Revista T.. Margem

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TERCEIRA MARGEM AMAZNIA

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TERCEIRA MARGEM AMAZNIA

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Volume 1 Nmero 1 Outras Expresses So Paulo, junho de 2012

Copyright Outras Expresses Outras Expresses Imagem da capa Olegrio Reis Jnior Arte da capa e Projeto Grfico Krits Estdio Editor Responsvel pela Edio: Edane Frana Acioli Organizao da edio: Alison Pureza Castilho Dulcilene Alves de Castro Edane Frana Acioli Gutemberg Armando Diniz Guerra Lilian Cristina Holanda Campelo Lindomar de Jesus de Sousa Silva Maria Albenize Farias Malcher Maria do Socorro Ferreira Tnia Miranda Reviso: Ana Conceio Borges de Oliveira Dulcinia Pavan Marina Tavares Ferreira Traduo para o Francs: Cline Raimbert Entrevista: Rogrio Almeida (Jornalista) Secretria: Rose da Silva Monteiro Conselho Editorial: Alison Pureza Castilho Armando Lrio de Souza Carla de Andrade Moraes Cline Raimbert Dalton Enrquez Edane Frana Acioli Genival Carvalho Guilherme Carvalho Lindomar de Jesus de Sousa Silva Maria Albenize Farias Malcher Mauro Andr Castro Pedro Chaves Baa Roberto Arajo Martins Ruth Heide Guichard Tnia Miranda Wolfgang Hees Leonardo Malcher Conselho Cientfico: Ana Tancredi Aroldo Motta Farid Eid Gutemberg Armando Diniz Guerra Heloisa Fernandes Josep Point Vidal Maria do Socorro Ferreira Maria Marize Duarte Maria das Graas da Silva Mario Vasconcellos Sobrinho Martine Droulers Milton Farias Roberto Marinho A. Silva Romero Ximenes Saulo Baptista Saint-Clair Cordeiro Trindade Vilma Barban Maria Goretti da Costa Tavares

Dados Internacionais de Catalogao-na-Publicao (CIP) Terceira Margem Amazonica / Outras Expresses.- v.1, n.1 (jun. 2012) _ So Paulo : Outras expresses, 2012. v. : il. : 15,5 x 22,5 cm. Semestral ISSN 2238-7641 1. Cincias Sociais Peridicos. 2. Cincias sociais aplicadas Peridicos. I. Outras Expresses, Ed; CDD 300 (05) Bibliotecria: Eliane M. S. Jovanovich CRB 9/1250 1 edio: junho de 2012 Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta revista pode ser utilizada ou reproduzida sem a autorizao da editora. Editora Outras Expresses Ltda. Rua Abolio, 201 | Bela Vista | 01319-010 | So Paulo SP Tel (11) 3105 9500 | Fax (11) 3112 0941 [email protected] | www.expressaopopular.com.br

SuMRIO

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Editorial Apresentao

corpus

a rt i g o s15

A gesto pblica municipal: instrumento transformador para o desenvolvimento social do Par Josep Pont Vidal O conflito legtimo na luta pela terra dos mediadores dos movimentos sociais no espao agrrio paraense: discursos, novas configuraes e mudanas sociais Henry Willians Silva da Silva, Wilson Jos Barp Organizao de cadeias produtivas sob controle dos trabalhadores e desenvolvimento rural Farid Eid, Caio Luis Chiariello

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Produtos da floresta: usos e sustentabilidade em uma comunidade amaznica Dulcilene Alves de Castro O trabalho que alinhava o tecido social no Ver-o-peso Rosa Maria Ferreira da Rocha

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109 Desenvolvimento sustentvel: reflexes conceituais para a Amaznia Adilson Viana Lima 131 O direito educao infantil na Amaznia brasileira: desafios e disputas Ana Maria Orlandina Tancredi Carvalho 149 Roteiro de pesquisa e roteiro de obra cinematogrfica: buscando instrumentos de ensino Gutemberg Armando Diniz Guerra

159 Da tierra firme Amaznia Romero Ximenes

n o ta d e p e s q u i s a

171 A cidade e o rio na Amaznia: mudanas e permanncias face s transformaes sub-regionais Saint-Clair Cordeiro da Trindade Jnior

resenha

185 A Amaznia e a cobia internacional Por Maria Goretti da Costa Tavares 191 p r x i s

t e s e s e d i s s e rta e s

e n t r e v i s ta

199 Alfredo Kingo Oyama Homma Amaznia: o olhar de um descendente de japons sobre a regio Por Gutemberg Guerra, Socorro Ferreira e Rogrio Almeida

d e bat e s

211 Fomos capazes de dizer no diviso do Estado do Par Maria de Ftima da Fonseca 221 Depois que o plebiscito passou Lcio Flvio Pinto 223 Instrues para colaborao

E D I T O R IA LA revista Terceira Margem Amaznia pretende ser um veculo de registro e divulgao de trabalhos interdisciplinares resultantes de estudos, pesquisas e experincias sociais que versem sobre assuntos relacionados direta ou indiretamente Amaznia, estimule o intercmbio e o debate entre a comunidade acadmico-cientfica e atores sociais e contribua para a produo de conhecimentos sobre a regio. O escopo da revista contempla duas partes, batizadas de Corpus e Prxis. O Corpus ser estruturado em quatro sees dedicadas produo cientfica: artigos, notas de pesquisa, resenhas, resumos de teses e dissertaes. A Prxis agrupa duas sees destinadas a expor ideias e prticas no formato de entrevistas e debates. Por que Terceira Margem Amaznia? A escolha do nome da revista passou por um cuidadoso debate e foi escolhido por a expresso terceira margem evocar outro caminho, acrescentando-se ao final a palavra Amaznia, por ser o locus privilegiado pela revista. Terceira Margem o ttulo de um conto de Guimares Rosa que expressa a necessidade de olhar a realidade para alm de uma perspectiva dual ou mecnica do certo ou errado. na perspectiva de pensar de forma interdisciplinar a Amaznia e compreender toda a sua diversidade, que o nome Terceira Margem foi escolhido para expressar o pensar amaznico, a partir de suas vrias matrizes e do que peculiar regio. Foi uma expresso usada por Benedito Monteiro quando se referiu ao debate dos problemas socioambientais da Amaznia, em que as questes no se explicam somente pela margem direita ou pela margem esquerda (dos rios), e sim, por serem partes de uma complexidade sistmica, se explicam a partir de uma Terceira Margem (nos rios). Edane Acioli Gutemberg Guerra

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A P R E S E N TA OA revista Terceira Margem Amaznia tem a honra de apresentar para o pblico em geral o seu primeiro nmero. Inaugura-se mais um veculo de publicaes cientficas no Brasil e na Amaznia, mas principalmente, sendo uma publicao dedicada aos debates sobre a realidade amaznica, respeitando e introduzindo em sua proposta original as experincias sociais nela existentes. Em carter especial de lanamento, a revista Terceira Margem Amaznia convidou para o primeiro nmero autores para contriburem com a produo desta publicao, sendo a maioria membros do conselho cientfico da revista. O objetivo foi montar um nmero que servisse de orientador para as futuras publicaes da revista. A primeira parte, chamada Corpus, traz nove artigos, uma nota de pesquisa, uma resenha e seis resumos de teses e dissertaes. Na segunda parte, Prxis, apresentamos uma entrevista e dois trabalhos abertos ao debate. No contexto de preparatrias para as eleies municipais no Brasil, Josep Pont Vidal nos traz em seu artigo a discusso sobre a gesto pblica municipal a partir da tica da administrao, defendendo que o desenvolvimento econmico de um municpio depende da qualificao da gesto deste. A questo agrria e a agricultura familiar sob diversas formas so trazidas ao debate em dois artigos com temas centrais diferentes, mas que se combinam entre si. No artigo de Henry Willians Silva da Silva e Wilson Jos Barp, o conflito da luta pela terra na Amaznia emerge atravs da anlise do discurso dos atores envolvidos. No outro, a economia, a gesto de empreendimentos e a produo rural so discutidas pelos autores Farid Eid e Caio Luis Chiariello, que expressam a importncia de pequenas cadeias produtivas sob o controle de trabalhadores rurais. Em outro paralelo, o equilbrio socioambiental local, a partir de diferentes formas de uso dos produtos da floresta alvo das pesquisas realizadas por Dulcilene Alves de Castro, o que vem apresentado por um estudo de caso na comunidade de Monte Sio em So Domingos do Capim no Nordeste do Estado do Par. Dentro das discusses da ps-modernidade, a feira de alimentao do Ver-o-Peso (Belm/PA) analisada por Rosa Maria Ferreira da Rocha a partir da percepo do cotidiano das relaes sociais e de trabalho. O artigo de Adilson Viana Lima traz no centro de seu debate uma reviso conceitual sobre o desenvolvimento sustentvel a partir de reflexes so-

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bre as questes ambientais e os princpios norteadores de sustentabilidade na Amaznia. As discusses sobre educao aparecem em dois artigos. O primeiro traz o debate da educao infantil no contexto brasileiro, em particular, na Amaznia por Ana Maria Orlandina Tancredi Carvalho. O segundo, o processo formativo para a pesquisa o tema discutido por Gutemberg Armando Diniz Guerra, que oferece reflexes sobre metodologia e procedimentos da pesquisa. Por ltimo, o autor Romero Ximenes desenvolve uma anlise antropolgica da constituio histrica-cultural-mitolgica da Amaznia enquanto regio. Na seo Notas de Pesquisa, o gegrafo Saint-Clair Cordeiro da Trindade Jnior inaugura esse espao dedicado ao relato de observaes de campo, de dificuldades e do progresso da pesquisa na Amaznia. Em seu trabalho, chama a ateno para as particularidades sub-regionais existentes que demarcam diferentes espacialidades e territorialidades, e que sugerem, igualmente, polticas pblicas diferenciadas quando se considera a relao cidade-rio na Amaznia. Trazemos uma resenha do livro A Amaznia e a cobia internacional, de Artur Cezar Ferreira dos Reis, elaborada cuidadosamente por Maria Goretti da Costa Tavares. O livro j publicado com quatro reedies, entre os anos de 1965 e 1982, retrata os vrios momentos de ocupao da regio, afirmando que a Amaznia sempre foi alvo do interesse internacional, principalmente pela abundncia de riquezas naturais, gua, floresta, minerais, dotada de uma biodiversidade mpar no espao mundial. A edio oferece ainda seis resumos de trabalhos concludos em 2011, sendo trs de Doutorado e trs de Mestrado. Inaugurando o lado Prxis da revista, apresentamos a seo Entrevista, que se dedica a apresentar personalidades da comunidade acadmico-cientfica e de atores sociais, que contribuam e/ou tenham contribudo para o conhecimento e a realidade amaznica. O primeiro entrevistado o pesquisador da Embrapa Amaznia Oriental, Alfredo Kingo Oyama Homma, reconhecido nacional e internacionalmente pelo conjunto de sua obra. J publicou dez livros, recebeu o Prmio Nacional de Ecologia (1989), Prmio Prof. Edson Potsch Magalhes (1989), Prmio Frederico Menezes da Veiga (1997), Prmio Jabuti (1999) e duas vezes o Samuel Benchimol (2004, 2010). A entrevista, conduzida por membros do conselho cientfico da revista, Maria do Socorro Ferreira, pesquisadora da Embrapa Amaznia Oriental e por Gutemberg Guerra, da universidade Federal do Par, com apoio de Rogrio Almeida, da universidade da Amaznia, recupera a trajetria de Homma, sua infncia, sua chegada Amaznia e Embrapa, seus primeiros projetos sobre o extrativismo e as perspectivas para o setor na atualidade.10 vol. 1 n. 1

Para fechar o nmero, a seo Debates, dedicada divulgao de discusses entre comunidade acadmico-cientfica e os diversos atores sociais, apresenta dois textos para o debate, um de Lcio Flvio Pinto e outro de Maria de Ftima Fonseca, que giram em torno da diviso territorial do Estado do Par, seus aspectos, suas contradies e uma anlise sobre o resultado do plebiscito. A importncia de tratar esse tema a de tentar entender se esse debate est esgotado com o plebiscito ou se ainda uma discusso viva entre as partes interessadas na Amaznia e no Brasil. Por fim, desejamos uma excelente leitura a todos e, aos autores e colaboradores que ajudaram a construir esse nmero, os agradecimentos. Edane Acioli Gutemberg Guerra

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CORPuS

A GESTO PBLICA MuNICIPAL: INSTRuMENTO TRANSFORMADOR PARA O DESENVOLVIMENTO SOCIAL DO PAR1Josep Pont Vidal2

Resumo Os municpios so instituies democrticas que disponibilizam as polticas e os servios mais prximos s demandas e necessidades dos cidados. Tradicionalmente foram estudados a partir de variveis econmicas ou da estrutura poltica. Assim, surge a necessidade de analis-los no aspecto da administrao e, especialmente, na gesto pblica municipal. A hiptese terica que orienta esta pesquisa a de que o desenvolvimento econmico de um municpio depende essencialmente da qualificao da gesto municipal. Expem-se e analisam-se as variveis: o planejamento e a gesto de pessoas. Como concluso, observa-se a importncia que adquire o planejamento a mdio e em longo prazo e a formao de pessoal para o fortalecimento institucional. Palavras-chave: Gesto Pblica. Municpios. Instituies. Desenvolvimento. Estado do Par. Resum Les municipes sont des institutions dmocratiques qui mettent disposition des politiques et des services proches des demandes et besoins des citoyens. Ils ont traditionnellement t tudis partir de variables conomiques ou de leur structure politique. Apparat ainsi la necessite de les analyser sous langle de ladministration et notamment de la gestion publique municipale. Lhypothse thorique qui oriente cette recherche est que le dveloppement conomique dun muncipe dpend essentiellement de la qualification de la gestion municipale. Les variables sont exposes et analyses : lamnagement et la ges1 2 uma verso mais extensa deste trabalho foi publicada em Novos Cadernos do NAEA, novembro 2011. Professor em Sociologia Poltica, Ncleo de Altos Estudos Amaznicos (NAEA) universidade Federal do Par (uFPA). E-mail: [email protected]

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tion des personnes. En conclusion, on observe limportance quacquirent lamnagement moyen et long terme et la formation du personnel pour le renforcement institutionnel. Mots-cls: Gestion Publique. Municipes. Institutions. Dveloppement. Etat du Par.

Josep Pont Vidal

IntroduoOs municpios, no que se refere sua administrao pblica, foram pouco estudados na Regio Norte. Esta falta de interesse surpreende por vrios motivos: 1. Trata-se das instituies mais prximas ao cidado e que propem polticas pblicas e abastecem os servios mais prximos s demandas e necessidades dos cidados. 2. Trata-se de um nvel da administrao pblica com uma grande autonomia administrativa e financeira, com capacidade para incidir cada vez com maior protagonismo no desenvolvimento local e regional. 3. Trata-se de instituies democrticas, que apresentam funes administrativas exercidas por pessoas diretamente escolhidas pelos cidados. Esses motivos justificam que os governos locais, a administrao e a gesto pblica municipal meream uma ateno mais detalhada no Estado do Par. Os estudos existentes de carter histrico analisaram as dinmicas municipais basicamente da perspectiva poltica, na qual a gesto pblica foi totalmente esquecida, e, portanto, considerada como irrelevante. Os estudos existentes focalizam a composio poltica e suas manifestaes democrticas, personalistas ou nepticas. O modelo apoiado na Constituio de 1988 atribui aos municpios um carter similar em alguns aspectos tradio francesa (pouca capacidade de incidncia nos problemas econmicos da comunidade) em detrimento da tradio anglo-sax (como entidades prestadoras de servios, segundo diretrizes nacionais). Entretanto, os municpios no Brasil possuem um ndice de autonomia financeira muito maior que em modelo representado pela tradio francesa. O fortalecimento institucional, apoiado em uma gesto pblica eficaz, eficiente e transparente, bsico para a gesto do interesse pblico e para o desenvolvimento social e econmico no nvel local e regional. Quando se estuda e analisa o baixo desenvolvimento de algumas regies, aparecem as questes centrais: quais so as variveis estratgicas para alcanar o desenvolvimento? Qual a causa do baixo desenvolvimento? Na maioria dosA gesto pblica municipal: instrumento transformador para o desenvolvimento social do Par 16

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estudos aparecem variveis de causa-efeito relacionadas com a economia e o desenvolvimento das foras produtivas. O baixo desenvolvimento de um pas ou de uma regio a consequncia de um conjunto de fatores, como o nvel educacional e o contexto histrico, variveis do sistema poltico, a inovao, a economia de escala e o processo de acumulao capitalista. No entanto, como aponta Douglass North (1973), esses fatores no so as causas, eles so o prprio crescimento, interpretando desta forma o desenvolvimento como resultado de uma organizao eficiente. Como organizaes eficientes, North (1973) coloca no centro do seu estudo a atividade humana. O autor se refere especificamente s instituies econmicas, pois o desenvolvimento () se traduz na prpria viso do mercado como instituio e no como espao neutro de encontro de compradores e vendedores (ABRAMOVAY, 2001, p. 167). Abramovay (2001) e North (1973) se referem concretamente a regies e pases subdesenvolvidos. As instituies, entendidas como produto e produtoras da ao humana (BERGER; LuCKAMNN, 1967), adquirem, nesse sentido histrico, um papel determinante nos aspectos normativos referentes ao cumprimento de contratos, mas tambm podem ser o resultado de uma forma de pensar e de planificar, e, em consequncia, de atuar e de agir. Abramovay (2001) indica que basicamente o ambiente social o que inibe a inovao, visto que este se apoia em () vnculos hierrquicos localizados e bloqueia a ampliao do crculo de relaes sociais em que se movem as pessoas (p. 168). Tentativas baseadas nas instituies e na correspondente gesto pblica como varivel explicativa, independente de outros fenmenos sociais como o desenvolvimento econmico e social, salvo poucas excees (FARIAS FILHO, 2004; 2004) so escassos, destacando os estudos que estabelecem uma relao entre gesto pblica e monitoramento das desigualdades (SILVA JuNIOR, 2007) e gesto pblica e desenvolvimento (NETO, 1995). Quando nos referimos Amaznia oriental devemos pensar que no se trata de uma regio subdesenvolvida, e sim de uma regio de baixo desenvolvimento (segundo IDH, PIB per capita e coeficiente Gini). Assim, a gesto municipal adquire um papel determinante para o desenvolvimento do municpio e, em consequncia, da regio, ao implicar a gesto financeira, de capital e de infraestrutura, de pessoas e de tecnologias da informao, tendo como eixos transversais a capacidade de planejamento e os resultados. Seguindo esta lgica, a existncia de modelos de gesto municipal que no se baseiam em um planejamento racional, na gesto orientada a resultados, na eficincia e na formao dos recursos humanos disponveis, constitui um obstculo para o desenvolvimento econmico.

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A hiptese que guia esta investigao: o fortalecimento institucional, e com ele a legitimidade e a efetividade das propostas polticas de um municpio, depende essencialmente de uma srie de fatores internos da administrao, especificamente da qualificao da gesto municipal em dois aspectos: 1) a capacidade de planejamento; 2) o modelo de gesto implementado. Nos municpios paraenses ainda predomina um modelo de gesto burocrtico, sendo o modelo gerencial uma exceo. Por outro lado, o planejamento se limita frequentemente resoluo de problemas imediatos. Como consequncia destes dois aspectos, predomina uma gesto dbil que se manifesta em um baixo empoderamento da sociedade e uma dependncia de fatores exgenos para o desenvolvimento. Neste texto descrevem-se os resultados parciais, relativos pesquisa fortalecimento institucional e qualificao da gesto municipal3, referente ao estudo das prefeituras do Estado do Par. Expem-se os dois fundamentos terico-conceituais no que se baseia a pesquisa: o institucionalismo e a gesto pblica.

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Referencial terico: instituies e modelo de gesto pblicaO fortalecimento institucional depende da capacidade de gesto das instituies, neste caso das prefeituras. O papel das instituies em impulsionar as mudanas tem sido interpretado desde diferentes perspectivas, de tal forma que alguns autores, desde uma leitura interacionista, fundamentada na ao consciente dos homens, afirmam que estas () so produto e produtores das instituies (BERGER; LuCKMANN, 1966), enquanto que outros se mostram cticos sobre a capacidade de mudana, pois estas podem inibir as reformas ao criar expectativas no satisfeitas pelas instituies4 (CAIDEN, 1999). uma contribuio para o papel das instituies para o desenvolvimento econmico constitui a corrente neoinstitucionalista (MARCH; OLSEN, 1984; ANDREWS, 2005, entre outros). No se trata de uma escola monoltica, Hall e Taylor (2003) diferenciam pelo menos trs escolas de pensamento: o institucionalismo histrico, o institucionalismo da escolha racional e o institucionalismo sociolgico (NORTH, 1995). A obra do North (1995) constitui uma tentativa de sintetizar as contribuies tericas procedentes da cincia poltica, da sociologia e da economia; o denominado enfoque institucional. No esboo de uma teoria para a mudana social,3 4 Pesquisa financiada pelo Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada (IPEA) e o Instituto de Desenvolvimento Econmico, Social e Ambiental do Par (IDESP), realizada entre 2009 e 2010. AZEVEDO, S.; MELO, M. A. Mudanas institucionais, reforma da seguridade social e reforma tributria. Ford/Anpocs, 1996 (Relatrio de Pesquisa).

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Peters (2003) considera a existncia de, pelo menos, sete enfoques diferentes.

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North (1995) pretende explicar de que forma o passado influi no presente a partir da compreenso do desempenho das questes econmicas, nas quais as instituies tm um papel decisivo: () As instituies so as regras do jogo em uma sociedade. De forma similar a interpretao interacionista () as instituies so produto e produzidas pela atividade humana para compreender sua funo no se deve desconsiderar sua formao social: () so as limitaes ideadas pelo homem que do forma interao humana. Para isso, indica a necessidade de estud-las em seu contexto histrico, visto que: () estruturam incentivos no intercmbio humano, seja poltico, social ou econmico. Compreend-las como produto social e histrico significa outorgar-lhes um papel determinante para a mudana social: () a mudana institucional conforma o modo em que as sociedades evoluem com o passar do tempo, a chave para entender a mudana histrica () A mudana institucional () afeta a escolha estabelecida em um certo momento e a natureza da dependncia (NORTH, 1995, p. 13). O estudo dos municpios do Par trata de ampliar as concepes limitadas de compreenso da racionalidade em termos de uma racionalidade abstrata de fins e meios, abrindo uma reflexo s esferas influenciadas pelas prticas ligadas cultura. Vrios estudos sociolgicos, inspirados por Max Weber, tm considerado as estruturas burocrticas dominantes nas sociedades contemporneas como um produto de estruturas cada vez mais eficazes. No entanto, essa percepo se esquece de que as prprias prticas dessas estruturas deveriam ser consideradas, em seu tempo, como prticas culturais. Essas prticas seriam paulatinamente incorporadas nas organizaes e instituies, no somente para aumentar a eficcia, mas como consequncia do processo de transmisso que origina as prticas culturais em geral. O marco analtico do Novo Institucionalismo trata de explicar o processo de tomada de decises por parte dos atores polticos, tendo como pressuposto bsico a ideia de que a configurao das instituies afeta o comportamento dos atores sociais. Alguns autores (HALL; TAYLOR, 1996; PEREIRA PRATES, 2000) apontam a existncia de pelo menos trs enfoques: o institucionalismo histrico, o da eleio racional e o sociolgico, o tambm referido como teoria das organizaes5. Nas correntes normativas, se acentuam o papel dos atores polticos e das instituies como formadores de bons cidados. A corrente histrica acentua o papel das decises histricas, as quais tm influncia no desenvolvimento das instituies. Finalmente, a corrente sociolgica resulta de uma sntese das anteriores, embora questione o determinismo histrico, dando nfase s influncias do con-

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texto social: a sntese da perspectiva sociolgica e da histrica (DOBBIN, 1994). A perspectiva histrica fundamental para a compreenso do funcionamento das instituies e das agncias governamentais e da ao estratgica dos atores frente e dentro delas, posto que estas so tambm produto da ao dos atores. A Amaznia oriental (Estado do Par), como regio em desenvolvimento, uma regio onde a presena do Estado manifesta-se com instituies distanciadas e fora dos problemas cotidianos da populao pela construo de algumas infraestruturas que no tm contribudo para criar cidadania, sendo que esta, frente a projetos inacabados, tem estado historicamente excluda de tais procesos. Isso favorece a emergncia de atores econmicos que tm orientado sua ao, enchendo o vazio e a ausncia deixada pelo Estado e pelas instituies governamentais, aspectos j identificados por diversos autores (PINTO, 2009), de tal forma que se tem constitudo numa frgil institucionalidade (TORRES, 2004) e, nos aspectos relacionados com a gesto pblica, de frgil tradio de controle (REZENDE, 2002, p. 119). O pensamento burocrtico, em que se fundamenta a gesto pblica, enfatiza os princpios bsicos de uma forma administrativa tradicional, descritos por Max Weber. Esse modelo hierrquico burocrtico se apoia no controle da esfera poltica sobre a esfera administrativa. O modelo est vertebrado em torno de estruturas burocrticas hierarquizadas, organizado a partir de superiores e subordinados. O procedimento correto e burocrtico administrativo prepondera na consecuo de objetivos. Esse fato implica que os fluxos de informao e de autoridade sejam descendentes. Esse tipo de modelo burocrtico est fortemente determinado pelo controle poltico da administrao, sendo a esfera administrativa exclusivamente dependente da esfera poltica. Esse fato produz uma dinmica perversa. Por um lado, os polticos assumem competncias de direo poltica das reas e departamentos, intervindo, dessa forma, na gesto diria da organizao; por outro lado, os altos funcionrios intervm em numerosas ocasies na tomada de decises de carter poltico. importante mencionar que a diviso existente entre a administrao e a poltica () no pode ser desprezada na determinao das responsabilidades de um e de outro grupo (PARRADO DIEZ, 1996, p. 26). Os planos de carreira esto pouco estruturados, a ascenso obedece geralmente ao princpio de antiguidade, e o tempo de servio o que normalmente determina as remuneraes, sendo descartado o tipo de trabalho realizado ou a capacidade de trabalho dos funcionrios. A gesto tambm est imersa no esquema da falta de objetivos. Os oramentos se elaboram em funo de transferncias e funes estatais e federais, descon-

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A administrao pblica no Estado do ParA investigao inscreve-se na rea de conhecimento da administrao pblica, especificamente na gesto pblica municipal. As prefeituras aparecem em muitos casos como o nvel pobre nos diferentes nveis do Estado e da administrao pblica. Contudo, a realidade algo diferente. Entre os anos 2000 e 2008, a maioria das prefeituras paraenses multiplicaram por cinco o volume de receita oramentria, como, por exemplo, Castanhal que passou de pouco mais de R$25 milhes (2000) a R$130 milhes (2008) ou Marab de R$ 60 (2000) a R$315 milhes (2008). Esse aumento tem sido significativo entre os anos 2005 e 2008 (Tabela 1), com recursos provenientes de uma parte importante do governo federal. Tambm o nmero de funcionrios tem aumentado significativamente em todo o pas com uma mdia que ultrapassa os 30%. Este aumento tem possibilitado o xito de programas governamentais dirigidos diretamente pelas prefeituras, como o Programa Bolsa Famlia.Tabela 1 Evoluo da receita oramentria de alguns municpios (2005-2008)Municpio Barcarena Castanhal Marab 2005 102.216.72,27 88.877.927,00 155.502.908,59 2006 117.418.834,90 93.972.121,00 165.596.099,70 2007 131.086.825,90 108.314.437,00 200.937.854,90 2008 160.687.681,70 130.563.154,00 315.743.203,80

Fonte: elaborao prpria a partir de dados SIE/Idesp.

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siderando outro tipo de programas. Por ltimo, a estrutura organizativa segmentada em departamentos e secretarias estanques e frequentemente concorrentes entre si no ajuda a estabelecer uma viso ampla e integrada dos oramentos. Trata-se a partir de prticas incrementalistas, ou seja, apoiadas no clculo de oramentos e despesas do ano anterior, desconsiderando um planejamento orientado a objetivos. A poltica continusta no possibilita a existncia de canais que elevem as demandas e inquietaes da cidadania s decises superiores. Com relao ao modelo gerencial, a meta da administrao pblica j no simplesmente o cumprimento da lei sem incorrer na ilegalidade mas a introduo de maior rapidez nos servios prestados pelos gestores, alm de incluir melhorias. Cabe destacar que essas melhorias so tomadas unilateralmente, sem a consulta prvia aos usurios.

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Esse fato agravado pela dificuldade de trat-lo no contexto da regio amaznica, especificamente na Amaznia Oriental (Estado do Par), pois praticamente no existem estudos baseados em dados empricos sobre a gesto pblica, destacando-se poucos exemplos recentes: o estudo de administrao municipal (MONTEIRO, 1997), mudanas na administrao pblica (SOARES, CONCEIO, FARIA FILHO, 2004) ou o programa do governo para modernizar a administrao pblica Programa Qualidade na Gesto Pblica no Estado do Par (2007). Como os estudos e trabalhos, tratamse, em geral, de monografias de carter exploratrios e baseadas no mtodo de estudo de caso, no possvel estabelecer concluses que permitam generalizar. Seguindo as recomendaes de organismos internacionais e latino-americanos (CLAD, documento: A New Public Management for Latin America, 1998), vrios estudos e relatrios diagnosticaram uma crise da administrao pblica burocrtica e a necessidade de empreender reformas (LONGO; YSA, 2008, p. 17). Essa crise no se manifesta somente nos aspectos tcnicos e cientficos, mas tambm pela prpria complexidade destes novos cenrios, tanto locais quanto globais, que se configuram nas agendas pblicas e nas prprias falhas do sistema de mercado hegemnico e propostas neoliberais de retrocesso ou de diminuio do Estado. Todos se traduzem na necessidade de produo de respostas por parte das administraes pblicas frente a essa nova realidade. Os cenrios poltico-institucionais so apontados como determinantes na superao dos marcos estveis para superar a crise. Assim, para fornecer respostas, objetiva-se que cada vez mais as intervenes pblicas devem ser realizadas com a colaborao das diversas instncias e com diferentes autoridades hierarquizadas das administraes, isto , com a colaborao de atores de diferentes hierarquias da mesma organizao ou por organizaes fora do sistema pblico. O Brasil no se encontra isento desse processo e, apesar dos importantes avanos no ltimo quarto de sculo em toda a administrao pblica, a Confederao Nacional de Municpios (CNM) publicou em 2008, a coletnea Gesto 2009-2012 A Nova Administrao Pblica, em que se justifica: () Transformaes tecnolgicas, estruturais, econmicas e sociais exercem grandes impactos na vida das pessoas, sendo que esses impactos consequentemente refletem nas gestes por elas lideradas (CNM, p. 8). Com essa proposta trata de um modelo de administrao pblica voltado para a eficincia, eficcia e efetividade (CNM, p. 14). No documento bsico aparecem os conceitos e as diretrizes principais, tais como: gesto baseada em processos (CNM, p. 33), conduo para a eficincia, excelncia e

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Fortalecimento institucional municipal no Estado do ParA configurao atual dos municpios paraenses e sua evoluo histrica desde 1988 um tema j tratado por diversos autores (BORDALO, 2007), assim como os novos recortes municipais (SILVA, 2008). O Estado do Par, como o restante dos municpios da unio, para viabilizar as polticas setoriais, procuram recursos e dependem () diretamente dos repasses dos tributos do governo estadual e da unio, sem, contudo, apresentar polticas que os tornem capazes de aumentar suas arrecadaes e assim dar solues aos seus problemas urbanos e rurais (SILVA, 2008, p. 78). Esse fenmeno se manifesta de forma especial nos municpios de recente criao. O Estado do Par desde 1980 tem criado mais de 60 novos municpios, ao passar de 83 em 1980, aos

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orientao para o pblico (CNM, p. 15-17), tambm trata aspectos constituintes como a tecnologia de gesto e o planejamento estratgico. Diversos autores (LANDER, 1999; BRESSER-PEREIRA, 2000 e 2007; CuNILL GRAu; BRESSER-PEREIRA, 1998) sugerem a necessidade de estabelecer uma governana dos sistemas pblicos contemporneos. As organizaes sociais, denominadas por Bresser-Pereira (2004) pblico no estatal, demandam cada vez mais exigncia na prestao de servios pblicos. Nos ltimos anos, o mercado e as redes disputam no poder pblico, cada vez mais, um papel protagonista predominante na prestao de servios, especialmente na sade e em outros campos sociais. Confrontar a governana (governabilidade) na gesto pblica significa adotar uma srie de critrios que devero orientar os procedimentos administrativos e a gesto (DENTE, 1995; LIMA, 2001). Diversos autores diagnosticaram a emergncia de um Estado relacional incipiente, compreensvel talvez no contexto das democracias da Europa Ocidental, mas no para a regio Amaznica, que faz parte da periferia da periferia (MELLO, 2007, p. 36), e que por sua capacidade de desenvolvimento institucional pode ser caracterizada como regio de baixa institucionalidade (TORRES, 2004, p.7). A realidade de muitos municpios paraenses se expressa claramente no estudo de Monteiro (1997, p. 153): () A forma como se administra o municpio, no caso de realidade paraense, continua presa tradio patrimonialista. Os gestores municipais utilizaram os cargos pblicos como uma extenso de seus negcios particulares e de seus familiares.

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atuais 144 em 2010. Quanto ao estrato populacional mais importante o constituem municpios entre 20 mil e 100 mil habitantes, somando um total de 84 municpios. Aparece como varivel principal, como a capacidade de aumentar suas arrecadaes para poder oferecer solues aos problemas, e que se pode decompor, por sua vez, em duas: a capacidade de planejar e, com ela, de dispor de pessoal adequadamente qualificado. Para medir a capacidade de planejamento na gesto financeira foram construdos diversos indicadores. A realizao de estudos socioeconmicos, como elemento bsico para o planejamento, , todavia, mnima nas prefeituras de tamanho mdio, e maior nas menores. No entanto, este dado no esclarece o tipo de estudos, a metodologia utilizada e a aplicao e seguimento por parte dos gestores municipais. Especialmente as prefeituras mdias tm poucos mecanismos de acompanhamento e controle a curto e a longo prazo, assim como de atualizao do Imposto Sobre a Propriedade Territorial urbana (IPTu) e do Imposto Sobre Servios de Qualquer Natureza (ISSQN). Esses aspectos podem ter como consequncia, em caso de endividamento, a obrigao de tomar medidas drsticas como o aumento da arrecadao de impostos e do endividamento. um salto qualitativo se manifesta nas prefeituras grandes, as quais se baseiam em estudos prvios para planejamento e acompanhamento a curto e a longo prazo (Tabela 2).Tabela 2 Indicadores para o planejamento econmico municipalPossuem mecanismos de acompanhamento e controle Faixa Populacional Pequenos Mdios Grande Total Realizam estudos Curto socioeconmicos Prazo 80.00 33.33 100.00 58.33 40.00 16.67 100.00 33.33 Longo Prazo 40.00 33.33 100.00 41.67 Numero mdio em anos, de Mecanismos de correo defasagem na adotados em caso de dficit atualizao Legislao Cadastro IPTU e ISSQN 4.75 8.35 5.00 6.00 Aumentaram a Aumentaram arrecadao de endividamento tributos prprios 60.00 50.00 0.00 50.00 20.00 33.33 0.00 25.00

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Fonte: pesquisa de campo, Ipea/Idesp, 2010.

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Tabela 3 Instrumentos utilizados como subsdio do planejamentoInstrumentos utilizados para definio de Instrumentos como subsdio para planejamento prioridades de investimentos de investimentos da Prefeitura Faixa populacional Pequenos Mdios Grande Total Estudos tcnicos 75.00 57.14 100.00 66.67 Decises Participao Prefeito e entidades PD secretariado sociais 75.00 71.42 100.00 100.00 71.43 100.00 83.33 50.00 85.71 00.00. 66.67 PPA PE PDLS PG

100.00 100.00 100.00 100.00

25.00 14.29 100.00 25.00

25.00 28.57 00.00 25.00

75.00 71.43 100.00 75.00

Fonte: pesquisa de campo, Ipea/Idesp, 2010.

O baixo planejamento ou o planejamento insuficiente tem consequncias na gesto de pessoas, especificamente na previso de concurso para os prximos anos. Menos da metade das prefeituras pesquisadas tem prevista

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Quanto gesto de capital e infraestrutura, enquanto que em municpios grandes e mdios se utiliza todo tipo de estudos tcnicos e participao de entidades tambm das decises do prefeito, nos municpios mdios e pequenos se adotam outras estratgias. Nas prefeituras pequenas, aparece a participao das entidades sociais como o instrumento para definir as prioridades dos investimentos, sendo mais importante que as decises do prefeito e os estudos tcnicos. A situao varia nas prefeituras mdias, nas quais aparece um equilbrio entre estudos tcnicos, decises do prefeito e participao das entidades. Como instrumentos de subsdio ao planejamento de investimentos nas prefeituras pequenas aparecem o Plano Plurianual, o Plano de Governo e o Plano Diretor como os mais importantes. Nas prefeituras mdias, apesar da obrigao de dispor do Plano Diretor, este no utilizado em todas, apenas em 85% delas, enquanto que o PPA o instrumento mais utilizado. Nas prefeituras grandes, so utilizados o Plano Plurianual, o Plano Estratgico e o Plano de Governo. O Plano de Desenvolvimento Local Sustentvel (PDLS) surge como um instrumento pouco utilizado em todo tipo de prefeituras (Tabela 3).

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a realizao de concursos. Este fato pode ser devido falta de informaes para a criao de novas vagas, embora a ausncia se manifeste de diferentes formas, segundo o estrato de prefeitura de que se trata. Aparecem as prefeituras pequenas como as que mais importncia do aos parmetros das polticas setoriais, enquanto que as grandes prefeituras obedecem s demandas das secretarias. A existncia de planos de cargos (PCS e PCCR) constitui um problema para as prefeituras pequenas e mdias. Por ltimo, um problema de primeira ordem se constitui na dificuldade de encontrar profissionais dispostos a trabalhar e a viver nas prefeituras mdias e pequenas do interior do Par (Tabela 4).Tabela 4 O planejamento na gesto de pessoasInformaes para criao novas vagas Faixa populacional Pequenos Mdios Grande Total Previso concursos prximos 2 anos 75.00 42.86 100.00 58.33 Cadastro e movimentaes de servidores 50.00 28.57 0.00 33.33 Parmetros polticas setoriais 100.00 28.57 0.00 50.00 Existncia planos de cargos PCCR

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Demandas das PCS secretarias 75.00 85.71 100.00 83.33 50.00 28.57 0.00 33.33

75.00 57.14 100.00 66.67

Fonte: pesquisa de campo, Ipea/Idesp, 2010.

Possivelmente, o problema do baixo planejamento uma consequncia da deficiente capacitao do pessoal da prefeitura. Todavia, se realizam poucos cursos de capacitao. Esse fato aparece alarmante na gesto de tecnologia da informao. Dispor de um moderno sistema de hardware ou de software em uma prefeitura no significa necessariamente uma maior eficcia e eficincia, dado que muitos funcionrios apenas dispem dos conhecimentos bsicos de informtica (Tabela 5).

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Gesto de pessoas Realizao de curso de capacitao por meio: Programao de cursos % 50.00 57.14 100.00 58.33 Demandas especficas % 50.00 57.14. 100.00 58.33

Gesto tecnologia Informao

Faixa populacional

Cursos capacitao funcionrios Prefeitura 75.00 71.43 100.00 75.00

Capacitao de pessoas

Pequenos Mdios Grande Total

25.00A gesto pblica municipal: instrumento transformador para o desenvolvimento social do Par 27

28.57 25.00 33.33

Fonte: pesquisa de campo, Ipea/Idesp, 2010.

Quanto gesto financeira, de capital, de pessoas, nos municpios mdios no possvel estabelecer uma tendncia clara. Nesta rea aparecem contradies, como: possvel a existncia de uma equipe responsvel para o planejamento dos investimentos sem dispor previamente de estudos socioeconmicos? Aparentemente, diferente a situao nos municpios pequenos, naqueles que afirmam realizar estudos socioeconmicos, ter uma equipe responsvel pelo planejamento e realizar previso de concurso nos prximos dois anos. Contudo, na amostra emprica no se especifica a tipologia, profundidade e qualidade dos estudos socioeconmicos, assim como tampouco a composio da equipe responsvel do planejamento.

Fortalecimento institucional e desenvolvimentoA gesto pblica na regio da Amaznia oriental no pode se limitar a apenas uma boa gesto no sentido amplo da expresso, mas deve ser tambm orientada ao desenvolvimento. Para isso, deve-se cumprir uma srie de exigncias e desafios (VIDAL, 2011). O desenvolvimento econmico se produz () como consequncia da utilizao do potencial e do excedente gerado localmente e da atrao, eventualmente, de recursos externos (VAZQuEZBARQuERO, 2000; 2001, p. 41). Vazquez-Barquero (2000; 2001), assim como

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Tabela 5 Nvel de capacitao dos funcionrios das prefeituras

outros autores tomam a varivel econmica e institucional como varivel independente (NORTH, 1981; WILLIAMSON, 1985). O desenvolvimento econmico ocorre como consequncia de quatro determinantes entrelaados, que podem favorecer ou dificultar o desenvolvimento: 1) a difuso das inovaes do conhecimento; 2) a organizao flexvel da produo; 3) o desenvolvimento urbano do territrio; 4) a densidade do tecido institucional (VAZQuEZ-BARQuERO, 2001). Nesses quatro elementos, aparecem de forma transversal, com maior ou menor intensidade, o papel dos atores locais, concretamente, as decises tomadas por eles e o papel das instituies. As instituies, como portadoras e transmissoras de uma cultura e em consequncia de uma forma de organizao, podem favorecer os processos de desenvolvimento. Com as falhas detectadas nas polticas pblicas no nvel macro, devido, dentre outros aspectos, sua homogeneidade e falta de adaptao, o municpio adquire um papel estratgico na formulao e execuo de polticas pblicas para o desenvolvimento. Existe um conjunto de explicaes sobre o fenmeno da falta de planejamento; o planejamento fraco, a mdio e a longo prazo, pode explicar, segundo o foco, o nvel de abstrao e a forma como se argumenta. Em minha opinio, quatro elementos aparecem como determinantes na composio de uma gesto pblica municipal por resultados: 1) o contexto institucional; 2) as falhas sequenciais da gesto; 3) a arquitetura organizacional; 4) a cultura de planejamento. O contexto institucional faz parte dos estudos das diversas vertentes do institucionalismo, o qual incorpora, em sua anlise, elementos estruturais do governo e seus elementos histricos e normativos. Refere-se institucionalidade existente na prpria prefeitura como em outras instituies municipais, estaduais e federais, com as quais a prefeitura possui vnculos. A Teoria da Delegao (MELO, 1996) se refere responsabilizao dos governantes no controle da agenda pblica e das agencias estatais. A continuidade e as falhas sequenciais constituem um elemento de anlise essencial para compreender os mecanismos geradores dessas falhas nas reformas gerenciais. As continuidades-descontinuidades da gesto descontinuidades, abandonadas, terminadas (REZENDE, 2004, p. 34) no foram estudadas na pesquisa, embora possam entrever como atitudes que prejudicam enormemente o desenvolvimento. No uma exceo observar em prefeituras projetos iniciados, obras pblicas anunciadas por um prefeito e abandonadas no momento em que aparece uma mudana de representantes no poder poltico municipal. Entre as hipteses que se estabelecem, as reformas falham essencialmente a partir de

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otimizao dos recursos pblicos. As prefeituras recebem recursos a partir de diversos programas federais alm de outras fontes prprias ou atravs de parcerias com empresas privadas. uma eficiente gesto destes recursos e o estabelecimento de prioridades de investimentos um elemento bsico para o fortalecimento institucional; introduo de uma cultura de postos e responsabilidades. Esta cultura se baseia na meritocracia e na competncia dos servidores pblicos. Contratao de pessoal preparado e competente para desempenhar as funes bsica para que a administrao possa oferecer servios da qualidade ao cidado. Esta nova cultura da meritocracia h de enterrar prticas de carter endogmico e neptico comuns em muitos municpios; internalizao de uma cultura de planejamento. Construir um futuro com melhor qualidade de vida para os habitantes e evitar situaes de improvisao nos planos de carreira, na criao de novas vagas e nos concursos dependem de introduzir uma cultura de planejamento em todas as secretarias e nveis municipais, colocando em prtica o Plano Diretor seria um avano neste sentido; introduo de uma cultura de formao e reciclagem constante dos funcionrios. A formao dos funcionrios para otimizar o hardware e o software indispensvel para o bom funcionamento dos servios da prefeitura. Dado o baixo ndice de formao dos funcionrios em algumas prefeituras, a oferta de cursos de formao homologados e de

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mecanismos causais, como: os custos de transao envolvidos nas reformas, os legados de desempenho ou o dilema do controle (REZENDE, 2004). A arquitetura organizacional ou o organograma municipal constitui um elemento determinante que pode reduzir o grau de efetividade da gesto, posto que obedece em alguns casos a decises arbitrrias e, portanto, sem um conceito racional. A arquitetura organizacional influi tambm na gesto de projetos estratgicos, como diversos estudos apontam (MAXIMIANO, 2007; MARIANI, 2008) e, por ltimo, a cultura de planejamento (HOFSTEDE, 1999; REZENDE, 2004). A gesto pblica no s deve dar resposta s exigncias e demandas atuais, mas tambm deve ser orientada ao desenvolvimento do municpio e da regio. Embora a gesto pblica municipal no incida diretamente sobre o desenvolvimento socioeconmico do municpio, sem que possa introduzir uma srie de prticas de mudana da cultura e do nvel operativo para o fortalecimento do poder municipal e, em consequncia, para a modernizao da instituio, como:

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estncias temporais de funcionrios em outras prefeituras selecionadas como casos de boa gesto municipal so elementos que favoreceriam a introduo de novas prticas de gesto (VIDAL, 2011); otimizao do organograma municipal estruturado de forma mais funcional e racional, orientado a resultados e a novas demandas da cidadania e da sociedade, e no orientado ao poder pblico.

Finalmente, estas dimenses podem sintetizarem-se na cultura do planejamento.A gesto pblica municipal: instrumento transformador para o desenvolvimento social do Par

Em forma de conclusesCada sociedade possui formas especficas de organizao das instituies, cultura e formas de organizao, as quais facilitam ou dificultam o desenvolvimento econmico. A organizao destas instituies est fortemente condicionada por uma cultura. Nas prefeituras pequenas e mdias paraenses se detecta a falta de normalizao de uma cultura de planejamento financeiro, de mecanismos de acompanhamento e de controle na rea da gesto financeira provocando efeitos negativos. Surpreendentemente, em todas as prefeituras se destina pessoal para essas tarefas. A falta de cultura de planejamento tem como consequncia, no caso de dficit oramentrio como na maioria das prefeituras do Par que tenham que tomar medidas drsticas de reduo de despesas e de procura de transferncias voluntrias, seja de origem federal ou estadual. Entretanto, aparece a questo: as prefeituras pequenas e mdias possuem pessoal suficientemente capacitado e qualificado para procurar linhas oramentrias e realizar os correspondentes trmites de formulao e gesto de projetos e aes governamentais? A ao da prefeitura e a gesto para o desenvolvimento, por menores que sejam, no se restringem aos limites do municpio, mas refletem, em maior ou menor medida, um contexto institucional e de ao poltica mais amplo a nvel estadual. No surpreendentemente, no mundo da fsica se tem visto a concluso: o infinitamente pequeno e o infinitamente grande guardam os mesmos segredos.

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Henry Willians Silva da Silva2 Wilson Jos Barp3

Resumo O artigo tem como objetivo identificar e analisar a atuao e os discursos dos diversos agentes mediadores de entidades no governamentais de direitos humanos, envolvidas com as causas e defesa dos movimentos, na luta pela terra no Estado do Par. A pesquisa qualitativo-descritiva serviu de instrumento para a coleta de dados, assim como anlise de discurso tendo como referncia a matriz francesa. H nos diversos discursos e atuaes um enfoque na luta por direitos terra e contestao da ordem social vigente. Por isso, afirmamos que os defensores dos movimentos no campo tm um carter poltico, lutam por direitos coletivos e uma proposta poltica alternativa para a sociedade. Conclui-se que existem litgios discursivos convergentes, dos mediadores quanto luta e garantia de direitos ao acesso terra, aos movimentos e de conflitos frente s polticas do Estado na Amaznia, como manuteno das lutas sociais contra a violncia. Palavras-chave: Defensores. Conflitos. Direitos. Movimentos sociais. Lutas sociais.1 A sociedade necessita da contradio, do conflito para atingir determinada configurao, ou seja, de carter positivo. A legitimidade se deve a uma possibilidade de um consenso generalizado de aceitao de uma coisa, por exemplo, as lutas sociais no espao agrrio paraense materializadas pelos movimentos e seus defensores so necessrias para a plena realizao de uma sociedade democrtica, na afirmao de direitos. Desta maneira, o conflito se distingue de violncia, por estabelecer mudanas numa determinada sociedade. Professor da universidade do Estado do Par (uEPA). E-mail: [email protected] Professor da universidade Federal do Par (uFPA). E-mail: [email protected]

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Henry W. S. da Silva Wilson J. Barp

Resumen El artculo tiene como objetivo identificar y analizar la actuacin y los discursos de los diversos agentes mediadores de entidades no gubernamentales de derechos humanos, relacionados con las causas y defensa de los movimientos, en la lucha por la tierra en el Estado do Par. La investigacin cualitativa-descriptiva sirvi de instrumento para la colecta de datos as como de su anlisis de discurso, teniendo como referencia la matriz francesa. Hay en los diversos discursos y actuaciones un enfoque en la lucha por derechos a la tierra y contestacin de orden social vigente. Por eso, afirmamos que los defensores de los movimientos en el campo tienen un carcter poltico, luchan por derechos colectivos y una propuesta poltica alternativa para la sociedad. Se concluye que existen litigios discursivos convergentes, en cuanto a la lucha y la garanta de los derechos de acceso a la tierra, a los movimientos y frente a las polticas del Estado en la Amazonia, como manutencin de las luchas sociales contra la violencia. Palabras llave: Defensores. Conflictos. Derechos. Movimientos sociales. Luchas sociales.

O conflito legtimo na luta pela terra dos mediadores dos movimentos sociais

IntroduoEste artigo focaliza os discursos dos agentes mediadores que defendem as causas dos movimentos para analisar seus depoimentos e avaliaes acerca da luta pela terra e as transformaes ocorridas ps-episdio de Eldorado de Carajs no Par. Logo, mediador aquele que exerce uma direo poltica comprometida com as causas dos movimentos. Assim, a ideia limita-se aos coordenadores, diretores, lideranas, advogados ou defensores dos movimentos e ONGs. Por meio da Anlise de Discurso AD, percebemos que a memria discursiva estabelece filiaes de sentido, conforme o lugar do sujeito nos discursos. Desta maneira, estes so recheados de indignao, de lutas, de contestao, de tristeza, de sentimento de impunidade e de denncia das desigualdades e injustias agrrias. O conflito social uma tenso entre opostos, que podem ser instituies, grupos, classes, fraes de classe e agentes mediadores. A necessidade do conflito entre estes mediadores como forma de aparente denncia falta de atendimento a uma carncia, faz com que o movimento

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Ao conflitual coletiva por meio de confronto poltico para explorar oportunidades polticas frente a seus opositores (TARROW, 2009).

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social4 irrompa na reivindicao de direitos e se estenda como avaliador das aes do poder pblico estadual e federal. Logo, o conflito agrrio provoca mudanas. Partiu-se da constatao de que os discursos dos diversos mediadores e defensores dos movimentos sociais no campo referem-se atuao nas reivindicaes e conduo da luta social. Verificou-se que o discurso poltico de lutas entra em choque com o do Judicirio. Este choque desencadeia diferentes formas de conflitos, como por exemplo, os despejos judiciais, a ocupao e a violncia presentes no caso Eldorado. Assim, este trabalho objetiva analisar que existiram contradies internas e coalizes nas posies, atuaes e prticas dos diferentes agentes mediadores envolvidos com as causas dos movimentos a partir do conflito de Eldorado de Carajs. utilizamos como mtodo a AD de matriz francesa em Pcheux (1988, 1997, 1999), Orlandi (1996, 1999, 2005, 2008) e Possenti (2007). Assumindo que a anlise se efetiva juntamente com base em seus conceitos e teorias. Pcheux (1988, p. 160) afirma que () o sentido de uma palavra, de uma expresso, de uma proposio etc. () determinado pelas posies ideolgicas que esto em jogo no processo scio-histrico no qual as palavras, expresses e proposies so produzidas (). Portanto, o sentido determinado pela posio do sujeito num contexto no qual est inserido e que depende da formao ideolgica e de um saber discursivo. Verifica-se que o discurso o lugar onde se pode observar a relao entre lngua, histria e ideologia. Nas condies de produo, devem-se levar em conta, dois sentidos. O primeiro, estrito, o contexto imediato ou as circunstncias de enunciao, ou seja, o local em que se d a enunciao. O segundo, amplo, o carter sciohistrico (historicidade), ideolgico, isto , os elementos que derivam da sociedade, da histria (ORLANDI, 2005, 1999). Tudo o que compe o corpus desta pesquisa originou-se das entrevistas, da observao em campo, dos documentos, dos relatrios e das informaes da web nas diferentes instituies envolvidas que defendem os trabalhadores. Para fazer a comparao, a anlise e a transcrio dos discursos foram utilizados o software QSR Nvivo 8 e MindMapper 2008 como ferramentas no processo de pesquisa e tratamento dos dados. Enfim, este artigo estruturou-se em trs partes. Primeiro, identificamos nos discursos dos mediadores da causa dos movimentos, a relevncia do con-

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flito como meio de reivindicaes em programas e polticas governamentais e no tratamento da questo agrria no campo paraense. Segundo, a necessidade da luta pela terra como forma de garantir direitos por meio do confronto poltico. Terceiro, as diferentes formas de represso e violncia contra mediadores e movimentos sociais presentes nos discursos dos defensores no espao agrrio paraense. Desta forma, organizaes, mediadores e movimentos travam no campo uma luta incessante na garantia de direitos que s se efetivam por meio de presso social da sociedade civil organizada frente a seus oponentes.

O c o n f l i t o c o m o g e r a d o r d e m u da n a s e m p o l t i c a s e p r o g r a m a s s o b a i n i c i at i va s o c i a l da s o c i e da d e c i v i l e d o s m ov i m e n t o s s o c i a i sHouve, ps-massacre de Eldorado de Carajs, uma reformulao no sistema de segurana pblica, no Estado do Par, por meio da lei n. 5.944/96 e do decreto 1.361/96 que instituiu o Sistema Estadual de Segurana Pblica, o Consep e a Comisso de Mediao de Conflitos Fundirios, denominada nos relatos de CMCA5. O primeiro estabeleceu a reformulao de polticas pblicas de segurana sob a interao da sociedade civil, num marco de mudanas do velho modelo do sistema de segurana. Seu objetivo a centralizao de todos os rgos de segurana pblica sob a ordem do presidente do conselho juntamente com a sociedade civil paritria, portanto, toda a ao das polcias estava sob o controle e a fiscalizao desse conselho. Assim, um rgo da sociedade civil que fiscaliza e controla a atuao do sistema de segurana pblica. O segundo, na condio de comisso, tem mudanas e vida curta. Em ambos, a participao de entidades da sociedade civil, como Cedeca, Spddh-PA, Cedenpa, dentre outros, as quais apesar de acompanharem aes de conflitos envolvendo questes de terras, apenas evitam de imediato o derramamento de sangue. Verifica-se, nesses discursos, a importncia do conselho e da sociedade civil no tratamento das polticas de segurana, um posicionamento favorvel e otimista quanto a estas mudanas, logo, ressoa um caminho para se atingir e afirmar uma sociedade verdadeiramente democrtica. A partir da criao do Consep, juntamente com a sociedade civil organizada, o MNDH passa a estabelecer a organizao de fruns, conferncias e programas de capacitao de lideranas comunitrias e advogados para discutir a5 Criada sobre o Decreto n. 2.420, de 06.10.1997, estando vinculado ao CONSEP-PA e coordenada pelo Ouvidor Agrrio Estadual.

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Criado pelo Decreto n. 1.904, em 13.05.1996 no governo FHC no perodo de 1996-2002. Entrevista 3, SDDH em 13.05.2010.

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formulao de polticas de segurana pblica e de defesa dos direitos humanos na regio. Foi neste perodo que se criou o I PNDH6, quase um ms depois do massacre, com uma ampla poltica em defesa da vida e contra a violao desses direitos. Essas polticas do poder pblico acabam suavizando as diferentes formas de violncias no meio rural mas no resolvem de imediato o problema. Apenas sinalizam um novo patamar de presso social e organizao da sociedade civil mediante a luta pelos direitos das entidades no governamentais e movimentos sociais. Dentro dessa linha, podemos afirmar que os conflitos so inerentes s lutas sociais, pois sem eles no haveriam mudanas. Desta maneira, a ideia recorrente dessas concepes remonta aos direitos humanos na aplicao concreta de direitos a servio das lutas sociais. A CMCF uma possibilidade do governo estadual resolver ou mediar os conflitos no campo, com a presena de representantes de diversos rgos estatais e da sociedade civil. Em sua plena efetivao, aps um ano do massacre de Eldorado, verifica-se a ao da prpria comisso como uma espcie de controle social pelo poder pblico na rea em litgio. No discurso do defensor dos direitos humanos: () a voc cria condies para estabelecer uma mediao, o objetivo dessa comisso essa, intervir mesmo, elevar () o olho e evitar os conflitos com mortes; no incio funcionou muito bem, mas depois7 (SDDH). Verificamos duas situaes que marcam a nova atuao de mediao. Primeiro, antes de expulsar, por exemplo, trabalhadores numa determinada rea ocupada necessrio investigar a rea em litgio e estabelecer meios que garantam a vida desses agentes, evitando qualquer ao violenta. Segundo, h um descompasso dos fatos ocorridos tanto da ao da comisso quanto da prpria legislao que garantem conhecer, acompanhar e mediar os conflitos agrrios. Essa comisso, se perdeu hoje, conforme fala do mediador dos direitos humanos, seja pelas razes apresentadas anteriormente seja pela prpria fora sujeita a um conselho ou a presses polticas. Pela sua brevidade, h uma preocupao desses agentes em ampliar as lutas pela atuao de um conselho e no pela atuao dessa comisso. Constatamos que no ps-massacre houve fluxos na conjuno de lutas dos movimentos sociais na implementao de aes em defesa de polticas pblicas

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no meio rural e tambm refluxos quanto obstacularizao do poder pblico, em benefcio dos interesses do capital, em detrimento e represso s lutas sociais. Desta maneira, novas foras sociais se aglutinam na possibilidade de criao de polticas no campo e maior interao entre os diferentes grupos e movimentos sociais. Portanto, mesmo havendo presso social na possibilidade de garantia da terra e de polticas, h um preo a ser pago: a represso contra os movimentos sociais pelo poder pblico e segmentos dominantes e empresariais do campo. A partir de 2001, se prope a criao das varas agrrias seja na esfera estadual seja na federal8. Entretanto, nos municpios do Estado do Par h elevado ndice de conflitos e violncias no campo, onde elas foram implantadas como em Altamira, Redeno, Marab, Santarm e Castanhal. Segundo a CF, o art. 126 estabelece que () para dirimir conflitos fundirios, o Tribunal de Justia propor a criao de varas especializadas, com competncia exclusiva para questes agrrias e que sob a necessidade de prestao jurisdicional, o juiz deve estar no local do litgio (BRASIL 2010b; MACHADO, 2010 [2005]; QuINTANS, 2008). Para tanto, os relatos apontam que, ao invs de dirimir os conflitos agrrios, servem como instrumento de mediao, da formao dos magistrados que atuam nestas varas especializadas e da aplicabilidade da Constituio nestes conflitos. A proposta de criao destas varas se deu pelas lutas sociais contra o Poder Judicirio que defende os interesses do latifndio. Dentro de determinadas condies de produo do discurso, a posio do sujeito v o Judicirio como juiz do latifndio. Portanto, a mudana mnima nos conflitos agrrios se deve criao das varas. Estas, como instrumento de mediao em conflitos agrrios, dependem dos fatos e elementos para a anlise e do parecer do juiz, se o que ocorre invaso ou ocupao. Para reforar esta proposio, apresentamos dois fragmentos: de um lado, um que no v resultado imediato para as lutas sociais dos movimentos, e outro que considera que um resultado, por mnimo que seja, a favor daqueles, j positivo. Entretanto, apesar de ressoar aparentemente como divergentes, so convergentes quanto a um discurso antagonista frente ao Poder Judicirio.() olha, a gente tenta forar que seja um julgamento das aes possessrias, que se respeite minimamente inclusive a Constituio n, ou seja, que a lei maior que rege o pas seja observada, quando em julgamento esto as aes possessrias e no s a le8 Diante da reforma do Poder Judicirio que se propem as varas especializadas nas questes agrrias sob o artigo 126 CF, EC n. 45/04.

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gislao infraconstitucional que o cdigo civil por exemplo n, e estar atento tambm ao que diz o prprio direito agrrio n, se os conflitos so agrrios, possessrios de natureza agrria, eles no poderiam ser julgados sem se submeter legislao agrria, ento a vara agrria uma chamada, uma forma de, vamos dizer assim, forar o uso da Constituio e da legislao agrria para julgamentos das questes envolvendo os camponeses no latifndio () (Entrevista 1, CPT em 03.05.2010)9. () e tem o aparato judicial muito forte ou atuando contra essas ocupaes ou de sobreaviso que so as tais varas agrrias, ento vara agrria tambm outra coisa que pra mim no resolveu a situao, pelo contrrio, controlou o movimento, varas agrrias elas controlaram o movimento () ento se tiver , tipo assim, esse juiz entende de reforma agrria, de questo agrria, se ele der uma ordem, ento essa ordem tem de ser cumprida e se no for cumprida tem interveno federal, tem tudo isso, ento na verdade esse controle que foi construdo em torno do Estado sobre a luta dos movimentos sociais foi extremamente negativo pra luta da reforma agrria () (Entrevista 2, SDDH em 28.05.2010).

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Os grifos destacados neste trabalho objetivam demarcar palavras, expresses ou ideias relevantes dos enunciados para inferncias e anlises. As FDs tm os seguintes aspectos relevantes: primeiro, representam no discurso as FIs, logo, os sentidos sempre so determinados ideologicamente, pois h uma reciprocidade entre linguagem e ideologia; segundo, por meio dela que podemos compreender os diferentes sentidos nos discursos, por exemplo, a palavra terra no significa o mesmo para um sem-terra, para um ndio e para um latifundirio e assim por diante. Pois, as FDs so posies em conflito que esto em jogo

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No fragmento 1, permeia a defesa do direito terra para os movimentos e camponeses com base na CF, logo, um discurso de embate com o discurso proprietrio do Poder Judicirio, das varas, ou seja, contra uma viso conservadora da distribuio das terras que aparece no discurso dos magistrados insensveis com a questo agrria e favorveis aos interesses latifundirios e criminalizao daqueles movimentos. A sensibilidade requer prudncia, necessidade e, de maneira imprescindvel, a verificao in loco das condies da rea em litgio e de seus pretensos interessados, antes de qualquer tomada de deciso injusta. Entretanto, quando isto no ocorre, verifica-se que o Judicirio, coberto do manto da neutralidade e imparcialidade, no cumpre a funo social da terra, pelo contrrio, defende um discurso proprietrio e classista. No fragmento 2, a observao de que as varas agrrias tambm controlaram os movimentos, principalmente, as ocupaes. Portanto, a imagem que o mediador tem acerca das varas, que so instrumentos do Estado para refrear as lutas sociais pela reforma agrria. Desta maneira, evidencia uma Formao Discursiva10 (FD) conflitante com o discurso e aes do poder pblico. Assim,

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por meio da FI11 que percebemos um discurso contestador contra o Poder Judicirio e da defesa de um direito agrrio, a terra como funo social. Verificamos que o sentido dado a uma palavra, expresso ou proposio, como ensina Pcheux (1988), pelos diferentes agentes mediadores dos direitos humanos, depende das posies destes numa FI que est em jogo num processo scio-histrico no qual esto inseridos, isto , seja um discurso militante a uma determinada causa denominada subversiva, subterrnea ou, como clasificamos, antagonista em oposio a outro dominante. Por exemplo, no relato 2: () e tem o aparato judicial muito forte ou atuando contra essas ocupaes ou de sobreaviso que so as tais varas agrrias (SDDH), ou seja, quando verificamos as FD sobretudo quando aparecem termos como ocupao versus invaso, luta pela terra, pois, s se conquista a terra pela luta ou conflito, neste caso, a ideia de luta vista como positiva e no destrutiva, necessria para os movimentos. A palavra ocupao passa a ter um significado de que a rea no de ningum, no tem dono, pblica, passvel de permanncia nela, mesmo sendo uma rea grilada ou devoluta. Desta forma, esta a garantia de acesso a direitos, projetos de assentamentos em oposio ao termo invaso que transparece a ideia de ter dono, propriedade privada latifundiria, sujeito a crime, muito recorrente na fala dos defensores de um projeto dominante e conservador da estrutura agrria. Assim, o sentido depende da posio do sujeito. Quanto ouvidoria agrria estadual, criada pela lei n. 6.437 de 09.01.2002, de atuao diferenciada da esfera federal12 e centralizada no ouvidor agrrio, previne e reduz os conflitos fundirios e a violncia no campo, sob articulao e parcerias com o Poder Judicirio e o ministrio pblico. Essa ouvidoria est vinculada Secretaria de Justia, CMCF/Consep, Incra, Iterpa, PGE, Defensoria Pblica, TJE, Ministrio Pblico, Funai, CNBB, OAB e a outros. Por outro lado, suas aes, por meio de audincias, so geralmente realizadas nas reas em litgio com a presena do requerente, dos requeridos, dos advogados integrantes do CMCF e do ouvidor agrrio, o qual faz um relatrio. A comisso analisa o conflito, prope a soluo e, por fim, o ouvidor elabora os encaminhamentos (MACIEL, 2010).e que determina o que pode ser dito. As FIs so como uma espcie de fora em confronto com outras, atitudes e representaes que se relacionam de certa forma em conflitos e deriva de condies de produo especficas. Afirma-se que os discursos so governados por FIs e vistos como fenmeno social, pois, o lugar da construo do sentido (BRANDO, 2005; ORLANDI, 1999; 1996; 2005). A noo de Formao Ideolgica (FI) que os significados so determinados ideologicamente. Art. 126 da CF, Emenda Constitucional n. 45/04 a respeito da nova reforma do poder judicirio.

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A memria tratada como o interdiscurso, ou seja, aquilo que fala antes, noutro lugar, uma espcie de saber discursivo, grosso modo, o que o sujeito diz que tem relao com outros ditos. Retomamos que o dizer no propriedade particular do sujeito, pois as palavras no so nossas, estas perpassam ou significam pela histria e pela lngua. Assim, o interdiscurso o prconstrudo, onde est a produo de sentidos, logo presentes a memria, a historicidade, a ideologia, a metfora e o no dito (ORLANDI, 1999; 2005).

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A ouvidoria no est a servio da implementao de uma reforma agrria como desejam os mediadores dos movimentos, mas apenas da mediao em conflitos. Pelo discurso, este instrumento estatal de resoluo de conflitos est atrelado e concentrado nos poderes que sempre mantiveram a dominao e represso contra os movimentos e camponeses sem-terra, que so o Executivo e o Judicirio. Logo, verificamos que, de um lado, o grande responsvel pela no resoluo do problema e da estrutura fundiria no Par o poder pblico e seu aparato judicial e, de outro, a sobreposio de um novo adversrio contra a luta social: as aes do Judicirio. A posio do sujeito no discurso defende que o direito uma luta, um meio para conseguir os fins, isto , como razo instrumental a servio dos embates sociais como bem ressaltou Von Ihering (1995) na defesa de um direito concreto ou subjetivo. Logo, um discurso experienciado no calor dos conflitos sociais, dos movimentos, dos sem-terra e dos direitos humanos, em oposio a uma FD estabelecida, conservadora e contrria aos movimentos, como o das aes do Poder Judicirio, do poder pblico e dos representantes do agronegcio. Enfim, um discurso reconstrudo pela historicidade das lutas sociais, no caso do Par, que permeia at hoje aqueles que defendem as mudanas da estrutura agrria existente como forma de garantia do acesso terra e no somente por meio de um decreto-lei, norma ou projeto de emenda constitucional, mas sim da ao concreta. Constatamos que o passado se projeta no presente, ou seja, a historicidade na lngua e na FI preexistente, quando encontramos: () o poder ainda concentrado no executivo e no prprio judicirio (Entrevista 2, SDDH em 28.05.2010) e () agora como a gente t mexendo numa estrutura que historicamente comprometida com outro lado, se no tiver a presso social, se no tiver acompanhamento permanente isso no muda (Entrevista 1, CPT em 03.05.2010). O interdiscurso13 projeta no discurso do sujeito, uma posio j existente em outro lugar, o j dito que permeia na histria e na lngua, evidncias que marcam aquela posio. Num primeiro momento, o excerto demonstra uma FD de que sempre tivemos uma ao e um Poder Judicirio a servio do Estado e dos segmentos dominantes, como o caso dos proprietrios rurais que

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hoje se denomina de donos do agronegcio, e que isto reflete a parcialidade dos magistrados quanto ao tratamento da questo agrria sem priorizar a funo social da terra. Logo, o Poder Judicirio um entrave na luta pela terra. Da mesma maneira, num segundo momento, o ltimo fragmento citado tem convergncia com o discurso anterior de que esse obstculo j vem, de tempos em tempos, seja na histria recente do processo de ocupao da regio, seja no processo de colonizao que se deu no Brasil ou nessa regio marcada por violncias e interesses antagnicos no acesso a um pedao de terra, como o caso do Par. E que, desde essa poca, j havia disputas pelo acesso terra com muita dor e sofrimento, principalmente para os que mais precisam dela, como camponeses, posseiros e sem-terras em oposio aos donos de terra, latifundirios e empresrios do agronegcio. Enfim, restando apenas a organizao dos excludos do acesso terra, nico instrumento de garantia e de fora na luta pelo direito em contraposio a um direito objetivo, que apenas instrumentaliza seu poder de mediao e de controle por meio das ouvidorias.

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A lu ta p e l a t e r r a c o m o lu ta p o r d i r e i t o s n o discurso d os defensores d os movimentosO conflito para os mediadores dos direitos humanos relaciona-se noo de luta por direitos coletivos, isto , embate de um grupo coletivo ou movimento social que chama a ateno da sociedade para os confrontos sociais. Logo, posicionamentos favorveis ao conflito como inerente luta social em defesa e garantia dos direitos. Este, para os diferentes mediadores, tem recorrncia quanto ao carter positivo na sociedade. A sua relao com a noo de direitos, pela efetivao da reforma agrria, garantia de crditos, financiamentos, moradia, produtividade e terra, necessria no apenas para os movimentos, mas tambm para a sociedade. A noo de conflito no se relaciona violncia, mas ideia de luta, como, por exemplo, a luta pela terra ou pela reforma agrria pregada pelo MST-PA e outra entidades. O objetivo do MST-PA, recorrente nos relatos, passa por trs princpios fundamentais: a luta pela terra, no seu momento inicial, mesmo que haja conflitos; estabelecer um conjunto de polticas vinculado luta pela reforma agrria e, o ltimo objetivo precpuo, a transformao social, o sonho de uma sociedade socialista. O primeiro princpio, do ponto de vista discursivo, remete ao interdiscurso de que a terra no se ganha, se conquista. O segundo, a reforma agrria, pressupe o primeiro, da a luta permanente dos movimentos na garantia de projetos de assentamentos e seus benefcios, neste caso, a luta

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se estende como uma necessidade para a sociedade de que a causa justa e importante; o terceiro, o pice de uma sociedade sem conflitos para o acesso terra e a sua distribuio. Os conflitos fortalecem as lutas dos movimentos, numa espcie de controle social sobre as aes do Estado. Estabelecem tenso social e poltica na aplicao dos deveres esquecidos pelo poder pblico. Esta maneira de cobrar o Estado alimenta a necessidade e a luta destes movimentos e cria uma agenda de demandas que leva negociao e at cobrana de suas execues, razo da existncia desses movimentos. Entretanto, h aqueles que estendem sua luta para a esfera poltica, na disputa pelo poder, seja no espao agrrio entre os diferentes agentes mediadores, seja no embate com o Estado. Para os mediadores da luta pela terra, sobretudo o MST-PA, o () conflito determinante para a radicalizao da democracia (Entrevista 3, MST em 26.01.2010). S atingiremos a verdadeira democracia se houver enfrentamentos, debates, presso social, e assim por diante. Portanto, estimula a mudana real e concreta na sociedade, sobretudo para os deserdados da terra. O papel do conflito na sociedade necessrio e positivo para sua manuteno e desenvolvimento. Por isso, so necessrias a harmonia e a desarmonia, porque a contradio tambm opera na unidade social. Logo, so faces da mesma moeda (SIMMEL, 1983). Quanto aos movimentos, percebemos entre os discursos dos mediadores uma concepo voltada para a necessidade de um direito, violncia legtima, ao de mudanas, reivindicao e proposio. Na afirmao de um mediador da SPDDH, sobre a relao com o movimento social, vemos que o conflito () luta e tambm , num primeiro estgio, para dar visibilidade (enftico, mudana de entoao) a uma necessidade concreta de um coletivo e movimento social (), uma luta contra uma dor, uma dor real que atinge o corpo e as emoes de um coletivo, ento no tem luta e movimento social, no tem movimento social se no houver uma dor concreta, real, (enftico, mudana de entoao) no corpo e no corao (Entrevista 1, SDDH em 13.05.2010). O movimento social um ator que irrompe contra uma lgica de desenvolvimento que exclui trabalhadores do campo, os quais, diante de uma necessidade premente, so impulsionados a agir, a aparecer e a lutar contra as carncias, os modelos adotados e o Estado. Neste excerto, extrado da fala do mediador, h uma concepo do movimento relacionado ao conflito inerente s lutas, ou seja, aos embates, iniciativas sociais e necessidades urgentes contra os processos geradores de excluso e sofrimentos. Portanto, o conflito uma luta que denuncia a carncia concreta do movimento social.

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Esses mediadores, assim como outros movimentos, utilizam o confronto poltico para explorar oportunidades polticas para mobilizar pessoas contra seus oponentes (elites, detentores do poder ou autoridades), o que alimenta a permanncia de entidades e movimentos sociais (TARROW, 2009). Para os diferentes mediadores envolvidos com a causa dos movimentos, h uma relao direta entre conflito-luta-movimentos. So interdependentes, envolvendo direitos, mudanas e aes de fato, pois os instrumentos de lutas alcanam realizaes de pautas negociadas e executadas, mostrando para o poder pblico e seus adversrios a relevncia do conflito para o rumo de uma democracia plena. Estabelecem, assim, a presena mnima do Estado em reas longnquas do Par que foram esquecidas.

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A r e p r e s s o e v i o l n c i a s c o n t r a a lu ta p o r d i r e i t o s d o s m ov i m e n t o sO conflito legtimo na luta pela terra dos mediadores dos movimentos sociais

um dado importante ocorreu sob os efeitos iniciados com as diferentes polticas e programas apresentados que ampliaram as diversas formas de violncias contra as lutas sociais, como as criminalizaes14. Identificamos o processo de intensificao da criminalizao aos defensores do direito ao acesso terra, marcante em setores do Estado, do Judicirio, do parlamento, da mdia comercial, do agronegcio e de seus aliados contra os movimentos sociais, um poder simblico15 que estabelece a imagem que lutar por direitos terra crime. Quanto ao excerto sobre o Judicirio, para um defensor: () um poder que () o latifndio tinha interferncia forte dentro dele () para beneficiar a expanso do latifndio, os interesses do latifndio () incondicionalmente a favor do latifndio (Entrevista 1, CPT em 03.05.2010). Na posio-sujeito do discurso, a recorrncia no uso da palavra latifndio sobre o Poder Judicirio, sinaliza que este acata, defende e sentencia, beneficiando os donos de terras, mesmo no explicitamente no texto. O latifndio em oposio a minifndio estabelece, na FD do sujeito falante, defesas e projetos antagnicos frente a um poder que no enxerga as necessidades reais e sociais dos trabalhadores rurais, caracterizando este poder como sendo de classe14 Os diferentes grupos que lutam no espao agrrio paraense no devem perder de vista seus adversrios, mesmo na condio de conquista de seus objetivos, caso contrrio, ocorrero enfraquecimento das lutas e represses (SIMMEL, 1983). () poder de constituir o dado pela enunciao, de fazer ver e fazer crer, de confirmar ou de transformar a viso do mundo e () a ao sobre o mundo, portanto o mundo (BOuRDIEu, 2001, p. 14-5).

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e reacionrio, e indicando que, desde sempre, h comprometimentos daquele com os interesses dos donos de terras. Mesmo depois da luta pela terra ter avanado as cercas do Judicirio, o adversrio desta luta muda de cenrio, mas com retoques do velho adversrio. Esta posio-sujeito do discurso reflete na judiciarizao da questo agrria, no caso do Par, quando h despejos judiciais, criminalizao dos movimentos sociais e suas lideranas, caracterizando este poder aliado aos latifundirios no tratamento de causas agrrias, logo, sem compromissos com a funo social da terra. Assim, a advertncia da necessidade de novos instrumentos na forma de julgar as questes agrrias. Desta maneira, quando o defensor relata () o poder judicirio ainda v a terra como propriedade ou o () poder judicirio ainda no consegue analisar a funo social da terra (Entrevista 3, SDDH em 13.05.2010), verificase, que de um lado, o Poder Judicirio analisa as questes agrrias fundado no direito de propriedade privada da terra sempre em favor dos donos de terras, latifundirios e do agronegcio, e que, ao longo da histria, a justia agrria brasileira consagrou a terra como bem privado alheio funo social. Isto porque quando se trata da manuteno da propriedade da terra, geralmente, sentencia reintegraes de posse ou despejos judiciais resultando em conflitos com os sem-terras, por