Teoria Das Restrições Dos Direitos Fundamentais

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  • 5/20/2018 Teoria Das Restries Dos Direitos Fundamentais

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    A Teoria das Restries dos Direitos Fundamentais

    EDUARDO RIBEIRO MOREIRA

    Professor Adjunto de Direito Constitucional da Universidade

    Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

    Professor Convidado na Universidade Castilla la Mancha

    Doutor em Direito Constitucional pela PUC-SP.

    Mestre e especialista em Direito.

    Membro do IAB, do IBDC, do IBEC e da ABDF.

    Sumrio: 1. A Importncia de se Precisar s Formas de Restries dos

    Direitos Fundamentais 2. Formas de Restrio dos Direitos Fundamentais no

    Campo Judicial 3. Formas Normativas de Restrio dos DireitosFundamentais 4. Formas de Restrio dos Direitos Fundamentais nas

    Situaes Especiais de Sujeio 5. Restrio dos Direito Fundamentais nas

    Situaes Constitucionais de Emergncia 6. Concluso 7. Bibliografia.

    Summary: 1. The Importance of Detailing the Forms of Restricting Basic Rights

    2. Forms of Restricting Basic Rights in the Judicial Arena 3. Normative

    Forms of Restricting Basic Rights 4. Forms of Restricting Basic Rights in

    Special Situations of Submission 5. Restriction of Basic Constitutional Rights

    in Emergency Situations 6. Conclusion 7. Bibliography.

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    Resumo:Os direitos fundamentais h tempos vm ocupando papel destacado no direito em

    todo o mundo. sem duvida um campo em expanso e que permite comunicabilidade entre as

    naes pela irradiao e universalidade que os mesmos apresentam. Tal estudo, entretanto,

    tem sido feito de maneira a procurar a ampliao sem a devida ateno s formas de restries

    dos mesmos. Somente com uma teoria bem desenhada com modalidades e limites conhecidos

    que a busca da efetividade se tornar mais prxima. Conhecendo as formas de restrio os

    direitos fundamentais passam a ser mais bem defendidos e delimitados. Aqui se pretende

    trazer todas as formas de restrio dos direitos fundamentais pela constituio, pelo

    legislador, pelo juiz, pela autoridade de poder, pela ordem internacional e at nos momentos

    de regimes de exceo para que fora dessas hipteses os direitos permaneam resguardados.

    Abstract:For quite some time now basic rights have been at the forefront of law all

    over the world. It is no doubt an expanding field that affords communicability among

    nations by their radiating and universalizing characteristics. Such studies, however,

    have been conducted in a way as to seek their expansion without giving due regard to

    their forms of restriction. Is is only by means of a well-designed theory with modalities

    and known limits that the search for effectiveness can come to light. Once having

    acknowledged the forms of restrictions, one can better guard and demarcate basic rights.

    Thus, we aim at bringing forth all forms of restriction of basic rights in the

    constitution, through legislators, judges, by vested authority, by international order and

    even in times of exceptional rule so that outside of these hypotheses rights can be kept

    safeguarded.

    Palavras-chave: Restrio Normativa dos Direitos Fundamentais Restrio dos Direitos

    Fundamentais no Plano de Judicial Restrio dos Direitos Fundamentais no Estado de

    Emergncia Restrio dos Direitos Fundamentais nas Situaes Especiais de Sujeio.

    Key Words: Normative Restriction of Basic Rights Restriction of Basic Rights on a

    Judicial Plane Restriction of Basic Rights in a State of Emergency Restriction of Basic

    Rights in Special Subjective Situations.

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    1. A importncia de se precisar as formas de restries dos direitos

    fundamentais

    Os Direitos fundamentais alcanaram tal ponto de expanso que a Teoria

    do Direito foi (re)pensada a partir de sua centralidade e o direito constitucional,

    a partir da defesa dos mesmos, legitimou seu prprio discurso de supremacia

    na construo dos direitos fundamentais. Hoje a matria jusfundamental conta,

    mais do que nunca com muitas ferramentas: metodologias, regras e princpios

    orientados por sua proteo. nesse sentido que desenvolvemos uma teoria

    das restriesdos direitos fundamentais, pois sem tal ponto de equilbrio ficam

    eles a merc de adaptaes e limitaes de momento quando e em quemedida podem ser restringidos , muitas das quais de constitucionalidade

    duvidosa. A importncia de se precisar todos os momentos e situaes

    possveis em que os direitos fundamentais podem sofrer restries identificar

    as situaes excepcionais, para que de todo o resto do tempo eles possam

    ficar mais protegidos.

    A classificao dos direitos fundamentais j nos d uma pista. Ao

    contrrio do que os antigos livros diziam os direitos fundamentais no so

    absolutos nem pela quantidade, nem por suporte ftico poderiam s-lo. Em

    uma classificao atualizada dos direitos fundamentais eles so apontados

    como relativizveis, pois passveis de conflito entre si no plano concreto (em

    outra palavra: ponderveis), abertos e irradiantes. Seno vejamos; como

    normas a serem preenchveis argumentativamente e justificadamente pelo

    intrprete funcionam com abertura e projetam-se em todos os campos do

    direito (em uma definio so irradiantes), indistintamente1e sem necessidadede que o legislador aponte o caminho ou os regulamente (da a aplicao

    direta). Ora, normas de potencialidade e alcance to vasto so relativas e

    1A Caracterstica de irradiao deve ser somada a indistino, isto , os direitos fundamentaisencontram-se em todos os campos do direito, dependendo apenas do intrprete para tal. Umexemplo poder clarear essa assertiva: dois funcionrios expulsos de uma associao poracusao de enviarem cartas ofensivas a direo no identificadas (porque coladas com letrasde jornal) so readmitidos judicialmente. Na instruo restou comprovado que lhes foi dadaampla defesa. Ainda assim a deciso da associao no comprovou a autoria dos funcionriose por esse motivo eles foram judicialmente reintegrados em respeito a presuno de inocncia,

    princpio sempre lembrado para o processo penal, mas que pela caracterstica de irradiaoaplica-se indistintamente em todos os campo do direito.

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    no absolutas justamente porque encontram situaes padro (ex: no

    exrcito) ou situaes excepcionais (ex: no estado de stio) em que muitos dos

    direitos em anlise so restringidos. Isso sem contar o campo normativo e o

    campo de aplicao judicial em que os direitos fundamentais tambm so

    restringidos. Precisar todas as situaes possveis de restrio mais do que

    aperfeioar seu uso levar os direitos fundamentais a srio.

    E por que importante precisar as formas de restrio dos direitos

    fundamentais? Essa reflexo necessria porque dessa forma no se permite

    que o arbtrio ou um ato excessivo, de momento, venha restringir os direitos

    fundamentais, de forma contrria ao constitucionalmente estabelecido. Com a

    abertura dos direitos fundamentais, sua mutabilidade e preenchimento

    argumentativo pontos festejados pela doutrina no podemos supor

    qualquer viso positivista que a lei encerre todas as formas de restrio. Uma

    teoria que considere todos os espaos de restrio permite que as limitaes

    no fiquem na mo do juiz, do legislador e muito menos da autoridade policial.

    Para evitar isso h o desenvolvimento de toda uma teoria sobre as formas de

    restries dos direitos fundamentais, e ela geralmente ensinada de maneira

    fragmentada: judicial, legislativa, executiva, ou nas situaes constitucionais de

    emergncia.

    Hoje, o nosso intuito fazer uma reunio destas formas luz do estado

    constitucional, pois sabendo todas as formas de restries, inviabiliza-se o

    abuso e a arbitrariedade.

    2. A Fundamentao das Restries dos Direitos Fundamentais no plano

    Judicial.

    A teoria dos princpios de Ronald Dworkin e a ponderao entre direitos

    fundamentais de Robert Alexy foram rapidamente disseminadas em territrio

    brasileiro. Isso trouxe transformaes na fundamentao dos direitos

    fundamentais. Devemos estar atentos para perceber que figuras tradicionais

    no do mais resposta adequada, pois tanto a antiga classificao de busca de

    eficcia da norma debate centrado no passado, como as antigas justificaes

    sobre as formas de restrio so ultrapassadas. Explico: de um lado o direito

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    funcionado por princpios e possibilidade concreta de exame como o da

    ponderao e de outro lado novas situaes de restrio dos direitos

    fundamentais, fazem com que aquelas teorias antigas e que serviam para

    explicar normas estticas estas so auto-aplicveis, essas necessitam de

    regulamentao etc.. no condigam com o espectro jurdico atual.

    A principal forma de restrio dos direitos fundamentais no mbito

    judicial, por exemplo, mudou com a prtica reiterada da ponderao entre

    direitos fundamentais. A partir da chegamos a uma concluso: o uso

    discriminado da ponderao trouxe importante transformao para a dogmtica

    constitucional tradicional, a respeito da classificao das normas

    constitucionais. Essa transformao diz respeito, especificamente, s normas

    programticas, que tinham funo projetiva e, com a ponderao, ganharam

    nova aplicabilidade.

    Na classificao, consagrada por Jos Afonso da Silva, as normas

    constitucionais de eficcia limitada no incidiriam imediatamente, pois

    necessitam de regulamentao legal, a ser realizada pelo legislador

    infraconstitucional, para serem consideradas eficazes (not self-acting

    provisions)2. As normas de aplicabilidade diferida, assim como as normas

    programticas, teriam apenas eficcia jurdica limitada e continham, portanto,

    carga meramente negativa, ou seja, com a finalidade de apenas proteger o

    indivduo contra a usurpao e os abusos do Estado,3 todavia no seriam

    exigveis de plano. A par do excelente trabalho doutrinrio que permitiu

    enxergar que nos direitos deveramos nos preocupar com a sua eficcia e

    efetividade , tal classificao serviu como justificativa para os Tribunais

    afastarem a eficcia das normas constitucionais de eficcia limitada e das

    normas constitucionais programticas. A classificao era o apoio para negar,

    de pronto, a eficcia das normas constitucionais [era, assim, antes do exerccio

    da ponderao estar presente no Brasil]. Tentar invocar, por exemplo, o direito

    sade ou o direito educao, na tentativa de impor, ao Estado, atos

    concretos obrigao de fazer era considerado um pensamento utpico. Tal

    2 Cf. Jos Afonso da Silva, Aplicabilidade das normas Constitucionais, p. 123.

    3 Cf. Jos Afonso da Silva, Aplicabilidade das normas Constitucionais, p. 135.

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    possibilidade era logo descartada, com a justificativa de que se tratavam de

    normas programticas.

    Com a compreenso e as prticas da ponderao, essa concepo

    mudou, e perdeu importncia a natureza conceitual-esttica dada norma

    constitucional. No sopesamento, o juiz decide a prevalncia, de acordo com os

    sub-princpios da ponderao. Ao requerer, por exemplo, a concesso de

    medicamentos essenciais de forma gratuita e apontar como fundamento

    jurdico o direito fundamental sade, o autor da ao est objetivando

    concretizar uma norma constitucional que era tida como de eficcia limitada, e,

    que agora, ser ponderada, no caso concreto, em face de outros princpios

    argidos pela fazenda pblica, como a reserva do possvel oramentrio. V-se

    que uma norma constitucional no admitida, anteriormente, com eficcia

    positiva, agora, pela ponderao, conflita em p de igualdade com as demais

    normas argidas em juzo, no caso concreto. Por isso se diz que a

    classificao em torno de princpios e regras dinmica.

    Acabou, com a utilizao jurisprudencial da tcnica da ponderao, a

    importncia prtica da classificao da eficcia das normas constitucionais. As

    normas de eficcia plena no tm mais fora plena, isto porque com a

    ponderao todas as normas constitucionais disputam espao com outros

    direitos fundamentais. Ao se dizer que a norma tinha eficcia plena ainda se

    produzia o indesejado efeito de que no era necessrio intervir para satisfazer

    o direito no plano abstrato, o que no verdade, muitos carecem de melhorias

    e instrumentos, isto , no porque era de norma plena que o assunto estava

    liquidado.

    J as normas de eficcia limitada so direcionveis juridicamente, no

    precisam aguardar uma ao do poder pblico. O juiz quando da argio da

    ponderao ir mediar os direitos fundamentais em conflito, e por vezes,

    destinar fora constitucional as antigas normas classificadas como de eficcia

    plena, outras no. As normas restringveis ou de eficcia contida podem ser

    ainda mais restringveis em confronto com outro direito fundamental, ainda que

    a sua lei regulamentadora no preveja tal situao. Isso s ser produzido

    aps forte argumentao jurdica do julgado na preferncia dos direitos via

    ponderao.

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    Nenhuma fica relegada inefetividade, tampouco alguma pode ser

    considerada absoluta e plenamente exercitvel. A aplicao de eficcia plena e

    imediata poder no produzir efeito caso no seja a norma sobrevivente no

    caso concreto, aps o exerccio da proporcionalidade, isto , caso seja

    preterida no contexto em face de outra norma violada no ncleo essencial.

    Essa reviso decorrente do abandono da caracterstica do direito

    fundamental como direito absoluto, pois a caracterstica dos direitos

    fundamentais de relativizao, justamente pelo exerccio da ponderao.

    Vamos mais longe ao afirmar que, com o uso recorrente da ponderao no

    direito e dos desdobramentos da teoria dos princpios, todas as classificaes

    de normas constitucionais valem didaticamente, mas no mais expressam o

    mesmo valor prtico, porque so estticas (ou plenas ou limitadas).

    A construo democrtica pauta-se em possibilitar o livre convvio dos

    interesses conflitantes na sociedade. A histrica oposio entre interesses

    pblicos vs. interesses privados ganha novos contornos com o tema da

    restrio dos direitos fundamentais. Na concepo liberal, atualizada por

    Dworkin,4 os direitos fundamentais no poderiam ser ponderados com as

    polticas pblicas (policies), mesmo quando estas estivessem investidas de

    interesse coletivo. Assim, assegura-se no Estado de Direito uma primazia dos

    direitos fundamentais individuais; o que tende a privilegiar a liberdade. No

    Brasil, contudo, tal posio pode trazer srios comprometimentos ordem

    social. Basta voltar ao tema da obteno dos direitos fundamentais nas

    relaes entre particulares e rever a razo que levou a teoria a ser elaborada:

    os abusos dos particulares, principalmente, no seu direito liberdade e o

    fundamento na autonomia da vontade5. Da mesma maneira, ao conceder

    primazia dos direitos individuais, a ordem social que j acentuadamente

    desigual continua comprometida. V-se que a adoo irrefletida sobre o

    4 Ronald Dworkin, Levando os Direitos a Srio, p. 35.

    5 Essa situao ainda mais perniciosa em um pas como o Brasil, marcado pelas

    desigualdades e poderes que submetem muitos indivduos a uma vontade no respaldada pela

    Constituio, mas por interesses egosticos. Some-se esse problema ao lema do convvio em

    sociedade, em que o mais esperto se d bem lei de Gerson e o privilgio cobiado pelosdemais membros da sociedade.

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    discurso da defesa dos direitos fundamentais individuais tambm pode ser

    perigosa, sobretudo se for feita sem o processo argumentativo dos critrios de

    ponderao, de coerncia e de razoabilidade, os quais limitam as falcias e as

    distores produzidas pelo discurso.

    importante ressaltar as formas de restries dos diretos fundamentais

    num Estado Democrtico de Direito, uma vez que, antigamente, a ordem

    poltica do pas era controlada de forma ditatorial. O poder totalitrio fez uso de

    outras justificativas para as restries de direitos, por isso precisamos refletir a

    partir do contexto atual, o qual abrange, necessariamente, os objetivos contidos

    no artigo 3 da Constituio de 1988. As formas de restrio devem atender o

    sentido dos vetores interpretativos, nunca contra eles. mais uma funo dos

    objetivos da Constituio, servir de vetores interpretativos, parmetros de

    controle e bloco de constitucionalidade.

    Outra abordagem a ser feita que no mais cabvel a restrio dos

    direitos fundamentais com base somente no interesse do estado (tese

    sustentada geralmente pelos regimes totalitrios, em que se restringe o direito

    individual em nome do interesse pblico, o qual por sua vez, no passa de uma

    coisa abstrata, sem correspondncia com os anseios da populao, isto sem

    interesse pblico primrio).

    Mas mesmos os conceitos impregnados nos estado liberais no servem

    para a nossa realidade, para os autores liberais norte-americanos, por

    exemplo, os direitos fundamentais individuais gozam de uma prevalncia

    quanto ao interesse pblico, entendendo que s assim possvel garantir a

    liberdade plena.

    O que prepondera no Brasil que no se pode aceitar nem uma

    fundamentao nem outra, pois devemos buscar uma fundamentao

    condizente com a nossa Constituio. No se pode ser defendida no Brasil a

    posio de que os direitos fundamentais individuais so limitados pelo

    interesse pblico, nem que os direitos fundamentais individuais valham mais do

    que o interesse pblico; o que tem que se buscar no caso concreto a

    correspondncia com os objetivos da Constituio.

    Quando a posio contrria defendida a primazia do interesse pblico

    , mesmo na fase de proteo dos direitos fundamentais, o resultado tambm

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    indesejado. Na Frana e na Espanha (1984)6 j se tutelou como clusula de

    comunidade o interesse pblico em detrimento dos direitos fundamentais, que

    se justificavam, em tese, nos fins sociais a serem resguardados. Tais fins,

    formados por princpios pblicos de composio social, justificariam a restrio

    aos direitos fundamentais. Mas essa posio (j superada), como tambm a

    clssica posio de defesa da ordem pblica no Brasil, no tem

    compatibilidade com qualquer teoria do direito, que parte dos valores e

    propostas extradas na Constituio. Da decorre-se que o reconhecimento da

    centralidade do sistema de direitos fundamentais institudo pela Constituio e

    a estrutura pluralista e malevel dos princpios constitucionais inviabilizam a

    determinao a priori de uma regra de supremacia absoluta dos interesses

    coletivos sobre os interesses individuais ou dos interesses pblicos sobre

    interesses privados.7

    Assim, tipos abertos como ordem pblicae interesse pblicotm de estar

    condicionados e preenchidos por um legtimo e razovel interesse

    constitucional para serem aplicados, bem como as polticas pblicas devem

    estar vinculadas Constituio. No se admite mais uma deciso poltica ou

    jurdica que se fundamente meramente no interesse pblico se esse no

    estiver condicionado a um princpio constitucional. A vagueza de tais critrios

    leva a um estado de indeterminabilidade que mina a expectativa de ao criada

    em torno dos direitos fundamentais. As distores, tambm no Direito Pblico,

    em especial no direito administrativo, partem de construes consagradas,

    repetidas como fundamento do Direito Pblico, mas que no podem ser mais

    vislumbradas se no estiverem intrinsecamente apoiadas na Constituio. Esse

    fenmeno de alterao do Direito Administrativo no objeto da presente

    anlise, mas serve para apontar que as restries aos direitos fundamentais

    no devem ter justificativa no interesse pblico, at porque essa dicotomia

    (direito pblico vs. direito privado) desapareceu ou ao menos diminuiu muito.

    6 Aps um perodo de aceitao, tal clusula foi rechaada em 1984, na sentena n 22

    do Tribunal Constitucional espanhol, como ensina Daniel Sarmento. Cf. Daniel Sarmento,

    Livres e Iguais, p. 75.

    7 Gustavo Binenbojm, Por uma Teoria do Direito Administrativo, p. 31.

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    Por isso tudo8 somado possibilidade concreta de todos os juzos

    exercerem o controle difuso e cuidarem de matria constitucional que a

    ponderao de interesses fundamentais se justifica especialmente adequadas prticas jurdicas brasileiras. Aqui se verifica que os direitos fundamentais,

    investidos de fora otimizadora de princpios, no podem atropelar o interesse

    pblico, nem o interesse pblico a priori pode ser considerado acima dos

    direitos exercidos pelos particulares. No plano concreto em cada composio,

    no sentido de efetivao do interesse pblico, e conseqente restrio dos

    direitos fundamentais individuais, deve ser feita uma ponderao se eem que

    medidaos direitos fundamentais dos indivduos so afetados.No Estado Democrtico de Direito tudo deve ser regido pela Constituio.

    Assim, no prevendo a Constituio restrio expressa ou mesmo lei

    regulamentadora, o direito fundamental no pode ser restringido, seno em um

    problema concreto em que o juiz realize a ponderao, que poder indicar que

    o direito fundamental est sendo exercido com abuso.

    Assim sendo, diferentemente do que ocorre quando a Constituio j

    autorizou expressamente a restrio e se trata, apenas, de verificar a

    constitucionalidade da medida restritiva escolhida, nas situaes de

    restries aos direitos fundamentais no expressamente previstas, h

    dois nveis de controle: um, que comum a todas as restries, mas

    tambm outro prvio, em que a prpria deciso de fazer ceder ou de

    restringir o direito fundamental, face ao peso de outro interesse que se

    lhe ope, que tem de ser sujeita verificao de constitucionalidade.

    Porm, como as indicaes constitucionais disponveis no so

    suficientes para decidir, com antecedncia e genericamente, essa

    ltima questo, os poderes constitudos no dispem de outro mtodo

    quer para a prpria deciso de restringir, quer para seu controle que

    no seja o recurso ponderao que eles prprios fazem dos

    8 O paradoxo mais interessante que os direitos fundamentais limitam o meio de

    atuao do Estado e so limitados pelas polticas pblicas constitucionais emitidas por este.

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    interesses em confronto, ainda que obrigatoriamente valorados luz

    dos critrios constitucionais disponveis.9

    Nesse caso, a possibilidade ou no de restrio passa pelo crivo dojulgador, que quanto melhor conhecer a matria em debate e o correto uso do

    critrio da ponderao, melhor solucionar o problema. A ponderao aparece

    a como uma das formas de restrio dos direitos fundamentais a ser usada no

    direito brasileiro e aquela que guia os confrontos restritivos de direitos

    fundamentais pelo Poder Judicirio. Longe de ser a nica forma de restrio,

    sequer a mais comum, seno vejamos.

    3. Formas de Restrio dos Direitos Fundamentais no plano Normativo.

    A forma mais presente de restrio dos direitos fundamentais a

    normativa. Utilizamos o termo normativo pra dar conta das restries realizadas

    pela constituio, pelo legislador ou por demais atos normativos.

    Desvendaremos aqui quais as formas e momentos normativos queconstitucionalmentepermitem a restrio dos direitos fundamentais. So eles:

    1. A restrio contida na prpria Constituio, (ao dispor sobre um direito

    fundamental constitucionalmente expresso, ela traa as hipteses

    acerca de sua restrio; so, portanto, excees previstas na regra

    constitucional).

    2. A restrio constitucionalmente autorizada, ou seja, prevista por lei, que

    foi mencionada e autorizada pela Constituio, ao final da disposio do

    direito fundamental.

    3. Restries aos direitos fundamentais por lei, inobstante no serem nem

    expressas na Constituio nem expressamente decorrentes do texto

    constitucional.

    9 Jorge Reis Novais, as Restries aos Direitos Fundamentais no expressamente

    autorizadas pela Constituio.

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    Vamos analisar uma espcie normativa de cada vez, contrastando-as

    com as premissas do Estado Constitucional. Os direitos fundamentais, em

    primeiro lugar, podem ser restritos pela a sua prpria previso constitucional;neste caso, eles tm carga dentica de regras, so garantias por permitirem o

    ciclo fechado. Assim, no inciso XI do artigo 5, mais conhecido como

    inviolabilidade de domiclio, est prevista uma situao geral que ningum

    poder penetrar na casa, que asilo inviolvel do indivduo e quatro

    hipteses excepcionais, que so restries constitucionaisa esse direito (I) o

    flagrante delito, (II) o desastre na casa, (III) para prestar socorro ou (IV) por

    determinao judicial, desde que durante o dia. Essas 4 restries so claras,pois verdadeiras opes do poder constituinte, que no remeteu a qualquer

    texto ulterior ou deu possibilidade de maior abertura norma constitucional. a

    Constituio que prev taxativamente as excees inviolabilidade de

    domiclio, da chamar de restries expressamente previstas no texto

    constitucional. So previses constitucionalmente taxativas. Esse reforo que

    esgota no prprio texto constitucional as situaes de exceo inviolabilidade

    do domiclio traduz-se por norma-garantia. Com isso no se criou a

    possibilidade de alargar as hipteses de restrio, nem por ponderao.

    As regras constitucionais fechadas em si, que no remetem a nenhuma

    lei e prevem todo o direito, inclusive suas prprias restries e sobre isso

    importante ter ateno no admitem ponderao judicial, pois j houve

    ponderao normativa-constitucional plena, no exerccio do poder constituinte,

    que ainda mais grave. Ponderar regras acabadas seria banalizar a sua

    incidncia prevista no modelo fechado. Trabalhando o exemplo trazido, permitirque fosse considerada lcita uma prova colhida em invaso de domiclio,

    baseada em uma nova hiptese, como a segurana pblica razovel, contraria

    e banaliza a regra constitucional. Essas restries ao direito fundamental j

    foram ponderadas e previstas pelo poder constituinte originrio, ao conceber a

    inviolabilidade do domiclio. Assim, as restries expressamente constitucionais

    a direito fundamental so plenamente vlidas, e suficientes em si, e no podem

    ser somadas a nenhuma outra construo jurdica aditiva, seja pela

    ponderao, seja pela interpretao normativa, seja pelo alargamento das

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    hipteses em lei. Esse o lembrete quando da aplicao da primeira situao

    de restrio normativa dos direitos fundamentais, a das expressas em normas

    constitucionais e que se encerram nelas mesmas.

    J a segunda situao, a de restrio prevista por lei, infraconstitucional,autorizada pela prpria Constituio, deve ser trabalhada com diferente

    cuidado. A matria constitucional ampla, e por isso permite que muitos

    assuntos, inclusive acerca de direitos fundamentais, sejam complementados

    pelo legislador ordinrio. Essa norma constitucional , na classificao de Jos

    Afonso da Silva, de eficcia contida, e, na classificao elaborada por Meireles

    Teixeira, de eficcia restringvel, pois guarda potencialmente situaes de

    restrio ao direito fundamental por lei infraconstitucional ulterior. Tomemosagora, como exemplo, o direito fundamental ao sigilo:

    art 5, XII inviolvel o sigilo de correspondncia e das comunicaes

    telegrficas, de dados e das comunicaes telefnicas, salvo, no ltimo

    caso, por ordem judicial nas hipteses e na forma que a lei estabelecer

    para fins de investigao criminal ou instruo processual penal.

    O sigilo das comunicaes telefnicas , pela correta leitura do texto, (I)

    passvel de quebra por ordem judicial, (II) com a finalidade de investigao

    criminal10e (III) na forma que a lei estabelecer. Neste exemplo, a Constituio

    autorizou o legislador a prever as situaes em que incide a restrio

    comunicao telefnica.

    A primeira concluso que se extrai que, antes de existir lei que restrinja

    o direito fundamental em questo, este se manifesta de forma plena, sem

    restrio alguma. No existe, na dogmtica constitucional, reserva de lei

    genrica, isso , possibilidade de, genericamente, se atribuir significado s

    10 No se pode autorizar quebra de sigilo telefnico fora dos limites traados pela

    Constituio, e assim o Tribunal de Justia do Rio de Janeiro negou aproveitamento de

    autorizao de quebra de sigilo telefnico para instruir processo civil no caso adultrio para

    fins de separao judicial , pois a Constituio delimitou o campo de possibilidade da quebra

    finalidade de investigao criminal.

  • 5/20/2018 Teoria Das Restries Dos Direitos Fundamentais

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    restries dos direitos fundamentais. No tem poderes para isso nem o

    legislador ordinrio, que deve prever as situaes de restrio aos direitos

    fundamentais, taxativamente na lei, nem tem poderes o julgador, que no pode

    atribuir casos de restrio antes da elaborao de lei. A restrio no se faz por

    analogia, pois hiptese que obedece ao princpio da legalidade. E, nesse

    sentido, nosso Supremo Tribunal Federal foi exemplar ao no permitir qualquer

    hiptese de quebra do sigilo telefnico antes do advento da lei

    regulamentadora, lei n 9296/96. No perodo de 1989 at 1996, o Supremo

    Tribunal Federal mostrou-se firme ao no admitir reserva de lei genrica

    restringindo direitos fundamentais, e determinou que era necessria lei

    regulamentadora para que coubesse restrio ao direito de comunicao.11

    Aps a regulamentao, o direito fundamental comunicao telefnica foi,

    finalmente, restrito pelo legislador, que deve cumprir apenas o espao

    constitucionalmente autorizado.

    Atentes-se que as hipteses de restrio aos direitos fundamentais

    criadas pelo legislador ordinrio no sofrem diretamente ponderao. Antes

    disso, sofrem controle de constitucionalidade face ao ncleo essencial do

    mesmo direito no nosso exemplo, a proteo ao sigilo.

    Nesse exame de constitucionalidade, os juzes podem considerar que

    ocorreu alguma restrio, elaborada pelo legislador, inconstitucional, por ferir o

    prprio direito que veio a ser regulamentado. No qualquer violao, pois a

    lei visa disciplinar os contornos da restrio da norma jusfundamental, e a

    violao tem de atingir o ncleo essencial. A restrio excessiva ou violadora

    do ncleo essencial do direito fundamental regulamentado pode ser

    declarada inconstitucional pelo Poder Judicirio. A resposta de uma restriode direito fundamental normativa se d no mbito judicial, mas a diferena

    que a restrio foi formulada pelo Poder Legislativo e no pelo Poder

    Judicirio.

    Nessa segunda forma de restrio normativa, a prpria Constituio

    autorizou o legislador a regulamentar o direito, e, conseqentemente, restringi-11 Deve ser lembrada que a prpria Constituio Federal faz, nos momentos

    excepcionais de estado de sitio e de estado de defesa, restries expressas aos direitos dosigilo de comunicao, previstas nos artigos 136, 1 e 139, II.

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    lo. Com essa base, foi proposta a Ao Direta de Inconstitucionalidade n

    1488-9 DF, que pleiteava julgar inconstitucionais as expresses postas pela lei

    9296/96 que equiparavam as atividades de informtica e de telemtica ao sigilo

    de comunicao, instrumentos tecnolgicos no acessveis na poca da

    promulgao da Constituio. O Ministro Nri da Silveira, relator do processo,

    julgou improcedente a ao, por entender que tal acrscimo apenas adaptou a

    lei no tempo e no atingiu o ncleo essencial do direito fundamental objeto de

    regulamentao. Outro bom exemplo foi a exigncia de esgotamento da via

    administrativa prvia a impetrao de habeas data. Tal disposio no se

    encontra no texto constitucional, pois decorrente da exigncia que apareceu

    em sua regulamentao. Ainda assim, foi verificada a luz da razoabilidade que

    a exigncia de via administrativa prvia no afasta o cidado da potencialidade

    do referido writ, apenas impede que sejam ajuizadas aes que poderiam ser

    facilmente conhecidas pelo impetrante na via prpria, deixando o remdio

    constitucional para as situaes onde ele no obtm a resposta (bem como as

    demais hipteses legais).

    Chegamos ao terceiro tipo de restrio normativa de direitos

    fundamentais, aquelas no expressas pela Constituio, nem diretamente

    autorizadas por ela, por decorrncia de lei regulamentadora. Toda a lei que

    sem fundamento na constituio restrinja direito fundamental deve sofrer

    controle de constitucionalidade, pois s podero permanecer no ordenamento

    tais restries se justificadas pela razoabilidade. Todas as tentativas de

    restrio de direito fundamental que no sejam diretamente apreendidas no

    texto constitucional, ou fundada em texto constitucional autorizativo no sentido

    da Constituio indicar a edio de lei, devem sofrer controle de

    constitucionalidade, pois facilmente encontraremos a os abusos do legislador.

    Essa terceira forma de restrio normativa a que merece maiores cuidados e

    o controle de constitucionalidade no facultativo, mas um dever para no

    acarretar em restries inconstitucionais a direitos fundamentais.

    As restries autorizadas pela Constituio e realizadas por lei devem

    sofrer os limites acima assinalados e se tidas como medidas excessivas,

    afastadas aps juzo de controle de constitucionalidade. No julgamento das

    situaes normativas de sujeio devem ser delimitados os fatores que dizem

  • 5/20/2018 Teoria Das Restries Dos Direitos Fundamentais

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    respeito ao direito fundamental, objeto de regulamentao, e,

    conseqentemente, extirpados aqueles que fogem de tal esfera de proteo.

    Por isso necessrio assinalar as distines e semelhanas entre restrio,

    limitao e delimitao dos direitos fundamentais.

    Restringir, Limitar e Delimitar direitos fundamentais.

    Essa uma diferenciao tnue, que poucos se preocuparam em fazer. A

    restrio tem como conseqncia a diminuio do campo de incidncia do

    direito ou diminuio do prprio direito. o mesmo que restringir as hipteses

    do direito. J delimitar, diversamente, ver o que parte do direito e o que no

    faz parte do direito. Um exemplo pode clarificar a questo. Um banco que

    venha a transferir de agncia os funcionrios pertencentes ao comit de greve

    pratica uma restrio, inconstitucional, ao direito de greve promovido por tais

    funcionrios. O ato em questo a transferncia dos funcionrios est

    diretamente ligado ao exerccio do direito de greve, j que no exemplo eles

    foram transferidos como penalidade por pertencerem ao comit de greve e

    outra sano como a demisso proibida por lei. Logo, o ato violador do

    direito fundamental da greve, pois a se operou uma restrio inconstitucional

    que atingiu a continuidade regular do trabalho e as liberdades pblicas.

    Veja como essa situao distinta do prximo exemplo, em que alguns

    funcionrios do banco para forar seus colegas a aderir greve pegam as

    mesas do banco bloqueando a entrada e ameaando os no grevistas. Isto

    est de acordo com o direito a greve? No, porque o ato de greve faz parte do

    direito, entretanto, a destruio, o boicote e o uso da fora saem dessa esfera

    de proteo. Quando vemos o que est dentro de determinado direito e o que

    no est, percebemos que no se opera uma restrio, mas sim uma

    delimitao do campo de incidncia da proteo do direito fundamental. E para

    isso crucial um correto juzo interpretativo.

    Vale destacar que restringir expresso que equivale a limitar os

    direitos fundamentais; entretanto, existe distino entre limitar direito

    fundamental e delimitaro mesmo. A delimitao seria ento o enquadramento

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    de situaes que se aplicam ou no ao direito fundamental, objeto de anlise.

    A delimitao serve para procurar o alcance constitucional de proteo. Assim,

    a delimitao a incidncia dos fatos apropriados discusso do alcance do

    direito fundamental em anlise, e as limitaes, por sua vez, so as restries

    possveis impostas aos direitos fundamentais, que o atingem.

    4. Formas de Restrio dos Direitos Fundamentais nas Situaes

    Especiais de Sujeio

    Um cuidado deve ser dirigido a uma classificao completa sobre a

    restrio dos direitos fundamentais fora do campo normativo e do campo

    judicial, pois devemos distinguir de um lado, os direitos fundamentais na esfera

    geral e, de outro, os direitos fundamentais na esfera das relaes especiais de

    sujeio.

    Na primeira situao, no campo das relaes gerais do homem em

    sociedade ou em confronto com as situaes normais face ao Estado tem-seuma hiptese de liberdade maior e de no-restrio. Aqui ele faz jus aos

    direitos constitucionalmente consagrados sem restries a priori.

    A restrio aos direitos fundamentais no campo das relaes gerais,

    justificada pela vontade do Estado, somente presente em regimes ditatoriais,

    que buscam justificativa para restringir o indivduo na sua parcela maior de

    liberdade.

    Em qualquer estado democrtico, no campo das relaes gerais, o direito

    fundamental somente pode ser restringido se agredir outro direito fundamental

    tal afirmao decorre do velho ditado popular de que seu direito acaba

    quando comea o do outro. Isto , nos casos em que as restries aos direitos

    fundamentais no so previstas na prpria Constituio, nem so

    constitucionalmente atribudas ao legislador, elas somente podem ser vlidas

    se ponderadas no caso concreto, por agredirem outro direito fundamental e

    essa deciso cabe ao Poder Judicirio.

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    Existem, porm situaes em que no h interferncia judicial

    necessria e a regulamentao legislativa mnima ou inexistente e, ainda

    assim, os direitos fundamentais encontram-se restringidos. Essa uma

    situao que no tem encontrado grande destaque no debate constitucional

    brasileiro e o outro momento sensvel restrio dos direitos fundamentais

    conhecido como relao especial de poder e tambm chamado de relao

    especial de sujeio, em que, pela situao posta, se justificaria, em tese, uma

    proeminncia de uma situao especial em detrimento dos direitos

    fundamentais previstos genericamente.

    Falar de relaes especiais de sujeio ter a compreenso que

    estamos diante de uma situao onde de antemo se percebe que h uma

    relao desigual.

    A construo doutrinria e jurisprudencial acerca das relaes especiais

    de poder geralmente diz respeito s situaes entre o poder militar e os

    militares em servio; entre a administrao do presdio e os presos; entre a

    administrao pblica e os seus funcionrios; entre a direo do ensino e os

    alunos. Essas quatro situaes exemplificativas traduzem12, a dependncia

    jurdica em favor de um fim especialmente previsto pela Administrao Pblica.

    Antigamente, tais situaes eram tidas como legtimas, independentemente de

    previso legal, pois eram anunciadas como da natureza do poder que

    emanavam tais decises, como da ordem militar, da natureza dos

    estabelecimentos de ensino, da natureza dos poderes das autoridades, como

    os diretores de presdios ou os chefes da administrao pblica. Tudo tido

    12 Joaqun Camazano inclui as relaes de poder de polcia com os indivduos, mas a

    natureza diversa dos demais casos citados. Nestes quatro casos, a sujeio ao poder interna corporis, j entre a polcia e os indivduos, a relao geral, no uma sujeio

    especial de poder, mas manifestao do Estado na garantia dos direitos fundamentais,

    regulados pela Constituio e pelas condutas legais. Entenda-se que o poder conferido ao

    policial maior dentro das suas atribuies, mas a relao no de sujeio: se o indivduo

    estiver nos conformes legais, no estado normal de fruio dos direitos, nada poder o policial

    fazer. Diversamente, em um quartel militar, o soldado em servio tem de sujeitar-se s normas

    comportamentais especiais, que restringem seus direitos fundamentais (ex: liberdade) em

    relao vida comum regulada por relaes gerais e normais. Cf. Joaqun Camazano, los

    Limites a los Derechos Fundamentales, p. 445.

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    como habitual e sem necessidade de ajustes legais. Eram as Instituies

    reguladas por um estatuto jurdico prprio e diferenciado das demais relaes

    gerais. Bastava, para tanto, a vontade do alto escalo, como a portaria do

    diretor penitencirio, que o direito fundamental estaria restrito. A derrocada das

    relaes especiais de poder ocorre com um leading casejulgado pelo Tribunal

    Constitucional Alemo que apreciou a interceptao da carta de um prisioneiro

    que escrevera a uma organizao assistencial a reclusos, queixando-se do seu

    ex-diretor de presdio. Aps a interceptao o preso teria sofrido outras

    sanes por ter enviado a carta. A interceptao no autorizada por lei, nem

    por autoridade judicial, aps deciso judicial foi considerada ilegal. As penas

    impostas foram tidas como abuso de autoridade. A Constituio, por um

    princpio de intimidade e de igualdade impede intervenes discricionrias aos

    presos, principalmente porque a restrio mostrou-se prejudicial ao preso e,

    portanto, inconstitucional.

    Veja que se em um primeiro momento pensamos na restrio normativa

    e em um segundo momento na restrio judicial, agora, nesse terceiro

    momento a verificao da constitucionalidade da restrio se d no mbito dos

    atos da administrao pblica (Poder Executivo).

    A partir de ento, ficou consagrada a mxima de que no existe espao

    jurdico imune aos direitos fundamentais13. O vnculo de sujeio presente nas

    relaes de poder atua como fator de base que postula a limitao do direito

    fundamental. E, muitas vezes, esse vnculo de poder no est escrito na

    Constituio, nem tido como direito fundamental fora dessa relao especial.

    Da perceber-se que se trata de direito (dever) fundamental implcito. Um caso

    ilustra a situao, em que soldados holandeses punidos por divulgarem artigos

    considerados contrrios disciplina militar e condenados pela justia militar

    13 Isso estava sendo desconsiderado pelos Estados Unidos, ao regularem prises fora do

    seu territrio nacional, como as feitas em Guantnamo, at serem as prises declaradas

    inconstitucionais pela Corte Suprema. Sob a falcia de que o terrorismo era ato no civil, mas

    ato de guerra, os prisioneiros suspeitos de terrorismo no receberam qualquer direito

    fundamental, culminando nas noticiadas torturas praticadas por oficiais militares. Essa negao

    de direitos vista pela sociedade internacional como um dos maiores retrocessos em matria

    de direitos humanos desde a segunda guerra mundial. Em tempo a Suprema Corte dosEstados Unidos declarou tais situaes inconstitucionais.

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    local recorreram, com base no direito livre expresso, Corte Europia de

    Direitos Humanos14. Esta, em primeiro lugar, disse que sua jurisdio se

    aplicava s foras armadas, pois sua competncia territorial era plena e no se

    sujeitava s relaes especiais de poder, portanto incidia nos comandos

    militares de todas as naes que integram a Unio Europia. Esse o principal

    ponto, embora de natureza distinta, as relaes especiais de poder se sujeitam

    as leis e a Justia competente. No mrito, ressaltou que a lide que se

    instaurara derivava de uma relao especial de poder, entre militares e seu

    superior hierrquico e, nesses casos, os direitos fundamentais recebiam

    proteo diferenciada, podendo ser limitados por lei e ordem judicial militar

    competente. A restrio, no caso entre militares e seu comando, se dentro das

    bases constitucionais por exemplo, concedem ampla defesa ao acusado de

    falta grave , podem estabelecer restries aos direitos fundamentais dos

    subordinados, como os de limitao do horrio de folga ou priso militar. No

    caso foi vlida a censura aos militares, bem como a punio a eles

    estabelecida.

    Entendemos que, no Brasil, necessrio ponderar o peso do direito

    fundamental que objeto de restrio em relao gravidade da restrio

    imposta. Assim, faz-se uma ponderao com contornos diferenciados. A

    prpria relao especial de poder, quando legitimamente identificada e

    autorizada pelos meios legais lei15 ou Constituio , um plo da

    ponderao que ser levado em confronto, com status diferenciado.

    As relaes especiais de poder, como as que podem ocorrer nos

    presdios, nos quartis militares, nos rgos pblicos, tm possibilidade, se a

    14 Jane Pereira, as Restries aos Direitos Fundamentais nas Relaes Especiais de

    Sujeio, p. 642.

    15 No Brasil, o artigo 41 da Lei de Execues Penais 7.210/84 concede poder

    especial ao diretor da penitenciria, motivadamente de restringir a liberdade do condenado.

    Esta restrio passvel, todavia, de ser, a qualquer tempo, levada ao Poder Judicirio, que

    examinar o confronto do ato do diretor que restringe direito fundamental, fundado na relao

    de poder em face ao direito fundamental do preso que se sente violado e se a restrio imposta

    atingiu o ncleo essencial do direito fundamental em questo (como a dignidade da pessoahumana).

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    deciso for fundada em previso legal, de restringir direitos fundamentais. Tal

    previso, todavia, no basta em si para permitir que um direito fundamental

    venha a ser restringido, pois se levado o caso justia, no haver presuno

    em favor da Administrao, devendo sempre ser examinado em que medida o

    direito fundamental foi restringido, se dentro de uma medida razovel, coerente

    e proporcional quela situao e a vale contar com o campo de delimitao

    da atuao do autor da sujeio, isto , se ele procedeu ou no com abuso de

    poder. O ato atribudo autoridade deve ser confrontado com a lei que o

    autoriza, tudo sob a proteo dos direitos fundamentais, isto , eles recebem

    tutela e proteo, mesmo em lugares como os quartis.

    5. Restrio dos Direito Fundamentais nas Situaes Constitucionais de

    Emergncia

    Quando estamos diante de situaes excepcionais de emergncia?

    Quando a Constituio assim estabelece, como nos conhecidos casos de

    Estado de Stio, Estado de Defesa e Interveno Federal. As situaes

    anmalas tm certas condies e limites previstos no texto constitucional.Como conseqncia automtica da declarao destas situaes ocorre

    restrio de alguns direitos fundamentais (previstos de forma distinta para cada

    situao excepcional, sendo a mais gravosa o Estado de Stio).

    Dentre os existentes, o modelo mais confivel aquele que contm

    previso constitucional do Estado de Defesa e do Estado de Stio, em que

    determinados direitos fundamentais so constitucionalmente restritos, ou at

    retirados, momentaneamente, dos indivduos. confivel, pois a Constituioque autoriza tais situaes excepcionais, prevendo o meio de, assim que

    possvel, voltar normalidade. A Constituio pode autorizar a lei regular a

    decorrncia concreta da situao excepcional, como por exemplo, as formas de

    limitao da propriedade privada em virtude de desastres, como enchentes e

    desabamentos. A lei ou ato que incide autorizado pela Constituio como

    forma de interveno e o ato autorizativo, como o decreto, deve sublinhar a

    conformidade com a lei e a descrio do preenchimento do fato excepcional,que justifica argumentativamente, a restrio ao direito fundamental.

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    Poder e controle so determinantes na composio da democracia real.

    Essa uma hiptese de ao: quando o problema aparece, a soluo

    estratgica deve manter-se afinada com a proteo dos direitos fundamentais e

    ver qual ser o ncleo mais afetado com a medida excepcional. Neste campo

    de situao excepcional a restrio maior, mas est prevista no texto

    constitucional.

    Alguns sistemas jurdicos solucionam o problema de forma distinta. Nos

    EUA, por exemplo, o presidente tem o poder de declarar estado de lei marcial

    at que a anormalidade cesse. A autoridade em matrias como guerra fica

    dependendo apenas da vontade presidencial e foi usada para suspender o

    julgamento de espies alemes presos em territrio norte-americano e mand-los para a morte, sem julgamento, durante segunda guerra mundial.

    Outras medidas de necessidade podem ser tomadas e o pressuposto

    algum alerta emergencial, com completa convenincia para combater a

    problemtica, como ocorreu em New Orleans quando aps o furaco foi

    necessrio estado de alerta, que restringiu os direitos fundamentais para conter

    os saques realizados por parte da populao. Todos os moradores tinham a

    liberdade restringida, pois eram obrigados a permanecer em casa. A partir da,a justificativa encontrar-se-ia na medida descrita e no com limites fixados na

    Constituio. No Brasil recm sado da ditadura a soluo no poderia ser

    outra, que fixar todas as formas excepcionais, com todos os seus contornos,

    extradas diretamente da Constituio. Da dizer que as hipteses de restrio

    dos direitos fundamentais advindos das situaes constitucionais de

    emergncia so formas normativas estabelecidas na Constituio, porm pela

    sua peculiar caracterstica em virtude de um ato para conter a situao deemergncia os direitos fundamentais so mais atingidos, sendo por vezes

    subtrados dos indivduos at que tal estado cesse.

    6. Concluso

    Os direitos fundamentais ficam mais protegidos com a percepo de

    todos os momentos em que possvel restringir-los. Primeiro exploramos o

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    momento judicial, em que por um juzo de proporcionalidade (ponderao) os

    direitos fundamentais so restringidos e preteridos no caso concreto. Essa

    noo clareada com a percepo que fundamentaes liberais ou totalitrias

    no encontram correspondncia com os ditames constitucionais brasileiros.

    Assim, se no h primazia pelos direitos individuais ou pelo interesse coletivo a

    ponderao aparece como condutora das preferncias constitucionais que so

    resolvidas pelo Poder Judicirio no caso concreto. A mxima seu direito acaba

    quando comea o do prximo, nada mais do que uma afirmao popular das

    regras de ponderao.

    Tambm encontramos restrio dos direitos fundamentais no plano

    normativo. Em primeiro lugar, nas situaes que a prpria constituio

    estabelece o direito, sua proteo e as taxativas excees restritivas ao mesmo

    direito fundamental, como no caso da inviolabilidade de domiclio. Dizemos

    que nas situaes constitucionalmente previstas no cabe ponderao ou

    anlise ulterior do Poder Judicirio. Em segundo lugar, encontramos as

    restries decorrentes de leis autorizadas pela Constituio. O remdio para

    confrontar tais situaes o controle de constitucionalidade para perceber em

    que medida os fins constitucionais foram atendidos ou excedidos pelo

    legislador. Em terceiro lugar, as leis que sem meno constitucional restrinjam

    direitos fundamentais devem sofrer controle de constitucionalidade, devendo

    ainda distinguir-se entre delimitao e restrio para configurao de que

    deciso deve ser tomada.

    Ainda temos os momentos em que a Administrao Pblica manifesta

    suas atribuies especiais atravs das situaes especiais de sujeio em que

    consideraes especiais pelo local e posio em que se encontram, tem tais

    indivduos um campo maior de restrio. Essas situaes, entretanto, no tm

    mais as prerrogativas que tiveram outrora e so condicionadas pelas leis que

    lhes regem e, respeito aos demais direitos fundamentais, sobretudo a

    dignidade da pessoa humana. Se a preocupao geral com o Poder

    Legislativo e o Poder Judicirio, nas situaes especiais de sujeio o Poder

    Executivo, por meio da Administrao aparece como responsvel pelos atos

    restritivos.

    Outro momento que ocorre a restrio dos direitos fundamentais so assituaes constitucionais de emergncia, como o estado de stio, a interveno

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    nos estados e o estado de defesa. Embora sejam advindas da Constituio e

    por isso tambm normativas o que causa a restrio a ocorrncia de um

    fato gerador de uma situao excepcional. No direito brasileiro a regulao do

    tema, limites, hipteses e direitos atingidos esto previstos na Constituio.

    Por fim, a ordem internacional tambm mercece destaque conclusivo,

    seja pela presso nos tratados, seja pela influencia globalizada em reformas

    constitucionais, seja por atos contrrios a paz (guerra, combate ao terrorismo

    em solo estrangeiro) inevitvel perceber que os organismos internacionais e

    potncias mundiais restringem os direitos fundamentais para que o valor

    segurana esteja garantido. Essa restrio dos direitos fundamentais aparece

    como uma nova modalidade, presente no sculo XXI, pela ordem internacional.

    Hoje, com constituies continentais determinaes da ONU, cada vez com

    maior tendncia de crimes atemporais (tortura) e Tribunais Internacionais h

    maior restrio dos direitos do homem, desde que a conduta possua relevncia

    de temas internacionalmente condenveis (racismo, tortura, genocdio,

    terrorismo). Os meios para assegurar o combate a esses crimes que pode

    ser nocivo a direitos fundamentais que se encontravam at pouco melhor

    protegidos, como a intimidade. Em relao as restries dos direitos

    fundamentais promovidas pela ordem internacional somente uma constituio

    em nvel continental ou mundial pode corrigir os excessos em crescente onda

    de abusos.

    Algumas dessas formas podem ser contestadas, porm o objetivo aqui

    foi apresentar tal relao, estruturada como teoria para assegurar que em

    todos os demais momentos os direitos fundamentais devem restar preservados

    e no sofrer qualquer outra forma de restrio. E mesmo essas restries tm

    limites.

    7. Bibliografia

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