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IGREJA BATISTA NAÇÕES UNIDAS - ENSINO - © 2016 MILAGRES, CURAS E O MUNDO ESPIRITUAL LUIZ SAYÃO MILAGRES Se admitimos Deus, devemos admitir o milagre? Na verdade, na verdade, você não tem qualquer garantia contra ele. E isso acontece. A teologia lhe diz com efeito: “Admita Deus e com Ele o risco de tantos milagres, e eu por minha vez vou confirmar a sua fé na uniformidade com relação à maioria dos eventos”. A filosofia que proíbe você de tornar a uniformidade absoluta, é também aquela que lhe oferece uma base sólida para crer que ela é geral, é quase absoluta. O Ser que ameaça a reivindicação de onipotência da natureza a confirma nas ocasiões legais. A alternativa é na verdade muito pior. Tente tornar a natureza absoluta e descobrirá que sua uniformidade não é sequer provável. Reivindicando demasiado você não obtém nada. Chega ao ponto morto, Como Hume. A teologia lhe oferece uma possibilidade que deixa o cientista livre para continuar suas experiências livre para continuar suas experiências e o cristão, suas orações. C. S. Lewis, Milagres A questão dos milagres e de como eles podem ou devem ser interpretados na história do pensamento humano e das religiões com suas experiências e afirmações está de fato relacionada com a cosmovisão de cada perspectiva. Na verdade, há um pressuposto subjacente que controla nossa maneira de pensar e crer, às vezes inconsciente, sobre cada aspecto da vida e da realidade. Podemos, em linhas gerais, admitir que temos três perspectivas fundamentais sobre os milagres, se consideramos o propósito de nosso estudo.

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MILAGRES, CURAS E O MUNDO ESPIRITUAL

LUIZ SAYÃO

MILAGRES

Se admitimos Deus, devemos admitir o milagre? Na verdade, na verdade, você não tem qualquer garantia contra ele. E isso acontece. A teologia lhe diz com efeito: “Admita Deus e com Ele o risco de tantos milagres, e eu por minha vez vou confirmar a sua fé na uniformidade com relação à maioria dos eventos”. A filosofia que proíbe você de tornar a uniformidade absoluta, é também aquela que lhe oferece uma base sólida para crer que ela é geral, é quase absoluta. O Ser que ameaça a reivindicação de onipotência da natureza a confirma nas ocasiões legais. A alternativa é na verdade muito pior. Tente tornar a natureza absoluta e descobrirá que sua uniformidade não é sequer provável. Reivindicando demasiado você não obtém nada. Chega ao ponto morto, Como Hume. A teologia lhe oferece uma possibilidade que deixa o cientista livre para continuar suas experiências livre para continuar suas experiências e o cristão, suas orações.

C. S. Lewis, Milagres

A questão dos milagres e de como eles podem ou devem ser interpretados na história do pensamento humano e das religiões com suas experiências e afirmações está de fato relacionada com a cosmovisão de cada perspectiva. Na verdade, há um pressuposto subjacente que controla nossa maneira de pensar e crer, às vezes inconsciente, sobre cada aspecto da vida e da realidade. Podemos, em linhas gerais, admitir que temos três perspectivas fundamentais sobre os milagres, se consideramos o propósito de nosso estudo.

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VISÃO BÍBLICA TEÍSTA

VISÃO SECULAR ATEÍSTA

VISÃO PAGÃ PANTEÍSTA

DEUS

É um ser pessoal, criador de tudo e

soberano.

Distinto da criação e superior a ela.

Não há nenhum Deus.

A religião é mera criação da mente

humana.

Existem deuses e uma realidade

espiritual em tudo.

Deus e a criação se confundem.

UNIVERSO

É um só. Existe uma realidade

integrada. Matéria e espírito são parte

da criação. O espírito não é

superior à matéria.

É uma realidade material, e um

universo fechado. Não há nada além dos sentidos e da

matéria. Não existe espírito.

Existem duas realidades. O

espírito (mente) é superior à matéria. A

realidade material é inferiorizada.

SER HUMANO

Criado por Deus, é imagem de Deus. Possui dignidade.

É distinto da criação.

Surge do acaso, do mecanismo evolutivo da

própria natureza.

É manifestação de uma realidade

espiritual superior e está evoluindo.

ÉTICA

Há parâmetros absolutos. A base está no caráter de

Deus e na sua revelação escrita.

A referência é definida pela

sociedade (razão) indivíduo. Não há

absolutos.

É indefinida. A razão e a moral são

relativas. As leis evolutivas são

usadas na prática.

MAL

O mal procede do uso da vontade dos

seres criados. O sofrimento existe devido ao pecado.

O sofrimento é uma realidade

natural. O pecado é relativo. É

social/individual.

O mal é relativo. Não há mal ou

pecado. Tudo faz parte de uma só

realidade.

MODO DE VIDA

Fé no Deus criador. Existem

milagres. Esperança futura.

Conduta ética.

Fé nos sentidos. Não há milagres. Pessimismo final.

Ética relativa.

Fé no espiritual. Manipulação da fé. Esperança fluida.

Ética relativa.

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PERSPECTIVA DETALHADA DAS COSMOVISÕES

PERSPECTIVAS DA VIDA (CF. FRANKLIN FERREIRA)

PERSPECTIVA DA VIDA A PARTIR DE UMA COSMOVISÃO BÍBLICA

Realidade Última

Nenhum Deus(es)Ateísmo Um Deus

Finito

Deus está dentro do mundo e identifica-se

com ele.Panenteísmo

Um Deus finito está alé do universo, mas age no

mesmo de modo limitado.

Teísmo finito

Infinito

Deus identifica-se com o mundo.

PanteísmoDeus não se identifica

com o mundo

Deus não intervém no mundo, mas é exclusivamente transcendente.

Deísmo

Um Deus infinito e pessoal está alem do universo, mas age no

mesmo.Teísmo

Muitos DeusesPoliteísmo

Infinitos(Nenhuma concepção)

Finitos

DEUS

Estado Família Escola Artes Igreja Trabalho

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PERSPECTIVA DA VIDA A PARTIR DE UMA PERSPECTIVA SECULAR

PERSPECTIVA DA VIDA A PARTIR DA PERSPECTIVA MÍSTICA-DUALISTA

ESTADO

Família Escola Artes Igreja Trabalho

SATANÁS

Estado Família Escola Artes Trabalho

DEUS

Igreja

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MILAGRES E CURA DIVINA NO NOVO TESTAMENTO

A realidade dos milagres é ponto pacífico nas Escrituras Sagradas. Deus não só criou o universo, como continua agindo nele e muitas vezes o faz de maneira sobrenatural. É muito mais difícil criar o universo do que agir de modo milagroso numa situação específica. Todavia, para a visão bíblica da realidade, criação e intervenção milagrosa são obras do mesmo Deus bondoso e todo-poderoso.

Um dos temas mais empolgantes do Novo Testamento é o dos milagres. Principalmente os milagres de Jesus. Os milagres acontecem com alguns propósitos principais:

1) Mostrar o poder de Deus. 2) Demonstrar que o Deus do AT é o mesmo do NT. 3) Manifestar a compaixão do Senhor. 4) Destruir as obras de Satanás. 5) Confirmar a palavra divina. 6) Comprovar que Jesus é o Filho de Deus. 7) Mostrar que Jesus é o Messias esperado.

Portanto, os milagres são muito importantes nos evangelhos e também em Atos. Jesus é apresentado nos evangelhos como o Messias prometido e como Filho de Deus, e vamos sempre vê-lo fazendo grandes prodígios, comprovando sua origem divina e seu poder incomparável.

O testemunho dos evangelhos é claro e marcante. Milagres e curas aparecem por toda parte. O primeiro evangelho, por exemplo, vai mostrar que os milagres são parte essencial do ministério de Jesus e estão diretamente ligados à missão e mensagem do Messias:

“Os cegos veem, os mancos andam, os leprosos são purificados, os surdos ouvem, os mortos são ressuscitados, e as boas novas são pregadas aos pobres; e feliz é aquele que não se escandaliza por minha causa” (Mt 11.5-6).

Os quatro evangelhos apresentam uma lista de 35 milagres descritos de modo impactante e impressionante:

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Milagres de Jesus Texto

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6 7 8 9

10 11 12 13 14 15 16 17 18

19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31

32 33 34 35

Transformou água em vinho Curou o filho de um oficial do rei Curou um paralítico no Tanque de Betesda Curou de cego de nascença no Tanque de Siloé Multiplicou 5 pães e 2 peixes e alimentou 5000

Andou sobre as águas no mar da Galileia Ressuscitou Lázaro Ordenou a pesca de 153 grandes peixes Expulsou um demônio Curou a sogra de Pedro Ordenou a pesca de muitos peixes Curou um leproso Curou um paralítico em Cafarnaum Curou o homem de mão aleijada Curou o servo de um oficial romano Ressuscitou o filho da viúva Acalmou uma tempestade Curou o homem domina por muitos demônios

Curou a filha de Jairo Curou a mulher com hemorragia Curou um menino endemoninhado Expulso um mudo possesso de um demônio Curou uma mulher e1ncurvada por 18 anos Curou o homem de pernas e braços inchados Curou 10 leprosos Curou um mendigo cego Advertiu antecipadamente a negação de Pedro Curou a orelha do servo do Sumo Sacerdote Curou dois cegos Tirou a moeda do imposto da boca do peixe Curou a filha endemoninhada da mulher cananeia

Multiplicou 7 pães e uns peixes e alimentou 4.000 Secou uma figueira infrutífera Curou um surdo-mudo Curou um cego

João 2.1-11 João 4.46-54 João 5.1-9 João 9.1-41 João 6.5-13

João 6.16-21 João 11.1-44 João 21.1-11 Lucas 4.33-37 Lucas 4.38-39 Lucas 5.1-11 Lucas 5.12-13 Lucas 5.17-25 Lucas 6.6-10 Lucas 7.1-10 Lucas 7.11-15 Lucas 8.22-25 Lucas 8.27-35

Lucas 8.41-56 Lucas 8.43-48 Lucas 9.38-43 Lucas 11.14 Lucas 13.11-13 Lucas 14.1-6 Lucas 17.11-19 Lucas 18.35-43 Lucas 22.31-34 Lucas 22.50-51 Mateus 9.27-31 Mateus 17.24-27 Mateus 15.21-28

Mateus 15.32-38 Mateus 21.18-22 Marcos 7.31-37 Marcos 8.22-26

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A QUESTÃO DA CURA DIVINA

Num mundo cheio de crises, doenças e insuficiências humanas nada pode chamar mais atenção do que uma cura milagrosa realizada pelo poder de Deus. Desde os tempos bíblicos, as pessoas eram atraídas a Jesus por meio da cura. Ainda hoje, milhares de igrejas cristãs em todo o mundo pregam a cura divina, proclamam o poder físico de Cristo e colecionam muitos testemunhos impressionantes de milagres que, surpreendentemente, parecem ter sido pouco investigados. Em todo o mundo, milhares e milhares de pessoas afirmam terem recebido curas milagrosas e inexplicáveis.

Todavia, a proclamação de cura sobrenatural não é exclusividade cristã. Muitos outros movimentos religiosos também proclamam a cura e fazem rituais com o propósito de sarar enfermidades. Isso é uma realidade em quase todas os movimentos religiosos do mundo. Muitas são as práticas mágicas e místicas associadas direta ou indiretamente a milagres, principalmente na realidade religiosa nacional. Essas práticas são muito conhecidas e disseminadas em nossos dias.

Nos anos recentes muita gente tem ficado confusa com a questão da cura divina e sua genuinidade e base bíblica. A multiplicidade e a variedade dos movimentos evangélicos, aparentemente, têm sido marcadas por certo sincretismo em muitos ambientes. Muitos rituais realizados em ambientes evangélicos do ponto de vista fenomenológico se aproximam de rituais esotéricos e místicos não cristãos. Isso provoca dúvida e questionamento generalizado sobre a legitimidade bíblica e teológica do que vemos hoje.

Questionados sobre suas práticas, os evangélicos mais místicos certamente responderiam que estão agindo com fundamentação bíblica. Seguramente, eles apontariam para certos textos bíblicos como:

“Em número cada vez maior, homens e mulheres criam no Senhor e lhes eram acrescentados, de modo que o povo também levava os doentes às ruas e os colocava em camas e macas, para que pelo menos a sombra de Pedro se projetasse sobre alguns, enquanto ele passava. Afluíam também multidões das cidades próximas a Jerusalém, trazendo seus doentes e os que eram atormentados por espíritos imundos; e todos eram curados”. (Atos 5.14-16)

“Deus fazia milagres extraordinários por meio de Paulo, de modo que até lenços e aventais que Paulo usava eram levados e colocados sobre os

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enfermos. Estes eram curados de suas doenças, e os espíritos malignos saíam deles”. (Atos 19.11-12)

“Entre vocês, há alguém que está doente? Que ele mande chamar os presbíteros da igreja, para que estes orem sobre ele e o unjam com óleo, em nome do Senhor. A oração feita com fé curará o doente; o Senhor o levantará. E se houver cometido pecados, ele será perdoado”. (Tg 5.14-15)

Afinal de contas, será que os movimentos mais místicos de nossos dias estão corretos em suas práticas? Como entender a questão? Como entender e aplicar esses textos? Como agir na prática diante da questão?

Os relatos dos “lenços e aventais”, da “sombra de Pedro” e “da unção com óleo” em Tiago têm sido considerados difíceis de interpretação pelos teólogos mais tradicionais. Geralmente a maioria deles irá sugerir que estes textos são apenas históricos e contextualmente dependentes. Eles teriam a ver com a época em que surgiram e não se aplicariam aos nossos dias, conforme alguns. Isso os tornaria não normativos para nós hoje. Todavia, essa avaliação não subsiste a um exame exegético coerente. Vários argumentos teológicos sobre temas como batismo, governo de igreja, contribuição, entre outros, são feitos com base em passagens históricas de Atos, por exemplo. Com o mesmo argumento poderíamos entender que todos esses temas também poderiam ser limitados ao contexto em que foram comentados. Como entender então a questão? Seria o cristianismo do Novo Testamento semelhante aos cultos místicos de hoje? Se era semelhante, em que medida? Isso é válido para nós hoje?

Antes de tudo, é preciso entender a lógica da teologia da cura no Novo Testamento. Um dos ingredientes fundamentais da cura é a fé. Por diversas vezes Jesus afirma ao doente curado que a fé do indivíduo havia sido responsável pela cura recebida (Mc 5.34, e.g.). Na perspectiva hebraica, a fé não é apenas um sentimento ou impulso mental. Fé para um judeu

nos tempos bíblicos envolvia a ação concreta. Por isso, o termo hebraico ֱאמּונָה (’emunâ) pode

ser traduzido tanto por fé e quanto por fidelidade (Hc 2.4). Não existe fé sem ação prática. Fé é confiar e agir e não apenas crer mentalmente ou sentir no coração. Assim, a cura era muitas vezes operada pela participação do doente que expressava a sua fé de modo muito concreto.

Assim, na visão neotestamentária da cura são descritos diversos “pontos de contato” entre o poder de Deus e a fé do que recebe a cura. As vezes essa fé concreta da pessoa curada

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é demonstrada pelo “lenço”, pela “sombra”, pelo “óleo”, pela “saliva com barro nos olhos”, pelo “toque nas vestes”, “pelo levantar-se da maca”, etc. Não há poder no objeto, mas há a manifestação do poder de Deus mediante a fé demonstrada. Assim, o enfermo é conclamado a expressar a fé de maneira bastante concreta e prática. Portanto, deve ser observado que em todos os casos de cura no NT os elementos concretos presentes são sinais da fé que existe no doente ou em alguém que o auxilia ou o acompanha. Nos textos acima citados, vemos que Paulo não distribuiu (nem vendeu) lenços e aventais. A iniciativa não veio dele. Ao contrário, isso foi feito de modo espontâneo pelo povo. O mesmo pode ser observado no caso da sombra de Pedro. Até mesmo, no texto de Tiago, a unção com óleo não era praticada a partir dos líderes (presbíteros) da igreja. Ao contrário, a ação tinha início com o doente. Observe a clareza do texto da NVI aqui: “que ele mande chamar os presbíteros”. Ao convocar os presbíteros para a unção com óleo, o doente estava demonstrando a sua fé. A lógica das curas que vemos na prática de Jesus e dos apóstolos é semelhante ao convite que se faz a uma pessoa para “vir à frente” afirmando que recebeu a Cristo. “Vir à frente” é uma demonstração de fé concreta. Isso é bastante diferente do enfoque místico não cristão, a perspectiva mágica da realidade.

O enfoque de cura do mundo pagão e do ambiente mágico é diferente. A ideia é que há objetos “abençoados”, como que cheios de “energia” espiritual. Nessa perspectiva há um certo fetichismo em torno do objeto, que passa a ser “a fonte da cura”. É um certo animismo, tecnicamente falando. Com esse enfoque, faz sentido vender objetos sagrados que tenham poder de cura. Essa postura é muito distinta da visão cristã neotestamentária. Uma boa maneira de observa o contraste é observar o texto de Marcos 5.24-34.

24 Uma grande multidão o seguia e o comprimia. 25 E estava ali certa mulher que havia doze anos vinha sofrendo de hemorragia. 26 Ela padecera muito sob o cuidado de vários médicos e gastara tudo o que tinha, mas, em vez de melhorar, piorava. 27 Quando ouviu falar de Jesus, chegou por trás dele, no meio da multidão, e tocou em seu manto, 28 porque pensava: “Se eu tão-somente tocar em seu manto, ficarei curada”. 29 Imediatamente cessou sua hemorragia e ela sentiu em seu corpo que estava livre do seu sofrimento. 30 No mesmo instante, Jesus percebeu que dele havia saído poder, virou-se para a multidão e perguntou: “Quem tocou em meu manto? 31 Responderam os seus discípulos: “Vês a multidão aglomerada ao teu redor e ainda perguntas: ‘Quem tocou em mim?’ ” 32 Mas Jesus continuou olhando ao seu redor para

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ver quem tinha feito aquilo. 33 Então a mulher, sabendo o que lhe tinha acontecido, aproximou-se, prostrou-se aos seus pés e, tremendo de medo, contou-lhe toda a verdade. 34 Então ele lhe disse: “Filha, a sua fé a curou! Vá em paz e fique livre do seu sofrimento”.

Nesse texto vemos que aparentemente “o manto” de Jesus curou a mulher que sofria de hemorragia. Como nos casos do “lenço”, da “sombra” e do “óleo”, aqui temos também o “manto” no centro da cura recebida. Todavia, o texto deixa bem claro que o “manto” não tem poder para curar. Não é um objeto sagrado. A prova é que todo mundo estava tocando no manto (v. 31) e nada de especial estava acontecendo, porque o manto não tinha poder em si. Não havia qualquer energia espiritual armazenada na roupa de Cristo. Se assim fosse, todo aquele que nela tocasse era curado automaticamente. Todavia, ao expressar sua fé de modo prático, a mulher enferma cria que bastava “tocar no manto” que seria curada. E ela foi! Sua cura se deu não por causa do manto, mas por causa de sua fé (v.34), conforme as próprias palavras de Jesus: “Filha, a sua fé a curou!”

Portanto, a igreja pode e deve orar pelos doentes com muita fé. Afinal, cremos num Deus vivo, bondoso e poderoso. Não há nenhum problema em pedir cura e suplicar por um milagre. Não há problema nem mesmo em ungir pessoas com óleo (Tg 5.14) ou em fazer reuniões de oração que orem por cura e livramento. Todavia, unção com óleo ou reuniões desse perfil também não precisam se tornar uma prática obrigatória. No entanto, deve ficar bem claro que as práticas da igreja cristã ligadas à cura divina não podem cair no animismo e no fetichismo pagão presentes na religiosidade popular, influenciados por uma cosmovisão panteísta pagã. É necessário fugir desses equívocos sem deixar de crer no Deus pessoal e soberano que cura milagrosamente, mas que também muitas vezes permite a dor prolongada daqueles a quem ama. Às vezes, a cura é milagrosa como no caso do “lenço”, às vezes Deus trabalha em nossa vida pelo “sofrimento”.

OS DONS MILAGROSOS NA IGREJA PRIMITIVA E HOJE

Não há dúvida de que a grande pergunta que qualquer um de nós faria diante da questão das curas e milagres é: Afinal, os dons milagrosos não são bíblicos? Por que muitas igrejas não os praticam nem os incentivam? É exatamente por causa de uma pergunta como essa que muitos sentem-se confusos, pois creem na Bíblia e na sua relevância para a nossa prática, mas percebem o extremismo de algumas posições. Vamos avaliar a questão especialmente a partir do que é discutido por Paulo em 1 Coríntios 12.

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Deve estar claro que nem tudo que aparece num texto bíblico pode ser praticado literalmente. É preciso entender o texto. Todos nós sabemos que não há nenhum grupo cristão no mundo que pratique literalmente tudo o que aparece na Bíblia. Se fôssemos literais em tudo, arrancaríamos os olhos (Mt 5.29), lavaríamos os pés de todos (Jo 13.14), as mulheres não poderiam falar na igreja (1Co 14.34), deveríamos vender todos os bens e dar tudo aos pobres (Lc 18.22), etc. É por isso que precisamos saber fazer uma correta interpretação da Bíblia. Não podemos ser guiados apenas por nossos preconceitos e inclinações pessoais, mas precisamos ser coerentes em nossa tentativa de entender a Palavra de Deus.

Para entendermos corretamente a questão, vamos aqui alistar as principais interpretações sobre os dons milagrosos que circulam em nossos dias. Procuraremos também avaliar brevemente cada uma dessas opções.

1. Os Dons Eram Sinais da Carnalidade dos Coríntios

Essa posição radical é pouco encontrada, mas ainda é defendida por alguns evangélicos muito tradicionais. Pelo fato de não se discutir esses dons em nenhuma outra carta do Novo Testamento e devido à realidade de que os coríntios tinham um comportamento muito repreensível, alguns acreditam que as manifestações daquela igreja nada tinham de espiritual. Segundo essa posição, manifestações como línguas estavam mais relacionadas com o paganismo da cidade de Corinto. Estaríamos vendo em Corinto uma imitação das práticas vindas do contexto pagão. Essa posição não tem fundamento bíblico. O próprio texto bíblico nos diz que os dons são espirituais, dados por Deus e mesmo que concordemos que a carnalidade corintiana e o paganismo local influenciassem a maneira de comportar-se dos crentes de Corinto não podemos aceitar que os dons em si eram fruto da carne ou do paganismo.

2. Os Dons Eram Capacidades Humanas

Essa interpretação, existente em alguns contextos bem tradicionais, entende que os dons, ainda que usados por Deus, seriam capacidades humanas. Não haveria nada de extraordinário e de milagroso neles. O fato de Paulo afirmar que falava em línguas (1Co 14.18) motiva essa posição. Entende-se que ele estaria se referindo à sua capacidade de compreender grego, aramaico, hebraico e latim. A partir daí, entende-se que profetizar é apenas pregar; curar é tarefa dos bons médicos cristãos, abençoados por Deus em sua tarefa, etc. Mesmo reconhecendo que Deus pode usar nossos talentos naturais para a sua glória, uma análise

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exegética séria do texto não permite que se entenda 1Coríntios 12 e 14 dessa forma. O texto fala claramente de capacidades extraordinárias dadas por Deus. As línguas do Novo Testamento não foram apreendidas, as curas eram sobrenaturais. Temos de ser honestos para com a passagem bíblica. Não podemos negar o sentido do texto, para defender nossa própria posição.

3. Os Dons São Legítimos e Já Não Existem

Essa posição é defendida por muitos evangélicos e por diversos estudiosos e comentaristas. Todavia, muitos entendem que ela nega o poder de Deus em nossos dias. O argumento dessa posição baseia-se no fato de que nem tudo que aconteceu na época dos apóstolos deve necessariamente acontecer em nossos dias. Destaca-se que os milagres aconteceram principalmente em certas épocas da história bíblica quando tinham um propósito específico. Argumenta-se também que o ministério dos apóstolos na igreja primitiva encerrou-se com a morte deles. Assim, especialmente com base numa interpretação de 1Coríntios 13.8-13, essa posição afirma que os dons carismáticos cessaram com o fim da era apostólica. Segundo essa posição, quando Paulo fala do "perfeito" que haveria de vir, referia-se ao cânon do Novo Testamento. Portanto, os dons milagrosos tiveram um papel importante para a igreja primitiva enquanto essa não tinha ainda a revelação completa de Deus para guiar-se. Completada a revelação do NT, profecias, línguas, etc. tornam-se desnecessários. Conclui-se então que aqueles dons já cumpriram sua função. Acrescenta-se ainda o argumento de que, historicamente, constata-se que a manifestação desses dons diminuiu sensivelmente depois da morte dos apóstolos; além disso, muitos movimentos "milagrosos” que surgiram mais tarde, depois da era apostólica, acabaram em heresias. Um exemplo clássico foi o montanismo, movimento do final do segundo século, que acabou envolvendo Tertuliano, um dos famosos pais da igreja. Não será difícil de entender que essa é a posição de muitos evangélicos tradicionais, que rejeita totalmente milagres no contexto da atualidade.

4. Os Dons Ainda Existem e São Indispensáveis para a Igreja

Essa é, naturalmente, a posição mais comum no contexto pentecostal. Mesmo tendo de lidar com dificuldades com a ausência de continuidade da prática dos dons na história da igreja, afirma-se que os dons sempre existiram, e se deixaram de manifestar-se em certos contextos cristãos foi devido à incredulidade e falta de espiritualidade da igreja da época. O Deus de hoje é o mesmo do tempo do Novo Testamento, e a busca dos dons é um imperativo

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na vida cristã. Uma igreja sem dons é uma igreja fria e sem espiritualidade; jamais tal igreja poderá cumprir sua missão diante Deus, pois carece das úteis ferramentas do Espírito para realizar a obra de Deus. Há outro aspecto dessa interpretação, muito importante, que deve ser citado aqui. Essa posição é basicamente uma interpretação escatológica. De acordo com essa visão, o primeiro grande derramamento de poder, conhecido como "as primeiras chuvas", ocorreram no Pentecoste e na igreja primitiva, "as últimas chuvas", o derramar do Espírito "apoteótico", que antecede a Segunda Vinda de Cristo, estaria acontecendo em nossos dias. Não é difícil de entender que essa explicação dá um significado especial aos movimentos que surgiram no século 20. A maioria dos movimentos pentecostais surgiram ligados a tendências escatológicas que enfatizam o iminente fim do mundo.

5. Os Dons Podem Manifestar-se Ainda Não Obrigatoriamente

É uma posição intermediária a respeito dos dons milagrosos do NT. Em 1Coríntios 12.7, lemos que "a manifestação do Espírito é dada para o proveito comum". Isso parece indicar algum muito importante: os dons milagrosos eram "manifestacionais". Os dons de Romanos 12, Efésios 4.11,12 e 1 Pedro 4.8-11 faziam parte da vida diária dos cristãos e estavam relacionados com a personalidade e a capacidade deles, como é o caso do dom de ensino, de misericórdia, de pastor-mestre, etc. Já os dons citados em 1 Coríntios 12 não parecem ser "propriedade" definitiva do cristão, mas ocorriam em função da necessidade. É interessante notar que Paulo, apesar de ter sido usado por Deus em curas, não curou Timóteo (1Tm 5.23), não curou Trófimo (2Tm 4.20). O texto de Filipenses 2.26,27 fala da doença quase mortal que sofreu Epafrodito. Por que esses cristãos primitivos não foram curados de imediato? Parece razoável concluir que esses dons podiam não se manifestar em alguns momentos. Às vezes Deus curava, às vezes não. Deus livrou Pedro milagrosamente da prisão em Atos, Tiago, porém, morreu à espada (At 12). De maneira semelhante, os dons manifestavam-se em certas situações, mas em outras, não.

A natureza manifestacional dos dons milagrosos está relacionada com o aspecto da soberania divina. E é assim que demos entender a lista de 1Coríntios 12. A palavra de sabedoria (intuição especialmente dirigida pelo Espírito), a palavra de ciência (conhecimento revelado), a fé (fé especial para circunstâncias incomuns) e a profecia (aqui como palavra imediata de Deus – cf. Ágabo em Atos 21.10,11) devem ser entendidos como dons milagrosos manifestacionais.

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Além disso, apesar de ser muito difícil provar que esses dons cessaram na época do Novo Testamento, devemos aceitar que os milagres tiveram um papel preponderante no contexto da igreja primitiva. Não podemos exigir que todas as épocas da história manifestem milagres e sinais como os mesmos ocorreram na era apostólica. Devemos reconhecer a época apostólica como singular. Ainda que Deus seja poderoso para fazer o que bem desejar, não podemos exigir dele que tudo o que aconteceu na era apostólica repita-se hoje.

Isso não quer dizer, porém, que os dons não podem jamais manifestar-se. Deus é soberano e pode fazer com que curas, línguas, profecias (não no sentido de revelação bíblica) aconteçam, conforme o seu próprio propósito. Há registros de missionários que chegaram a falar a língua de pagãos sem conhecê-la. Há até mesmo cristãos tradicionais que testemunham a cura sobrenatural que receberam. Podemos até mesmo afirmar que Deus pode agir de maneira especial em certos contextos, conforme sua infinita sabedoria e seu propósito. Não devemos negar o poder de Deus, nem devemos atribuir a Deus milagres que não sejam autênticos.

Devemos concluir, destacando alguns pontos principais:

1. Os dons de 1Coríntios 12 eram dados pelo Espírito Santo. 2. Esses dons manifestacionais não ocorrem quando queremos, mas sim quando

Deus quer. Não podemos exigir uma nova era apostólica. 3. Não é possível negar que Deus pode manifestar esses dons em certas

circunstâncias. 4. Não podemos acreditar que tudo aquilo que se apresenta como dom milagroso

bíblico o seja de fato. 5. Os dons milagrosos não podem tornar-se o centro de nossa atenção. Nossa

tarefa é proclamar o evangelho de Cristo, vivendo uma vida que agrada a Deus. Se Deus fizer manifestar dons milagrosos, por sua graça, seja ele louvado, se não o fizer, seja ele louvado também.

CURAS E MILAGRES NO CONTEXTO NEOPENTECOSTAL

No final da década de 70 e no começo de 80, houve grande mudança no contexto das igrejas brasileiras. Nessa época começam a surgir novos grupos, que possuem certa semelhança com as igrejas anteriores, mas com características peculiares. As principais novas

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comunidades desse tipo são a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) e a Igreja Internacional da Graça.

Há certas características que definem a nova tendência triunfalista. Vamos apresentá-las de maneira geral para distingui-la do pentecostalismo histórico e do movimento carismático. Influenciado por uma cosmovisão panteísta, uma sociedade capitalista neoliberal e por uma tendência mística e irracionalista, o neopentecostalismo apresenta algumas ênfases distintas:

1. A teologia da prosperidade. Crê-se que Deus promete saúde perfeita e plena prosperidade para todos os que lhe pedem com fé. Se alguém não prospera, só há duas explicações: ou não crê em Deus ou há algum impedimento causado por espíritos maus.

2. A simplificação teológica: Todos os males vêm dos demônios. Quase tudo que acontece e que nos desagrada tem origem demoníaca. Pecados, doenças, fracassos, problemas pessoais, desentendimentos é obra do diabo. Causas físicas, psicológicas e até espirituais são relevadas, explicando-se tudo com a atuação demoníaca.

3. A busca de experiências extraordinárias. Os pentecostais buscavam falar em línguas e profetizar. Os carismáticos enfatizaram curas e exorcismos. Os neopentecostais mudaram o foco: O interesse agora é ser "arrebatado" no Espírito, visitar o céu e o inferno, sair do corpo e passear espiritualmente, cair no chão pelo sopro do Espírito, rir incontrolavelmente, etc.

4. Uma Hermenêutica Diferente. Há muito pouco uso do Novo Testamento. A maioria das pregações são quase sempre baseadas em textos do Antigo Testamento. E esses textos não são lidos exegética e teologicamente. A hermenêutica do novo movimento é nitidamente alegórica e pragmática.

5. Confissão Positiva. A nova tendência ensina a confissão positiva. Trata-se de uma negação da oração de petição e de súplica. A ideia é que Deus nos deu promessas das quais precisamos nos apropriar, declarando que nos pertencem. Não devemos orar, pedindo, nem pedir que se faça a vontade do Pai, mas sim declarar que aquilo aconteça. A ideia aproxima-se da magia.

6. A visão triunfalista. Não há espaço para o lamento e para a tristeza. O crente sempre tem a "vitória". O novo perfil do cristão que agrada a Deus é o do guerreiro vencedor, que apesar das lutas, deve estar sempre sorrindo, negando a realidade de modo escapista e alienante, sempre triunfante.

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7. A batalha espiritual. Não só tudo vem do demônio, mas estamos numa batalha espiritual quase física. Cada problema é relacionado com um demônio específico. Até a linhagem das pessoas é dominada por demônios, ligados a maldições em suas vidas. Criam-se, inclusive, métodos específicos de lutar contra os demônios. Os espíritos territoriais, que dominam certas cidades, são vencidos por meio de métodos especiais.

8. O clientelismo como relação igreja-fiel. Os novos grupos representam uma mudança significativa na relação igreja-fiel. Não há mais membro de igreja no sentido comum. As novas igrejas funcionam como pronto-socorro espiritual. São enormes, atingem massas. Os fiéis vão buscar a bênção no espaço sagrado da igreja. Agem como clientes.

9. A relação com o catolicismo e outros cultos. O novo movimento confronta o catolicismo e a umbanda. Todavia, condenam tais cultos, mas acabam apropriando-se de elementos desses cultos. Há um certo sincretismo.

10. Movimento marcado pelo uso da mídia. O neopentecostalismo aprofundou muito esse uso. As novas igrejas são especialmente marcadas pelo uso da televisão. Há programas de televisão diários. Marcadas pelo clientelismo, funcionam com um poderoso sistema de marketing.

AVALIANDO AS DOUTRINAS E PRÁTICAS NEOPENTECOSTAIS

1. A teologia da prosperidade (saúde perfeita e prosperidade financeira)

Em oposição à fé evangélica a nova onda triunfalista abraçou a teologia da prosperidade, que diz que estar bem com Deus é prosperar financeiramente. Em vez de negar o mundo e seus alvos, afirmam que Deus está do lado de quem tem muitos recursos financeiros. A bênção divina não é só a salvação, mas também e principalmente bens materiais. Assim, falta de recursos ou de boa saúde é vista como falta de fé ou como obra do mal. A fantasia dos produtos de grife que representam poder e status na sociedade atual se consegue com o "poder de Deus". Com base numa interpretação incorreta de Gálatas 3.14, creem que devemos herdar a bênção que Deus concedeu a Abraão: muitas riquezas. Com raciocínio semelhante, leem Isaías 53.4, afirmando que Cristo levou nossas enfermidades e que não devemos mais adoecer. É importante ressaltar aqui que esses grupos não afirmam apenas que Cristo cura e dá bênçãos materiais aos seus. A ideia é que temos direito a essas coisas, e que Deus está obrigado a nos concedê-las.

A leitura simples de alguns textos mostra como isso não subsiste. Em primeiro lugar, basta ver a história de Jó e dos profetas de Israel para ver como isso nunca aconteceu nem no

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AT. Tanto é verdade que textos como o Salmo 73 falam da prosperidade dos ímpios. Quando lemos o NT então, o quadro é muito claro. Os apóstolos são presos e martirizados; João Batista morre degolado; os crentes da Judeia recebem a oferta da Macedônia por enfrentarem necessidades físicas. Não tinham eles fé? Estavam presos por um espírito mau? De modo nenhum. Não há dúvida que Deus quer o melhor para nós. Mas muitas vezes ele nos permite enfrentar situações difíceis para o nosso próprio bem. Nem sempre as riquezas são a melhor "bênção". É verdade que um bom crente, competente, tende a prosperar na vida, mas não se deve pensar que quem está com problemas financeiros esteja em pecado ou longe de Deus, e muito menos podemos acreditar que os ricos estão espiritualmente bem. Devemos saber enfrentar qualquer situação, como Paulo, que aprendeu a estar contente na fartura e na dificuldade.

Como tratar os textos que falam de cura? Cristo levou as doenças? Por que adoecemos? O problema é falta de informação. Em primeiro lugar, vemos que os crentes do NT ficavam doentes e muitas vezes não foram curados como foi o caso de Timóteo com seu problema de estômago (1Tm 5.23), de Trófimo (2Tm 4.20) e do próprio Paulo (2Co 12.7-9). Além disso, a obra da redenção ainda não está concluída. Cristo, sem dúvida alguma, venceu a morte; mas que cristão crê que não morrerá? Cristo venceu o pecado; mas nós sofremos tentações e lutamos contra a carne. Do mesmo modo Cristo venceu as enfermidades, mas isso não significa que não vamos adoecer. O pleno usufruir de todas as bênçãos da redenção só será possível depois da ressurreição, na vida eterna. Quem quer antecipar essa realidade, está equivocado. Podemos pedir que Deus nos cure e nos restaure a saúde, pois ele é poderoso para fazê-lo, mas não podemos exigir isso.

2. A Batalha Espiritual e os Demônios

A ênfase nos demônios é muito grande. Há grupos que estabelecem uma longa lista de determinados demônios relacionados a certos problemas específicos: demônio da bebida, do machismo, da pobreza, etc.

Ninguém pode negar a existência de espíritos maus. É uma realidade afirmada pelo Novo Testamento, e confirmada pela experiência do cotidiano. O grande problema é entender que tudo é demoníaco e criar estratégias místicas para combater os espíritos maus. Nesse contexto de “batalha espiritual” o novo movimento apresenta atitude intrigante. Reage de maneira forte e agressiva contra o catolicismo e os cultos afro-brasileiros, mas ao mesmo tempo se apropriam dos elementos mágicos tanto do catolicismo como da umbanda. As

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práticas já iniciadas pela onda de cura divina dos anos 50 ganham força e se multiplicam com os novos grupos. Assim, a fogueira santa de Israel, o sal ungido, o óleo santo, a noite da mesa branca, a fita de Jesus, etc. funcionam como relíquias mágicas que servem para fazer as coisas funcionarem no mundo espiritual. Essa magia aproxima-se do paganismo, numa tentativa de manipulação da divindade por meio de práticas que permitam a libertação de forças espirituais.

Todos nós temos problemas físicos, e deles sofremos até por razões genéticas. Existe tendência à depressão, ao diabetes, etc. Isso não é causado por demônios. Há também problemas psicológicos. Há quem tenha sofrido traumas na infância, sofra complexos e dificuldades que precisam ser tratadas com sabedoria, afeto e ajuda espiritual. Isso quer dizer que a causa imediata de muitos dos nossos problemas não é um espírito mau. A verdade é que muito do nosso sofrimento procede de erros, pecados e atitudes impensadas, cujos resultados colhemos agora. É muito fácil colocar toda a culpa no diabo. É muito cômodo afirmar que não fomos nós que erramos, e sim um demônio. Quando Paulo trata dos problemas das igrejas do Novo Testamento, ele o faz apelando à capacidade de compreensão dos princípios de Deus e possibilidade de obedecer-lhes. Timóteo não tinha um demônio no estômago, os coríntios não estavam possessos, Pedro tornou-se repreensível por agir deliberadamente de modo incorreto e não por estar dominado por espíritos maus. Não se pode dizer que tudo é problema espiritual. Ouvimos falar de espíritos territoriais, de pessoas amaldiçoadas, dominadas por demônios por gerações (mesmo sendo crentes!), mas nada há no Novo Testamento que ensine isso. Paulo nunca quebrou maldição de ninguém, apesar de ter evangelizado pagãos ímpios, nunca passeou em volta de Éfeso nem Corinto para "libertar" a cidade dos espíritos territoriais.

Cada problema merece o tratamento certo. Se há possessão, oremos. Se há doença, vamos tratá-la com remédios e orar. Se há pecado, deve haver confissão e ao arrependimento. Se há problemas psicológicos, vamos tratá-lo com nossos conhecimentos, com a ajuda de um bom conselheiro.

3. A Interpretação das Escrituras

A. O Uso Mágico da Bíblia. Muitos grupos hoje têm incentivado um uso mágico das Escrituras. A Bíblia funciona como uma espécie de amuleto. Basta a presença do livro sagrado para assustar os demônios. Quantas residências possuem Bíblias abertas em determinados trechos para deixar a casa livre da atuação maligna. Uma

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das passagens preferidas para essa prática é a do Salmo 91, o qual, ironicamente foi usado por Satanás para tentar a Jesus! Isso não tem fundamento bíblico. Deus quer que leiamos e estudemos a Bíblia, para que aprendamos seus princípios e os coloquemos em prática em nossas vidas. As Escrituras não são um amuleto. Aqui encaixa-se também a confissão positiva. É a ideia de que não se deve mais orar, pedindo a Deus que nos abençoe. Essa é uma oração sem fé. Deve-se tomar posse da bênção, declarando que já a obteve. Prega-se uma ousadia diante de Deus, para que alcance o que se deseja. Assim, quando o fiel declara que recebeu o que Deus prometeu, com toda a certeza, ele o receberá. É quase uma formulação mágica do tipo “abracadabra”.

B. O Uso literalista. Não é difícil perceber que não é possível colocar em prática um versículo bíblico isolado. Se não avaliarmos o contexto, a época em que foi escrito, a motivação do autor e os aspectos literários vamos cometer erros graves, mesmo sendo sinceros. Se fizemos com certos textos o que alguns grupos fazem com outros a igreja será uma loucura. As mulheres não poderiam falar na igreja, poderíamos manter escravos, viver em poligamia, exaltar a vingança e até esperar mensagens divinas de uma jumenta! Muito do que parece bíblico, na verdade não faz sentido, é fruto de ignorância e contradiz princípios bíblicos inquestionáveis.

C. A Preponderância do Antigo Testamento. As igrejas neopentecostais mostram predileção por textos do AT. E a maioria das pregações é baseada em textos narrativos. Haverá algum problema nisso? Sim! Precisamos reconhecer que a Bíblia é uma revelação crescente, que se desenvolve progressivamente. Por isso, vários textos do AT são ultrapassados, isto é, não servem como referencial de nossa prática cristã. Não podemos praticar poligamia, não devemos entender que bens, riquezas e gordura representam a bênção de Deus, não devemos matar nossos inimigos. Muito da música composta em alguns desses grupos enfatizam guerra, vingança, adorar a Deus no monte ou no templo, práticas ultrapassadas, conforme o Novo Testamento. Há até quem esteja vivendo um judaísmo mal-entendido!

D. O Uso Alegórico do Texto. Ainda que seja contraditório, vários grupos praticam o literalismo e o alegorismo ao mesmo tempo. Na verdade, o que controla a leitura de alguns textos é o intérprete, que defende algumas ideias, mas que não se preocupa com coerência. A alegoria é a espiritualização de certos textos. Em vez de entendê-los com base numa boa hermenêutica, procurando o sentido pretendido pelo autor, o texto é lido "figuradamente". As voltas de Josué em torno de Jericó

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servem de base para que a conquista espiritual das cidades de hoje. As cinco pedras que Davi jogou em Golias são vistas como a pedra da coragem, da fé, do destemor, etc.

TODO PRETENSO MILAGRE OU CURA SÃO GENUÍNOS?

Como vimos, a Bíblia fala em milagres de Deus. Cremos no poder de Deus e que ele não só pode fazer como tem feito e faz milagres em muitas vidas ainda hoje. Todavia, nem tudo aquilo que se apresenta como milagroso vem necessariamente de Deus. Daquilo que normalmente é chamado de milagre podemos apontar três origens:

a) divina. b) humana. c) diabólica.

Portanto não devemos crer apressadamente em qualquer "milagre", sem antes examiná-lo. Pouco precisa ser dito sobre o poder diabólico de realizar sinais. Bastam lembrar de alguns exemplos bíblicos: os magos do Egito, a advertência de Deuteronômio 13.1-5, a adivinhação da escrava de Filipos (At 16), o poder de Satanás de disfarçar-se em anjo de luz (2 Co 11.14) e o poder da Besta que faz descer fogo do céu (Ap 13.13). Essas são evidências suficientes do poder diabólico de operar milagres. Por essa razão, a advertência de Jesus aos cristãos para não seguirem falsos profetas volta-se exatamente para o aspecto milagroso:

“Hão de surgir falsos cristos e falsos profetas, e farão grandes sinais e prodígios; de modo que, se possível que, se possível fora, enganariam até os escolhidos”. (Mt 24.24).

Muitas seitas religiosas baseiam sua autoridade em manifestações “milagrosas”. A verdade é que há seitas que inicialmente eram uma simples denominação, mas que acabaram se tornando uma seita. Esse foi o caso da Igreja Apostólica, que depois de certo tempo passou a ensinar que o Espírito Santo era a Santa Vó Rosa, mulher que, conforme alguns, curava muitas pessoas. Isso quer dizer que algumas igrejas se tornaram heréticas e continuam manifestando milagres que não são de Deus “em nome” de seus profetas. Portanto, é preciso que fique bem claro que milagres não são sinais de autenticidade cristã. Pelo contrário, muitos milagres através da história, passando pela Idade Média e pelos nossos dias, não se encaixam com o padrão bíblico mínimo de doutrina cristã.

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AVALIANDO AS CURAS

Uma análise mais aprofundada de supostas curas irá mostrar que a muitas delas não parecem ser algo divino nem diabólico. Como podemos chegar a tal conclusão? Vejamos algumas características encontráveis muitas "curas" praticadas em certos ambientes:

1. Falso Diagnóstico: A pessoa não está doente. É o caso de gente “revelada e curada de câncer" sem saber que tem a doença. Muitas pessoas ingênuas recebem "curas" de males que nunca tiveram.

2. Curas de Sintomas Psicossomáticos: Muitas curas são alívio de “dores” de cabeça, nas costas, no corpo, etc. Os “curados” sentem-se aliviados de uma dor, que não possuem de fato origem física. A cura não passa de um efeito placebo. Num contexto de muito emocionalismo sentem uma "melhora". Ao contrário dos milagres contundentes da Bíblia (ressurreição de mortos, cura de cegos de nascença, de paralíticos, etc.).

3. Curas Momentâneas: Há pessoas doentes, que se sentem "melhor", e se dizem curadas. Várias pessoas "curadas" morrem logo depois. Alguns até negligenciam medicamentos e acabam piorando de saúde. Sempre que alguém declarar-se curado de um mal grave e constatado, é preciso aguardar um certo tempo, para confirmar se ela de fato aconteceu.

4. Curas Naturais: Há pessoas que estão temporariamente doentes, sofrendo de males que saram naturalmente com a própria reação do organismo. Há muitos testemunhos sobre crianças que foram curadas "milagrosamente" de doenças comuns na infância, as quais na verdade desaparecem com o decorrer da idade. Muitas das "curas" ocorreram naturalmente, mas são atribuídas ao "poder" de certa oração.

5. O Ambiente da Cura: Muitas "curas" acontecem com hora marcada. É necessário que o líder esteja presente e realize os milagres. Os cultos são muito emotivos, muito demorados e que os milagres acontecem invariavelmente no final. A pergunta que precisa ser levantada é: "A estrutura dos cultos, aliada à estrutura eletrônica (instrumentos, som alto, etc.) não são fatores que podem induzir pessoas a se acharem curadas momentaneamente? Existe paralelo bíblico disso? Muitas são as curas bíblicas realizadas na quietude e no contato pessoal e individual (não de massa).

6. A Segurança dos “Pregadores de Cura”: Diante de tanta propaganda de curas, espera-se que todos sejam "bem atendidos". Como fica a situação dos que não são curados? Muitos pregadores de cura não prestam conta de suas promessas. O que afirmam garante-lhes plena segurança: quando alguém não é curado é porque está em pecado ou porque não tem fé. Assim, além de enferma, a pessoa ainda sai deprimida, pensando

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que a culpa de permanecer doente é unicamente dela, devido à incredulidade. É muito fácil perceber que com uma postura dessas, o pregador de cura nunca se responsabiliza por nenhuma "falha". No final das contas, o culpado é sempre o doente.

Apesar dessa avaliação crítica, quero reiterar que Deus cura. Não duvido de que alguns casos de cura são de fato verídicos, inclusive em ambientes controversos. Pessoas sinceras, com fé, são, algumas vezes, curadas. Mas, se levarmos em conta a propaganda e os diversos fatores já alistados, o número de casos possivelmente legítimos é bem pequeno. É provável que feitas tais considerações não aconteçam muito mais curas verdadeiras em igrejas de “milagres” do que em outras igrejas. Conheci pastores pentecostais que possuem parentes portadores de doenças incuráveis, e que foram obrigados a conviver com isso. Já vi casos de membros comuns de igreja tradicionais, condenados pela medicina, que, mediante a oração de suas igrejas, recuperaram-se maravilhosamente. Mesmo não sendo muitos, eles acontecem, sem, receber nenhum alarde.