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O presente trabalho tem como objetivo discutir a relação da umbanda com sagrado eprofano, através do corpo, da incorporação, assim como de outros traços e característicaspróprios da religião, a qual une com naturalidade termos aparentemente opostos.Diferentemente da maioria das religiões cristãs a umbanda preserva uma relação deaceitação consciente dos aos aspectos físicos, mundanos e terrenos da vida. Ao invés denega-los, ela lida com eles, por acreditar na importância de se encarar e compreendertambém as sombras, questões moralmente condenadas pela sociedade no geral.Partindo de um panorama histórico de perseguição e preconceitos, aos quais foram eainda são submetidas as religiões afro-brasileiras, o trabalho pretende trazer à tona adiscussão, muitas vezes deixada de lado, escondida ou minimizada, da falta de aceitação erespeito para com essas religiões, devido à julgamentos morais, os quais relacionamaspectos das religiões afro-brasileiras à forças inferiores, o pecado, o mal, profano.Destaca-se aqui a atualidade do tema do corpo e as formas de com ele serelacionar, de aceitá-lo, cultuá-lo e vivencia-lo. Num mundo onde a convivência com ooutro, a diversidade, a pluralidade de crenças e opinião, se faz cada dia mais presente.
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Universidade de São Paulo Graduação em Ciências SociaisDepartamento de Antropologia
Pesquisa de Campo em AntropologiaProf. José Guilherme Cantor Magnani
Relatório de pesquisa
Do corpo ao culto,
Um corpo oculto.
Flavia Altenfelder Santos - Nº USP: 7617000e-email: [email protected] telefone: (011) 98674-5024
São Paulo – SP - Janeiro de 2015
Flavia Altenfelder
“E foi tão corpo que foi puro espírito. Atravessou os acontecimentos e as horas imaterial,
esgueirando-se entre eles com a leveza de um instante.”
Clarice Lispector
Resumo:
O presente trabalho tem como objetivo discutir a relação da umbanda com sagrado e
profano, através do corpo, da incorporação, assim como de outros traços e características
próprios da religião, a qual une com naturalidade termos aparentemente opostos.
Diferentemente da maioria das religiões cristãs a umbanda preserva uma relação de
aceitação consciente dos aos aspectos físicos, mundanos e terrenos da vida. Ao invés de
nega-los, ela lida com eles, por acreditar na importância de se encarar e compreender
também as sombras, questões moralmente condenadas pela sociedade no geral.
Partindo de um panorama histórico de perseguição e preconceitos, aos quais foram e
ainda são submetidas as religiões afro-brasileiras, o trabalho pretende trazer à tona a
discussão, muitas vezes deixada de lado, escondida ou minimizada, da falta de aceitação e
respeito para com essas religiões, devido à julgamentos morais, os quais relacionam
aspectos das religiões afro-brasileiras à forças inferiores, o pecado, o mal, profano.
Destaca-se aqui a atualidade do tema do corpo e as formas de com ele se
relacionar, de aceitá-lo, cultuá-lo e vivencia-lo. Num mundo onde a convivência com o
outro, a diversidade, a pluralidade de crenças e opinião, se faz cada dia mais presente.
Palavras-chave:
Umbanda; Corpo; Culto; Mito ; Sagrado; Profano; Incorporação; Religião Afro-brasileira.
Índice
1 – Introdução…………….……………………………………………….…………01
2 – Quadro de referências: Procedimentos metodológicos……….……….………12
3 – Descrição e análise / Quadro teórico……………………………………………13
4- Conclusão …………………………………………………………………………28
5 – Bibliografia……………………………………………………..………………..30
6 - Apêndices…………………………………………………………………………32
1.- Introdução
“Todas as luzes que a gente precisa organizar na nossa vida, que são as luzes que nos
levam adiante, elas já estão na gente. A dança é um jeito de organizar essa luz, para que
essa luz aconteça na gente. Isso é uma diferença grande da umbanda para outras
expressões religiosas. A umbanda necessita do movimento. O movimento é a dança e o
canto; é o corpo acontecendo. Acho que esse é um primeiro princípio que se deve ter claro.
A segunda matriz é a natureza, não menos importante do que o corpo. O umbandista tem a
natureza como terreiro sagrado. Os primórdios da umbanda pegaram a natureza e
transformaram ela em divindades. As matas são Oxóssi, as águas salgadas são Iemanjá, as
águas doces são Oxum, o vento é Iansã. E na verdade os orixás não são representações da
natureza, eles são a própria natureza. A natureza é sagrada.
A umbanda vem resgatando o tempo em que não havia separação entre muitas
coisas, que hoje são separadas. Não havia muita separação entre o cotidiano e o espiritual.
O espiritual era vivido cotidianamente. Não havia separação entre as coisas. A prioridade
do mental que a gente vive hoje, o cerebral, não era assim, era um outro tempo. Era um
tempo também sem relógio. É um tempo em que as celebrações eram vividas
cotidianamente. As pessoas não se reuniam para celebrar alguma coisa, elas estavam em
celebração cotidianamente e o culto à natureza se dava dessa forma. E nesse sentido a
dança é uma forma de expressão fortíssima, que liga o espiritual, o sagrado com o
mundano, o profano. As pessoas não aprendiam a dançar, elas dançavam. Se dança como
se anda, como se come, como se bebe, como se faz tudo na vida. Isso vem da matriz
africana, mas vem mesmo da matriz primitiva, humana. O índio dançava, o negro dançava,
as pessoas todas dançavam e a dança de tudo, dançava-se para tudo. A umbanda resgata
um pouco essa tradição inaugural humana e entende que essas manifestações, essa ligação
com o sagrado, se da por aí.Não acontece nada na umbanda sem o movimento, sem o dinamismo, porque a
umbanda reproduz o dinamismo da existência da vida. A vida é o movimento, ela não
acontece no estático, você está em movimento o tempo todo. Uma das condições para
acontecer a incorporação é justamente haver a ritualística do movimento, da dança. E ai
quando você começa a dançar, você começa a entender a tua relação com as tuas
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entidades, porque você dança para elas e elas dançam em você e aí elas pedem licença
para dançarem com você, no teu corpo.
Nessa dança é um processo de entrega. Você começa num movimento racional
dedicando o seu corpo à essas entidades e aos poucos você vai soltando o teu corpo e você
vai percebendo, conscientemente que os movimentos que você está fazendo não são seus, e
é essa força que pede licença e empresta o teu corpo para que haja essa troca. O estado do transe é você sem as travas sociais que construimos a cada dia, é você
voltando ao seu estado natural, porque dançar não é um privilégio de meia dúzia de
pessoas. Dançar é uma linguagem como a da fala, da música e de tudo, mas ainda mais
universal. Ela é vivida, experienciada, ela é humana”
(conversa espontânea com um frequentador, a caminho do terreiro)
O projeto que deu origem a este trabalho se propunha a mapear e descrever o corpo
de umbanda, através da experiência corporal, incluindo aí tanto as sensações dos médiuns
quanto as performances por eles realizadas, afim de detectar nesse corpo as representações
míticas presentes, tanto no que diz respeito a mitologia ancestral dos Orixás, os gestos de
cada Orixá, quanto no que diz respeito a mitos mais modernos, como o culto ao corpo.
Pretendia-se através do estudo traçar e melhor compreender os caminhos do preconceito e
da exclusão com relação à forte presença das matrizes africanas na cultura brasileira.
Entretanto, no decorrer das idas a campo a proposta de recorte inicial se mostrou
demasiadamente ampla, demandando um quadro mais focado, melhor desenhado e que
pudesse ser observado no escasso tempo disponível. Assim, a questão do corpo na umbanda
permaneceu central ao trabalho, entretanto agora através de um viés que pretende observar
a conexão entre o sagrado e o mundano durante as giras e festas no Tempo Guaracy, um
terreiro de Umbanda, localizado em Embu das Artes- SP. A proposta é analisar a
obrigatória relação entre características sagradas e terrenas da religião, assim como sua
relação com o “profano" (aí incluída a relação com o corpo), por ser tão diferente da
maioria das religiões, fato que causa mal estar e preconceitos para com a umbanda e as
demais religiões afro-brasileiras.
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O corpo na Umbanda é muito importante, as danças, movimentos corporais, gestos
simbólicos e a incorporação são muito presentes na religião. Há uma expressão muito
interessante que é discursada pelos umbandistas: “Na Umbanda você sente no seu corpo o
"axé”, é como se o sagrado fosse palpável e concreto a eles, o sagrado vivenciado através
do corpo. O sagrado reside nas forças da natureza, no mundano. A umbanda simboliza a
natureza através dos Orixás, os quais se manifestam através das entidades incorporadas
pelos médiuns durante os rituais - giras. As entidades trazem em si a força dos mitos dos
Orixás, a força das águas, das matas, do fogo, do ar; através do movimento o terreno
acontece nos corpos. Cada Orixá tem a sua história, seu mito; transmitidos oralmente,
desde a África, através dos tempos, através dos escravos, através do Candomblé, até hoje.
Na Umbanda, o contato com os Orixás, geralmente, não se dá de forma direta, como
no Candomblé, mas sim através de entidades, espíritos de seres míticos que já habitaram a
Terra, que “baixam" afim de se comunicar com os seres humanos, através dos médiuns. São
caboclos (espíritos indígenas), pretos velhos, marinheiros, ciganas, pombas-giras, exus e
tantos outros. Figuras típicas do folclore e da história brasileira, que foram absorvidos pelas
tradições africanas e incorporados ao universo espiritual, na forma do sincretismo
inaugurado pela umbanda, juntamente ao candomblé, unindo tudo isso ainda ao universo
dos santos e santas católicos. Assim como na mitologia grega, na africana as divindades são altamente
humanizadas. As lendas são permeadas por sentimentos como raiva, vingança, ódio e
outros sentimentos, que na moral cristã seriam certamente associados ao pecado, ao diabo,
criando uma imediata conexão entre terreno e diabólico e, portanto, fazendo com as
religiões afro-brasileiras a mesma associação.
Devido a essas características (tradição oral, violência e perseguição) às quais
sempre estiveram submetidas as religiões afro-brasileiras, certamente muito dos valores,
histórias e mitos se perdeu, outro tanto se transformou, uma parte segue, outra pode ser
recuperada. A persistência e resistência dessas tradições salta imediatamente aos olhos do
observador que se faz consciente da história dessas manifestações religiosas. Sua
capacidade de adaptação, assim como de preservação, demonstram sua força através dos
tempos. A umbanda surge, no século XX, a partir do candomblé de angola, o qual absorveu
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diversas concepções e ritos de origem Iorubá. Constitui-se como forma religiosa
intermediária entre cultos populares pré-existentes no país. Preservou a concepção
kardecista do carma, da evolução espiritual e da comunicação com espíritos mas também se
mostrou aberta às formas populares de culto africanos. Importante frisar que antes dessa
abertura foram retirados da religião os elementos considerados muito “bárbaros" como o
sacrifício de animais, danças frenéticas, bebidas alcoólicas, o fumo e a pólvora. Nas
ocasiões onde esses elementos eram usados explicava-se então “cientificamente" o mesmo
segundo o discurso racional kardecista.
Entre 1937 e 1945 o desenvolvimento dos cultos afro-brasileiros foram
particularmente desencorajados, com forte repressão policial. No entanto, o surgimento de
uma identidade brasileira através de valores da cultura negra e popular, enaltecida por uma
elite intelectual e artística, abriu brechas para a continuidade dessas práticas e cultos. A
umbanda desse período, teve uma minimização de influencias africanas nas suas práticas e
ao mesmo tempo que "embranquecia" os valores religiosos da macumba, seja por serem
consideradas atrasados e primitivos ou por consequência de perseguições policiais,
“empretecia" os valores do kardecismo, considerados demasiadamente europeus e longe da
realidade vivida ali. A umbanda propunha o nascimento de uma religião brasileira, que
refletisse os anseios de segmentos marginalizados da população (negros, índios, prostitutas,
estivadores - pobres em geral) e as possibilidades de acomodação dos mesmos numa
sociedade urbana e industrial, marcada por discriminações e desigualdades, onde os valores
da cultura branca continuavam a ser os mais influentes.
"Na umbanda, as entidades situam-se a meio caminho entre a concepção dos deuses
africanos do candomblé e os espíritos dos mortos dos kardecistas. Os orixás, por exemplo,
são entendidos e cultuados com outras características. Sendo considerados espíritos muito
evoluídos, de luz, tornaram-se uma categoria mítica muito distante dos homens, só
ocasionalmente descem à Terra e mesmo assim apenas na forma de “vibração”. " (SILVA,
Vagner Gonçalves da, 2005)
Na umbanda, se tentou classificar e organizar a grande variedade de entidades
através da teoria das linhas. Segundo teóricos da umbanda, existem sete linhas dirigidas por
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orixás principais. Cada linha é composta por sete legiões. Dentre elas estão: a Linha de
Oxalá, Iemanjá, Xangô, Ogum, Oxóssi, Linha das Crianças e linha dos Pretos Velhos. No
entanto não existe consenso quanto a composição dessas linhas. Em muitos casos juntam-se
as linhas dirigidas pelos orixás às linhas do Oriente (da qual fazem parte as ciganas).
"Abaixo do orixás encontram-se os espíritos um pouco menos evoluídos, como os
caboclos e os pretos velhos. Pode-se dizer que essas entidades, embora tenham nomes
próprios (caboclo Sete Flechas, Rompe-Mato, preto velho Pai João, vovó Maria Conga,
etc.), e sejam espíritos de indivíduos — como na concepção kardecista —, remetem muito
mais aos segmentos formadores da sociedade brasileira. Os caboclos representam o
indígena enaltecido na literatura romântica e popularizado na pajelança, no catimbó, e no
candomblé de caboclo. Porém, apresentam-se na umbanda como espíritos civilizados,
doutrinados ou batizados, como dizem os umbandistas. Quando incorporados, apresentam-
se como “católicos”, e frequentemente abrem seus trabalhos espirituais com orações do
tipo pai-nosso e ave-maria. O preto velho, quando incorporado nos médiuns, apresenta-se
como o espírito de um negro escravo muito idoso que, por isso, anda todo curvado, com
muita dificuldade, o que o faz permanecer a maior parte do tempo sentado num banquinho
fumando pacientemente seu cachimbo. Esse estereótipo representa a idealização do
escravo brasileiro que, mesmo tendo sido submetido aos maus-tratos da escravidão, foi
capaz de voltar à Terra para ajudar a todos, inclusive aos brancos, dando exemplo da
humildade e resignação ao destino que lhe foi imposto em vida.” (SILVA, Vagner
Gonçalves da, 2005)
A “umbanda não é só religião; ela é um palco do Brasil” (Prandi, 1991) Conforme
as vicissitudes históricas do país e os dramas sociais enfrentados pelas classes populares,
surgem novas ou se redefinem antigas “linhas” do panteão (Bairrão, 2004). Cada uma
dessas “linhas” de espíritos se associa tipicamente a cenários naturais cuja interpretação,
muitas vezes misturada a lendas de santos católicos, é feita com base em mitos dos orixás
africano
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Apresentadas as origens da umbanda, pode-se afirmar que a importância e
atualidade do tema estudado reside, em grande parte, sobre seu percurso histórico, marcado
por preconceito, racismo, violência, opressão e perseguição. Uma religião nascida no
Brasil, através do casamento entre as tradições africanas, as religiões européias e a
realidade brasileira.
Brasil. O país do futebol e do carnaval, das coxas e bundas, dos biquinis fio dental,
da prostituição infantil. País da imagem, da estética, país das cirurgias plásticas, silicone,
botox. País marcado historicamente por séculos de importação de escravos, mão-de-obra
negra. Mas, que ao mesmo tempo, apesar de tudo, consegue transmitir a imagem da
pluralidade, da aceitação e da miscigenação racial.
Entretanto, imagens não são a pura realidade. São construções externas, estéticas,
que, sabe-se, não refletem a realidade econômico social do país. Marcado, ainda hoje, por
intensos conflitos, preconceito, imposições e exclusão das minorias, que, numericamente,
não são de fato minorias, mas social e economicamente, ainda são excluídas, escondidas e
apagadas, atrás de um racismo oculto, que encobre toda uma história, tradições, cultura,
corpos, religiões e milhões de individualidades. Os resultados do Censo Demográfico de
2010 mostraram que viviam no País 91 milhões de pessoas que se classificaram como
brancas, correspondendo a 47,7% em termos proporcionais. Cerca de 82 milhões de
pessoas se declararam como de cor parda, o equivalente a 43,1%, e 15 milhões de cor preta,
representando 7,6% do total. Aquelas que se classificaram como de cor amarela totalizaram
quase 2 milhões, e 817 mil, como indígenas.
São situações cotidianas, minimizadas pelos meios de comunicação e pela sociedade
civil e política. São ocorrências diárias. Uma realidade sobre a qual o silêncio reina.
Retomemos uma situação, apenas para ilustrar a atualidade do tema:
No início do ano de 2014, foram divulgados vídeos de cultos evangélicos, tidos
como intolerantes e preconceituosos contra candomblé e umbanda, entre outras práticas
religiosas afro-brasileiras. Diante do fato, foi criada uma ação do Ministério Público
Federal (MPF), a qual pedia que os vídeos fosse retirados do ar pelo canal YouTube. Em
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resposta, a Justiça Federal do Rio de Janeiro afirmou que tais crenças não devem ser
consideradas religiões e, por isso, os vídeos não precisariam ser tirados do ar. Em sua
sentença, o juiz Eugênio Rosa de Araújo, da 17ª Vara Federal do Rio de Janeiro, afirma que
“ambas manifestações de religiosidade não contêm os traços necessários de uma religião, a
saber, um texto base (corão, bíblia, etc), ausência de estrutura hierárquica e ausência de um
Deus a ser venerado”.
Para a Cristina Wissenbach, professora da Universidade de São Paulo, os
preconceitos por trás da decisão são históricos. “Fazem parte de uma tentativa de silenciar e
obliterar o universo religioso e a cosmogonia de grande parcelas da população, sobretudo
dos egressos da escravidão e dos afrodescendentes. Fazem parte do racismo que existe na
sociedade”, observa. “A resolução reflete forças obscuras e ultra conservadoras da
sociedade brasileira. É inadmissível nos sujeitarmos às campanhas de setores evangélicos
obscurantistas”. Alguns meses depois o Juiz reconhece ter cometido um erro no que diz respeito à
desclassificação da umbanda e do candomblé como religiões. Entretanto, ainda assim
Eugênio Rosa não muda teor da sentença original e os vídeos considerados ofensivos às
religiões afro-brasileiras continuam no ar.
Sendo assim, faz-se mister dedicar mais alguns parágrafos à história oculta e
excludente que marca o tema.
Em meados do século XVI o movimento escravagista deu início ao tráfico de negros
no Brasil. Ao longo dos três séculos que se seguiram, cerca de três milhões e meio de
africanos foram capturados e trazidos como escravos. Fadados a uma vida de trabalho
forçado, foram destituídos de tudo que haviam, menos de sua cultura.
A cultura negra se manteve, até os dias atuais, por intermédio de vários fatores
sócio-culturais, a exemplo de suas crenças, danças, sua música, sua história e seu
posicionamento político.
A migração africana foi um movimento forçado. Alimentado pelos mercadores de
escravos e os senhores de engenho, seus compradores. Após longo período dessa diáspora a
população de negros e mestiços já era grande em território brasileiro, mas sua aceitação na
sociedade era quase nula. Depois da proibição do trabalho escravo, da assinatura da carta de
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alforria e da proclamação da república, o Brasil se encontrou em um novo patamar político
e os negros, ex-escravos, se encontraram numa situação de marginalização e despreparo
ante a falta de suporte da sociedade e o duro mercado de trabalho pago. As possibilidades
não eram favoráveis aos negros e mestiços e se, por um lado, as limitações da oferta de
trabalho, causadas pela discriminação, tornavam suas vidas mais difíceis, nada os impedia
de se unirem em suas crenças. Uma dessas crenças, o candomblé, foi um dos maiores
símbolos da resistência negra, apesar da perseguição policial dessas praticas até a década de
1940.
Após a abolição da escravatura houve um grande movimento de migração de
baianos para o Rio de Janeiro, atraídos pelo processo de desenvolvimento urbano e
econômico da cidade — usado aqui para ilustrar a fase de adaptação pela qual passava a
cultura brasileira naquela época. O suporte mútuo entre praticantes do candomblé ante a
problemática da adaptação de ex-escravos ao novo mercado, possibilitou e consolidou a
presença baiana no Rio de Janeiro (então capital do país). Aqueles que chegavam, logo
eram recebidos com casa e comida pela comunidade negra local. Esse processo migratório
da passagem dos séculos XIX e XX, acarreta na formação de um reduto de tradições e
religião comum. No início existia um grupo heterogêneo no que diz respeito a etnias e
hábitos, mas com o tempo criou-se uma identidade de festas, cultos, tradições e novos
hábitos incorporados à maneira dos representantes dessa classe marginalizada. Bantos,
Nagôs, entre outras etnias se misturam.
O candomblé seguiu como a principal religião negra daquele tempo, mais tarde se
ramificando, dando origem à macumba com os mais pobres e à umbanda, essa já sob a
bênção de uma elite intelectual branca da classe média. Tanto a umbanda quanto o
candomblé por conta de perseguições incessantes e pela natural mistura de crenças
acabaram adotando santos católicos como paralelos a seus orixás, o sincretismo religioso.
Ambas as religiões, candomblé e umbanda usam da dança como forma de comunicação
ritualística com entidades espirituais. Através da dança existe o processo de incorporação e
o médium que incorpora adota movimentos típicos da entidade presente em seu corpo. O
bom desempenho na dança confirmaria então a presença dos orixás, ditas entidades, no
terreiro.
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A religiosidade de origem africana consta como fundadora da identidade brasileira,
permeada por trocas simbólicas entre as distintas culturas e suas representações e narrativas
da cultura nacional.
Ainda passível de observação é a coexistência do catolicismo e da umbanda na
crença do brasileiro. Essas não se anulam e não são adversas. Pois para o candomblé o
divino está nas coisas terrenas. A natureza, o mar, os rios, a terra, esses são os orixás.
Enquanto isso o catolicismo prega a existência de Deus sobre todos os seres. Para os
praticantes do candomblé não existe a negação dos orixás por parte de Deus e, dependendo
da linha, para os católicos também não.
Folguedos como os congos e cucumbis também brotavam com a migração dos
negros vindos do Nordeste, estes eram celebrados junto à datas de comemorações católicas
como a dos reis magos (6 de janeiro), mas que eram considerados impróprios e barrados
pela sociedade cristã do Rio de Janeiro. Sendo então transferidos para as datas festivas do
carnaval, que por sua vez já tinha caráter profano. A organização desses grupos
carnavalescos negros, os ranchos, eram muito expressivos e tinham grande destaque no
meio popular. Devido a sua organização e cuidado, as festas eram cada vez mais aceitas por
indivíduos de classes sociais superiores, que acabavam tomando partido a favor do povo
marginalizado oferecendo a eles proteção contra o rechaço policial, assim como
financiamento para seus blocos festivos, que mais tarde evoluiriam para as escolas de
samba.
Os cultos de candomblé e umbanda e as festas eram o motor espiritual da
comunidade. Mas não só. As comunidades negras e mestiças ou ainda proletarizadas,
ganhavam a vida com o comércio ambulante (bandejas de doces nas ruas, a venda de
comida baiana, etc.), o trabalho braçal nos portos (a estiva) ou de forma menos digna,
voltando-se para a malandragem (o malandro, figura típica da primeira metade do século
XX) como forma de encarar o desemprego. Essas comunidades eram lideradas inicialmente
de forma anárquica até a formação de sindicados trabalhistas. Essas organizações políticas
formavam-se principalmente nos centros religiosos e nos grupos que organizavam as festas
de bairro. Pela natureza desse berço, é justo que as mães de santo e as tias do candomblé,
de maior influência junto às suas religiões, tivessem o respeito dos participantes desses
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grupos. Afinal elas faziam a ponte entre os terreiros principais na Bahia e suas correntes no
Rio de Janeiro e eram ainda especialmente ativas no que se refere a continuidade das
tradições africanas nas terras brasileiras. Com o apadrinhamento da umbanda por parte da
elite intelectual branca e o crescente sucesso do carnaval carioca a cultura negra tem seu
valor imposto na sociedade.
A música e a dança são centrais nas religiões afro-brasileiras e mesmo que
manifestadas também em contexto cultural não religioso, como na capoeira, no maracatu,
no carnaval, congadas, entre outros, se observadas com atenção é possível reconhecer os
ecos e as origens, como variações de uma estrutura matricial. A religião, dessa forma,
aglutina ao seu redor essa variedade de expressões que constitui, de forma mais ou menos
orgânica, um conjunto de referências definidoras de uma “cultura afro-brasileira”.
A música popular brasileira ao incorporar elementos dessa cultura, reafirma a
religiosidade como fundante de um modo de ser brasileiro, onde sagrado e profano se
misturam e se permeiam nas manifestações culturais e rituais cotidianas, como as festas, a
comida, a dança, a magia...
O sagrado na umbanda surge no mundano, através da música, da dança, do canto,
das necessidades cotidianas, de um tempo remoto em que a celebração eram tão vivas e
naturais quanto outras ações do dia-a-dia . Na cosmologia Iorubá, assim como na de outros
povos africanos, os acontecimentos do passado estão vivos nos mitos, que falam de grandes
feitos, atos heróicos e descobertas, entre outros acontecimentos dos quais a vida cotidiana
deriva, como continuidade do mito. Os mitos, em todas as culturas, são acontecimentos
atemporais, relacionados a tempos remotos, mas sempre atrelados à vida presente. O tempo
do mito é o tempo das origens. É um passado remoto sempre presente, permeando a
coletividade humana. Transmitido oralmente. Esse tempo cíclico seria, justamente, o tempo
da natureza, o tempo da memória, tempo mítico. E a religião é a ritualização dessa
memória, desse tempo mítico, cíclico, atemporal, sempre presente. Ela é a representação
disso na atualidade, através de seus símbolos e encenações ritualizadas, esse passado que
garante a identidade do grupo — quem somos, de onde viemos, para onde vamos? É o
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tempo da tradição, da não-mudança, tempo da religião como fonte de identidade que reitera
no cotidiano a memória ancestral.
Tudo isso tem a ver com o transe religioso. As tradições iorubá afirmam que cada
pessoa é portadora de diversas almas, sendo três mais importantes, 1. o Ori - a cabeça, que
contém o destino de cada um, a individualidade, que perece com a morte do corpo. 2. o
egum, que representa a continuidade familiar, o espírito do parente morto reencarnado no
novo ser humano que nasce e 3. o Orixá, que é a ligação com a origem mítica e com a
natureza, a referência ao mundo fora dos limites da família, o mundo total. (PRANDI,
2005)
O transe é uma representação corpórea da memória mítica coletiva, é o passado
sendo corporificado no presente, para se mostrar vivo. Os orixás se manifestam através de
seus “filhos”, quando estes dançam, cada qual com seus gestos característicos, que remetem
a seus feitos míticos, históricos, heróicos, à sua essência.
Com o presente trabalho, pretende-se, portanto, trazer a tona a importância ainda
pulsante da necessidade de se discutir o tema, ainda tão atual e conflitante, da aceitação das
religiões afro-brasileiras, seus cultos e crenças. Sobretudo no que diz respeito à presença
de características terrenas, humanas, tidas muitas vezes como aspectos profanos e por isso
alvos de preconceito, como no caso da incorporação, do transe.
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2.- Quadro de referências - Procedimentos metodológicos
A pesquisa foi realizada a partir dos procedimentos metodológicos pretendidos,
apresentados no projeto, tendo sido modificado apenas o olhar, devido ao novo recorte.
Foram realizadas sete idas ao Templo Guaracy, templo de umbanda localizado no
Embu das Artes - SP, nas quais cinco giras foram de caboclo, uma de preto velho e uma de
cigana. Entrevistas abertas e outras direcionadas foram realizadas com médiuns, cambonos
e abians, frequentadores do terreiro.
Através das observações, descrições, desenhos, fotografias e entrevistas, o trabalho
buscou trazer a tona a questão - importância - do reconhecimento da umbanda como
religião e cultura nacional, através do aprofundamento no tema da relação do sagrado com
o “profano" para a religião.
Ao realizar as primeiras entrevistas (a primeira transcrita em anexo), pautada por
questões ainda muito abertas sobre a sensação corporal dos médiuns durante a
incorporação, foram aparecendo empecilhos para a realização de um trabalho com um tema
tão amplo em tão pouco tempo. Seria necessário um profundo mergulho na mitologia dos
Orixás, assim como nos movimentos rituais de cada um de seus filhos, ao incorporarem
suas entidades. Por isso a mudança no recorte. Da mesma forma, com o novo recorte, tentei participar das giras de Elebara (pomba-
gira, exu), que seriam as ideais para discutir o tema proposto, entretanto, no terreiro que
estava frequentando desde o princípio do trabalho esse tipo de gira (gira de esquerda) não é
aberta ao grande público, mas apenas aos frequentadores cadastrados (que contribuem
mensalmente para a manutenção do espaço). A proibição da gravação de som e imagem também dificultou a coleta do
material de pesquisa. Ainda assim, através de desenhos e, durante uma festa, a autorização
para a captação de imagens específicas, possibilitou a existência de algum material.
Por ser um espaço religioso e permeado de segredos e silêncios, até compreender o
campo se tornou um grande desafio. Nada é óbvio, claro, escancarado, dito. Tudo são
detalhes, histórias, pequenos gestos e regras, que apenas com o tempo pude perceber e
captar. Ainda assim, muito deve ter passado desapercebido.
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3.- Descrição e análise / Quadro teórico
Optei por dar espaço à descrições e impressões coletadas durante todas as idas a
campo, ao mesmo tempo que, por motivos didático literários, me restringir à descrição
densa apenas das duas últimas ida ao terreiro, durante a gira de preto velho que prepararia o
espaço para a gira do dia seguinte, de cigana. A opção se balizou pelo fato de, a esta altura
(últimas idas a campo), eu já estar mais familiarizada com os acontecimentos, detalhes,
estética e funcionamento do local, possibilitando maior foco no tema da pesquisa. Da
mesma forma, a escolha se deu pelo fato de o recorte da pesquisa ter sido modificado no
meio do caminho. Ainda assim, as descrições das primeiras visitas foram utilizadas, assim
como tudo que delas permaneceu, como as percepções por elas possibilitadas. Afora os motivos acima descritos, o final de semana de festa realmente me pareceu a
situação que melhor expunha o tema da pesquisa.
Caminho de terra, beiradas e arredores verdes. A cada curva vou sendo
transportada para o interior da Bahia. Pessoas andando pelas ruas esburacadas, bares e
plantações.
Na entrada do terreiro homens uniformizados, calça preta e uma camiseta com o
símbolo do terreiro no centro, escrito sobre ele “Templo Guaracy”, sobre o peito esquerdo
as letras MTGZ, que depois fui descobrir significar MaTaGanZa, que é o nome do templo
de Embu (o pai Guaracy tem templos/terreiros espalhados por todo o mundo). Os homens,
responsáveis pela organização do estacionamento, indicavam onde deveríamos parar o
carro.
Espaço grande, bonito. No estacionamento, muitos carros. Subindo pela rua de
terra, já a pé. O espaço é grande, amplo e arborizado, manacás da serra, ipês, bananeiras,
um enorme gramado e, ao final da subida, um grande terreiro, circular, com areia no chão e
um pequeno círculo destacado ao centro; oito casinhas envolvem os fundos do terreiro, são
os templos de cada orixás. Esse espaço, que compreende o círculo de areia e as casas é
chamado por eles de campo sagrado.
Hoje é dia de festa. Uma gira de Preto Velho, Obaluaê (espírito dos negros
escravizados no Brasil) vai preparar o terreno e abrir espaço para a gira de cigana, (parte da
linha do oriente: linha formada por espíritos de cultura oriental) que ocorrerá amanhã. Hoje
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a gira acontecerá do lado de fora, no campo sagrado (Normalmente as giras ocorrem numa
construção coberta e cercada por paredes).
O babalorixá (pai de santo da casa) se dirige ao campo sagrado para abrir a gira
(ritual incorporação), sozinho no meio do areião, todo de branco, ele também, branco,
nordestino, por volta dos 70 anos, dentro do círculo sagrado. Ele puxa o primeiro ponto
(música) e os atabaques começam a tocar.
“Eu abro a nossa gira com Deus e Nossa Senhora, eu abro a nossa gira Sambolê pemba de
Angola. Está aberta a nossa gira com Deus e Nossa Senhora, está aberta a nossa gira
Sambolê pemba de Angola”. Os abians, cambonos, médiuns e os assistentes cantam junto,
todos ainda do lado de fora do campo. (Abian: pessoa que começou a desenvolver
mediunidade, mas ainda depende do seu médium para fazê-lo, diz-se que ainda está “no pé
do médium”. Cambono: ajudante do médium durante a incorporação. Médiuns: assim como
os abians e cambonos, os médiuns também incorporam, porém, só eles interagem com o
público enquanto incorporados, realizando os atendimentos. Assistentes: público em geral).
Aberta a gira, cambonos e abians entram no campo sagrado, em fila, dançando,
agora apenas ao som dos atabaques e agogôs dos ogãs (músicos).
O centro do espaço ritual está florido. Os abians, cambonos e médiuns, como de
costume, estão todos de branco, mas hoje há muitos detalhes e enfeites coloridos,
preparando o espaço para receber a Santa Sara Kali, padroeira dos ciganos. São homens e
mulheres, das mais diversas idades, batendo palmas, cantando e dançando. Levam no
pescoço suas guias, contas que contam, contam sobre os Orixás que acompanham mais de
perto cada pessoa e suas entidades. Contas, marrom, Xangô; verde, Oxóssi; vermelho,
Ogum, branco, Oxalá.
As cambonos mulheres, vestem seus vestidos rendados de muitas camadas, sempre
com a cabeça coberta por lenço branco, como um turbante, os homens: de calça e blusa,
tudo sempre branco.
Assim que todos adentram o campo, o pai de santo da início a gira. “Oxalá”, diz ele.
“Oxalá”, respondem seus filhos de santo. Oxalá é o Orixá maior, representado por Jesus no
sincretismo da umbanda com o catolicismo.
Em seguida o pai convida uma Mãe de Santo presente a adentrar no campo sagrado.
Uma senhora, vestida com muitos lenços coloridos, sobretudo azuis, cobrindo seu corpo e
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cabeça. Assim que ela entra o pai profere algumas palavras sobre a festa e em seguida puxa
outro ponto.
A festa para Santa Sara Kali, conta o pai, é uma festa espiritual, para que o templo
siga cumprindo seu papel, comprometido com a luz de Oxalá. O pai conta que ontem oito
médiuns se recolheram, em retiro, para que hoje pudessem trazer até a Mataganza a
presença de uma imagem muito especial. Os médiuns saíram de madrugada, em romaria, do
templo de São Paulo, para o templo de Embu, carregando com eles a imagem de Santa Sara
Kali.
“E enquanto esperamos os romeiros chegarem, vamos aprender alguns pontos”, convidou
o babalorixá.
Na tentativa de uma etnografia fluida, inspirada, por trabalhos de McClintock e
outros, busco aqui entrelaçar o literário ao acadêmico. Intercalando descrições e
observações à reflexões e análises.
As músicas que acompanham e permeiam as giras chamam atenção para o objeto
central de discussão e observação do presente trabalho, a convivência e, mais do que isso, a
importância do mundano para o sagrado na umbanda.
A pluralidade de temas trazidos através dos pontos (musicas cantadas durante a gira)
ameaçaria a fé de qualquer cristão, mas não de um umbandista. As músicas cantadas vão
desde canções populares da cultura brasileira, até hinos louvando Orixás, entidades e
Santos católicos. A música guia todo o processo, permeando e marcando toda a ritualística
da gira. É através das músicas que os médiuns sabem quando ajoelhar, sentar, incorporar e
desincorporar. Sinais simbólicos aprendidos através da vivencia e da memorização, mente e
corpo, espiritual e terreno, entrelaçados, dando forma ao ritual, dando corpo ao espiritual.
As canções permeiam a gira toda, perpassando assuntos terrenos, lúdicos, sagrados
e espirituais. São levados ao campo sagrado o bolo de fubá de dona Joana (ver pontos em
Anexo I), os Orixás, os peixes do mar, os amores, desamores e frustrações. Tudo cabe
dentro do terreiro. Em meio a risos e cantoria, imagens de santos, mensagens do mundo
espiritual, cigarros de palha, corpos, individuais e coletivos, a gira acontece. Em meio ao
movimento.
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Ao final, depois de fazer alguns cambonos e abians cantarem sozinhos, assim como,
todos juntos. O pai reflete sobre o quão bonita é a força daquilo que é feito coletivamente.
“Toda união cria uma força onde não existe”, afirma ele. Há necessidade do outro e da
terra, do terreiro, do terreno, do chão. Humano, húmus, terra, terreiro.
Inspirados nos mitos fundadores da religião, não havia como ser diferente. As
imagens míticas dos Orixás, assim como das entidades incorporadas, são caçadores,
pescadores, guerreiros, arqueiros, entre outras funções, todas claramente mundanas,
cotidianas. Os Orixás sentem amor e compaixão, mas também raiva, ira, ciúme. Fumam,
bebem, comem, se vingam, choram, se entristecem, fazem guerras e brigam, mas também
brincam, fazem festa e se conectam às forças amorosas da natureza. Assim acontece no
mito, assim é no rito e cada detalhe tem importância para a eficácia ritual das giras.
Símbolos sagrados e mundanos. Velas e bebida alcoólica, ervas sagradas e fumos, louvação
e dança frenética, hinos sacros e música de tambores, a disciplina e liberdade do corpo, o
movimento, o sacrifício animal, a pemba (pó sagrado, usado durante os atendimentos para
benzer as pessoas) e o sangue (sacrifícios ocorrem em alguns poucos terreiros de umbanda,
nos templos Guaracy não).
Enquanto esperávamos a chegada dos romeiros com a Santa, o campo sagrado foi
esvaziado, novamente em fila, todos saíram e foram aproveitar a festa. Em tendas e
barraquinhas de todo o tipo, são vendidas roupas, comidas, bebidas, entre chás e sucos,
assim como ervas sagradas, churrasco e até pacotes de viagens. Todos de branco, em vestes
rituais, com suas guias e outros adereços, à espera da chegada da Santa.
A cena descrita pode parecer estranha a primeira vista, mas a festa toda se
desenrolou nesse clima, entre o churrasco e a missa de fim de ano.
Muitos, ao saírem do campo sagrado, retiram suas guias do pescoço, deixando-as
penduradas nos braços. Outros não. Ao questionar uma pessoa sobre o por que do ato, ela
me responde que, fora do espaço sagrado, não é permitido ir ao banheiro, comer, beber ou
fumar portando as guias. Entretanto, a partir do momento em que se adentra o campo
sagrado, pretos-velhos, caboclos, ciganas, marinheiros e todas as outras entidades, fumam,
comem e bebem. São prazeres da carne, do corpo, permitidos e proibidos, para que o
sagrado aconteça. O mundo físico se mistura ao sagrado. O profano e o sagrado convivem e
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apesar de, diante dos nossos olhos saturados pela moral cristã, serem termos controversos
ou opostos, eles afinal, não o são, nem sequer nas religiões de origem cristã, que também
necessitam da existência do mal para afirmar o bem e das ferramentas corporais para
possibilitar o acesso ao sagrado. Mas isso não vem ao caso no presente trabalho. De
qualquer maneira, no fundo, o que se observa é que um não acontece sem o outro e que, na
realidade, um possibilita o outro.
Na umbanda a conexão se dá de forma mais clara do que em outras religiões, como
a católica, por exemplo; mas em ambos mundano e sagrado são necessários, apesar dos
julgamentos morais sobre o tema divergirem radicalmente de uma religião para outra. A
presença do corpo, em seus aspectos mais terrenos, mais mundanos, é essencial para que o
sagrado aconteça na umbanda. O corpo, deve estar em movimento, deve dançar. O corpo
gira, para que o sagrado possa se aproximar, o corpo come, fuma e bebe, o corpo fala,
castiga, dá broncas e, em alguns casos, até xinga. Assim acontece a conexão com os Orixás
e espíritos sagrados, entre rezas e danças, santos e orixás, guias, lenços, cigarro e churrasco.
Tudo faz parte.
Em seu livro “sociologia e antropologia” Mauss discute a produção social do corpo
e de diversos outros aspectos que possibilitam, segundo ele a eficácia ritual. No capítulo
“esboço de uma teoria geral da magia” ele enumera as condições necessárias para que um
rito ocorra, considerando sua ocorrência como dependente de técnicas específicas. O autor
perpassa a importância dos agentes e tudo o que se faz necessário para que eles estejam
ocupando a posição que ocupam, tanto individualmente quanto socialmente; afinal, para o
autor, a magia é um fenômeno social, coletivo. Ele encara o corpo como produto social.
“Ora, somente necessidades coletivas sentidas por todo um grupo podem forçar
todos os indivíduos desse grupo a operar, no mesmo momento, a mesma síntese. A crença
de todos, a fé, é o efeito da necessidade de todos, de seus desejos unânimes." (MAUSS,
1974)
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Da mesma forma Mauss chama atenção aos gestos rituais, sempre de acordo com o que está
sendo “encenado”, os detalhes, o banal, aquilo que se “não nos dissessem, ao menos
implicitamente, que se trata de ritos, seríamos tentados a ver neles apenas gestos muito
vulgares e sem caráter especial”. O autor não se esquece da importância do momento e do
local sagrado, os horários e de todas as circunstâncias e condições materiais e simbólicas
envolvidas para que o rito possa ocorrer.
"As práticas mágicas não são vazias de sentido. Elas correspondem a
representações, geralmente muito ricas, que constituem o terceiro elemento da magia.
Vimos que todo rito é uma espécie de linguagem. É que ele traduz uma idéia” (MAUSS,
1974)
Em “as técnicas do corpo” Mauss rediscute e estende a noção de técnica às noções
antigas, aos dados platônicos sobre a técnica, como Platão falava de um técnica da música
e, em particular, da dança. Para o autor técnica seria "um ato tradicional eficaz". É preciso
que seja tradicional e eficaz. Não há técnica e tampouco transmissão se não há tradição.
Para o autor, é nisso que o homem se distingue sobretudo dos animais: pela transmissão de
suas técnicas e muito provavelmente por sua transmissão oral.
O corpo é o primeiro e o mais natural instrumento do homem. Antes das técnicas
com instrumentos, há o conjunto de técnicas corporais. Esta adaptação constante a um fim
físico, mecânico, químico é perseguida em uma série de atos montados no e pelo indivíduo
e não apenas por ele mesmo, mas por toda a sua educação, por toda a sociedade da qual ele
faz parte, o lugar que ele nela ocupa. Cada gesto vem sempre carregado de símbolos e
significado. Nosso corpo carrega em si (e o demonstra através de nossos gestos e ações),
muitos mitos.
“Mito e corpo. Mito e natureza. A mente cria o mito, não a partir de seus programas
racionais, mas em resposta a sugestões do corpo em relação àquilo de que ele necessita. […
] Nas antigas culturas, acreditávamos profundamente em mitos e visões, em contar
histórias a respeito de como experienciar, como usar nossos corpos. A sociedade utilizava
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canções, danças e rituais religiosos para dar sustentação a essas imagens mítica do corpo
e às experiências que desejava que as pessoas tivessem.” (KELLEMAN, 2001)
Nas performances da umbanda uma constatação é clara, o corpo é o centro de tudo.
Assim sendo, no que diz respeito aos rituais de umbanda, as discussões de Mauss acerca
dos elementos necessários para que haja eficácia nos rituais, ainda se mostram
absolutamente atuais. As religiões afro-brasileiras estão enraizadas na cultura brasileira,
fazendo parte de nosso cotidiano, através das músicas, dos ritmos, da cultura, elas estão em
nossa memória racional, emocional e corporal.
Em cada gira, há todo um cenário preparado, o qual inclui desde vestimentas,
objetos, disposição de cada indivíduo, até os cânticos e toques de atabaque, de acordo com
os quais os médiuns sabem o momento exato de incorporar, desincorporar, levantar ou
abaixar.
Os pretos velhos sempre curvados, levam consigo suas bengalas e cigarros de palha,
os caboclos fumam tabaco, os ciganos levam consigo incensos, pedras, tarôs e cigarrilhas.
Cada qual depende de todos os mecanismos rituais para acontecer. Durante a festa de
cigana, as flores, eram rosas amarelas, mesma core dos lenços que enfeitavam o altar da
Santa, nesse dia não houve som de atabaque como nas outras giras. As vestimentas, eram
completamente diferentes. As ciganas se enfeitam com lindos tecidos coloridos, enquanto
pretos-velhos e caboclos tem adereços, mas a vestimenta principal segue sendo branca.
Quando os médiuns em desenvolvimento estão incorporados e por acaso fazem um
gesto pessoal e não da entidade, o médium que o auxilia irá sinalizar aquele movimento
durante a gira, segurando em sua guia. Enquanto a conexão está sendo afinada é normal
gestos pessoais acontecerem. Cada entidade tem movimentos muito próprios.
Nada disso acontece por acaso. Tudo, cada detalhe, é cuidadosamente pensado,
calculado, medido. Há uma preocupação com cada simbologia, as cores, tecidos, todo o
clima; a festa como um todo é uma tentativa de fazer com que o que estiver sendo cultuado
seja verdadeiramente cultuado e que sua energia possa nesse tomar o ar. Os fumos e, no
caso da gira de cigana os incensos, funcionam como proteção para o cavalo (nome também
usado para os médiuns que fazem a ponte dos espíritos com o que é terreno). A cor amarela,
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assim como a dourada, representam a linha cigana, sendo a cor do manto da Santa Sara
Kali.
Nesse processo, as regras vão sendo transmitidas e apreendidas, principalmente
através da oralidade e da observação, sobre cada detalhe que envolve o universo ritual das
giras na umbanda. O corpo - usando um termo próprio ao campo - “se faz”, ou seja, ele é
construído, assim como os médiuns “se fazem” em algum santo, quando são iniciados na
linha de um Orixá específico e passam a conseguir incorporá-lo. Nossos movimentos, sejam
eles cotidianos ou rituais, são todos apreendidos e toda a ritualística é importante.
Essa discussão sobre a espontaneidade dos gestos durante a incorporação causam
polêmica. Seriam eles aprendidos ou realmente espontâneos? Aparentemente são símbolos
pré-estabelecidos, gestos que se repetem de acordo com o Orixá que guia a entidade
incorporada. Ousando, talvez seja possível afirmar que o mundo espiritual também é regido
por símbolos, ao menos para comunicar-se com os seres encarnados na Terra. Pois os
gestos muitas vezes ocorrem em estados de total inconsciência (outras vezes não). Sendo
assim, de acordo com os médiuns com quem conversei, os gestos acontecem sem nenhuma
aprendizagem prévia. A sintonia com as entidades vai sendo afinada com o tempo e os
gestos vão se tornando cada vez mais fluidos, entretanto, segundo me foi dito, não se trata
de uma questão de aprendizagem, mas sim de uma questão de intimidade e de permissão do
cavalo (médium) para que o espírito "cavalgue" em seu corpo. O mesmo já não se afirma
sobre o toque dos instrumentos: "isso sim deve ser vivenciado e aprendido" para que possa
ser bem executado.
"Essa mesma questão fundamental colocava-se a mim, por um outro aspecto, a
propósito de todas as noções relativas à força mágica, à crença na eficácia não apenas
física, mas oral, ritual, de certos atos. Aqui me situo mais em meu terreno do que no
terreno perigoso da psicofisiologia dos modos de andar, no qual me arrisco diante de vós.
[...] Todos esses modos de agir eram técnicas, são técnicas do corpo.[...] Olhemos para
nós mesmos, neste momento. Tudo em nós todos é imposto" (MAUSS, 1974)
Com o tempo e as idas à campo, até eu comecei a adquirir certa linguagem comum
ao terreiro. No modo como cumprimentar as entidades, um cumprimento de braços, no
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gesto feito ao sair do campo sagrado, assim como por qual lado sair, com meu corpo
direcionado para onde. Enfim, em algumas idas ao templo Guaracy pude absorver e
aprender diversos traços e detalhes de um amplo vocabulário corporal apreendido pelos
frequentadores do local.
“Nessas condições, é preciso dizer muito simplesmente: devemos lidar com técnicas
corporais.” (MAUSS, 1974)
O clima desses dias de festa é, como em todas as outras giras, alegre e descontraído.
Uma grande comemoração. Risos são frequentes, piadas, conversas, palmas e cantorias, da
mesma forma que se pode ver pessoas impacientes ou irritadas. É humano. Húmus. Terra. É
terreno. E o sagrado se dá em meio à tudo isso.
Pelo microfone, é anunciada a chegada dos romeiros com a Santa e todas as pessoas
são convidadas a ir até o portão de entrada recebe-los. Uma enorme recepção. Na entrada
do portão, todos os que vestem branco, dos dois lados, enfeitando a chegada. A estátua da
santa está nas mãos do primeiro romeiro a entrar. São saudados com palmas e cantoria. Eles
seguem até o campo sagrado e atrás deles toda a corrente (frequentadores credenciados do
terreiro da Mataganza, entre cambonos, abians e médiuns). Em fila, caminhando num
movimento circular, entram pelo lado direito do círculo e seguem caminhando em sentido
anti-horário, até que toda a corrente tenha adentrado o círculo. Os ogãs tocam os atabaques
até que todos estejam dentro do campo sagrado. A música para e o pai de santo saúda a
todos. “Oxalá”, respondem, em coro, acompanhado por palmas.
Nesse momento os romeiros se deslocam mais para o centro do círculo e aquele que
carrega a imagem da Santa sobe em um pequeno palco, estrutura elevada bem no centro do
círculo, e lá ergue a estatueta, mostrando-a para todos. Até que o pai indique ao romeiro
que coloque a santa na altura de seu peito, ela segue erguida no ar, sendo ovacionada por
todos. A música recomeça. O pai se deita na areia para louvar Santa Sara Kali e, a caminho
de se erguer, entre a terra e o ar, o chão e o céu, ele incorpora seu preto velho. Recebe de
suas cambonos seus objetos sagrados, chapéu e cigarro de palha e, curvado, recebe a santa
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em suas mãos. Todos batem palmas. A Santa segue no centro, sendo passada de mão em
mão, sempre para alguém escolhido pelo babalorixá (pai de santo) para segurar a imagem,
sempre num ritual de ergue-la para todos verem e em seguida mante-la na altura do peito.
A pele, sentia. Um dia quente, fazia muito sol. Os olhos, viam, Todos de branco, pés
descalços, guias coloridas, vestimentas sagradas, objetos sagrados, espaço sagrado,
movimentos ritualísticos, sagrados, cantos sagrados, música sagrada, instrumentos
sagrados, símbolos sagrados. A imagem da Santa que acabara de chegar sendo louvada ao
centro. Os romeiros, emocionados, muitos choravam. Num dado momento, a incorporação
começa, os pretos velhos dançam e giram pelo espaço do círculo, ajudados por seus
cambonos, que os arrumam e “instrumentalizam” com seus objetos sagrados, até então
guardados, a espera da chegada do momento da transe. Todos envolvidos de corpo e alma.
Junto a tudo isso, os ouvidos escutavam, “péeem!péeem!péeem! Uma criança
pulava sobre uma placa de ferro, brincando com outras crianças, que corriam, gritavam e se
jogavam no chão. Os assistentes na beira do campo sagrado, conversavam sem parar,
outros, passeavam pelas tendas da festa, outras, descansavam, em suas cangas, lenços e
toalhas, espalhados pelo gramado.
Ao nariz, os aromas. Cigarro de palha e. Churrasco. O aroma de churrasco tomava o
ar, se sobrepondo a qualquer outro.
Imediatamente salta aos olhos, ouvidos e nariz, elementos, em primeira análise,
contraditórios, convivendo e, mais do que isso, dialogando numa festa dedicada à uma
Santa. O sagrado e o mundano, num mesmo espaço, sendo absorvidos simultaneamente por
cada sentido do corpo.
Termos consagrados como o “sagrado” e o “profano”, em nossa sociedade tem
dificuldade de conviver. A umbanda apresenta essa possibilidade e justamente por isso sofre
com preconceitos.
À luz das discussões de Didier Fassin, em sua obra "Além do Bem e do Mal -
Beyond good and evil", busco traçar, mesmo que de forma sucinta e relativamente
superficial, uma antropologia da moral, observada em campo.
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Nossa sociedade é pautada em valores morais sobre o bem e o mal, sobre o certo e o
errado. Valores, em muito, inspirados na moral cristã que permeia o social, perpassando os
indivíduos, em sua grande maioria e, muitas vezes, guiando suas ações e opiniões, no afã de
"se agir a favor do bem e contra o mal.”
Por serem portadoras de valores morais um pouco diferentes dos cristãos, as
religiões afro-brasileiras se tornam alvo de grandes preconceitos e medos, por parte
daqueles que, ao se basearem na moral difundida em nossa sociedade, imaginam estar
agindo a favor de um pressuposto "bem".
O certo e o errado, o bem e o mal, o sagrado e o mundano, na umbanda, convivem,
de forma muito mais consciente do que em outras religiões e na moralidade geral que flui
pelas veias de nossa sociedade. Durante as idas à campo a única distinção que poderia ser
descrita nesse sentido seria entre certo e errado, mas apenas com relação a obrigatoriedade
de técnicas do corpo para a eficácia ritual, afora isso não se detecta grande oposição entre
as noções de bem e mal.
Bem e mal. A dualidade já sugere o que novamente é trazido à tona aqui. Um
necessita do outro para existir, mesmo que apenas por motivos teórico simbólicos, dentro
da sempre necessidade de classificação que acomete a sociedade humana. O bem existe
porque existe o mal e vice-versa. Em outra religiões a frase também é verdadeira, entretanto
na umbanda a moral que permeia os cultos, crenças e atos não parece, como na religião
católica por exemplo, crer em uma clara separação entre o bem e o mal.
Em nossa sociedade as pessoas tentam prezar por certas imagens santificadas de si e
dos outros, quando na verdade existe sempre um outro lado dentro de nós. Um lado “bom”
e um “mau” coexistem. Novamente, contradições convivendo. E na umbanda isso é
justamente acentuado, seja pela mitologia dos orixás, seja pelo retrato das festas, rituais e
giras. Afinal, "quem busca a umbanda, busca por que? Pois está precisando de alguma
ajuda." - conversa com cambono, durante a gira de cigana
“Ninguém disse que a fé tem que ser só bonita. Quando você aprende a cultuar as
tuas sombras, quer dizer que você entendeu a tua sombra, que você sabe lidar com ela. E
isso é muito mais profundo do que fingir viver num estado de pureza total, altruísmo e que
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sua espiritualidade te faz superior a alguém. Não somos isso. Não adianta cultuarmos algo
que não somos.
Quando criamos um Deus que é iluminado, que é benevolente e só, ele realmente não é
nada do que somos aqui na terra. Por onde afinal nos conectamos verdadeiramente com
um Deus desse?
O fato de um Exu falar palavrão, só é feio porque fomos ensinados a perceber assim,
porque na realidade tudo que ele fala é muito lindo, só precisamos apreender a fazer a
leitura dessa linguagem.
Ser equilibrado, a palavra já indica. Equilíbrio, entre sombra e luz, entre
possibilidades de ser. O principal da religião é o encantamento. é conseguir olhar para
todas as coisas e entender onde está a beleza delas, desestruturando conceitos que temos.
Ainda há muito preconceito." (Idem)
Durante as idas ao terreiro ouvi muitos discursos do babalorixá sobre o amor, sobre
a força da coletividade. Entretanto, em momento algum o tom do discurso pretendia pregar
o amor atrelado ao bem e contra o ódio, o mal, mas mais no sentido de desejar que o amor
permeasse a vida de todos ali e que se pudesse levar o amor que as entidades trazem aos
que participaram da gira para fora dali. O amor em questão nesses discursos parece partir
de noções morais diferentes do senso comum. É o amor vestido no corpo, em gestos por
vezes brutos, como vi um dia uma preta velha batendo na cabeça de sua cambono, ou como
escutei relatos sobre as giras de Elebara (pomba-gira e exu - são giras fechadas ao grande
público, apenas os participantes credenciados podem assisti-las), durante as quais o amor
está claramente presente, mas é através de palavrões, álcool, xingamentos e fumo que ele é
transmitido. Resta então ao ouvinte conseguir captar a amorosidade num contexto
aparentemente tão imoral.
Num mundo em que a grande mídia dissemina imagens que se restringem à
valorização de apenas uma forma de linguagem, desvalorizando e deslegitimando outras
culturas e formas de expressão; fica mais fácil tecer caminhos para a compreensão da
enorme incompreensão com relação às formas da umbanda - religião nascida das margens,
da periferia da sociedade, as quais, historicamente, nunca foram a voz valorizada. Somos
colocados (nos colocamos) numa situação clara de "anestesia cultural", como nomeia e
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descreve Allen Feldman, em seu texto "On Cultural Anesthesia: From Desert Storm to
Rodney King" - Sobre a anestesia cultural
"Como a periferia fala a verdade ao centro se o próprio constructo centro/periferia
é condicionado pela inadmissibilidade da experiência sensorial alheia [alien]? Quanto o
Outro é capturado pelo olhar poderoso e refletido [mirroring] da cultura midiática de
massa direta ou indireta, e inclusive com ele se identifica, que outras opções perceptuais
foram banidas, fechadas e deslegitimadas pela anestesia cultural?" (FELDMAN, Allen)
Como falar sobre o que vivencio e sinto se ninguém fala minha língua e todos me
olham com julgamentos, raiva e preconceitos? Por vezes, melhor não falar, foi o que me
responderam algumas das pessoas com quem conversei sobre o tema. "As pessoas ou
acham muito interessante ou muito horrível, nunca ser umbandista é algo normal, tanto
quanto ser budista ou católico ou judeu. Ou é atração pelo mistério ou repulsão.”
Numa cultura anestesiada como a nossa, é sempre mais cômodo que o outro possa
permanecer sendo Outro, de quem me defendo com todas as minhas verdade. Assim eu não
preciso desmontar de meus personagens sociais, me despir de meus ideais e certezas e
encarar de modo aberto e acolhedor verdades que não as minhas. Tudo para não encarar
abismos pessoais. E pouco importa se as imagens circuladas sobre o assunto coincidem ou
não com as impressões que eu teria, caso decidisse não consumir as imagens anestesiadas,
como consumo qualquer outro bem, como commodities.
— "O que é veiculado é isso, eu acredito e sigo consumindo. Me anestesio para possíveis
novas verdades experienciáveis sobre o mundo real que me cerca, contento-me com o que
me e transmitido intelectualmente."
Dessa forma, anestesiado, seguimos reproduzindo as imagens e as idéias morais a
ela vinculadas, seguimos, mesmo que sem perceber, atores políticos disseminando a não
abertura às verdades do outro, presos e sustentados por minhas verdades, provindas de uma
cultura anestesiada, que se pretende, além de tudo, permanente, imutável, portadora de
valores morais inabaláveis, superiores à qualquer outra possibilidade.
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Na umbanda, estar aberto ao outro se faz mister para que se atinja sua eficácia ritual.
A conexão espiritual aqui depende de um corpo aberto à outro, uma verdade aberta à outras.
São outros gestos, outro modo de falar, outros hábitos que habitam esse outro que vem
habitar o médium. Afora o corpo, que deve girar para conectar, o canto é em coro, a dança é
conjunta e os instrumentos dão o tom. Umbanda, a cultura do movimento, em movimento.
A imagem vale mais do que mil palavras. Uma cultura, erguida sobre corpos em
movimento. Cultura é movimento.
Retomemos aqui Levi-Strauss, em seu trabalho "Raça e História". O autor discorre
sobre a construção das culturas, afirmando que essas estão em constante modificação, em
constante movimento, é a sempre sobreposição e fusão de verdades distintas, sendo
arranjadas e rearranjadas, inventadas e reinventadas.
A umbanda parece então um exemplo ideal. Brasil, África, brancos, negros, pardos,
mulatos, pretos velhos, caboclos, ciganas, música, churrasco, tudo se soma. Uma cultura
que se abriu para receber em si o outro e assim se formou. Atualmente, frequentar a
umbanda é um caminho de desanestesia cultural.
Encara-se verdades muito diferentes das habitualmente veiculadas pela mídia e pela
cultura brasileira em geral. Supera-se a inércia de manter-se fixo sobre um espelho de si e e
vai-se ao encontro do outro, por mais abismal que possa parecer o desconhecido num
primeiro encontro. E através da vivencia, não apenas intelectual, mas corporal desse Outro
possível, é que os caminhos vão sendo trilhados. São corpos sendo construídos,
reterritorializados. Aqui, vivencia-se o mundo através do corpo e não através de imagens
midiáticas (justamente tentando se desgrudar delas para fluir nas margens.)
"A colonização sensorial, produzida pela articulação da cultura do Estado, pela
mídia e por mitologias perceptuais (raciais, étnicas e de gênero) da modernidade, interdita
a estrutura do cotidiano como uma zona semiautônoma de possibilidade histórica e
oportunidades de vida. Racionalidade do Estado, legal ou da mídia, separadamente ou
combinadas, podem erguer um cordão sanitário ao redor da violência crônica “aceitável”
ou “razoável” na mesma medida em que com sucesso infiltram a percepção social para
neutralizar [neuter] traumas coletivos, subtrair ou silenciar vítimas e instalar zonas
públicas de amnésia perceptual que privatizam e encarceram a memória histórica. Nesse
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contexto pulverizado “a memória dos sentidos” se torna um repositório vital da
consciência histórica e, uma vez partilhada e trocada, a base para identidades culturais
ilícitas.
Histórias sensoriais contrapontuais podem ser recuperadas em escombros
espalhados do inadmissível: biografias perdidas, memórias, palavras, dores, olhares e
rostos que se juntam num vasto e secreto museu da ausência histórica e
sensorial." (FELDMAN Allen)
Nesse sentido a umbanda pode ser percebida como um espaço de resistência, dos
mitos, biografias, memórias e histórias, sobreviventes em meio à colonização sensorial.
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4.- Conclusão
A umbanda hoje amplamente disseminada no território brasileiro veio do candomblé
de outrora. A pele preta do africano, através de séculos de miscigenação, atingiu as mais
variadas tonalidades. Muito embora a discriminação racial acirrada refreie, e muito, a
acensão social de classes inferiores, existiu e ainda existe um grande movimento a favor da
cultura e da igualdade de direitos sociais para negros, mestiços e brancos.
História de preconceito e discriminação que até hoje continua presente em nossa
sociedade. Desde a colonização, o país foi erguido sobre bases preconceituosas e
discriminatórias para com valores que não compactuassem com a moral cristã, transmitida
e disseminada no país como caminho da salvação desde então. Até hoje os preconceitos
continuam. Certamente o caminho da compreensão do lugar do profano na umbanda pode
nos ajudar a compreender e explicar o por que da discriminação. A convivência pacífica com o mundano, os traços terrenos, através da dança, dos
tambores, do canto, do álcool, do fumo e, no caso das giras de elebara, da pornografia, do
vocabulário de baixo calão, como palavrões, assim como da sedução. Tudo isso sempre foi
e segue sendo mal visto, quando na realidade esses são todos traços de nossa cultura, de
nossa sociedade com os quais as religiões afro-brasileiras lidam com maior naturalidade do
que a maioria das religiões cristãs e do que a própria moral, pautada pelos bons costumes,
de nossa sociedade. A história do mundo é bélica, a trajetória da humanidade é
necessariamente carnal, a biografia dos indivíduos é permeada pelo “pecado”.
“Aquele que nunca pecou, que atire a primeira pedra"
Na umbanda, assim como em outras religiões afro-brasileiras, o sagrado é o profano, o
corpo é sagrado, o mundano é celestial, o espiritual é terreno e tudo isso convive em pé de
igualdade.
Sendo assim, parece-me que, para que um caminho de convivência respeitosa e em busca
da diminuição das discriminações para com as religiões afro brasileiras, as quais se
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estendem até hoje em preconceitos para com a população negra e sua cultura, é preciso
adentrar os rumos da compreensão e da aceitação do corpo, da sedução, da dança, do
profano, lado a lado ao sagrado. Sem branco no preto, pois sociedade e cultura são
compostos de um enorme degradê, havendo muito mais tons do que branco e preto. Somos
todos pardos, mulatos, mestiços, cafuzos e mamelucos.
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5.- BIBLIOGRAFIA -
BARBOSA, Marielle Kellermann; BAIRRAO, José Francisco Miguel Henriques. Análise
do movimento em rituais umbandistas. Psic.: Teor. e Pesq., Brasília , v. 24, n. 2, June
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inconsciente. São Paulo: Rosari, 2004 BASTIDE, Roger. Elementos de sociologia religiosa, 1935. São Paulo
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SILVA, Vagner Gonçalves da. Candomblé e Umbanda, Caminhos da Devoção Brasileira.
Selo Negro, 2005
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6.- ApêndicesAnexo I - Pontos
Alguns dos pontos cantados durante as giras:
“Nesta casa de guerreiro (Ogum), vim de longe pra rezar (Ogum). Peço a Deus pelos
doentes (Ogum), com fé em Obatalá (Ogum).
Ogum salve a casa santa (Ogum), os presentes e os ausentes (Ogum). Salve nossas
esperanças (Ogum), salve velhos e crianças (Ogum).
Preto Velho ensinou (Ogum), na cartilha de aruanda êê (Ogum). E Ogum não esqueceu
(Ogum), como vencer a demanda (Ogum).
Ogum, meu pai, Ogunhê. (2x)
A tristeza vai embora, (Ogum), vai na espada de um guerreiro (Ogum). E a luz do romper
da aurora, (Ogum), vai brilhar neste terreiro. (Ogum).
A tristeza foi embora (Ogum), foi na espada de um guerreiro, (Ogum) e a luz do romper da
aurora, (Ogum) já brilou neste terreiro.
Ogum, meu pai, Ogumnhê (2x)"
“Ô, Dona Joana cadê o bolo de fubá? Ô, Dona Joana cadê o bolo de fubá? Se é por falta de
farinha, diz aí que eu vou buscar. O galo já cantou, a coruja foi dormir, o café já está no
bule, pra roça tenho que ir. Não importa, seu Arlindo se já sabem do beabá. Eu não vou para
o batente sem meu bolo de fubá.”
“Como pode um peixe vivo viver fora d'água fria (bis)
Como poderei viver, como poderei viver
Sem a tua sem a tua, sem a tua companhia”
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Anexo II - Texto do Pai
A OUTRA FACE DO "DEMÔNIO" POR
CARLOS BUBYy - Babalorixá (pai de Santo) do Terreiro frequentado - Mataganza -
Templo Guaracy
Alguém criou o demônio e, sem saber o que fazer com ele, o mandou para a Umbanda com
"cópia autenticada", também para o Candomblé e outras tradições, é claro, não radicais ou
violentas. Responsabilizado pelos fracassos e infortúnios do mundo, o demônio acabou se
transformando numa boa justificativa, e porque não dizer num alívio para aqueles que,
"incapacitados" de perceber ou assumir os próprios desacertos, culpam forças malignas.
Com muito esforço, podemos compreender a simbologia contida na expressão grega
daimónion, que se refere a uma forma oposicionista ao bem. Entretanto, alimentar a crença
de que existe uma guerra entre o bem e o mal é o mesmo que professar o politeísmo.
Apesar de tudo ter sido criado por um Deus único, com certeza a unicidade não era o Seu
objetivo final pois, se assim fosse, a Natureza não seria tão diversificada e o equilíbrio
natural não se faria a partir da ação de implacáveis predadores. Portanto, classificar
fenômenos instintivos como sendo expressões demoníacas é o mesmo que culpar o Tempo
pelo nosso processo de envelhecimento.
Há quem diga que os demônios são seres pensantes capazes de interferir na consciência das
pessoas e, desta maneira, conduzi-las ao sofrimento em função do distanciamento de Deus.
Não temos dúvidas que o distanciamento de Deus causa sofrimento e astenia profunda.
Todavia, explicar as diferentes causas que favorecem a desconexão com a Essência da Vida
apenas com discursos religiosos significa limitar o problema ao nível da crença. Isto é
muito perigoso, pois o ser humano age e reage em função do que acredita. E crer no
demônio é a melhor forma para fazê-lo existir, não no aspecto teológico, e sim psicológico.
O Templo Guaracy admite a existência de seres espirituais evoluídos e outros em fase de
evolução. Porém todos, indistintamente, são considerados filhos de Deus e dignos do
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respeito de todos os Homens. Até aqueles que habitam os mais obscuros planos espirituais
não são discriminados e nem excluídos. Quais seriam as reações no nosso mundo social se
os errantes fossem marginalizados, os pobres excluídos, as crianças abandonadas, os negros
sem oportunidades, os índios dizimados, as prostitutas apedrejadas, os homossexuais
discriminados e a "salvação" fosse um privilégio exclusivo dos que tem boa vontade? Estas
são indagações que não representam, contudo, qualquer indício de indignação. A
indignação nos abrasa quando tais injustiças sociais são simploriamente atribuídas ao
demônio. Apaziguai o Dragão e Jorge será Livre.
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Anexo III - Entrevista transcrita
Entrevista com Fernando, 20 anos, São Paulo - SP Entrevistadora: Eu queria saber como você começou a frequentar a umbanda. Como e por que?
FA: Bom, como é fácil. Porque minha prima.. é… eu nunca conheci nada sobre a Umbanda, nunca tive nenhuma ligação e… sabia de histórias do meu avô que tinha conexão contato de alguma forma com a umbanda e, aí a minha prima começou a frequentar e começou a desenvolver um trabalho lá e através dela eu fui e conheci uma gira. E eu achei muito bonito e muito gostoso o lugar e eu comecei a ir algumas vezes lá. Porque eu me sentia bem lá, gostava .. a gira, de manha, um lugar ali no meio da natureza, é, muita música e as coisas que as entidades falavam sempre eram muito boas, fortes e bonitas e, sempre me fez bem, então.. porque, só por isso.
Entrevistadora: E faz tempo que você começou a ir?
FA: Não. Faz dois anos. Eu fui pela primeira vez em 2012.
Entrevistadora: E o que te atraiu e o que te fez permanecer?
FA: É acho que foi, sempre como eu tenho com muitas outras coisas, por uma questão da sensação que a coisa e que o lugar me trazia. Eu sempre gostei muito de estar lá, é… era um ambiente muito gostoso, tanto pelo momento da manhã, pela natureza, pelo templo ali. Das músicas das canções. Conversar com as entidades. Eram sempre coisas muito bonitas que elas falavam, sempre traziam coisas boas de ouvir ou importantes de ouvir ou, enfim. Então eu permaneci porque… por causa disso, assim, eu nunca tive uma frequência, assim, de ir de repente por três meses todo fim de semana assim, eu sempre ia um pouco, eu sempre mantive uma frequência mais ou menos regular, mais espaçada. Mas porque eu sempre gostei de estar lá. Porque me fazia bem e eu gostava do contato com aquele lugar e com aquele espaço. Independente de nomes de umbanda do que era ou o que num era, a sensação do lugar me era agradável.
Entrevistadora: E você, pelo que eu entendi, começou a incorporar a pouco tempo?
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FA: Sim. É, mais ou menos. É, eu comecei, talvez, a ter um contato um pouco mais próximo, através do meu corpo, com essa conexão com as entidades. Mas eu não diria que eu comecei a incorporar. Eu acho que ainda não chegou nesse lugar. É, depois de eu, no meio desse ano, a entidade falou que… normalmente, lá no lugar onde eu frequento, tem giras da linha de caboclo, principalmente. E… Então eu tenho mais contato com o caboclo do medium que eu me atendo lá, que eu… Então as entidades são seres que acompanham a própria pessoa, então existe um medium que eu vou lá e, o caboclo desse médium é uma entidade que acompanha esse médium e trabalha pra outras pessoas então, … E esse caboclo desse medium que eu me atendia, depois de algumas vezes, porque eu sempre passo com ele, assim né, existe essa coisa de experimentar, de conhecer algumas entidades você começa a desenvolver mais um trabalho, seja só indo conversar com a entidade, mas com uma entidade só. E cada uma atua de um jeito e tem um trabalho de um jeito e é legal você seguir uma linha. Se você for seguir mais e não for logo mais pontual e de ir só algumas vezes… Então o caboclo me falou que eu… abriu… falou que as portas estavam abertas ali e, que ele achava que era um momento em que se eu quisesse eu poderia começar a desenvolver, ou seja, trazer… é, começar a me aproximar do caboclo que me acompanha, dessa entidade que me acompanha pra começar a incorporar. E isso foi um processo que eu fiquei… primeiro não tive muita vontade, assim, num achava que era por esse caminho, porque eu gostava muito mas num sentia essa vontade de começar a incorporar e tudo mais. Mas e aí eu continuei indo lá, assim, normal, num existe nenhum tipo de pressão pra que isso aconteça, tipo, é uma escolha como tudo. E aí a princípio eu tinha escolhido não fazer isso e aí eu comecei a… aí eu tinha decidido que não mas eu ia semana sim, semana não, as vezes ia as vezes num ia e sempre muito gostoso e tal. E eu queria me apropriar um pouco, entender um pouco mais da umbanda, sabe, contextualizar um pouco, porque era um lugar que me fazia muito bem, a sensação era muito boa mas eu não conheço nada, num sei que que é umbanda. Também tem um monte de preconceito que existe entorno da umbanda e que também existe em mim, naturalmente… num sei se preconceito é a palavra, mas é … preconceito… e que eu queria entender um pouco da onde vinha, o que que era, o que que era umbanda, o porque, é, que eu tava começando a me envolver mais antes de começar a incorporar e desenvolver um trabalho, começar a me contextualizar, o que era aquilo, tal. Mas aí eu to vendo que isso é uma coisa que vai acontecendo aos poucos e ninguém nunca sabe de nada no fundo, assim. Tem uma coisa forte de tradição oral da umbanda, então era uma coisa que… abriu-se um espaço entre o medium, que eu vou me atender com a entidade dele, de eu perguntar coisas pra ele de eu entender melhor, tal, mas aí eu perdi um pouco essa necessidade de querer entender tudo antes de começar, assim. Mas na verdade num foi nem uma… antes de uma escolha de
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começar a desenvolver, rolou um… uma gira que eu fui que rolou uma… que eu tive um contato com essa entidade, que foi uma coisa muito gostosa e muito bonita e muito boa pra mim. Então eu quis, eu tive vontade de acessar mais isso, assim, então oficialmente eu num tinha me colocado nesse lugar de vou começar a desenvolver, mas eu fui numa gira e aí o caboclo falou pra mim do meu caboclo, falou da… enfim, falou umas coisas assim… e pediu pra eu dançar, tá sempre acontecendo música durante a gira. E aí eu comecei a dançar aí foi muito bom, assim, tipo, e foi uma coisa muito sutil muito leve, foi uma sensação muito gostosa, assim, e aí eu entendi que aquilo era uma coisa que tava acontecendo que num era simplesmente eu dançando. E foi uma sensação muito agradável então a partir de novo das sensações, que é muito como eu funciono, eu comecei a ver que eu podia ir começando a me envolver ali com aquele espaço, com aquele lugar, com aquele contexto sem ficar me perguntando muito, com muito medo e que aos poucos eu vou entendendo, eu vou me contextualizando mais no lugar e nas coisas todas. Mas, então eu acho que agora eu vou falar um pouco de como foi a experiência, né? Foi essa a pergunta?
Entrevistadora: Unhum. Não, era como você começou a incorporar mas aí eu queria saber também quais são as sensações, como é a experiência?
FA: é, porque na verdade eu meio que tomei a decisão interna de começar a desenvolver, sábado agora. É, então eu ainda nem comecei de fato a… Mas o que aconteceu foi isso, então eu comecei a ter esse primeiro contato com a, com o meu caboclo e foi boa a sensação e aí sábado agora ele me falou, de novo, me lembrou: ó acho que vai ser legal pra você, tem esse convite aí mas ,como tudo na vida, são escolhas e você que vai ter que decidir. E aí a primeira vez que teve esse contato que foi algo que eu num tinha decidido que eu ia começar ou não mas ele falou pra eu dançar e começou a acontecer uma coisa que foi super tranquilo, super leve assim. E num é, num tem nenhum lugar de puts, comecei a entrar, e agora não tenho mais como sair desse lugar onde eu to entrando, tipo, num tem… é uma coisa que é muito mais natural do que pode parecer. Ele é, entonasse dia o caboclo falou pra eu começar a dançar na música e eu comecei a dançar, só que eu já comecei, a música tava bem baixinha, bem suave assim e, eu comecei a dançar, fechei o olho e eu comecei a sentir uma sensação muito boa assim, de, o que me vinha na minha… na sensação era muito água assim… era uma relaçao com água. Era uma dança muito leve que mexia a mão, o corpo, num movimento assim, bem do balanço da água. E que era muito tranquilo. Só que eu comecei a… a sensação, era uma coisa que eu tava fazendo só que se eu parar, se eu relaxasse meu corpo, meu corpo continuava fazendo. Se eu quisesse parar eu podia parar, não tem uma coisa que eu perco o controle, perdi o controla da… do que tava
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acontecendo mas era como se eu tivesse ali a oportunidade de me entregar a um movimento que podia acontecer com meu corpo. E aí eu escolhi a me entregar a essa oportunidade e… e deixava vim. E num é uma coisa que cê sente e olha esse movimento não é meu, mas tem uma coisa a mais. Assim, a sensação que as pessoas costumam descrever e que eu quando falei pra pessoas, foi justamente essa de, cê tá dançando e começa a vir movimentos que não são seus. Que de alguma forma é mais ou menos isso, só que eles também são movimentos seus, é uma coisa que é você que tá fazendo porque num tem nenhuma diferença no estado de consciência naquele momento ali, mas é uma.. é como eu falei é uma… um estado, uma oportunidade de se entregar ao movimento que o seu corpo tá querendo fazer. E o seu corpo começa a querer fazer isso. E aí foi essa coisa muito água, assim, e eu comecei a ir, assim, e eu entrei numa dança, assim, que era minha, criada junto com outra coisa, que era talvez minha, talvez não minha, mas… então eu num sei muito explicar mas era mais ou menos por aí, assim. Tende a ser essa coisa que é um… movimentos que vêm que não são meus, mas é… é meu também, é permitir acontecer. E aí foi uma coisa muito leve,muito tranquila, assim, foi bem passear na água assim, e vim e voltar, e aí o caboclo falou pra mim, o caboclo do meu médium, do médium que eu me atendo la, ele falou comigo e aí eu abri o olho e me virei a ele e ele perguntou como é que tinha sido que que tinha acontecido, como é que foi experiência mas assim, foi só ele falar comigo que eu já abri o olho, já falei com ele assim. Num tinha um estado de sair desse lugar, era aquela coisa natural. E aí ele falou do meu caboclo, falou umas coisas bonitas, assim, da dança, da coisa, assim, falou como era meu caboclo quando ele tava na terra… os caboclos são os índios, né. E a coisa da dança da cura e tal. E aí… E aí foi isso. A outra experiência foi… foi um pouco mais forte, assim, foi uma presença mais forte dessa…. desse movimento que não meu ou que é meu e eu to permitindo ele acontecer, que foi o… a tal da gira, né. Foi é o movimento de girar, assim… que foi ele… foi assim… eu fui me consultar com o caboclo tal, ele falou umas coisas daí ele falou já pra eu dançar… não ele num falou pra eu dançar, ele falou que eu já sabia o que eu tinha que fazer, ele falou; “vai faz aí o que cê tem que fazer” teve um momento ali que ele falou pra eu fazer o que eu já sabia que eu tinha que fazer. E desde que eu cheguei na gira esse dia eu já tava sentindo uma presença muito forte do que eu interpretei como a presença do meu caboclo, assim, uma energia que… de algo que tava próximo de mim assim, eu senti antes de começar a gira, que ia ter o contato assim, que ia ser mais fácil de acontecer, com o caboclo naquele dia, porque tava des do começo da gira, assim, eu achei bem forte, a gira tava bonito a música, a coisa, num sei, meu momento também. E aí eu comecei a dançar a música já tava mais forte, assim, e aí é, eu larguei meu corpo, assim, e fiquei tentando deixar o movimento vim e… e aí eu comecei a querer rodar prum lado assim, comecei a rodar. E é muito louco,
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assim, é uma sensação de que você num sabe direito se é você que tá fazendo e você pode, ah, cansei, quero abrir o olho. Mas aí eu tava tentando mesmo me permitir e não ter medo daquele movimento que eu tava fazendo. E aí eu comecei a rodar, assim, e eu falei nossa, eu to rodando e ta… é como se fosse assim: é um movimento que se apresenta pro seu corpo, que ele é o mais óbvio de fazer. Então, num é que você num escolhe fazer ele. Você escolhe fazer ele, mas parece que é um caminho mais claro e mais fluido pro seu corpo naquele momento. E aí por isso você começa a rodar. Num é que é uma força faz você rodar e aí você num tem controle. É o caminho mais óbvio que se apresenta pro seu corpo pra fluir naquele momento. E você simplesmente aceita ou não. E eu tive essa experiência. Eu comecei a rodar e comecei a rodar mais rápido e aí eu comecei a querer não ir tão rápido… opa que movimento é esse… e aí eu comecei a ter um controle de fazer um movimento que não fosse esse e que era o mais fluido daquele momento, eu comecei a perder o equilíbrio e ver que se eu fizesse aquilo talvez eu fosse cair ou talvez fosse acontecer alguma coisa, talvez num ia… talvez não fosse dar tão certo. Daí eu falei ah, então tá bom, relaxa aí e venha movimento, e deixa vir o movimento. Daí eu comecei a rodar e comecei a rodar muito rápido, minha sensação, comecei a rodar, rodar, rodar e meu braço começou a abrir eu comecei a… e fiquei de braço aberto e rodando, rodando rodando, rodando, rodando e aí o caboclo pegou na minha guia, que é o colar que a gente usa, que eu tava usando o meu colar, a guia, aí o caboclo pe vou na minha guia e me parou assim, aí nossa! Aí eu voltei assim, tipo, voltei não, né, parei de rodar e fiquei, tava totalmente tonto assim, porque porque eu já ouvi dizer, assim, que, da minha prima inclusive, que a primeira… os primeiros contatos… a primeira vez que ele resolve rodar cê fica super tonto, assim, mas parece que depois passa, assim… (risos) Mas foi assim aí eu fiquei rodando, rodando, rodando aí ele me parou. Aí eu abri o olho e tava super tonto assim, falei: nossa! Jesus! quem me rodou aqui! E aí ele falou coisas também, falou do significado do, do giro, o que é, o que ele significava, assim, aquele rodar, assim, falou de oxossi, tal falou umas coisas assim. E aí foi isso. Minha experiência por enquanto tem sido essa, assim.
Entrevistadora: É bom? É bom em todos os momentos? Tem momentos em que é incomodo ou dá medo, é desprazeroso?
FA: Eu acho que isso é… é uma coisa que eu ainda to começando a ter… a me envolver pra saber dizer melhor. Mas das experiências que eu tive, a primeira vez, aquela coisa da água, foi muito boa, assim, a sensação no corpo de tar dançando aquilo e de tar me envolvendo com aquilo era muito bom, muito paz, muito gostoso, assim. E fazia sentido, assim, parecia
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que eu tava em contato com aquela pessoa que eu conheço, assim, de aquele ser que… e aquilo faz sentido, assim, que eu acredito e confio naquele movimento. É… da segunda vez quando foi esse giro mais de rodar, rodar, rodar, é… eu num tinha… num fiquei com medo. Porque já vi pessoas rodando e já vi isso. É… mas é essa coisa da entrega, assim, que no começo eu tava tipo, puts, eu acho que eu num quero rodar tanto, tipo, eu fiquei pensando, tipo, nossa, acho que eu vou meio ficar tonto, tipo, sei lá… eu não sei se foi isso que eu pensei mas… Tipo, eu tava… eu comecei a rodar porque até então é como ele falou comecei a dançar e comecei a girar. Daí eu falei tá agora eu vou fazer outro movimento, mas meu corpo sabia que o movimento certo e fluido parqueie momento era continuar girando. Daí eu quis fazer outra coisa, então não foi um medo mas foi uma tentativa de controlar algo que já num tava mais no controle. Que era uma coisa que tinha que ser fluida. E aí eu… Mas medo não, mas enquanto eu tava rodando num foi ruim nem bom, assim, tipo, era, é gostoso, a sensação dessa presença próxima , assim, é gostoso, mas… e aí enquanto eu tava rodando eu tava tranquilo, assim, tipo, eu tava tranquilo, eu não tava me sentido tonto, eu tava, tipo, rodando. Mas quando ele me parou, nossa! Foi assim, bem… mareado, assim, saí do barco e aí foi desagradável, assim… de tipo uou, onde estou, tava numa dança rodando, rodando, rodando e aí tanto eu tinha acabado de parar e o mundo continuava rodando, quanto tipo eu tinha acabado de fazer uma conexão, talvez um pouco mais próxima, com a entidade e tinha voltado, assim… então foi um pouco, é… um pouco brusco esse… mas nada muito grande, assim. Mas não foi agradável parar de rodar, assim. E aí a minha esperança foi essa de que eu… esperança não, mas foi bom ouvir que nas primeiras vezes são assim e que depois não é mais assim. Mas pra mim foi assim por enquanto.
Entrevistadora: E isso te faz ter vontade de dar continuidade ao trabalho de desenvolvimento, né?
FA: Sim, com certeza. É, eu acho que tá sendo bem essa a cara, assim, esse encontro com a umbanda, com as giras lá de… de experimentar, de me entregar. Eu confio, assim, tem uma coisa de que eu acredito e eu confio e eu tenho fé numa coisa, assim, que… de que pode… do que pode sair daquilo, assim, então se eu continuar e começar a me sentir mal, talvez eu não queira fazer tanto… a não incorporar e não mais… mas tá num nível que me dá vontade de continuar, sim.
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Entrevistadora: E agora uma pergunta mais. O que você acha que em você, na sua vida te faz ter esse desejo de… qual a sua busca? Qual o seu desejo com a umbanda? Em diálogo com o que é fora da umbanda.
FA: Isso é interessante, porque, bom, como toda religião tem uma filosofia e tem… é… as coisas que são faladas la dentro, pelas entidades… é principalmente pela entidade… no final da gira a pessoa que organiza, que coordena a gira sempre fala alguma coisa. É, são coisas muito alinhadas com o que eu credito, assim, são coisas muito alinhadas com o que… coisas que fazem sentido pra mim, de… é, da vida assim, porque acho que a umbanda traz muito … tem (24:25?) que eu tenho com outras maneiras, sei lá por exemplo a meditação, uma coisa assim do budismo, tipo, é um contato com um mundo nosso, mas que num tá na vida terrena quotidiana do dia-a-dia. E a umbanda é pra mim… conversa um pouco mais com as relações humanas, de… é que isso pode soar de um jeito que não é o que eu quero que soe, mas a umbanda trabalha as energias dos chakras inferiores e trabalha essa energia do material, do estar na terra. Então tem muitas coisas que são faladas lá, que me faz… que são essa comunicação com a minha vida em outros aspectos rotineiros. Mas num é nada muito pensado nem nada muito, tipo, sei lá, é… qual que é a pergunta?
Entrevistadora: A pergunta é o que te faz, o que… meio assim, o que falta na sua vida pra te fazer ir buscar… você busca o que lá? Você busca qual… é um preenchimento ou não, o que te impulsiona, qual o teu desejo, o que te faz desejar estar lá.
FA: É,olha, simplesmente a beleza que é o contato com aquilo assim, é… o amor que as entidades tem pela gente , assim, pelo que elas trazem pra gente de desafios, de reconfortos, de entendimentos da coisas, de… e com um amor tão grande, assim, e… é… Então isso que me aproxima de lá. Assim, de forma geral eu ainda tô num momento assim que, eu não conhece muito assim sobre a umbanda, sobre as histórias das coisas, sobre qual é o trabalho na umbanda, o que que… eu sou bem… assim, é bem interessante porque é um lado bem de alguém que não, tipo, eu fui pra lá a primeira vez, eu fui trocar uma idéia, dar um oi pra entidade, sabe, num tinha uma relação de busca de alguma coisa concreta, especifica de perguntas que eu tinha, de dores que eu tinha, de coisas que eu precisava trabalhar. Foi só, deixa eu conhecer esse lugar. E foi muito bonito e muito gostos. E ateu acho que a entidade está lá, eu gosto muito porque me traz uma reflexão muito importante, uma reflexão amorosa. E me ajuda a me conectar com o equilíbrio. De forma mesmo bem ampla da palavra, assim, de formas diferentes, tanto pelo que a entidade fala, que às vezes a gente se emociona muito de tar na presença das entidades. Às vezes você tá super tranquilo, cê
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chega na frente e cê já começa a chorar, assim. Então é uma presença que é muito bonita assim, de coisas que é a vontade de trabalhar na vida, a vontade de estar lá é a vontade de me relacionar com a vida. E eles trazem… às vezes cê toma um banho e ele pergunta se você pode tomar um banho de ervas, fazer uma coisa assim, e são coisas que ao fazer isso eu me sinto bem. Traz limpeza, traz equilíbrio, traz beleza, traz amor, traz coisas que me fazem sentir nesse momento.
Entrevistadora: Essa pergunta é um pouco mais subjetiva, talvez você tenha que parar para senti… num sei. O que você acha que no seu corpo anseia ou pede, ou abre espaço pra esse outro corpo que te habita quando você gira?
FA: Eu vou falar a resposta primeiro e depois eu vou pensar um pouco mais sobre o assunto. Mas a resposta que vem primeiro é: não pede. Meu corpo não… eu não tenho essa necessidade. Inclusive foi essa uma das questões que me fez pensar um pouco se eu queria começar o trabalho de desenvolvimento. Porque se eu pudesse ter uma relação… se eu pudesse não… mas, eu acho que tanto a relação de receber e, tipo, se eu tivesse o que eles chamam clariaudiência, de tipo, você ouvir coisas ou ser levado, guiado por intuição ou por… não sei se é exatamente intuição, mas por essa energia desse ser que tá aí com você, te acompanhado. Eu acho que é tão, a principio, assim, não tenho tanto assim, esse contato com a incorporação. A princípio, pra mim, é uma coisa que num precisa ir, a da incorporação, assim. É bonito, é gostoso, é uma sensação boa no corpo, mas eu não sinto que esse é o caminho necessariamente pra mim. Mas eu to me abrindo para que esse possa ser o caminho também. E pro momento que eu achar que talvez não, puts, não, talvez eu prefira me relacionar com esses seres de uma outra forma, uma forma de pedir lições e pedir… também acho igualmente importante e bacana de… de… então eu num sei, não sinto que tenha isso… essa… pra mim…
Entrevistadora: Esse desejo corporal.
FA: É, esse desejo corporal, assim.
Entrevistadora: Tem o desejo seu?
FA: É. Porque o contato com o corpo eu tenho. Gosto, adoro dançar, adoro me conectar com isso e na umbanda eu também sinto essa emoção de tar em contato com meu corpo, de dançar. Mas não precisa ser o caminho.
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