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QUESTÃO AGRÁRIA NO SUB-MÉDIO SÃO FRANCISCO: CONFLITOS TERRITORIAIS PROVOCADO PELA CONSTRUÇÃO DO CANAL DA TRANSPOSIÇÃO, EIXO LESTE - FLORESTA- PERNAMBUCO. Renata Érica de Figueredo Ataíde Estudante de Geografia Bacharelado da UFPE [email protected] Cláudio Ubiratan Gonçalves Professor Adjunto da UFPE [email protected] RESUMO: O presente artigo faz parte da pesquisa Questão Agrária no Sub-Médio São Francisco: Conflitos de Territorialidades entre ribeirinhos e Estado. No texto abordaremos os principais conflitos socioambientais decorrentes da apropriação e uso da natureza pelos grandes empreendimentos capitalistas aqui focamos as obras da Transposição do Rio São Francisco. Nossa análise centra-se nas questões candentes que perpassam o Sub-Médio São Francisco, observaremos o caráter de integração das políticas públicas do Estado a partir do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), que incidirá no Assentamento Serra Negra e na Agrovila 06. O direcionamento da discussão trata, em buscar compreender os reflexos do processo na reestruturação dos espaços da cidade e em particular na dinâmica do eixo que envolve o município de Floresta- PE. Palavras-chave: Transposição do Rio São Francisco; Geografia Agrária e Conflitos Territoriais. INTRODUÇÃO Este trabalho diz respeito a pesquisa: “Questão Agrária no Sub-Médio São Francisco: Conflitos de Territorialidades entre ribeirinhos e Estado”. O mesmo vem sendo desenvolvido no âmbito do Laboratório de estudos sobre Espaço, Cultura e Política, da Universidade Federal de Pernambuco. O projeto teve início em 2012 e encontra-se na fase conclusiva de levantamento de informações de campo e referências bibliográficas.

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QUESTÃO AGRÁRIA NO SUB-MÉDIO SÃO FRANCISCO: CONFLITOS

TERRITORIAIS PROVOCADO PELA CONSTRUÇÃO DO CANAL DA

TRANSPOSIÇÃO, EIXO LESTE - FLORESTA- PERNAMBUCO.

Renata Érica de Figueredo Ataíde

Estudante de Geografia Bacharelado da UFPE

[email protected]

Cláudio Ubiratan Gonçalves

Professor Adjunto da UFPE

[email protected]

RESUMO: O presente artigo faz parte da pesquisa Questão Agrária no Sub-Médio São

Francisco: Conflitos de Territorialidades entre ribeirinhos e Estado. No texto

abordaremos os principais conflitos socioambientais decorrentes da apropriação e uso

da natureza pelos grandes empreendimentos capitalistas – aqui focamos as obras da

Transposição do Rio São Francisco. Nossa análise centra-se nas questões candentes que

perpassam o Sub-Médio São Francisco, observaremos o caráter de integração das

políticas públicas do Estado a partir do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), que

incidirá no Assentamento Serra Negra e na Agrovila 06. O direcionamento da discussão

trata, em buscar compreender os reflexos do processo na reestruturação dos espaços da

cidade e em particular na dinâmica do eixo que envolve o município de Floresta- PE.

Palavras-chave: Transposição do Rio São Francisco; Geografia Agrária e Conflitos

Territoriais.

INTRODUÇÃO

Este trabalho diz respeito a pesquisa: “Questão Agrária no Sub-Médio São

Francisco: Conflitos de Territorialidades entre ribeirinhos e Estado”. O mesmo vem

sendo desenvolvido no âmbito do Laboratório de estudos sobre Espaço, Cultura e

Política, da Universidade Federal de Pernambuco. O projeto teve início em 2012 e

encontra-se na fase conclusiva de levantamento de informações de campo e referências

bibliográficas.

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Debater neste trabalho temas que envolvem ações do homem sobre o Sub-Médio

São Francisco nos remete a uma complexa tarefa, já que são inúmeras as possibilidades

de abordagens nesse tema, porém para melhor compreensão focamos nas comunidades:

Assentamento Serra Negra e a Aldeia Pipipã, na Agrovila 06. Os conflitos que regem

nesse espaço geográfico dizem respeito a presença do sujeito estatal, na materialidade

do Exército Brasileiro, com ações do Ministério da Integração Nacional, Instituto

Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), Fundação Nacional do Índio

(FUNAI) e empresas presentes nas áreas das comunidades. Estamos nos referindo as

obras da Transposição do Rio São Francisco.

Para entendermos o território do Sub-Médio São Francisco, suas lutas e conflitos

pela terra, temos também que compreender que a economia brasileira está

internacionalizada, e isso é uma característica específica do capitalismo. Nesse

contexto, a construção de grandes barragens e de obras como os canais da Transposição,

tem como parte do processo o deslocamento de comunidades urbanas e rurais, gerando

impactos ambientais, sociais, econômicos e culturais. Alguns destes impactos, não são

satisfatoriamente encaminhados e resolvidos. O pesquisador Antonio Thomaz Júnior

reforça essa questão quando se refere às relações de poder entre capital e trabalho na

reestruturação produtiva do território. Segundo Thomaz Júnior:

As mudanças tecnológicas, as inovações de processos e as formas de

gestão e controle do trabalho compatível promoveram uma nova

divisão social-técnica-territorial do trabalho, fundada em novas relações de poder entre capital e trabalho, ou seja, um outro tempo-

espaço com impactos profundos na luta de classe (THOMAZ

JÚNIOR, 2003).

O desenvolvimento capitalista e a questão da exploração da natureza tornam-se

imprescindíveis na abordagem da questão ambiental. No sertão nordestino, a natureza

passa a ser condicionada pelo capital, ou seja, mercadoria. Na concepção de Gonçalves

(2009), o que está em jogo é o embate político de dois campos de poder oposto. A

natureza como um bem é vista por um campo estritamente da mercadoria que, na

perspectiva utilitarista, deve satisfazer de todas as formas às necessidades do

desenvolvimento. Outro campo de poder é observar a natureza como patrimônio e tem

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como valor ético fundamental o respeito em relação aos processos vitais e aos limites da

capacidade de regeneração e suporte.

O aprofundamento das relações capitalistas de produção no Sub-Médio São

Francisco ocorreu a partir da década de 60. A SUDENE - Superintendência para o

Desenvolvimento do Nordeste, com sua formação, teve um papel de intermediadora do

Estado e ampliou sua atuação na região. Por meio do discurso da integração que leva ao

crescimento econômico, este órgão passou a contribuir para reprodução dos espaços

urbano-industriais, ou seja, favorecer os industriais da época sem se quer ao menos

mitigar a sede das populações atingidas por secas. De maneira contraditória contribuiu

para aumentar a dependência dos produtores em relação ao Estado e ao mercado.

Caracterização do município de Floresta – PE

O município sertanejo de Floresta localiza-se, na microrregião de Itaparica, no

sertão do Submédio São Francisco, com uma extensão territorial de 3.674,0 Km,

considerado um dos maiores municípios do estado. A uma distância de 439 Km² de

Recife, é banhada pelo rio Pajeú e o seu afluente riacho do Navio. Limitando-se com os

seguintes municípios: ao Norte, com Serra Talhada, Betânia e Custódia; ao Sul, com

Inajá, Tacaratu, Petrolândia e o Estado da Bahia, a Leste, com Ibimirim e a Oeste com

Carnaubeira da Penha, Belém do São Francisco e Itacuruba.

A sede municipal encontra-se a 316 metros de altitude em relação ao nível do

mar e tem sua posição geográfica determinada pelo paralelo de 08º36’02”E e

38º34’05”S, sua temperatura média anual é de 26,1ºC, a vegetação predominante é a

caatinga hiperxerófila. A cidade tem um contingente de habitantes de aproximadamente

29.285, segundo dados do IBGE (2010), dos quais 19.973 residem na sede do município

e 9.312 na zona rural.

Com esses dados, observa-se que o município tem forte tendência a urbanização,

o que indica esvaziamento considerável no meio rural. Existem outros fatores que

contribuem diretamente para esse esvaziamento no campo, um deles seria a implantação

da agricultura industrial na região. De acordo com o pesquisador Ariovaldo Umbelino

de Oliveira:

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No campo, esse efeito está igualmente marcado pela industrialização da agricultura, ou seja, pelo desenvolvimento da agricultura capitalista

que abriu a possibilidade histórica aos proprietários de terras ou aos

capitalistas/proprietários de terra para a apropriação da renda

capitalista da terra, quer na sua forma diferencial e/ou absoluta (OLIVEIRA 2004, p. 41).

Tal fato pode ser explicado tendo em vista o modelo econômico brasileiro, que

visa desenvolver grandes empreendimentos e destruir o modo de produção do agricultor

familiar.

Essa transferência do homem da zona rural para as zonas urbanas é fato

preocupante e carente de soluções alternativas, o que requer atenção especial e urgente

do poder público, no sentido de amenizar essa situação. Veja Figura 01:

FIGURA 01 – Mapa de Localização: Canteiro de Obras; Comunidades em estudo e Sede Municipal.

Fonte: IBGE, Área territorial oficial, Consulta por Unidade da Federação. Rio de Janeiro. IBGE [2010].

ArcGIS 9.3.

Organizado por: Girlan Cândido,2012.

Dessa forma, procuramos explicar a organização da região do Rio São Francisco

sem priorizar forças capitalistas, mas buscar entender o local de estudo como parte de

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um sistema produtivo que transformou a natureza e vem condicionando a realidade dos

ribeirinhos.

OBJETIVO

A economia do Sub-Médio São Francisco era centrada no plantio do arroz nas

várzeas (inundadas anualmente pelas cheias do rio). A partir dos anos 1960, com a

construção das usinas hidrelétricas, além da prática da agricultura irrigada em escala

industrial, focando no “desenvolvimento”, o rio e os ribeirinhos sofreram significativas

transformações no modo de vida.

Na atualidade as populações do Assentamento Serra Negra e da Agrovila 06

vivenciam grandes transformações técnicas no território e mudanças sociais provocadas

pela construção do canal da transposição, Lote 9, Eixo Leste, em Floresta/PE.

Através deste trabalho que objetiva tecer comentários sobre a relação percebida

entre ribeirinhos, impactos causados pelos grandes empreendimentos capitalistas e

conflitos territoriais, pretende-se demonstrar a atual dinâmica dos espaços mais

emblemáticos em foco, segundo Elias,“(...) vivemos acelerado processo de

transformações de diversas naturezas, magnitudes e complexidades, caracterizando

novo momento do capitalismo, o qual recebe diversas denominações e conta com

diferentes interpretações, muitas vezes díspares e conflitantes entre si” (ELIAS, 2006,

p. 27)

Uma das nossas preocupações refletem na reestruturação produtiva do mercado

a partir do Plano de Aceleração do Crescimento do governo e nos problemas das

políticas públicas para o rio São Francisco, é que elas sempre foram impostas de cima

para baixo. E, assim, analisar e entender o conhecimento científico e técnico. Discutir a

questão da transposição, qualquer que seja o seu significado. Já está em andamento,

então o que fazer? – aliás, a questão não é a transposição, mas como o processo vem

sendo conduzido e a quem beneficiará. Direcionar o olhar para a questão social e não

para o mercado. Questionando que as comunidades são excluídas da participação dos

empregos gerados nessa região e se vêem obrigados a adquirir mecanismos do mercado.

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A proposta como um todo consiste em analisar o caráter de intervenção do

Estado a partir do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), que incidirá no

Assentamento Serra Negra e na Agrovila 06. Neste sentido, pretende-se analisar as

ações de desenvolvimento territorial e compreender as territorialidades ribeirinhas. E

identificar os principais conflitos socioambientais decorrentes da apropriação e uso da

natureza pelos grandes empreendimentos capitalistas.

METODOLOGIA

Toda pesquisa se inicia com um problema, com uma questão, com uma dúvida

ou uma pergunta, articuladas a conhecimentos anteriores, mas que também podem

demandar a criação de novos referenciais.

A pergunta aqui empreendida é: qual o papel dos assentados de Serra Negra e

dos índios Pipipãs da Agrovila 06, após as transformações que estão ocorrendo em seu

meio, na configuração da região do município de Floresta-PE, juntamente com o Rio

São Francisco? Perguntam-se também como esses ribeirinhos podem reinventar-se no

âmbito de um contexto de tantas desigualdades socioterritoriais estabelecidas?

Na perspectiva de Andrade, essa configuração da região deve ser

contextualizada em um período de espaço-tempo, para o autor:

Ao se estudar cada área, procura-se analisá-la tanto de forma horizontal, nos aspectos que apresenta hoje, como vertical,

caminhando-se do presente para o passado a fim de explicar como ela se formou e que estruturas econômico-sociais produziu” (ANDRADE,

1994, p. 49).

Dessa forma, neste artigo, procuramos entender o local de estudo como parte de

um sistema produtivo que transformou o ambiente e vem condicionando a realidade dos

ribeirinhos do Rio São Francisco.

Nosso campo de pesquisa consistiu numa investigação na região do Sub-Médio

São Francisco (Floresta – PE), Assentamento Serra Negra e a Agrovila 06. Temos como

sujeitos deste trabalho, os índios Pipipã, Assentados de Serra Negra, representantes da

CPT NE e do Destacamento presente na obra do canal, assim como a população da

região rural e urbana do município.

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Contudo, para efetivar os objetivos determinados, o seguinte trabalho utilizou

uma metodologia de forma simultânea: revisão da literatura e o levantamento de

informações e dados, além de realização de entrevistas em campo. Nesta etapa da

metodologia do trabalho de campo, foram escolhidas em duas abordagens: na primeira,

espaço geográfico - nas comunidades rurais: Assentamento Serra Negra e Aldeia

Pipipã, na Agrovila 06 -, com recortes territoriais avaliados através de entrevistas

abertas; a segunda abordagem, o olhar empírico - privilegiando a observação direta, o

uso da fotografia, do GPS e a vivência no cotidiano desses sujeitos sociais, ribeirinhos

compostos por camponeses e indígenas.

Durante os primeiros meses de efetivação da pesquisa, foram realizadas as

seguintes atividades: revisões bibliográficas para conhecimento do estado da arte do

tema central e aprimoramento da metodologia, que foi empregada na pesquisa. Obras

com referências a dinâmica de ocupação rural no Sub-Médio São Francisco foram

utilizadas, além de obras sobre a abordagem da geografia agrária, com enfoque sobre o

estudo dos grandes projetos, a identidade dos ribeirinhos e a representação do uso do

espaço e espaço usado. Os principais autores formam: Teodoro Fernandes Sampaio

(1933), Manuel Correia de Andrade (1984) artigos e relatórios de vários estudiosos e

pesquisadores como: João Suassuna (2010), Manoel Bonfim Ribeiro (2008), João

Abner Guimarães Jr. (2008), Altair Sales Barbosa (2008), Andrea Zellhuber (2008) e

Rubens Siqueira (2008).

O estudo foi dividido em etapas, que são: para pôr em prática a primeira etapa da

pesquisa foram realizadas três visitas de campo em cada um dos recortes espaciais

escolhidos, a sede do município de Floresta - PE, Assentamento Serra Negra e Aldeia

Pipipã, na Agrovila 06.

A coleta de dados primários foi baseada em entrevistas semi-estruturadas e

também abertas com os diversos sujeitos sociais das comunidades, ao lado de intensa

observação direta do espaço geográfico, durante vivências sistemáticas nos recortes

propostos. Os primeiros dados de campo foram obtidos mediante entrevistas abertas. A

partir daí, formarmos um “quadro provisório” sobre o que observar e perguntar nas

etapas subsequentes. Esta indicação metodológica parte do pressuposto que o fator

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tempo de imersão no problema, altera substancialmente a situação e a compreensão do

tema da pesquisa.

Esta estratégia de pesquisa encaminhou o trabalho de campo como momento

distinto do diálogo entre as teorias consideradas, privilegiando os métodos qualitativos

de análise.

RESULTADOS PRELIMINARES

Constatamos a partir de relatos que a implantação de políticas públicas voltadas

para o “crescimento econômico” no Nordeste foi e são elaboradas para favorecer os

médios e grandes proprietários através de construção de açudes em terras particulares e

do oferecimento de linhas de crédito à pecuária. Andrade complementa esse contexto

afirmando que: “A grande importância a realização de estudos que caracterizem as

razões do incentivo a essa transformação, da maneira como ela está se procedendo, é

chamado vulgarmente de „progresso‟ (1984)”. Ou seja, a partir de construções de

açudes, projetos de irrigação, barragens e hidrelétricas, a água do Rio São Francisco

ganha um novo significado, torna-se um recurso gerador de lucro.

Tratar a trajetória dos agricultores do Assentamento Serra Negra e dos indígenas

Pipipãs, faz parte do ânimo de investigação desenvolvido durante o período de Iniciação

Cientifica (PIBIC). Nossa preocupação no momento está sendo em levantar o roteiro de

ribeirinhos levando em consideração as múltiplas dimensões das suas vidas e dentre elas

iremos focar: unidades familiares, no impacto social e ambiental, no conflito territorial e

no discurso de desenvolvimento econômico na região em apreço.

Tanto os assentados de Serra Negra quanto os indígenas Pipipãs passaram a ser

objeto de formas e estratégias de expropriação, baseados nos mega projetos, aqui

representados pela Barragem de Itaparica e a obra do canal da transposição. Optou-se

estudar a diversidade na formação dessas duas comunidades rurais, procurando

compreender o processo dinâmico da vida desses ribeirinhos.

O assentamento Serra Negra foi implantado há 23 anos é formado por 64

famílias, com um contingente aproximado de 192 habitantes distribuídos em

aproximadamente 2.500 hectares, foi fundado em 1989, em uma apreensão da fazenda

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Histórico do Assentamento Serra Negra e da Aldeia Pipipã - Agrovila 06:

comunidades rurais de Floresta - PE

Assentamento Serra Negra

Serra Negra que estava com alta divida e pertencia ao coronel Antonio Rico. A

economia do assentamento baseia-se na criação de caprino e na agricultura de sequeiro:

cultiva-se o milho e o feijão de corda.

O canal da Transposição passará pelo assentamento onde será necessário

demolir uma residência de um assentado, uma casa de mel da comunidade, e um PSF

(Posto de Saúde da Família) - este atende a aproximadamente 450 famílias envolvendo

o assentamento em estudo, os sítios em torno, e ainda a outros assentamentos. As

indenizações estão em torno de 4 mil reais para cada casa e 16 mil reais para o Posto de

Saúde. Atualmente a obra está parada, segundo informações de entrevistas e

constatações in loco.

Nas observações em campo foi possível verificar o fator da criação emprego/

desemprego. As obras da transposição chegaram com a promessa de modificar essa

realidade de desemprego e de falta de renda na comunidade, oferecendo postos de

emprego nos canais. Foi grande a expectativa das pessoas que acreditavam que a obra

mudaria de fato essa realidade. Contudo, a compreensão das conseqüências do impacto

das mudanças provocadas pelas construções e escavações nesse espaço do Rio São

Francisco, é uma tarefa de longo prazo e daí, certamente, não se esgotará na presente

proposta de estudo.

Aldeia Pipipã- Agrovila 06

A comunidade da Agrovila 06 foi reassentada no dia 30 de Novembro de 1987

devido à construção da Barragem de Itaparica localizada no município de Petrolândia.

Portanto, a comunidade como um todo foi atingida pela construção da Barragem de

Itaparica. Os sujeitos sociais dessa comunidade foram realocados para o município de

Floresta, ressaltando que a Agrovila 06, é a única localizada neste município, as outras

agrovilas encontram-se em Petrolândia. Tal fato pode ser explicado tendo em vista o

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modelo econômico brasileiro, que visa desenvolver grandes empreendimentos e destruir

o modo de produção do agricultor familiar.

Os ribeirinhos dessa comunidade Agrovila 06 receberam do Estado uma casa,

um lote irrigado e um salário de manutenção até que o lote começasse a produzir. A

comunidade tem um histórico de resistência iniciada desde a construção da barragem de

Itaparica enfrentando o exército e a policia militar. No inicio a CHESF (Companhia

Hidro Elétrica do São Francisco), construiu 44 casas, porém com o passar do tempo as

famílias cresceram e o número de residência também, hoje a comunidade tem 42

famílias assentadas e 30 agregadas. No local irrigado, são produzidos coco, manga,

melão, melancia alguns legumes e verduras. Essa produção é vendida a atravessadores,

os agricultores utilizam agrotóxicos e o solo não é tão fértil, segundo informações

prestadas por alguns produtores. Alguns moradores da agrovila 06 recebem a VMT

(Verba de Manutenção Temporária) da CHESF (Companhia Hidro Elétrica do São

Francisco) pois os lotes que receberam para produzir encontram-se inutilizados, ou seja,

muitos terrenos sofrem com o processo de erosão. Essa comunidade hoje é um canteiro

de obras (ver Figura 02) do exercito e de várias empresas como: Toshiba, Engesa,

Potiguar, Cante, Vértical Green, Encalso e Cobema.

Figura 02 - Canteiro de Obras Canal da Transposição. Eixo Leste, lote 09. Floresta/PE.

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Fonte: Trabalho de Campo.

Autor: ATAIDE, Renata E.F

Esses processos de modernização que ocorrem nesse espaço geográfico do Sub-

Médio São Francisco, tanto para o “crescimento econômico” como para o

desenvolvimento da agricultura [a agrovila 06 possuem produção irrigada], é

contraditoriamente definido pela expansão da agricultura familiar. Assim, ao longo

espaço/tempo, várias comunidades são formadas, bem como tantas outras são

destruídas, uma vez que existem nessa região conflitos candentes que perpassam o

território São Franciscano. Portanto, este contraste social nós mostra que “[...] há uma

compreensão predominante de que o conflito prejudica o desenvolvimento.

Confrontando essa visão afirmamos que conflito agrário e desenvolvimento são

processos inerentes da contradição estrutural do capitalismo e paradoxalmente

acontecem simultaneamente” (FERNANDES, 2004, p. 02).

Assim, a mudança socioterritorial dos Pipipãs afeta diretamente aspectos do

caráter relacional da sua própria identidade, alterando significativamente o modo de

vida e a relação sociedade-natureza. A questão é entender para além da idéia de atraso

gerada em oposição ao moderno. É possível verificar nesta comunidade que a população

tradicional é portadora do conhecimento de qual o melhor mecanismo de convivência e

adaptação com a realidade regional do rio São Francisco.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não há empecilhos técnicos e científicos para a mudança de rumo do

desenvolvimento social. Nossa diversidade é portadora de sabedorias e valorização da

biodiversidade existente nessa região do Rio São Francisco.

É notável a penosa situação de vida daqueles que dependem exclusivamente do

rio São Francisco para sobreviver. Os sertanejos e ribeirinhos que margeiam o rio

praticamente não mais vivem da pesca devido à significativa redução da quantidade de

peixes e nem da agricultura onde muitos produziam o arroz nas vazantes, que foi tão

importante economicamente em outros momentos.

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Atualmente, a vegetação nativa é cada vez mais rara por conta dos

desmatamentos decorridos historicamente, e o mar avança constantemente, pois o rio

São Francisco não tem mais a mesma potencialidade da antiga dinâmica natural. Sua

riqueza propiciadora de biodiversidade ficou bloqueada nas grandes barragens, nas

construções de Hidrelétricas e na irrigação com agrotóxicos, e agora a obra da

Transposição. Havendo ainda a falta de obras de saneamento básico nas cidades, há

também o aumento do despejo de dejetos e poluentes no rio.

O interesse pelo estudo sobre as atuais condições de vida desses ribeirinhos

(assentados de Serra Negra e indígenas Pipipãs) que estão sendo afetados pelas

implantações das políticas públicas, nós levou a reflexão sobre a conjuntura de

expropriação, conflitos e desigualdades que os cercam. Muito desses camponeses lutam

por melhores condições de vida, pelo direito ao acesso à terra. Nesta informação

constatamos in loco e no depoimento feito pelo presidente do sindicato rural do

município de Floresta.

Foi observado em revisões bibliográficas que a crise ambiental e agrária vem

revelando o mito do desenvolvimentismo e demonstrando o lado oculto da

racionalidade econômica dominante. Juntamente com os processos de degradação

ambiental, conjuga-se uma serie de efeitos econômicos, sociais e culturais, os quais

afetam a maioria de menor poder econômico, que no caso são os sujeitos das

comunidades do Assentamento Serra Negra e os Pipipãs da Agrovila 06 entre outros

ribeirinhos do São Francisco.

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