5
8 TEND˚NCIAS EMIGRA˙ˆO BRASILEIRA: formaçªo de mercados de consumo de produtos brasileiros no exterior ' 2001, RAE - Revista de Administraçªo de Empresas / EAESP / FGV, Sªo Paulo, Brasil. RAE Light v. 8 n. 1 p. 8-12 Jan./Mar. 2001 Ana Cristina Braga Martes INTRODU˙ˆO A emigraçªo brasileira vem cha- mando a atençªo dos meios de co- municaçªo, da academia e, especi- almente, de centenas de denomina- çıes religiosas que estªo seguindo os rastros dos nossos emigrantes. Junto com isso, o governo brasilei- ro vem reformulando sua política de assistŒncia consular. Entretanto, esse fenômeno, recente na História do Brasil, ainda nªo despertou mai- or interesse dos empresÆrios brasi- leiros. O objetivo deste artigo Ø res- saltar as possibilidades que a emi- graçªo pode oferecer para esse se- tor e sublinhar a importância do exercício de um papel mais ativo do Itamaraty na promoçªo do mercado de produtos brasileiros no exterior a partir da demanda gerada pelos emigrantes. O NOVO CONTEXTO DAS MIGRA˙ÕES INTERNACIONAIS Cerca de 1,5 milhªo de brasileiros deixaram o país a partir de meados da dØcada de 80. Esse nœmero, que nªo Ø alto se comparado à populaçªo bra- sileira atual, nªo faz do Brasil um país de emigraçªo. Mas trata-se, sem dœ- vida, de um fenômeno significativo por indicar uma inflexªo na nossa tra- diçªo de país de imigrantes. As migraçıes internacionais con- temporâneas apresentam caracterís- ticas diferentes daquelas ocorridas entre o fim do sØculo XIX e o co- meço do sØculo XX. O novo contex- to socioeconômico, marcado pela reestruturaçªo produtiva e globali- zaçªo, o barateamento dos meios de comunicaçªo e de transporte, a fa- cilidade de acesso a informaçıes e conexıes a redes sociais transnacio- nais demarcam um campo mais am- plo e diferenciado em relaçªo ao antigo fenômeno. A saída de brasi- leiros rumo ao exterior nªo pode ser explicada apenas por fatores econô- micos e conjunturais. Para alØm da chamada dØcada perdida, o Bra- sil vem sofrendo um processo de perda de mobilidade social da clas- se mØdia, e o fascínio que as metró- poles brasileiras exerciam anterior- mente se perdeu em meio às ondas nªo apenas de desemprego mas tam- bØm de violŒncia, falta de seguran- ça, queda na qualidade de vida, etc.

EMIGRA˙ˆO BRASILEIRA: formaçªo de mercados de consumo de ...rae.fgv.br/sites/rae.fgv.br/files/artigos/10.1590_S0034... · das capitais brasileiras, locais de onde, provavelmente,

Embed Size (px)

Citation preview

8

TENDÊNCIAS

EMIGRAÇÃO BRASILEIRA:formação de mercados de

consumo de produtosbrasileiros no exterior

© 2

001,

RAE

- Re

vista

de

Adm

inist

raçã

o de

Em

pres

as /

EAES

P / F

GV, S

ão P

aulo

, Bra

sil.

RAE Light � v. 8 � n. 1 � p. 8-12 � Jan./Mar. 2001

Ana Cristina Braga Martes

INTRODUÇÃO

A emigração brasileira vem cha-mando a atenção dos meios de co-municação, da academia e, especi-almente, de centenas de denomina-ções religiosas que estão seguindoos rastros dos nossos emigrantes.Junto com isso, o governo brasilei-ro vem reformulando sua política deassistência consular. Entretanto,esse fenômeno, recente na Históriado Brasil, ainda não despertou mai-or interesse dos empresários brasi-leiros. O objetivo deste artigo é res-saltar as possibilidades que a emi-gração pode oferecer para esse se-tor e sublinhar a importância doexercício de um papel mais ativo doItamaraty na promoção do mercadode produtos brasileiros no exterior

a partir da demanda gerada pelosemigrantes.

O NOVO CONTEXTODAS MIGRAÇÕESINTERNACIONAIS

Cerca de 1,5 milhão de brasileirosdeixaram o país a partir de meados dadécada de 80. Esse número, que nãoé alto se comparado à população bra-sileira atual, não faz do Brasil um paísde emigração. Mas trata-se, sem dú-vida, de um fenômeno significativopor indicar uma inflexão na nossa tra-dição de �país de imigrantes�.

As migrações internacionais con-temporâneas apresentam caracterís-ticas diferentes daquelas ocorridasentre o fim do século XIX e o co-meço do século XX. O novo contex-

to socioeconômico, marcado pelareestruturação produtiva e globali-zação, o barateamento dos meios decomunicação e de transporte, a fa-cilidade de acesso a informações econexões a redes sociais transnacio-nais demarcam um campo mais am-plo e diferenciado em relação aoantigo fenômeno. A saída de brasi-leiros rumo ao exterior não pode serexplicada apenas por fatores econô-micos e conjunturais. Para além dachamada �década perdida�, o Bra-sil vem sofrendo um processo deperda de mobilidade social da clas-se média, e o fascínio que as metró-poles brasileiras exerciam anterior-mente se perdeu em meio às ondasnão apenas de desemprego mas tam-bém de violência, falta de seguran-ça, queda na qualidade de vida, etc.

99

EMIGRAÇÃO BRASILEIRA: FORMAÇÃO DE MERCADOS DE CONSUMO DE PRODUTOS BRASILEIROS NO EXTERIOR

RAE Light � v. 8 � n. 1 � Jan./Mar. 2001

Os brasileiros têm sofrido, ainda,sucessivos desencantos em relaçãoà política nacional, ao funcionamen-to do sistema judicial e aos revesesda nossa ainda frágil democracia.Ademais, detecta-se a existência defortes influências de ordem culturale simbólica atraindo os brasileirospara o exterior.

A queda na mobilidade socialbrasileira, provocada pela recessão(anos 80) e pelo impacto da reestru-turação econômica (anos 90), tam-bém atua como elemento propulsorda emigração de brasileiros, tantopara os Estados Unidos quanto paraa Europa e o Japão, e constata-se aredução do volume das migraçõesinternas no mesmo período (Brito,1994; Patarra, 1994). A redução donúmero de empregos formais ajudaa incentivar a emigração, uma vezque as ocupações exercidas no mer-cado de trabalho informal apresen-tam perspectivas muito reduzidas deascensão social. Nesse caso, a emi-gração pode se tornar uma alternati-va para aqueles trabalhadores quenão conseguem inserção no merca-do de trabalho formal brasileiro ecom isso vêem reduzidas suaschances de mobilidade social(Pastore, 1990). É justamente quan-do a emigração se torna massiva, ouseja, meados dos 80 e início dos 90,que se verifica o aumento dainformalidade na economia brasilei-ra e, paralelamente, uma queda alar-mante do nível de emprego.

Nesse quadro francamente pes-simista, a opção de emigrar signifi-ca uma chance de �melhorar devida�. Há nisso algo de paradoxal,pois, do ponto de vista exclusiva-mente do status ocupacional, o de-clínio é evidente. Os brasileiros queemigram abandonam seus postos desecretária, bancário, gerente,comerciário, para fazer faxina, la-var pratos, preparar comidas, etc.Em geral, essa �troca� aparentemen-te desvantajosa é interpretada comosendo de caráter temporário. Mas,

além da compensação salarial, mo-rar num país do �Primeiro Mundo�pode ser �chique� e dar �status�social aos moradores das pequenascidades do interior ou da periferiadas capitais brasileiras, locais deonde, provavelmente, sai a maiorparte dos emigrantes brasileiros.

Os meios de comunicação, osquais divulgam padrões de vida�modernos� e acessíveis, tornammais exigentes nossos sonhos deconsumo, ao mesmo tempo em quea classe média brasileira, especial-mente a classe média baixa, vemperdendo a capacidade de acreditarque o Estado brasileiro possa lheassegurar um futuro melhor. Os bensde consumo, não apenas privadosmas também públicos e coletivos,são importantes fatores de atraçãodos emigrantes rumo ao �PrimeiroMundo�. �Na escola pública deBoston�, comentava uma brasileira,�meu filho é muito melhor assisti-do. Tem assistência médica, bonsprofessores, e até aula de violino!�

PRINCIPAIS PAÍSESDE DESTINO

Nossa emigração é intercontinen-tal. Do número total de emigrantes,cerca de 600 mil estão nos EstadosUnidos, 127.788 estão na Europa

Ocidental (nos países que constam daTabela 1) e 201.139 estão na Ásia,ou seja, no Japão. Registra-se, ain-da, a emigração para países frontei-riços, especialmente para o Paraguai,com 460.846 brasileiros (Tabela 1).

Os fluxos que se dirigem paracada um desses países têm uma sé-rie de particularidades, dentre asquais se destacam a legalidade, ounão, da permanência e a permissãode trabalho no país de destino.Como se sabe, os nipo-brasileirosque vão para o Japão saem do Bra-sil com visto de permanência e per-missão de trabalho (Sasaki, 1999).Os brasileiros que se dirigem para aItália como portadores de dupla ci-dadania entram no país com passa-porte italiano. Mas a maioria dos de-mais emigrantes entra com visto deturista nos países de destino e lá per-manece após a expiração do prazo.

Dados mais recentes evidenciamque a emigração brasileira não é maisum fenômeno mineiro nem valada-rense. Governador Valadares, cidadesituada ao norte de Minas Gerais, éconhecida como �terra de emigran-tes�. Segundo Soares (1995), 33.468valadarenses, ou seja, 15,9% da po-pulação do município, já emigroupara alguma parte do globo. Dessetotal, 27.210 estão nos Estados Uni-dos. É de fato expressiva a partici-

Estados Unidos 598.526 38,36

Paraguai 460.846 29,50

Japão 201.139 12,30

Itália 40.118 2,57

Alemanha 36.092 2,31

Portugal 32.068 2,06

Uruguai 19.986 1,28

Inglaterra 19.510 1,25

Outros países 151.884 9,74

Total 1.560.169 100,00

Fonte: Relatório do Ministério das Relações Exteriores, de 8 de outubro de 1996,citado por Sasaki (1999).

Tabela 1 � Brasileiros no exterior (países com população brasileira acima de 19 mil)

PorcentagemPaís População brasileira

10

TENDÊNCIAS

RAE Light � v. 8 � n. 1 � Jan./Mar. 2001

pação de valadarenses e mineirosda região de Ipatinga na emigra-ção brasileira. No entanto, esse fe-nômeno vem se expandindo paraalém das fronteiras de Minas. Apesquisa realizada em Boston indi-ca, por exemplo, que apenas 17%dos entrevistados vieram de Gover-nador Valadares, o que denota quea emigração brasileira vem se tor-nando um fenômeno nacional (Mar-tes, 2000).

O MINISTÉRIO DASRELAÇÕES EXTERIORES EA EMIGRAÇÃO BRASILEIRA

Nos discursos governamentais dadécada de 90, aparecem as primei-ras menções aos imigrantes brasilei-ros no exterior. Um conjunto de re-formas começou a ser introduzido napolítica externa brasileira, especial-mente na assistência consular pres-tada pelo Ministério das RelaçõesExteriores a partir de 1995. A refor-mulação da política consular, pro-movida pelos ministros AffonsoMassot e Luís Felipe Lampreia, nãofoi um movimento isolado dentro doMinistério, mas sim parte de umapreocupação do Itamaraty em de-sempenhar um papel de maior des-taque na promoção da abertura eco-nômica brasileira, ou seja, da inser-ção do Brasil no processo de globa-lização econômica.

A preocupação governamentalem reverter a imagem negativa doBrasil no exterior, comprometidatanto com a má distribuição internade renda como com as inúmeras de-

núncias de desrespeito à democra-cia e violação dos direitos humanos,é parte de um posicionamento estra-tégico diante da globalização eco-nômica. Dentro desse contexto, tra-tar o imigrante brasileiro no exteri-or como cidadão e ter uma políticapreventiva de proteção e de assis-tência à comunidade é parte da po-lítica que visa a melhorar a imagemdo país no exterior.

Difícil é saber se o volume detransferências unilaterais para o Bra-sil, que, em 1995, atingiu cerca de 4bilhões de dólares, contribuiu (e atéque ponto) para que a emigração bra-sileira despertasse a atenção e o in-teresse do governo. Os números, noentanto, são bastante significativos,como se pode verificar na Tabela 2.Os dados dizem respeito apenas àrubrica �manutenção de residentes�,e é importante lembrar que expressi-va parcela dos emigrantes faz remes-sas não oficiais para o Brasil.

Observam-se, na Tabela 2, ocrescimento das transferências re-metidas dos Estados Unidos e o de-créscimo das transferências remeti-das do Japão, cujo ápice foi regis-trado em 1995. O volume registra-do nas transferências unilaterais(não apenas na rubrica �doações�)é suficientemente elevado para cha-mar a atenção do governo. Uma pos-sível queda (seguindo a tendência doJapão) nesse volume acarretariaconseqüências igualmente não des-prezíveis.

Dentre as principais medidas dereformulação da assistência consu-lar estão: a) ampliação da rede con-

sular de carreira; b) criação do Con-selho do Cidadão; c) confecção deCartilhas Consulares; d) prestaçãode assistência jurídica a brasileirosdesvalidos; e) organização de con-sulados itinerantes; f) ouvidoriaconsular; g) mudança na forma deatendimento ao brasileiro no exte-rior (profissionalismo e cortesia) ecriação da matrícula consular; h)atendimento em situações de emer-gência, inclusive assistência jurídi-ca a brasileiros presos no exterior.Concomitantemente, o Itamaratyvem fazendo uma série de altera-ções não apenas na sua estruturainterna mas também na cultura ad-ministrativa do órgão.

Uma das mudanças mais signi-ficativas foi a criação do Conselhodo Cidadão. Foram implantados 26desses conselhos, a partir de 1996,com o objetivo de �promover umaponte entre o governo e a socieda-de civil�. O conselho é definidocomo um �canal de comunicação,cooperação e interação entre o go-verno e a sociedade civil no exteri-or�. São órgãos de aconselhamen-to dos consulados e das embaixa-das que ajudam a promover uma�melhor adaptação dos brasileirosà realidade do país, servir como ele-mento aglutinador da comunidade,canal de divulgação das informa-ções do consulado e de recolhimen-to de sugestões. Atuam na área deseguro-saúde, aconselhamento psi-cológico, organização de eventoscomunitários e ajuda aos brasilei-ros necessitados�. Deles podemparticipar cidadãos brasileiros re-

Estados Unidos 217,7 229,0 370,2 329,9 201,5

Japão 393,6 504,9 961,2 777,1 318,5

Demais 143,0 92,9 141,6 104,3 55,9

Total 754,3 826,8 1.473,0 1.211,3 575,9

Fonte: Banco Central do Brasil, Departamento de Câmbio.

Tabela 2 � Transferências unilaterais � ingressos � (US$ milhões) rubrica �manutenção de residentes� (mercado flutuante)

País 1993 1994 1995 1996 1997(*)

(*) O ano de 1997 está computado até julho.

1111

EMIGRAÇÃO BRASILEIRA: FORMAÇÃO DE MERCADOS DE CONSUMO DE PRODUTOS BRASILEIROS NO EXTERIOR

RAE Light � v. 8 � n. 1 � Jan./Mar. 2001

sidentes na jurisdição do consula-do e seus funcionários1 (Ministériodas Relações Exteriores, 1997).

Apesar de esse conjunto de me-didas representar uma série de mu-danças tanto na cultura organizacio-nal como nos objetivos estratégicosdo Itamaraty, o apoio efetivamenteprestado aos emigrantes brasileirosque se tornaram pequenos empresá-rios no exterior ainda é muito pe-queno e se restringe, basicamente,à formação de entidades de repre-sentação desse segmento.

EMPRESÁRIOS: UM SETOR(QUASE) AUSENTE

A população brasileira no exte-rior, estimada em torno de 1,5 mi-lhão de pessoas espacialmente con-centradas, representa um mercadoconsumidor considerável. Entretan-to, com algumas exceções, o empre-sariado brasileiro tem demonstradopouco interesse nas possibilidadesde mercado que a população emi-grante pode representar.

Em algumas cidades, como NovaYork e Miami, os empresários bra-sileiros vêm organizando Câmarasde Comércio. Segundo o conselhei-ro José Mauro Couto, cônsul-geraladjunto em Miami e estudioso daemigração brasileira na Flórida, ape-nas a Brazilian-American Chamberof Commerce of Florida (BACCF),com filial em Orlando e Tampa, pos-sui mais de 450 empresas membros,de ramos de atividades diversificados,estando incluídas nesse grupo empre-sas como ATT, UNO Remittance Inc.,UNIX Trade, Varig, OdebrechtContractors Inc., Settle Consulting,

Noronha Advogados, Hi-SevenFright Forwarders, Gazeta Mercan-til USA, Banco do Brasil, Unibanco,Banco do Estado de São Paulo, Ban-co Real, Flick Mortgage Inc. eEmbraer, entre muitas outras.

Observa-se, entretanto, que essetipo de organização empresarial estáapenas iniciando e em número aindabastante reduzido. Ademais, a parti-cipação dos empresários nessas or-ganizações encontra-se ainda restri-ta a um setor empresarial fortementeinstitucionalizado, deixando de fora

aqueles brasileiros que emigraramcomo trabalhadores braçais e conse-guiram montar pequenas empresaspara atender às necessidades de con-sumo dos brasileiros no exterior.

Como é sabido, as populaçõesimigrantes geram suas próprias de-mandas de consumo e, conseqüen-temente, nos bairros onde elas resi-dem, tendem a surgir pequenos es-tabelecimentos comerciais voltadospara atendê-las (Halter, 1995). Taisestabelecimentos disponibilizamacesso a uma variedade de marcasnacionais. Neles, podem ser encon-trados produtos como: a) gênerosalimentícios (pão de queijo, salga-dinhos, leite condensado, guaraná,etc.); b) peças de vestuário (biquí-nis do tipo �fio dental�, blusas cur-tas, calças apertadas, grifes brasilei-ras como Fórum, Zoomp, etc.); c)passagens aéreas; d) produtos far-macêuticos e de perfumaria (Phebo,Natura, Boticário, Leite de Rosas),etc. (Martes, 2000).

Esses pequenos empreendimen-tos2 têm um interesse especial empromover uma imagem positiva do

Brasil como forma de valorizaremseus próprios produtos. O caso deBoston merece ser analisado maisdetidamente. Acredita-se que as fir-mas brasileiras tentam recriar na-quela cidade um �pedaço do Brasil�,capaz de oferecer aquilo que a co-munidade mais tende a valorizar noseu país: comida, roupa, música, etc.Ao disponibilizar tais produtos, elasdesempenham um papel estratégicode dar visibilidade aos imigrantesbrasileiros e de promover uma ima-gem do Brasil, apoiando e divulgan-do atividades como shows de músi-ca brasileira, bailes de carnaval, co-memoração do Sete de Setembro,etc. As empresas valorizam positi-vamente o Brasil porque se especi-alizam no mercado consumidor bra-sileiro. Nesse caso, a segmentaçãodo mercado é definida pelaetnicidade apoiada, de modo maisamplo, na origem nacional. Nota-seque as firmas brasileiras não ofere-cem produtos ou serviços compara-tivamente mais baratos. O grandeatrativo desses estabelecimentos nãoestá no preço mas sim na naturezado produto. Os brasileiros conso-mem os produtos oferecidos nas lo-jas brasileiras porque é apenas lá queeles podem encontrar aquilo que de-sejam consumir: produtos do Brasil.

Há, portanto, uma questão cultu-ral, e não meramente econômica,envolvida no consumo de tais pro-dutos. À guisa de ilustração, segueo trecho de uma entrevista realiza-da com o proprietário de uma lojabrasileira em Brookline (Boston):�Tenho muitas clientes que queremcomprar roupas de grife do Brasil.São caras. E uma delas me falou: �afilha do prefeito da minha cidadeusava roupa da marca Fórum e lá eunão poderia comprar. Agora, aqui,como eu posso, compro.� Essa de-claração revela que as aspirações deconsumo desses clientes ainda estãofundadas em valores e padrões deconsumo do Brasil. As lojas brasi-leiras oferecem a oportunidade de se

Tratar o imigrante brasileiro no exterior comocidadão e ter uma política preventiva de proteçãoe de assistência à comunidade é parte da políticaque visa a melhorar a imagem do país no exterior.

12

TENDÊNCIAS

RAE Light � v. 8 � n. 1 � Jan./Mar. 2001

adquirirem bens de grande valorsimbólico para a população emi-grante espalhada pelo globo.

O desejo dos emigrantes brasilei-ros de continuar a consumir produ-tos do Brasil começa a gerar a for-mação de um mercado consumidorde produtos brasileiros no exterior,que pode implicar um aumento dasnossas exportações. Mas não apenasisso. A formação de novos merca-dos consumidores de produtos bra-sileiros abre a possibilidade de queesses produtos venham a ser consu-midos também pelos �nativos� epelas minorias étnicas.

CONCLUSÃO

Nada indica que possa haver umainflexão na emigração brasileira. Aestabilização da economia não temsido fator de contenção dos fluxosmigratórios, uma vez que os condi-cionantes desse movimento são deordem estrutural.

Embora a emigração não tenha setornado propriamente objeto de polí-tica pública , a política de assistênciaconsular do Itamaraty está sendo mo-dificada com o objetivo de adaptarseus serviços, por um lado, à �globa-lização� e, por outro, ao rápido cres-cimento da população brasileira noexterior. Algumas discussões internasdo Ministério das Relações Exterio-res apontam para a necessidade de osconsulados brasileiros, a exemplo deoutros países, adotarem uma políticade apoio às pequenas empresas, sejacom medidas que visam a facilitar eorientar as exportações, seja organi-zando e apoiando a formação de re-des empresariais no exterior. Masessa é uma discussão que apenas seinicia, sem que nenhuma medidaconcreta tenha sido tomada ainda.

Nesse contexto, um grupo cadavez maior de emigrantes está conse-guindo criar pequenos empreendi-mentos comerciais e oferecer servi-ços à comunidade. Mas poucos em-presários no Brasil têm se dado con-

ta do mercado potencial que nossosemigrantes estão constituindo. A in-dústria fonográfica brasileira é umadas que mais têm crescido no exteri-or. Se nossos músicos conseguemlotar auditórios e vender CDs emRoma, Nova York e Tóquio, isso sedeve, em boa medida, aos brasilei-ros que residem lá fora. A esse mer-cado poderiam somar-se outros ra-mos da nossa produção interna, da-queles produtos �tipicamente brasi-leiros�. Hoje, pode-se comprar�bagel� em qualquer cafeteria dosEstados Unidos. A ele poderia jun-

tar-se o nosso não menos saborosopão de queijo.

Em suma, as exportações brasi-leiras poderiam beneficiar-se dasoportunidades abertas pela existên-cia de uma população brasileira re-sidente no exterior. Como assinalaJosé Mauro Couto, a população emi-grante pode funcionar como uma es-pécie de �ponte� entre as exporta-ções brasileiras e o mercado consu-midor externo. Para isso, oItamaraty haveria de exercer umpapel mais ativo como mediadorentre os dois segmentos. m

Ana Cristina Braga Martesé Professora do Departamento de Fundamentos Sociais e Jurídicos da

Administração da FGV/EAESP e Autora de Brasileiros nos Estados Unidos:um estudo sobre imigrantes em Massachusetts (São Paulo : Paz e Terra, 2000).

E-mail: [email protected]

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

MARTES, Ana Cristina Braga. Brasileiros nos Estados Unidos: umestudo sobre imigrantes em Massachusetts. São Paulo : Paz e Ter-ra, 2000.

MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES. Relatório. Brasília,1997. Memo.

PASTORE, José. Desigualdade e mobilidade social: dez anos de-pois. In: BACHA, E., KLEIN, H. (Eds.). A transição incompleta. SãoPaulo : Paz e Terra, 1990.

PATARRA, Neide (Coord.). Emigração e imigração internacionaisno Brasil contemporâneo. Campinas : FNUAP, 1994.

REIS, Rossana, SALES, Teresa. Cenas do Brasil migrante. SãoPaulo : Boitempo, 1999.

SASAKI, Elisa. Movimento dekassegui: a experiência migratória eidentitária dos brasileiros descendentes de japoneses no Japão. In:REIS, Rossana, SALES, Teresa. Cenas do Brasil migrante. SãoPaulo : Boitempo, 1999.

SOARES, Weber. Imigrantes e investidores: redefinindo a dinâmicaimobiliária na economia valadarense. Tese (Mestrado) � IPPUR,Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1995.

1. Segundo dados divulgados pelo Itamaraty, até agosto de 1997,foram criados 40 Conselhos do Cidadão nas seguintes cidades:Bonn, Madri, Washington, Bruxelas, Chicago, Hamburgo, Houston,Londres, Marselha, Milão, Munique, Nova York, Porto, Roterdã,Santa Cruz, Tóquio, Vancouver, Boston, Frankfurt, Hong Kong, Lis-boa, Los Angeles, Miami, Montreal, Nagoya, Paris, Roma, San Juan,São Francisco, Toronto, Zurique, Buenos Aires, Montevidéu, Berlim,Santiago, Genebra, Barcelona, Caiena, Sydney, Cingapura.

2. O número desse tipo de empreendimento é desconhecido. Se-gundo Carlos de Paula, proprietário da Brazilian Yelow Pages, �há

cerca de 1.000 destes empreendimentos apenas nos Estados Uni-dos. Restaurantes são um dos negócios mais visíveis na comuni-dade brasileira. No entanto, os proprietários de muitos restaurantes�brasileiros� nos Estados Unidos na realidade são estrangeiros (sul-americanos, portugueses, espanhóis, COREANOS e até RUS-SOS!!!!). A grande maioria (diria 90%) é formada de microempresase inclui também pequenas empresas de construção, etc. O númerocaiu muito no ano 2000 porque não precisa mais toda aquela infra-estrutura criada para atender a centenas de milhares de turistasbrasileiros que vinham para os EUA (desde lojas, empresas de trans-porte, operadoras de turismo e até mesmo publicações)�.

BALTAR, Paulo, DEDECCA, Cláudio. O mercado de trabalho noBrasil: o aumento da informalidade nos anos 90. Brasília : IPEA,1997. Paper apresentado no workshop O setor informal revisitado:novas evidências e perspectivas de políticas públicas.

BARROS, Sebastião do Rego. A nova política de assistência aosbrasileiros no exterior. Revista Política Externa, v. 5, n. 3, dez./jan./fev. 1996/1997.

BRITO, F. Os povos em movimento: as migrações internacionaisrecentes no desenvolvimento do capitalismo. In: PATARRA, Neide(Coord.). Emigração e imigração internacionais no Brasil contempo-râneo. Campinas : FNUAP, 1994.

CACCAMALI, Maria Cristina. Notas sobre o processo deinformalização no mercado de trabalho no contexto da globaliza-ção. Brasília : IPEA, 1997. Paper apresentado no workshop O setorinformal revisitado: novas evidências e perspectivas de políticaspúblicas.

HALTER, Marilyn (Ed.). New migrants in the marketplace: Boston�sethnic entrepreneurs. Cambridge : University of Massachusetts Press,1995.

MARGOLIS, Maxine. Little Brazil. Princeton : Princeton UniversityPress, 1993.

NOTAS