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Revista do Sismuc 26 anos História, conquistas e lutas Opinião, formação, informação
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2 • Revista do SISMUC - Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Curitiba • www.sismuc.org.br •
EXPEDIENTESindicato dos Servidores Municipais de Curitiba
A Revista do Sismuc é um informativo do Sindicato dos Servidores Municipais de Curitiba (Sismuc). Localização: Rua Monsenhor Celso, 225, 9º andar. CEP 80010-150 / Fone/Fax: (41) 3322-2475. E-mail: [email protected]. Página: www.sismuc.org.br.
Tiragem: 15.000 exemplares Jornalista Responsável: Manoel Ramires (DRT 4673) - Jornalistas: Pedro Carrano (Mtb 4492) e Phil Batiuk Trindade. Revisão: Irene Rodrigues e Cathia Almeida - Secretária de Imprensa e Comunicação: Adriana Claudia Kalckmann.
Funcionários do sindicato: Letissa Cristina Faville, Andrea Landarim, Ana Flávia de Oliveira Sant’ana, Soeli Schenoveber dos Santos, Tadeu Félix, Everson Cunha, Fernando Henrique Biagio. Assessoria Jurídica: Ludimar Rafanhim, Maíra Tramontim, Andressa Rosa
Bampi, Claudia Scheidweiler, Raquel de Souza Magrin. Diagramação: Jennifer Giacomet Inda. Produção: Argo Propaganda.Os artigos, entrevistas e opiniões não representam a posição do sindicato e são de responsabilidade de seus autores.
Diretoria da Gestão “Reconstruir pela base”Coordenação Geral - Ana Paula Cozzolino
Coordenação de Administração - Everson Roberto SchiesselCoordenação de Finanças - Sônia Nazareth Duarte CruzCoordenação de Estrutura - Irene Rodrigues dos Santos
Coordenação de Comunicação e Informática - Adriana Claudia KalckmannCoordenação de Assuntos Jurídicos - Rita Choinski Kloster
Coordenação de Formação e Estudo Socioeconômicos - Eduardo Recker NetoCoordenação de Políticas Sindicais - Patrícia de Souza Lima
Coordenação de Políticas Sociais - Alzira Isabel SteckelCoordenação de Organização por Local de Trabalho - Cathia Regina Pinto de Almeida
Coordenação de Saúde do Trabalhador e Meio Ambiente - Vera Lucia ArmstrongCoordenação de Aposentados - Salvelina Borges e Natel Cardoso dos Santos
Coordenação de Gênero - Maria Aparecida Martins SantosCoordenação Juventude João Guilherme BernardesCoordenação de Etnia - Dermeval Ferreira da SilvaCoordenação de LGBT - Patrícia Cristina Gonçalves
Conselho FiscalAugusto Luis da Silva
Icléa Aparecida Alves MateusPaulo Gomes
Suplência do Conselho Fiscal Arno Emilio Gerstenberger Junior
Odilon Adriano de OliveiraOsni Narestki
Renato Alves Ferreira
Suplência da DiraçãoAlice da Silva
Daniel Augusto SimõesGiuliano Marcelo Gomes
Guilherme Felippe do PradoIlma Alves Bomfim
João Medeiros PereiraLeandro Francel Alves Servilha
Marlene Aparecida Santos CazuraMario Barbosa
Mauro ScarmocinPaula Regina Jardim Campos
Paulo Canova Filho RitaSebastião Rodrigues Alves
Suely Terezinha de Souza Araújo
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editorial
05 Uma revista sem dono e com muitos colaboradores
artiGoS
08 Sismuc e a trajetória das negociações coletivas Economia Sindical 23 A judicialização da política, dos movimentos sociais e grevistas Judicialização Política40 Em busca de legitimidade: duas frentes de ação sindical Política e Ação Sindical
eNtreViSta
06 SISMUC, nascido para lutar O começo da História 13 SISMUC entrevista Marilena Silva O sindicato é um equipamento de reação da classe trabalhadora38 SISMUC entrevista Ana Paula Cozzolino Um período de lutas e avanços
trabalho em debate 10 Direito à organização Direito à convenção coletiva do serviço público precisa de regulamentação 19 Jornada de Trabalho A realidade é que trabalhamos demais44 Perda de Direitos A terceirização continua ameaçando os trabalhadores
sumário
4 • Revista do SISMUC - Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Curitiba • www.sismuc.org.br •
orGaNização em debate
11 Hierarquia Transversal Estrutura do Sismuc vai da base à coordenação21 Tripé contra-hegemônico A Organização por Local de Trabalho (OLT) na luta de classes 47 Luta de Classes O tripé contra-hegemônico do Sismuc48 Formação é pauta geral e específica Atuação sindical e disputa de poder só constroem novo mundo possível, sem reproduzir hegemonia, quando existe consciência.51 Charge Servelino e a Comunicação52 Comunicação, uma tarefa urgente para os sindicatos
rePortaGem eSPeCial
26 Um Sindicato, todas as lutas Histórico e conquistas do Sismuc
SiSmUC debate
16 Sismuc e a trajetória das negociações coletivas A quem interessa a divisão dos sindicatos por categoria
liVroS
55 Obras para lutar melhor 56 Crônicas e Romances
filmeS
57 Cardápio variado
CrôNiCaS
59 Diante de Si
• Revista do SISMUC - Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Curitiba • www.sismuc.org.br • 5
Certa vez, um escritor, perguntado sobre quanto tempo
havia demorado a escrever seu romance, sorriu e respondeu:
– A vida toda.
Evidente que ele não tinha levado toda a existência
apenas para escrever uma obra. Muito embora alguns escritores
gastem toda uma vida para concluir seu Best Seller e outros
não levem mais do que um mês. Isso porque, como assinala José
Saramago, “no fundo, todos temos necessidade de dizer quem
somos e o que é que estamos a fazer e a necessidade de deixar
algo feito, porque esta vida não é eterna e deixar coisas feitas
pode ser uma forma de eternidade”.
“A vida toda”, segundo aquele escritor, significa que para
escrever um conto, um ensaio, um poema, um haicai, ninguém
parte do zero, do nada, de uma sorte de
inspiração. Pelo contrário, a criatividade se
alimenta da transpiração, a cereja, do bolo,
o gol, do passe. O livro, portanto, era resul-
tado de experiências que ele havia absor-
vido de outros livros, de bula de remédio,
de recadinho em papel de pão, do contato
com as pessoas que estimava e do afasta-
mento das que repulsava, das ideias alhe-
ias acertadas e dos seus próprios erros.
Tanto que sua dedicatória era direcionada
“aos caboclos e suas ideias que desen-
terrei para escrever essa obra”, compar-
tilhava, dialogando com Dom Casmurro,
que cravou: “Ao verme que primeiro roeu
as frias carnes do meu corpo dedico com
saudosa lembrança estas memórias póstumas”.
A posse desse pensamento fazia com que ele,
na entrevista, dispensasse elogios ou recursos financeiros em
relação aos seus manuscritos. Para o escritor, fechando essa
introdução, a ideia não é propriedade de ninguém, assim como a
luta não tem direito autoral.
E é de olho nesta postura que nasce a Revista do
Sismuc – 26 anos. Uma revista que foi concebida há pouco mais
de cinco meses quando, em discussão com diretores, se percebeu
que parte das conquistas dos trabalhadores se perdia justamente
pela falta de registro posterior. É o caso das férias de meio de
ano para os educadores, que são gozadas sem que se exalte a
luta que a tornou possível, ou o 13º em plano nacional, a licença
prêmio, a aposentadoria especial, a incorporação da gratificação,
a redução de jornada, o difícil provimento, a primeira greve,
entre muitos outros pontos. Nada disso veio de graça. Na vida,
não existe janta gratuita. Tudo resulta da fome por direitos, da
mobilização de trabalhadores em algum instante ou em diversos
momentos, pois a vitória pode vir numa primeira greve ou ao
longo de diversas paralisações.
Portanto, essa revista, cronologicamente, está direcio-
nada para os 26 anos de fundação do Sindicato dos Servidores
Municipais de Curitiba, mas a história que ela conta, as ideias,
as estratégias podem ter a idade de nossos pais, avós, tataravós.
O magazine pode passar de 200 anos quando se debate a luta
de classes, a exploração do trabalho, entre outros, e também
pode ser fresquinha quando se utiliza de ferramentas modernas
de comunicação, quando busca conquistar pautas que calejam
nossas mentes como a convenção 151 da Organização Mundial
do Trabalho, quando debate a necessidade de
disputar a hegemonia através da formação, da
comunicação e da organização por local de
trabalho.
Esta revista, que agora você lê a
introdução, nas próximas páginas e até seu
ponto final, debaterá a importância do sindi-
calismo no cotidiano das pessoas. Ela não tem
dono e sim muitos colaboradores. São jornalis-
tas, funcionários do sindicato, diretores
sindicais, servidores da base, assessores,
companheiros que se dedicaram para produzir
um produto que valorize o serviço municipal.
Gente que resgata o histórico das negociações
salariais dos servidores municipais e muitas
outras profissões, que discorre sobre a judi-
cialização da política, que afirma (ou não) o papel dos sindica-
tos na melhoria de vida do povo. Turma que aborda a importância
de se ter um sindicato único que faça todas as lutas, que
coloque holofote sobre grandes e pequenos temas de interesse
dos trabalhadores, que dê sua opinião, seja na fundação, no meio
da história do Sismuc ou no atual momento. A revista ainda
se propõe a curtir e compartilhar parceiros sindicais e dos
movimentos sociais preocupados em reduzir as desigualdades e
as injustiças de nosso país. E porque nem todo conteúdo informa
sem a forma e o formato também é conteúdo, traz também gra-
vada em suas folhas ilustrações, charges, curiosidades, dicas de
filme e livros para que a última página virada seja apenas o start
de novas inspirações e de fôlego renovado.
Aproveite a sua Revista do Sismuc - 26 anos.
Manoel Ramires Editor de Comunicação do SISMUC
editorial Uma reViSta Sem doNo e Com mUitoS ColaboradoreS
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o que conta Maria Madalena, primeira presidente em 1988:
- Eu participei da assembleia que ia fundar o Sismuc. Como eu trabalhava
no prédio central, eu fui indicada. Primeiro, não como presidente, mas como
secretária de finanças junto com o grupo que foi indicado. Na assembleia,
se não me falha a memória, tinha umas duas mil pessoas. Ela ocorreu no
auditório atrás da Câmara Municipal. Foi neste momento em que construímos o
sindicato independente da Associação de Servidores Municipais (Assmuc).
A fundação do sindicato ocorreu sem estrutura física ou materiais para
mobilizar a base. No conceito da solidariedade, os diretores eleitos foram trazendo
objetos de suas casas. Mais do que isso. O Sismuc nasceu com a convicção de que era
importante fazer a luta
- Eu aproveitei as minhas férias para participar da fundação do sindicato –
recorda Madalena. Naquela época o Ludimar Rafanhim (segundo presidente) comprou
uma Kombi para percorrer os locais de trabalho. Nós visitamos todos os lugares para
colocar nosso posicionamento da luta sindical. Aquela época foi logo após a Ditadura
Militar, por isso havia um clima favorável à participação. O Sismuc foi um dos primeiros
sindicatos do Brasil de municipais e virou referência no Brasil. No começo, a gente se
dedicou àquele sindicato e com muito apoio e participação da categoria. Já na primeira
greve tivemos participando de muitos servidores, inclusive do prédio central.
Momento político. . . . O primeiro grande evento político ocorreu no governo de Roberto Requião.
Segundo Maria Madalena, era o fim de sua gestão.
”Ele tinha postura truculenta, sem diálogo. Mesmo assim, com as lutas anteriores,
conseguimos uma negociação no fim de mandato”.
A primeira pauta. . . A primeira ação do Sismuc foi encaminhar a pauta de reivindicações ao
prefeito. Desse processo se conquistou o acordo para que houvesse o desconto das
mensalidades, assinatura de carta de intenções com os servidores municipais e
a mensagem de 83,35% de reposição salarial que Roberto Requião deixou para ser
votada na Câmara Municipal. Nesta época, em menos de cinco meses, o Sismuc já
possuía 1200 sindicalizados.
SiSmUC, NAsCiDo PArA LuTAr
O Sismuc tem em seu DNA a
luta sindical e a defesa dos
servidores municipais e
movimentos sociais.
Ao longo de sua história*, o
processo democrático e de
diálogo com a base sempre foi
referencial.
É
• Revista do SISMUC - Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Curitiba • www.sismuc.org.br • 7
Primeira precarização. . . Contudo, Jaime Lerner, ao assumir em 1989, não cum-
priu a carta de intenções, dividindo em duas vezes a reposição
salarial. Além disso, Lerner ainda anunciou a demissão de cinco
mil servidores sem estabilidade. Nesta ocasião, Lerner prometeu
a liberação de cinco dirigentes sindicais, mas não cumpriu.
O início das demissões atingiu 822 servidores. Desses, 150
foram readmitidos após 15 dias de pressão do Sismuc sobre a
Prefeitura. A postura ainda impediu a demissão total de cinco
mil trabalhadores, como havia sido anunciado.
Primeiras manifestações. . . Elas ocorreram em maio de 1989. Já em outubro
ocorreu a primeira greve vitoriosa do sindicato. A mobilização
conseguiu zerar as perdas salariais. Já em março de 1990, devido
à recusa de o prefeito Jaime Lerner em negociar, mais de três
mil servidores aprovaram greve a partir do dia 7, como conta
o deputado federal e fundador do Sismuc, Doutor Rosinha:
“Jaime Lerner tratava o servidor como objeto: péssimo salário
e condições de trabalho, além de perseguir aquele que luta por
seus direitos. Tratava a cidade como dono dela. Ele desperdiçou
dinheiro embelezando a cidade em detrimento de recursos para
saúde, educação e saneamento. Também sempre favoreceu o
setor empresarial que financiava sua campanha”.
A greve não teve avanços, mas consolidou o Sismuc
como sindicato de luta para os próximos anos, como declarou
Ludimar Rafanhim, na década de 1990.
- Uma das preocupações do sindicato desde sua
fundação foi à democracia interna. Por isso sempre fizemos
uma direção colegiada. Isso significa compartilhar as respon-
sabilidades entre todos os dirigentes. Isso ocorreu na gestão da
Marilena, na minha gestão e o ponto máximo foi atingido quan-
do eu e outros companheiros abrimos mão de nossos cargos em
favor do revezamento para que outros companheiros pudessem
ampliar essa democracia.
Mostrando-se sempre combatido, o Sismuc entrou
em greve em setembro de 1992. Foram seis dias durante a
campanha para prefeito em que Rafael Greca, apoiado por
Lerner, tornou-se prefeito. A outra greve ocorreu em 22 de
março de 1993 com forte repressão do aparato policial e
justiça declarando a mobilização ilegal. “Tanto antigamente,
como agora, a justiça agiu muitas vezes em favor do patrão.
Mesmo assim, nos mobilizamos independente da legalidade,
seja enquanto sindicato ou como associação, Nos organizamos
durante a ditadura, durante a democracia e vamos seguir sempre
assim”, conclui Irene Rodrigues, presidente em exercício.
MULTIMÍDIA * Reportagem baseada nos documentários “25 anos de luta”, de 2014, e “Sismuc, cinco anos de luta”, em 1993. Acesse o Canal do Youtube Sismuc 88 e veja os documentários.
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negociação coletiva no setor público é diferen-
ciada em relação ao setor privado, com algu-
mas características importantes: ao contrário da
empresa privada, o objetivo do Estado não é o
lucro, mas o bem estar coletivo, a partir, sobretudo,
da legislação voltada para o maior controle das contas públicas;
as empresas privadas
podem agir livremente
segundo suas metas e
objetivos, desde que
estes não sejam proi-
bidos em lei, o admi-
nistrador público só
pode agir nos limites
e contornos autoriza-
dos pela legislação; e
outra característica da
negociação no setor
público é que o poder
normativo da Justiça
do Trabalho não tem
tanta influência, como
ocorre no setor privado, em que atua, principalmente como “ter-
ceiro ator” do processo de negociação, com a função de dirimir
os conflitos entre as partes.
Por estas várias características citadas acima, a nego-
ciação no setor público é mais complexa do que aquela obser-
vada no setor privado, além de ter muitos atores envolvidos
no processo, não se limitar apenas a data-base, tendo vários
assuntos na pauta, reajuste salarial, plano de cargos, carreiras e
vencimentos, concursos públicos, saúde e segurança do trabal-
hador, entre outros.
Ao longo dos anos observamos que os resultados das
negociações coletivas no Brasil, tanto no setor público como
privado, são influenciados pelo nível de organização sindical,
mas também pela conjuntura econômica, principalmente o cres-
cimento da economia, a inflação e as condições no mercado de
trabalho, além das finanças públicas que afetam diretamente
as negociações no setor púbico, variáveis que apresentaram
mudanças significavas no Brasil nas últimas três décadas.
Mas antes de entrarmos no período após a criação do
Sismuc, que ocorreu no dia 22 de outubro de 1988, apenas 22
dias após a promulgação da Constituição Federal de 1988, é
importante voltar um pouco no tempo, e verificarmos a conjun-
tura econômica no período anterior à criação do sindicato, na
qual observamos um avanço dos movimentos sociais e sindicais,
consequência da busca da redemocratização do país, após 30
anos de ditadura. Em termos econômicos a conjuntura não era
muito favorável, com baixo crescimento econômico, na econo-
mia a década de 80
no Brasil é conhecida
como a década per-
dida, além disso, no
final dos anos 80 até
o Plano Real, vivemos
um período de
hiperinflação, a infla-
ção mensal chegou a
quase 80% em alguns
momentos, e o avanço
no mundo da ideolo-
gia neoliberal, que é
a doutrina econômica
que defende a absolu-
ta liberdade de mer-
cado e a não intervenção estatal sobre a economia, que começou
a influenciar as políticas adotadas pelo governo brasileiro no
início dos anos 90.
Nas negociações coletivas durante o período de 1965
a 1994, existiu no Brasil uma política salarial nacional por
parte do Governo Federal, que determinava os reajustes sala-
riais automáticos, que acabavam sendo o patamar mínimo de
correção dos salários, que foi extinta após quase 30 anos. Mas
esta politica não garantia a reposição automática da inflação,
principalmente no período de 1986 a 1994, que vivemos em
uma conjuntura de hiperinflação, com vários planos econômicos
(Planos Cruzado I e II, Plano Bresser, Plano Verão e Planos Collor
I e II) e baixo crescimento da economia.
Após várias tentativas de conter a hiperinflação, no
segundo semestre de 1993 o Plano Real começou a ser implan-
tado, ele se dividiu em três fases, a primeira delas foi o ajuste
das contas públicas, através de um corte no Orçamento, a
segunda foi à implantação da Unidade Real de Valor (URV), uni-
dade monetária para desindexar a economia; e por fim, a URV
seria transformada em real, a nova moeda brasileira a partir de
julho de 1994.
AsANDro siLVA
SiSmUC e A TrAjeTóriA DAs NegoCiAções CoLeTiVAs
economista e supervisor técnico do DIEESE-PR.
• Revista do SISMUC - Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Curitiba • www.sismuc.org.br • 9
sANDro siLVA
Apesar do Plano Real ter alcançado seu principal obje-
tivo, que era conter a inflação, a economia brasileira continuou
patinando, consequência das medidas adotadas terem sido man-
tidas por muitos anos, como as altas taxas de juros, manutenção
do câmbio artificialmente valorizado e abertura comercial,
além da reforma administrativa do Estado, as privatizações, a
restruturação produtiva, a flexibilização dos direitos trabalhistas,
entre outras, tendo como consequência o baixo crescimento da
economia, em patamar próximo ao verificado na década de 80,
e o maior problema da economia passou a ser o baixo cresci-
mento econômico e a precarização do mercado de trabalho. No
inicio de 1999, após a reeleição de Fernando Henrique Cardoso,
o Brasil enfrentou uma grave crise, que acabou acarretando
mudanças na politica econômica, que passou a ser pautado
pelo tripé macroeconômico, que consiste no regime de metas
de inflação, de metas de superávit primário e câmbio flutuante,
observando no primeiro momento uma desvalorização do real.
A década de 90 foi um período em que o movimento
sindical brasileiro enfrentou grandes dificuldades no campo
econômico e politico, com reflexos inevitáveis sobre os pro-
cessos de negociação coletiva. As altas taxas de desemprego,
ocasionadas pela estagnação da atividade econômica e a
adoção de politicas que visavam à flexibilização da legisla-
ção trabalhista ensejaram um cenário bastante adverso para
a ação sindical. Além disso, teve a aprovação em 2000 da Lei
de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101), que
estabelece limites do gasto com pessoal em relação a receita
corrente liquida, por esfera de governo (Federal, Estadual e
Municipal) e de poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário).
Para os servidores públicos municipais de Curitiba esta
conjuntura do final dos anos 80 e da década de 90 teve impacto
nas negociações coletivas, gerando perdas para os servidores.
No período até o Plano Real, apesar da existência de uma políti-
ca salarial nacional, que garantia um reajuste salarial mínimo,
não foi suficiente para repor nem a inflação do período, mesmo
após o Plano Real, quando passou a vigorar a livre negociação,
também acabou gerando um aumento das perdas para os ser-
vidores, inclusive em alguns anos ficaram sem reajustes (1998
e 1999), consequência da conjuntura econômica já destacada
anteriormente.
A conjuntura econômica, e consequentemente das
negociações coletivas, mudaram apenas a partir de 2004, apesar
da manutenção por parte do governo federal do tripé macro-
econômico. No meu ponto de vista isto ocorreu principalmente
pelo abandono do paradigma neoliberal, principalmente a
mudança do papel do Estado na economia, através da valoriza-
ção do mercado interno, valorização do salário mínimo, amplia-
ção das políticas sociais, valorização do serviço público, redução
dos juros, ampliação do crédito, entre outras. Tendo como con-
sequência a retomada na geração de empregos formais, redução
das taxas de desemprego, recuperação da renda, redução da
informalidade, aumento no consumo das famílias, retomada do
crescimento da economia e o aumento real passou a ser uma
realidade na maioria das negociações salariais.
Em função deste novo cenário, bem como a maior
mobilização dos servidores e do sindicato, as negociações cole-
tivas dos Servidores de Curitiba avançaram neste período, prin-
cipalmente a partir de 2005, sendo que nos últimos 10 anos de
negociação, em 8 anos a categoria conquistou aumento real, mas
que ainda não foi suficiente para compensar a perda acumulada
no período de mar/1999 a fev/2014 (9,24%), que atualmente é
utilizado como referência para o cálculo de perda salarial da
categoria, no entanto, a perda acumulada já chegou a ser de
quase 20,00%, e vem se reduzindo nos últimos anos.
Apesar dos avanços conquistados nos últimos anos, há
necessidade de continuar avançando, principalmente para recu-
perar as perdas salariais acumuladas ao longo dos anos, além de
avançar em outros temas importantes para os servidores, como
plano de cargos, carreiras e vencimentos, condições de tra-
balho, saúde e segurança, entre outras. Outro desafio que julgo
muito importante para todos os servidores públicos, é a luta
pela regulamentação da Convenção 151 da OIT (Organização
Internacional do Trabalho), que foi ratificada em 2010, e trata da
organização sindical e do processo de negociação dos trabalha-
dores do serviço público.
Mas o cenário econômico mudou desde a crise finan-
ceira de 2008, verificamos nos últimos anos uma forte
desaceleração do crescimento da economia, principalmente a
partir de 2011, que acaba afetando o setor público, mas que
ainda não afetou o mercado de trabalho e as negociações
coletivas, mas se não ocorrer uma reversão nos próximos anos,
à situação pode ser alterada, criando um desafio a mais para o
movimento sindical brasileiro, colocando em risco os sucessivos
ganhos reais observados na maioria das negociações coletivas.
drops sindicalismo
10 • Revista do SISMUC - Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Curitiba • www.sismuc.org.br •
Constituição Federal expressa, no artigo 37, o direito à negociação no
serviço público, mas não falou expressamente da negociação coletiva. No
ano de 2013, a presidenta Dilma fez um decreto, ainda não regulamentado.
“Precisaria desse passo, que romperia com algumas amarras nessa relação
com os servidores junto ao poder público”, descreve Ludimar Rafaghin (na
foto à direita), assessor jurídico e militante histórico do Sismuc.
Este item é importante devido ao direito à negociação coletiva no serviço
público, vinculando ambas as partes, empregador e empregado.
A data-base é consequência desse vínculo entre as partes. Pois toda a relação
sindical com a administração pública é regulada, com liberdade e autonomia sindical.
“Tem tudo a ver a relação entre a Convenção 151 e o direito à greve. Se não tem regu-
lamentada a negociação, como se pode dizer que os caminhos esgotaram?”, questiona
Ludimar.
De concreto, o direito à negociação coletiva poderia coibir práticas anti-sindicais e avançar na construção da Organização
por Local de Trabalho (OLT). Todas essas coisas são necessárias à boa negociação coletiva. “Nada disso ocorrerá se não for garantida
de fato a organização sindical”, afirma o advogado.
A
DireiTo À orgANiZAçÃoDireito à convenção coletiva do serviço público precisa de regulamentação
Ratificação da Convenção 151 da OIT, que trata da negociação coletiva no serviço público, foi aprovada, mas ainda não regulamentada no país.
Pedro Carrano
- Garantir regras e procedimentos mínimos que assegurem a negociação necessária;
- Que o negociado vincule as partes;
- Que se reconheça que o servidor possa fazer a greve de fato e não sejam fixados
judicialmente percentuais elevadíssimos de manutenção de servidores;
- Regulamentar o direito de greve .
drops sindicalismo
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Sindicato dos Servidores Públicos Municipais
(Sismuc) representa trinta mil servidores munici-
pais, lotados em mais de 130 cargos diferentes.
Por conta dessa complexidade, é organizado por
um conjunto de centenas de pessoas desde a base
até a coordenação liberada para atuar integralmente em nome
da entidade.
A instân-
cia máxima do Sismuc
é o Congresso dos
Trabalhadores, que acon-
tece uma vez a cada três
anos, sempre no ano
seguinte à eleição da
chapa que será gestão por
três anos. O Congresso tem
por finalidade analisar as
condições de conjuntura
política e econômica dos
trabalhadores no contexto
do município, estado, país
e internacional. Uma vez
feita essa análise, os servi-
dores definem o programa
de trabalho que o sin-
dicato deverá seguir até
a realização do próximo
Congresso.
A Assembleia
Geral é convocada uma
vez por ano para debater a
data-base, pautas geral e
específicas. Também pode
ser realizada extraor-
dinariamente, tanto
Assembleia Geral quanto
específicas. A cada três anos, é na Assembleia que ocorre o pro-
cesso eleitoral da Diretoria Executiva Colegiada e do Conselho
Fiscal.
Cabe à Diretoria Executiva colocar em prática as ações
definidas em Congresso, Assembleia e outros espaços de decisão.
Também é responsável por manter toda a estrutura do sindicato
e tomar decisões executivas, que eventualmente podem ser
homologadas por outra instância. A Diretoria Executiva é coor-
denada por pastas, sendo elas: coordenação geral; de adminis
tração; de finanças; de estrutura; de comunicação e informática;
de assuntos jurídicos; de formação e estudos sócio-econômicos;
de políticas sociais; de organização por local de trabalho; de
políticas sindicais e relações de trabalho; de saúde do trabalha-
dor e meio ambiente; e de aposentados.
Já o Conselho Fiscal deve
acompanhar esse trabalho e
problematizar quaisquer irregulari-
dades. Também é responsável por
aprovar ou não o plano orçamen-
tário e outras despesas do sindica-
to, além de fiscalizar o patrimônio
da entidade.
O Conselho de Delegados
Sindicais, por sua vez, é um organis-
mo complexo, que tem seus repre-
sentantes eleitos em cada local de
trabalho e deve realizar justamente
isso, a organização por local de tra-
balho (OLT). As decisões tomadas
por este conselho superam aquelas
tomadas pela Diretoria Executiva,
que tem o papel de executar o
que foi decidido. A cada delegado
sindical cabe manter-se atualiza-
do sobre a atuação do sindicato,
debater e organizar o local de tra-
balho, levar à atenção do Sismuc
reivindicações e denúncias da base.
É a representação sindical nas pon-
tas, em cada unidade da Prefeitura.
Por fim, é nos Coletivos
que as pautas são organizadas
de acordo com a secretaria, cargo
ou parte específica da categoria.
Concentram e aprofundam discussões levantadas nos locais de
trabalho ou que afetam diretamente o grupo de trabalhadores
representado por aquele coletivo. Servem como espaços de
debate, formação, mas também de ação, articulando negociações
e organizando mobilizações, movimentos e assembleias especí-
ficas. Qualquer servidor pode participar dos coletivos.
DireiTo À orgANiZAçÃo hierArQuiA TrANsVersALPhil Batiuk
Estrutura do Sismuc vai da base à coordenaçãoOrganização busca envolver trabalhador no local de trabalho e por pauta, além de conselhos e coordenação para decidir e executar.
o
O Estatuto do Sismuc está disponível em: www.sismuc.org.br/docs/estatuto_sismuc.pdf
12 • Revista do SISMUC - Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Curitiba • www.sismuc.org.br •
• Revista do SISMUC - Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Curitiba • www.sismuc.org.br • 13
Revista do Sismuc entrevistou a assistente social e ex-presidente do
Sismuc, Marilena Silva (2003 a 2006). Nesta conversa ela reviveu momen-
tos importantes das lutas dos trabalhadores, abordando a organização sin-
dical, o ICS e IPMC, a importância de um sindicato único, o arrocho salarial
e muitos outros pontos. Para Marilena, que foi entrevistada na subsede do
Sismuc, na Rua José Loureiro, é papel do sindicato ampliar a “participação da categoria
com qualidade, devolvendo o que ela investe quando paga sua contribuição”.
O sindicato é um
equipamento de reação da
classe trabalhadora
A
SiSmUC eNTreVisTA mAriLeNA siLVA
Revista do Sismuc: Você considera que a sua eleição rompeu com a gestão anterior? Por que houve a mudança? O processo foi conturbado...Marilena Silva: Um dos pontos mais instigantes para nós trata-
va sobre a democracia interna, da organização e da participação
da base nos rumos da luta sindical.
“Nós discordávamos da ausência de fóruns de debate no sindicato.”
A ausência dos dirigentes sindicais nos locais de trab-
alho, a desorganização com relação ao congresso da categoria,
que foi interrompido e era um espaço de discussão interno e
também sobre a conjuntura social e política. Nossa chapa se
constituiu por entender que aquela direção estava há muito
tempo no poder e vinha de um desgaste, sem debate com a cat-
egoria. Também divergíamos da forma como esse instrumento
da luta (o sindicato) pautava questões pertinentes à categoria.
Lembro que nós vínhamos de um processo muito doloroso com
a Prefeitura de Curitiba em que nossos direitos estavam amea-
çados como na aposentadoria, assistência à saúde com o ICS
e principalmente com relação às perdas salariais. Na gestão
Cássio Taniguichi persistiu o modelo de fazer a reposição em
duas etapas. A gente já tinha o salário corrompido com a infla-
ção alta e ao invés de respeitar a data base, a Prefeitura dividia.
Nós passamos por isso em 2003. Não conseguimos reverter isso
em 2004 e só no ano seguinte que a gente conseguiu recuperar
pelo menos parte daquilo que a inflação já tinha levado dos
nossos salários.
Revista do Sismuc: Em 2003, por exemplo, o reajuste foi 6% e em duas partes enquanto que a inflação no mesmo ano chegou a 9,30%. Como era trabalhar isso?Marilena Silva: Vivemos um período em que a organização
econômica privilegiava grandes grupos, o que resultava em
inflação e juros altos, a perda do poder de compra. São coisas
que a gente ainda vive, mas a partir do momento em que se
elege representantes do campo popular para o legislativo se
consegue recuperar o poder de compra dos trabalhadores, o
salário mínimo etc. Naquela época, nossa campanha na CUT era
ter salário mínimo de 100 dólares. Nós superamos isso ao longo
dessa trajetória. Não que tenhamos conquistado salário decente,
aquele que o Dieese recomenda (Em agosto de 2014, o salário
mínimo estava em R$ 724 enquanto que o recomendado pelo
Revista do Sismuc: Como você entrou para a luta sindical? Marilena Silva: A minha eleição sindical foi na época em que eu trabalhava nos tele-
fônicos do Paraná. Eu fui membro da direção do Sintel-PR em 1986. Naquela época já
era uma chapa filiada a CUT. Por outro lado, a minha trajetória na luta sindical acontecia
antes de eu ser dirigente. Eu era base de um sindicato com grande discussão política
estadual. Fiquei nesta categoria até 1992. Depois migrei para a assistência social do
Paraná pelo Sindasp. Naquele momento, na CUT, nós fazíamos o debate do sindicato
por ramo de atividade e sindicato por categoria. Nós, junto com a Associação Nacional
dos Assistentes Sociais, tínhamos a diretriz que a gente devia fortalecer a luta
dos trabalhadores. Portanto, cada assistente social deveria estar junto com a classe
trabalhadora vinculada ao sindicato do ramo e fazendo a luta. Foi na nossa gestão que
extinguimos o sindicato e no Paraná e fomos nos filiar ao sindicato do ramo, no meu
caso, o Sismuc em 1992. Permaneci como base até 2003 quando nos reunimos em um
grupo e demos início à discussão de mudar os rumos do sindicato.
14 • Revista do SISMUC - Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Curitiba • www.sismuc.org.br •
Dieese é R$ 2861). Para os servidores, conseguimos avançar
nos planos de carreira, no piso salarial regional. Essa era uma
bandeira da CUT que gerou benefícios principalmente para os
aposentados.
Revista do Sismuc: O período anterior à sua gestão se carac-terizou por um forte neoliberalismo com a precarização de ser-viços públicos e privatizações. O sindicalismo estava na ofensiva por mais direitos ou na defensiva para não perdê-los?Marilena Silva: Nós lutamos muito tempo para não perder
direitos. O sindicato é um equipamento de reação da classe
trabalhadora. Eu desconheço um período onde a gente conse-
guiu simplesmente avançar. Você está o tempo todo discutindo
as condições e os processos de trabalho. Não é só o número, o
salário em si. O servidor público tem característica diferente com
a fábrica, com a indústria. Você não lida com a lucratividade. O
teu lucro é atender bem a população, é estabelecer políticas
publicas que deem conta das necessidades do povo onde você
atua. A gente sofre as consequências do capitalismo, vive em
uma sociedade competitiva, mas participa de um processo de
como se organiza a sociedade, seja ele privatizante ou não.
Vejam, a partir da Lei de Responsabilidade Fiscal, os servidores
passam a atuar na defensiva sempre porque tem essa “faca no
pescoço” dizendo que o orçamento da cidade não pode ser com-
prometido pelo salário. Por outro lado, os servidores não têm
competitividade do salário se comparado à iniciativa privada.
Nós, na segunda gestão, fizemos o Manual de Direitos
do Servidor (2005). Eu considero um instrumento muito impor-
tante. As pessoas lá na ponta desconhecem seus direitos.
A legislação que regula o serviço público, o decreto que diz
respeito à gratificação, avaliação, estágio probatório. Essas fer-
ramentas e esse debate que é realizado nos coletivos e nas
mesas de negociação qualificam o trabalhador para que ele
possa exigir o seu direito e, no final das contas, para ter serviço
público de qualidade para a população. O difícil é que se faça
o diálogo ampliado para que o usuário entenda que o servidor
é um trabalhador, que ele não está ali para fazer favor para a
gestão eleita, mas prestando serviço.
”Por isso, quando a gente aborda a democra-cia interna do sindicato, possibilitamos maior
inserção na sociedade. O Sismuc se abriu para debater outras políticas públicas, se abre para participar de conferências, dos congressos da CUT, das Conferências das Cidades, fazendo
intercâmbio com outras entidades, colaborando com outras lutas como movimento por moradia,
transporte público de qualidade.”
Então, nós vivemos este processo de abrir as portas do
sindicato para outras lutas que tem semelhança com o nosso
cotidiano.
Revista do Sismuc: Isso significa expandir os horizontes, não olhar apenas para o próprio umbigo. Marilena Silva: Eu acredito nisso. Que quando o sindicato faz
o debate, seja nos coletivos ou em seminários, de reportagens,
ele dialoga com os servidores em outra perspectiva. Isso não
tinha. Pelo menos, a gente sentia falta desse espaço e a gestão
passou a fazer.
“O sindicato não é um elemento isolado. No meio sindical, existe o jargão “Sindicato de resul-
tado”. Isso é uma falácia. Não existe resultado positivo se tudo em volta estiver quebrando, se a indústria estiver falindo, a economia não esteja progredindo. Logo, mostrar que não somos um
agente isolado, que pertencemos à classe tra-balhadora, ter posicionamento classista, isso traz um diferencial. A gente nunca vai deixar de fazer as lutas específicas da categoria, lutar pelo servi-
dor.”
Talvez quem trabalhe dentro de uma fábrica tenha
questões mais pontuais. Agora, quando se está dentro de uma
escola, o campo se amplia. Não há como se trabalhar o indivíduo
isoladamente. Pra mim, portanto, o sindicato deve servir como
instrumento de luta da classe trabalhadora.
Revista do Sismuc: Ainda em 2003 houve discussão sobre alte-rações no ICS. Que mudanças eram essas? Como o sindicato se mobilizou?Marilena Silva: A grande discussão gira em torno da alíquota,
o modelo de contribuição, qual é a abrangência do Instituto.
Algumas mudanças ocorrem por força no Código Civil. Os
servidores se ressentem até hoje com a redução da idade dos
beneficiários dependentes para os 18 anos, trazendo prejuízos.
Destaca-se também o valor pago individualmente, que gera
disputa ferrenha em relação ao mercado de saúde estabelecido
no país na medida em que o SUS, enquanto projeto não atinge
a todas as pessoas no tempo devido. Isso promove a ingerência
de outros organismos no ICS na medida em que o comparam
com um plano de saúde, trazendo para nós a questão de que
estaríamos utilizando um recurso universal (SUS) para atender
uma única fatia da população que são os servidores munici-
pais e seus dependentes. Essa briga é longa, mas, por força
da questão legal, nós temos prejuízo concreto na medida em
que o ICS passa a ser encarado como plano de saúde, exigindo
mudança nos serviços prestados, no estatuto e na lei que regu-
lamenta. Nós, inclusive, corremos o risco de perder tudo. Acho
que a luta feita pelo sindicato, desde 1999, quando foi aprovada
a assistência da previdência (IPMC), é manter o ICS com quali-
dade. Atualmente não temos essa característica principalmente
porque foi quebrado o princípio da solidariedade em que todos
colaboravam. Na medida em que eu posso competir, eu quebrei o
princípio, pois as pessoas vão escolher o mercado e sua proposta
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e não o debate coletivo de uma assistência maior para um grupo
de pessoas.
A gente sempre discutiu que fosse transformado em
autarquia municipal e não uma Organização Social para que
houvesse controle. A realidade atual é que o servidor é atendido
por um médico em um dia e pode ser atendido por outro depois
porque venceu um contrato de prestação de serviços. Perde-se a
afinidade.
Revista do Sismuc: Na sua época o Sismuc e o Sismmac faziam campanhas conjuntas salariais entre outras ações. Qual era a importância dessa parceria?Marilena Silva: Fundamental para a luta de trabalhadores se
enxergavam enquanto classe. O Sismmac foi muito importante
no período de nosso mandato porque podiam compartilhar infor-
mações e debate com a Prefeitura. A gente trocava experiências
nas pautas, formação sindical conjunta, discutíamos em semi-
nários e com os pais etc. O Sismmac é um sindicato coirmão.
E a pauta semelhante como previdência e assistência e tantas
outras que dizem respeito às condições de trabalho avançavam
na mesma direção. Até no momento de entregar a pauta os
dois sindicatos se uniam e a pressão era maior. Não tinha como
diferenciar. Ao longo do tempo, por questões de ordem política
sindical, houve o distanciamento e cada categoria entrega sua
pauta isoladamente. Isso nos enfraquece, assim como perdemos
força quando algumas categorias saem do Sismuc.
“Eu entendo que o surgimento de sindicato de guarda, fiscal, de procurador e assim por diante
enfraquece a luta.”
Retomo que o debate feito na CUT anteriormente de
unificar os ramos é importantíssimo. Às vezes, porque uma cat-
egoria conquistou alguma coisa e outra não, se busca criar outro
sindicato para se ter status de presidente e puxar brasa para
nossa sardinha.
“Eu sempre me pergunto: quem é que vai ficar com as categorias menores? Parece que se
busca a separação nas categorias maiores e com melhores salários, mas acabam abandonando os menores. Por isso defendo o sindicato acolhendo
todo mundo.
Revista do Sismuc: No ano da maioridade do Sismuc (18 anos) foram inauguradas a nova sede e o novo site. Conte-nos como foi isso e a importância para a luta dos servidores municipais.Marilena Silva: O Sismuc já tinha sede própria. O que fizemos
foi a mudança de endereço. Onde estávamos não tínhamos
condições de receber as pessoas na quantidade que pensamos.
Portanto, comprar uma sede no centro de Curitiba foi importante
para ampliar a participação da categoria com qualidade, devol-
vendo o que ela investe quando paga sua contribuição. Ter as
mídias como jornal e site é partilhar da direção do sindicato com
sua categoria. Logo, usar o orçamento para equipar a entidade,
organizar a base, os coletivos, é fazer com que o sindicato seja
dos trabalhadores. Eu lembro que em 2003 a gente mandava
fax para os locais de trabalho, pois não dava tempo de percorrer
mais de 1500 locais de trabalho. Já o site liberdade para que o
servidor acesse as informações, mesmo que de sua casa, afinal,
ainda há chefias que restringem o acesso, e saiba do cotidiano
do sindicato, além de interagir.
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fragmentação dos sindicatos é um fenômeno que
tem ganhado força devido a equívocos de concep-
ção. Nem todo dirigente tem as mesmas idéias e
conceitos que os demais sobre o que é e como
deve ser o movimento sindical. Aquela que defendemos aqui
tem a ver com a unificação da classe trabalhadora, pois repre-
senta o fortalecimento
do poder popular con-
tra os interesses de
gestores e patrões, os
quais já concentram
muitos processos de
decisão na sociedade.
Mas existem
outras linhas de
se trabalhar o sindi-
calismo. Alguns dire-
tores trazem consigo
uma visão indi-
vidualista, mas ainda
assim voltada à
categoria, mesmo que
só à sua própria. Outros, certas vezes, são pessoas que sequer
estão preocupadas com os anseios dos trabalhadores e almejam
apenas exercer um cargo sindical para se projetar na política.
Cabe aqui apontar que a participação na disputa de
poder é legítima e essencial para que os interesses dos tra-
balhadores sejam representados na política. O problema é
quando se perde o foco da luta de classes para promover um
projeto pessoal. Se a própria origem do movimento sindical é
agregar trabalhadores de diversas categorias, é preciso de fato
representá-los.
“Os sindicatos representaram, nos primeiros tempos do
desenvolvimento do capitalismo, um progresso gigantesco da
classe operária, pois propiciaram a passagem da dispersão e da
impotência dos operários aos rudimentos da união de classe”, já
dizia Vladimir Lênin, liderança na revolução socialista de 1917.
No Brasil, o movimento sindical teve sua origem no século 19 e
nasceu com a concepção de se organizar através dos ramos de
atividade. As Uniões Operárias, que foram as primeiras formas de
organização dos trabalhadores por aqui, tinham um caráter mais
assistencialista. Até hoje, existem entidades que atuam nesse
modelo, mas, devido à diferença na correlação de forças entre
patrões e empregados, entidades modernas escolheram for-
talecer ramos de um mesmo setor produtivo como, por exemplo,
o serviço público municipal.
Com o fim da ditadura militar e o recente período
democrático, ficou muito mais fácil atuar no movimento sindical
brasileiro, haja vista a
diminuição significa-
tiva da repressão, per-
seguição e assassina-
tos de dirigentes sin-
dicais. Infelizmente,
essa nova conjuntura
facilitou a vida de
oportunistas que pro-
curam o movimento
sindical para ter
proveito e projeção
pessoal.
Uma das for-
mas de alcançar este
objetivo individual é
a disseminação da idéia de que sindicato próprio, específico de
uma categoria, é o melhor caminho para os trabalhadores con-
seguirem seus objetivos. Será? A quem interessa a fragmentação
da classe trabalhadora?
Quando essa divisão acontece, a luta do coletivo é
enfraquecida em nome de uma só categoria. Esta atitude torna
mais fácil a postura de não negociação do gestor ou patrão, que
pode com mais facilidade isolar e controlar a categoria. É um
desserviço para avançar nas demandas de toda a classe tra-
balhadora, como é a redução da jornada de trabalho, o fim das
terceirizações, auxílio-refeição e assim por diante.
O impacto de uma greve geral é inegavelmente maior
do que o de categorias isoladas. É claro que existem pautas
específicas, como a jornada de 30 horas na Saúde, o pagamento
do piso nacional a professoras e professores, justo remaneja-
mento na Ação Social, entre tantas outras, lutas que devem ser
travadas pelos sindicatos. Não é o simples fato de congregar
várias categorias de trabalhadores que causa prejuízo às ban-
deiras específicas.
Num caso extremo, em que não haja diálogo com o
ACiBeLe CAmPos
SiSmUC DeBATeA Quem iNTeressA A DiVisÃo Dos siNDiCATos Por
CATegoriA?
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patrão e os trabalhadores entrem em greve, categorias dife-
rentes amparam umas às outras, mesmo porque muitas vezes a
interrupção de determinados serviços demora em surtir efeito
na sociedade em um movimento grevista. O exemplo é espe-
cífico, mas demonstra como a solidariedade e o apoio entre a
classe trabalhadora fortalece lutas que favorecem a todos.
Será mesmo que um sindicato próprio seria mais
“competente”, mais combativo e atuante? Estas características
dependem muito mais dos dirigentes sindicais que lá estão do
que da exclusividade na representação. Prova de que o caminho
não é a fragmentação ocorre no maior sindicato de servidores
públicos municipais do Paraná, o Sismuc. Ao todo são trinta mil
servidores municipais na base atuando em mais de 132 cargos
diferentes.
Essa situação nunca impediu que tivessem conquis-
tas específicas para categorias do serviço público municipal.
Podemos citar como exemplo a mudança de auxiliar de enfer-
magem para técnico e a mudança do nível de Auxiliares de
Saúde Bucal (ASBs) para ensino médio. Na educação, a conquista
de aposentadoria especial, férias coletivas, recesso e isonomia
no calendário escolar com o magistério.
Já conquistas do Sismuc como a redução da jornada de
trabalho na Saúde, auxílio transporte, data-base, licença mater-
nidade de seis meses e licença prêmio só foram possíveis pela
unificação da pauta e também do movimento sindical.
O Sindicato dos Servidores de Maringá (Sismmar) é
outro sindicato que também pode ser citado. Em 2013, organi-
zou os mais de nove mil servidores do município para a revisão
do Plano de Carreira, que conquistou avanços individualizados
para várias categorias, tais como fiscais, engenheiros, guarda
municipal. Mas, em razão da unificação, levou aditivo no salário
por titulação e realização de cursos de aperfeiçoamento a todas
e todos servidores que representa.
CiBeLe CAmPos
“Acreditamos que o caminho a ser trilhado pelos trabalhadores para mudar a con-figuração da sociedade é o da união com autonomia, solidariedade e fortalecimento das entidades. Só assim poderão se libertar cada vez mais, passo a passo, das cor-
rentes que mantêm a maioria do povo sob a direção dos patrões. Como já diziam os economistas Karl Marx e Friedrich Engels: “Trabalhadores de todo o mundo, uni-vos,
vós não tendes nada a perder a não ser vossos grilhões.”
drops sindicalismo
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luta pela jornada de trabalho de 40 horas sema-
nais é a mais importante luta do movimento sin-
dical no Brasil, elencada pelas diferentes centrais
sindicais. A jornada brasileira ainda apresenta
níveis altos comparados com outros países, ainda mais se pen-
sarmos os mecanismos de exploração do trabalho, como é o
caso de horas-extras, banco de horas e maior velocidade no
ritmo de produção.
Tramita na Câmara dos Deputados, desde 1995, a
Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 231 que reduz a carga
horária máxima semanal de 44 para 40 horas e aumenta o valor
da hora extra de 50% para 75%. Esse projeto é rejeitado pelos
empresários. Ainda assim, a projeção com a redução de jornada
seria de criação de dois milhões de postos de trabalho.
A presidente Dilma Roussef deu sinais a cerca de 80
executivos de varejo, em 2014, que não apoia a redução da jor-
nada semanal de 44 horas para 40 horas. Justificou sua posição
devido ao momentâneo pleno emprego, o que, em tese, não
exigiria a redução de jornada.
Já as empresas são contrárias às 40 horas e amea-
çam com a intensificação do ritmo da jornada de trabalho. Os
empresários orientam a livre negociação entre as partes em
torno da jornada e argumentam que a jornada de trabalho em
países como a Alemanha teria, em tese, retrocedido de 35 horas
para 40 horas.
Em resposta, as centrais sindicais atribuem os números
de acidentes de trabalho, as doenças e lesões osteomusculares
à extensa jornada de trabalho no Brasil. Dirigente do Sindicato
dos Bancários de Curitiba e Região, Pablo Díaz analisa o
problema sob o viés do impacto na saúde física do trabalhador.
“Quando se vai ao esgotamento, fisiologicamente se produz
mais ácido, que é a saúde da pessoa e a saúde mental”, diz. Esse
impacto à saúde se deve ao aumento de metas e lucros, amplia-
ção da terceirização, ao lado da incorporação de tecnologias, que
fazem com que o trabalhador leve trabalho para casa.
“Na prática você pode trabalhar seis horas por dia, mas
via email e celular fica conectado com a empresa. Conseguimos
que os bancos proibissem, que fosse vedado qualquer tipo de
conexão a email e celular. Mas estamos diante de uma geração
que, com raras exceções, cresceu sob o mando do Capital e não
tem o discernimento do que é imoral e ilegal”, afirma Diaz.
O dirigente sindical cita dois exemplos de categorias
bastante marcadas por uma jornada de trabalho elevada. São
eles, os vendedores de comércio e de redes de supermercado.
“Nesse mundo da produção da riqueza imaterial, a intensidade
aumenta de maneira brutal”, complementa Diaz.
A
jorNADA De TrABALhoA reALiDADe É Que TrABALhAmos DemAis
Mesmo alcançando uma jornada de trabalho regulamentada, nem sempre os trabalhadores con-
seguem cumprir a jornada de trabalho determinada em lei.
“Na medida, portanto, em que o trabalho dá menos satisfação e se torna mais repugnante, nessa
mesma medida aumenta a concorrência e diminui o salário. O operário procura manter a massa
do seu salário trabalhando mais, seja trabalhando mais horas, seja produzindo mais no mesmo
tempo. Pressionado pelas privações, aumenta ainda mais os efeitos funestos da divisão do trab-
alho. O resultado é: quanto mais trabalha menos salário recebe”, Karl Marx.
Pedro Carrano
Intensificação da produção A redução da jornada de trabalho conquistada em 1988, do patamar de 44 horas para 40 horas. Porém, aconteceu no contexto da década de 1990, de intensificação do trabalho, das metas e da produtividade nas empresas. O pensamento do economista alemão Karl Marx já apon-tava esse fato, no livro O capital, (cit., p.748): “(...) Quanto maior a produtividade do trabalho, tanto maior a pressão dos trabalhadores sobre os meios de emprego, tanto mais precária, portanto, sua condição de existência, a saber, a venda da própria força de trabalho para aumentar a riqueza alheia ou a expansão do capital”. O Dieese (2009) aponta que, no Brasil, a redução da jor-nada em 9% é compatível com o aumento de produtivi-dade geral da indústria, que cresceu 23,18% entre 2004 e 2013. Entretanto, os ganhos de produtividade, resul-tado dos avanços da tecnologia, acabam sendo apropria-dos apenas pelos patrões. O trabalhador, que sofre com o ritmo de trabalho mais forte, não tem qualquer retorno financeiro. “Neste momento de produtividade e intensi-ficação da jornada, é necessário rediscutir o formato da jornada. Pois o empresário está se apropriando deste excedente”, analisa Fabiano Camargo, técnico do Dieese-PR, em entrevista à imprensa do Sismuc.
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Serviço Público A jornada de trabalho no serviço público de maneira
geral é de 40 horas semanais. Porém, segmentos de trabalha-
dores da Saúde e educadores lutam para aprovar e regulamentar
a aplicação da jornada de 30 horas semanais. As 30 horas foram
conquistadas pelos servidores municipais de Curitiba. Essa
luta é feita também em todo o país. A mobilização em ramos
como o da enfermagem é pelo cumprimento da Lei 2295/2000,
que regulamenta às 30 horas, mas esbarra na negativa dos
empresários.
Tabela Veja abaixo tabela comparativa entre diferentes locais
de trabalho, em Curitiba e Região Metropolitana.
Ambev (Alimentício) 40 horas semanais
Volvo (veículos pesados) 40 horas
PepsiCo Brasil 44 horas
Enfermeiros 30 horas
Educadores 40 horas
Jornalistas 25 horas
Bancos 36 horas
Metas e lucros Mesmo alcançando uma jornada de trabalho regu-
lamentada, nem sempre os trabalhadores conseguem cumprir
a jornada de trabalho determinada em lei. Isso porque os
trabalhadores também realizam horas-extras e banco de horas.
No caso dos terceirizados, as metas e lucros acrescen-
tam 40% a mais na jornada de trabalho para os trabalhadores
terceirizados, de acordo com Diaz.
Somada à jornada de trabalho, é possível contabilizar
o tempo que o trabalhador gasta no trajeto de casa até o tra-
balho, sendo que o sistema de transporte público muitas vezes
é precário. “Se o cara trabalha seis horas, trabalhando e se loco-
movendo, em São Paulo, a jornada acaba sendo de doze horas
entre sair e voltar para casa”, afirma Diaz.
É preciso que a luta pela jornada de trabalho seja
divulgada de forma atrativa para os trabalhadores compreen-
derem essa bandeira. “O sindicalismo, nesses últimos doze anos,
distanciou-se da sociedade, burocratizou, lançou campanha, quer
ser entendido, mas não se fez entender o ano inteiro”, critica
Pablo Diaz.
Um exemplo está nos operários da Volvo, que con-
quistaram a redução da jornada de trabalho. Com isso, os diri-
gentes sindicais avaliam que é possível a contratação de mais
trabalhadores e gerando postos de emprego. “A resistência dos
empresários é por que eles terão que contratar mais pessoas.
Eles vão ter que cumprir a jornada, e nós estamos combatendo
as horas extras. Dentro do limite (duas horas diárias), tudo bem,
mas quando acumula, o pessoal faz hora extra até no domingo.
Então, essa dificuldade, diminuindo o horário, vai ter que
contratar mais pessoas”, afirma Wilson Kaminski, da direção do
Sindicato dos Metalúrgicos de Ponta Grossa.
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TriPÉ CoNTrA-hegemôNiCoPhil Batiuk
A oLT NA LuTA De CLAsses
Organização por local de trabalho unifica pensamento crítico, reivindicações do servidor e atuação sindical.
auxiliar de serviços escolares João Guilherme
Bernardes, 26 anos, entrou na Prefeitura de
Curitiba em fevereiro de 2010. Ele conta que,
apesar da personalidade mais crítica do que pas-
siva, ele não tinha formação política. Mas, ainda no início de
sua carreira, sentia-se angustiado porque não via as questões
específicas de sua categoria na pauta do sindicato. Ele queria
continuar estudando, por exemplo, mas poder contar com o
apoio do serviço público municipal para isso. Para tanto, ele
sabia que o Governo Federal tem o programa Profuncionário,
que realiza cursos de formação para funcionários de escola,
compatíveis com a atividade que o trabalhador exerce na uni-
dade. Mas Curitiba não tinha o convênio necessário com a União
e, portanto, não contava com o programa. “Então eu participei
do primeiro coletivo dos trabalhadores de escola no Sismuc,
ainda em 2010, e já tiramos uma comissão para negociar com a
Prefeitura”, conta João.
Em julho daquele ano ele se sindicalizou para que
pudesse participar de debates e negociações. “No início de
2011, participei da data-base e outras mesas de negociação em
nome da categoria e me preparei para isso através de espaços
de formação do Sismuc, tanto de conhecimentos gerais quanto
o treinamento para mesa de negociação”, conta ele. O município,
em parceria com o Instituto Federal do Paraná (IFPR) e o
Governo Federal, oferece o Profuncionário a uma média de 600
trabalhadores de escola por turma, segundo a gestão municipal.
Mas, para que João tivesse o direito de se organizar para lutar e
conquistar para si e para os seus, muita coisa precisou acontecer
antes.
A Constituição Federal de 1988, conhecida como
Constituição Cidadã, veio na sequência de um sombrio e obscuro
regime ditatorial civil-militar, que durou mais de vinte anos
no Brasil. Até hoje, vigora uma lei de anistia geral e irrestrita,
um tipo de perdão dado tanto a agentes da ditadura quanto
aos militantes pró-democracia. Sequer temos, enquanto povo
brasileiro, acesso a dados e informações sobre o que aconte-
ceu naquele período. Já em países que passaram por situações
semelhantes, como Argentina, Chile e Uruguai, foram punidas
violações de direitos humanos e crimes contra a humanidade
cometidos pelos tiranos.
Nesse sentido, o Governo Federal criou, em 2011, a
Comissão da Verdade, justamente para “examinar e esclarecer
as graves violações de direitos humanos” que aconteceram
naquele período, “a fim de efetivar o direito à memória e à ver-
dade histórica e promover a reconciliação nacional”, de acordo
com seu Regimento Interno. Se a Constituição de 88 veio para
contrastar com a ditadura, então isso fica claro no Art. 11, que
assegura a eleição de um representante por local de trabalho
em empresas com mais de 200 trabalhadores. Isso garante a
possibilidade da organização por local de trabalho (OLT).
A Central Única dos Trabalhadores (CUT), por exemplo,
surgiu defendendo a OLT como ação estratégica para a luta de
classes. Afinal, é no local de trabalho que se inicia a organização
de cada trabalhador, em geral no enfrentamento aos patrões,
seja contra assédio moral, favoritismos ou por valorização e
melhores condições. A estratégia da OLT é, no fim das contas, o
embrião de um sindicato e, para sempre, seu cordão umbilical
com a base. Sem isso, trabalhadores ficariam “órfãos” de
representação, bem como o sindicato deixaria de representar
sua própria base ao se desconectar dela.
Sindicatos buscam manter contato com a base que
representam por meio de visitas constantes aos locais
de trabalho e distribuição de materiais, por exemplo. Outro
mecanismo de organização local bastante utilizado por diversas
categorias são as comissões, organizadas para tratar de temas
específicos, seja de uma categoria só, ou que atinja a todos os
sindicalizados. As comissões só se apresentam como ameaça à
organização sindical quando constituídas de forma paralela, sem
ligação ao sindicato.
Já na Itália, na Espanha e na França, comissões de
empresa são vinculadas aos sindicatos ou às centrais sindicais.
Nesses países, os representantes sindicais têm um tempo livre
em sua jornada para percorrer a empresa conversando com os
trabalhadores, que são liberados integralmente para participar
de assembléias. Essas comissões negociam com os patrões
questões específicas das empresas, mas aquelas que dizem res-
peito ao conjunto da categoria são negociadas pelos próprios
o
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sindicatos.
“A OLT é uma estratégia que abre a visão do tra-
balhador para o todo, desde o sindicato até a sociedade, mesmo
internacional”, define Cathia Almeida, coordenadora do Sismuc
responsável pela pasta. Ela explica que é papel do delegado
sindical orientar e mobilizar cada local de trabalho para dar
unidade às lutas. “Entrei em 2010 para a OLT ainda sem entender
muito. Para mim era só organizar as saídas dos liberados para a
base”, conta Cathia. “Aí então eu entendi que, além de entregar
o Jornal do Sismuc, é da função ser um braço do sindicato, uma
parte integral dele, no local de trabalho”, revela.
A partir de um planejamento que estabelece um cro-
nograma de visitas à base e reuniões periódicas no sindicato, a
OLT é organizada e também organiza o Sismuc, em um movi-
mento que se complementa mutuamente. “Eu mesma já atuava
como delegada sindical sem saber, já organizava lutas entre os
colegas, antes mesmo de entrar para o sindicato e só fui com-
preender isso depois”, aponta. Muitas vezes a base de repre-
sentação de um sindicato critica com razão quando a atuação
da entidade deixa a desejar. No entanto, isso pode acontecer
justamente porque representantes da base não estão levando
à atenção dos liberados problemas que ocorrem por lá. Como a
luta é da classe trabalhadora, pode ocorrer de faltar a presença
do sindicato na base e também de faltar a presença da base no
sindicato.
O que vai unir ponta e centro da atuação sindical
é a OLT. Só que a organização por local de trabalho também
depende de outros fatores para ser eficaz. Por isso é importante
a participação de trabalhadores, delegados sindicais e mesmo
diretores em espaços de formação, por exemplo. “Precisamos
buscar ter a compreensão de temas para além do próprio cargo
ou categoria, para podermos levar isso à base e também trazer
dela questões específicas para o sindicato tocar”, explica Cathia.
A formação cumpre função essencial, já que fica difícil contrapor
os patrões quando não se tem o conhecimento sobre os temas
em debate, sejam eles específicos ou gerais.
Já para dar conta de temas complexos, que não são
compreendidos em uma só reunião e também para manter
todos atualizados a respeito do que se passa no sindicato e na
sociedade que integramos, o movimento sindical conta com a
Comunicação. O Sismuc faz isso de todas as maneiras possíveis,
por meio do jornal mensal e das publicações específicas, como
o Mobilização e o Curitiba de Verdade. Mas também comunica
por panfletos e cartas, cartilhas e também livros, tal como as
Crônicas dos Excluídos e Vozes da Consciência.
Depois de conquistar avanços para sua categoria e par-
ticipar de espaços de formação, João Guilherme se inscreveu na
chapa que venceu as últimas eleições do sindicato e hoje coor-
dena a pasta de juventude. Ele ampliou sua atuação para que
pudesse fazer parte de um movimento maior e mais complexo.
É por isso que a OLT faz parte do tripé contra-hegemônico do
Sismuc. Representa o papel da ação do trabalhador organizado
(práxis), que é orientada pela Formação e expressada pela
Comunicação.
lATuff: DoNos Do PoDer
• Revista do SISMUC - Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Curitiba • www.sismuc.org.br • 23
República Federativa do Brasil se sustenta em
pilares constitucionais que se encontram em toda
a constituição, mas especialmente nos artigos 1,
2 e 3.
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela
união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal,
constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como funda-
mentos - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa
humana; IV - os valores
sociais do trabalho e da
livre iniciativa; V - o plu-
ralismo político.
Parágrafo único.
Todo o poder emana do
povo, que o exerce por meio
de representantes eleitos
ou diretamente, nos termos
desta Constituição.
Art. 2º São
Poderes da União, indepen-
dentes e harmônicos entre
si, o Legislativo, o Executivo
e o Judiciário.
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República
Federativa do Brasil:I - construir uma sociedade livre, justa e
solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar
a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais
e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de
origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discrimi-
nação.
É para preservar esses e outros direitos que a socie-
dade se organiza em associações, partidos políticos, sindicatos
e outras entidades ou movimentos. Esses fazem o papel de
catalisar e dirigir as movimentações sociais pelas mudanças
necessárias nos governos, nos parlamentos, nas ruas e no ambi-
ente de trabalho.
É com esse intuito que são realizadas eleições, greves,
protestos e diversas formas de manifestação popular com o
intuito de pressionar patrões e governos para que ocorram as
mudanças necessárias.
Ocorre que todas essas movimentações sociais que
deveriam ficar restritas ao espaço da política, passaram a ser
judicializadas, ora para impedir a realização dos movimentos,
ora para criminalizá-los e ora para discutir o mérito dos plei-
tos pois acreditam que os mesmos serão negados pelo Poder
Judiciário.
Quando o Poder Judiciário é provocado por patrões,
administradores públicos, proprietários de terras e outros seg-
mentos da sociedade, as mais diversas decisões têm sido profe-
ridas pelos órgãos judicantes levando para outro patamar aquilo
que deveria ser objeto de diálogo e mediação com aquelas que
reivindicam seus direitos.
Essa postura
autoritária e contrária aos
basilares pressupostos
da democracia resultam
de resquícios da ditadura
instalada em 31 de março
de 1964 e que até hoje
permanecem influenci-
ando muitas decisões que
pode até contrariar a lógi-
ca do estado democrático
e de direito. Isso ocorre
em relação as greves,
passeatas, ocupações de
terras e outros imóveis,
decisões do próprio parlamento.
Sob o argumento de que devem ser preservados os
direitos dos usuários do serviço público, nos últimos anos, ocor-
reu um intenso processo de judicialização das greves desses
trabalhadores, de forma que o direito constitucional de greve
chega a ser violado com o teor das decisões.
Exemplos de decisões que afetaram diretamente o
direito de greve do serviço público são declarações de ilegali-
dade de greves por meio de liminares, determinação do imediato
retorno ao trabalho de todos os servidores, impedindo que ser-
vidores da saúde e educação possam fazer, equiparando guarda
municipal a militares para impedir a realização de greves pelos
mesmos.
Em todos os casos tem sido regra fixar pesadíssimas
multas sobre os sindicatos caso não cumpram as liminares defe-
ridas pelo Poder Judiciário, e em algumas situações são impostas
multas aos servidores em greve ou à diretoria do sindicato. Há
casos em que foi determinada a prisão de dirigente sindical por
suposto descumprimento de ordem judicial, tendo que participar
das assembleias com Habeas Corpus.
O SISMUC, ao longo de seus 26 anos, foi alvo de
ALuDimAr rAfANhim
A juDiCiALiZAçÃo DA PoLÍTiCA, Dos moVimeNTos soCiAis e greVisTAs
24 • Revista do SISMUC - Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Curitiba • www.sismuc.org.br •
várias decisões nesse sentido, com multas de R$ 10.000,00, R$
20.000,00, R$ 50.000,00 e outros valores, bem como reintegra-
ções de posse, entre outras decisões desfavoráveis e que dificul-
tavam a continuidade dos movimentos.
No período imediatamente anterior à Copa da FIFA de
2014 no Brasil, muitas foram as decisões impondo multas aos
sindicatos que planejavam a realização de greves. Ao sindicato
da Polícia Federal, por exemplo, foi fixada uma multa de R$
200.000,00 caso fizessem greve, mesmo que na forma de opera-
ção padrão.
As decisões sobre greves ainda impõem descontos
dos dias parados, sem possibilidade de reposição, o que cria
restrições aos crescimentos nas carreiras e a perda de outros
direitos como é o caso da Licença Prêmio nos locais onde ainda
existe o direito.
Nas greves do setor privado, o principal instrumento
judicial de restrição ao direito de greve é o interdito proibitório,
instituto do Direito Civil aplicado ao Direito do Trabalho. São
proibições de paralisar determinados serviços, permanecer con-
centrados na entrada das empresas, usar determinados espaços
públicos ou privados. Em todas essas hipóteses também são
impostas multas altíssimas pelo descumprimento das decisões,
com o intuito de tentar inviabilizar os sindicatos. Não pode
ser esquecida greve dos petroleiros de maio de 1995 onde foi
declarada a abusividade da mesma e imposta multa diária de R$
100.000,00, tendo alguns sindicatos suas sedes bloqueadas para
a garantia do pagamento.
Situações similares a dos petroleiros ocorreram com
trabalhadores dos correios, com os trabalhadores bancários,
entre outros.
Se no movimento sindical, nos últimos anos e décadas,
houve intenso processo de judicialização dos movimentos, o
mesmo ocorreu com os demais movimentos sociais, tais como
luta pela terra e políticas públicas.
Movimentos que reivindicam terras para produzir
alimentos tiveram judicializados seus pleitos para reintegrar
proprietários na posse das terras, e dirigentes dos movimentos
foram criminalizados e presos, quando não mortos.
Os movimentos populares por moradia, saúde, educa-
ção, ruas e políticas públicas também foram alvos do processo
de judicialização com proibição de realizar protestos, limitar
trânsito em ruas, fazer passeatas em determinadas ruas ou fre-
quentar eventos para ali protestar.
Há também a judicialização de direitos conquistados
por leis aprovadas nos parlamentos quando se busca no Poder
Judiciário a declaração de inconstitucionalidade das normas,
como ocorreu em relação ao feriado da Consciência Negra em
Curitiba, Lei do Piso Nacional do Magistério, Lei Federal que
garantiu a aposentadoria especial aos diretores e pedagogos,
questionando a Lei da Ficha Limpa, decretos demarcatórios de
terras indígenas, atos interna corpores do Poder Legislativo nas
diferentes esferas.
Nessas e outras situações, o Poder Judiciário fez às
vezes dos demais poderes para impedir o exercício da liberdade
de organização manifestação, bem como a autonomia do Poder
Legislativo.
O processo de judicialização dos movimentos sociais
e da política como um todo não interessa aos trabalhadores
pois, em regra, as decisões são desfavoráveis aos mesmos, e é
ilusório pensar que o Poder Judiciário é a tábua da salvação dos
trabalhadores.
Não se deve alimentar a ilusão, pois a composição dos
tribunais reflete a desigualdade da sociedade pois dificilmente
um operário será magistrado, e os magistrados são humanos,
portanto, também têm compreensão ideológica da sociedade e
estão sujeitos às influências do modelo de sociedade vigente.
A Corte Maior do Brasil, qual seja, o Supremo Tribunal
Federal, tem todos os seus ministros indicados pela Presidência
da República, portanto, carregado de influência política, e nova-
mente, operários e integrantes dos movimentos sociais não são
indicados como ministro.
O espaço para solução dos conflitos sociais próprios
do movimento popular, movimento sindical e política como um
todo, não é no Poder Judiciário.
• Revista do SISMUC - Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Curitiba • www.sismuc.org.br • 25
drops sindicalismo
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No começo, o sindicato tinha o formato de Associação dos Servidores Municipais de Curitiba, a Asmuc.
Na vida dos servidores municipais, até mesmo o direito a um período fixo de negociação para a data-base é uma conquista
da luta. Esse direito foi conquistado apenas no ano de 1988, com a fundação do Sismuc. O sindicato, na década de 1980, estava na
luta pelo direito à organização sindical, que foi conquistado apenas com a Constituição de 1988.
Ainda na década de 1980, o prefeito Maurício Fruet
já sofrera a pressão da categoria, antes mesmo de existir
o sindicato. A luta dos servidores na realidade já existia,
entre 1983 e 1987. Na época, o sindicato tinha o formato de
Associação dos Servidores Municipais de Curitiba, a Asmuc,
um espaço de organização. “Um verdadeiro guarda-chuva da
defesa dos trabalhadores”, como narra uma servidora.
Em 1989, muitos servidores são transformados de cele-
tistas em estatutários, conquistando o regime jurídico único.
O então famoso prefeito Jaime Lerner (1989-1991), foi duro
contra o servidor, embora o período fosse de abertura políti-
ca, de maneira que ele se viu obrigado a negociar.
Os servidores de Curitiba sempre combateram a gestão
privatista do grupo político que ficou no poder por mais de
30 anos em Curitiba. “Escândalos e corrupção marcam o fim da gestão Lerner”, é a manchete principal do jornal do Sismuc de dezem-
bro de 1992, com denúncias envolvendo a urbanização de Curitiba.
ToDAs As LuTAs
Uma caminhada que inicia no direito à organização nos anos 1980, prossegue nos anos 1990 e 2000 contra o grupo político que permaneceu três décadas no poder, e não acaba. Ao contrário,
fortalece cada vez mais. Na valorização e busca de identidade de cada seg-
mento de trabalhadores que formam o Sismuc, o sindicato como um todo cresce cada vez mais. As conquistas
não são restritas a pequenos grupos: a trajetória beneficiou toda a população trabalhadora de Curitiba. Em poucas siglas: Sismuc, um sindicato, todas as
lutas. Muitas memórias.
um siNDiCATo Pedro Carrano
REPORTAGEM ESPECIAL
Memorial de ganhos e lágrimas dos servidores de Curitiba
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Duas grevesAntes, não havia referência de data-base.
Duas greves gerais dos servidores do município muda-
ram a vida do sindicato e alteraram o modo de lidar com a
Prefeitura, obrigada a negociar com o sindicato. A greve de 1989
teve conquistas salariais e explodiu contra a corrosão do salário,
resultado da inflação da década de 1980. Nesse período de
transição de celetistas em estatutários, o prefeito Jaime Lerner
demitiu 822 operários em janeiro. Desse total, cerca de 100
foram readmitidos graças à luta do Sismuc.
Essa primeira greve dirigida pelo Sismuc tem a partici-
pação de cerca de 2,5 mil servidores, atingindo 80% dos serviços.
Lerner cede e o reajuste salarial chega então a 55%.
“No governo Lerner, a Prefeitura recebia o sindicato e
não se resolvia nada. As reuniões eram apelidadas de ‘café com
bolacha’. Não se encaminhava nada. Duas grandes greves, de
1989 e 1990, foram um momento de explosão quando o servi-
dor não tinha nada de concreto para sua vida”, afirma Ludimar
Rafanhim, presidente do Sismuc à época e atual assessor jurídico
do sindicato.
Na época, os servidores haviam arrancado de Lerner o
direito de a data-base no mínimo repor a inflação. Esse direito
foi derrubado anos mais tarde, na revisão da Lei Orgânica
municipal, feita pelo prefeito Luciano Ducci, em 2010.
Antes, por não ter referencial de data-base, a qual-
quer momento se negociava, explica Ludimar. Agora existe um
momento de negociação, elaboração de calendário, prazos para
realizar e encerrar a negociação, um direito que não existe em
uma série de outras cidades. “Tanto que considero a principal
greve do Sismuc a de 1989, uma greve geral da prefeitura,
quando os professores também se somaram”, relembra Ludimar.
Desde então, muitas conquistas melhoraram a qualidade de vida
do trabalho e permitiram o seu acesso a direitos básicos. Por
exemplo, a garantia do auxílio-transporte. “A garantia do auxílio-
transporte em pecúnia para todos os servidores.” Independente
do seu salário, todo o servidor tem direito ao auxílio-transporte.
Depositado em pecúnia, o servidor pode definir a melhor
forma para se deslocar ao local de trabalho”, explica Ana Paula
Cozollino, coordenadora-geral do Sismuc.
Enfrentamento contra o poder municpal
Os servidores de Curitiba sempre combateram a gestão
privatista do grupo político que ficou no poder por mais de 30
anos em Curitiba.
Com um discurso mais simpático, nem por isso a
prefeitura de Rafael Greca (1993-1997) foi mais democrática.
Pelo contrário, aos servidores coube uma luta tenaz contra a
repressão. Duas greves foram organizadas em 1993. A primeira
delas contra 300% de perdas, quando os servidores conheceram
então a perseguição.
O primeiro ano de governo de Greca foi marcado tam-
bém pela primeira greve da Saúde em busca das 30 horas. Os
guardas municipais também fizeram uma greve de 16 dias, em
1994, que conquistou 15% de reajuste e gratificação de risco de
vida de 30%, uma conquista importante.
Quando lança um olhar para trás, Irene Rodrigues,
coordenadora do Sismuc, lembra que houve vitórias, mas tam-
bém perdas. “O momento mais marcante na minha vida foi
quando fizemos uma greve, em 1992, e ocupamos o Centro de
Processamento de Dados da Prefeitura. Um momento tenso,
com um arrocho salarial imenso. Como resultado, a Secretaria
de Saúde comprometeu-se com o ticket-refeição por um certo
tempo. Perdemos os tickets, que não foi incorporado ao salário”,
lamenta Irene.
“Seja na Asmuc ou no Sismuc, enfrentamos o mesmo
grupo. Nós temos gestões na cidade de Curitiba que passam
de pais para filhos, com influência direta na gestão. Além
disso, sempre enfrentamos o Legislativo também com quatro
vereadores de oposição no máximo. Como pensar então em
independência, em papel fiscalizador do Legislativo, atrelado ao
Executivo. Qual é a independência daquela casa?”, reflete Irene.
Contra a privatização da Educação Infantil
REPORTAGEM ESPECIAL
Prefeitura de Cássio Taniguchi tentou privatizar os cmeis.
População e sindicato não permitiram. Na foto, Cathia Almeida.
Irene Rodrigues
Coordenadora do Sismuc.
28 • Revista do SISMUC - Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Curitiba • www.sismuc.org.br •
Greca já havia lançado o programa “Poupatudo”, quan-
do esbanja recursos com propagandas. O gasto público em
publicidade torna-se mais uma característica do grupo no poder
da cidade há décadas.
Foi pior que isso. Greca inicia também a terceirização
de serviços de limpeza das escolas.
A proposta da Prefeitura de privatização da educação
infantil começou a ser desenhada em 2001, pelo então prefeito
recém-empossado Cássio Taniguchi. A ideia era ceder os cmeis
para que instituições de ensino privado administrassem a rede
de educação infantil em Curitiba. Entre elas, constava a rede de
sistemas de ensino apostilado Positivo e Dom Bosco. Além disso,
Bagozzi e Santa Maria.
Cerca de 30 cmeis corriam risco de passar às mãos
da rede privada. Foi uma das primeiras conquistas dos
trabalhadores junto com o envolvimento da população na luta.
“Foi uma participação conjunta do sindicato e da comunidade.
O que fizemos para barrar a terceirização foi histórico”, reflete
Irene Rodrigues, coordenadora do Sismuc.
“Queriam terceirizar tudo. E nós levamos os pais para
a frente da Prefeitura, o que aconteceu durante quase uma
semana. Reuniões eram feitas em diferentes locais. Na verdade,
os pais tinham medo de que o trabalho com as crianças não
seria mais o mesmo e não confiavam em deixar as crianças com
empresas. Houve até mesmo acampamento em frente ao cmei.
Terceirização: marca deixada na educação infantil
Hoje, há setores terceirizados no inte-rior dos cmeis. A limpeza, a cozinha e a
manutenção, antes feita pela Secretaria de Obras. Tudo era feito pela Prefeitura. “Mas os cmeis eles não conseguiram privatizar.
Na verdade, foi a população que não permi-tiu”, defende Cathia.
A avaliação do sindicato e dos pais é de que a perda da terceirização não é apenas fun-cional, mas também pedagógica, pois havia
relação dos alunos com todo o ambiente de produção de alimento e preparação de comida. Antes da privatização da merenda, os alunos participavam inclusive da elabo-
ração da refeição. Com a privatização, o alimento vem pronto.
Os pais ajudavam nas reuniões”. Este é o relato de Cathia Almeida, coordenadora do Sismuc, quem se aproximou do sindicato
justamente naquela luta.
Reuniões eram feitas em garagens de casas, em igrejas, na comunidade. Ocorreram fortes protestos, com fogo ateado em
pneus. Cathia trabalhava no Cmei Jardim Paranaense, no bairro Boqueirão. “Ali nós tínhamos uns quinze pais que iam comigo em
outras reuniões. Daí, eu conversava com os pais, pegávamos um ônibus e íamos para frente da Prefeitura”, recorda.
Mais conquistas de um sindicato
1998. Garante-se o direito das filhas dependentes realizarem parto custea-
do pelo Instituto Curitiba de Saúde (ICS).
2001 a 2003. Servidores cobram do prefeito Cássio Taniguchi os
10% de reajuste que prometeu. A pressão se daria ao longo de toda a gestão. Servidores levam um bolo de
aniversário das promessas do prefeito, em frente à Prefeitura.
13 de maio de 2005: libertar da escravidão
O slogan dessa luta foi a necessidade de libertação da
escravidão e das falsas promessas da Prefeitura.
Passado um período de apatia, servidores voltam às
ruas no maior movimento de servidores da década. A crítica era
contra a política remuneratória da gestão de Beto Richa (2004-
2008), dividida em duas parcelas anuais, após a data-base, em
abril. “Com essa mobilização, garantimos a reposição salarial
em única parcela, já naquele ano, e também a partir do ano
seguinte, no mês da data-base, o que ocorre até hoje”, afirma
Irene Rodrigues.
Educador com E maiúsculo
Dessa história de avanços e recuos dos servidores e
dos educadores, um momento marcante foi a greve de 2007, que
também envolveu os trabalhadores da educação, Fundação de
REPORTAGEM ESPECIAL
• Revista do SISMUC - Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Curitiba • www.sismuc.org.br • 29
Ação Social (FAS) e Faróis do Saber.
“Essa greve é o retrato perfeito de que o segmento
organizado não se beneficia apenas a si próprio, mas a conquista
respinga em outros profissionais. Conquistamos a isonomia no
plano de carreira, o aumento de 8,63% para 15% no crescimento
vertical para todos os servidores da Prefeitura, daí foi um passo
importante no debate sobre a isonomia, os direitos iguais”,
define Irene Rodrigues.
As conquistas dessa greve apontam para o aumento
salarial de 34%, hora-atividade de 20%, inclusão no calendário
escolar, inclusão de pedagogos e agentes administrativos nos
cmeis, condições de trabalho. Foram muitas as conquistas.
Na realidade, o movimento surge no final de 2006, com
a aprovação do plano de carreira dos educadores infantil. Depois
de um ano e meio de estudos com uma comissão, a prefeitura
encaminha o projeto unilateralmente, sem acordo. No final do
ano, houve um dia de paralisação na semana que antecedeu o
Natal, quando foi mandado um recado para a Prefeitura. Porém, a
gestão quis pagar o preço. E a categoria mostrou que tinha bala
na agulha para enfrentar essa decisão.
Nada vem de graça, nem o pão e nem a cachaça, diz
o ditado popular. Por isso, foi preciso uma paralisação de três
dias. Quando o prefeito Beto Richa estava dentro da Câmara dos
Vereadores, foi feita uma corrente. Uma comissão o encurralou
e subiu para a negociação. A porta para mais conquistas estava
aberta.
Identidade do educador
A paralisação envolveu cerca de seis mil pessoas e
consolidou a identidade de educador, rompendo o preconceito
de títulos como os nomes de ‘babá’, ´crecheiro’, ‘tia’, passando
então a ser “educadores com letra maiúscula”, como explica a
educadora Alessandra de Oliveira, no documentário “Educadores
e suas lutas”, com direção de Guilherme de Carvalho.
Até então era apenas uma hora de permanência. Essas
greves da educação foram grandes avanços, como demonstra
o documentário. “Naquela época não tínhamos nem a hora-
permanência garantida, porque não era lei. Às vezes acontecia
a cada dois meses”, reflete Ana Paula Cozzolino, coordenadora-
geral do Sismuc.
Funcionários de escola: acabar com a exploração
As férias coletivas para todos os profissionais da
educação. Essa pode ser listada entre as principais vitórias dos
funcionários de escola, grupo formado por agentes administra-
tivos e auxiliares de serviços escolares. O recesso de julho e a
isonomia no calendário escolar entre professores, educadores e
funcionários de escola trata-se de uma das principais conquistas
do segmento. “São resultado das lutas individuais e coletivas da
categoria”, avalia de João Guilherme Bernardes, coordenador do
Sismuc e funcionário de escola.
Os trabalhadores também conquistaram o piso mínimo
para esses trabalhadores, em luta conjunta entre magistério e
profissionais. João Guilherme reflete que a elevação do piso do
trabalhador foi significativa. “Foi a conquista mais relevante. Dá
para fazer um comparativo entre o salário do trabalhador de
escola, o menor piso da Prefeitura, antes do PPQ, e o crescimento
significativo que tivemos”, complementa.
Já a greve de 2012 dos trabalhadores de escola, por
mais que tenha sido curta, alcançou um número elevado de
trabalhadores de escola no segundo dia, o que mostrou a força
do segmento. A greve demonstrou grande repercussão quando o
servidor deixa o local de trabalho e se mobiliza. “Nesse momen-
to, começam a contatar os núcleos e a escola tem que se ajustar
à falta desse trabalhador. Percebemos a falta que eles fazem
dentro da escola”, conta.
Com isso, o trabalhador de escola se reafirmou como
um sujeito fundamental para uma nova educação, sem a
marca do passado colonial. “A importância da mobilização do
funcionário da escola é por toda a herança que temos, desde
os tempos dos jesuítas, os escravos faziam esse trabalho.
Questionamos a posição a qual esses trabalhadores eram sub-
metidos, o que resulta ainda hoje em desvalorização do ser
humano e do trabalhador”, afirma João Guilherme Bernardes.
Greve de 2007 consolida identidade e conquistas profundas
da carreira de professor de educação infantil.
REPORTAGEM ESPECIAL
Com participação em greves recentes, funcionários de escola
mostram a sua importância. Na foto, João Guilherme Bernardes.
30 • Revista do SISMUC - Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Curitiba • www.sismuc.org.br •
Fiscais: dias de boicote.
Um segmento de Prefeitura que desempenhava atri-
buição de polícia, sem reconhecimento, e precisava lutar pelos
seus direitos, são os trabalhadores fiscais. Na luta pelo reconhe-
cimento da atividade e por valorização, os fiscais se lançaram à
luta, por meio de um boicote aos plantões. Eles deram visibili-
dade ao papel social da fiscalização, algo que não existia até o
momento.
Graças ao boicote aos plantões, quando passaram
30 dias sem fazer plantão, em 2011, os fiscais conquistaram o
aumento progressivo salarial, quando coletivamente se negaram
a cumprir as horas-extras no final de semana. Embora a tentativa
da Prefeitura tenha sido pela retaliação, mesmo assim os fiscais
se mantiveram na luta.
A unificação do segmento se deu por meio de mani-
festações criativas, construções de bonecos gigantes, caminhada
e distribuição de panfletos, para demonstrar a importância dos
fiscais para a cidade. “Houve união para conquistar as pautas,
porque não tinha união anterior. A categoria vinha num descrédi-
to”, afirma Eduardo Recker Neto, coordenador do Sismuc.
Agora, os fiscais exigem gratificação de risco para os
demais equipamentos onde não existe, nas secretarias de meio-
ambiente e abastecimento. “É importante lembrar que, no final
de 2010, havia expectativas de melhorias dos fiscais. Porém,
em janeiro de 2011 tivemos cortes de horas extras e DSR. Daí
a expectativa ficou por conta do dissídio quando foram anun-
ciados os míseros 6,5% em março de 2011. Tudo isso, junto com
a defasagem salarial, culminou no boicote aos plantões”, conta
Giuliano Gomes, coordenador do sindicato.Houve até mesmo
acampamento em frente ao cmei.
Fundação de Ação Social (FAS) e a luta de todos
O cenário hoje em dia é de crítica às condições de trabalho do educador social. “Faço o que gosto e trabalho por isso, mas
faltam condições”, lamentam.
Assim mesmo, Elaine Murmel, educadora social há 18 anos, e Tito Souza, trabalhador há 21 anos, eles relatam que a grati-
No Sismuc, a luta dos servidores já conquistou:
- Manutenção do Instituto Curitiba de Saúde (ICS) como um espaço de saúde pública e atendimento médico ao servidor; - Aumento progressivo do piso salarial dos servidores;- Manutenção da licença-prêmio dos servidores; - Licença-maternidade de seis meses, uma das primeiras capitais a obter essa concessão dessa Lei Federal;
Fiscais lutaram pelo reconhecimento da atividade e do papel
social da fiscalização.
REPORTAGEM ESPECIAL
Os trabalhadores desejavam manter o benefício por risco social e, junto com isso, receber o aumento salarial.
• Revista do SISMUC - Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Curitiba • www.sismuc.org.br • 31
ficação de 30% por risco social para todos os profissionais da
Fundação de Ação Social (FAS) é uma das principais conquistas
do segmento.
Em 2006, o educador social e o educador faziam o
mesmo concurso para ingressar na Prefeitura. Mas o educador
social recebia uma gratificação de risco social. Com o novo
plano de carreira para o segmento, houve uma equiparação no
nível salarial entre os dois segmentos. Para tanto, o educador de
cmeis teve aumento salarial de fato. Ao passo que, no caso do
trabalhador da FAS, o que houve foi apenas a incorporação do
risco social no salário.
A luta iniciada então em 2007 foi feita contra a medida
da Prefeitura de Beto Richa (PSDB). “Pegaram a gratificação e
jogaram um salário base. Os educadores na verdade tiveram um
crescimento no salário equivalente a 30%, um grande aumento”,
explica Tito. E completa: “Mas nós (da FAS) tínhamos defasagem
de salário”. Os trabalhadores desejavam manter o benefício por
risco social e, junto com isso, receber o aumento salarial, ao invés
de perder as duas coisas.
Na gestão Ducci (2010-2012), o movimento dos educa-
dores sociais então lotou o pátio em frente à Fundação de Ação
Social com cerca de 200 pessoas, realizando apitaços. Foi uma
luta pelo reconhecimento da especificidade da profissão, logo
no início do mandato de Ducci. Hoje, os trabalhadores voltaram
a receber a primeira parcela da gratificação. Em janeiro de 2017
recebem o pagamento final. Os trabalhadores do Conselho
Tutelar e Regional ainda não estão incluídos.
Saúde: Muito já foi percorrido, muito ainda pela frente
Basta, agora temos que lutar!
Foi assim que pensou Lucimara Fediuk, técnica em
saneamento. Ela decidiu-se e participou daquela que seria a
greve mais longa da história da Prefeitura Municipal de Curitiba:
a Greve dos Excluídos, em dezembro de 2011, com duração de
74 dias.
E não foi qualquer greve. De fora do projeto que imple-
mentou as 30 horas e incluía apenas algumas carreiras da saúde,
mais de mil servidores se mobilizaram e aderiram à paralisação.
A Prefeitura, com medo de uma greve geral na Saúde,
atendeu a pauta histórica das 30 horas de cinco categorias,
porém deixou de fora os demais servidores da Saúde.
Lucimara já estava na Prefeitura há 22 anos. Trabalha
na vigilância sanitária no distrito matriz central. Mas, como
conta, sempre houve muito receito e temor das possíveis con-
sequências. Punição, assédio moral, tantas pressões sobre o
servidor.
“Disse para o meu marido: agora eu vou pra luta. A
primeira que realmente abracei (...) Ou vou lutar agora ou con-
tinuar dessa forma. Tivemos salário descontado, mas tivemos
salário retroativo. Como diz a nossa camiseta: quem luta vence”.
Lucimara foi uma das que passaram até 60 horas sem
banho, acampadas na frente da Prefeitura. Dormia ao relento.
Para ela, o movimento foi intenso. “Ressalto a garra, a luta e
a união de todos. Enquanto servidores e sindicato, foi muito
importante, hora de garra e vontade de conquistar”, afirma.
A intransigência do prefeito Luciano Ducci não permi-
tiu negociações e o movimento só veria sua demanda atendida
em 2014, após negociações realizadas em 2013 com a nova
gestão.
A vitória veio, aprovada na Câmara de Vereadores
de Curitiba, no ano de 2014. A redução de jornada alcançou
psicólogos, nutricionistas, biólogos, assistentes sociais e demais
segmentos que reduzem a jornada em consonância com lei
nacional. “A redução da jornada alcançou diversos segmentos.
Veio em duas etapas com muita luta”, reflete Irene Rodrigues,
coordenadora do Sismuc.
Irene complementa: “Infelizmente, por mais que a
conquista seja uma das mais significativas do setor, a luta ainda
não acabou. Mesmo tendo sido aprovada uma emenda na lei
que incluiu um artigo dizendo que, para os profissionais não
contemplados na lei, poderia ser feito por decreto o benefício,
possibilitando assim isonomia entre todos os servidores da
saúde. Um exemplo claro desta situação de desigualdade é a do
CAPS Centro Vida, onde todos atendem a população em igual-
dade, mas nem todos tem o mesmo tratamento no que se refere
à jornada de trabalho”, diz.
Greve dos dentistas: goleada de conquistas
Em 2011, depois de várias negociações frustradas, os dentistas entraram em greve no dia 22 de setem-bro. Mais de 70% dos 600 profissionais se mobili-zaram e lutaram pela conquista. Após seis dias de paralisação, os servidores conquistaram mais de
100% de aumento real salarial.
REPORTAGEM ESPECIAL
Servidores da Saúde apresentam conquistas em diferentes espe-
cialidades. Mas ainda há muitas lutas pela frente.
32 • Revista do SISMUC - Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Curitiba • www.sismuc.org.br •
Agentes administrativos
Essa categoria existe em todos os locais da Prefeitura,
desde o prédio central, passando pelos cmeis, no interior das
USs, nos Cras, Crees, até mesmo nos Faróis do Saber. É o pro-
fissional que está presente em todos os locais de trabalho da
Prefeitura. “É, infelizmente, um dos profissionais menos valori-
zados e reconhecidos no interior da Prefeitura”, reconhece Ana
Paula Cozzolino, coordenadora-geral do Sismuc.
Entre as dificuldades enfrentadas na caminhada desse
segmento, figura a desculpa da gestão para não avançar nas
questões do segmento por não ser específico. Um exemplo:
“A conquista das 30 horas, nossa pauta enquanto sindicato, é
que todos os servidores que atuam em Unidade de Saúde têm
direito. O argumento da gestão, por outro lado, é que não são
exclusivos ou específicos da Secretaria de Saúde. Por isso, não
se consegue avançar, porque a Prefeitura vem sempre com a
mesma desculpa”, critica Ana Paula.
O fundamental é perceber o potencial dos trabalha-
dores desse segmento. “É a categoria que se resolver cruzar
os braços, se resolver parar amanhã, pára a cidade de Curitiba.
Porque a grande maioria dos locais de trabalho não vão
trabalhar sem esse profissional dentro. Devemos avançar no
debate da valorização desse profissional”, afirma Ana Paula
Cozzolino.
Aposentados
Os servidores aposentados com licença-prêmio acu-
mulada e não realizada têm direito à indenização financeira. A
garantia está expressa na lei 13.948/12 e o pagamento só é feito
após a aposentadoria nos casos de servidores que acumularam
a licença-prêmio.
Aqueles que estão nestas condições e se aposentaram
nos últimos cinco anos, também podem receber a indenização
de forma retroativa. Este é um direito conquistado pelos servi-
dores públicos municipais depois de a Prefeitura perder várias
ações judiciais para o sindicato.
Assim mesmo, é fundamental que o servidor prepare
o terreno para a sua aposentadoria, como ressalta Salvelina
REPORTAGEM ESPECIAL
Medidas conquistadas na Saúde
A análise das conquistas dos servidores da Saúde passa por verificar que os servidores de várias outras capitais não alcançaram as mesmas conquistas. O comparativo com as maiores capitais
brasileiras mostra que o Sismuc foi pioneiro na licença maternidade de seis meses. “Somos uma das primeiras capitais a conquistar 30 horas para todos, médicos e dentistas equiparados em seus salários,
equiparação no Plano de Carreira e valorização de todos os profissionais”, descreve Irene.
Outras conquistas:
- Passagem de auxiliar de enfermagem para técnico;
- Passagem dos ASBs para nível médio;
- 2005. Transição dos Centro Municipal de Assistência Especializada (Cmaes) e Ambulatórios da Secretaria de Educação para a
Secretaria de Saúde;
Valorizar o funcionário que está em todos os espaços.
Na foto, Ana Paula Cozzolino
É fundamental que o servidor prepare o terreno para a sua
aposentadoria. Na foto, Salvelina Borges.
É fundamental que o servidor prepare o terreno para a sua
aposentadoria. Na foto, Salvelina Borges.
• Revista do SISMUC - Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Curitiba • www.sismuc.org.br • 33
Borges, do coletivo dos aposentados do Sismuc. Ao mesmo
tempo, é importante que entenda a conquista da licença-prêmio
como um direito do servidor público, uma vez que ele não acessa
o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), que é um
benefício reservado ao trabalhador da iniciativa privada.
Hoje, os servidores aposentados estão em pé de luta,
de acordo com Salvelina, por acesso e condições de atendimento
no Instituto Curitiba de Saúde (ICS). “Não temos médicos no ICS,
estamos tendo que buscar o atendimento privado. Ou muitas
vezes os próprios exames são oferecidos apenas em um labo-
ratório particular, no qual o número de trabalhadores é pequeno”,
convoca Salvelina.
Outra conquista significativa para os aposentados foi
a devolução de valores cobrados indevidamente pelo IPMC. O
Sismuc tentou o diálogo, mas a PMC se negou a negociação e,
por força de decisões judiciais, pediu o acordo e os aposentados
sindicalizados receberam os valores retroativos ao início dos
descontos. Todos receberam os últimos cinco anos.
Instituto de Previdência Municipal de Curitiba (IPMC) e Instituto
Curitiba de Saúde (ICS)
Servidor de Curitiba pede revisão e maior inserção em
ambos espaços.
Em edição do jornal do Sismuc de outubro de 1999 os
servidores municipais, ao lado do magistério, reivindicam par-
ticipação nos conselhos municipais que se referem à Previdência
(IPMC) e na Saúde (Instituto Curitiba de Saúde). Para isso,
organizaram um plebiscito com a categoria, já apostando em
mecanismos de participação direta do servidor.
“O IPMC cuida da Saúde e da Previdência, era um órgão
único e o plebiscito foi no sentido de que iria se dividir em duas
instituições distintas e foi uma forma de ouvir a opinião dos
servidores. Foi a manutenção de uma conquista”, avalia Irene
Rodrigues, coordenadora do Sismuc.
Desde aquele momento, a luta segue sendo por mais
espaço, poder de decisão do servidor e pelo caráter público de
ambos os espaços. No caso do IPMC, por exemplo, a briga do
Sismuc é por um conselho paritário, entre servidores e gestão,
assim como pela transparência dos recursos.
O mau uso dos recursos do instituto gerou até mesmo
ação judicial, isso porque foram investidos recursos do IPMC na
Bolsa de Valores de Nova Iorque em 2009, quando o Instituto
aplicou R$ 21,5 milhões em um fundo gerenciado pela empresa
na bolsa de valores da Nova York. Há uma ação judicial do insti-
tuto contra a Bolsa. Cotas do fundo já tiveram perdas de cerca
de R$ 2,5 milhões e o prejuízo pode chegar a R$ 4 milhões. O
caso tramita no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e aguarda
sentença. O IPMC também requer o pagamento dos prejuízos.
ICS: revisão necessária Hoje, o ICS tem aproximadamente 77 mil pessoas
inscritas. Está em pauta a revisão da Lei do ICS. A Agência
Nacional de Saúde determinou, em 2010, que o ICS não faz parte
do SUS. Com isso, é considerado um Plano de Saúde Privado. A
demanda dos servidores é pela revisão da lei municipal 9626/99,
que trata do plano de saúde dos servidores.
Com isso, a luta é sempre por um ICS com gestão
democrática, municipal, “no qual não haja nenhum prejuízo
econômico e financeiro na questão do financiamento”, afirma
Irene Rodrigues.
Isso porque, em 2010, o ICS deixa de ser considerado
uma instituição pública e torna-se um serviço privado, passando
a ser considerado plano privado pela ANS. (Veja matéria com
Marilena Silva, sobre a necessidade de o Instituto ser uma autar-
quia).
Fim do PPQ
O Programa de Produtividade e Qualidade (PPQ) foi
criado no ano 2000. Ele é inspirado na iniciativa privada, sob
o argumento de melhorar a eficiência do serviço público. Sua
remuneração era apenas individual e depois da avaliação de
chefia, o que agrava um clima de falsa competição entre os
trabalhadores.
Com o ato de março de 2012, os servidores conquista-
ram 10% de reajuste e a primeira incorporação do PPQ no valor
de R$ 100. O fim do PPQ é uma grande conquista do Sismuc. A
incorporação dessa remuneração sempre foi uma das principais
bandeiras sindicais.
Ao invés de promover a qualidade do trabalho, PPQ,
IDQ e outras remunerações variáveis eram e ainda são usadas
como instrumento de pressão contra os trabalhadores e sinôni-
mo de assédio moral. Com a incorporação, nenhum servidor
recebe menos do que R$ 1,1 mil na Prefeitura.
Uma conquista significativa se deu no setor de
Finanças, quando os servidores tiveram a aprovação de projeto
votado em primeiro turno na Câmara Municipal. Com ele, são
REPORTAGEM ESPECIAL
Sindicato encampa lutas contra as remunerações variáveis, por
incorporação no salário-base.
34 • Revista do SISMUC - Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Curitiba • www.sismuc.org.br •
transformadas em salário todas as remunerações variáveis da
Prefeitura, o que prova que a luta pelas incorporações salariais
são justas e possíveis quando os servidores se organizam.
Risco de vida e saúde em 30% sobre o vencimento dos servidores
Acidentes são comuns no dia a dia do trabalhador do
serviço público. Nael Cardoso, já precisou fazer cirurgia após
uma queda que resultou em problemas na coluna. “Em 2008 caí
e danificou minha coluna. O acidente de trabalho é comum no
serviço público”, lamenta Nael, que é coordenador do Sismuc.
Casos como o dele apontam a importância da con-
quista do risco de vida e saúde em 30% sobre o vencimento dos
servidores. Foi a custa de greves e lutas. “A prefeitura não queria
abrir o debate. Houve greve à época. E até hoje é uma das mel-
hores remunerações do país. É justo porque certas atividades,
por mais que se façam todos os procedimentos possíveis para
eliminação do risco, é inerente à profissão e ao cargo”, diz Ana
Paula Cozzolino, coordenadora-geral do Sismuc.
Hoje o risco de vida abrange os trabalhadores da
Saúde, Obras Públicas e Meio-ambiente. Em alguns casos, o
direito se deve à atividades que causam o desgaste da saúde
do trabalhador, como é o caso, por exemplo, da exposição ao
chumbo por parte dos trabalhadores das obras públicas, o que
pode gerar câncer. Em 1994, a luta foi reafirmada e garantida.
“Lutamos para que se mantenha como risco de vida. Pois se for
gratificação, a hora que quiserem podem acabar”, defende Nael.
Guarda municipal: aumento de 30% para 50% na gratificação.
O guarda municipal, um trabalhador obrigado a cum-
prir mais de 150 horas extras, onze horas todo dia. Assim mesmo,
recebia um salário muito baixo, cerca de R$ 700. A mobiliza-
ção era por um piso de R$ 1300 para a guarda. Mobilizados
e politizados, os guardas conquistaram aumento real de 50%,
chegando a R$ 1450, o que significava praticamente o dobro do
salário.
“
E fazíamos muita hora-extra. Por isso, o bolo ficava
grande. Cheguei a fazer 150 horas. Como o salário era pouco,
com as lutas veio a possibilidade deste aumento real”, relata o
guarda municipal Edilson Aurelio Melo.
Entretanto, todos os segmentos dos servidores munici-
pais tinham acesso ao PPQ, menos os guardas. Foi feita a mobi-
lização. A gestão, por sua vez, queria tirar 50% da gratificação
e jogar apenas 30% para o salário”, descreve Melo. Para ele, a
medida não seria benéfica, uma vez que a gratificação é incor-
porada à aposentadoria. Nesse sentido, a proposta da gestão
municipal significava uma redução nos ganhos da guarda. Os
guardas recusaram e seguiram se mobilizando.
Ainda existem muitos acidentes e doenças do trabalho no dia a
dia do servidor. Na foto, Nael Cardoso.
Excesso de jornada leva segmento dos guardas municipais para a
luta e enfrentamento. Na foto, Edilson Aurelio Melo.
Outras importantes conquistas do servidores municipais
- Direito à licença para tratamento de saúde de pessoas da família, em isonomia
com o magistério; - Gratificação dos fiscais do urbanismo;
- Isonomia no crescimento vertical de 15% (antes 8,68%) para todos os servidores; - Lei da Reabilitação e Readaptação. Se
estiver impossibilitada por alguma fatali-dade, a pessoa segue tendo direito a trab-alhar. Esse direito vale para todos os ser-vidores, inclusive em estágio probatório.à
Prefeitura.
REPORTAGEM ESPECIAL
• Revista do SISMUC - Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Curitiba • www.sismuc.org.br • 35
Abastecimento e Armazéns da Família
Nos Armazéns da Família, um dos locais de trabalho
mais importantes da Secretaria de Abastecimento, devido ao
contato diário com a população, o servidor Artur Neto recorda
a luta constante pelo reconhecimento da Prefeitura da falta de
qualidade de vida presente na vida do servidor.
“No momento quando sentamos na mesa de negocia-
ção e mostramos os problemas e as demandas, nós consegui-
mos algumas conquistas que foram essenciais para o servidor”,
descreve. A alteração da escala de trabalho no interior dos
armazéns foi uma medida concreta conquistada. “Mostramos que
o período da tarde não era viável e conquistamos isso”, recorda.
A alteração da escala de trabalho no interior dos
armazéns foi uma medida concreta conquistada. “Mostramos que
o período da tarde não era viável e conquistamos isso”, recorda.
Oriundo da Secretaria de Esporte e Lazer, Artur insiste que o
trabalhador da Smab precisa conquistar respeito e valorização.
“Insisti muito nisso porque antes de entrar nos Armazéns conhe-
ci a Prefeitura e como os servidores são tratados. Nos Armazéns
da Família isso foi mudando aos poucos. Em um ano tivemos
grandes mudanças”, afirma.
O Sismuc hoje
O Sismuc organiza-se em coletivos que debatem as
necessidades de cada segmento dos servidores, entre os quais
Abastecimento, Saúde, Educação Infantil, Administração, Defesa
Social, Meio-Ambiente, Fiscais, Fundações, entre outros. Os
coletivos reúnem-se no mínimo uma vez por mês. As reuniões
geralmente são feitas na sede do sindicato. Os coletivos abor-
dam problemas do dia a dia do servidor, tal como assédio moral,
jornada de trabalho, Plano de Carreira.
A alteração da escala de trabalho no interior dos armazéns foi
uma medida concreta conquistada. Na foto, Artur Neto.
Para o Sismuc, a solidariedade entre a classe trabalhadora é um valor fundamental.
REPORTAGEM ESPECIAL
36 • Revista do SISMUC - Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Curitiba • www.sismuc.org.br •
Outro momento importante é a Campanha Salarial,
que inicia-se já no segundo semestre de cada ano, quando são
convocadas assembleias para discutir a pauta geral. Os coletivos,
por sua vez, discutem a pauta específica de cada segmento de
servidores. No início do ano, a pauta geral e a pauta específica
são entregues ao prefeito de Curitiba.
O Sismuc também participa de espaços da sociedade
civil relacionados às áreas que representa. A postura do sindi-
cato é de, ao lado da sociedade, exercer o Controle Social sobre
os órgãos do Poder Público. Com esse princípio, o Sismuc está
na Mesa Municipal de Negociação do Sistema Único de Saúde
(SUS); e integra os conselhos municipais: de Saúde; da Pessoa
Idosa; de Assistência Social; Educação; do Fundo da Educação
Básica (Fundeb); além dos Conselhos de Administração e Fiscal
do Instituto de Previdência Municipal de Curitiba (IPMC); e o
Conselho de Administração e Fiscal do Instituto Curitiba de
Saúde (ICS).
A Confederação dos Trabalhadores do Serviço Público
Municipal (Confetam) agrupa as federações estaduais. No
Paraná, o Sismuc é integrante da Federação dos Sindicatos dos
Servidores Públicos Municipais Cutistas do Paraná (Fessmuc)
desde 2002. Nesse espaço de articulação dos sindicatos de
servidores dos municípios do Paraná, a Fessmuc participa da
Mesa Estadual de negociação do SUS e do Conselho Estadual de
Saúde (CES).
O sindicato também integra a A Central Única dos
Trabalhadores (CUT) é a maior central sindical brasileira, que
representa hoje 7.847.077 trabalhadores associados
A solidariedade entre a classe trabalhadora é um
valor fundamental. Sozinho, um sindicato não alcança grandes
conquistas que melhorem a vida dos trabalhadores. Para trans-
formar o Brasil em um país justo, os movimentos sociais são
fundamentais, com suas lutas pela Reforma Agrária, da Reforma
Urbana, Trabalho Decente, Redução da Jornada de Trabalho,
Constituinte do Sistema Político.
REPORTAGEM ESPECIAL
• Revista do SISMUC - Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Curitiba • www.sismuc.org.br • 37
drops sindicalismo
38 • Revista do SISMUC - Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Curitiba • www.sismuc.org.br •
s últimos anos do Sismuc estão marcados por intensas lutas e conquistas.
Foram realizadas greves em diversas categorias e gerais, além de paral-
isações e atos. Mobilizações que sempre buscaram aumentar direitos e
reduzir desigualdades na Prefeitura de Curitiba. Os frutos colhidos foram
redução de jornada, incorporação de gratificações, ganhos reais e, princi-
palmente, o aumento da identificação do servidor e da população com o Sismuc. Nesta
entrevista com Ana Paula Cozzolino, coordenadora geral do Sismuc, um pouco desta
história recente é registrada.
Um período de lutas e avanços o
SiSmUC eNTreVisTA ANA PAuLA CoZZoLiNo
Revista do Sismuc: Sua gestão inaugura a figura do coordenador geral. Na última era presidencialismo e você era secretária geral. Qual é a diferença?Ana Paula: Na prática, dentro do cotidiano do sindicato não
ocorreram grandes mudanças. Mesmo na gestão anterior nós já
trabalhávamos mais coletivamente. Já era uma linha não tão
presidencialista. As decisões eram tomadas por todos em que
tanto os diretores liberados quanto os não liberados tinham o
mesmo poder de decisão.
Revista do Sismuc: Um sindicato reúne diversas categorias e forças políticas. Como é possível conciliar interesses diferentes em um objetivo comum?Ana Paula: Há momentos que não são fáceis conciliar essas
diferenças.
”Mas é muito importante respeitar essas diferenças dentro de um sindicato único.
Fortalecer as lutas no dia a dia.”
O gestor, o cofre, as dificuldades são as mesmas. Logo,
uma categoria pequena como os da Câmara Antiqua, se estives-
sem sozinhos, não conseguiam conquistas. Nós, recentemente,
acabamos com o PPQ (Programa de Produtividade e Qualidade,
encerrado em 2013). A conquista atingiu diversas categorias. Se
estivéssemos divididos, somente os mais organizados conquis-
tariam. Por isso é fortalecer todos juntos.
Revista do Sismuc. O último congresso do Sismuc aprovou a luta por um sindicato único. No entanto, no meio do caminho, foi fun-dado um sindicato de guardas municipais. Como você vê essa situa-ção? O que pode ser feito pela unificação?Ana Paula: Eu quero dar um exemplo claro: o ICS. Ele é pat-
rimônio de todos os servidores, independente da carreira ou do
salário. A partir do momento em que a gente tem uma divisão
na luta pelo ICS, o que a gestão vai conseguir é sucatear e fechar
nosso Instituto.
”Mas se todos estiverem juntos, nós vamos avançar. As nossas dificuldades são as mesmas,
independe o local de trabalho. Há as especificidades de cada carreira, mas a
luta maior deve ser feita conjunta. O guarda municipal vai dar força para o
enfermeiro que está em greve. Este vai dar força para o polivalente que está em
seu campo de trabalho. Então é unir um ao outro.”
Revista do Sismuc: Como você entrou para a luta sindical?Ana Paula: Em 4 de outubro eu completo 12 anos na Prefeitura de Curitiba. Desde o
primeiro momento eu participei de movimento grevista em 13 de maio com um dia
de paralisação. Ainda na gestão de Cássio Taniguchi e eu em estágio probatório. Neste
dia eu me sindicalizei no pátio da Prefeitura de Curitiba. Logo após essa greve, decidi
me envolver diretamente na luta dos servidores. Após esse momento participei de outras ações como a greve histórica de 2007 dos
educadores. Naquela ocasião 90% dos trabalhadores do Cmei Butiatuvinha aderiram. Já em 2009, na greve geral, eu me aproximei um
pouco mais da entidade, pois era representante por local de trabalho. Naquele ano entrei para a chapa do sindicato. No primeiro ano
da gestão eu ainda permaneci na base como coordenadora de OLT. Fui liberada na semana do nosso 9º Congresso (2010) e desde
25 de agosto até hoje atuo no Sismuc.
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Revista do Sismuc: O Sismuc é filiado à CUT, a Confetam e a Fesmmuc. Inclusive tem representantes nestas entidades. Por que é importante ocupar esses espaços? Eles contribuem na organização do Sismuc?Ana Paula: A mesma dificuldade que os servidores municipais
tem em Curitiba é vivida pelos trabalhadores de Barra do Garça
(MT). A intenção de participar dessas entidades é unir os
trabalhadores de todo o país, independente se estamos no sul,
no norte, enfim, a luta conjunta dá força para todos. Nós con-
quistamos as 30 horas na saúde e podemos levar, através da
Fesmmuc, da Confetam, essa experiência para outras cidades.
E também trazer conquistas de outros municípios para a nossa
cidade.
”É o caso de termos negociado todas as greves. É uma conquista histórica que tem servido de
exemplo para todo o Brasil.”
Já para conquistar a aposentadoria especial para
os educadores, fomos nos espelhar em Belo Horizonte e
Florianópolis que já obtiveram essa pauta. Nós trouxemos esses
exemplos para debater com a Prefeitura de Curitiba. Por isso
conseguimos a conquista recentemente em Curitiba.
Revista do Sismuc: Na sua gestão foi conquistada a conciliação de greves e paralisações. Qual é a importância disso? O Sismuc teve que dar alguma contrapartida?Ana Paula: Atualmente, alguns políticos e no meio jurídico
querem acabar com o direito de greve. A partir do momento
que a gente traz essa discussão para o meio político e avança
na negociação de movimentos de 2007 a 2012, com greves
específicas e gerais, a gente coloca o direito do trabalhador em
primeiro plano. Avançando nessas discussões, também se avança
no atendimento da população.
Revista do Sismuc: Recentemente ocorreu a redução de jornada para os excluídos da saúde. Durante a greve que durou 74 dias ocorreram diversas ações. Uma delas foi acampamento em frente à Prefeitura. Conte essa experiência.Ana Paula: Quando avançamos lá atrás na redução das 30 horas,
a Prefeitura de Curitiba não concedeu a todos servidores da
saúde, mas apenas a uma parte, dividindo a categoria. Com isso,
os excluídos da lei fizeram a maior greve da história da cidade.
Ela se iniciou em dezembro e se encerrou depois do carnaval.
Nós ficamos três noites acampadas no relento, sem banheiro,
sem acesso até a própria família. Não foram momentos fáceis.
Saímos dali na véspera de natal. Mas valeu a pena. Foi histórico
pela mobilização e pela conquista em 2014. Alguns servidores
da secretaria de saúde ficaram de fora, mas seguimos lutando
por eles também. É importante ressaltar que as conquistas nem
sempre são imediatas. Essa levou três anos para ser atingida.
Todo mundo quer o retorno imediato, mas, muitas vezes, é a
certeza da pauta e o sonho devem ser maiores. Portanto, foi uma
vitória nossa e de toda a população.
Revista do Sismuc: Em 2013 e 2014 ocorreram duas greves na educação. Com elas avançou-se na eleição de direção e na hora atividade. Mas os trabalhadores foram punidos. Como isso pode ser revertido?Ana Paula: Essas pautas são sonhadas por esses profissionais
muito antes de eu entrar na Prefeitura. Ela vem sendo trabalha-
da há muito tempo. Demos um passo gigantesco com essas duas
greves. Foram dois dias em novembro de 2013 e quatro dias em
2014. Conseguimos negociar a primeira greve. Mas neste ano a
Prefeitura mudou a postura. Ao invés de dialogar, preferiu procu-
rar a justiça. Nós não decidimos. Trabalhamos nas vias políticas
e judiciais contra essa punição severa.
Revista do Sismuc: A incorporação do PPQ foi outro avanço signifi-cativo. Por que e como ele reflete em outras categorias?Ana Paula: O Programa de Produtividade e Qualidade não foi
criado para valorizar o servidor municipal. Ele era utilizado para
manter o trabalhador nas rédeas curtas. A partir do momento
que o servidor questionasse algo ou fizesse paralisação, ele
perdia essa remuneração. Atrelado a isso a baixa remuneração
base do servidor. Logo, o PPQ fazia parte dos vencimentos dos
trabalhadores. Além disso, o recebimento dependia da avaliação
da chefia, o que aumentava a ferramenta de pressão.
Revista do Sismuc: Se você pudesse estabelecer três prioridades de sua gestão, quais seriam e como atingi-las? Ana Paula: Nós incorporamos o PPQ, mas esse é uma das grati-
ficações da Prefeitura. Nós ainda temos que superar outras
amarras nas gratificações. Precisamos avançar nas remune-
rações dos servidores por nível. Tem muitas categorias com
salários abaixo da região metropolitana. Precisamos avançar
no fim do assédio moral, nas condições de trabalho, concurso
público, entre outros.
“Também precisamos aumentar nosso combate às terceirizações.
Esse é o grande câncer do serviço público. A partir do momento que se terceiriza,
se precariza, principalmente para os terceirizados, que não tem estabilidade
ou organização sindical. ”
40 • Revista do SISMUC - Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Curitiba • www.sismuc.org.br •
m dos conceitos fundamentais para compreender
a atividade sindical diz respeito ao sentido de
democracia. Este conceito precisa ser pensado
em duas perspectivas diferentes, quando se parte
do ponto de vista da ação do sindicalismo, que revelam a
ambivalência da representação do sindicalismo. Dizemos que
a relação entre a organização sindical e os trabalhadores está
estabelecida sob um conceito de democracia interna, enquanto
que a relação entre a organização sindical e a sociedade, se dá
sob as bases do conceito de democracia externa.
Na primeira, o que se
observa é a adoção de cer-
tas práticas que visam garantir
o mandato representativo, ou
seja, a possibilidade do sindi-
cato falar e agir em nome de
trabalhadores. O fator determi-
nante nesta perspectiva é que
a relação se dá de uma forma
direta, sem intermediações, uma
vez que, em condições ideais, a
ação sindical é dependente da
concessão do mandato. Neste
sentido, internamente, o sindicalismo aplica certos métodos
que visam a legitimação das diretorias sindicais, tais como as
eleições sindicais, as assembleias, os debates, a livre opção para
sindicalização, o direito de oposição, entre outros métodos que
pressupõem o princípio de igualdade entre representantes e
representados em que a decisão da maioria deve prevalecer.
Internamente, portanto, o sindicalismo aproxima-se do modelo
direto de democracia, em que as decisões são definidas pelos
membros associados e não por instituições intermediárias.
Um sentido aproximado para o que estamos expli-
cando é o que descreve Gramsci (1976) a respeito da
“democracia operária”. Ou seja, uma ação voluntária por parte
dos trabalhadores, auto-organizada, e conscientemente eman-
cipada, de modo que as decisões e os métodos de organização
estejam baseados em um modelo autônomo de estatuto, o qual
é estabelecido em consenso entre os seus associados.
Uma das condições básicas para a consolidação de
um sindicalismo representativo, segundo Silva (1984), é a pos-
sibilidade de participação das várias tendências internas nas
decisões relativas à condução das entidades e, desta forma, o
respeito às opiniões divergentes. É o que pode assegurar uni-
dade ao conjunto dos trabalhadores e fazer com que se sintam
de fato representados. Em seu estudo, realizado quando do
surgimento da CUT, portanto, um momento de ebulição do sin-
dicalismo brasileiro, ele identifica um alto grau de democracia
interna decorrente de uma nova política sindical, que assume
caráter massivo a partir do momento que permite a participação
dos trabalhadores nas decisões e na organização do movimento.
“A democratização da relação entre as lideranças e as bases
sindicais é uma medida fundamental para levar à superação do
atrelamento dos sindicatos ao Estado, na medida em que pos-
sibilita a manifestação das enti-
dades, conferindo-lhes a legitimi-
dade dos trabalhadores” (SILVA,
1984, p. 22).
Na segunda perspectiva
da ação sindical, a relacionada
com os meios externos, isto é,
com a sociedade, o Estado, a
mídia, a empresa, enfim, o sentido
de democracia precisa ser perce-
bido sob outro ângulo. A base da
ação sindical, que permite que as
organizações se apresentem em
nome de um grupo de trabalhadores, pressupõe a inserção em
meios institucionais. Ou seja, em certo grau, o sindicalismo se
apresenta como representante de um grupo, baseado em valores
sociais modernos que conferem determinado status a uma orga-
nização. Nesse sentido, dizemos que as organizações sindicais,
como organizações modernas, se adaptam e reproduzem boa
parte destes valores reunidos no princípio de democracia, não
como regime de governo, descrito pelos gregos antigos ou con-
forme debatido pela Ciência Política, mas o sentido ideológico
que reúne um conjunto de práticas que supõe a igualdade e
justiça social e que foram reunidas como virtudes do Estado
moderno.
Trata-se de uma coletividade ilusória apresentada pela
classe dominante como a matriz de direitos iguais para todos a
determinar a forma de querer e agir das pessoas. É o que Marx
define como a atividade da classe dominante em fazer parecer
que o interesse particular coincide com o interesse geral. Assim,
“segue-se que todas as instituições comuns são mediadas pelo
Estado e adquirem através dele uma forma política” (MARX;
ENGELS, 1999, p.98). A forma política predominante que obser-
vamos como um princípio de igualdade universal no capitalismo,
uguiLherme CArVALho
em BusCA De LegiTimiDADe: DuAs freNTes De AçÃo siNDiCAL
Jornalista sindical, doutor em Sociologia pela Unesp. Atualmente é professor de jornalismo da Uninter e da UFPR.
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na qual todos os cidadãos são aparentemente iguais perante
a lei, popularizou-se como o sentido de democracia. Para uma
compreensão marxista, portanto, é preciso considerar uma
democracia em sentido ideológico, em contraposição à verda-
deira democracia em que o distanciamento entre o poder e a
sociedade, demarcado pela existência do Estado, seria superado.
O que só poderia ser concebido com o fim de toda forma de
mediação política, ou seja, com a extinção do próprio Estado,
onde estão concentrados os poderes instituintes. Uma democra-
cia real pressupõe, então, o fim das formas de representação e a
possibilidade dos indivíduos falarem e agirem por si próprios.
Com isso, dizemos que o sindicalismo desenvolveu sua
própria forma de legitimação. As relações de representação no
sindicalismo devem ser percebidas em dois meios; um interno
e outro externo. Dizemos, portanto, que o sindicalismo é uma
organização que esenvolve atividades de caráter duplo;
representa trabalhadores, meio no qual desenvolve sua ativi-
dade elementar, e direciona-se também para a sociedade como
um todo, como forma de dar sustentação a sua atividade-fim.
Diferenciação entre meio interno e externo nas relações de representação da organização sindical
ELEMENTOS Meio interno Meio externo
Legitimação Meio primário Meio secundário
Relações Com representados Com sociedade/instituições
Democracia Direta Indireta
Atividades comuns Eleição sindical, assembleias, congressos,
jornal sindical, etc.
Negociação coletiva, participação em fóruns
do governo, negociação de leis, declarações
na mídia, etc.
Quanto ao mandato representativo Concede Atribui valor
Quanto à legitimação Concede Atribui valor
Ação Fonte de mobilização Espaço de intervenção
Representação Direta Indireta
Compreender esta distinção entre meios internos e
externos contribui para definir o quão representativa é uma
organização sindical. Não é possível determinar que uma
organização seja representativa se considerarmos apenas as
atividades desenvolvidas no meio interno, assim como não é
possível fazer o mesmo observando apenas o meio externo. Por
este motivo, o estudo da representação no sindicalismo exige
um olhar para o todo, compreendendo os meios onde a atividade
se desenvolve como complementares e inter-relacionados.
O desenvolvimento da ação em dois meios distintos
é fundamental para a sobrevivência dos sindicatos, apesar de
todos os desafios impostos a estas organizações ao longo da
história em função do seu caráter opositor aos interesses capi-
talistas. A primeira forma (interna) garante ao sindicalismo uma
vantagem em relação aos sistemas de governo convencionais
porque consegue construir um vínculo maior entre represent-
antes e representados em função da proximidade de interesses
que os trabalhadores têm em relação ao sindicato. A segunda
forma (externa) permite que os trabalhadores possam fortalecer
suas ações em favor de seus interesses em outras esferas de
maneira a sentirem-se participantes dos processos decisórios
de governos. Estar sindicalizado, portanto, compreende o “fazer
parte” de uma organização que intervém socialmente, debatendo
políticas de governo. Esta ação pode favorecer a capacidade de
intervenção social do sindicalismo. É o que assegura certa con-
fiança dos trabalhadores nos sindicatos, garantindo o mandato
representativo. Em outros termos, dizemos que o sindicalismo é
uma organização cuja forma mescla modelos diretos e indiretos
de representação.
Se analisarmos os aspectos da ação sindical que
também conferem legitimidade às organizações sindicais, per-
ceberemos que boa parte da atividade sindical preza de forma
incondicional a democracia. Em nosso entendimento, não se
trata apenas de uma percepção reificada da realidade que
elege a democracia liberal como um princípio de igualdade e
justiça social, ainda que estas sejam palavras proferidas quase
que cotidianamente por dirigentes destas organizações. Mas
se trata, também, de recorrer a uma estratégia de legitimação.
Estamos nos referindo, mais especificamente, ao relacionamento
que as organizações têm com a mídia, as negociações com os
empresários, a participação em fóruns do governo, entre outras
atividades resguardadas aos sindicatos como representantes
dos trabalhadores.
Uma negociação com uma instituição pública que
surta resultados positivos para os trabalhadores, por exemplo, é
uma atividade externa que pode reforçar a concessão do man-
dato representativo, já que os representados ficarão satisfeitos
com a atividade e nutrirão o sentimento de confiança na direção
sindical. Uma declaração à imprensa feita por um dirigente sin-
dical ressalta a representatividade da organização, quando este
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assume em seu discurso o pronome “nós”, a fim de defender os
interesses coletivos. Portanto, esta ação no meio externo deve
ser percebida sempre como uma atividade complementar à
lógica sindical; ou seja, como meio secundário de legitimação
do mandato representativo atribuído pelos representados.
Ao fortalecer a sua legitimidade, equilibrando suas ações em
meios internos e externos, o sindicato ganha maior relevância
para os trabalhadores e fortalece sua representatividade social.
Nesse sentido, representatividade não pode ser vista apenas
como uma questão numérica, mas relaciona-se diretamente
com a capacidade do sindicato de intervir socialmente, isto é
de transformar a realidade impondo a ela os interesses dos
trabalhadores.
Referência Bibliográfica:GRAMSCI, A. Democracia operária. In: _______. Escrito políticos. Lisboa: Seara Nova, 1976. pp 337-341
SILVA, R. Representatividade, democracia e unidade no sindicalismo brasileiro. In: Cedec. Sindicatos em uma época de crise. Petrópolis:
Vozes, 1984.
MARX, K; ENGELS, F. A ideologia alemã (Feuerbach). 11. ed. São Paulo: Hucitec, 1999.
drops sindicalismo
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ituações como a contratação de trabalhadores por
meio de diferentes formas de contrato, as chama-
das terceirizações, geram contratos de trabalho
como a chamada pessoa jurídica, a transferência
do chão da fábrica para o espaço doméstico, a
fragmentação de vínculos trabalhistas em um mesmo local de
trabalho, tudo isso a organização sindical dos trabalhadores.
A partir da década de 1990, os patrões encontraram
um terreno aberto para implantar medidas como a retirada dos
direitos trabalhistas e a mudança no processo de produção. Isso
aconteceu a partir de derrotas da classe trabalhadora no plano
mundial nos anos 1970 e 80.
Podemos entender a terceirização em dois eixos prin-
cipais, de acordo com Nota Técnica do Dieese (número 112). O
primeiro é quando se desmonta um ramo produtivo, descolado
da estrutura da empresa, quando os capitalistas buscam locais
com mão de obra mais barata.
Outra forma bastante comum refere-se à terceirização
de atividades-meio, tais como limpeza, segurança patrimonial,
manutenção, buscando diminuir os encargos trabalhistas da
empresa. Mesmo neste caso, as terceirizações de atividades-
meio podem até alcançar as chamadas atividades-fim, o que
ainda é proibido pela legislação atual, ponto de defesa do
sindicalismo. Embora essa classificação seja aplicada ao ramo
produtivo da economia, é fato que a terceirização vem ganhando
raízes no serviço público.
Essa situação gera um exército de trabalhadores sem
direitos, sem eira nem beira, que também podem ser chamados
de precários. Na avaliação de Ruy Braga, sociólogo da USP, autor
de “A política do precariado”, em entrevista ao jornal Brasil de
Fato (1 a 7 de maio) “Na década de 1990, uma parte importante
do precariado foi constituída a partir da reorganização produtiva
das empresas, que foi, também, um período de reajuste da eco-
nomia nacional à globalização capitalista.
s
PerDA De DireiTosA terceirização continua ameaçando os trabalhadores
Apesar de o Projeto de Lei 4330, que implementa a terceirização, ter sido derrotado com a pressão dos
trabalhadores, agora é o Poder Judiciário quem busca expandir a exploração sobre os trabalhadores.
Pedro Carrano
Exército de precarizados
O pesquisador Ruy Braga complementa: “Isso ocorre em um período de terceirização da força de trabalho muito intenso, asso-ciado às tecnologias de informação, à precarização das condições de contrato - o que acabou -, em um contexto de privatização das multinacionais, refluxo dos direitos sociais, aumento do desemprego e da informalização, criando uma massa trabalhadores precarizados”, descreve. Trata-se de uma marca do mercado de trabalho brasileiro da década de 1990. Essa massa, criada pela contratualização, pelo aumento do desemprego e pela desestruturação do mercado de tra-balho, foi, de alguma maneira, reabsorvida pelo mercado formal de trabalho nos anos 2000, só que em condições muito degradadas de consumo da força de trabalho, defende o autor. O sindicalismo se prepara para colocar este tema na Agenda da XVIII Reunião Regional Americana da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em Lima, em outubro 2014, para pressionar por um posicionamento firme da parte da OIT e dos governos, a fim de fortalecer o debate para definir uma norma sobre a precarização e abordar o trabalho precário na América Latina e no Caribe.
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PerDA De DireiTos Revista do Sismuc entrevista: Paula Cozero
Depois do engavetamento momentâneo do Projeto de
Lei 4330 (PL 4330), que regulamenta as terceirizações a partir
da vontade empresarial, os sindicatos não podem descansar,
afastando novas ameaças. Isso porque a matéria agora tramita
no Supremo Tribunal Federal. Para explicar melhor essa questão,
a Revista do Sismuc entrevistou a advogada trabalhista Paula
Cozero, que vem estudando o tema.
Revista do Sismuc: O Projeto de Lei 4330 foi alvo de enfrenta-mento do movimento sindical em 2013. Ainda assim, existe o risco de a terceirização ser viabilizada na prática?Paula Cozero: Ainda existe o risco. O PL 4330, que pretende
tornar lícita a terceirização em todos os âmbitos, ainda não foi
votado no Congresso e, além disso, o tema está sendo debatido
no Supremo Tribunal Federal (STF), que, ao ser questionado
sobre a legalidade da Súmula 331 do Tribunal Superior do
Trabalho, reconheceu a repercussão geral do tema. Desta forma,
o empresariado está pressionando não só o Poder Legislativo,
mas também o Poder Judiciário a fim de ampliar as hipóteses
legais de terceirização. Hoje, o entendimento do Judiciário
Trabalhista, firmado na Súmula 331, é o de que a terceirização só
é lícita se acontecer em atividades-meio da empresa. A decisão
do STF tem o poder, inclusive, de modificar este entendimento
que proíbe a terceirização em atividades-fim.
Este posicionamento do STF terá consequências sérias para toda a
sociedade brasileira na medida em que pode generalizar, tornando regra,
o estado de precarização a que estão submetidos os trabalhadores terceirizados.
Como sabemos, ampliar a terceirização é ampliar a
precarização nas condições de trabalho e de vida dos trabalha-
dores. A terceirização diminui a responsabilidade do emprega-
dor, mitiga direitos consolidados, pulveriza os empregados em
inúmeras empresas prestadoras de serviços, o que compromete
a identidade das categorias e enfraquece o movimento sindical.
Representa, enfim, um grande retrocesso social. Por isso, a luta
contra a terceirização deve estar na ordem do dia.
Revista do Sismuc: A súmula 331 do TST, de 1993, que admite a terceirização naquilo que é atividade meio e proíbe a atividade fim, deve seguir guiando as decisões judiciais? Ou essa relação entre atividade meio e fim deve deixar de limitar o processo de terceiriza-ções e a tendência é o seu crescimento?
Paula Cozero: Os parâmetros da Súmula 331 do TST não são os
mais adequados para os trabalhadores. O fato de a terceirização
representar, em si mesma, precarização do trabalho já faz com
que ela seja uma técnica de gestão empresarial que deve ser
combatida de forma ampla, tanto nas atividades-meio, quanto
nas atividades-fim. Até mesmo porque a diferenciação entre
atividade-meio e atividade-fim não é, muitas vezes, demon-
strável. Além disso, segundo a Súmula 331, no caso de a empresa
terceirizada não pagar os créditos trabalhistas dos empregados,
a empresa tomadora de serviços não é responsável direta pelo
pagamento das verbas – sua responsabilidade é subsidiária, não
solidária. O mais adequado seria, evidentemente, o fim da tercei-
rização em todos os âmbitos. Porém, a conjuntura tem mostrado
que o modelo jurídico da terceirização pode passar para um
quadro ainda pior, ou seja, a legalidade de terceirização em
todas as atividades. Tudo depende, como sempre, da correlação
de forças entre as classes sociais. Se não houver mobilização
da classe trabalhadora, a tendência é a de que a terceirização
se expanda, uma verdadeira catástrofe para os trabalhadores
brasileiros.
Revista do Sismuc: O atual processo de tentativa de regulamen-tar as terceirizações passa pelo serviço público?Paula Cozero: O processo de terceirização afeta diretamente o
serviço público. O PL 4330 apresenta claramente essa ameaça.
E a decisão do STF sobre a Súmula 331 também tem o poder
de mudar a forma como a terceirização do serviço público está
hoje regulamentada, tanto possibilitando terceirizar o trabalho
nas atividades-fim, quanto diminuindo a responsabilidade pelas
verbas trabalhistas do poder público que usa a terceirização,
para citar exemplos dramáticos.
Dessa forma, é preciso encarar o cenário com a devida seriedade:
ou existe mobilização popular contra a terceirização, ou ela
pode generalizar-se drasticamente – tanto no serviço público,
quanto no setor privado.
A terceirização no serviço público
No serviço público, é sensível o avanço de formas de
terceirização, ainda que os dados não estejam devidamente
registrados. Durante a greve dos servidores em 2012, a decisão
do governo Dilma de editar o Decreto 7.777/12, que permite
contratação de servidores estaduais, municipais ou de empre-
sas de terceirização para substituir os grevistas foi motivo de
críticas do movimento sindical. Trata-se na realidade de um
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limitador de greve e sua efetividade.
No plano nacional, o quadro é preocupante. A Empresa
Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH) é uma empresa
pública de direito privado. Foi proposta para responder à
determinação do Tribunal de Contas da União que denunciou
a situação de 26 mil funcionários públicos terceirizados dentro
dos Hospitais Universitários.
Algumas decisões recentes servem de precedente
contra a privatização em andamento na saúde, mas são ações
ainda insuficientes. Recentemente, o Supremo Tribunal Federal
havia apontado que “os cargos inerentes aos serviços de saúde,
prestados dentro de órgãos públicos, por ter a característica de
permanência e de caráter previsível, devem ser atribuídos a ser-
vidores admitidos por concurso público”.
drops sindicalismo
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egemonia é quando um povo, ou nação, convence
os demais a aceitarem que sejam dirigidos por
uma elite. Nas democracias, dirigentes também
hegemonizam outras forças políticas e econômi-
cas para obter “governabilidade”. Já para a trabalhadora e o
trabalhador, a hegemonia pode parecer algo de outro mundo e
passar despercebida, mas não por acaso. Afinal, ser hegemônico
também é convencer a maioria do povo de que não há jogo de
poder, muito menos
alguém interferindo
nas regras.
Neste jogo,
somos organiza-
dos, antes mesmo
de nascermos, em
classes, populações,
segmentos, catego-
rias, cargos, produtos,
é o “pacto social”. E
essa organização toda
serve para que o trab-
alho de uns dê lucro,
vantagem, para outros
- os tais hegemônicos.
Então, hegemonia não é a exploração propriamente
dita, mas pior: é o conjunto de condições que convencem,
autorizam e replicam o Estado como ele é, o status quo. Como
diria o filósofo italiano Antonio Gramsci, “uma classe dominante,
para ser também dirigente, deve articular em torno de si um
bloco de alianças e obter pelo menos o consenso passivo das
classes e camadas dirigidas”. Hegemonia, então, é onde estamos.
Consumimos preferencialmente produtos indus-
trializados, marcas que exploram trabalho escravo em outros
países, cinema em que os heróis pertencem às Forças Armadas
Norte-Americanas, jornalismo que defende a liberdade de ape-
nas a imprensa se expressar, consumimos. Gramsci foi preso pelo
governo fascista italiano em 8 de novembro de 1926 e passou
mais de vinte anos na cadeia por ser comunista. Nesse tempo,
ele buscou entender o porquê do Estado ter poder suficiente,
mais do que o dos exércitos, a ponto de manter a ordem vigente
sem que a sociedade se revolte. Ele, que era tão inimigo de
Mussolini quanto de Stálin, enxergou na hegemonia a disputa
pela Ideologia.
A Ideologia aqui não é aquela do senso comum, em que
cada um teria a sua, como uma opinião. A Ideologia para Gramsci
é como para o economista alemão Karl Marx: aquela que é
hegemonizada por uma classe dominante e passa a ser seguida
e reproduzida pela maioria. Para estes intelectuais, a sociedade
é como é não só porque burgueses concentram renda, têm a
propriedade de indústrias, empresas e outros meios de produção
como jornais e revistas. Mas também porque têm a “propriedade”
da Ideologia, da “ver-
dade”.
Por serem os
donos da mídia,
fabricam notícias usa-
das para convencer os
povos, Brasil e mundo
afora, o tempo todo de
que é bom que as cois-
as sejam como são. Ou
que seria melhor que
o Estado tivesse mais
controle ainda. Então,
por serem donos de
colégios particulares
e gestores públicos,
definem o que é lembrado ou apagado da História nas escolas.
E, é claro, por serem patrões ou, mais uma vez, gestores públicos,
interferem no grau de organização do trabalhador para reivindi-
car seus direitos.
Quanto maior a participação do sindicalizado na orga-
nização das lutas em cada local de trabalho, maior a consciência
daquele servidor e de seus colegas, maior também o alcance
das informações que não vemos na mídia comercial. Da mesma
maneira, quanto mais profunda a formação, mais fortes são
as ações individuais e coletivas. E essa luta acontece no tripé
contra-hegemônico do Sismuc: organização por local de trab-
alho, a formação e a comunicação sindicais. Essas três áreas são
a ponte entre atuação do sindicato na política e a realidade de
cada servidor no seu local de trabalho, na sua base de atuação.
Para que um sindicato possa encampar todas as lutas dos ser-
vidores públicos municipais, é preciso fortalecer a formação e
organização das pontas, além de unificar discurso e ação desde
os locais de trabalho até a direção tomada pela entidade.
h
LuTA De CLAssesPor Phil Batiuk O tripé contra-hegemônico do SismucSindicato foca na visão de mundo do servidor para construir novo mundo possível.
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ão se pilota um helicóptero sem treinamento. Não
se escreve um texto sem conhecer a linguagem.
Não se usa uma enxada sem se machucar sem ter
prática. Não se cozinha uma só refeição sem ter
alguma experiência. Experiência aqui é a chave. Por um lado,
ela vem com a prática. Mas também por observação e estudo.
Experiência é vivência, é viver. Paulo Freire passou fome na infân-
cia durante a depressão de 1929 e entendeu que ninguém deve-
ria sofrer isso. Entrou
para a Universidade
de Recife em 1943
para estudar Direito,
mas também se dedi-
cou à Filosofia da
Linguagem. Em 1963,
ensinou 300 adultos
a ler e escrever em
apenas 45 dias no Rio
Grande do Norte.
Foi assim
que Freire começou
a colocar em prática
o método que viria a
ser conhecido como a
Pedagogia da Libertação. A base desse pensamento crítico diz o
seguinte: “não existe educação neutra. Todo ato de educação é
um ato político”. Ou, nas palavras de Eduardo Recker, que coorde-
na a formação no Sismuc: “Entendemos que tudo é política, não
só a disputa partidária e eleitoral. Político é todo ato humano,
porque parte de uma escolha. E não existe prática revolucionária
sem teoria revolucionária”. Segundo ele, os cursos de formação
do sindicato têm lado, o lado do trabalhador, pois o ser humano
não é neutro. Isso porque quem educa escolhe o que vai ensinar
e o que não vai, além de como ensinar.
Donos de empresas de educação e gestores públicos
do setor escolhem conscientemente o que entra e o que não
entra na formação de todo o povo brasileiro por meio das
escolas. É por isso que Paulo Freire defendeu que a educação
não acontece somente nos espaços formais. Ela também ocorre
neles, mas não está presa à sala de aula. Se educar é um ato
político e, se quem age para manter a sociedade dividida já
decide como será a educação formal, cabe então às entidades
e movimentos que pautam a mudança promover espaços não
formais de educação – e também espaços formais alternativos –
dentro dos conceitos da Pedagogia da Libertação.
Libertação é das estruturas e mecanismos sociais
autoritários, que oprimem, reprimem e colocam na linha, como,
muitas vezes, a própria escola, a mídia, a igreja, a família etc. A
proposta não é “ser contra” essas instituições, mas apresentar
contrapontos, outras visões de mundo, tão legítimas e parciais
quanto aquelas que impõem essas autoridades. Isso tudo para
que informações e
c o n h e c i m e n t o s
próprios de tra-
balhadores da cidade
e do campo, e de
povos tradicionais
como o de negros e
indígenas, não sejam
esquecidos e enterra-
dos com o tempo.
“As pessoas não
vêm aqui para apre-
nder ou receber con-
hecimento e sim para
construir junto, colo-
car o seu e misturar
com o dos outros, com o nosso e também com o de autores
que usamos por base”, explica Eduardo. A proposta da educação
não formal rejeita a idéia de que uns têm conhecimento, outros
não e que cabe aos primeiros ensinar. Pelo contrário, diz que o
conhecimento é da vida, que ele muda com o tempo, com o con-
texto e que é de cada um e de todos criar compreensões comuns
sobre o mundo. Isso é conhecido como formação emancipatória.
Parte dessa formação é conhecer outras experiências
de vida, como a Escola Latino-Americana de Agroecologia (Elaa),
que fica no município da Lapa, no Paraná, a 80 Km de Curitiba. A
formação sindical realizada no Sismuc promove visitas à escola,
onde há uma poderosa troca de conhecimento. A agroecologia é
uma maneira de produzir alimentos que está integrada ao ecos-
sistema de cada região.
Quando o agronegócio pratica a monocultura, por
exemplo, e planta sempre as mesmas variedades de alimento
em um mesmo espaço de terra, isso acaba com o solo, com a
água em baixo do solo e causa efeitos que não podem ser medi-
dos diretamente, pois cada um por sua vez causa tantos outros
N
formAçÃo É PAuTA gerAL e esPeCÍfiCAPhil Batiuk
Atuação sindical e disputa de poder só constroem novo mundo possível, sem reproduzir hegemonia, quando existe consciência.
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que só podemos dizer que é um desastre ecológico. O mesmo
vale para o uso de agrotóxicos, o uso de sementes genetica-
mente modificadas, o desperdício de água na irrigação – cerca
de 70% de toda a água disponível no mundo é utilizada para
irrigação, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU).
A agroecologia, por outro lado, busca integrar o cultivo
ao meio ambiente e também ao ser humano. Isso significa rela-
ções de trabalho diferentes, em que o agricultor tem autonomia
e atua em coletivo com outros agricultores, muitas vezes recor-
rendo ao mutirão como forma principal de trabalho. Já para o
agronegócio, existem somente patrões e trabalhadores contrata-
dos para operar máquinas e executar serviços. A agroecologia,
portanto, é também uma forma de luta da classe trabalhadora,
em especial no campo. E é por isso que o conhecimento obtido
com a vivência em um espaço de formação como a Elaa dá
recursos para o trabalhador do serviço público municipal com-
preender seu próprio papel na luta de classes.
“O que mais me motiva a atuar no sindicato é ver a
mudança na compreensão de mundo dos participantes. Por
exemplo, quando o cara deixa de achar que pobre é tudo
vagabundo e que o rico é que trabalha. A questão central na for-
mação é justamente orientar as pessoas a serem questionado-
ras”, revela Eduardo. Essa visão é validada pelo relato de outro
coordenador do Sismuc, o auxiliar de serviços escolares João
Guilherme Bernardes. Ele conta que hoje participa do sindicato
porque partiu de seu interesse pessoal e viu que, para ter avan-
ços e mudar injustiças, era preciso que a luta não fosse só dele,
mas sim coletiva, no caso dele por meio do movimento sindical.
“Logo que me sindicalizei, não fazia questão de ter a
leitura de como funciona a sociedade. Quando visitei o assenta-
mento do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), na
Lapa, perto da Elaa, tive medo e preconceito. Achei que seria uma
zona de guerra, com foices e enxadas”, revela João, que coordena
a pasta de juventude. “Minha visão era um mito, uma história
contada pela mídia, que, até eu conhecer outras experiências,
não tinha como não acreditar”, explica. A visita era parte do
módulo de economia política da formação e abriu os olhos de
João para a existência de uma divisão na sociedade.
Em 2011, a gestão atual do sindicato estava se for-
mando e ele, que hoje tem 26 anos, não imaginava se envolver,
pois achava que era muito imaturo. Mas ele conta que, dentro
das formações, compreendeu como funciona um sindicato, as
centrais sindicais, os movimentos popular e social. “Peguei gosto
pela luta, pois participava da OLT e já tinha estado em mesa
de negociação da minha categoria, os trabalhadores de escola.
Então coloquei meu nome à disposição da chapa, defendi a can-
didatura e fui aceito”, conta ele.
O coordenador Eduardo acredita que é preciso
“desnaturalizar” o que hoje nos parece natural, como assédio
moral, perseguição política, produtivismo desenfreado e outras
opressões. Isso porque o que estaria por trás disso, a dominação,
é algo velado, escondido, negado. “As coisas não foram sempre
assim e mudar só depende de nós”, conclui. Para isso, a forma-
ção do Simuc promove aulas, vivências, oficinas, debates, cine-
debates, grupos de estudos e parcerias com outras entidades.
“Depois de participar das formações, senti vergonha
de até então ter só lutado pelo que é meu. Mas, nesse processo,
desconstruí quem eu era – e eu era machista, racista, homofóbico
e alienado com relação à luta de classes. No lugar, construí
uma nova pessoa, mais coerente, apaixonada pelo trabalho e o
movimento. Assim, sou mais feliz, pois vejo lutas que ajudei a
construir se concretizarem e mudarem a vida das pessoas, inclu-
sive a minha”, depõe João. Ele finaliza: “Sinto que sou útil e que
pertenço a este lugar. Enquanto a luta precisar, estou aí”!
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ComuNiCAçÃo, umA TArefA urgeNTe PArA os siNDiCATos
ma questão séria: a mídia empresarial há alguns
anos aprofunda uma redução massiva de postos
de trabalho, demissões e enxugamento nos prin-
cipais jornais brasileiros.
Houve grande quantidade de demissões nas redações
do Valor Econômico, O Estado de São Paulo e Folha de São
Paulo. Na região Sul, tivemos, em 2014, mais de 130 demitidos
pelo grupo RBS, do Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Em
agosto, mais de 23 profissionais foram demitidos pelo jornal
Gazeta do Povo, no Paraná. Seja no formato das demissões mas-
sivas ou mesmo a conta-gotas, o saldo final é uma dispensa e
redução drástica de profissionais.
No Paraná, entre 2011 e 2013, o chamado
“Demissômetro”, criado pelo Sindicato dos Jornalistas
Profissionais do Paraná (Sindijor-PR), mostrou que dez empresas
deste ranking demitiram 156 profissionais em dois anos. Ao
todo, foram 287 demissões no período em todas as empresas no
estado do Paraná, em rádio, TV e jornal.
Sabemos a consequência disso para os profissionais de
jornalismo que permanecem nas redações, como sobrecarga e
assédio. Assim como também há impactos na qualidade do que
é produzido. Fato é que a mídia empresarial está enxugando. E,
no sentido contrário, a comunicação dos trabalhadores deveria
ser priorizada e valorizada.
O objetivo deste artigo é analisar que esse cenário
reforça a necessidade de a mídia sindical se construir como
um espaço de garantia de condições de trabalho para os jor-
nalistas. Mais que isso: os sindicatos têm a tarefa de ampliar
suas redações, capazes de fazer um jornalismo que, a partir
do contato com os trabalhadores e com a população pobre no
geral, incluindo os trabalhadores terceirizados, falasse para além
do público segmentado do sindicato, sendo referência para um
público amplo de trabalhadores.
Essa comunicação deve ser feita com qualificação,
tornando-se referencial de produção de notícias e também de
produção editorial. Afinal, qual sindicato hoje publica livros?
Qual sindicato fala hoje da situação do bairro onde a unidade
de trabalho está localizada?
Há anos esse debate é provocado pelo Núcleo
Piratininga de Comunicação e pelas contribuições de Vito
Gianotti. Na prática, cada sindicato deveria formar redações com
pelo menos uma equipe de cinco jornalistas contratados, para
fazer reportagens, ir a campo, desvendar a realidade, ser fonte de
informações e fazer comunicação por local de trabalho. Afinal,
sabemos que os trabalhadores devem pautar a sociedade com
seus valores e com sua ideologia.
É necessário que os trabalhadores tenham de fato uma
plataforma de comunicação. Seria uma forma de contraponto à
prisão do imaginário a que as pessoas se submetem no dia a dia.
Mesmo que a juventude e os trabalhadores tenham vivido, nos
últimos dez anos, melhorias econômicas e passaram a fazer mais
greves, a realidade é que a influência, a visão de mundo e o que
passa em nossas cabeças e corações é ditado pelo monopólio de
poucas empresas de comunicação.
O Sismuc e alguns outros sindicatos têm sido
referência nessa prática, mas precisamos analisar o movimento
dos trabalhadores como um todo, que ainda está distante de
uma maior preocupação com a comunicação. O conteúdo deste
artigo pode ser uma utopia ou apenas a necessidade de provo-
cação, uma vez que esta realidade está distante da atual prática
dos sindicatos. No entanto, é uma sugestão concreta e pos-
sível sobre o papel que os sindicatos deveriam cumprir no atual
momento histórico. Como disse Riobaldo, personagem do livro
Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa: “Agora é agora”.
uPor Pedro Carrano
Diretor do Sindijor-PR e militante da Coordenação do Movimentos Sociais (CMS-PR)
Jornalistas do Paraná protestam por negociação salarial.
Fotografia: Joka Madruga.
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PARCEIROS SISMUCAgência Pública de Jornalismo Investigativo - Apublica: www.apublica.org
Barão de Itararé: www.baraodeitarare.org.brCampanha de Valorização do Servidor: www.observatoriosocial.org.br
Convergência Digital: convergenciadigital.uol.com.brCorreio da Cidadania: www.correiocidadania.com.br
Dieese: www.dieese.org.brDireito a Comunicação: www.direitoacomunicacao.org.br
Direto da Redação: www.diretodaredacao.comFundação Perseu Abramo: novo.fpabramo.org.br
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Sismmac: www.sismmac.org.brSite Adital: www.site.adital.com.br
Brasil 247: www.brasil247.comBrasil de Fato: www.brasildefato.com.br
Centro de Mídia Independente: www.midiaindependente.orgComunique-se: portal.comunique-se.com.br/
Confetam: www.confetam.com.brCUT: www.cut.org.br
CUT Paraná: www.cutpr.org.brFazendo Media: http://fazendomedia.com/
Midia Independente: www.midiaindependente.orgOIT Brasil: www.oitbrasil.org.br
Portal Imprensa: portalimprensa.uol.com.brRevista Forum: www.revistaforum.com.br
Sindijor Paraná: sindijorpr.org.br/ APP-Sindicato: www.appsindicato.org.br
Bancários de Curitiba: www.bancariosdecuritiba.org.brSenge: www.senge-pr.org.br
Confetam: www.confetam.com.brFessmuc: fessmucpr.blogspot.com.br
Terra de Direitos: terradedireitos.org.brDefensoria Pública Paraná: www.defensoriapublica.pr.gov.br
Ministério Público do Trabalho: www.prt9.mpt.gov.brSertoledo: www.sertoledo.org.br
Sinsep: www.sinsep.org.brSindipetro: www.sindipetroprsc.org.br/site
Mídia Ninja: ninja.oximity.comRede Brasil Atual: www.redebrasilatual.com.br
Ponte Jornalismo: www.ponte.orgCarta Capital: www.cartacapital.com.br
Carta Maior: www.cartamaior.com.brAgência Brasil: agenciabrasil.ebc.com.br
Vanguarda Política: www.vanguardapolitica.com.btAgência NP: www.radioagencianp.com.br
Rede TVT: www.tvt.org.br
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Manifesto do Partido Comunista, de Karl Marx e Frederic Engels, de 1848.“Indicamos esse livro em nosso primeiro módulo do curso de formação, para romper a ideia de que as coisas são naturais e sempre foram assim. Quando na verdade, elas são construídas socialmente”, descreve.
Aparelhos Ideológicos de Estado, de Louis Althusser, de 1998 (sétima edição). “Essa obra mostra como o campo das ideias conservador-as é fundamental para manter uma estrutura de exclusão. O autor aqui fala do papel da mídia, do Estado, o papel de atores que, na verdade, não imaginamos que influencia na manutenção da ordem social. E como isso ajuda a for-mar nossa visão de mundo? Nesse sentido, é importante também um livro acessível: ‘Ensaios sobre Consciência e Emancipação’, de Mauro Iasi (Editora Expressão Popular, 2011, segunda edição) são construídas socialmente”,
descreve.
A situação da classe operária na Inglaterra, de Frederic Engels, de 1845. “Essa obra é importante para mostrar o início do capitalismo e do trabalho assalariado. Mostrar que a pobreza não é muito diferente de hoje. E o livro mostra também como esses trabalhadores se organizam”.
1984, romance de George Orwell, escrito em 1949 “Esse romance dá uma ideia de que o Estado é totalitário e repressor. Alertamos que esse estado totalitário não é apenas presente no momento mais duro da URSS, mas hoje o capitalismo é autoritário. Estamos tão vigiados quanto o personagem Wiston. Indico também o romance ‘Admirável Mundo Novo’, de Adous Huxley.
liVroS oBrAs PArA LuTAr meLhor
O coordenador de formação do Sismuc, Eduardo
Recker Neto (abaixo, em foto de Pedro Carrano), elenca
para o servidor algumas obras e trechos de obras que têm
servido de base para os cursos de formação do Sismuc.
A maioria das obras pode ser encontrada no site
http://www.marxists.org/ ou na biblioteca localizada na
sede do sindicato.
A Ideologia Alemã, de Karl Marx e Frederic Engels, de 1932.
“Fazemos a ponte entre a leitura do ‘Manifesto do Partido Comunista’ e a leitura da obra ‘A Ideologia
Alemã’. Analisamos que o modo de produção capitalista é um modo de produção muito recente, para
romper com a ideia de que as coisas são assim e sempre serão”.
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Grito dos Excluídos, de Manoel Ramires É algo raro uma greve se transformar em livro. Ainda mais com grandes histórias e um ótimo texto. Mas o jornalista Manoel Ramires, da imprensa do Sismuc, soube transfor-mar em crônicas os 74 dias da greve dos excluídos. Bem-humoradas, por vezes doídas, a narrativa dessas lutas dis-secam o que acontece por dentro de uma greve: os desen-contros, as madrugadas acampadas em frente à Prefeitura, em busca de um direito.(Fotografia de Joka Madruga)Também da Editora Sismuc tem o livro “Vozes da Consciência”, organizado por Guilherme Carvalho e Manoel Ramires, tra-zendo entrevistas publicadas no Jornal do Sismuc.
Meu Pai, de Paulo Venturelli Contista, autor de literatura infantil consagrado e roman-cista, nascido em Brusque (SC), mas residente em Curitiba desde os anos 1980, o escritor Paulo Venturelli traça uma história com a narrativa de um personagem que recorda o pai, um operário e sindicalista ativo na região industrial de Santa Catarina, no Vale Verde do Itajaí. O autor aborda tanto a marca que o pai lhe deixa como o próprio ambiente da época.(Fotografia de Pedro Carrano)
O Filho Eterno, de Cristovão Tezza O romancista problematiza o momento de sua vida em que, perto dos 30 anos, com uma vida de aventuras, projetos e viagens, surge o seu primeiro filho, portador de síndrome de down. A partir de então, a narrativa desenha as modifica-ções, os conflitos e adaptações que o narrador passa a viver.(Fotografia de Pedro Carrano)
liVroS CrôNiCAs e romANCes
Os livros elencados abaixo poderiam ser outros. Muitos outros. Essa lista é curta, apenas para provocar o leitor com alguns textos
produzidos na capital paranaense, mas que estão com as janelas abertas para outros trabalhos e obras. Afinal, a literatura é isso.
Não há livro bom ou ruim, mas há uma constante ponte entre um autor e outro, entre um livro e outro.
Pedro Carrano
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Entre os filmes do acervo exibidos em 2014, destacam-se O Morro dos Ventos Uivantes (do diretor Wyler, 1939) e O Segredo da Porta Fechada (Fritz Lang, 1948). Ambos integraram a programação do Cineclube da Cinemateca, que acontece aos sábados às 15h. Do acervo da Cinemateca, difundindo a memória do cinema paranaense, foi exibido o filme Xetás na Serra dos Dourados, de Wladmir Kozak, durante a “I Mostra Audiovisual – Olhares Indígenas” em abril de 2014. Mas, como a história cinematográfica está sempre em construção e não nos leva apenas a um passado longínquo, filmes mais recentes do nosso acervo também são divulgados. Por isso, a animação de Paulo Munhoz, Em Busca da Identidade Perdida (2006), e o curta-metragem Balada da Cruz Machado (Terence Keller, 2009), por exemplo, foram exibidos durante a programação especial do aniversário da cidade.Em parceria com a Cinemateca da Embaixada da França, foi recentemente organizada a Mostra de Cinema Haitiano com filmes de Raoul Peck. Foi uma programação inédita que contou com a presença do Professor Clovis Gruner da UFPR para a palestra “Cinema e história em Raoul Peck: aspectos do Haiti contemporâneo”, após a exibição do filme O Homem das Docas (Raoul Peck, 1992). Desta parceria, foram exibidos películas francesas como 7 Anos, de Jean-Pascal Hattu.A Cinemateca também tem o objetivo de dar espaço a novos cineastas e à produção local, por isso há pouco espaço na agenda para sessões de filmes vindos de distribuidoras. Semanalmente são promovidos lançamentos de filmes locais, tais como Um Olhar do Passeio Público, de Gabriel Eloi que, devido à grande repercussão, teve outras exibições realizadas para atender solicitações do público.No entanto, Hoje eu quero voltar sozinho, escolhido para representar o Brasil no Oscar 2015, foi um dos filmes exi-bidos na Sala Groff, que veio por intermédio da Distribuidora Vitrine. Festejado em Berlim, primeiro longa de Daniel Ribeiro tentará prêmio inédito para o país e esteve em cartaz na Cinemateca e no Cine Guarani, outra sala de cinema da Fundação Cultural, em junho.A animação O Apóstolo que faz parte da Mostra de Cinema Atual Espanhol (parceria com Instituto Cervantes) é uma animação de 2012. Ela esteve na Mostra de Animação Contemporânea, de outubro de 2014. O Apóstolo (2012) é um filme galego de animação que teve muito reconhecimento por parte do público, da crítica especializada e dos principais festivais de cinema internacionais.
filmeS CArDáPio VAriADo
Para além do que vemos nos grandes cinemas, há coisas
muito interessantes no cinema nacional e internacional.
Na seleção de filmes da servidora Claudia Arioli, que
organiza a exibição de filmes da Cinemateca de Curitiba,
é possível ter contato com um acervo que envolve
produções locais, filmes nacionais e também a produção
de países, para muito além da produção de Holywood.
Muitos filmes citados na lista abaixo fazem parte do
acervo da Cinemateca.
Outros estiveram em cartaz ao longo desse ano e podem
voltar a ser exibidos.
Há ainda os filmes que a Cinemateca e o Cine Guarani
exibem gratuitamente a partir das distribuidoras de
filmes.
O Homem das Docas (Raoul Peck, 1992)
Claudia Aridi
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café estava quente. Um pequeno gole servira para
queimar a ponta da língua e identificar a baixa
qualidade da torra. É um hábito brasileiro imposto
pelos cafeicultores. Bebe-se café muito forte com
a ideia de que ele é melhor. Contudo, esse aroma ríspido e ácido
mascara grãos de baixa qualidade misturados com folhas e
pedaços de galhos. Tudo queimado. Melhor, com torrefação entre
treze e dezenove minutos. Paladar e coloridos diferentes do café
colombiano que se
acostumara a beber,
que são torreados em
dez minutos, trazendo
gosto urbano e encor-
pado.
Suas papilas
gustativas nem sem-
pre foram tão apura-
das. Reflexo de anos
tomando cafezinhos
improvisados em gar-
rafas térmicas duran-
te o período em que
era dirigente sindical.
Há 20 anos, ou mais,
as mobilizações par-
tiam prioritariamente
da boa vontade dos
trabalhadores. Se de
um lado, a democracia ainda era muito frágil, precisando ser
embalada sob a ameaça de que algum político autoritário de
plantão a abortasse, de outro, a convicção da necessidade de
lutar crescia pujante em suas mentes. Afinal, se um regime dita-
torial foi derrubado com a ajuda deles, porque uma conquista
salarial não seria conquistada?
Esse era um conceito de heroísmo coletivo da época
em que muitas de nossas ações seriam evitadas se pudéssemos
refletir antes de cometê-las. O juízo não tem em seu DNA a
audácia e a irresponsabilidade como traços marcantes. Quem,
não tomado pelo impulso, se colocaria a frente de um carro para
evitar o atropelamento de um animal ou criança? Quem, sem
estabilidade no emprego em um período de recessão e inflação
de 100% ao ano colocaria em risco a segurança financeira de
sua família? Aquele grupo colocava. Por isso, o café ruim pre-
parado em casa, a água armazenada em galões reutilizáveis, a
marmita, a bolacha de água salgada e demais alimentos de fácil
manuseio eram pequenos detalhes de sobrevivência.
Algo diferente do que acontece atualmente. Agora, em
uma mobilização, o sindicato, estruturado, fornece lanches, água,
protetor solar, capa de chuva, almoço e outros kits para atrair os
grevistas e mantê-los no movimento. Algumas entidades mais
abastadas já adotaram a figura do piquete profissional. A catego-
ria vota a greve à noite
e retorna para casa
para fazer as malas e
viajar por uma sema-
na enquanto que na
manhã seguinte (ou
dentro do prazo legal)
os piqueteros fecham
agências bancárias,
impedem a entrada
de funcionários nas
fábricas, vestem as
cores da luta. “Nada
contra”, cogita. “Talvez
um pouco”, conclui.
Não significa ser
nostálgico com rela-
ção aos seus grandes
momentos em cima
do caminhão, discur-
sando arduamente contra os patrões ou quando empunhava o
megafone quase sem voz e continha desavenças em rodinhas.
Sempre teve a convicção de que um país é miserável se não tem
heróis. Contudo, é ainda mais miserável a nação que precisa de
heróis para se afirmar. Por isso, nunca viu suas ações como líder
das paralisações como atos heroicos, mesmo realizando-os com
grande afinco. Nunca se deu ao direito de se vangloriar por ter
evitado uma cacetada da guarda em uma mulher, por exemplo.
Mesmo que alguém que tivesse visto a cena tenha e espalhado:
“Que bela atitude. Nosso dirigente correu risco em favor de
beltrano. Eu, em seu lugar, não teria coragem semelhante”. Nada
disso. Não se empluma de elogios. Para ele, o que importa é o
caráter pedagógico de toda greve. É durante ela que se ensina e
vivencia a luta de classes, é o momento em que os trabalhadores
se unem por um ideal, que a lógica “manda quem pode, obedece
o“Os meus heróis na vida real são os que desafiam a lei em nome de um ideal.” Correia, Natália.
CrôNiCa DiANTe De si
Manoel Ramires
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quem tem juízo” é subvertida.
II
Dá outro gole no café. Está mais morno, só que igual-
mente ruim. O misto quente prensado chega. Ele é o único
cliente na banquinha. Na Boca Maldita, importante calçadão de
agitação política em Curitiba, o domingo frio parece ter segu-
rado as pessoas na cama. Vai ser fácil deslocar-se até o compro-
misso sem ter que desviar de artistas de rua, entregadores de
panfletos, gente de camiseta azul ou vermelha oferecendo chip
de telefone celular ou cartão de crédito sem adesão.
Tendo tempo de sobra, decide folhear o jornal do dia.
Procura, mas não encontra a notícia imprensa do motivo que o
fez levantar mais cedo. A informação só saiu na página online do
veículo. Nisto os personagens não tinham previsto. Sonhavam
com a capa do periódico, uma grande foto com seus rostos e
manchete denunciativa. Não sabem que a edição dominical é
fechada na sexta-feira à tarde e que a tática, embora audaciosa,
repercutiria apenas no mundo virtual até a próxima vitória ou
derrota dos times de futebol locais.
Ele havia alertado, não como assessor de imprensa,
mas como assessor político, que a luta não precisa de sensacio-
nalismo para consagrar-se. Havia outras possibilidades de abrir
a mesa de negociação. O telefone e os contatos dos dois lados
era a principal delas. Na hora que a corda estica, como se diz no
jargão, interlocutores dos dois lados podem ser acionados. Um
cede no discurso, outro na postura, um aceita negociar parte da
pauta, outro também, ambos retiram a faca do pescoço alheio.
Era uma alternativa salutar para os novos tempos. Bem dife-
rente do período em que a negativa prevalecia, em que a greve
era combatida com cassetete, cortes de salários e demissões.
Atualmente, existe o talvez, “as forças policiais acompanham a
distância e os cortes de gratificações já tinham sido abonadas
na paralisação anterior”, ponderava.
Sua opinião foi descartada. O objetivo inconsciente
não era mostrar que a pauta era legítima. Assim como um
herói criado pela propaganda, sejam esses das histórias em
quadrinhos, esses anônimos pleiteavam sua estrelinha, sua capa
de revista, sua menção honrosa que o crivo da história se encar-
regaria de registrar. Por isso, orquestraram algemar-se a uma
árvore e manterem-se presos até que fossem recebidos. A ideia
surgira dois dias antes e baseada em outra paralisação onde o
gramado do governo foi ocupado. As cordas foram compradas,
cadeados também. Depois discutiram quem ficaria preso e quem
ficaria no suporte. Como havia mais mártires do que nós,
realizaram uma votação e cinco foram eleitos. O próximo passo
foi apostar no interesse da imprensa. No fim da tarde, anun-
ciaram à mídia que se algemariam e fariam greve de fome até
serem atendidos. A tática deu certo. Sem pauta forte no plantão,
duas emissoras de TV e dois fotógrafos apareceram para regis-
trar o evento. Sonoras foram gravadas, fotos foram compartilha-
das e a imagem de carrasco foi jogada pro outro lado da mesa
que se negava a negociar.
Todavia, o que não apareceu na reportagem da manhã
seguinte, tampouco na nota do site é que por volta das duas
horas da manhã as cordas foram afrouxadas e um bravo guer-
reiro desertou ao perceber que os flashes tinham acabado.
III
Enquanto caminhava na direção da reunião convocada
por causa do acorrentamento, refletia sobre a importância de
ter mudado seus hábitos. Há pouco mais de um ano adotara a
rotina de substituir o carro e a moto pela caminhada. Não se
preocupava com a saúde corporal. O foco era a higiene mental.
No carro ou na moto, a atenção sempre ficava presa ao trânsito,
ao motorista que podia dar uma fechada, às trocas de sinais, a
passar a marcha e todas outras ações motoras aos quais somos
condicionados. Na caminhada, por outro lado, a atenção sempre
estava livre para pensar em um embargo, um habeas corpus,
uma medida cautelar ou simplesmente olhar a paisagem.
Subitamente, viu um carro avançar sobre o pedestre. O sinaleiro
estava aberto para o veículo que não titubeou em arrancar. O
caminhante, surpreendido pela pressa, trocou o passo pela cor-
ridinha, chegando ao meio fio e entregando um palavrão em
resposta à buzinada. O que aconteceria se ao invés de correr, o
pedestre parasse? O motorista realmente teria acelerado? Teria
atropelado? Ou isso seria mais um desses perversos contratos
sociais contemporâneos em que a nossa atitude depende da
fragilidade do outro? E o pedestre, teria respondido com um
palavrão se percebesse que o carro podia estacionar? Ocorreria
tanta valentia se ambos não estivessem distantes?
Falando em coragem, de repente, veio-lhe à mente a
imagem do jovem chinês que parou uma fileira de tanques em
1989, na Praça da Paz Celestial, em Pequim. Armado com duas
sacolas e uma dose de heroísmo, ele encarou aqueles que no
dia anterior haviam esmagados carros e matado rebeldes contra
o governo comunista. A cena, registrada em fotos e filmagens,
percorreu o mundo e foi capa dos principais jornais e revistas
do mundo. A revista Time, inclusive, considerou a atitude de um
desconhecido como uma das 100 pessoas mais importantes do
século XX. Contudo, o que queria e o que pensava o jovem herói
jamais se soube, uma vez que ele foi detido e desapareceu.
Destino diferente Phan Thi Kim Phuc, que se tornou
famosa ao ser fotografada nua de corpo e alma aos nove anos
enquanto fugia das bombas napalm lançadas pelos sul vietna-
mita apoiado pelo imperialismo norte americano na Guerra do
Vietnã, em 1962. “A Guerra do Vietnã terminou graças a essa
fotografia”, alegou o fotógrafo da agência EFE que fez o clique. Já
a menina, que mais tarde virou embaixadora da Boa Vontade da
ONU no Canadá, armazenou em sua memória tanto o terror das
bombas quanto a insistência da foto de correr em sua direção.
Ela disse: “Eu realmente queria escapar daquela pequena meni-
na. Mas parece que aquela imagem não me deixava ir”.
Do capitalismo ao comunismo, do carro que acelera
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ao pedestre que se apressa, o herói e o covarde podem ser dis-
tinguidos pelo próximo passo dado ou evitado. Era sua primeira
conclusão ao comparar os dois momentos. Afinal, a inspiração
heroica também é relativa. Em uma sociedade belicista, o herói
será o indivíduo que pratica proezas em nome do conflito. Já
em uma cultura pacifista, essa mesma personagem poderá ser
repudiada como herói. Logo, não sabia se aquela reunião a que
se direcionava era resultado de um ato heroico ou estupido.
Percepção bem diferente de uma paralisação que
vivenciou na década de 1990. Naquela ocasião o impasse tam-
bém estava dado. O prefeito não queria conceder o reajuste
firmado no ano anterior. Também se recusava a receber os
trabalhadores, tampouco a rever as 800 demissões que promo-
vera ou ceder na intenção de demitir outros 4,2 mil servidores
para enxugar a máquina. A saída tinha sido a greve. O contra-
ataque, ameaças das chefias. O movimento parecia enfraquecer.
A direção do sindicato precisava mostrar firmeza. O caminhão
de som era ocupado pelos dirigentes. Os discursos pregavam
união e resistência. Mas as mentes se confrontavam com o
medo. O piquete estava formado. A corda esticara. Se naquele
local de trabalho os funcionários saíssem com os caminhões
da Prefeitura, um importante segmento seria desmobilizado. O
microfone ganhou mais entonação. Logo abafado pelo barulho
do motor. Já era possível imaginar o sorriso gordo do prefeito no
Centro Cívico quando fosse informada que aquela barreira tinha
sido desfeita. As cabeças principiavam em ficar cabisbaixas e
os punhos perdiam a tensão. O caminhão avançou. Mas parou.
Conteve-se. Foi contido pela moça grávida que se deitou na
frente do veículo. Elza era seu nome, educadora sua profissão,
heroína sua atitude. O motorista congelou-se. Viu seu filho ali.
O motor acalmou-se, o escapamento maneirou. Aquele sorriso
distante mochou. Os corações pulsaram. Naquele instante, a
greve ganhava sustentabilidade. O trabalhador enxergou o tra-
balhador, a luta encontro seus lutadores, os sonhos voltaram a
se concretizar. As únicas coisas perdidas foram as lágrimas que
rolaram e o registro fotográfico que não foi feito.
Arrepiou-se. Era fato que não havia foto, mas também
era verdade que, no seu íntimo, aquele corpo estirado que car-
regava uma vida dentro de si tinha parido nele sua única e
verdadeira heroína. Depois disso despiu-se para sempre de hon-
rarias, afinal, o verdadeiro herói é aquele que tem mais coragem
contra si mesmo, quando se dispõe a por risco seus conceitos
egocentrismo em favor da luta sindical.
Feita essa reflexão, atravessou a rua em frente à
Prefeitura torcendo para que a reunião fosse curta e o café em
casa estivesse passado.