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Texto 1- Semana 2- Jeitinho e Jeitão

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Norbert Elias se destaca entre os modernos clássicos das ciências sociais por não recusar a investigaçãosobre o caráter das sociedades. É o que ele faz, brilhantemente, no seu derradeiro livro, Os Alemães,publicado em 1989, um ano antes de morrer, já nonagenário. Ali ele se pergunta, diretamente e semrodeios, o que fez com que a Alemanha estivesse no coração das grandes tragédias modernas, aPrimeira, a Segunda Guerra Mundial e o Holocausto.

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  • Edio 73 > _tribuna livre da luta de classes > Outubro de 2012

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  • por FRANCISCO DE OLIVEIRA

    Uma tentativa de interpretao do carter brasileiro

    Norbert Elias se destaca entre os modernos clssicos das cincias sociais por no recusar a investigaosobre o carter das sociedades. o que ele faz, brilhantemente, no seu derradeiro livro, Os Alemes,publicado em 1989, um ano antes de morrer, j nonagenrio. Ali ele se pergunta, diretamente e semrodeios, o que fez com que a Alemanha estivesse no corao das grandes tragdias modernas, aPrimeira, a Segunda Guerra Mundial e o Holocausto.

    Tinha condies subjetivas para tanto: viveu uma experincia dolorosa como soldado na PrimeiraGuerra Mundial; judeu, teve de se exilar da Alemanha durante o nazismo; sua me foi trucidada emAuschwitz. Norbert Elias tinha tambm credenciais intelectuais para tentar explicar como a nao quesintetizou a era das Luzes, a ptria de Kant, Hegel e Goethe, tenha desenvolvido a indstria doextermnio: estudou medicina e psicanlise, doutorou-se em filosofia e foi professor de sociologia naInglaterra.

    Para ele, o desenvolvimento tardio do capitalismo na Alemanha, a ausncia de uma revoluo burguesano pas, a unificao nacional sob o taco militar de Bismarck, o culto organizao, do qual omilitarismo o emblema mais ostensivo tudo isso criou um carter alemo. Esse carter distingue asociedade germnica de todas as outras, mesmo as europeias. Para Elias, no so apenas circunstnciashistricas que explicam o surgimento de Adolf Hitler. Isso uma meia-verdade. As ideiasmonomanacas que engendraram a bestialidade fascista talvez no tivessem acolhida sem a existnciaprvia do carter alemo, nos termos definidos por Norbert Elias.

    Os cientistas sociais costumam recuar ante tal tipo de anlise. Tm receio de serem julgadospreconceituosos. E, talvez, de se virem excludos da interlocuo com a cincia social alem, uma dasmais brilhantes fontes do pensamento filosfico-social em todos os tempos.

    Mas por um caminho norbertiano que pretendo investigar o carter brasileiro. Penso que o peculiarmodo nacional de livrar-se de problemas, ou de falsific-los, constitui o famoso jeitinho brasileiro.

    Os clssicos do pensamento social brasileiro tm dificuldade em lidar com a questo do carternacional, que amalgama o subjetivo e o objetivo. Salvo, evidentemente, Gilberto Freyre. Mas o autor deCasa Grande & Senzalamascarou a sua investigao com a nostalgia de um tempo que nunca existiu, ecom o enaltecimento da suposta e ilusria capacidade da metrpole lusitana em se adaptar aostrpicos coloniais.

    Por isso, ele enxergou no Nordeste aucareiro, a primeira regio importante na formao do Brasil que o historiador Evaldo Cabral de Mello definiu comoaucarocrata , uma dominao doce. Osocilogode Apipucos construiu uma hiptese que serve de justificativa ideolgica da sociedade

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  • decorrente da escravido. A sua interpretao , ela prpria, uma das vertentes do jeitinho brasileiro.

    Srgio Buarque de Holanda enfrentou melhor a questo. O seu homem cordial para quem asrelaes pessoais e de afeto (para o bem ou para o mal) se sobrepem impessoalidade da lei e normasocial a prpria encarnao do jeitinho brasileiro.

    Caio Prado Jnior no ofereceu nenhuma contribuio sobre o assunto. Embora o seu marxismo fossecriativo e original, ele ficou prisioneiro da objetividade, o mantra que impediu geraes de marxistas,aqui e alhures, de investigar o carter das naes.

    Antonio Candido, nosso clssico moderno, tratou do tema em Dialtica da malandragem, o poderosoensaio sobre Memrias de um Sargento de Milcias, romance de Manuel Antnio de Almeida que sepassa no Rio de meados do sculo XIX. Ainda que se aproxime decididamente do jeitinho, faltou aoensaio, a meu ver, um pouco de irreverncia, para que ele correspondesse ginga do malandro carioca.Candido respeita tanto o brasileiro pobre que aborda as figuras populares com uma reverncia quasemstica. Para ele, nossa sociedade to obscenamente desigual que qualquer crtica s classesdominadas no passa de preconceito mais um dos ricos.

    Outros autores, como Roberto DaMatta, vo diretamente problemtica do carter nacional. o queele faz em Carnavais, Malandros e Heris. No pela vertente de DaMatta, contudo, que pretendochegar l. Busco desenvolver uma investida mais nitidamente materialista, mesmo sabendo que oabandono da investigao antropolgica possa implicar empobrecimento da anlise.

    Eis a tese: o jeitinho um atributo das classes dominantes brasileiras que se transmitiu s classesdominadas.

    Conforme Marx e Engels de A Ideologia Alem, as ideias e os hbitos das classes dominantestransformam-se em hegemonia e carter nacional. No Brasil, a classe dominante burlou de maneirapermanente e recorrente as leis vigentes, sacadas a frceps de outros quadros histricos. O dribleconstante nas solues formais propicia a arrancada rumo informalidade generalizada. E setransforma, ao longo da perptua formao e deformao nacionais, em predicado dos dominados.

    Essa situao, que social, se configura no malandro, o especialista no logro e na trapaa. O malandro,com sua modernidade truncada, foi primeiro o carioca. E esse carioca era geralmente pobre, mas nomiservel. Como no poderia deixar de ser, era mulato: esgueirava-se por entre as classes e os estratosmais abastados, no tpico e falso congraamento de classes herdado do escravismo.

    Tinha bossa quem dominava a aptido para fugir ou escapar das solues formais. Bossa que aexpresso do jeitinho, a maneira de ganhar a vida sem se submeter aos ditames da norma, de conviversem ser reconhecido como fora da lei. A moderna msica popular brasileira, nascida no Rio, com todarazo foi chamada de bossa nova. Ela foi um jeitinho de escapar das convenes musicais la VicenteCelestino,cpia falsa do grande canto lrico italiano. E tambm um jeitinho de incorporar asmalandragens do samba de origem africana e escrava ao universo das elites.

    burla das classes dominantes brasileiras s normas seria atvica? Meu horror burguesia (essesim quase totalmente atvico) cujo retrato acabado foi a aucarocracia pernambucana,perdulria e arrogante tenderia a confirmar que o jeitinho um caso de mau-caratismo, um

    dado subjetivo. Mas prefiro a trilha aberta por Norbert Elias: a burla uma forma de adotar o

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  • capitalismo como soluo incompleta na periferia do sistema. Incompleta porque o capitalismo trouxepara c a revoluo das foras produtivas, mas no as solues formais da civilidade. As classesdominantes ento se viram, do um jeitinho para garantir a coeso de um sistematroncho e, comme ilfaut, a explorao.

    Sem querer atribuir tudo aos nossos colonizadores, a semente do jeitinho j vicejava na irresoluo quePortugal d s questes de administrao e governo da jovem e enorme colnia. No dispondo nemde homens nem de recursos capazes da faanha de fazer a minscula cobra engolir o enorme elefante,Portugal opta pela soluo capenga das capitanias hereditrias. Na mesma poca, tendo criado umnovo caminho para o Oriente com Vasco da Gama, dom Manuel, o Venturoso, emprega at o fim osmodestos recursosportugueses na conquista da ndia, e s consegue estabelecer relaes comerciais empontos isolados do sul do continente.

    No Brasil, as capitanias so entregues a fidalgos, alguns com recursos nfimos e a maioria quase semnenhum capital. O resultado da colonizao pelo mtodo das capitanias foi pfio, exceo de duas outrs. O fracasso na ndia do mesmo porte, seno maior: Lisboa torna-se a meca das especiariasorientais, mas Portugal nunca ocupou a ndia. Sequer conseguiu com que a lngua portuguesa tivessepeso expressivo entre as centenas de dialetos do pas. A lembrana lusa mais forte ficou restrita a Goa eMacau.

    oltemos ao caso do Rio, lembrado a propsito da malandragem e da bossa nova. Foi JuscelinoKubitschek, outro exemplar do homem cordial, quem jogou a p de cal nas pretenses modernasdo Rio: retirou-lhe a centralidade de capital e no botou nada no lugar. Incapaz de resolver os

    problemas cariocas, que j se apresentavam em grau superlativo, deu um jeitinho e transferiu a capitalpara Braslia, nos ermos do Planalto Central.

    Espanta-se quem anda hoje pelas ruas da cidade que antigamente ostentava sua modernidade: o Rioficou a cara do Brasil. A despeito do oba-oba em torno do renascimento carioca, basta observar aoredor do Palcio do Catete, antiga residncia dos presidentes da Repblica. O bairro que se oferece vista exibe mediocridade urbana, pobreza ostensiva e trfico de crack.

    A fantasia da mulher carioca, linda e elegante (e que de fato disputava o topo da beleza com mulheresde outras nacionalidades, com a vantagem da miscigenao), deu lugar imagem de mulheres ehomens que andam com sandlias surradas e se vestem pobremente. Como no perceber a sinais deuma modernidade truncada?

    No caso de Juscelino e das classes dominantes, a mudana da capital foi um jeito para deslocar umproblema: criar uma nova fronteira para a expanso capitalista, catapultada pela indstria daconstruo civil. O jeitinho foi fazer isso por meio dos candangos, trabalhadores informais, depoisabandonados prpria sorte, sem leno e sem documento, como cantaria Caetano Veloso, eleprprio, conforme a anlise de Roberto Schwarz, um cultor do jeitinho transformado em verdadetropical. O Brasil assim, defendeCaetano, a esquerda que no o entende.

    a segunda metade do sculo XIX, o caf liderava a expanso econmica. No s no Vale doParaba, em So Paulo ou mesmo no Brasil: o caf era a mercadoria mais importante do comrciomundial. S foi desbancado dessa posio, pelo petrleo, nos anos 40 do sculo XX. Mas o incio

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  • da expanso do caf se deu sobre o lombo dos escravos.

    Qual foi o jeito da classe dominante, no caso os cafeicultores, a partir do fim do escravismo, em 1888?Em vez de incorporar os ex-escravos cidadania, fornecendo-lhes meios de cultivar a terra e seincorporarem ao trabalho regular, foram importar a mo de obra europeia, transformando So Paulona maior cidade italiana do mundo. Malandramente, cheios de bossa, contornaram os problemas dofim do escravismo e se desresponsabilizaram pelos ex-escravos, de novo, como cantaria Caetano,pessoas sem leno e sem documento.

    Surgia o trabalho informal, quer dizer, sem formas. O jeito da classe dominante obrigou os dominadosa se virarem por meio do jeitinho do trabalho ambulante, dos camels que vendem churrasquinho degato como almoo, das empregadas domsticas a bombarem de Minas e do Nordeste para as novascasas burguesas dos jardins Europa, Amrica, Paulistano. Etambm para os apartamentos daselegantes e j medocres madames de Copacabana, Ipanema e Leblon, propiciando o vexame bembrasileiro de criados negros, vestidos a rigor, servindo suco de maracuj a demoiselles que se abanavamcomo se estivessem nos sales parisienses.

    L em cima, no Pernambuco aucarocrata, Gilberto Freyre podia criar ento a nossa verso de E oVento Levou. Casa Grande & Senzala a mais formidvel denncia do estupro como formador danacionalidade, mas visto de um ngulo nostlgico. Ainda no era o tempo das madames e demoiselles,mas o dos sinhs e das sinhs e sinhazinhas.

    O mais clssico dos clssicos do pensamento social brasileiro Antonio Candido, nossa refernciamoral e intelectual, considera Casa Grande & Senzalao livro mais importante das cincias sociaisbrasileiras tambm um pastiche. Sob determinado aspecto, ele quase um deboche do jeito deirresoluo do problema da mo de obra e do seu rebaixamento s relaes adocicadas aquelas emque o filho do senhor transforma o negrinho, companheiro de travessuras, em cavalo vivo. Eis a alembrana mais festejada da infncia dos senhores. Pais e mes da Casa Grande ensinavam aos filhos ojeitinho doce de ensinar e se divertir ensinando. Os filhos dos negros, por sua vez, aprendiam quemestaria sempre por cima, docemente...

    etlio Vargas, o estancieiro gacho que liderou a Revoluo de 1930, tentou formalizar o jeitinhopara acabar com o jeito. Vale dizer: buscou civilizar a classe dominante para que o proletariadoexistisse. Criou uma legislao trabalhista avanada, mas a expanso capitalista seguiu

    desobedecendo as regras e, junto com os empregos formalizados pela nova legislao, a avalanche dotrabalho informal engolfava todas as relaes sociais.

    A informalidade a forma, o jeitinho de substituir as relaes racionais e obrigatrias pela intimidade,como j demonstrou Srgio Buarque. Mas essa substituio, assim que se apresenta o primeiro conflito,mostra sua outra face: a informalidade se converte no rigor mais severo, no apelo arbitrariedade e noraro em exibies de crueldade. O senhor de engenho que se deitava com sua mucama era o mesmo quea castigava no tronco quando alguma falta, suposta ou verdadeira, lhe ofendia a propriedade.

    Diga-se logo, para no nos autocaricaturarmos com nosso eterno complexo de vira-lata (apud NelsonRodrigues), que Thomas Jefferson, o grande paladino da liberdade, tambm estuprava suas escravas. Adiferena, essencial para distinguir o jeitinho de outras prticas de dominao, que Jefferson deu oseu nome sua descendncia negra, coisa que nenhum dos nossos senhores de engenho chegou a fazer.

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  • Em Pernambuco mesmo, as fbricas da Paulista, que chegaram a ser o maior complexo industrial txtilda Amrica Latina, eram propriedade dos Lundgren. E o membro da famlia que tocava a fbrica eraum sueco que se deitou com 300 das suas operrias. Ele deixou uma prole enorme, mas no h notciade pobres com sobrenome Lundgren. No mximo, na falta de sobrenome, davam-se aos negrosescravos nomes de santoscatlicos. Da a proliferao de sobrenomes dos Santos e de toda a cortecatlica dos altares.

    Antes de Srgio Buarque, Machado de Assis, ele mesmo um mulato, portanto conhecedor do truque dojeitinho, fez com que Dom Casmurro seja at hoje o retrato mais notvel da classe dominantebrasileira: Por fora, bela viola, por dentro po bolorento, como se diz no popular. Bentinho liberalpor fora e escravista por dentro. Machado usou um jeitinho literrio para legar um formidvel enigma,ao qual j se dedicaram milhares de pginas: Capitu traiu mesmo ou foi vtima de uma vituperao declasse? Maria Capitolina, a Capitu, era mais pobre que o seu marido liberal, Bentinho. E, com seusolhos de ressaca, provavelmente tinha sangue negro.

    Nascido inicialmente das contradies entre uma ordem liberal formal e uma realidade escravista, ojeitinho transformou-se em cdigo geral de sociabilidade.

    ecordo um caso pessoal, passado h muito tempo. Eu trabalhava com Celso Furtado(rigorosamente antijeitinho), que recebia um diretor do Banco Interamericano deDesenvolvimento, por sinal conterrneo seu. Este, vendo-mepor perto, e julgando que eu no era

    parte da conversa, pediu-me gua. Pediu a primeira, a segunda e a terceira vez. Fui obrigado a dizer-lheque no confundisse gentileza com servilismo, e que da prxima vez ele mesmo se servisse. No ocorriaquele senhor que algum que no fosse da sua grei pudesse tomar parte de uma conversa com altosrepresentantes da banca interamericana.

    A origem do jeitinho, assim como a da cordialidade teorizada por Srgio Buarque, se explica pelaincompletude das relaes mercantis capitalistas. Parece sempre que as pessoas esto sobrando. Elasso como que resqucios de relaes no mercantis, no cabem no universo da civilidade. E s pessoasque sobram pode ser pedido qualquer coisa, j que obrigao do dominado servir ao dominante.

    Qualquer reunio brasileira est cheia de batidinhas nas costas na hora do cumprimento, impondo logode sada uma intimidade que intimatria e intimidatria. Um dos cumprimentos mais caractersticosde Luiz Incio Lula da Silva, por exemplo, bater com as costas da mo na barriga dos interlocutores.Mesmo em encontros formais, o primeiro gesto de Lula ao se aproximar de qualquer pessoa tocar-lhea barriga.

    A matriz desses gestos encontra-se evidentemente no longo perodo escravagista.Nele, o corpo dosnegros era propriedade, podia ser tocado e usado. O surpreendente que esses gestos e costumestenham persistido ao longo de 100 anos de vigncia de um capitalismo pleno.

    O escravismo e a escravido no explicam inteiramente a longa durao da informalidadegeneralizada e dos hbitos que a acompanham. Os Estados Unidos tiveram um sistema escravista quechegou at a organizar fazendas de criao de negros. A ruptura com o escravismo custou naonorte-americana uma guerra civil que deixou marcas at hoje. Mas o jeitinho no foi o expediente queusaram para superar os problemas colocados pelo capitalismo que avanava.

    Aqui, o jeitinho das classes dominantes se imps na abolio da escravatura. Primeiro veio a Lei do

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  • Ventre Livre: garotos e garotas negros eram libertados em meio escravido. Mas como inexistia aperspectiva de terem terra, emprego ou salrio, a libertao no lhes servia para quase nada.

    Depois veio a Lei dos Sexagenrios. Aos 60 anos, os negros que ainda estivessem vivos eram libertados.Ora, j se sabia que a vida mdia de um escravo no alcanava os 40 anos. Como mostrou Luiz Felipede Alencastro em O Trato dos Viventes, depois de dcadas de labuta no eito, o consumo do trabalhopelo capital no era uma metfora: o negro era um molambo de gente, e no um homem livre, mesmoquando libertado pela Lei dos Sexagenrios.

    O que parecia cautela e previso era, naverdade, o jeitinho (e o jeito) em movimento. Gradualmente,at a chamada Lei urea, a escravido persistiu. Isso criou uma superpopulao trabalhadora que osistema produtivo no tinha como incorporar. Com a industrializao, to sonhada pelos modernos, oproblema se agravou. Tendo que copiar uma industrializao dematriz exgena, que tende sempre economia do trabalho, os excedentes populacionais cresceram exponencialmente.

    ssim, o chamado trabalho informal tornou-se estrutural no capitalismo brasileiro. ele queregula a taxa de salrios, e no as normas trabalhistas fundadas por Vargas. A partir da todas asburlas so permitidas e estimuladas. A pergunta que um candidato a emprego mais ouve : com

    carteira ou sem carteira? O funcionrio com carteira resulta em descontos para a Previdncia. Ou, se osalrio for um pouquinho melhor, at para o Imposto de Renda. A resposta do candidato ao emprego bvia: sem carteira.

    Quando o trabalhador ou trabalhadora que tem conscincia dos seus direitos recusam o emprego semcarteira, s vezes escutamalandro, no quer trabalhar.

    Em qualquer setor, em qualquer atividade, o jeitinho se impe. O executivo de terno italiano de grife, oapresentador da televiso e a atriz de um musical no so assalariados. So pessoas jurdicas, PJs,unicamente para que empresas paguem menos impostos. Advogados, dentistas e prestadores deservios oferecem seus prstimos com ou sem recibo, e esse ltimo mais barato. Bancrios,telefonistas, vendedores e outras tantas categorias viram suas profisses periclitar: eles so agoraatendentes de call centers, terceirizados por grandes empresas.

    O jeitinho a regra no escrita, sem existncia legal, mas seguida ao p da letra nas relaes micro emacrossociais. Est to estabelecido, to natural que estranh-lo (hoje menos do que ontem,reconhea-se) pode ser entendido como pedantismo, arrogncia ou ignorncia: Nego metido a besta, a sentena. A no resoluo da questo do trabalho, o seu estatuto social, no fundo a matriz dojeitinho. Simptico, ele uma das maiores marcas do moderno atraso brasileiro.

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