetivo que corte a retirada do inimigo e possibilite sua
destruição na posição que ocupava. Chama-se envolvimento, quando aação principal é dirigida para a conquista de um objetivo bem à retaguarda
do inimigo. A sua finalidade é obrigá-lo a abandonar suas posições, ou
desviar, para fazer face à ameaça, forças importantes. Assim sendo, umenvolvimento com êxito permite a destruição do inimigo no terreno escolhido
pelo atacante. Na II GM foi praticado o envolvimento vertical, por pára-
quedistas. Esta era a forma preferida por Napoleão. Caxias a utilizou comsucesso na Marcha de Flanco de Piquiciri. Atingiu a retaguarda profunda
adversária e cortou sua linha de retirada e suprimentos. Depois bateu-o na
Dezembrada (Itororó, Lomas Valentinas e Avaí). Com isto ganhou a guerrano campo estratégico, por acabar com a capacidade defensiva estratégica
do adversário, já que sua capacidade ofensiva tática fora perdida na batalha
de Tuiuti, vencida pelo general Osório, e a capacidade ofensiva estratégica,em Riachuelo. O aprofundamento no assunto, com exemplos reais
estrangeiros e nacionais, pode ser feito, entre outras, nas seguintes obras,
fruto de esforços de pensadores ou historiadores do Exército Brasileiro,além de Manobra na Guerra citada:
Bibliografia
AZEVEDO, Pedro Cordolino. História militar geral e do Brasil. Rio de Janeiro:
s/ed, 1946. Antigo professor de História Militar de várias gerações da EscolaMilitar do Realengo e das primeiras da AMAN (30).
WIEDERSPHAN, Oscar. Canae e suas batalhas. Rio de Janeiro: Noite, 1936
(31).
AMAN. Evolução da arte da guerra. Resende: Acadêmica, 1975. Consolidatrabalhos realizados desde 1955, por equipes de oficiais de Estado-Maior,
que tenham exercido as funções de professor e, em data mais recente, de
instrutor de História Militar.
RUAS SANTOS, Francisco. As manobras. In: Teoria e Pesquisa em História
Militar: Resende: AMAN, 1961. Estudada inclusive a Batalha de Avaí e
Lomas Valentinas, p. 116 e 124.
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96
CASTELO BRANCO, Humberto de Alencar. As manobras de Santa Luzia,
Piquiciri, Humaitá, etc. In: ECEME. O Marechal Castelo Branco e seu
Pensamento Militar: Rio de Janeiro: S Ge Ex, 1966. Sob os auspícios daECEME.
BENTO, Cláudio Moreira. Análises das manobras luso-brasileiras. In: As
batalhas dos Guararapes. Recife: UFPE, 1971. p. 97-167 e 135-141.
O que tem sido feito quanto à análise de ações da História do ExércitoBrasileiro do ponto de vista da manobra é pouco. Muito ainda é preciso ser
feito. A seguir reproduzimos um memento para os chefes, pensadores,
planejadores e historiadores do Exército que desejarem pesquisar ou estudar,criticamente, manobras em ações de guerra na História do Exército Brasileiro,
à procura de subsídios didáticos, ou para o desenvolvimento da doutrina.
Enfim, para a edificação do Exército do futuro. Mas antes uma advertência:com referência aos fundamentos da Arte da Guerra, todos os elementos
constantes da Doutrina Militar, mas variáveis no tempo e no espaço pelas
infinitas combinações que permitem, faz-se necessário a seguinteadvertência, sintetizando, complementando e atualizando Sun Tzu, Castelo
Branco e Amerino Raposo. Sete são as notas musicais e não existem no
mundo músicas iguais. Cinco são as cores fundamentais e infinitas suascombinações. Cinco os paladares fundamentais e, jamais, alguém poderá
conhecer todos os fatores da Decisão Militar e não serão encontrados dois
chefes com decisões iguais. Cinco são os mandamentos da guerra, menosde dez os seus princípios e quatro os elementos constantes de uma manobra
permitindo infinitas combinações entre si e tornando impossível encontrar-
se duas ações militares iguais. E a respeito da Doutrina Militar, para os queconsideram estática ou imutável e com caráter de lei: Ela varia em função
das infinitas combinações dos fundamentos da Arte da Guerra e, mais
acentuadamente, em função do progresso da Ciência e da Guerra. Dapesquisa e do estudo crítico da História da Doutrina Militar conclui-se que a
única coisa permanente é a mudança. Mudança que se acelera em nossos
dias em razão da constante da doutrina militar – o homem, como chefe,combatente e pensador, a buscar, sem cessar, novas doutrinas, para as
experimentar, na primeira oportunidade, no maior laboratório da Arte e
Ciência da Guerra – o campo de batalha. Busca que faz parte do eternoduelo entre os meios de destruição e os de proteção. Ontem, o escudo e a
armadura contra a lança e a espada, muralha contra o canhão, a couraça
Capitulo 4 - Fundamentos para a Pesquisa e o Estudo Crítico da História Militar
97
contra a bala, a trincheira contra a metralhadora e, assim por diante, até a
proteção nuclear contra armas nucleares. Nas referências bibliográficas
podemos concluir que já foram analisadas as seguintes ações do ponto devista da manobra: Batalhas dos Guararapes, operações dos combates de
Humaitá, Piquiciri e Curupaiti, Batalhas de Avaí e Lomas Valentinas e mais
o combate de Santa Luzia. O que julgamos muito pouco, face ao alentadoacervo cultural militar acumulado pelas FTB em quase cinco séculos.
4.15 Memento para a Pesquisa e o Estudo Crítico da Manobra1 - Contexto histórico - Enquadramento histórico da batalha a analisar.
Quando, onde e por quê?
2 - Reconstituição da batalha - Como ela se desenvolveu do ponto devista da manobra.
3 - Classificação da Manobra quanto:
a) Amplitude: tática ou estratégica;
b) Momento do seu desencadeamento;
c) Suas constantes:
- ofensiva, defensiva, mista;
- direções paralelas divergentes ou convergentes; e
- repartição de forças (no espaço e no tempo).
d) Suas variáveis:
- ações sucessivas ou simultâneas;
- ações centralizadas ou descentralizadas;
- manobra central ou de flanco; e
- meios empregados.
4 - Resultados da Manobra adotada
5 - Conclusões da Pesquisa ou Estudo Crítico
Ensinamentos colhidos, sob a forma de erros e acertos, na sua concepção eexecução. Inovações. Ao final do trabalho desenvolveremos nos apêndices
números 3 e 4, sob ângulo didático, inclusive à luz da Manobra, dois grandes
momentos da História Militar do Exército: A 1ª Batalha de Guararapes,onde despertou o espírito do Exército Brasileiro, e a conquista de Monte
Castelo pela nossa FEB, na Itália. Eles poderão orientar estudos semelhantes,
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98
de caráter didático, sobre todos os demais combates e batalhas que tiveram
lugar no Brasil em quase cinco séculos, desde o Descobrimento. Este é um
trabalho a fazer e urgente para: contribuir para a formação dos quadros eda tropa. Penso que as escolas do Exército de formação, aperfeiçoamento e
de altos estudos possuem as melhores condições de realizar o estudo crítico
de nossas batalhas e combates, com o duplo objetivo de formação profissionale de desenvolvimento da história educativa do Exército, à luz da experiência
operacional de quase cinco séculos das FTB. A AMAN, ao nível de subunidade.
A EsAO, ao nível de unidade, e a ECEME, ao nível de grande unidade. Osreferidos estudos assumirão maior relevância e objetividade se comparados
com outras batalhas e combates ocorridos no mundo na mesma época.
Deste modo se terá a exata medida da evolução de Arte e Ciência da Guerrado Exército Brasileiro.
Notas ao Capítulo 4
1. Vide espírito da Portaria Nº 61-EME, de 07 Out 77 Diretrizes para asAtividades de História no Exército (objetivos).
2. Idem documento anterior.
3. Manual Básico - ESG - 1977/78 - Desenvolve o assunto com detalhes.
4. Idem nota anterior, p. 188-204.
5. Idem, p. 29-61.
6. Idem, p. 77-78.
7. Além destes trabalhos, registrem-se muitos outros de data recente jácitados no capítulo anterior e mais: OLINTO, Antonio. Para onde vai oBrasil. Rio de Janeiro: 1978.
8. Idem nota 3 p. 198.
9. AMAN - Evolução da arte da guerra. Resende: AMAN, 1976/ 77, p. 1.
10. ALVARES, Obino. Estudos de estratégia. Diversas referências a Beaufree outros conceitos de estratégia.
11. PILAR. Patronos das forças, p. 205-233.
Capitulo 4 - Fundamentos para a Pesquisa e o Estudo Crítico da História Militar
99
12. Artigo sob o título - Guerras ganhas atrás das linhas de contato.
13. DESCARTES, René. O discurso do método. São Paulo: Aterra, s/ d.Leitura importante para o pensador militar. Josué Montello, ao estudara obra de Descartes, na revista Manchete, número de Set 65 – obra-prima que poucos leram - escreveu: “O Método é um dos mais segurosinstrumentos de trabalho que o homem deu aos outros homens”.
14. Vide do autor Estudo Militar dos Fatores da Decisão Militar na Batalhado Passo do Rosário. Defesa Nacional, Nº 672, 1977, p.63-110.
15. ECEME - O Marechal Castelo Branco e seu Pensamento Militar, p. 139-161 e diversas outras referências. Ao falar na importância das forçasmorais diz a certa altura o marechal Castelo: “A guerra para o historiadoré o sincronismo dos movimentos e datas. Para os chefes é um laborduro, continuado, formidável mesmo. Mas, para o soldado e o jovemoficial de fileira, é um longo convívio com a morte”.
16. Idem, p. 163-176. O Marechal Castelo Branco nos dá um exemplo deestudo histórico de chefes do ponto de vista profissional. Isto ao estudarCaxias, Osório e Sampaio. Sobre Caxias refere ter recebido o influxo deensinamentos das campanhas napoleônicas e os colhidos em lutas sul-americanas. E que baseava sua atuação na máxima napoleônica - “Aguerra é uma arte toda execução”. E que caracteriza a sua ação decomando no “senso do praticável”. É sabido, hoje, que Caxias estudavaa evolução da Guerra de Secessão nos EUA.
17. Vide Cultura Militar - p. 221, 1972. Aniversário do EME e mais osseguintes estudos publicados na “Military Review”:
- Imperfeições nas Relações de Estado-Maior. Abril, 1963, p. 3-6; e
- Um Sucesso como Chefe de EM. Agosto, 1965, p. 49.
18. BLADLEY, Osmar. História de um Soldado. Rio de Janeiro: BIBLIEX,1965. 2 v.
18a. Pensamento Militar Criador. Military Review. Agosto, 1966 p. 77-86.
19. Idem nota 14 - Estuda o incêndio do campo de batalha e suasconseqüências.
20. Idem nota 16.
21. Idem nota 9.
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22. Bento, Cláudio Moreira. As batalhas dos Guararapes, Recife: UFPE,1971, 2 v.; e A guerra da restauração do Rio Grande, Rio de Janeiro:BIBLIEX, 1997.
23. Idem nota 15, p. 114-135.
24. Idem nota 22 - Restauração do Rio Grande.
25. Idem nota 16, p. 104-5.
26. Robert Williams, Gen Bda EUA. Surpresa, Sinais de Perigo. Coletânea L- Out 76, p. 11-29 e mais: Trabalho do autor - A Produção de Estimativas:Menção Honrosa - Prêmio Argus - 1977, promovido pela revistaColetânea L - da Escola Nacional de Informações. Barbacena em Passodo Rosário não observou este ponto.
27. Idem nota 14. Causa das dificuldades do Marquês de Barbacena, emPasso do Rosário.
28. RAPOSO FILHO. A Manobra na Guerra (Prefácio). Rio de Janeiro:BIBLIEX, 1960.
29. Preferimos adotar a palavra forma ao invés de atitude. Entendemosque atitude ofensiva relaciona-se com o Princípio de Guerra da Ofensivaque deve ser aplicado em qualquer forma de manobra.
30. O general Cordolino produziu os seguintes trabalhos, entre outros:
- Terra Distante - Impressões de Goiás - 1925;
- Epopéia de Mato Grosso no Bronze da História - 1926;
- Campanha Austro-Prussiana de 1826;
- Campanha do Uruguai;
- Guerra de Secessão;
- A Guerra do Chaco; e
- Marechal Pego Junior e a invasão do Paraná.
Em 1979, na sala dos professores da AMAN encontrava-se em local dedestaque sua espada. Faleceu aos 74 anos, após 38 de magistériomilitar. A presente referência é feita em atendimento à carta de 06 demarço de 1978 ao autor, do Ten-Cel Henrique Oscar Wiedersphan, e
Capitulo 4 - Fundamentos para a Pesquisa e o Estudo Crítico da História Militar
101
com apoio em subsídios por ele fornecidos. O missivista, contemporâneodo general Cordolino, considerado injustiçado como historiador e vítimade uma conspiração do silêncio: “Parece haver uma restrição à maneiracomo ele redigia os seus trabalhos. Talvez, por colidirem de certo modo,com as diretrizes da Missão Francesa da época, anteriores à 2ª GuerraMundial e por esta modificadas em sua essência pelos acontecimentosde 1940, sob o ponto de vista doutrinário”. Seus livros, História MilitarGeral e do Brasil, contêm mais detalhes sobre sua obra. Até hoje, partede seus estudos infra-estruturam o ensino de História Militar na AMAN.Sua história era descritiva.
31. Julgo, salvo melhor juízo, que Wiedersphan foi um pioneiro do estudocrítico-militar das batalhas brasileiras. Sua obra inspirou-se em VonSchiliffen, chefe do Estado-Maior alemão após a guerra franco-prussiana(1870).
Os capítulos 1, 2, 3 e 4 desta publicação foram coligidos a partirda obra de título COMO ESTUDAR E PESQUISAR A HISTÓRIADO EXÉRCITO BRASILEIRO, 2ª Edição, 1999, de autoria do CoronelCLÁUDIO MOREIRA BENTO, e correspondem aos capítulos 1, 2,3 e 4 daquela obra. Os capítulos 5, 6, 7 da obra original, bemcomo os seus apêndices, foram suprimidos da presente publicaçãopor abordarem assuntos não constantes do PLADIS.
Bibliografia básica dos capítulos de 1 a 4
1. BENTO, Cláudio Moreira. Como estudar e pesquisar a história do ExércitoBrasileiro. 2. ed., 1999.
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O AUTOR (Capítulos 1 a 4)
Cel Eng QEMA Ref CLÁUDIO MOREIRA BENTO
Natural de Canguçu - RS. Historiador Militar consagrado. Integra osIHGB, IGHMB, ABH, as academias de História de Portugal, da Argentina,o Instituto Histórico e Geográfico del Uruguay e a Real Academia de laHistória da Espanha. Fundou e preside o Instituto de História e Tradiçõesdo RGS (IHTRGS). Fundou em 1º mar 1996 a Academia de HistóriaMilitar Terrestre do Brasil. Integra os IHGRGS IHGSC, IHGEP Paraná,IHGSP, IHGRJ, IHGMG, IHGMT, IHGRGN, CIPEL (RS), Instituto do CearáIHGP Pelotas, IH de São Leopoldo, IHG São Luiz Gonzaga, IHGGSorocaba, os institutos Bolivariano e Gen Ramón Castilha, no Rio deJaneiro, Instituto de Estudos Valeparaibanos e o dos Centenários noRio de Janeiro, e academias de História de Canguçu, Itajubá, Resendee Itatiaia. Instrutor de História Militar na AMAN 1978-80. Coordenou aedição dos livros textos História da Doutrina Militar e História Militardo Brasil com apoio em recursos do EME e, desde então, livros textosna AMAN. Dirigiu o AHEx de 1985-91. Coordenou a construção doParque Nacional dos Guararapes, onde foi lançada sua obra As Batalhasdos Guararapes - descrição e análise militar, sobre a qual se manifestaram,de forma elogiosa, consagrados intelectuais brasileiros, civis e militares.Foi adjunto da Presidência da Comissão de História do Exército doEME que coordenou a História do Exército Brasileiro, cabendo-lheabordar “As guerras holandesas”. Presidiu Comissão que resultou naescolha do Forte de Copacabana como Museu do Exército. Possui 7prêmios em concursos literários no Brasil e EUA.
103
CAPÍTULO 5CAPÍTULO 5
Polemologia
Polemologia foi um termo criado pelo filósofo e advogado francês Gaston
Bouthoul para designar o estudo objetivo e científico da guerra como
fenômeno social suscetível de observação. Gaston Bouthoul começou aescrever sobre a guerra ao término da Segunda Guerra Mundial que marcou
de forma extraordinária sua vida. Desde então, se propôs a consagrar todos
os seus esforços no sentido que melhor pudesse contribuir para a desapariçãodas grandes guerras. Sua plena dedicação ao conhecimento das guerras
frutificou com a apresentação de dois expressivos títulos: Cent millions demorts e Huit mille traités de paix, escritos entre 1946 e 1948. Em 1951concluiu uma de suas obras mais emblemáticas: Les guerres, elements depolemologie. Esta obra ganhou um novo capítulo em 1970 e foi relançada
com o título de Traité de polemologie. Sociologie des guerres. Outras obrasde interesse escritas entre 1950 e 1970 foram: Les Mentalités, em 1952; LaGuerre, em 1953, publicada no Brasil pela Editora Difusão Européia do
Livro, em 1964; L’Art de la politique, em 1962; e Avoir la paix-Sauver laguerre, em 1967. Em 1976 escreveu Essais de polemologie e Le Défi de laguerre (1740-1974): deux siécles de guerre et révolutions, esta última
traduzida para o português e publicada pela Biblioteca do Exército Editoracom o título “O Desafio da Guerra”. Neste livro, escrito conjuntamente com
o General René Carrère e a participação do Coronel Jean Louis Annequin,
se aprecia, possivelmente por influência de René Carrère, uma mudança emrelação à orientação literária do polemólogo francês. Desapareceram alguns
de seus “deslizes” anti-militaristas e sua obra ficou menos abstrata, mais
técnica e com menor presença dos condicionantes demográficos. Como sepode observar pelo título de seus livros, sua obsessão e preocupação pelo
fenômeno guerra fica manifestado em toda sua obra. Esta preocupação o
levará a fundar, em 1945, o Instituto Francês de Polemologia. Este institutofoi criado com o objetivo de procurar, por meios científicos, as causas dos
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104
conflitos bélicos, tratando de eliminar dessa análise o aspecto mitológico e
sagrado da guerra. Os estudos e seus resultados foram publicados na Revista
Francesa de Polemologia. Bouthoul, no prefácio do livro “Traité depolemologie. Sociologie des guerres”, explica os motivos que o levaram a
criar o vocábulo polemologia. Os anos que se seguiram a 1945 não
despertaram as mesmas euforias e ilusões da Primeira Grande Guerra. Aspessoas não estavam dispostas a prestar atenção a assuntos relacionados
com a guerra, pois estavam recentes os padecimentos do conflito. Ademais,
era normal que a opinião pública estivesse extremamente negligente emadmitir o estudo científico das guerras, pois, com o debilitamento das crenças
religiosas, as guerras tinham chegado a ser, mais do que nunca, a mais
intensa fonte de emoções coletivas. Considerá-las como fenômenos sociaisordinários era privá-las de seu aspecto sagrado. Uma atitude que suscitava
a hostilidade inconsciente e geral. Esta resistência era, inclusive, de caráter
semântico, pois a expressão “Ciência da Guerra” evocava exclusivamente aestratégia, a tática e considerações jurídicas e morais. Por essa razão ele
viu-se obrigado a forjar o vocábulo “Polemologia” (do grego polemos), com
a finalidade de evitar a contínua confusão de termos e designar semequívocos a nova disciplina.
Figura 1 - Campo de estudo da Polemologia e domínio vizinhoFonte: Bouthoul e Carrère (1979, p. 126)
Capítulo 5 - Polemologia
105
5.1 Obstáculos ao estudo polemológico das guerras
A elaboração e a aplicação de métodos científicos ao estudo das guerras
sempre estiveram entorpecidas pela existência do pacifismo, que foi incapazde impedir o surgimento e a intensificação das guerras durante o século
XX. Pacifismo este que, como sempre, aparece sob as formas de imprecação,
exortação ou lirismo. Apesar de todas as boas vontades e embora contenhao mesmo ideal, o pacifismo torna-se um obstáculo para a Polemologia e,
indiretamente, um obstáculo para a paz. Pois segue tendo crédito a idéia,
desmentida pelos fatos, de que basta demonstrar bons sentimentos eamaldiçoar com gritos a guerra, para impedi-la. É uma atitude equivalente a
de querer que se contenham as epidemias mediante hinos à boa saúde.
Esta é uma ilusão tenaz e sempre a renascer que se refugia no âmbito dosocial. O segundo obstáculo é o caráter sacro da guerra. Hoje a política é a
única declarada causa das guerras. Cobre-se com um véu as motivações
raciais, tribais, nacionalistas e místicas, ou as disfarça com razões políticas.De tudo isso resulta uma verdadeira simbiose entre sacralização e politização,como a que se produz na linha de Hegel e de Clausewitz. Estes acrescentaram
novo brilho intelectual aos encantos mágico e religioso da guerra. Enquantoo Século das Luzes só via na guerra um sangrento absurdo, Hegel e
Clausewitz em troca a consideravam como atividade altamente racional.
Diziam que participa da razão universal encarnada na História. É o julgamentoda História. O exame do peso de povos e Estados. Segundo Bouthoul (1984,
p. 758), doutrinas aduladoras, porque fazem acreditar que a guerra é um
instrumento a serviço do homem. Sem dúvida, a guerra, e sobretudo suapreparação, podem parecer racionais a um chefe de Estado-Maior como
Clausewitz, posto que seu ofício é prepará-la e, como um engenheiro,
estabelecer os planos de antemão. Mas a decisão de fazer a guerra, é sempree essencialmente emocional. Inclusive nas sociedades democráticas, os
chefes a quem compete tal decisão estão “investidos” de uma função e de
uma aura sacerdotais. Hoje parece que se instala na opinião pública certadessacralização da guerra internacional segundo legaram os séculos XIX e
XX. Em compensação, multiplicam-se os apologistas das guerras internas,
que podem ser tão mortíferas como as anteriores. Dito de outra forma, afascinação da guerra permanece, mas transposta, segundo a conjuntura,
para este ou aquele de seus aspectos. Em qualquer caso, qualquer que seja
a predominante forma de sacralização, sempre verá na Polemologia algodesrespeitoso e incômodo.
ESAO/CEAD/CAO – HISTÓRIA MILITAR I
106
5.2 Opções metodológicas
O método polemológico a seguir está por se desenvolver. Do ponto de vista
da problemática e à medida que os trabalhos de investigação avançam, vê-se como se desenham as opções fundamentais, freqüentemente implícitas
neles. Primeiramente, é difícil estabelecer uma hierarquia ou uma ordem de
sucessão entre a guerra e a paz. A única comprovação certa é que a históriade todas as sociedades organizadas é a constante alternância desses dois
fenômenos. São as duas caras do mesmo Jano (antigo deus romano,
considerado o pai dos deuses. Como deus do passado e do futuro, do inícioe do fim, das portas que se abrem e fecham era representado com duas
faces contrapostas). Em vão nos perguntamos se a paz engendra a guerra
ou se a guerra engendra a paz. Contudo, é necessário escolher explicitamenteou implicitamente um método, e considerar como primordial um desses
dois estudos. A Polemologia escolhe como primordial o estudo das guerras.
Em princípio parece que as guerras oferecem mais fácil aproximação, quesuas linhas são mais claras, e mais intensas e mensuráveis suas manifestações.
Uma segunda causa de tal escolha é a que resulta a hipótese mais otimista,
posto que supõe a paz como o estado normal das sociedades. Neste caso, aguerra significa uma perturbação, equivalente a uma enfermidade material
e mental – poder-se-ia dizer psicossomática, resultante sobretudo de
desequilíbrios e disfunções. Sempre cabe a esperança de curar asenfermidades. Mas a Medicina não progrediu mais que por estudos
sistemáticos. Conseguiu curar ou prevenir muitas enfermidades mediante a
eliminação ou neutralização de suas causas. A polemologia acredita quesomente assim, mediante o estudo das guerras, se poderá chegar a instaurar
e conservar a paz. Esta é a opinião da maior parte daqueles que atualmente
se ocupam em estudar cientificamente os conflitos armados e sua etiologia.Entretanto, muitas entidades, que na realidade estudam a Polemologia,
apresentam-se como dedicadas à paz. Eufemismo que se explica pelo desejo
de não se irritar a sensibilidade pública. A segunda dificuldade metodológicaestá nas interferências e confusões entre a Polemologia e o estudo das
relações internacionais. Em princípio esta última se limita à aproximação
política e jurídica destas relações. É próprio da Polemologia evitar essescampos e tender ao tratamento sociológico referido essencialmente à análise
dos fatores das guerras, as conjunturas e as impulsões conflituosas. Por
isso resulta extremamente delicado para a Polemologia estudar conflitosem curso, pois toda guerra presente e viva exerce fascinação e leva uma
Capítulo 5 - Polemologia
107
prodigiosa carga emocional, o que faz difícil, se não impossível, a serenidade
do observador. Além disso, neste caso, a objetividade a todos desagrada. A
primeira reação geral é a de se obrigar a tomar partido. E nem sempre sepode facilmente extinguir preferências e simpatias. Uma terceira dificuldade
metodológica é a problemática da paz. À medida que se certificam os
métodos de análise e comparação dos conflitos armados, têm-se resultadosrelativos aos conceitos de guerra e de paz extremamente simples. Contenta-
se muito facilmente com tratamentos gerais. Inclusive os especialistas no
“Peace Research” se conformam em definir implicitamente a paz comoausência de guerra. Até o momento não parecem inclinados a perguntar-se,
já estabelecida tal oposição, o que há detrás dessa palavra e desse estado
aparentemente homogêneo. À parte a ausência de guerra, que outrascaracterísticas tem a paz? Aparece sempre com o mesmo rosto? Quais são
os aspectos e características dos períodos pacíficos através da História e
segundo os tipos de civilização? Há várias classes de paz? Quais são asdiferenças? Pode-se estabelecer uma tipologia das pazes através do tempo,
da geografia e das mentalidades? Quais são as estruturas e as instituições
que mantêm e fazem durar a paz? A que formas de equilíbrio demográfico,econômico, mental, intelectual e institucional correspondem? Examinando
os períodos históricos, comprova-se que os espaços de paz se alargam ou
se encurtam segundo os casos. Também é necessário analisar e explicarestas variações. Por isso diz-se que a Polemologia inclui o estudo objetivo
do fenômeno paz, distinto do pacifismo e da busca ou a defesa da paz. O
ponto mais interessante e mais delicado é o estudo das relações entre aguerra e a paz. Entranha sobretudo a análise dos processos segundo os
quais se passa de uma a outra. E outro problema: por que e em que condições
as pazes que pareciam mais estáveis e mais afirmadas terminaram semprepor degenerar-se em guerra? Questões fundamentais para compreender a
gestação e o nascimento dos conflitos e as flutuações da agressividade
coletiva.
5.3 Investigações, Métodos e Programas
O estado atual dos trabalhos polemológicos faz conceber o estudo dasguerras e de sua etiologia como um conjunto que inclui as seguintes
subdivisões, cada uma das quais indica um grau de generalização
decrescente:
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108
1ª. As estruturas: constituem estas o elemento mais estável. São fatoresbásicos. As modificações de seus respectivos equilíbrios são as maisprofundas causas das impulsões belicosas. Também há estruturasgeográficas, demográficas, econômicas e mentais. Os conflitossecundários ou limitados, que contribuem com modificações dasestruturas, são os que criam as condições profundas.
2ª. As conjunturas: são conseqüência dos desequilíbrios, encontros e choquesentre grupos humanos – tribos, nações, partidos, religiões, Estados,etc. – que, cada um por sua parte, buscam o próprio desenvolvimento,do qual se deduzem disparidades, tensões, intensificação ou atenuaçãodas vontades de poder e apetências. A descrição e a análise dasconjunturas belicosas incluem a determinação de sua tipologia e desuas freqüências, variáveis segundo as civilizações.
3ª. As causas ocasionais e motivações: esta subdivisão refere-se à partemais aparente dos conflitos, a que sempre monopoliza a atenção doshistoriadores, da opinião pública e dos dirigentes. Preferentemente tratadas questões que dão lugar ao desencadeamento das hostilidades quea elas vão unidas. Estas questões, e as correspondentes discussõespolíticas e jurídicas, são as que servem aos adversários como raciocíniosjustificativos para seu proceder. Mas não são as causas, propriamenteditas, dos conflitos, pois uma mesma questão ou um mesmo incidentese resolvem com facilidade se as estruturas forem apaziguadoras. Casocontrário, se produzirão extermínios por motivos incoerentes ou fúteis.O essencial não é pois a discrepância e seus acessórios jurídicos, a nãoser o acumulado potencial de agressividade.
4ª. A agressividade: a difusão e a intensidade da agressividade são medidaspara os impulsos belicosos. Traduzem a projeção psicológica dos estadospsicossomáticos dos grupos sociais. Dito de outro modo: sua difusãoepidêmica é a resultante de equilíbrios sociais internos e externos quesuscitam furores e excitações coletivas. São o equivalente dasintoxicações, das carências ou dos estados alucinógenos em Psicologia.
5ª. Animosidade e complexos belicosos: a animosidade é um estado difuso.Constitui uma espécie de predisposição sem finalidade concreta. Emgrau extremo, suas manifestações são análogas às de um homem ouum animal afetado de raiva ou loucura furiosa, que ataca ou destróitudo que encontra em seu caminho. É, de algum jeito, seu estado embruto. Mas, para que seja socialmente operativa, a agressividade tem
Capítulo 5 - Polemologia
109
que estar dirigida e racionalizada. Alguns complexos belicosos, taiscomo o “bode expiatório”, assim como certos arquétipos históricos,proporcionam modelo, sugestões e referências que permitem atransformação da animosidade em agressividade. Primeiro terá quedesignar um inimigo para o papel de bode expiatório, e a isto seacrescenta uma organização hierárquica e técnica da violência. Enfim,uma armação ritual, moral, doutrinal e jurídica e um conjunto deraciocínios justificadores e apoios para a boa consciência em que setem que apoiar a violência e a intensificação de sua eficácia.
Deste quadro geral dos processos correspondentes aos conflitos, pode-se
deduzir diretrizes de ações tendentes a suprimir as guerras ou, ao menos, a
diminuir suas probabilidades e gravidade. Ações de longo prazo sobre asestruturas, a médio e curto prazo sobre as conjunturas prováveis e, enfim,
exclusivamente em curto prazo sobre as motivações e justificações.
Aparentemente são estas últimas as ações mais fáceis, posto que se tratade situações explicitamente formuladas e expressas. Mas na realidade são
as de mais difícil execução, por seu caráter geralmente falacioso ou ilusório.
Além disso, terá que ter em conta a facilidade com que trocam os estudosintelectuais e a freqüente variabilidade da opinião.
5.4 A Pesquisa Polemológica
Gaston Bouthoul fez uso de seus amplos conhecimentos pluridisciplinares –
psicologia, economia, demografia, história e sociologia política – para escrever
o Traité de polemologie. Sociologie des guerres, obra de referência da escolapolemológica. Apesar dos valiosos conhecimentos da referida obra, faltava
algo de concreto que levasse a conclusões mais claras e menos eruditas.
Com esse intuito Gaston Bouthoul e o general francês René Carrère escreveramO Desafio da Guerra, em que apresentam uma pesquisa polemológica tendo
como objeto de análise os 366 maiores conflitos armados ocorridos no período
de 1740 – 1974. Nesta pesquisa foram seguidas as fases:
- numa primeira fase, definição do método, delimitação do campode pesquisa e estabelecimento de um questionário da análisecodificada dos fenômenos em conflito, bem como reunião dadocumentação correspondente;
- numa segunda fase, descrição dos fenômenos em conflito e análisedos resultados;
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110
- em uma terceira fase, interpretação polemológica; e
- numa quarta fase, uma contribuição à prospectiva.
Na primeira fase é importante que se destaque o questionário de análise
polemológica seguido, que pode ser utilizado na análise de outros conflitos.
Quadro 1 - Plano para o questionário de análise polemológica dos fenômenos de violênciapolítica coletiva.
Fonte: Bouthoul e Carrère (1979, p. 31)
As causas estruturais (demo-econômicas, geográficas, históricas, mentais...)
são as mais importantes, as mais profundas e as mais longínquas. Elasdeterminam o potencial de violência, das quais as outras causas não fazem
mais que decidir a forma e o prazo. Pois é nas estruturas que nasce e se
desenvolve, quando elas estão desequilibradas, a agressividade coletiva,vírus dos fenômenos de violência. Também é importante:
Capítulo 5 - Polemologia
111
- observar bem as estruturas e sua evolução com tanto mais cuidadoquanto mais profundas e mais duráveis, onde são menos perceptíveisque na conjuntura movimentada e no acontecimento inesperado.
- agir, com ação duradoura sobre elas, para as tornar menos belicosas.
Apesar da relevância dos assuntos apresentados por esta magnífica obra
literária, a mesma, conforme já visto, não é a única fonte de referência a ser
utilizada para que se possa desenvolver uma metodologia de análise deconflitos, um dos objetivos propostos no início desta pesquisa. Diversos
trabalhos foram publicados na Europa, particularmente pelo Instituto Francês
de Polemologia, que possibilitam a correta interpretação dos ensinamentosapresentados pelo livro “O Desafio da Guerra”. A carência de literatura
específica em língua portuguesa e a dificuldade de obtenção de livros
publicados e estudos realizados em outros países deixa um vácuo no presentetrabalho, que impossibilita o aprofundamento deste assunto e o estudo
comparativo da metodologia de análise seguida por outros países. Tentar-
se-á superar este óbice fundamentando uma proposta de metodologia deanálise de conflito utilizando o método polemológico propugnado pelo
Instituto Espanhol de Assuntos Estratégicos, centro de excelência do
Ministério da Defesa da Espanha, por julgar, pela similitude de metodologiajá seguida pelo Exército Brasileiro para estudo de problemas estratégicos, o
mais adequado a ser adotado.
5.5 Alguns Resultados dos Estudos Polemológicos
Antes da apresentação da proposta experimental de metodologia, seria
interessante uma apreciação da evolução da Polemologia no mundo, e algunsresultados alcançados, para que se possa ter a consciência da importância
dada ao assunto por outras nações. Apesar de esta apreciação estar apoiada
em texto de 1984, algumas predições estão bastante atuais.
5.5.1 Na França
Observa-se uma crescente participação de militares nas investigações do
Instituto Francês de Polemologia. Um desses prestigiosos militares, o general
René Carrère, em reunião de intercâmbio entre militares franceses eespanhóis, apresentou uma exposição, em princípios da década de 1980,
sobre a situação dos conflitos no mundo e as frentes então abertas, bem
ESAO/CEAD/CAO – HISTÓRIA MILITAR I
112
como uma predição dos riscos de escalada que se podia anunciar para o
período 1980-2000. Em 1980 as dez frentes de agressividade citadas por
René Carrère eram:
- uma frente norte-africana entre a África Negra e a África dos povosislamizados;
- uma frente sul-africana entre a África Negra e a África meridionaldos colonizadores europeus;
- uma frente norte-americana entre a América de fala inglesa e a defala hispana;
- uma frente chinesa estendida por todas suas fronteiras;
- uma frente asiático-oriental entre as margens da Austrália e doJapão e todos os arquipélagos vizinhos;
- uma frente sul-americana entre as nações com maioria de origemeuropéia e as mais marcadas pela mestiçagem;
- uma frente afro-asiática entre o mundo árabe ou islâmico e as etniasde raça branca que ocupam de Gibraltar até Calcutá;
- uma frente europeu-oriental entre as nações comunistas e as naçõesocidentais;
- uma frente da Irlanda entre católicos e protestantes; e
- uma frente europeu-ocidental.
Os seis níveis conflituosos eram:
- os ultraconflitos, com guerra nuclear, biológica ou química aindanão apresentados;
- os hiperconflitos, à imagem das duas guerras mundiais, tampoucoaparecidos desde 1945;
- os macroconflitos ou guerras com organização ampla da violência,declaração formal de hostilidades, sacralização dos fins e grandesoperações militares, freqüentes inclusive na última década, semprenão muito longe nem de Suez nem do Golfo Pérsico;
- os conflitos médios ou guerras limitadas, insidiosas e persistentessem declaração formal de luta, mais freqüentes ainda;
Capítulo 5 - Polemologia
113
- os microconflitos ou tensões com emprego esporádico das armas equebras da ordem política interna, evidentemente em fase deproliferação já que se conta até 6.000 em dois anos: 1978 e 1979;
- os infraconflitos ou crise com agressividade latente tais como adesordem monetária, espetacularmente influente na instabilidadedas nações em desenvolvimento.
Carrère concluía que a hipótese mais provável, segundo estes dados, para odesencadeamento de conflitos, tomará um destes quatro pontos de aplicação:
- os espaços marginalizados pelos grandes, onde se generalizarãoestratégias ajustadas à tradição das guerras limitadas;
- os problemas de competição econômica ou de substituição deopiniões culturais, nos quais a confrontação militar resultarádescartada, em princípio;
- as incompatibilidades setoriais no interior das nações em crise, ondese intensificará a luta de classes; e
- as predisposições para atentados, seqüestros e perturbações dedifícil explicação, nos quais se pretenderá o objetivo de produzir ocansaço social e o desarmamento moral da comunidade políticaagredida deste modo.
5.5.2 Na Alemanha
Em relatório de estudo polemológico produzido pelo Instituto Internacional
de Investigação Social Comparada de Berlim, denominado “Confrontações
Militares e Escalada da Guerra, 1900 – 2000”, podem ser destacadas asseguintes asseverações:
- os Estados mais capitalistas são, por regra geral, os que com maisfreqüência iniciam confrontações militares ou intervêm em conflitosmilitares;
- o perigo de guerra aumenta quanto maior é o número de Estadosque intervêm nestes conflitos;
- sobre a base do cálculo de confrontações que são de esperar noperíodo 1980- 2000, são escassas as possibilidades de um finalpacífico do século XX;
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114
- os conflitos internacionais e as guerras em particular não sãofenômenos naturais, a não ser os resultados de decisões políticasadotadas mais ou menos conscientemente;
- a paridade de poder entre Estados faz, geralmente, mais prováveisas confrontações militares e as guerras que sua disparidade;
- as guerras, como forma violenta de resolver conflitos, não são umestado duradouro da política internacional, senão somente soluçõesde emergência em situações sem saída. Suas causas mudam com ocurso do tempo, porque também muda a estrutura do sistemainternacional;
- ultimamente os Estados estão muito mais inclinados ao uso daameaça que ao emprego da força sem limitação alguma;
- o mundo dos Estados foi extraordinariamente estável no tempoanterior à Primeira Guerra Mundial. A partir de 1965 se estabilizounovamente o sistema. A linha de crescimento dos conflitos vai de1945 a 1965, em plena execução do processo de descolonização;
- cada Estado ameaçou a outro com o uso da violência militar e oatacou militarmente em média uma vez a cada dez anos;
- cada Estado foi objeto de ameaça ou emprego da violência militaruma vez cada 7,5 anos, entre 1900 e 1976;
- a probabilidade de escalada de confrontações militares a guerrascresce quando há interferência de outros Estados;
- a maior freqüência de participação em confrontações militares entre1900 e 1976 corresponde aos Estados asiáticos e às nações doOriente Médio;
- os menos conflituosos são os Estados do hemisfério ocidental ouda Europa. No século XX os mais jovens Estados do Terceiro Mundotêm feito uso com muito maior freqüência do poder militar que osmais antigos ou velhos;
- os Estados que são independentes há relativamente pouco temposão muito mais conflituosos que aqueles estabelecidos há maistempo;
Capítulo 5 - Polemologia
115
- enquanto que o centro de gravidade das confrontações militares sesitua no Terceiro Mundo, são as grandes potências as que commais freqüência intervêm;
- se as confrontações militares experimentarem a escalada para aguerra, fazem-no em muito curto tempo, no prazo de uns quatorzedias. Se as confrontações militares se prolongarem, descendenovamente a probabilidade da escalada;
- a inclinação à escalada é diferente antes e depois da SegundaGuerra Mundial. Aumentou a inclinação dos Estados a resolver osconflitos de interesses com o emprego limitado das armas;
- a maior parte das confrontações ficou limitada a duas nações. Muitomenor é o número de confrontações militares naquelas em que umterceiro Estado vem em ajuda do atacante ou atacado. Ao aumentaro número de participantes decresce a freqüência de confrontaçõesmilitares;
- entre as duas Guerras Mundiais foram os conflitos entre uma grandee uma pequena potência que com mais freqüência experimentaramescalada. O mesmo aconteceu imediatamente depois da SegundaGuerra Mundial. Em troca, depois de 1965, somente escalaram aguerra as confrontações militares entre pequenas potências;
- o sistema internacional não se encontra nem em estado permanentede guerra nem em estado permanente de paz. A probabilidade médiade paz é idêntica à probabilidade média de conflitos bilateraislimitados. Nem a paz nem a guerra podem ser estados finais possíveisdo atual sistema internacional.
5.6 Os Estudos Polemológicos no Brasil
Infelizmente no Brasil poucos são os militares e acadêmicos que se dedicam
ao estudo da guerra. Muitos nem conhecem a palavra Polemologia, tampoucotêm a exata compreensão do que seja o fenômeno guerra. Pode-se tentar
justificar esse desinteresse acadêmico utilizando as palavras do Prof. Dr.
Héctor Luis Saint-Pierre (2001), Diretor do Centro de Estudos Latino-Americanos:
Na América Latina em geral e no Brasil em particular, a ausênciacivil na reflexão sobre as questões estratégicas e da defesa sãonotórias e históricas. Parece-nos que este desconhecimento e
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116
conseqüente desinteresse da sociedade por estes temas, talvezencontre explicação na atitude paternalista das elites políticasapossadas do poder do Estado de maneira patrimonial desde aslutas pela Independência. Essas lutas selaram pactos(normalmente tácitos ou sobre-entendidos) entre as eliteseconômicas e políticas e os setores militares, pelo qual, estesconservaram a prerrogativa de definir o “interesse nacional” e,em última instância, “ameaças” e “inimigos”, deixando assucessões de governo e as influencias econômicas nas mãos doscivis, sob a tutela mais ou menos visível daqueles. Outro aspectoque ajuda a compreender o divórcio entre os civis e os estudosestratégicos constitu os reiterados Golpes de Estado que, comouma epidemia, abateram-se sobre o continente caracterizandosocio-patologicamente uma divisão intransponível entre civis emilitares. Isto justificou e garantiu pretorianamente a hegemoniadestes últimos, já como parte social (e em alguns casos comopartido), sobre a definição do destino das nações, baseado nasua pretendida infalibilidade moral para preservar os valorespátrios. Este fator teve indeléveis implicações psicológicas sobreos civis, particularmente sobre os intelectuais, assim comoepistemológicas sobre a academia. [...]. Por outro lado, ou talvezcomo conseqüência, a academia fechou-se a esses temas [...].
Saint-Pierre (2001) aponta o despreparo dos civis como uma das causas dodesinteresse:
Ainda hoje esse preconceito domina no meio acadêmico e, comoconseqüência do mesmo, persiste o despreparo formal específiconos assessores do príncipe para estas questões, reforçando atendência deste último a consultar militares, [...]. Contra estatendência, nos primeiros anos dos governos civis surgiramtimidamente alguns núcleos de estudos estratégicos na academia.No caso do Brasil, inicialmente na Unicamp e na UFRJ,posteriormente na USP e depois alguns outros. Inicialmenteconcentravam-se nas teorias transicionais, e do relacionamentoentre civis e militares. Na Associação Nacional de Pós-graduaçãoe Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCS) brasileira, que aglutinaanualmente os estudos das Ciências Sociais, surgiram dois Gruposde Trabalho preocupados de uma ou outra forma pelo tema: oGrupo de Relações Internacionais e Política Externa (GRIPE), criadoem 1980, e o “Grupo de Forças Armadas Estado e Sociedade”(que coordenei durante vários períodos). Ainda assim, nenhum delesconseguiu centralizar estudos especificamente dedicados àestratégia. Outra experiência e oportunidade para brindar um“lócus” e novos ares aos estudos da estratégia no Brasil foram osEncontros Nacionais de Estudos Estratégicos (ENEE). [...].
Capítulo 5 - Polemologia
117
O mesmo autor, com relação ao distanciamento entre civis e militares nos
estudos estratégicos, diz:
O intento de criar um espaço epistêmico para os estudosestratégicos a partir de um diálogo frutífero entre Forças Armadas,academia e políticos recebeu o tiro de graça noutra decisão infeliztomada naquele encontro. Essa decisão foi a distribuição em quotasdas mesas para cada um dos segmentos do tão esperado diálogo.Em lugar de montar as mesas tentando combinar expositoresoriundos de instituições diferentes de maneira a enriquecer asexposições ou solicitar que nas mesas propostas se garanta aparticipação proporcional de cada segmento, a coordenação dosencontros deixou liberado ao espírito corporativo a formação dasmesas e o resultado não podia ser outro. Assim, na série deencontros que se seguiram, [...], pude constatar a reprodução deum diálogo entre surdos: os militares nas suas mesas com seupúblico fardado, os acadêmicos e os seus áulicos nas suas, e osempresários e os seus engravatados assistentes nas deles,representando um diálogo, mas executando um monólogo. Nestesencontros as mesas mistas entre acadêmicos civis e militares, queseria o mais adequado para atingir o objetivo proposto pelasintenções manifestas no Primeiro Encontro, foram excepcionais.Normalmente, tanto os militares, quanto os acadêmicos e osempresários utilizam suas “quotas” para organizar as mesasconforme seus interesses setoriais, seus critérios e seus recursos.Se esta sistemática não for mudada no futuro continuaremos areproduzir monólogos inconseqüentes. A aproximação físicadecorrente de estarem no mesmo lugar propicia, em alguns casos,encontros e acordos pontuais entre participantes pertencentes aoâmbito acadêmico e ao castrense, mas dificilmente estaaproximação redunda em uma parceria institucional. Em geral, nãopassa de uma situação de confiança interpessoal, o que é louvável,mas insuficiente (SAINT-PIERRE, 2001).
Saint-Pierre (2001) assim se pronunciou com relação ao desinteresse dos
alunos quanto aos temas relacionados à Estratégia:
Finalmente, notei que o grande ausente nestes eventos tem sidoquem precisamente deveria ser o alvo principal: o aluno. Talvezdois fatores contribuam para compreender, se não explicar, estanotória ausência: Por um lado, porque excesso quase barroco desolenidade e formalidade afugenta, em lugar de atrair, ao corpodiscente. Por outro, porque, ao exporem suas pesquisas, em geralos pesquisadores são mais motivados por uma preocupaçãovaidosa em busca da aprovação e do reconhecimento dos seus
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118
pares, que pela humildade necessária para uma relação pedagógicacom os alunos. Mas, acredito que esta dificuldade poderiafacilmente se corrigir no futuro incentivando a oferta de mini-cursos ou cursos introdutórios aos temas da defesa e deestratégia. Para isto dever-se-á reservar “janelas” na programaçãopara que estas seções de cursos não coincidam com outrasatividades dos Encontros. Desse modo, uma atividade estimularáa outra. Na atualidade, o cenário acadêmico mostra pesquisadoresisolados que, com muita vontade e em algumas oportunidades,conseguem reunir um grupo de colegas e alunos em torno deprojetos de pesquisas e do financiamento que consigam angariar.A possibilidade de que, a partir destes grupos, se gerem programasde treinamento, especialização e pós-graduação para civis emilitares nestas áreas é estimulante, aumentando a probabilidadedo reconhecimento de um âmbito epistêmico para Polemologiapor parte da academia. [...].
O professor Saint-Pierre (2001) apresenta uma proposta para se consolidaremos estudos estratégicos na academia:
A definitiva consolidação dos estudos estratégicos na academiaainda está muito longe de acontecer. Acredito que este fato sedeve principalmente de não contarmos, ironicamente, com umaestratégia adequada para o resultado esperado. Suspeito que istose deve fundamentalmente ao fato de que os objetivos não foramclara, unívoca e inequivocamente definidos. A academia aindavê com receio os militares e estes desconfiam dos civis nestestemas. A aproximação entre ambos é sempre a título pessoal edificilmente institucional, isto é, institucionalmente não sereconhecem como interlocutores. Quando um militar é convidadoà academia, normalmente fala conforme a cartilha oficial edificilmente se presta ao debate muito além da obrigatória defesada corporação. Por outro lado, embora muitos alunos seinteressem pelo tema e se aproximem solicitando orientaçãoacadêmica no mesmo, os professores tentam dirigi-los para áreasmais aceitas pelos organismos financiadores (para a obtenção debolsas de estudo) ou procuram disfarçar o tema com títulos que,embora não sejam descritivos do conteúdo da pesquisa, o tornampalatável ou pelo menos mais familiar para um eventual avaliadorpossivelmente de outra área. Por isso, e pelo que a experiênciatem me mostrado, atrevo-me a adiantar algumas sugestões queestimo possam colaborar para ancorar epistemicamente aPolemologia no meio acadêmico: O esforço principal deve-seorientar na direção de criar uma área epistêmica academicamentereconhecida para os estudos polemológicos. Para este objetivo o
Capítulo 5 - Polemologia
119
vetor mais adequado é a formação, fortalecimento e consolidaçãode equipes de pesquisadores que, aglutinados por um temaespecífico, procurem o estabelecimento de programas deformação, especialização e pós-graduação em Estratégia e Defesaque atendam todos os requisitos curriculares e de excelência paraserem reconhecidos pelas academias. Para fomentar e incentivara formação destes grupos de estudo, que implica a organizaçãode encontros como o presente continua sendo o terreno maisfértil. Por outro lado, uma forma de fortalecer essa áreaepistêmica na academia é gerar a demanda pelos cursos quenela se implementem. Com este objetivo e pensando naaproximação entre civis e militares em torno dos estudosestratégicos, deve-se tentar abrir a formação endógena dosquadros militares incentivando que complementem a suaeducação formal participando em cursos de pós-graduação dasuniversidades públicas. Isto pode ser conseguido exigindo aintegralização nos currículos militares de uma porcentagem decréditos que devam ser formalizados fora das escolas militares.Como um caminho de duas mãos, os professores dessas novasáreas poderiam oferecer, como cursos de extensão universitária,algumas disciplinas para ser ministradas dentro das academiasmilitares.
O desinteresse acadêmico, no Brasil, é também observado pelo ProfessorLuiz Felipe da Silva Neves (1999, p. 8):
[...] consciente de que a natureza da guerra geralmente não éabordada pelos historiadores militares, e que é impossível negaro desinteresse do acadêmico brasileiro com temas como guerra,militarismo, forças armadas, armamentos [...].
Ao se analisar o currículo escolar dos cursos de Altos Estudos Militares da
Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, constata-se que somente
alguns aspectos da guerra, como as Técnicas da Guerra e a Arte da Guerra,são estudados, o que não dá aos alunos e estagiários a real percepção da
complexidade de tão importante assunto para todos aqueles que se dedicam
à carreira das Armas. Isso foi observado por Chaloub (1981, p. 35): “talvezonde menos se discutam os aspectos gerais da guerra seja justamente nas
Escolas Militares: naturalmente, não estou me referindo a assuntos de guerra
e sim, à guerra em si”. Dessa forma, evidenciou-se não só a importância daPolemologia no estudo da paz e da guerra como a quase que completa
desinformação e desinteresse no Brasil em se estudar temas relacionados à
guerra, como se estes fossem de exclusividade dos militares.
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120
5.7 O Método Polemológico
A heterogeneidade dos estudos científicos dos conflitos resulta numa
dificuldade para se escolher que metodologia adotar. Aliada a isto, se tem,conforme já relatado, a dificuldade encontrada para o aprofundamento do
estudo da escola polemológica. Assim optou-se pela apresentação de uma
metodologia adaptada do Método Polemológico do Instituto Espanhol deEstudos Estratégicos capaz de buscar as causas da desestabilização em um
país, região ou zona geográfica. Vale lembrar que o Instituto Espanhol de
Estudos Estratégicos desenvolveu o presente método de acordo com linhade investigação própria, diferente da seguida por outros países, que objetiva
investigar a gênese dos conflitos a partir de seus possíveis agentes
provocadores. Conservou o nome de Método Polemológico, pois os estudosse iniciaram sob a influência da Polemologia.
5.7.1 Conceitos Básicos
A fim de se evitar confusão e dúvidas sobre alguns termos que se utilizam
no Método Polemológico e que, dada sua importância, devem ficarperfeitamente esclarecidos, apresentam-se, a seguir, estes conceitos:
• Acontecimento - fato notável e transcendente por sua incidênciano nível belicoso de um sistema político-social.
• Agente iniciador - aquele que tem a faculdade para promover umprocesso desestabilizador de um sistema político-social incidindosobre as tensões existentes e originando conflitos.
• Ameaça - ação potencial que expressa a intenção de incidir sobreuma parte vulnerável de um determinado sistema político-social.
• Antagonismo - estado de tensão.
• Barômetro do conflito - artifício apoiado em métodos experimentais,utilizado para medir as tensões a que se encontra submetido umsistema político-social.
• Características belicosas - qualidade específica de uma ação capazde causar antagonismos ou tensões.
Capítulo 5 - Polemologia
121
• Característica de destaque - qualidade que se observa no caráter decada expressão do Poder Nacional e que resulta imprescindível emsua consideração.
• Característica de debilidade - qualidade de destaque e belicosa quetorna vulnerável um determinado sistema político-social.
• Característica de força - qualidade de destaque e belicosa queimpulsiona à agressão externa, incidindo na vulnerabilidade de outrosistema político-social.
• Carga belicosa - termo equivalente a nível belicoso.
• Cenário - espaço ou circunstâncias onde se desenvolve umacontecimento.
• Conflito - acumulação de crises em várias expressões do PoderNacional potencializando o nível de conflito de um determinadosistema político-social.
• Crise - período de exacerbação das tensões nos fatorescorrespondentes a uma determinada expressão do Poder Nacionalde um sistema político-social.
• Diagnóstico - apreciação científica que conduz ao conhecimentode uma situação belicosa determinada.
• Entorno - conjunto de pessoas, objetos e circunstâncias que rodeiamo sistema político-social ou uma de suas partes.
• Esfera - âmbito de um determinado caráter ou atividade que agrupauma série de fatores concretos: geográficos, sociais, culturais,políticos, econômicos, científico-tecnológicos e militares. Delesrecebe seu qualificativo.
• Evolução belicosa - qualificação manual ou automática, dainformação já tratada, para aferir-se uma situação belicosa de umsistema político-social e que sirva para a elaboração de conclusõespráticas.
• Fator - elemento integrante de um sistema político-social, que possuicaracterísticas próprias e pode se constituir em causa de antagonismoou tensão.
ESAO/CEAD/CAO – HISTÓRIA MILITAR I
122
• Fator belicoso - aquele fator que depois de haver sido submetidoao processo de análise e avaliação, qualificou-se como belicoso,por se julgar que pode ser causa de certos antagonismos ou tensões.
• Guerra - conflito armado para se impor uma vontade ao inimigo ouexpressão violenta da Política Nacional que visa compelir o adversárioa aceitar nossas condições de paz.
• Indicação de instabilidade - sinalização anunciadora da existênciade antagonismo ou tensão.
• Método polemológico - procedimento que se pode utilizar para oconhecimento e previsão do nível belicoso de um determinadosistema político-social, através do estudo daqueles fatores quepodem ser origem de crises ou guerras, assim como suaprobabilidade de ocorrência a curto, médio ou longo prazo.
• Modelo - representação simplificada de uma operação que abrangeunicamente os aspectos principais do problema ou do estudo deque se está tratando.
• Nível belicoso - intensidade com que se manifestam os antagonismosou tensões e que finaliza ou reporta-se a um determinado sistemapolítico-social.
• Nível de gestação dos conflitos - escala de valores onde seengendram e se desenvolvem os antagonismos, no contexto deuma gradação de atividades de um determinado sistema político-social.
• Polemologia - ciência que estuda as causas determinantes e as quepromovem as guerras com o fim de as evitar ou ciência que atravésdo estudo dos fatores belicosos, trata de predizer as crises ou guerrasa que se pode ver submetida uma região, país ou zona geográfica.
• Probabilidade - motivo ou indício que deixa presumir a verdade oua possibilidade de um fato; verossimilhança.
• Realimentação ou feed back - é a operação de retorno, para novaalimentação de um determinado processo, com os produtoselaborados por este, com o objetivo de obtenção de resultadosespecíficos.
Capítulo 5 - Polemologia
123
• Risco - gradação da intensidade das ameaças, a qual podecomprometer um acontecimento.
• Sistema político-social - conjunto de elementos, interesses e relaçõesque caracterizam uma determinada região, país ou zona territorial.
• Situação belicosa - estado definido por uma determinadaprobabilidade, iminência e risco de que se produzam conflitos.
• Tensão - tensão ou desequilíbrio existente nas característicasdestacáveis de um determinado fator, que pode originar, segundoseu agravamento, um estado de crise ou guerra.
• Vulnerabilidade - condição que debilita um sistema político-social,sobre o qual atuam ou podem atuar agentes belicosos internos ouexternos, a fim de lhe produzir danos ou quebrantá-lo.
5.7.2 Definição
Pode-se definir o Método Polemológico como o estudo científico que
possibilita conhecer e predizer o nível belicoso em um sistema político-
social, através do estudo dos fatores considerados como origem de possíveiscrises ou guerras, assim como a probabilidade de aparecimento destes em
curto, médio ou longo prazo. Tem por finalidade proporcionar à autoridade
política ou militar um conhecimento científico sobre situações belicosas nocampo do diagnóstico, quer dizer, utilizar as conclusões alcançadas como
informação básica para sua utilização direta em um processo de decisão
posterior.
5.7.3 Orientação Analítica
O método que se propõe é essencialmente analítico, entendendo como tal
as investigações que estudam os fenômenos belicosos ou conflituosos nocontexto sociológico atual, quer sejam de ordem política, econômica,
cultural, quer sejam de ordem demográfica, tecnológica, etc., sem tratar de
estabelecer analogias de uma situação determinada com outras situações jáconhecidas e rechaçando toda predição intrínseca, embora se reconheça a
importância das previsões adicionais. Em suma, trata-se de colocar a análise
em seu contexto atual na medida que seja possível obtê-la a partir dedocumentos, de informação e de outras investigações disponíveis. Sem
ESAO/CEAD/CAO – HISTÓRIA MILITAR I
124
renunciar a emitir dentro dos limites, julgamentos de valor, trata também
de evitar toda valoração e análise partidarista e subjetiva e tampouco tenta
substituir aos analistas políticos. Como se sabe, conflitos não nascem porazar e nem deles se pode dar uma explicação unilateral, posto que eles são
formados por um conjunto complexo de fatores, responsáveis pelo processo
de seu desenvolvimento. Daí que este processo metodológico persiga analisare avaliar esse conjunto de fatores, uns fixos e os outros variáveis, cuja ação
concorre para provocar antagonismos, calculando o grau de probabilidade
de ser a origem dos conflitos assim como de sua iminência e risco. Só assimse estará em condições de estabelecer o nível belicoso de um sistema social
que dê idéia do grau de tensões que suporta e ante que conjuntura ou
circunstância entrará em condições de crise ou guerra. Cabe também dizerque este método não deve confundir-se com os métodos prospectivos, pois
embora ambas investigações estejam muito perto, pretendem alcançar
objetivos muito distintos. A prospectiva, tendo presente a grande inter-relação que existe entre os fatores estratégicos, econômicos e sociais e
partindo dos condicionantes do momento, trata de explorar, predizer ou
diagnosticar o futuro por aproximações sucessivas, analisando tanto osimpactos previsíveis sobre a situação do momento como a evolução a médio
ou longo do contexto do sistema político-social, associando a seus estudos
uma série de métodos que consigam medir as inércias e assinalar objetivos,oferecer alternativas, antecipar-se às conseqüências de certas decisões,
explorar novos marcos de referência, etc., com o objetivo de determinar um
quadro de evolução capaz de orientar as políticas do momento, adaptando-se com antecipação e fazendo frente, com êxito, aos fenômenos de todo
tipo que se estima aparecerão ou se configurarão no mundo em um certo
prazo.
5.7.4 Vantagens e Limitações
Como todo método, apresenta vantagens e limitações, podendo citar-se
entre as primeiras: oferecer um documento elaborado, dispor de um sistemade estudo de problemas belicosos e pôr em relevo as tensões do sistema
político-social (nível zona geográfica, região ou país) em um contexto passado
e presente. Quanto a suas limitações, figuram as dificuldades e imperfeiçõesinerentes a toda investigação experimental, as lacunas que pode oferecer, a
Capítulo 5 - Polemologia
125
informação disponível e os enganos cometidos na análise pelos especialistas
que trabalham no estudo.
5.7.5 As Vertentes do Método Polemológico
A investigação do Método Polemológico tem uma tripla vertente. Em
primeiro lugar e através de sucessivos estudos, visa a estabelecer e dispor
de todos os campos e esferas de um catálogo exaustivo de fatores e,portanto, de características belicosas de um país, área ou zona geográfica,
o que, de logo, permitiria sua posterior classificação do ponto de vista
conflituoso, ressaltando aquelas que com maior assiduidade incidem, positivaou negativamente, no possível desencadeamento de crise ou guerra. Em
segundo plano, tem por finalidade colocar em mãos de futuros investigadores
uma ferramenta que facilite novos estudos, entre outros, a possível melhoriae depuração deste Método. Finalmente, dispor de uma informação político-
estratégica que a autoridade política e militar possa explorar em um processo
decisório capaz de:
- definir a esfera ou o campo onde um conflito possa estar incubado;
- conhecer as características de uma possível zona de tensão e docampo ou esfera onde há capacidade potencial para eclodir oconflito;
- detectar os indícios ou sinais provocadores de crises ou guerras;
- preparar em todos os campos e esferas um catálogo de ações emedidas a tomar, capazes de fazer frente ao desencadeamento deuma agressão e a pronta resposta a dar a esse desafio; e
- conter informações sobre a probabilidade de eclodir um conflitoassim como a gradação deste quanto a sua iminência e risco.
5.7.6 Dificuldades
Os obstáculos que se apresentam neste tipo de investigações podem ser de
duas classes: uns internos e outros externos. Por um lado é evidente que setrata de uma atividade relativamente nova, cujo tratamento científico não
está ainda claramente definido, dando lugar a orientações discutíveis e a
certos extremismos. Além disso, em uma época de profundas e rápidastransformações das sociedades, este tipo de investigação exige colaboração,
uma vez que sua esfera de análise é extremamente ampla, por isso é
ESAO/CEAD/CAO – HISTÓRIA MILITAR I
126
necessário manter-se informado dos trabalhos estrangeiros. O que exige a
participação em conversas ou conferências internacionais pois o tempo do
investigador solitário, que trabalha com meios reduzidos, passou. Destemodo podem existir interrogações sobre a utilidade deste tipo de
investigações. Em outra ordem de coisas, pode aparecer o perigo de que no
estudo irrompam as convicções, o caráter e a formação intelectual dosinvestigadores, elaborando seus estudos sem essa objetividade que se requer
neste tipo de trabalho, sendo-lhes difícil fazer abstração na análise da
situação conjuntural do momento. Finalmente, observa-se, na atualidade,uma tendência a desacreditar toda análise rigorosa e conceitual em proveito
de considerações, indagações ou de uma frondosa narrativa, o que repercutirá
nas conclusões finais que serão aleatórias e simples.
5.7.7 Linhas Gerais
Em linhas gerais o Método Polemológico necessita:
- ser geral, para poder estudar qualquer caso;
- ser flexível, para poder adaptar-se a novas conjunturas;
- ser aberto, para trabalhar sobre novos problemas que possamproduzir-se;
- ser preciso para tratar com detalhe os problemas;
- ser objetivo, para despolitizar ou desmistificar as tensões belicosas.
5.7.8 Etapas do Método
- Investigação
- Reunião e tratamento da informação
- Estabelecimento e análise dos fatores conflituosos
- Avaliação do conflito
- Interpretação dos níveis belicosos e sua valoração potencial.
5.7.9 Desenvolvimento do Método
5.7.9.1 As informações preliminares
Como em qualquer trabalho de investigação, é necessário dispor de uma
precisa, segura, exaustiva e permanente informação do país, área ou esfera
Capítulo 5 - Polemologia
127
que se quer estudar. Pela importância que isso implica é necessário
estabelecer as seguintes considerações:
- a base da investigação encontra-se em bibliografias, informes edocumentos. É preciso, pois, reunir uma informação muito completaque inclua livros, revistas, boletins, jornais, escritos, etc.,relacionados com o tema proposto, assim como informações,memórias, estudos, estatísticas, declarações verbais, oficiais eoficiosas, procedentes tanto de fontes próprias e dos países ouáreas que se estudam, em certo modo parciais, como fontesobjetivas e alheias, muito mais imparciais;
- há necessidade de se prestar atenção quanto aos perigos queencerram as informações que chegam através de intermediários,assim como de sua qualidade e confiabilidade, pois disso dependeráa objetividade e o valor da dita informação;
- em geral, as informações procedentes de uma só fonte deverãocompletar-se ou corrigir-se, comparando-as com outras, para avalidação e complementação dos dados;
- há necessidade do correto entendimento, por parte do investigador,quanto à finalidade que se persegue no estudo, com o objetivo dedesprezar aquela informação inócua e desprovida de interesse, querpela profundidade que encerra, quer pela forma com que estáexposta. É assim o único modo de a informação ser otimizada emseu conjunto e se obter logo conclusões objetivas que possam serexploradas; e
- necessita-se ter o cuidado com a informação muito descritiva,evitando-se sua demasiada atenção e consideração.
5.7.9.2 O estabelecimento dos fatores belicosos
A Metodologia que se propõe se fundamenta no estudo dos fatores belicososcapazes de provocarem crises ou guerras. A verdadeira gestação das crises
ou guerras situa-se em primeiro lugar naqueles fatores que correspondem a
causas profundas e permanentes, as mesmas, por sinal, que surgem nofenômeno guerra em seu sentido mais tradicional e que todos conhecem.
ESAO/CEAD/CAO – HISTÓRIA MILITAR I
128
5.7.9.2.1 Nível profundo ou das estruturas
Entre estas causas, destacam-se como mais importantes aquelas derivadas de:
- rivalidades históricas, comumente edificadas em ideais hegemônicos,desejos de revanche, ambições territoriais, etc.;
- rivalidades religiosas e ideológicas, promovidas por divergências dedoutrina, mitos, sectarismos, consecução de adeptos, etc.;
- conflitos étnicos, por desgraça latentes muitas das vezes originadospor superpopulação, mentalidade, regime das minorias, nível devida de cada grupo, etc.;
- tensões econômicas, pela aquisição de recursos e mercados queconduzam à hegemonia financeira comercial ou à plena autarquia;
- posição geográfica, que favorece ou obstaculiza os enlaces ecomunicações, etc.;
- causas a que ainda poderiam somar-se os conflitos culturais e outrosmais próprios da movediça e incontida instabilidade humana.
5.7.9.2.2 Nível intermediário ou da conjuntura
Em um segundo nível, aparecem aqueles fatores dependentes do momento
histórico e rivalidades momentâneas. Entre essas causas conjunturais
provocadoras de antagonismos e tensões, se podem citar:
- circunstâncias de ordem política, como a debilidade das instituições,ou a subversão de dependências econômicas, financeiras etecnológicas;
- busca e captação de mercados e zonas de influência;
- estruturas sociais do Estado, em sua dupla vertente, administraçãoe classes sociais;
- meios bélicos disponíveis, com seu fornecimento ou obtenção, etc.
5.7.9.2.3 Nível superficial ou da discórdia
Por último se chega aos fatores pelos quais se promovem e surgem os
conflitos, cujo desencadeamento está acostumado a ser geralmente suscitado
por uma ameaça a um objetivo de interesse vital, quando não por ambiçõesde todo tipo das classes dirigentes. Neles, os antagonismos, conforme
Capítulo 5 - Polemologia
129
demonstra a experiência, descansam tanto em motivos justos ou
simplesmente em pretextos sutilmente concebidos, preparados e até em
ocasiões habilmente organizados para fugir à responsabilidade da iniciativade um conflito. De uns e outros há muitos fatores em que fundamentá-lo,
entre outros: apelar para alianças ou compromissos inevitáveis; prever
agressões imediatas ou recorrer ainda às motivações ou desconfiança quese possam produzir à personalidade de algum dirigente, ou enfim, aproveitar
as oportunidades que em determinados momentos se dispõe. Os fatores
apontados podem parecer muito limitados. Mas, se bem analisados erefletidos, observar-se-á que seria fora de propósito o pretender analisar
listas exaustivas em que seguramente se chegaria, em que pese a tudo, a
omitir certos fatores, já que cada zona, região ou país do globo encerracaracterísticas próprias, que, ao contrário, não seriam úteis para aplicá-los
ao estudo de outras. Daí que a primeira preocupação do investigador será a
de informar-se e conhecer o mais profundamente possível as esferas e camposda problemática do tema, como forma de estabelecer suas respectivas listas
de fatores, desprezando todos aqueles sem grande valor. O conjunto de
fatores contemplados encerra os clássicos interesses cujo estudo recomendaqualquer método, isto é, econômicos, políticos, ideológicos, culturais,
militares e estratégicos, cuja análise deve fazer-se com supremo esmero. A
título de exemplo, poderia ser utilizada a lista de fatores apresentada noAnexo A, adaptada de um trabalho do Coronel Tiago Castro de Castro
(1985). Estabelecer as listas de fatores é, pois, o primeiro trabalho a realizar
e essa seleção deve fazer-se com cuidado pois devem responder ou recolhertodos os traços e peculiaridades históricas, sociais e psicológicas da área
que se estuda, assim como os que configuram sua conjuntura econômica,
política e militar. Não deverá esquecer que em todo trabalho de investigaçãoo tempo não deve nem pode condicionar, pois trabalhar sob pressão não
conduzirá a outra coisa que não a resultados muito gerais e parciais de tipo
jornalístico, submetidos a grandes deformações, esquecimentos e enganosque, além de distorcer o enfoque que se pretendia dar ao estudo, levará a
falsas ou muito gerais conclusões. Estabelecida a lista de fatores se faz
preciso agrupá-los por campos ou expressões do Poder Nacional, com o fimde favorecer seu estudo e pela inter-relação que existe entre aqueles de
uma mesma esfera. Assim mesmo, é recomendável que se estabeleça e se
discuta a referida lista por um grupo de investigadores, mas nunca sozinho,
ESAO/CEAD/CAO – HISTÓRIA MILITAR I
130
para evitar que se deprecie ou não se contemple a priori algum fator que a
um só investigador pode parecer sem importância e inócuo.
5.7.9.3 As conclusões do método
Finalmente podem ser redigidas conclusões relativas à área, grupo ou país
que foi analisado, como conseqüência dos dados anteriores.
a) A primeira conclusão que deve ser ressaltada se relaciona com onúmero de fatores estudados, destacando os que aparecem comofontes de antagonismos e conflitos, dando o seu percentual dentrodo conjunto analisado.
b) Derivado do anterior e em relação a isso, se deduzirão do mesmomodo os respectivos percentuais em que podem agrupar-se os fatoresbelicosos, isto é, que percentagem se inscreve ou pertence àexpressão política, quantos se relacionam com problemaseconômicos, quantos têm uma origem geográfica, etc., pois sãodados estatísticos interessantes para confrontar com estudos deáreas vizinhas.
c) Uma nova conclusão concerne à origem dos conflitos, qual sejadizer estabelecer o percentual que tem por causa uma questãoeconômica, política, étnica, ideológica, militar, etc.
d) Em outra ordem de idéias, é igualmente interessante conhecer comose agrupam os acontecimentos, por tipos ou classes, especificandoquantos têm um caráter geral, quantos provocam guerras limitadasou civis, subversivas, etc., assim como o número de litígios e crisesque podem aparecer.
e) Também deve se estabelecer, às vezes, que cada um dos paísesestudados se vêem implicados nesses conflitos, pois isso nos daráuma pauta para conhecer os diferentes estados de agressividadeem cada um dos conjuntos nacionais.
f) Outro feito a destacar é o agrupamento dos acontecimentos emfunção das prioridades. Isso nos dará uma idéia da agressividadeque encerra a zona no tempo e da natureza dos conflitos por ordemde periculosidade ou, pelo contrário, permitirá a conclusão de quese trata de uma zona muito estável.
Capítulo 5 - Polemologia
131
g) Em relação com os níveis de gestação tratados, se estabelecerá emque plano se situam preferentemente os fatores belicosos e se estesse repartem uniformemente entre eles. Assim conhecer-se-á se osantagonismos são profundos ou se respondem a causas conjunturais.Seria deste modo interessante saber sobre que campos ou esferashá maior incidência dos fatores belicosos, como meio de seestabelecer certos diagnósticos.
h) Uma nova consideração refere-se aos agentes iniciadores do conflito,já que conhecer a esfera e vulnerabilidade sobre a qual incidem ouse aproveitam, pode possibilitar que se dê orientações muito precisassobre as políticas e estratégias, ofensivas e defensivas, de cada umdos atores, assim como as linhas de ação que serão adotadas paraeliminar toda sorte de debilidades.
i) Do ponto de vista do tempo, será interessante advertir que fatoresdesestabilizadores podem atuar de uma forma iminente a médio ouem curto prazo, assim como os fatores incidentes que ficam inscritosem cada um deles.
j) Sob o ponto de vista de probabilidade de risco de conflitos, queacontecimentos têm uma maior possibilidade de materializar-se,estabelecendo-os por ordem de importância e dentro de suasexpressões.
k) Finalmente, o estudo merece um comentário geral que contém umaapreciação sobre os impulsos belicosos do conjunto da zonageográfica analisada. Dela constará:
- o quadro geopolítico e geoestratégico, intimamente ligado aonível profundo, destacando suas características hostis efavoráveis, que beneficiam, ou não, as atitudes bélicas;
- o quadro dos interesses contrapostos ou coincidentes, nocampo econômico, destacando se atuam como pólos de atraçãoou de repulsão a certas apetências;
- o quadro dos antagonismos ou das amizades, produtos desistemas políticos e sociais heterogêneos ou homogêneos, oucausados por problemas étnicos, lingüísticos, ideológicos ounacionais;
ESAO/CEAD/CAO – HISTÓRIA MILITAR I
132
- o quadro internacional, destacando os interesses diretos ouocultos de terceiros, bem como os fatores que fomentam oulimitam as rivalidades e interesses na zona;
- o quadro das estruturas e infra-estruturas que afetam odesenvolvimento e a capacidade dos atores, condicionandosua agressividade;
- o quadro militar, com seus condicionantes, suas limitações esuas capacidades;
- as repercussões que podem ter os acontecimentos de maiorprobabilidade e risco, nas expressões política, econômica, militar,social e científico-tecnológica, tanto direta como indiretamente.
Deste modo seria desejável redigir que medidas poderiam ser estabelecidas
para fazer frente às ameaças do agente iniciador, expondo de modo conciso,
as recomendações que o grupo de investigação deve fazer à autoridade.
O presente capítulo foi coligido a esta publicação a partir daDissertação de Mestrado de título POLEMOLOGIA: UM ESTUDOCIENTÍFICO DA GUERRA, de autoria do Tenente-CoronelROGERIO GOMES DA COSTA [apresentada à Escola de Comandoe Estado-Maior do Exército (ECEME), no ano de 2003].
Bibliografia Básica
1 - COSTA, Rogério Gomes da. Polemologia: um estudo científico da guerra.Rio de Janeiro, RJ, 2003.
133
CAPÍTULO 6CAPÍTULO 6
Principais Batalhas e Vultos doPeríodo Colonial
6.1 Preâmbulo
O período compreendido entre o descobrimento do Brasil (1500) e o ano daProclamação da Independência (1822) é conhecido historicamente como
Período Colonial. Inúmeros foram os conflitos, revoltas e batalhas ocorridos
no período em questão. Alguns com origens e motivações internas e outrostravados contra agressores externos. Dentre os conflitos, revoltas e batalhas
internos ocorridos no Período Colonial, podemos destacar: a Revolta de
Beckman, em 1684; a quase secular Guerra dos Palmares - PE/ AL; a RebeliãoBaiana de 1711; a Guerra dos Emboabas, 1708-1709; a Guerra dos Mascates,
1710-1711; a Revolta de Vila Rica, 1721; a Guerra Guaranítica no Rio Grande
do Sul, 1754-56; e as Inconfidências Mineira e Carioca. Quantos àquelastravadas contra inimigos estrangeiros, podemos dizer que as Forças Terrestres
Brasileiras, de 1500-1822, por mais de três séculos, venceram seis grandes
batalhas para preservar a integridade do Brasil. A primeira batalha resultoudo estabelecimento de franceses com feitorias no Nordeste (Sergipe, Paraíba,
Pernambuco, Rio Grande do Norte, Ceará, Maranhão) e no Norte (Pará e
Amazonas), com apoio dos índios locais. Foram expulsos, em 1532, dePernambuco, que serviu de ponto de partida para a reconquista dos demais
locais onde os franceses se haviam fixado com feitorias. A conquista mais
difícil e disputada aos franceses foi a Paraíba. Sua importância eraestratégica, pois era chave das comunicações do Nordeste com o Norte. Foi
conquistada em 1585; Sergipe, em 1557; depois, o Rio Grande do Norte,
quando teve início a construção do Forte Três Reis Magos. Em junho de1590, os índios firmaram a paz. No Ceará, a conquista teve início em 1603;
ESAO/CEAD/CAO – HISTÓRIA MILITAR I
134
em 1611, foi fundada Fortaleza. Em pouco, estava vencida a primeira grande
batalha pela integridade do Brasil no Nordeste e Norte. A segunda batalha
foi travada no Sudeste, de 1556 a 1567, para expulsar os franceses que alise estabeleceram, fundando a França Antártica. Tinham como principais
pontos de apoio o Forte Coligny (atual Escola Naval), sob a liderança de
Villegagnon e, em terra, a aliança com os índios Tamoios, contra os luso-brasileiros. Em 1º de março de 1565, Estácio de Sá, tendo como base a
Fortaleza Bertioga, no litoral paulista, desembarcou na área da atual Fortaleza
São João, e ali fundou a cidade do Rio de Janeiro. Dois anos mais tarde,Estácio de Sá iniciou ofensiva final para expulsar os franceses de pontos
fortes nos atuais Outeiro da Glória e Ilha do Governador. Expulsou os
invasores, ficando, assim, definido o destino brasileiro no Rio de Janeiro. Aterceira batalha teve início em 26 de junho de 1612, quando os franceses
invadiram o Maranhão, fundando ali a França Equinocial. Ergueram o Forte
São Luís, em homenagem a Luís XIII, Rei da França, nome que permaneceuna capital maranhense. Liderou a invasão, que durou mais de 3 anos e
meio, Daniel de La Touche, senhor de La Ravardière, tendo-se destacado
nessa luta o Capitão-mor Jerônimo de Albuquerque. A quarta batalha iniciou-se em 1616. Foi enviado ao Maranhão o Capitão Francisco Caldeira Castelo
Branco, que fundou o atual Forte do Castelo (origem da cidade de Belém).
Daí, o Capitão Pedro Teixeira atuou para expulsar as feitorias inglesas,irlandesas e holandesas que se haviam estabelecido no estuário e no Baixo
Amazonas. A seguir, caberia a Pedro Teixeira liderar viagem de Belém a
Quito (1634-36). Dela resultou a conquista da Amazônia, que há mais detrês séculos e meio integra o Brasil, depois de conquistada para Portugal
em nome do rei comum de Portugal e Espanha. A quinta batalha seria
travada no Nordeste (1624- 54), com as invasões holandesas na Bahia edepois Pernambuco. Foi esta grande campanha que culminou com as Batalhas
de Guararapes em 1648 e 1849, nas quais segundo o consenso de intérpretes
do processo histórico brasileiro, despertou o espírito de Exército e de Naçãobrasileiros. Em razão de seu significado histórico e importância, o episódio
das invasões holandesas e a epopéia de Guararapes serão apresentadas
com maior profundidade no presente capítulo. A sexta batalha, pelaintegridade do Brasil, foi travada no Sul. Iniciou-se em 1680, com a fundação
da Colônia do Sacramento por Portugal, defronte a Buenos Aires. Tal luta
se prolongaria até 1870, com o término da Guerra do Paraguai (Brasil Império).
Capítulo 6 - Principais Batalhas e Vultos do Período Colonial
135
6.2 Guerra Holandesa – as causas
Estamos em 1580. Em Portugal, morre o rei, Cardeal D. Henrique. Quem
ascendeu ao trono português foi Felipe II, rei da Espanha, proporcionando acriação de um vasto império, a partir de uma união entre Espanha e Portugal,
que vai se estender até 1640. Em conseqüência, tradicionais inimigos da
Espanha voltaram-se contra Portugal e, naturalmente, contra o Brasil, entãocolônia portuguesa. Dentre os reinos inimigos, as Províncias Unidas –
vulgarmente conhecidas pelo nome de uma delas, Holanda – organizaram,
em 1602, a Companhia das Índias Orientais. Essa empresa, em 10 anos decompleto e surpreendente êxito, tirou de Portugal e da Espanha o monopólio
comercial do Oriente. Em 1609, a Holanda, fortalecida militar e
economicamente, tornou-se independente da Espanha e passou,agressivamente, a disputar com ela a predominância comercial do mundo.
Para frear o expansionismo comercial e religioso calvinista da Holanda, a
Espanha determinou o fechamento dos portos luso-espanhóis aos barcosholandeses que viviam de rendas obtidas com fretes dos transportes marítimos
de diversos povos, e preferidos para conduzir o açúcar do Brasil. A Holanda
voltou-se, em represália, contra a Espanha, em luta de vida e morteenvolvendo o Brasil, como você verá a seguir.
6.2.1 Espionagem
A atividade de transportes de mercadorias possibilitou à Holanda proceder
ao levantamento estratégico das colônias, portos e litoral do império luso-espanhol. Deste modo, estudaram bem o Brasil, conheceram sua
potencialidade econômica, fraqueza militar e a importância estratégica, se
conquistado, para desferirem rude golpe no monopólio ibérico relativo àAmérica do Sul e litoral ocidental da África.
6.2.2 Instrumento das invasões ao Brasil
Como você já viu, a Companhia das Índias Orientais foi um sucesso. Animada
com seus intentos, a Holanda organizou, em 1621, a Companhia das ÍndiasOcidentais, com a finalidade de invadir o Brasil, de onde esperava:
- exercer o domínio naval no Atlântico Sul;
- conquistar o monopólio luso-espanhol do açúcar, pau-brasil, couro,prata, e comércio de escravos africanos; e
- expandir as idéias da Reforma religiosa em imensa área católica.
ESAO/CEAD/CAO – HISTÓRIA MILITAR I
136
A Companhia das Índias Ocidentais assegurou à Holanda o comércio
exclusivo na América e outras áreas, por vinte e quatro anos, como também
autorizou a conquistar territórios, criar colônias, firmar tratados e nomearadministradores. O Governo das Províncias Unidas apoiou esta nova
Companhia, fornecendo tropas, navios e auxílio financeiro, pois esperava
enriquecer e fortalecer-se ainda mais. A esta Companhia coube invadir oBrasil por duas vezes:
- a primeira na Bahia, em 1624; e
- a segunda em Pernambuco, em 1630.
As invasões deram lugar à Guerra Holandesa (1624-1654) ou Guerra dosTrinta Anos do Brasil, extensão da Guerra dos Trinta Anos na Europa (1618-
1648), na qual “escreveu-se a sangue o endereço do Brasil”, no dizer do
sociólogo Gilberto Freyre.
6.2.3 Motivo da cobiça
A maior riqueza do nordeste era a cana-de-açúcar, que encontrava ambiente
ideal nos terrenos de massapê, próximos ao litoral. Este produto assegurava
excelentes lucros a Portugal e Espanha. Existiam na região cerca de 300engenhos, a maioria deles junto aos portos de Salvador e Recife, pelos
quais era exportado. Por aí seguia, também, o pau-brasil, algodão, anil,
fumos e couros. Este quadro econômico tão favorável atraiu para o Brasil aCompanhia das Índias Ocidentais, ávida de lucros e de polpudos dividendos
para os seus acionistas.
6.2.4 Incentivo à agressão
O Nordeste estava despreparado militarmente, para fazer frente à invasãopotente e planejada. O sistema defensivo em torno das localidades e
engenhos isolados era sumário, previsto apenas contra os índios. A mesma
possibilidade observava-se em relação às investidas corsárias. Somente osportos de Recife e Salvador possuíam condições para repelir ações de corso,
mas não de esquadras. A Espanha, preocupada em proteger suas minas de
ouro, no México, e as de prata, no Peru, e comboiar estas riquezas até oReino, deixou extremamente indefeso e vulnerável o nordeste, no caso de
agressão.
Capítulo 6 - Principais Batalhas e Vultos do Período Colonial
137
6.2.5 Salvador, cidade aberta
Os holandeses realizaram, a partir de 1599, incursões na Bahia, constatando
sua fraqueza ante a possibilidade de ser submetida à pressão mais forte.Além disso, dispunham de informações de seus agentes. Salvador não possuía
força numerosa para defendê-la: apenas 80 soldados profissionais e fortes
antiquados. Para agravar a situação, não contava com força naval parapatrulhar a costa.
6.2.6 Divergências: dilatar a Fé ou o Império?
O pensamento militar ibérico decorria do ideal político de dilatação do
Império e da Fé. Não obstante, surgiram em Salvador, na iminência dainvasão, divergências entre o Governador-Geral e o Bispo acerca da atualidade
dos dois objetivos principais do Império luso-espanhol no Brasil. O
Governador, dando prioridade àquele pensamento, determinou que osrecursos fossem aplicados na recuperação e construção de instalações
militares, capazes de proporcionarem maior segurança à cidade. O Bispo,
não acreditando numa invasão, manifestou-se contrário, advogando aprimazia de meios para a dilatação da Fé, especificamente a continuação
das obras da Catedral. As divergências dividiram também a opinião pública
e, conseqüentemente, prejudicaram os trabalhos de fortificação de Salvadore a unidade de ação para a defesa da terra.
6.2.7 Fases da guerra
Para que você possa compreendê-la melhor, a descrição desta guerra será
dividida em quatro períodos:
1º invasão e recuperação da Bahia, 1624-1625;
2º invasão e conquista de Pernambuco, 1630-1636;
3º governo do Príncipe João Maurício de Nassau Siegen, 1637-1644; e
4º insurreição e restauração Pernambucana, 1645-1654.
ESAO/CEAD/CAO – HISTÓRIA MILITAR I
138
6.3 Guerra Holandesa – 1º período – A invasão da Bahia
6.3.1 Notícia da invasão
No início de 1624, o governador-geral Diogo de Mendonça Furtado foi
avisado de Madri que, da Holanda, partira poderosa esquadra para invadir aBahia. Sem enviar recursos e socorros, a Corte recomendou-lhe vigilância e
atenção para as obras de fortificações.
6.3.2 Mobilização da Bahia
Com a notícia, o governador-geral tratou de mobilizar todo o povo, comotambém de melhorar, guarnecer e artilhar os sete fortes existentes na baía
de Todos os Santos. Em pouco tempo, Salvador transformou-se em verdadeira
praça de guerra, com mais de mil homens em armas. Na iminência do perigo,o povo atendeu ao inadiável chamamento das armas, em defesa do ideal
luso-espanhol de dilatação do Império e da fé católica, sob séria ameaça no
Brasil. Catalisados por este ideal, todos aglutinaram-se para proteger a terra.O povo em armas era constituído de portugueses, espanhóis e brasileiros.
Estes últimos, por sua vez, eram formados de brancos, negros e mestiçosde todos os matizes, já impregnados daquele ideal político-religioso.
6.3.3 União em defesa da terra e da fé
Ante o período de invasão, o bispo D. Marcos Teixeira relegou a plano
secundário as divergências: o amor à terra falou mais forte. Uniu-se aogovernador-geral, tornando-se seu destacado auxiliar nos preparativos para
a defesa de Salvador. Levou o estímulo da fé ao povo, dirigiu exercícios
militares e exerceu comando de tropas. Transformou-se em bispo-soldado.Após ingentes sacrifícios, ficou pronto o pequeno e improvisado exército,
no qual se destacavam arcabuzeiros do povo e índios flecheiros.
6.3.4 A invasão
Da notícia da invasão até a chegada da esquadra holandesa frente a Salvador,decorreram quatro meses. Tão dilatado período contribuiu para que muitos
não acreditassem no ataque. Houve relaxamento da defesa. O moral dos
defensores caiu bastante e muitos do interior tiveram que retornar às suasatividades de produção, para sobreviverem. Porém, no dia 8 de maio de
1624, surgiu a poderosa e ameaçadora esquadra da Holanda. Compunha-se
Capítulo 6 - Principais Batalhas e Vultos do Período Colonial
139
de 26 navios armados com 500 canhões e guarnecidos por 3.300 homens,
sendo 1.700 para o combate em terra e ocupação. Era uma fração expressiva
de um dos mais famosos exércitos da época. Almirante Jacob Willekenscomandava esta potente força militar e tinha por auxiliares o famoso corsário
Pieter Heyn e o coronel Van Dorth, governador das terras a conquistar.
6.3.5 Surpresa e confusão
O fraco valor defensivo de Salvador, combinado com a surpresa doaparecimento da esquadra, fez com que o moral da população caísse. Pareceu
a muitos inútil um confronto tão desigual em qualidade e quantidade. Muitos
começaram a deixar a cidade rumo ao interior, levando o que foi possível.No dia 9, os holandeses atacaram e nossas fortalezas responderam. O invasor,
com um plano detalhado das fortificações, procurou evitar ser atingido.
Usando 16 embarcações, fixou as defesas de Salvador, e sobre estas atraiuas reservas da cidade. Enquanto as fortalezas duelavam com a esquadra
inimiga, cinco navios, que os holandeses haviam deixado fora da barra,
aproximaram-se do Forte de Santo Antônio. O desembarque na praia, comuma força de 1500 homens, aproximadamente, não enfrentou reação.
6.3.6 Reação na Porta de São Bento
Diante da esmagadora superioridade, a guarnição do Forte abandonou a
posição e retardou o avanço até a Porta de São Bento, onde o inimigosofreu muitas baixas, sob a ação corajosa e decidida de seus bravos
defensores. Várias tentativas frustradas foram feitas contra o baluarte.
Extenuados, os invasores cessaram fogo e decidiram aguardar o dia seguinte,para dobrarem o ímpeto ofensivo no mesmo local e penetrarem no interior
da muralha que protegia Salvador.
6.3.7 Reação das fortificações
Apesar do seu pequeno valor defensivo e de serem detalhadamenteconhecidas pelo invasor, as fortificações cumpriram a missão. Durante todo
o dia 9, duelaram com os 500 canhões dos barcos inimigos, anulando
diversas tentativas de assalto. À noite, Pieter Heyn, com algumas barcaças,aproveitando-se da escuridão, escalou as muralhas do isolado Forte do Mar.
Saltou em seu interior e obrigou a guarnição a abandoná-lo.
ESAO/CEAD/CAO – HISTÓRIA MILITAR I
140
6.3.8 Queda de Salvador
Sem deter a avalancha de invasão, tão bem planejada e contra a qual era
inútil resistir, a guarnição e a população abandonaram Salvador, durante anoite, rumo ao interior. No dia seguinte, os holandeses, por mar e terra,
desfecharam ataque sobre a cidade abandonada. Constatado o êxodo, o
agressor penetrou, saqueando e aprisionando o governador-geral, que nãoabandonou o posto. A seguir, preparou-se para investir pelo interior. Assumiu
o governo de Salvador o coronel Van Dorth. A sede do Governo-Geral do
Brasil caía em mãos estrangeiras; mas não seria por muito tempo.
6.3.9 Surge o líder da reação
Vago o governo, Mendonça Furtado devia ceder o posto a Matias de
Albuquerque, que então governava Pernambuco. Porém, os baianos
convencionaram obedecer ao desembargador Antão Mesquita de Oliveira,na função de capitão-mor. Este foi logo substituído pelo bispo D. Marcos
Teixeira, eleito pela Câmara de Salvador, o qual, dotado de qualidades
invulgares, procurou levantar o moral da massa confusa que deixara a cidade.Buscou plasmá-la e torná-la poderoso instrumento de contenção do avanço
inimigo. Mobilizou os homens válidos, proibiu relações com o intruso, incutiu
confiança e entusiasmo em todos, enfim, organizou a reação e decidiucobrar caro a invasão.
6.3.10 Arraial do Rio Vermelho, quartel-general da resistência
Próximo uma légua das muralhas de Salvador, os baianos levantaram o
Arraial do Rio Vermelho que, daí por diante, se tornou a sede do Governo-Geral do Brasil e quartel-general da reação contra o invasor, além de
obstáculo à sua expansão para oeste, em combinação com o sistema de
emboscadas.
6.3.11 Advento da guerra brasílica
Sem ajuda militar e desamparados da Metrópole, os luso-brasileiros
improvisaram meios para enfrentar a potente e bem treinada parcela de um
grande e famoso exército. Através de judicioso aproveitamento do terrenoe do emprego de táticas de guerra nativas brasileiras, organizaram as
companhias de emboscadas, compostas de 25 a 40 homens, para levarem a
Capítulo 6 - Principais Batalhas e Vultos do Período Colonial
141
luta sem quartel ao invasor. Surgiu, assim, no Brasil, novo tipo de guerra, a
“guerra brasílica”, que tanta surpresa e admiração iria causar entre os
europeus.
6.3.12 Emboscadas matam Van Dorth e Shouten
Em pouco tempo, as emboscadas cercaram por completo Salvador, levando
a morte e a destruição a todo inimigo que deixasse as muralhas, tentando
buscar suprimento para a manutenção da conquista. Tombaram mortos soba ação das emboscadas, sucessivamente, o governador holandês Van Dorth
e seu sucessor, o coronel Alberto Shouten, comandante da força terrestre.
6.3.13 O cerco
Ao se convencerem da impossibilidade de expansão para o oeste, ondepereceriam, os holandeses buscaram proteção no interior das muralhas, já
cercados por terra.
Para manter a conquista de Salvador, cavaram o extenso fosso de Tororó,junto às muralhas, entre as portas do Carmo e de São Bento. O êxito das
emboscadas e o pavor de que foi tomado o invasor fizeram aumentar a
confiança, audácia e determinação dos defensores, no sentido de expulsá-lo. Todos os chefes se uniram e passaram a acreditar que era chegado o
momento da rejeição do intruso mercantilista, lutando pela terra e seus
autênticos valores.
6.3.14 Solidariedade de Pernambuco
Francisco Nunes Marinho, na qualidade de governador-geral mandado por
Matias de Albuquerque, chegou de Pernambuco em setembro, com reforços
em provisões e pessoal. Recebeu o governo do bravo bispo-soldado e adotoumedidas para tornar o cerco mais rigoroso e agressivo.
6.3.15 Rude golpe na reação
Em outubro morreu D. Marcos Teixeira, a alma da reação e catalisador de
vontades e esforços.
Cumprira com honra, glória e bravura o seu dever de bispo e soldado.
ESAO/CEAD/CAO – HISTÓRIA MILITAR I
142
6.3.16 Ronda da Morte
Inspirado pelo exemplo heróico de D. Marcos Teixeira, Nunes Marinho liderou
a reação com agressividade, todas as horas do dia e da noite, não deuquartel ao invasor, e levou-lhe a morte dentro área do cerco.
O testemunho do padre Antônio Vieira, então vivendo na Bahia, dá conta
do heroísmo e sacrifícios da gente baiana para libertar a terra invadida.
Passaram noites e dias sem dormir descansar, viviam e dormiamsem um teto, alimentavam-se precariamente de farinha,padeceram por vezes seguida, frios, fomes e sedes, além deestarem faltos de munição que foi conseguida com o próprioinimigo, através das emboscadas.
A única coisa abundante entre os luso-brasileiros foi ânimo para a luta e odesejo de libertar a Bahia.
6.3.17 Nuvens de setas mortíferas
Destacaram-se, sobremaneira, na reação, índios flecheiros das aldeias baianas,
valiosos instrumentos ofensivos nos períodos agudos, carentes de munição.Com freqüência, formações compactas holandesas viram cair sob seus peitos,
de surpresa, nuvens de setas que lhes causaram muitas mortes e ferimentos.
Os inimigos mais ousados, ao prepararem o arcabuz para revidarem o ataque,caíam ao solo com o peito varado por flechas.
6.3.18 Situação insustentável
Ficaram entregues à própria sorte. Rarearam-lhes as provisões. Nada ou
quase nada obtiveram da terra invadida ou da Holanda. Os baianos tornaram-se cada vez mais agressivos. Em conseqüência, o desânimo e a coragem
começaram a faltar entre os invasores. Verificaram, por fim, que a Companhia
das Índias Ocidentais errara em sua apreciação estratégica: não percebera aalma do povo, pois estava preocupada com a obtenção de lucros fáceis e
altos dividendos. A feliz expressão de Luís Delgado retratava a situação:
“um confronto de uma alma X um negócio”. A alma sairia vitoriosa. Era dartempo ao tempo e, em breve, o negócio levaria a pior. O invasor receberia,
a custa de imenso dispêndio financeiro e de vidas, grande lição.
Capítulo 6 - Principais Batalhas e Vultos do Período Colonial
143
6.3.19 Reforços e boas-novas
Enviado pelo rei, assumiu o governo da Bahia, em dezembro de 1624, o
capitão-mor D. Francisco de Moura. Veio com a missão de dirigir a reaçãoaté o envio de uma expedição de socorro em aprestamento acelerado na
Espanha.
6.3.20 Plano ousado e inteligente
Era preciso completar o cerco de Salvador com o bloqueio marítimo. A istose entregou de maneira ousada e inteligente o capitão-mor. Em pouco,
esquadrilhas improvisadas, de canoas e lanchas armadas, singravam a baía
e concretizavam o isolamento do invasor. Dificultaram-lhe desembarcar emoutros pontos do Recôncavo para buscar recursos de sobrevivência. O sítio
de Salvador tornou-se cada vez mais rigoroso. No interior da muralha foram
encurralados, por mais de 1.400 luso-brasileiros, 2.800 inimigos, dos quais1.600 soldados, 700 mercenários de diversas nacionalidades e 500 escravos
armados.
6.3.21 Esquadra de socorro
No dia 29 de março de 1624, fundeou, próximo à Ponta do Padrão, poderosaesquadra luso-espanhola, sob o comando de D. Fadrique de Toledo, composta
de 52 navios de guerra e cerca de 12.000 homens, entre soldados e
marinheiros, dos quais 4.000, aproximadamente, eram portugueses. Haviaperto de 1.200 bocas de fogo. Tantos eram os nobres presentes na
expedição, que se dizia não haver exemplo, desde muito, de tão brilhante e
poderosa armada ibérica. Em Portugal, os apelos do governo para aconstituição dessa força tinham encontrado decidido apoio. Parecia mesmo
que o país inteiro tomava a invasão da Bahia como se fora a do próprio
Reino. Segundo D. Manoel de Menezes, testemunha importante dessesacontecimentos, numerosos foram os exemplos de dedicação e espírito de
sacrifício dos portugueses para restaurar a Bahia. Estava em causa a honra
lusitana. A nação inteira contribuiu para a expedição com dinheiro,munições, navios e seus mais destacados filhos. A Espanha empenhou-se
de modo acentuado para equipar a armada.
ESAO/CEAD/CAO – HISTÓRIA MILITAR I
144
6.3.22 Reforços brasileiros
Mais significativo ainda foi o reforço da resistência baiana, por um
contingente de brancos e índios, trazido do Rio de janeiro, via marítima,por Salvador Correia de Sá e, de Pernambuco, por Jerônimo de Albuquerque
Maranhão. Continuava a tradição de solidariedade e apoio mútuo das
diferentes partes do Brasil nascente, em prol da integridade territorial ecultural do país.
6.3.23 A libertação
Em águas baianas, D. Fadrique recebeu a bordo D. Francisco de Moura,
com quem acertou planos para o desembarque e ataque dos navios efortificações. No dia 30, a frota de socorro realizou o bloqueio impedindo a
fuga de qualquer barco holandês. No dia 31, efetivou-se o desembarque
das tropas. Salvador foi submetida a rigoroso cerco que se foi apertandoaos poucos até que o invasor, cedendo terreno, abandonou os fortes e
buscou proteção nas muralhas da cidade. A partir de 6 de abril de 1625, a
luta tornou-se cada vez mais intensa e, segundo Frei Vicente do Salvador,testemunha ocular, “durante vinte e três dias não se passou de um quarto
de hora, de dia e de noite, sem que se ouvisse o estrondo de bombardas,
esmerilhões e mosquetes de parte a parte.” O invasor capitulou, perante aevidência da inutilidade de reação, no dia 30 do mesmo mês. Entregou a
cidade com todos os seus valores, além do armamento e munições, navios,
escravos, e libertou os prisioneiros. Em contrapartida, permitiram-lhe retornarà Holanda com a roupa, suprimentos e munições para a defesa da viagem.
Os oficiais conservaram as espadas.
6.3.24 Entrada triunfal em Salvador
A 10 de maio de 1625, D. Fadrique de Toledo, à frente de bravos luso-brasileiros da Bahia, Pernambuco, Rio de janeiro e São Paulo e das poderosas
tropas trazidas da Espanha, entrou triunfalmente em Salvador, antes que a
dominação holandesa completasse um ano. Com a recuperação da Bahia,encerrou-se um dos mais belos capítulos da história militar do povo brasileiro,
escrita com sacrifícios de toda ordem, heroísmos e provas inexcedíveis de
amor à terra por parte dos bravos baianos, sobre os quais recaiu o peso daluta, durante dez longos e sofridos meses, até a chegada dos valiosos
reforços da Metrópole. Destes, permaneceu em Salvador um terço português,
Capítulo 6 - Principais Batalhas e Vultos do Período Colonial
145
10 companhias de 100 homens cada. No ano seguinte, veio governar o
Brasil D. Diogo Luís de Oliveira, mestre-de-campo, durante seis anos em
Flandres. O novo Governador tratou de melhorar as fortificações da cidade.
6.3.25 Espírito Santo mais uma vez derrota corsários
O invasor, expulso, passou a agredir pontos do litoral, sem conseguir tomar
pé. Assim, com cinco navios, Pieter Heyn incursionou no Espírito Santo em
1625. Repetindo os brilhantes feitos do século XVI, os espírito-santensesderrotaram o famoso almirante batavo. A força de Salvador de Sá, então
em Vitória, transitando para reforçar a defesa baiana, cooperou com os
locais no sentido de fazer fracassar as tentativas de desembarque doscorsários e para barrar-lhes o passo no rio Santa Maria. Poucos dias depois,
os holandeses abandonaram a região.
6.3.26 Socorro holandês frustrado
Uma das duas frotas holandesas de socorro a Salvador, sob o comando deBoudewijn Hendrickszoon, chegou, nos últimos dias de maio de 1625, às
costas da Bahia. Depois de haver navegado nas águas próximas, a frota
tomou o rumo do nordeste, em busca de refresco, pois estava com muitosdoentes a bordo. Conseguiu desembarcá-los na baía da Traição. Pressionado
pelos defensores da terra, Hendrickszoon velejou para o Caribe, deixando
sepultados no Brasil cerca de 700 dos seus homens.
6.3.27 Incursões de Heyn no Recôncavo Baiano
No dia 1º de março de 1627, o corsário Pieter Heyn, com 9 navios e alguns
iates, transportando 1.500 homens, penetrou no porto de Salvador e
apoderou-se de diversas embarcações. Durante um mês permaneceu naságuas do Recôncavo, fazendo presas e duelando com os defensores, agora
mais bem apercebidos. As perdas do corsário foram pesadas, em navios e
homens. O próprio Heyn ficou ferido. Por fim, rumou para o sul. No dia 10de junho do mesmo ano, retornou à baía de Todos os Santos e apoderou-se
de alguns barcos desprevenidos e desarmados. Numa incursão predatória
no rio Pitanga, Heyn, com parte de sua força naval, defrontou-se, já no dia12, com a tropa enviada pelo Governador para a proteção dos navios ali
refugiados. Nesse encontro, perdeu a vida o capitão Francisco Padilha, um
dos heróis da resistência de 1624-5 e muitos dos seus homens, cuja atuação
ESAO/CEAD/CAO – HISTÓRIA MILITAR I
146
foi notável, segundo depoimento dos próprios holandeses. Quando descia
o rio, Heyn teve de disputar a passagem, num ponto defendido por parapeito,
guarnecido por mosqueteiros. Comandava a defesa, segundo Laet, oGovernador D. Diogo Luís de Oliveira, que viera com muitos dos destacados
oficiais e todos os soldados e moradores, em admirável exemplo de coesão
e espírito combativo. Os holandeses conseguiram safar-se, protegendo-sedos tiros de mosquete com couros levantados nas bordas de suas
embarcações. Heyn nada mais tentou e fez-se ao mar, para nunca mais
voltar ao Brasil continental. Os tempos haviam mudado e isto o ousadocorsário percebeu em seu frustrado desembarque. O Brasil já não era “um
jardim sem muro”, continuava “tesouro rico”, porém “seguro”. O próprio
invasor gastara imensas somas para fortificar Salvador, no período em quea dominara.
6.4 Guerra Holandesa – 2º período – A invasão de Pernambuco
6.4.1 Corsários holandeses persistem
Atuando em águas do Atlântico Sul e descansando em pontos desabitados
do nosso litoral ou na ilha de Fernando de Noronha, corsários holandesesda Companhia das Índias Ocidentais aprisionavam navios mercantes para
auferir lucros. Nessa quadra, Pieter Heyn conseguiu deter, nas Antilhas, a
tão cobiçada “frota de prata” da Espanha. O valor da presa montou a pertode 15 milhões de florins, isto é, mais do dobro do capital inicial daquela
Companhia.
6.4.2 Recife, base ideal
Isto contribuiu para revigorar a cobiça dos negociantes da Holanda no sentidode estabelecerem ponto de apoio na América do Sul. Escolheram
Pernambuco, uma próspera capitania hereditária e não real, menos defendida
do que a Bahia e mais próxima da Europa e do litoral africano. Além disso,existia o porto de Recife, base naval natural excelente, capaz de abrigar e
proteger enorme esquadra de ataque. Baseados em Recife, acreditavam
dominar e manter o Brasil com poucos gastos, arruinar a navegação luso-espanhola na costa e se apossar, através de ações de corso, de fabulosas
riquezas transportadas da América do Sul para a Europa, por Espanha e
Portugal. Com poucos gastos poderia tornar-se inexpugnável contrainvestidas vindas de terra, desde que mantivessem em seu poder o controle
Capítulo 6 - Principais Batalhas e Vultos do Período Colonial
147
do acesso marítimo. Tal apreciação estratégica foi válida, pois esta base
resistiu durante 24 anos, até que os holandeses perderam a supremacia
naval na área.
6.4.3 Falsa ilusão
Os batavos avaliaram que obteriam muitos lucros com o controle do negócio
do açúcar de Pernambuco, bem como atrairiam facilmente seus habitantes
a mútua amizade e aliança. E esta foi a falsa ilusão do invasor, que lhecustou altíssimo preço. Este povo não era dado a tratados de “mútua amizade
e aliança” com o dominador, pois, após um século de colonização portuguesa,
já possuía acendrado amor à terra e aos seus símbolos. A grande maioria dopovo pernambucano já comungava do ideal luso-espanhol – dilatação da fé
e do Império.
6.4.4 Notícia da invasão
Os agentes de Lisboa e Madri, ao perceberem inusitado movimento nosportos da Holanda em torno do aprestamento secreto de grande e poderosa
esquadra, forneceram elementos conclusivos de que ela se destinava ao
Brasil. Madri recomendou ao governador-geral do Brasil a construção deobras de defesa nas cidades mais expostas a ataque inimigo. Quase nada
enviou para auxiliar a defesa. Na verdade, somente a presença de uma força
naval guarda-costa poderia assegurar proteção eficiente à capitaniaameaçada.
6.4.5 Mobilização de Pernambuco
O Governador de Pernambuco, Matias de Albuquerque, retornou de Madri
apressadamente, trazendo o insignificante e simbólico auxílio de 27 soldadose algumas munições. Ao chegar, ativou as obras de fortificações iniciadas
em torno de Olinda e Recife, sob a direção de dois peritos enviados pelo
governador-geral da Bahia, D. Diogo Luís de Oliveira. Mobilizou, organizoue armou um efetivo de cerca de 1.000 homens, formando 4 companhias.
Solicitou a participação do bravo índio Antônio Felipe Camarão, que se
apresentou com muitos guerreiros. Colocou em estado de alerta toda acapitania. Em pouco tempo, Recife e Olinda transformaram-se em praças
de guerra, sob a liderança firme e inspirador exemplo de seu Governador,
que fez tudo ao alcance da capitania, para enfrentar a força invasora.
ESAO/CEAD/CAO – HISTÓRIA MILITAR I
148
6.4.6 A esquadra inimiga
No dia 15 de fevereiro de 1630, apresentou-se ameaçadora, frente a Recife,
a poderosa esquadra holandesa, ao comando do Almirante Hendrick Loncq.Compunha-se de 50 navios, um total de 7.000 homens.
6.4.7 Reação de Recife
No mesmo dia, após frustrada tentativa de dominar a praça, a esquadra
bombardeou violentamente as fortificações da barra. Os canhões dos Fortesdo Mar e São Jorge responderam com violência, bravura e determinação.
Impediram a aproximação de barcos inimigos e rechaçaram tentativas de
desembarque levadas a efeito por barcaças. Com grande intensidade,prolongou-se por toda a tarde o violento e feroz duelo entre os fortes e os
navios. Matias de Albuquerque, pessoalmente, dirigiu, animou e encorajou
seus bravos na defesa de Recife.
6.4.8 Desembarque em Pau Amarelo
O invasor, poderoso, tinha plano bem estudado e há longo tempo preparado:
atacar Recife para fixar Matias de Albuquerque e, após, desembarcar grandes
efetivos num ponto favorável do litoral. Sabia que o irrisório efetivo luso-brasileiro não poderia cobrir toda a costa pernambucana, e que os defensores
não tinham recebido reforços da Metrópole. Enquanto a maior parte da
esquadra duelava com Recife, 16 navios com 3.000 homens velejaram parao norte, sob o comando do coronel Wáerdenburg, e desembarcaram,
tranqüilamente, sem nenhuma reação, na desguarnecida praia de Pau
Amarelo.
6.4.9 Avanço invasor
No dia 16, pela manhã, o invasor iniciou a progressão rumo a Olinda com
três regimentos: o do tenente-coronel Van Elst, na vanguarda, o do tenente-
coronel Van Callenfels, ao centro, como corpo de batalha, e o do majorHounckes, na retaguarda. Marcharam junto à costa, sob a proteção de
algumas lanchas artilhadas, até o rio Doce.
Capítulo 6 - Principais Batalhas e Vultos do Período Colonial
149
6.4.10 Resistência no rio Doce
Ao ter notícia do desembarque, Matias de Albuquerque deslocou-se com
850 homens para defender Olinda, sob séria ameaça. O atacante, com 3.000homens, apoiando-se pela artilharia das barcaças, forçou a fraca oposição
tão logo baixou a maré. A tênue defesa desmoronou-se sob a incursão
ameaçadora e foi juntar-se aos defensores de Olinda, sem oferecer novaresistência na linha do rio Tapado, fortificada por trincheiras e baluartes.
6.4.11 Luta pela posse de Olinda
Van Elst, sem perda de tempo, investiu contra Olinda. A vanguarda, atacou
pela direita na direção do convento dos jesuítas, que se achava fortificadoe defendido. O escalão, ao assaltar este ponto forte, encontrou vigorosa
reação da parte de seus poucos defensores, que, no entanto, tendo sofrido
algumas baixas, foram obrigados a retirar-se.
O corpo de batalha atacou ao centro, indo atingir, após forte resistência, oAlto da Sé. Daí passaram a atirar sobre o fortim que defendia Olinda pelo
norte, determinando sua queda, em conseqüência da manobra de Van
Callenfels. A retaguarda ocupou o fortim sem luta. Um desembarque de500 homens ao sul de Olinda decidiu sua sorte. Era inútil qualquer reação
contra 3.300 soldados profissionais bem treinados. A cidade foi abandonada
e Matias de Albuquerque retirou-se para Recife com um punhado de bravos,animados todos de inabalável vontade de defender aquela terra, com o
sacrifício da própria vida.
6.4.12 Ato de bravura e de fé
No Alto da Sé, as tropas de Van Callenfels chocaram-se com a resistênciacomandada pelos bravos capitães André Pereira Temudo e Salvador de
Azevedo, que ali protegiam, da profanação e do roubo, os tesouros reunidos
no interior dos templos. Rumararn para a Igreja da Misericórdia. À sua portacolocou-se o capitão Temudo que, vendo o avanço inimigo, gritou: “Quem
avançar morre!” E empenhou-se na mais desigual das pelejas, até que uma
bala o abateu. O invasor pisoteou, arrastou e passou por cima do corpodeste bravo e cumpriu o maldito desígnio. Por onde passou em todo o seu
avanço, sentiram-se as ações mercenárias.
ESAO/CEAD/CAO – HISTÓRIA MILITAR I
150
6.4.13 Luta pela posse de Recife
Em Recife, Matias de Albuquerque reforçou os fortes, trincheiras e redutos
que a guarneciam por todos os lados. Obstruiu mais ainda a entrada doporto com novos barcos afundados. Vendo que era impossível resistir por
muito tempo, incendiou todos os armazéns e navios repletos de ricas cargas
e mercadorias.
6.4.14 O assédio inimigo
Os holandeses, nos dias 18 e 19 de fevereiro, atacaram pelo mar, tentando
penetrar no porto. Repelidos em diversas tentativas, desistiram e mudaram
de tática. No dia 20, Van Callenfels, com grande parte de sua tropa, investiupor terra contra o Forte de São Jorge.
6.4.15 Lutas de Davi x Golias
Aos 600 invasores resistiram, com bravura, 37 pernambucanos, liderados
pelo bravo e legendário Antônio Lima, os quais repeliram o ataque –“mortandade considerável do inimigo”, segundo Southey. Os bravos do
forte, no afã de defenderem a posição, derrubaram as escadas de assalto,
apinhadas de inimigos, e devolveram as granadas por eles lançadas, antesque explodissem. O revés sofrido pelo adversário e a coragem dos bravos de
Antônio Lima animaram as demais guarnições de Recife e fizeram com que
muitos, que haviam desertado, retomassem para cumprir o dever de defendera terra.
6.4.16 Esmagado o Forte de São Jorge
Nove dias após o desastre do frustrado ataque ao Forte de São Jorge, o
inimigo, a 1º de março, tornou a atacá-lo com todo o poderio bélico. Paraesmagar o forte e seus bravos defensores, concentraram tempestade de
granadas, lançadas de canhões no mar e na terra. Os pernambucanos não
desanimaram, redobraram em coragem e firmeza, repelindo todos os ataquesdurante um dia. A 2 de março após algumas horas de bombardeio, Antônio
Lima constatou que se haviam desmoronado as muralhas do forte,
desmontados os canhões, com grande número de mortos e feridos entreseus bravos. “Não se podia mais sustentar” no dizer do Visconde de Porto
Seguro. Tinham todos cumprido honrosa e gloriosamente com o dever.
Capítulo 6 - Principais Batalhas e Vultos do Período Colonial
151
Rendeu-se o Forte de São Jorge diante da esmagadora superioridade bélica
inimiga, porém, mostrou ao coronel Waerdenburg, conforme ele escreveu à
Holanda, que “os soldados desta terra são vivos e impetuosos e não são denenhum modo cordeiros”, e não como julgava antes, “fáceis de serem atraídos
a mútua amizade e aliança”. Após a rendição, os holandeses, esperando
ansiosamente numerosa guarnição, ficaram surpreendidos e desconcertados,quando viram sair das ruínas, altivo, o bravo Antônio Lima, acompanhado
de meia dúzia de sobreviventes.
6.4.17 Queda de Recife
Capitulando o Forte de São Jorge, houve a ocupação de Recife, a 3 demarço de 1630, quinze dias após o desembarque em Pau Amarelo. Estava
atingido o mais importante objetivo, do qual todos os demais dependiam: a
conquista do importante ponto estratégico naval.
6.4.18 Lutar até a morte
Apesar do desastre que se abateu sobre as vidas, propriedades, fé e
esperanças dos pernambucanos, estes não ensarilharam armas, não
renunciaram à luta. Matias de Albuquerque proclamou para toda a capitaniaa disposição de lutar até a morte.
6.4.19 Arraial do Bom Jesus
Reunindo todos os bravos, solidários com a sua atitude, em local onde
uniam muitos dos caminhos que, de Olinda e Recife, demandavam o interior,estabeleceu, em curto prazo, o Arraial do Bom Jesus. Este forte, construído
com sólidos baluartes e bem protegido por formidáveis trincheiras e fossos,
resistiu impávido, durante cinco anos, às arremetidas e à ânsia de conquistado adversário.
6.4.20 O invasor fortifica-se
Conquistadas Olinda e Recife, o dominador tratou de fortificá-las.
Reconstruíram o Forte de São Jorge e construíram os de Cinco PontasBrum, que ainda hoje podemos conhecer. Em Olinda, reforçaram muros,
demoliram casas e abriram trincheiras na face.
ESAO/CEAD/CAO – HISTÓRIA MILITAR I
152
6.4.21 As estâncias de cerco
Completou o sistema defensivo o estabelecimento de um anel de cerco em
torno de Recife e Olinda, constituída de estâncias, para evitar que o inimigosaísse impunemente de Recife para abastecer-se de água e lenha. Este
conjunto fazia parte, ao mesmo tempo, do sistema de defesa do interior
pernambucano e da linha de bloqueio terrestre de Olinda e Recife. Era umasolução genuinamente brasileira, inteligente para o problema militar.
6.4.22 Emboscadas em ação
O trabalho de fortificações não foi calmo e tranqüilo. Os luso-brasileiros
organizaram emboscadas e, a toda a hora do dia e da noite, desfecharamousados e mortíferos golpes-de-mão contra o invasor. Neste período
destacaram-se muitos bravos e intrépidos defensores, como o pernambucano
Luís Barbalho que, sucessivamente, atacou trincheiras na ilha Antônio Vaz,e os Fortes do Buraco, do Brum e do pontal de Asseca, levando morte,
destruição e intranqüilidade ao inimigo, cobrando alto preço pela invasão
de sua terra. Ao invasor não foi permitido andar despreocupado, mesmo emseus domínios. A morte rondava seus passos, dos que se aventuravam sair
das fortificações. A ligação terrestre Olinda-Recife transformou-se em estrada
fatal para os holandeses. O caminho marítimo passou a ser preferido, nãoobstante os transtornos.
Em certa ocasião, escapou de ser morto ou de cair prisioneiro o próprio
almirante Longq, vítima de emboscada preparada pelos bravos Luís Barbalho,
Felipe Camarão, Pascoal Pereira e Dias Cardoso. Em conseqüência, plantadosna terra dela nada usufruíam para a subsistência e manutenção da conquista.
Sua alimentação tornou-se dependente da Europa ou de alguma expedição
corsária sobre o litoral. A terra e os filhos de Pernambuco negavam tudo aoinvasor, tornando-lhe a vida um inferno. Pernambuco não era o paraíso com
que sonharam.
6.4.23 Aperturas e dificuldades
Do nosso lado, a concentração no Arraial, o abandono das lavouras para aluta e o bloqueio marítimo de recursos tornaram a situação difícil e
angustiante para os bravos defensores de Pernambuco. Somente o amor à
liberdade e à fé cristã e a conseqüente solidariedade, cooperação e espírito
Capítulo 6 - Principais Batalhas e Vultos do Período Colonial
153
de renúncia poderiam amenizar aquela emergência. Enquanto alguns se
mantinham vigilantes e prontos para a luta, outros saíam para longe em
busca de mantimentos e de solução para os problemas de família. Nasestâncias de cerco de Recife e Olinda, revezavam-se na enxada e no arcabuz,
plantavam e lutavam. Segundo Lopes Santiago, “O mantimento era escasso,
sucedendo, muitas vezes, os soldados não terem uma espiga de milho paraa ração”. O invasor era reforçado continuamente. Até o final de 1630,
chegaram a Pernambuco 3.500 homens. Para os defensores, nada foi enviado
da Metrópole, em um ano e meio.
6.4.24 Reforços navais
No início de 1631, fundeou em Recife a esquadra de Adrian Jansen Pater,
composta de 16 navios e cerca de 1.000 homens. Com estes reforços, o
holandês animou-se a expandir a conquista. Ocupou a ilha de Itamaracá,em 22 de maio; levantou o Forte de Orange, mas teve frustrada a tentativa
de conquistar o de Afogados. A 13 de julho, aportou em Salvador a esquadra
luso-espanhola, sob o comando de D. Antônio de Oquendo, constituída de32 navios com 2.000 homens
6.4.25 Batalha naval de Abrolhos
Em princípio de setembro, Oquendo deixou a Bahia, para desembarcar na
costa de Pernambuco 1.000 homens destinados ao Arraial e 200 à Paraíba.A 12 de setembro, as esquadras avistaram-se na altura de Abrolhos e ocorreu
uma das mais importantes de nossas lutas no mar, que durou toda a jornada.
O encontro dos 20 navios de guerra de Oquendo com os 16 galeões dePater foi violento e disputadíssimo. Durante o combate, naufragou o navio
do almirante Pater, que morreu afogado ao lançar-se ao mar para escapar
das chamas que devoravam a nau capitânia, atingida em cheio. A vitória deOquendo tornou possível o desembarque, de reforços para o Arraial,
comandados pelo napolitano Giovanni Vicenzo di San Felice, Conde e depois
Príncipe de Bagnuoli, vulgarmente chamado de Bagnuolo, fazendo tambémredobrar o entusiasmo dos bravos do Arraial. Golpes-de-mão mais audazes
foram desferidos contra o inimigo, que passou a temer o duplo ataque por
terra e por mar e tratou de abandonar Olinda e fortificar-se ainda mais emRecife.
ESAO/CEAD/CAO – HISTÓRIA MILITAR I
154
6.4.26 Resposta imortal
Antes do abandono de Olinda, os holandeses propuseram a Matias de
Albuquerque entregá-la mediante pesado resgate, caso contrário, aarrasariam.
Segundo Pereira da Costa, Matias de Albuquerque respondeu-lhes:
Os pernambucanos, com armas na mão, não compram,conquistam. Sabem dar cargas de balas de mosquete e não decaixas de açúcar. Com os inimigos a quem falta a fé são estáveisos contratos que firma o sangue e de nenhuma firmeza os queafiança a palavra. Queimai Olinda, se a não podeis guardar, quenós saberemos edificar outra melhor.
E concluía que desejava deixar na lembrança de Pernambuco, por todos ostempos futuros, os triunfos da capitania e o castigo que sofreria o invasor.
6.4.27 Olinda devorada pelas chamas
O flamengo, ante esta resposta altiva, após retirar tudo que pudesse ser útil
em Recife, incendiou Olinda. No dia 25 de novembro de 1631, os bravosheróis da resistência, com lágrimas nos olhos e a revolta na alma, viram ser
consumida pelas chamas a bela, rica e majestosa capital de Pernambuco,
fruto de quase um século de trabalhos árduos e sacrifícios ingentes.
6.4.28 Insucessos
Em dezembro de 1631, existiam no Recife 7.000 soldados holandeses.
Minguando suas provisões, e na impossibilidade de atacar os defensores, o
invasor fez várias incursões sobre locais indefesos da costa. Van Callenfels,ao tentar a conquista do Forte de Cabedelo, na Paraíba, teve que retirar-se,
com inúmeras baixas. Em reconhecimento do litoral leste-oeste, e para
indispor os índios dali contra os luso-brasileiros, uma reduzida expediçãoholandesa, sob o comando do capitão Smient, por ali atuou, sendo repelida
pelo pequeno Forte do Ceará. Os holandeses tentaram ainda conquistar o
Forte dos Três Reis Magos, no Rio Grande do Norte. Fracassaram. Asoldadesca batava estava desiludida com esta maneira de guerrear que
consumia vidas, roubava tempo e poucos resultados apresentava.
Capítulo 6 - Principais Batalhas e Vultos do Período Colonial
155
6.4.29 Traição de Calabar
Quando o desânimo começou a lavrar entre eles, desertou para suas fileiras
e passou a auxiliá-los o pernambucano Domingos Fernandes Calabar. Suadeserção mudou o curso da guerra.
Hábil e astuto nas emboscadas, passou a guiar o inimigo, desvendando-lhe
os segredos da terra, que lhe servira de berço. Ensinou-lhe a “guerra
brasílica”. Conduzidos por ele, os holandeses atacaram, com inteiro êxito,Igaraçu, Rio Formoso, Afogados e diversos pontos da Várzea do Capibaribe,
até que foram freados ao se frustrar o ataque ao Arraial.
6.4.30 Resistência heróica e lendária
Durante essa vitoriosa campanha expansionista, destacou-se a bravaresistência no Rio Formoso. O major Von Schkoppe, no dia 7 de fevereiro,
lançou-se contra o Forte de Rio Formoso, que tinha apenas duas peças de
canhão e uma guarnição de 20 homens, comandados por Pedro deAlbuquerque.
Intimados à rendição, responderam que lutariam até o último alento de
vida. Von Schkoppe desferiu três potentes assaltos para vencer a reaçãodaqueles bravos. Na quarta investida, penetrou na fortificação e encontrou
os corpos dos seus 20 bravos defensores, que cumpriram com honra e
glória o juramento que fizeram, num protesto contra a invasão. Pedro deAlbuquerque, ferido, jazia por terra. Von Schkoppe comoveu-se com a
bravura e heroísmo daqueles homens e apontou o belo exemplo a seus
soldados. Ao ver Pedro de Albuquerque, um combatente holandês correupara tomar-lhe a espada. Von Schkoppe, ao perceber, gritou: “Alto! Não se
toma a espada gloriosa de um herói”. Pedro de Albuquerque foi socorrido e
tratado com grande respeito, e concederam-lhe liberdade, sob palavra, atépartir para Lisboa. Que grande diferença de atitude, do pernambucano
Calabar, guiando o inimigo sobre o Rio Formoso, e a legendária e heróica
reação do bravo pernambucano e seus 20 soldados! O valente defensormorreu como governador do Maranhão, e seus restos encontram-se em
Belém do Pará, na Igreja N. S. do Carmo.
ESAO/CEAD/CAO – HISTÓRIA MILITAR I
156
6.4.31 Ataque ao Arraial
A 24 de março de 1633, guiados ainda por Calabar, 1.200 soldados,
comandados pelo novo Governador, coronel Van Rembach, atacaram desurpresa o Arraial do Bom Jesus. Os luso-brasileiros reagiram com valentia.
Luís Barbalho e outros bravos capitães contra-atacaram fora do forte com
tremenda violência, e repeliram a tentativa, ocasionando pesadas baixas. Opróprio Governador Van Rembach, ferido mortalmente, faleceu logo após.
6.4.32 Barbarismo e desumanidade
Segundo Souza Júnior, “a guerra atingiu nesta altura caráter bárbaro e
desumano, obrigando os contendores celebrar acordo para coibir atos decrueldade e selvageria”. Assinaram o tratado Matias de Albuquerque e o
Conde de Bagnuolo de um lado, e Van Ceulen e Gysselingh de outro.
Proibiram-se a queima de templos, a fortificação de igrejas, a destruição deimagens, o tiro com armas de cano raiado, balas envenenadas e mastigadas,
ofensas a prisioneiros e a morte de padres, crianças e mulheres. Estabeleceu-
se uma tabela de resgate para prisioneiros, variando o preço com a patente.
6.4.33 Acelerada a expansão
Animados com os sucessos obtidos com o auxílio de Calabar e dos grandes
reforços recebidos, o invasor expandiu os seus domínios. Expulsou os
defensores da ilha de ltamaracá e lá fundou uma colônia agrícola para sustentarRecife. Saqueou, matou e depredou em Igaraçu, Goiana, Barra Grande, Alagoas
e Muribeca, conseguindo fazer aumentar mais o clima de ódio. Em outubro,
os holandeses incursionaram em Alagoas, incendiando a Vila de Nossa Senhorada Conceição e casas das imediações, a despeito da valente resistência dos
locais, dispostos em uma trincheira. Tentando fazer o mesmo na Vila de
Santa Luzia, foram repelidos pela gente comandada pelo capitão AntônioLopes Filgueiras, o qual, nesse combate, perdeu a vida.
6.4.34 Queda do Forte dos Três Reis Magos
A 12 de dezembro de 1633, capitulou o Forte dos Três Reis Magos no Rio
Grande do Norte, debaixo do peso de poderosa força composta de 20navios e 1.500 homens, sob o comando de Lichthardt. A pequena guarnição
resistiu com valor e coragem durante dias. Mas foi obrigada a ceder: a
Capítulo 6 - Principais Batalhas e Vultos do Período Colonial
157
desproporção era enorme. O inimigo ocupou o Rio Grande do Norte e celebrou
aliança com os índios, deixando a Paraíba entre dois fogos.
6.4.35 Cabo Santo Agostinho resiste
Após frustrada tentativa de conquista do Forte de Cabedelo, Lichthardt eVon Schkoppe arremessaram-se com 1.500 homens contra as fortificações
do Cabo Santo Agostinho, que julgavam desguarnecidas, por terem seus
efetivos sido deslocados para a Paraíba. Informado do rumo da esquadra,Matias de Albuquerque reforçou aquela praça. Os batavos, guiados pelo
Calabar, entraram barra adentro e se instalaram defensivamente no Pontal e
na Ilha do Borges. Os luso-brasileiros, apesar dos reforços recebidos daBahia e da Paraíba, não conseguiram desalojar o forte contingente, que se
estabelecera no Pontal.
6.4.36 Mobilidade admirável
Podiam, no entanto, estar presentes, numerosos, em qualquer ponto doextenso litoral nordestino, onde o inimigo tentasse desembarque. E a razão?
Devia-se isto à excelente posição estratégica do Arraial do Bom Jesus, onde
se concentrava o esforço defensivo dos pernambucanos, combinada, coma excelente rede de espionagem em Recife. Assim que Matias de Albuquerque
descobria a saída da esquadra holandesa para determinado ponto do litoral,
enviava reforços do Arraial para o ponto ameaçado, os quais chegavamjunto com os navios.
6.4.37 Golpe-de-mão em Recife
Na noite de 1º de março de 1634, desferiu ousado golpe-de-mão sobre
Recife o célebre capitão Martim Soares Moreno. Era o que se denominariahoje uma operação de comandos, para incendiar a povoação e destruir
suprimentos. Com 500 homens, atacou o porto em pontos diferentes. A
incursão espalhou morte, confusão e terror entre defensores, por atingir ointerior do recinto fortificado. Não ambicionava, logicamente, conquistar a
praça, e, sim, obrigar o invasor a defendê-la melhor para, desse modo,
enfraquecer as tropas que atuavam no litoral. De fato, depois dessa investida,conforme registrou Laet, os ocupantes viviam em contínuo sobressalto em
Recife, cuja guarnição reforçaram com uma tropa do Cabo de São Agostinho.
ESAO/CEAD/CAO – HISTÓRIA MILITAR I
158
6.4.38 Novo ataque ao Arraial
A 30 de março de 1634, os holandeses investiram mais uma vez contra o
Arraial, sendo repelidos.
6.4.39 Conquista da Paraíba
Preparando a conquista da Paraíba, em outubro de 1634, os holandeses e
tapuias aliados atacaram e conquistaram um fortim na Barra do Cunhaú.
Prosseguindo em suas ações ofensivas, incursionaram no rio Mamanguape,ainda nesse mês. Entrementes, voltaram às Alagoas. No dia 16 de dezembro,
caiu em suas mãos, após quinze dias de assédio, o Forte do Cabedelo, na
Paraíba. Poderosas forças, comandadas por Von Schkoppe e Artichofsky,tomaram primeiro o Forte da Restinga, que reagiu com bravura. Seus defensores
“foram passados a fio de espada”, segundo Comelyn em seu diário, por não se
terem rendido. Ao Forte de Cabedelo, os holandeses enviaram carta intimando-o à rendição. A guarnição recusou, altivamente. No outro dia, o forte, após ser
atingido em cheio por três granadas que causaram muitos danos, capitulou. O
Forte de Santo Antônio, isolado pela manobra, rendeu-se. O invasor marchousobre Filipéia, atual João Pessoa, onde entrou, quase como libertadores, em
razão dos excessos de toda natureza cometidos pelas tropas espanholas e
italianas recebidas em reforço. Estava conquistada a Paraíba. Não para sempre.
6.4.40 Reforços 30 por 1
No inicio de 1635, eram sombrias as perspectivas para os luso-brasileiros do
nordeste. O fiel da balança pendia para o adversário, que recebia reforços e
mais reforços da Holanda, além da providencial ajuda de Calabar e dosíndios seus amigos. Tudo favorecia a fixação em terra brasileira. Os defensores
estavam desamparados pela Metrópole e, segundo Rocha Pombo, “A Holanda
mandava para conquistar o Brasil forças numa proporção de 30 por 1, pelasenviadas pela Espanha para defendê-lo”. Uma diferença muito grande, mas
Matias de Albuquerque mantinha-se fiel a seu juramento – lutar até morrer.
6.4.41 Conservar os pontos vitais
Com a força moral que lhe davam a solidariedade e o espírito de resistênciado povo pernambucano, decidiu manter a todo o custo, até a chegada de
reforços, os seguintes pontos vitais: Arraial do Bom Jesus, Forte de Nazaré,
Capítulo 6 - Principais Batalhas e Vultos do Período Colonial
159
Porto Calvo e Serinhaém. No restante do território, onde houvesse elementos
de reação, a idéia era causar o maior dano possível ao inimigo, retardando a
conquista e destruindo o que lhe pudesse apresentar utilidade para firmar aocupação. Desenvolveram-se, pois, na faixa mais rica de Pernambuco,
durante os primeiros meses de 1635, inúmeras ações de guerrilha, conduzidas
por Martim Soares Moreno, Luís Barbalho Bezerra e outros experimentadoscapitães. O Forte de Nazaré era o único ponto de comunicação com o
exterior, de onde os defensores poderiam receber ajuda vinda por mar da
Europa e Bahia. Os demais portos estavam nas mãos dos holandeses. EmSerinhaém, acorreram todas as famílias pernambucanas que, motivadas pelo
amor à terra e pela fé católica, não aceitaram viver sob sujeição estrangeira.
6.4.42 Conquista de Pernambuco
Em princípio de março de 1635, o inimigo voltou-se contra os pontos vitaisem mãos luso-brasileiras. O almirante Lichthardt, por sugestão de Calabar,
atacou e apoderou-se de Porto Calvo. O coronel Von Schkoppe sitiou a
Fortaleza de Nazaré, que se rendeu a 2 de julho de 1635, após mais dequatro meses de cerco. O coronel Artichofsky iniciou o assédio ao Arraial
do Bom Jesus, cuja resistência se tornou um dos episódios mais belos,
emocionantes e heróicos das nossas gloriosas lutas coloniais.
6.4.43 Resistência imortal
Após um mês de luta furiosa e disputadíssima, o Arraial foi cercado por
1.200 homens do coronel Artichofsky, protegidos por redutos fortificados
que mandou construir em torno, à custa de muito sangue, vidas e sacrifícios.O Arraial abrigava em seu interior 547 soldados, e apreciável número de
moradores, sob o comando do coronel André Marin. A partir de 19 de abril, o
atacante, apoiado por artilharia de grosso calibre, tentou por diversas vezesescalar as muralhas do forte, entulhando o fosso que o circundava. Repelido,
sofreu pesadas baixas. As granadas lançadas no interior eram apagadas com
couro molhado e água. Já não se podendo contar com suprimentos de fora,começou a lavrar a fome entre os sitiados, suportada com grande dignidade
e estoicismo. Segundo Lopes Santiago, contemporâneo destes fatos, em
três meses e doze dias, alimentaram-se de treze cavalos, couros de boi eoutros produtos ou gêneros de circunstâncias. Os soldados, a fim de manterem
as forças para a resistência, buscavam ervas existentes em alagadiços próximos.
ESAO/CEAD/CAO – HISTÓRIA MILITAR I
160
A farinha de mandioca foi inutilizada, pois encheu-se de terra, em
conseqüência do abalo provocado pelos impactos de artilharia. Mesmo assim,
foi pacientemente peneirada e consumida até acabar. Nesta luta caiuprisioneiro Artichofsky, mas, transportado com suas armas, conforme acordo
em vigor, faltou com a palavra de honra. Agrediu o soldado e fugiu. Finalmente,
a 8 de junho de 1635, após ter escrito página imortal, com muito sangue,vidas, fome, renúncia, heroísmo e sacrifícios de toda ordem, o Arraial capitulou.
Cumprira o seu dever durante mais de cinco anos de resistência. Nele, a alma
vigorosa do povo de Pernambuco, catalisada pelo ideal de defesa da terra eda fé católica, reunira-se para um longo, sofrido, imortal e épico protesto
contra a invasão da terra brasileira. Renderam-se com dignidade, esgotadas a
alimentação e a munição, perdida a esperança de receberem qualquer auxílio.Não há na longa história da guerra holandesa símbolo mais significativo do
espírito de resistência. Por isso, as ruínas existentes no atual Recife, no sítio
da Trindade, devem ser percorridas e pisadas com respeito e reverênciapatriótica por todos os que visitarem o local. Os bravos que ali se bateram
deram expressiva contribuição, no passado distante, para a conquista dos
elevados objetivos de Soberania, Integridade, Integração e Preservação dosValores Éticos e Espirituais pelos quais todos lutamos hoje.
6.4.44 Êxodo
Com a queda do Arraial, Pernambuco não podia manter-se. As populações
do interior abandonaram tudo, lar, terra e colheitas, e partiram à procura doGovernador Matias de Albuquerque, em Serinhaém. Rendido o Forte de Nazaré,
a 2 de julho de 1635, já no extremo limite da resistência, Matias de
Albuquerque encetou a trágica e comovente retirada Serinhaém-Alagoas.Seguiram-no centenas de pessoas de Pernambuco que não quiseram viver
sob as ordens do adversário, deixando para trás anos e anos de trabalho
fecundo e honesto, sonhos e esperanças desfeitas, em troca do desconhecido.Protegida por pequena força militar, aquela imensa procissão, além do peso e
humilhação da derrota, sofreu, ao longo do trágico itinerário, toda sorte de
privações e sacrifícios. O percurso foi marcado por túmulos e cruzes de muitosretirantes que sucumbiram ao longo do caminho, de cansaço, fraqueza, fome
e doenças. Era o “êxodo dos que não desesperavam”, na expressão de
Capistrano de Abreu. Perderam aqueles bravos uma batalha. Muitosretomariam para ganhar a guerra decisiva. Muitos tiveram a ventura de voltar
e, dentre estes, Antônio Dias Cardoso, para relevante e destacado papel.
Capítulo 6 - Principais Batalhas e Vultos do Período Colonial
161
6.4.45 O preço da traição
A coluna de retirantes tinha de parar em Porto Calvo, em poder do invasor
e guarnecida por 400 homens. Para completar a maliciosa trama que afatalidade tecia, requintadamente, com os infortúnios, o ódio e os desejos
de vingança de um povo espoliado em suas propriedades e ameaçado em
suas vidas, estava com os holandeses que ocuparam Porto Calvo, sua terranatal, o traidor Calabar. Matias de Albuquerque, informado disto, cercou-a,
com o concurso do bravo capitão Sebastião Souto. Os holandeses
fortificaram-se nas casas da povoação e na igreja. Após alguns dias desítio, a 19 de julho de 1635, houve a rendição. Os capitulantes tentaram
impor como condição salvar a vida do seu precioso colaborador, Calabar.
Matias, irredutível, concedeu quartel a todos, menos ao traidor de sua terrae do seu povo. Submetido a julgamento, foi condenado à morte. A coluna
do sofrimento e da humilhação assistiu à execução e esquartejamento de
Calabar, o responsável por tantos males causados a seus conterrâneos e àsua terra. Escreveu Porto Seguro: “dos males que causou à pátria, a História,
a inflexível História, lhe chamará de infiel, desertor e traidor, por todos os
séculos”. À semelhança de Judas, na História da Cristandade, o nome deCalabar passou, para a do Brasil, como símbolo do traidor. Após quase um
mês de marcha, aqueles valentes reuniram-se, em Alagoas, a remanescentes
das tropas do Conde de Bagnuolo.
6.4.46 Reforços para os defensores
Em fins de novembro, chegou da Metrópole expedição com reforços para a
defesa do Brasil. Compunham-na cerca de 30 navios, que desembarcaram
2.400 homens, artilharia de diversos calibres e suprimentos, em Jaraguá,Alagoas. Era comandante o nobre espanhol D. Luís de Rojas y Borja, de alta
linhagem e veterano de guerra na Europa, o qual vinha substituir Matias de
Albuquerque, que recebeu ordem para recolher-se à Metrópole. Luís deRojas y Borja dividiu toda a sua tropa em dois terços, um de castelhanos,
outro de portugueses, comandados, respectivamente, dos mestres-de-campo
Juan Ortiz e Martim Soares Moreno; organizou e fortificou sua base deoperações em Alagoas; mandou realizar reconhecimentos na direção do
inimigo, visando à ofensiva.
ESAO/CEAD/CAO – HISTÓRIA MILITAR I
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6.4.47 Plano ofensivo de Rojas y Borja
D. Luís estava firmemente decidido a buscar uma batalha com os holandeses.
Se a ganhasse, calculava, confinaria os holandeses em suas fortificações eaguardaria a chegada de expedição da Metrópole para expulsá-los; se a perdesse,
manter-se-ia em Alagoas até que viessem reforços. Bagnuolo opôs-se ao plano,
mas foi voto vencido em conselho de chefes; e recebeu a missão de guardar abase de operações, com 700 homens. No dia 6 de janeiro de 1636, D. Luís de
Rojas y Borja marchou para o norte, levando uns 1.400 homens e os índios de
Camarão, agora agraciado pelo rei com o título de Dom.
6.4.48 Batalha de Mata Redonda
Os holandeses vinham com Artichofsky, e somavam cerca de 1.500 homens,
enquanto o efetivo de D. Luís diminuíra. Ficara destacado um contingente
em Porto Calvo. No ponto crítico do combate, Rojas y Borja, atingido porum tiro, tombou morto. A confusão dominou as nossas fileiras. Sem
liderança, os luso-brasileiros retiraram-se. Não se completou o desastre tático,
graças “aos bravos Rebelinho e Camarão que, na cobertura da retirada,praticaram prodígios de audácia e valor, criando condições para que os
destroços do exército fossem acolhidos em Porto Calvo”. Os vencedores,
por seu turno, depois de se recolherem a Peripueira, deixaram uma guarniçãoe rumaram para Serinhaém.
6.4.49 Valor de uma ofensiva
O malogrado D. Luís de Rojas y Borges tem sido injusta e cruelmente criticado
por alguns historiadores desatentos, quanto aos aspectos militares da guerra.Na realidade, as operações do general, marcadas de modo tão trágico no
campo tático, foram, porém, no campo estratégico, de brilhantes
conseqüências. Obrigaram, primeiro, o adversário a abandonar Porto Calvomais uma vez, interrompendo, assim, a execução do seu plano de criar uma
zona morta ao sul do Rio Manguaba. Ocupada fortemente agora a região de
Porto Calvo pelos nossos, ficava Artichofsky, sem sua via de transporteterrestre, se não cortada, pelo menos seriamente ameaçada, o que ficou
bem evidente com o retraimento grosso, para Serinhaém. Outro resultado
importante das ousadas operações de D. Luís foi o abandono de BarraGrande, onde o reduto, assediado pela nossa gente, foi arrasado pelo inimigo,
quando o abandonou.
Capítulo 6 - Principais Batalhas e Vultos do Período Colonial
163
6.4.50 Alento na resistência
Bagnuolo assumiu o comando e concentrou a resistência em Porto Calvo,
cobrindo-se da direção norte, na linha do rio Una. A localidade atraiu quantosdesejavam lutar contra o invasor, reunindo 2.000 homens, e tornou-se o
mais poderoso baluarte da resistência, centro de irradiação de lutas e última
esperança de vitória.
6.4.51 Emboscadas em ação
Foram organizadas companhias de emboscadas, sob a liderança dos mais
bravos e experimentados capitães: Rebelinho, Sebastião Souto, Dias Cardoso,
Camarão, Vidal de Negreiros, Domingos Fagundes e outros. Irromperam,inesperadamente, em todos os pontos do território ocupado, destruindo
canaviais, tomando recursos, punindo colaboracionistas, mantendo viva,
nas populações subjugadas pelo invasor, a esperança de liberdade. O inimigoperdeu a possibilidade de locomover-se na conquista. Em todo canto e
hora, a morte rondava-lhe os passos, sob a forma de flecha ou bala. As
iniciativas de soerguimento econômico da lavoura canavieira eram frustradaspelas emboscadas que tudo incendiavam. Estas incursões faziam regressar
numerosos brasileiros desejosos de engrossar as forças de Porto Calvo.
Com este clima de insegurança, o adversário não pôde desenvolver aeconomia e ressarcir-se do enorme investimento militar, após cinco anos de
guerra. Era preciso tirar lucros da conquista. Os acionistas da Companhia
exigiam os dividendos prometidos.
6.5 Guerra Holandesa – 3º período – Governo de Maurício deNassau
6.5.1 Nassau - administrador e soldado
A 23 de janeiro de 1637, desembarcou em Recife, na condição de
“Governador, Capitão e Almirante-General das terras conquistadas ou a
conquistar no Brasil”, o Conde João Maurício de Nassau - Siegen, conhecidoem nossa história como Maurício de Nassau. A Holanda o enviara, a fim de
consolidar e expandir a conquista, pois era administrador de larga visão e
soldado excepcional, provado na paz e na guerra nos campos de batalhaeuropeus. Sob sua direção abriu-se o terceiro capítulo deste conflito,
encerrado com o retorno para a Europa, após ver fracassado, por motivos
ESAO/CEAD/CAO – HISTÓRIA MILITAR I
164
alheios à sua vontade, o plano de recuperação econômica de Pernambuco,
através do qual pretendeu consolidar e expandir a conquista, atraindo os
luso-brasileiros para um dos valores de sua cultura – a dignificação dolucro. Ao chegar, reconheceu que era essencial eliminar o último foco de
resistência – Porto Calvo, condição essencial para devolver a segurança,
visando ao soerguimento da lavoura canavieira, e destruir as derradeirasesperanças dos pernambucanos na reconquista da terra.
6.5.2 Queda de Porto Calvo
Decorridos sete dias de seu desembarque, Nassau reuniu todas as forças
para um ataque a Porto Calvo. Enviou, por terra, uma coluna de 3.000homens, com o comando de Von Schkoppe e, por mar, 800, dirigidos por
Artichofsky. Reforçou os fortes e destinou mais 600 para dar combate às
emboscadas das companhias, que operavam no interior de Pernambuco. A17 de fevereiro de 1637, as duas colunas operaram junção após a travessia
do rio Una. Venceram as resistências apresentadas em Barra Grande e sitiaram
Porto Calvo. A fortaleza ofereceu heróica reação a vários ataques. Nassaufez aproximar, através do rio das Pedras, com imensa dificuldade, canhões
de grosso calibre. Intimado a render-se, o forte recusou e resistiu, durante
quinze dias, ao violento e esmagador bombardeio. A 3 de março, caiu oúltimo núcleo de resistência em Pernambuco, depois de uma luta desigual,
numa proporção de 10 x 1. Bagnuolo havia se retirado antes para Alagoas.
6.5.3 Rio São Francisco, a fronteira
O conde holandês progrediu para o sul e levantou, na margem norte do SãoFrancisco, dois fortes, um na embocadura e outro maior em Penedo – o
Forte Maurício. Bagnuolo, com os remanescentes do exército de
Pernambuco, havia cruzado o rio. Após neutralizar Porto Calvo, expulsarBagnuolo para o sul desse curso d’água e, na sua margem esquerda, levantar
aqueles fortes, consolidava a conquista de Pernambuco iniciada há seis
anos. A Holanda dominava, agora, imenso, rico e estratégico território doBrasil, desde o Rio Grande do Norte até o rio São Francisco. Era preciso
ainda alargá-lo.
Capítulo 6 - Principais Batalhas e Vultos do Período Colonial
165
6.5.4 Expansão de Nassau
Nassau retornou vitorioso a Recife e pôs em execução medidas
administrativas, econômicas, sociais e políticas, visando a conquistar aconfiança, a simpatia e cooperação dos moradores. As perspectivas de
rápida recuperação econômica da capitania, combinadas com tolerância
religiosa mínima, e clima de respeito aos moradores, fizeram arrefecer osentimento de revolta dos luso-brasileiros para com o invasor. Em
conseqüência, o novo Governador criou ambiente tranqüilo em torno da
base naval do Recife, e aplicou-se, por outro lado, a estender o domínio daHolanda ao restante do Brasil, começando pelo Ceará.
6.5.5 A Bahia repele Nassau
Nassau foi informado de que a situação na Bahia era de indisciplina,
envolvendo as tropas e descontentamento da população, motivada pordivergências entre o Conde de Bagnuolo e o governador-geral. Por esta
razão, decidiu atacá-la e ampliar a conquista até lá. A 16 de abril de 1638,
com 5.000 homens, entre soldados e índios, transportados em 40 navios,penetrou na baía de Todos os Santos. A presença do inimigo transformou o
motivo do ataque em ardente desejo de defesa da cidade. O governador-
geral, superando suas diferenças com Bagnuolo, entregou-lhe o comandodas operações, durante todo o período do combate. A expedição fundeou
frente às praias de São Braz e da Escada, e iniciou o desembarque, sem
nenhuma oposição. Somente no dia 20 lutou pela posse da entrada norteda cidade – a Porta do Carmo. Repelida, mudou de tática. Decidiu o
Comandante cercar Salvador.
Enquanto cessaram os choques, os baianos intensificaram a guerra de
emboscadas e o trabalho de fortificações. Foi construído por Luís Barbalhoo forte que leva o seu nome, levantado em forma de reduto e em tempo
reduzido, durante o qual se empregaram 1.000 homens, trabalhando
incessantemente. A partir de 1º de maio, Nassau atacou Salvador,violentamente, mas as defesas resistiram. Foi lançado ultimato aos
defensores, dando-lhes três dias para se renderem. O governador-geral
respondeu-lhe: “As cidades de el-rei não se rendem senão com balas eespada na mão e depois de muito sangue derramado”. Nassau não conseguiu
sitiar completamente a praça; deixou abertas algumas comunicações com o
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166
interior. No dia 18 de maio, 3.000 holandeses investiram as trincheiras com
fúria. Após longas horas de disputado combate, ultrapassaram as trincheiras
e chegaram junto aos muros e portas da cidade. A luta transformou-se emverdadeira carnificina dada a pequena distância entre os combatentes. Às
20 horas, a Porta do Carmo sofreu violento ataque, contido com extremo
vigor pelos baianos, que haviam abandonado outros postos e reforçado olocal. No mais aceso da peleja, acometeu a retaguarda inimiga, de surpresa,
o bravo capitão Luís Barbalho. O contra-ataque obrigou o invasor a retirada
precipitada, causando muitas baixas em suas fileiras. A 26 de maio de1638, por ter se tornado insustentável a permanência na Bahia, Nassau
retornou a Pernambuco, humilhado com o insucesso da expedição, resultado
de falso julgamento tático da situação no Recôncavo. Nunca mais seaventurou por aquelas paragens com propósitos de conquista, da mesma
forma que Pieter Heyn. A vitória dos baianos contribuiu para lhes incutir na
mente o sentimento de confiança na inexpugnabilidade da praça fortificadae no valor militar dos bravos defensores. Os holandeses já não eram
invencíveis ou superiores. Mesmo liderados por chefes famosos como Pieter
Heyn e Nassau, sofreram reveses indiscutíveis. Na defesa das trincheiras deSalvador morreu o intrépido capitão Sebastião Souto, considerado o mestre
da arte de guerra de emboscadas ou “guerra brasílica”. Sucedeu-lhe, no
comando e na fama, neste tipo de guerra, Antônio Dias Cardoso, que tãoassinalados serviços iria prestar à continuação da luta. Esta expedição de
Nassau era o terceiro malogro dos holandeses, no sentido de ocupar território
baiano. O Recôncavo estava defendido por 11 fortes, e a cidade envolvidapor muralhas, protegidas por trincheiras. Salvador era jardim com fortes
muros e tesouro muito bem garantido. Aprendera muito com a invasão de
1624.
6.5.6 Uma esperança de libertação
Em janeiro de 1639, chegou ao litoral nordestino a esquadra do Conde da
Torre, que veio ao Brasil com algumas missões, entre as quais a libertação
de Pernambuco. Aportou na Bahia, onde concertou o plano de libertação.Ordenou-se que André Vidal de Negreiros, auxiliado por Dias Cardoso,
partissem para a Paraíba, e Felipe Camarão, João Barbalho e Francisco Rebelo,
Pernambuco. Tinham por incumbência atrair o inimigo para o interior, levantaras populações e destruir a economia canavieira. Nestes locais, deveriam
ficar em condições de apoiar o desembarque de tropas ao comando de Luís
Capítulo 6 - Principais Batalhas e Vultos do Período Colonial
167
Barbalho, Henrique Dias e Francisco de Souza, o qual ocorreria no litoral
enfraquecido. Em seguida, operação combinada com a esquadra, procurariam
recuperar Pernambuco e Paraíba.
6.5.7 O sul coopera para a recuperação do nordeste
O Conde da Torre tinha a intenção de montar base de operações na Bahia e
aumentar o efetivo com gente do Brasil. Só depois, atuaria em força, por
terra e mar, contra os holandeses. Nessas condições, uma vez empossado,determinou que fossem recrutados, nas chamadas capitanias de baixo,combatentes para participarem das operações projetadas. Eis por que foi
constituído em S. Paulo um contingente, no qual eram capitães nomesfamosos, como, por exemplo, Antônio Raposo Tavares. Chegando à Bahia,
os paulistas incorporaram-se ao terço do mestre-de-campo Luís Barbalho
Bezerra. Segundo Washington Luiz, a Antônio Raposo coube recrutar genteno sul e teria sido ele quem conduzira os seus conterrâneos à Bahia.
Aproveitou-se, pois, da experiência adquirida pelos sertanistas em suas
expedições, cujo valor militar também assim se positivou.
6.5.8 Desastre naval
A 12 de janeiro de 1640, a esquadra do Conde da Torre, que tentava
desembarcar tropas na praia de Pau Amarelo, foi impedida pela do almirante
Cornelizoon Loos. O Conde procurou evitar o combate e velejou para onorte, acossado de perto pelo inimigo. Após ser perseguido durante cinco
dias, teve de aceitar combate próximo a Cunhaú, sendo completamente
batido. Sua esquadra, dividida em várias frações, aportou em locais diversos.Foi um desastre completo. O comandante português, mandado preso para
Lisboa, veio a ser destituído de títulos e honrarias e recolhido ao cárcere no
Forte de Julião da Barra. Morreu em ação nesta grande batalha o almiranteCornelizoon Loos. Duas frações da esquadra, por falta de alimentos e água,
desembarcaram, na enseada do Touro, as tropas de Luís Barbalho, e no
porto da Pipa, a sete léguas de Natal, tropas de Henrique Dias e de Franciscode Souza. O desastre naval agravou a economia de Pernambuco em
recuperação: fez desaparecer a moeda circulante, causou grandes destruições
na lavoura e provocou a evasão de muitos moradores para a Bahia.
ESAO/CEAD/CAO – HISTÓRIA MILITAR I
168
6.5.9 Feito épico
As tropas desembarcadas no litoral, 1.300 homens, após operarem junção,
decidiram abrir caminho de volta à Bahia a ferro e fogo, percorrendo 400léguas de território ocupado. Ao fim de quatro meses de marcha, na
retaguarda inimiga, assinalada por combates e padecimentos, entraram
triunfalmente em Salvador, após vencerem inúmeros obstáculos, relatadospor Luís Barbalho e Henrique Dias, em documentos revelados por José
Antônio Gonçalves de Mello Neto. Luís Barbalho comandou este feito e
com ele se imortalizou. A coluna foi abrindo estrada, combatendo eengrossando suas fileiras com moradores, velhos, mulheres e crianças, que
a ela se agregavam, em busca da Bahia e escapando ao invasor. Foi
aumentada, na Paraíba, com os efetivos de Vidal de Negreiros e, emPernambuco, com Felipe Camarão, Francisco Rebelo e outros. Consoante
depoimento de Henrique Dias, a coluna atacou de surpresa, em Goiana,
uma tropa inimiga de 1.300 homens, destruindo-a quase por completo. Dos500 soldados mortos, muitos eram da guarda pessoal do Governador. Outro
destacamento de 1.500 homens, mandado em seu encalço, foi repelido
com grandes baixas. Estes bravos, liderados por filhos da terra brasileira,salvaram de destruição a força expedicionária, chegaram em tempo à Bahia
para fazer malograr uma expedição punitiva, reacenderam a chama da reação
e causaram grandes prejuízos no plano de Nassau de recuperação econômicade Pernambuco, e deram às gerações brasileiras do porvir exemplo imortal
de responsabilidade na defesa da terra. Nesta marcha participaram tropas
de São Paulo, do Rio de Janeiro e de outras capitanias do sul, que jáofereciam, assim, no passado distante, magnífico exemplo de solidariedade
e integração, constante na história do povo brasileiro.
6.5.10 Represálias de Nassau
Em março de 1640, Nassau enviou à Bahia uma expedição punitiva de1.300 homens, ao comando do almirante Lichthardt, recém-chegado da
Europa. Desembarcou no Recôncavo, incendiou, destruiu, saqueou e matou
nos arredores de Salvador. Não atacou a cidade, porque já se encontrava aía coluna de Luís Barbalho. Igual procedimento teve Nassau em relação ao
Rio Real e Sergipe, de onde o invasor foi repelido com muitas baixas.
Também no Espírito Santo incursionaram os holandeses.
Capítulo 6 - Principais Batalhas e Vultos do Período Colonial
169
6.5.11 Restauração de Portugal
Em fevereiro de 1641, chegou à Bahia a boa notícia da restauração do
trono de Portugal sob D. João IV. Esperou-se a celebração de uma pazentre a Holanda e Portugal, ambos em guerra com a Espanha. Nassau deixou
claro que, se isto acontecesse, não seria devolvido o que conquistara no
Brasil.
6.5.12 Armistício Portugal-Holanda
Portugal não abdicou de suas colônias. Impossibilitado de lutar ao mesmo
tempo com Espanha e Holanda, concordou em celebrar tratado de aliança
ofensiva e defensiva contra a primeira e um armistício de dez anos nas lutasdas colônias. Reconheceu a conquista de Pernambuco, Paraíba e Rio Grande
do Norte e acedeu na cessação das hostilidades contra os holandeses no
Brasil, enviando determinação expressa. A Holanda comprometeu-se a nãoexpandir suas conquistas no Brasil durante dez anos.
6.5.13 Expansionismo de Nassau
Enquanto era discutida na Europa a ratificação deste acordo, a Holanda
ordenou a seu Comandante que tirasse proveito da guerra entre Espanha ePortugal para alargar os limites da conquista e expandi-la a começar pela
Bahia. Lembrado de seus insucessos no Recôncavo, Nassau, prudentemente,
conquistou Sergipe em abril de 1641 e, em novembro, o Maranhão. Estasconquistas estenderam-se a domínios portugueses na África. Angola, Ilhas
de São Tomé e Ano Bom, e Benguela foram tomadas, em um flagrante
desrespeito ao tratado. Após expandir-se, sem, no entanto, atacar a Bahia,onde recebera amarga e inesquecível lição, fez publicar o tratado de paz,
celebrado dois anos antes. Pelo acordo, ficava livre da ação das emboscadas,
procedentes da Bahia e de revolta dos moradores. Procurou desarmá-los. Apaz chegara. Mandou recensear as populações das vilas, para controlá-las
rigorosamente e, assim, descobrir com base em sua movimentação, a
presença de companhias de emboscadas partidas da Bahia ou de insurreiçãoem marcha.
ESAO/CEAD/CAO – HISTÓRIA MILITAR I
170
6.5.14 Porta aberta à insurreição
O tratado em vigor deixou uma lacuna. Aos luso-brasileiros foi assegurado
o livre trânsito pelos domínios holandeses, sem desconfianças econstrangimentos. Disto se aproveitou o Governador Teles da Silva para
enviar agentes, a fim de agitar Pernambuco e concertar o plano de insurreição.
6.5.15 Nassau parte para a Europa
Pressionado pelo fracasso de seu plano econômico de recuperação da lavouracanavieira de Pernambuco, Nassau embarcou para a Holanda, em julho de
1644, na certeza de que o Brasil estava irremediavelmente perdido, porque
era inevitável a revolução. Ao chegar à Holanda, assim traduziu o caoseconômico em que deixou a terra conquistada:
Situação de miséria e fraqueza, resultante de diversas causas,todas ligadas entre si: infidelidade dos pernambucanos, pobreza,escasso rendimento das terras, ruína do comércio, decadênciado patrimônio e finanças da Companhia, emigração em massa,em 1635 e após, de moradores para a Bahia, a fim de fugir aojugo do invasor, endividamento dos moradores luso-brasileiros eholandeses num total de 130 mil florins, dos quais metade eradevida à Companhia.
E concluiu: “Todos os que negociam estão de tal modo endividados uns
com os outros, que vindo um a falir arrastará na sua esteira dez ou mais”. Aalma brasileira havia debilitado o negócio montado pelos ocupantes
estrangeiros, em três lustros de resistência heróica e determinada. E, deste
modo, encerrou-se, aparentemente em paz, o terceiro período da GuerraHolandesa, caracterizado pelo governo de Nassau. Até este momento, os
filhos da terra tinham lutado dentro do contexto político do grande e
poderoso império, formado por Portugal e Espanha. Lutaram brava eferozmente, lado a lado, com enormes contingentes portugueses, espanhóis
e italianos, mandados em seu socorro. Doravante, orgulhosos com a
contribuição que deram para a defesa da terra, lutariam até o fim dentro deuma concepção política predominantemente brasileira, contrariando,
frontalmente, a orientação política e estratégica de Portugal.
Capítulo 6 - Principais Batalhas e Vultos do Período Colonial
171
6.5.16 Restauração do Maranhão
A 25 de novembro de 1641, através de um estratagema sórdido, o invasor
tomou o Maranhão, iludindo a boa fé de seu povo e do governador BentoMaciel Parente, que foi preso e exilado no Rio Grande do Norte. Os
maranhenses não suportaram o jugo e insurgiram-se. Após uma série de
vitórias, terminaram por cercar o inimigo no Forte S. Felipe, auxiliados pelosreforços enviados por Pedro de Albuquerque, Governador do Pará – o herói
de Rio Formoso. A 28 de fevereiro de 1644, o holandês partiu para Recife,
abandonando em definitivo o Maranhão, sob violenta e determinada reaçãode seu povo, liderada pelo Governador Antônio Muniz Barreiros, Teixeira de
Melo e outros bravos. Este feito repercutiu em todo o Brasil, pois foi
concretizado sem auxilio da Metrópole e por conta e risco dos luso-brasileiros.
6.5.17 Vingança indígena no Ceará
Gideon Morritz partiu do Ceará com 200 índios para a luta no Maranhão,
sob promessa de grandes benefícios no retorno. No local, atribuiu as missõesmais arriscadas aos silvícolas, resultando a morte de muitos e a deserção
dos demais para o Ceará, jurando vingança. A notícia do engodo espalhou-
se entre aquela gente que, cheia de ódio e vingança, massacrou toda aguarnição holandesa e o próprio Morritz.
6.5.18 Aliança índios-invasores
Os holandeses, para dominar os luso-brasileiros, procuraram sempre celebrar
aliança militar com os índios. Na aldeia de Tapessirica, mandaram aprisionare enviar para a Europa o cacique local, religioso e valente, por ter se recusado
a dar combate às emboscadas, e possuir liderança capaz de chefiar uma
rebelião. A seguir, enviaram para instrução militar na Holanda, cercados detodas as atenções, os líderes Pedro Poti, Carapeba e Paraubaba. Na iminência
da insurreição, Nassau aconselhou a tomada de medidas políticas de grande
repercussão, para atrair 1.200 nativos como aliados, em caso de guerra.Pouco antes da sublevação, o invasor promoveu em Tapessirica, no município
de Goiana, uma reunião, em que tomavam parte seus aliados, aberta com
uma decisão holandesa de grande impacto e significado: “Concessão deliberdade ampla e total a todos os índios brasileiros e ordem geral para que
ESAO/CEAD/CAO – HISTÓRIA MILITAR I
172
fossem libertados, imediatamente, todos os que tivessem retidos contra
vontade”.
Com este ato, conseguiram lançar as bases de um exército indígena,desferindo violento golpe político e militar na insurreição em marcha. A
medida, de alto alcance social para a época, embora ditada por motivos
utilitários e não humanitários, constituiu marco importante na implantaçãode nova ordem. Ausente Felipe Camarão, o invasor conseguiu mobilizar, na
área que ocupava, mais de 1.200 índios ao comando dos líderes que treinara
na Europa. A partir deste momento, eles passaram a matar, semcondescendência, qualquer luso-brasileiro que lhes caísse em mãos, em
combate, mesmo pedindo quartel, e, sob os olhos complacentes dos
holandeses, não poupando velhos, mulheres e crianças. No Rio Grande doNorte, em Cunhaú, liderados pelo judeu Jacob Raabe, massacraram
moradores reunidos numa igreja, matando-os todos da forma mais bárbara.
Algumas vítimas tiveram o coração arrancado pelas costas. É um dosepisódios mais revoltantes desta guerra. Incendiou os ânimos luso-brasileiros,
por ocasião da insurreição, ocasionando o revide de Casa Forte.
6.6 Guerra Holandesa – 4º período – Insurreição e RestauraçãoPernambucana
6.6.1 Epopéia brasílíca
Após a partida de Nassau, abria-se o capítulo final desta guerra, com ainsurreição do povo de Pernambuco, desejoso de libertar a terra e, nela,
restabelecer o império da liberdade. D. João IV, secretamente, apoiou o
movimento, até ver fracassado o objetivo de conquista rápida de Recife. Osinsurretos prosseguiriam a luta, sozinhos, desamparados e em desobediência
à Metrópole. Com esforço hercúleo, vontade inquebrantável, fé, sacrifícios
indescritíveis e processos de combate genuinamente brasileiros, criaramcondições para a recuperação de Pernambuco e Angola para Portugal, além
de preservarem a unidade física e espiritual do Brasil. Por esta razão, o
presente capitulo, que poderia ser chamado Epopéia Brasílica, reveste-se damaior relevância do ponto de vista da nacionalidade brasileira e das origens
do Exército. Em 1945, a FEB, ao retornar vitoriosa da Itália, depositou os
louros da vitória no campo de batalha dos Guararapes e seu comandantegeneral Mascarenhas de Morais proferiu estas palavras imortais: “Nestas
Capítulo 6 - Principais Batalhas e Vultos do Período Colonial
173
colinas sagradas, na batalha vitoriosa contra o invasor, a força armada do
Brasil se forjou e alicerçou para sempre a base da nação brasileira”.
6.6.2 As Causas
- Insolvência de dívidas de luso-brasileiros e holandeses em decorrênciado fracasso da lavoura canavieira, por circunstâncias adversas detoda ordem, determinando a queda das ações da Companhia dasÍndias Ocidentais, do valor nominal de 100 para 33.
- Agravamento da situação, por especulações extorsivas praticadaspor comerciantes estrangeiros de Recife, operando em mercadoparalelo à Companhia e fora do controle desta.
- Antagonismo religioso católicos x calvinistas, exacerbado com apartida de Nassau.
- Rivalidade moradores luso-brasileiros e holandeses do campo xCompanhia e comerciantes de Recife, por terem ficado reduzidos,os primeiros, à condição de escravos econômicos dos segundos,em razão da insolvência de dívidas.
- Expansionismo da Holanda, ameaçando conquistar todo o Brasil edomínios de Portugal na África, em desrespeito a tratado celebrado,aproveitando-se da fraqueza militar de Portugal em guerra contra aEspanha.
- Malquerença política irreversível entre pernambucanos e invasores,resultado de seis anos de luta cruel e feroz pela posse da terra,sentimento abrandado com Nassau, e exacerbado com sua partida.Para esta incompatibilidade, muito contribuiu o desrespeito doinimigo pela vida, propriedades, honra pessoal e familiar, fé católica,imagens de santos e padres, todos valores espirituais e morais daterra brasileira, bem como a quebra sistemática da palavra emassuntos políticos, pela negação de participação efetiva dospernambucanos nos governos locais, e incentivo à inimizade índiosx luso-brasileiros, que atingiu em 1645 proporções de ódio racial;ainda, por transformar, os primeiros, em principais instrumentos deguerra contra os segundos, após haverem decretado a abolição daescravatura dos índios, para atraí-los à aliança militar.
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174
- Restauração do Maranhão, por conta e risco de seus filhos auxiliadospelo Pará. Fraqueza militar do invasor em Pernambuco, reduzidoem seus efetivos, em conseqüência de armistícios e compressão dedespesas.
6.6.3 Astúcia x astúcia
Para responder à astúcia do conquistador, Portugal e patriotas elaboraram
um plano secreto que objetivava a conquista rápida de Recife, com a
finalidade de expulsar os holandeses. Sem respeitar o tratado, continuavamexpandindo suas conquistas no Brasil e na África.
6.6.4 Caráter secreto
Devia ser demonstrado por todos os meios que a insurreição era iniciativa
única dos patriotas de Pernambuco, à revelia de Portugal e da Bahia. Tudodentro da realidade diplomática da época, em que as palavras não
correspondiam às ações. Se descoberto o apoio e incentivo de D. João IV
ao plano, ficava em perigo a própria independência de Portugal.
6.6.5 Apoio externo de Portugal
Uma esquadra sob o comando do almirante Salvador Correia de Sá e
Benevides foi enviada para as águas de Recife, simulando intenção de auxiliar
os holandeses a debelar a insurreição, mas, na realidade, para desembarcare consolidar a conquista dos insurgentes. Enquanto isto, Portugal, através
de manobras diplomáticas habilidosas, procuraria mostrar inocência na
intervenção para evitar abrir frentes de luta com a Holanda, pois já guerreavacom a Espanha.
6.6.6 Apoio externo da Bahia
Consistiu no envio do sargento-mor Antônio Dias Cardoso para, em seis
meses, antes do início da insurreição, organizar e treinar secretamente oexército patriota na Mata do Brasil, em íntima ligação com o líder civil do
movimento em Pernambuco – João Fernandes Vieira. Aquela região
compreendia os atuais municípios de Vitória de Santo Antão, São Lourençoe Nazaré da Mata, onde era explorado o pau-brasil em Pernambuco, sob a
direção e controle de Fernandes Vieira. Por outro lado, completou-se o
apoio externo pela remessa para Pernambuco das tropas de Felipe Camarão
Capítulo 6 - Principais Batalhas e Vultos do Período Colonial
175
e de Henrique Dias, simulando-se que o primeiro se havia rebelado, e que o
segundo fora mandado em seu encalço para prendê-lo e recambiá-lo para a
Bahia. Finalmente, para completar o apoio, foram enviados, por mar, naflotilha de Serrão de Paiva, protegida pela esquadra portuguesa de Salvador
de Sá, dois terços de infantaria ao comando de André Vidal de Negreiros e
Martim Soares Moreno, aduzindo que vinham prender João Fernandes Vieira,debelar a insurreição e, assim, obrigarem os pernambucanos a cumprir o
tratado Holanda-Portugal.
6.6.7 Papel de Pernambuco
- Caracterizou-se pelo compromisso, a ser assinado entre os moradoresmais influentes, no sentido de empenharem seus recursosfinanceiros, e apoio de toda ordem, para a restauração da terranatal.
- Reunião de homens do povo para constituírem o exército delibertação a ser formado e treinado secretamente por Antônio DiasCardoso.
- Organização de depósitos secretos, de armas, munições e alimentosna Mata do Brasil, destinados ao apoio logístico dos insurretos.
Combinou-se dar início à insurreição no dia 24 de junho de 1645, durante o
casamento simulado entre familiares de dois líderes insurrecionais, João
Fernandes Vieira e Antônio Cavalcanti. Na cerimônia seriam aprisionadas asmais altas autoridades holandesas, civis e militares no Brasil, que seriam
postas em liberdade, mediante entrega da base naval de Recife. A data
escolhida, dia de São João, era homenagem ao líder civil do movimento –João Fernandes Vieira – e ao rei D. João IV de Portugal, e coincidente com
época chuvosa, o que dificultaria o movimento de tropas inimigas. Ao
primeiro sinal de insurreição, Amador de Araújo e seu assessor militar, capitãoAgostinho Fagundes, sitiariam Ipojuca e Cabo, para fixarem importantes
efetivos do invasor ao sul de Pernambuco, ou mesmo, atraírem sob si as
forças da Companhia das Índias Ocidentais. Nos demais locais, osinsurgentes, após imobilizarem as guarnições holandesas, procurariam junção
com Antônio Dias Cardoso para formarem o exército libertador e ocuparem
Recife. O plano previa a adesão à causa de dois destacados militaresholandeses: Dirck Hoogstraten, comandante da Fortaleza de Nazaré, ponto
essencial para os luso-brasileiros receberem apoio externo, e Gaspar
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176
Vanderley, comandante da tropa de milicianos holandeses, sul de
Pernambuco. O primeiro era católico e o segundo havia-se unido com uma
brasileira, filha de prestigiosa família local. Ambos, por dedicarem-se anegócios de plantação de cana-de-açúcar, tornaram-se devedores insolventes,
como a totalidade dos engajados neste ramo de negócio. Foram absorvidos
pela cultura luso-brasileira. A vitória da insurreição representava uma soluçãopara os seus problemas.
6.6.8 No Rio Grande do Norte, Paraíba, Sergipe e Alagoas
Ao primeiro sinal de insurreição, deviam os insurretos locais organizar grupos
de emboscadas para, sucessivamente, imobilizar, sitiar e obrigar à rendiçãoas diversas guarnições e fortes do inimigo, espalhados nestas áreas.
6.6.9 Surge o ideal de Pátria
Os insurgentes adotaram como termo para designá-los, “Independentes”;como senha, a palavra “Açúcar;” e como lema: “Restauração da LiberdadeDivina e da Pátria”. Independentes, para demonstrar o desejo de se tornarem
livres da Holanda, à qual tinham sido submetidos pela conquista, consolidada
através de um tratado com Portugal. A senha Açúcar, relacionada com amaior riqueza da terra. O lema continha as idéias-forças capazes de levar
todos à luta, naquela época. A primeira, o ideal coletivo de restabelecerem,
em Pernambuco, o império do ideal cristão católico, sob séria ameaça daparte do ideal cristão reformado, um e outro, defrontando-se, na Europa,
numa das guerras mais sangrentas da humanidade – a Guerra dos Trinta
Anos. A segunda, o ideal de restabelecimento da Pátria que aglutinavadiversas gerações de brasileiros, brancos, pretos, índios, mulatos, caboclos
e de muitos portugueses que vieram para ficar. A maioria já considerava
Pernambuco como pátria, com o mesmo significado do Brasil de hoje. Ainsurreição, para a parte mais prestigiosa dos luso-brasileiros, devia ser
conduzida dentro de um contexto nativista, e isto é provado com o termo-
compromisso da restauração da pátria, assinado pelos patriotas. A Portugal,dentro do quadro estratégico mundial, interessava a conquista rápida de
Recife. Uma luta prolongada era desaconselhável, altamente inconveniente
e perigosa para seu destino como nação independente. Isto é essencial parao entendimento desta guerra.
Capítulo 6 - Principais Batalhas e Vultos do Período Colonial
177
6.6.10 Conspiração
No ano de 1641, logo após a restauração de Portugal, patriotas de
Pernambuco enviaram, através de emissário especial, proposta a D. JoãoIV, no sentido de promoverem a devolução de Pernambuco a Portugal, à
custa de recursos de seus moradores, desde que auxiliados externamente
pela Metrópole. O rei português, sem comprometer-se ostensivamente,encarregou, no entanto, o governador-geral da Bahia, Antônio Teles da
Silva, de incentivar, apoiar e coordenar secretamente a insurreição. Teles,
que via próxima a tentativa expansionista para a Bahia, combinou o planocom André Vidal de Negreiros.
6.6.11 Momento psicológico ideal
A partida de Nassau, o caos econômico e a fraqueza militar de Pernambuco,
o êxito na restauração do Maranhão, o retorno do clima de intolerânciareligiosa, a perseguição e execução violenta de dívidas dos moradores,
permitida pela junta de comerciantes que substituíram Nassau, criaram o
momento psicológico ideal para a Insurreição Pernambucana.
6.6.12 O Conspirador
André Vidal de Negreiros, a 18 de setembro de 1642, esteve em Recife, em
missão diplomática. Encontrou-se secretamente com João Fernandes Vieira,
com quem acertou detalhes. A 27 de agosto de 1644, desembarcou emRecife com carta em que fingia ir despedir-se de seus pais na Paraíba, por
ter que partir para outra missão. Segundo J. A. Gonçalves de Melo, “a
permanência de Vidal de Negreiros foi de importância decisiva para planejaro movimento restaurador”. Após Vidal coordenar com João Fernandes Vieira
o plano de apoio externo com o esquema local de insurreição, retornou à
Bahia depois de mais de um mês de intensa conspiração. Com Vidal deNegreiros desembarcara o padre Inácio, da Ordem de São Bento, trazendo
aos conspiradores a palavra de promessa de auxilio à insurreição, da parte
de D. João IV. Vidal era portador de uma carta do rei ao Conselho Holandêsdo Recife, em que dizia ter sido informado por frei Estevão de Jesus de que
os católicos eram muito bem tratados, o que o enchia de satisfação. Frei
Estevão havia sido mandado junto ao rei para anunciar-lhe o propósito deinsurreição e pedir-lhe apoio. Obtida resposta positiva, embarcou, mas morreu
em viagem, sendo substituído por frei Inácio.
ESAO/CEAD/CAO – HISTÓRIA MILITAR I
178
6.6.13 Operação tipo forças especiais
Ao retornar à Bahia, Vidal de Negreiros prestou contas de sua missão ao
Governador e Capitão General do Estado do Brasil Antônio Teles da Silva,que lhe ordenou que procurasse chefe competente, discreto e conhecedor
de Pernambuco, para ali ser enviado com a incumbência de organizar e
treinar secretamente os insurretos, em ligação com João Fernandes Vieira,líder civil de pouca experiência de chefia militar. O indicado foi o capitão
Antônio Dias Cardoso que atuaria dentro de uma missão, hoje reservada a
forças especiais.
6.6.14 Missão Dias Cardoso
Dias Cardoso fora bravo e experimentado militar, veterano das lutas do
período 1624-1641. Possuía excepcional folha de serviços, aliada à reputação
de mestre na arte de guerra de emboscadas. Profundo conhecedor da região,era estimado e respeitado, pela sua bravura, intrepidez e valentia, por Vidal
de Negreiros, Camarão e Henrique Dias e pelo próprio Fernandes Vieira. O
que foi a missão de Dias Cardoso até a insurreição contou o próprio Vidalde Negreiros. Forneceu-lhe carta em que dizia ir ele fugido para Pernambuco,
por ter desrespeitado ordem de seu general, para no caso de cair prisioneiro
do invasor, ser-lhe poupada a vida. Dias Cardoso partiu através de 100léguas de sertão e terreno difícil, passando muitas dificuldades e perigos de
vida, ao cortar territórios hostis, dominados por quilombos ou índios
rebeldes, e a nado, rios caudalosos, para não ser pressentido pelosholandeses ou moradores. Chegando a Pernambuco, transmitiu a João
Fernandes Vieira as ordens que recebera de Vidal e do governador-geral do
Brasil, e as informações sobre o dispositivo inimigo, ao longo do itineráriopercorrido. João Fernandes Vieira assim resumiu a vida deste bravo, desde
sua chegada até a insurreição:
Deu cumprimento às ordens que possuía, com fervor necessárioa tão importante missão, começou a atrair e adestrar militarmenteo povo para a insurreição em diversos locais, despendendo comisto sete meses, todos passados nas matas ao rigor do tempo,para fugir ao inimigo que se pôs a buscá-lo, colocando em grandeperigo sua vida.
Até há pouco desconhecido, emergiu de pesquisa histórica, realizada por
J.A. Gonçalves de Mello Neto, pois fora mergulhado no esquecimento por
Capítulo 6 - Principais Batalhas e Vultos do Período Colonial
179
obras posteriores, calcadas em Frei Manuel Calado, Lopes Santiago e Frei
Rafael de Jesus, embora estas permitam, ao analista militar, concluir da
grandeza e relevância do papel decisivo de Dias Cardoso, no êxito daRestauração de Pernambuco.
6.6.15 Compromisso imortal
No dia 23 de maio de 1645, 18 líderes insurretos firmaram este compromisso
imortal:
Nós abaixo assinados nos conjuramos e prometemos em serviçoda liberdade, não faltar a todo o tempo que for necessário, comtoda ajuda de fazendas e de pessoas, contra qualquer inimigo,em restauração da nossa pátria; para o que nos obrigamos amanter todo o segredo que nisto convém; sob pena de quem ocontrário fizer será tido como rebelde e traidor e ficará sujeito aoque as leis em tal caso permitam.
Surgia assim, pela primeira vez no Brasil, a palavra pátria, e a firme disposiçãode instaurá-la, a despeito mesmo de interferências contrárias de Portugal.
Parecia o início do processo irreversível de Independência, concretizado
cerca de dois séculos após. Muito merecido foi, portanto, o epíteto depatriotas com que os insurgentes passaram à história, através das lutas
memoráveis que por longos anos tiveram que sustentar com um inimigo
forte e poderoso.
6.6.16 Nova traição
Faltando poucos dias para a insurreição, os patriotas foram traídos por
Fernão Corte Real e Sebastião de Carvalho que repetiram o gesto indigno
de Calabar. Esta atitude faria malograr o plano de conquista rápida deRecife, prolongando a guerra por nove anos. O invasor tentou prender os
principais vultos comprometidos, mas encontrou as casas vazias. Todos
haviam fugido para as matas, onde, dentro em breve, se mobilizariam paraa luta.
6.6.17 Grito de rebelião
Quatro dias decorridos da partida de João Fernandes Vieira com 50
companheiros para o interior, a fim de organizar o exército de libertação, a17 de junho de 1645, partiu de Ipojuca o primeiro ato insurrecional armado,
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180
segundo Van de Broeck. Liderados pelo senhor de engenho Amador de
Araújo, com a assessoria militar do bravo soldado capitão Agostinho
Fagundes, uma coluna de 400 homens cercou lpojuca, e prendeu no interiordo mosteiro, transformado em quartel, a guarnição holandesa, composta
de civis que prestavam serviços militares como milicianos, à semelhança de
uma guarda territorial. Amador de Araújo atraiu, com movimentos eemboscadas, por cerca de 45 dias, todo o exército inimigo em campanha,
constituído de 900 homens, aproximadamente. Este longo período assegurou
condições para a mobilização do grosso do exército, e tempo para queaguardasse a junção com as tropas de Camarão e Henrique Dias, em atraso,
devido a fortes chuvas.
6.6.18 Povo em armas
No dia 13 de junho, partindo do engenho Cosme e Damião, os patriotasderam início à marcha que culminaria com a batalha das Tabocas. A coluna,
no trajeto, pelas matas do Borralho e Camaragibe, engenho Maciape, São
Lourenço, engenhos Muribara, S. João, Tapacurá, Sítio do Covas e Montedas Tabocas, conseguiu reunir cerca de 1.600 homens do povo, sem
experiência militar e armados com 250 armas de fogo dos mais variados
calibres. No engenho Maciape, a coluna recebeu o substancial apoio de800 voluntários, conduzidos pela figura excepcional do capitão padre Simão
Figueiredo Guerra, que possuía grande experiência na luta de emboscadas.
No Sitio do Covas, onde o exército de libertação acampou durante 22 dias,surgiu séria crise de liderança entre João Fernandes Vieira e Antônio
Cavalcanti, em torno de pontos de vista diferentes sob o modo de conduzir
a guerra, pondo em sério risco os destinos da insurreição. Vieira venceusem lutar, graças a um ardil de Antônio Dias Cardoso que separou as duas
facções prestes a um confronto armado, ao dar o alarma de que o inimigo
se preparava para atacar o acampamento. Arrefecidos os ânimos, poucodepois tiveram os insurgentes duas boas notícias, que lhes elevaram o moral:
a chegada de Amador de Araújo e 14 índios de Camarão, e o aviso de que
este estaria ali, dentro de poucos dias. A 31 de janeiro, a coluna, sobpressão inimiga, partiu para o Monte das Tabocas, local escolhido
previamente por Dias Cardoso para travar a batalha.
Capítulo 6 - Principais Batalhas e Vultos do Período Colonial
181
6.6.19 Batalha do Monte das Tabocas
A 3 de agosto de 1645, travou-se no Monte das Tabocas o primeiro encontro
entre um contingente do exército holandês a serviço da Companhia das ÍndiasOcidentais e o Exército dos Patriotas, constituído, principalmente, de civis
pernambucanos. Dias Cardoso, ao perceber a aproximação do adversário,
despachou em sua direção pequena força de cobertura, ao comando do capitãoJoão Nunes da Mata, com a finalidade de atraí-lo para o monte. O inimigo bateu
e dispersou esta força, prosseguindo até a margem do rio Tapacurá, quando
carregou com enorme alarido e estrondo sobre a vegetação da margem, aoimaginar que existissem emboscadas. A vanguarda atravessou o rio e Dias Cardoso
foi ao seu encontro, a fim de jogá-lo nas emboscadas que preparara o intrépido
capitão Agostinho Fagundes, no comando de 40 homens. Após oferecer algumaresistência, esta fração foi obrigada a retrair, através de uma única passagem no
áspero e impenetrável tabocal que corria na base do monte, envolvendo-o pelo
oeste e sul. O inimigo atravessou o rio e tomou formação de combate, numalarga campina entre a margem e o tabocal. A seguir, com um flanco apoiado em
cada lado, progrediu em direção à passagem do tabocal, de onde saíra novamente
Agostinho Fagundes em seu encontro. Tinha caído na armadilha de Dias Cardoso:três emboscadas. A primeira, sob a direção do capitão João Gomes de Melo,
num total de 25 tiros, foi disparada, à queima-roupa, sobre a retaguarda adversária,
causando-lhe muitas baixas. Continuando a avançar, foi disparada a segundaemboscada de igual valor, ao comando do capitão Jerônimo Cunha do Amaral.
A vanguarda inimiga continuou a adiantar-se e, quando se aproximava da
passagem do tabocal, Dias Cardoso ordenou o acionamento da última, sob achefia do capitão João Paes Cabral, forte, de 40 tiros, desferida contra a testa
adversária “e que lhes fez maior dano por ter mais gente”. Surpreso, e supondo
que havia outras emboscadas, retraiu desordenado, para reorganizar-se na campinae partir para o segundo ataque. Com a vanguarda, enfrentou Agostinho Fernandes,
que saiu mais uma vez à campina, 80 homens e, com o corpo de batalha,
investiu com repetidas e inúteis descargas. Atrás da trincheira vegetal, com 15metros de espessura e um único acesso “para dois homens lado a lado”, Dias
Cardoso adotou o dispositivo:
- cerca de 90 armas em linha, ao longo do tabocal, em posições detiro previamente preparadas, constituindo as emboscadas.
- reserva, aproximadamente 50 homens em duas frações, em condiçõesde reforçar as emboscadas ou a defesa da entrada da trincheira.
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182
O restante das armas, 110, distribuiu-as com a força de cobertura, Agostinho
Fagundes e frações da segurança de retaguarda e flancos. Com a reserva,
composta de 1.350 homens, para a defesa de Fernandes Vieira, deixou 30armados. A vanguarda inimiga, após grande resistência, obrigou Agostinho
Fernandes a retrair e infiltrar-se no tabocal. Parte do corpo de batalha
conseguiu penetrar na passagem estreita, por cuja posse se travou lutaferoz e demorada, sob a direção de Dias Cardoso, que substituiu os
combatentes menos cansados pelos mais cansados, até que repeliu o
atacante. A tentativa de envolvimento foi evitada pela segurança deretaguarda e por um atirador isolado da proteção de flanco, que atingiu,
mortalmente, o comandante da vanguarda – capitão Falloo. Após reorganizar-
se, o inimigo partiu para outro ataque em toda a frente, visando a penetrarao longo da linha do tabocal. Progrediu e conseguiu, após muita luta,
introduzir-se em diversos pontos da linha de resistência, isolando e fixando
seus defensores, inclusive Dias Cardoso, que os investiu bravamente. Fixadaparte das tropas dessa linha, o inimigo começou a adiantar-se em direção
ao alto do monte, onde se encontrava a reserva constituída do povo,
desarmada, sob a direção do capitão padre Simão de Figueiredo, e o própriogovernador da insurreição, João Fernandes Vieira. Na iminência do perigo,
este conclamou o povo ao esforço derradeiro, à luta pela honra de Deus, e
prometeu liberdade a 50 servos de sua guarda pessoal se mostrassem servalorosos no combate. Os escravos, na perspectiva de liberdade desceram o
monte em duas partes, armados com arcos, flechas, lanças e facões, tocando
flautas, atabaques e buzinas. Na esteira destes bravos veio todo o povo,com os mais variados tipos de armas, na maioria instrumentos de trabalho.
E o contra-ataque transformou-se num corpo-a-corpo, feroz e desordenado,
com patriotas a surgir de todas as direções, lançando-se aos magotes sobreo inimigo, obrigando-o a bater em retirada. Venceram os insurretos.
6.6.20 Projeção da batalha
O inimigo, após quatro horas de peleja, abandonou no campo de luta mais
de 100 mortos e farta munição e armamento. Fez transportar numerososferidos para Recife e, com 450 homens, retirou-se para Casa Forte. Entre os
patriotas registraram-se 63 baixas: 33 mortos e 30 feridos. João Fernandes
Vieira, líder da insurreição, reconheceu que o mérito da vitória coube a DiasCardoso, ao certificar em documento revelado por Gonçalves de Mello Neto:
Capítulo 6 - Principais Batalhas e Vultos do Período Colonial
183
Graças ao sargento-mor Antônio Dias Cardoso e mediante favordivino, alcançamos vitória, tudo alcançado após Deus, pela boaordem com que Dias Cardoso dispôs a batalha, dando a todos osoficiais muito exemplo com sua militar doutrina e conhecidoesforço que, em quatro horas de batalha mostrou sem descansar,acudindo a todas as partes com bravo ânimo.
6.6.21 Batalha de Casa Forte
A 10 de agosto, o Exército Patriota operou junção com Henrique Dias e
Felipe Camarão em Gurjaú e, no dia 16, no Cabo, com as tropas de Vidal deNegreiros e Martim Soares Moreno que desembarcaram a 28 de junho, em
Tamandaré. Marcharam para Muribeca e, depois, para Casa Forte: chegaram
na manhã de 17 de agosto. Coube a Antônio Dias Cardoso a concepção edisposição do ataque ao engenho de Ana Pais. Após breve período de
combate os remanescentes do exército da Companhia se renderam, um
efetivo de 450 homens, entre índios e brancos. Aos 250 holandeses foidado quartel e condições de regresso à Europa. Os índios, somando 200,
foram justiçados sob o argumento de traição à fé católica, conforme as leis
de guerra da época, e como exemplo aos demais. Punia-se, assim, também,o massacre do Cunhaú. Morreu neste encontro o intrépido capitão Agostinho
Fagundes, um dos fatores decisivos da vitória em Tabocas. Henrique Dias
foi ferido gravemente.
6.6.22 Alastra-se o incêndio
Até 3 de setembro, o invasor havia perdido Serinhaém, Cabo, Pontal e
Nazaré. Ainda neste mês, caíram a fortaleza de Porto Calvo, Maurício e
Sergipe. Olinda foi reocupada. No final de 1646, os patriotas haviam obtidonumerosos e brilhantes triunfos e os habitantes aderiram em massa ao
movimento. Resistiam em mãos do invasor o Recife, a ilha de Itamaracá e
os fortes dos Três Reis Magos e Cabedelo. Apesar de todas estas vitórias, oprojeto fracassara para D. João IV. Recife não fora conquistada rapidamente,
por ter sido conhecido em Pernambuco o plano insurrecional e,
posteriormente, em razão de a esquadra de Salvador de Sá não ter executadoa parte do plano que lhe estava reservada. Sem o concurso de artilharia de
sítio, Recife era fortaleza inexpugnável, separada da terra por largo e
profundo fosso – o rio Capibaribe. Não foram aprisionadas as autoridadesholandesas, cujo resgate seria a entrega de Recife.
ESAO/CEAD/CAO – HISTÓRIA MILITAR I
184
6.6.23 Ocasião perdida
A esquadra de Salvador de Sá e a esquadrilha de Serrão de Paiva, depois de
desembarcarem as tropas de Vidal e Moreno, apresentaram-se, no dia 11 deagosto, frente a Recife, para “conseguirem, por ameaça ou à força das
armas, a rendição, a posse de Recife”. Após troca de cartas e parlamentários
no dia 13, a força de Salvador de Sá arvorou velas e rumou para Portugal,levando, com ela, a última esperança da conquista rápida de Recife. Os
motivos que impediram o ataque de Recife, defendido apenas por quatro
navios e um iate, permanecem até hoje desconhecidos. Entre a chegada e apartida da esquadra, o Exército Patriota, depois de operar junção com
Camarão e Henrique Dias, marchava em direção a Cabo para idêntico fim,
com as tropas de Vidal e Moreno, já com duas vitórias – Tabocas eSerinhaém. Os remanescentes do exército de campanha holandês, reduzido
à metade, encontravam-se em Casa Forte.
6.6.24 Plano descoberto
A flotilha de Serrão de Paiva, ao separar-se de Salvador de Sã, foi destruída,caindo em poder do invasor documentos que revelavam o apoio e incentivo
de D. João IV à insurreição, e que, divulgados amplamente na Europa,
deixaram Portugal em dificílima situação. Em Portugal, a opinião públicadividiu-se entre os que julgavam ser o Brasil essencial para a sobrevivência
da monarquia portuguesa e os que consideravam preferível a sua perda,
como imperativo da independência. O padre Vieira, da última corrente,argumentava na Europa, com a impossibilidade de conquista de Recife
pelos patriotas e, mesmo que o conseguissem, era assunto a ser muito
estudado, pois além da guerra com a Espanha, teriam de aceitá-la contra aHolanda, Índia, China, Japão, Angola e demais partes da terra e do mar, no
qual o poder deste pais era o maior do mundo.
6.6.25 Duelo diplomático
Na Europa, teve início longa e sutil luta diplomática, na qual operou prodígioso embaixador Souza Coutinho, para evitar a devolução de Pernambuco,
cuja compra à Holanda chegou a ser proposta. Por volta de 1647, pressionado
pela opinião pública de Portugal e Holanda, desabafou o embaixador, semdesanimar, no entanto, um só momento: a guerra de Pernambuco foi a
ruína da reputação de Portugal, pois além de atrair o ódio da Holanda,
Capítulo 6 - Principais Batalhas e Vultos do Período Colonial
185
deixou-nos fora da paz de Metuen. Nesta fase, D. João IV pensou transferir-
se para o Brasil, e aqui fundar um reino autônomo, como o faria, em 1808,
D. João VI. A 12 de agosto de 1647, vencido na luta diplomática, decidiumandar restituir o que os patriotas haviam tomado no Brasil, com a condição
de ser-lhe devolvida a ilha de ltaparica. A Companhia foi reforçada, quando
havia perspectiva de paz com a Espanha, e ameaçou reconquistar, não só oterreno perdido em Pernambuco, como todo o Brasil. Poderia atrair, tanto a
Holanda, como a Espanha. A independência de Portugal e todo o esforço
dos patriotas do Brasil corriam perigo.
6.6.26 Patriotas em dupla rebeldia
D. João IV, com o seu tesouro exaurido e em luta com dois gigantes,
operou prodígios para socorrer os patriotas de Pernambuco; mas os reforços
que enviou não conseguiram, na maior parte, furar o bloqueio naval holandêsdo nordeste. A luta no Brasil prosseguiu e a ordem para a sua cessação,
emanada de Portugal, recebeu a seguinte resposta dos patriotas:
“Combateremos até o fim, e somente após expulsar o invasor, iremos aPortugal receber o castigo pela nossa desobediência”.
Os pernambucanos clamaram por auxílio da Metrópole e, não sendo
atendidos, ameaçaram pedi-lo a outro rei católico, o da Espanha, em guerracontra Portugal.
6.6.27 Arraial Novo do Bom Jesus
Não contando com o bloqueio naval e apoio de artilharia esperado de
Salvador de Sá, sem o que seria inútil qualquer tentativa de conquista deRecife, decidiram os insurgentes cercá-lo, adotando o mesmo expediente
de Matias de Albuquerque. Foi construído o Arraial Novo do Bom Jesus,
onde se abrigaram os patriotas e a alma da resistência. Idêntico à ocasiãode sua conquista, Recife foi cercado por estâncias, as quais tinham a missão
de ali fixar o inimigo e retardá-lo, até o recebimento de reforços do Arraial,
em caso de rompimento do cerco ou de ataque a qualquer delas. Os insurretosficaram com liberdade total na campanha, com o porto de Nazaré para
comunicar-se com o exterior. O forte do Arraial Novo foi desenhado pelo
coronel holandês Dirck Hoogstraten, comandante da Fortaleza de Nazaré,que se rendera conforme plano estabelecido e se incorporara à insurreição
com todo o seu regimento, prestando assinalados serviços à causa.
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6.6.28 Disposição de um povo heróico
Na madrugada do Ano Novo de 1646, Recife foi acordado com o troar
ensurdecedor dos canhões do Arraial, tomados dos holandeses em Porto Calvo,que anunciavam ao inimigo a disposição de um povo heróico. “Não vos iludais,
senhores, que o Brasil não foi feito para vós, não percais tempo, voltai para
casa”, foi o que disseram os nossos, pela voz de um dos seus chefes. Doheroísmo e disposição dos bravos do Arraial diz este depoimento holandês:
“Apesar de suportarem duramente reveses do mar, muita necessidade de
vestiário, carne e de tudo, e de viverem em contínuo sobressalto, recusaram
o perdão que lhes oferecemos, nenhum veio ter conosco, persistemobstinados em sua rebelião”.
À projeção histórica dos Montes Guararapes liga-se intimamente o Arraial,
abrigo sagrado do espírito de resistência. Por esta razão, devem serpreservadas suas ruínas, para que nelas as gerações do Brasil de hoje e de
sempre reverenciem a memória das gerações de ontem que escreveram a
sangue o endereço da pátria em Tabocas, Casa Forte, Guararapes e tantasoutras lutas desta guerra.
6.6.29 Cerco de Recife
De acordo com Jordão Emerenciano, o cerco de Recife tornou-se rigoroso
em junho de 1646, e a situação da praça angustiosa e insustentável. Foiestabelecido racionamento severo para enfrentar a fome com todos os seus
horrores. A penúria era tamanha, que atingiu as pessoas mais influentes.
Consumiram-se ratos, cães e gatos; os escravos foram vistos desenterrandocavalos mortos de inanição para alimentarem-se; os oficiais batavos, no
leito em vazante do Capibaribe, disputando com o povo um caranguejo.
Nesta ocasião, os escravos dos holandeses, premidos pela fome, engrossaramem grande número as fileiras dos patriotas. Quando a praça estava prestes
a capitular, chegaram da Europa reforços e víveres.
6.6.30 O arrogante e severo Von Schkoppe
Com o auxílio, retornou ao Brasil o coronel Von Schkoppe, criticandoduramente os defensores, por terem permitido que bandos de desordeiros
encurralassem, em Recife, tropas de linha de um dos melhores exércitos do
Capítulo 6 - Principais Batalhas e Vultos do Período Colonial
187
mundo. Ao tentar diversas operações na área próxima, viu-se frustrado em
todas e recolheu-se à praça, aguardando novos reforços, convencido de
que a gente bisonha, com que combatera antes, se transformara em valentese experimentados guerreiros.
6.6.31 Bombardeio e sítio de Recife
Von Schkoppe resolveu investir contra a Bahia, onde conquistou a ilha de
ltaparica, praticando toda sorte de represálias e vinganças. Os baianos tiveramfrustrado um ataque contra a ilha, na noite de 17-18 de março de 1647.
Voltando à carga, sob a liderança do capitão Francisco Rebelinho, na
madrugada de 1º de agosto, após luta feroz e desigual, recuaram compesadas baixas. Von Schkoppe tornara ltaparica fortaleza inexpugnável.
Qualquer ataque partido da terra teria idêntico destino. Os patriotas
pernambucanos, por seu turno, aproveitando o enfraquecimento de Recifee com a saída de Von Schkoppe para a Bahia, urdiram ousado e inteligente
plano. Secretamente, durante vinte e três noites, levantaram a fortaleza do
Asseca, no atual cais da Aurora, nela trabalhando, indistintamente, oficiais,soldados e civis, não tendo sido admitida mão escrava. Concluída, na manhã
de 7 de novembro, rompeu bombardeio sobre Recife, acompanhado de
toque de tambores e gritos. Este feito causou enorme surpresa ao invasor,vendo surgir, como por encanto, aquela fortaleza junto às suas defesas,
vomitando fogo e atingindo Recife. Do que foi este bombardeio e seus
efeitos, diz bem Lopes Santiago:
O inimigo desocupou os sobrados e refugiou-se em abrigos queconstruiu nas lojas onde passaram a dormir, e as naus holandesasque entravam e saiam pela barra eram atingidas. Essa resoluçãofoi uma das coisas mais importantes que se fez neste Estado.
Uma partida patriota, aproveitando-se da confusão, numa ação de comandos,penetrou na praça e invadiu o antigo palácio de Nassau, matando muitos e
trazendo diversos troféus. O Conselho de Recife chamou com urgência Von
Schkoppe, que abandonou Itaparica onde resistira a dois ataques, para virsocorrer a cidade, sob séria ameaça dos patriotas de Pernambuco. O
comandante holandês tudo tentou contra o bastião dos libertadores, o qual
somente cessou o bombardeio no final do ano, por falta de munição deartilharia. Tão grandioso feito militar teve enorme repercussão estratégica,
pois fez voltar, por simples ação de presença, às mãos dos baianos, a ilha
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de Itaparica e criou condições para que apartasse a Salvador, tranqüila e
sem luta, furando o rígido bloqueio naval, uma esquadra portuguesa, com
reforços e o novo governador-geral, D. Antônio Teles de Menezes.
6.6.32 Heroínas de Tejucopapo
A 24 de abril de 1646, ocorreu em Tejucopapo belo e comovente episódio,
no qual mulheres e jovens imberbes enfrentaram o invasor com determinação
e bravura. Em conseqüência de fome em Recife cercado, uma esquadraholandesa partiu para incursões no litoral, visando a obter alimentos. Após
ancorar em Maria Farinha e atrair as defesas patriotas para Igaraçu, velejou
ainda à noite e desembarcou soldados num ponto desguarnecido da costa,com destino a Tejucopapo. Dado o alarma, toda a população buscou abrigo
num fortim de pau-a-pique, erguido em ponto dominante, sob a proteção de
alguns bravos. O jovem Mateus Fernandes reuniu trinta voluntários e se propôsemboscar o inimigo, procurando retardá-los até a chegada de reforços
solicitados a Igaraçu. Sofrendo pesadas perdas das emboscadas de Mateus
Fernandes e seus companheiros, o invasor investiu furioso contra o fortim,abrigo de mulheres, velhos, moças e crianças. O desespero tornou-se grande,
ante aquela avalancha de ódio. Percebendo que se desagregara a resistência,
o agressor, a golpes de machado, iniciou a abertura de brechas na paliçadapara penetrar no fortim, e trucidar e desonrar seus ocupantes, em represália
aos efeitos mortíferos das emboscadas. Nesse momento crítico, em que o
pânico começou a lavrar, destacou-se uma brava mulher com crucifixo namão; percorrendo o reduto, incentivou as outras a pegar em armas, e correr à
paliçada, para morrerem juntas, lutando pela Liberdade Divina e pela Pátria.
Seu apelo foi atendido; todas, apanhando foices, porretes e tudo que estavaao alcance das mãos, lançaram-se aos magotes sobre o adversário, que já
penetrava no reduto por brechas abertas na paliçada, obrigando-o a retroceder.
Outras começaram a lançar nos rostos dos invasores, que se aplicavam emalargar as brechas, água com pimenta malagueta. Apesar da reação dessas
bravas mulheres, o inimigo começou a penetrar no reduto e a trucidar seus
ocupantes e as defensoras mais agressivas. Enquanto estava empenhado notrucidamento de inocentes, recebeu um ataque lançado em sua retaguarda
por Mateus Fernandes e seus trinta comandados. Julgando tratar-se de maiores
reforços, ordenou a retirada e reembarcou para Recife, humilhado e abatido.Tejucopapo é um dos poucos episódios conhecidos de participação coletiva
armada, da mulher e da juventude brasileiras, em defesa do solo pátrio.
Capítulo 6 - Principais Batalhas e Vultos do Período Colonial
189
6.6.33 Fatos importantes
A 23 de janeiro de 1648, fugiu de Recife, onde se encontrava preso havia
quase um ano, o mestre-de-campo general Francisco Barreto de Menezes,mandado a Pernambuco, por D. João IV, para comandar a guerra. Barreto
foi recebido no Arraial com grande alegria. Assumiu a chefia das operações.
Sua experiência militar brilhava também pela participação na epopéia damarcha de Luís Barbalho, do Rio Grande do Norte à Bahia. A 18 de março
aportou em Recife uma poderosa esquadra da Companhia, composta de 41
barcos, transportando alimentos e 6.000 soldados. Com este poderio, oinvasor decidiu romper o cerco e marchar na direção sul, zona de retaguarda
patriota, conquistando Cabo e adjacências, com a finalidade de controlar
bases de suprimentos próximas, cortar nesta região o apoio externo aospatriotas, e criar condições de prosseguimento por terra, para conquista da
Bahia. Ao executar esse grandioso plano ocorreu a primeira batalha dos
Guararapes.
6.6.34 Primeira batalha dos Guararapes
Ao clarear do dia 18 de abril, o exército da Companhia das Índias Ocidentais,
ao comando do tenente-general Von Schkoppe, marchou na direção
Afogados-Barreta-Guararapes, com 6.300 homens. Ao atingir Afogados,fez uma finta para demonstrar que sua intenção era um ataque ao Arraial,
para aí fixar os patriotas. Dias Cardoso, mandado para esclarecer a situação,
descobriu o verdadeiro propósito. Em conselho de guerra, os luso-brasileirosdecidiram partir em direção ao exército holandês para travar o combate
decisivo. Em cumprimento à decisão, o exército de patriotas, composto de
2.200 homens, rumou para o sul. O general Barreto, prudentemente, confiouaos seus chefes imediatos a condução pormenorizada das ações, pois eles
conheciam melhor o terreno e a tática desenvolvida naquela luta. Após um
conselho de guerra ocorrido em Ibura, para decidir sobre o local adequadopara a batalha, e atendendo a sugestão de Dias Cardoso, “na qualidade de
soldado mais prático e experiente em tudo”, rumaram para o Boqueirão dos
Guararapes, que foi ocupado até as 10 horas da noite de 18 de abril de1648. O exército inimigo, após vencer uma resistência na Barreta, degolando
barbaramente muitos de seus bravos defensores, seguiu para o sul, esperando
encontrar cerca de 200 patriotas a sua frente, segundo informes, de guarniçãoem Guararapes. Na manhã de 19, no momento em que os da Companhia
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190
das Índias Ocidentais se aproximavam do Boqueirão (passagem estreita,
mas longa, entre o monte central e os alagados em sua base), saiu-lhes ao
encontro Dias Cardoso, no comando de alguns poucos homens (cerca de60), enquanto todo o restante do exército permaneceu escondido. Com
imprudência e entusiasmo, os holandeses partiram para atacar a fração de
Dias Cardoso, o único inimigo que esperavam encontrar. No momento emque o adversário progredia nos alagados e, em grande número, no interior
do Boqueirão, com drástica redução de frente, teve enorme surpresa. Caíram
em grande emboscada, executada com habilidade. O exército luso-brasileiro,até então semi-escondido, à ordem de “Às espadas”, atacou violentamente
e com grande fúria. O terço de Pernambuco, o mais forte ao comando de
Vieira, auxiliado por Dias Cardoso, investiu no Boqueirão e rompeu o grossoinimigo. O de Camarão assaltou a ala direita e o de Henrique Dias a esquerda,
ficando o de Vidal de Negreiros em reserva junto ao Boqueirão. O primeiro
embate foi vencido, ocasionando muitas mortes e deserções na fileirasbatavas. Refeito da surpresa, o inimigo acometeu com reserva forte, de
1.200 homens, a ala de Henrique Dias, na proporção de 1 para 3. A primeira
reserva lançada por Barreto de Menezes não logrou êxito, obrigando ocomandante luso-brasileiro a constituir e enviar uma segunda reserva, para
ser empregada face à possibilidade de um envolvimento pelo flanco esquerdo
(flanco de Henrique Dias). Esta última conseguiu rechaçar o inimigo. Apósluta feroz de quatro horas, os patriotas impuseram-lhe a retirada, com Von
Schkoppe ferido e muitos oficiais mortos. As perdas holandesas totalizaram
1.038 homens, entre mortos feridos, contra 480 dos patriotas, dos quais80 tombaram para sempre.
6.6.35 A batalha, confronto enaltecedor
A primeira batalha dos Guararapes é notável feito das armas brasileiras que
muito bem justifica o relevo que se procura dar à sua periódicacomemoração. Estudada no quadro de sua época, e guardadas as proporções,
é acontecimento militar digno de figurar entre os grandes feitos do século
XVII. A análise das ações desenvolvidas, de um e outro lado, e o confrontoentre os dois comandos na batalha, levam-na a essa conclusão. Realmente,
desde os preliminares, até os últimos instantes, os brasileiros foram sempre
superiores aos holandeses, quer em espírito ofensivo, quer na própria direçãoe coordenação dos combates. É necessário ressaltar que a firme determinação
daqueles homens de travar batalha decisiva era idéia revolucionária na época,
Capítulo 6 - Principais Batalhas e Vultos do Período Colonial
191
tanto que os próprios chefes holandeses, portadores da mais aperfeiçoada
instrução do tempo, não tinham outras preocupações, que não fossem os
objetivos geográficos ou a praças fortes. Ao saírem de Recife, buscavamapoderar-se de Muribeca ou de cabo de Santo Agostinho, com a intenção
de cortarem as comunicações e o recursos dos patriotas concentrados no
Arraial e na Várzea. Agiam dentro das idéias estratégicas vigentes no séculoXVII. Os brasileiros, entretanto, pela sua admirável intuição, mostravam ser
avançados em mais de um século, em relação aos chefes e às idéias militares
de sua época.
6.6.36 Adequação de uma escolha
Não menos revolucionária, e digna de admiração, foi a escolha, pelos chefes
luso-brasileiros, de um campo de batalha adequado às armas e ao modo de
pelejar dos soldados. Por esse motivo, não se preocuparam em tomar possedos montes que dominavam a planície e os alagados, ao sul. O que interessava
era, primeiro, esconder a importância ou valor dos seus efetivos, para
conseguir uma surpresa sobre o inimigo. Segundo, atrair os holandesespara luta em terreno estreito, entre os montes e os brejos, onde perdessem
a vantagem da superioridade numérica e das armas de fogo. Com o seu
modo de combater, em pequenos grupos separados, avançando e recuando,e armando ciladas, o exército luso-brasileiro foi senhor de todas as ações,
no dia 19. Aproveitando a surpresa obtida, tanto pelos seus efetivos, avaliados
em três mil homens, por Von Schkoppe, como pelo terreno, alagadiço einseguro, não foi difícil a Barreto de Menezes, Dias Cardoso, Vieira, Vidal
de Negreiros, Henrique Dias e Camarão investirem confiantes sobre os
adversários com o propósito, alcançado, de lançá-los e destruí-los de encontroaos brejos. No que diz respeito à direção da luta, os documentos oficiais
estabelecem contraste dignificante para Barreto de Menezes. Realmente
acompanhou, seguro, todas as ações que se desenvolviam, tanto na baixada,como nos montes e, por três vezes pelo menos, interveio oportuna e
sabiamente: primeiro, quando empregou sua reserva primitiva para reforçar
e apoiar Henrique Dias, o que não deu resultado, por motivo alheio à suavontade e determinação; segundo, ao começar a reunir elementos dispersos:
uns retirantes da frente da luta, e outros da própria reserva, para atender às
circunstâncias; terceiro, para decidir o curso da batalha: lançou sua tropacontra os Regimentos flamengos, em plena desordem e confusão, no terreno
alagadiço, onde foram impiedosamente massacrados. Enquanto isto, que
ESAO/CEAD/CAO – HISTÓRIA MILITAR I
192
fazia Von Schkoppe? A leitura de seu sucinto relatório, e a descrição do
combate feita pelo coronel Van der Brande, deixam entrever que o general
holandês não comandou seu exército na batalha, parecendo que apenas emum momento fez intervir e valer sua vontade, para transmitir o comando
àquele coronel, com a recomendação de se manter nos montes até a noite.
6.6.37 Crítica infundada
Alguns historiadores têm assinalado como falta cometida pelos chefes luso-brasileiros o fato de não terem perseguido os holandeses após a batalha.
Não parece justa a crítica. De acordo com as idéias estratégicas dominantes,
não havia a preocupação de perseguir e aniquilar o inimigo, batido em umabatalha travada pela conquista ou defesa de uma cidade, de uma praça
forte. Apesar disto, o general Barreto de Menezes procurou manter o contato
com o exército adversário durante a noite, para impedir que se retirasse semser pressentido. O cansaço da tropa e a chuva torrencial que desabou sobre
o campo de batalha, como se depreende perfeitamente dos documentos
oficiais e das narrativas dos contemporâneos, não permitiram ao comandanteluso-brasileiro o acabamento da batalha, isto é, a perseguição e o
aniquilamento final. Destarte, sem nenhum exagero patriótico, mas, ao
contrário, à luz da palavra oficial dos que tiveram a responsabilidade dedirigir a batalha que se travou nos Guararapes, aos 19 dias do mês de abril
de 1648, podemos observar que tanto o comando como as tropas luso-
brasileiras demonstraram nítida superioridade moral e profissional em relaçãoao comando e às tropas holandesas. A vitória dos Guararapes nesse dia não
foi, portanto, obra fortuita dos acontecimentos, mas resultado da ação
vigilante e decidida dos chefes, da bravura e espírito combativo dos soldadosque constituíam aquele indomável exército de patriotas.
6.6.38 Sonho frustrado
Essa magnífica vitória reduziu sensivelmente a capacidade ofensiva terrestre
e naval do inimigo, além de deitar por terra, em definitivo, os sonhos delucros da Companhia, ao ver fracassar, destruída moralmente, a caríssima
expedição que enviara a Pernambuco. Esperando que o empreendimento
obtivesse recursos locais, abandonou-o à própria sorte, agravando mais oestado de indisciplina em Recife da parte dos soldados mercenários, que
perderam muitos de seus oficiais na batalha. Da situação no local, diz bem
Capítulo 6 - Principais Batalhas e Vultos do Período Colonial
193
um depoimento holandês: “Recife sitiado é e continua sendo a cidade da
fome. Vivemos aqui como bestas e morremos como porcos”.
Os patriotas apertaram o cerco. Além de reconquistarem Olinda, reforçaramseus meios com copioso material bélico capturado. Conseguiram também
diminuir, no litoral, as incursões da esquadra, em dificuldades de víveres e
aguadas. Este grande feito repercutiu em Portugal, onde passaram a sermais admirados, respeitados e ajudados.
6.6.39 Reconquista de Angola
A diminuição da capacidade de ação estratégica e naval holandesa criou
condições para a libertação de Angola. A 12 de maio de 1648, partiu do Riode Janeiro, ao comando de seu Governador, Salvador de Sá, uma expedição
composta de luso-brasileiros, com destino a Angola, para devolvê-la a
Portugal. Após furar o bloqueio flamengo, atingiu a África e, através devitoriosas manobras militares contra uma força superior e bem fortificada,
em São Paulo de Luanda reconquistou aquela possessão, em agosto do
mesmo ano. Maio de 1648 e janeiro de 1649, os holandeses, através doalmirante With e do coronel Van der Branden, respectivamente, desfecharam
dois ataques contra o Recôncavo na Bahia, sem no entanto molestarem
Salvador. Incendiaram, saquearam, mataram e retomaram a Recife, semgrandes resultados.
6.6.40 Segunda batalha dos Guararapes
A 17 de fevereiro de 1649, 3.650 holandeses, ao comando do coronel
Brinck decidiram deixar Recife e ocupar os Montes Guararapes, de ondeatrairiam os luso-brasileiros, com seus 2.640 homens, a uma batalha decisiva.
Após marcha forçada, estacionaram nos Guararapes, numa cópia da manobra
usada pelos libertadores, na primeira batalha. O exército de patriotas, aover ocupado o Boqueirão, infiltrou-se durante a noite de 18 através de
passagens existentes a oeste dos montes. Postou-se pela manhã à retaguarda
do exército da Companhia das Índias Ocidentais sem revelar sua força edispositivo. Frustrados em seu plano e castigados pela sede e sol inclemente,
decidiram retornar a Recife no início da tarde de 19, na crença de que os
patriotas, muito enfraquecidos, segundo informações recebidas, nãointerfeririam na manobra. À tarde, após retirar quatro regimentos de posição,
para iniciar a marcha de retorno a Recife e deixar somente dois para cobrir o
ESAO/CEAD/CAO – HISTÓRIA MILITAR I
194
retraimento, foi atacado de surpresa. Os luso-brasileiros, com seis unidades
de infantaria, comandadas por Vieira, Henrique Dias, Camarão, Figueroa,
Vidal de Negreiros e Dias Cardoso e duas companhias de cavalaria chefiadaspor Antônio Silva e Manoel de Araújo, atacaram em toda a frente, saindo
de locais onde se mantiveram ocultos. Surpreso, o exército batavo, após
esboçar reação, desintegrou-se por Completo.
6.6.41 Confusão, desordem, pânico
Este desastre militar foi descrito por Van Goch, oficial holandês durante a
batalha:
Tivemos que recuar por causa da excessiva força do inimigo queatacou com tanta impetuosidade que nossas tropas começarama fugir e acharam-se logo na maior confusão, que nem palavrasnem força puderam retê-las, apesar de todos os esforços dosoficiais. As nossas tropas, entregues à desordem, à deserção e àconfusão, dispersaram-se aqui e ali, por diversos caminhos, emdireção ao mato e ao rio.
Von Schkoppe, ausente da batalha, assim se referiu ao último grande
fracasso militar terrestre da Companhia, no Brasil:
A cavalaria e a infantaria se lançaram sobre os nossos regimentose causaram tanta desordem que nem os oficiais, quer inferioresquer superiores, nem os soldados, puderam cumprir o seu dever,o que provocou tal consternação entre os nossos que a pena nãopoderia descrever... e a maior parte de nossas tropas se pôs afugir, deixando-se matar sem resistência, como crianças.
E um comentarista luso-brasileiro, contemporâneo da batalha: “A destruição
não foi maior na perseguição porque cansados estavam os holandeses defugir e os patriotas de matar e vencer.”
Souza Júnior, no final da análise desta vitória memorável, escreveu: “Mais
uma vez os patriotas, inferiores em número mas superiores comocombatentes, derrotaram esmagadoramente os soldados de um dos melhores
exércitos da Europa”. O exército da Companhia das Índias Ocidentais retirou-
se na maior desordem para Recife, com 1.544 baixas, sendo 927 mortos,89 feridos e 428 prisioneiros, representando 44% do efetivo presente à
batalha, contra 45 patriotas mortos e 245 prisioneiros.
Capítulo 6 - Principais Batalhas e Vultos do Período Colonial
195
6.6.42 Guerra antiga com idéias novas
Os patriotas, novamente, demonstraram em relação ao inimigo, absoluta
superioridade em espírito combativo, conhecimento da arte de fazer a guerra,coragem e determinação. Do lado holandês, houve, como sempre, ausência
de plano seguro. Depois de estar com o exército em formação de batalha
nos Montes Guararapes, resolveu o coronel Brinck regressar à Barreta, semdar combate, a fim de receber ali novas ordens do tenente-general e dos
conselheiros que se encontravam em Recife. Foi, indiscutivelmente, erro
imperdoável que lhe custou bem caro: a própria vida, a derrota, o maiordesastre das armas holandesas no Brasil. Do lado luso-brasileiro, tudo se
passou consoante o plano previamente traçado e resolvido, dentro de rígida
linha de fidelidade às suas idéias, que não podemos ainda hoje deixar deadmirar e realçar. Primeiro, estava decidido que era preciso travar batalha
com o inimigo, e daí a marcha para os Guararapes, assim que chegou ao
Arraial a notícia do movimento do exército da Companhia das ÍndiasOcidentais para aquela região. Segundo, o dar batalha, com o desejo de
vencer, implicava escolher terreno adequado, favorável e em eleger o
momento oportuno; eis por que o exército se apresentou ao sul, não aonorte dos montes, e somente atacou, apesar de muitas vezes provocado,
quando pôde colher e golpear o inimigo em flagrante delito de mudança de
atitude e de formação. Outras medidas sábias e eficientes tomadas peloschefes patriotas, que merecem ser assinaladas, porque não eram próprias
da época, e constituem, hoje, preceitos normais, foram a busca de
informações e o reconhecimento do terreno e do inimigo, tendo em vista oataque projetado. Durante a noite e pela manhã, não descuidaram em manter-
se bem informados sobre o adversário. Golpes-de-mão e pequenas partidas
foram lançadas, não só para inquietação como para reconhecimento. Tãoestreito era o contato entre as duas forças, e tão vigilantes estavam as
nossas, que logo as tropas flamengas começaram a abandonar os montes,
tomando o dispositivo de marcha para Barreta, o Comandante recebeu ainformação precisa do que se passava.
ESAO/CEAD/CAO – HISTÓRIA MILITAR I
196
6.6.43 Reconhecimento providencial
Quanto ao reconhecimento do terreno e do inimigo, encontramos em Lopes
Santiago pormenores esclarecedores.
Tanto que amanheceu o seguinte dia, 19 de fevereiro [escreveuo cronista da Guerra de Pernambuco] se acordou em Conselhose reconhecesse o inimigo, a forma em que estava e assim ordenouo mestre-de-campo general Francisco Barreto de Menezes a todosos mestres-de-campo e ao tenente-general Felipe Bandeira e aossargentos-maiores do terço, a saber: Antônio Dias Cardoso, dode João Fernandes Vieira; Paulo da Cunha, do de André Vidal deNegreiros; Jerônimo de Enojosa, do de Francisco de Figueiroa,com o capitão de cavaleiros Antônio da Silva, para quereconhecessem o inimigo, e viram que estava na mesma formaque o dia de antes, situado nas eminências dos MontesGuararapes, podendo socorrer uns aos outros. Recolhidos osmestres-de-campo, havendo notado e visto a disposição dosholandeses, se chamou a Conselho donde se tornaram comodantes a resolver que não convinha buscar o inimigo, por estarbem formado e senhor assim das eminências dos montes, dondesocorriam uns aos outros como da baixa do boqueirão, porquenão havia em nosso exército poder para contê-lo por oito ou novepartes, como estava formado, e que para cometerem por duasou três partes seriam os nossos logo cortados e facilmentedestruídos, mas que estivessem com muito cuidado para que tantoque o inimigo se movesse, ou para marchar para diante, ou parase ir para Recife, investissem, não convinha estar a nossainfantaria à sua vista formada, para reconhecer o nosso poder; ecom este acordo e parecer se ajustou o mestre-de-campo generalFrancisco Barreto de Menezes.
6.6.44 Esboço de guerra moderna
Não parece absurdo concluir que, respeitadas as proporções, nas pugnas
do Recôncavo aos Guararapes existe bem nítido um esboço do quadro da
guerra moderna, total. Não representa de fato exemplo da política de terradevastada, tão empregada modernamente, o que fizeram os insurgentes na
Paraíba e Rio Grande do Norte, para tirar aos invasores qualquer sorte de
recursos? “Ao retirar-se”, descreveu Rocha Pombo, “destruíram os moradorestudo quanto pudesse ser útil aos flamengos. A devastação foi completa,
como se uma tormenta houvesse varrido aquela terra, agora deserta”. Não
constitui, realmente, a ação do guerrilheiros soviéticos, dos maquis franceses
Capítulo 6 - Principais Batalhas e Vultos do Período Colonial
197
e dos partigiani da Itália, uma reprodução em grande escala das terríveis
intervenções das famosas Companhias de Emboscadas, que não permitiam
que o invasor saísse sem perigo das suas praças fortes? “Quanto a resto”,mandavam dizer para a Holanda os Conselheiros da Companhia, após batalha
dos Guararapes, “estamos encerrados aqui em Recife, não tendo mais lugar
ainda do que a praça e a fortaleza que o inimigo abandonou. 0 inimigoconserva-se pelas vizinhanças com todas as suas forças”. E mais adiante
clamavam: “O inimigo nos mantém aqui tão fechados, que para bem dizer
está com a espada sobre o nosso pescoço”.
6.6.45 Em Busca de uma batalha decisiva
O princípio de concentração de esforços, em contraposição ao de dispersão
de meios empregados pelos holandeses, não se apresenta concretizado na
reunião de todos os recursos dos patriotas na Várzea e em redor de Recife?
Os mestres-de-campo Fernandes Vieira e Vidal de Negreiros[relatou Lopes Santiago] trataram de defender a campanha,convocando todos os soldados, provendo as estâncias fronteirase postos mais perigosos, e considerando que a primeira guerra seperdeu pode estar o poder que havia tão dividido, que se estiverajunto não ganhara o inimigo.
A procura de uma batalha decisiva, característica fundamental da guerra
moderna, não se encontra materializada nas duas batalhas dos Guararapes?Apesar de fatores restritivos, como os recursos e meios limitados, não
podemos deixar de assinalar, nos últimos anos da guerra contra os
holandeses, o aparecimento de nova forma de conduzir as operações emcampanha, que não se coadunava com os reduzidos conhecimentos da arte
militar contemporânea. Em pleno século XVII, longe dos campos de batalha
da Europa, já se fazia no Novo Continente, guerra de movimento e dedestruição do inimigo, pela inteligência, vivacidade e intuição dos bravos
chefes militares do Arraial Novo do Bom Jesus que, durante quase dez anos
ininterruptos de luta implacável, combateram, sem desânimo, e venceram,com honra, um dos melhores exércitos da época.
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6.6.46 Cada soldado patriota, um capitão
Antônio Dias Cardoso, ao representar o Exército Patriota na troca de mortos
e prisioneiros, respondeu, com toda a sua autoridade de mestre da “guerrabrasílica” ou de emboscada, a um oficial inimigo que assegurou vitória no
próximo confronto, combatendo disperso com o Exército Patriota: “melhor
para nós, pois cada soldado nosso é um capitão, enquanto cada um dosvossos necessitará um capitão ao lado para combater”. Dias Cardoso
estabelecia assim a diferença entre o soldado patriota, encaminhado à luta
por motivos espirituais, e o mercenário, engajado por dinheiro.
6.6.47 Libertação
A 14 de janeiro de 1654, em ação combinada entre o exército de patriotas
e a esquadra da Companhia de Comércio do Brasil, composta de 44 navios,
teve início o assédio de Recife. Em 10 dias de operações, a cidade caiu emmãos dos luso-brasileiros. No dia 26, na Campina do Taborda, fronteira ao
Forte de Cinco Pontas, os holandeses assinaram a rendição de todas as
suas forças no Brasil. A guerra chegara a seu final. Os patriotas ocuparamRecife, a 27, e, dia 28, após 23 anos em mãos do invasor, nela entrou,
triunfante, o mestre-de-campo general Barreto de Menezes.
6.6.48 A guerra contribuiu para o fortalecimento militar do Brasil
A guerra acarretou o aumento das guarnições militares dos principais núcleospopulacionais brasileiros. Já em 1640, por exemplo, o Rio de Janeiro possuía
guarnição respeitável para a época. E segundo Mirales, em sua célebre
História Militar, nessa mesma ocasião contava a Bahia seis terços e umaunidade de artilharia, além das unidades de guerrilheiros e pernambucanos.
Tempos depois do término da guerra, o Governador de Pernambuco,
cumprindo determinação régia, deu nova organização militar à capitania.Com os militares fora do serviço ativo instituiu uma tropa de 6.500 infantes,
800 cavalarianos e um trem de artilharia de campanha. Cada comarca passou
a dispor de um terço e cada freguesia, uma companhia. Mais tarde, duranteo governo do Conde de Óbidos, tomaram-se novas providências, dentro do
espírito da antiga organização das Ordenanças. Não obstante, a conseqüência
de maior relevo da guerra holandesa, no tocante à organização militar, foique o povo, muito particularmente da Bahia para o norte, passou a encarar
a força terrestre com maior simpatia, admitindo-a, realmente, como um
Capítulo 6 - Principais Batalhas e Vultos do Período Colonial
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meio para a sua defesa e a de seus bens. Isto se refere de modo especial às
Ordenanças, que receberam muito maior atenção da Metrópole, e passaram
a apresentar maior eficiência militar.
6.7 Análise da Manobra Luso-brasileira
6.7.1 Manobra:
Os luso-brasileiros, em face de uma inferioridade numérica (próximo deum terço do efetivo batavo), acrescida de flagrante inferioridade defogo, escolheram um local de batalha condizente com seus meios,organização e táticas de combate da doutrina militar brasileira nascente(Guerra Brasílica).
Por meio de um aproveitamento judicioso do terreno, atacaram com ogrosso em estreita faixa de terra, situada entre o monte Oitizeiro e osalagados.
Economizaram meios nas alas e nelas colocaram, na falta de cavalaria,tropas compostas de índios e negros, que apresentavam mobilidaderelativa apreciável.
Ao atraírem os holandeses para o combate na faixa estreita do Boqueirão,impediram que estes tirassem partido de suas principais características:poder de fogo dos mosquetes e amplas manobras de alas, maiscondizentes com o combate conduzido em largas frentes, na planície.
Com vistas a manter o ímpeto defensivo e ofensivo no combate naregião do Boqueirão, e a intervir numa ala ameaçada, os patriotasmantiveram forte reserva eixada na direção do esforço principal. Foiempregada, parte numa ameaça de ala (Henrique Dias), parte para contero ímpeto ofensivo holandês (possibilidade de envolvimento) e, ao final,para substituir o escalão do ataque principal.
6.7.2 Oportunidade da execução da manobra:
Quando a força holandesa foi lançada na direção do Boqueirão emperseguição à fração luso-brasileira utilizada para atrair os holandeses auma emboscada. Repartiram judiciosamente as forças em largura eprofundidade. Mantiveram no Boqueirão, acidente capital chave destabatalha, meios suficientes para a frente e eixados em reserva, paralançá-los no momento decisivo e com ímpeto avassalador, tão logohouvesse necessidade.
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6.7.3 Conduta de manobra:
Os holandeses empregaram forte reserva sobre a ala esquerda luso-brasileira, ao perceberem seu enfraquecimento, em decorrência doabandono do posto por parte de vários homens de Henrique Dias, quedesceram o monte Oitizeiro para pilharem holandeses mortos. Este ataquepôs em sério risco o grosso luso-brasileiro no Boqueirão, face àpossibilidade de um envolvimento pelo flanco que se expunha (o flancode Henrique Dias). Em conseqüência, Barreto de Menezes determinouo reforço a Henrique Dias com homens da reserva. O capitão CosmoRego, comandante daquela fração, por iniciativa própria, escolheu outradireção de atuação e não conseguiu cumprir a missão. Continuando aameaça de envolvimento, e eliminada a central, Barreto de Menezesdeterminou que o grosso retraísse do Boqueirão e se cobrisse na direçãodo atual monte da Igreja, deixando no entanto forças suficientes nestacélebre passagem, estas capazes de desencorajar qualquer ataque sobreela, como de fato aconteceu (conclusão do relatório Von Shkoppe).
6.7.4 Falhas da manobra:
Nesta batalha, os luso-brasileiros cometeram dois erros que poderiamter posto o combate em sério risco, após ter sido praticamente ganho:
1º - abandono da posição na ala esquerda de parte de alguns homensde Henrique Dias para espoliarem os mortos holandeses na baixada(Lopes Santiago).
2º - não obediência, por parte do capitão Cosmo Rego, no sentido dereforçar Henrique Dias, atuando em direção diferente à que lhe foideterminada, tendo como resultado o não cumprimento da missão,além de pôr em sério risco o êxito da batalha (Barreto de Menezes).
6.7.5 Conclusões:
A inferioridade luso-brasileira (relação de aproximadamente 3 x 1),combinada com inferioridade de poder de fogo, não impôs a adoção dadefensiva. Foi adotada a ofensiva.
A irresponsabilidade de alguns homens de Henrique Dias, abandonandoa ala para espoliar o inimigo morto antes do término da batalha, foijudiciosamente aproveitada pelos holandeses.
Capítulo 6 - Principais Batalhas e Vultos do Período Colonial
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O momento decisivo da batalha surgiu quando os holandeses selançaram através do Boqueirão e dos alagados em perseguição a umapequena força que julgavam ser toda a tropa inimiga que tinham pelafrente (conclusão com base no relatório Von Schkoppe e depoimentodo Cel Keerwaen).
6.8 Análise da Atuação Luso-brasileira, em Face dos Princípiosde Guerra
6.8.1 Objetivo
O objetivo era travar uma batalha decisiva com os holandeses, quedestruísse o poderio militar batavo. E a esta tarefa entregaram-se osluso-brasileiros com grande determinação, ocasionando 1.500 baixasiniciais entre os holandeses e eliminando em combate, por morte ouprisão, quatro dos seis coronéis, além de dois tenentes-coronéis e muitoscapitães, tenentes e alferes. Além disso, passaram para mãos luso-brasileiras grande parte dos recursos logísticos (armamentos de toda aordem, farta munição, dinheiro, roupas e víveres), pois os holandeses,ao deixarem o Recife, segundo Lopes Santiago, “saíram para a campanhade casa mudada”. Com o objetivo de destruir o inimigo, tão logo osholandeses retornaram ao Recife, o Mestre de Campo Barreto de Menezesdeterminou que se ocupassem as estâncias fronteiras ao Recife eretornassem a Olinda dois dias após a batalha. Na retomada de Olinda,os holandeses sofreram pesadas baixas no seu efetivo de 600 homense foram obrigados a confinar-se no Recife, deixando em mãos dosluso-brasileiros copioso material logístico, incluindo-se cinco peças deartilharia. Alguns cronistas têm criticado a inobservância total doprincípio do objetivo por parte dos luso-brasileiros. Outros têm procuradojustificá-la, com o enorme cansaço físico, decorrente da renhida batalhae o castigo de copiosa chuva caída sobre o campo de batalha na noiteque se seguiu à peleja. Estas justificativas procedem mas não são asessenciais. A razão tática que justifica a não perseguição residiu naprópria decisão de se enfrentar os holandeses nos Guararapes, ao invésde em campo aberto na Barreta, onde os batavos poderiam tirar omáximo partido de suas principais características de combate. Convémlembrar que os efetivos holandeses, apesar de terem sofrido 1.500baixas, ainda continuavam com o apreciável efetivo da ordem de 3.100homens (Gen Van der Branden), contra um efetivo disponível luso-brasileiro, da ordem de 1.700 homens. Acresce o fato de os holandeses
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202
terem se reorganizado, logo após a batalha, até à noite. Persegui-losnaquelas circunstâncias poderia significar se expor a grave risco.Concluindo, podemos dizer que o Mestre de Campo Francisco Barretode Menezes aplicou, com raro brilho, intuitivamente e em toda a suaplenitude, o princípio de guerra do objetivo. Não perseguiu o inimigoem retirada, o que seria uma temeridade, mas aproveitou judiciosamenteo êxito ao retomar Olinda e reocupar estâncias fronteiras ao Recife,submetendo os holandeses aí a um cerco mais rigoroso que antes dachegada da esquadra de socorro.
6.8.2 Massa
Este princípio foi aplicado de maneira brilhante, pelo Mestre de Campo,antes e durante a batalha. Antes da batalha, ao decidir procurar oencontro decisivo com 88% de seu poder do combate ( 2.200 homens).Durante a batalha, ao disponibilizar no Boqueirão a maior e melhorparte de seus efetivos, com a dupla finalidade: defensiva, ao fazerfrente ao ataque principal holandês sobre aquela posição; e ofensiva,após atrair os holandeses sobre este ponto e desfechar-lhes violentoataque de ruptura.
6.8.3 Economia de meios
Este é uma decorrência do emprego correto do princípio da massa. Seujudicioso emprego pode ser caracterizado antes e após a batalha. Antesda batalha, ao deixar somente 300 homens encarregados da guarda doArraial e de estâncias próximas, com o fito de fazer face à alguma açãodiversionária holandesa oriunda do Recife. Durante a batalha, ao destinarpara as alas frações compostas de negros e índios levemente armados,com deficiente enquadramento e instrução militar e, por isto,inadequados para ações de choque.
6.8.4 Ofensiva
O pouco efetivo luso-brasileiro, agravado por deficiências logísticas detoda a ordem, poderia conduzir os chefes luso-brasileiros à continuaçãode uma guerra de emboscada ao invés da procura da batalha decisiva.Mas este não foi o comportamento luso-brasileiro pois, através de umestratagema tático (emboscada), criou-se o ponto fraco no dispositivoholandês, para, em seguida, lançar sua massa de manobra, com todo oímpeto ofensivo, sobre esse ponto fraco, o centro holandês, rompendo-o e causando inúmeras baixas no primeiro embate. Quando os flamengos
Capítulo 6 - Principais Batalhas e Vultos do Período Colonial
203
empregaram a reserva sobre nossa ala esquerda, combinando-a comum ataque central de fixação, mais uma vez passaríamos à ofensivasobre o centro. Assim, podemos dizer que o Mestre de Campo Barretode Menezes criou o momento ofensivo e o aproveitou espetacularmente,bem como um novo momento ofensivo ao final da batalha, quando fezpresente sua ação de líder de combate ao reorganizar e conclamar, paraderradeiro esforço, um dispositivo desorganizado e extenuado, após aofensiva inicial de três horas, além de estarem 24 horas sem alimentação.
6.8.5 Segurança
A observância deste princípio pode ser caracterizada, antes da batalha,pelos seguintes fatos:
- ao acionar sua rede de informantes que lhe dava contas, com precisão,dos movimentos e intenções do inimigo;
- ao manter-se com o seu dispositivo em expectativa no Arraial, somentemovimentando-se ao saber, através de sua rede de informações, adefinição de atitude flamenga ao marchar para o sul;
- ao deslocar-se à noite para o local da batalha, livre de umaintervenção do inimigo;
- ao deixar, no Arraial e estâncias, 300 homens para atuarem diantede uma manobra diversionária do inimigo, além de o mantereminformado acerca do que se passava na campanha;
A observância deste princípio pode ser caracterizada, durante a batalha,pelos seguintes fatos:
- colocação de uma força de cobertura além do Boqueirão parainformá-lo dos movimentos e aproximação do inimigo;
- ao distribuir judiciosamente seus elementos e, ao deixar potente reservaatrás do ponto mais sensível de defesa de seu dispositivo, para logoapós empregá-la na direção por onde conduziu seu esforço ofensivo;
- ao colocar fracos elementos nas alas para fixar o inimigo no restanteda frente de batalha;
A observância deste princípio pode ser caracterizada, após a batalha,pelos seguintes fatos:
- por não ter procurado combate com os flamengos em campo aberto,quando estes se retiravam em ordem para o Recife;
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204
- o fato de, após haver batido em definitivo o centro holandês, retraircom grande parte do grosso, para cobrir-se de um ataque envolventedesferido do monte da Igreja, deixando, no entanto, no Boqueirão,elementos suficientes para desencorajar um ataque inimigo.
6.8.6 Manobra
A correta e brilhante observância deste princípio pelos luso-brasileirospode ser caracterizada pelos seguintes pontos:
- ao ser destacado do grosso luso-brasileiro uma fração, com vistas aatrair o ataque holandês;
- ao fato de o Mestre de Campo Barreto de Menezes empregar suareserva em reforço à ala esquerda, sob o comando de HenriqueDias, que se encontrava em sério perigo, sob forte ataque envolventeholandês, e que, em última instância, ameaçava mesmo o desfechoda batalha.
- manobra ordenada pelo Mestre de Campo, determinando que partedo grosso retraísse do Boqueirão e se cobrisse face ao atual monteda Igreja N. S. dos Prazeres, de onde vinha a ameaça do ataqueenvolvente, que não chegou a se concretizar.
- rapidez do deslocamento de sua massa de manobra do Arraial aosGuararapes e na execução das diversas manobras no campo debatalha.
6.8.7 Surpresa
O fato de o Boqueirão estar ocupado pelo que os holandeses julgaramser uma fração de 200 a 300 homens. Esta surpresa foi confirmadapelo Coronel Kerwaen.
6.8.8 Unidade de Comando
Unidade de Comando, consistente na direção política e militar. Encontra-se nas mãos de um único homem. E Barreto de Menezes dispôs destacondição ao assumir o comando político e militar de Pernambuco. Apesardo assessoramento de seus subordinados mais experientes econhecedores da região, soube intervir no combate tempestiva eapropriadamente, quando: percebeu o enfraquecimento da ala deHenrique Dias; e quando reuniu a segunda reserva para fazer frente aum eminente envolvimento.
Capítulo 6 - Principais Batalhas e Vultos do Período Colonial
205
6.8.9 Simplicidade
Foi atendida através de uma manobra simples, que consistiu em umaruptura no centro inimigo, combinado com ataques de fixação nas alas.
Bibliografia Básica para a Descrição da 1ª Batalha
1. Relatório de Von Schkoppe, comandante dos holandeses na 1ª Batalhados Guararapes (Do Recôncavo aos Guararapes, do Major Souza Júnior).
2. Relatório do Mestre de Campo general Francisco Barreto de Menezes,comandante luso-brasileiro nesta batalha (A 1ª Batalha dos Guararapes,de Jordão Emerenciano).
3. Relatório de Cornelis Van de Branden, comandante de um regimentoholandês e líder do ataque envolvente sobre os luso-brasileiros (DoRecôncavo aos Guararapes, do Major Souza Júnior).
4. Relatório de André Vidal de Negreiros, comandante da reserva luso-brasileira (A Batalha dos Guararapes, de Jordão Emerenciano), transcritoIn: Rau Virgínia. Coimbra, 1955).
5. Relatório de Filipe Bandeira de Melo (Tenente de Mestre de CampoGeneral do Brasil, José Antônio Gonçalves Mello Neto).
6. Relação da Vitória — Tradução e Leitura Paleográfica de José AntônioGonçalves de Mello (A 1ª Batalha dos Guararapes, de JordãoEmerenciano).
7. Lopes Santiago — “História da Guerra de Pernambuco” (A 1ª Batalhados Guararapes, de Jordão Emerenciano — transcrições).
8. Do Recôncavo aos Guararapes — Major Souza Júnior.
9. “A Guerra Expressão das Validades Culturais”— Ten Cel Lauro AlvesPinto (Revista do Arquivo Público de Pernambuco, n. 9, 1949).
10. Aspectos militares da 1ª Batalha dos Guararapes — Major Souza Júnior.
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206
Bibliografia Básica
1. BRASIL. Exército. Estado-Maior. História do Exército brasileiro. Brasília-DF: 1972. 3 volumes.
2. JÚNIOR, Antônio de Souza. Do Recôncavo aos Guararapes. BIBLIEX.
3. PEREIRA, José Geraldo Barbosa. A restauração de Portugal e do Brasil.BIBLIEX.
207
CAPÍTULO 7CAPÍTULO 7
Principais Batalhas e Vultos doPeríodo Imperial
7.1 Preâmbulo
O período Imperial marcou um momento de formação e consolidação do
Brasil como Nação. No campo da política interna, verificou-se uma série derevoltas e conturbações que ameaçaram a integridade territorial brasileira.
Na política externa, a disputa de interesses, sobretudo na região da Baciado Prata, levou o Império a conflitos com os países vizinhos. Em ambos os
casos, teve papel fundamental a participação do poder militar terrestre na
defesa da Pátria e na manutenção da integridade territorial. Foi neste períodoque se destacaram alguns dos maiores personagens da História Militar
Brasileira.
Resumir em poucas páginas um período vasto de experiências e ensinamentos
na campo da Arte da Guerra é uma tarefa por demais complexa. Corre-se orisco de se cair em reducionismos e simplificações que acabariam por
prejudicar o entendimento da evolução das instituições militares no período.
Desta forma, o roteiro apresentado a seguir apresenta apenas uma ordemcronológica de fatos históricos de relevância. Para os interessados, sugere-
se um aprofundamento e uma reflexão crítica em torno das fontes
bibliográficas sugeridas.
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208
7.2 SEQÜÊNCIA DE CONFLITOS
7.2.1 O Primeiro Reinado
Com o regresso de D. João VI a Portugal, cresceu a animosidade entre
portugueses e brasileiros. A situação agravou-se quando o General Avilez,comandante da Divisão Auxiliadora, trazida de Portugal por ocasião da
revolução pernambucana de 1817, recusou-se a obedecer às ordens do
Príncipe Regente. Desiludido com a deslealdade da tropa portuguesa, D.Pedro chegou a preparar seu retorno a Portugal. Porém, o decidido apoio
do povo e dos militares brasileiros o fez reconsiderar sua decisão, no episódio
que ficou conhecido como o Dia do Fico. Dominada a rebelião e embarcadaa Divisão Auxiliadora para Portugal, José Bonifácio de Andrada e Silva,
líder da facção que pugnara pela independência, foi nomeado Ministro do
Reino e de Estrangeiros. Logo empenhou-se em robustecer a autoridade doRegente, baixando decreto que declarava sem valor as ordens emanadas de
Portugal sem o cumpra-se de D. Pedro. Reconhecendo a necessidade de
recompor a unidade do país, prejudicada com as sedições e agitações queocorriam em algumas províncias, sugeriu ao Príncipe que visitasse as duas
mais próximas da Corte: Minas Gerais e São Paulo. Nesta última, quandoviajava de Santos para São Paulo, D. Pedro foi alcançado, às margens do
Ipiranga, por emissários de José Bonifácio trazendo despachos de Lisboa
com novas exigências, entre as quais a de que retornasse a Portugal paracompletar sua educação.
Com a declaração da independência no dia 7 de setembro de 1822, tornou-
se necessário a submissão de todas as províncias ao governo central, bem
como a configuração legal do novo Estado, a ser estabelecida por umaConstituição. Lutava-se se ainda em algumas províncias (na Bahia, a reação
da guarnição portuguesa só será vencida a dois de julho de 1823).
O Exército, agora brasileiro, embora guardasse semelhanças com o da antigametrópole e tivesse em seus quadros, particularmente nos postos mais
elevados, muitos oficiais portugueses, apresentava sérias deficiências em
organização, armamento e efetivos. O Imperador logo procurou melhorá-lo,preocupado com as lutas para eliminar a reação portuguesa em certas
províncias, tanto no norte como no sul do país. Criou a Imperial Guarda de
Honra, o Batalhão do Imperador e reorganizou o Quartel-General da Corte,atribuindo-lhe funções de comando e de planejamento, vale dizer, de estado-
Capítulo 7 - Principais Batalhas e Vultos do Período do Império
209
maior. Regulamentou o armamento e deu atenção aos problemas de apoio,
mandando organizar o Depósito Geral de Recrutas, bem como fábricas e
arsenais de armamento e munições. Foi com esse exército que o Império fezcalar a reação portuguesa no Maranhão e na Bahia e envolveu-se na campanha
Cisplatina de 1825-1828. Com exceção da perda desta última, a unidade
territorial foi preservada, enquanto a América espanhola se fragmentara.
Na Guerra Cisplatina, o exército fora mandado lutar uma guerra longa e
impopular, que acabou por desgastar o governo.
A vida dissoluta de D. Pedro, a morte da imperatriz Leopoldina, a prisão de
militares envolvidos em conflito de rua no Rio de Janeiro (noite dasgarrafadas), tudo contribuía para criar um clima pré-revolucionário. A notícia
de que o governo mandara prender diversos líderes liberais precipitou os
acontecimentos. Grande multidão reuniu-se no Campo de Santana. As tropas,lideradas pelo próprio Comandante das Armas da Corte, Brigadeiro Francisco
de Lima e Silva, juntaram-se ao povo. Esgotadas as negociações e diante
da impossibilidade de contar com a força para solucionar o impasse, PedroI abdicou em favor de seu filho, então com apenas cinco anos de idade, no
dia 7 de abril de 1831.
7.2.2 O período regencial
Com a abdicação, desapareceu subitamente o esteio principal de toda a
arquitetura política da monarquia. A figura do soberano representava um
último recurso para a solução dos problemas sobre os quais as diferentescorrentes de opinião não se entendiam. Criou-se um vácuo, imperfeitamente
preenchido no dia mesmo do afastamento do imperador com a instituição
da Regência Trina Provisória. Reunidos no Senado, os parlamentaresindicaram para compô-la dois senadores e o Comandante das Armas, o
brigadeiro Francisco de Lima e Silva.
Com a regulamentação das funções da Regência, transformada em
permanente, elegeram-se dois deputados para substituir os senadores,continuando o brigadeiro Lima e Silva para dar ao colegiado o respaldo da
força militar. Para Ministro da Justiça foi nomeado o padre Diogo Feijó,
político enérgico e de personalidade forte.
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210
Cerca de um mês após a posse dos novos regentes, o 26º Batalhão de
Caçadores sublevou-se. Dominado pela Guarda Municipal, teve sua sede
transferida para a Bahia. Vários outros batalhões amotinaram-se contra ogoverno, a despeito de nele figurar o Comandante das Armas. Estabeleceu-
se um tal clima de indisciplina nas unidades aquarteladas na Corte que o
governo teve de dissolver muitas delas. Apelou, então, para os oficiaissuperiores do exército para garantir a manutenção da ordem no Rio de
Janeiro. Improvisou-se a organização de uma tropa com 400 oficiais – o
Batalhão Sagrado – cujo subcomandante era o major Luís Alves de Lima eSilva, filho do regente Lima e Silva. Começava, então, a participação de
Caxias no cenário nacional, que teve marcante atuação nos principais
conflitos ocorridos no Segundo Reinado.
Para dar uma solução mais permanente ao problema da manutenção da
ordem, o governo criou, a 18 de agosto de 1831, a Guarda Nacional.
Destinava-se a ser uma força ligada às comunidades-sede de suas unidades,aliviando o exército de funções policiais. Justamente por ser ligada ao
ambiente provincial e municipal, acabou por se tornar instrumento das
oligarquias locais, perdendo valor como força militar.
A agitação prosseguia por todo o país, a despeito dos esforços do governopara a normalização das atividades políticas. Em 1832 ocorreu no Rio a
Abrilada, sedição republicana liderada pelo major Miguel de Frias, que fora
colega de Luís Alves de Lima e Silva na academia militar. Feijó determinouque o futuro Duque de Caxias, com a tropa de oficiais-soldados do Batalhão
Sagrado dispersasse os sediciosos concentrados no Campo de Santana e
prendesse seus chefes. Após breve, mas sangrento combate (morreram 12revoltosos) a rebelião foi dominada. Todavia, Miguel de Frias conseguiu
fugir. Neste mesmo ano, irrompeu em Alagoas uma revolta popular
denominada guerra dos cabanos.
O Decreto Legislativo de 21 de agosto de 1834 promulgou um Ato
Institucional que, entre outras modificações na Constituição, estabelecia a
Regência Una e concedia mais autonomia às províncias. Era uma espécie demonarquia federativa, assemelhada ao modelo republicano. Nas eleições do
ano seguinte volta Feijó como Regente. Às vésperas de sua posse eclodiu
no sul, em 1835, a Revolução dos Farrapos. Iniciada com as comemoraçõesdos liberais pela instalação da Assembléia Legislativa provincial do Rio Grande
Capítulo 7 - Principais Batalhas e Vultos do Período do Império
211
do Sul transformou-se em franca rebelião, alimentada por questões políticas,
sociais, econômicas e, até, de posição geográfica evoluiu para o separatismo
republicano. Essa rebelião longa, com a duração de 10 anos, foi a maisséria de todas as ameaças à unidade nacional.
Tantas e tão graves agitações paralisavam as atividades administrativas do
governo e punham em sério risco a própria existência do Império. A Regênciamostrara-se incapaz de pacificar o ambiente nacional, o que fortaleceu os
partidários da maioridade do jovem monarca, afinal decretada em 1840. O
Imperador, com apenas 14 anos de idade quando assumiu o trono, numesforço pessoal para pacificar a província mais meridional do país, mandou
cessar a repressão armada aos rebeldes e, num gesto de boa vontade,
ofereceu-lhes a anistia. Porém os farrapos, esperançosos de obter apoiodos vizinhos do Prata, recusaram a oferta.
No Maranhão, afastado geograficamente do poder central, com ligações
mais fáceis com a Europa do que com o Rio de Janeiro, irrompeu em 1838
um movimento sedicioso, a Balaiada, que chegou a pôr em risco a unidadenacional. Surgido numa pequena vila do interior, alastrou-se por outras
cidades, inclusive Caxias, a segunda mais importante da província.
Preocupado, o governo central lembrou-se do comandante da GuardaMunicipal, Luís Alves de Lima e Silva, para debelá-lo. O ainda jovem coronel
obteve da Regência não apenas o Comando das Armas, mas também o
governo da província. Esta exigência, que iria repetir sempre que designadopara pacificar províncias, revela sua clara percepção de que o poder militar
depende do poder político para levar a bom termo missões que sejam,
simultaneamente, bélicas e políticas. Em janeiro de 1841 terminava o conflitopelo qual Lima e Silva iniciava sua brilhante atuação em prol da pacificação
e da unidade nacional. Em sinal de reconhecimento, Pedro II concedeu-lhe
o título de Barão de Caxias e a nação brasileira, o de Pacificador, apóshaver pacificado as revoltas liberais de Minas e São Paulo, em 1842 – em
que se destaca o combate de Santa Luzia –, e o Rio Grande do Sul, em
1845.
Este conflito não encerraria o ciclo revolucionário no Império. Em 1848,
uma revolta liberal conhecida como Praieira irrompeu em Pernambuco. Após
dura repressão exercida pelo poder central, os revoltosos são derrotados em2 de fevereiro de 1849, pondo fim ao ciclo de revoltas internas.
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212
(Extrato do texto da aula ministrada pelo Sr Cel Nilson Vieira Ferreira de
Mello no Curso de Especialização em História Militar Brasileira, em 1º de
junho de 2007)
7.2.3 O Segundo Reinado
Durante o 2º Reinado o Exército Brasileiro participou de três conflitos
externos: a campanha contra Oribe e Rosas (1851-1852), a campanha contraAguirre (1864) e a Guerra do Paraguai ou Guerra da Tríplice Aliança (1864-
1870), ambas na Região do Rio da Prata. Esses três conflitos constituem
episódios relevantes da História Militar Brasileira, sendo a última consideradao segundo maior conflito das Américas.
A Guerra da Tríplice Aliança teve repercussões duradouras na formação da
mentalidade militar na transição para a República e será abordada a seguir.
7.2.4 A Guerra da Tríplice Aliança
As relações do Império do Brasil com os países vizinhos da região da Bacia
do Prata, nas décadas de 1850 e 1860, caracterizaram-se por rivalidades e
conflitos. A Guerra da Tríplice Aliança, ou Guerra do Paraguai, decorreu,em certa medida, de um conflito herdado do colonialismo espanhol e
português pelo controle daquela bacia. Do lado brasileiro, interessava a
preservação do acesso aos rios da região, assegurando a comunicação coma Província do Mato Grosso. Para os demais países envolvidos, o controle
da navegação do Prata era fundamental para o escoamento da sua produção
e o livre comércio com as províncias platinas.
O Paraguai dependia da navegação livre dos rios para a expansão de suaatividade comercial. Porém, os portos de Buenos Aires e Montevidéu
cobravam altas taxas dos produtos paraguaios para o escoamento da
produção. Além disso, havia divergências entre Brasil e Paraguai quanto afronteiras na região do Mato Grosso. Havia desconfiança entre Paraguai e
Argentina, pelo fato desta última tentar restabelecer a configuração do
antigo Vice-Reino do Prata, do qual o Paraguai fazia parte no passado.
Francisco Solano Lopez assumiu o governo do Paraguai em 1862. Seu
objetivo era consolidar a posição do país na região, garantindo uma saída
Capítulo 7 - Principais Batalhas e Vultos do Período do Império
213
para o mar. As questões que ameaçavam o equilíbrio da região no Prata
fizeram com que Lopez tentasse uma aliança com as elites locais das
províncias argentinas de Corrientes e Entre-Rios contra o governo centralde Buenos Aires. A intervenção do Império do Brasil na questão uruguaia,
em 1864, foi o pretexto para que Lopez começasse as hostilidades contra o
Império. Em novembro de 1864, o navio brasileiro Marquês de Olinda foicapturado enquanto se dirigia para a Província de Mato Grosso.
Ao início do conflito, os governos brasileiro e argentino subestimaram a
atuação dos paraguaios, assim como os próprios paraguaios não acreditavamnuma reação brasileira e no posicionamento argentino.
Do lado do Brasil, repetiram-se os erros de 1851, quando o governo
negligenciara o preparo de efetivos militares para atuar em casos de conflito.
Os efetivos do Exército careciam de pessoal e material, estando dispersospor todo o território nacional. Embora o Exército Imperial não estivesse
devidamente preparado para enfrentar um grande conflito, o governo
conseguiu atingir um alto grau de mobilização, com recrutamento forçado,arregimentação de tropas da Guarda Nacional e voluntários, incluindo uma
grande quantidade de escravos, que viam no conflito uma oportunidade
para conseguir a alforria.
A Guerra da Tríplice Aliança pode ser dividida nas seguintes fases:
7.2.4.1 Ofensiva paraguaia
Solano Lopez antevia, ao início da guerra, um conflito rápido, em que seus
objetivos políticos seriam atingidos. Para Lopez, a guerra era umaoportunidade do Paraguai se projetar no cenário sul-americano, obtendo
uma saída para o mar através do Porto de Montevidéu, em virtude de aliança
obtida com os blancos do Uruguai e os federalistas argentinos comandadospor Urquiza.
A estratégia de Lopez consistiu em dividir suas forças, inicialmente, em
dois exércitos, num ataque conjunto ao Mato Grosso e ao Rio Grande do
Sul, ocupando territórios que permitissem à diplomacia paraguaia negociaruma paz favorável. A Província do Mato Grosso, por estar desprotegida,
seria uma invasão fácil e proporcionaria elevação ao moral da tropa. A
invasão do Mato Grosso foi efetuada em duas colunas. A primeira, com
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214
cerca de 4200 homens, investindo sobre o Forte Coimbra; a segunda, com
cerca de 3000 homens, agiu sobre a colônia militar de Dourados. Supõe-se
que as duas colunas fariam uma junção em Cuiabá, capital da Província doMato Grosso, o que não ocorreu.
No Sul, com a recusa da Argentina em autorizar as forças de Lopez a
atravessar o território portenho para o ataque ao Rio Grande, o presidenteparaguaio ordenou ataque a Corrientes, avançando em direção ao Rio Grande
com cerca de dez mil homens. Conseqüentemente, invadindo quase ao
mesmo tempo por três direções divergentes o território dos aliados, Lopezfora infeliz em seu plano de operações e em sua execução.
Durante a ofensiva paraguaia, Brasil, Argentina e Uruguai formalizaram, em
1º de maio de 1865, o tratado da Tríplice Aliança.
7.2.4.2 Contra-ofensiva aliada e invasão do Paraguai
Em 11 de junho de 1865, a Marinha Imperial Brasileira, sob o Comando doAlmirante Tamandaré, derrotou as forças navais paraguaias na Batalha Naval
do Riachuelo, isolando a tropa paraguaia que havia invadido o Rio Grande
do Sul e obrigando o Cel Estigarribia, comandante paraguaio, a render-seem 18 de setembro. Com a expulsão das tropas paraguaias de Corrientes
em novembro do mesmo ano, teve início a invasão do território paraguaio,
em abril de 1866.
Fortalecidos, com um efetivo de cinqüenta mil homens, os aliadoslançaram-se à ofensiva. A invasão do Paraguai iniciou-se subindoo curso do rio Paraguai, a partir do Passo da Pátria. Sob o comandodo general Manuel Luís Osório, e com o auxílio da esquadraimperial, transpuseram o rio Paraná, em 16 de abril de 1866, econquistaram posição em território inimigo, em Passo da Pátria,uma semana depois. De abril de 1866 a julho de 1868, asoperações militares concentraram-se na confluência dos riosParaguai e Paraná, onde estavam os principais pontos fortificadosdos paraguaios. [...]
A primeira posição a ser tomada foi a Fortaleza de Itapiru. Apósa batalha do Passo da Pátria e a do Estero Bellaco (2 de maio), asforças aliadas acamparam nos pântanos de Tuiuti, em 20 de maio,onde sofreram um ataque paraguaio quatro dias depois. [...]
Nessa fase da guerra, destacaram-se muitos militares brasileiros.Entre eles, os heróis de Tuiuti: o general José Luís Mena Barreto,
Capítulo 7 - Principais Batalhas e Vultos do Período do Império
215
o brigadeiro Antônio de Sampaio, patrono da arma de infantariado Exército brasileiro, o tenente-coronel Emílio Luís Mallet, patronoda artilharia, e o próprio Osório, patrono da cavalaria, além dotenente-coronel João Carlos de Vilagrã Cabrita, patrono da armade engenharia, morto em Itapiru. (Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Guerra_do_Paraguai. Acesso em: 17 out.2007)
7.2.4.3 Tuiuti e a ação de Osório
No dia 24 de maio de 1866, as forças aliadas travaram a primeira batalha de
Tuiuti, a maior batalha campal da história da América do Sul e uma das
mais importantes e sangrentas do conflito. Foi vencida pelos aliados em 24
de Maio de 1866, deixando um saldo de 10.000 mortos de ambos os ladosda batalha.
Na condução do combate, a iniciativa coube aos paraguaios que, pela frente
e pelos flancos, atacaram as forças aliadas com o objetivo de impedir umaretirada aliada, fechando uma “pinça” que causaria a destruição dos aliados.
Enquanto Mallet, com as suas baterias de frente, barrava o ataque frontal
paraguaio, a Divisão Encouraçada, do Brigadeiro Sampaio repelia as ações
de flanco e frontais, detendo o inimigo. À retaguarda, atuava Osório,empregando as reservas nos pontos vulneráveis e liderando pessoalmente
as ações de contra-ataque.
Pela ação de alguns chefes militares como Osório, Sampaio e Mallet, abatalha ficou conhecida como “A Batalha dos Patronos”.
Segundo Gustavo Barroso (2000, p. XX):
A alma da batalha de 24 de maio, chamada de Tuiuti, foi, semdúvida, o General Osório. Ele vê tudo, corre a todos os pontos dapugna, entusiasma os soldados, bate-se como um simples lanceiro,toma as medidas, movimenta as tropas e ganha a vitória, comoreconhece o próprio Generalíssimo Bartolomeu Mitre.
A citação serve para avaliar a liderança empreendida pelo General Osório
neste episódio da História Militar Brasileira. Osório foi o grande protagonistano comando das tropas brasileiras até a chegada de Caxias ao Teatro de
Operações. Segundo Francisco Doratiotto, Osório foi o oficial brasileiro
mais admirado pela tropa aliada, sendo respeitado, inclusive, por seus
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inimigos. As ações do General em Tuiuti, na verdade, são uma continuação
dos diversos exemplos de liderança do comandante brasileiro desde o início
da invasão aliada ao território paraguaio em 16 de abril de 1866. Em diversasocasiões, o comandante militar se expunha ao perigo, atacando na vanguarda
dos exércitos, mostrando o caminho e inspirando seus comandados no
combate. É possível que seu trabalho seja reconhecido pela importânciaque a vitória aliada na Batalha do Tuiuti teve para o prosseguimento das
operações aliadas na Guerra.
A vitória em Tuiuti serviu para que os exércitos da Tríplice Aliançaconsolidassem suas posições no território paraguaio recém-invadido. Após
essa vitória, os paraguaios perderam quase que completamente a iniciativa
no combate e passaram a se organizar em posições defensivas, caracterizandouma nova fase do conflito que ficou conhecida como “guerra de posição”.
Outro fator importante para os aliados foram os reflexos para o estado
moral da tropa. Desmistificando a invencibilidade paraguaia, a vitória aliadaserviu para conferir mais segurança às tropas da aliança, o que cessaria com
os episódios de Curupaiti. Cabe ressaltar ainda as grandes perdas sofridas
pelas tropas paraguaias, dentre mortos e feridos. Segundo Doratiotto, oexército paraguaio perdera seus melhores homens, não conseguindo substituí-
los por outros em igual preparo. Esses fatores ressaltam a importância da
vitória aliada em Tuiuti para o prosseguimento das ações aliadas. Um revésaliado nesta batalha poderia ter sido extremamente prejudicial para o êxito
da campanha.
Apesar da expressiva vitória, os aliados deixaram de empreender a
perseguição ao inimigo batido, o que favoreceu o lado paraguaio, queconseguiu se reorganizar em posições defensivas bem preparadas. Outra
conseqüência deste combate foi a retirada de cena de Osório, por ferimentos
e, segundo alguns autores, por discordar dos planos de Bartolomeu Mitre,comandante supremo aliado.
Por motivos de saúde, em julho de 1866 Osório passou o comandodo 1°Corpo de Exército brasileiro ao general Polidoro da FonsecaQuintanilha Jordão. Na mesma época, chegava ao teatro deoperações o 2°Corpo de Exército, trazido do Rio Grande do Sulpelo barão de Porto Alegre (10.000 homens).
O caminho para Humaitá não fora desimpedido. O comandanteMitre aproveitou as reservas de dez mil homens trazidos pelo barão
Capítulo 7 - Principais Batalhas e Vultos do Período do Império
217
de Porto Alegre e decidiu atacar as baterias do Forte de Curuzú edo Forte de Curupaiti, que guarneciam a direita da posição deHumaitá, às margens do rio Paraguai. Atacada de surpresa, abateria de Curuzu foi conquistada em 3 de setembro pelo barão dePorto Alegre. Não se obteve, porém, o mesmo êxito em Curupaiti,que resistiu ao ataque de 20 mil argentinos e brasileiros, guiadospor Mitre e Porto Alegre, com apoio da esquadra do almiranteTamandaré. Em 22 de setembro, os aliados foram dizimados peloinimigo: cinco mil homens morreram em poucas horas. Este ataquefracassado criou uma crise de comando e deteve o avanço dosaliados. (Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Guerra_do_Paraguai. Acesso em: 17 out. 2007)
Este acontecimento provocou mudanças nos comandos das forças. Em
outubro de 1866, o governo imperial nomeou o então Marquês de Caxiascomo comandante das tropas brasileiras. Em fevereiro de 1867, o presidente
argentino Bartolomeu Mitre retirou-se do Teatro de Operações, com o
objetivo de debelar conflitos internos na Argentina. Caxias tornou-se, então,o Comandante Supremo, na prática, assumindo o comando das forças
aliadas em janeiro de 1868.
7.2.4.4 O comando de Caxias
As ações empreendidas por Caxias, desde que assumiu o comando doexército aliado até a ocupação de Assunção, recobrem-se de extrema
relevância para o êxito das operações aliadas na Guerra do Paraguai.
Ao chegar ao Teatro de Operações, em 1867, Caxias deparou-se com uma
situação de penúria na tropa. Desorganização dos acampamentos, falta demotivação, doenças que dizimavam efetivos consideráveis, grande quantidade
de feridos baixados nos hospitais, deficiências no suprimento, dentre outros
problemas encontrados, foram os desafios iniciais enfrentados pelo novocomandante. Neste período, pode-se observar a organização e a capacidade
administrativa de Caxias que, nos meses posteriores, tratou de reorganizar
as tropas tomando uma série de medidas, tais como: inspeção dos feridos,envio dos incapazes para a retaguarda, reordenação das unidades de combate,
regularização de suprimentos, aquisição de cavalos e adoção de normas
disciplinares mais rígidas nos acampamentos.
Entre novembro de 1866 e julho de 1867, Caxias organizou umcorpo de saúde (para dar assistência aos inúmeros feridos ecombater a epidemia de cólera-morbo) e um sistema de
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abastecimento das tropas. Conseguiu também que a esquadraimperial, que se ressentia do comando de Mitre, colaborasse nasmanobras contra Humaitá. (Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Guerra_do_Paraguai. Acesso em: 17 out. 2007)
Em seqüência, promoveu exercícios e implementou adestramento às tropas,melhorando a disciplina e a coesão. Conforme observa Doratiotto, “Não foi
fácil a tarefa de reforçar o ânimo de combate da tropa brasileira.” Porém,
coube ao Marechal a execução desta tarefa, empreendida graças a sualiderança e respeito perante todos os homens, respeito este conquistado ao
longo dos anos e das vitórias em campanhas que participou ou comandou.
Caxias pôs seu Exército em marcha para a conquista do Paraguai. Contando
agora com o reforço do 3º Corpo de Exército, organizado pelo GeneralOsório, Caxias iniciou sua fase de estrategista na campanha, planejando
uma marcha de flanco com o objetivo de contornar a fortaleza de Humaitá
e isolá-la, ao invés de atacá-la frontalmente. Tal movimento teve início a 22de julho de 1867.
Apesar dos esforços de Caxias, os aliados só reiniciaram a ofensivaem 22 de julho de 1867. A marcha de flanco pela ala esquerdadas fortificações paraguaias constituía a base tática de Caxias:ultrapassar o reduto fortificado paraguaio, cortar as ligações entreAssunção e Humaitá e submeter esta última a um cerco. Comeste fim, Caxias iniciou a marcha em direção a Tuiu-Cuê. Em 1ºde agosto Mitre retornou ao comando e insistia no ataque pelaala direita, que já se mostrara desastroso em Curupaiti. Emboraa manobra de Caxias tenha sido bem-sucedida, o tempo decorridopossibilitou a López fortificar-se também nessa região e fecharde vez o chamado Quadrilátero.
A partir de Tuiu-Cuê, os aliados rumaram para o norte e tomaramSão Solano, Vila do Pilar e Tayi, às margens do rio Paraguai,onde completaram o cerco da fortaleza por terra e cortaram ascomunicações fluviais entre Humaitá e Assunção. Em 3 denovembro de 1867, como reação, López atacou a retaguarda daposição aliada de Tuiuti. Nessa segunda batalha de Tuiuti, Lópezesteve próximo da vitória, mas, graças ao reforço trazido pelogeneral Porto Alegre, os brasileiros venceram. (Disponível em:http://pt.wikipedia.org/wiki/Guerra_do_Paraguai. Acesso em: 17out. 2007)
Observa-se que Caxias sempre procurou a realização de uma batalha decisiva,
com o objetivo de impor a Solano Lopez um tratado que levasse ao fim da
Capítulo 7 - Principais Batalhas e Vultos do Período do Império
219
guerra que, àquela altura, já era bastante impopular na sociedade e no
governo imperial. Assim, ainda em 1867, as tropas aliadas realizam a manobra
de Piquiciri, sitiando a Fortaleza de Humaitá.
A partir de janeiro de 1868, com a assunção de Caxias ao posto de
Comandante em Chefe das forças aliadas, tornou-se viável a execução das
operações, uma vez que o General conseguira controlar as divergênciasentre os diversos comandantes militares. Com a passagem naval de Humaitá,
estabeleceu-se a junção entre as forças navais e terrestres, abrindo caminho
para a seqüência de operações que culminariam com a ocupação da capitalparaguaia.
Efetuada a ocupação de Humaitá, as forças aliadas comandadaspor Caxias marcharam 200 km até Palmas, fronteiriça às novasfortificações inimigas (30 de setembro). Situadas ao longo doarroio Piquissiri, essas fortificações barravam o caminho paraAssunção, apoiadas nos dois fortes de Ita-Ibaté (LomasValentinas) e Angostura, este à margem esquerda do rio Paraguai.Ali, Lopez havia concentrado 18 mil paraguaios em uma linhafortificada que explorava habilmente os acidentes do terreno ese apoiava nos fortes de Angostura e Itá-Ibaté. Renunciando aocombate frontal, o comandante brasileiro idealizou, então, a maisbrilhante e ousada operação do conflito: a manobra do Piquiciri.Em 23 dias fez construir uma estrada de 11 km através do Chacopantanoso que se estendia pela margem direita do rio Paraguai,enquanto forças brasileiras e argentinas encarregavam-se dediversões frente à linha do Piquissiri. Executou-se então amanobra: três corpos do Exército brasileiro, com 23.000 homens,foram transportados pela esquadra imperial de Humaitá para amargem direita do rio, percorreram a estrada do Chaco em direçãoao nordeste, reembarcaram em frente ao porto de Villeta, edesceram em terra no porto de Santo Antônio e Ipané, novamentena margem esquerda, vinte quilômetros à retaguarda das linhasfortificadas paraguaias do Piquissiri. López foi inteiramentesurpreendido por esse movimento, tamanha era sua confiançana impossibilidade de grandes contingentes atravessarem oChaco. (Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Guerra_do_Paraguai. Acesso em: 17 out. 2007)
Nos meses seguintes à tomada de Humaitá, cabe observar a posição
disciplinada e realista do Marquês. Extremamente criticado pela oposição eimprensa liberal na capital do Império da época, Caxias solicita exoneração
do cargo, informando que a guerra estaria por terminada. Com a queda do
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gabinete liberal e ascensão de um ministério conservador, partidário de
Caxias, o comandante novamente expressa suas idéias no sentido de findar
a guerra, que já consumira grande quantidade de recursos materiais ehumanos. Porém, o Imperador ordena que Caxias conduza a guerra até o
afastamento de Lopez do poder.
Na noite de 5 de dezembro, as tropas brasileiras encontravam-seem terra e, em vez de avançar para a capital, já desocupada pelapopulação e bombardeada pela esquadra, iniciaram no dia seguinteo movimento para o sul, conhecido como a “dezembrada”. [...].No mesmo dia, o general Bernardino Caballero tentou barrar-lhesa passagem na ponte sobre o arroio Itororó. Na tomada da pontede Itororó, Caxias, aos 65 anos de idade, partiu a galope emdireção ao inimigo, com espada em punho, exclamando: “sigam-me os que forem brasileiros!”; não foi morto por sorte. (Disponívelem: http://pt.wikipedia.org/wiki/Guerra_do_Paraguai. Acesso em:17 out. 2007)
Apesar do desgaste físico e psicológico de quase dois anos de comando, oMarechal destacou-se ainda pela liderança que, em diversas ocasiões o
obrigaram a por a vida em risco, assumindo o comando de cargas de cavalaria
e avanços de batalhões inteiros que recuavam frente à resistência inimiga.
Vencida a batalha de Itororó, o Exército brasileiro prosseguiu namarcha e aniquilou na localidade de Avaí, em 11 de dezembro,as duas divisões de Caballero. Em 21 de dezembro, tendo recebidoo necessário abastecimento por Villeta, os brasileiros atacaramo Piquissiri pela retaguarda e, após seis dias de combatescontínuos, conquistaram a posição de Lomas Valentinas, com oque obrigou a guarnição de Angostura a render-se em 30 dedezembro. [...](Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Guerra_do_Paraguai. Acesso em: 17 out. 2007)
Nestas ações, os exércitos de Solano Lopez foram destruídos.
No dia 24 de Dezembro os três novos comandantes da TrípliceAliança (Caxias, o argentino Gelly y Obes e o uruguaio EnriqueCastro) enviaram uma intimação a Solano López para que serendesse. Mas López recusou-se a ceder e, acompanhado apenasde alguns contingentes, fugiu para o norte, na direção dacordilheira, chegando a Cerro León. (Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Guerra_do_Paraguai. Acesso em: 17 out.2007)
Capítulo 7 - Principais Batalhas e Vultos do Período do Império
221
Em janeiro de 1869, Caxias ocupou Assunção e, no mesmo mês, retirou-se
do Teatro de Operações, já bastante debilitado pelos anos da guerra.
Em resumo, pode-se concluir que as ações pessoais de Caxias como líder,estrategista e militar de prestígio foram fundamentais para as vitórias que
ocorreram sob seu comando. Tido como o líder militar de maior prestígio no
Império, Caxias teve de lidar com brigas políticas tanto no cenário da Cortecomo no relacionamento com comandantes brasileiros e aliados para atingir
os objetivos da guerra. Sua atitude e unidade de comando foram
fundamentais para a vitória de um exército que carecia de homens comvirtude e experiência como comandantes. Grande parte das vitórias aliadas
devem ser creditadas a sua personalidade e qualidades intangíveis.
Fim da guerra: Campanha da Cordilheira e comando do Conde d’Eu
No terceiro período da guerra (1869-1870), o genro do imperadorDom Pedro II, Luís Filipe Gastão de Orléans, conde d’Eu, foinomeado para dirigir a fase final das operações militares noParaguai, pois buscava-se, além da derrota total do Paraguai, ofortalecimento do Império Brasileiro. O marido da princesa Isabelera um dos poucos membros da família imperial com experiênciamilitar, já que na década de 1850 participara, como oficialsubalterno, da campanha espanhola na Guerra do Marrocos. Aindicação de um membro da família imperial pretendia diminuiras dificuldades operacionais das forças brasileiras, problemaagravado pelos muitos anos de campanha, pela insatisfação dosveteranos e pelos conflitos, políticos e pessoais, que se alastravamentre os oficiais mais experientes. [...]
Solano López, prosseguindo na resistência, refez um pequenoexército de 12.000 homens e 36 canhões na região montanhosade Ascurra-Caacupê-Peribebuí, aldeia que transformou em suacapital. À frente de 21 mil homens, o conde d’Eu chefiou acampanha contra a resistência paraguaia, a chamada Campanhadas Cordilheiras, que se prolongou por mais de um ano,desdobrando-se em vários focos.
[...]
O Exército brasileiro flanqueou as posições inimigas de Ascurra evenceu a batalha de Peribebuí (12 de agosto), onde Lópeztransferira a capital. [...]
Dois destacamentos foram enviados em perseguição ao presidenteparaguaio, que se internara nas matas do norte do paísacompanhado de 200 homens. No dia 1.° de março de 1870, as
ESAO/CEAD/CAO – HISTÓRIA MILITAR I
222
tropas do general José Antônio Correia da Câmara (1824-1893),o visconde de Pelotas, surpreenderam o último acampamentoparaguaio em Cerro Corá, onde Solano López foi ferido a lança edepois baleado nas barrancas do arroio Aquidabanigui apósrecusar-se à rendição. [...]. Em 20 de junho de 1870, Brasil eParaguai assinaram um acordo preliminar de paz. Assim chegouao fim o mais sangrento conflito internacional das Américas, aguerra do Paraguai. (Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Guerra_do_Paraguai. Acesso em: 17 out. 2007)
7.3 CONCLUSÃO
A formação do Exército como instituição nasceu da necessidade de
consolidar o Estado Brasileiro recém-independente e assegurar sua integridade
territorial. As tropas de terra também tiveram grande importância no processode independência. Destaca-se a luta ocorrida na Bahia, que durou até 1823,
na qual foi de vital importância a presença das tropas leais ao Imperador.
Porém, com o advento do período regencial, não interessava aos podereslocais das províncias a existência de um exército forte nas mãos do poder
central. Desta maneira, medidas são tomadas no sentido de relegar o exército
a uma força mínima e mal-preparada. Criou-se uma Guarda Nacional nasmãos das elites locais, com o objetivo de impor a ordem na solução dos
problemas internos. Porém, com a eclosão das lutas internas de contestação
do poder central do Rio de Janeiro, nas quais destacaram-se revoltas decaráter republicano como a Revolução Farroupilha, tornou-se necessário o
emprego de um exército para debelar as ameaças de desintegração do
território. Surgia a figura de Caxias, que iria participar ativamente comopacificador de revoltas de Norte a Sul do território. Apesar disso, o Exército
Brasileiro, até o início da guerra do Paraguai, era uma força marginalizada
no seio da sociedade, com suas graduações mais baixas ocupadas porelementos alijados do conceito de cidadãos do Império.
Os conflitos externos em que o Brasil se envolveu a partir de 1850
contribuíram para a evolução das instituições militares nacionais Nas guerrastravadas antes da Tríplice Aliança, a demanda por efetivos eram supridas
por elementos da Guarda Nacional, sobretudo da Província do Rio Grande,
o que causou a falsa impressão de que esta tropa seria suficiente para asdemandas regionais. Neste período, pouca ou nenhuma importância era
dada ao adestramento e o governo imperial não contava com um sistema
de recrutamento.
Capítulo 7 - Principais Batalhas e Vultos do Período do Império
223
A eclosão da guerra contra Lopez provocou profundas mudanças no
pensamento militar nacional. Talvez a mais importante tenha sido a
consciência da necessidade de um exército permanente e profissional, comquadros bem treinados e equipados. No relatório anual do Ministro de Estado
e dos Negócios da Guerra, datado de 1868, merece destaque o seguinte
trecho:
[...] Se por fatalidade formos de novo provocados à outra guerra,que não nos surpreenda ela mais uma vez. Aperfeiçoemos todosos serviços do exército, melhoremos o nosso material de guerrae, finalmente, tenhamos as nossas fortificações guarnecidas ebem artilhadas; e assim fortes, com um pessoal posto que pequeno,disciplinado e aguerrido, faremos face a toda e qualqueremergência imprevista: a qualidade suprirá bem a quantidade.
A experiência adquirida na presente guerra parece impor-nos odever de meditar sobre essas verdades, que aliás, estão naconsciência de todos, profissionais ou não [...].
Sobre o preparo e a organização do Exército no período da guerra contra
Lopez, diversos episódios mostraram as dificuldades sofridas peloscomandantes militares pela carência de um exército profissional. O próprio
Duque de Caxias, ao fim da guerra, defende a necessidade de um sistema
de recrutamento mais eficiente e a necessidade de um exército permanentee adestrado. Nos episódios da Guerra do Paraguai, há inúmeros relatos de
tropas mal comandadas que debandavam frente ao inimigo aguerrido, o
que mostrava a falta de preparo de comandantes e comandados. Outroaspecto que refletia a falta de adestramento era o não aproveitamento
pleno das potencialidades do armamento do Exército Imperial, por falta de
conhecimento, dos comandantes militares, em relação à capacidade domaterial empregado. No que diz respeito à logística de guerra, destacam-se
as dificuldades enfrentadas pelas tropas, fruto da não existência de serviços
de apoio profissionais no Teatro de Operações
Desta maneira, as operações do Exército Imperial foram seriamenteprejudicadas, o que levou os comandantes da época a repensar a forma de
combater. Infelizmente, ao fim da guerra tais ensinamentos foram relegados
e o Exército não soube aproveitar as lições de uma guerra que custaratanto.
ESAO/CEAD/CAO – HISTÓRIA MILITAR I
224
O Brasil consolidou-se como Nação a partir do Segundo Império. Neste
período que as tradições e o culto à nacionalidade ganharam força no seio
da sociedade. Naquele contexto, as instituições militares, sobretudo oExército, foram importantes para aquele processo, que não se verificou
apenas no Brasil. Emprestando o nome de heróis, como Caxias e Osório, o
Exército exerceu papel fundamental no surgimento da idéia de nacionalidade,incutindo uma conotação psicológica no imaginário do brasileiro. As lutas
externas, que sucederam este período, serviram como força centrípeta,
conjugando vontades nacionais que se uniram em torno de um objetivocomum.
Assim, as instituições militares cumpriram, naquele momento histórico, seu
papel na formação do Brasil como a Nação que hoje conhecemos.
Referências
BARROSO, Gustavo. História Militar do Brasil. Rio de Janeiro: BIBLIEX, 2000.
CUNHA, Marco Antonio. A chama da nacionalidade – ecos da guerra do
Paraguai. Rio de Janeiro: BIBLIEX, 2000.
DORATIOTO, Francisco. Maldita guerra: nova história da guerra do Paraguai.São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
DUARTE, Paulo de Queiroz. Os voluntários da pátria na guerra do Paraguai.
Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército Editora, 1981.
FRAGOSO, Augusto Tasso. História da guerra entre a Tríplice Aliança e o
Paraguai. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército Editora, 1960.
NEVES, Lúcia Maria Bastos P.; MACHADO, Humberto Fernandes. O império
do Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
225
CAPÍTULO 8CAPÍTULO 8
Principais Batalhas e Vultos doPeríodo da República
8.1 DIVISÃO DA REPÚBLICA
A República da Espada foi o período compreendido entre a Proclamação daRepública e a eleição de Prudente de Morais (1894). Neste período o Brasil
foi governado pelo Mal Deodoro da Fonseca (o Proclamador) e, em seguida,
pelo Mal Floriano Peixoto (o Consolidador da República); o Brasil, no inícioda República, foi governado por dois militares.
A República das Oligarquias iniciou seu período após a eleição de Prudente
de Morais (o Pacificador da República) até o governo de Washington Luís,
deposto depois da Revolução de 1930, liderada por Getúlio Vargas.Denominou-se República das Oligarquias por ter sido a fase da história
republicana caracterizada pela supremacia política das grandes oligarquias
(grupos formados por elementos da classe dominante, fundamentalmentegrandes proprietários de terras, cafeicultores).
República da Espada (1889-1894) República Velha (1889-1930) República das Oligarquias (1894-1930) República Nova ou Era Vargas (1930-1945) República Contemporânea (de 1945 aos dias atuais)
ESAO/CEAD/CAO – HISTÓRIA MILITAR I
226
A República Nova ou Era Vargas foi o período em que o chefe do governo
brasileiro, o gaúcho Getúlio Vargas, governou o País de 1930 até 1945.
A República Contemporânea se iniciou com a eleição do Gen Eurico GasparDutra, em 1945, e perdura até os dias atuais.
8.2 A REPÚBLICA VELHA
8.2.1 A REPÚBLICA DA ESPADA (1889 / 1894)
8.2.1.1 Governo Provisório (1889 / 1891)
O 15 de novembro de 1889 não resultou de um movimento popular, mas
sim da conjugação de interesse políticos entre os militares, que representavam
a classe média urbana, e a elite agrária, principalmente os cafeicultores dooeste paulista. Depois da proclamação da República, foi estabelecido no
Brasil um governo provisório que permaneceu no poder até a escolha do
governo definitivo. O novo governo era representado pela classe proprietáriaexportadora, os latifundiários, pelos militares e por alguns profissionais
liberais. Entre os membros do governo provisório, destacaram-se o MalDeodoro da Fonseca, Rui Barbosa, Ministro da Fazenda e Quintino Bocaiúva,
Ministro do Exterior.
O Governo Provisório tomou inicialmente as seguintes medidas:
- dissolveu as Assembléias Provinciais, as Câmaras Municipais e aCâmara dos Deputados;
- extinguiu a vitaliciedade do Senado;
- decretou a expulsão da família real;
- transformou as províncias em estados;
- nomeou interventores, principalmente militares, para governar osestados;
- criou a bandeira republicana com o lema positivista “Ordem eProgresso”;
- decretou a grande naturalização, tornando brasileiro todo estrangeiroresidente no Brasil, com exceção daqueles que não quisessem;
- decretou a separação entre a Igreja e o Estado, a liberdade de cultoe a regulamentação do casamento civil;
Capítulo 8 - Principais Batalhas e Vultos do Período da República
227
- realizou o reconhecimento dos compromissos assumidos pelogoverno imperial;
- convocou uma Assembléia Constituinte para elaborar a novaConstituição;
- extinguiu o Conselho de Estado;
- estabeleceu como sede do governo federal a cidade do Rio deJaneiro; e
- promulgou a Constituição de 1891, a primeira da República.
Em 24 de fevereiro de 1891 foi promulgada a primeira constituiçãorepublicana que teve como principal modelo a constituição norte-americana.
A Constituição de 1891 ficou marcada por características básicas e
fundamentais descritas a seguir:
- Federalismo
O Brasil era constituído por uma federação de vinte estados, aos quaisfoi concedida ampla autonomia econômica e administrativa; porémcabiam à União as melhores fontes de renda pública, a defesa nacionale as relações exteriores (a ampla autonomia dos estados nãorepresentava o esfacelamento do poder central).
- Presidencialismo
O chefe do Poder Executivo era o Presidente da República.
- Regime de representatividade
O Presidente da República, o Vice-presidente, os governadores dosestados e os membros do Poder Legislativo, em todos os níveis, seriameleitos diretamente pelo povo, dentro das normas de votação daConstituição.
- Três poderes
O governo do País foi confiado a três poderes: Executivo, Legislativo eJudiciário.
- Poder Executivo
ESAO/CEAD/CAO – HISTÓRIA MILITAR I
228
Era composto por um Presidente eleito diretamente, com mandato dequatro anos, que seria auxiliado pelo Vice-presidente e por um ministério.O Presidente, que não podia ser reeleito, tinha a prerrogativa paradeterminar a intervenção federal na administração dos estados em certoscasos.
- Poder Legislativo
Era exercido pelo Congresso Nacional, composto pelo Senado Federale pela Câmara dos Deputados, todos eleitos mediante sufrágio universaldireto.
- Poder Judiciário
Tinha como órgão máximo o Supremo Tribunal Federal e juízes federais(vitalícios).
A Constituição de 1891 era liberal, presidencialista e federativa. Regeuos destinos políticos do Brasil até a década de 1930, tendo sofridouma pequena reforma em 1926. A Proclamação da República foi maisum fato importante no processo histórico brasileiro que não contoucom a participação da massa popular.
Um dos problemas ocorridos no início da República foi a chamada “Crise do
Encilhamento”. Rui Barbosa, Ministro da Fazenda, acreditava ser possíveltransformar um país que era essencialmente agrário, com uma oligarquia
poderosa, em uma nação industrializada com uma burguesia poderosa.
Industrializar o país e realizar a independência econômica frente aocapitalismo europeu era o objetivo pretendido. Dentre as muitas medidas
adotadas por Rui Barbosa – como aumento das tarifas alfandegárias,
facilidade na importação de matérias-primas e outras –, houve uma, que foia emissão de moeda, visando o aumento do meio circulante e facilidade de
crédito para estimular os negócios e a produção interna, que acabou
resultando numa violenta inflação e uma desenfreada especulação na Bolsade Valores.
Com a inflação galopante faliram muitas empresas que não puderam saldar
suas dívidas. E a República conheceu sua primeira crise econômica conhecida
por “Crise do Encilhamento”, que foi duramente combatida pelos grandesfazendeiros e pelos grupos financeiros internacionais, para os quais
Capítulo 8 - Principais Batalhas e Vultos do Período da República
229
interessava um Brasil economicamente dependente. A crise culminou com
a renúncia de Rui Barbosa.
8.2.1.2 O Governo de Deodoro da Fonseca (1891)
Após a promulgação da Constituição, foram eleitos pelo Congresso Nacional,
que sofreu forte pressão dos militares, o Presidente Deodoro da Fonseca e
o Vice Floriano Peixoto. No curto período que esteve no poder, Deodorogovernou com minoria parlamentar, pois o Legislativo era dominado pelas
oligarquias estaduais que lhe faziam oposição.
Diante do descompasso político entre o Executivo e o Legislativo, Deodoro
mandou ocupar o Congresso Nacional em 03 de novembro, declarandodissolvido o poder Legislativo. O Golpe teve apoio imediato do Exército e
dos governos estaduais, exceto do governador do Pará, Lauro Sodré, um
jovem militar positivista. Enquanto isso, Custódio de Melo, Floriano econgressistas organizavam o contragolpe. Deodoro ameaçou resistir,
ordenando a prisão de Custódio de Melo, que escapou e sublevou a Esquadra,
ameaçando bombardear o Rio de Janeiro. Diante da iminência de uma guerracivil, Deodoro renunciou e entregou o poder a quem competia
constitucionalmente, ao vice Floriano Peixoto.
8.2.1.3 O Governo de Floriano Peixoto (1891 / 1894)
Floriano assumiu a Presidência da República apoiado numa forte ala militar
florianista e nas oligarquias estaduais antideodoristas, o que lhe deu força
e poder, coisa que Deodoro não possuía. Com sua ascensão ao poder, foisuspensa a dissolução do Congresso e foram depostos todos os governadores
que haviam apoiado o golpe de Deodoro. Floriano julgou necessário governar
pela força, pois eram grandes e muitos os problemas nacionais. Um dosprimeiros que teve de enfrentar foram os protestos da oposição, que não o
consideravam legítimo presidente. Segundo a Constituição de 1891, se o
presidente fosse impedido de governar por alguma razão, antes de terpassado dois anos no poder, deveriam ser convocadas novas eleições. Como
Floriano não convocou, teve de enfrentar as revoltas dos Fortes de Santa
Cruz e de Lages e um manifesto de treze generais.
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Floriano mandou fuzilar o “cabeça” da revolta do Forte de Santa Cruz e
exonerou os treze generais, numa demonstração de força. O Congresso que
simpatizava com o Marechal de Ferro (apelido de Floriano) legitimou seupoder em 1892. Floriano Peixoto teve ainda de enfrentar duas revoltas iniciadas
em 1893: a Revolução Federalista (RS) e a Revolta da Armada (RJ).
Após o advento da República, as lutas partidárias no RS transformaram-senuma violenta guerra civil. O presidente do estado, Júlio de Castilhos,
enfrentava a oposição dos federalistas que queriam a predominância do
poder federal sobre o estadual e a reforma da Constituição gaúcha, que,tendo caráter positivista, possibilitava a ditadura do governo do estado.
Esses federalistas (maragatos) revoltaram-se em fevereiro de 1893 com o
propósito imediato de libertar o RS da tirania de Castilhos (os pica-paus).Os revoltosos se uniram aos participantes da Revolta da Armada, que estava
ocorrendo na mesma época no RJ, mergulhando o país na mais sangrenta
revolução da República Velha. Posteriormente foram derrotados.
Em setembro de 1893, o almirante Custódio de Melo sublevou a Armadaexigindo a imediata reconstitucionalização do país. Depois de bombardear
o Rio de Janeiro, zarpou para o sul e uniu-se aos federalistas que haviam
ocupado Florianópolis, (antiga Desterro) instalando aí um GovernoRevolucionário. A rebelião se propagou com a ocupação do Paraná e o
ataque a São Paulo.
Floriano começou a combater os rebeldes que se asilaram em naviosportugueses, provocando uma questão diplomática com Portugal e o
rompimento de relações com esse país. Com a deposição dos governos
revolucionários do Paraná e Santa Catarina, e a violenta repressão aosrebeldes, a rebelião terminou e o Marechal de Ferro consolidou a República.
No campo econômico a política de Floriano caracterizou-se por uma ação
favorável à classe média e à nascente burguesia brasileira. Com o objetivo
de defender a indústria nacional, Floriano estabeleceu um novo protecionismoalfandegário, isentou o pagamento de taxas alfandegárias para a importação
de máquinas, equipamentos e matérias-primas, e autorizou os empréstimos
para as indústrias. Com tanta força e poder nas mãos, Floriano tinha tudopara permanecer no poder após terminar seu mandato, em 1894, porém
não continuou, pois a Constituição não permitia reeleição.
Capítulo 8 - Principais Batalhas e Vultos do Período da República
231
Nem mesmo a implantação da República devolveu ao Exército as condições
necessárias à defesa do país na eventualidade de uma agressão estrangeira. A
Revolução Federalista e a Revolta da Armada trouxeram graves prejuízos àreorganização e ao reaparelhamento das Forças Armadas.
Com a ascensão de Prudente de Morais, começou uma nova etapa da
República Velha. Foi a fase da República das Oligarquias, caracterizadapelo domínio dos fazendeiros e pelo reinado absoluto do café.
8.2.2 A REPÚBLICA DAS OLIGARQUIAS (1894 / 1930)
As famílias oligárquicas de São Paulo e Minas Gerais, estados de maiorpoder econômico, aglutinaram-se nos Partidos Republicanos Paulista (PRP)
e Mineiro (PRM), que tiveram supremacia política até 1930.
8.2.2.1 O Governo de Prudente de Morais (1894 / 1898)
O primeiro civil a assumir a Presidência da República em 1894, com intensa
agitação política, tanto na capital federal (RJ) quanto no RS, foi Prudente
de Morais. No RS, a agitação política foi marcada ainda pela luta entrefederalistas e castilhistas. A paz na região só foi obtida em 1895, com a
concessão de uma anistia geral por Prudente de Morais. Na capital federal,
a agitação era provocada por manifestações promovidas por adeptos doflorianismo radical, que assumiram posições contra o governo de Prudente.
Uma revolta ocorrida no interior do estado da Bahia, com características
“messiânicas”, trouxe prejuízos políticos para o governo de Prudente deMorais e comprometeu o Exército como instituição nacional: A Guerra de
Canudos (1896 / 1897).
8.2.2.1.1 A Revolta de Canudos
8.2.2.1.1.1 O Início
Antônio Vicente Mendes Maciel, nascido em Quixeramobim, Ceará, em
1826, era membro da famosa família dos Maciéis, sempre em luta com a
dos Araújos – dois clãs cujas violências ensangüentaram e mantiveram empermanente intranqüilidade o interior do estado. Traído pela mulher, Brasilina
de Lima, fez voto de castidade e, dedicando-se à fé da crença católica,
ESAO/CEAD/CAO – HISTÓRIA MILITAR I
232
tornou-se fanático, embrenhando-se pelo sertão em constantes peregrinações
e pregações. Logo tornou-se adorado pelas populações incultas do interior.
Ia, sempre seguido de um grupo de adeptos, de ambos os sexos, atravésdos sertões de Pernambuco, do Ceará, do Piauí, de Sergipe e da Bahia. Ora
parando em fazendas, de cujos proprietários exigia alimentação e pousada
para si e seus seguidores, ora trabalhando como pedreiro no levantamentode muros em cemitérios ou em pequenas barragens de açudes, pouco a
pouco seu prestígio foi crescendo e com ele o número e a disposição de
seus sequazes. E, com o nome de Antônio “Conselheiro”, começou a ficarconhecido. Chegando a Canudos, no interior da Bahia, em 1893, decidiu
fixar raízes.
Deu início, então, ao estabelecimento de um pequeno arraial, que cresceriadesordenadamente, em conseqüência do afluxo, em número cada vez maior,
de fanáticos e de místicos, atraídos pela fama dos milagres de Conselheiro.
Considerando Canudos sua cidadela, independente do restante do país,seus seguidores paulatinamente começaram a praticar desmandos pelas
redondezas, chamando a atenção das autoridades estaduais. O massacre de
uma força policial composta de 30 homens sob o comando do CapitãoVirgílio Pereira de Almeida, em Masseté, levou o governo estadual à ação,
deflagrando a chamada Guerra de Canudos, que durante um ano inteiro
agitou a nova República de Norte a Sul.
Como parecia ser um fenômeno religioso, o Presidente do Estado, LuísVianna, enviou a Canudos Frei João Evangelista do Monte Marciano e Frei
Caetano de São Leo, como observadores (1895), de nada adiantando suas
palavras amenas. Trouxeram, porém, um falso retrato de Conselheiro: inimigoda República.
8.2.2.1.1.2 A Expedição Pires Ferreira
A participação do Exército Brasileiro na campanha de Canudos, a princípiomodesta, aumentou à medida que os contínuos insucessos das expedições
extravasaram o âmbito local e atingia a todo o país. Para enfrentar a ameaça
de saque em Juazeiro, após o fracasso da força policial, o governo doestado da Bahia solicitou ao General Frederico Sólon, comandante do 3º
Distrito Militar, um reforço de 100 homens do Exército.
Capítulo 8 - Principais Batalhas e Vultos do Período da República
233
A 7 de novembro de 1896, utilizando a ferrovia, a força - três oficiais e 104
praças - chegou a Juazeiro. Seu comandante era o Tenente Manuel da Silva
Pires Ferreira, a quem caberia tomar as providências para o cumprimento damissão, após contato com o Juiz de Direito local.
A expedição não estava convenientemente preparada para o cumprimento
da missão, faltando-lhe principalmente apoio. Os problemas locais eramdesconhecidos do Exército, pois o governo estadual, longe de admitir sua
gravidade, minimizava seus efeitos, não permitindo que se revelasse o
verdadeiro quadro da situação.
A chegada do diminuto contingente foi imediatamente comunicada aConselheiro por seus inúmeros partidários. O fato não desanimou a
população. Pelo contrário, estimulou o êxodo iniciado dias antes. O Tenente
Pires Ferreira obteve as mais variadas e contraditórias informações sobre osfanáticos. Até o dia 12 de novembro a força permaneceu retida em Juazeiro,
entre outros motivos, pela dificuldade de obtenção de meios imprescindíveis
ao deslocamento. Cioso da missão que recebera e disposto a cumpri-la dequalquer maneira, o Tenente Pires Ferreira deslocou a tropa em direção a
Uauá, distante 193 quilômetros de Juazeiro, guiado por elementos locais,
na procura dos adeptos de Antônio Conselheiro. Foi uma marcha difícil,realizada em sete dias, através do terreno adverso pelo interior do Nordeste,
onde, além do calor sufocante e da reverberação, havia necessidade de
passar pelas cacimbas, distantes uma da outra às vezes 40 quilômetros.Muito extenuada, a pequena força atingiu o local de destino a 19 de
novembro. Subsistiam as dificuldades de obtenção de informes sobre os
fanáticos. Na manhã seguinte constatou-se o desaparecimento de toda apopulação do lugarejo, que levara consigo haveres e animais, tomando
destino desconhecido, no temor de um iminente confronto de forças.
8.2.2.1.1.3 Ataque
O primeiro encontro efetivo entre o Exército e integrantes do grupo deConselheiro ocorreu quando um bando de 500 jagunços atacou a força
federal em Uauá, a 21 de novembro de 1896.
Aos gritos de “Viva Nosso Bom Jesus! Viva Nosso Conselheiro! Viva aMonarquia!”, os fanáticos lançaram-se com destemor contra a tropa
entrincheirada nas casas. Inferiorizados numericamente, os soldados valiam-
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234
se de seu melhor armamento. Impossibilitados de obter um resultado
satisfatório com as armas de fogo, os místicos, em rasgo de heroísmo
demencial, lançaram-se ao assalto utilizando armas brancas, com incrívelferocidade, encontrando pela frente uma tropa destemida que após quatro
horas de luta lhes causou a perda de 150 homens, fazendo esmorecer seu
ímpeto e, por fim, provocando a retirada dos insurretos.
Ao avaliar sua situação em material e pessoal, considerando o potencial
humano de Canudos, o Tenente Pires Ferreira julgou melhor regressar a
Juazeiro, o que foi feito após o sepultamento dos mortos.
Encerrara-se a primeira participação do Exército na luta contra os fanáticosde Antônio Conselheiro. Ficara evidenciada a disposição de luta dos jagunços,
que no futuro evitariam o embate a peito aberto, preferindo a técnica de
posições protegidas e de ataques furtivos.
8.2.2.1.1.4 A Expedição Febrônio
O insucesso da expedição reacendeu as divergências entre o comandante
militar da área e o Presidente do Estado. O General Frederico Solon,compreendendo a extensão e os perigos que envolviam a insurreição,
afirmava que a força militar deveria ser suficiente para se subtrair às
contingências de “retiradas prejudiciais e indecorosas”. Seus argumentoscontrapunham-se aos do Presidente estadual que, na ansiedade de preservar
a autonomia do Estado, repelia a intervenção militar, que caracterizava a
impossibilidade de manter a ordem pública. As autoridades civis estaduaisprocuravam minimizar a importância dos acontecimentos, considerando “mais
do que suficientes as medidas tomadas para debelar e extinguir o grupo de
fanáticos e não haver necessidade de reforçar a força federal para tal” etambém “não ser numeroso o grupo de Antônio Conselheiro, indo pouco
além de 500 homens”.
O procedimento das autoridades estaduais era fruto da situação política da
época, no início da República, quando as unidades da Federação, ciosas deseu novo status no quadro nacional, mantinham-se rigidamente ligadas às
doutrinas republicanas, sem se aperceberem da possibilidade de agravamento
da situação.
Capítulo 8 - Principais Batalhas e Vultos do Período da República
235
Prevaleceu o ponto de vista estadual. O General Solon foi transferido para
outra comissão.
Paralelamente à polêmica, continuavam as providências de natureza militar,em ambas as facções. Enquanto do lado dos insurretos, levados pelo
fanatismo, desenvolvia-se uma ação comum, destinada a melhorar as
posições de defesa e a aumentar o poderio, por meio da aquisição, docontrabando e do roubo de tudo que fosse necessário, inclusive armamento;
do lado governista a preparação da tropa sofria os efeitos paralisantes das
divergências entre os chefes militar e civil.
8.2.2.1.1.5 Organização da força
Atendendo a ordens do Ministro da Guerra, General Francisco de Paula
Argolo, organizou-se nova força expedicionária, constituída de elementos
do Exército e da Polícia, com 100 e 200 praças respectivamente, sob ocomando do Major Febrônio de Brito que, a 26 de novembro, chegava a
Queimadas.
Simultaneamente, em face dos reveses e da importância da missão, o
comandante do Distrito solicitou reforços de Sergipe e de Alagoas, quepermitissem a realização de uma manobra de cerco com duas colunas.
Malgrado as informações vagas e desconexas sobre os rebeldes e o pequeno
efetivo disponível, o Major Febrônio deslocou-se para Monte Santo,solicitando urgência na remessa de tropas de reforço, a fim de que pudesse
marchar sobre Canudos, mas recebeu ordens do General Solon, preocupado
com seu destino, para que regressasse a Queimadas. Nesta oportunidadeculminaram as desavenças entre os dois chefes, com o resultado já
mencionado. O Ministro da Guerra determinou o avanço da coluna sobre
Canudos, em janeiro de 1897, com o acréscimo de 300 homens do Exércitoe da Polícia, o que elevava o efetivo para 557 praças, além dos oficiais.
Seria a primeira expedição regular contra o arraial, embora cheia de falhas e
cercada de dificuldades; havia muito otimismo sobre a vitória, mas havia
também falta de informações adequadas sobre os jagunços.
Os insurretos, ao contrário, apoiados inclusive por influentes personagens
locais, segundo se dizia, obtinham todas as informações desejadas sobre as
ESAO/CEAD/CAO – HISTÓRIA MILITAR I
236
forças legalistas, tarefa de simpatizantes e espiões com livre trânsito pela
cidade de Monte Santo.
Seguindo pela estrada Monte Santo – Cambaio, a coluna Febrônio defrontou-se, a 16 de janeiro de 1897, com uma posição defensiva dos conselheiristas
na serra de Cambaio. A 18, constatada a impossibilidade de uma ação
frontal, resolveu o comandante manobrar, desbordando a posição, debaixode forte tiroteio, culminando com um assalto às trincheiras dos jagunços,
durante o qual se evidenciou o destemor dos soldados legalistas, arremetendo
bravamente morro acima, em terreno adverso e contra um inimigo fortementeentrincheirado e com boas posições de tiro. Depois de um ataque que teve
cinco horas de duração, com apoio de artilharia, o inimigo foi desalojado da
posição. As forças legais encontravam-se a cinco quilômetros de Canudos.No dia 19, ao iniciar a marcha sobre o arraial, a expedição foi cercada por
mais de 4 mil insurretos que pareciam brotar do chão e que se atiravam de
peito aberto contra as forças legalistas, formadas em quadrados, aos gritosde “Viva o Conselheiro!”.
O número de baixas crescia sem cessar, principalmente do lado dos
revoltosos. A munição da coluna estava escasseando. Fazia-se sentir a
carência de víveres e a fraqueza dos animais de carga, quase sem condiçõespara tracionar a artilharia. O comandante da expedição, em plena luta,
resolveu reunir os oficiais em conselho de guerra para opinar sobre a melhor
alternativa a tomar: prosseguimento da missão ou retirada, em vista dasgrandes dificuldades que se apresentavam. Por unanimidade, lavrada em
ata, optou-se pela segunda alternativa, desde que não fossem abandonados
feridos, equipamento e armamento. Julgou-se também conveniente que osmortos fossem enterrados.
Do debate no conselho ressaltaram os seguintes aspectos:
- os jagunços possuíam elevado número de combatentes cujoconhecimento do terreno e fanatismo compensavam a inferioridadede armamento;
- a ocorrência de baixas entre os rebeldes não lhes arrefecia o ímpeto,
- a força legal não se alimentava desde o dia 17 e estava na iminênciade ter seu estoque de água esgotado; a pequena lagoa existentenas proximidades estava atulhada de cadáveres,
Capítulo 8 - Principais Batalhas e Vultos do Período da República
237
- as dificuldades de suprimento e de remonta agravar-se-iam aindamais, tornando impossível o prosseguimento da ação e, mais tarde,poderiam dificultar a retirada, acarretando a destruição da coluna.
Não obstante os resultados das duas refregas, atestados pelo elevado número
de baixas causadas aos fanáticos, a coluna Febrônio rompeu o cerco e
marchou de volta a Monte Santo. Era um retraimento que se fazia emperfeita ordem, principalmente consideradas as péssimas condições de
suprimento e de remonta.
O insucesso no cumprimento da missão causou grande mal-estar e obteveenorme repercussão, de norte a sul do país. Ainda não bem solidificados os
alicerces e ainda sofrendo o impacto do ataque de monarquistas
inconformados, a jovem República viu crescer desde aí o espectro quepunha em risco sua existência.
8.2.2.1.1.6 A Expedição do Coronel Moreira César
As circunstâncias impunham a organização de nova expedição, melhor
preparada, com a finalidade de extinguir, de vez, o foco sedicioso. Para oempreendimento convidou-se o Coronel Antônio Moreira César, recém-
chegado de Santa Catarina, onde participara das campanhas de pacificação
e onde se destacara na luta contra os revolucionários de 1893. Era ele umdos mais distintos oficiais do Exército. Profissional competente, dedicava-
se ao trato de assuntos puramente militares, o que, além de reforçar-lhe os
conhecimentos, dava-lhe confiança nas decisões. A retidão de caráter, amoral elevada e a altivez, mantinham-no inflexível no caminho do dever.
As experiências resultantes dos insucessos anteriores não foram, entretanto,
devidamente apreciadas, tanto pelo governo federal como pelo comandanteda nova expedição. O governo, apesar de reconhecer a importância da
campanha, negligenciava o fornecimento de recursos adequados; o
armamento (fuzis Mannlicher e Comblain) estava em mau estado e a cadeiade suprimentos não existia.
Moreira César era um chefe impetuoso. Mal chegando a Salvador, em 6 de
fevereiro, partiu no dia seguinte para Queimadas, tendo tomado
conhecimento do adversário somente pelas informações oficiais, desprezandoas experiências anteriores, em especial da coluna do Major Febrônio.
ESAO/CEAD/CAO – HISTÓRIA MILITAR I
238
A expedição era constituída do 7º Batalhão de Infantaria (Major Raphael
Augusto da Cunha Matos) do 9º Batalhão de Infantaria (Coronel Pedro Nunes
Tamarindo) e do 16º Batalhão de Infantaria (Coronel Souza Menezes), alémde um esquadrão do 9º Regimento de Cavalaria (Capitão Álvaro Pedreira
Franco), de uma bateria do 2º Regimento de Artilharia (Capitão José Agostinho
Salomão da Rocha) e de um pequeno contingente da força policial estadual.
No sertão, a vitória dos jagunços sobre a coluna Febrônio eliminou qualquer
dúvida a respeito dos poderes de Antônio Conselheiro, provocando um
afluxo na direção de Canudos, constituído dos mais diversos tipos humanos,desde os pequenos criadores e vaqueiros crédulos até aos sanguinários
facínoras sertanejos. Alguns eram atraídos pelo misticismo, outros buscavam
um abrigo seguro contra a lei.
A 17 de fevereiro, seguiu o Coronel Moreira César com sua expedição emdireção a Monte Santo, onde chegou no dia seguinte, deixando em
Queimadas uma pequena guarnição.
8.2.2.1.1.7 Operações de combate
Em Monte Santo montou-se uma base de operações guarnecida por 80
praças, sob as ordens do Coronel Souza Menezes; Moreira César dirigiu-se
para Rosário, onde acampou no dia 26. A 2 de março, conduziu a colunapara a região de Rancho do Vigário, eqüidistante 20 quilômetros de Rosário
e Canudos. Após um descanso que se fazia necessário, atacou a cidadela (4
de março). Inesperadamente, Moreira César reuniu os oficiais e comunicou-lhes a decisão que tomara de lançar-se de imediato contra o arraial. A
coluna já sofrera a incursão de pequenos grupos de jagunços, afugentados
a tiros. Na mesma tarde ocupou-se a região de Fazenda Velha, de onde aartilharia iniciou o bombardeio. Em seguida, houve o assalto. As tropas
arremeteram com ímpeto e, graças à bravura dos soldados, chegaram a
penetrar em pequena parte do casario.
No emaranhado de vielas e casebres ocorreu a inevitável fragmentação dacoluna atacante, prejudicando a ação de comando das forças, e a luta
passou a travar-se em pequenas frações, recorrendo-se a toda a sorte de
armas, desde as de fogo até facas, punhais, facões e porretes, numa lutaferoz pela posse de cada casa.
Capítulo 8 - Principais Batalhas e Vultos do Período da República
239
Em determinado momento, sentindo a necessidade de uma ação de comando
mais cerrada, já que a tropa estava dispersa pelo povoado, Moreira César
decidiu dirigir-se à frente, recebendo um tiro no ventre. Quando, ainda acavalo, retirava-se para a retaguarda, não sem antes procurar tranqüilizar os
subordinados, foi ferido novamente.
Na falta de um comandante enérgico e com os predicados do CoronelMoreira César, a situação haveria de piorar, apesar da existência de chefes
capazes. Com a aproximação da noite, iniciou-se o retraimento dos atacantes,
que se concentraram novamente em Fazenda Velha.
O estado de ânimo da tropa estava baixo e se agravara com o ferimento docomandante. Assumiu o comando, como mais antigo, o Coronel Pedro
Nunes Tamarindo. Estava recebendo um encargo superior às suas forças.
Moreira César, com ferimentos graves e desconhecendo a extensão dodesastre, insistira para que se fizesse ainda novo ataque: sua insistência se
prolongou até sua morte, ainda naquela noite.
Decidiu-se efetuar a retirada da coluna para Rosário, a fim de reorganizá-la
para realizar outra investida.
8.2.2.1.1.8 A retirada desastrosa
Na madrugada de 4 de março de 1897, quando se iniciava o movimento
para a retaguarda, a coluna foi cercada pelos jagunços e atacada, aos gritos.Tornou-se impossível controlar a tropa que se diluía na caatinga, em busca
de salvação, abandonando tudo. Euclides da Cunha, em Os Sertões, relata
que as peças de artilharia comandadas pelo Capitão Salomão da Rocha,que defendiam a retaguarda, constituíam o único elemento organizado contra
os insurretos. Isolada, no entanto, na região de Angico, a fração foi envolvida
pelos fanáticos, e os artilheiros, combatendo sempre, foram chacinadosjunto dos canhões que não abandonaram.
Sentindo a situação aflitiva na retaguarda da coluna, o Coronel Tamarindo
tentou reunir meios para defender a artilharia. Não o conseguiu, encontrando
também a morte em Angico.
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240
Cessada qualquer resistência organizada, os revoltosos dizimaram os
remanescentes da coluna. Aqueles que não puderam escapar encontraram
morte cruel nas mãos dos fanáticos.
A perseguição prolongou-se até Rosário, ao cair da noite. Os sobreviventes
dirigiram-se a Monte Santo onde, diante da notícia do insucesso, a guarnição
da praça abandonou-a, precipitadamente, deixando grande volume dematerial bélico que foi mais tarde parcialmente recuperado.
8.2.2.1.1.9 A última e bem-sucedida expedição do General Artur Oscar
Se os insucessos das expedições anteriores calaram profundamente no
espírito dos republicanos, o desastre inequívoco da expedição Moreira Césarsignificou, para todo o país, uma grande catástrofe. Havia indignação e
pasmo em toda parte. Eclodiram distúrbios civis no Rio de Janeiro. O desastre
permanecia incompreendido pela maioria. Era preciso uma explicação parafracasso de tal envergadura. As instituições republicanas pareciam estar em
jogo e corriam sério perigo perante a opinião pública, que atribuía ao
movimento de Canudos intuitos restauradores. Na capital baiana asautoridades alarmaram-se com as notícias de um iminente sítio a Salvador
pelos fanáticos que, entretanto, não foram além de Monte Santo.
O governo federal viu-se na contingência de organizar nova expedição e defazê-lo com a máxima urgência. Para comandá-la foi consultado o General
Artur Oscar de Andrade Guimarães, então comandante do 2° Distrito Militar,
com sede em Recife, que respondeu laconicamente com “Sim. Viva aRepública!” e dirigiu-se o mais rápido possível para Queimadas, onde chegou
a 27 de março de 1897.
A nova expedição seria organizada com base nos batalhões que estavam
chegando à Bahia por determinação do Ministro da Guerra, General Franciscode Paula Argollo. De imediato começou-se a preparar 17 Batalhões de
Infantaria, inclusive com os remanescentes do 7°, do 9° e do 16° Batalhões
de Infantaria, que se encontravam em Queimadas em reorganização, maisum regimento de artilharia e uma ala de cavalaria.
O plano do General Artur Oscar previa um duplo envolvimento de Canudos.
Uma coluna sairia de Aracaju, sob o comando do General Cláudio do AmaralSavaget, dirigindo-se a Canudos através de Jeremoabo; a outra coluna, do
Capítulo 8 - Principais Batalhas e Vultos do Período da República
241
General João da Silva Barbosa, operaria a partir de Monte Santo, junto à
qual se deslocaria o comandante em chefe. A junção fora marcada para 27
de junho, em Canudos.
Preparativos para a campanha
A fim de assumir o comando da 2ª coluna, o General Savaget partiu para
Aracaju. Na área já se encontravam:
• a 4ª Brigada, sob o comando do Coronel Carlos Maria da SilvaTeles, constituída pelo 12º, pelo 31º e pelo 33º Batalhões deInfantaria e por um grupamento de artilharia;
• a 6ª Brigada, sob o comando do Coronel Donaciano de AraújoPantoja, constituída pelo 26º e pelo 32º Batalhão de Infantaria epor mais um grupamento de artilharia; e
• a 5ª Brigada, sob o comando do Coronel Julião Augusto de SerraMartins, constituída pelos 34º, 35º e 40º Batalhões.
A par do constante treinamento a que submetia a tropa, o General Savaget
preocupava-se também com o problema do apoio logístico, em face daprecariedade de meio. Foi atribuído ao Coronel Sebastião da Fonseca
Andrade, da Guarda Nacional, o encargo de prover o abastecimento da
coluna até Canudos.
Tudo providenciado, o comando da coluna e a 5ª Brigada iniciaram o
deslocamento a 22 de maio. O restante já se deslocara por brigadas para
Jeremoabo, ponto de concentração para a partida sobre Canudos.
A situação da primeira coluna era satisfatória, em conseqüência da acertadadecisão do General Artur Oscar de estabelecer depósitos em Queimadas e
Monte Santo, com suprimentos adequados ao apoio da expedição, em uma
região carente de todos os recursos. A responsabilidade pelo empreendimentofoi entregue ao Coronel Manuel Gonçalves Campelo França, do Corpo de
Engenheiros, que desde logo se viu a braços com problemas gigantescos.
A deficiência de meios de transporte, a falta de pasto para os animais eoutros fatores adversos cada vez mais dificultavam à primeira coluna alcançar
as metas previstas, inclusive a construção da linha telegráfica, a cargo do
Tenente-Coronel Antônio José Siqueira de Menezes. Não fosse sua
ESAO/CEAD/CAO – HISTÓRIA MILITAR I
242
dedicação, zelo e capacidade de trabalho, não teria sido concluída em junho.
No dizer de Euclides da Cunha:
O Tenente-Coronel Menezes era o olhar da expedição. Oriundo de famíliasertaneja do norte e tendo até próximos colaterais entre os fanáticos, em
Canudos, aquele jagunço alourado, de aspecto frágil, física e moralmente
brunido pela cultura moderna, a um tempo impávido e atilado, - era amelhor garantia de marcha segura. E deu-lhe um traçado que surpreendeu
os próprios sertanejos.
A maior parte da primeira coluna se encontrava em sua zona de reunião.
Compunha-se da 1ª Brigada, sob o comando do Coronel Joaquim Manoelde Medeiros, constituída pelos 7º, 14º e 30º Batalhões de Infantaria,
estacionados em Cumbe; pela 2ª Brigada, do Coronel Inácio Henriques de
Gouveia, com os 16º, 25º e 27º Batalhões; e pela 3ª, do Coronel AntônioOlímpio da Silveira, com o 5º e o 9º Batalhões de Infantaria e o 5ºRegimento
de Artilharia, estacionado em Massacará.
8.2.2.1.1.10 A partida da primeira coluna
Após algumas delongas no aprovisionamento que exigiam a presença do
General Artur Oscar em Queimadas, finalmente a 14 de junho a primeira
coluna iniciou o deslocamento com a 2ª Brigada, partindo de Monte Santo,debaixo de forte aguaceiro. Em dois dias de marcha através do sertão
inclemente, atingiu Caldeirão Grande e aguardou a chegada das outras
duas brigadas.
Nessa ocasião já se sentia a deficiência de víveres, porque a coluna doCoronel Campelo França, que se deslocava à retaguarda, protegida pelo 5º
Corpo de Polícia, ainda não chegara. A situação melhorou em Aracati com
a chegada de alguns cargueiros vindos de Cumbe.
A 25 de junho, a vanguarda atingiu Rosário, quando recebeu as primeiras
notícias da segunda coluna, que se havia deslocado fracionada a fim de
melhor poder aproveitar os recursos locais durante o trajeto; suas facilidadeseram bem superiores às da primeira, não somente na parte de alimentação
como na hospitalidade do povo sergipano.
Capítulo 8 - Principais Batalhas e Vultos do Período da República
243
O último grupamento da segunda coluna, constituído pelo comando e pela
5ª Brigada, chegou a Simão Dias a 27 de maio, de onde na véspera saíra a
4ª Brigada, grande-unidade precursora da coluna, com destino a Jeremoabo,alcançada a 30 do mesmo mês. Finalmente, a 8 de junho toda a 2ª Brigada
se encontrava em Jeremoabo, em boas condições, lá permanecendo até 16
de junho. A partir daí, ocorria uma mudança completa no terreno, quepassava a ser árido e desolado por todo o restante do percurso. Era o
domínio dos fanáticos. No dia 24, a coluna passou por Serra Vermelha,
quando aprisionou dois jagunços. Ao prosseguir, na manhã seguinte, rumoa Cocorobó, a vanguarda (5ª Brigada) teve o primeiro contato com os
fanáticos emboscados nas serranias da região.
8.2.2.1.1.11 Combate de Cocorobó
Este combate teve início com o encontro entre os insurretos e a vanguardada coluna, constituída por um esquadrão de lanceiros, que tentou, mas não
conseguiu, ultrapassar os rebeldes, bem abrigados em linha de trincheiras,
formando um anfiteatro que bloqueava o prosseguimento da tropa.
A brigada que estava na vanguarda avançou e desdobrou-se. Os revoltosos
sustentaram o fogo. Uma companhia do 12º Batalhão de Infantaria,
comandada pelo Capitão Büchele realizou um movimento envolvente,forçando o retraimento dos jagunços para os cerros mais distantes, sem
que deixassem de obstruir o prosseguimento, apesar dos fogos de artilharia.
8.2.2.1.1.12 Carga de baionetas
Urgia uma solução. Após conferenciar com os comandantes das brigadasempenhadas, a 4ª e a 5ª, decidiu o General Savaget conquistar o desfiladeiro
mediante assalto a baioneta, por sugestão do Coronel Carlos Teles. O
dispositivo foi tomado com a 4ª Brigada pela ala direita, a 5ª pela esquerdae o esquadrão de lanceiros pelo intervalo central. Prontas as unidades de
primeiro escalão, comandante e oficiais à frente, ouviu-se o toque de avançar
e juntamente com os demais avançaram o 12º e o 31º Batalhões de Infantariada 4ª Brigada, em direção à várzea, de onde lançaram-se resolutos em busca
do inimigo. Sob uma chuva de fogo, os soldados lograram desalojar os
jagunços, os últimos a ponta de sabre. As alturas de Cocorobó foramconquistadas com 178 baixas, entre as quais o próprio General Savaget,
ferido no ventre. A coluna prosseguiu de Cocorobó a 26 de junho, precedida
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244
pela 4ª Brigada, sofrendo durante todo o trajeto a inquietação dos fanáticos
e sendo obrigada a constantes reações. Naquele mesmo dia, acampou em
Trabubu, a cerca de quatro quilômetros de Canudos, tendo ainda em voltaa jagunçada feroz, que buscava, em arrojadas tentativas, surpreender os
postos avançados, durante a noite.
8.2.2.1.1.13 Deslocamento da primeira coluna
Acampada em Rosário, a primeira coluna tomou conhecimento do combate
de Cocorobó. A 26 de junho, o General Artur Oscar resolveu prosseguir,
mandando comunicar ao General Savaget que no dia seguinte, à tarde,esperava encontrá-lo em Canudos.
O deslocamento foi demorado, principalmente por causa do terreno
acidentado e pedregoso, quando não arenoso. Bem mais atrás, fora da
proteção da 1ª Brigada que seguia à retaguarda, vinha atrasada a coluna doCoronel Campelo França, não esperada em Rosário, devido à preocupação
de refazer a junção com a coluna Savaget, no dia previsto.
8.2.2.1.1.14 Primeiro combate
O contacto inicial da primeira coluna com os jagunços ocorreu às 13 horas,quando o 25º Batalhão de Infantaria foi detido por eles, na região de Angico.
Celeremente a unidade, que vinha na vanguarda e era comandada pelo
Tenente-Coronel Emídio Dantas Barreto, desdobrou-se e engajou-se emcombate. Ao tentar desbordar a posição, os jagunços cederam terreno e a
posição foi conquistada. A partir de Angico a coluna passou a ser
constantemente hostilizada, em particular na região de Emburanas.
Fiel a seu compromisso, o General Artur Oscar prosseguiu o deslocamento
até a região de Favela, a 1.200 metros de Canudos, que foi dominada
somente às 18 horas pelo 25º Batalhão de Infantaria com o apoio do 5ºRegimento de Artilharia. Em face da resistência dos jagunços, a progressão
só se tornou possível graças a cargas de baioneta e ao fogo das armas
individuais. Na região de Favela, à noite, os legalistas estenderam-se peloterreno, em condições de manter o objetivo conquistado, com a 3ª Brigada
à esquerda e a 2ª à direita. A 1ª não alcançou a posição naquela noite.
Capítulo 8 - Principais Batalhas e Vultos do Período da República
245
8.2.2.1.1.15 Atividades da segunda coluna
Em vista da informação de que só mais tarde a primeira coluna chegaria a
Canudos, no dia 26 de junho a segunda coluna acampou em Trabubu, aquatro quilômetros do reduto dos fanáticos; lá passou a noite e na manhã
seguinte continuou a marcha, passando a enfrentar o inimigo, disposto em
posições sucessivas, até o arraial. A 6ª Brigada, na vanguarda, investiasobre as linhas rebeldes e, a cada aumento de resistência, soavam os toques
de carga e os bravos soldados arremetiam contra as defesas interpostas.
Nos combates de Trabubu e Macambira, que terminaram ao anoitecer de
27, o desfalque nas fileiras governistas foi de 150 baixas, incluindo a mortedo bravo Tenente-Coronel Tristão Sucupira de Alencar Araripe. Na noite de
27 para 28, as forças acamparam em Macambira e, enquanto ao longe se
ouvia o canhoneio e a fuzilaria da primeira coluna, ultimavam-se ospreparativos para a investida final sobre Canudos, que não chegou a ocorrer.
8.2.2.1.1.16 O socorro à primeira coluna
Às 8 horas, na iminência de se lançar ao ataque, Savaget recebeu ummensageiro com ordens do comandante-em-chefe para que avançasse
incontinente em auxílio da 1ª coluna, porque a munição estava esgotada e
as perdas em pessoal eram muito grandes; que pelo menos, em últimocaso, mandasse alguma munição.
Confirmada a mensagem, a coluna infletiu para a esquerda e, realizando
marcha de flanco com a 5ª Brigada na vanguarda e tendo seus flancos e
retaguarda fortemente hostilizados, dirigiu-se para Favela, ao encontro da1ª coluna que enfrentava a maioria dos rebeldes conselheiristas.
A coluna Silva Barbosa encontrava-se desde cedo sob o fogo dos insurretos,
cercada em terreno desabrigado, recebendo tiros sem poder vislumbrar osadversários. A cada movimento os rebeldes desencadeavam uma saraivada
de balas que ceifavam inúmeras vidas. Tudo isso era agravado pelo fato de
a coluna Campelo estar cercada em Umburana. Apesar de tenazmentedefendida pelo 5º Batalhão de Polícia, estava impossibilitada de fazer chegar
à frente a tão necessária munição, o que obrigara ao chamamento da coluna
Savaget.
ESAO/CEAD/CAO – HISTÓRIA MILITAR I
246
Depois da junção das duas colunas, a 5ª Brigada deslocou-se para a
retaguarda, rompeu caminho à viva força, conseguiu estabelecer contato
com a coluna Campelo ao entardecer, recuperar a maior parte da muniçãotomada pelos insurretos e retornar à Favela pela madrugada.
Na manhã de 29, houve uma tentativa frustrada da 3ª Brigada de ocupar a
região de Fazenda Velha, que resultou na morte de seu comandante, CoronelThompson Flores, além de inúmeras baixas, deixando a certeza de que não
era o melhor acesso a Canudos. Um ataque de surpresa realizado pelos
fanáticos pelo flanco esquerdo da posição onde se encontravam quatrobatalhões foi repelido à força de baioneta.
8.2.2.1.1.17 O problema de suprimentos continua
A situação da tropa quanto à alimentação era bastante precária. O pouco
que vinha com a coluna Campelo fora perdido. Segundo algumasinformações, os víveres necessários vinham em uma coluna que se
aproximava da área. O General Artur Oscar determinou o deslocamento da
1ª Brigada (7º, 14º e 30º Batalhões de Infantaria) em direção a Rosário, paraauxiliá-la. Antes de chegar a Rosário a Brigada foi emboscada pelos jagunços.
A coluna com os víveres não foi encontrada. O Coronel Joaquim Manoel de
Medeiros decidiu prosseguir até Monte Santo, sem conseguir notícias docomboio. Resolveu então reunir algumas reses e gêneros alimentícios na
localidade, cujos habitantes eram adeptos de Antônio Conselheiro.
Por outro lado, em Favela, a tropa sofria ataque sui generis, desencadeadona manhã de 1º de julho. Um dos grupos, munido somente de alavancas e
marretas, dirigiu-se em direção à artilharia, a que chamavam de “Burra Preta”
ou “Fogo de Rodas”, com o fito de destruí-la, tal o estrago que produzia.Euclides da Cunha, em Os Sertões, diz que “o ódio votado aos canhões que
dia-a-dia lhes demoliam os templos, arrebatara-os à façanha inverossímil,
visando à captura e à destruição do maior deles, o Withworth 32, amatadeira, conforme o apelidavam”. O 31º Batalhão de Infantaria, que
naquele dia protegia as peças, liquidou os atacantes.
O grande problema da força expedicionária era a falta de gêneros, pairando
constante a ameaça da fome. Os jagunços continuavam fustigando osacampamentos de posições dominantes e cobertas. O retorno da 1ª Brigada,
Capítulo 8 - Principais Batalhas e Vultos do Período da República
247
com os parcos recursos obtidos, proporcionou alento à tropa e o comandante
em chefe decidiu realizar, a 18 de julho de 1897, um assalto sobre Canudos.
A coluna atacante, do General Silva Barbosa, ficou constituída pelas Brigadas1ª, 3ª, 4ª, 5ª e 6ª, pela Ala de Cavalaria, pela 4ª Bateria do 5º Regimento de
Artilharia e pelo 5º Batalhão de Polícia. Em Favela, com o General Savaget,
estavam a 2ª e a 7ª Brigadas, além do 5º Regimento de Artilharia.
Escolheram-se como posições de ataque as antigas posições da coluna
Savaget; houve uma intensa preparação de artilharia e mais de 3 mil homens
lançaram-se à conquista da cidade. Era grande a resistência oferecida pelosfanáticos; ela aumentava à medida que os defensores iam sendo comprimidos
contra o casario. As forças governistas também sofriam baixas. Os
comandantes de batalhões procuravam animar os soldados. Percebia-se queo fim se aproximava. O general comandante ordenara mais uma vez o toque
de avançar e carregar. Gritos de entusiasmo e vivas à República ecoavam
por montes e quebradas. Em poucos instantes, de um extremo a outro,numa avançada impetuosa, a linha de atacantes precipitou-se sobre Canudos.
Nada a deteria. No flanco direito, o esquadrão de lanceiros esmagou à
ponta de lança um numeroso grupo de jagunços que, numa manobra dedesdobramento, pretendia investir sobre a retaguarda da força atacante. Os
rebeldes já haviam assimilado as técnicas militares adotadas pelos legalistas.
8.2.2.1.1.18 A Linha Negra. O que aprendemos com a Guerra no Paraguai?
Ao anoitecer foi suspenso o ataque, que conquistara e destruíra cerca de900 casas do arraial, provocando 1.014 baixas. Os soldados entrincheiraram-
se para passar a noite, na expectativa de reação dos insurretos, o que não
ocorreu. As posições conquistadas balizaram à frente uma linha que,aperfeiçoada com o tempo, recebeu o nome de Linha Negra.
A partir de 15 de julho de 1897 tratou-se da reorganização das forças. O
grande número de baixas e a certeza de que haveria ainda sérias resistênciasa vencer fizeram com que o General Artur Oscar telegrafasse ao Ministro da
Guerra, Marechal Carlos Machado Bitencourt, solicitando um reforço de 5
mil homens. Começou-se então a providenciar o envio de mais 12 batalhões.
Enquanto se aguardava a chegada de reforços, o problema de alimentaçãocontinuava atormentando a tropa, obrigando-a a empreender incursões em
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248
busca de alimento, inicialmente nas redondezas e depois cada vez mais
longe, à medida que se iam esgotando os recursos próximos. O abastecimento
de água era crítico; ela provinha de cacimbas cavadas no leito seco do rioVaza-Barris e somente à noite podia ser colhida, se os jagunços não
estivessem com domínio sobre a área.
A 24 de julho, os fanáticos, com grande habilidade e audácia, por trêsvezes tentaram contornar a Linha Negra para atacá-la pela retaguarda. A
reação oportuna impediu o sucesso dos insurretos. Era a última ação ofensiva
deles nesta luta.
As condições precárias de atendimento dos feridos no local exigiam quefossem removidos. Um comboio partiu para Monte Santo conduzindo cerca
de 600, entre os quais o General Savaget. Chegaram ao destino após cinco
dias de sofrida marcha, através da caatinga, sem que os jagunços osimportunassem.
A 15 de agosto de 1897 chegou a Canudos a brigada comandada pelo
General Miguel Maria Girard. Apesar de ter sido emboscada no caminho eter perdido grande parte da carga e das reses, propiciou um reforço de mil
homens, entre eles novos oficiais para substituir os feridos e os mortos.
A situação dos suprimentos, que era incerta, bem como os claros nos
efetivos, impediam o comandante-em-chefe de tomar qualquer decisão arespeito do prosseguimento das operações.
A intensificação dos fogos de artilharia, particularmente sobre as torres da
igreja de Canudos, terminou por derrubá-las, para pasmo dos fanáticos ealegria das forças federais. Os primeiros sinais da derrota já se tornavam
visíveis — era o abandono do arraial por grupos de jagunços em direção de
Uauá e Várzea da Ema.
No dia 7 de setembro, uma força comandada pelo Coronel Olímpio daSilveira, constituída pelo 27º Batalhão de Infantaria e por um contingente
do 5º Regimento de Artilharia com um canhão, realizou um golpe de mão
noturno sobre a posição de Fazenda Velha, conquistando-a e cerrando maiso dispositivo contra o arraial. O término da luta dependia agora do
fechamento do cerco, impedindo a entrada de suprimentos e reforços pelas
estradas de Cambaio, Uauá e Várzea da Ema.
Capítulo 8 - Principais Batalhas e Vultos do Período da República
249
8.2.2.1.1.19 Fechamento do cerco
O Coronel Antônio José de Siqueira Menezes, com os Batalhões 22º e 34º
de Infantaria, conseguira conquistar uma posição fortificada na serra doCambaio, bloqueando mais uma via de acesso aos insurretos.
Um comboio de víveres dos fanáticos foi capturado e os reconhecimentos
realizados constataram a diminuição de 20 quilômetros no percurso para
Monte Santo, utilizando-se a estrada do Calumbi. O Coronel Siqueira, paracompletar o assédio, conseguiu dominar as posições nas estradas para Uauá
e Várzea da Ema. Completara-se o cerco de Canudos. A sorte voltara-se
para as tropas federais. Agravava-se a situação dos sitiados. O Ministro daGuerra, Marechal Carlos Machado Bitencourt, chegou a Monte Santo. Vinha
para remover o restante das dificuldades. Graças a seus esforços foi resolvido
o grave problema dos suprimentos, que tinha prejudicado todas asexpedições.
8.2.2.1.1.20 Assalto final
A 25 de setembro, a linha de cerco, então sinuosa e extensa, foi regularizada
e reduzida, a base de pressões locais. Deste fato aproveitou-se o CoronelSiqueira, em Fazenda Velha, e o Coronel Sotero de Menezes, à frente da
Brigada do Pará, para tentar acabar com a resistência rebelde, atacando o
núcleo central da cidadela. O ataque foi bem sucedido, mas os revoltosos,fortes em torno da igreja, no Santuário e nas imediações, detiveram a
progressão. Os resultados, no entanto, foram proveitosos: os fanáticos
tiveram mais de 300 perdas e cerca de mil casas foram tomadas, permitindosensível redução da área cercada. Ao saber do sucesso da operação, o
General Artur Oscar aprovou-a como fato consumado, embora não a tivesse
previamente autorizado.
A chegada de um novo contingente de forças — 4º, 28º, 29º e 30º Batalhões
de Infantaria — propiciou, juntamente com o 37º e as forças policiais do
Pará, Amazonas e Bahia, a constituição de uma divisão auxiliar, sob ocomando do General Carlos Eugênio de Andrade Guimarães, que comandava
também a 2ª Brigada.
A situação dos insurretos deteriorava-se cada vez mais. Corria a notícia de
que Antônio Conselheiro havia morrido.
ESAO/CEAD/CAO – HISTÓRIA MILITAR I
250
O último ataque governista ocorreu a 1º de outubro de 1897, com as 3ª e a
6ª Brigadas apoiadas pela artilharia e pelas demais forças em posição. Depois
de 20 minutos de preparação, soou o toque de “infantaria-avançar” e, logodepois, o de “carga”. As duas brigadas partiram em direção à igreja nova. A
princípio seu avanço foi facilitado pela ausência de reação, mas
inesperadamente foi bloqueado pela fuzilaria dos defensores, abrigados emfossas e covas. Os fanáticos estavam empenhando na luta mulheres e
crianças.
A 3ª Brigada atingiu o objetivo, conquistando a igreja nova; a 6ª nãoconseguiu alcançá-la, mas tentou envolvê-la. O ataque cessou às 7 horas,
em virtude do grande número de baixas. Por insistência do General Silva
Barbosa, às 13 horas, novos batalhões lançaram-se à luta. Todavia, nestajornada, a mais renhida desde 18 de julho, os insurretos, em número de
500, viram-se encurralados em pequena área, sem possibilidade de se
reabastecerem de água.
Uma nova linha de cerco foi estabelecida. Os defensores, longe dedesanimarem, mantinham-se agressivos, lançando-se em grupos de 10 ou
12 contra as trincheiras, dispostos a perder a vida no combate ou mesmo
entre as chamas que progressivamente iam destruindo as casas restantes.
A 2 de outubro, Antônio, o Beatinho, remanescente dos 12 apóstolos de
Conselheiro, procurou o General Artur Oscar para ajustar condições de
rendição. A informação que recebera era que a rendição seria incondicional.Por fim, depois de indecisões, foi aceita a rendição. Começaram a aparecer
velhos, mulheres e crianças, desnutridos e doentes. Alguns jagunços fanáticos
assassinavam friamente os companheiros que pretendiam entregar-se, comotambém tentaram, à traição, contra a vida de alguns militares.
Após a rendição ainda se ouvia a fuzilaria, de quando em quando interrompida
para que grupos de rebeldes, no último extremo da miséria, viessem render-
se. A redução dos disparos marcava o fim da resistência e quando, a 5 deoutubro, as forças invadiram o reduto final, encontraram somente quatro
sobreviventes, que, intimados à rendição, investiram contra os soldados,
brandindo machados.
Capítulo 8 - Principais Batalhas e Vultos do Período da República
251
Terminara a participação do Exército na defesa das instituições, enfrentando
o fanatismo e o banditismo que durante alguns anos trouxeram a
intranqüilidade ao interior baiano. Cerca de 5 mil homens morreram na luta.
Canudos foi o maior movimento nordestino de resistência à opressão dos
latifundiários. Surgiu nos sertões da Bahia e teve caráter diferente daqueles
que ocorreram nos governos republicanos anteriores. Movidos pelomisticismo e fugindo a miséria provocada pela seca, milhares de sertanejos
reuniram-se em torno de Antônio Conselheiro, que se dizia enviado por
Deus.
A Igreja perdia seus adeptos e os coronéis sua mão-de-obra. O governo,para atender aos interesses destes grupos, resolveu exterminar Canudos,
enviando duas expedições militares.
Prudente de Morais enfrentou uma forte oposição florianista, com muitosdistúrbios no Rio de Janeiro. Os radicais acusaram o governo de fraqueza
na repressão ao movimento dos Canudos.O governo, resolvido a encerrar
de vez o movimento revoltoso, organizou um verdadeiro exército para atacarCanudos. Após intenso bombardeio de artilharia, o arraial não resistiu e
caiu a cinco de outubro de 1897.
8.2.2.1.2 A Política Externa
As questões de fronteira da região de Palmas ou das Missões e a Ilha daTrindade foram situações em que a política externa brasileira conseguiu
sucessos expressivos. A região de Palmas estava situada na fronteira entre
o Brasil e a Argentina, na extremidade oeste dos atuais estados de SantaCatarina e Paraná. Os argentinos alegavam que ela fazia parte das antigas
missões perdidas pelos portugueses para os espanhóis ainda na época
colonial. As partes interessadas se submeteram ao arbitramento internacional.O Barão do Rio Branco defendeu os direitos brasileiros e os EUA nos deu
ganho de causa.
A questão sobre a Ilha da Trindade foi recorrente. Durante o Império haviaum contencioso sobre a posse da Ilha. Em 1895, os ingleses ocuparam a
Ilha de Trindade que fica a 1120 km da costa brasileira sob a alegação de
que o Brasil nunca se havia interessado por ela. Após longas discussões, os
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252
países recorreram ao arbitramento de D. Carlos I de Portugal. A sentença
foi favorável ao Brasil, tendo os ingleses se retirado da ilha.
8.2.2.2 O Governo de Campos Sales (1898 / 1902)
Campo Sales restaurou a situação financeira do Brasil, abalada pela crise do
Encilhamento e pelos enormes gastos das administrações de Floriano e
Prudente de Morais para a pacificação da República. Para restabelecer ocrédito do Brasil no exterior, negociou um acordo com os banqueiros
estrangeiros, o Funding Loan, que permitiu ao Brasil deixar de pagar por
determinado período os juros dos empréstimos e fez um novo empréstimo.
8.2.2.2.1 A Política dos Governadores
A política dos governadores ou política dos estados foi criada por Campos
Sales e consistiu numa troca de favores entre os governadores estaduais
(oligarquias) e o governo federal. Por esse acordo, os grupos políticos quegovernavam os estados deram total apoio ao Presidente da República e, em
troca, o governo federal só reconheceu a vitória dos deputados federais
que pertencessem a tais grupos. Caso um candidato da oposição ganhassea eleição, o governo não reconhecia sua vitória (Comissão Verificadora de
Direitos) e não lhe dava o diploma de deputado. Desta forma, o candidato
não podia exercer sua função de deputado e a oposição ficava impossibilitadade ganhar as eleições. Esse sistema prevaleceu, com interrupção apenas no
governo de Hermes da Fonseca, até o fim da República Velha.
8.2.2.2.2 A Política do Café-com-Leite
As raízes das lideranças paulista e mineira na política brasileira, durante a
República Velha, encontravam-se na própria Constituição Republicana,
promulgada em 1891. A carta determinava a representação proporcional naCâmara dos Deputados. Desta forma SP e MG (estados mais ricos e com
maior população) tinham o maior número de representantes no Congresso
Nacional. Entretanto, sua supremacia política, e que se convencionou chamarde Política Café-com-Leite, só se definiu em suas linhas completas, a partir
da política dos governadores.
Capítulo 8 - Principais Batalhas e Vultos do Período da República
253
8.2.2.2.3 O Coronelismo
Fenômeno social e político, típico da República Velha, embora suas raízes
se encontrem no Império (Guarda Nacional, criada por Feijó em 1831), foidecorrente da montagem de modernas instituições, da autonomia estadual
e do voto universal, sobre estruturas arcaicas baseadas na grande propriedade
rural e nos interesses particularistas. Atuou como elemento político localou regional, cujo poder era maior ou menor de acordo com o número de
votos que controlava (voto de cabresto). Tais votos serviam para assegurar
a vitória de seus candidatos em função das oligarquias estaduais com quemmantinha estreitas ligações. O coronel era o chefe político municipal e a
oligarquia dominava a política estadual, com influência tanto no município
quanto na esfera federal.
8.2.2.2.4 A Política Externa
A questão do Amapá envolveu a França e o Brasil. A França reivindicou um
pedaço do território na região Norte do Brasil. Os Tratados assinados nos
concediam o território, porém a questão reacendeu-se após alguns conflitosentre brasileiros e guianenses. Levados para o arbitramento internacional, o
Brasil e a França se submeteram ao julgamento do Presidente da Suíça, que
confirmou o rio Oiapoque como limite entre Brasil e Guiana Francesa. Coubeao barão do Rio Branco defender os direitos brasileiros.
8.2.2.3 O Governo de Rodrigues Alves (1902 / 1906)
O governo do Presidente Rodrigues Alves foi responsável por um processode urbanização e saneamento público da Capital Federal. O saneamento
ficou a cargo do doutor Oswaldo Cruz, que combateu doenças como a
febre amarela, a peste bubônica e a varíola.Também em seu governo acafeicultura iniciou uma fase de apogeu favorecida pelas determinações do
Convênio de Taubaté, que estabeleceu as bases da política de valorização
do café. Tal medida visou proteger o produto que vinha tendo seus preçosem queda no mercado externo, devido às crises mundiais e à superprodução.
ESAO/CEAD/CAO – HISTÓRIA MILITAR I
254
8.2.2.3.1 A Política Externa
A questão do Acre ocupou o espaço internacional das relações políticas
brasileiras. O Acre, embora pertencente à Bolívia, era habitado em sua maioriapor brasileiros. A Bolívia arrendou o território a uma empresa anglo-americana
que explorava a borracha da região. Na ocasião surgiu na região um
movimento separatista liderado por Plácido de Castro. Foi conseqüênciadas negociações para a entrega do Acre a estrangeiros e do uso da força
para desalojar os seringueiros.
O governo brasileiro entrou em entendimento com a Bolívia e ambos
assinaram o Tratado de Petrópolis. Pelo tratado, assinado em 1903, o Brasilrecebeu o Acre em troca do pagamento de dois milhões de libras para a
Bolívia, bem como do compromisso brasileiro em construir a Estrada de
Ferro Madeira Mamoré, o que dava à Bolívia uma saída para o Atlântico,pela bacia Amazônica. Toda a negociação coube ao Barão do Rio Branco.
8.2.2.4 O Governo de Afonso Pena (1906 / 1909)
A administração de Afonso Pena realizou melhorias na rede ferroviária comoa ligação de São Paulo a Mato Grosso, modernizou as Forças Armadas,
estimulou o desenvolvimento econômico e incentivou a imigração. Entraram
no Brasil aproximadamente um milhão de estrangeiros. Seu lema foi“Governar e povoar”. Sua política econômica teve como objetivo a garantia
da “política de valorização do café”. O Presidente faleceu antes de terminar
o mandato e foi substituído pelo vice Nilo Peçanha.
8.2.2.5 O Governo de Nilo Peçanha (1909 / 1910)
Em seu governo foi criado o Serviço de Proteção ao Índio (SPI), cuja chefia
foi entregue ao General Rondon, que realizou várias expedições pelo norte
de Mato Grosso, onde exerceu intensa atividade indigenista. Outra medidaimportante foi o saneamento da baixada fluminense.
8.2.2.5.1 A Campanha Civilista
Campanha antimilitarista, liderada por Rui Barbosa, pregou a necessidadede reformas políticas e de moralização nas eleições. Essa campanha aconteceu
Capítulo 8 - Principais Batalhas e Vultos do Período da República
255
durante a sucessão de Nilo Peçanha. Nessa ocasião houve o primeiro
rompimento da política Café-com-Leite (com São Paulo apoiando Rui Barbosa
e Minas Gerais apoiando a candidatura do Mal Hermes da Fonseca).
8.2.2.6 O Governo de Hermes da Fonseca (1910 / 1914)
O governo do Presidente Hermes da Fonseca foi marcado por convulsões
sociais e políticas.
8.2.2.6.1 A Revolta da Chibata (1910) e outras revoltas
Em novembro de 1910 eclodiu uma rebelião de marinheiros que, por meio
de João Cândido, sublevou alguns navios da Marinha Brasileira. Essa revolta
foi motivada pelos maus-tratos a que os marinheiros eram submetidos. Ocastigo corporal e a má alimentação eram os principais problemas. Sob a
ameaça de bombardeio da cidade do Rio de Janeiro, Hermes da Fonseca
decretou o fim dos açoites e anistiou os rebeldes. Entretanto, o governo,não respeitando a anistia, decretou a prisão de 22 marinheiros, inclusive
alguns participantes da revolta.
Em 9 de dezembro de 1910 explodiu outra revolta na Marinha (a Revoltados Fuzileiros Navais), desta vez na ilha das Cobras. Contra essa rebelião o
governo reagiu com extremo rigor, bombardeando a ilha mesmo depois da
rendição dos rebeldes.
Hermes da Fonseca elaborou a Política das Salvações, que consistia nasubstituição de velhas oligarquias por políticos e militares de sua confiança.
As “Salvações” que ocorreram em vários estados do nordeste foram feitas
com a intervenção do Exército. Essa política provocou várias revoltas noNordeste, tendo sido o Ceará palco do conflito mais violento, a Revolta do
Juazeiro (1912) liderada pelo padre Cícero Batista, o chefe político mais
respeitado da região. Por motivos políticos, surgiram desentendimentosentre o governo do estado e os partidários do padre, que se levantaram
contra o governador. Para resolver a situação, o governo federal enviou
para a região o coronel Setembrino de Carvalho que passou a governar oCeará como interventor e conseguiu acabar com a revolta.
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8.2.2.6.2 A Guerra do Constestado ( 1912 )
A região do Contestado era uma imensa área disputada pelo Paraná e por
Santa Catarina. No início do século foi ocupada por camponeses edesempregados expulsos de outras regiões por latifundiários e companhias
colonizadoras. A fome e a miséria os uniram na luta pela posse de terras em
torno do “beato” José Maria.
Em defesa dos interesses dos latifundiários e de algumas companhiasestrangeiras, o governo enviou tropas para destruir as “vilas santas” dos
sertanejos de José Maria. A revolta atingiu proporções violentas e, após o
fracasso de algumas expedições, organizou-se uma grande força militar queconseguiu conquistar o reduto sertanejo em 1916 (já no governo de
Venceslau Brás).
A Guerra do Contestado assemelhou-se em quase tudo à guerra de Canudos.Ambas foram lutas de sertanejos esfomeados e miseráveis pela posse da
terra, sob a liderança guerreira e religiosa de “beatos”.
8.2.2.7 O Governo de Venceslau Brás (1914 / 1918)
Seu governo coincidiu com o período da Primeira Guerra Mundial. Foram osseguintes fatores que colaboraram para a entrada do Brasil no conflito:
- a forte vinculação do Brasil com a Inglaterra;
- o prestígio que a França possuía junto aos intelectuais brasileiros;
- a entrada dos Estados Unidos na guerra; e
- o afundamento de navios mercantes brasileiros por submarinosalemães, nas costas francesas.
Tudo isso levou o Brasil à declaração de guerra à Alemanha e seus aliados,
em outubro de 1917.
Em função da guerra o Brasil diminuiu suas importações e a aumentou as
exportações, o que permitiu um surto industrial para substituir as importações.Com o crescimento da indústria no Brasil, cresceu de maneira significativa
o número de operários, que, submetidos a uma política salarial de fome, a
precárias condições de vida e de trabalho, e a falta de organização, passaramà luta reivindicatória por meio de greves. Em seu governo foi resolvida a
Capítulo 8 - Principais Batalhas e Vultos do Período da República
257
questão de limites entre o Paraná e Santa Catarina. Os governos dos dois
estados entraram em acordo sobre a região do Contestado e dividiram entre
si as terras em disputa.
A Primeira Guerra Mundial foi responsável por uma série de mudanças. No
campo econômico, a guerra gerou as condições para o crescimento do
setor fabril brasileiro, promovendo um verdadeiro surto industrial. No camposocial, em conseqüência do desenvolvimento industrial, ocorreu o
desenvolvimento urbano do Sul do país e o fortalecimento relativo da
burguesia industrial, da classe média e do operariado. No campo político,houve pressões da burguesia industrial, que se achava prejudicada pela
política econômica de exclusivo apoio ao setor cafeeiro. Por esse motivo,
reivindicou uma política de proteção e apoio financeiro à indústria. A classemédia, por sua vez, também contestou a Política dos Governadores e o
Coronelismo, já que se sentia roubada em relação às possibilidades de chegar
ao poder via eleições.
Por isso, o governo foi pressionado por reformas eleitorais, moralização naseleições e voto secreto, enfim, uma verdadeira luta para chegar ao poder,
com o operariado reivindicando melhores salários e condições de vida. Aliados
a todas essas contestações e pressões, houve também os movimentosarmados da juventude militar do Exército (Tenentismo) e as dissidências no
seio da classe dominante, provocando o declínio do poder das oligarquias,
notadamente das oligarquias cafeeiras.
O sucessor de Venceslau Brás, Rodrigues Alves, faleceu antes de ser
empossado. O vice eleito, Delfim Moreira, governou de 1918 a 1919, quando
foram realizadas novas eleições.
8.2.2.8 O Governo de Epitácio Pessoa (1919 / 1922)
Acompanhando os rumos da economia do pós-guerra, o Brasil passou para
a dependência dos EUA, onde contraiu empréstimos. Esses empréstimos
foram utilizados na política de valorização do café, em obras contra a secano nordeste, em reformas no Exército e na construção de ferrovias.
ESAO/CEAD/CAO – HISTÓRIA MILITAR I
258
8.2.2.8.1 O Tenentismo (1922 / 1927)
O Tenentismo foi um movimento caracterizado pelo descontentamento entre
a jovem oficialidade do Exército em relação ao supremo domínio oligárquicoe à cúpula do Exército, por eles acusada de estar a serviço das oligarquias.
Os tenentes não se ligaram ideologicamente a qualquer classe social, embora
suas propostas de reformas políticas e de voto secreto coincidissem com aspropostas da classe média. Lutaram para tomar o poder, pois acreditavam
que este era o único caminho para a “salvação do país”.
O movimento se iniciou com a Revolta do Forte de Copacabana, em 05 de
julho de 1922, e prosseguiu com uma série de outras rebeliões em todo oterritório nacional, das quais se destacaram a Revolta dos Libertadores (RS,
1923), a Rebelião Paulista (SP, 1924) e a Coluna Miguel Costa-Prestes, que
percorreu o interior do Brasil entre 1925 e 1927. O Tenentismo, que defendiaa proteção ao homem do campo e a intervenção do Estado no subsolo e
energia, tinha as seguintes características básicas:
- ideal de salvação nacional;
- elitismo;
- nacionalismo mal definido; e
- centralização do Estado.
Sem base militar e sem apoio popular para chegar ao poder, os tenentes seligaram à Revolução de 1930, às oligarquias dissidentes (Getúlio Vargas),
como braço armado da revolução.
8.2.2.8.2 A Revolta do Forte de Copacabana (1922)
A sucessão, dentro do modelo Café-com-Leite, teve a candidatura do mineiroArtur Bernardes apoiada por MG e SP e com o aval do Presidente Epitácio
Pessoa, portanto era uma candidatura situacionista. Em oposição à
candidatura de Artur Bernardes, os estados médios (RS, BA, RJ e PE) searticularam num movimento chamado de Reação Republicana e lançaram a
candidatura de Nilo Peçanha.
A campanha eleitoral tornou-se violenta a partir das acusações de que ArturBernardes fizera referências injuriosas ao Exército e ataques ao Marechal
Hermes da Fonseca, que apoiou Nilo Peçanha. Ao ter feito um
Capítulo 8 - Principais Batalhas e Vultos do Período da República
259
pronunciamento político em nome do Exército, o Mal Hermes, então
presidente do Clube Militar, foi preso e Epitácio mandou fechar o Clube.
Este foi o ponto de partida para que a juventude militar iniciasse a lutaarmada contra as injúrias e contra a corrupção política.
Em 05 de julho de 1922 explodiu a primeira revolta tenentista, a Revolta do
Forte de Copacabana. Os revoltosos foram apoiados por outros fortes e poroficiais da Escola Militar.
Forças fiéis do próprio Exército bombardearam o Forte e sufocaram as demais
rebeliões. No dia 07 de julho de 1922, dezessete oficiais e um civil
enfrentaram as tropas legais, num gesto de repúdio ao governo. Foi o episódiodos Dezoito do Forte.
8.2.2.9 O Governo de Artur Bernardes (1922 / 1926)
Artur Bernardes governou sob constante “estado de sítio” para fazer frenteàs agitações políticas e sublevações de caráter tenentista. Seu mandato foi
marcado por revoltas como as de 1923, no RS, e a de 1924, em SP. Impôs
a Reforma Constitucional de 1926, restringindo os direitos individuais e aLei de Imprensa.
8.2.2.9.1 A Revolta dos Libertadores (RS, 1923)
O líder da oposição gaúcha, fundador do Partido Libertador, Assis Brasil,
pleiteou o governo do estado, mas foi impedido pela quinta reeleição deBorges de Medeiros. Os rebeldes pegaram em armas para impedir a posse
do candidato eleito. Artur Bernardes enviou o Gen Setembrino de Carvalho
(Ministro da Guerra) para pacificar a região. As duas partes assinaram o“Pacto de Pedras Altas”, em 1923, no qual ficou determinado que não
haveria mais reeleição para o governo do estado, o que daria chance para o
Partido Libertador participar da política.
8.2.2.9.2 A Rebelião Paulista (1924 / 1925)
Em 05 de julho de 1924 eclodiu uma nova rebelião tenentista, em São
Paulo, sob a liderança do Gen Isidoro Dias Lopes. Os revoltosos dominarama cidade de São Paulo por 23 dias, pretendendo a deposição do Presidente.
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260
As forças do governo estadual, com reforços federais, forçaram a retirada
dos rebeldes para o interior de São Paulo e do Paraná. Em 1925, nas
proximidades da localidade de Foz do Iguaçu, os rebeldes paulistas juntaram-se com outra coluna revolucionária, a gaúcha, que, sob chefia do capitão
Luís Carlos Prestes, veio do RS. Deste encontro nasceu a Coluna Miguel
Costa-Prestes.
8.2.2.9.3 A Rebelião Gaúcha (1924/1925)
Em 29 de outubro de 1924 sublevaram-se as guarnições militares das cidades
de Santo Ângelo, São Luiz, São Borja e Uruguaiana, lideradas pelo capitãode engenharia do Exército Luís Carlos Prestes, em apoio aos revoltosos
paulistas. Perseguidos por tropas federais e estaduais evadiram-se do estado
do Rio Grande do Sul, juntaram-se à coluna paulista na localidade de Fozdo Iguaçu, dando origem à Coluna Miguel Costa-Prestes.
8.2.2.9.4 A Coluna Prestes (1925 / 1927)
Sob o comando de Miguel Costa e tendo Prestes como chefe de Estado-
Maior, a coluna percorreu aproximadamente 24.000 km pelo interior doBrasil, perseguida constantemente pelas forças legais, utilizando o combate
de guerrilha. A marcha da Coluna Miguel Costa-Prestes representou o
movimento máximo do Tenentismo e seu objetivo era conscientizar apopulação brasileira e instigá-la contra as estruturas políticas vigentes. Em
fevereiro de 1927, os últimos remanescentes da coluna internaram-se na
Bolívia.
8.2.2.10 O Governo de Washington Luís (1926 / 1930)
A exemplo de Afonso Pena, cujo lema foi “Governar e povoar”, Washington
Luís escolheu para simbolizar sua administração a frase “Governar é abrirestradas”. Das realizações mais importantes destacaram-se a construção
das rodovias Rio-São Paulo e Rio-Petrópolis. A política cafeeira governamental
afastou do Presidente o apoio de uma parte apreciável da oligarquia cafeeira.Washington Luís se negou a prestar auxílio ao setor cafeeiro, que se arruinava
devido às novas crises de superprodução e aos efeitos da crise mundial de
1929.
Capítulo 8 - Principais Batalhas e Vultos do Período da República
261
Essas crises arruinaram as oligarquias cafeeiras, que já sofriam pressões da
burguesia industrial, da classe média urbana, do operariado e das oligarquias
dissidentes de vários estados, que pretendiam o controle do poder políticodo Brasil. Arruinadas e enfraquecidas pela crise mundial, os cafeicultores
foram derrubados do poder, em 1930, por uma revolução liderada por Getúlio
Vargas.
8.2.2.10.1 A Revolução de 1930
Fatores políticos e econômicos colaboraram para a eclosão da revolução.
Dentre os políticos, apontam-se:
• o coronelismo, que foi prejudicial à democracia porque os coronéisinterferiam nas eleições, obrigando seus subordinados a votar noscandidatos que determinavam (voto cabresto);
• o Movimento Tenentista; e
• o sistema eleitoral manobrado pelos coronéis, subordinados àPolítica dos Governadores, baseado na fraude.
Como fatores econômicos, destacam-se superprodução de café e o colapso
da economia americana (crise mundial de 1929).
Por intermédio do entendimento entre a Frente Única Gaúcha e o governadorde Minas Gerais criou-se a Aliança Liberal que lançou Getúlio Vargas como
candidato à Presidência da República. O Presidente Washington Luís apoiava
o paulista Júlio Prestes. Júlio Prestes venceu e a Aliança Liberal consideroufalsas as eleições, que lhe foram desfavoráveis, surgindo a revolução em
outubro de 1930. A revolta eclodiu no RS. Seguindo-se a do Nordeste.
Os tenentes foram aproveitados pelas oligarquias dissidentes, por sua
experiência revolucionária, como braço armado da revolução. Em apenastrês semanas, a revolução estava vitoriosa. Washington Luís foi deposto
em 24 de outubro de 1930.
Uma Junta de Governo, composta pelos generais Tasso Fragoso, MenaBarreto e pelo almirante Isaias Noronha, ocupou o poder após a deposição
de Washington Luís entregando o governo a Getúlio Vargas. Depois que
assumiu o poder, Getúlio Vargas dissolveu o Congresso Nacional e todosos órgãos legais estaduais e municipais. Implantou uma centralização política
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262
que o Brasil não tivera desde o tempo do império, colocando interventores
à frente dos governos estaduais.
As garantias constitucionais foram suspensas até que uma AssembléiaConstituinte elaborasse uma nova Constituição para o Brasil. A Revolução
de 1930 derrubou as velhas instituições políticas da República Velha dando
origem à República Nova ou Era Vargas.
8.3.A REPÚBLICA NOVA OU ERA VARGAS (1938 / 1945)
8.3.1 O GOVERNO PROVISÓRIO (1930 / 1945)
Getúlio Vargas assumiu o governo com poderes extraordinários, reforçandolentamente seu poder pessoal até que, em 1937, instituiu uma ditadura
fascista no Brasil. A concentração de poderes nas mãos de Vargas
representou a destruição do poder das oligarquias estaduais, o contrário doque aconteceu na República Velha.
Getúlio Vargas governou sem Constituição até 1934, exercendo os poderes
Executivo e Legislativo. Determinou, além da dissolução do CongressoNacional, a das Assembléias Legislativas estaduais e das Câmaras municipais.
8.3.2 A REVOLUÇÃO CONSTITUCIONALISTA DE 1932 (SP)
A Revolução Constitucionalista de 1932 foi uma das primeiras e mais
importantes reações contra a nova ordem política instaurada pela Revoluçãode 1930. Com esse movimento, as elites paulistas, tentaram retomar o
controle político que haviam perdido.
Os fatores mais evidentes que provocaram a Revolução Constitucionalistade 1932 em SP foram:
- inconformismo de setores políticos ligados aos grupos econômicosmais poderosos de São Paulo, por verem enfraquecida sua influênciano governo da República;
- o problema político da nomeação dos interventores em São Paulo —os paulistas queriam um interventor civil e natural de São Paulo; e
- interesses na reconstitucionalização do regime, que resultaria nademocratização do país.
Capítulo 8 - Principais Batalhas e Vultos do Período da República
263
Em maio de 1932, realizou-se na cidade de São Paulo um ato de protesto
contra o governo. A reação contra um grupo de estudantes resultou na
morte de quatro manifestantes cujas iniciais formaram a sigla MMDC(Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo), transformada em símbolo da
revolução. A revolução armada explodiu a 09 de julho de 1932. O controle
geral da revolução ficou sob o encargo do general Isidoro Dias Lopes e ocomando das forças revolucionárias com o general Bertholdo Klinger.
São Paulo contava inicialmente com o apoio dos rebeldes mineiros liderados
por Artur Bernardes e dos rebeldes gaúchos liderados por Borges de Medeiros.Ambos foram presos pelas forças legais. Perdendo seus aliados, não
possuindo condições bélico-militares, acusado de fazer um movimento
separatista, São Paulo se rendeu para as forças federais. A revolução durouapenas três meses.
Pode-se concluir que a Revolução Constitucionalista de 1932, embora tendo
sido um fracasso do ponto de vista militar, foi um sucesso do ponto de
vista político, pois, em 1933, Getúlio Vargas promoveu eleições para aAssembléia Constituinte, responsável pela elaboração de uma nova
Constituição, promulgada em 1934.
8.3.3 A CONSTITUIÇÃO DE 1934
A Constituição promulgada em julho de 1934 manteve o espírito da
Constituição de 1891, mas apresentou características próprias. Foi
influenciada pela Constituição alemã de Weimar. Era uma Carta liberal enacionalista e estabelecia o seguinte:
- regime presidencialista e federativo (como a de 1891);
- extinção do cargo de Vice-presidente;
- voto secreto;
- voto feminino;
- representação classista entre os deputados;
- três poderes (como a de 1891): Executivo, Legislativo e Judiciário;
- instituição do mandato de segurança;
- nacionalização das empresas estrangeiras de seguros;
- instituição do salário mínimo;
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264
- exploração de minas e de fontes de energia hidrelétrica feita apenaspor brasileiros;
- obrigação às empresas estrangeiras de manterem, no mínimo, doisterços de empregados brasileiros;
- ensino primário obrigatório e gratuito;
- restrição à imigração (visou principalmente aos japoneses); e
- poder Legislativo formado pelo Senado e pela Câmara.
8.3.4 O GOVERNO CONSTITUCIONAL (1934 / 1937)
O período do governo constitucional de Vargas foi uma fase marcada pelo
choque entre duas correntes ideológicas, influenciadas por ideologias deorigem européia: a Ação Integralista Brasileira (AIB) e a Aliança Nacional
Libertadora (ANL). A Ação Integralista Brasileira se originou em São Paulo,
em 1932, e caracterizou-se pela ideologia e métodos fascistas. Invocando abandeira de luta contra o “perigo comunista”, conseguiu congregar
elementos das altas camadas sociais, do alto clero e da cúpula militar.
Pretendia um “Estado Integral” ditatorial com um só partido. Tinha comotema a trilogia: “Deus, Pátria e Família”.
A Aliança Nacional Libertadora surgiu como um movimento de frente popular
e, agregando os partidos de esquerda, teve a ativa participação de comunistas.Pregava o combate ao fascismo. Congregou elementos dos mais diferentes
escalões, desde operários até algumas patentes militares. Propunha a reforma
agrária, a constituição de um governo popular, o cancelamento das dívidasexternas e a nacionalização de empresas estrangeiras.
8.3.5 A INTENTONA COMUNISTA DE 1935
O “medo à subversão vermelha” e os discursos extremados de Luís Carlos
Prestes levaram o Congresso Nacional a promulgar uma lei de SegurançaNacional, para que o governo pudesse reprimir a ação da ANL. A propagação
das idéias da ANL já havia atingido oficiais e sargentos do Exército e da
Marinha. Invadindo o QG da ANL, em julho de 1935, e confiscando seusdocumentos, o governo pôde acusar o movimento de ser financiado pelo
comunismo internacional.
Capítulo 8 - Principais Batalhas e Vultos do Período da República
265
A prisão de alguns líderes, o fechamento da ANL e a impossibilidade de
chegar legalmente ao poder levaram a ala mais radical da ANL a uma rebelião
armada, em novembro de 1935, que ocorreu quase que simultaneamenteem Natal, Recife e Rio de Janeiro, “a Intentona Comunista”. O golpe
comunista não foi bem coordenado, o que facilitou a ação repressiva do
governo. A vitória do governo trouxe como resultado um maior esforço dopoder central. Vargas saiu fortalecido e decretou o estado de sítio, que se
prolongou até 1937.
8.3.6 O GOLPE DE 1937 — A INSTAURAÇÃO DO ESTADO NOVO
Em 1936, em meio à intensa agitação política, planejava-se a eleição
presidencial que deveria se realizar em janeiro de 1938. Getúlio Vargas, que
não pretendia deixar o governo, preparou um golpe de estado, no que foiapoiado pelos generais Góes Monteiro e Dutra. Como pretexto para o golpe,
o governo utilizou um documento elaborado pelos integralistas, que
denunciava um plano comunista para tomar o poder através do assassinatode grandes personagens da política nacional. Foi o Plano Cohen.
Diante da “radicalização comunista”, Getúlio conseguiu do Congresso o
decreto de Estado de Guerra (Emenda 1ª à Constituição de 1934). O golpe
teve seu desfecho em 10 de novembro de 1937. O Congresso foi fechado.Getúlio fez uma proclamação ao povo, justificando a necessidade de um
governo autoritário. Uma nova Constituição, que já estava sendo preparada,
foi outorgada. A eleição de 1938 não se realizou. Desta forma nasceu oEstado Novo.
8.3.7 O ESTADO NOVO (1937 / 1945)
A Constituição de 1937 baseava-se principalmente na Constituição polonesa,cuja característica principal era um governo forte. A nova Constituição
(Polaca) foi outorgada no mesmo dia do golpe, 10 de novembro de 1937.
Seus principais pontos foram os seguintes:
- um Estado autoritário, com absoluta centralização do poder;
- suspensão da autonomia dos estados, dando ao Brasil característicasde Estado unitário;
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266
- eleição indireta do Presidente para um mandato de seis anos, dando-lhe o poder de dissolver o Congresso, reformar a Constituição,controlar as Forças Armadas e legislar por decretos.
- autorização para o chefe de governo centralizar os poderes Executivo,Legislativo e Judiciário, o que dava à Constituição característicasditatoriais e fascistas.
Por um decreto de dezembro de 1937 extinguiram-se todos os partidos
políticos, inclusive a Ação Integralista Brasileira, cujos membros, que já se
julgavam donos do poder, romperam com o governo. Em maio de 1938, osintegralistas tentaram um golpe, conseguindo o apoio de alguns militares
inimigos de Getúlio Vargas. A tentativa de golpe foi frustrada e o chefe
integralista, Plínio Salgado, convidado a deixar o país. O governo, preocupadocom o problema da Segurança Nacional criou, em janeiro de 1941, o
Ministério da Aeronáutica.
Getúlio institucionalizou o Departamento Administrativo do Serviço Público(DASP) que serviu para ampliar seus poderes mediante rígido controle da
administração. O Estado Novo elaborou, em 1943, a Consolidação das Leis
Trabalhistas (CLT) que sistematizou a legislação trabalhista, concretizandoas principais reivindicações dos trabalhadores: jornada de 8 horas, férias
remuneradas, aposentadoria, indenização por dispensa sem justa causa etc.
No campo econômico, o Estado Novo promoveu a diversificação agrária,incentivando a policultura. Em São Paulo se expandiu a produção de algodão
com a aplicação dos capitais que antes eram dirigidos para o setor cafeeiro.
Favorecida pela Segunda Guerra Mundial e pela conseqüente redução das
importações de manufaturados; pela diversificação agrária, com a produçãoabundante de matéria-prima, principalmente algodão; e por outros fatores;
a industrialização no Brasil sofreu um grande impulso a partir de 1940. Por
meio de um empréstimo norte-americano, foi construída a primeira indústriade base no Brasil — a Companhia Siderúrgica Nacional. Criou-se também,
com o auxílio de capitais externos, a Companhia Vale do Rio Doce, dentro
da política do governo de aumentar os investimentos estatais no plano dainfra-estrutura.
Capítulo 8 - Principais Batalhas e Vultos do Período da República
267
8.3.8 O BRASIL E A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL
Durante os primeiros anos da Segunda Guerra, o governo do Estado Novo
não tomou posição definida, mantendo neutralidade.
Em janeiro de 1942, depois da Conferência de Chanceleres Americanos, ogoverno rompeu relações diplomáticas com as nações do Eixo, permitindo
a instalação de bases navais e aéreas no Nordeste do Brasil. Em agosto de
1942, o afundamento de navios brasileiros levou o Brasil a declarar guerraao Eixo.
Em 1943, a Marinha e a Força Aérea realizavam o patrulhamento da costa
brasileira e do Atlântico Sul. Ainda em 1943, foi enviada para a Itália umaesquadrilha da FAB. Em julho de 1944 partiu para a Itália o primeiro escalão
da Força Expedicionária Brasileira (FEB).
O Brasil declarou guerra à Alemanha e à Itália em 22 de agosto de 1942 e já
em 27 do mesmo mês reuniu-se pela primeira vez a “Comissão Militar Mistade Defesa Brasil-Estados Unidos” em Washington, deliberando sobre como
seria a participação militar do Brasil na guerra, destacando-se:
- o envio de um Corpo de Exército (CEx), a três Divisões de Infantaria(DI), mais os elementos de apoio, à África ou à Europa;
- as unidades teriam organização igual às adotadas pela doutrinamilitar norte-americana (NA);
- o envio de uma Força Aérea Expedicionária;
- o fornecimento de material bélico e artigos de subsistência seriapor Lend Lease, com 50% do material de uma DI entregues noBrasil para treinamento;
- a participação de oficiais brasileiros em estágios de instrução nosEUA;
- o envio de militares norte-americanos como instrutores para o Brasil;
- a justiça militar funcionaria de acordo com as leis brasileiras.
Em fevereiro de 1943, o Presidente norte-americano Franklin DelanoRoosevelt, retornando de visita a Casablanca, no norte da África, esteve
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268
em Natal acompanhado do Presidente Getúlio Vargas, ocasião em que
ratificaram os acordos de guerra entre Brasil e Estados Unidos.
A 9 de agosto de 1943, foi ordenada a organização da 1ª Divisão de InfantariaExpedicionária (1ª DIE) e das outras duas DIE, em 07 de janeiro de 1944. A
organização das outras duas DIE foi cancelada após o embarque do 1º
Escalão da FEB para a Itália em julho do mesmo ano.
8.3.8.1 A Organização da FEB
Foi designado Comandante da FEB, cumulativamente com o comando da
1ª DIE, o Gen João Batista Mascarenhas de Moraes, tendo a FEB ficado
constituída da 1ª DIE e dos Órgãos Não-divisionários (OND).
Os OND eram: a Inspetoria Geral, o Estado-Maior na Zona de Interior, a
Seção de Saúde, a Agência do Banco do Brasil, a Pagadoria Fixa, a Seção
da Base Brasileira, o Depósito de Intendência, o Depósito de Pessoal, oServiço Postal e as Seções de Justiça. O Inspetor Geral foi o General Olímpio
Falconiére da Cunha.
A 1ª DIE foi organizada conforme o modelo norte-americano, ficando assim
constituída: Tropa Especial, Infantaria Divisionária, Artilharia Divisionária,Batalhão de Engenharia, Batalhão de Saúde.
A Tropa Especial era constituída basicamente de Elementos de Apoio,
destacando-se o enquadramento de um Esquadrão de Reconhecimento.Por constituírem novidades na estrutura organizacional divisionária brasileira,
muitos tiveram que ser especialmente criados. O Boletim do Exército 16, de
23 de agosto de 1943, que divulgou a organização da FEB, previa a criaçãode novas unidades: 1º Esquadrão de Reconhecimento Moto Mecanizado,
Companhia de QG da 1ª DIE, Companhia de Manutenção, Companhia de
Intendência, Pelotão de Polícia Militar (teve por base elementos da ForçaPública de São Paulo), Companhia de Comando, Banda de Música
Divisionária, Companhia de Transmissões e Destacamento de Saúde.
A Infantaria Divisionária (ID) da 1ª DIE, que ficou sob o comando do General
Euclides Zenóbio da Costa, tinha um efetivo total previsto de 9796 h ecompunha-se de três Regimentos de Infantaria (RI) a 3250 h cada, sendo
esses compostos de uma Cia Cmdo, uma Cia Saúde, uma Cia Sv, uma Cia
Capítulo 8 - Principais Batalhas e Vultos do Período da República
269
de Obuses (seis obuses 105 mm), uma Cia Can AC (nove Can AC 57 mm) e
três Batalhões de Infantaria (871 h cada) compostos de uma Cia Cmdo,
uma Cia de Petrechos Pesados (Mtr .30, Mtr .50 e Mrt 81 mm) e três Ciasde Fuzileiros (193 h cada). Os três RI eram o 1º RI do Rio de Janeiro
(Regimento Sampaio), o 6º RI de Caçapava (Regimento Ipiranga) e o 11º RI
de S.J. Del Rei (Regimento Tiradentes).
A Artilharia Divisionária (AD) estava composta de uma Bia Cmdo, um Dstc
Saúde, com valor efetivo de 50 h; um Grupo de Obuses autorrebocados de
155mm, composto de uma Bia Cmdo, uma Bia Sv e três Bias de Obuses,totalizando uma dotação de 12 obuses 155mm; e três grupos de obuses
105 mm, a uma Bia Cmdo, uma Bia Sv e três Bias de obuses 105 mm,
totalizando 12 obuses 105 mm por grupo, ou seja, 36 obuses de 105 mm,osquais, somados aos das Cias de Obuses dos RI totalizava 54 obuses de 105
mm na Divisão. Compunha ainda a AD uma Esquadrilha de Ligação e
Observação ( ELO ), dotada de 10 aeronaves “Piper Cub L. 4H ”. O GeneralOswaldo Cordeiro de Farias foi designado Cmt AD.
A Engenharia da FEB foi composta de um Batalhão de Engenharia ( 9º
Batalhão de Engenharia de Aquidauana - Mato Grosso ), o qual era composto
de 1 Cia Cmdo Sv, 1 Destacamento de Saúde e 3 Cia Eng. O Batalhão deSaúde foi composto de 1 Cia de Triagem e 3 Cias de Evacuação.
É interessante notar que a 1ª DIE já adotava para sua organização as
modificações decorrentes dos ensinamentos colhidos pela missão brasileira dereconhecimento na África do Norte, fazendo-se assim diferente da organização
norte-americana de 1942, ano em que aquele país entrou na guerra.
Com a organização e os meios de que dispunha, a mobilidade tática da 1º
DIE, assegurada por 1410 viaturas, possibilitava o deslocamento de 1/3 deseu efetivo, um Grupamento Tático (GT), tendo condições de cumprir as
seguintes missões:
- realizar operações contra elementos terrestres de qualquer naturezae aéreos, em vôo baixo, em operações de pequena envergadura;
- atacar qualquer objetivo terrestre numa frente normal de 3000 metrospor RI;
- defender num setor de 2500 a 5000 metros por RI;
- realizar pequenas operações de transposição de cursos de água.
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8.3.8.2 O Comando da FEB
Os Generais da FEB cujas funções foram citadas anteriormente eram o General
João Batista Mascarenhas de Moraes, o General Olímpio Falconiére da Cunha,o General Euclides Zenóbio da Costa e o General Oswaldo Cordeiro de
Farias. Os oficiais do Estado-Maior eram antigos e conceituados instrutores
da Escola de Estado-Maior:
- Ch EM - Cel Floriano Lima Brayner;
- E1 - T Cel Thales Moutinho da Costa (depois, T Cel João da CostaBraga Jr.);
- E2 - T Cel Amaury Kruel;
- E3 - T Cel Humberto da Alencar Castelo Branco (depois, T CelAdhemar de Queiroz e Maj Hélio Peres Braga);
- E4 - Maj Aguinaldo Senna Campos.
Todos os Comandantes de Unidades eram possuidores do Curso de Estado-Maior e já tinham experiência de comando, estando exercendo essas
funções. Os Cmt das Unidades eram:
- 1º RI – Cel Aguinaldo Caiado de Castro;
- 6º RI – Cel João Segadas Viana (depois, Cel Nelson de Melo);
- 11º RI – Cel Delmiro Pereira de Andrade;
- I / 1º ROAR – Ten Cel Waldemar Levi Cardoso;
- II / 1º ROAR – Cel Geraldo da Camino (depois Ten Cel E. MaurelFilho);
- I / 2º ROAR – Cel José De Souza Carvalho;
- I / 1º RAPC - Ten Cel Hugo Panasco Alvim.
- 9º BE – Cel José Machado Lopes.
- 1º BS - Ten Cel Bonifácio Antonio Borba.
A mobilização do comando subordinado constituiu um sério problema,
principalmente porque o quadro de capitães de então estava envelhecido.
Desta forma, foram comissionados no posto de Capitão, jovens 1º Tenentesdas turmas de 1936 e 1937. Renovaram-se assim os quadros, com as
desvantagens de se ter capitães inexperientes, salvo poucas exceções, e,
ainda, sem possuírem o Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais.Tal medida
Capítulo 8 - Principais Batalhas e Vultos do Período da República
271
obrigou a convocação de Tenentes e até mesmo Aspirantes recém-formados
na Escola Militar para o comando de pelotões, esbarrando-se novamente no
problema da inexperiência.
Com relação ao emprego de Oficiais R2 observe-se o quadro a seguir:
Assim sendo, de acordo com Manoel Thomaz Castelo Branco, “A FEB ficouentregue ao tirocínio e à prudência dos chefes e ao entusiasmo dos subalternos.”
8.3.8.3 A Mobilização
A mobilização dos efetivos da FEB esbarrou em problemas de difícil solução,alguns acabaram se tornando ensinamentos para reformas no sistema de
mobilização após a Segunda Guerra Mundial. Resumidamente foram:
- reserva desprovida de pessoal especializado para fazer face aosnovos armamentos e equipamentos de transporte, guerra química,comunicações, engenharia etc.;
- alta percentagem de incapazes para o serviço (em especial deproblemas dentários e psicológicos), levando ao abrandamento doscritérios de seleção e a conseqüências indesejáveis;
- a seleção intelectual deixou a desejar em diversos aspectos, comcentenas de analfabetos tendo sido incorporados, não atendendoàs necessidades de pessoal para lidar com equipamentos sofisticados,o que exigia nível intelectual mais elevado;
- rodízios e substituições excessivos dos elementos incorporados,sobrecarregando a administração e retardando a instrução;
- interesses pessoais em jogo (fundo afetivo e emotivo);
- falta de preparação psicológica do país para a guerra – o povo nãochegou a compreender bem as causas que levaram seus filhos aparticiparem de uma campanha externa.
ESAO/CEAD/CAO – HISTÓRIA MILITAR I
272
8.3.8.4 A Concentração
Inicialmente a concentração da FEB estava prevista para a cidade de Resende,
entretanto acabou se efetuando em diferentes pontos da cidade do Rio deJaneiro, ocupando instalações de quartéis já existentes (sem desalojar as
unidades que já as ocupavam) ou em quartéis construídos emergencialmente.
Tal situação gerou importantes óbices:
- quartéis com acomodações para 2000 h receberam 3500 h, criandoum ambiente interno desagradável;
- a disciplina ficou prejudicada pelo congestionamento da tropa, pelaameaça de grupos de pressão e pela propaganda desagregadora edifamatória da 5ª coluna;
- a instrução ficou prejudicada pelas constantes visitas de autoridadesbrasileiras e norte-americanas;
- a proximidade da zona de concentração com os subúrbios e o fácilacesso a São Paulo e Minas Gerais levavam às constantes fugas desoldados desejosos de rever suas famílias, após longos períodos deinstrução sem dispensas.
8.3.8.5 A Instrução no Brasil
A Diretiva Geral de 27 de dezembro de 1943 do Comandante da FEB previa
que a instrução no Brasil seria desenvolvida da seguinte forma:
[...]
II - 1º PERÍODO DE INSTRUÇÃO
1º - Subseqüente à fase de reorganização de alguns corpos e àformação de outros, haverá o 1º período de instrução da D.I.E..
2º - Este período – 10 de janeiro a 1º de junho de 1944 –comportará, em princípio, duas fases.
III – OBJETIVOS DA INSTRUÇÃO
A – INSTUÇÃO DA TROPA
1º - Para a 1ª Fase
Capítulo 8 - Principais Batalhas e Vultos do Período da República
273
Depois de terminada a revisão aprofundada da instrução individual,o objetivo principal deve consistir no adestramento e emprego dasfrações elementares da Arma.
2ª - Para a 2ª Fase
O objetivo principal consiste no adestramento e emprego daSubunidade de cada Arma, fazendo-se também este no âmbito daUnidade imediatamente superior.
O Esquadrão de Reconhecimento e a Companhia de Transmissões,nesta fase, não devem ultrapassar o emprego de suas fraçõesconstitutivas.
3º - Objetivo particular do 1º Período
No fim deste período, os Corpos já devem ter estabelecido umasituação homogênea de instrução para todos os seus elementos.
[...]
A instrução comportaria:
1) instrução comum;
2) aperfeiçoamento e instrução dos graduados;
3) instrução peculiar a cada arma ou serviço;
4) formação de especialistas;
5) instrução da tropa.
No que se refere à Instrução Comum, tomamos as palavras do Marechal
Mascarenhas de Moraes em seu livro “A FEB pelo seu Comandante”: “o
adestramento militar teve que começar pelo que havia de mais elementarna instrução individual.”, as quais bem definem a situação altamente
desfavorável vigente.
O problema crucial para a instrução dos quadros da FEB ficou bem retratadopela observação de Manoel Thomaz Castelo Branco em sua obra O Brasil na
Segunda Grande Guerra:
Cada oficial ou graduado trazia suas convicções, sua bagagemcultural, seus hábitos (decorrentes da doutrina militar francesaadotada pelo EB desde a I GM), de modo que não foi simplesdesfazer-se desse lastro em proveito do outro (a recém-adotadadoutrina militar americana).
ESAO/CEAD/CAO – HISTÓRIA MILITAR I
274
De modo a superar a carência quase completa de especialistas na reserva
convocada, foram executados cursos de instrução especializada no âmbito
da FEB, no Centro de Instrução Especializada, para: motoristas, mecânicosde automóvel, enfermeiros, operadores e mecânicos de rádio, telegrafistas,
telefonistas, cozinheiros etc. Mesmo assim, as necessidades não foram
totalmente cobertas e muitas unidades combateram sem alguns de seusespecialistas, substituídos por curiosos ou práticos.
No tocante à instrução da tropa, notas de instrução sobre a Doutrina de
Emprego do GT foram elaboradas e distribuídas, já que o aprendizado e aperfeita compreensão do emprego desse novo aspecto da Doutrina Militar
foram uma preocupação constante do comando da FEB. Tal preocupação
possibilitou a absorção de diversos ensinamentos a respeito da Divisão deInfantaria, conforme descrito a seguir:
- A DI é a “Unidade de Combate”.
- O General Comandante da DI comanda as diferentes armas e serviçosdesta GU.
- O papel essencial do Cmt DI é o de combinar a ação das armas.
- A duração de uma DI no combate se mede pela sua infantaria.
- A combinação das armas consiste essencialmente na montagem,de uma maneira contínua, de sistemas de fogos sucessivos infantaria-artilharia.
- A DI só é capaz de uma missão simples de cada vez, missãocaracterizada por uma só direção de esforço, ao redor da qualgravitam os sistemas de fogos sucessivos.
Também foram incorporados vários ensinamentos a respeito do Grupamento
Tático, como:
- o GT compreende frações de todas as armas, seja antes da ação,seja em curso da mesma;
- o GT exige íntima cooperação de grupamentos mistos de infantaria-carros, podendo cumprir as missões de destacamento de segurançaou exploração na ofensiva, de contra-ataque na defensiva e deescalão de retraimento ou de retaguarda na retirada.
Capítulo 8 - Principais Batalhas e Vultos do Período da República
275
Com a proximidade do embarque, o comando da FEB expediu ordens no
sentido de que fossem realizadas instruções de embarque e desembarque
em transportes ferroviários e marítimos; no último caso, realizadasexaustivamente no Morro do Capistrano, em simulação adequada de costado
de navio e rede de abordagem.
Um balanço da instrução da FEB no Brasil mostra que ela esbarrou emproblemas de diversas ordens, os quais prejudicaram seu rendimento
substancialmente, citando-se:
- falta do material norte-americano, o que impossibil itou oadestramento da tropa em níveis razoáveis – o treinamento deemprego do Grupamento Tático, por exemplo, acabou ficandorestrito a um único grande exercício no terreno;
- pequeno número de instrutores, uma vez que não mais que 30haviam estagiado nos EUA e alguns poucos eram norte-americanos,que não falavam português;
- empirismo e autodidatismo, decorrentes da profusão de novaspublicações a respeito da doutrina norte-americana e das dificuldadesdo Estado-Maior do Exército em traduzir e divulgar manuais oficiais;
- falta de Centros de Instrução adequados (o Campo de Instrução deGericinó e o Centro de Instrução Especializada tinham que serdivididos com tropas não-expedicionárias do Rio de Janeiro);
- instrução limitada principalmente a ordem unida, educação física(demonstrações de balalaica – ginástica rítmica com armas), marchase instrução geral.
Assim, os pontos culminantes da preparação da FEB no Brasil foram um grandedesfile realizado no Rio de Janeiro, tão esperado pela população, mas realizado
sem que a maioria da tropa pudesse portar o armamento e o equipamento que
seria usado no TO da Itália, e uma demonstração de tiro da AD, no Campo deInstrução de Gericinó, assistida pelo Presidente Getúlio Vargas.
Em resumo, as palavras do próprio Marechal Mascarenhas de Moraes (op.
cit.) definiram muito bem a situação de instrução da FEB ao partir do Brasilpara sua grandiosa missão: “[...] Seus três primeiros escalões de embarque,
integrantes da 1ª DIE, chegaram à Itália com o treinamento incompleto e
inadequado, e os dois últimos partiram do Brasil praticamente sem instrução.”
ESAO/CEAD/CAO – HISTÓRIA MILITAR I
276
8.3.8.6 O deslocamento e a situação na Itália
Diante da precariedade da instrução no Brasil, partir rumo ao TO, onde
havia condições, recursos e facilidades não existentes no país, representouuma oportunidade para desenvolver a instrução. Desta forma, a FEB
embarcou para a Itália cinco escalões sucessivos, de aproximadamente cinco
mil homens, o primeiro em 02 de julho de 1944, comandado pelo GenMascarenhas e o último em 8 de fevereiro de 1945, cuja maioria de efetivo
era de elementos do Depósito de Pessoal.
Ao chegar na Itália, a FEB se deparou com uma situação extremamente
desfavorável por parte das forças aliadas, que haviam perdido enormesefetivos em função das necessidades das operações na França e na Grécia.
Desta forma, naquele momento, as forças aliadas contavam com apenas 20
Divisões enquadradas pelo XV Grupo de Exércitos (Gen Sir Harold Alexander)contra 26 Divisões alemãs e duas italianas pertencentes ao Grupo de Exército
do Marechal alemão Albert Kesselring. O aparente equilíbrio de forças em
termos de efetivos era rompido quando consideradas as vantagens que asforças do Eixo tiravam do terreno acidentado, extremamente favorável a
suas operações defensivas. Tal situação iria empenhar a FEB em largas
frentes, em missões diversificadas, a despeito das dificuldades de suapreparação e de seu treinamento.
8.3.8.7 A preparação na itália
Durante o primeiro mês após o desembarque, durante o qual o 1º escalãoesteve em Bagnoli, pouco se avançou no adestramento militar, novamente
pelo atraso na entrega do material bélico. Por isso, visando manter a forma
física, a disciplina e a coesão, apenas fizeram-se práticas desportivas,marchas, sessões de ordem unida e instrução geral.
Em 04 de agosto de 1944, já em Tarquínia, o 1º escalão foi incorporado ao
V Ex NA, articulando-se da seguinte forma:
- Comando e escalão avançado do QG 1ª DIE - ao encargo do GenMascarenhas de Moraes;
- Tropa Especial e Grupamento Tático - ao encargo do Gen Zenóbioda Costa.
Capítulo 8 - Principais Batalhas e Vultos do Período da República
277
Com o recebimento do material bélico, a FEB pode finalmente dar início à
sua instrução na Itália, efetuando-se a montagem e a instrução de
funcionamento dos novos armamentos individuais e coletivos e exercíciosde tiro com armamento individual, coletivo etc.
Especial importância foi dada à formação e treinamento de motoristas,
criando-se uma escola de motoristas para esse fim, já que devido à grandedificuldade imposta pelas más condições das estradas, aliada ao despreparo
dos motoristas, grande percentagem de baixas na FEB foi ocasionada por
acidentes com viaturas.
No que se refere à instrução de Oficiais e Graduados foram realizados estágiosna linha de frente, nas 34ª e 88ª DI norte-americanas, e, ainda, cursos para
Capitães e Tenentes na Escola Americana de Treinamento e Comando de
Pelotão (Leadership and Battle Training School) - Santa Ágata Dei Gotti -Caserta.
Um fato curioso a apontar é que os uniformes dos brasileiros tinham uma
cor muito parecida com a dos uniformes alemães, o que causou algunssustos e problemas quando os oficiais e graduados se apresentaram para
estágios na linha de frente, onde todos se saíram muito bem, muitos
recebendo elogios.
8.3.8.8 Exercício de combate em Vada
O último exercício de combate antes da entrada da FEB em ação, teve início
a dez de setembro de 1944, com uma duração de 36 horas, constando de
uma marcha de 36 km e de um ataque coordenado do 6º RI com apoio defogo do I / 2º ROAR ( com efetivo total aproximado de 4000 homens). A
arbitragem ficou a cargo de 270 oficias norte-americanos. Uma visão geral
das observações feitas pela arbitragem conduz à seguinte síntese: muitoboa a conduta e a tomada de decisões pelos diversos escalões de comando;
já a conduta da tropa deixou a desejar no tocante à disciplina de luzes e
ruídos.
Quando da preparação de sua Subunidade para o Exercício em Vada, o
então Capitão Ernani Ayrosa da Silva foi severamente criticado pelo Cel
Matheus (assessor norte-americano): “com este exercício o senhornaturalmente irá para Hollywood fazer filmes, mas não irá para a guerra”.
ESAO/CEAD/CAO – HISTÓRIA MILITAR I
278
Ayrosa percebeu que todo o desencontro consistia na aplicação dos princípios
da instrução militar francesa no ataque que os brasileiros estavam realizando.
De acordo com a instrução francesa, identificando o inimigo, fazia-se umaneutralização com tiros de artilharia, metralhadoras e morteiros, e, após,
partia-se para o ataque frontalmente. Pela filosofia americana, identificava-
se o inimigo, realizava-se uma neutralização, em seguida a tropa atacavaprocurando desbordar, pela direita ou pela esquerda, furtando-se aos efeitos
dos tiros inimigos e coroando o ataque, normalmente, com uma operação
no flanco inimigo.
O Capitão decidiu que, no último ensaio, os morteiros e as metralhadoras
que acompanhassem os fuzileiros no movimento de desbordamento teriam
seus tiros regulados sobre os alvos e seriam deixados nas posições,camuflados pela vegetação. Uma sentinela seria destacada para assegurar a
manutenção das armas durante a noite. No dia seguinte, foi desencadeado
o tiro real com as armas reguladas na jornada anterior, com resultadossurpreendentes. Chamado pelo Gen Mark Clark, admirado pela eficácia do
tiro dos brasileiros, este lhe disse que a capacidade dos brasileiros de se
adaptarem ao material novo era fantástica e que esperava muito dosbrasileiros dali para frente.
AYROSA comenta em seu livro, Memórias de Um Soldado: “[...] o que
poderia parecer agora um engodo não muito ético foi, na ocasião, um
valioso elemento de elevação da vontade de luta dos nossos homens”.
8.3.8.9 A inoculação no combate
A 1ª Companhia do 9º Batalhão de Engenharia, comandada pelo Cap Floriano
Möeller, foi a primeira tropa brasileira a entrar em ação na Itália, construindouma ponte Baylei em apoio ao IV C Ex norte-americano no corte do rio
Arno.
Aprovado pelo Gen Mark Clark no exercício em Vada, constituiu-se o
Destacamento FEB (Dstc FEB), com base no 6º RI, comandado pelo GenZenóbio da Costa, o qual em breve entraria em ação, ficando assim
constituído:
- 6º RI (Cel Segadas Viana);
- Elmto 11º RI;
Capítulo 8 - Principais Batalhas e Vultos do Período da República
279
- II / 1º ROAR (Cel Da Camino);
- 1ª / 9º BE;
- 1º / 1º Esqd Rec;
- Elmto 1ª Cia Com;
- 1ªEv / 1ºBS;
- Adidos: Cia C/701º Btl Tanques Destroyers norte-americano, Cia C/751º Btl Tanques Médios norte-americano e um Pelotão deTransmissões norte-americano.
A primeira missão da FEB se desenrolou numa área relativamente tranqüilada frente de combate, no vale do rio Serchio, de onde posteriormente seria
rocada para o vale do Reno onde atuaria já completa. Constava basicamente
de uma missão de cobertura ao ataque geral do IV C Ex norte-americanopara o rompimento da Linha Gótica (Operação Olive).
1) MISSÃO:
- Substituir elementos do 2º/37º RI em 15 1900 Set.
- Substituir o 434º GAAAe em 15 1900 Set.
- Manter contato com o Inimigo e sondar-lhe o dispositivo pormeio de vigorosa ação de patrulhas.
- Caso o Inimigo se retire, persegui-lo MdtO deste C Ex.
- Manter contato com a 1ª DB, que opera a E.”
2) INIMIGO: Elementos da 16ª Divisão SS alemã, enquadrada peloXIV C Ex (Gen Harttmann), a qual realizava ações retardadoras, nocontexto do retraimento geral alemão do rio Arno para a LinhaGótica.
3) TERRENO: a missão era simples, em larga frente, com efetivosdiluídos também devido à compartimentação do terreno,extremamente acidentado, rochoso e ravinoso, elevando-segradativamente de 300 m de altitude da linha de partida, a 1300 mno monte Prano, a cavaleiro do divisor de águas balizado pelo marTirreno a oeste e pelo rio Sérchio a leste.
ESAO/CEAD/CAO – HISTÓRIA MILITAR I
280
4) MEIOS: Dstc FEB.
Como resultado dessa operação, o Dstc FEB liberou duas cidades italianasdo julgo alemão, Massarosa e Camaiore, as primeiras dentre tantas outras
que ainda viria a libertar, tendo recebido as congratulações do Cmt V Ex
norte-americano, Gen Mark Clark, nos seguintes termos:
Já tive oportunidade de dizer anteriormente que da FEB, bem-vinda ao V Exército, poderíamos esperar grandes feitos, em faceda organização, habilidade e entusiasmo que revelou durante apreparação inicial. A performance da FEB nos primeiros combatesnum setor do V Exército demonstra que nossas expectativas foramjustificadas. [...] Confio que este seja o primeiro dos muitosobjetivos que de futuro surgirão sob a legenda: Capturados pelaForça Expedicionária Brasileira.
8.3.8.10 Prosseguimento da instrução na Itália
Com a chegada do grosso da FEB à Itália o Depósito de Pessoal foi
transformado em Centro de Instrução e Recompletamento, comandado peloCel Mário Travassos, com instrutores formados em centros de instrução
americanos e especializados em instrução de minas, de transmissões, de
esquiadores, de cozinheiros e de outras especialidades.
O desenrolar das operações traria novos ensinamentos e a Diretiva Geral Nr
8 do Cmt da FEB previa para a instrução tática, entre outras medidas:
- a intensificação do treinamento de patrulhas;
- a manutenção no tempo e espaço da ligação da infantaria com aartilharia;
- a conduta da tropa no objetivo conquistado, prevendo sempre ocontra-ataque do INI (visando a repetição da técnica germânica depretender recuperar uma posição, mediante o emprego de contra-ataque por tropas decididas e adestradas);
- a focalização dos principais ensinamentos extraídos dos malogradosataques a Monte Castelo.
Mesmo com o adiantar da instrução o Depósito de Pessoal da FEB, na 2ª
semana de dezembro de 1944, somente podia fornecer à 1ª DIE, no prazo
Capítulo 8 - Principais Batalhas e Vultos do Período da República
281
de uma quinzena, 750 combatentes e, mesmo assim, em sofríveis condições
de adestramento.
8.3.8.11 Conclusão
Julgamos conveniente citar novamente palavras do Mar Mascarenhas de
Moraes:
Se em nossa Pátria as dificuldades de organização, a seleçãofísica, a escassez de material e fatores outros impediram quealcançássemos os objetivos finais da instrução, na Itália oretardamento da entrega de material e as necessidades prementesda frente de combate forçaram a nossa DI a entrar em linha,num estado de adestramento reconhecidamente incompleto.
Tornaram-na tais circunstâncias a única Divisão que não foisubmetida ao inalterável ciclo de instruções das Grandes Unidadesnorte-americanas.
Completamos a nossa instrução em estreito contato com o inimigo,senhor de vantagens topotáticas indiscutíveis.
Assim concluímos este assunto exortando à reflexão sobre tais palavras,para que se tenha sempre em mente a necessidade de manter um exército
permanentemente instruído dentro das doutrinas mais modernas de emprego.
8.3.9 A REDEMOCRATIZAÇÃO DO PAÍS – A REORGANIZAÇÃO POLÍTICA
O ano de 1943 foi marcado pelo início das campanhas em prol daredemocratização. Nos anos seguintes desenvolveu-se a campanha. Em 1945,
o Primeiro Congresso Brasileiro de Escritores exigiu eleições livres e liberdade
de expressão. Renasceu o pluripartidarismo com a criação da UDN, do PSP,do PTB, do PSD e a reabilitaçao do PCB.
Em fevereiro de 1945, foi promulgado o Ato Adicional pó meio do qual
Vargas assegurava eleições que foram marcadas para 02 de dezembro.
A UDN, composta de anti-getulistas, apresentou o brigadeiro Eduardo Gomescomo candidato à presidência. O general Dutra foi candidato da coligação
PTB-PSD e, portanto, apoiada por Getúlio Vargas. O PCB também apresentou
seu candidato.
ESAO/CEAD/CAO – HISTÓRIA MILITAR I
282
Com a derrota do nazi-fascismo e a campanha que vinha se desenvolvendo
no Brasil pela reconquista da democracia, criara-se um clima impróprio para
o regime ditatorial que se mantinha no Brasil. Não se podia admitir quepermanecesse no país o mesmo que as Forças Armadas brasileiras ajudaram
a destruir na Europa;
Os próprios membros do governo, a começar pelos militares, viram que o EstadoNovo já havia cumprido seu papel histórico e era necessário substituí-lo;
No dia 29 de agosto de 1945, Getúlio Vargas foi deposto sem luta pelos
generais Góes Monteiro e Eurico Gaspar Dutra. Era o fim da ditadura;Nas
eleições de dezembro saiu vitorioso o general Dutra.
8.4. A REPÚBLICA CONTEMPORÂNEA (De 1945 aos dias atuais)
8.4.1 O GOVERNO DE EURICO GASPAR DUTRA (1946-1951)
Em 18 de setembro de 1946 foi promulgada a nova Constituição, liberal,
que garantia os direitos cívicos e eleições livres. Pela primeira vez legitimava-
se a presença do PCB na elaboração de uma Constituição.
Esta Constituição apresentava as seguintes características básicas:
- regime republicano, federativo, presidencialista e representativo;
- o Presidente e o Vice seriam eleitos por eleições diretas para ummandato de cinco anos;
- voto secreto, universal e obrigatório, para maiores de 18 anos excetoanalfabetos, cabos e soldados;
- três poderes independentes: Executivo, Legislativo e Judiciário;
- aumento do poder dos estados e autonomia dos municípios;
- preservação de um Executivo forte;
- liberdade de opinião e de pensamento;
- defesa da propriedade privada etc.
A principal oposição ao governo era exercida pelo PCB que, em pouco
tempo, tornou-se um partido de massa.
A burguesia nacional, as alas militares conservadoras e os partidos
oligárquicos sentiam-se ameaçados pela presença de tantos comunistas na
Capítulo 8 - Principais Batalhas e Vultos do Período da República
283
representatividade parlamentar e, temendo a ascensão dos comunistas ao
poder, pressionaram o governo Dutra que, em 1947, cortou relações com a
União Soviética e pediu a extinção do PCB, que foi declarado ilegal pordecisão judicial. Neste mesmo ano de 1947 foi realizada, em Petrópolis, a
Conferência Inter-americana para a Manutenção da Paz e da Segurança do
Continente.
Pouco depois da Conferência foi assinado o TIAR (Tratado Interamericano
de Assistência Recíproca), que dava aos EUA, com a ajuda dos demais
países que assinavam o tratado, o direito de intervir em qualquer lugar ondea “paz e a segurança americanas” estivessem ameaçadas.
A política econômica adotada por Dutra se assentou em alguns pontos
essenciais, tais como:
- sustentação de uma política econômica liberal que favorecesse osnegócios das empresas comerciais brasileiras e internacionais;
- liberdade de ação ao capital estrangeiro;
- não intervenção do Estado na economia;
Reservava-se ao Estado apenas o direito de intervir em setores da vidanacional, como saúde, alimentação, transporte e energia — o Plano SALTE.
Era a primeira tentativa de planejamento de um governo brasileiro tendo
realizado duas obras de vulto: a pavimentação da rodovia Rio-São Paulo e aCompanhia Hidrelétrica do São Francisco.
8.4.2 O NOVO GOVERNO DE VARGAS (1951-1954)
Cinco anos depois de ter sido derrubado do poder, Getúlio continuavasendo ainda a principal figura política do Brasil. Foi eleito com grande
maioria dos votos. Procurando retomar suas antigas linhas nacionalistas e
intervencionistas, Vargas voltou-se em especial para a petroquímica,siderurgia, transporte, energia e técnicas agrícolas;
Por meio do nacionalismo econômico que sempre o caracterizou e com o
slogan “O Petróleo é nosso”, Getúlio criou a Petrobrás, instituindo, com
isso, o monopólio estatal na exploração e refino do petróleo no Brasil. Ofato se deu em outubro de 1953. O capital estrangeiro no Brasil promoveu
ESAO/CEAD/CAO – HISTÓRIA MILITAR I
284
o desenvolvimento de uma classe de empresários que se opunha à política
nacionalista de Getúlio
Vargas era acusado de pretender instalar no Brasil uma república sindicalistaigual a que Peron havia instalado na Argentina. A ala extremista da oposição,
liderada por Carlos Lacerda, acusava de corrupção as pessoas ligadas ao
governo.
A radicalização das oposições levou a um atentado contra Carlos Lacerda,no qual morreu o major aviador, Rubens Vaz, em 05 de agosto de 1954. A
Aeronáutica se rebelou ao ser confirmada a participação do guarda pessoal
de Getúlio, Gregório Fortunato. No mês de agosto, o clima político erainsustentável. Pressionado a renunciar, por seu vice e por 27 generais,
Vargas suicidou-se na madrugada de 24 de agosto de 1954.
8.4.3 O BRASIL SEM GETÚLIO VARGAS (1954-1956)
Com a morte de Vargas, assumiu a Presidência o vice Café Filho, que
completaria o mandato presidencial. O ministério do novo Presidente era
conservador e formado basicamente por políticos da UDN, partidoantigetulista.
Em 1955 houve novas eleições para a Presidência. O vencedor foi Juscelino
Kubitschek, da coligação PSD – PTB. O vice eleito foi João Goulart, afilhado
político de Getúlio. A derrotada UDN, que tinha em Carlos Lacerda seumais extremado porta-voz, pregava abertamente um golpe para impedir a
posse dos eleitos.
Com o afastamento de Café Filho por motivo de doença, assumiu apresidência Carlos Luz, presidente da Câmara dos Deputados. Ligado à
UDN, endossou a idéia do golpe e não pretendia empossar os eleitos. Para
evitar o golpe, o General Lott, ministro da Guerra, deu um golpe preventivo(contra-golpe), derrubou Carlos Luz, que foi declarado impedido pelo
Congresso Nacional. Assumiu o poder o presidente do Senado, Nereu Ramos,
que deu posse aos eleitos em janeiro de 1956.
Capítulo 8 - Principais Batalhas e Vultos do Período da República
285
8.4.4 O GOVERNO DE JUSCELINO KUBTSCHEK (1956-1961)
Ao assumir o poder, Juscelino estabeleceu um ambicioso plano de realizações,
prometendo “cinqüenta anos de progresso em cinco anos de governo”. Atranqüilidade política alcançada durante quase todo o governo permitiu-lhe
uma série de realizações que modificaram o panorama econômico do país.
Foi uma época de grande desenvolvimento industrial, embora a
industrialização tenha atingido apenas algumas áreas do país, produzindodesequilíbrios regionais. O governo de Juscelino foi marcado por obras de
grande repercussão interna, tais como:
- estabelecimento do Plano de Metas para a economia brasileira,tendo como objetivo aumentar a oferta de empregos, desenvolvendocinco pontos básicos: energia, transporte, alimentação, indústriade base e educação;
- criação do Grupo Executivo da Indústria da Construção Naval;
- criação do Grupo Executivo da Indústria Automobilística;
- criação do Conselho Nacional de Energia Nuclear;
- construção de Furnas e Três Marias, para obtenção de energiaelétrica;
- construção de Brasília, a nova capital do país.
Durante o mandato de Juscelino, ocorreram apenas dois movimentos decontestação ao regime: as revoltas militares de Jacareacanca e Aragarças,
em 1956 e 1959, respectivamente. Envolveram pequeno número de
revoltosos, que foram dominados sem dificuldades pelas Forças Armadas.
8.4.5 O GOVERNO DE JÂNIO QUADROS (1961)
Empossado em janeiro de 1961, Jânio assumiu a chefia do governo com o
país vivendo uma grave crise econômica, inflação, déficit na balança depagamentos e acumulação da dívida externa. Jânio Quadros criou um
programa antiinflacionário austero, caracterizado por restrição ao crédito,
incentivo às exportações e congelamento de salários. As medidasestabilizadoras e antinflacionárias geravam grande oposição a Jânio, tanto
dos empresários quanto dos trabalhadores.
ESAO/CEAD/CAO – HISTÓRIA MILITAR I
286
Quanto à política externa, Jânio Quadros tentou implantar uma política
independente e neutra, buscando maior aproximação com os países
socialistas, com o objetivo de aumentar as vendas de nossos produtos nosmercados internacionais. Dentro dessa política, Jânio restabeleceu as relações
com a União Soviética, assumiu a defesa de Cuba e do regime instituído
por Fidel Castro e condecorou Che Guevarra com a Ordem do Cruzeiro doSul.
Isto aumentou a desconfiança em relação a seu governo e intensificou a
oposição, tanto interna quanto externa. A 25 de agosto de 1961, Jâniorenuncia à Presidência. Dentre as causas da renúncia destacam-se as pressões
internas da direita (Carlos Lacerda) e as pressões externas do FMI e do
capital estrangeiro.
De acordo com a Constituição, João Goulart, o vice, deveria assumir aPresidência. Porém, houve um veto militar à posse do Jango, acusado de
comunista. Entretanto, militares legalistas levantaram-se em defesa da
Constituição. O país se viu à beira de uma guerra civil.
O Congresso Nacional propôs, então, uma solução negociada para a crise e
foi promulgado um Ato Adicional que estabelecia o parlamentarismo no
Brasil. João Goulart seria apenas o Chefe de Estado. Era setembro de 1961.No dia 07 de setembro de 1961, Jango assumiu o poder.
8.4.6 O GOVERNO DE JOÃO GOULART (1961-1964)
João Goulart assumiu, tendo como primeiro ministro o deputado Tancredo
Neves. Em 06 de Janeiro de 1963, um plebiscito pôs fim ao curto períodoparlamentarista republicano no Brasil.
João Goulart iniciou a execução do seu Plano Trienal, um plano de combate
à inflação e de promoção do desenvolvimento econômico, principalmentedo setor industrial. Fracassado o Plano Trienal, o governo lançou as Reformas
de Base (reforma agrária, administrativa, bancária, fiscal e outras) tendo
como pontos fundamentais a reforma agrária e a regulamentação da remessade lucros para o estrangeiro.
O populismo radicalizava-se e entrava em confronto com o grande capital.
No Nordeste as Ligas Camponesas ocupavam engenhos e trocavam tiros
Capítulo 8 - Principais Batalhas e Vultos do Período da República
287
com seus proprietários. No eixo Rio-São Paulo, o sindicalismo organizava a
CGT e o PAU (Pacto Unidade e Ação), que por meio de greves, demonstravam
apoio às reformas pregadas por Jango.
No dia 13 de março de 1964, no Rio de Janeiro, Jango discursa num comício
onde várias pessoas clamam pelas Reformas de Base. O Presidente anuncia
desapropriações de terras, encampações de refinarias e exige uma novaCarta Constitucional que acabe com as estruturas arcaicas da sociedade
brasileira.
8.4.7 A REVOLUÇÃO DEMOCRÁTICA DE 1964
A guinada radical esquerdista isolou o Presidente. Os setores direitistas dasForças Armadas, apoiados por empresas nacionais e multinacionais estavam
prontos para derrubar Jango. A classe média, no eixo Rio-São Paulo, temia
que o Brasil se transformasse numa nova Cuba. Como resposta ao comíciodo dia 19 de março foi organizada a “Marcha da Família com Deus pela
Liberdade” em São Paulo.
Poucos dias depois, uma revolta de marinheiros levou Jango a demitir oministro da Marinha.
No dia 31 de março começou a rebelião cívico-militar. Jango foge para o
RS e de lá asila-se no Uruguai. Com a deposição de João Goulart terminava
o período populista da história do Brasil e instalava-se uma Repúblicaautoritária.
ESAO/CEAD/CAO – HISTÓRIA MILITAR I
288
REFERÊNCIAS PARA O CAPÍTULO 8
CAMARGO, Aspásia; GÓES, Walder de. Diálogo com Cordeiro de Farias:
meio século de combate. Rio de Janeiro: Bibliex, 2001.
CARVALHO, José Murilo de. Forças Armadas e política no Brasil. Rio deJaneiro: Zahar, 2005.
COELHO, Edmundo Campos. Em busca da identidade: o Exército e a política
na sociedade brasileira. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1976.
CORRÊA, Anna Maria Martinez. A rebelião de 1924 em São Paulo. SãoPaulo: Hucitec, 1976.
DONATO, Hernani. Dicionário das batalhas brasileiras: dos conflitos indígenas
aos choques da Reforma Agrária (1500-1996). Rio de Janeiro: Bibliex,2001
FAORO, Raimundo. Os donos do poder. São Paulo: Edusp, 1975.
FORJAZ, Maria Cecília Spinna. Tenentismo e política. Rio de Janeiro: Paz e
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HAYES, Robert Annes. Nação armada: a mística militar brasileira. Rio deJaneiro: Bibliex, 1991.
HOBSBAWN, Eric J. A era dos extremos: o breve século XX (1914-1991).
São Paulo: Cia das Letras, 1995.
KENNEDY, Paul. Ascensão e queda das grandes potências. Rio de Janeiro:Campus,1989.
PRADO JUNIOR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo: Alfa-
Ômega, 1969.
República Contemporânea (de 1945 aos dias atuais)