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FLÂNEUR :: REVISTA LITERÁRIA PRODUZIDA PELO PERÍODO DE JORNALISMO DA PUCPR :: 2º SEMESTRE 2009 1

REVISTA FLÂNEUR

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Revista Laboratório desenvolvida na Disciplina Produção e Edição de Revistas 6º período de Jornalismo 2º semestre 2009 Curso de Comunicação Social PUCPR

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Flâneur :: revista literária produzida pelo 6º período de Jornalismo da puCpr :: 2º semestre 2009 1

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Revista Laboratório desenvolvida na Disciplina Produção e Edição de Revistas 6º período de Jornalismo 2º semestre 2009Curso de Comunicação Social PUCPR

ReitorProf. Doutor Clemente Ivo Juliatto

Decano do CCJSProf. Roberto Linhares da Costa

Decano Adjunto do CCJSProfª Marilena Indira Winter

Direção do Curso de JornalismoProfª Mônica Fort

Editor de RedaçãoProf. Cícero Lira (MTB 1681)

Editora de ArteProfª Queila Matitz

EditoresFlávia Zanforlim, Gabriel Bozza, Giovana Gulin

RepórteresAmanda Bahl, Ana Carolina Paiva, Andrizy Bento, Anelise Caparica, Arthur Santana, Barbara Albuquerque, Bruna Alcantara, Bruno Manenti, Caroline Brand, Caroline do Prado, Claudia Guadagnin, Daniel Courtouke, Douglas Trevisan, Edu Baggio, Eloá Cruz, Fernanda Berlinck, Fernanda Giotto Serpa, Fernando Zimmer, Flavia Zanforlim, Gabriel Bozza, Giovana Gulin, Guilherme Binder, Guilherme Melo, Gustavo Yuki, Iara Maggioni, Igor Shiota, Jadson Tinelli, João Guilherme Frey, Juliana Lima, Julliana Bauer, July Portioli, Karin Sampaio, Leticia Baptistela, Liz Khury, Lucas Rocha, Marcos Silva, Maria Augusta Zeni Brandt, Mariana Scoz, Mariana Guzzo, Mariana Alves, Marina Salmazo, Natasha Schaffer, Oliver Altaras, Patricia Sheisi, Pedro Henrique Dourado, Renata Muzzolon, Rodrigo Aron, Rodrigo Pinto, Samantha Fontoura, Silvia Cunha, Simone Bremm, Stephanie Ferrari, Tabata Viapiana, Tatiana Olegário, Thainá Laureano, Vanessa Carolina de Lima Ronchi

[email protected]

É proibida a reprodução total ou parcial de textos, fotos e ilustrações, por qualquer meio, sem prévia autorização dos artistas ou da edição da revista

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Os textos que você vai encontrar na Revista Flâneur são soltos, ousados e irrever-

entes. A proposta é vivenciar a notícia, romper o compromisso com a formalidade

do jornalismo tradicional. Um flâneur é um narrador-personagem que caminha tran-

quilamente pelas ruas e corre atrás das informações onde os fatos acontecem.

Flanar é praticar o jornalismo literário, narrando a notícia com sensibilidade e senso

crítico. O olhar é voltado ao detalhe mais simples das pessoas, dos objetos e dos

lugares, que permite estabelecer uma relação diferenciada com o espaço urbano,

se apropriando dele. Desde os aspectos superficiais de cena até aqueles que dizem

respeito à caracterização do personagem devem constar como forma de apuração

e detalhamento de uma reportagem flâneur. O flâneur rompe a barreira do espaço

público e busca revelar cada personagem no seu íntimo.

É necessário desvendar um mistério, entrar no meio da multidão, observar quem

passa em cada ponto da esquina, apreciando, refletindo e contemplando a pós-mod-

ernidade existente. Esse observador não vive num tempo específico, muitas vezes

traz a nostalgia e décadas vivenciadas dos seus personagens. Cada transformação

urbana relatada é fruto da percepção e da vivência de cada narrador, o que faz de

cada reportagem flâneur uma história única.

Flanar é apreciar o ludismo e o que é louco em nós

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09 As ruAs, um bom lugAr

11 Abre A jAnelA, por fAvor

13 A verdAdeirA tristezA dA morte

Vida e Morte

17 o AmAnhã nuncA chegA

19 “grossAs cAmAdAs de pó”aMar

nunca se esquece

23 05 de mAio

25 ufo: A verdAde está lá forA

27 retronAdo - modA retrô

29 no íntimo colorido

teMpo no espaço

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33 reunião AA

35 KriptoninA no cristo rei

droga que deixa

Marcas

39 um estádio, muitAs históriAs

41 criAnçA brincAndo de ser Adulto

Vibração no

esporte

45 o gênio dAs lâmpAdAs

47 ritA e seus 23 fAmiliAres nA “selvA urbAnA”

49 tijucAs, um lugAr de muitAs históriAs

51 bocA mAlditA sem o bocA

Flanando no tijucas

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Vida e

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morte

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As ruas, um bom lugarJá era tardar da noite, carros en-

volviam esquinas das princi-pais Avenidas do Bairro Água

Verde. A noite fria e solitária, já não era mais tão silenciosa assim. Por uma dessas Avenidas, mas pre-cisamente, sentada em frente a uma loja de animais, se encontrava Maria Zeferina e seu cão Dylon.

Muitos transeuntes sempre passam por ela durante o dia, já estão acostumados a olhar para as feições de Dona Maria. Seu traje cheio de panos coloridos, explica ela, é para ficar mais “chique” e se esconder do frio e do vento que in-sistem em bater em seu rosto. Dylon, o cão cora-gem, mais precisamente nas palavras de Maria, fica ao seu lado o dia todo. O animal não tem raça, o que ele tem é um carinho enorme pela dona, que o enche de mimos sempre quando pode. Maria é curitibana, morava com os pais no Xaxim, ambos falecidos, mas chegou um dia que teve vontade de levar uma vida com mais emoção. Largou tudo, morou em alguns lugares que não deram certo, e hoje prefere as ruas. Para Maria, as ruas sempre foram bons lugares. Ela

chegou a ficar um tempo no centro, mas pref-ere hoje o bairro Água Verde. As ruas são che-ias de mistérios, ela sempre vê coisas inéditas e diverte-se com quem anda sem rumo à noite. Próximo de dois bares, o local onde Maria dorme na Avenida Iguaçu serve também de refú-gio para alguns jovens depois da balada. Ela conta que tem muitos amigos na rua, principalmente as que são suas “vizinhas”, e também de pessoas que tem comércio por ali. Maria toma café quase sempre em uma confeitaria próxima. Os donos da confeitaria sentem pena por a verem sempre ali. Seu cão emociona e chama a atenção, por ser dó-cil e sempre acompanhá-la em qualquer situação. Maria não recebe nenhuma assistência da prefeitura, por escolher tomar o caminho de viver sozinha nas ruas para se aventurar. As viz-inhas da qual ela sempre cita, se tratam de mo-radores que vivem em um condomínio ao lado. Dylon, seu cão, tem o apelido por ser corajoso, pois a acompanha desde o Cen-tro, dorme com ela, e não sai de perto. O amigo é companheiro e fiel. Abaixa a cabeça simultaneamente a cada palavra que a dona dá e balança o rabo delicadamente sempre que alguém se aproxima, parece querer conversar.

Maria não quer e nem deseja sair das ruas. É sua família, tudo que está lá. É sua vida e sua história tudo que acontece também. O rosto já de-generado pelo tempo, as marcas e expressões de vivência, não lhe tiram por um instante a vontade de continuar, e nem muito menos o brilho no olhar. Os cabelos quebrados, as unhas não feitas, também não lhe incomodam. É aqui o meu lugar, insiste. Quando questionada sobre o sofrimento de viv-er assim, ela não diz em nenhum momento que sofre. Quando perguntada sobre o Brasil, sobre questões soci-ais, sobre o que acompanhava nos noticiários, apenas diz que só quer saber do bairro Água Verde, e nada mais.

As

ruas são cheias de mistérios,

Maria sempre vê coisas inéditas e

diverte-se com as pessoas que

andam sem rumo à noite

Adriano Ribeiro, Caroline Brand, Renata Muzzolon, Stephanie Ferrari e Thaina Laureano

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““Mas o Colombo-CIC é bem pior”, conformou-se a mulher de sa-ias longas e sacola de papelão que discutia com a colega, em pé, a melhor forma de manter-se pudica nos ônibus de Curitiba. A con-versa foi escutada pela metade, não só por mim, mas por todos que

estavam sem fones de ouvido naquela viagem do Santa Cândida – Capão Raso. Esse é um tipo de habilidade que a curiosidade me levou a desen-volver nos ônibus: inferir conversas sufocadas pelo barulho do trânsito, pelo começo perdido por um desencontro de pontos de entrada ou pelo inter-esse que me causam todas as expressões que pululam entre os passageiros.“Passageiro”. Essa é – sem dúvidas – a palavra mais apropriada para definir o comportamento no ônibus. Como naquele momento assim nos sabe-mos; assim agimos. Nenhuma conversa pode evoluir mais do que o próximo ponto. Nenhuma ação pode ficar pendente; a prorrogação da conversa é, no máximo, o grito através da janela para aquele que já desceu. Mas aí, cui-dado! “Esses dias mesmo eu vi um garoto, lá na Estação Central, que se de-bruçou nas grades em torno do ponto e, de fora pra dentro, roubou o boné do garoto que – até então – julgava-se privilegiado por ser um dos poucos

a sentir um ventinho na cara. E ali, rapaz, na Estação Central... Curitiba tá mudada mesmo”, contou um, tipicamente saudoso, curitibano da Barreirinha.Além de observar o comportamento dos passageiros, o hábito me levou a repa-rar também nos motoristas e cobradores. Isso já coloca a situação em outro contexto: eles não estão ali de passagem. Isso, na minha análise, explica seus comportamentos. Aquela imponência antipática só pode surgir de um senti-mento parelho aos donos de uma casa que, ao abrirem as portas, veem sua propriedade invadida por uma corja de pés sujos, com o odor natural que as 8 horas diárias de trabalho imputam e, no caso de Curitiba, respingos de guarda-chuvas que completam a desordem. Entendamos, seria exagero es-perar reações amistosas. Com a simpática exceção dos rebolados tímidos das polacas curitibanas. A conversa entre eles, porém, evolui com uma naturali-dade admirável, com aquelas palavras entrecortadas que só funcionam para os que dividem, e sabem que dividem, o mesmo sentimento na mesma situação.“Qual o ponto mais perto da Rua XV?”, perguntou-me uma senhora enco-berta pela nuvem de sotaque carioca. Minha reação acostumada a ob-servar; não a interferir, foi súbita: “pergunte ao cobrador, eu desço agora”.

Por Bruna Alcantara; Guilherme Binder; Gustavo Yuki; João Frey; Mariana Alves.

Abre a janela, por favor

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Já dizia Fernando Pes-

soa: “morrer é apenas

não ser visto. Morrer é

a curva da estrada.” Em

anos de trabalho, o poe-

ta português se notabilizou

pela capacidade de adentrar

no íntimo do ser humano e

revelar suas angústias, in-

certezas, inseguranças e

desejos. No entanto, a frase

que ele criou há pelo menos

70 anos, ainda hoje con-

quista adeptos e incomoda

os céticos. Afinal, o que, realmente, é a morte?

Tudo indica que a humanidade não deve

chegar a uma conclusão tão cedo. Pelo me-

nos, não nas próximas décadas. Enquanto

isso, o que nos resta é buscar possíveis ex-

plicações para essa questão, para alguns,

tão incômoda.

E é nisso que viemos nos empen-

hando ao longo dos séculos. Enquanto

algumas pessoas defendem que a morte

nada mais é do que o fim da vida, outras

a veem como uma oportunidade para o

começo.

Ao mesmo tempo em que filósofos,

físicos, matemáticos e psicólogos procuram

desvendar esse mistério, uma outra parcela

da população faz da morte o sustento da

própria família: os coveiros – ou “pedreiros”,

como preferem ser chamados – enxergam o

processo como algo natural, “parte da vida”,

como mesmo define Gustavo dos Santos

Cardoso, 33 anos, há 12 na atividade.

“Alguns colegas dizem que enxergam

coisas no cemitério. Esses dias mesmo me

falaram que estavam vendo vultos atrás de

mim. Aquilo não me incomodou. Para falar a

verdade, acho que isso é falta de reza”, diz

ele.

Católico desde a infância, Gustavo

ainda diz que para sua família a morte tam-

bém já se tornou bastante natural. “No início

da minha profissão, minha namorada não

gostava do meu trabalho. Achava estranho.

Hoje ela é minha esposa e já pede para que

eu a enterre.”

João Evaldo Jungles, 53, também con-

fessa não acreditar no que não pode ver.

“Para mim é tudo fantasia, pura imaginação.

Mas vejo que o pior da morte, é mesmo a

dor que antecede o fim.”

João perdeu as duas mulheres com

quem se casou e se autodenomina “o viúvo

negro”. “Enterrei as duas. Foi dolorido, mas

por ser católico, acredito que a alma per-

tence a Deus e é para ele que deve voltar!”

Em 33 anos de profissão, o pedreiro

já não se lembra de quantos corpos chegou

a enterrar, mas deduz: “Acho que em uma

semana, enterrei cerca de 40. Mas cada sep-

ultamento é diferente. Alguns são emocio-

nantes, bonitos, enquanto outros são muito

tristes, não só pela dor da família que per-

deu a pessoa querida, mas porque fica evi-

dente que o interesse maior é a herança”,

diz ele, lembrando-se de um fato inédito

que o marcou.

“Na hora de colocar o caixão no túmu-

lo ouvi uma gritaria e, quando olhei para

trás, dois jovens estavam rolando no chão

e brigando pelo dinheiro que o falecido ti-

nha deixado. Aquilo sim foi triste”, finaliza

ele, de maneira simples, mas demonstrando

uma percepção de vida e morte que talvez

nenhum estudioso pudesse concluir tão

rapidamente.

Amanda Bahl, Barbara Albuquerque, Claudia Guadagnin e Marina Salmazo

A verdadeira risteza da Morte

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esqueceAmar nunca se

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esqueceAmar nunca se

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der dona Maria, pois é mais simples terminar o

resto da sua vida acreditando numa doce ilusão do que deixar-

se amargurar pela dura verdade. Não importa quem são seus filhos,

e por que eles a deixaram ali. O que importa é que mesmo a deixando ali, so-

zinha, eles ainda fazem um bem especial para ela, já que ela alimenta a esperan-ça de revê-los. O mais difícil é dar as costas a tudo isso. Infelizmente, eles não são seus bisavôs, avôs ou pais. O máximo que se pode fazer é dar

um pouco de atenção, e pelos sorri-sos deles você sabe que é suficiente, pelo menos durante aquele pequeno

momento. Mas depois que você vai embora, que as janelas se fe-e-cham, que o sol deixa de entrar, que o tapete é recolhido e que a porta de madeira é apenas mais uma porta de madei-

ra, eles voltam a ser peças de

quebra-cabeças que jamais serão

montados, que tentam se encaixar em algum lugar, mas

principalmente tentam entender, na escuridão de toda noite, porque aquela

grossa camada de tristeza que os envolve não pode ser soprada e lustrada como se fosse uma

simples camada de pó.

grossascaMadas

de pó

Daniel Courtouke

Fernanda Serpa

Guilherme Mélo

Tatiana Olegario

“Meus filhos me deixaram um dia aqui,

mas falaram que vem me buscar”

Aparentemente é apenas uma casa comum. Uma convidativa porta de madeira antiga, janelas abertas para deixar o ar entrar e arejar o ambiente e um tapetinho surrado

escrito “Bem-Vindo” em frente ao portão. Então você pensa: por que não entrar, certo? Mas fique sabendo que as pessoas que estão lá dentro não pensam da mes-ma maneira. Elas esperam um convite para sair. As pessoas estão sentadas. A idade já dá o as-pecto de encolhimento. As rugas, as mãos trêmulas, as pequenas manchas na pele, os pêlos grandes demais no rosto, os cabelos brancos, os passos curtos e arrastados, e olhar de quem pede por atenção. Isso é o que você depois de atravessar a convidativa porta de madeira. A sua frente o senhor idoso e vaidoso já não consegue levantar o queixo e manter-se em postura el-egante e ereta. Se é a idade? Acredito que seja a triste-za, principalmente a tristeza. A senhora que fica no canto direito, perto da janela, sempre lançando um olhar ligeiro para a rua, como se esperando alguém chamar pelo seu nome, também conserva sua vaidade. Mas não para si, e sim para aquele que um dia virá buscá-la. Disso ela tem certeza, e não se cansa de esperar. Ou aquele outro senhor, que caminha para lá e para cá, e simplesmente tenta puxar assunto com todos os que passam por ele. Ele quer compa-nhia, ele não espera que ninguém apareça para tirá-lo dali. Ele simplesmente tenta suprir, no lugar no qual foi

obrigado a ficar, a falta de companhia, de atenção. Cada pessoa dessa é a peça de um quebra-cabeça, que jamais será montado de novo. São Marias, Paulos, Josés, Joanas, Aparecidas, perdidos nessa casa que parece tão aconchegante e convidativa, mas ao mesmo tempo tão vazia de família. Muitos já cansa-ram de enxugar as lágrimas, outros ainda choram para se consolar, e sempre há aqueles que esperam pela boa notícia. E claro, não podemos esquecer aqueles que es-quecem. Não podemos de deixar de imaginar a história que eles imaginam. Não podemos deixar de sorrir os seus sorrisos. É assim com Manoel Barbosa. Pelo menos é as-sim que ele diz que se chama. Militar linha dura. Sem-pre pede pelo seu uniforme. “Cadê meu uniforme?” ele pede pra enfermeira. Ou ainda: “Traz meu traje de gala, hoje meu filho vem me ver”. A enfermeira con-

corda, diz que tudo bem e que já volta com a roupa. Dois minutos depois tudo é esquecido. Ele não é mais um militar, ele não espera mais pelo seu filho. Ele é apenas um velho com o olhar perdido, que não sabe por que está ali. Ele é alguém que deu muito trabalho após apresentar os sintomas do

Mal de Alzheimer. Já Maria Aparecida de Lourdes sabe por que está ali. A senhora vaidosa do canto direito, perto da janela. Lembra? “Meus filhos me deixaram um dia aqui, mas falaram que vem me buscar”. É fácil enten-

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O Amanhã Nunca Chega

Eu nunca imaginei que quando chegas-se ao fim da vida fosse capaz de amar novamente e, além disso, ser feliz no-vamente.

Ainda lembro como se fosse ontem, quando os nossos olhares se cruzaram, não du-rou mais do que duas batidas de coração para que eu soubesse que os havia ganho. Imaginei que dali para frente a minha vida seria só ale-gria. Cama quentinha, “casa, comida e roupa lavada”, enfim a vida que qualquer um pediu a Deus. Os primeiros anos da minha vida foram os mais maravilhosos que alguém poderia ter. Mas então começaram as implicâncias porque eu deixava a roupa espalhada, fazia sujeira em lu-gares que não devia, bagunçava as almofadas da sala e mais uma porção de detalhes que por mim não eram vistos como maldade, mas sim como uma maneira de chamar a atenção e tê-los mais perto. Sempre imaginei que o amor que sen-tiam por mim era o mesmo que eu tinha por eles: incondicional. Não é possível que as pesso-as tenham coragem de abandonar alguém tão frágil! Depois desse dia, parecia que minha vida não teria mais sentido. Foram noites dormindo ao relento, procurando comida em qualquer lugar. As pessoas me desprezavam, diziam que não valia nada, que não faria diferença se eu não existisse. A partir daí, meu conceito sobre o homem mudou. Foram quase 10 meses nesse vai-e-vem, tentando convencer quem passava de que eu

não era tão ruim assim, eu só queria brincar, queria carinho e atenção. Alguns até tentavam ficar comigo, mas assim que eu aprontava algu-ma coisa, desistiam e me lançavam à sorte no-vamente. Eu estava quase desistindo, quando ela me encontrou. Que mulher boa, que cora-ção enorme! Me levou a um lugar onde, eu nem imaginava, existiam muitos na mesma situação em que eu me encontrava. Lá sim, me senti querido.

Passou-se um certo tempo, muitas visitas de desconhecidos queren-do nos levar para casa, e em nenhuma dessas eu fui escolhido. Por mais que meus olhos brilhas-

sem, não era o suficiente. Como estava sendo cuidado, acabei desistindo dessa história de ir para um lar, afinal de contas apesar de algumas di-ficuldades, aquela boa senhora con-seguia nos manter bem.Éramos em muitos, quase 900 na mesma situação que eu. O amor extravasava pelas paredes. Foi num sábado, pela manhã, que recebemos uma visita diferente.

Eu já era mais velho do que os meus irmãos e estava desacreditado de que alguém pudesse olhar para mim e sentir algu-ma coisa, até que os nossos olhares se encon-traram, senti uma onda de emoção e confusão percorrer cada milímetro de minhas veias, o medo da rejeição foi dominado pelo sentimen-to de amor que eu não sentia há muito tempo. Como se fosse num filme, vi cada pedaço da mi-nha vida passar pelos meus olhos, demorando um pouco em cada nova esperança que eu sen-tia até ser enxotado por alguém. Era como um mecanismo de defesa me avisando para não sair do local em que eu es-tava, para não arriscar sofrer novamente por alguém que só estava a fim de diversão. Mas com ele foi diferente, eu tive a certeza de que aquele garoto não iria me abandonar na manhã seguinte. E eu estava certo! Após tantos anos de companheirismo e cuidados, o pequeno André, que hoje já é adul-to, luta para reverter situações como as que eu passei. Quanto a ele, uma certeza eu tenho: o André não tem um coração que bate. O dele,

late. Assim como eu.

A Sociedade Protetora dos Animais

abriga hoje, em Curitiba, mais de 800 animais, entre

cães e gatos, que foram abandonados e maltrata-

dos. Mas ao contrário de Zorro – narrador da história “O amanhã nunca chega”, nem todos têm a mesma sorte de

serem adotados, e acabam ficando à deriva e de-pendendo da solidariedade daqueles que ainda se preocupam em dar, por menor que seja, um pouco

de dignidade para aquelas vidas que sofrem sem escolhas. Para ajudar, entre em contato através do telefone (41) 3256-8211 ou pelo site www.spacuritiba.org.br

Ana Carolina Paiva e Anelise Caparica

“Eu só queria brincar, queria carinho

e atenção”

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espaçoTempo no

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1965

19751985

20051995

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Dentre eles, 7 astronautas, 2 maca-cos e 24 ratos! Seu Benedito acha a notícia curiosa e divertida e diz que nessa época lia menos jornal.

O mundo espantou-se uma década de-pois com a maior tormenta de granizo da história dos Estados Unidos na área de Dallas Fort-Worth. Os me-tereologistas norte-americanos da época disseram que algumas pedras de granizo eram maiores que laranjas. Estas vieram acompanhadas de rajadas de vento de até 140 km/h. Os danos provocados pela tempestade foram es-timados em dois bilhões de dólares, o que a incluiu no ranking das dez pi-ores tempestades em prejuízos finan-ceiros da história dos Estados Uni-dos. A essa altura, Benedito já havia desistido das notícias e sequer lem-bra-se de ter ouvido sobre esse fato.

As manchetes dos jornais de todo o mundo não eram muito animadoras nessa mesma data dez anos depois, em 2005. Explosivos eram detona-dos perto do Consulado Britâni-co em Nova York. As FARC fazia um novo bloqueio e disparava contra uma ambulância na via Panamericana na Colômbia e soldados americanos presos eram acusados de vender ar-mas para a AUC, também na Colômbia.

E seu Benedito Ferreira? Talvez não se espante com as úl-timas notícias, talvez não queria nem mesmo lê-las. Já há muito sabe que notícias da guerra ‘são velhas como o tempo’ e acredita que pode ser apenas um novo recomeço do an-tigo ciclo que já havia constatado.

Memórias reveladasPor Andrizy Bento, Letícia Baptistella, Marcos Silva e Samantha Fontoura

05 de

Maio19651975

1995

Um olhar sereno e um modo pausa-do de falar. Benedito Ferreira de 64 anos de idade, recorda-se

com lucidez de boa parte da infância passada na capital paranaense. Resi-dente do bairro Centro Cívico onde mora com a esposa e é sempre visi-tado pela neta de 6 anos, Benedito, apesar de aposentado, está sempre fazendo alguma coisa para passar o tempo. Jardinagem, longas caminha-das em praças da cidade, leitura de bons livros e reformar a casa con-stituem algumas de suas atividades.

No dia 5 de maio de 1965, ele com-pletava 20 anos e não sabia ao certo se o que acontecera no ano anterior fora uma ‘revolução democrática’ ou um ‘golpe de Estado antidemocráti-co’, para ser sincero, não queria mesmo saber. Sua única preocupação era terminar o curso de datilogra-fia que sua mãe o obrigava a fre-quentar. Quarenta anos depois, no ano de 2005, nessa mesma data, ele completava 60 anos ao lado da es-posa, dos quatro filhos e dos dois netos e a datilografia já havia se tornado praticamente obsoleta.

Viu a tecnologia evoluir tão rap-idamente que superou sua capacidade de absorver tantas mudanças. Pas-sou por todas elas. Constatou, muito mais tarde, que a vida nada mais é do que um ciclo de notícias rotinei-ras, completamente previsíveis. Seu Benedito não sabe o que aconteceu exatamente no dia 05 de maio ao longo das décadas desde os seus 20 anos, mas poderia acertar ao menos o rumo das notícias desta reportagem ...

Em 5 de maio de 1965, o clássico Barrabás, do cineasta Richard Fleis-cher, ainda levava os espectadores às salas do extinto cinema Marabá, em Curitiba. Seu Benedito recorda do filme e do cinema. “Algumas pas-sagens, apenas. Preciso revê-lo”. No mesmo dia, Castelo Branco confirma-va possibilidade do envio de tropas brasileiras à Guatemala e a manchete que estampava os jornais na data era o início do primeiro Campeonato Paranaense de Futebol. Outra notí-cia de destaque na mesma data era a visita de governadores do Japão ao Paraná. Ao observar os classificados dos principais jornais, era possível perceber que a experiência em da-tilografia garantia muitas vagas de emprego para jovens a partir dos 23 anos. Neste ano, o Paraná ainda esta-va engatinhando na questão agrícola.

Uma década depois, a já soberana Rede Globo apresentava ao público um novo horário de telenovelas. A faixa das seis da tarde era inaugurada com Helena, adaptação para a teledrama-turgia do popular romance de Macha-do de Assis. Benedito lembra de ter lido o romance de Machado, mas não tinha muito interesse em ver a nove-la. Nessa data os jornais noticiavam o surgimento da hoje poderosa escola Positivo, o centenário de emancipa-ção da cidade de Jaguariaíva e a le-galização do divórcio. Também nesse dia, nascia o cantor Wilson Sideral.

Em 1985 uma curiosa notícia estam-pava as páginas da Gazeta do Povo: a nave espacial Challenger viaja-va pelo espaço com 33 passageiros.

2005 1985

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Bruno Manenti, Caroline do Prado e Liz Khury

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Já dizia Shakespeare “Há mais coisas entre o céu e a terra do que supõe vossa vã filosofia”. Em 1947 durante a Se-

gunda Guerra Mundial, pilotos alemães e norte-americanos relataram que enquanto voavam, avistaram artefatos luminosos na atmosfera aparentemente perseguindo e observando seus aviões, com manobras incompreensíveis e inconcebíveis para a tecnologia terrestre na época. A partir desse episódio, as pessoas passaram a acreditar na possibilidade de haver vida em outros planetas, e o princi-pal, que esses seres estariam “visitando” o planeta Terra. Muitas pessoas passaram a se interessar e se especializar em ufologia para tentar desvendar esse mistério que até hoje não está nem perto de ser desvenda-do. Acelino Toczek está entre as pessoas que acreditam na vida extraterrestre. Mas, para quem pensa que Toczek só se inter-essou pela ufologia quando avistou um objeto no céu, está enganado. O interesse dele vem desde que ele tinha entre 13 e 14 anos. Para entender melhor o assunto começou lendo e pesquisando livros sobre ufologia e também sobre geologia, ciên-cia e ficção. Foi nessa época também que iniciou a participação em eventos sobre o tema. O primeiro avistamento ocorreu quando estava em Piraquara, região met-ropolitana de Curitiba. “Vi um objeto lu-minoso, que poderia ser confundido com um meteoro, mas pelo ângulo que se deslocava, e pela velocidade alta não era um aparelho terrestre”, relata. Anos mais tarde quando estava com 19 anos, teve o seu segundo contato na cidade de Curitiba. “Cerca de seis objetos estavam parados em formação, pouco acima das nuvens. O céu estava claro e azul, com poucas nuvens brancas e os objetos estavam sobre elas.

Eram muito brilhantes e quando ficavam atrás das nuvens, desapareciam, voltando a aparecer logo em seguida”, conta. Acelino Toczek ainda presenciou mais uma vez o fenômeno. Desta vez, ele estava na Amazônia, próximo a Belém, acompanhado de sua esposa, que trabalha-va na assistência aos moradores da mata, que haviam sido expostas a radiação de naves e acabaram ficando com feridas pelo corpo que não cicatrizavam. Outro interessado em assuntos da ufologia é o escritor e consultor do Fórum Mundial Espírito e Ciência, Alcione Gia-comitti. Ele apresentou durante quatros anos um programa de rádio sobre o tema, o Programa UFO: Arquivo Confidencial. Ainda nessa época, trabalhou como produ-tor de TV e apresentador, produzindo re-portagens ligadas à ciência e espirituali-dade. Depois foi convidado a trabalhar no SBT a pedido de Carlos Roberto Massa, o Ratinho. Giacomitti conta que o seu primeiro contato com os UFOS aconteceu quando ele tinha nove anos. “Um objeto estranho cruzou o céu sob minha casa. Minha mãe, que estava do lado de fora, me chamou para vê-lo. Quando corri a janela para ol-har para fora, vi um objeto de forma dis-coidal passando a uma altitude normal dos aviões, mas que nesse mesmo tempo acel-erou a uma velocidade surpreendente, de-saparecendo no horizonte”, conta. Contudo, quando se trata de ufolo-gia, apesar das pesquisas avançadas e dos vários relatos feitos de acontecimentos ufólogos, muitas pessoas não acreditam nesse fenômeno e ficam surpresas todas as vezes que aparece alguma notícia na tele-visão. Enquanto o mundo se surpreende, os militares juntamente com o governo tratam do assunto com a maior naturali-dade e de forma sigilosa.

Quando questionado sobre a postura dos governos de manter em sigilo quais-quer informações sobre o assunto, Alcione afirma que acredita que os “governos não divulgam na maioria das vezes pelo sim-ples fato deles não terem quase nada a diz-er, exceto pelo fato de existir um fenômeno complexo se manifestando em nosso meio e cujo qual eles quase nada sabem a res-peito”. Segundo ele, nenhuma potência mundial, jamais capturou alguma nave espacial acidentada ou mesmo algum ser vindo do espaço. Isso vende muito livro e revista, mas não passam de falsas crendi-ces. “O que existe entre alguns organismos de defesa de alguns países, é de cautela na divulgação desse tipo de informação. Em se tratando de segurança militar, isso é bem compreensível, pois não se pode ficar di-vulgando que coisas estranhas sobrevoam nossos céus sem que tenhamos idéia do que isso seja.”. Contudo, Giacomitti afirma que ex-istem pessoas sérias que dedicaram parte de suas vidas a essas pesquisas elas con-cordam, que a única coisa que se pode afirmar disso tudo é que “nós somente ire-mos compreender melhor esse fenômeno, quando ele próprio se dispuser a nos infor-mar. Por enquanto, restam algumas poucas informações contraditórias, relatos vagos, outros objetivos, mas por demais com-plexos e que transpassam a nossa capaci-dade de compreendê-los”. “Enfim, até lá, seremos apenas al-guém cruzando uma longa caverna escura que enquanto a atravessa, tenta imaginar o que pode ser aquele chispa de luz ao seu fi-nal. Pode ser apenas o brilho do sol de uma tarde de primavera, mas pode ser também alguém vindo no sentido contrário segu-rando uma lanterna. Quem seria ele?”, fi-naliza Giacomitti.

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Retrô olha para trás. Ou melhor, vê beleza à frente quando olha para trás. Vê beleza quando desdobra o antigo casaco do avô, ou quando reinaugura o

cachecol clássico da avó. O retrô está longe das novidades da moda e, assim, virou novidade. O blassé, brega e re-jeitado livrou-se das traças e desfila nas ruas novamente.

A parafernália que compõe o estilo retrô é encon-trada como que numa caça ao tesouro. Mas, neste caso, não se procura baús em ilhas desertas visi-

tadas por piratas; mas brechós. Em meio a uma porção de roupas de todo tipo, o retrô encontra sua identidade nos brechós e revalida uma porção de estilos postos de lado.

Mas seria vago citar o retrô tão somente como uma maneira de vestir-se. O retrô pode se revelar num gesto da mão que segura o cigarro e sustenta

o fino fio de fumaça que sobe ao teto. Há uma certa angústia na tragada e no olhar, é claro. Mas seus óculos escuros oitentistas escondem olhos vazios de vida, mas exigentes de uma poesia direta. O retrô gosta de artistas e estilos que ninguém aprecia ou conhece. Ele prefere o vinil ao cd; prefere a calça xadrez ao jeans; prefere bebidas com nomes elegantes à cerveja; pref-ere paredes roxas com anúncios antigos às paredes brancas e ilu-minadas. Não assiste TV, apenas filmes an-tigos; de preferência de estética francesa, bem Brigitte Bardot. E também não compra Gol 1.0. Seu carro é o Fusca, a Kombi, a Ves-pa; todos pintados com cores frias e púrpuras.

As calças jus-tas de cor bege de Diego

foram apertadas sob

orelhas, Diego usa um alargador. A barba no queixo é es-tilo bode e forma grossas costeletas loiras nas laterais. Um piercing na orelha, outro no lábio inferior. Ao mesmo tempo em que nos chocamos com seu estilo, nos pergunta-mos como ele optou por ele.

O rapaz não liga. Na verdade, é desse jeito para ser invisível. Quando frequenta bares retrô, como o Wonka Bar, no Centro, ele é só mais um. Já nas

ruas, é um ser esquisito que procura antipatia e a encontra. Sua angústia se vê completa e feliz. É o preço do sossego.

Na tribo de Diego cabe de tudo, quase sempre com a mesma história e inadequação. Ironias fazem parte e, mui-tas vezes, o retrô vinil junta-se à modernidade eletrônica.

Nádia tinha estilo diferente das garotas de sua idade. Enquanto suas amigas estavam na moda e ouviam as músicas das paradas, Nadia sentia uma estranha nos-talgia ao ver roupas e ao ouvir canções das décadas pas-sadas. O atual companheiro, Matheus, também circulava por outras décadas. Adorador de Beatles e Elvis Presley, rodava a cidade atrás de discos de vinil.

Ela, aos 20 anos, morava no interior de São Paulo. Suas roupas e acessórios eram tão chamativas quanto as de Diego, e tão cheia de acessórios quanto as de Matheus. Mas a adequação se confirma. No figurino, saias compridas e estampadas, blusas coloridas e chinelos.

Matheus tocava numa banda de rock. Apresentava-se todo fim de semana em um barzinho. Tinha 27 anos, cabelos na altura do ombro e gostava de usar boinas e All-Star. Nadia era adepta da famosa frase hippie dos anos 70, “paz e amor”. O lema era tudo que ela queria. E era tudo que Matheus também procurava em seus discos.

Por descuido do destino, os dois jovens adoradores da nostalgia acabaram “se esbarrando” em um dos meios de comunicação mais modernos dos dias atuais: a internet. Hoje, dois anos depois, Nádia e Matheus moram juntos em Curitiba. Dividem um apartamento modesto no centro da cidade. A decoração do “apê” conta com LP’s, uma vitrola e um radio antigo que não funciona.

O músico Diego, e o casal Nádia e Matheus resgatam um passado que não viveram entre tanta modernidade ex-istente. Para eles, o retrô e o moderno se completam.

Retronadomedida. Do brechó onde as encontrou, veio também um cinto preto com detalhes prateados, um tênis Adidas estilo olímpico clássico, uma camiseta de estampa maluca quase baby-look, uma jaqueta jeans quadradona, e uma boina marrom estilo soviético. Para proteger-se da luz (o sol é uma agressão à estética pálida do retrô), um par de ócu-los enormes de lentes amareladas. O rapaz caminha pela cidade, muitas tatuagens pelo corpo, corrente na calça, cigarro aceso, e um livro de poesias de Silvia Plath debaixo do braço.

Diego tem 22 e adotou o es-tilo em 2003.

Ele e seus ami-gos usavam uma moda indie mais alternativa que o

normal, mas ainda se sentiam limita-

dos dentro das poucas opções oferecidas pela

indústria do segmento. Decididos a reviver décadas

passadas e inovar diante do mod-erno, eles encontraram refúgio

nos brechós. Uma nota de cinquenta reais rende

muitas peças nestes lugares. Já os broches

que decoram a ja-queta são feitos por amigos, com mensagens originais ou non-sense.

Seu es-tilo in-comoda

os olhos, mas conserva um ar de mistério. Nas

Por Carolina, Daniela, Eduardo e Rafaela

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Um som ligado, uma vela acesa, incen-sos e um pacote de biscoitos aberto. O cenário que, se não fosse pelo último item poderia parecer um tanto místico, é o ambiente onde Priscila Dias, de 22 anos, desenvolve sua arte. Dalí, colares multicoloridos, feitos de variados materiais, diferentes do que as frequentadoras de shopping Center estão habituadas a com-prar, são produzidos diariamente. E pra criar brincos, colares e pulseiras, Priscila prova que é bem possível dispensar a leitura de revistas sobre alta costura. Afinal, quem deu a ideia de começar a criar acessórios para vender não foi nenhuma revista de moda, e sim a tia Bete, du-rante um café da tarde. A inspiração vem de tudo que Priscila sente, ouve e vê. Músicas de que gosta e pin-tores favoritos são constante fonte de idéias, e até mesmo um passeio de bicicleta pode re-sultar em novas criações. A grande culpada de tudo, aponta, é a mãe. Quando Priscila e a irmã eram crianças, tudo o que era arte era brincadeira, e até mesmo uma fogueira no car-pete de casa a mãe das meninas inventou para entretê-las. A “mãe artista” ajudou em muito para a formação da filha, agora também artista. Uma alma livre que permite a criação de uma arte livre. Apesar de possuir porte pequeno, Pris-cila tem uma imagem marcante. Ela diz que os cabelos com grandes cachos e suas roupas col-oridas fazem com que muitas pessoas a estra-nhem e a julguem esquisita. Mas o que vale são

aqueles desconhecidos que, inesperadamente, interrompem o que estão fazendo para dizer que gostaram do cabelo e das roupas diferentes da menina. E um dos ideais de Priscila é relacio-nado justamente à beleza feminina. Ela acred-ita que não existem determinados modelos de roupas para respectivos corpos. Essa história de que uma menina gordinha ou magra demais não tem corpo para determinadas roupas soa absurda para a artista. E por isso mesmo, as fotos de divulgação da marca Intimo Colorido, da qual é dona, são fotos de meninas com uma bele-za verdadeira e diferente do encontrado em capas de revista. “Por que eu iria chamar uma modelo para representar minha marca? Quem representa minha marca são minhas próprias clientes, são elas que usam, acompanham e vibram com o meu trabalho, e é essa a imagem que quero vender com o meu produto - essa imagem real.” As clientes de Priscila, que antes eram apenas amigas e pessoas que a abordavam na rua por gostar de seus acessórios, agora são também as frequentadoras da Feira do Largo da Ordem, onde ela vende sua arte para todos os tipos de mulher. As “alternativas” são as que mais compram, porém o desejo de Priscila é que aquelas meninas habituadas a comprar em

Por Julliana Bauer, Mariana Guzzo, Mariana Scoz e Silvia Cunha

shoppings também passem a se interessar por seu trabalho. Não pelo consumo, mas como uma forma de abertura para novos tipos de arte. Antes de decidir ser estilista, Sarah Pa-trícia Bauer, de 21 anos, já quis ser médica, psicóloga e chegou a ingressar no curso de Artes Visuais da Faculdade de Artes do Paraná. A vontade de criar as próprias roupas e acessóri-os surgiu quando percebeu que as roupas das quais gostava eram muito caras, ou mesmo quando não encontrava roupas de acordo com seu estilo. Então, tirou a poeira da antiga máquina de costura da mãe e começou a fazer cursos de corte e costura. As amigas se empol-garam ao ver as bolsas que a nova estilista fazia, e passaram a fazer encomendas. Sarah gosta de misturar estampas e cores, e prefere criar bolsas em pano a usar couro sintético.O quarto de Sarah se transformou rapidamente em um ateliê, com tecidos, pincéis e livros so-

bre moda espalhados por todos os cantos. Em Curiti-ba, diz a garota, há um bom mercado para a moda alter-nativa, e existem também muitas pessoas produzindo esse tipo de roupas. No grupo de amigas, conhece muitas que também costur-am e produzem as próprias roupas, o que permite ex-periências divertidas de tro-

ca de ideias sobre moda. Volta e meia ela e as colegas promovem bazares, onde todas expõem e vendem as criações. E assim, de forma sorrateira, a moda alternativa vai se misturando ao convencional nas ruas de Curitiba. Meninas como Sarah e Priscila mostram não apenas que podem trans-formar o hobbie em profissão, mas também que não há nada de errado em vestir o que real-mente gostam – estejam essas roupas na moda ou não –, mostrando, através da imagem, sua personalidade.

no íntimo

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32 Fernanda BerlinckNatasha Victoria SchafferPatricia Sheisi dos Santos

Simone Bremm Domingos

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Um quadro negro e giz branco, algo muito parecido com os velhos tempos no colégio. Cadeiras brancas estão dispostas em fileiras, a frente uma mesa co-berta com uma toalha azul que traz em branco duas letras “A” significando esperança para cada um que adentra a sala. Sobre a mesa estão alguns dizeres: “Quem você vê aqui, o que você vê aqui, quando você sair daqui, deixe que fique aqui”. Para quebrar a seriedade do azul intenso, uma pequena coleção de tartarugas ocupa um espaço na mesa. “Elas andam devagar, mas vão longe, como nós”, explica a co-ordenadora de uma das muitas reuniões dos Alcoóli-cos Anônimos de Curitiba. Eram 20h15min quando o encontro começou, entre as quatro paredes um tanto amareladas havia uma mistura intensa de sentimentos, mas era o orgulho que se fazia mais presente. Rostos cansados e sof-ridos deixavam transparecer toda a dificuldade do caminho até ali. A coordenadora levanta-se e escreve no quadro o tema do dia, o plano das 24 horas, em seguida diz seu nome e conta que também é uma al-coólatra em recuperação. A todo o momento é res-saltado, por meio de olhares e gestos, que todos os presentes são iguais, são doentes em recuperação, todos vítimas do alcoolismo. A reunião é uma troca de experiências. Pes-soas tão diferentes que descobrem ter vivido reali-dades muito parecidas. Quem tinha muito, perdeu tudo, quem tinha pouco perdeu também. Os com-panheiros da associação contam que em sua maioria todos começaram a beber muito cedo, entre 13 e 15

anos. Uns com os próprios familiares aos finais de semana, em bailes, baladas diversas e por fim acaba-vam suas noites seguindo de bar em bar. A reação das famílias também é sempre a mesma, de alguma forma a família também fica doente, negam a verdade, mentem para os outros, ligam para o trabalho dos dependentes com descul-pas para faltar, escondem dos parentes e vizinhos o que está acontecendo e do mesmo jeito ficam dep-rimidos.Raul*, 49, teve seu primeiro porre aos 14 anos. Por 25 anos bebeu todos os dias. Sofreu vários acidentes de carro, foi duas vezes internado por causa de be-bida, se afastou da família, perdeu carro e tudo que estava no seu nome, perdeu também a infância dos filhos. Todo o salário que ganhava gastava com o ál-cool. Depois de várias promessas quebradas, Raul resolveu ir procurar ajuda. Em 1995 conheceu o AA. Acreditava que assim iria aprender a beber social-mente, e que se contentaria com duas ou três cerve-jas. “Comecei a ver as coisas diferentes, prosperei bastante espiritualmente. Quando achei que estava bem, parei de freqüentar as reuniões diariamente”, lembra. Vieram os churrascos com os amigos de trabalho até dar seu primeiro gole novamente. No primeiro dia foi um copo, no segundo meia garrafa, no terceiro já não podia mais se controlar. E por cin-co anos, se afundou nesta recaída da pior forma que poderia ter feito. Quando voltou ao AA, há quatro

anos atrás, iniciou o tratamento com responsabili-dade. Hoje, frequenta sessões de psicoterapia, toma medicamentos e não perde as reuniões. Enche a boca ao listar suas conquistas: pagará o casamento da filha no próximo ano, tem dois carros, casa própria, uma família com quem pode compartilhar tudo e é co-ordenador da irmandade. Os companheiros, como gostam de se referir uns aos outros, estão ali para se superar como pes-soas, enfrentar seus medos e nunca se esquecer do passado. As lembranças são os maiores motivos para continuar lutando e assim evitar o primeiro gole. Sa-bem que ninguém ganha uma batalha sem lutar, que ninguém é considerado um herói por salvar a própria vida e que parar de beber é apenas o primeiro passo. Para eles, a luta de todos os dias é se manter sóbrio, agüentar as conseqüências do depois e con-seguir mudar a vida. Buscam dia-a-dia o resgate da dignidade, o amor próprio e o prazer de reviver, sab-orear os prazeres da vida, sentir o gosto da realidade e querer conquistar ainda mais. Gostam de ressaltar que, o mais sóbrio não é aquele que está limpo há anos, e sim aquele que acordou mais cedo. Ao deixar a sala de paredes amareladas, deix-am-se também os rostos e os nomes dos compan-heiros. Ainda assim é possível identificar nas caras anônimas que descem as escadas do prédio velho, o orgulho de mais um dia vitorioso em cada um deles. A guerra ainda é longa, provavelmente vai durar uma vida, mas apesar de serem quase abstratos, é possível contar com cada companheiro da irmandade.

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kriptonitano Cristo Rei

um encontro com um usuário de crack da classe média

Ir à praça central do bairro Cristo Rei, em Curitiba, às 23h30, não é uma boa ideia. Por mais que o local seja rodeado de residências da classe média da cidade, a praça costuma concentrar todos os “malacos” da região, sem-pre depois da meia-noite. Mas devido ao nosso estado mental naquela quarta à noite fomos para lá, acompanhados, é claro, de um velho barreiro, uma garrafa de refrigerante de limão quente e com a fumaça das abelhas infestan-do como neblina, tanto por dentro quanto por fora.

Existem dois bancos de madeira que ladeiam o campinho de areia. Do lado de cima fica o par-quinho das crianças, a única parte da praça que fica iluminada ao entardecer. Mais abaixo do campinho, atrás do alambrado, fica uma pequena plantação de arbustos, que impedem a visão para a rua inferior. Num piscar de ol-hos, com auxílio da penumbra que embaçava nossas vistas mais ainda, eis que surge Biela e seus dois ajudantes.

Os ajudantes se ocuparam da função de pre-parar mais um gole, com a vodka vagabunda e um refrigerante de cola que eles trouxeram numa sacola plástica branca, a única coisa nítida num raio de metros. Nesse momento, a neblina subiu.

Qualquer um que não conhece o Biela, como nós não conhecíamos naquela madrugada, consegue facilmente arrancar o passado dele em pouco tempo. Ele sempre fala demais. Magricelo e loiro com os olhos claros de um de-scendente de alemães, usa um boné velho da Nike, calças jeans e um sapato social preto, e se diz o melhor mecânico das concessionárias da avenida Vitor Ferreira do Amaral. E por este dom se livrou de um cano de uma escopeta calibre 12, enfiado dentro de sua boca por um policial militar.

“‘Você gosta de uma brita?’ O cara da Rotam me disse. Isso foi depois de ele perguntar o que eu tinha escondido no poste da esquina de

baixo da pracinha. Não menti porque já sentia o gosto amargo do bafo da pólvora na minha garganta. Respondi: ‘duas buchas de pedra senhor’. Logo em seguida veio a coronhada e a ordem para buscar o bagulho escondido. Quase chorei, mas nem sabia que isso não era nada perto do que iria rolar quando eu voltasse com as duas buchas na mão”.

Esses crackeiros, principalmente os de classe média, que são mais instruídos, costumam vir com essa história de “abrir o jogo” justamente quando querem algo em troca, ou quando quer-em ‘pescar’ o interlocutor com algum objetivo, que nunca se sabe qual é. Geralmente é men-tira, mas como dissemos no começo, devido ao nosso estado mental naquela quarta à noite, firmamos o contrato e aceitamos a narrativa até o fim.

“Tive que engolir as pedras. O cara da Rotam me obrigou. Nessa hora pensei que o camin-ho que seguiria depois dali era a delegacia e depois ‘Piraquara’ (Centro de Triagem II, car-ceragem que fica em Piraquara, região metro-politana de Curitiba). Sorte que o motorista da viatura me reconheceu. ‘Bieeela!’, ele disse. Depois explicou para os companheiros que o carro da mãe dele, um Gol 98, estava com o motor desenganado e que me conhecia da ofi-cina. ‘Esse cara é bom, é bom mecânico, trocou umas duas peças e a velha saiu com o carro de boa outra vez’. Salvo pelo cara, né? Me libera-ram. O martírio foi a azia e a diarreia. Menos mal”.

No auge da conversa, os dois ajudantes já mor-dendo as orelhas de ansiedade, como se fosse à milionésima vez que escutavam a mesma história, intimaram: ‘Vamos nessa aí Biela!’. E lá foram eles para mais uma noite em claro, sob a luz da pedra caramelada - a kriptonita dos baixios.

e lá foram eles para mais uma noite em claro sob a luz da pedra caramelada, a kriptonita dos baixios.“ ”

arthur santana • jadson andrélucas rocha • pedro douradorodrigo pinto

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Um estádio, muitas histórias

ESPORTE

Há 50 anos o Estádio Durival Brito sediava a principal competição

mundial de futebol, a Copa do Mundo. Passaram pelo estádio em Curitiba, Suécia, Espanha, Estados Unidos e Portugal. Hoje, quase 60 anos depois, ele é sede de um time com menos de

20 anos, o Paraná Clube. Den-tre os grandes paranaenses, é o mais novo, criado da fusão entre Pinheiros e Colorado.

Sua principal torcida organiza-da é a Fúria Independente, que acom-panha o time em todos os momentos. Assim como toda torcida, os apaixona-dos pelo time estão nas mais diversas classes sociais, etárias e étnicas, porém, dentro do fervor de uma partida, são to-dos iguais. São todos torcedores. Na hora do gol, todos festejam juntos, na hora de levar o gol, todos lamentam juntos. Quer evento mais democrático? Conhecido como Seu Zé, José dos Santos, é, há 50 anos, zelador do Durival Brito, a con-hecida Vila Capanema. Mesmo antes da criação do Paraná Clube, ele já

cuidava da sala de troféus perten-centes ao antigo

Colorado. Participou de toda a história do clube e do estádio, é conhecido como o “guardião da vila”. Tudo isso pelo amor ao futebol e ao clube, que hoje é grato à dedicação do apaixona-do torcedor. “Nunca pediu nada para a diretoria, sempre humilde e disposto a

ajudar qualquer um que chegar aqui (Vila Capanema)”, contou Fábio Figueiredo, antigo torce-dor e freqüentador da Vila.

Para seu Zé, o trabalho dele já foi remunerado, porém, faz mais de 23 anos que o trabalho é voluntário. É dia de jogo, o estádio não está muito cheio. O time está na segunda divisão, a situação não é das melhores. Curioso notar que, independente da situação do time, o clima que ronda o estádio, em especial a torcida organizada, é de que o time está disputan-do o título de uma grande competição. O apoio é irrestrito. Na última partida na Vila Capanema, um empate por 1x1 com o Juventude, não satisfez os presentes, no entanto, no próximo jogo, eles estarão lá também. Nessa partida, o Juven-

tude saiu na frente com um gol que desanimou, em

parte, a torcida. Os mais apaixonados não desistem tão fácil, e o gol de empate explodiu a torcida. A esperança acabou com o apito final e o resultado foi con-siderado medíocre. “Passo frio, chuva, gasto dinheiro e o time não mostrou o que a gente estava esperando. Mas no

Próximo ‘tamo’ aí”, disse o confor-mado torcedor tricolor, Olavo Diniz. Com uma simples ob-servação, fica notório o quanto

é complicada a vida de cada um presente no jogo. As expressões no ros-to do torcedor mostram que o dia não foi fácil. Trabalho, filhos, contas pra pagar. O jogo, a torcida, os gritos de raiva, de amor, tudo isso no momento em que todo o res-to dos problemas parecem sumir. Seria a válvula de escape para muitos que ali es-tão. O time ganhando ou não, parece que o que importa é estar presente naquele momento. São muitos anos de histórias e acontecimentos na “Vila mais querida” que não podem ser esquecidos. Que nos próximos 50 anos, a história do futebol paranaense continue com um estádio,

e muitashistórias.

Douglas Trevisan, Giselle Farinhas, Igor Shiota, Mari-ana Virgilio, Oliver Altaras, Rodrigo Aron

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criançadebrincando

A rotina começava cedo, 6h30 já era hora de levantar, tomar café e ir para escola. O quarto, bastante desarrumado, era dividido com mais outro amigo, que também levantava no mesmo horário. Os dois seguiam para o refeitório. Era dia de bolo de banana com Nescau, “o melhor café da manhã”, segundo Fagner. Eram 20 minutos para comer, pois a van que os levaria para a escola já estava à espera. Fagner e Jun-inho seguiam até o portão de saída. No camin-ho, encontravam mais outros colegas que iam na mesma direção. Todos meninos de 10, 11, 12 e até 15 anos, se dirigindo para a Escola Júlia Vanderlei, que fica no centro da capital, tão distante da pequena cidade onde Fagner nasceu. Com 11 anos, Fagner veio para Curitiba. Seu sonho sempre foi o de ser jogador de futebol. Sonho, talvez, hereditário, já que seu pai se imaginava assim, conseguindo até ser titular em um grande time de uma cidade do interior. Aos 10 anos, Fagner já chamava atenção de quem ia assistir aos jogos do São Lucas Futsal.

O time era tradicional na região noroeste do Es-tado, e Fagner foi, por muitas vezes, artilheiro dos campeonatos que disputou. Aos 9 anos, um “olheiro da capital” fez o primeiro contato com seu pai, falando do interesse de um grande clube pelo talentoso Fagner. Donizete mostrou-se bastante interessado, afinal as chances de ver seu filho como profissional poderiam estar nesse primeiro contato. No entanto, Arlete, a mãe, achou que ainda era cedo para deixar seu “caçula” ir embora.Dois anos se passaram, e, mesmo sem o con-hecimento de Arlete, Donizete mantivera con-tato com Márcio, o olheiro. Era novembro de 1998 e o Coritiba Futebol Clube estava em processo de recrutamento de novos meninos para as categorias de base. Márcio entrou em contato com a família de Fagner e, após mui-tas conversas, ficou decidido que ele viria “ten-tar a sorte” na capital. E em janeiro de 1999, Fagner partiu.A adaptação não foi fácil. Morar longe de casa, longe dos pais e da família, e ainda por cima

em uma grande cidade onde é muito difícil se encontrar conhecidos, não foi uma tarefa fácil. Por muitas vezes, Fagner lembra de ter ligado chorando pedindo para desistir. “Pelo menos duas vezes na semana eu pensava em ir emb-ora. Ligava pra casa e pedia pra voltar. Minha mãe dizia que viria me buscar, mas meu pai mandava continuar”, recorda ele. E assim foi por alguns anos.A rotina não era fácil. Acordar cedo, ir para escola e treinar todas as tardes de segunda a sexta. O treinamento, mesmo não sendo profissional, exigia bastante e era cansativo. Por mais que soasse apenas como diversão, sempre havia um profissional acompanhando tudo. “Todo menino gosta de jogar futebol, mas a nossa brincadeira era séria. Muitas vezes os treinadores brigavam se a gente fazia gracin-ha ou dava um passe só pra brincar”, lembra. Além dessa rotina diária de treinamento, muitos eram os campeonatos que Fagner dis-putava: metropolitanos, paranaenses e alguns nacionais. Ele conta que foi durante um desses jogos que teve certeza de que estava no camin-ho certo. “O legal era quando a gente ia dis-putar campeonato. Por maiores que fossem as tensões todo mundo gostava. As orações den-tro do vestiário, eu sempre lembrando do meu pai, as comemorações quando ganhávamos, tudo isso era muito gostoso. Toda aquela pre-paração pra entrar em campo, o nervosismo, o treinador dizendo pra gente ficar calmo e isso só deixava mais nervoso. Essa parte do futebol é que encanta e faz com que a gente aguente todo o resto”, recorda com saudade. Os jogos e campeonatos também eram leva-dos a sério, e a pressão sofrida, por menor que fosse, já fazia diferença na vida dos meninos. “A gente estava ali mais pra brincar e fazer o que gostava. Ninguém nunca tinha ensinado o porquê precisávamos vencer e o quanto isso teria reflexos na nossa carreira”, conta Fag-ner. Ele e os outros meninos da sua idade não sabiam que a todo momento estavam sendo analisados e observados. Não sabiam que se-manalmente haviam relatórios produzidos pe-los treinadores, e muito menos que todas as medições de massa, peso e resistência tinham a ver com o futuro profissional deles. Na época quase nenhum sabia realmente aonde pode-riam chegar como atletas profissionais.

Ninguém nunca tinha ensinado o porquê precisávamos vencer e o quanto isso teria reflexos na nossa carreira.“ ”

iara maggioni • karin sampaiotabata viapiana

seradulto

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Flanando no

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TijucasFlanando no

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o Gênio das Lâmpadas

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O nome da loja foi inspirado na história que veio da literatura persa: As mil e uma noites, conhecida at-

ualmente pelos desenhos da Walt Disney, o menino que

encontra uma lâmpada mágica e, ao tentar limpá-la,

descobre que dentro dela mora um gênio. Aladim anda

sempre com sua lâmpada mágica, e, precisando de uma ajudinha, ele

esfrega a lâmpada e faz um pedido para seu fiel amigo, o gênio.

Miguel Abdallah Zahdi abriu sua lojinha de roupas no centro da ci-

dade de Curitiba. O movimento das vendas foi aumentando e o co-

merciante foi buscar novidades na capital paulista. Na época, o

Positivo, que era um colégio pequeno, pedia para seu Miguel

trazer lâmpadas de São Paulo. O negócio deu certo.

As lâmpadas iluminaram a vida de seu Miguel. A loja de confecções foi

trasformada em um comércio de lâmpadas. Começou com uma

representação pequena, mas parece que o gênio também deu

uma forcinha para seu Miguel. Hoje a lojinha importa e vende

lâmpadas de todos os gêneros, para hospitais no uso de raio-

x, dentistas, gráficas, escolas, a lista é interminável.

A loja Aladim Importação e Comércio de Lâmpadas LTDA está lo-

calizada no Edifício Tijucas, no 11º andar. O lugar escondido con-

tava com a divulgação “boca a boca”, até seu Miguel ficar conhecido.

Depois de 30 anos vendendo lâmpadas, seu Miguel acred-

ita que seu talento para vendas veio do seus pais, que

são Sírios e também trabalhavam como comerciantes.

Aos 72 anos, seu Miguel é uma referência na cidade quan-

do se trata de compra ou manutenção de lâmpadas, ele mesmo brin-

ca que é conhecido com Miguel, “o gênio das lâmpadas mágicas”.

o Gênio das Lâmpadas

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Ritae seus

23familiares

na“selva

urbana”

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O que vamos relatar é uma incrível e fantástica experiência no apartamen-to 2409 do Edifício Tijucas. Chegamos ao fim do corredor do andar, tocamos

a campainha, as luzes se ascenderam, e detrás daquela porta sai uma carismática senhora tra-jando um roupão cinza escuro. Olhar de descon-fiada, reflexos lentos e um leve sorriso no rosto são as expressões de Rita Aparecida Josli, 77 anos. Ao abrir a porta de seu apartamento de 56 m2, logo sentimos um ar frio encanado vindo em direção de nossos rostos de alguma janela do ambiente. Vovó Rita como é carinhosamente chamada por seus parentes e vizinhos já foi logo pedindo desculpas pelos outros membros da família serem tão “antissociais”.Porém ao dar o primeiro passo para dentro daquele ambiente frio, não imaginaríamos que teríamos uma grande surpresa. No segundo passo já pudemos ver que aquele cenário reme-tia a algo nunca imaginado - ela divide espaço com uma verdadeira “selva urbana”. São nada menos que quatro gatos – Fê, Mancha, Minky, Tafarel - e 18 passarinhos – desde periquitos, canários, agapórnis, uma calopsita, um pombo e um papagaio – dão o ar da graça ao perceber nossa entrada na pequena residência do 24º an-dar. Para os senhores terem uma ideia, o amor dela é tanto que um dos quartos foi transforma-do num viveiro.Com as luzes da sala acesas e com nossa aproximação as gatas logo se escondem, os pássaros piam e o papagaio aproxima-se, olha com o canto do olho, e passa por trás de nós caminhando no chão de madeira como se nada tivesse acontecendo. Numa rápida observação, nos deparamos ainda com vasos de plantas – 130 mais precisamente –, e aquários espalhados pela casa. Ainda tivemos o cuidado para que não pisássemos nos vários potes com ração e água espalhados pelo chão de toda casa. Além disso, uma olhada rápida para o outro canto e é pos-sível observar a coleção de corujas de diver-sos materiais e tipos nas estantes, assim como os inúmeros discos de vinil e uma coleção de fotografias que retratam as diversas fases de crescimento das plan-tas e bichos da “ecológica” vó Rita.Essa visão inusitada logo dá lugar à des-contração do ambiente. Gatas se esfregam em nossas pernas, a calopsita canta, e o local se transforma e a melodia parece ecoar numa

perfeita harmonia. Umificador ligado e as janelas abertas, que segundo Rita são fundamentais para ventilação e “estão sempre assim, dia e noite, verão e inverno”, por gostar de “sentir o ar entrando” são o motivo daquele ar gelado.Ela conta emocionada e orgulhosa que sua filha, Mauren Joslin, é bióloga e diretora do Parque Nacional de Ilha Grande. Com essa função, ain-da sobre tempo para trabalhar no diretório re-gional do IBAMA. A jovem também fez parte da Sociedade Protetora dos Animais, e na época em que acumulava essa função fez com que o apartamento de sua mãe virasse um centro de recuperação dos pássaros feridos.Hoje é possível ver que dona Rita tem amor e carinho para dar e vender aos seus bichos, ela faz tudo o que eles querem e os animais parecem retribuir com os mais diversos sons e formas essa satisfação de ter uma “mãe” tão zelosa. Compartilhando alegria e carisma com todos, ela mostra que é possível dividir o apar-tamento com mais “gente”. Ou seja, 23 filhos. Não é uma arca de Noé, mas quem diz que depois dessa constatação num apartamento simples não se pode viver em companhia de animais e construir uma ver-dadeira mata atlântica em casa.

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Tijucas, um lugar de muitas histórias

O Edifício Tijucas, que tem sua história contada por fatos e

lendas, já foi o maior prédio de Curitiba, sendo o primeiro com 32 andares.Um dos contos mais populares a respeito do local é o da Loira de Vermelho. Reza a lenda que no início dos anos 60 residiam um alfaiate e sua esposa. Ela sofria de problemas neurológicos, e quando surtava falava sozinha pelos corredores. Suas crises geravam especulações entre os moradores do prédio, a mais co-mum delas de que a moça tinha problemas espirituais. Durante uma alucinação, a loira, que es-tava vestida com uma camisola vermelha, jogou-se do prédio. Essa história é repetida até os dias de hoje por moradores e fo-foqueiros.Tijucas, que inclusive significa pântano assombrado em Tupi-Guarani, segundo historiadores foi construído sobre um banha-

do doado a Nei Leprevost pelas frei-ras da Santa Casa de Misericórdia. Localizado próximo a Praça Osório, o edifício ainda é um dos lugares mais movimentados da cidade, desde 1958, quando foi inaugurado. Reúne espaços residenciais e comer-ciais em dois blocos. O primeiro tem 12 andares comerciais e 17 residenci-ais e, está de frente para o calçadão da XV, na Av. Luiz Xavier, a menor em ex-tensão do mundo. E o segundo possui 21 andares comerciais com vista para a Rua Cândido Lopes. Totalizando 419 apartamentos.Na década de 70, o Tijucas ficou con-hecido como o “reduto dos alfaiates” com o número elevado destes profis-sionais no local. A maioria deles não está mais lá. No prédio, as pessoas ainda encontram quase tudo, roupas, ótica, lanchonetes, farmácia, salão de beleza, alfaiate, tabelionato, entre out-ros serviços. Por lá passam entre 4 e 5 mil pessoas diariamente. O Edifício se tornou um símbolo do progresso de Curitiba. Por muito tem-po, as pessoas se deslocavam até o centro com a exclusiva finalidade de conhecer o Tijucas. Os primeiros es-túdios do Canal 12 era um dos pontos mais atrativos do prédio, sendo muito freqüentados por artistas.O Edifício Tijucas ainda guarda muitas histórias, e outras ainda serão escri-tas.

Texto e diagramação por Flávia Zanforlin, Giovana Gulin e Juliana Lima

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Boca Maldita sem o BocaOnde antes havia um ícone

tradicional da cidade provinciana, hoje há um ícone

da modernidade. Lugar de encontros e conversas sem pressa regadas a café e política que cedeu espaço às refeições rápidas e globalizadas. Saudosismo presente em muitos curitibanos que não viveram em Curitiba do século passado em choque com a realidade ativa e a lucidez daqueles que viram a cidade expandir além do que a visão poderia acompanhar. Figuras que freqüentavam a Rua XV de Novembro há décadas e acompanhavam de perto a tomada da rua por grandes empreendimentos, lojas modernas e fast-foods, contraste sempre crescente, do novo e do antigo. Cinemas de rua, lojas tradicionais e cafés compunham o cenário efervescente da Rua XV, resquícios de um passado borrado pela

expansão e crescimento da cidade.Preservando a memória daqueles que fizeram parte desta história, permanecia, quase intacto, o Café da Boca, na loja 01 do tradicional Edifício Tijucas. Quase 50 anos de história – mais antigo que o próprio calçadão da Rua XV, que completou 37 anos neste ano. Este espaço cedeu lugar à rentabilidade da apressada vida moderna. E adaptando-se à essa realidade, estão muitos “velhinhos”, figuras constantes da Rua XV e freqüentadores assíduos do Café da Boca. O Café da Boca era um ponto de encontro da Rua XV, fechado desde 2008, reduto da masculinidade curitibana. Antes do Café da Boca existia o Café Tingui, localizado onde há muitos anos está a já tradicional Confeitaria das Famílias. Depois disso, a efervescência da Rua XV mudou-se para o Palácio Avenida e, então, surgiu o Café da

Boca, que por anos foi o principal ponto de encontro do calçadão. “E agora que a gente não tem mais o café, vamos a outros que existem por aqui por perto. A vida é assim, as coisas mudam”, disse, conformado, Aureliano Gonçalves, 82 anos, morador de Santa Felicidade, e que todos os dias vai à Rua XV “encontrar os velhos amigos”. Além de Aureliano, o senhor Reynaldo Fagundes, 78 anos, também é freqüentador da Boca Maldita há mais de cinco décadas, e lamenta o fechamento do Café, mas não o considera como o fim da Boca Maldita. Para Fagundes, é necessário ceder espaço à modernidade, e considera: “nós somos como uma árvore, bonita quando nova e, com o passar do tempo torna-se torta, seca, grossa. É preciso renovar-se e acompanhar o progresso”.

“ É preciso renovar-se e

acompanhar o progresso”

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