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marcoscordiolli A Casa de Asterion 1 marcoscordiolli A Casa de Asterion Marcos Cordiolli Ø historiador (UFPR) mestre em educaªo (PUCSP). Professor e conferencista. produtor de cinema e estuda fotografia. Contatos com o autor: email: [email protected] fone: +55 (41) 9962 5010 home page: http://cordiolli.wordpress.com twitter: http://twitter.com/marcoscordiolli myspace: http:// www.myspace.com/ marcoscordiolli facebook:: [Marcos Cordiolli] CORDIOLLI, Marcos. tica e estØtica como processos de formaªo de valores. Encontros NecessÆrios Øtica e estØtica. Com Carla Vendrami e Amabilis de Jesus. Viviane Burger Balarotti (mediaªo). Curitiba, ACT AteliŒ de Criaªo Teatral, 03 set. 2005. tica e estØtica como processos tica e estØtica como processos tica e estØtica como processos tica e estØtica como processos tica e estØtica como processos de formaªo de valores de formaªo de valores de formaªo de valores de formaªo de valores de formaªo de valores Marcos Cordiolli [email protected] Apresentaªo Este ensaio foi escrito como paper para os Encontros NecessÆrios na sessªo com tema Øtica e estØtica. Neste evento dividi a mesa com Carla Vendrami e Amabilis de Jesus. A mediaªo foi de Viviane Burger Balarotti. Os Encontros NecessÆrios foram promovidos pelo ACT AteliŒ de Criaªo Teatral, com a produªo de Nena Inoue e Micheli Siqueira. Esta sessªo foi realizada em 03 de setembro de 2005. Tema 1: Moral, Øtica e estØtica: algumas definiıes conceituais A vida da humanidade em comunidade promoveu a criaªo de ambientes culturais, composto por regras, costumes, valores, hÆbitos, tecnologias, linguagens, rituais etc, e neste conjunto criou-se tambØm referenciais para as condutas sociais, por convenªo, chamado de moral. Os indivduos assumem perante para si ou perante grupos de convvios conjuntos especficos de valores e padrıes de conduta que denominamos de Øtica. AlØm disso, desenvolvem padrıes para produªo artstica e de julgamento do considerado belo que denominamos de estØtica. A moral Ø, entre outras coisas, o referencial (formado por um conjunto bÆsico de valores e padrıes de conduta) dos grupos sociais de normalidade e inclusªo. Nas diversas sociedades, nas mais distintas Øpocas, existiram pessoas excludas ou perseguidas, por se colocarem alØm das margens delimitadas, fora do campo de tolerncia e/ou em dissonncia com os padrıes de normalidades determinados pela moral vigente no grupo. A Øtica pode ser definida como um conjunto de valores e padrıes de conduta, auto- assumidos ou auto-proclamados, que constituem auto-referencia para a vida em sociedade e que expressa formas de ver e sentir o mundo. HÆ, portanto, Øtica individual e outra coletiva (como a dos mØdicos, dos educadores, dos policiais). Estes valores e padrıes de conduta representam juzos que julgam adequados (ou nªo) os valores e padrıes de conduta do grupo social (e, portanto, tambØm moral) no qual se estÆ inserido. A Øtica significa tanto uma racionalizaªo como um compromisso com valores e padrıes de condutos julgados corretos, belos, virtuosos e

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Marcos Cordiolli é historiador (UFPR)mestre em educação (PUCSP).Professor e conferencista. É produtorde cinema e estuda fotografia.

Contatos com o autor:email:[email protected]: +55 (41) 9962 5010home page: http://cordiolli.wordpress.comtwitter: http://twitter.com/marcoscordiollimyspace: http:// www.myspace.com/marcoscordiolli

facebook:: [Marcos Cordiolli]

CORDIOLLI, Marcos. Ética eestética como processos de formaçãode valores. Encontros Necessários�ética e estética�. ComCarlaVendramie Amabilis de Jesus. Viviane BurgerBalarotti (mediação). Curitiba, ACT �Ateliê de Criação Teatral, 03 set. 2005.

Ética e estética como processosÉtica e estética como processosÉtica e estética como processosÉtica e estética como processosÉtica e estética como processosde formação de valoresde formação de valoresde formação de valoresde formação de valoresde formação de valores

Marcos [email protected]

Apresentação

Este ensaio foi escrito como paper paraos Encontros Necessários na sessão com tema�ética e estética�. Neste evento dividi amesa comCarla Vendrami eAmabilis de Jesus.Amediaçãofoi de Viviane Burger Balarotti. Os EncontrosNecessários forampromovidos peloACT�Ateliêde Criação Teatral, com a produção de NenaInoue e Micheli Siqueira. Esta sessão foirealizada em 03 de setembro de 2005.

Tema 1: Moral, ética e estética: algumasdefinições conceituais

A vida da humanidade em comunidadepromoveu a criação de ambientes culturais,composto por regras, costumes, valores, hábitos,tecnologias, linguagens, rituais etc, e nesteconjunto criou-se também referenciais para ascondutas sociais, por convenção, chamado demoral. Os indivíduos assumem perante para siou perante grupos de convívios conjuntosespecíficos de valores e padrões de conduta quedenominamos de ética.Além disso, desenvolvempadrões para produção artística e de julgamento

do considerado belo que denominamos deestética.

A moral é, entre outras coisas, oreferencial (formado por um conjunto básico devalores e padrões de conduta) dos grupos sociaisde normalidade e inclusão. Nas diversassociedades, nas mais distintas épocas, existirampessoas excluídas ou perseguidas, por secolocarem além das margens delimitadas, forado campo de tolerância e/ou em dissonância comos padrões de normalidades determinados pelamoral vigente no grupo.

A ética pode ser definida como umconjunto de valores e padrões de conduta, auto-assumidos ou auto-proclamados, que constituemauto-referencia para a vida em sociedade e queexpressa formas de ver e sentir o mundo. Há,portanto, ética individual e outra coletiva (comoa dos médicos, dos educadores, dos policiais).Estes valores e padrões de conduta representamjuízos que julgam adequados (ou não) os valorese padrões de conduta do grupo social (e, portanto,também moral) no qual se está inserido. A éticasignifica tanto uma racionalização como umcompromisso com valores e padrões de condutosjulgados �corretos, belos, virtuosos e

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2 necessários�, por isso, que alguns a definem comoa �ciência damoral�, enquanto outros a tratam comobalizadoras para as ações humanas �justas, corretase ideais� visando à �harmonia e a perfeição�.

A estética ocupa da produção artística, orase confundindo com a filosofia da arte, dassensações, dos processos se ocupa da fruição ecriação, por vezes também se assume comcapacidade (e direito) de julgamentopretendendo definir o �belo�, ou noextremo o �belo puro�.

O pressuposto tanto da éticacomo a estética são julgamentos devalor que definem referenciais decerto ou errado, bom oumal, bem oumau, belo ou feio.

Tema 2: Uma ética estética ou umaestética ética

A ética seria estética ouestética teria uma ética? Isto postopodemos enunciar a seguinte questão[a primeira]: de que maneira a ética[como referencial de valores] seentrecruza com a estética?

Uma aproximação, talvezpossa ser: a arte sendo produto desensações, portanto, expressa,também, os valores daqueles oudaqueles que a produzem: algunsabertamente, outros veladamente e,há até aqueles inconscientes (a leiturade certas obras de arte permite

descobrir elementos sobre autores, desconhecidosconscientemente por eles próprios). E como todaobra de arte é uma linguagem, também expressaconjuntos de signos ideológicos, por maispolifônica que possa ser. Portanto, os imperativoséticos constituem-se, também, e mesmo queinconscientes, em imperativos estéticos. E vice-versa.

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3Isto nos remete a outra questão [a segunda]:uma ideologia/ideário ética corresponderia a umaestética também ética? Jean Claude Bernadet, aotratar do cinema, afirma �um fuzil é sempre um fuzil:importa quem omaneja e contra quem émanejado�.Assim, os discursos e as obras são expressões destesideários, mesmo que não representem explicita enecessariamente posições partidárias, masrepresentam a sensibilidade do autor sobre omundo.

Parêntese: os poetas curitibanos do iniciodo século XX (refiro-me explicitamente ao grupoem torno de Dario Veloso que conheço um poucoporque tive a oportunidade de estudar num trabalhoacadêmico) não assumiam uma posição políticaexplícita, mas produziram textos melancólicos,refletindo o descontentamento com a ordem urbanae industrial. A melancolia era signo de umsaudosismo, que não se unificava as lutas anti-capitalista, mas que também não se somavam aoufanismo modernizador.

Assim sendo, podemos nos colocar umaoutra questão [a terceira]: em quemedida a arte podeestar a serviço de uma posição ideológica decorrenteda concepção ética do artista? A história da arteapresenta inúmeros exemplos explícitos, talvezpossamos nos lembrar deGuernica de Picasso, quaseum monumento de denuncia a agressão fascista dapopulação espanhola (mas que hoje se converteunum panfleto pacifista).

Então podemos nos perguntar agora:�haveria um limite, uma medida, em que a arte, aserviço de uma ideologia, poderia converter-se numpanfleto/instrumento de propaganda?�

Parêntese: no Brasil, talvez, tenhamos que

obrigatoriamente nos remeter aos casos de JorgeAmado e Plínio Salgado representam expressõesantagônicas no Brasil, este em defesa dointegralismo e aquele do comunismo.

Esta situação pode, ainda, ser ilustradapela conversa de Portinari e Neruda: conta-se dequando Neruda encontrou Portinari, aqueleinfluenciado pelo realismo socialista, disse que estedeveria representar �os trabalhadores como fortese viris�, pois seriam portadores do futuro e dosocialismo. O pintor brasileiro, segundo dizem,teria se limitado a dizer que estes eram ostrabalhadores que ele conhecia em Brodósqui.Parece haver duas situações: da arte que combateo capitalismo como panfleto, corrente esta distintade outra que, em tese, criticaria o capitalismomostrando a miserabilidade dos trabalhadores.Duas linguagens artísticas, distintas, mas quepoderiam estar entre as consideradas comoengajada.

Uma situação, mais pertinente ao séculoXX, em que arte �perdeu a sua aura na época dareprodutibilidade técnica�, numa formulaçãoclássica de Walter Benjamim, poderíamos entãoapontar para mais uma questão [a quarta]: �em quemedida o artista e sua ética podem serdesvinculados da produção na arteindustrializada?�. Ou ainda: �haveria diferençaséticas na estética da arte de autoria e/ou conceitualdaquela produzida sob encomenda para ummercado anônimo?�.

Esta questão merece, pelo menos, duasabordagens. Num primeiro campo, localizamos aarte industrial: objetos similares a obras de artes

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4 visuais, são produzidos em larga escala e vertidosem objetos de decoração, boa parte deles, semidentificação da autoria. A indústria cultural - daliteratura, cinema e televisão - em grande parte,produz obras em série e em linhas de montagem,seguindo regras rígidas, determinadas pelo produtor,em consonância, commercado, convertendo o artistaem prestador de serviços e a obra de arte emmercadoria de entretenimento.

Num segundo campo, temos a arte a serviçoda propaganda e do marketing. Filmes, fotografiase textos, convertem-se em instrumentos eficazespara expressar valores e idéias, que necessariamentenão correspondem a dos artistas que as produzem.

Estas produções continuariam as ser �arte�?Ou romperiam com um suposto preceito ético deque aArte por si, necessariamente expressa o artistae, portanto, não pode ser realizada sob encomendaou com outros fins?

Temos ainda uma outra questão [a quinta]:�nos filmes e nos espetáculos de dança, teatro emúsica, em que medida, artistas poderiam aceitar aparticipação nas produções com as quais possuemdivergências éticas?�.

Os atores e músicos em muitos espetáculossão submissos à direção do músico principal - nosmusicais - ou do diretor de filmes e espetáculos.Por vezes, estes se conduzem por temas que omúsico ou o ator pode estar em conflito. Neste ponto,mais uma contraste ente ética e estética.

Tema 3: Uma tipologia de questões éticas emobras de arte

As obras de arte tratam de temas diversos,nos quais as questões éticas estão associadas apersonagem, pelas quais o autor as críticas, as apóiaou simplesmente faz menção a existência. Mas éimportante verificar que em diversas situações aobra de arte está voltada para a defesa de algunsvalores e/ou padrões que pode estar em dissonânciacom o apreciador. Podemos constatar, pelosmenos,as seguintes situações:

Na primeira situação, a obra de arte podeser expressão � por defesa ou explicitação - de umaposição que poderia ser contrária à ética doapreciador.

Parêntese: Cazuza, grande poeta e mestreno manuseio das palavras, teria uma postura quepoderia ser considerada por alguns de seusadmiradores como � calhorda� (calhorda: �diz-se de ou pessoa sem valor, desprezível, ordinária�segundo o Houaiss Eletrônico) em �Faz parte domeu show�.

Te pego na escola e encho a tua bolacom todo o meu amorTe levo pra festa e testo o teu sexocom ar de professorFaço promessas malucas tão curtasquanto um sonho bomSe eu te escondo a verdade, baby, épra te proteger da solidão

Faz parte do meu showFaz parte do meu show, meu amor

A letra veicula o ideário de um conquistadorque utiliza de subterfúgios, para a conquista, quepoderia ser considerada como reprovável, sob oponto de vista de alguns esquemas éticos e morais.Apreciadores da obra de Cazuza poderiam estarem desacordo ético com amensagem desta canção.

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5Por isso deixariam de ouvir esta ou outras cançõesdeste músico?

Um outro exemplo antigo, talvez, nem sejaomais significativo � e penso que é até uma injustiçacom os autores, considerando a época em que aproduziram � mas, vale por sempre provocarpolemicas com as feministas: �Ai que Saudades daAmélia� de Ataulfo Alves e Mário Lago.

Amélia não tinha a menor vaidadeAmélia é que era mulher de verdade

Poderíamos listar uma porção de outrassituações, em particular, asmúsicas sexistas do funkcarioca, no samba de breque etc.

Uma segunda situação: é possível apreciara obra de arte de um autor cuja conduta poderia serreprovada na perspectiva ética do apreciador?

Parêntese: Jorge Luis Borges em umdeterminado momento apoiou o golpe militar naArgentina, que produziu uma ditadura nefasta. Osleitores de Borges, que reprovavam as suas posiçõespolíticas, poderiam continuar apreciando a suaobra literária?

Pensando sobre estas situações poderíamosapontar, ainda uma outra, questão: seria possível aprodução de obras de arte que tragam em si acontradição do mundo, expondo diversos lados deuma situação ética?

Parêntese: dentre as obras que lidam coma contradição, eu destacaria o filme �Faça a coisacerta� (1989) do Spike Lee. Diferente de outrasobras do autor, que às vezes radicaliza nas situaçõesda vida concreta da comunidade afro-estudinidense,ou às vezes caminha para uma postura claramentepanfletária, como o caso deMalcom X. Neste filme,

os personagens são apresentados em suascontradições concretas, é um filme tão explosivoque parece singelo, e até mesmo inocente, se nãofosse tão duro.

Tema 4: formação ética e formação estética

Ética e estética sendo definidas comoconjunto de valores - como pressupomos nesteensaio - nos remetem a questão do como estesseriam formados. Eu quero arrolar, mesmo querapidamente, alguns temas e problematizaçõesdesta questão.

Qual a função do ambiente cultural naformação de valores? O ambiente cultural é porexcelência o principal espaçomodelador de valores- morais, éticos e estéticos. O ambiente cultural -composto por diferentes grupos de convívio -contêm diversos agentes formadores de valores -morais, éticos e estéticos - disputandopermanentemente as mentes e sentimentos daspessoas. O convívio - com familiares, nas igrejas,nas escolas, no trabalho, nos clubes, nos locais delazer - estabelece interlocuções polifônicas comlinguagens artísticas, com modelos sociaisinterferindo decisivamente na formação de padrõeséticos, morais e estéticos.Mas a vida num ambientecultural não homogeneíza as pessoas, masseguramente, cria condições para padrões � sejameles éticos ou estéticos - sejammais aceitos do queoutros. As multiplicidades de mídiascontemporâneas também produzem interferências� cada vez mais significativas e decisivas - naformação de padrões estéticos, pois permitem

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6 relações mais individualizadas. Este processoseguramente reduz o poder formativo dos ambientesculturais e estabelecem novas referencias e maiorautonomia na formação de valores éticos e estéticos.

Qual a função do racionalismo na formaçãode valores? O racionalismo é, também, agente deformação de valores - morais, éticos e estéticos. Oiluminismo, herdeiro da tradição helênica, defendeucom ênfase que a razão (e o racionalismo) seria oelemento fundamental da formação dos valores.Pressupondo que os seres humanos seriam livrespara a escolha consciente dos valores, e daí, portanto,o fundamento do conceito de ética e estética comovalores auto-determinados. Mas, o idealismo doiluminismo não se professou plenamente. Oselementos da psique humana atuam em conjuntocom a racionalidade, mobilizando sentimentos,desejos e afetos, além das marcas deixadas noaparelho psíquico pelas mais diversas experiênciashumanas. Assim os seres humanos não são quemrealmente acreditam � racionalmente - que sejam.Assim, o racionalismo tem um peso fundamentalna aceitação � negação de valores, porém, não sãoexclusivamente determinantes.

Qual a medida, então, das marcas nosaparelho psíquico dos indivíduos na formação devalores? A experienciação da diversidade desituações de vida marca profundamente o aparelhopsíquico das pessoas mantendo-as em situaçõesconscientes, subconscientes e inconscientes. Estateoria, proposta inicialmente por Freud, ajuda aexplicar preferência e repulsas, fobias e desejos,recalques e condutas, inclusive as não-conscientes.Assim,mesmo que professem valores publicamente,

as pessoas têm em seus respectivos inconscientese subconscientes, outros desejos e pulsões, quepodem ser reprovados tanto pela moral quandopelos códigos de ética. Assim, pessoas ambientesculturais similares tendem a ter professam gostossimilares, mas os elementos da psique � e da razão- permitemmudanças e rupturas, formando valoresdistintos e peculiares. Casos de gêmeos, que criadosem situações similares, formam valores � morais eestéticos - ou padrões estéticos distintos são, talvez,o exemplo mais concreto desta situação.

Arquétipos culturais produzem efeitos sobrevalores?As teorias dos arquétipos - generalizada apartir da obra de Carl Jung � defendem que a culturae a psique são influenciadas por heranças culturaisinconscientes, transmitidas de geração a geração,produzindo na formação humana o reforço dediversos valores e padrões de conduta. Osarquétipos estariam, portanto, presentes naformulação dos esquemas éticos e estéticos, alémda interferência direta do senso moral.

A formação de valores - morais, éticos eestéticos - teria, em algum grau, influênciafilogenética? As filosofias iluministas,principalmente no século XX tentaram excluirdiversos tipos de determinismo genético nocomportamento humano, assim como o dehabilidades inatas, em particular, o conceito de�dom� para artes, profissões ou crimes. No entanto,a genética contemporânea tem apresentado estudosde relacionamento de comportamentos com genes,que indicariam possibilidades de herança genética,para certos procedimentos repetidos por gerações.Embora as pesquisas ainda não sejam conclusivas,

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7mas ajudam a reforçar e disseminar crençaspopulares nesta perspectiva.

Estes fatores, ou ao menos alguns deles,somados a outros não arrolados neste ensaio, expõea complexidade do processo de formação de valores.O que podemos deduzir, sem esforço, que cada serhumano constitui tecidos peculiares de valores,portanto de códigos de ética como de padrõesestéticos, como resultado de diferentes e complexasinterações.

Anexo: A escola pode dirigir a formação devalores e padrões estéticos.

A resposta para esta questão é afirmativa.Para esta questão vou apresentar umaproblematização.

Toda ação escolar é antes de tudo umainterferência na formação de identidade de criançase jovens dirigidos por um ideário da cultura adulta.A instituição escolar, segundoHannaArendt, é �[...]instituição que interpomos entre o domínio privadodo lar e o mundo com o fito de fazer que sejapossível a transição, de alguma forma, da famíliapara o mundo� [Arendt, 1992, p. 238]. A escola é omecanismo mais forte e mais explicito deincorporação das novas gerações de nossa espéciena cultura da geração que a pariu. Foucault já disseque é notável como as escolas se parecemacentuadamente com as prisões, os quartéis e oshospícios. Todos eles instrumentos de incorporaçãoa um padrão de normalidade.

Os processos escolares �[...] constituemformas de regulação social, produzidas através de

estilos privilegiados de raciocínios.Aquilo que estáno currículo não é apenas informação � aorganização do conhecimento corporifica formasparticulares de agir, sentir, falar e «ver» o mundo eo «eu»� [Popkewitz, 1995, p. 175].

Esses processos implicam também emdispositivos de regulaçãomoral, pois definem �[...]qual conhecimento é legítimo e qual é ilegítimo,quais formas de conhecer são válidas e quais não osão, o que é certo e o que é errado, o que é moral eo que é imoral, o que é bom e o que é mau, o que ébelo e o que é feio, quais vozes são autorizadas equais não o são� [Silva, 1995a, p. 4].

A escola dirige a formação de identidade e,portanto, produtora de valores e padrões tanto éticosquanto estéticos. Mas para isto a pedagogia temenfrentado diversos problemas, que poderiaexpressar, alguns deles, nas seguintes questões:

Quais as propostas pedagógicas? Elas sãopoucas e ainda assim depende do voluntarismo dosprofessores.

Qual o sentido desta formação?Geralmenteé a domundo adulto e a partir dos referencias éticosdos professores.

Qual o direito dos adultos para definir qual�conhecimento é legítimo e qual é ilegítimo, quaisformas de conhecer são válidas e quais não o são,o que é certo e o que é errado, o que é moral e oque é imoral, o que é bom e o que é mau, o que ébelo e o que é feio, quais vozes são autorizadas equais não o são�?

Há um caminho?Há vários, que passam porescolas abertas e não-diretivistas.

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como esforço para ademocratização da informação e do

conhecimento.

Referências

ARENDT, Hanna. Entre o passado e o futuro. 3.ed. São Paulo: Perspectiva, 1992.

BERNARDET, Jean-Claude. O que é cinema.São Paulo: Brasiliense, 1980.

POPKEVITZ, Thomas S. Reforma educacional:

Nota do autor

O autor agradece:1. a comunicação de erros.2. opiniões sobreo texto, inclusive sobrepassagens comredação inadequada.3. o envio de textos dos leitores no qual o autor foicitado.

E-mail para contato: [email protected]

uma política sociológica. Porto alegre, ArtesMédicas, 1997.

SILVA, Tomaz Tadeu. Currículo e IdentidadeSocial: Novos Olhares. XVIII ReuniãoAnual da Associação Nacional de Pesquisa ePós-Graduação em Educação. Caxambu(MG), 1995.