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A Subversa brincalhona
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Ilustrações ISABELA
JERÔNIMO
ANGEL CABEZA
DAVID COUTINHO
MARTA CORTEZÃO
A. MIMURA
PEDRO SILVA
SUBVERSA VOL. 3 | N.º 5 | OUT/2015 ISSN 2359-5817
Ilustrações ISABELA JERÔNIMO
Subversa | literatura luso-brasileira |
V. 3 | n.º 05
© originalmente publicado em 01 de outubro de 2015 sob o título de
Subversa ©
Edição e Revisão:
Morgana Rech e Tânia Ardito
Ilustrações
ISABELA JERÔNIMO |[email protected]
Os colaboradores preservam seu direito de serem identificados e citados
como autores desta obra.
Esta é uma obra de criação coletiva. Os personagens e situações citados nos
textos ficcionais são fruto da livre criação artística e não se comprometem
com a realida
WWW.FACEBOOK.COM/CANALSUBVERSA
@CANALSUBVERSA
ANGEL CABEZA | CRIAÇÃO | 6
ANGEL CABEZA |FRUTEIRA | 09
DAVID COUTINHO | DA JANELA UMA TABACARIA | 12
PEDRO SILVA | MIGRANTES | 21
A.MIMURA | TRÍPTICO |27
MARTA CORTEZÃO | MARIA E AS OUTRAS | 30
MARTA CORTEZÃO| DEBILIDADES | 32
MARTA CORTEZÃO | QUANDO EU CRESCER | 34
SUBVERSA VOL. 3 | N. º 4 | SET/2015 ISSN 2359-5817
4
Abrimos o mês de outubro na Subversa com a leveza da brincadeira
e do engajamento. Do lado lúdico, há o dia das crianças que é
comemorado no Brasil, que nos deu certa liberdade para brincar com o
nosso jeito de fazer a Subversa. Criamos um número diferente, no qual
temos um tríptico, um triplo, um duplo, lembranças da infância e até a
mais importante das brincadeiras, da qual se continua brincando por toda
a vida, que é a arte de se colocar no papel do outro.
Do lado do engajamento, temos o prazer de afirmar que a Subversa
se consolida por acreditar no poder da palavra e em passa-la adiante.
Essa é a função central do nosso trabalho, afinal. Por isso, manifestamos
aqui o nosso apoio à campanha internacional do Outubro Rosa, pela
conscientização e prevenção do cancêr/cancro de mama. Em
homenagem a todas as escritoras e poetas que circulam e permanecem
publicando na Subversa, queremos juntar essas vozes para afirmar a
importância de refletir sobre a saúde da mulher, de forma ampla e atenta.
As ilustrações são de Isabela Jerônimo, ilustradora de João Pessoa
(Paraíba), que participa pela segunda vez da revista. Achamos muito
interessante saber que, por vezes, Isabela utiliza café em suas telas e
desenhos, além de trabalhar com nanquim, aquarela e grafite. Segundo
ela, todas as pessoas trazem dentro de si uma aptidão para a arte em
algum nível e que vai de cada um explorá-la, ainda que assumir a
atividade artística seja extremamente difícil, do ponto de vista do
reconhecimento e inserção no mercado de trabalho.
Pois a Subversa está aqui, para mostrar as possibilidades escondidas
dentro das impossibilidades da arte. Desejamos a todos uma excelente
leitura.
As editoras.
EDITORIAL
5
SUBVERSA # 1 – Versão Impressa | Volume 1 (2014)
Adquira e participe do crescimento da revista.
6
ANGEL CABEZA | Rio de Janeiro, RJ.
CRIAÇÃO
7
O poeta (sem
esperança alguma)
senta-se em sua
cadeira
dura
apoiado em uma mesa
dura
para retirar o néctar
da vida também
dura
e transformar toda
petrificação (que não
passa pelos olhos comuns)
em algo dizível
repleto de
materialidade e sensação
quando nada ao seu redor
8
se materializa ou é perceptível.
Ourives solitário
o poeta pule
a pedra da vida
à procura de alguma
gema brilhante.
ANGEL CABEZA é poeta, cronista e jornalista. Atua como produtor editorial
e gráfico no RJ. Publicou os livros Vidro de guardados (2010, ed. autor,
poemas), Sempre existe um último momento (2011, Hífen Editorial/Ed. Autor,
crônicas). Possui textos em revistas impressas e digitais, no Brasil e na
Espanha, entre elas Correio das Artes (A União), Generación Espontanea,
Corsário, Bula, Cuarto Própio, Capitu, Zunai, Eutomia, Cronópios, Odara,
Sinestesia; e participou de algumas antologias, entre elas Geração em 140
Caracteres (Geração Editorial, 2012), Qasaêd Ila Falastin – Poemas Para a
Palestina (Patuá, 2012), Antologia Escritores da Língua Portuguesa Vol. I (ZL
Editora, 2014). | [email protected]
9
ANGEL CABEZA | Rio de Janeiro, RJ.
FRUTEIRA
10
A diferença entre eu e esta maçã
pousada na fruteira é o prazo
de validade que temos.
Dois objetos mastigados pela ávida
ampulheta que não regurgita restos
engole o vasto espaço.
A maçã
enterrada entre seus pares
pende seu último suspiro
pela folha seca
eu aguardo o meu
enterrado entre olhares e dentes.
Seguimos encharcados de doçura e polpa
coisas despercebidas
que só os insetos parecem entender
enquanto passeiam calmos
sobre a escuridão da casca.
Quem passa ao redor
não imagina a dor da colheita
saber-se semente
na aparência de trevas.
A fruteira embala o peso da rapidez do dia
os sapatos deformam a longevidade do prazo humano
não tão duradouro quanto o aroma da fruta
11
que perpetuará depois da secura.
ANGEL CABEZA é poeta, cronista e jornalista. Atua como produtor editorial
e gráfico no RJ. Publicou os livros Vidro de guardados (2010, ed. autor,
poemas), Sempre existe um último momento (2011, Hífen Editorial/Ed. Autor,
crônicas). Possui textos em revistas impressas e digitais, no Brasil e na
Espanha, entre elas Correio das Artes (A União), Generación Espontanea,
Corsário, Bula, Cuarto Própio, Capitu, Zunai, Eutomia, Cronópios, Odara,
Sinestesia; e participou de algumas antologias, entre elas Geração em 140
Caracteres (Geração Editorial, 2012), Qasaêd Ila Falastin – Poemas Para a
Palestina (Patuá, 2012), Antologia Escritores da Língua Portuguesa Vol. I (ZL
Editora, 2014). | [email protected]
12
DAVID COUTINHO | Rio de Janeiro, RJ.
Ao poeta Fernando Pessoa
Acaba o fumo
Da cadeira defronte à janela estendo as pernas
Me tenho observando através das vidraças
O que por fora é vazio e opaco
DA JANELA UMA TABACARIA
13
Aqui dentro
Um milhão de mundos (que ninguém saberia)
Cruzando ruas e vielas
Como se cruzam os pensamentos sobre as ruas e vielas
Estou cheio do mistério que cria teia nas paredes
Cheio dos cães acuados que cantam para a noite a noite toda
Não há mais vida ou menos vida afora da janela do que aqui, onde há
mistérios em teias de aranha...
Pois me encontro certo
Como um milhão de mundos e um milhão de vidas também se encontram
E quem poderá dizer, senão?
Goteja
Porque ontem choveu
E lavou a janela
E passou como quem morre
Vindo novamente o sol
E eu assisti,
- como quem vive o espetáculo de ser um espectador de si
Falharam-me os propósitos
E a lealdade que devo a Tabacaria do outro lado da rua
Posto que acabe o fumo
Acabando-se também o eu que tragava
...traguei-me
Para cuspir de volta toda angústia
14
Tendo a sensação de que nada penso sentado na cadeira
Quisera fosse; que eu fosse o que penso sentado na cadeira
Aí então eu seria nada, logicamente
Pouco menos que isto
Tenho meu nome e sou identificado
Tenho a certeza do tempo
Que soprará meu nome e identidade
Que não deixará mais que pó onde foram gigantes palácios
Da vaidade das vaidades
O estrume
Senão, errado?
Concebo tão pouco do que alcançam meus olhos?
Não tenho certezas, nem aspirações
Altas, nobres ou lúcidas
Tudo irrealizável
Sendo a minha única
Certeza de que sou irrealizável
Havia gente nas calçadas
Também aqueles cães que cantavam para a noite
Nenhum sequer
- olhou-me –
Nenhum sequer
- sentiu-me –
Pois sentiria, quem sabe, a rebentação de sete mares sobre sete rochas
Mas havia gente na calçada
15
Todas refletiam nos espelhos das vitrines
Eu também refletia
E era como elas
Sentado do lado oposto
O que fiz dos sonhos
Dos segredos, filosofias e humanidades
Derramei-os ao chão como se chora o leite derramado
Tenho sonhos que já não sonho há muito tempo
Pois acabou o fumo e esta aflição não me deixa dormir
Pois tenho olhado a vida passar pelo vidro da janela
Ainda que a vida que passa não seja a mesma que vejo
Tenho o pânico de estar só no meu quarto sem luz
Sinto tanto espaço me sufocar
Contudo, o mundo é alheio
Como indefinido
E não haveria um para se importar
Risquei todos até que me encontrar só: no quarto, ante a janela.
Não tenho nesse instante vontade de chocolates
Não como aquela menina que come chocolate em frente à Tabacaria
Noto – com sensibilidade singular – que os olhos do homem se enchem de
vida
Uma pretensa esperança que tão logo o desperta à realidade
Conheço aquele homem, é Pessoa
Como eu
É meu irmão (ainda que não tenha me percebido, olhado ou sentido)
Eu sinto com ele
16
Estamos apenas uma rua atravessada de diferença
Contudo, distantes...
Estou enterrado até os olhos
Levanto as mãos na mesma esperança dúbia que assisti
Há quem possa me salvar?
Das paredes que o tempo tornou úmidas
Dos tapetes sensatos cheios de poeira e lembranças
Dos quantos pés que por ele um dia passaram, inútil
Com expectativa de ter o mundo refeito em pequenas mordidas no
chocolate
Invoco, aquém, alguém
E não há quem segure minhas mãos
Risquei todos até que me encontra-se só: enterrado até os olhos
(Transbordando de esperanças pelas mãos)
Sinto frio e ponho uma camisa
Que pesam tais quais correntes no calcanhar
Tudo foi estrangeiro, como todos
E como todos tenho vivido minha possível realidade
Tenho passado noites remexidamente procurando o sono
Tocando ao peito um sopro qualquer que inspire
Na certa decepção que lateja se não inspirar
E nada me inspira,
neste momento...
Penso em mim
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Havia pensando também na chuva do dia anterior
Como na madeira desta cadeira que sento e estico os pés à janela
Enquanto penso, tudo isso está tão certo
Tudo merece estar em paz
Do cliva ao castanho claro
O brilho – que outrora foi alto – agora manchado
(tais quais minhas paredes úmidas)
Num cheiro imperceptível de madeira que não há
Em sua durabilidade desconhecida
Gozar o conhecimento de todas as eras
Deleito a sensação
E Sorrio francamente
Pela possibilidade de parafrasear a cadeira em que sento com a vida
De me esticar ausente em meu próprio corpo
Assistindo ao dono da Tabacaria defronte
Que se chega zangado à porta
Trazendo a verdade dos tempos da criação do mundo
A verdade dos tempos da criação do homem e da mulher
Dou conta de que há tempos acabou meu fumo
E não há – agora – outra verdade senão esta
Visto uma roupa amassada
Uma roupa desbotada
Abandono meu mundo por instantes
Cruéis instantes em que desço sozinho as escadas
Me dou numa calçada
Onde as pessoas se cruzam como se cruzam os pensamentos
Sobre ruas e vielas
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Mais reais do que pela janela de antes
Tão cheias de cores e de passos firmes
E sou ali invisível
Ninguém toca minhas mãos, nem chama meu nome
Como não olhavam ou sentiam o ser que estava depois da janela
Aquele que era eu
Agora que sou outro
Onde a rua nos obriga a caminhar
Minha testa ardeu de – vertigem
Os músculos da coxa queimaram como o fogo das humanidades
Não reconheço o próximo, o próximo não me reconhece
Apenas cuidamos de não nos esbarrar
Estamos perdidos e não nos salvamos: falta tempo
Sobram os chocolates e as verdades
Caminho até o outro lado da rua
Caminho até a tabacaria do outro lado da rua
Um ímpeto caprichoso devora-me de dentro e sobe a espinha
Toda vez que fiz – e faço – esse trajeto
Toda vez que me exponho a par daquele que ficou na cadeira
Olhando-me pela janela
Desejo tabaco
Entro na tabacaria – tomo nota do quão agradável é o cheiro dos mais
variados fumos reunidos num só lugar
Pessoa se ergue e sei que sente comigo naquele momento
Acende um cigarro...
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Pego o meu fumo, me obrigo ao mal estar de estar disposto
Pessoa se senta, se mete para trás na cadeira como se fosse cama
(se houvesse uma janela e esticasse os pés...)
O dono da Tabacaria volta
Traz na áurea tantos destinos
Seguindo descaminhos da fumaça que inunda meus pulmões
Desfazendo sob meus pés tudo que há de concreto
E metafísico num instante
Preciso voltar à fortaleza
Reestabelecer a concepção de meus sentidos
Dou uns trocados, todos os trocados do meu bolso
Pago o fumo e saio
(com o dono da Tabacaria a me acompanhar até a porta)
Sigo confiante de volta à minha janela e minhas pernas esticadas
Sigo confiante de volta ao meu desterro
E as teias da parede
E a sufocante solidão de estar só, atravessando a rua tão perigosa
Olho para trás
Num golpe repentino
Da sensação única que se tem por estar sendo observado
É Pessoa sem metafísica
Me olhando de uma janela, como antes eu também olhara
Aceno; num gesto consentido e honesto
Ele grita Adeus, ó Esteves!
E morro porque me reconheces
20
Morro porque há quem me sinta e me acene às mãos
Meu universo se reconstitui em ideal e esperanças,
O dono da Tabacaria sorriu.
DAVID BARRETO COUTINHO é professor e pesquisador por ofício, escritor por
prazer. É formado em História e possui mestrado em História Política, tendo
assim alguns artigos publicados em revistas especializadas nesse meio.
Atualmente, dedica-se à pesquisas na área de Ciência da Informação e a
divulgação de seus textos literários. | [email protected]
21
PEDRO SILVA | São Paulo, SP.
MIGRANTES
22
Para Antonio Carlos, meu irmão.
Antes de tudo, este é um relato de ausências. Do que aconteceu e
do que poderia ser dito que aconteceu. Porque na real faltou coisa pra
cacete. O que poderia ter sido contado e o que poderia ter sido
esquecido. Mentira minha, o esquecimento não faltou não. O
esquecimento veio junto, coladinho na rabeta do trem que nos trouxe até
aqui, rabiola de pipa que quando está ninguém nota e quando falta cria
ausência. Porra nenhuma, porra nenhuma. Xi, tá confuso. Este é um relato
de três fotos porque as outras faltaram, pediram licença, apresentaram
atestado médico e vazaram. Jeito meu engraçadinho de falar que não
lembro, não as tive, não as tenho. Estão somente as três fotos enfileiradas
ao lado uma da outra na ordem que eu escolhi que ficassem. Imagina
agora: três fotos enfileiradas. Já já as descreverei e você entenderá. Por
enquanto só imagina. E como todo o resto falta, este é um relato de
ausências. Porque foto não é vida: foto é registro. Se só tem o registro, o
resto falta. Além do mais, se não fosse eu, quem mais poderia contar?
Ninguém. Então, se sou só eu, falta.
Falta no futebol é foda. E quando até o futebol falta?
- Deixa ele correr, marca o dez, o magrinho deixa aí sozinho que este
aí a vida mesmo marca ele, hahahah.
- Hahahahahah, vai deixar ele te zuar assim?
- Mano, sério, vai pro gol, na linha você não serve. Agarra lá pra
gente.
23
O gol. O gol, ponto. O gol com o qual todos sonham, aquela marca
de que finalmente você chegou lá, sabe? Fazer o gol, marcar o gol, ser o
artilheiro do país do futebol, ser o campeão e levantar aquela caneca
que, nos jogos finais, fica atrás do gol: pra te atrair. “Bota ele no gol”, “Não
põe ninguém pra marcar ele não, este aí a vida marca”;
#botaelenogol;
#esteaíavidamarca.
-Vai pra quermesse?
-Quermesse? Mas minha mãe disse que não deixa, sei lá, o povo
bebe, fuma maconha.
-Áaa!, rásefodê então.
Maconha não, macumba não, não me misturo, não se mistura, não
sei, não sabe. Não posso ir com o povo da maconha e da macumba. E
sabe por quê? Porque hoje você tá rico e compra um bagulho e bota na
boca junto com seus amigos ricos que também botam na boca e olha
que legal! e olha que barato!, e olha que descolado!, e vamos
descontrair!, e é só pra relaxar, e maaaaaaano, cê não sabe quem colou
aqui com um barato louco, e vamos no morrinho depois da prova?, e
carai, tá cum zóio vermeio heim, fiu? Cê se ligou? Então, tudo isto que é
mega moderninho e que você acha bacana, tudo isto que faz de você
hoje um cara mais legal, não era muito legal ali, naquela época, naquela
década, naquele momento onde fumar aquilo ou não era o que
diferenciava os meninos que chegavam à idade do exército vivos e livres e
os que não davam certo, os que viravam números. Cê entendeu?
Entendeu que o que é maneiríssimo pra um pode ser foda pro outro? Cê já
24
sonhou em ter uma caixa de isopor branca e novinha pra vender sorvete
no trem? E a macumba? Ah, macumba era frescura mesmo. A mãe
achava que era do capeta, ensinaram que era do capeta. Só isto.
Três fotos enfileiradas. Lembra delas agora. Imagina. E era tudo que
tinha sobrado. Tinha mais foto antes. Tem uma que eu lembro que
aparecia o vô. Tinha aquelas fotos que eram pequenininhas, quase
transparentes, impressas num filme escurinho. Daí você colocava num
negocinho de plástico que parecia um funil retangular. Numa ponta tinha
uma lente e na outra ficava a foto apoiada num suporte branco. Daí você
apontava este negocinho pro Sol e via a foto. O Sol atravessava. A luz
atravessava. Você atravessava a foto e via. E era super tecnológico, bom
pra caralho. Mas daí a gente jogava a foto fora e usava o negocinho
como lupa pra canalizar a luz do sol em um foco único e tentar matar
formiga. Carbonizada. Antes do YouTube ter dó das formiguinhas era isto
que a gente fazia. A gente não tinha politicamente correto nenhum para
com a #formiguinhaquedó. Era feixe de luz na cabeça. Mas nesta, vai
vendo, a foto (lembra da foto) sumia. E ficava só o negocinho de plástico.
E foi assim que a gente acabou com o passado. Com infantilidade
imprevidente, insensatez, crueldade, falta de educação e ignorância: os
mesmos ingredientes com os quais um monte de gente mata um monte de
coisa. De travesti a continentes. Daí sobraram só as três fotos enfileiradas.
Na primeira tem um sorriso lindo na sua cara, moleque! Porra, como
era gostoso te segurar naquela época, super inteligente, esperto pra
caramba já, ria de tudo, a vida tinha uma graça imensa. Você sabia junto
com o cachorro quando o pai tava chegando. Ele abanava o rabo e
você abria o sorriso. O barulho da Kombi velha,
papapapapapappappapappapapapapapaaaaaaaa (desliga o motor),
25
au, au, au, au, au, gãããããããã, baba! Coisa mais linda. Era bom te ver
sorrir, moleque, tô lacrimejando de lembrar. E a colcha cafona e quente
da cama? Bagulho enchia de pelo de bicho, esquentava pra cacete,
fedia a suor. Hahahaha. E a cortina? Hahhhaha. A cortina, mano, tinha
tipo uma estampa de cana-de-açúcar verde, um bambu esquisito. Mas já
dava pra ver que iriam te deixar metódico. Sua roupa parecia um
uniformezinho, tudo combinando. Daí começou uma coisa esquisita. De
querer tirar foto sua e te ver bonito. De te comprar roupa pra te vestir legal.
De te fazer ser quem você não é. Tem uma foto, a do meio, que é assim.
Cê tá lá, sentadinho tipo um rei no trono. Cara de rei. No trono. Sentadão,
pá! Vai vendo. Fundo falso, puta foto fake anos oitenta imitando um
bosque outonal num país frio. Vai vendo, fazendo foto em Carapicuíba
com paisagem Canadense no fundo. Você lá, mó cara de marrentão,
nem sei se era sua ou se mandaram fazer. Não! E o “Trono”? Cadeirinha
daquelas que parece que eles entrelaçaram centenas de canudinhos até
dar liga pra sentar. E você lá: marrentão. Daí, já viu, né? Terceira foto, pô,
to chorando mesmo, djou... terceira foto é foda. Cê tá sozinho. Que nem
você iria ficar. Acho que cê fica porque gosta. Mas cê parece triste nesta
foto. O cachorrinho preto tá no seu colo e é tudo que você tem. Você
segura nele como quem abraçasse, mas seu rosto mostra outra coisa:
parece que você segura ele assim porque é a última coisa que você tem.
Porque você não tem mais ninguém, porque você nunca teve ou porque
todo mundo foi embora. Mas quem teria ido? Não, ninguém foi. Ninguém
veio. É isto: na realidade enquanto eles jogavam bola lá fora você olhava
da grade de madeira do portão, #botaelenogol, #esteaíavidamarca, só
tem você, o cachorrinho e eu batendo a foto. E foi o que sobrou: as três.
Faltam fotos porque falta história porque falta família porque faltam
elos porque falta orgulho porque falta amor porque falta amor-próprio
26
porque falta jeito de se amar porque sobra medo porque houve fuga e
culpa porque pra ter foto tem de ter grana porque nos anos oitenta não
tinha smartphone porque nos anos oitenta quem tirava foto era rico ou
fotógrafo quer dizer não precisava ser rico mas precisava ter câmera quer
dizer não precisava ser rico precisava só não fugir não ter medo arranjar
um jeito de amar ter amor-próprio ter amor e orgulho pra fotografar
precisava ter os elos e pra fotografar precisava antes ter família pra poder
ter história. Era assim nos anos oitenta.
Mentira, precisava ter nada.
Pra fotografar só precisava luz. O resto é desculpa.
PEDRO SILVA admira todas as formas de arte e fica triste sempre que sua
vida se afasta deste meio. Escreve desde 2009, mas somente agorinha se
convenceu de que poderia dividir isto seriamente com o mundo. publica
no blog ESCREVENDO PEDRO | [email protected]
27
TRÍPTICO
A.MIMURA| Lisboa, Portugal.
28
I-Proêmino da génese
Eis como termina:
chegar onde a palavra dá leite e mel
onde o seu úbere
nos pertence sem que o reclamemos
onde a palavra prepúcio e precipício
fodem
ser uma só: ou uma mil: ou cruz de joão mendes: ou Mefistófeles;
pois, são todas:
a harpa, da palavra húmus, da palavra: Poema.
II-Salmo
Quem ergue a estrutura de um salmo_
ficção que o poeta tece
sem nenhum esquema pré-definido
afora os Deuses e as Musas
que o sustentam
usitando o seu belo dorso
gracioso, sardento e curvado,
para guiar a rude pena
do maldito compositor
como se versasse num planisfério
de escrita celestial_?
III-Ordem marcial poética
29
Quando a vida era um milagre,
e, a nossa falange direita,
era composta,
exclusivamente,
por Deuses e hordas de Mongóis,
que cavalgavam,
indómitos e ávidos,
pela ordem
azul
imperial
Minha
do sangue Lótus negro
poético
de cada frase!
A.MIMURA uma vez que as biografias mentem desagradavelmente; sendo
bastante mais interessante dizer mais com menos. Contemplei com
simpatia, admiração e algum temor o homem, que apenas
desembarcado de perigosa viagem, se alistou imediatamente numa outra,
como se a terra lhe queimasse os pés ou como se o coração seu
procurasse quietude para a uma paixão violenta e terminada de forma
abrupta, num qualquer porto, numa qualquer costa distante, num
qualquer outro amor, num qualquer outro exílio, assim me foi apresentado
o escritor, Monsieur, A. Miyajima. | [email protected]
30
MARTA CORTEZÃO |Tefé, AM.
MARIA E AS OUTRAS
31
Sou Maria como tantas
Cheia de vida e de sonhos
Muitas e quantas vezes
Sou Maria e vou com as outras
Porque as conquistas
São fruto das muitas lutas.
A sociedade de mim se burla:
"Maria Vai-com-as-outras"!
Melhor seria se soubesse
O caminho de Maria quando
Enganjada com as Outras.
Caminho das tantas Marias
Que lutam por respeito
Nesta sociedade
Que negligencia
A condição anônima
de ser mais uma Maria.
MARTA CORTEZÃO é professora da rede pública do Estado do Amazonas.
Professora da Universidade do Estado do Amazonas (UEA/CEST/TEFÉ) entre
os anos de 2001 a 2010 e da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) no
ano de 2011. Atualmente, estudante do curso de Mestrado "Mundo Clásico
y su proyección en la cultura occidental", em Segovia - Espanha. |
32
MARTA CORTEZÃO | TEFÉ, AM.
DEBILIDADES
33
Sempre haverá
um sorriso guardado
No rosto sofrido.
Um beijo idealizado
Na boca que ultraja.
Um abraço esquecido
Nos braços lânguidos.
Um grito contido
No peito que escarra.
Um prazeroso gemido
Na profunda garganta.
Um doce toque
Nas mãos calejadas.
E nos ríspidos passos,
Sutis pegadas.
34
MARTA CORTEZÃO | TEFÉ, AM.
QUANDO EU CRESCER
35
Quando eu crescer,
Quero ser pequena.
A minha grandeza
Desejo levar
em minha essência,
na imortalidade da alma.
Os falsos elogios
abandonarei pelo caminho,
como quem nunca os possuiu.
Ambicionarei apenas
a simplicidade da vida,
porque tudo o que é efêmero
é fardo para a alma.
Por isso quando cresça,
desejo apequenar-me
para crescer em sabedoria.
Fugirei dos sorrisos vorazes,
disfarçados de hipocrisia,
dos lábios que vociferam
palavras, que não sendo punhais,
cortam como se fossem.
Num abraço fraterno,
me fundirei com a humildade
e lhe suplicarei companhia
para não perder-me
pelos tortuosos caminhos.
Por isso quando crescer,
desejo ser cunhatã
36
De alma leve e faceira e
olhos postos no amanhã.
37
PARCEIROS:
38
Edição e Revisão:
Morgana Rech e Tânia Ardito
Recepção de originais: