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Rozenzweig_O Novo Pensamento de Franz Rozenzwig
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ONOVOPENSAMENTODEFRANZROSENZWEIG:UMASNTESE[1]RicardoTimmdeSouza
Muito pouco conhecido entre ns o pensamento do filsofo alemo Franz Rosenzweig, por inscreverse, na verdade, em uma fundamental encruzilhada da cultura do sculo XX em suas misrias e grandezas uma encruzilhada, sem dvida, menos compreendida do que mereceria por suas condies de elemento essencial para a compreenso de nossa era. Rosenzweig acompanhou acontecimentos decisivos de sua poca com argcia inigualvel sua obra se constitui em um esforo imenso de sntese filosfica que, levando em conta os abismos que a avizinhavam, aponta possibilidade do futuro com uma pertincia intelectual parans,hoje,quaseinacreditvel[2].
Esse pequeno texto constituise em no mais do que uma breve introduo a alguns
temas centrais do pensamento do autor, acompanhado de algumas de suas intuies
fundamentais e tendo como horizonte de referncia exatamente a situao de visceral
conflitividade histricoespiritual que marca a sua vida e produes intelectuais, e sem as quais
estasnosocompreensveis.
OdifcilitinerriodeRosenzweig
EmbemmaisdoqueumsentidoaparecemaoleitordehojeasextremasdificuldadesquemarcaramampartrajetriahumanaeintelectualdeFranzRosenzweig.necessrio,emprimeirolugar,queseatenteparaalgunsaspectosbiogrficosintelectuaisdopensador.
O autor nasce no dia de Natal de 1886, no seio de uma famlia de burguesia judaicoalem
bemestabelecida e assimilada. Debaterse por longo tempo com a indeciso entre a
converso ao Cristianismo o caminho bvio no processo de assimilao da prPrimeira
Guerra Mundial (caminho j seguido por alguns de seus amigos como Eugen Rosenstock
e parentes, como Rudolf e Hans Ehrenberg) e ao Judasmo, tardiamente redescoberto e
assumido aps no pequena luta interior, a mesma luta que atinge, consciente ou
inconscientemente, tantos de seus contemporneos ilustres e que se expressar, em cada um,
deformatodiversa.
Filho nico, mereceu as atenes devotadas de seu pai, Georg Rosenzweig, comerciante
bemsucedido e de sua me, Adele AsbergRosenzweig, a qual, aberta a todas as dimenses
da artisticidade, era a alma e o ponto de referncia do liberal lar da famlia, lar este que
reproduzia a atmosfera burguesa da poca e que cercava o futuro filsofo de amor, beleza e
conhecimento. Do cabedal espiritual do Judasmo de origem j fora quase tudo esquecido a
assimilao j conseguida emprestava famlia segurana e independncia e se sentiam em
todasasdimensesafetossculturasalemeclssicacristocidental.
Aps o perodo escolar, decidese o futuro filsofo, entusiasta da msica, pintura e
literatura, pelo estudo da Medicina, a fim de contentar o pai muda logo de idia. Porm, em
1905, vem a descobrir, na Histria, o seu verdadeiro campo de interesse, cujo estudo, todavia,
vem iniciar apenas em 1907, juntamente com a Filosofia. De 1908 a 1912, estuda em Freiburg,
com exceo de um ano passado em Berlim. Tem como professores prediletos o filsofo
Heinrich Rickert e o historiador Friedrich Meinecke. (As principais influncias diretas no
pensamento de Rosenzweig provm de Meinecke, Schelling e Hermann Cohen). sob a
direo de Meinecke que inicia seu doutoramento, que versar sobre a Teoria do Estado, de
Hegel e que somente ser publicado, de forma ampliada, aps a Primeira Guerra Mundial, sob o
ttulo: Hegel und der Staat Hegel e o Estado. Essa obra, de grande complexidade, significa
uma espcie de adeus ao idealismo, executado no s pressas, ou sem profundos
conhecimentos do mesmo, mas, antes, aps o exame acurado de suas razes profundas em
verdade, Rosenzweig j possua em plena disponibilidade intelectual o conjunto da herana
histricoespiritualdaEuropa.
Nesse entremeio, porm, estourar a Primeira Guerra Mundial. O soldado Rosenzweig
no se limitar a exercer tarefas militares (semelhante a seu contemporneo Wittgenstein no
Front que estuda e redige textos que se convertero em trabalhos importantes): tambm como
soldado lia e aprendia incansavelmente, entre outras coisas aramaico e rabe, o Novo
Testamento e Patrstica dava aulas sobre a histria das guerras, planejava o futuro e escrevia
muito [...]. Essa variedade de ocupaes intelectuais como que preparava a futura dedicao
pratica do ensino no em uma ctedra universitria, como pensavam muitos de seus
contemporneos, mas na humilde Casa Livre de Estudos Judaicos (Freies Jdischen
Lehrlaus), por ele fundada em Frankfurt, para onde se mudou no vero de 1920, aps seu
casamento com Edith Hahn. Pois, aps a redao da Estrela da redeno, o filsofo, em 1919,
participa a seus amigos que desejava no escrever mais nenhum livro pelo menos em
termos de tratado de Filosofia a idia , agora, dedicarse fundamentalmente prtica do
ensino, ao dilogo interhumano, abertura do esprito, cultivada desde os portes de sua
prpria casa. Seguese um curto perodo de paz e intensa produtividade docente, que culmina
com a redao, a partir dos seminrios que conduz, do Bchlein des gesunden und kranken
Menschenverstandes (Livrinho do entendimento humano sadio e doente), terminado em janeiro
de 1922. Esse livrinho irreverente ltima obra do Rosenzweig ainda saudvel no seno a
explicitao clara e direta do esprito da primeira parte da Estrela da redeno. Foi pensado
para um crculo relativamente estreito de leitores, mais interessados no contedo do
pensamento do que na elegncia da exposio, e no pertencia originalmente ao grupo de
obrasqueseuautorgostariadeveracessvelaumpblicomaisamplo.
Mas a paz no durar muito. Logo aps o trmino da redao do Livrinho, manifestase
uma esclerose lateral amiotrfica, a qual conduzir rapidamente a uma paralisia cmpleta. A
partir do vero de 1922, o filsofo no deixar mais a casa em outubro do mesmo ano, passa a
Rudolf Hallo a direo da Casa de Estudos. A partir de dezembro, no consegue mais escrever
e,emmaiode1923,perdeacapacidadedefalar.
apenas com o apoio incansvel de sua mulher e de seus amigos prximos e distantes
queagrandeenergiadeseuespritopdesedesdobrar.
Nosprimeirosanos,aindaconseguia,deformaextremamenterdua,escreverletrasisoladasemumamquinaespecialmenteconstrudalogodepois,tambmessacapacidadefoiperdida.SuamulherEdithmostravaaRosenzweig,emumquadro,asletrasdoalfabeto,umadepoisdaoutra,eeledesignava,atravsdeummovimentodasplpebras,qualletradeveriaserlevadaaopapel.Eusei,dificilmenteconcebvel,mas,dessaforma,conseguiuRosenzweigparticipardeconversasetrazertona,ainda,umaconsidervelproduoliterria.
Rosenzweig retorna atividade literria cartas, artigos (entre os quais o famoso Das
neue Denken) em 1923 e 1924, tambm tradues do poeta Jehuda Halevi (10831140). A
partir de 1924, tem ainda energias para iniciar, com Martin Buber, a famosa Verdeutschung der
Schrift (Alemanizao da Escritura), trabalho que se prolongar at pouco antes de sua morte,
ocorrida alguns dias antes de seu quadragsimo terceiro aniversrio, a 10 de dezembro de
1929.
Extinguiase, assim, prematuramente, a voz ativa de um dos mais vigorosos espritos da
entrada do presente sculo. O filsofo no pde acompanhar o ressoar de sua obra como um
todo mesmo no caso daEstrela, no se pode dizer que tenha podido perceber claramente um
acolhimento considervel de suas produes e isso em crculos bastante restritos de leitores
quanto mais no fosse pelo clima que se estabelecia de forma cada vez mais inequvoca na
Alemanha de ento o que parece ter sido pressentido pelo autor j em 1916, quando disse:
Meu verdadeiro (eigentliches) livro (ir) aparecer somente como opusposthumum [...], eu no
poderei defendlo nem vivenciar seu efeito (Wirkung). O essencial de seu trabalho mergulha,
ento, no olvido forado e no desconhecimento de um crculo mais amplo de leitores, at o
renascimentodointeresse,emritmocrescente,emboradeformalenta,apsaguerra.
Sua obra que o inscreve definitivamente na constelao dos pensadores mais
importantes deste sculo um imenso e ainda demasiadamente pouco explorado legado ao
futuro.
Aintuiooriginal
Apsela(afilosofia)haverrecolhidotudoemsi[...]oserhumanodescobre
subitamentequeele[...]aindaestaqui[...].eu,pecinzas,euaindaestouaqui.
Em resposta oferta prvia de Friedrich Meinecke no sentido de uma habilitao
Universidade de Berlim, escrevia Franz Rosenzweig em 1919: Para mim, no qualquer
questo que digna de ser questionada. A curiosidade cientfica, como a esttica [...] no mais
me contentam (fllen) hoje em dia. Eu questiono apenas l onde eu sou questionado. Por
pessoassouquestionado,noporsbios,nopelacincia.
No fim desde sculo conturbado, neste fimdesculo em que as essncias tendem a se
esvanecer em imagens fugazes da abstrao, atropeladas pela facticidade frentica e pelas
energias do movimento e da velocidade, cumpre certamente Filosofia a reconsiderao
radical exatamente do essencial. Essa a condio de sua sobrevivncia, mas no apenas
condio de sobrevivncia dela, a Filosofia, mas, antes de tudo, o que lhe deu origem, da vida e
do ser humano como intrprete da existncia vida, existncia e humanidade ameaadas por
aquilo que se poderia chamar de o grande paradoxo da falsa finitude. Esse paradoxo se
compreende a partir da percepo de que se vive e sobrevive em um mundo que age como se
fosse infinito e dispusesse de infinitos recursos quando, na verdade, os limites de seu trofismo
e seu correspondente delrio encontramse, h muito, vista de seus olhos. Para uma tradio
que tudo sacrifica em nome de uma racionalidade especfica coletiva, tais indicativos no so
sintomas de grande sade antes indicam que a racionalidade exercida provm de outras fontes
do que daquelas sugeridas pelo otimismo ingnuo a saber, provm de um impulso original de
totalizao absoluta do Ser forte em sua solido e na obsesso pela resoluo final daquilo que
se pode chamar e que temos chamado de a frmula original do Ocidente, a frmula de
equalizao do diferente [x=y] : [x=x]. Os impasses aos quais a humanidade se conduziu, esse
impulso francamente suicida que simplesmente o resultado de um acmulo constante de
patologias e de sacrificialismos eternidade de um presente aprisionado em si mesmo
simbolizam, simplesmente, a antropofagia e a autofagia da solido, da verdade e do Ser
totalizantes, aquele ser em que os filsofos tm quase sempre hipotecado sua confiana
ilimitada. No apenas uma cultura que est prestes a desabar, mas todo um paradigma
civilizatrio poderseia pensar em um paradigma lgicolingstico , de essncia, no fundo,
atemporal e esttica, que j no se suporta, ou antes, que no mais suportado seja pela mera
possibilidade de pensar o futuro efetivamente temporalizado, seja pelo externo, pelo diferente,
pelo irregular, peloNoser, pelo Outro. No o outro ajaezado de exotismos culturalistas, mas
aquele Outro que tantas correntes de pensamento tanto tm investido no sentido de reduzilo ao
p, no bastassem todos os esforos da Histria, nesse sentido, pois se trata da mais pura
expresso dos limites de um mundo completo, mas um mundo completo repetimos que j
no se suporta sendo esta insuportabilidade sua face presente mais visvel. A alteridade
dse, fundamentalmente, como subverso do meramente ftico enquanto processo
eterno,intemporal notemporal de autolegitimao. Possibilidade de subverso completa
dos tempos autofgicos: inaugurao de um tempo em que a palavra subverso deixar de ser
perigosa.
, nesse contexto, que se insere a obra de Franz Rosenzweig. A sua intuio
fundamental, a intuio que habita cada recndito de seu pensamento nas mais diferentes
rbitas e campos, a convico de que uma das conseqncias inevitveis da Solido
enquanto expresso de Verdade, de Mundo, de Ser, o autodevorarse, alimentarse
finalmente de si mesmo como se alimenta do que no ele. Em outros termos: o bloco da
Totalidade, habitado pelo Ser enquanto Unidade de Sentido na qual tudo o que diferente acaba
de uma ou de outra forma finalmente subsumido expressa, no a leitura e a determinao pura
e simples da realidade como tal, mas apenas uma dessas leituras e no a mais tolerante
para com as aspiraes profundas do ser humano. Compreende o Ser no como necessidade
absoluta, mas como possibilidade e potencialidade radicais desinstalandoo de seu eterno
presente lgico e o confrontando com sua prpria insuficincia em termos de sntese
absoluta:eisumatarefagigantescaqueperpassaoconjuntodaobradeRosenzweig.
Qual , ento, a intuio primeira, aquela que, sempre vista, sustenta em ltima anlise,
todo o amplo edifcio desse pensamento? Tratase de perceber a possibilidade da deteno do
processo trfico de unificao das dimenses da realidade ou das diferentes realidades em
uma realidade nica, congelada pelo sopro definitivo da intemporalidade conceitual, em termos
lgicos, em seu presente eterno no qual toda a virtualidade do passado e toda a possibilidade
do futuro se contraem uma realidade, por sua vez, frentica em termos ontolgicos, em seu
impulso violento e totalizante. Tratase de opor (no atravs de um ato demirgico, mas atravs
de um extremo esforo de escuta e sntese) razo solitria uma razo para no creditar a ela,
razo solitria, todas e absolutamente todas as esperanas de chegar ao real. Em contraponto
razo nica, Rosenzweig descobre uma razo plural ex origine (a pluralidade no se refere a
fragmentos de uma razo nicadesconstruda ou implodida em seu roar com a Histria: no
se trata da razo nica que se desarticula em microrrazes individuais e parciais, mas de uma
pluralidade de razes com igual dignidade e igual antiguidade, constitudas em seu mago
exatamente como pluralidades). Melhor expresso, de uma verdade que no subsume em si
toda e qualquer possibilidade de o real ser verdadeiro e sim, antes, encontrase com outra
verdade ao fim e ao cabo, aps todas as circunvolaes racionais, outra verdade to verdadeira
quantoelamesma,dando,assim,origemaosentidodoreal.
A histria do pensamento de Rosenzweig a histria do encontro com essa pluralidade, a
qual abre racionalidade, atravs do dramtico encontro com a morte enquanto barreira final ao
trofismo heterofgico da Totalidade, as dimenses reais da temporalidade e da espacialidade
para alm de um tempo e um espao monolticos e autoreferentes. Pressupe o
descoplamento radical (e no meramente lgico) entre o ser e o pensar. A teia de seus
conceitos se constri a partir do desdobramento, em diversas instncias, dessa pluralidade.
apenas desde a perspectiva originria e originante dessa pluralidade que tal pensamento pode
ser compreendido se tal intuio original no levada em conta, tornase intil o mergulho na
enorme e intrincada teia que compe a obra do filsofo de Kassel: a parcializao no substitui
a multiplicidade, pois essa intuio constituise no corao dessa obra, ainda que assumindo
asmaisdiversasperspectivasesedesdobrandonosmaisinusitadossentidos.
Amorteeaorigemdaexperincia
A Estrela da redeno (obra principal de Rosenzweig, desdobramento do que ele chama
de novo pensamento) tem, como ponto de partida, como origem existencial, uma reflexo sobre
a morte e a incapacidade de a Filosofia nulificla enquanto experincia radical, irredutvel de
cada vivente. Por mais que o idealismo reduza a morte a um conceito, ao fim e ao termo todo
mortal est sozinho e, nesse contexto existencial , a morte no oferece por si mesma, a
cada um que morre para si mesmo, na circunscrio estrita de sua solido, nenhum tipo de
sentido. Ali, toda filosofia cessa seu otimismo por mais que os sistemas sejam
bemconstrudos, exatamente nesse ponto extremo, no que diz respeito a cada um, o ser
humano deve viver com o medo inato quilo que terreno (irdisch) ele deve permanecer no
temordamorte.
Mas uma filosofia ao contrrio est to distante da experincia real da morte quanto as
construes idealizantes pois, relembrese, ao fim das contas , a morte verdadeiramente
no o que parece, no Nada, mas sim, um inexorvel [...] algo pois o Nada no nada,
Algo, e esse Nada est j contaminado de Ser, trai a si mesmo em sua prpria promulgao.
Talvez fosse cmodo, para alguma filosofia, remeter o inapreensvel por ela a essa categoria
que, quanto mais fosse preenchida, mais vazia restaria: nada mas a experincia irredutvel da
prpria morte tira do pensador a possibilidade de se subsumir nessa categoria vazia,
exatamente porque essa categoria no vazia, mas algo. No algo meramente concebvel
intelectualmente, mas que o pensamento ainda no esgotou: sinal de realidade, pertinncia ao
fundamentodorealnamedidaemqueno,meramente,irreal.
E, em sendo real, em sendo Algo, algo diferente do Nada, como algo diferente da
Filosofia e do filsofo. E algo em multiplicidade, e no sntese de muitos algos no passado
obscuro do mundo permanecem, como fundamento inesgotvel (da realidade) deste mundo,
milhares de mortes, em vez de um Nada que nada fosse, milhares de Nadas (Nichtse) que,
exatamenteporseremmuitos,soAlgo.
precisamente essa multiplicidade original, dinmica, mutante, assustadora do real, de
Algo, que prova a incompetncia de um pensamento que pretenda chegar, por alguma forma de
sntese conceitual, ao conhecimento do Todo, pois nesse Todo faltaria ao menos algo, esse
Algo em multiplicidade em que a morte multiplicadamente experenciada, real, verdadeiramente
se constitui. Algo , assim, capaz de reduzir o Idealismo e qualquer outro sistema totalizante
da realidade s suas reais dimenses, ou seja, ao desencontro entre sua promulgao de
Totalidade e sua efetividade que falha enquanto no pode compor esta Totalidade. Tratase
dafalha bsica de todo sistema fechado e do fulcro onde o filosofar da existncia real
propriamenteditapodeiniciar.
Eis a, portanto, a multiplicidade e uma multiplicidade no meramente pensada como
anterioridade a todo poder de sntese que possa ser realizado a posteriori por qualquer filosofia:
primeiro anncio da irredutibilidade da Alteridade razo que a pensa. E a conseqncia prtica
desse fato ao pensar: se a morte algo, nenhuma filosofia pode, com a desculpa que ela
nada, desviar dela sua ateno. Se existe a Alteridade que inicia exatamente onde o
pensamento acaba, ou seja, exatamente na fronteira do racional e no anncio do fticoreal,
ento que esse fato seja, ao menos, levado a srio pela Filosofia pois suficiente que
apenas uma realidade seja descoberta em sua condio de anterioridade com relao ao
pensamento , para que o postulado de totalidade de cada filosofia seja colocado em questo.
Quando o pensamento no ocupa mais o primeiro, mas sim, o segundo lugar na ordem da
existncia,entonosedeixamaispostularaunidadedotodo.
O que est sendo ento proposto por Rosenzweig se o quiser, em nveis profundamente
especulativos e em consonncia com o clima filosficocultural caracterstico de sua poca
histrica a desarticulao do sonho ancestral monistaidealistade identificao do Pensar
com o Ser, fundamento de toda Totalidade pensada e expresso mais tradicional da potncia
filosfica do passado desarticulao esta que se prope, em ltima anlise, atravs da
intromisso, como se ver, imponderabilidade humana no jogo de ponderveis inteligveis que
constituiaestruturabsicadossistemasfilosficostradicionais.
Mas como se processa positivamente essa desarticulao? Que dimenso de realidade
poderia vir a sustentar o impondervel sem retornar a um nvel prracional de compreenso do
real?
Otempoeonovo:atemporalidadecomofundamentoradicaldaexperinciadoreal
Precisardetemposignifica:nadapoderdispensarterdeesperarportudo,ser,comoPrprio,
dependentedooutro
nesse contexto que a famosa citao tem lugar: No se passa no tempo o que
acontece, mas o tempo mesmo que acontece (Nicht in ihr geschieht, was geschieht, sondern
sie, sie selber geschieht). (Grifo nosso). E o tempo prenhe de novidade, e no se entrega aos
convites da intemporalidade idntica a si mesma. O novo pensamento aquele que leva
realmenteasrioatemporalidadedoreal.
Assim, para Rosenzweig, se por exemplo a Filosofia antiga prope a alternativa
DeterminismoIndeterminismo, a nova segue o caminho que, levando em conta os
condicionamentos do carter dos motivos, desemboca em momento luminoso: a escolha em
um Dever (Mssen) alm de toda liberdade e que ultrapassa as oscilaes da alternativa
original (que reduz o ser humano a uma mera parcela do Mundo, ou a um Deus disfarado) pela
intensidade da facticidade real do momento em que tal se d e exatamente como se d, sem
novas teorizaes e sem a possibilidade de uma postergao. o tempo, o temporalizarse, o
amadurecer, aculminncia do instante que conduz o processo, e no sua paralisao
essencial a temporalidade Zeitigung que circunscreve e fundamenta as atitudes, e no
suaexplanaoterica.
Essa filosofia feita decorrer consciente da temporalidade, essa transformao do sadio
entendimento humano em mtodo do pensamento cientfico, opese, enquanto modelo,
Filosofia antiga enquanto esta se constitui em uma filosofia da admirao (Staunen), aquela
filosofia em que admirao significa quedarseparado, paralisarse (de admirao) (Stillstehen),
ao tempo em que se aferra a alguma coisa e no mais gostaria de livrla enquanto no a
contivesse totalmente. O filsofo do novo pensamento age de outra forma: ele pode esperar,
ele pode continuar a viver, no tem nenhuma idia fixa, pois sabe que, com o tempo, chega o
verdadeiro (kommt Zeit, kommt Rat), (ditado alemo). Essa filosofia , em proximidade com
Goethe,acompreensonotempocerto.
Pois o Novo Pensamento sabe, to bem como o mais sadio e elementar conhecimento
humano, que nada pode vir a conhecer fora do tempo, ou seja, independentemente da realidade
temporal,
[...]oqueseria,paraaFilosofiaatagora,omaisaltottulodehonra.Poisassimcomonosepodeiniciarumaconversapeloseufimouumaguerraporumatratadodepaz[...]ouavidacomamorte,mas,antes,necessrioque,pormaiscustosoqueissoseja,aprenderaesperaromomentocertosemignorarnenhummomento,assimtambmoconhecimento,emcadainstante,ligadoexatamenteaestemomentoenopodefazerdesaparecernemseupassado,nemseufuturo[...].Istovlidoparaodiaadia[...]cadaumsabeque,paraummdicoquetratadealgum,otratamentoopresente,adoena,opassadoeconstataodamorte,ofuturo,esabetambmqueomdiconopode[...]desassociardodiagnsticooconhecimentoeaexperincia,daterapia,acoragemeahabilidadeedoprognstico,otemoreaesperana.
Chegase, dessa forma, dimenso de profundidade da realidade que se apresenta ao
presente. Desta forma, to inconfundveis, so os tempos da realidade. Assim como cada
acontecimento isolado tem seu presente, seu passado, seu futuro, sem os quais ele no pode
ser reconhecido ou somente o pode ser de forma destorcida, tambm a realidade como um
todotemseupassadoeseufuturo,umcontnuopassadoeumeternofuturo.
VIDA
Ograndepoderdoserhumanoquetudoqueelenecessitaparaserhumanoelejtem
eletemoinstante.
Vse, assim, que a obra de Rosenzweig tem como nascedouro a superao do
Idealismo, o que a aproxima, da uma forma ou de outra (e no apenas linearmente, no sentido
de uma pretensa herana intelectual), daquelas de Kierkegaard, Nietzsche, Schopenhauer,
entre outros. Mas suas caractersticas principais so afeitas a uma desinstalao mais
contempornea (poderseia at arriscar a dizer: espantosamente contempornea) e que leva
em conta, alm da desarticulao do sentido de um determinado sistema idealista, seja ele qual
for, a percepo da ruptura irreparvel da idia de unidade de sentido que habita qualquer
construo puramente intelectual e que poderia, ainda que teoricamente, vir a sustentar a
univocidade de conceitos intelectuais enquanto ns, de uma teia apesar de tudo ainda
reconhecvel como inequvoca e autoreferente, buscamos uma ruptura que constitui a
essncia da possibilidade de pensar a verdade comodiversidade, mas diversidade, pluralidade
original,anterioraindaunidadesintticadologosemsuadinmicadeidentificao.
Porm, essa verdade plural, tripartida, desfusionada de uma unidade de sentido, essa
pluralidade original que d origem a todo pensamento, permanece ainda excessivamente
terica para o correr real da temporalidade em seu acontecer tratase, meramente, de uma
referncia, de um ponto de partida, e no de um ponto de chegada da reflexo, pois a reflexo,
propriamente dita, nem ao menos comeou: iniciar apenas no momento em que o tempo a
invadir definitivamente no momento em que se fizer temporalidade propriamente dita, sem
coagulao no presente da sntese e nenhuma essncia nenhuma esttica determinao de
Serpermanecernelamesma,aferradasuasolidoautoreferente.
Como fica, agora, a questo primordial da Verdade psreflexiva, e no do pensamento,
da multiplicidade e no da inequivocidade de uma essncia? Obviamente, como j evidenciado,
no meramente no mbito de uma determinada e gloriosa descoberta de algo anteriormente
velado, oculto aos poderes do intelecto, nem no sentido de uma adequao de um mundo a um
intelecto ou de um intelecto ao mundo. Essas formas de conceber a questo da verdade, alm
de serem irremedivel e dolorosamente solitrias, pretendem ter paralisado o tempo em seu
xtase essencial e definitivo, pertencem ao mbito do pensamento e de sua lgica, de seu
encontro sempre reiterado consigo mesmo. No servem ao ser humano experencial, plural, a
servio da linguagem e do encontro, levado de instante a instante a se reencontrar e a se perder
de seu presente para um maisalm no tempo para este, o tempo chega ao tempo certo. Ele
no necessita aguardar at que a verdade seja alada desde profundos fundamentos. Ela se d
de forma prxima e ampla, sua frente, em sua boca e em seu corao, e d s suas mos a
oportunidade de construla. Em suma, para Rosenzweig, a verdade uma questo
fundamentalmente tica, da prxis tica construtora da realidade enquanto essa prxis tica
tem como definio, justamente, a construo compartilhada do futuro. Todo o resto, todo o
sentido do humano desemboca nessa necessidade as etapas anteriores no so seno
esteios para que tal idia se torne realmente inteligvel e transborde dela mesma, inaugurando o
processodeconstruodosentido.
Rosenzweig, morto sem ver a maior crise do sculo e o desabar de infinitas crenas
(embora as antevendo, certamente), prope uma estrutura de superao no s do status de
desesperana que se lhe seguiu e que, de certa forma, ainda o nosso, mas, tambm, de todo
luto e nusea que invadem o ser que se descobre finito e que nessa finitude, permanece fixado,
sem perceber que ela , justamente, uma condio fundamental para a construo do sentido.
Prope, pelo assumir da realidade funcional da tica (pluralidade ativa, convivncia de tempos
diversos), o impedir da deteno do tempo na tautologia e na violncia pela crena na vida,
arriscar os instantes finitos e preciosos que acontecem quando a linguagem inaugurada e a
multiplicidade vivificada pelo assumir real do encontro na temporalidade reconduz a vida
compartilhada condio de esteio mximo do real: Mas para onde abrese a porta? Tu no
sabes?vida.