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9 Revista Brasileira de Nutrição Funcional - ano 15, nº 63, 2015 Dra. Isabel de Souza Carvalho Cirurgia bariátrica e novas intervenções funcionais para a prevenção de doenças decorrentes do processo cirúrgico Bariatric surgery and new functional interventions for the prevention of diseases caused by surgical process Resumo As técnicas restritivas de cirurgia bariátrica resultam em menor biodisponibilidade de nutrientes que necessitam de proteases para a digestão ou pH ácido para a absorção. Nessas modalidades operatórias, a influência orexigênica da grelina é anulada quando ocorre exclusão do fundo gástrico e mantida em caso de apenas isolamento. As técnicas disabsortivas promovem maiores perdas ponderais e maiores complicações devido ao aproveitamento reduzido de diversos nutrientes, especialmente os lipossolúveis, e também resultam em maior produção de hormônios intestinais anorexígenos. Após a cirurgia bariátrica, portanto, o objetivo nutricional vai além do aporte de calorias e porções alimentares reduzidas, devendo contemplar as necessidades peculiares a cada técnica cirúrgica. Modular a microbiota intestinal por meio da introdução de probióticos, prebióticos e dieta anti-inflamatória constitui um recurso dietoterápico funcional para a prevenção de doenças decorrentes da intervenção cirúrgica e para evitar a recuperação de comorbidades pré-existentes e de peso a longo prazo. Palavra chave: dieta na cirurgia bariátrica, suplementação na cirurgia bariátrica, microbiota intestinal do obeso, hormônios intestinais anorexígenos. Abstract Restrictive bariatric surgery techniques result in reduced bioavailability of nutrients that need proteases for digestion or acid pH for absorption. In these surgical modalities, the orexigenic influence of ghrelin is canceled when there is exclusion of the gastric fundus and maintained in the event of only isolation. The disabsorptive techniques promote greater weight loss and major complications due to low use of various nutrients, especially fat-soluble ones, and also lead to more pro- duction of anorectic gut hormones. After bariatric surgery, then, the nutritional goal goes beyond reduced caloric intake and reduced food portions and should include the unique needs of each surgical technique. Modulate the gut microbiota by the introduction of probiotics, prebiotics, and anti-inflammatory diet is a functional therapy feature to prevent diseases resulting from surgical intervention and to prevent long-term weight regain and preexisting comorbidities recovery. Keywords: bariatric surgery diet, bariatric surgery supplementation, gut microbiota in obesity, anorectic gut hormones.

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Cirurgia bariátrica e novas intervenções funcionais para a prevenção de doenças decorrentes do

processo cirúrgico

Bariatric surgery and new functional interventions for the prevention of diseases caused by surgical process

ResumoAs técnicas restritivas de cirurgia bariátrica resultam em menor biodisponibilidade de nutrientes que necessitam de proteases para a digestão ou pH ácido para a absorção. Nessas modalidades operatórias, a influência orexigênica da grelina é anulada quando ocorre exclusão do fundo gástrico e mantida em caso de apenas isolamento. As técnicas disabsortivas promovem maiores perdas ponderais e maiores complicações devido ao aproveitamento reduzido de diversos nutrientes, especialmente os lipossolúveis, e também resultam em maior produção de hormônios intestinais anorexígenos. Após a cirurgia bariátrica, portanto, o objetivo nutricional vai além do aporte de calorias e porções alimentares reduzidas, devendo contemplar as necessidades peculiares a cada técnica cirúrgica. Modular a microbiota intestinal por meio da introdução de probióticos, prebióticos e dieta anti-inflamatória constitui um recurso dietoterápico funcional para a prevenção de doenças decorrentes da intervenção cirúrgica e para evitar a recuperação de comorbidades pré-existentes e de peso a longo prazo.

Palavra chave: dieta na cirurgia bariátrica, suplementação na cirurgia bariátrica, microbiota intestinal do obeso, hormônios intestinais anorexígenos.

AbstractRestrictive bariatric surgery techniques result in reduced bioavailability of nutrients that need proteases for digestion or acid pH for absorption. In these surgical modalities, the orexigenic influence of ghrelin is canceled when there is exclusion of the gastric fundus and maintained in the event of only isolation. The disabsorptive techniques promote greater weight loss and major complications due to low use of various nutrients, especially fat-soluble ones, and also lead to more pro-duction of anorectic gut hormones. After bariatric surgery, then, the nutritional goal goes beyond reduced caloric intake and reduced food portions and should include the unique needs of each surgical technique. Modulate the gut microbiota by the introduction of probiotics, prebiotics, and anti-inflammatory diet is a functional therapy feature to prevent diseases resulting from surgical intervention and to prevent long-term weight regain and preexisting comorbidities recovery.

Keywords: bariatric surgery diet, bariatric surgery supplementation, gut microbiota in obesity, anorectic gut hormones.

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Introdução - Caracterização das principais técnicas de cirurgia bariátrica

Na gastroplastia ou gastrectomia vertical, também conhecida como técnica de Sleeve, o estômago tem o seu fundo removido e adquire a forma cilíndrica; como a parte descartada contém as células responsáveis pela maior produção de grelina – um hormônio orexígeno – do organismo, o paciente passa a sentir menos fome. A técnica é puramente restritiva, pois não ocorre disabsorção intestinal1.

Como na cirurgia de derivação gástrica ou bypass gástrico, também conhecida como gastroplastia em Y de Roux ou técnica de Fobi-Capella, o estômago grampeado forma uma bolsa reduzida ligada diretamente ao jejuno, os alimentos não passam pelo duodeno, reduzindo drasticamente a absorção nutricional. Além disso, como a parte isolada do estômago não é descartada, a grelina continua sendo produzida e direcionada para as vias normais. Porém, como nesse pequeno reservatório gástrico resultante do procedimento cirúrgico a produção de ácido clorídrico é menor, a absorção de nutrientes e fármacos dependente de pH ácido é comprometida2. Nessa técnica, a digestão das proteínas também pode ser prejudicada por deficiência de proteases em virtude da menor secreção gástrica, podendo desenvolver-se desnutrição proteica, evidenciada por hipoalbuminemia e anasarca3,4.

Na derivação bileopancreática, ou técnica de Scopinaro, a maior parte do estômago é retirada, e não grampeada, sendo feito um desvio intestinal em que a bile e o suco pancreático encontram os alimentos a somente 100 cm do fim do intestino delgado. Nessa técnica, o tamanho do estômago resultante é maior do que na derivação gástrica, mas a porção produtora de grelina é removida; como o encurtamento do intestino é importante, a disabsorção de nutrientes é muito maior nessa modalidade cirúrgica5.

Absorção e suplementação de vitamina B12 após a cirurgia bariátrica

Após técnicas cirúrgicas restritivas, a vitamina B12 pode ter a sua absorção prejudicada no íleo

terminal devido à produção gástrica diminuída de proteína R e fator intrínseco3,6-8.

Para a prevenção das neuropatias nutricionais que acometem aproximadamente 16% dos pacientes que se submetem a procedimentos bariátricos9, a reposição de B12 pode ser feita por meio de injeção intramuscular (1.000 μg mensalmente) ou na forma de spray nasal ou sublingual (500 μg semanalmente) sempre que os seus níveis séricos forem inferiores a 200 pg/ml6-8.

Absorção e suplementação de ácido fólico após a cirurgia bariátrica

A absorção de ácido fólico, que se dá preferencialmente no duodeno, pode ocorrer ao longo de todo o comprimento do intestino delgado em decorrência de uma adaptação fisiológica após técnicas cirúrgicas disabsortivas6.

Dessa forma, a deficiência de ácido fólico após a cirurgia bariátrica não está ligada ao seu processo absortivo, e sim a outros fatores, como3,6,10:- Redução do consumo de fontes alimentares;- Resultado da deficiência de vitamina B12, necessária para a conversão do ácido metiltetrahidrofólico (forma inativa) em ácido tetrahidrofólico (forma ativa).

A deficiência de ácido fólico pode ser tratada com 1.000 μg/dia de ácido fólico oral durante 1 a 2 meses e prevenida com um suplemento contendo 200% do valor diário recomendado, ou seja, 800 μg. Em mulheres, essa dose de prevenção pode também beneficiar uma eventual gestação no pós-operatório, embora a gravidez não seja recomendada nesse período6.

Absorção e suplementação de ferro após a cirurgia bariátrica

Após técnicas cirúrgicas disabsortivas, o cólon

proximal pode ser um importante sítio de absorção de ferro7,10-12.

Porém, ainda que o local de absorção não constitua um problema, a redução do conteúdo ácido do estômago pode prejudicar a biodisponibilidade do mineral. O ferro não heme requer pH ácido para ser reduzido da forma férrica (Fe2+) para a ferrosa (Fe3+). O ferro heme, por sua vez, embora já seja

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mais solúvel, apresenta uma estrutura proteica que necessita sofrer ação das proteases presentes no suco gástrico2,10.

Além disso, a ingestão oral de ferro costuma diminuir após a cirurgia bariátrica devido à comum intolerância aos produtos cárneos3,7,10,12.

As recomendações para prevenção de anemia incluem a administração de 40 a 65 mg de ferro elementar por dia, disponíveis em 200 a 400 mg de sulfato ferroso ou fumarato ferroso. Em deficiências já estabelecidas, podem ser indicados 300 mg de sulfato ferroso ou fumarato ferroso 3 vezes ao dia, associados com vitamina C e fruto-oligossacarídeos para acidificação do meio e melhora da absorção6,8.

O ideal é que a suplementação seja na forma isolada, através de fórmulas manipuladas. Os polivitamínicos/minerais comerciais, que na realidade costumam ser prescritos pelo próprio cirurgião bariátrico, devem ser evitados porque6:

- Oferecem uma quantidade de ferro elementar de apenas 10 a 20 mg por comprimido;

- Promovem condições de competição absortiva entre os diversos minerais presentes na fórmula, como ferro e cálcio.

Absorção e suplementação de cálcio e vitamina D após a cirurgia bariátrica

As técnicas cirúrgicas de caráter disabsortivo acarretam menor absorção de cálcio devido à exclusão do duodeno e do jejuno proximal, locais de máxima absorção desse mineral. Nas intervenções restritivas, por sua vez, a absorção de carbonato de cálcio torna-se comprometida pela menor acidez do meio, sendo que esta é a forma predominantemente encontrada nos suplementos comerciais6,10.

Portanto, o citrato de cálcio deve ser a forma utilizada por pacientes que passam por cirurgias bariátricas restritivas, justamente por não depender do ácido gástrico para ser absorvido6,10.

Nesses casos, a biodisponibilidade do carbonato de cálcio pode ser de apenas 4%, contra 45% do citrato de cálcio. Apesar disso, a maioria dos suplementos comerciais apresenta a forma de carbonato de cálcio, provavelmente por ser menos onerosa2.

A suplementação de vitamina D deve ser considerada porque ocorre menor absorção de gorduras dietéticas após cirurgias disabsortivas, comprometendo a absorção de vitaminas lipossolúveis; ademais, a absorção de cálcio ocorre no intestino sob a influência da vitamina D6,10.

Logo após a cirurgia bariátrica, para prevenir a perda óssea, podem ser suplementados de 1.200 a 2.000 mg/dia de citrato de cálcio e de 400 a 800 UI de vitamina D. Após o período pós-operatório de 8 semanas, pode sobrevir uma dose de manutenção de 500 mg/dia de citrato de cálcio em associação com 125 UI de vitamina D3, ou colecalciferol6,8,10.

Prebióticos e absorção de minerais

Os prebióticos aumentam a produção de ácidos graxos de cadeia curta (AGCCs), os quais elevam a acidez do lúmen intestinal pela contribuição com íons H+ dissociados; desta forma, a concentração de minerais ionizados é favorecida, aumentando a sua solubilidade e difusão pela membrana do intestino7,10,12-14.

Modulação da microbiota intestinal

A alimentação ocidental típica prejudica a permeabilidade da mucosa intestinal e aumenta o número de bactérias Gram-negativas, que possuem lipopolissacarídeos (LPS) como componentes da sua membrana, favorecendo a sua translocação para o plasma e a condição de endotoxemia metabólica, caracterizando uma inflamação sistêmica com recrutamento de células imunes inatas15-20.

A exposição prolongada aos LPS deve ser combatida porque faz com que a resistência à insulina atinja primeiramente o fígado e depois os músculos; a glicose não utilizada pelo fígado e pelos músculos permanece no sangue e é absorvida pelos adipócitos, que armazenam gordura durante muito tempo antes de se tornarem resistentes à insulina21,22.

A microbiota intestinal de indivíduos obesos também difere no aspecto que compreende diferenças entre filos bacterianos, apresentando proporções menores de Bacteroidetes e maior de Firmicutes quando em comparação com

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indivíduos magros19,20,23-25.A maior proporção de Firmicutes torna a

microbiota intestinal do obeso mais apta a extrair energia a partir de fibras não digeríveis, presentes em polissacarídeos de vegetais, o que aumenta a absorção intestinal de glicose e, consequentemente, a glicemia e a insulinemia16,20. Isso ocorre porque as bactérias Firmicutes são mais dotadas de sistemas enzimáticos de fosfotransferase, envolvidos no processamento de carboidratos para extração de energia23.

Após a cirurgia bariátrica, o perfil da microbiota intestinal sofre modificações. As modalidades cirúrgicas disabsortivas podem aumentar a concentração de Akkermansia muciniphila e outras bactérias benéficas, mas, por outro lado, podem elevar a concentração de proteobactérias, especificamente Enterobacter cancerogenus, o que pode, a longo prazo, aumentar o risco de inflamação intestinal e carcinomas colorretais23.

As mudanças na microbiota intestinal induzidas pela cirurgia bariátrica estão relacionadas, em grande parte, com o aumento de oxigênio dissolvido após o procedimento, resultando em23:

- elevação das populações anaeróbicas facultativas;

- diminuição de bactérias anaeróbicas.Desta forma, o aumento das proteobactérias

é justificado pelo fato de estas serem bactérias anaeróbicas facultativas. Por outro lado, a cirurgia bariátrica proporciona uma redução de Firmicutes por serem bactérias anaeróbicas, fazendo com que a microbiota intestinal do paciente operado aproxime-se daquela típica de indivíduos magros. A redução da acidez colônica resultante de técnicas cirúrgicas restritivas também contribui para inibir o crescimento das Firmicutes, que necessitam de pH ácido23.

Portanto, a recomendação para modular a microbiota intestinal após a cirurgia bariátrica seria a administração de uma dieta com caráter anti-inflamatório e o uso de prebióticos e probióticos, capazes de reduzir os níveis de LPS na circulação e aumentar as concentrações de AGCCs no lúmen intestinal, os quais são produtos imunomoduladores considerados essenciais18,19,26.

O consumo de alimentos funcionais ricos em prebióticos, como biomassa ou farinha de

banana verde e cereais integrais, contribui para a modulação da microbiota intestinal prejudicada pela alteração do pH, como lactobacilos e bifidobactérias27.

Outras fontes alimentares de prebióticos que podem constar na dieta antes e depois da cirurgia bariátrica são: alho, cebola, raízes de chicória e almeirão, alcachofra, aspargos, lecitinas de proteínas vegetais, beterraba, banana, bardana, tomate, mel, batata-doce, batata-yacon, dente-de-leão e bulbos diversos28,29.

Modulação de hormônios intestinais

A maioria dos estudos acompanha os pacientes no máximo por dois anos após a cirurgia bariátrica, revelando resultados promissores30. No entanto, pesquisas de maior duração demonstram uma tendência à recuperação gradual do peso e de comorbidades31.

O alto índice de recaídas pode ser explicado, em parte, por alterações tardias no funcionamento das células enteroendócrinas, produtoras de hormônios anorexígenos32.

Desta forma, é preciso recorrer a intervenções dietéticas funcionais para manter por tempo indeterminado as altas concentrações de peptídeos intestinais anorexígenos, obtidas graças ao rápido fluxo de nutrientes para o intestino delgado e o cólon, como19:

- fornecer dietas hipocalóricas para aumentar os níveis circulantes de peptídeo YY (PYY) e peptídeo semelhante ao glucagon-1 (GLP-1) e reduzir os de grelina33;

- considerar que a estimulação de receptores gustativos para o sabor doce das células L enteroendócrinas do intestino delgado e do cólon distal induz a liberação de PYY, GLP-1 e oxintomodulina (OXM), mas priorizando carboidratos de baixo índice glicêmico19;

- evitar o excesso de gorduras saturadas e trans da dieta ocidental típica, capazes de reduzir os fatores de transcrição bHLH (helix-loop-helix), que regulam a diferenciação celular responsável pela alta rotatividade das células enteroendócrinas19,34;

- oferecer prebióticos para reduzir a liberação de grelina e aumentar o número de células L enteroendócrinas, elevando a secreção de GLP-1

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e PYY19;- suplementar de 16 a 20 g diários de inulina

para elevar GLP-1 e PYY e reduzir o apetite e a ingestão calórica em torno de 10%35,36;

- recomendar um maior fracionamento da dieta para que o indivíduo alimente-se sem muita fome, realizando escolhas alimentares racionais, definidas pelo córtex pré-frontal. Afinal, quando o intervalo entre as refeições é demasiadamente extenso, ativa-se o sistema límbico, responsável pela obtenção de prazer por meio da alimentação37;

- evitar longas privações alimentares para combater o hipercortisolismo, que pode elevar a compulsão alimentar já que os neurônios de neuropeptídeo Y (NPY), localizados no núcleo arqueado do hipotálamo, são ricos em receptores de glicocorticoides; ademais, o NPY é o agente mais orexigênico do sistema nervoso central, capaz de estimular a liberação de grelina pelo estômago38.

Cirurgia bariátrica: nem o início nem o fim do tratamento

Na falta de aconselhamento nutricional adequado no período pré-operatório, é comum que, após a cirurgia bariátrica, o paciente modifique a sua alimentação quanto à consistência e ao tamanho das porções inicialmente, mas retorne gradativamente aos seus hábitos alimentares prévios, notavelmente hipercalóricos, inflamatórios e pobres em nutrientes e compostos bioativos39-41.

Há evidências científicas de que a proposta para ingestão de dietas de baixas calorias (LCDs, ou Low Calorie Diets, com 800 a 1.200 calorias diárias) e dietas de muito baixas calorias (VLCDs, de Very Low Calorie Diets, com 400 a 800 calorias diárias) durante 8 a 12 semanas antes da cirurgia bariátrica possa trazer vantagens, como perda ponderal de 10 a 20 kg, redução da síntese hepática de glicose e diminuição de gordura visceral42-44.

Todavia, por mais hipocalóricas que sejam, as dietas comumente prescritas fornecem mais xenobióticos do que deveriam e menos compostos bioativos do que poderiam, promovendo mais perda de massa muscular e água do que de gordura corporal, o que mantém o organismo permanentemente inflamado e reduz o seu

dispêndio metabólico, tornando-o muito mais apto a ganhar peso e adoecer; portanto, a restrição calórica deve ser acompanhada pela seleção de alimentos com propriedades antioxidantes e anti-inflamatórias, evitando-se o aporte excessivo de carboidratos de alto índice glicêmico e gorduras e proteínas de origem animal45.

Muito além de poucas calorias e pequenas porções

Passado o período de adoção de uma dieta modificada quanto à consistência e ao tamanho das porções, é preciso evitar a reintrodução de alimentos ricos em carboidratos de alto índice glicêmico e gorduras não saudáveis. A adoção de uma dieta hipocalórica, por si, não será eficiente se a alimentação persistir oferecendo elementos que contribuíram durante toda a vida para o desenvolvimento da obesidade46.

Como a ingestão inferior a 50 g de proteínas por dia facilita a perda de massa muscular, módulos proteicos em preparações líquidas e a gradual introdução de alimentos como iogurtes, coalhadas, ovos de origem caipira, peixes, leguminosas como grão-de-bico e quinoa são estratégias para promover emagrecimento através da redução de gordura corporal, minimizando a depleção de massa magra39.

Para evitar o excesso de flacidez após a perda de peso, deve-se limitar a ingestão dos produtos finais de glicação avançada (AGEs, do termo advanced glycation end products), uma vez que provocam deterioração dos tecidos nos quais se acumulam. Logo, devem ser evitadas refeições de alta carga glicêmica, preparações fritas e até mesmo alimentos grelhados, comumente recomendados em programas de vigilância ponderal47.

Cuidados nutricionais por toda a vida

Hipercolesterolemia, hipertrigliceridemia, hipertensão arterial e outros parâmetros da síndrome metabólica costumam normalizar-se após o tratamento cirúrgico da obesidade, independentemente da técnica utilizada, mas podem retornar com o tempo, dependendo da dieta adotada, assim como o valor de marcadores

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inflamatórios como a proteína C reativa (PCR)23,31.As modificações positivas nos parâmetros

da síndrome metabólica costumam ocorrer nos primeiros dois anos após a cirurgia bariátrica, quando um intenso processo de catabolismo e consequente perda de peso são fatos certeiros; após esse período, entretanto, há uma readaptação do organismo, com a maior produção de hormônios

orexígenos e uma recuperação das funções de anabolismo, facilitando o reganho de peso. Por esta razão, o acompanhamento pós-operatório tardio do paciente é sumamente importante, com a adoção de um perfil dietético não apenas hipocalórico, mas anti-inflamatório39, uma vez que peso perdido com inflamação mantida inevitavelmente resulta em peso um dia recuperado.

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