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civilistica.com || a. 5. n. 1. 2016 || 1 Toda posse ad usucapionem é uma posse injusta Marcus Eduardo de Carvalho DANTAS * RESUMO: Trata-se de uma investigação do tipo intencional puro cujo objetivo é discriminar os dois significados por meio dos quais uma posse pode ser considerada “injusta”. Em uma dimensão formal, toda posse ad usucapionem é sempre e necessariamente uma posse injusta, visto que a posse apta a gerar a aquisição por tal via é sempre não autorizada e exercida contra os interesses do atual proprietário. Por outra via, a injustiça da posse diz respeito à uma análise moral acerca das razões por meio das quais se considera justificada a perda da propriedade em função da materialização da posse de outrem. PALAVRAS-CHAVE: Posse; posse ad usucapionem; usucapião. SUMÁRIO: Introdução; – 1. Mapeamento do problema na doutrina: é possível usucapir tendo posse injusta?; – 2. Posse justa e de boa-fé na aquisição derivada: o saneamento na acessio possessionis; – 3. Posse justa e de boa-fé na aquisição derivada: o caso da posse “justa, porém ilegítima”; – 4. Questionando a ocorrência dos vícios; 5. A influência do tempo no saneamento dos vícios da posse; – 6. Saneamento pelo cumprimento da função social; – 7. O “teste de uso incompatível” e a função da posse injusta na usucapião; – Conclusão. – Referências bibliográficas. ENGLISH TITLE: Every possession ad usucapionem is an unjust possession ABSTRACT: This article aims an investigation of pure intentional type whose purpose is to discriminate the two meanings by which a possession can be considered ‘unfair’. In a formal dimension, all possession ad usucapionem is always and necessarily an unfair possession, since possession able to generate the acquisition by such a route is always non authorized and exercised against the interests of the current owner. In addition, the injustice of the possession concerns a moral analysis of the reasons by which it is considered justified the loss of property due to the materialization of another person's possession. KEYWORDS: Possession; possession ad usucapionem; adverse possession. CONTENTS: Introduction; – 1. Mapping of doctrine’s problem: Is it possible to become owner by adverse possession having unfair possession?; – 2. Fair possession and in good faith in the derived acquisition: the elimination of defects in acessio possessionis; – 3. Fair possession and in good faith in the derived acquisition: the case of ‘fair possession, but illegitimate’; – 4. Questioning the occurrence of defects; – 5. The influence of time in elimination of defects of possession; – 6. Elimination of defects for the fulfillment of the social function; – 7. ‘The incompatible use test’ and the function of unfair possession in adverse possession; – Conclusion; – References. * Mestre em Direito Constitucional e Teoria Geral do Estado (PUC-Rio). Doutor em Direito Civil (UERJ). Professor Adjunto da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF-MG). Departamento de Direito Privado.

Toda posse ad usucapionem é uma posse injusta

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Page 1: Toda posse ad usucapionem é uma posse injusta

civilisticacom || a 5 n 1 2016 || 1

Toda posse ad usucapionem eacute uma posse injusta

Marcus Eduardo de Carvalho DANTAS

RESUMO Trata-se de uma investigaccedilatildeo do tipo intencional puro cujo objetivo eacute

discriminar os dois significados por meio dos quais uma posse pode ser

considerada ldquoinjustardquo Em uma dimensatildeo formal toda posse ad usucapionem eacute

sempre e necessariamente uma posse injusta visto que a posse apta a gerar a

aquisiccedilatildeo por tal via eacute sempre natildeo autorizada e exercida contra os interesses do

atual proprietaacuterio Por outra via a injusticcedila da posse diz respeito agrave uma anaacutelise

moral acerca das razotildees por meio das quais se considera justificada a perda da

propriedade em funccedilatildeo da materializaccedilatildeo da posse de outrem

PALAVRAS-CHAVE Posse posse ad usucapionem usucapiatildeo

SUMAacuteRIO Introduccedilatildeo ndash 1 Mapeamento do problema na doutrina eacute possiacutevel

usucapir tendo posse injusta ndash 2 Posse justa e de boa-feacute na aquisiccedilatildeo derivada o

saneamento na acessio possessionis ndash 3 Posse justa e de boa-feacute na aquisiccedilatildeo

derivada o caso da posse ldquojusta poreacutem ilegiacutetimardquo ndash 4 Questionando a ocorrecircncia

dos viacutecios 5 A influecircncia do tempo no saneamento dos viacutecios da posse ndash 6

Saneamento pelo cumprimento da funccedilatildeo social ndash 7 O ldquoteste de uso incompatiacutevelrdquo

e a funccedilatildeo da posse injusta na usucapiatildeo ndash Conclusatildeo ndash Referecircncias bibliograacuteficas

ENGLISH TITLE Every possession ad usucapionem is an unjust possession

ABSTRACT This article aims an investigation of pure intentional type whose

purpose is to discriminate the two meanings by which a possession can be

considered lsquounfairrsquo In a formal dimension all possession ad usucapionem is

always and necessarily an unfair possession since possession able to generate the

acquisition by such a route is always non authorized and exercised against the

interests of the current owner In addition the injustice of the possession concerns

a moral analysis of the reasons by which it is considered justified the loss of

property due to the materialization of another persons possession

KEYWORDS Possession possession ad usucapionem adverse possession

CONTENTS Introduction ndash 1 Mapping of doctrinersquos problem Is it possible to

become owner by adverse possession having unfair possession ndash 2 Fair

possession and in good faith in the derived acquisition the elimination of defects

in acessio possessionis ndash 3 Fair possession and in good faith in the derived

acquisition the case of lsquofair possession but illegitimatersquo ndash 4 Questioning the

occurrence of defects ndash 5 The influence of time in elimination of defects of

possession ndash 6 Elimination of defects for the fulfillment of the social function ndash

7 lsquoThe incompatible use testrsquo and the function of unfair possession in adverse

possession ndash Conclusion ndash References

Mestre em Direito Constitucional e Teoria Geral do Estado (PUC-Rio) Doutor em Direito Civil (UERJ) Professor Adjunto da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF-MG) Departamento de Direito Privado

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Introduccedilatildeo

Esse natildeo eacute um texto para a defesa do caraacuteter absoluto da propriedade Tampouco para

lamentar o fato de que muitas vezes aquele que tem posse natildeo autorizada se tornaraacute o

proprietaacuterio do bem tendo em vista a continuidade do apossamento frente agrave ineacutercia do

titular

Feitas tais consideraccedilotildees esclarece-se que o objetivo do artigo eacute o de principalmente

demonstrar que a expressatildeo ldquoposse injustardquo eacute sinocircnimo de ldquoposse natildeo autorizadardquo E se

isto eacute assim eacute um pressuposto da usucapiatildeo que a posse do usucapiente seja injusta em

um sentido formal Como consequecircncia todas as estrateacutegias de saneamento dos viacutecios

existentes na aquisiccedilatildeo da posse satildeo desnecessaacuterias

Nenhum autor pode seriamente deixar de reconhecer que a possibilidade de se tornar

proprietaacuterio de um bem moacutevel ou imoacutevel em decorrecircncia do exerciacutecio prolongado da

posse eacute uma das mais importantes e interessantes implicaccedilotildees de se ter adquirida a

posse de algo Mas o que ela precisa para ser apta agrave usucapiatildeo

Os estudiosos do tema reconhecem que a posse ad usucapionem eacute aquela onde o

possuidor age como se fosse verdadeiramente o titular do direito que seraacute usucapido

seja o de propriedade ou outro direito real limitado passiacutevel de ser obtido por tal

modo1 O usucapiente exerce a posse com o objetivo deliberado de passar a ser o

proprietaacuterio da coisa ou que acredita que jaacute tem o direito que ao final seraacute seu Nas

duas hipoacuteteses poreacutem ela eacute exercida sem autorizaccedilatildeo do proprietaacuterio mas com o

chamado ldquoacircnimo de donordquo como um reflexo do direito que se pretende ter ao usucapir

A razatildeo de tal exigecircncia eacute simples se natildeo houver essa ldquointenccedilatildeo de donordquo o exerciacutecio

dessa posse pode conviver bem com a do proprietaacuterio como um seu desdobramento

No que diz respeito agrave usucapiatildeo do direito de propriedade o acircnimo de dono

corresponde portanto a pretensatildeo de se tornar o proprietaacuterio de forma independente

ou mesmo contra a vontade do titular ou ainda ao falso entendimento de que jaacute se eacute

1 Eacute o entendimento padratildeo na doutrina Segundo Orlando Gomes na posse ad usucapionem ldquoO possuidor tem que se comportar como dono da coisa possuindo-a tranquilamente A vontade de conduzir-se como proprietaacuterio do bem carece de ser traduzida por atos inequiacutevocos () Na aparecircncia oferece a certeza de que o possuidor eacute proprietaacuteriordquo GOMES Orlando Direitos reais 20ordfed atualizada por Luiz Edson Fachin Rio de Janeiro Forense 2010 p183 No mesmo sentido ldquoA posse ad usucapionem A posse apta a ensejar a usucapiatildeo (possessio ad usucapionem) haacute de observar certos requisitos (i) ser exercida com a intenccedilatildeo de dono (cum animo domini) demonstrada no comportamento do possuidor de ter a coisa como sua (ii) ser contiacutenua e (iii) sem oposiccedilatildeordquo TEPEDINO Gustavo BARBOZA Heloisa Helena MORAES Maria Celina Bodin de Coacutedigo civil interpretado conforme a Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Vol III Rio de Janeiro Renovar 2011 p521

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titular desse direito Daiacute se infere que a usucapiatildeo representa uma forma de aquisiccedilatildeo

originaacuteria pois natildeo haacute transmissatildeo do direito a ser usucapido

Ocorre que dependendo do modo pelo qual a posse tiver sido obtida ela pode ser

considerada viciada tornando-se injusta em funccedilatildeo da violecircncia clandestinidade ou da

precariedade identificada na sua obtenccedilatildeo Segundo o pensamento prevalecente2 isso

diminuiria as chances da efetivaccedilatildeo da usucapiatildeo pois para tanto eacute preciso uma posse

justa Mas o que aconteceria se a posse adquirida por qualquer uma das modalidades

de viacutecios existentes tivesse sido exercida por um longo periacuteodo de tempo sem que o

esbulhador fosse incomodado O fato dela ser originalmente injusta impediria a

aquisiccedilatildeo pela usucapiatildeo para sempre mesmo diante da falta de atitude do esbulhado

em recuperaacute-la

Para driblar a dificuldade existente ante uma posse ldquoeternamente injustardquo mesmo

frente a um possuidor inerte a argumentaccedilatildeo dos estudiosos se orienta em torno da

ideia de que eacute possiacutevel (e necessaacuterio) ldquosanarrdquo os viacutecios existentes no momento da

aquisiccedilatildeo no intuito de garantir que a posse originariamente injusta se transforme em

uma posse justa e assim seja capaz de gerar a usucapiatildeo3

Mas como eacute possiacutevel considerar que a posse seja justa por natildeo repugnar a ordem

juriacutedica ao mesmo tempo em que eacute exercida de forma a viabilizar a obtenccedilatildeo do direito

que atualmente pertence a outro e independentemente (ou mesmo contra) da vontade

dele

2 Como seraacute possiacutevel verificar nas notas 67 e 8 apenas Daniel Eduardo Carnacchioni considera explicitamente que a justiccedila ou injusticcedila da posse natildeo tem qualquer papel na usucapiatildeo CARNACCHIONI Daniel Eduardo Curso de direito civil ndash direitos reais Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p74 Os demais autores costumam se dividir entre aqueles que consideram a impossibilidade total de usucapir tendo posse injusta (NASCIMENTO Tupinambaacute Miguel Castro do Usucapiatildeo (comum e especial) 5ordfed Rio de Janeiro AIDE 1986 p80 NUNES Pedro Do usucapiatildeo 4ordfed Rio de Janeiro Freitas Bastos 1984 p26 TARTUCE Flaacutevio SIMAtildeO Joseacute Fernando Direito civil Vol4 ndash direito das coisas 2ordfed Satildeo Paulo Meacutetodo 2009 p59 AZEVEDO Aacutelvaro Villaccedila de Curso de direito civil ndash direito das coisas Satildeo Paulo Atlas 2014 p22) e aqueles que entendem que tal possibilidade estaacute restrita a modalidade extraordinaacuteria (FARIAS Cristiano Chaves de ROSENVALD Nelson Curso de direito civil Vol5 ndash reais 11ordfed Satildeo Paulo Atlas 2015 p110 ROCHA Silvio Luiz Ferreira da Direito civil Vol3 ndash direitos reais Satildeo Paulo Malheiros 2010 p45) 3 Poucos satildeo os especialistas que consideram a posse ad usucapionem eventualmente possa ser uma posse injusta mas natildeo haacute quem defenda que tal posse necessariamente seja uma posse injusta Ao que parece apenas Francisco Eduardo Loureiro coloca o problema ainda que apenas como uma possibilidade para todas as modalidades de usucapiatildeo ldquoQuestatildeo a ser enfrentada eacute se a posse injusta pode ser ad usucapionem Alguns autores dizem que a posse deve convalescer ou ter purgados os viacutecios para gerar usucapiatildeo Natildeo eacute bem assim () O que se exige eacute que durante o prazo necessaacuterio agrave usucapiatildeo natildeo haja atos violentos ou clandestinos embora a posse seja injusta porque a sua causa original eacute iliacutecitardquo LOUREIRO Francisco Eduardo ldquoDireito das coisas (arts 1196-1510)rdquo In PELUSO Ceacutezar (Org) Coacutedigo civil comentado Satildeo Paulo Manole 2008 p1193

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Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald tecircm uma intuiccedilatildeo a respeito de tal contrassenso

quando escrevem que o elenco dos viacutecios da posse deve ser considerado taxativo pois

ldquo() se fosse concedida tal elasticidade ao conceito de injusticcedila da posse a posse justa

seria somente aquela adquirida por relaccedilatildeo juriacutedica de direito real ou obrigacionalrdquo4

Isto eacute absolutamente correto Questionaacutevel eacute a conclusatildeo que extraem dessa

constataccedilatildeo o entendimento de que nem toda posse natildeo autorizada eacute injusta mesmo

quando a forccedila eacute eventualmente empregada para remoccedilatildeo de obstaacuteculos ao

apossamento

O raciociacutenio se manteacutem constrangido diante das amarras histoacutericas do debate rumo

agravequilo que parece ser a conclusatildeo recalcada em todas as sofisticadas teorias sobre as

consequecircncias dos viacutecios objetivos da posse a de que toda posse natildeo autorizada

exercida contra os interesses do titular eacute necessariamente uma posse injusta E isto natildeo

interfere (ou natildeo deve interferir) em nada na possibilidade de usucapir em qualquer

modalidade que seja

Quando os especialistas defendem a necessidade de saneamento dos viacutecios na aquisiccedilatildeo

para que a posse tornada ldquojustardquo possa viabilizar a usucapiatildeo5 eles estatildeo confundindo

dois significados de ldquoinjusticcedilardquo Em uma primeira acepccedilatildeo a ldquojusticcedilainjusticcedilardquo eacute

relativa ao modo pelo qual a posse foi obtida chave pela qual por coerecircncia toda posse

natildeo autorizada ndash como eacute o caso da ad usucapionem ndash deve ser reconhecida como

ldquoinjustardquo

Em um outro sentido a ldquojusticcedilainjusticcedilardquo eacute decorrente de uma avaliaccedilatildeo moral acerca

do conteuacutedo da posse do modo pelo qual ela foi exercida durante todo o tempo

necessaacuterio para usucapir Eacute uma anaacutelise de quanto aquela posse ldquomerecerdquo gerar a

aquisiccedilatildeo da propriedade pela usucapiatildeo Trata-se de um julgamento acerca dos valores

que foram efetivados por meio da materializaccedilatildeo do apossamento e o quanto eles

justificam suficientemente a sua prevalecircncia frente ao direito de propriedade Eacute uma

anaacutelise material de conteuacutedo portanto da posse exercida durante todo aquele tempo

exigido em cada hipoacutetese de usucapiatildeo Neste sentido a investigaccedilatildeo acerca da justiccedila

ou injusticcedila da posse eacute tambeacutem uma discussatildeo acerca dos limites do direito de

4 FARIAS Cristiano Chaves de ROSENVALD Nelson Curso de direito civil Vol5 ndash direitos reais 11ordfed Satildeo Paulo Atlas 2015 p111 5 Ao considerar que a posse injusta dificulta ou impede por completo a usucapiatildeo (notas 67 e 8) a doutrina acaba desenvolvendo mecanismos de eliminaccedilatildeo dos viacutecios da posse como uma forma de superar o problema que surgiria na situaccedilatildeo onde o possuidor injusto permanece exercendo a posse sem ser confrontado por quem quer de direito (pontos 2 3 e 5)

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propriedade Estas duas coisas precisam ser dissociadas para que sejam analisadas

adequadamente Eis eacute a tese a ser desenvolvida no presente artigo

E por que a hipoacutetese a ser testada eacute relevante Porque os estudiosos do tema se

dedicam a um sem nuacutemero de taacuteticas que diante de uma posse injusta objetivam criar

modos de expurgar os seus viacutecios no intuito de tornaacute-la ldquojustardquo e assim apta a

usucapiatildeo O problema eacute que essas formas de saneamento satildeo tatildeo amplas e variadas

que se chega agrave conclusatildeo que sempre que o possuidor tiver o tempo de posse e os

requisitos especiacuteficos para usucapir em cada hipoacutetese os viacutecios de algum modo teratildeo

sido eliminados E se eacute inevitaacutevel consideraacute-los sanados eacute porque as estrateacutegias de

saneamento satildeo na verdade irrelevantes para a aquisiccedilatildeo pela usucapiatildeo e isso

raramente eacute dito de forma expliacutecita6 Quando se tem em mente que a posse ad

usucapionem eacute injusta e que isso natildeo impede a usucapiatildeo em nenhuma modalidade o

ganho em termos sistemaacuteticos eacute visiacutevel pois os viacutecios importantes passam a ser apenas

os subjetivos Se toda posse ad usucapionem eacute injusta o que importa eacute saber se o

usucapiente tinha ou natildeo conhecimento disto

1 Mapeamento do problema na doutrina eacute possiacutevel usucapir tendo posse

injusta

A resposta a tal questionamento varia entre aqueles que consideram que o possuidor

injusto pode usucapir apenas na modalidade extraordinaacuteria7 e os que enxergam a

impossibilidade total de aquisiccedilatildeo do direito ante a injusticcedila da posse8 Estes driblam o

problema que existiria em torno de uma ldquoposse eternamente injustardquo fazendo como

indicado referecircncia a alguma forma de saneamento dos viacutecios de origem

6 Daniel Eduardo Carnacchioni talvez seja o uacutenico autor brasileiro a afirmar categoricamente que ldquoO conceito de posse injusta somente eacute fundamental para fixar a legitimidade passiva nas accedilotildees possessoacuterias Aliaacutes esta eacute a uacutenica relevacircncia dos viacutecios objetivos da posse Saber se a posse eacute justa ou injusta eacute importante apenas para saber se sujeito pode defender sua posse contra uma determinada pessoardquo CARNACCHIONI Daniel Eduardo Curso de direito civil ndash direitos reais Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p74 Cristiano Chaves de FARIAS e Nelson ROSENVALD ficam por assim dizer ldquono meio do caminhordquo pois ao mesmo tempo em que esclarecem que defendem que nem toda tomada natildeo autorizada da posse gera posse injusta (FARIAS Cristiano Chaves de ROSENVALD Nelson Curso de direito civil Vol V ndash reais 11ordfed Satildeo Paulo Atlas 2015 p106) consideram que a posse injusta soacute gera usucapiatildeo extraordinaacuteria pois na modalidade ordinaacuteria se exige o justo tiacutetulo e a boa-feacute (2015 p110) Mas eacute possiacutevel que a posse seja injusta e de boa-feacute pela ignoracircncia do accipiens quando da sua transmissatildeo Nesse sentido a injusticcedila da posse natildeo impediria nem mesmo a aquisiccedilatildeo pela via ordinaacuteria 7 Eacute o que se pode constatar em FARIAS Cristiano Chaves de ROSENVALD Nelson Curso de direito civil Vol5 ndash reais 11ordfed Satildeo Paulo Atlas 2015 p110 ROCHA Silvio Luiz Ferreira da Direito civil Vol3 ndash direitos reais Satildeo Paulo Malheiros 2010 p45 8 NASCIMENTO Tupinambaacute Miguel Castro do Usucapiatildeo (comum e especial) 5ordfed Rio de Janeiro AIDE 1986 p80 NUNES Pedro Do usucapiatildeo 4ordfed Rio de Janeiro Freitas Bastos 1984 p26 TARTUCE Flaacutevio SIMAtildeO Joseacute Fernando Direito civil Vol4 ndash direito das coisas 2ordfed Satildeo Paulo Meacutetodo 2009 p59 AZEVEDO Aacutelvaro Villaccedila de Curso de direito civil ndash direito das coisas Satildeo Paulo Atlas 2014 p22

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Mas por que motivo o possuidor injusto natildeo poderia usucapir na modalidade

ordinaacuteria Porque para esta hipoacutetese o Coacutedigo Civil exige que a posse ad usucapionem

tenha sido adquirida por meio de um justo tiacutetulo e de boa-feacute o que significa que o

possuidor natildeo sabe que existe um problema em torno do modo pelo qual ela foi

adquirida A doutrina entatildeo faz uma conexatildeo necessaacuteria entre a posse justa e a de boa-

feacute o que eacute ateacute razoaacutevel agrave primeira vista como algueacutem poderia alegar que desconhece

que a sua posse foi obtida de modo violento clandestino ou pela precariedade Tal

alegaccedilatildeo soacute seria possiacutevel se o viacutecio natildeo tivesse sido cometido por aquele que pretende

usucapir ou se a princiacutepio a proacutepria ocorrecircncia dele pudesse ser questionada

A primeira situaccedilatildeo corresponderia ao caso no qual o esbulhador transmitiu a posse

injusta que tinha para uma outra pessoa que enganada natildeo sabia de sua raiz iliacutecita

Partindo-se do princiacutepio de que tais viacutecios natildeo seriam transmitidos pelo tradens a

aquisiccedilatildeo derivada seria uma via de saneamento dos viacutecios de origem

Outro modo de se defender a justiccedila da posse originaacuteria eacute reconhecendo o fato dela ter

sido obtida por um meio que mesmo sendo incomum natildeo se equipararia agrave violecircncia

clandestinidade nem agrave precariedade Eacute nesta linha que se colocam as teses que

procuram questionar a ocorrecircncia dos viacutecios objetivos9 A pergunta aqui seria o que eacute

uma aquisiccedilatildeo violenta

Uma uacuteltima e mais recente via de transformaccedilatildeo da posse injusta em posse justa eacute o

cumprimento da funccedilatildeo social da posse Parte da doutrina busca superar o problema da

ldquoposse eternamente injustardquo considerando que o cumprimento da funccedilatildeo social da

posse pelo possuidor natildeo autorizado demandaria o reconhecimento de que a posse

originariamente injusta teria se transformado em posse justa viabilizando assim a

aquisiccedilatildeo da propriedade pela usucapiatildeo Mas como isso pode ser feito sem uma

descriccedilatildeo preacutevia e objetiva acerca do conteuacutedo da funccedilatildeo social da posse

9 Eacute bem verdade que na aquisiccedilatildeo originaacuteria eacute mais difiacutecil sustentar uma posse justa e de boa-feacute pois como indicado eacute implausiacutevel que na ocupaccedilatildeo natildeo autorizada de um imoacutevel se alegue o desconhecimento de que tal ato contraria direito de outrem Esta eacute uma das dificuldades existentes em torno da compreensatildeo de um dos institutos cujo nuacutemero de estudos eacute proporcional agrave sua ineficaacutecia os paraacutegrafos 4ordm e 5ordm do artigo 1228 do Coacutedigo Civil Tentando decifrar essa ldquoesfingerdquo podem ser citados RENTERIA Pablo ldquoAquisiccedilatildeo da propriedade imobiliaacuteria pela acessatildeo invertida social anaacutelise sistemaacutetica dos paraacutegrafos 4ordm e 5ordm do artigo 1228 do coacutedigo civilrdquo Revista Trimestral de Direito Civil v34 p71-91 2008 TEPEDINO SCHREIBER Anderson ldquoO ornitorrinco juriacutedico por uma aplicaccedilatildeo praacutetica dos sectsect 4ordm e 5ordm do art1228 do coacutedigo civilrdquo In Direito civil e constituiccedilatildeo Satildeo Paulo Atlas 2013 pp267-279 ZAVASCKI Teori ldquoA tutela da posse na constituiccedilatildeo e no projeto do novo coacutedigo civilrdquo In MARTINS-COSTA Judith (Org) A reconstruccedilatildeo do direito privado Satildeo Paulo RT 2002 p843-861

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Colocados os termos das questotildees o objetivo a partir de agora seraacute o de verificar se

essas estrateacutegias satildeo capazes de superar a contradiccedilatildeo existente entre uma posse ldquojustardquo

e o fato de que ela para gerar a usucapiatildeo precisa necessariamente ser uma posse natildeo

autorizada exercida contra os interesses do atual titular

2 Posse justa e de boa-feacute na aquisiccedilatildeo derivada o saneamento na acessio

possessionis

Uma primeira das diversas estrateacutegias utilizadas pelos especialistas para garantir a

pureza (leia-se licitude) da posse ad usucapionem pode ser vislumbrada no caso em

que na aquisiccedilatildeo derivada o sucessor decide natildeo exercer a sua opccedilatildeo de soma do seu

tempo de posse com o do antecessor ndash a chamada acessio possessionis ndash sendo este

um possuidor injusto Ao escolher natildeo realizar a adiccedilatildeo o sucessor singular expurgaria

os viacutecios que a posse traria em funccedilatildeo do modo pelo qual foi obtida10

Isso equivale a dizer que a posse injusta pode se transformar em uma posse justa

apenas pela vontade do beneficiaacuterio de tal modificaccedilatildeo que passaria a poder usucapir

em um conjunto maior de modalidades tendo em vista a interpretaccedilatildeo consolidada de

que eacute preciso ter posse justa para usucapir Mas seraacute que essa interpretaccedilatildeo eacute correta

Mesmo sendo um argumento muito frequente na obra de autores de relevo nadoutrina

nacional11 a ideia de que o sucessor singular pode escolher se a sua posse seraacute justa ou

injusta eacute questionaacutevel sob alguns importantes aspectos

Primeiramente tal possibilidade de saneamento entra em rota de colisatildeo com uma

relevante diretriz da teoria geral do direito civil precisamente aquela por meio da qual

se estabelece que ldquoningueacutem pode transferir mais direitos do que temrdquo (Nemo plus iuris

ad alium transferre potest quam ipse habet) Isto porque se o antecessor tinha posse

injusta ele natildeo pode transmitir uma posse justa diferente portanto da que ele

10 Eacute como entendem SALVO VENOSA Silvio de Direito civil Vol5 ndash direitos reais 11ordfed Satildeo Paulo Atlas 2011 p67 GONCcedilALVES Carlos Roberto Direito civil brasileiro Vol5 ndash direito das coisas 7ordfed Satildeo Paulo Saraiva 2013 p116 CARVALHO SANTOS JM Coacutedigo civil brasileiro interpretado principalmente do ponto de vista praacutetico Vol VII 7ordfed Rio de Janeiro Freitas Bastos 1961 p72 BESSONE Darcy Da posse Satildeo Paulo Saraiva 1996 p209 FARIAS Cristiano Chaves de ROSENVALD Nelson Curso de direito civil cit p125 Segundo os referidos autores quando o sucessor na transmissatildeo inter vivos opta por natildeo adicionar o seu tempo de posse ao do seu antecessor ldquo() sua posse obteraacute a vantagem de exemplificativamente valer-se do justo tiacutetulo de sua posse nova para a contagem do prazo para usucapiatildeo ordinaacuteriardquo Daqui se depreende que os viacutecios de origem foram sanados sob pena de contradiccedilatildeo frente ao entendimento tambeacutem defendido por eles de que a posse injusta soacute gera usucapiatildeo extraordinaacuteria tendo em vista que na ordinaacuteria exige-se o justo tiacutetulo e a boa-feacute (FARIAS Cristiano Chaves ROSENVALD Nelson Curso de direito civil cit p110) 11 Conforme exemplificado na nota anterior

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exerce12 Eacute certo que tal interpretaccedilatildeo depende de acordo em torno do fato de que a

posse eacute um direito seja real ou pessoal pois se a posse for interpretada como um ldquomero

fatordquo13 a proacutepria ideia de transmissatildeo fica prejudicada e em tais condiccedilotildees o possuidor

atual teria sempre uma posse nova e toda a aquisiccedilatildeo da posse seria originaacuteria14 Mas a

doutrina contemporacircnea estaacute harmonizada no entendimento de que a posse eacute um

direito e neste sentido o princiacutepio de que ningueacutem pode transferir mais direitos do

que tem permanece vaacutelido e aplicaacutevel pois a hipoacutetese eacute de transmissatildeo de direitos

Sanar os viacutecios pela transmissatildeo pressupotildee logicamente a existecircncia de posses com

caracteriacutesticas diferentes Se ambas forem de boa ou maacute-feacute a soma natildeo altera as

possibilidades de usucapir do sucessor Mas se a posse do antecessor era de boa-feacute (o

que eacute altamente questionaacutevel se ela tambeacutem natildeo for derivada) e a do sucessor for de

maacute-feacute ele natildeo poderaacute se aproveitar da qualificaccedilatildeo da posse do tradens para ampliar

suas chances de usucapir por um motivo loacutegico a transmissatildeo natildeo eacute capaz de fazer

algueacutem esquecer que tem conhecimento do viacutecio de origem

Tambeacutem seraacute esse o raciociacutenio na situaccedilatildeo oposta sendo de maacute-feacute a anterior a

ldquoacessatildeo soacute ocorreraacute dentro dos limites daquela que tiver menor acircmbitordquo Por isso ldquo()

tratando-se de posses de boa e de maacute-feacute a posse considerada deve ser a de maacute-feacute por

ter menor acircmbitordquo tal qual a soluccedilatildeo preconizada no artigo 1256 do Coacutedigo Civil

portuguecircs em vigor15 e defendida por uma consideraacutevel parte da doutrina daquele

paiacutes16 Eacute certo que se o sucessor tem posse de boa-feacute a junccedilatildeo de sua posse com a do

seu antecessor de maacute-feacute pode ser desvantajosa posto que o prazo da usucapiatildeo

12 CHAMOUN Ebert Direito civil aulas do 4ordm ano proferidas na Faculdade de Direito da Universidade Do Distrito Federal Rio de Janeiro AURORA 1955 p 47 TEPEDINO Gustavo ldquoDireito das coisasrdquo (arts1196-1276)rdquo In AZEVEDO Antocircnio Junqueira (Coord) Comentaacuterios ao coacutedigo civil Vol14 ndash direito das coisas (arts1196-1276) Satildeo Paulo Saraiva 2011 p49 Em harmonia de princiacutepio com tal entendimento foi aprovado em 2011 o enunciado 494 da V Jornada de Direito Civil do CJFSTJ cuja redaccedilatildeo eacute a seguinte ldquoA faculdade conferida ao sucessor singular de somar ou natildeo o tempo da posse de seu antecessor natildeo significa que ao optar por nova contagem estaraacute livre do viacutecio objetivo que maculava a posse anteriorrdquo AGUIAR Jr Ruy Rosado de (Coord) Jornadas de direito civil I III IV e V enunciados aprovados Brasiacutelia Conselho da Justiccedila Federal Centro de Estudos Judiciaacuterios 2012 Disponiacutevel em httpwwwcjfjusbrenunciadosenunciado563 Acesso em 06062016 13 Esta eacute a razatildeo pela qual Carvalho Santos entende que ldquo() a posse [do sucessor singular] comeccedilando na proacutepria pessoa deste natildeo sendo a continuaccedilatildeo da posse daquele a quem havia recebido a coisa natildeo pode participar dos viacutecios que esta possa terrdquo CARVALHO SANTOS JM Coacutedigo civil interpretado cit 1961 p72 14 ALBALADEJO Manuel Derecho civil VolIII ndash derecho de bienes 11ordfed Madrid Edisofer 2010 p77 15 Artigo 1256ordm (Acessatildeo da posse) 1 - Aquele que houver sucedido na posse de outrem por tiacutetulo diverso da sucessatildeo por morte pode juntar agrave sua a posse do antecessor 2 - Se poreacutem a posse do antecessor for de natureza diferente da posse do sucessor a acessatildeo soacute se daraacute dentro dos limites daquela que tem menor acircmbito 16 SANTOS JUSTO A dos Direitos reais 4ordfed Coimbra Coimbra Editora 2012 p201 RODRIGUES Manuel A posse Estudo de direito civil portuguecircs 4ordfed Coimbra Coimbra Editora 1996 p252 LIMA Fernando Andrade Pires de MATOS ANTUNES VARELA Joatildeo de Coacutedigo civil anotado VolIII 3ordfed Coimbra Coimbra Editora 1984 p15 OLIVEIRA ASCENSAtildeO Joseacute de Direito civil ndash reais 5ordfed Coimbra Coimbra Editora 2012 p115

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extraordinaacuteria eacute geralmente mais extenso e eventualmente a adiccedilatildeo seria insuficiente

para alcanccedilaacute-lo17

Mas uma pergunta ainda precisa ser respondida por que motivo o sucessor decidiria

natildeo somar o seu tempo de posse com o seu antecessor Por que razatildeo ele deixaria de

fazer algo que ao menos em princiacutepio o aproximaria do cumprimento dos requisitos

necessaacuterios para usucapir

O motivo mais visiacutevel seria o conhecimento da existecircncia de um viacutecio de origem na

posse do antecessor uma vez descoberta a injusticcedila eou a maacute feacute da posse do

transmitente o sucessor singular optaria por natildeo realizar a soma dos periacuteodos de

exerciacutecio para natildeo ldquocontaminarrdquo a posse que tem Eacute o entendimento exposto por Joseacute

de Oliveira Ascensatildeo

O possuidor pode ter interesse em invocar unicamente a sua posse e

natildeo se valer da do antecessor Isto aconteceraacute sempre que as

caracteriacutesticas da posse anterior impliquem uma qualificaccedilatildeo mais

desfavoraacutevel que natildeo seja compensada pela maior duraccedilatildeo que da

acessatildeo resultaria Assim aconteceraacute em muitos casos quando a posse

anterior for de maacute-feacute e a actual for de boa-feacute18

O problema eacute que se o sucessor inter vivos descarta a acessio com base no

conhecimento de que a posse do antecessor contraria direito alheio ele natildeo poderaacute

alegar que ignora tal fato Eacute o que fica subentendido na passagem acima notadamente

o trecho onde se lecirc ldquo() as caracteriacutesticas da posse anterior impliquem uma

qualificaccedilatildeo mais desfavoraacutevel que natildeo seja compensada pela maior duraccedilatildeo que da

acessatildeo resultariardquo A possibilidade da avaliaccedilatildeo daquilo que eacute mais ou menos

vantajoso soacute tem sentido se o accipiens tem conhecimento dos viacutecios da posse de

origem E se ele dispotildee desse conhecimento mesmo que decida natildeo realizar a acessio

jaacute seraacute possuidor de maacute-feacute Como consequecircncia ele soacute poderia usucapir na modalidade

extraordinaacuteria pois na modalidade ordinaacuteria a posse de boa-feacute eacute expressamente

exigida

Eacute necessaacuterio registrar que a maacute-feacute do accipiens natildeo pode ser presumida razatildeo pela

qual a ldquovaloraccedilatildeo eacutetica de sua condutardquo nesse sentido deve ser provada Eacute mesmo

possiacutevel imaginar que algueacutem com orientaccedilatildeo adequada de um profissional prefira

nem tomar conhecimento da situaccedilatildeo do seu antecessor para natildeo correr o risco de

17 Eacute a criacutetica incisivamente feita por ABREU Abiacutelio Vassalo ldquoA necessidade de uma mudanccedila jurisprudencial em mateacuteria de acessatildeo da posse (Art1256ordm do Coacutedigo Civil)rdquo In Revista da Ordem dos Advogados Lisboa outdez 2012 pp 1247-1322 p1294 18 OLIVEIRA ASCENCcedilAtildeO Joseacute de Direito civil ndash reais cit p115

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incorrer em maacute-feacute e soacute conte com o seu proacuteprio prazo para usucapir Ainda que tal

providecircncia soacute seja plausiacutevel novamente em funccedilatildeo de alguma suspeita de

irregularidade da posse antecedente qualquer questionamento acerca do conhecimento

ou natildeo dos viacutecios diz respeito aos viacutecios subjetivos da posse

De todo modo vecirc-se que a possibilidade de saneamento dos viacutecios objetivos pela natildeo

realizaccedilatildeo da acessio eacute em primeiro lugar tecnicamente questionaacutevel quando

analisada sob o prisma objetivo de que natildeo se pode transmitir mais direitos do que se

tem Jaacute no plano subjetivo a tese de que a opccedilatildeo pela natildeo realizaccedilatildeo da soma natildeo tenha

decorrido do conhecimento dos viacutecios de origem pelo sucessor natildeo eacute criacutevel ainda que

precise ser provada E se isto eacute assim ainda que se entenda que os viacutecios objetivos

tenham sido purgados o pretenso saneamento seria inoacutecuo sendo de maacute-feacute o sucessor

soacute poderaacute usucapir na modalidade extraordinaacuteria Assim ainda que existam boas

razotildees para natildeo realizar a soma das posses isso natildeo aumenta em nada as chances de

usucapir

3 Posse justa e de boa-feacute na aquisiccedilatildeo derivada o caso da posse ldquojusta

poreacutem ilegiacutetimardquo

Sendo a posse um direito eacute possiacutevel que haja questionamento acerca da regularidade

da transmissatildeo todas as normas atinentes agrave nulidade e agrave anulabilidade dos negoacutecios

juriacutedicos incidiriam na hipoacutetese E qual a consequecircncia de uma transmissatildeo feita por

negoacutecio juriacutedico invaacutelido Ela impediria a soma caso o sucessor a desejasse Obstaria a

aquisiccedilatildeo pela usucapiatildeo na modalidade ordinaacuteria

O entendimento de que a falta de uma transmissatildeo vaacutelida impede a acessio posto que

colocaria em xeque a proacutepria existecircncia de um ldquoantecessorrdquo e um ldquosucessorrdquo eacute

solidamente prevalecente na dogmaacutetica e na jurisprudecircncia portuguesa19 onde se o

negoacutecio eacute invaacutelido a adiccedilatildeo de posse eacute incabiacutevel Mas essa exigecircncia soacute tem fundamento

como requisito de uma posse justa por parte do accipiens e no pressuposto de que a do

tradens tambeacutem eacute justa visto que no caso oposto o viacutecio seria transmitido

Mas ainda que o negoacutecio juriacutedico seja invaacutelido haacute sucessor e antecessor ou seja haacute

produccedilatildeo de efeitos mesmo que comprometidos pela invalidade na transmissatildeo E

19 SANTOS JUSTO A dos Direitos reais 4ordfed cit p200 RODRIGUES Manuel A posse Estudo de direito civil portuguecircs cit p252 LIMA Fernando Andrade Pires de MATOS ANTUNES VARELA Joatildeo de Coacutedigo civil anotado VolIII 3ordfed cit p15 OLIVEIRA ASCENSAtildeO Direito civil ndash reais cit p115

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neste caso a posse adquirida eacute derivada razatildeo pela qual a regra que ldquoningueacutem pode

transmitir mais direitos do que temrdquo permanece atuante

Qualquer irregularidade na transmissatildeo soacute pode ter duas consequecircncias a invalidade

do tiacutetulo motivo pelo qual a posse seria injusta ou o questionamento acerca da

caracterizaccedilatildeo do justo tiacutetulo como tal tendo em vista o requisito da usucapiatildeo

ordinaacuteria Usando a terminologia de Manuel A Albaladejo ldquono plano juriacutedicordquo

qualquer que seja a dimensatildeo da incorreccedilatildeo na transmissatildeo o resultado praacutetico seria o

de uma posse injusta visto que ldquono plano faacuteticordquo o sucessor teria de fato os poderes

caracteriacutesticos de um possuidor regular pois age como se fosse o proprietaacuterio que

adquiriu a posse de outrem20

Em tais condiccedilotildees uma eventual invalidade do tiacutetulo natildeo impede a acessio eis que

efetivamente houve uma sucessatildeo no exerciacutecio faacutetico dos poderes inerentes agrave

caracterizaccedilatildeo da posse21 A consequecircncia possiacutevel na hipoacutetese seria a interdiccedilatildeo da via

que leva agrave usucapiatildeo ordinaacuteria mas natildeo por conta da injusticcedila da posse que daiacute

decorreria e sim em razatildeo de um eventual questionamento acerca do cumprimento do

requisito ldquojusto tiacutetulordquo especificamente exigido pelo Coacutedigo Civil brasileiro na

modalidade

Eacute ainda possiacutevel vislumbrar uma posse justa mas ilegiacutetima na aquisiccedilatildeo derivada

porque o caminho do negoacutecio juriacutedico natildeo configura viacutecio mesmo que ele seja

irregular Mas essa leitura pressupotildee uma diferenciaccedilatildeo entre as palavras ldquoviacuteciordquo e

ldquoobstaacuteculordquo na redaccedilatildeo do artigo 1200 do Coacutedigo Civil22 Isto porque se a posse injusta eacute

aquela que foi obtida de modo viciado (violecircncia clandestinidade ou precariedade) e a

posse de boa-feacute eacute aquela onde o possuidor ignora a ocorrecircncia de ldquoviacutecios ou obstaacuteculosrdquo

na sua aquisiccedilatildeo uma diferenciaccedilatildeo entre as duas palavras tambeacutem cria a oportunidade

de visualizaccedilatildeo de uma posse ldquojustardquo ndash por natildeo ter sido obtida por nenhuma das

formas indicadas na redaccedilatildeo do artigo 1200 do Coacutedigo Civil ndash mas de boa-feacute eis que o

possuidor ignora o ldquoobstaacuteculordquo de outro tipo existente em torno da posse que exerce Eacute

um outro caminho pelo qual eacute possiacutevel chegar ao resultado de uma posse justa e boa

para usucapir

20 ALBALADEJO Manuel A Derecho civil VolIII cit 2010 p73 21 ABREU Abiacutelio Vassalo ldquoA necessidade de uma mudanccedila jurisprudencial em mateacuteria de acessatildeo da posse (Art1256ordm do Coacutedigo Civil)rdquo cit p1297 CORDEIRO A Menezes A posse perspectivas dogmaacuteticas actuais 3ordfed Lisboa Almedina 2014 p136 LEITAtildeO MENEZES Luiacutes Manuel Teles de Direitos reais 4ordfed Lisboa Almedina 2013 p138 22 Art 1200 Eacute justa a posse que natildeo for violenta clandestina ou precaacuteria

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Seria esse o caso da posse obtida por meio de um negoacutecio juriacutedico nulo ou anulaacutevel

bem como no da aquisiccedilatildeo a non domino hipoacuteteses nas quais poder-se-ia dizer que natildeo

haacute propriamente ldquoviacuteciordquo mas tampouco uma posse escorreita Por isto alguns

doutrinadores fazem referecircncia a uma posse justa mas ldquoilegiacutetimardquo23 o que permitiria a

aquisiccedilatildeo pela usucapiatildeo ordinaacuteria que tem prazos menores quando comparada a

extraordinaacuteria

Mas aqui parece vigorar um eufemismo pois uma posse ldquojusta poreacutem ilegiacutetimardquo natildeo

altera o fato de que o direito do proprietaacuterio do bem a ser usucapido estaacute sendo

afrontado eis que o objetivo final eacute passar a ser o titular do direito que ele hoje tem Se

a posse eacute ldquoilegiacutetimardquo isso significa que o modo pelo qual ela foi obtida eacute de alguma

forma irregular E se a posse pode ser ldquojusta poreacutem ilegiacutetimardquo isto significa que o fato

dela ser irregular ndash contraacuteria ao direito portanto ndash natildeo eacute um elemento impeditivo da

usucapiatildeo E se a posse pode ser justa permanecer irregular e mesmo assim continuar

ldquoboa para usucapirrdquo para que serve falar de saneamento afinal

4 Questionando a ocorrecircncia dos viacutecios

A usucapiatildeo expressa o caso em que algueacutem perde a titularidade de um bem pelo fato

de que outra pessoa natildeo autorizada permaneceu exercendo posse sobre a coisa durante

um nuacutemero determinado de anos Em tais condiccedilotildees eacute difiacutecil ateacute visualizar como seria

possiacutevel uma ldquoposse justa ad usucapionemrdquo na aquisiccedilatildeo originaacuteria E essa dificuldade

eacute tatildeo grande que autores como Pinto Ferreira24 conceituaram a posse ad usucapionem

como sendo aquela ldquode quem se assenhoreia de uma res nullius defendendo-a mansa e

pacificamente durante o tempo previsto em leirdquo O raciociacutenio eacute desenvolvido tambeacutem

por Pedro Nunes

Do fato da posse nasce o direito agrave prescriccedilatildeo aquisitiva () Para

adquirir por este modo o pretendente toma sempre uma posse

perdida ou abandonada A perda ocorre quando o dono da coisa

manifesta expressa ou tacitamente a intenccedilatildeo de natildeo mais tecirc-la

como sua ou a natildeo ocupa ou a deixa por incuacuteria ou negligecircncia

inteiramente ao abandono por longo espaccedilo de tempo Reputa-se

voluntaacuteria a perda quando o possuidor ou o ausente tendo ciecircncia do

apoderamento por terceiro de sua propriedade conforma-se com a

situaccedilatildeo natildeo procurando reconquistaacute-la25

23 Eacute o caso em BITTAR Carlos Alberto Direitos reais 2ordfed Rio de Janeiro Forense 2011 p41 COELHO Faacutebio Ulhocirca Curso de direito civil Vol4 ndash direito das coisas e direito autoral 3ordfed Satildeo Paulo Saraiva 2010 p38 NASCIMENTO Tupinambaacute Miguel Castro do Posse e propriedade Porto Alegre Livraria do Advogado 1986 p102 24 FERREIRA Luiz Pinto Posse accedilatildeo possessoacuteria e usucapiatildeo 2ordfed Satildeo Paulo Saraiva 1983 p29 25 NUNES Pedro Do usucapiatildeo 4ordfed Rio de Janeiro Freitas Bastos 1984 p27

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Haacute que se concordar para que algueacutem tenha posse de um bem de maneira natildeo

autorizada sem violar o direito de outrem ndash ou seja de forma justa ndash e

simultaneamente exercecirc-la no intuito de se tornar o titular do direito de propriedade

sobre tal coisa eacute preciso que ela natildeo tenha dono

A outra forma em tese seria questionando a proacutepria ocorrecircncia do viacutecio Os

especialistas discutem largamente por exemplo os termos nos quais uma accedilatildeo pode

ser considerada violenta26 o seu emprego para remoccedilatildeo de cercas muros ou tapumes eacute

suficiente para caracterizaccedilatildeo do viacutecio ou apenas o embate fiacutesico com uma pessoa que

resista ao esbulho

Como indicado parte da doutrina27 tem se esforccedilado para encontrar meios de tornar

justa a posse natildeo autorizada com o objetivo de ampliar as chances de usucapir Para

este caso o problema eacute que a ningueacutem parece dada a possibilidade de seriamente

alegar que desconhece que o apossamento natildeo autorizado atraveacutes do qual efetiva sua

posse sobre um bem imoacutevel contraria direito de outrem E tal afirmaccedilatildeo natildeo tem

objetivo de pocircr em questatildeo o fato de que tal apossamento possa ser a uacuteltima via para

obtenccedilatildeo de direitos fundamentais como a moradia e o trabalho

Os conflitos fundiaacuterios urbanos e rurais ocorrem em decorrecircncia da necessidade de

melhor distribuiccedilatildeo do acesso aos direitos de propriedade em grande medida pautados

pelo questionamento acerca do cumprimento e das consequecircncias da natildeo observacircncia

da funccedilatildeo social exigida em cada hipoacutetese Mas mesmo nesses casos o que haacute eacute um

questionamento da manutenccedilatildeo do direito de propriedade em favor daquele que deixa

de efetivamente exercecirc-lo ou o que o faz de modo indevido Natildeo se trata do

desconhecimento acerca do fato de que o apossamento realizado em tais circunstacircncias

confronta o alegado direito de outrem

26 Eacute tradicional o entendimento de que a caracterizaccedilatildeo da violecircncia vai aleacutem do uso da forccedila contra a proacutepria pessoa do possuidor Por todos Caio Maacuterio da Silva Pereira alerta que ldquoPosse violenta (adquirida vi) a que se adquire por ato de forccedila seja ela natural ou fiacutesica seja moral ou resultante de ameaccedilas que incutam na viacutetima seacuterio receio A violecircncia estigmatiza a posse independentemente de exercer-se sobre a pessoa do espoliado ou de preposto seu como ainda do fato de emanar do proacuteprio espoliador ou de terceirordquo (SILVA PEREIRA Caio Maacuterio da Instituiccedilotildees de direito civil VolIV ndash Direitos reais 22ordfed atualizada por Carlos Edison do Rego Monteiro Filho Rio de Janeiro Forense 2009 p21 Atualmente surge a discussatildeo sobre se o emprego da forccedila para remoccedilatildeo de obstaacuteculos como cercas ou tapumes em um imoacutevel abandonado caracterizaria ainda assim a violecircncia da posse Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald consideram que ldquo() natildeo eacute considerada violenta a posse caso o uso da forccedila se justifique para a remoccedilatildeo de obstaacuteculos fiacutesicos para o ingresso em bens abandonados (vg destruiccedilatildeo de cadeados ou supressatildeo de cercas) Pensamos que soacute haacute violecircncia quando o apossamento resulta de uma conduta contraacuteria agrave vontade do possuidor pelo fato de a coisa ser arrebatada de algueacutem que a isso se oponhardquo FARIAS Cristiano Chaves de ROSENVALD Nelson Curso de direito civil cit p106 27 Como visto nos pontos 2 e 3 do presente texto

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Mas haacute uma diferenccedila como indicado no significado da palavra ldquoinjustardquo quando em

referecircncia ao modo como a posse foi obtida e quando em referecircncia ao conteuacutedo da

soluccedilatildeo dada pelo legislador Uma posse pode ser ldquoinjustardquo em um aspecto formal

decorrente do fato de que foi obtida de forma natildeo autorizada mas ldquojustardquo porque de

um lado natildeo vem sendo utilizada pelo proprietaacuterio e de outro representa a

materializaccedilatildeo de direitos fundamentais sociais negligenciados pelo Estado O fato eacute

que justiccedila material da ocupaccedilatildeo de terrenos abandonados por pessoas que natildeo tem

acesso aos direitos de moradia frente agrave proprietaacuterios negligentes natildeo eacute incompatiacutevel

com o reconhecimento de que o apossamento natildeo foi autorizado e neste sentido

formal gera uma posse injusta

Eacute o que ocorre na dramaacutetica situaccedilatildeo dos conflitos fundiaacuterios urbanos em torno da

moradia Em um importante estudo de campo acerca dos conflitos em torno da terra no

Recife de 1978 Joaquim Falcatildeo detectou em sua pesquisa que ldquoOs invasores querem

ser proprietaacuterios Justificam a invasatildeo de propriedade alheia porque sobre o direito de

usar e dispor segundo a livre vontade do proprietaacuterio deve prevalecer o direito de

moradia de todosrdquo28

Bem se vecirc daiacute que o questionamento da legitimidade da propriedade natildeo utilizada

pressupotildee logicamente o conhecimento da sua existecircncia enquanto tal Natildeo se pode

questionar aquilo que se ignora E se natildeo se ignora natildeo eacute possiacutevel afirmar a boa-feacute Por

isto eacute que a alegaccedilatildeo de que ldquonem sempre o apossamento natildeo autorizado vai gerar uma

posse injustardquo natildeo tem funccedilatildeo nenhuma na definiccedilatildeo das chances de usucapir29 Natildeo eacute

28 FALCAtildeO Joaquim ldquoJusticcedila social e justiccedila legal conflitos de propriedade no Reciferdquo In FALCAtildeO Joaquim (org) Invasotildees urbanas ndash conflitos de direito de propriedade 2ordfed Rio de Janeiro FGV Editora 2008 p112-113 29 Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald questionam a injusticcedila do apossamento de um imoacutevel abandonado com um objetivo claro impedir que a tomada natildeo autorizada seja qualificada como esbulho Essa desqualificaccedilatildeo tem uma funccedilatildeo especiacutefica a de interditar a via da reintegraccedilatildeo por parte do proprietaacuterio que natildeo cumpriria o requisito ldquoprova do esbulhordquo tal qual exigido pelo artigo 561do CPC15 Nesse sentido a reflexatildeo dos autores atua mais na dinacircmica processual do conflito do que no acircmbito material dos requisitos para a usucapiatildeo Mas o entendimento de que defendem a necessidade de uma posse justa para usucapir decorre do trecho no qual os autores esclarecem que ldquo() a posse derivada dos atos de violecircncia ou clandestinidade poderaacute gerar usucapiatildeo extraordinaacuteria (art1238 CC) posto natildeo se exigir como requisitos formais ao alcance da propriedade em tal modalidade originaacuteria o justo tiacutetulo e a boa-feacuterdquo (FARIAS Cristiano Chaves de ROSENVALD Nelson Curso de direito civil Vol5 reais 11ordfed Satildeo Paulo Atlas 2015 p110) Como demonstrado a posse de boa-feacute soacute pode ser justa na hipoacutetese em que o bem eacute uma res nullius No que caso em que a ocupaccedilatildeo natildeo se qualifica como esbulho a usucapiatildeo ordinaacuteria eacute impossiacutevel pela ausecircncia de boa-feacute No caso da aquisiccedilatildeo da posse a non domino seria perfeitamente possiacutevel e coerente reconhecer uma posse injusta (se tambeacutem era a do antecessor) e de boa-feacute se o sucessor natildeo tiver conhecimento do viacutecio de origem Nesse sentido a posse injusta natildeo impediria a usucapiatildeo em nenhuma modalidade e se manteria a coerecircncia interna ante a ideia de que toda posse ad usucapionem eacute necessariamente natildeo autorizada e contraacuteria aos interesses do titular do direito a ser usucapido Por tudo isso eacute possiacutevel reconhecer que tambeacutem os citados autores entendem equivocadamente que a justiccedila da posse amplia as modalidades da usucapiatildeo disponiacuteveis

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de boa-feacute a posse daqueles que ocupam imoacutevel alheio sem autorizaccedilatildeo do proprietaacuterio30

pois por mais que o apossamento seja moralmente justificaacutevel os possuidores natildeo

ignoram o fato de que o bem eacute de outra pessoa E se isto eacute assim a modalidade

disponiacutevel de usucapiatildeo no caso seria a extraordinaacuteria Natildeo pelo caraacuteter injusto da

posse e sim pelo fato dela ser exercida sem justo tiacutetulo e boa-feacute

Nessa linha a tese aqui defendida mostra a sua coerecircncia eacute possiacutevel questionar se o

apossamento configura efetivamente um esbulho31 mas natildeo o fato de que numa ou

noutra hipoacutetese natildeo se ignora que o direito de outrem estaacute sendo afrontado com a

efetivaccedilatildeo da posse natildeo autorizada

30 Este eacute justamente um dos pontos apontados pela doutrina para o fracasso da efetividade da hipoacutetese de aquisiccedilatildeo prevista no artigo 1228 sectsect 4ordm e 5ordm do Coacutedigo Civil Algueacutem pode dizer seriamente que a posse dessas pessoas por mais legiacutetima que possa ser eacute de boa-feacute no sentido de que se ignora que o ato entra em rota de colisatildeo com o direito de outrem Em um dos raros casos nos quais a hipoacutetese foi aplicada sob o nome de ldquodesapropriaccedilatildeo privadardquo os magistrados entenderam que a boa-feacute ldquo() entendida como posse justa natildeo violenta natildeo clandestina ou precaacuteriardquo estava presente no caso concreto em anaacutelise tendo em vista que ldquoAs guias de IPTU juntada (sic) aos autos ldquo() atestam a boa-feacute do recorrido jaacute que o proacuteprio Municiacutepio o reconhecia como proprietaacuterio da aacutereardquo Tribunal de Justiccedila de Minhas Gerais Apelaccedilatildeo Ciacutevel nordm 1028408009185-3005 Rel Des Rogeacuterio Coutinho J 11032015 publicado em 20032015 Disponiacutevel em httpwww5tjmgjusbrjurisprudenciapesquisaPalavrasEspelhoAcordaodoampnumeroRegistro=9amptotalLinhas=48amppaginaNumero=9amplinhasPorPagina=1amppalavras=2522desapropriaE7E3o20judicial2522amppesquisarPor=acordaoamppesquisaTesauro=trueamporderByData=1ampreferenciaLegislativa=Clique20na20lupa20para20pesquisar20as20referEAncias20cadastradasamppesquisaPalavras=Pesquisaramp Acesso em 10012016 31 A reflexatildeo sobre o conceito de ldquoesbulhordquo jaacute vem sendo feita pela doutrina mais progressista Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald fazem esse debate no seu manual precisamente no ponto jaacute citado em que consideram que o apossamento natildeo autorizado de um imoacutevel abandonado gera uma posse justa Eacute uma outra forma de dizer que esse ato natildeo configura esbulho Nesse caminho criacutetico do conceito tradicional existem estudos importantes (como os existentes em STROZAKE Juvelino Joseacute (Org) Questotildees agraacuterias ndash julgados comentados e pareceres Satildeo Paulo Meacutetodo 2002 principalmente os artigos de Roberto Delmanto Jr pp167-182 Antonio Scarance Fernandes pp293-310 e Dyrceu Aguiar Cintra Dias Jr pp 219-230) O debate tambeacutem jaacute chegou aos tribunais No STJ a decisatildeo de referecircncia sobre o tema estaacute no HC 4399SP No voto do Min Luiz Vicente Cernicchiaro o magistrado explicita as razotildees pelas quais concede o HC em favor dos integrantes do MST ldquoNo esbulho possessoacuterio o agente dolosamente investe contra a propriedade alheia a fim de usufruir um de seus atributos (uso) ou alterar os limites do domiacutenio para enriquecimento sem causa No caso dos autos ao contraacuterio diviso pressatildeo social para concretizaccedilatildeo de um direito (pelo menos-interesse) No primeiro caso contraste de legalidade compreende aspectos material e formal No segundo substancialmente natildeo haacute iliacutecito algumrdquo Superior Tribunal de Justiccedila HC nordm4399-SP Luiz Vicente Cernicchiaro Voto Vogal p02 Rel Min William Patterson julgado em 12031996 DJ 08041996 p10491 Disponiacutevel em lthttpwwwstjjusbrSCONjurisprudenciatocjspprocesso=4399ampampb=ACORampthesaurus=JURIDICOampp=truegt Acesso em 13022014 No acircmbito da accedilatildeo de reintegraccedilatildeo de posse movida pelo Governo de Satildeo Paulo contra a ocupaccedilatildeo das escolas estaduais realizada pelos estudantes secundaristas ndash como forma de protesto contra o plano de reorganizaccedilatildeo escolar empreendido pelo Governo daquele Estado ndash o Tribunal de Justiccedila considerou que ldquoNatildeo se antevecirc em suma o animus possidendi ou o animus rem sibi habendi autorizantes do tratamento possessoacuterio da mateacuteria mas antes expressotildees de desobediecircncia civil frente agrave autecircntica violecircncia ciacutevica de que se consideram viacutetimas os manifestantesrdquo E ainda ldquo() natildeo haacute nessa narrativa e nem nos autos qualquer evidecircncia que a entidade sindical queira de modo ilegal apropriar-se dos bens puacuteblicos referidos no recurso tecircm-se que como todos reconhecemos durante a sessatildeo de julgamento a absoluta inadequaccedilatildeo da pretendida proteccedilatildeo possessoacuteria e portanto o tangenciamento da carecircncia da accedilatildeo por falta de interesse de agirrdquo Tribunal de Justiccedila ndash SP Agravo de Instrumento nordm2243232-252015826000 7ordf Cacircmara de Direito Puacuteblico Rel Min Coimbra Schmidt Julgado em 23112015 Disponiacutevel em lthttpsesajtjspjusbrcposgshowdoprocessoforo=990ampprocessocodigo=RI0032WUQ0000gt Acesso em 25112015

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Esse eacute afinal o ponto relevante para definiccedilatildeo da posse apta a gerar a usucapiatildeo pois a

hipoacutetese que ora se desenvolve eacute a de que toda posse ad usucapionem eacute sempre e

necessariamente uma posse injusta sendo capaz de viabilizar a usucapiatildeo tanto

extraordinaacuteria quanto a ordinaacuteria Eacute perfeitamente possiacutevel que o sucessor na posse

natildeo tenha conhecimento da maacutecula que existiu na sua aquisiccedilatildeo pelo antecessor

hipoacutetese na qual teria posse injusta em funccedilatildeo da transmissatildeo do viacutecio com justo tiacutetulo

e boa-feacute Como a ldquoposse injustardquo em sentido formal eacute o mesmo que ldquoposse natildeo

autorizadardquo natildeo haveria impedimento em usucapir na modalidade ordinaacuteria

5 A influecircncia do tempo no saneamento dos viacutecios da posse

As estrateacutegias de saneamento tecircm como objetivo transformar uma posse inicialmente

injusta em uma posse justa no pressuposto de que tal requisito eacute imprescindiacutevel para

que se possa usucapir Mas tais estrateacutegias satildeo tatildeo amplas e variadas que o saneamento

se torna praticamente inevitaacutevel para uma parte da doutrina a simples manutenccedilatildeo da

posse pelo curto periacuteodo de 1 ano faz com que ela perca o viacutecio de origem e se torne

apta a viabilizar a usucapiatildeo

Esta interpretaccedilatildeo eacute decorrente de uma leitura muito particular da norma processual

que reserva a tutela liminar para os casos nos quais a posse tenha sido perdida haacute

menos de ano e dia32 Trata-se da diferenccedila entre a chamada ldquoposse novardquo e a ldquoposse

velhardquo Se a posse do esbulhador estiver sendo exercida haacute mais de 1 ano o esbulhado

perde a possibilidade de uma reintegraccedilatildeo liminar pois trata-se de uma ldquoposse velhardquo

Isto natildeo impede que o esbulhado obtenha uma medida mais ceacutelere mas ele precisaria

utilizar a via da tutela antecipada prevista no artigo 273 do CPC73 e que hoje como

espeacutecie do gecircnero tutela de urgecircncia tem o seu conteuacutedo regulado pelos artigos 294-

311 do CPC1533 De uma maneira geral o esbulhado precisaria de provas mais robustas

de que seu direito foi violado Vecirc-se que o tempo de exerciacutecio da posse pelo esbulhador

tem reflexo na dinacircmica processual da retomada mas natildeo na qualificaccedilatildeo da posse em

disputa que continua sendo injusta

32 Art 924 Regem o procedimento de manutenccedilatildeo e de reintegraccedilatildeo de posse as normas da seccedilatildeo seguinte quando intentado dentro de ano e dia da turbaccedilatildeo ou do esbulho passado esse prazo seraacute ordinaacuterio natildeo perdendo contudo o caraacuteter possessoacuterio 33 No CPC15 a tutela cautelar ndash pautada no fumus boni iuris e periculum in mora ndash e a tutela antecipada ndash baseada em verossimilhanccedila do que eacute alegado fundado receio de dano ou abuso do direito de defesa ndash foram reunidas em torno da tutela provisoacuteria nos seguintes termos Art294 A tutela provisoacuteria pode fundamentar-se em urgecircncia ou evidecircncia Paraacutegrafo uacutenico A tutela provisoacuteria de urgecircncia cautelar ou antecipada pode ser concedida em caraacuteter antecedente ou incidental Os requisitos para tais medidas em muito semelhantes aos termos do CPC revogado de uma maneira geral estatildeo regulados como indicado entre os artigos 294 e 311

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Poreacutem uma parte importante da doutrina civiliacutestica brasileira interpreta as diferenccedilas

estabelecias pelo direito processual como uma outra estrateacutegia de saneamento

decorrente da simples passagem do tempo O pensamento eacute o de que se reintegraccedilatildeo

liminar natildeo eacute mais possiacutevel isso significa que a posse inicialmente injusta se

transformou em posse justa Este entendimento eacute adotado por doutrinadores como por

exemplo Maria Helena Diniz que indica expressamente ldquo() se o adquirente a tiacutetulo

clandestino ou violento provar que sua clandestinidade ou violecircncia cessaram haacute mais

de ano e dia sua posse passa a ser reconhecida convalescendo-se dos viacutecios que a

maculavamrdquo34

Tal interpretaccedilatildeo eacute criticaacutevel porque o fato do possuidor esbulhado ter que fazer uma

prova mais consistente do seu direito para que obtenha a tutela antecipada natildeo

significa que a posse do esbulhador tenha passado a ser justa Significa apenas que

tendo em vista que o momento do esbulho natildeo eacute mais tatildeo niacutetido a prova para a

retomada da posse deve ser mais substancial para que a tutela seja concedida Mas o

apossamento natildeo autorizado ocorreu

Da mesma forma quando se tem em conta que natildeo haacute nenhuma modalidade de

usucapiatildeo com menos de 1 ano todas as vezes que o possuidor tiver superado tal prazo

o viacutecio teraacute sido expurgado razatildeo pela qual natildeo haveria hipoacutetese de possuidor com

tempo suficiente para usucapir que jaacute natildeo teria passado pelo ldquomarco saneadorrdquo35

Ainda entre os especialistas brasileiros Silvio Rodrigues36 defendeu a tese de que apoacutes

ano e dia de exerciacutecio da posse pelo esbulhador o possuidor esbulhado perderia o

direito de retomaacute-la pela via possessoacuteria cabendo apenas a accedilatildeo reivindicatoacuteria com

base no tiacutetulo Tal impossibilidade seria reflexo de que a posse inicialmente injusta pela

aquisiccedilatildeo violenta teria passado a ser justa tendo em vista a passagem do prazo

34 DINIZ Maria Helena Curso de direito civil brasileiro Vol4 ndash direito das coisas 26ordfed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p78 O posicionamento eacute tambeacutem encampado entre outros por NEDER Natal Usucapiatildeo de imoacuteveis 3ordfed Rio de Janeiro Forense 1989 p19 35 Tambeacutem por isso parece curiosa a hipoacutetese de saneamento pela passagem do tempo vislumbrada por COELHO Faacutebio Ulhocirca Curso de direito civil Vol4 ndash direito das coisas cit p39 ldquoA posse soacute deixa de ser violenta se o antigo possuidor natildeo se interessa pela retomada do bem ou natildeo obtendo sucesso no exerciacutecio do desforccedilo imediato desiste da luta Desaparecendo a violecircncia nesse caso a posse se torna justa () Em suma o desinteresse do desapossado em defender a sua posse descaracteriza a origem viciada da do novo possuidorrdquo De acordo com tal raciociacutenio todas as vezes que o possuidor tiver posse ad usucapionem pelo tempo necessaacuterio para usucapir a posse injusta teraacute se transformado em posse justa E se isso eacute assim para que serve o exame dos viacutecios objetivos 36 RODRIGUES Silvio Direito civil Vol5 ndash direito das coisas 28ordfed Satildeo Paulo Saraiva 2009 p25-27

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O raciociacutenio de Silvio Rodrigues parece uma meacutelange da soluccedilatildeo positivada em alguns

sistemas estrangeiros como vg no direito espanhol e no direito portuguecircs O

problema eacute que aqui ao contraacuterio do que ocorre nos ordenamentos dos dois maiores

paiacuteses da Peniacutensula Ibeacuterica natildeo haacute nenhuma disposiccedilatildeo normativa que ampare tal

interpretaccedilatildeo Em Portugal e na Espanha o decurso do prazo de um ano tem

primeiramente uma funccedilatildeo especiacutefica a de decretar o momento da perda da posse por

parte do possuidor esbulhado37 Eacute o mesmo raciociacutenio que no Brasil sustenta a previsatildeo

do artigo 122438 onde ainda que sem uma referecircncia objetiva de tempo eacute possiacutevel

verificar que o possuidor esbulhado natildeo perde o seu direito de posse no exato momento

em que ocorre a perda no plano faacutetico A funccedilatildeo dessa ficccedilatildeo39 tanto laacute quanto caacute

tambeacutem eacute a mesma garantir que natildeo haja soluccedilatildeo de continuidade no exerciacutecio da

posse quando intervalos intermitentes ocorrem40

De se ressaltar ainda que no ordenamento portuguecircs assim como no direito espanhol

o prazo de 1 ano corresponde tambeacutem agrave ldquocaducidaderdquo das accedilotildees de reintegraccedilatildeo ou

manutenccedilatildeo de posse41 Como o possuidor esbulhado natildeo pode mais utilizar tais accedilotildees

a interdiccedilatildeo da via possessoacuteria gera consequecircncias na compreensatildeo da manutenccedilatildeo dos

viacutecios No direito espanhol natildeo sem polecircmica o prazo de 1 ano de exerciacutecio da posse

pelo esbulhador configura hipoacutetese na qual ldquoel transcurso del tiempo sirve para

subsanar este vicio posesoriordquo42

37 Coacutedigo Civil espanhol ldquoArtiacuteculo 460 El poseedor puede perder su posesioacuten () 4 Por la posesioacuten de otro aun contra la voluntad del antiguo poseedor si la nueva posesioacuten hubiese durado maacutes de un antildeordquo Coacutedigo Civil portuguecircs ldquoArtigo 1267ordm (Perda da posse) 1 O possuidor perde a posse () d) Pela posse de outrem mesmo contra a vontade do antigo possuidor se a nova posse houver durado mais de um anordquo 38 Art 1224 Soacute se considera perdida a posse para quem natildeo presenciou o esbulho quando tendo notiacutecia dele se absteacutem de retornar a coisa ou tentando recuperaacute-la eacute violentamente repelido 39 No direito espanhol a doutrina diverge acerca do momento em que tem iniacutecio a posse do esbulhador Haacute quem entenda que a posse do esbulhador soacute tem iniacutecio apoacutes o prazo de 1 ano RODRIGUEZ-CANO Rodrigo Bercovitz Manual de derecho civil ndash derechos reales Madrid Bercal 2013 p77) Outros consideram que coexistem desde o iniacutecio duas posses sobre o bem posse de fato exercida pelo esbulhador e a posse de direito que ateacute o transcurso do prazo permanece na titularidade do esbulhado LOacutePEZ y LOacutePEZ Aacutengel M FERNANDEZ Rosario Valpuesta et all Derecho civil patrimonial Vol II Valencia Tirant lo Blanch 2014 p97 40 TEPEDINO Gustavo Comentaacuterios ao coacutedigo civil cit p192 DIacuteEZ-PICAZO Luis GULLOacuteN Antonio Sistema de derecho civil VolIII Tomo I (derechos reales en general) 8ordfed Madrid Tecnos 2013 p116 41 CORDEIRO Antoacutenio Menezes A posse perspectivas dogmaacuteticas actuais cit p112 SANTOS JUSTO A dos Direitos Reais 4ordfed cit p218 LOacutePEZ PAacuteSARO Eduardo Tutela Sumaria de la Posesioacuten (Interdicto de recobrar) Madrid Dykinson 2014 p187 O artigo 1282 do Coacutedigo Civil portuguecircs indica que ldquoA acccedilatildeo de manutenccedilatildeo bem como as de restituiccedilatildeo da posse caducam se natildeo forem intentadas dentro do ano subsequente ao acto da turbaccedilatildeo ou do esbulho ou ao conhecimento dele quando tenha sido praticado a ocultasrdquo Jaacute o diploma civil espanhol preceitua no seu artigo 19681 do Coacutedigo Civil espanhol ldquo Artiacuteculo 1968 Prescriben por el transcurso de un antildeo 1La accioacuten para recobrar o retener la posesioacutenrdquo 42 RODRIGUEZ-CANO Rodrigo Bercovitz Manual de derecho civil ndash derechos reales cit p73 No mesmo sentido ALBALADEJO Manuel A Derecho civil VolIII cit p63 DIacuteEZ-PICAZO Luis Fundamentos del derecho civil patrimonial VolIII las relaciones juriacutedico-reales el registro de la propiedad la posesioacuten 5ordfed Madrid Civitas 2008 p689

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Jaacute no direito portuguecircs o Coacutedigo Civil eacute expresso acerca da possibilidade de

saneamento dos viacutecios43 e a doutrina encampa unanimemente o entendimento de que

a posse eacute violenta ndash portanto injusta ndash apenas no tempo de duraccedilatildeo de seus efeitos44

Ou seja a posse violenta clandestina ou precaacuteria perde a condiccedilatildeo de viciosa no exato

instante em que se estabiliza Apoacutes a cessaccedilatildeo da violecircncia a posse passa a ser

perfeitamente apta a gerar a usucapiatildeo45

Mas ideia de que a posse eacute injusta apenas enquanto houver violecircncia ou

clandestinidade ao contraacuterio do direito luso natildeo tem respaldo no ordenamento

brasileiro apesar de ser defendida por nomes como os de Lenine Nequete46 e Arnoldo

Wald47 O artigo 1208 do Coacutedigo Civil alocado no capiacutetulo referente agrave aquisiccedilatildeo da

posse dispotildee claramente que ldquoNatildeo induzem posse os atos de mera permissatildeo ou

toleracircncia assim como natildeo autorizam a sua aquisiccedilatildeo os atos violentos ou clandestinos

senatildeo depois de cessar a violecircncia ou a clandestinidaderdquo Ou seja aqui enquanto a

violecircncia estiver sendo empregada natildeo haacute posse Apoacutes a sua cessaccedilatildeo a posse advinda

de tais atos eacute posse mas posse injusta48

Natildeo haacute duacutevida portanto de que o prazo de ldquoano e diardquo tem uma funccedilatildeo importante No

direito espanhol o prazo serve como marco da perda da posse da impossibilidade de

utilizaccedilatildeo das accedilotildees possessoacuterias e de saneamento dos viacutecios objetivos No direito

portuguecircs serve igualmente de referecircncia para identificaccedilatildeo do momento de perda da

posse e da caducidade da via possessoacuteria ao passo que os viacutecios satildeo considerados

sanados apoacutes a cessaccedilatildeo de seus efeitos

Em ambos os ordenamentos o expurgo dos viacutecios pela passagem do tempo tem

respaldo normativo ainda que as criacuteticas anteriormente feitas a este raciociacutenio no

direito brasileiro tambeacutem sejam aplicaacuteveis a tais sistemas natildeo havendo tambeacutem neles

nenhuma modalidade de usucapiatildeo com menos de 1 ano a ideia do saneamento da

43 Artigo 1297ordm (Posse violenta ou oculta) Se a posse tiver sido constituiacuteda com violecircncia ou tomada ocultamente os prazos da usucapiatildeo soacute comeccedilam a contar-se desde que cesse a violecircncia ou a posse se torne puacuteblica 44 Por todos CARVALHO Orlando de Direito das coisas Coimbra Coimbra Editora 2012 p283 45 FRANCcedilA PITAtildeO Joseacute Antoacutenio de Posse e usucapiatildeo Lisboa Almedina 2007 p74 FERREIRA Durval Posse e usucapiatildeo 3ordfed Lisboa Almedina 2008 p319 OLIVEIRA ASCENCcedilAtildeO Joseacute de Direito civil ndash reais cit p116 46 NEQUETE Lenine Da prescriccedilatildeo aquisitiva (usucapiatildeo) Porto Alegre Ediccedilatildeo Sulina 1954 p80 47 WALD Arnoldo Direito Civil direito das coisas Vol4 Satildeo Paulo Saraiva 2011 pp103-104 48 Segundo esclarece Joseacute Carlos Moreira Alves ldquo() para o Coacutedigo Civil brasileiro () enquanto materialmente existentes ndash ou seja enquanto se pratica a violecircncia ou haacute clandestinidade ndash impedem [tais viacutecios] a aquisiccedilatildeo ateacute da possessio ad interdicta havendo apenas detenccedilatildeo independente e uma vez cessados em sua materialidade surge a posse embora qualificada como injusta que produz as consequecircncias de qualquer posse injustardquo MOREIRA ALVES Joseacute Carlos ldquoA detenccedilatildeo no direito civil brasileiro (conceito e casos)rdquoIn CAHALI Yussef Said Posse e propriedade doutrina e jurisprudecircncia Satildeo Paulo Saraiva 1987 p20

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mesma forma que aqui natildeo tem funccedilatildeo nenhuma porque sempre que o usucapiente

tiver prazo para usucapir os viacutecios teratildeo deixado de existir

De se ressaltar ainda que o proacuteprio Silvio Rodrigues reconheceu que a sua tese natildeo

tinha fundamento legal Na nota de rodapeacute 28 do seu livro ldquoDireito das Coisasrdquo49 o

autor demonstrou que entendia que o Coacutedigo de Processo Civil de 1939 tinha extirpado

a ldquoaccedilatildeo de forccedila velha expoliativardquo do ordenamento brasileiro razatildeo pela qual para o

possuidor de mais de 1 ano e dia caberia apenas a via petitoacuteria o que sanearia o viacutecio na

aquisiccedilatildeo Isto porque segundo sua interpretaccedilatildeo ldquoBasta que ela [a posse] se estenda

pacificamente ou publicamente durante o intervalo de ano e dia para que fique

purgada de seus defeitosrdquo50 Mas o proacuteprio autor admitiu ao final da nota de rodapeacute

28 que o CPC de 73 ldquoextirpou a duacutevidardquo que poderia existir em torno da possibilidade

de accedilatildeo de reintegraccedilatildeo com mais de 1 ano e dia do esbulho que ldquomesmo intentadas

apoacutes o intervalo de ano e dia natildeo perdem o seu caraacuteter acessoacuteriordquo51 Mesmo criticando

a soluccedilatildeo do CPC reconhece que ldquo() a vontade do legislador manifestada de forma

irrefutaacutevel que deve prevalecerrdquo52 Fica claro portanto que natildeo haacute fundamento legal

para a tese de que a posse injusta se transforma em posse justa apoacutes ano e dia

6 Saneamento pelo cumprimento da funccedilatildeo social

Alguns estudos mais recentes tecircm indicado que os viacutecios objetivos da posse podem ser

considerados sanados uma vez constatado o cumprimento da funccedilatildeo social por parte do

esbulhador53

Mas o saneamento pelo cumprimento da funccedilatildeo social da posse pode ser

primeiramente criticado por que natildeo haacute qualquer dispositivo normativo em vigor no

ordenamento juriacutedico brasileiro que defina o que eacute e qual eacute o conteuacutedo da funccedilatildeo social

da posse A doutrina tem buscado dar substacircncia ao princiacutepio pela conexatildeo que

tradicionalmente eacute feita entre funccedilatildeo social da posse e a efetivaccedilatildeo de direitos

fundamentais como os de moradia e trabalho

49 RODRIGUES Silvio Direito civil Vol5 ndash direito das coisas cit p30 50 RODRIGUES Silvio Direito civil Vol5 ndash direito das coisas cit p30 51 O CPC15 eacute claro acerca do caraacuteter possessoacuterio da accedilatildeo proposta apoacutes o prazo de ldquoano e diardquo Art558 Regem o procedimento de manutenccedilatildeo e de reintegraccedilatildeo de posse as normas da Seccedilatildeo II deste Capiacutetulo quando a accedilatildeo for proposta dentro de ano e dia da turbaccedilatildeo ou do esbulho afirmado na peticcedilatildeo inicial Paraacutegrafo uacutenico Passado o prazo referido no caput seraacute comum o procedimento natildeo perdendo contudo o caraacuteter possessoacuterio 52 RODRIGUES Silvio Direito civil Vol5 ndash direito das coisas cit p30 nota28 53 MELO Marco Aureacutelio Bezerra de Curso de direito civil Vol5 ndash direito das coisas 2015 p73 FARIAS Cristiano Chaves de ROSENVALD Nelson Curso de direito civil Vol5 ndash reais cit p119

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Eacute possiacutevel tentar extrair essa conexatildeo da relaccedilatildeo entre posse e propriedade

considerando que a propriedade deve cumprir a funccedilatildeo social a posse tambeacutem deve ser

lida como subordinada a tal princiacutepio Mas se a funccedilatildeo social da propriedade eacute em

grande medida a ldquofunccedilatildeo social da posse exercida pelo proprietaacuteriordquo54 seraacute viaacutevel dizer

que o contraacuterio tambeacutem eacute verdadeiro Um possuidor de uma aacuterea de grande extensatildeo

de terra na zona rural estaacute obrigado a cumprir os mesmos preceitos direcionados ao

proprietaacuterio estabelecidos no artigo 184 da Constituiccedilatildeo E qual seria a consequecircncia

do descumprimento desse conteuacutedo por parte de quem eacute apenas o possuidor E no caso

da posse urbana qual o conteuacutedo a ser cumprido para que a funccedilatildeo social seja

contemplada

A falta de uma definiccedilatildeo sobre o conteuacutedo objetivamente definido para a funccedilatildeo social

da posse prejudica enormemente a sua utilizaccedilatildeo como criteacuterio para avaliaccedilatildeo do o

expurgo dos viacutecios objetivos Aleacutem de desnecessaacuteria a possibilidade do saneamento

atraveacutes de um princiacutepio tatildeo ldquomaleaacutevelrdquo tem como consequecircncia o seu reconhecimento

em um sem nuacutemero de situaccedilotildees tatildeo diacutespares que fica difiacutecil enxergar em que

circunstacircncia qualquer exerciacutecio regular da posse natildeo o atenderia

Nos tribunais fala-se em cumprimento da funccedilatildeo social quando a posse de um terreno eacute

utilizada para criaccedilatildeo de galinhas55 quando mesmo sem comprovar o tempo

necessaacuterio o possuidor prova que construiu lojas e quitinetes no imoacutevel que pretendia

usucapir56 ou ainda quando o imoacutevel a ser usucapido foi utilizado como garagem e aacuterea

de lazer durante o lapso temporal necessaacuterio agrave usucapiatildeo57

54 DANTAS Marcus Eduardo de Carvalho ldquoDa funccedilatildeo social da propriedade agrave funccedilatildeo social da posse exercida pelo proprietaacuterio ndash uma proposta de releitura do princiacutepio constitucionalrdquo RIL ndash Revista de Informaccedilatildeo Legislativa ano 52 n 205 p23-38 Mar 2015 p34 DANTAS Marcus Eduardo de Carvalho ldquoFunccedilatildeo social nos conflitos fundiaacuteriosrdquo Revista Direito GV Satildeo Paulo v9 n 2 p465-488 Dec 2013 p479 55 Tribunal de Justiccedila do Rio de Janeiro Apelaccedilatildeo nordm 0003045-5320028190061 Rel Des Gilda Maria

Dias Carrapatoso Julgamento 31072013 13ordf Cacircmara Ciacutevel Disponiacutevel em

httpwww1tjrjjusbrgedcachewebdefaultaspxUZIP=1ampGEDID=0004CC331928D8D3A72C15733D

069BD44D8BC50237206304 Acesso em 12032015 56 Tribunal de Justiccedila do Rio de Janeiro Apelaccedilatildeo nordm 0034331-2420108190205 Rel Des Andreacute

Ribeiro Julgamento 05062013 7ordf Cacircmara Ciacutevel Disponiacutevel em

httpwww1tjrjjusbrgedcachewebdefaultaspxUZIP=1ampGEDID=000421376D950C28F7B805418EE

F244E6857C5022B4D2D4CAcesso em 12032015 57 Tribunal de Justiccedila do Rio de Janeiro Apelaccedilatildeo nordm 0096918-8820058190001 Rel Des Antocircnio

Saldanha Palheiro Julgamento 12042011 5ordf Cacircmara Ciacutevel Disponiacutevel em

httpwww1tjrjjusbrgedcachewebdefaultaspxUZIP=1ampGEDID=0003FDB81056920E5F12D511F73

43C44001098C403252532 Acesso em 12032015

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Natildeo se trata aqui de uma avaliaccedilatildeo moral acerca daquilo que deve ou natildeo ser

considerado como o conteuacutedo da funccedilatildeo social A questatildeo eacute que sem um conteuacutedo bem

especificado a funccedilatildeo social deixa de ser um mecanismo de qualificaccedilatildeo da posse ela

natildeo tem serventia alguma como mecanismo de diferenciaccedilatildeo Se a utilizaccedilatildeo de um

terreno como garagem e lazer corresponde ao exerciacutecio da posse com funccedilatildeo social em

que circunstacircncia o exerciacutecio puro e simples da posse natildeo corresponderia a tal

princiacutepio Basta natildeo realizar uma atividade iliacutecita para cumprir a funccedilatildeo social da

posse Qual a diferenccedila entre ldquoter posserdquo e ldquoter posse com funccedilatildeo socialrdquo

A segunda linha de criacutetica se orienta pelo fato de que nem todas as modalidades de

usucapiatildeo existentes no ordenamento brasileiro tecircm uma conexatildeo visiacutevel com os temas

tradicionalmente considerados como caracteriacutesticos da funccedilatildeo social A usucapiatildeo

extraordinaacuteria prevista no caput do artigo 1238 do Coacutedigo Civil58 por exemplo natildeo

exige do possuidor que exerccedila a posse com fins de moradia tampouco que utilize o

imoacutevel como fonte de trabalho Isso mostra que o Coacutedigo diferencia as situaccedilotildees nas

quais a posse eacute exercida como meio de efetivaccedilatildeo dos direitos tradicionalmente

afinados com uma ideia geral de funccedilatildeo social e aquelas nas quais a posse eacute exercida

regularmente mas sem tal qualificaccedilatildeo especial Em tais condiccedilotildees o entendimento de

que a injusticcedila original da posse pode ser sanada pelo cumprimento da funccedilatildeo social

para a usucapiatildeo em geral ficaria ainda uma vez sem sentido pois o diploma civil natildeo

exige que a posse seja exercida como moradia ou fonte de trabalho em todas as

modalidades da usucapiatildeo

7 O ldquoteste do uso incompatiacutevelrdquo e a funccedilatildeo da posse injusta na usucapiatildeo

Apesar de todo esforccedilo doutrinaacuterio na defesa de formas pelas quais a posse injusta pode

deixar para traacutes o seu viacutecio de origem a doutrina tem um posicionamento tatildeo soacutelido

quanto incoerente acerca do viacutecio da precariedade o de que ele natildeo convalesce nunca

O entendimento eacute defendido por quase59 a totalidade dos especialistas sob o

58 Art 1238 Aquele que por quinze anos sem interrupccedilatildeo nem oposiccedilatildeo possuir como seu um imoacutevel adquire-lhe a propriedade independentemente de tiacutetulo e boa-feacute podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentenccedila a qual serviraacute de tiacutetulo para o registro no Cartoacuterio de Registro de Imoacuteveis Paraacutegrafo uacutenico O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-aacute a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imoacutevel a sua moradia habitual ou nele realizado obras ou serviccedilos de caraacuteter produtivo

59 Francisco Eduardo Loureiro eacute uma boa exceccedilatildeo agrave leitura predominante Nesse sentido ldquoDiz-se que a posse precaacuteria nunca gera usucapiatildeo Na verdade eacute ela imprestaacutevel para usucapiatildeo natildeo porque eacute injusta mas porque o precarista natildeo tem animus domini uma vez que reconhece a supremacia e o melhor direito do terceiro sobre a coisa Caso poreacutem natildeo reconheccedila ou deixe de reconhecer essa posiccedilatildeo e revele isso de modo inequiacutevoco e claro ao titular do domiacutenio para que este possa reagir e retomar a coisa nasce nesse momento o prazo para usucapiatildeo porque o requisito animus domini estaraacute entatildeo presente LOUREIRO Francisco Eduardo ldquoDireito das coisas (arts 1196-1510)rdquo In PELUSO Cezar (Coord) Coacutedigo civil interpretado Satildeo Paulo Manole 2008 p1092-1093

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argumento de que o descumprimento do dever de restituiccedilatildeo do bem soacute deixa de existir

quando a coisa eacute devolvida Enquanto o bem permanece com o esbulhador a posse

permanece injusta e nenhuma das taacuteticas anteriormente analisadas seria suficiente

para modificar tal condiccedilatildeo

Trata-se de uma interpretaccedilatildeo no miacutenimo insoacutelita pois acaba tornando o viacutecio da

precariedade mais grave que os outros se o esbulhador usa a violecircncia fiacutesica contra a

pessoa do esbulhado ele pode ver tal viacutecio sanado das formas mais diversas se a

aquisiccedilatildeo se daacute pela recusa da restituiccedilatildeo isso natildeo seria de forma alguma possiacutevel pela

ldquoquebra da confianccedilardquo Mas por que a ldquoquebra da confianccedilardquo eacute mais grave que o uso da

forccedila fiacutesica Aleacutem de natildeo parecer razoaacutevel trata-se de uma interpretaccedilatildeo que atribui

uma vantagem injustificaacutevel em favor do proprietaacuterio Independentemente do que ele

tiver feito ou deixado de fazer para retomar o bem o fato da posse ser injusta

bloquearia a usucapiatildeo para sempre

Como indicado a discussatildeo acerca das circunstacircncias nas quais algueacutem pode se tornar

proprietaacuterio pela usucapiatildeo eacute tambeacutem uma discussatildeo acerca das condiccedilotildees nas quais

algueacutem pode legitimamente exercer o seu direito de propriedade Eacute possiacutevel

reconhecer poreacutem que a doutrina brasileira tem dado uma ecircnfase talvez desmesurada

na atuaccedilatildeo do possuidor deixando de investigar a dimensatildeo real do papel do

proprietaacuterio nesse jogo Soacute haveraacute usucapiatildeo se o proprietaacuterio de algum modo se

mantiver inerte na recuperaccedilatildeo do bem E se o proprietaacuterio deixou de tomar as

providencias necessaacuterias agrave tutela do seu direito durante um periacuteodo que pode variar de

2 a 15 anos eacute porque ele tambeacutem contribuiu para a consolidaccedilatildeo da posse do

usucapiente Como seria o cenaacuterio se a ecircnfase no processo recaiacutesse sobre o

proprietaacuterio Se independentemente da preocupaccedilatildeo com a caracterizaccedilatildeo de

eventuais viacutecios da posse incidisse principalmente sobre o titular a responsabilidade de

agir para que a usucapiatildeo natildeo se consumasse

Um caso interessante nesse sentido ndash e pouco estudado no Brasil ndash eacute o chamado

ldquoJAPye (Oxford) Ltd v Grahamrdquo ou apenas ldquoCase Pyerdquo como ficou conhecido De

forma muito resumida a empresa do ramo imobiliaacuterio JA Pye (Oxford) Ltd adquiriu

um terreno em Berkshire oeste de Londres com o objetivo de desenvolver um

empreendimento imobiliaacuterio e obteve o respectivo registro como proprietaacuteria da aacuterea

Apoacutes realizar a venda de uma parte do terreno a empresa inglesa celebrou um contrato

de 1 ano com a famiacutelia Graham por meio do qual seus integrantes ficavam autorizados a

utilizar os 25 hectares restantes da aacuterea como pasto Apoacutes o teacutermino do contrato os

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Graham procuraram a empresa com objetivo de obter uma renovaccedilatildeo mas a J A Pye

Ltd se recusou a fazecirc-lo Apesar disso Caroline e Michael Graham continuaram a

ocupar o terreno e a utilizaacute-lo como pasto por mais 12 anos com o conhecimento da

empresa mas sem o seu consentimento ainda que a J A Pye Ltd tenha se mantido

inerte quanto agraves providecircncias necessaacuterias para impedir a permanecircncia natildeo autorizada

dos Graham no local Apoacutes os 12 anos de exerciacutecio natildeo autorizado da posse os Graham

solicitaram o reconhecimento dos seus direitos sobre a referida aacuterea o que foi

concedido pelo registro com base na ldquoadverse possessionrdquo ou seja na usucapiatildeo

A decisatildeo gerou um sem nuacutemero de polecircmicas e modificaccedilotildees de rumo chegando ateacute

ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos onde no julgamento da Queixa

nordm4430202 foi dado ganho de causa ao Reino Unido e por consequecircncia agrave famiacutelia

Graham Em um primeiro momento a ldquoCourt of Appealrdquo deu decisatildeo favoraacutevel agrave

empresa ldquoPyerdquo com base entre outros motivos no fato de que a famiacutelia Graham natildeo

tinha ldquothe necessary intention to possessrdquo ou seja o acircnimo de dono Considerando-se

que no direito inglecircs vigora o chamado ldquoprocedural approachrdquo no que tange agrave usucapiatildeo

ndash a ecircnfase no aspecto processual da disputa ndash a referecircncia ao animus possidendi foi

considerada uma inovaccedilatildeo surpreendente60 De fato uma vez que os agricultores

permaneceram apenas fazendo aquilo que jaacute faziam quando do contrato em vigor os

julgadores da ldquoCourt of Appealrdquo entenderam que natildeo havia a intenccedilatildeo de passar a ser o

dono do lugar contrapondo-se frontalmente ao direito da empresa61 A decisatildeo foi

objeto de recurso agrave ldquoHouse of Lordsrdquo que deu ganho de causa agrave Caroline Graham62

Ainda inconformada a empresa ldquoPyerdquo entrou com novo recurso e como indicado o

caso chegou ateacute ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos sob a alegaccedilatildeo de que o

Reino Unido havia violado o direito de propriedade da J A Pye Ltd descumprindo a

garantia prevista no artigo 1ordm do Protocolo Adicional nordm 1 da Convenccedilatildeo Europeia dos

Direitos do Homem63 A decisatildeo final foi favoraacutevel ao Reino Unido e

60 RADLEY-GARNER Oliver ldquoCivilized Squattingrdquo Oxford Journal of Legal Studies (winter 2005) 25 (04) p728 61 A discussatildeo pode ser conhecida em httpwwwpublicationsparliamentukpald200102ldjudgmtjd020704graham-3htm Acesso em 13122014 62 O voto de maior peso no julgamento foi o de Lord Browne-Wilkinson por ter considerado que ao contraacuterio do que se exigia ateacute entatildeo a partir do momento em que os Graham continuaram a pastorear a terra sem a autorizaccedilatildeo da ldquoJAPyerdquo eles passaram a ter posse em nome proacuteprio o que independentemente de um conflito aberto seria suficiente para viabilizar a adverse possession O voto na iacutentegra pode ser lido em ldquoHouse of Lords Judgments ndash J A Pye (Oxford) Ltd and Others v Graham and Another on 4 July 2002rdquo httpwwwpublicationsparliamentukpald200102ldjudgmtjd020704graham-1htm Acesso em 13122014 63 ldquoQualquer pessoa singular ou colectiva tem direito ao respeito dos seus bens Ningueacutem pode ser privado do que eacute sua propriedade a natildeo ser por utilidade puacuteblica e nas condiccedilotildees previstas pela lei e pelos princiacutepios gerais do direito internacional

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consequentemente agrave famiacutelia Graham sob diversos argumentos Destacam-se para fins

do presente estudo a ideia de que a usucapiatildeo deve ser encarada como um mecanismo

de controle ou regulamentaccedilatildeo do uso dos bens eis que eacute de interesse geral saber quem

efetivamente eacute responsaacutevel pelo imoacutevel bem como pelos tributos decorrentes de tal

condiccedilatildeo o que remete agrave seguranccedila juriacutedica 64

Entre diversas questotildees importantes o episoacutedio mostra como em grande medida a

dogmaacutetica juriacutedica brasileira tem abordado o tema da usucapiatildeo de maneira a ampliar

os poderes do proprietaacuterio Uma atenccedilatildeo desmesurada tem sido dada agrave posse do

usucapiente sempre cheia de requisitos a cumprir escamoteando-se as

responsabilidades do titular do direito a ser usucapido

Desde logo salta aos olhos o fato de que na hipoacutetese do ldquoCase Pyerdquo o poder da famiacutelia

Graham sobre o terreno poderia no Brasil ser qualificado como uma situaccedilatildeo de mera

toleracircncia hipoacutetese na qual natildeo haveria verdadeiramente posse conforme indicaccedilatildeo do

artigo 1208 do Coacutedigo Civil brasileiro Mas eacute preciso reconhecer que apesar da empresa

ldquoPyerdquo ter ldquotoleradordquo a presenccedila dos Graham o fato eacute que a ineacutercia de ldquoPyerdquo se deu em

momento posterior agrave negativa de renovaccedilatildeo do contrato o que demonstra o interesse

em natildeo perpetuar a presenccedila da famiacutelia Graham no local A recusa agrave renovaccedilatildeo e a

ineacutercia fariam entatildeo com que a hipoacutetese passasse a ser encarada como uma ldquoposse

precaacuteriardquo justamente o viacutecio que a doutrina brasileira insiste em considerar insanaacutevel

e portanto incapaz de gerar a usucapiatildeo

Mas o episoacutedio mostra que quando algueacutem exerce posse sobre o bem de outrem

diversos pontos de vista podem ser utilizados para analisar a questatildeo o proprietaacuterio

permitiu tal exerciacutecio Ele tomou as providecircncias necessaacuterias para recuperar o bem O

possuidor adverso sabia que o bem era de outra pessoa e se negou a devolvecirc-lo

As condiccedilotildees precedentes entendem - se sem prejuiacutezo do direito que os Estados possuem de pocircr em vigor as leis que julguem necessaacuterias para a regulamentaccedilatildeo do uso dos bens de acordo com o interesse geral ou para assegurar o pagamento de impostos ou outras contribuiccedilotildees ou de multasrdquo No original ldquoThe preceding provisions shall not however in any way impair the right of a State to enforce such laws as it deems necessary to control the use of property in accordance with the general interest or to secure the payment of taxes or other contributions or penaltiesrdquo European Court of Human Rights ldquoCase JA Pye (Oxford) Ltd and JA Pye (Oxford) Land Ltd v The United Kingdom Alleged Violation of Article 1 of Protocol nordm 1 Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-82172itemid[001-82172] Acesso em 03032014 64 ABREU Abiacutelio Vassalo Titularidade Registral do Direito de Propriedade Imobiliaacuteria versus usucapiatildeo (adverse possession) Coimbra Coimbra Editora 2011 p83

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Nesses termos o modelo processual inglecircs indica que a reflexatildeo acerca da usucapiatildeo

tambeacutem deve englobar uma meditaccedilatildeo sobre a atuaccedilatildeo do proprietaacuterio na recuperaccedilatildeo

do seu direito pois nada acontece se ele agir de maneira ceacutelere Mesmo apoacutes a negativa

de permanecircncia da famiacutelia Graham a empresa Pye permaneceu 12 anos sem tomar as

providecircncias necessaacuterias para a desocupaccedilatildeo do local Eacute um espaccedilo consideraacutevel de

tempo Seria razoaacutevel entender que por ser ldquoinsanaacutevelrdquo o viacutecio da precariedade nunca

admitiria a consumaccedilatildeo da usucapiatildeo em favor dos Graham

Aleacutem de problemaacutetica essa interpretaccedilatildeo ressuscita o problema da ldquoposse eternamente

injustardquo o esbulhador nunca poderia usucapir mesmo se o esbulhado natildeo procurar

retomar a sua posse Ao que tudo indica a impossibilidade de saneamento do viacutecio da

precariedade reflete a um imperativo moral a quebra da confianccedila depositada deve ser

punida com a perenidade do caraacuteter injusto E aqui se abre a oportunidade de discutir

afinal qual eacute a funccedilatildeo da anaacutelise da injusticcedila como meio de barreira para a usucapiatildeo

Quando se faz referecircncia agraves diversas teacutecnicas de saneamento dos viacutecios eacute preciso

reconhecer que elas natildeo podem ser lidas como um modo de suplantar o fato de que a

posse do usucapiente natildeo foi autorizada e eacute exercida de forma contraacuteria aos interesses

do titular porque essa eacute uma condiccedilatildeo necessaacuteria para que a usucapiatildeo ocorra Ainda

que natildeo haja uma ldquobatalha campalrdquo em busca da posse ldquoCrucially the adverse

possessorrsquos use must be without permission (ldquoadverserdquo)rdquo65 A aquisiccedilatildeo sem autorizaccedilatildeo

e o exerciacutecio contraacuterio aos interesses do titular satildeo pressupostos para a usucapiatildeo

Em tais condiccedilotildees as estrateacutegias que visam a ldquoeliminaccedilatildeo da injusticcedilardquo pelo expurgo

dos viacutecios de origem soacute podem ser compreendidas como vias pelas quais se pretende

superar o chamado ldquoparadoxo moralrdquo66 aparentemente existente em torno da proacutepria

ideia de usucapiatildeo qual a justificativa para que algueacutem perca o seu direito de

propriedade em funccedilatildeo da atuaccedilatildeo natildeo autorizada de outra pessoa

Mas a falta de precisatildeo doutrinaacuteria na referecircncia agrave justiccedila ou injusticcedila da posse faz com

que a exigecircncia de que a posse ad usucapionem seja uma posse ldquojustardquo gere a falsa

ideia de que a atuaccedilatildeo do usucapiente estaacute em conformidade com o direito E as

estrateacutegias de saneamento reforccedilam essa confusatildeo ao se voltarem para o modo como a

posse foi adquirida Elas servem como uma justificativa para tentar amainar a ilicitude

65 MERRIL Thomas W SMITH Henry E Property Oxford Oxford University Press 2010 p36 66 KATZ Larissa ldquoThe moral paradox of adverse possession sovereignty and revolution in property lawrdquo McGill Law Journal Vol55 2010 pp47-80 cit p 59

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do apossamento mas isso eacute virtualmente impossiacutevel sem jogar o instituto em um non

sense pois a contrariedade da posse ad usucapionem eacute intriacutenseca a usucapiatildeo

Quando se diz que a posse do usucapiente eacute sempre injusta isso significa que ela natildeo

estaacute autorizada de forma alguma e se coloca sim em posiccedilatildeo de conflito (ainda que

velado) com os interesses do proprietaacuterio ou seja algueacutem vai adquirir a propriedade de

algo que jaacute tem dono e obviamente sem a colaboraccedilatildeo deste

Por isso as estrateacutegias de saneamento estatildeo por assim dizer ldquono lugar erradordquo pois

acabam mascarando a dinacircmica real do processo por meio do qual algueacutem caminha

para usucapir o bem de outrem Isto acaba ampliando as sombras existentes entre as

linhas que demarcam uma posse ldquomoralmente legitimadardquo a viabilizar a usucapiatildeo e a

adversidade sem a qual a aquisiccedilatildeo natildeo tem como se efetivar

Nessa direccedilatildeo a caracterizaccedilatildeo da posse ad usucapionem natildeo depende do saneamento

dos viacutecios objetivos pois o meio objetivo pelo qual se deu o apossamento eacute afinal

irrelevante Basta o chamado ldquoteste de uso incompatiacutevelrdquo (inconsistent use test) ou

seja da verificaccedilatildeo de que a posse natildeo autorizada se daacute em desconformidade com a

agenda estabelecida pelo proprietaacuterio do bem a ser usucapido67 Natildeo importa o modo

pelo qual tal contrariedade ganhou forma o fato eacute que ela existe e uma vez constatada

gera para o proprietaacuterio a oportunidade de se opor dentro de um determinado periacuteodo

de tempo sem o que perderaacute a titularidade do bem

Eacute importante ainda deixar expliacutecito o fato de que toda discussatildeo em torno dos

pressupostos para a aquisiccedilatildeo pela usucapiatildeo reflete uma dada concepccedilatildeo acerca da

propriedade Debater em que circunstacircncia algueacutem pode se tornar o proprietaacuterio do

bem que eacute de outro resvala em uma avaliaccedilatildeo acerca da amplitude de formas de

atuaccedilatildeo que o proprietaacuterio estaacute legitimado a desempenhar

Do mesmo modo a possiacutevel imoralidade existente na atribuiccedilatildeo do direito de

propriedade em favor de algueacutem que viola o direito de outrem eacute decorrente de uma

visatildeo que considera moralmente aceitaacutevel que o bem objeto desse direito possa

permanecer sem um uso efetivo durante um nuacutemero maior ou menor de anos jaacute que

natildeo haacute usucapiatildeo sem a ineacutercia do titular do direito a ser usucapido

67 KATZ Larissa ldquoThe moral paradoxrdquo cit p50

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Nesse sentido ultrapassar a discussatildeo acerca das estrateacutegias de saneamento dos viacutecios

da aquisiccedilatildeo rumo a um debate aprofundado sobre as razotildees que contribuem para a

superaccedilatildeo do paradoxo moral permitiria por exemplo a consideraccedilatildeo de que mesmo

um possuidor de maacute-feacute pode dar um uso economicamente mais eficiente do que aquele

dado pelo possuidor originaacuterio68 ou que em um contexto de deacuteficit de moradias a

ideia de que ldquoo natildeo uso eacute uma forma de usordquo69 seria juriacutedica e moralmente indefensaacutevel

pois corresponderia a absolutizaccedilatildeo da propriedade

O debate moral em torno da usucapiatildeo eacute rico de possibilidades que auxiliam na

compreensatildeo adequada do instituto e tambeacutem por isso natildeo pode ser represado Quando

se vecirc tanto esforccedilo doutrinaacuterio para expurgar os viacutecios objetivos de origem o uacutenico

sentido possiacutevel para tanto eacute pressuposto de que haacute uma avaliaccedilatildeo moralmente

negativa em torno da ideia de que uma posse ldquoinjustardquo seja apta a transformar um

ldquoladratildeordquo em proprietaacuterio Mas aqui o foco estaacute todo voltado para como a posse foi

adquirida o que reduz enormemente a investigaccedilatildeo Natildeo se trata da defesa da

legitimaccedilatildeo do uso da forccedila como se fosse possiacutevel concordar com a grilagem de terras

mas justo o oposto da possibilidade de reconhecimento de que mesmo o uso da forccedila

pode ser justificado quando a efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais como os relativos agrave

moradia e ao trabalho se contrapotildeem ao natildeo uso e a especulaccedilatildeo A existecircncia do

instituto da usucapiatildeo revela em si mesma que ordenamento fez uma escolha na qual o

uso efetivo do bem estaacute em uma posiccedilatildeo hierarquicamente superior ao natildeo uso Diante

da diferenciaccedilatildeo entre justiccedila e injusticcedila formal ndash relativa agrave aquisiccedilatildeo ndash e justiccedila ou

injusticcedila material (os valores materializados em cada efetivo apossamento) abre-se a

oportunidade de discutir as bases morais econocircmicas e filosoacuteficas por meio das quais eacute

ainda hoje possiacutevel fundamentar a manutenccedilatildeo ou perda dos direitos de propriedade

titularizados por algueacutem

De todo modo para os objetivos do presente estudo a hipoacutetese testada parece poder

ser adequadamente confirmada independentemente do modelo de usucapiatildeo a ser

adotado independentemente do fundamento mais adequado para usucapiatildeo em

68 FENNEL Lee Anne ldquoEfficient trespass the case for lsquobad faithrsquo adverse possessionrdquo Northwestern University Law Review Vol100 p1035-10962006 p53 Considerando-se que apenas um imoacutevel sem um uso efetivo pode ser objeto de apossamento alheio estendido por vaacuterios anos sem uma reaccedilatildeo apropriada a manutenccedilatildeo da sua titularidade pode ser lida como uma falha de mercado que daacute corpo agrave especulaccedilatildeo a venda do imoacutevel natildeo ocorre porque o titular natildeo encontra condiccedilotildees que lhe garantam a remuneraccedilatildeo pretendida naquele momento Da mesma forma levando-se em consideraccedilatildeo que no caso brasileiro a funccedilatildeo social remete agrave obrigatoriedade do uso e que isto por sua vez desaacutegua no exerciacutecio da posse toda posse ad usucapionem poderia ser lida como a vitoacuteria do uso produtivo sobre o natildeo uso especulativo Nesse sentido a posse de maacute-feacute corresponderia agrave deliberada intenccedilatildeo de concretizar um uso socialmente uacutetil a um bem que estaacute sendo administrado de forma ineficiente 69 NASCIMENTO Tupinambaacute Miguel Castro do Posse e propriedade Porto Alegre Livraria do Advogado 1986 p10

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nenhum lugar eacute possiacutevel colocar em questatildeo o fato de que a posse exercida pelo

esbulhador eacute adversa A posse exercida por algueacutem natildeo autorizado que deseja ou

acredita que jaacute tem o direito de outrem eacute nesse sentido sempre e necessariamente uma

posse injusta

Conclusatildeo

As tentativas de saneamentos dos viacutecios satildeo incongruentes e ineficientes porque a

superaccedilatildeo do paradoxo moral existente na usucapiatildeo depende de uma reflexatildeo acerca

daquilo que a sociedade considera como moralmente justificado em torno do exerciacutecio

do direito de propriedade E desde aiacute eacute possiacutevel perceber diversos aspectos que

demonstram que o exerciacutecio da posse seja qual for a sua qualificaccedilatildeo eacute mais forte do

que o natildeo uso a existecircncia mesma do instituto da usucapiatildeo o encurtamento

generalizado dos prazos para usucapir ocorrido no acircmbito do Coacutedigo Civil em vigor

mesmo na hipoacutetese extraordinaacuteria a ampliaccedilatildeo das modalidades de usucapiatildeo como

forma de premiar o exerciacutecio dirigido agrave busca da efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais

sociais como moradia e trabalho Nesse caminho o paradoxo moral se dissolve e o

saneamento dos viacutecios passa a ser irrelevante eacute mais importante saber o que se faz da

posse do que o modo pelo qual ela foi obtida

Em tais condiccedilotildees considerar que a posse ldquoboa para usucapirrdquo seja sempre injusta ndash no

sentido de que representa uma dissonacircncia necessaacuteria com a agenda estabelecida pelo

proprietaacuterio do bem a ser usucapido ndash natildeo significa o abandono da dimensatildeo moral

existente na qualificaccedilatildeo da posse do usucapiente Esta dimensatildeo apenas se desloca em

direccedilatildeo a uma investigaccedilatildeo criteriosa acerca do conteuacutedo da posse materializada frente

agrave anaacutelise da conduta do proprietaacuterio ante ao apossamento natildeo autorizado

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TRIBUNAL DE JUSTICcedilA DE SAtildeO PAULO ndash TJSP Agravo de Instrumento nordm2243232-252015826000 7ordf Cacircmara de Direito Puacuteblico Rel Min Coimbra Schmidt Julgado em 23112015 Disponiacutevel em lthttpsesajtjspjusbrcposgshowdoprocessoforo=990ampprocessocodigo=RI0032WUQ0000gt Acesso em 25112015

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ZAVASCKI Teori ldquoA tutela da posse na constituiccedilatildeo e no projeto do novo coacutedigo civilrdquo In MARTINS-COSTA Judith (Org) A reconstruccedilatildeo do direito privado Satildeo Paulo RT 2002

civilisticacom Recebido em 18042016

Aprovado em 13052016 (1ordm parecer) 31052016 (2ordm parecer)

Como citar DANTAS Marcus Eduardo de Carvalho Toda posse ad usucapionem eacute uma posse injusta Civilisticacom Rio de Janeiro a 5 n 1 2016 Disponiacutevel em lthttpcivilisticacomtoda-posse-ad-usucapionem-e-uma-posse-injustagt Data de acesso

Page 2: Toda posse ad usucapionem é uma posse injusta

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Introduccedilatildeo

Esse natildeo eacute um texto para a defesa do caraacuteter absoluto da propriedade Tampouco para

lamentar o fato de que muitas vezes aquele que tem posse natildeo autorizada se tornaraacute o

proprietaacuterio do bem tendo em vista a continuidade do apossamento frente agrave ineacutercia do

titular

Feitas tais consideraccedilotildees esclarece-se que o objetivo do artigo eacute o de principalmente

demonstrar que a expressatildeo ldquoposse injustardquo eacute sinocircnimo de ldquoposse natildeo autorizadardquo E se

isto eacute assim eacute um pressuposto da usucapiatildeo que a posse do usucapiente seja injusta em

um sentido formal Como consequecircncia todas as estrateacutegias de saneamento dos viacutecios

existentes na aquisiccedilatildeo da posse satildeo desnecessaacuterias

Nenhum autor pode seriamente deixar de reconhecer que a possibilidade de se tornar

proprietaacuterio de um bem moacutevel ou imoacutevel em decorrecircncia do exerciacutecio prolongado da

posse eacute uma das mais importantes e interessantes implicaccedilotildees de se ter adquirida a

posse de algo Mas o que ela precisa para ser apta agrave usucapiatildeo

Os estudiosos do tema reconhecem que a posse ad usucapionem eacute aquela onde o

possuidor age como se fosse verdadeiramente o titular do direito que seraacute usucapido

seja o de propriedade ou outro direito real limitado passiacutevel de ser obtido por tal

modo1 O usucapiente exerce a posse com o objetivo deliberado de passar a ser o

proprietaacuterio da coisa ou que acredita que jaacute tem o direito que ao final seraacute seu Nas

duas hipoacuteteses poreacutem ela eacute exercida sem autorizaccedilatildeo do proprietaacuterio mas com o

chamado ldquoacircnimo de donordquo como um reflexo do direito que se pretende ter ao usucapir

A razatildeo de tal exigecircncia eacute simples se natildeo houver essa ldquointenccedilatildeo de donordquo o exerciacutecio

dessa posse pode conviver bem com a do proprietaacuterio como um seu desdobramento

No que diz respeito agrave usucapiatildeo do direito de propriedade o acircnimo de dono

corresponde portanto a pretensatildeo de se tornar o proprietaacuterio de forma independente

ou mesmo contra a vontade do titular ou ainda ao falso entendimento de que jaacute se eacute

1 Eacute o entendimento padratildeo na doutrina Segundo Orlando Gomes na posse ad usucapionem ldquoO possuidor tem que se comportar como dono da coisa possuindo-a tranquilamente A vontade de conduzir-se como proprietaacuterio do bem carece de ser traduzida por atos inequiacutevocos () Na aparecircncia oferece a certeza de que o possuidor eacute proprietaacuteriordquo GOMES Orlando Direitos reais 20ordfed atualizada por Luiz Edson Fachin Rio de Janeiro Forense 2010 p183 No mesmo sentido ldquoA posse ad usucapionem A posse apta a ensejar a usucapiatildeo (possessio ad usucapionem) haacute de observar certos requisitos (i) ser exercida com a intenccedilatildeo de dono (cum animo domini) demonstrada no comportamento do possuidor de ter a coisa como sua (ii) ser contiacutenua e (iii) sem oposiccedilatildeordquo TEPEDINO Gustavo BARBOZA Heloisa Helena MORAES Maria Celina Bodin de Coacutedigo civil interpretado conforme a Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Vol III Rio de Janeiro Renovar 2011 p521

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titular desse direito Daiacute se infere que a usucapiatildeo representa uma forma de aquisiccedilatildeo

originaacuteria pois natildeo haacute transmissatildeo do direito a ser usucapido

Ocorre que dependendo do modo pelo qual a posse tiver sido obtida ela pode ser

considerada viciada tornando-se injusta em funccedilatildeo da violecircncia clandestinidade ou da

precariedade identificada na sua obtenccedilatildeo Segundo o pensamento prevalecente2 isso

diminuiria as chances da efetivaccedilatildeo da usucapiatildeo pois para tanto eacute preciso uma posse

justa Mas o que aconteceria se a posse adquirida por qualquer uma das modalidades

de viacutecios existentes tivesse sido exercida por um longo periacuteodo de tempo sem que o

esbulhador fosse incomodado O fato dela ser originalmente injusta impediria a

aquisiccedilatildeo pela usucapiatildeo para sempre mesmo diante da falta de atitude do esbulhado

em recuperaacute-la

Para driblar a dificuldade existente ante uma posse ldquoeternamente injustardquo mesmo

frente a um possuidor inerte a argumentaccedilatildeo dos estudiosos se orienta em torno da

ideia de que eacute possiacutevel (e necessaacuterio) ldquosanarrdquo os viacutecios existentes no momento da

aquisiccedilatildeo no intuito de garantir que a posse originariamente injusta se transforme em

uma posse justa e assim seja capaz de gerar a usucapiatildeo3

Mas como eacute possiacutevel considerar que a posse seja justa por natildeo repugnar a ordem

juriacutedica ao mesmo tempo em que eacute exercida de forma a viabilizar a obtenccedilatildeo do direito

que atualmente pertence a outro e independentemente (ou mesmo contra) da vontade

dele

2 Como seraacute possiacutevel verificar nas notas 67 e 8 apenas Daniel Eduardo Carnacchioni considera explicitamente que a justiccedila ou injusticcedila da posse natildeo tem qualquer papel na usucapiatildeo CARNACCHIONI Daniel Eduardo Curso de direito civil ndash direitos reais Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p74 Os demais autores costumam se dividir entre aqueles que consideram a impossibilidade total de usucapir tendo posse injusta (NASCIMENTO Tupinambaacute Miguel Castro do Usucapiatildeo (comum e especial) 5ordfed Rio de Janeiro AIDE 1986 p80 NUNES Pedro Do usucapiatildeo 4ordfed Rio de Janeiro Freitas Bastos 1984 p26 TARTUCE Flaacutevio SIMAtildeO Joseacute Fernando Direito civil Vol4 ndash direito das coisas 2ordfed Satildeo Paulo Meacutetodo 2009 p59 AZEVEDO Aacutelvaro Villaccedila de Curso de direito civil ndash direito das coisas Satildeo Paulo Atlas 2014 p22) e aqueles que entendem que tal possibilidade estaacute restrita a modalidade extraordinaacuteria (FARIAS Cristiano Chaves de ROSENVALD Nelson Curso de direito civil Vol5 ndash reais 11ordfed Satildeo Paulo Atlas 2015 p110 ROCHA Silvio Luiz Ferreira da Direito civil Vol3 ndash direitos reais Satildeo Paulo Malheiros 2010 p45) 3 Poucos satildeo os especialistas que consideram a posse ad usucapionem eventualmente possa ser uma posse injusta mas natildeo haacute quem defenda que tal posse necessariamente seja uma posse injusta Ao que parece apenas Francisco Eduardo Loureiro coloca o problema ainda que apenas como uma possibilidade para todas as modalidades de usucapiatildeo ldquoQuestatildeo a ser enfrentada eacute se a posse injusta pode ser ad usucapionem Alguns autores dizem que a posse deve convalescer ou ter purgados os viacutecios para gerar usucapiatildeo Natildeo eacute bem assim () O que se exige eacute que durante o prazo necessaacuterio agrave usucapiatildeo natildeo haja atos violentos ou clandestinos embora a posse seja injusta porque a sua causa original eacute iliacutecitardquo LOUREIRO Francisco Eduardo ldquoDireito das coisas (arts 1196-1510)rdquo In PELUSO Ceacutezar (Org) Coacutedigo civil comentado Satildeo Paulo Manole 2008 p1193

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Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald tecircm uma intuiccedilatildeo a respeito de tal contrassenso

quando escrevem que o elenco dos viacutecios da posse deve ser considerado taxativo pois

ldquo() se fosse concedida tal elasticidade ao conceito de injusticcedila da posse a posse justa

seria somente aquela adquirida por relaccedilatildeo juriacutedica de direito real ou obrigacionalrdquo4

Isto eacute absolutamente correto Questionaacutevel eacute a conclusatildeo que extraem dessa

constataccedilatildeo o entendimento de que nem toda posse natildeo autorizada eacute injusta mesmo

quando a forccedila eacute eventualmente empregada para remoccedilatildeo de obstaacuteculos ao

apossamento

O raciociacutenio se manteacutem constrangido diante das amarras histoacutericas do debate rumo

agravequilo que parece ser a conclusatildeo recalcada em todas as sofisticadas teorias sobre as

consequecircncias dos viacutecios objetivos da posse a de que toda posse natildeo autorizada

exercida contra os interesses do titular eacute necessariamente uma posse injusta E isto natildeo

interfere (ou natildeo deve interferir) em nada na possibilidade de usucapir em qualquer

modalidade que seja

Quando os especialistas defendem a necessidade de saneamento dos viacutecios na aquisiccedilatildeo

para que a posse tornada ldquojustardquo possa viabilizar a usucapiatildeo5 eles estatildeo confundindo

dois significados de ldquoinjusticcedilardquo Em uma primeira acepccedilatildeo a ldquojusticcedilainjusticcedilardquo eacute

relativa ao modo pelo qual a posse foi obtida chave pela qual por coerecircncia toda posse

natildeo autorizada ndash como eacute o caso da ad usucapionem ndash deve ser reconhecida como

ldquoinjustardquo

Em um outro sentido a ldquojusticcedilainjusticcedilardquo eacute decorrente de uma avaliaccedilatildeo moral acerca

do conteuacutedo da posse do modo pelo qual ela foi exercida durante todo o tempo

necessaacuterio para usucapir Eacute uma anaacutelise de quanto aquela posse ldquomerecerdquo gerar a

aquisiccedilatildeo da propriedade pela usucapiatildeo Trata-se de um julgamento acerca dos valores

que foram efetivados por meio da materializaccedilatildeo do apossamento e o quanto eles

justificam suficientemente a sua prevalecircncia frente ao direito de propriedade Eacute uma

anaacutelise material de conteuacutedo portanto da posse exercida durante todo aquele tempo

exigido em cada hipoacutetese de usucapiatildeo Neste sentido a investigaccedilatildeo acerca da justiccedila

ou injusticcedila da posse eacute tambeacutem uma discussatildeo acerca dos limites do direito de

4 FARIAS Cristiano Chaves de ROSENVALD Nelson Curso de direito civil Vol5 ndash direitos reais 11ordfed Satildeo Paulo Atlas 2015 p111 5 Ao considerar que a posse injusta dificulta ou impede por completo a usucapiatildeo (notas 67 e 8) a doutrina acaba desenvolvendo mecanismos de eliminaccedilatildeo dos viacutecios da posse como uma forma de superar o problema que surgiria na situaccedilatildeo onde o possuidor injusto permanece exercendo a posse sem ser confrontado por quem quer de direito (pontos 2 3 e 5)

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propriedade Estas duas coisas precisam ser dissociadas para que sejam analisadas

adequadamente Eis eacute a tese a ser desenvolvida no presente artigo

E por que a hipoacutetese a ser testada eacute relevante Porque os estudiosos do tema se

dedicam a um sem nuacutemero de taacuteticas que diante de uma posse injusta objetivam criar

modos de expurgar os seus viacutecios no intuito de tornaacute-la ldquojustardquo e assim apta a

usucapiatildeo O problema eacute que essas formas de saneamento satildeo tatildeo amplas e variadas

que se chega agrave conclusatildeo que sempre que o possuidor tiver o tempo de posse e os

requisitos especiacuteficos para usucapir em cada hipoacutetese os viacutecios de algum modo teratildeo

sido eliminados E se eacute inevitaacutevel consideraacute-los sanados eacute porque as estrateacutegias de

saneamento satildeo na verdade irrelevantes para a aquisiccedilatildeo pela usucapiatildeo e isso

raramente eacute dito de forma expliacutecita6 Quando se tem em mente que a posse ad

usucapionem eacute injusta e que isso natildeo impede a usucapiatildeo em nenhuma modalidade o

ganho em termos sistemaacuteticos eacute visiacutevel pois os viacutecios importantes passam a ser apenas

os subjetivos Se toda posse ad usucapionem eacute injusta o que importa eacute saber se o

usucapiente tinha ou natildeo conhecimento disto

1 Mapeamento do problema na doutrina eacute possiacutevel usucapir tendo posse

injusta

A resposta a tal questionamento varia entre aqueles que consideram que o possuidor

injusto pode usucapir apenas na modalidade extraordinaacuteria7 e os que enxergam a

impossibilidade total de aquisiccedilatildeo do direito ante a injusticcedila da posse8 Estes driblam o

problema que existiria em torno de uma ldquoposse eternamente injustardquo fazendo como

indicado referecircncia a alguma forma de saneamento dos viacutecios de origem

6 Daniel Eduardo Carnacchioni talvez seja o uacutenico autor brasileiro a afirmar categoricamente que ldquoO conceito de posse injusta somente eacute fundamental para fixar a legitimidade passiva nas accedilotildees possessoacuterias Aliaacutes esta eacute a uacutenica relevacircncia dos viacutecios objetivos da posse Saber se a posse eacute justa ou injusta eacute importante apenas para saber se sujeito pode defender sua posse contra uma determinada pessoardquo CARNACCHIONI Daniel Eduardo Curso de direito civil ndash direitos reais Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p74 Cristiano Chaves de FARIAS e Nelson ROSENVALD ficam por assim dizer ldquono meio do caminhordquo pois ao mesmo tempo em que esclarecem que defendem que nem toda tomada natildeo autorizada da posse gera posse injusta (FARIAS Cristiano Chaves de ROSENVALD Nelson Curso de direito civil Vol V ndash reais 11ordfed Satildeo Paulo Atlas 2015 p106) consideram que a posse injusta soacute gera usucapiatildeo extraordinaacuteria pois na modalidade ordinaacuteria se exige o justo tiacutetulo e a boa-feacute (2015 p110) Mas eacute possiacutevel que a posse seja injusta e de boa-feacute pela ignoracircncia do accipiens quando da sua transmissatildeo Nesse sentido a injusticcedila da posse natildeo impediria nem mesmo a aquisiccedilatildeo pela via ordinaacuteria 7 Eacute o que se pode constatar em FARIAS Cristiano Chaves de ROSENVALD Nelson Curso de direito civil Vol5 ndash reais 11ordfed Satildeo Paulo Atlas 2015 p110 ROCHA Silvio Luiz Ferreira da Direito civil Vol3 ndash direitos reais Satildeo Paulo Malheiros 2010 p45 8 NASCIMENTO Tupinambaacute Miguel Castro do Usucapiatildeo (comum e especial) 5ordfed Rio de Janeiro AIDE 1986 p80 NUNES Pedro Do usucapiatildeo 4ordfed Rio de Janeiro Freitas Bastos 1984 p26 TARTUCE Flaacutevio SIMAtildeO Joseacute Fernando Direito civil Vol4 ndash direito das coisas 2ordfed Satildeo Paulo Meacutetodo 2009 p59 AZEVEDO Aacutelvaro Villaccedila de Curso de direito civil ndash direito das coisas Satildeo Paulo Atlas 2014 p22

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Mas por que motivo o possuidor injusto natildeo poderia usucapir na modalidade

ordinaacuteria Porque para esta hipoacutetese o Coacutedigo Civil exige que a posse ad usucapionem

tenha sido adquirida por meio de um justo tiacutetulo e de boa-feacute o que significa que o

possuidor natildeo sabe que existe um problema em torno do modo pelo qual ela foi

adquirida A doutrina entatildeo faz uma conexatildeo necessaacuteria entre a posse justa e a de boa-

feacute o que eacute ateacute razoaacutevel agrave primeira vista como algueacutem poderia alegar que desconhece

que a sua posse foi obtida de modo violento clandestino ou pela precariedade Tal

alegaccedilatildeo soacute seria possiacutevel se o viacutecio natildeo tivesse sido cometido por aquele que pretende

usucapir ou se a princiacutepio a proacutepria ocorrecircncia dele pudesse ser questionada

A primeira situaccedilatildeo corresponderia ao caso no qual o esbulhador transmitiu a posse

injusta que tinha para uma outra pessoa que enganada natildeo sabia de sua raiz iliacutecita

Partindo-se do princiacutepio de que tais viacutecios natildeo seriam transmitidos pelo tradens a

aquisiccedilatildeo derivada seria uma via de saneamento dos viacutecios de origem

Outro modo de se defender a justiccedila da posse originaacuteria eacute reconhecendo o fato dela ter

sido obtida por um meio que mesmo sendo incomum natildeo se equipararia agrave violecircncia

clandestinidade nem agrave precariedade Eacute nesta linha que se colocam as teses que

procuram questionar a ocorrecircncia dos viacutecios objetivos9 A pergunta aqui seria o que eacute

uma aquisiccedilatildeo violenta

Uma uacuteltima e mais recente via de transformaccedilatildeo da posse injusta em posse justa eacute o

cumprimento da funccedilatildeo social da posse Parte da doutrina busca superar o problema da

ldquoposse eternamente injustardquo considerando que o cumprimento da funccedilatildeo social da

posse pelo possuidor natildeo autorizado demandaria o reconhecimento de que a posse

originariamente injusta teria se transformado em posse justa viabilizando assim a

aquisiccedilatildeo da propriedade pela usucapiatildeo Mas como isso pode ser feito sem uma

descriccedilatildeo preacutevia e objetiva acerca do conteuacutedo da funccedilatildeo social da posse

9 Eacute bem verdade que na aquisiccedilatildeo originaacuteria eacute mais difiacutecil sustentar uma posse justa e de boa-feacute pois como indicado eacute implausiacutevel que na ocupaccedilatildeo natildeo autorizada de um imoacutevel se alegue o desconhecimento de que tal ato contraria direito de outrem Esta eacute uma das dificuldades existentes em torno da compreensatildeo de um dos institutos cujo nuacutemero de estudos eacute proporcional agrave sua ineficaacutecia os paraacutegrafos 4ordm e 5ordm do artigo 1228 do Coacutedigo Civil Tentando decifrar essa ldquoesfingerdquo podem ser citados RENTERIA Pablo ldquoAquisiccedilatildeo da propriedade imobiliaacuteria pela acessatildeo invertida social anaacutelise sistemaacutetica dos paraacutegrafos 4ordm e 5ordm do artigo 1228 do coacutedigo civilrdquo Revista Trimestral de Direito Civil v34 p71-91 2008 TEPEDINO SCHREIBER Anderson ldquoO ornitorrinco juriacutedico por uma aplicaccedilatildeo praacutetica dos sectsect 4ordm e 5ordm do art1228 do coacutedigo civilrdquo In Direito civil e constituiccedilatildeo Satildeo Paulo Atlas 2013 pp267-279 ZAVASCKI Teori ldquoA tutela da posse na constituiccedilatildeo e no projeto do novo coacutedigo civilrdquo In MARTINS-COSTA Judith (Org) A reconstruccedilatildeo do direito privado Satildeo Paulo RT 2002 p843-861

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Colocados os termos das questotildees o objetivo a partir de agora seraacute o de verificar se

essas estrateacutegias satildeo capazes de superar a contradiccedilatildeo existente entre uma posse ldquojustardquo

e o fato de que ela para gerar a usucapiatildeo precisa necessariamente ser uma posse natildeo

autorizada exercida contra os interesses do atual titular

2 Posse justa e de boa-feacute na aquisiccedilatildeo derivada o saneamento na acessio

possessionis

Uma primeira das diversas estrateacutegias utilizadas pelos especialistas para garantir a

pureza (leia-se licitude) da posse ad usucapionem pode ser vislumbrada no caso em

que na aquisiccedilatildeo derivada o sucessor decide natildeo exercer a sua opccedilatildeo de soma do seu

tempo de posse com o do antecessor ndash a chamada acessio possessionis ndash sendo este

um possuidor injusto Ao escolher natildeo realizar a adiccedilatildeo o sucessor singular expurgaria

os viacutecios que a posse traria em funccedilatildeo do modo pelo qual foi obtida10

Isso equivale a dizer que a posse injusta pode se transformar em uma posse justa

apenas pela vontade do beneficiaacuterio de tal modificaccedilatildeo que passaria a poder usucapir

em um conjunto maior de modalidades tendo em vista a interpretaccedilatildeo consolidada de

que eacute preciso ter posse justa para usucapir Mas seraacute que essa interpretaccedilatildeo eacute correta

Mesmo sendo um argumento muito frequente na obra de autores de relevo nadoutrina

nacional11 a ideia de que o sucessor singular pode escolher se a sua posse seraacute justa ou

injusta eacute questionaacutevel sob alguns importantes aspectos

Primeiramente tal possibilidade de saneamento entra em rota de colisatildeo com uma

relevante diretriz da teoria geral do direito civil precisamente aquela por meio da qual

se estabelece que ldquoningueacutem pode transferir mais direitos do que temrdquo (Nemo plus iuris

ad alium transferre potest quam ipse habet) Isto porque se o antecessor tinha posse

injusta ele natildeo pode transmitir uma posse justa diferente portanto da que ele

10 Eacute como entendem SALVO VENOSA Silvio de Direito civil Vol5 ndash direitos reais 11ordfed Satildeo Paulo Atlas 2011 p67 GONCcedilALVES Carlos Roberto Direito civil brasileiro Vol5 ndash direito das coisas 7ordfed Satildeo Paulo Saraiva 2013 p116 CARVALHO SANTOS JM Coacutedigo civil brasileiro interpretado principalmente do ponto de vista praacutetico Vol VII 7ordfed Rio de Janeiro Freitas Bastos 1961 p72 BESSONE Darcy Da posse Satildeo Paulo Saraiva 1996 p209 FARIAS Cristiano Chaves de ROSENVALD Nelson Curso de direito civil cit p125 Segundo os referidos autores quando o sucessor na transmissatildeo inter vivos opta por natildeo adicionar o seu tempo de posse ao do seu antecessor ldquo() sua posse obteraacute a vantagem de exemplificativamente valer-se do justo tiacutetulo de sua posse nova para a contagem do prazo para usucapiatildeo ordinaacuteriardquo Daqui se depreende que os viacutecios de origem foram sanados sob pena de contradiccedilatildeo frente ao entendimento tambeacutem defendido por eles de que a posse injusta soacute gera usucapiatildeo extraordinaacuteria tendo em vista que na ordinaacuteria exige-se o justo tiacutetulo e a boa-feacute (FARIAS Cristiano Chaves ROSENVALD Nelson Curso de direito civil cit p110) 11 Conforme exemplificado na nota anterior

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exerce12 Eacute certo que tal interpretaccedilatildeo depende de acordo em torno do fato de que a

posse eacute um direito seja real ou pessoal pois se a posse for interpretada como um ldquomero

fatordquo13 a proacutepria ideia de transmissatildeo fica prejudicada e em tais condiccedilotildees o possuidor

atual teria sempre uma posse nova e toda a aquisiccedilatildeo da posse seria originaacuteria14 Mas a

doutrina contemporacircnea estaacute harmonizada no entendimento de que a posse eacute um

direito e neste sentido o princiacutepio de que ningueacutem pode transferir mais direitos do

que tem permanece vaacutelido e aplicaacutevel pois a hipoacutetese eacute de transmissatildeo de direitos

Sanar os viacutecios pela transmissatildeo pressupotildee logicamente a existecircncia de posses com

caracteriacutesticas diferentes Se ambas forem de boa ou maacute-feacute a soma natildeo altera as

possibilidades de usucapir do sucessor Mas se a posse do antecessor era de boa-feacute (o

que eacute altamente questionaacutevel se ela tambeacutem natildeo for derivada) e a do sucessor for de

maacute-feacute ele natildeo poderaacute se aproveitar da qualificaccedilatildeo da posse do tradens para ampliar

suas chances de usucapir por um motivo loacutegico a transmissatildeo natildeo eacute capaz de fazer

algueacutem esquecer que tem conhecimento do viacutecio de origem

Tambeacutem seraacute esse o raciociacutenio na situaccedilatildeo oposta sendo de maacute-feacute a anterior a

ldquoacessatildeo soacute ocorreraacute dentro dos limites daquela que tiver menor acircmbitordquo Por isso ldquo()

tratando-se de posses de boa e de maacute-feacute a posse considerada deve ser a de maacute-feacute por

ter menor acircmbitordquo tal qual a soluccedilatildeo preconizada no artigo 1256 do Coacutedigo Civil

portuguecircs em vigor15 e defendida por uma consideraacutevel parte da doutrina daquele

paiacutes16 Eacute certo que se o sucessor tem posse de boa-feacute a junccedilatildeo de sua posse com a do

seu antecessor de maacute-feacute pode ser desvantajosa posto que o prazo da usucapiatildeo

12 CHAMOUN Ebert Direito civil aulas do 4ordm ano proferidas na Faculdade de Direito da Universidade Do Distrito Federal Rio de Janeiro AURORA 1955 p 47 TEPEDINO Gustavo ldquoDireito das coisasrdquo (arts1196-1276)rdquo In AZEVEDO Antocircnio Junqueira (Coord) Comentaacuterios ao coacutedigo civil Vol14 ndash direito das coisas (arts1196-1276) Satildeo Paulo Saraiva 2011 p49 Em harmonia de princiacutepio com tal entendimento foi aprovado em 2011 o enunciado 494 da V Jornada de Direito Civil do CJFSTJ cuja redaccedilatildeo eacute a seguinte ldquoA faculdade conferida ao sucessor singular de somar ou natildeo o tempo da posse de seu antecessor natildeo significa que ao optar por nova contagem estaraacute livre do viacutecio objetivo que maculava a posse anteriorrdquo AGUIAR Jr Ruy Rosado de (Coord) Jornadas de direito civil I III IV e V enunciados aprovados Brasiacutelia Conselho da Justiccedila Federal Centro de Estudos Judiciaacuterios 2012 Disponiacutevel em httpwwwcjfjusbrenunciadosenunciado563 Acesso em 06062016 13 Esta eacute a razatildeo pela qual Carvalho Santos entende que ldquo() a posse [do sucessor singular] comeccedilando na proacutepria pessoa deste natildeo sendo a continuaccedilatildeo da posse daquele a quem havia recebido a coisa natildeo pode participar dos viacutecios que esta possa terrdquo CARVALHO SANTOS JM Coacutedigo civil interpretado cit 1961 p72 14 ALBALADEJO Manuel Derecho civil VolIII ndash derecho de bienes 11ordfed Madrid Edisofer 2010 p77 15 Artigo 1256ordm (Acessatildeo da posse) 1 - Aquele que houver sucedido na posse de outrem por tiacutetulo diverso da sucessatildeo por morte pode juntar agrave sua a posse do antecessor 2 - Se poreacutem a posse do antecessor for de natureza diferente da posse do sucessor a acessatildeo soacute se daraacute dentro dos limites daquela que tem menor acircmbito 16 SANTOS JUSTO A dos Direitos reais 4ordfed Coimbra Coimbra Editora 2012 p201 RODRIGUES Manuel A posse Estudo de direito civil portuguecircs 4ordfed Coimbra Coimbra Editora 1996 p252 LIMA Fernando Andrade Pires de MATOS ANTUNES VARELA Joatildeo de Coacutedigo civil anotado VolIII 3ordfed Coimbra Coimbra Editora 1984 p15 OLIVEIRA ASCENSAtildeO Joseacute de Direito civil ndash reais 5ordfed Coimbra Coimbra Editora 2012 p115

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extraordinaacuteria eacute geralmente mais extenso e eventualmente a adiccedilatildeo seria insuficiente

para alcanccedilaacute-lo17

Mas uma pergunta ainda precisa ser respondida por que motivo o sucessor decidiria

natildeo somar o seu tempo de posse com o seu antecessor Por que razatildeo ele deixaria de

fazer algo que ao menos em princiacutepio o aproximaria do cumprimento dos requisitos

necessaacuterios para usucapir

O motivo mais visiacutevel seria o conhecimento da existecircncia de um viacutecio de origem na

posse do antecessor uma vez descoberta a injusticcedila eou a maacute feacute da posse do

transmitente o sucessor singular optaria por natildeo realizar a soma dos periacuteodos de

exerciacutecio para natildeo ldquocontaminarrdquo a posse que tem Eacute o entendimento exposto por Joseacute

de Oliveira Ascensatildeo

O possuidor pode ter interesse em invocar unicamente a sua posse e

natildeo se valer da do antecessor Isto aconteceraacute sempre que as

caracteriacutesticas da posse anterior impliquem uma qualificaccedilatildeo mais

desfavoraacutevel que natildeo seja compensada pela maior duraccedilatildeo que da

acessatildeo resultaria Assim aconteceraacute em muitos casos quando a posse

anterior for de maacute-feacute e a actual for de boa-feacute18

O problema eacute que se o sucessor inter vivos descarta a acessio com base no

conhecimento de que a posse do antecessor contraria direito alheio ele natildeo poderaacute

alegar que ignora tal fato Eacute o que fica subentendido na passagem acima notadamente

o trecho onde se lecirc ldquo() as caracteriacutesticas da posse anterior impliquem uma

qualificaccedilatildeo mais desfavoraacutevel que natildeo seja compensada pela maior duraccedilatildeo que da

acessatildeo resultariardquo A possibilidade da avaliaccedilatildeo daquilo que eacute mais ou menos

vantajoso soacute tem sentido se o accipiens tem conhecimento dos viacutecios da posse de

origem E se ele dispotildee desse conhecimento mesmo que decida natildeo realizar a acessio

jaacute seraacute possuidor de maacute-feacute Como consequecircncia ele soacute poderia usucapir na modalidade

extraordinaacuteria pois na modalidade ordinaacuteria a posse de boa-feacute eacute expressamente

exigida

Eacute necessaacuterio registrar que a maacute-feacute do accipiens natildeo pode ser presumida razatildeo pela

qual a ldquovaloraccedilatildeo eacutetica de sua condutardquo nesse sentido deve ser provada Eacute mesmo

possiacutevel imaginar que algueacutem com orientaccedilatildeo adequada de um profissional prefira

nem tomar conhecimento da situaccedilatildeo do seu antecessor para natildeo correr o risco de

17 Eacute a criacutetica incisivamente feita por ABREU Abiacutelio Vassalo ldquoA necessidade de uma mudanccedila jurisprudencial em mateacuteria de acessatildeo da posse (Art1256ordm do Coacutedigo Civil)rdquo In Revista da Ordem dos Advogados Lisboa outdez 2012 pp 1247-1322 p1294 18 OLIVEIRA ASCENCcedilAtildeO Joseacute de Direito civil ndash reais cit p115

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incorrer em maacute-feacute e soacute conte com o seu proacuteprio prazo para usucapir Ainda que tal

providecircncia soacute seja plausiacutevel novamente em funccedilatildeo de alguma suspeita de

irregularidade da posse antecedente qualquer questionamento acerca do conhecimento

ou natildeo dos viacutecios diz respeito aos viacutecios subjetivos da posse

De todo modo vecirc-se que a possibilidade de saneamento dos viacutecios objetivos pela natildeo

realizaccedilatildeo da acessio eacute em primeiro lugar tecnicamente questionaacutevel quando

analisada sob o prisma objetivo de que natildeo se pode transmitir mais direitos do que se

tem Jaacute no plano subjetivo a tese de que a opccedilatildeo pela natildeo realizaccedilatildeo da soma natildeo tenha

decorrido do conhecimento dos viacutecios de origem pelo sucessor natildeo eacute criacutevel ainda que

precise ser provada E se isto eacute assim ainda que se entenda que os viacutecios objetivos

tenham sido purgados o pretenso saneamento seria inoacutecuo sendo de maacute-feacute o sucessor

soacute poderaacute usucapir na modalidade extraordinaacuteria Assim ainda que existam boas

razotildees para natildeo realizar a soma das posses isso natildeo aumenta em nada as chances de

usucapir

3 Posse justa e de boa-feacute na aquisiccedilatildeo derivada o caso da posse ldquojusta

poreacutem ilegiacutetimardquo

Sendo a posse um direito eacute possiacutevel que haja questionamento acerca da regularidade

da transmissatildeo todas as normas atinentes agrave nulidade e agrave anulabilidade dos negoacutecios

juriacutedicos incidiriam na hipoacutetese E qual a consequecircncia de uma transmissatildeo feita por

negoacutecio juriacutedico invaacutelido Ela impediria a soma caso o sucessor a desejasse Obstaria a

aquisiccedilatildeo pela usucapiatildeo na modalidade ordinaacuteria

O entendimento de que a falta de uma transmissatildeo vaacutelida impede a acessio posto que

colocaria em xeque a proacutepria existecircncia de um ldquoantecessorrdquo e um ldquosucessorrdquo eacute

solidamente prevalecente na dogmaacutetica e na jurisprudecircncia portuguesa19 onde se o

negoacutecio eacute invaacutelido a adiccedilatildeo de posse eacute incabiacutevel Mas essa exigecircncia soacute tem fundamento

como requisito de uma posse justa por parte do accipiens e no pressuposto de que a do

tradens tambeacutem eacute justa visto que no caso oposto o viacutecio seria transmitido

Mas ainda que o negoacutecio juriacutedico seja invaacutelido haacute sucessor e antecessor ou seja haacute

produccedilatildeo de efeitos mesmo que comprometidos pela invalidade na transmissatildeo E

19 SANTOS JUSTO A dos Direitos reais 4ordfed cit p200 RODRIGUES Manuel A posse Estudo de direito civil portuguecircs cit p252 LIMA Fernando Andrade Pires de MATOS ANTUNES VARELA Joatildeo de Coacutedigo civil anotado VolIII 3ordfed cit p15 OLIVEIRA ASCENSAtildeO Direito civil ndash reais cit p115

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neste caso a posse adquirida eacute derivada razatildeo pela qual a regra que ldquoningueacutem pode

transmitir mais direitos do que temrdquo permanece atuante

Qualquer irregularidade na transmissatildeo soacute pode ter duas consequecircncias a invalidade

do tiacutetulo motivo pelo qual a posse seria injusta ou o questionamento acerca da

caracterizaccedilatildeo do justo tiacutetulo como tal tendo em vista o requisito da usucapiatildeo

ordinaacuteria Usando a terminologia de Manuel A Albaladejo ldquono plano juriacutedicordquo

qualquer que seja a dimensatildeo da incorreccedilatildeo na transmissatildeo o resultado praacutetico seria o

de uma posse injusta visto que ldquono plano faacuteticordquo o sucessor teria de fato os poderes

caracteriacutesticos de um possuidor regular pois age como se fosse o proprietaacuterio que

adquiriu a posse de outrem20

Em tais condiccedilotildees uma eventual invalidade do tiacutetulo natildeo impede a acessio eis que

efetivamente houve uma sucessatildeo no exerciacutecio faacutetico dos poderes inerentes agrave

caracterizaccedilatildeo da posse21 A consequecircncia possiacutevel na hipoacutetese seria a interdiccedilatildeo da via

que leva agrave usucapiatildeo ordinaacuteria mas natildeo por conta da injusticcedila da posse que daiacute

decorreria e sim em razatildeo de um eventual questionamento acerca do cumprimento do

requisito ldquojusto tiacutetulordquo especificamente exigido pelo Coacutedigo Civil brasileiro na

modalidade

Eacute ainda possiacutevel vislumbrar uma posse justa mas ilegiacutetima na aquisiccedilatildeo derivada

porque o caminho do negoacutecio juriacutedico natildeo configura viacutecio mesmo que ele seja

irregular Mas essa leitura pressupotildee uma diferenciaccedilatildeo entre as palavras ldquoviacuteciordquo e

ldquoobstaacuteculordquo na redaccedilatildeo do artigo 1200 do Coacutedigo Civil22 Isto porque se a posse injusta eacute

aquela que foi obtida de modo viciado (violecircncia clandestinidade ou precariedade) e a

posse de boa-feacute eacute aquela onde o possuidor ignora a ocorrecircncia de ldquoviacutecios ou obstaacuteculosrdquo

na sua aquisiccedilatildeo uma diferenciaccedilatildeo entre as duas palavras tambeacutem cria a oportunidade

de visualizaccedilatildeo de uma posse ldquojustardquo ndash por natildeo ter sido obtida por nenhuma das

formas indicadas na redaccedilatildeo do artigo 1200 do Coacutedigo Civil ndash mas de boa-feacute eis que o

possuidor ignora o ldquoobstaacuteculordquo de outro tipo existente em torno da posse que exerce Eacute

um outro caminho pelo qual eacute possiacutevel chegar ao resultado de uma posse justa e boa

para usucapir

20 ALBALADEJO Manuel A Derecho civil VolIII cit 2010 p73 21 ABREU Abiacutelio Vassalo ldquoA necessidade de uma mudanccedila jurisprudencial em mateacuteria de acessatildeo da posse (Art1256ordm do Coacutedigo Civil)rdquo cit p1297 CORDEIRO A Menezes A posse perspectivas dogmaacuteticas actuais 3ordfed Lisboa Almedina 2014 p136 LEITAtildeO MENEZES Luiacutes Manuel Teles de Direitos reais 4ordfed Lisboa Almedina 2013 p138 22 Art 1200 Eacute justa a posse que natildeo for violenta clandestina ou precaacuteria

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Seria esse o caso da posse obtida por meio de um negoacutecio juriacutedico nulo ou anulaacutevel

bem como no da aquisiccedilatildeo a non domino hipoacuteteses nas quais poder-se-ia dizer que natildeo

haacute propriamente ldquoviacuteciordquo mas tampouco uma posse escorreita Por isto alguns

doutrinadores fazem referecircncia a uma posse justa mas ldquoilegiacutetimardquo23 o que permitiria a

aquisiccedilatildeo pela usucapiatildeo ordinaacuteria que tem prazos menores quando comparada a

extraordinaacuteria

Mas aqui parece vigorar um eufemismo pois uma posse ldquojusta poreacutem ilegiacutetimardquo natildeo

altera o fato de que o direito do proprietaacuterio do bem a ser usucapido estaacute sendo

afrontado eis que o objetivo final eacute passar a ser o titular do direito que ele hoje tem Se

a posse eacute ldquoilegiacutetimardquo isso significa que o modo pelo qual ela foi obtida eacute de alguma

forma irregular E se a posse pode ser ldquojusta poreacutem ilegiacutetimardquo isto significa que o fato

dela ser irregular ndash contraacuteria ao direito portanto ndash natildeo eacute um elemento impeditivo da

usucapiatildeo E se a posse pode ser justa permanecer irregular e mesmo assim continuar

ldquoboa para usucapirrdquo para que serve falar de saneamento afinal

4 Questionando a ocorrecircncia dos viacutecios

A usucapiatildeo expressa o caso em que algueacutem perde a titularidade de um bem pelo fato

de que outra pessoa natildeo autorizada permaneceu exercendo posse sobre a coisa durante

um nuacutemero determinado de anos Em tais condiccedilotildees eacute difiacutecil ateacute visualizar como seria

possiacutevel uma ldquoposse justa ad usucapionemrdquo na aquisiccedilatildeo originaacuteria E essa dificuldade

eacute tatildeo grande que autores como Pinto Ferreira24 conceituaram a posse ad usucapionem

como sendo aquela ldquode quem se assenhoreia de uma res nullius defendendo-a mansa e

pacificamente durante o tempo previsto em leirdquo O raciociacutenio eacute desenvolvido tambeacutem

por Pedro Nunes

Do fato da posse nasce o direito agrave prescriccedilatildeo aquisitiva () Para

adquirir por este modo o pretendente toma sempre uma posse

perdida ou abandonada A perda ocorre quando o dono da coisa

manifesta expressa ou tacitamente a intenccedilatildeo de natildeo mais tecirc-la

como sua ou a natildeo ocupa ou a deixa por incuacuteria ou negligecircncia

inteiramente ao abandono por longo espaccedilo de tempo Reputa-se

voluntaacuteria a perda quando o possuidor ou o ausente tendo ciecircncia do

apoderamento por terceiro de sua propriedade conforma-se com a

situaccedilatildeo natildeo procurando reconquistaacute-la25

23 Eacute o caso em BITTAR Carlos Alberto Direitos reais 2ordfed Rio de Janeiro Forense 2011 p41 COELHO Faacutebio Ulhocirca Curso de direito civil Vol4 ndash direito das coisas e direito autoral 3ordfed Satildeo Paulo Saraiva 2010 p38 NASCIMENTO Tupinambaacute Miguel Castro do Posse e propriedade Porto Alegre Livraria do Advogado 1986 p102 24 FERREIRA Luiz Pinto Posse accedilatildeo possessoacuteria e usucapiatildeo 2ordfed Satildeo Paulo Saraiva 1983 p29 25 NUNES Pedro Do usucapiatildeo 4ordfed Rio de Janeiro Freitas Bastos 1984 p27

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Haacute que se concordar para que algueacutem tenha posse de um bem de maneira natildeo

autorizada sem violar o direito de outrem ndash ou seja de forma justa ndash e

simultaneamente exercecirc-la no intuito de se tornar o titular do direito de propriedade

sobre tal coisa eacute preciso que ela natildeo tenha dono

A outra forma em tese seria questionando a proacutepria ocorrecircncia do viacutecio Os

especialistas discutem largamente por exemplo os termos nos quais uma accedilatildeo pode

ser considerada violenta26 o seu emprego para remoccedilatildeo de cercas muros ou tapumes eacute

suficiente para caracterizaccedilatildeo do viacutecio ou apenas o embate fiacutesico com uma pessoa que

resista ao esbulho

Como indicado parte da doutrina27 tem se esforccedilado para encontrar meios de tornar

justa a posse natildeo autorizada com o objetivo de ampliar as chances de usucapir Para

este caso o problema eacute que a ningueacutem parece dada a possibilidade de seriamente

alegar que desconhece que o apossamento natildeo autorizado atraveacutes do qual efetiva sua

posse sobre um bem imoacutevel contraria direito de outrem E tal afirmaccedilatildeo natildeo tem

objetivo de pocircr em questatildeo o fato de que tal apossamento possa ser a uacuteltima via para

obtenccedilatildeo de direitos fundamentais como a moradia e o trabalho

Os conflitos fundiaacuterios urbanos e rurais ocorrem em decorrecircncia da necessidade de

melhor distribuiccedilatildeo do acesso aos direitos de propriedade em grande medida pautados

pelo questionamento acerca do cumprimento e das consequecircncias da natildeo observacircncia

da funccedilatildeo social exigida em cada hipoacutetese Mas mesmo nesses casos o que haacute eacute um

questionamento da manutenccedilatildeo do direito de propriedade em favor daquele que deixa

de efetivamente exercecirc-lo ou o que o faz de modo indevido Natildeo se trata do

desconhecimento acerca do fato de que o apossamento realizado em tais circunstacircncias

confronta o alegado direito de outrem

26 Eacute tradicional o entendimento de que a caracterizaccedilatildeo da violecircncia vai aleacutem do uso da forccedila contra a proacutepria pessoa do possuidor Por todos Caio Maacuterio da Silva Pereira alerta que ldquoPosse violenta (adquirida vi) a que se adquire por ato de forccedila seja ela natural ou fiacutesica seja moral ou resultante de ameaccedilas que incutam na viacutetima seacuterio receio A violecircncia estigmatiza a posse independentemente de exercer-se sobre a pessoa do espoliado ou de preposto seu como ainda do fato de emanar do proacuteprio espoliador ou de terceirordquo (SILVA PEREIRA Caio Maacuterio da Instituiccedilotildees de direito civil VolIV ndash Direitos reais 22ordfed atualizada por Carlos Edison do Rego Monteiro Filho Rio de Janeiro Forense 2009 p21 Atualmente surge a discussatildeo sobre se o emprego da forccedila para remoccedilatildeo de obstaacuteculos como cercas ou tapumes em um imoacutevel abandonado caracterizaria ainda assim a violecircncia da posse Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald consideram que ldquo() natildeo eacute considerada violenta a posse caso o uso da forccedila se justifique para a remoccedilatildeo de obstaacuteculos fiacutesicos para o ingresso em bens abandonados (vg destruiccedilatildeo de cadeados ou supressatildeo de cercas) Pensamos que soacute haacute violecircncia quando o apossamento resulta de uma conduta contraacuteria agrave vontade do possuidor pelo fato de a coisa ser arrebatada de algueacutem que a isso se oponhardquo FARIAS Cristiano Chaves de ROSENVALD Nelson Curso de direito civil cit p106 27 Como visto nos pontos 2 e 3 do presente texto

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Mas haacute uma diferenccedila como indicado no significado da palavra ldquoinjustardquo quando em

referecircncia ao modo como a posse foi obtida e quando em referecircncia ao conteuacutedo da

soluccedilatildeo dada pelo legislador Uma posse pode ser ldquoinjustardquo em um aspecto formal

decorrente do fato de que foi obtida de forma natildeo autorizada mas ldquojustardquo porque de

um lado natildeo vem sendo utilizada pelo proprietaacuterio e de outro representa a

materializaccedilatildeo de direitos fundamentais sociais negligenciados pelo Estado O fato eacute

que justiccedila material da ocupaccedilatildeo de terrenos abandonados por pessoas que natildeo tem

acesso aos direitos de moradia frente agrave proprietaacuterios negligentes natildeo eacute incompatiacutevel

com o reconhecimento de que o apossamento natildeo foi autorizado e neste sentido

formal gera uma posse injusta

Eacute o que ocorre na dramaacutetica situaccedilatildeo dos conflitos fundiaacuterios urbanos em torno da

moradia Em um importante estudo de campo acerca dos conflitos em torno da terra no

Recife de 1978 Joaquim Falcatildeo detectou em sua pesquisa que ldquoOs invasores querem

ser proprietaacuterios Justificam a invasatildeo de propriedade alheia porque sobre o direito de

usar e dispor segundo a livre vontade do proprietaacuterio deve prevalecer o direito de

moradia de todosrdquo28

Bem se vecirc daiacute que o questionamento da legitimidade da propriedade natildeo utilizada

pressupotildee logicamente o conhecimento da sua existecircncia enquanto tal Natildeo se pode

questionar aquilo que se ignora E se natildeo se ignora natildeo eacute possiacutevel afirmar a boa-feacute Por

isto eacute que a alegaccedilatildeo de que ldquonem sempre o apossamento natildeo autorizado vai gerar uma

posse injustardquo natildeo tem funccedilatildeo nenhuma na definiccedilatildeo das chances de usucapir29 Natildeo eacute

28 FALCAtildeO Joaquim ldquoJusticcedila social e justiccedila legal conflitos de propriedade no Reciferdquo In FALCAtildeO Joaquim (org) Invasotildees urbanas ndash conflitos de direito de propriedade 2ordfed Rio de Janeiro FGV Editora 2008 p112-113 29 Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald questionam a injusticcedila do apossamento de um imoacutevel abandonado com um objetivo claro impedir que a tomada natildeo autorizada seja qualificada como esbulho Essa desqualificaccedilatildeo tem uma funccedilatildeo especiacutefica a de interditar a via da reintegraccedilatildeo por parte do proprietaacuterio que natildeo cumpriria o requisito ldquoprova do esbulhordquo tal qual exigido pelo artigo 561do CPC15 Nesse sentido a reflexatildeo dos autores atua mais na dinacircmica processual do conflito do que no acircmbito material dos requisitos para a usucapiatildeo Mas o entendimento de que defendem a necessidade de uma posse justa para usucapir decorre do trecho no qual os autores esclarecem que ldquo() a posse derivada dos atos de violecircncia ou clandestinidade poderaacute gerar usucapiatildeo extraordinaacuteria (art1238 CC) posto natildeo se exigir como requisitos formais ao alcance da propriedade em tal modalidade originaacuteria o justo tiacutetulo e a boa-feacuterdquo (FARIAS Cristiano Chaves de ROSENVALD Nelson Curso de direito civil Vol5 reais 11ordfed Satildeo Paulo Atlas 2015 p110) Como demonstrado a posse de boa-feacute soacute pode ser justa na hipoacutetese em que o bem eacute uma res nullius No que caso em que a ocupaccedilatildeo natildeo se qualifica como esbulho a usucapiatildeo ordinaacuteria eacute impossiacutevel pela ausecircncia de boa-feacute No caso da aquisiccedilatildeo da posse a non domino seria perfeitamente possiacutevel e coerente reconhecer uma posse injusta (se tambeacutem era a do antecessor) e de boa-feacute se o sucessor natildeo tiver conhecimento do viacutecio de origem Nesse sentido a posse injusta natildeo impediria a usucapiatildeo em nenhuma modalidade e se manteria a coerecircncia interna ante a ideia de que toda posse ad usucapionem eacute necessariamente natildeo autorizada e contraacuteria aos interesses do titular do direito a ser usucapido Por tudo isso eacute possiacutevel reconhecer que tambeacutem os citados autores entendem equivocadamente que a justiccedila da posse amplia as modalidades da usucapiatildeo disponiacuteveis

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de boa-feacute a posse daqueles que ocupam imoacutevel alheio sem autorizaccedilatildeo do proprietaacuterio30

pois por mais que o apossamento seja moralmente justificaacutevel os possuidores natildeo

ignoram o fato de que o bem eacute de outra pessoa E se isto eacute assim a modalidade

disponiacutevel de usucapiatildeo no caso seria a extraordinaacuteria Natildeo pelo caraacuteter injusto da

posse e sim pelo fato dela ser exercida sem justo tiacutetulo e boa-feacute

Nessa linha a tese aqui defendida mostra a sua coerecircncia eacute possiacutevel questionar se o

apossamento configura efetivamente um esbulho31 mas natildeo o fato de que numa ou

noutra hipoacutetese natildeo se ignora que o direito de outrem estaacute sendo afrontado com a

efetivaccedilatildeo da posse natildeo autorizada

30 Este eacute justamente um dos pontos apontados pela doutrina para o fracasso da efetividade da hipoacutetese de aquisiccedilatildeo prevista no artigo 1228 sectsect 4ordm e 5ordm do Coacutedigo Civil Algueacutem pode dizer seriamente que a posse dessas pessoas por mais legiacutetima que possa ser eacute de boa-feacute no sentido de que se ignora que o ato entra em rota de colisatildeo com o direito de outrem Em um dos raros casos nos quais a hipoacutetese foi aplicada sob o nome de ldquodesapropriaccedilatildeo privadardquo os magistrados entenderam que a boa-feacute ldquo() entendida como posse justa natildeo violenta natildeo clandestina ou precaacuteriardquo estava presente no caso concreto em anaacutelise tendo em vista que ldquoAs guias de IPTU juntada (sic) aos autos ldquo() atestam a boa-feacute do recorrido jaacute que o proacuteprio Municiacutepio o reconhecia como proprietaacuterio da aacutereardquo Tribunal de Justiccedila de Minhas Gerais Apelaccedilatildeo Ciacutevel nordm 1028408009185-3005 Rel Des Rogeacuterio Coutinho J 11032015 publicado em 20032015 Disponiacutevel em httpwww5tjmgjusbrjurisprudenciapesquisaPalavrasEspelhoAcordaodoampnumeroRegistro=9amptotalLinhas=48amppaginaNumero=9amplinhasPorPagina=1amppalavras=2522desapropriaE7E3o20judicial2522amppesquisarPor=acordaoamppesquisaTesauro=trueamporderByData=1ampreferenciaLegislativa=Clique20na20lupa20para20pesquisar20as20referEAncias20cadastradasamppesquisaPalavras=Pesquisaramp Acesso em 10012016 31 A reflexatildeo sobre o conceito de ldquoesbulhordquo jaacute vem sendo feita pela doutrina mais progressista Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald fazem esse debate no seu manual precisamente no ponto jaacute citado em que consideram que o apossamento natildeo autorizado de um imoacutevel abandonado gera uma posse justa Eacute uma outra forma de dizer que esse ato natildeo configura esbulho Nesse caminho criacutetico do conceito tradicional existem estudos importantes (como os existentes em STROZAKE Juvelino Joseacute (Org) Questotildees agraacuterias ndash julgados comentados e pareceres Satildeo Paulo Meacutetodo 2002 principalmente os artigos de Roberto Delmanto Jr pp167-182 Antonio Scarance Fernandes pp293-310 e Dyrceu Aguiar Cintra Dias Jr pp 219-230) O debate tambeacutem jaacute chegou aos tribunais No STJ a decisatildeo de referecircncia sobre o tema estaacute no HC 4399SP No voto do Min Luiz Vicente Cernicchiaro o magistrado explicita as razotildees pelas quais concede o HC em favor dos integrantes do MST ldquoNo esbulho possessoacuterio o agente dolosamente investe contra a propriedade alheia a fim de usufruir um de seus atributos (uso) ou alterar os limites do domiacutenio para enriquecimento sem causa No caso dos autos ao contraacuterio diviso pressatildeo social para concretizaccedilatildeo de um direito (pelo menos-interesse) No primeiro caso contraste de legalidade compreende aspectos material e formal No segundo substancialmente natildeo haacute iliacutecito algumrdquo Superior Tribunal de Justiccedila HC nordm4399-SP Luiz Vicente Cernicchiaro Voto Vogal p02 Rel Min William Patterson julgado em 12031996 DJ 08041996 p10491 Disponiacutevel em lthttpwwwstjjusbrSCONjurisprudenciatocjspprocesso=4399ampampb=ACORampthesaurus=JURIDICOampp=truegt Acesso em 13022014 No acircmbito da accedilatildeo de reintegraccedilatildeo de posse movida pelo Governo de Satildeo Paulo contra a ocupaccedilatildeo das escolas estaduais realizada pelos estudantes secundaristas ndash como forma de protesto contra o plano de reorganizaccedilatildeo escolar empreendido pelo Governo daquele Estado ndash o Tribunal de Justiccedila considerou que ldquoNatildeo se antevecirc em suma o animus possidendi ou o animus rem sibi habendi autorizantes do tratamento possessoacuterio da mateacuteria mas antes expressotildees de desobediecircncia civil frente agrave autecircntica violecircncia ciacutevica de que se consideram viacutetimas os manifestantesrdquo E ainda ldquo() natildeo haacute nessa narrativa e nem nos autos qualquer evidecircncia que a entidade sindical queira de modo ilegal apropriar-se dos bens puacuteblicos referidos no recurso tecircm-se que como todos reconhecemos durante a sessatildeo de julgamento a absoluta inadequaccedilatildeo da pretendida proteccedilatildeo possessoacuteria e portanto o tangenciamento da carecircncia da accedilatildeo por falta de interesse de agirrdquo Tribunal de Justiccedila ndash SP Agravo de Instrumento nordm2243232-252015826000 7ordf Cacircmara de Direito Puacuteblico Rel Min Coimbra Schmidt Julgado em 23112015 Disponiacutevel em lthttpsesajtjspjusbrcposgshowdoprocessoforo=990ampprocessocodigo=RI0032WUQ0000gt Acesso em 25112015

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Esse eacute afinal o ponto relevante para definiccedilatildeo da posse apta a gerar a usucapiatildeo pois a

hipoacutetese que ora se desenvolve eacute a de que toda posse ad usucapionem eacute sempre e

necessariamente uma posse injusta sendo capaz de viabilizar a usucapiatildeo tanto

extraordinaacuteria quanto a ordinaacuteria Eacute perfeitamente possiacutevel que o sucessor na posse

natildeo tenha conhecimento da maacutecula que existiu na sua aquisiccedilatildeo pelo antecessor

hipoacutetese na qual teria posse injusta em funccedilatildeo da transmissatildeo do viacutecio com justo tiacutetulo

e boa-feacute Como a ldquoposse injustardquo em sentido formal eacute o mesmo que ldquoposse natildeo

autorizadardquo natildeo haveria impedimento em usucapir na modalidade ordinaacuteria

5 A influecircncia do tempo no saneamento dos viacutecios da posse

As estrateacutegias de saneamento tecircm como objetivo transformar uma posse inicialmente

injusta em uma posse justa no pressuposto de que tal requisito eacute imprescindiacutevel para

que se possa usucapir Mas tais estrateacutegias satildeo tatildeo amplas e variadas que o saneamento

se torna praticamente inevitaacutevel para uma parte da doutrina a simples manutenccedilatildeo da

posse pelo curto periacuteodo de 1 ano faz com que ela perca o viacutecio de origem e se torne

apta a viabilizar a usucapiatildeo

Esta interpretaccedilatildeo eacute decorrente de uma leitura muito particular da norma processual

que reserva a tutela liminar para os casos nos quais a posse tenha sido perdida haacute

menos de ano e dia32 Trata-se da diferenccedila entre a chamada ldquoposse novardquo e a ldquoposse

velhardquo Se a posse do esbulhador estiver sendo exercida haacute mais de 1 ano o esbulhado

perde a possibilidade de uma reintegraccedilatildeo liminar pois trata-se de uma ldquoposse velhardquo

Isto natildeo impede que o esbulhado obtenha uma medida mais ceacutelere mas ele precisaria

utilizar a via da tutela antecipada prevista no artigo 273 do CPC73 e que hoje como

espeacutecie do gecircnero tutela de urgecircncia tem o seu conteuacutedo regulado pelos artigos 294-

311 do CPC1533 De uma maneira geral o esbulhado precisaria de provas mais robustas

de que seu direito foi violado Vecirc-se que o tempo de exerciacutecio da posse pelo esbulhador

tem reflexo na dinacircmica processual da retomada mas natildeo na qualificaccedilatildeo da posse em

disputa que continua sendo injusta

32 Art 924 Regem o procedimento de manutenccedilatildeo e de reintegraccedilatildeo de posse as normas da seccedilatildeo seguinte quando intentado dentro de ano e dia da turbaccedilatildeo ou do esbulho passado esse prazo seraacute ordinaacuterio natildeo perdendo contudo o caraacuteter possessoacuterio 33 No CPC15 a tutela cautelar ndash pautada no fumus boni iuris e periculum in mora ndash e a tutela antecipada ndash baseada em verossimilhanccedila do que eacute alegado fundado receio de dano ou abuso do direito de defesa ndash foram reunidas em torno da tutela provisoacuteria nos seguintes termos Art294 A tutela provisoacuteria pode fundamentar-se em urgecircncia ou evidecircncia Paraacutegrafo uacutenico A tutela provisoacuteria de urgecircncia cautelar ou antecipada pode ser concedida em caraacuteter antecedente ou incidental Os requisitos para tais medidas em muito semelhantes aos termos do CPC revogado de uma maneira geral estatildeo regulados como indicado entre os artigos 294 e 311

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Poreacutem uma parte importante da doutrina civiliacutestica brasileira interpreta as diferenccedilas

estabelecias pelo direito processual como uma outra estrateacutegia de saneamento

decorrente da simples passagem do tempo O pensamento eacute o de que se reintegraccedilatildeo

liminar natildeo eacute mais possiacutevel isso significa que a posse inicialmente injusta se

transformou em posse justa Este entendimento eacute adotado por doutrinadores como por

exemplo Maria Helena Diniz que indica expressamente ldquo() se o adquirente a tiacutetulo

clandestino ou violento provar que sua clandestinidade ou violecircncia cessaram haacute mais

de ano e dia sua posse passa a ser reconhecida convalescendo-se dos viacutecios que a

maculavamrdquo34

Tal interpretaccedilatildeo eacute criticaacutevel porque o fato do possuidor esbulhado ter que fazer uma

prova mais consistente do seu direito para que obtenha a tutela antecipada natildeo

significa que a posse do esbulhador tenha passado a ser justa Significa apenas que

tendo em vista que o momento do esbulho natildeo eacute mais tatildeo niacutetido a prova para a

retomada da posse deve ser mais substancial para que a tutela seja concedida Mas o

apossamento natildeo autorizado ocorreu

Da mesma forma quando se tem em conta que natildeo haacute nenhuma modalidade de

usucapiatildeo com menos de 1 ano todas as vezes que o possuidor tiver superado tal prazo

o viacutecio teraacute sido expurgado razatildeo pela qual natildeo haveria hipoacutetese de possuidor com

tempo suficiente para usucapir que jaacute natildeo teria passado pelo ldquomarco saneadorrdquo35

Ainda entre os especialistas brasileiros Silvio Rodrigues36 defendeu a tese de que apoacutes

ano e dia de exerciacutecio da posse pelo esbulhador o possuidor esbulhado perderia o

direito de retomaacute-la pela via possessoacuteria cabendo apenas a accedilatildeo reivindicatoacuteria com

base no tiacutetulo Tal impossibilidade seria reflexo de que a posse inicialmente injusta pela

aquisiccedilatildeo violenta teria passado a ser justa tendo em vista a passagem do prazo

34 DINIZ Maria Helena Curso de direito civil brasileiro Vol4 ndash direito das coisas 26ordfed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p78 O posicionamento eacute tambeacutem encampado entre outros por NEDER Natal Usucapiatildeo de imoacuteveis 3ordfed Rio de Janeiro Forense 1989 p19 35 Tambeacutem por isso parece curiosa a hipoacutetese de saneamento pela passagem do tempo vislumbrada por COELHO Faacutebio Ulhocirca Curso de direito civil Vol4 ndash direito das coisas cit p39 ldquoA posse soacute deixa de ser violenta se o antigo possuidor natildeo se interessa pela retomada do bem ou natildeo obtendo sucesso no exerciacutecio do desforccedilo imediato desiste da luta Desaparecendo a violecircncia nesse caso a posse se torna justa () Em suma o desinteresse do desapossado em defender a sua posse descaracteriza a origem viciada da do novo possuidorrdquo De acordo com tal raciociacutenio todas as vezes que o possuidor tiver posse ad usucapionem pelo tempo necessaacuterio para usucapir a posse injusta teraacute se transformado em posse justa E se isso eacute assim para que serve o exame dos viacutecios objetivos 36 RODRIGUES Silvio Direito civil Vol5 ndash direito das coisas 28ordfed Satildeo Paulo Saraiva 2009 p25-27

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O raciociacutenio de Silvio Rodrigues parece uma meacutelange da soluccedilatildeo positivada em alguns

sistemas estrangeiros como vg no direito espanhol e no direito portuguecircs O

problema eacute que aqui ao contraacuterio do que ocorre nos ordenamentos dos dois maiores

paiacuteses da Peniacutensula Ibeacuterica natildeo haacute nenhuma disposiccedilatildeo normativa que ampare tal

interpretaccedilatildeo Em Portugal e na Espanha o decurso do prazo de um ano tem

primeiramente uma funccedilatildeo especiacutefica a de decretar o momento da perda da posse por

parte do possuidor esbulhado37 Eacute o mesmo raciociacutenio que no Brasil sustenta a previsatildeo

do artigo 122438 onde ainda que sem uma referecircncia objetiva de tempo eacute possiacutevel

verificar que o possuidor esbulhado natildeo perde o seu direito de posse no exato momento

em que ocorre a perda no plano faacutetico A funccedilatildeo dessa ficccedilatildeo39 tanto laacute quanto caacute

tambeacutem eacute a mesma garantir que natildeo haja soluccedilatildeo de continuidade no exerciacutecio da

posse quando intervalos intermitentes ocorrem40

De se ressaltar ainda que no ordenamento portuguecircs assim como no direito espanhol

o prazo de 1 ano corresponde tambeacutem agrave ldquocaducidaderdquo das accedilotildees de reintegraccedilatildeo ou

manutenccedilatildeo de posse41 Como o possuidor esbulhado natildeo pode mais utilizar tais accedilotildees

a interdiccedilatildeo da via possessoacuteria gera consequecircncias na compreensatildeo da manutenccedilatildeo dos

viacutecios No direito espanhol natildeo sem polecircmica o prazo de 1 ano de exerciacutecio da posse

pelo esbulhador configura hipoacutetese na qual ldquoel transcurso del tiempo sirve para

subsanar este vicio posesoriordquo42

37 Coacutedigo Civil espanhol ldquoArtiacuteculo 460 El poseedor puede perder su posesioacuten () 4 Por la posesioacuten de otro aun contra la voluntad del antiguo poseedor si la nueva posesioacuten hubiese durado maacutes de un antildeordquo Coacutedigo Civil portuguecircs ldquoArtigo 1267ordm (Perda da posse) 1 O possuidor perde a posse () d) Pela posse de outrem mesmo contra a vontade do antigo possuidor se a nova posse houver durado mais de um anordquo 38 Art 1224 Soacute se considera perdida a posse para quem natildeo presenciou o esbulho quando tendo notiacutecia dele se absteacutem de retornar a coisa ou tentando recuperaacute-la eacute violentamente repelido 39 No direito espanhol a doutrina diverge acerca do momento em que tem iniacutecio a posse do esbulhador Haacute quem entenda que a posse do esbulhador soacute tem iniacutecio apoacutes o prazo de 1 ano RODRIGUEZ-CANO Rodrigo Bercovitz Manual de derecho civil ndash derechos reales Madrid Bercal 2013 p77) Outros consideram que coexistem desde o iniacutecio duas posses sobre o bem posse de fato exercida pelo esbulhador e a posse de direito que ateacute o transcurso do prazo permanece na titularidade do esbulhado LOacutePEZ y LOacutePEZ Aacutengel M FERNANDEZ Rosario Valpuesta et all Derecho civil patrimonial Vol II Valencia Tirant lo Blanch 2014 p97 40 TEPEDINO Gustavo Comentaacuterios ao coacutedigo civil cit p192 DIacuteEZ-PICAZO Luis GULLOacuteN Antonio Sistema de derecho civil VolIII Tomo I (derechos reales en general) 8ordfed Madrid Tecnos 2013 p116 41 CORDEIRO Antoacutenio Menezes A posse perspectivas dogmaacuteticas actuais cit p112 SANTOS JUSTO A dos Direitos Reais 4ordfed cit p218 LOacutePEZ PAacuteSARO Eduardo Tutela Sumaria de la Posesioacuten (Interdicto de recobrar) Madrid Dykinson 2014 p187 O artigo 1282 do Coacutedigo Civil portuguecircs indica que ldquoA acccedilatildeo de manutenccedilatildeo bem como as de restituiccedilatildeo da posse caducam se natildeo forem intentadas dentro do ano subsequente ao acto da turbaccedilatildeo ou do esbulho ou ao conhecimento dele quando tenha sido praticado a ocultasrdquo Jaacute o diploma civil espanhol preceitua no seu artigo 19681 do Coacutedigo Civil espanhol ldquo Artiacuteculo 1968 Prescriben por el transcurso de un antildeo 1La accioacuten para recobrar o retener la posesioacutenrdquo 42 RODRIGUEZ-CANO Rodrigo Bercovitz Manual de derecho civil ndash derechos reales cit p73 No mesmo sentido ALBALADEJO Manuel A Derecho civil VolIII cit p63 DIacuteEZ-PICAZO Luis Fundamentos del derecho civil patrimonial VolIII las relaciones juriacutedico-reales el registro de la propiedad la posesioacuten 5ordfed Madrid Civitas 2008 p689

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Jaacute no direito portuguecircs o Coacutedigo Civil eacute expresso acerca da possibilidade de

saneamento dos viacutecios43 e a doutrina encampa unanimemente o entendimento de que

a posse eacute violenta ndash portanto injusta ndash apenas no tempo de duraccedilatildeo de seus efeitos44

Ou seja a posse violenta clandestina ou precaacuteria perde a condiccedilatildeo de viciosa no exato

instante em que se estabiliza Apoacutes a cessaccedilatildeo da violecircncia a posse passa a ser

perfeitamente apta a gerar a usucapiatildeo45

Mas ideia de que a posse eacute injusta apenas enquanto houver violecircncia ou

clandestinidade ao contraacuterio do direito luso natildeo tem respaldo no ordenamento

brasileiro apesar de ser defendida por nomes como os de Lenine Nequete46 e Arnoldo

Wald47 O artigo 1208 do Coacutedigo Civil alocado no capiacutetulo referente agrave aquisiccedilatildeo da

posse dispotildee claramente que ldquoNatildeo induzem posse os atos de mera permissatildeo ou

toleracircncia assim como natildeo autorizam a sua aquisiccedilatildeo os atos violentos ou clandestinos

senatildeo depois de cessar a violecircncia ou a clandestinidaderdquo Ou seja aqui enquanto a

violecircncia estiver sendo empregada natildeo haacute posse Apoacutes a sua cessaccedilatildeo a posse advinda

de tais atos eacute posse mas posse injusta48

Natildeo haacute duacutevida portanto de que o prazo de ldquoano e diardquo tem uma funccedilatildeo importante No

direito espanhol o prazo serve como marco da perda da posse da impossibilidade de

utilizaccedilatildeo das accedilotildees possessoacuterias e de saneamento dos viacutecios objetivos No direito

portuguecircs serve igualmente de referecircncia para identificaccedilatildeo do momento de perda da

posse e da caducidade da via possessoacuteria ao passo que os viacutecios satildeo considerados

sanados apoacutes a cessaccedilatildeo de seus efeitos

Em ambos os ordenamentos o expurgo dos viacutecios pela passagem do tempo tem

respaldo normativo ainda que as criacuteticas anteriormente feitas a este raciociacutenio no

direito brasileiro tambeacutem sejam aplicaacuteveis a tais sistemas natildeo havendo tambeacutem neles

nenhuma modalidade de usucapiatildeo com menos de 1 ano a ideia do saneamento da

43 Artigo 1297ordm (Posse violenta ou oculta) Se a posse tiver sido constituiacuteda com violecircncia ou tomada ocultamente os prazos da usucapiatildeo soacute comeccedilam a contar-se desde que cesse a violecircncia ou a posse se torne puacuteblica 44 Por todos CARVALHO Orlando de Direito das coisas Coimbra Coimbra Editora 2012 p283 45 FRANCcedilA PITAtildeO Joseacute Antoacutenio de Posse e usucapiatildeo Lisboa Almedina 2007 p74 FERREIRA Durval Posse e usucapiatildeo 3ordfed Lisboa Almedina 2008 p319 OLIVEIRA ASCENCcedilAtildeO Joseacute de Direito civil ndash reais cit p116 46 NEQUETE Lenine Da prescriccedilatildeo aquisitiva (usucapiatildeo) Porto Alegre Ediccedilatildeo Sulina 1954 p80 47 WALD Arnoldo Direito Civil direito das coisas Vol4 Satildeo Paulo Saraiva 2011 pp103-104 48 Segundo esclarece Joseacute Carlos Moreira Alves ldquo() para o Coacutedigo Civil brasileiro () enquanto materialmente existentes ndash ou seja enquanto se pratica a violecircncia ou haacute clandestinidade ndash impedem [tais viacutecios] a aquisiccedilatildeo ateacute da possessio ad interdicta havendo apenas detenccedilatildeo independente e uma vez cessados em sua materialidade surge a posse embora qualificada como injusta que produz as consequecircncias de qualquer posse injustardquo MOREIRA ALVES Joseacute Carlos ldquoA detenccedilatildeo no direito civil brasileiro (conceito e casos)rdquoIn CAHALI Yussef Said Posse e propriedade doutrina e jurisprudecircncia Satildeo Paulo Saraiva 1987 p20

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mesma forma que aqui natildeo tem funccedilatildeo nenhuma porque sempre que o usucapiente

tiver prazo para usucapir os viacutecios teratildeo deixado de existir

De se ressaltar ainda que o proacuteprio Silvio Rodrigues reconheceu que a sua tese natildeo

tinha fundamento legal Na nota de rodapeacute 28 do seu livro ldquoDireito das Coisasrdquo49 o

autor demonstrou que entendia que o Coacutedigo de Processo Civil de 1939 tinha extirpado

a ldquoaccedilatildeo de forccedila velha expoliativardquo do ordenamento brasileiro razatildeo pela qual para o

possuidor de mais de 1 ano e dia caberia apenas a via petitoacuteria o que sanearia o viacutecio na

aquisiccedilatildeo Isto porque segundo sua interpretaccedilatildeo ldquoBasta que ela [a posse] se estenda

pacificamente ou publicamente durante o intervalo de ano e dia para que fique

purgada de seus defeitosrdquo50 Mas o proacuteprio autor admitiu ao final da nota de rodapeacute

28 que o CPC de 73 ldquoextirpou a duacutevidardquo que poderia existir em torno da possibilidade

de accedilatildeo de reintegraccedilatildeo com mais de 1 ano e dia do esbulho que ldquomesmo intentadas

apoacutes o intervalo de ano e dia natildeo perdem o seu caraacuteter acessoacuteriordquo51 Mesmo criticando

a soluccedilatildeo do CPC reconhece que ldquo() a vontade do legislador manifestada de forma

irrefutaacutevel que deve prevalecerrdquo52 Fica claro portanto que natildeo haacute fundamento legal

para a tese de que a posse injusta se transforma em posse justa apoacutes ano e dia

6 Saneamento pelo cumprimento da funccedilatildeo social

Alguns estudos mais recentes tecircm indicado que os viacutecios objetivos da posse podem ser

considerados sanados uma vez constatado o cumprimento da funccedilatildeo social por parte do

esbulhador53

Mas o saneamento pelo cumprimento da funccedilatildeo social da posse pode ser

primeiramente criticado por que natildeo haacute qualquer dispositivo normativo em vigor no

ordenamento juriacutedico brasileiro que defina o que eacute e qual eacute o conteuacutedo da funccedilatildeo social

da posse A doutrina tem buscado dar substacircncia ao princiacutepio pela conexatildeo que

tradicionalmente eacute feita entre funccedilatildeo social da posse e a efetivaccedilatildeo de direitos

fundamentais como os de moradia e trabalho

49 RODRIGUES Silvio Direito civil Vol5 ndash direito das coisas cit p30 50 RODRIGUES Silvio Direito civil Vol5 ndash direito das coisas cit p30 51 O CPC15 eacute claro acerca do caraacuteter possessoacuterio da accedilatildeo proposta apoacutes o prazo de ldquoano e diardquo Art558 Regem o procedimento de manutenccedilatildeo e de reintegraccedilatildeo de posse as normas da Seccedilatildeo II deste Capiacutetulo quando a accedilatildeo for proposta dentro de ano e dia da turbaccedilatildeo ou do esbulho afirmado na peticcedilatildeo inicial Paraacutegrafo uacutenico Passado o prazo referido no caput seraacute comum o procedimento natildeo perdendo contudo o caraacuteter possessoacuterio 52 RODRIGUES Silvio Direito civil Vol5 ndash direito das coisas cit p30 nota28 53 MELO Marco Aureacutelio Bezerra de Curso de direito civil Vol5 ndash direito das coisas 2015 p73 FARIAS Cristiano Chaves de ROSENVALD Nelson Curso de direito civil Vol5 ndash reais cit p119

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Eacute possiacutevel tentar extrair essa conexatildeo da relaccedilatildeo entre posse e propriedade

considerando que a propriedade deve cumprir a funccedilatildeo social a posse tambeacutem deve ser

lida como subordinada a tal princiacutepio Mas se a funccedilatildeo social da propriedade eacute em

grande medida a ldquofunccedilatildeo social da posse exercida pelo proprietaacuteriordquo54 seraacute viaacutevel dizer

que o contraacuterio tambeacutem eacute verdadeiro Um possuidor de uma aacuterea de grande extensatildeo

de terra na zona rural estaacute obrigado a cumprir os mesmos preceitos direcionados ao

proprietaacuterio estabelecidos no artigo 184 da Constituiccedilatildeo E qual seria a consequecircncia

do descumprimento desse conteuacutedo por parte de quem eacute apenas o possuidor E no caso

da posse urbana qual o conteuacutedo a ser cumprido para que a funccedilatildeo social seja

contemplada

A falta de uma definiccedilatildeo sobre o conteuacutedo objetivamente definido para a funccedilatildeo social

da posse prejudica enormemente a sua utilizaccedilatildeo como criteacuterio para avaliaccedilatildeo do o

expurgo dos viacutecios objetivos Aleacutem de desnecessaacuteria a possibilidade do saneamento

atraveacutes de um princiacutepio tatildeo ldquomaleaacutevelrdquo tem como consequecircncia o seu reconhecimento

em um sem nuacutemero de situaccedilotildees tatildeo diacutespares que fica difiacutecil enxergar em que

circunstacircncia qualquer exerciacutecio regular da posse natildeo o atenderia

Nos tribunais fala-se em cumprimento da funccedilatildeo social quando a posse de um terreno eacute

utilizada para criaccedilatildeo de galinhas55 quando mesmo sem comprovar o tempo

necessaacuterio o possuidor prova que construiu lojas e quitinetes no imoacutevel que pretendia

usucapir56 ou ainda quando o imoacutevel a ser usucapido foi utilizado como garagem e aacuterea

de lazer durante o lapso temporal necessaacuterio agrave usucapiatildeo57

54 DANTAS Marcus Eduardo de Carvalho ldquoDa funccedilatildeo social da propriedade agrave funccedilatildeo social da posse exercida pelo proprietaacuterio ndash uma proposta de releitura do princiacutepio constitucionalrdquo RIL ndash Revista de Informaccedilatildeo Legislativa ano 52 n 205 p23-38 Mar 2015 p34 DANTAS Marcus Eduardo de Carvalho ldquoFunccedilatildeo social nos conflitos fundiaacuteriosrdquo Revista Direito GV Satildeo Paulo v9 n 2 p465-488 Dec 2013 p479 55 Tribunal de Justiccedila do Rio de Janeiro Apelaccedilatildeo nordm 0003045-5320028190061 Rel Des Gilda Maria

Dias Carrapatoso Julgamento 31072013 13ordf Cacircmara Ciacutevel Disponiacutevel em

httpwww1tjrjjusbrgedcachewebdefaultaspxUZIP=1ampGEDID=0004CC331928D8D3A72C15733D

069BD44D8BC50237206304 Acesso em 12032015 56 Tribunal de Justiccedila do Rio de Janeiro Apelaccedilatildeo nordm 0034331-2420108190205 Rel Des Andreacute

Ribeiro Julgamento 05062013 7ordf Cacircmara Ciacutevel Disponiacutevel em

httpwww1tjrjjusbrgedcachewebdefaultaspxUZIP=1ampGEDID=000421376D950C28F7B805418EE

F244E6857C5022B4D2D4CAcesso em 12032015 57 Tribunal de Justiccedila do Rio de Janeiro Apelaccedilatildeo nordm 0096918-8820058190001 Rel Des Antocircnio

Saldanha Palheiro Julgamento 12042011 5ordf Cacircmara Ciacutevel Disponiacutevel em

httpwww1tjrjjusbrgedcachewebdefaultaspxUZIP=1ampGEDID=0003FDB81056920E5F12D511F73

43C44001098C403252532 Acesso em 12032015

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Natildeo se trata aqui de uma avaliaccedilatildeo moral acerca daquilo que deve ou natildeo ser

considerado como o conteuacutedo da funccedilatildeo social A questatildeo eacute que sem um conteuacutedo bem

especificado a funccedilatildeo social deixa de ser um mecanismo de qualificaccedilatildeo da posse ela

natildeo tem serventia alguma como mecanismo de diferenciaccedilatildeo Se a utilizaccedilatildeo de um

terreno como garagem e lazer corresponde ao exerciacutecio da posse com funccedilatildeo social em

que circunstacircncia o exerciacutecio puro e simples da posse natildeo corresponderia a tal

princiacutepio Basta natildeo realizar uma atividade iliacutecita para cumprir a funccedilatildeo social da

posse Qual a diferenccedila entre ldquoter posserdquo e ldquoter posse com funccedilatildeo socialrdquo

A segunda linha de criacutetica se orienta pelo fato de que nem todas as modalidades de

usucapiatildeo existentes no ordenamento brasileiro tecircm uma conexatildeo visiacutevel com os temas

tradicionalmente considerados como caracteriacutesticos da funccedilatildeo social A usucapiatildeo

extraordinaacuteria prevista no caput do artigo 1238 do Coacutedigo Civil58 por exemplo natildeo

exige do possuidor que exerccedila a posse com fins de moradia tampouco que utilize o

imoacutevel como fonte de trabalho Isso mostra que o Coacutedigo diferencia as situaccedilotildees nas

quais a posse eacute exercida como meio de efetivaccedilatildeo dos direitos tradicionalmente

afinados com uma ideia geral de funccedilatildeo social e aquelas nas quais a posse eacute exercida

regularmente mas sem tal qualificaccedilatildeo especial Em tais condiccedilotildees o entendimento de

que a injusticcedila original da posse pode ser sanada pelo cumprimento da funccedilatildeo social

para a usucapiatildeo em geral ficaria ainda uma vez sem sentido pois o diploma civil natildeo

exige que a posse seja exercida como moradia ou fonte de trabalho em todas as

modalidades da usucapiatildeo

7 O ldquoteste do uso incompatiacutevelrdquo e a funccedilatildeo da posse injusta na usucapiatildeo

Apesar de todo esforccedilo doutrinaacuterio na defesa de formas pelas quais a posse injusta pode

deixar para traacutes o seu viacutecio de origem a doutrina tem um posicionamento tatildeo soacutelido

quanto incoerente acerca do viacutecio da precariedade o de que ele natildeo convalesce nunca

O entendimento eacute defendido por quase59 a totalidade dos especialistas sob o

58 Art 1238 Aquele que por quinze anos sem interrupccedilatildeo nem oposiccedilatildeo possuir como seu um imoacutevel adquire-lhe a propriedade independentemente de tiacutetulo e boa-feacute podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentenccedila a qual serviraacute de tiacutetulo para o registro no Cartoacuterio de Registro de Imoacuteveis Paraacutegrafo uacutenico O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-aacute a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imoacutevel a sua moradia habitual ou nele realizado obras ou serviccedilos de caraacuteter produtivo

59 Francisco Eduardo Loureiro eacute uma boa exceccedilatildeo agrave leitura predominante Nesse sentido ldquoDiz-se que a posse precaacuteria nunca gera usucapiatildeo Na verdade eacute ela imprestaacutevel para usucapiatildeo natildeo porque eacute injusta mas porque o precarista natildeo tem animus domini uma vez que reconhece a supremacia e o melhor direito do terceiro sobre a coisa Caso poreacutem natildeo reconheccedila ou deixe de reconhecer essa posiccedilatildeo e revele isso de modo inequiacutevoco e claro ao titular do domiacutenio para que este possa reagir e retomar a coisa nasce nesse momento o prazo para usucapiatildeo porque o requisito animus domini estaraacute entatildeo presente LOUREIRO Francisco Eduardo ldquoDireito das coisas (arts 1196-1510)rdquo In PELUSO Cezar (Coord) Coacutedigo civil interpretado Satildeo Paulo Manole 2008 p1092-1093

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argumento de que o descumprimento do dever de restituiccedilatildeo do bem soacute deixa de existir

quando a coisa eacute devolvida Enquanto o bem permanece com o esbulhador a posse

permanece injusta e nenhuma das taacuteticas anteriormente analisadas seria suficiente

para modificar tal condiccedilatildeo

Trata-se de uma interpretaccedilatildeo no miacutenimo insoacutelita pois acaba tornando o viacutecio da

precariedade mais grave que os outros se o esbulhador usa a violecircncia fiacutesica contra a

pessoa do esbulhado ele pode ver tal viacutecio sanado das formas mais diversas se a

aquisiccedilatildeo se daacute pela recusa da restituiccedilatildeo isso natildeo seria de forma alguma possiacutevel pela

ldquoquebra da confianccedilardquo Mas por que a ldquoquebra da confianccedilardquo eacute mais grave que o uso da

forccedila fiacutesica Aleacutem de natildeo parecer razoaacutevel trata-se de uma interpretaccedilatildeo que atribui

uma vantagem injustificaacutevel em favor do proprietaacuterio Independentemente do que ele

tiver feito ou deixado de fazer para retomar o bem o fato da posse ser injusta

bloquearia a usucapiatildeo para sempre

Como indicado a discussatildeo acerca das circunstacircncias nas quais algueacutem pode se tornar

proprietaacuterio pela usucapiatildeo eacute tambeacutem uma discussatildeo acerca das condiccedilotildees nas quais

algueacutem pode legitimamente exercer o seu direito de propriedade Eacute possiacutevel

reconhecer poreacutem que a doutrina brasileira tem dado uma ecircnfase talvez desmesurada

na atuaccedilatildeo do possuidor deixando de investigar a dimensatildeo real do papel do

proprietaacuterio nesse jogo Soacute haveraacute usucapiatildeo se o proprietaacuterio de algum modo se

mantiver inerte na recuperaccedilatildeo do bem E se o proprietaacuterio deixou de tomar as

providencias necessaacuterias agrave tutela do seu direito durante um periacuteodo que pode variar de

2 a 15 anos eacute porque ele tambeacutem contribuiu para a consolidaccedilatildeo da posse do

usucapiente Como seria o cenaacuterio se a ecircnfase no processo recaiacutesse sobre o

proprietaacuterio Se independentemente da preocupaccedilatildeo com a caracterizaccedilatildeo de

eventuais viacutecios da posse incidisse principalmente sobre o titular a responsabilidade de

agir para que a usucapiatildeo natildeo se consumasse

Um caso interessante nesse sentido ndash e pouco estudado no Brasil ndash eacute o chamado

ldquoJAPye (Oxford) Ltd v Grahamrdquo ou apenas ldquoCase Pyerdquo como ficou conhecido De

forma muito resumida a empresa do ramo imobiliaacuterio JA Pye (Oxford) Ltd adquiriu

um terreno em Berkshire oeste de Londres com o objetivo de desenvolver um

empreendimento imobiliaacuterio e obteve o respectivo registro como proprietaacuteria da aacuterea

Apoacutes realizar a venda de uma parte do terreno a empresa inglesa celebrou um contrato

de 1 ano com a famiacutelia Graham por meio do qual seus integrantes ficavam autorizados a

utilizar os 25 hectares restantes da aacuterea como pasto Apoacutes o teacutermino do contrato os

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Graham procuraram a empresa com objetivo de obter uma renovaccedilatildeo mas a J A Pye

Ltd se recusou a fazecirc-lo Apesar disso Caroline e Michael Graham continuaram a

ocupar o terreno e a utilizaacute-lo como pasto por mais 12 anos com o conhecimento da

empresa mas sem o seu consentimento ainda que a J A Pye Ltd tenha se mantido

inerte quanto agraves providecircncias necessaacuterias para impedir a permanecircncia natildeo autorizada

dos Graham no local Apoacutes os 12 anos de exerciacutecio natildeo autorizado da posse os Graham

solicitaram o reconhecimento dos seus direitos sobre a referida aacuterea o que foi

concedido pelo registro com base na ldquoadverse possessionrdquo ou seja na usucapiatildeo

A decisatildeo gerou um sem nuacutemero de polecircmicas e modificaccedilotildees de rumo chegando ateacute

ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos onde no julgamento da Queixa

nordm4430202 foi dado ganho de causa ao Reino Unido e por consequecircncia agrave famiacutelia

Graham Em um primeiro momento a ldquoCourt of Appealrdquo deu decisatildeo favoraacutevel agrave

empresa ldquoPyerdquo com base entre outros motivos no fato de que a famiacutelia Graham natildeo

tinha ldquothe necessary intention to possessrdquo ou seja o acircnimo de dono Considerando-se

que no direito inglecircs vigora o chamado ldquoprocedural approachrdquo no que tange agrave usucapiatildeo

ndash a ecircnfase no aspecto processual da disputa ndash a referecircncia ao animus possidendi foi

considerada uma inovaccedilatildeo surpreendente60 De fato uma vez que os agricultores

permaneceram apenas fazendo aquilo que jaacute faziam quando do contrato em vigor os

julgadores da ldquoCourt of Appealrdquo entenderam que natildeo havia a intenccedilatildeo de passar a ser o

dono do lugar contrapondo-se frontalmente ao direito da empresa61 A decisatildeo foi

objeto de recurso agrave ldquoHouse of Lordsrdquo que deu ganho de causa agrave Caroline Graham62

Ainda inconformada a empresa ldquoPyerdquo entrou com novo recurso e como indicado o

caso chegou ateacute ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos sob a alegaccedilatildeo de que o

Reino Unido havia violado o direito de propriedade da J A Pye Ltd descumprindo a

garantia prevista no artigo 1ordm do Protocolo Adicional nordm 1 da Convenccedilatildeo Europeia dos

Direitos do Homem63 A decisatildeo final foi favoraacutevel ao Reino Unido e

60 RADLEY-GARNER Oliver ldquoCivilized Squattingrdquo Oxford Journal of Legal Studies (winter 2005) 25 (04) p728 61 A discussatildeo pode ser conhecida em httpwwwpublicationsparliamentukpald200102ldjudgmtjd020704graham-3htm Acesso em 13122014 62 O voto de maior peso no julgamento foi o de Lord Browne-Wilkinson por ter considerado que ao contraacuterio do que se exigia ateacute entatildeo a partir do momento em que os Graham continuaram a pastorear a terra sem a autorizaccedilatildeo da ldquoJAPyerdquo eles passaram a ter posse em nome proacuteprio o que independentemente de um conflito aberto seria suficiente para viabilizar a adverse possession O voto na iacutentegra pode ser lido em ldquoHouse of Lords Judgments ndash J A Pye (Oxford) Ltd and Others v Graham and Another on 4 July 2002rdquo httpwwwpublicationsparliamentukpald200102ldjudgmtjd020704graham-1htm Acesso em 13122014 63 ldquoQualquer pessoa singular ou colectiva tem direito ao respeito dos seus bens Ningueacutem pode ser privado do que eacute sua propriedade a natildeo ser por utilidade puacuteblica e nas condiccedilotildees previstas pela lei e pelos princiacutepios gerais do direito internacional

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consequentemente agrave famiacutelia Graham sob diversos argumentos Destacam-se para fins

do presente estudo a ideia de que a usucapiatildeo deve ser encarada como um mecanismo

de controle ou regulamentaccedilatildeo do uso dos bens eis que eacute de interesse geral saber quem

efetivamente eacute responsaacutevel pelo imoacutevel bem como pelos tributos decorrentes de tal

condiccedilatildeo o que remete agrave seguranccedila juriacutedica 64

Entre diversas questotildees importantes o episoacutedio mostra como em grande medida a

dogmaacutetica juriacutedica brasileira tem abordado o tema da usucapiatildeo de maneira a ampliar

os poderes do proprietaacuterio Uma atenccedilatildeo desmesurada tem sido dada agrave posse do

usucapiente sempre cheia de requisitos a cumprir escamoteando-se as

responsabilidades do titular do direito a ser usucapido

Desde logo salta aos olhos o fato de que na hipoacutetese do ldquoCase Pyerdquo o poder da famiacutelia

Graham sobre o terreno poderia no Brasil ser qualificado como uma situaccedilatildeo de mera

toleracircncia hipoacutetese na qual natildeo haveria verdadeiramente posse conforme indicaccedilatildeo do

artigo 1208 do Coacutedigo Civil brasileiro Mas eacute preciso reconhecer que apesar da empresa

ldquoPyerdquo ter ldquotoleradordquo a presenccedila dos Graham o fato eacute que a ineacutercia de ldquoPyerdquo se deu em

momento posterior agrave negativa de renovaccedilatildeo do contrato o que demonstra o interesse

em natildeo perpetuar a presenccedila da famiacutelia Graham no local A recusa agrave renovaccedilatildeo e a

ineacutercia fariam entatildeo com que a hipoacutetese passasse a ser encarada como uma ldquoposse

precaacuteriardquo justamente o viacutecio que a doutrina brasileira insiste em considerar insanaacutevel

e portanto incapaz de gerar a usucapiatildeo

Mas o episoacutedio mostra que quando algueacutem exerce posse sobre o bem de outrem

diversos pontos de vista podem ser utilizados para analisar a questatildeo o proprietaacuterio

permitiu tal exerciacutecio Ele tomou as providecircncias necessaacuterias para recuperar o bem O

possuidor adverso sabia que o bem era de outra pessoa e se negou a devolvecirc-lo

As condiccedilotildees precedentes entendem - se sem prejuiacutezo do direito que os Estados possuem de pocircr em vigor as leis que julguem necessaacuterias para a regulamentaccedilatildeo do uso dos bens de acordo com o interesse geral ou para assegurar o pagamento de impostos ou outras contribuiccedilotildees ou de multasrdquo No original ldquoThe preceding provisions shall not however in any way impair the right of a State to enforce such laws as it deems necessary to control the use of property in accordance with the general interest or to secure the payment of taxes or other contributions or penaltiesrdquo European Court of Human Rights ldquoCase JA Pye (Oxford) Ltd and JA Pye (Oxford) Land Ltd v The United Kingdom Alleged Violation of Article 1 of Protocol nordm 1 Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-82172itemid[001-82172] Acesso em 03032014 64 ABREU Abiacutelio Vassalo Titularidade Registral do Direito de Propriedade Imobiliaacuteria versus usucapiatildeo (adverse possession) Coimbra Coimbra Editora 2011 p83

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Nesses termos o modelo processual inglecircs indica que a reflexatildeo acerca da usucapiatildeo

tambeacutem deve englobar uma meditaccedilatildeo sobre a atuaccedilatildeo do proprietaacuterio na recuperaccedilatildeo

do seu direito pois nada acontece se ele agir de maneira ceacutelere Mesmo apoacutes a negativa

de permanecircncia da famiacutelia Graham a empresa Pye permaneceu 12 anos sem tomar as

providecircncias necessaacuterias para a desocupaccedilatildeo do local Eacute um espaccedilo consideraacutevel de

tempo Seria razoaacutevel entender que por ser ldquoinsanaacutevelrdquo o viacutecio da precariedade nunca

admitiria a consumaccedilatildeo da usucapiatildeo em favor dos Graham

Aleacutem de problemaacutetica essa interpretaccedilatildeo ressuscita o problema da ldquoposse eternamente

injustardquo o esbulhador nunca poderia usucapir mesmo se o esbulhado natildeo procurar

retomar a sua posse Ao que tudo indica a impossibilidade de saneamento do viacutecio da

precariedade reflete a um imperativo moral a quebra da confianccedila depositada deve ser

punida com a perenidade do caraacuteter injusto E aqui se abre a oportunidade de discutir

afinal qual eacute a funccedilatildeo da anaacutelise da injusticcedila como meio de barreira para a usucapiatildeo

Quando se faz referecircncia agraves diversas teacutecnicas de saneamento dos viacutecios eacute preciso

reconhecer que elas natildeo podem ser lidas como um modo de suplantar o fato de que a

posse do usucapiente natildeo foi autorizada e eacute exercida de forma contraacuteria aos interesses

do titular porque essa eacute uma condiccedilatildeo necessaacuteria para que a usucapiatildeo ocorra Ainda

que natildeo haja uma ldquobatalha campalrdquo em busca da posse ldquoCrucially the adverse

possessorrsquos use must be without permission (ldquoadverserdquo)rdquo65 A aquisiccedilatildeo sem autorizaccedilatildeo

e o exerciacutecio contraacuterio aos interesses do titular satildeo pressupostos para a usucapiatildeo

Em tais condiccedilotildees as estrateacutegias que visam a ldquoeliminaccedilatildeo da injusticcedilardquo pelo expurgo

dos viacutecios de origem soacute podem ser compreendidas como vias pelas quais se pretende

superar o chamado ldquoparadoxo moralrdquo66 aparentemente existente em torno da proacutepria

ideia de usucapiatildeo qual a justificativa para que algueacutem perca o seu direito de

propriedade em funccedilatildeo da atuaccedilatildeo natildeo autorizada de outra pessoa

Mas a falta de precisatildeo doutrinaacuteria na referecircncia agrave justiccedila ou injusticcedila da posse faz com

que a exigecircncia de que a posse ad usucapionem seja uma posse ldquojustardquo gere a falsa

ideia de que a atuaccedilatildeo do usucapiente estaacute em conformidade com o direito E as

estrateacutegias de saneamento reforccedilam essa confusatildeo ao se voltarem para o modo como a

posse foi adquirida Elas servem como uma justificativa para tentar amainar a ilicitude

65 MERRIL Thomas W SMITH Henry E Property Oxford Oxford University Press 2010 p36 66 KATZ Larissa ldquoThe moral paradox of adverse possession sovereignty and revolution in property lawrdquo McGill Law Journal Vol55 2010 pp47-80 cit p 59

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do apossamento mas isso eacute virtualmente impossiacutevel sem jogar o instituto em um non

sense pois a contrariedade da posse ad usucapionem eacute intriacutenseca a usucapiatildeo

Quando se diz que a posse do usucapiente eacute sempre injusta isso significa que ela natildeo

estaacute autorizada de forma alguma e se coloca sim em posiccedilatildeo de conflito (ainda que

velado) com os interesses do proprietaacuterio ou seja algueacutem vai adquirir a propriedade de

algo que jaacute tem dono e obviamente sem a colaboraccedilatildeo deste

Por isso as estrateacutegias de saneamento estatildeo por assim dizer ldquono lugar erradordquo pois

acabam mascarando a dinacircmica real do processo por meio do qual algueacutem caminha

para usucapir o bem de outrem Isto acaba ampliando as sombras existentes entre as

linhas que demarcam uma posse ldquomoralmente legitimadardquo a viabilizar a usucapiatildeo e a

adversidade sem a qual a aquisiccedilatildeo natildeo tem como se efetivar

Nessa direccedilatildeo a caracterizaccedilatildeo da posse ad usucapionem natildeo depende do saneamento

dos viacutecios objetivos pois o meio objetivo pelo qual se deu o apossamento eacute afinal

irrelevante Basta o chamado ldquoteste de uso incompatiacutevelrdquo (inconsistent use test) ou

seja da verificaccedilatildeo de que a posse natildeo autorizada se daacute em desconformidade com a

agenda estabelecida pelo proprietaacuterio do bem a ser usucapido67 Natildeo importa o modo

pelo qual tal contrariedade ganhou forma o fato eacute que ela existe e uma vez constatada

gera para o proprietaacuterio a oportunidade de se opor dentro de um determinado periacuteodo

de tempo sem o que perderaacute a titularidade do bem

Eacute importante ainda deixar expliacutecito o fato de que toda discussatildeo em torno dos

pressupostos para a aquisiccedilatildeo pela usucapiatildeo reflete uma dada concepccedilatildeo acerca da

propriedade Debater em que circunstacircncia algueacutem pode se tornar o proprietaacuterio do

bem que eacute de outro resvala em uma avaliaccedilatildeo acerca da amplitude de formas de

atuaccedilatildeo que o proprietaacuterio estaacute legitimado a desempenhar

Do mesmo modo a possiacutevel imoralidade existente na atribuiccedilatildeo do direito de

propriedade em favor de algueacutem que viola o direito de outrem eacute decorrente de uma

visatildeo que considera moralmente aceitaacutevel que o bem objeto desse direito possa

permanecer sem um uso efetivo durante um nuacutemero maior ou menor de anos jaacute que

natildeo haacute usucapiatildeo sem a ineacutercia do titular do direito a ser usucapido

67 KATZ Larissa ldquoThe moral paradoxrdquo cit p50

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Nesse sentido ultrapassar a discussatildeo acerca das estrateacutegias de saneamento dos viacutecios

da aquisiccedilatildeo rumo a um debate aprofundado sobre as razotildees que contribuem para a

superaccedilatildeo do paradoxo moral permitiria por exemplo a consideraccedilatildeo de que mesmo

um possuidor de maacute-feacute pode dar um uso economicamente mais eficiente do que aquele

dado pelo possuidor originaacuterio68 ou que em um contexto de deacuteficit de moradias a

ideia de que ldquoo natildeo uso eacute uma forma de usordquo69 seria juriacutedica e moralmente indefensaacutevel

pois corresponderia a absolutizaccedilatildeo da propriedade

O debate moral em torno da usucapiatildeo eacute rico de possibilidades que auxiliam na

compreensatildeo adequada do instituto e tambeacutem por isso natildeo pode ser represado Quando

se vecirc tanto esforccedilo doutrinaacuterio para expurgar os viacutecios objetivos de origem o uacutenico

sentido possiacutevel para tanto eacute pressuposto de que haacute uma avaliaccedilatildeo moralmente

negativa em torno da ideia de que uma posse ldquoinjustardquo seja apta a transformar um

ldquoladratildeordquo em proprietaacuterio Mas aqui o foco estaacute todo voltado para como a posse foi

adquirida o que reduz enormemente a investigaccedilatildeo Natildeo se trata da defesa da

legitimaccedilatildeo do uso da forccedila como se fosse possiacutevel concordar com a grilagem de terras

mas justo o oposto da possibilidade de reconhecimento de que mesmo o uso da forccedila

pode ser justificado quando a efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais como os relativos agrave

moradia e ao trabalho se contrapotildeem ao natildeo uso e a especulaccedilatildeo A existecircncia do

instituto da usucapiatildeo revela em si mesma que ordenamento fez uma escolha na qual o

uso efetivo do bem estaacute em uma posiccedilatildeo hierarquicamente superior ao natildeo uso Diante

da diferenciaccedilatildeo entre justiccedila e injusticcedila formal ndash relativa agrave aquisiccedilatildeo ndash e justiccedila ou

injusticcedila material (os valores materializados em cada efetivo apossamento) abre-se a

oportunidade de discutir as bases morais econocircmicas e filosoacuteficas por meio das quais eacute

ainda hoje possiacutevel fundamentar a manutenccedilatildeo ou perda dos direitos de propriedade

titularizados por algueacutem

De todo modo para os objetivos do presente estudo a hipoacutetese testada parece poder

ser adequadamente confirmada independentemente do modelo de usucapiatildeo a ser

adotado independentemente do fundamento mais adequado para usucapiatildeo em

68 FENNEL Lee Anne ldquoEfficient trespass the case for lsquobad faithrsquo adverse possessionrdquo Northwestern University Law Review Vol100 p1035-10962006 p53 Considerando-se que apenas um imoacutevel sem um uso efetivo pode ser objeto de apossamento alheio estendido por vaacuterios anos sem uma reaccedilatildeo apropriada a manutenccedilatildeo da sua titularidade pode ser lida como uma falha de mercado que daacute corpo agrave especulaccedilatildeo a venda do imoacutevel natildeo ocorre porque o titular natildeo encontra condiccedilotildees que lhe garantam a remuneraccedilatildeo pretendida naquele momento Da mesma forma levando-se em consideraccedilatildeo que no caso brasileiro a funccedilatildeo social remete agrave obrigatoriedade do uso e que isto por sua vez desaacutegua no exerciacutecio da posse toda posse ad usucapionem poderia ser lida como a vitoacuteria do uso produtivo sobre o natildeo uso especulativo Nesse sentido a posse de maacute-feacute corresponderia agrave deliberada intenccedilatildeo de concretizar um uso socialmente uacutetil a um bem que estaacute sendo administrado de forma ineficiente 69 NASCIMENTO Tupinambaacute Miguel Castro do Posse e propriedade Porto Alegre Livraria do Advogado 1986 p10

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nenhum lugar eacute possiacutevel colocar em questatildeo o fato de que a posse exercida pelo

esbulhador eacute adversa A posse exercida por algueacutem natildeo autorizado que deseja ou

acredita que jaacute tem o direito de outrem eacute nesse sentido sempre e necessariamente uma

posse injusta

Conclusatildeo

As tentativas de saneamentos dos viacutecios satildeo incongruentes e ineficientes porque a

superaccedilatildeo do paradoxo moral existente na usucapiatildeo depende de uma reflexatildeo acerca

daquilo que a sociedade considera como moralmente justificado em torno do exerciacutecio

do direito de propriedade E desde aiacute eacute possiacutevel perceber diversos aspectos que

demonstram que o exerciacutecio da posse seja qual for a sua qualificaccedilatildeo eacute mais forte do

que o natildeo uso a existecircncia mesma do instituto da usucapiatildeo o encurtamento

generalizado dos prazos para usucapir ocorrido no acircmbito do Coacutedigo Civil em vigor

mesmo na hipoacutetese extraordinaacuteria a ampliaccedilatildeo das modalidades de usucapiatildeo como

forma de premiar o exerciacutecio dirigido agrave busca da efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais

sociais como moradia e trabalho Nesse caminho o paradoxo moral se dissolve e o

saneamento dos viacutecios passa a ser irrelevante eacute mais importante saber o que se faz da

posse do que o modo pelo qual ela foi obtida

Em tais condiccedilotildees considerar que a posse ldquoboa para usucapirrdquo seja sempre injusta ndash no

sentido de que representa uma dissonacircncia necessaacuteria com a agenda estabelecida pelo

proprietaacuterio do bem a ser usucapido ndash natildeo significa o abandono da dimensatildeo moral

existente na qualificaccedilatildeo da posse do usucapiente Esta dimensatildeo apenas se desloca em

direccedilatildeo a uma investigaccedilatildeo criteriosa acerca do conteuacutedo da posse materializada frente

agrave anaacutelise da conduta do proprietaacuterio ante ao apossamento natildeo autorizado

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civilisticacom Recebido em 18042016

Aprovado em 13052016 (1ordm parecer) 31052016 (2ordm parecer)

Como citar DANTAS Marcus Eduardo de Carvalho Toda posse ad usucapionem eacute uma posse injusta Civilisticacom Rio de Janeiro a 5 n 1 2016 Disponiacutevel em lthttpcivilisticacomtoda-posse-ad-usucapionem-e-uma-posse-injustagt Data de acesso

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titular desse direito Daiacute se infere que a usucapiatildeo representa uma forma de aquisiccedilatildeo

originaacuteria pois natildeo haacute transmissatildeo do direito a ser usucapido

Ocorre que dependendo do modo pelo qual a posse tiver sido obtida ela pode ser

considerada viciada tornando-se injusta em funccedilatildeo da violecircncia clandestinidade ou da

precariedade identificada na sua obtenccedilatildeo Segundo o pensamento prevalecente2 isso

diminuiria as chances da efetivaccedilatildeo da usucapiatildeo pois para tanto eacute preciso uma posse

justa Mas o que aconteceria se a posse adquirida por qualquer uma das modalidades

de viacutecios existentes tivesse sido exercida por um longo periacuteodo de tempo sem que o

esbulhador fosse incomodado O fato dela ser originalmente injusta impediria a

aquisiccedilatildeo pela usucapiatildeo para sempre mesmo diante da falta de atitude do esbulhado

em recuperaacute-la

Para driblar a dificuldade existente ante uma posse ldquoeternamente injustardquo mesmo

frente a um possuidor inerte a argumentaccedilatildeo dos estudiosos se orienta em torno da

ideia de que eacute possiacutevel (e necessaacuterio) ldquosanarrdquo os viacutecios existentes no momento da

aquisiccedilatildeo no intuito de garantir que a posse originariamente injusta se transforme em

uma posse justa e assim seja capaz de gerar a usucapiatildeo3

Mas como eacute possiacutevel considerar que a posse seja justa por natildeo repugnar a ordem

juriacutedica ao mesmo tempo em que eacute exercida de forma a viabilizar a obtenccedilatildeo do direito

que atualmente pertence a outro e independentemente (ou mesmo contra) da vontade

dele

2 Como seraacute possiacutevel verificar nas notas 67 e 8 apenas Daniel Eduardo Carnacchioni considera explicitamente que a justiccedila ou injusticcedila da posse natildeo tem qualquer papel na usucapiatildeo CARNACCHIONI Daniel Eduardo Curso de direito civil ndash direitos reais Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p74 Os demais autores costumam se dividir entre aqueles que consideram a impossibilidade total de usucapir tendo posse injusta (NASCIMENTO Tupinambaacute Miguel Castro do Usucapiatildeo (comum e especial) 5ordfed Rio de Janeiro AIDE 1986 p80 NUNES Pedro Do usucapiatildeo 4ordfed Rio de Janeiro Freitas Bastos 1984 p26 TARTUCE Flaacutevio SIMAtildeO Joseacute Fernando Direito civil Vol4 ndash direito das coisas 2ordfed Satildeo Paulo Meacutetodo 2009 p59 AZEVEDO Aacutelvaro Villaccedila de Curso de direito civil ndash direito das coisas Satildeo Paulo Atlas 2014 p22) e aqueles que entendem que tal possibilidade estaacute restrita a modalidade extraordinaacuteria (FARIAS Cristiano Chaves de ROSENVALD Nelson Curso de direito civil Vol5 ndash reais 11ordfed Satildeo Paulo Atlas 2015 p110 ROCHA Silvio Luiz Ferreira da Direito civil Vol3 ndash direitos reais Satildeo Paulo Malheiros 2010 p45) 3 Poucos satildeo os especialistas que consideram a posse ad usucapionem eventualmente possa ser uma posse injusta mas natildeo haacute quem defenda que tal posse necessariamente seja uma posse injusta Ao que parece apenas Francisco Eduardo Loureiro coloca o problema ainda que apenas como uma possibilidade para todas as modalidades de usucapiatildeo ldquoQuestatildeo a ser enfrentada eacute se a posse injusta pode ser ad usucapionem Alguns autores dizem que a posse deve convalescer ou ter purgados os viacutecios para gerar usucapiatildeo Natildeo eacute bem assim () O que se exige eacute que durante o prazo necessaacuterio agrave usucapiatildeo natildeo haja atos violentos ou clandestinos embora a posse seja injusta porque a sua causa original eacute iliacutecitardquo LOUREIRO Francisco Eduardo ldquoDireito das coisas (arts 1196-1510)rdquo In PELUSO Ceacutezar (Org) Coacutedigo civil comentado Satildeo Paulo Manole 2008 p1193

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Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald tecircm uma intuiccedilatildeo a respeito de tal contrassenso

quando escrevem que o elenco dos viacutecios da posse deve ser considerado taxativo pois

ldquo() se fosse concedida tal elasticidade ao conceito de injusticcedila da posse a posse justa

seria somente aquela adquirida por relaccedilatildeo juriacutedica de direito real ou obrigacionalrdquo4

Isto eacute absolutamente correto Questionaacutevel eacute a conclusatildeo que extraem dessa

constataccedilatildeo o entendimento de que nem toda posse natildeo autorizada eacute injusta mesmo

quando a forccedila eacute eventualmente empregada para remoccedilatildeo de obstaacuteculos ao

apossamento

O raciociacutenio se manteacutem constrangido diante das amarras histoacutericas do debate rumo

agravequilo que parece ser a conclusatildeo recalcada em todas as sofisticadas teorias sobre as

consequecircncias dos viacutecios objetivos da posse a de que toda posse natildeo autorizada

exercida contra os interesses do titular eacute necessariamente uma posse injusta E isto natildeo

interfere (ou natildeo deve interferir) em nada na possibilidade de usucapir em qualquer

modalidade que seja

Quando os especialistas defendem a necessidade de saneamento dos viacutecios na aquisiccedilatildeo

para que a posse tornada ldquojustardquo possa viabilizar a usucapiatildeo5 eles estatildeo confundindo

dois significados de ldquoinjusticcedilardquo Em uma primeira acepccedilatildeo a ldquojusticcedilainjusticcedilardquo eacute

relativa ao modo pelo qual a posse foi obtida chave pela qual por coerecircncia toda posse

natildeo autorizada ndash como eacute o caso da ad usucapionem ndash deve ser reconhecida como

ldquoinjustardquo

Em um outro sentido a ldquojusticcedilainjusticcedilardquo eacute decorrente de uma avaliaccedilatildeo moral acerca

do conteuacutedo da posse do modo pelo qual ela foi exercida durante todo o tempo

necessaacuterio para usucapir Eacute uma anaacutelise de quanto aquela posse ldquomerecerdquo gerar a

aquisiccedilatildeo da propriedade pela usucapiatildeo Trata-se de um julgamento acerca dos valores

que foram efetivados por meio da materializaccedilatildeo do apossamento e o quanto eles

justificam suficientemente a sua prevalecircncia frente ao direito de propriedade Eacute uma

anaacutelise material de conteuacutedo portanto da posse exercida durante todo aquele tempo

exigido em cada hipoacutetese de usucapiatildeo Neste sentido a investigaccedilatildeo acerca da justiccedila

ou injusticcedila da posse eacute tambeacutem uma discussatildeo acerca dos limites do direito de

4 FARIAS Cristiano Chaves de ROSENVALD Nelson Curso de direito civil Vol5 ndash direitos reais 11ordfed Satildeo Paulo Atlas 2015 p111 5 Ao considerar que a posse injusta dificulta ou impede por completo a usucapiatildeo (notas 67 e 8) a doutrina acaba desenvolvendo mecanismos de eliminaccedilatildeo dos viacutecios da posse como uma forma de superar o problema que surgiria na situaccedilatildeo onde o possuidor injusto permanece exercendo a posse sem ser confrontado por quem quer de direito (pontos 2 3 e 5)

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propriedade Estas duas coisas precisam ser dissociadas para que sejam analisadas

adequadamente Eis eacute a tese a ser desenvolvida no presente artigo

E por que a hipoacutetese a ser testada eacute relevante Porque os estudiosos do tema se

dedicam a um sem nuacutemero de taacuteticas que diante de uma posse injusta objetivam criar

modos de expurgar os seus viacutecios no intuito de tornaacute-la ldquojustardquo e assim apta a

usucapiatildeo O problema eacute que essas formas de saneamento satildeo tatildeo amplas e variadas

que se chega agrave conclusatildeo que sempre que o possuidor tiver o tempo de posse e os

requisitos especiacuteficos para usucapir em cada hipoacutetese os viacutecios de algum modo teratildeo

sido eliminados E se eacute inevitaacutevel consideraacute-los sanados eacute porque as estrateacutegias de

saneamento satildeo na verdade irrelevantes para a aquisiccedilatildeo pela usucapiatildeo e isso

raramente eacute dito de forma expliacutecita6 Quando se tem em mente que a posse ad

usucapionem eacute injusta e que isso natildeo impede a usucapiatildeo em nenhuma modalidade o

ganho em termos sistemaacuteticos eacute visiacutevel pois os viacutecios importantes passam a ser apenas

os subjetivos Se toda posse ad usucapionem eacute injusta o que importa eacute saber se o

usucapiente tinha ou natildeo conhecimento disto

1 Mapeamento do problema na doutrina eacute possiacutevel usucapir tendo posse

injusta

A resposta a tal questionamento varia entre aqueles que consideram que o possuidor

injusto pode usucapir apenas na modalidade extraordinaacuteria7 e os que enxergam a

impossibilidade total de aquisiccedilatildeo do direito ante a injusticcedila da posse8 Estes driblam o

problema que existiria em torno de uma ldquoposse eternamente injustardquo fazendo como

indicado referecircncia a alguma forma de saneamento dos viacutecios de origem

6 Daniel Eduardo Carnacchioni talvez seja o uacutenico autor brasileiro a afirmar categoricamente que ldquoO conceito de posse injusta somente eacute fundamental para fixar a legitimidade passiva nas accedilotildees possessoacuterias Aliaacutes esta eacute a uacutenica relevacircncia dos viacutecios objetivos da posse Saber se a posse eacute justa ou injusta eacute importante apenas para saber se sujeito pode defender sua posse contra uma determinada pessoardquo CARNACCHIONI Daniel Eduardo Curso de direito civil ndash direitos reais Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p74 Cristiano Chaves de FARIAS e Nelson ROSENVALD ficam por assim dizer ldquono meio do caminhordquo pois ao mesmo tempo em que esclarecem que defendem que nem toda tomada natildeo autorizada da posse gera posse injusta (FARIAS Cristiano Chaves de ROSENVALD Nelson Curso de direito civil Vol V ndash reais 11ordfed Satildeo Paulo Atlas 2015 p106) consideram que a posse injusta soacute gera usucapiatildeo extraordinaacuteria pois na modalidade ordinaacuteria se exige o justo tiacutetulo e a boa-feacute (2015 p110) Mas eacute possiacutevel que a posse seja injusta e de boa-feacute pela ignoracircncia do accipiens quando da sua transmissatildeo Nesse sentido a injusticcedila da posse natildeo impediria nem mesmo a aquisiccedilatildeo pela via ordinaacuteria 7 Eacute o que se pode constatar em FARIAS Cristiano Chaves de ROSENVALD Nelson Curso de direito civil Vol5 ndash reais 11ordfed Satildeo Paulo Atlas 2015 p110 ROCHA Silvio Luiz Ferreira da Direito civil Vol3 ndash direitos reais Satildeo Paulo Malheiros 2010 p45 8 NASCIMENTO Tupinambaacute Miguel Castro do Usucapiatildeo (comum e especial) 5ordfed Rio de Janeiro AIDE 1986 p80 NUNES Pedro Do usucapiatildeo 4ordfed Rio de Janeiro Freitas Bastos 1984 p26 TARTUCE Flaacutevio SIMAtildeO Joseacute Fernando Direito civil Vol4 ndash direito das coisas 2ordfed Satildeo Paulo Meacutetodo 2009 p59 AZEVEDO Aacutelvaro Villaccedila de Curso de direito civil ndash direito das coisas Satildeo Paulo Atlas 2014 p22

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Mas por que motivo o possuidor injusto natildeo poderia usucapir na modalidade

ordinaacuteria Porque para esta hipoacutetese o Coacutedigo Civil exige que a posse ad usucapionem

tenha sido adquirida por meio de um justo tiacutetulo e de boa-feacute o que significa que o

possuidor natildeo sabe que existe um problema em torno do modo pelo qual ela foi

adquirida A doutrina entatildeo faz uma conexatildeo necessaacuteria entre a posse justa e a de boa-

feacute o que eacute ateacute razoaacutevel agrave primeira vista como algueacutem poderia alegar que desconhece

que a sua posse foi obtida de modo violento clandestino ou pela precariedade Tal

alegaccedilatildeo soacute seria possiacutevel se o viacutecio natildeo tivesse sido cometido por aquele que pretende

usucapir ou se a princiacutepio a proacutepria ocorrecircncia dele pudesse ser questionada

A primeira situaccedilatildeo corresponderia ao caso no qual o esbulhador transmitiu a posse

injusta que tinha para uma outra pessoa que enganada natildeo sabia de sua raiz iliacutecita

Partindo-se do princiacutepio de que tais viacutecios natildeo seriam transmitidos pelo tradens a

aquisiccedilatildeo derivada seria uma via de saneamento dos viacutecios de origem

Outro modo de se defender a justiccedila da posse originaacuteria eacute reconhecendo o fato dela ter

sido obtida por um meio que mesmo sendo incomum natildeo se equipararia agrave violecircncia

clandestinidade nem agrave precariedade Eacute nesta linha que se colocam as teses que

procuram questionar a ocorrecircncia dos viacutecios objetivos9 A pergunta aqui seria o que eacute

uma aquisiccedilatildeo violenta

Uma uacuteltima e mais recente via de transformaccedilatildeo da posse injusta em posse justa eacute o

cumprimento da funccedilatildeo social da posse Parte da doutrina busca superar o problema da

ldquoposse eternamente injustardquo considerando que o cumprimento da funccedilatildeo social da

posse pelo possuidor natildeo autorizado demandaria o reconhecimento de que a posse

originariamente injusta teria se transformado em posse justa viabilizando assim a

aquisiccedilatildeo da propriedade pela usucapiatildeo Mas como isso pode ser feito sem uma

descriccedilatildeo preacutevia e objetiva acerca do conteuacutedo da funccedilatildeo social da posse

9 Eacute bem verdade que na aquisiccedilatildeo originaacuteria eacute mais difiacutecil sustentar uma posse justa e de boa-feacute pois como indicado eacute implausiacutevel que na ocupaccedilatildeo natildeo autorizada de um imoacutevel se alegue o desconhecimento de que tal ato contraria direito de outrem Esta eacute uma das dificuldades existentes em torno da compreensatildeo de um dos institutos cujo nuacutemero de estudos eacute proporcional agrave sua ineficaacutecia os paraacutegrafos 4ordm e 5ordm do artigo 1228 do Coacutedigo Civil Tentando decifrar essa ldquoesfingerdquo podem ser citados RENTERIA Pablo ldquoAquisiccedilatildeo da propriedade imobiliaacuteria pela acessatildeo invertida social anaacutelise sistemaacutetica dos paraacutegrafos 4ordm e 5ordm do artigo 1228 do coacutedigo civilrdquo Revista Trimestral de Direito Civil v34 p71-91 2008 TEPEDINO SCHREIBER Anderson ldquoO ornitorrinco juriacutedico por uma aplicaccedilatildeo praacutetica dos sectsect 4ordm e 5ordm do art1228 do coacutedigo civilrdquo In Direito civil e constituiccedilatildeo Satildeo Paulo Atlas 2013 pp267-279 ZAVASCKI Teori ldquoA tutela da posse na constituiccedilatildeo e no projeto do novo coacutedigo civilrdquo In MARTINS-COSTA Judith (Org) A reconstruccedilatildeo do direito privado Satildeo Paulo RT 2002 p843-861

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Colocados os termos das questotildees o objetivo a partir de agora seraacute o de verificar se

essas estrateacutegias satildeo capazes de superar a contradiccedilatildeo existente entre uma posse ldquojustardquo

e o fato de que ela para gerar a usucapiatildeo precisa necessariamente ser uma posse natildeo

autorizada exercida contra os interesses do atual titular

2 Posse justa e de boa-feacute na aquisiccedilatildeo derivada o saneamento na acessio

possessionis

Uma primeira das diversas estrateacutegias utilizadas pelos especialistas para garantir a

pureza (leia-se licitude) da posse ad usucapionem pode ser vislumbrada no caso em

que na aquisiccedilatildeo derivada o sucessor decide natildeo exercer a sua opccedilatildeo de soma do seu

tempo de posse com o do antecessor ndash a chamada acessio possessionis ndash sendo este

um possuidor injusto Ao escolher natildeo realizar a adiccedilatildeo o sucessor singular expurgaria

os viacutecios que a posse traria em funccedilatildeo do modo pelo qual foi obtida10

Isso equivale a dizer que a posse injusta pode se transformar em uma posse justa

apenas pela vontade do beneficiaacuterio de tal modificaccedilatildeo que passaria a poder usucapir

em um conjunto maior de modalidades tendo em vista a interpretaccedilatildeo consolidada de

que eacute preciso ter posse justa para usucapir Mas seraacute que essa interpretaccedilatildeo eacute correta

Mesmo sendo um argumento muito frequente na obra de autores de relevo nadoutrina

nacional11 a ideia de que o sucessor singular pode escolher se a sua posse seraacute justa ou

injusta eacute questionaacutevel sob alguns importantes aspectos

Primeiramente tal possibilidade de saneamento entra em rota de colisatildeo com uma

relevante diretriz da teoria geral do direito civil precisamente aquela por meio da qual

se estabelece que ldquoningueacutem pode transferir mais direitos do que temrdquo (Nemo plus iuris

ad alium transferre potest quam ipse habet) Isto porque se o antecessor tinha posse

injusta ele natildeo pode transmitir uma posse justa diferente portanto da que ele

10 Eacute como entendem SALVO VENOSA Silvio de Direito civil Vol5 ndash direitos reais 11ordfed Satildeo Paulo Atlas 2011 p67 GONCcedilALVES Carlos Roberto Direito civil brasileiro Vol5 ndash direito das coisas 7ordfed Satildeo Paulo Saraiva 2013 p116 CARVALHO SANTOS JM Coacutedigo civil brasileiro interpretado principalmente do ponto de vista praacutetico Vol VII 7ordfed Rio de Janeiro Freitas Bastos 1961 p72 BESSONE Darcy Da posse Satildeo Paulo Saraiva 1996 p209 FARIAS Cristiano Chaves de ROSENVALD Nelson Curso de direito civil cit p125 Segundo os referidos autores quando o sucessor na transmissatildeo inter vivos opta por natildeo adicionar o seu tempo de posse ao do seu antecessor ldquo() sua posse obteraacute a vantagem de exemplificativamente valer-se do justo tiacutetulo de sua posse nova para a contagem do prazo para usucapiatildeo ordinaacuteriardquo Daqui se depreende que os viacutecios de origem foram sanados sob pena de contradiccedilatildeo frente ao entendimento tambeacutem defendido por eles de que a posse injusta soacute gera usucapiatildeo extraordinaacuteria tendo em vista que na ordinaacuteria exige-se o justo tiacutetulo e a boa-feacute (FARIAS Cristiano Chaves ROSENVALD Nelson Curso de direito civil cit p110) 11 Conforme exemplificado na nota anterior

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exerce12 Eacute certo que tal interpretaccedilatildeo depende de acordo em torno do fato de que a

posse eacute um direito seja real ou pessoal pois se a posse for interpretada como um ldquomero

fatordquo13 a proacutepria ideia de transmissatildeo fica prejudicada e em tais condiccedilotildees o possuidor

atual teria sempre uma posse nova e toda a aquisiccedilatildeo da posse seria originaacuteria14 Mas a

doutrina contemporacircnea estaacute harmonizada no entendimento de que a posse eacute um

direito e neste sentido o princiacutepio de que ningueacutem pode transferir mais direitos do

que tem permanece vaacutelido e aplicaacutevel pois a hipoacutetese eacute de transmissatildeo de direitos

Sanar os viacutecios pela transmissatildeo pressupotildee logicamente a existecircncia de posses com

caracteriacutesticas diferentes Se ambas forem de boa ou maacute-feacute a soma natildeo altera as

possibilidades de usucapir do sucessor Mas se a posse do antecessor era de boa-feacute (o

que eacute altamente questionaacutevel se ela tambeacutem natildeo for derivada) e a do sucessor for de

maacute-feacute ele natildeo poderaacute se aproveitar da qualificaccedilatildeo da posse do tradens para ampliar

suas chances de usucapir por um motivo loacutegico a transmissatildeo natildeo eacute capaz de fazer

algueacutem esquecer que tem conhecimento do viacutecio de origem

Tambeacutem seraacute esse o raciociacutenio na situaccedilatildeo oposta sendo de maacute-feacute a anterior a

ldquoacessatildeo soacute ocorreraacute dentro dos limites daquela que tiver menor acircmbitordquo Por isso ldquo()

tratando-se de posses de boa e de maacute-feacute a posse considerada deve ser a de maacute-feacute por

ter menor acircmbitordquo tal qual a soluccedilatildeo preconizada no artigo 1256 do Coacutedigo Civil

portuguecircs em vigor15 e defendida por uma consideraacutevel parte da doutrina daquele

paiacutes16 Eacute certo que se o sucessor tem posse de boa-feacute a junccedilatildeo de sua posse com a do

seu antecessor de maacute-feacute pode ser desvantajosa posto que o prazo da usucapiatildeo

12 CHAMOUN Ebert Direito civil aulas do 4ordm ano proferidas na Faculdade de Direito da Universidade Do Distrito Federal Rio de Janeiro AURORA 1955 p 47 TEPEDINO Gustavo ldquoDireito das coisasrdquo (arts1196-1276)rdquo In AZEVEDO Antocircnio Junqueira (Coord) Comentaacuterios ao coacutedigo civil Vol14 ndash direito das coisas (arts1196-1276) Satildeo Paulo Saraiva 2011 p49 Em harmonia de princiacutepio com tal entendimento foi aprovado em 2011 o enunciado 494 da V Jornada de Direito Civil do CJFSTJ cuja redaccedilatildeo eacute a seguinte ldquoA faculdade conferida ao sucessor singular de somar ou natildeo o tempo da posse de seu antecessor natildeo significa que ao optar por nova contagem estaraacute livre do viacutecio objetivo que maculava a posse anteriorrdquo AGUIAR Jr Ruy Rosado de (Coord) Jornadas de direito civil I III IV e V enunciados aprovados Brasiacutelia Conselho da Justiccedila Federal Centro de Estudos Judiciaacuterios 2012 Disponiacutevel em httpwwwcjfjusbrenunciadosenunciado563 Acesso em 06062016 13 Esta eacute a razatildeo pela qual Carvalho Santos entende que ldquo() a posse [do sucessor singular] comeccedilando na proacutepria pessoa deste natildeo sendo a continuaccedilatildeo da posse daquele a quem havia recebido a coisa natildeo pode participar dos viacutecios que esta possa terrdquo CARVALHO SANTOS JM Coacutedigo civil interpretado cit 1961 p72 14 ALBALADEJO Manuel Derecho civil VolIII ndash derecho de bienes 11ordfed Madrid Edisofer 2010 p77 15 Artigo 1256ordm (Acessatildeo da posse) 1 - Aquele que houver sucedido na posse de outrem por tiacutetulo diverso da sucessatildeo por morte pode juntar agrave sua a posse do antecessor 2 - Se poreacutem a posse do antecessor for de natureza diferente da posse do sucessor a acessatildeo soacute se daraacute dentro dos limites daquela que tem menor acircmbito 16 SANTOS JUSTO A dos Direitos reais 4ordfed Coimbra Coimbra Editora 2012 p201 RODRIGUES Manuel A posse Estudo de direito civil portuguecircs 4ordfed Coimbra Coimbra Editora 1996 p252 LIMA Fernando Andrade Pires de MATOS ANTUNES VARELA Joatildeo de Coacutedigo civil anotado VolIII 3ordfed Coimbra Coimbra Editora 1984 p15 OLIVEIRA ASCENSAtildeO Joseacute de Direito civil ndash reais 5ordfed Coimbra Coimbra Editora 2012 p115

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extraordinaacuteria eacute geralmente mais extenso e eventualmente a adiccedilatildeo seria insuficiente

para alcanccedilaacute-lo17

Mas uma pergunta ainda precisa ser respondida por que motivo o sucessor decidiria

natildeo somar o seu tempo de posse com o seu antecessor Por que razatildeo ele deixaria de

fazer algo que ao menos em princiacutepio o aproximaria do cumprimento dos requisitos

necessaacuterios para usucapir

O motivo mais visiacutevel seria o conhecimento da existecircncia de um viacutecio de origem na

posse do antecessor uma vez descoberta a injusticcedila eou a maacute feacute da posse do

transmitente o sucessor singular optaria por natildeo realizar a soma dos periacuteodos de

exerciacutecio para natildeo ldquocontaminarrdquo a posse que tem Eacute o entendimento exposto por Joseacute

de Oliveira Ascensatildeo

O possuidor pode ter interesse em invocar unicamente a sua posse e

natildeo se valer da do antecessor Isto aconteceraacute sempre que as

caracteriacutesticas da posse anterior impliquem uma qualificaccedilatildeo mais

desfavoraacutevel que natildeo seja compensada pela maior duraccedilatildeo que da

acessatildeo resultaria Assim aconteceraacute em muitos casos quando a posse

anterior for de maacute-feacute e a actual for de boa-feacute18

O problema eacute que se o sucessor inter vivos descarta a acessio com base no

conhecimento de que a posse do antecessor contraria direito alheio ele natildeo poderaacute

alegar que ignora tal fato Eacute o que fica subentendido na passagem acima notadamente

o trecho onde se lecirc ldquo() as caracteriacutesticas da posse anterior impliquem uma

qualificaccedilatildeo mais desfavoraacutevel que natildeo seja compensada pela maior duraccedilatildeo que da

acessatildeo resultariardquo A possibilidade da avaliaccedilatildeo daquilo que eacute mais ou menos

vantajoso soacute tem sentido se o accipiens tem conhecimento dos viacutecios da posse de

origem E se ele dispotildee desse conhecimento mesmo que decida natildeo realizar a acessio

jaacute seraacute possuidor de maacute-feacute Como consequecircncia ele soacute poderia usucapir na modalidade

extraordinaacuteria pois na modalidade ordinaacuteria a posse de boa-feacute eacute expressamente

exigida

Eacute necessaacuterio registrar que a maacute-feacute do accipiens natildeo pode ser presumida razatildeo pela

qual a ldquovaloraccedilatildeo eacutetica de sua condutardquo nesse sentido deve ser provada Eacute mesmo

possiacutevel imaginar que algueacutem com orientaccedilatildeo adequada de um profissional prefira

nem tomar conhecimento da situaccedilatildeo do seu antecessor para natildeo correr o risco de

17 Eacute a criacutetica incisivamente feita por ABREU Abiacutelio Vassalo ldquoA necessidade de uma mudanccedila jurisprudencial em mateacuteria de acessatildeo da posse (Art1256ordm do Coacutedigo Civil)rdquo In Revista da Ordem dos Advogados Lisboa outdez 2012 pp 1247-1322 p1294 18 OLIVEIRA ASCENCcedilAtildeO Joseacute de Direito civil ndash reais cit p115

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incorrer em maacute-feacute e soacute conte com o seu proacuteprio prazo para usucapir Ainda que tal

providecircncia soacute seja plausiacutevel novamente em funccedilatildeo de alguma suspeita de

irregularidade da posse antecedente qualquer questionamento acerca do conhecimento

ou natildeo dos viacutecios diz respeito aos viacutecios subjetivos da posse

De todo modo vecirc-se que a possibilidade de saneamento dos viacutecios objetivos pela natildeo

realizaccedilatildeo da acessio eacute em primeiro lugar tecnicamente questionaacutevel quando

analisada sob o prisma objetivo de que natildeo se pode transmitir mais direitos do que se

tem Jaacute no plano subjetivo a tese de que a opccedilatildeo pela natildeo realizaccedilatildeo da soma natildeo tenha

decorrido do conhecimento dos viacutecios de origem pelo sucessor natildeo eacute criacutevel ainda que

precise ser provada E se isto eacute assim ainda que se entenda que os viacutecios objetivos

tenham sido purgados o pretenso saneamento seria inoacutecuo sendo de maacute-feacute o sucessor

soacute poderaacute usucapir na modalidade extraordinaacuteria Assim ainda que existam boas

razotildees para natildeo realizar a soma das posses isso natildeo aumenta em nada as chances de

usucapir

3 Posse justa e de boa-feacute na aquisiccedilatildeo derivada o caso da posse ldquojusta

poreacutem ilegiacutetimardquo

Sendo a posse um direito eacute possiacutevel que haja questionamento acerca da regularidade

da transmissatildeo todas as normas atinentes agrave nulidade e agrave anulabilidade dos negoacutecios

juriacutedicos incidiriam na hipoacutetese E qual a consequecircncia de uma transmissatildeo feita por

negoacutecio juriacutedico invaacutelido Ela impediria a soma caso o sucessor a desejasse Obstaria a

aquisiccedilatildeo pela usucapiatildeo na modalidade ordinaacuteria

O entendimento de que a falta de uma transmissatildeo vaacutelida impede a acessio posto que

colocaria em xeque a proacutepria existecircncia de um ldquoantecessorrdquo e um ldquosucessorrdquo eacute

solidamente prevalecente na dogmaacutetica e na jurisprudecircncia portuguesa19 onde se o

negoacutecio eacute invaacutelido a adiccedilatildeo de posse eacute incabiacutevel Mas essa exigecircncia soacute tem fundamento

como requisito de uma posse justa por parte do accipiens e no pressuposto de que a do

tradens tambeacutem eacute justa visto que no caso oposto o viacutecio seria transmitido

Mas ainda que o negoacutecio juriacutedico seja invaacutelido haacute sucessor e antecessor ou seja haacute

produccedilatildeo de efeitos mesmo que comprometidos pela invalidade na transmissatildeo E

19 SANTOS JUSTO A dos Direitos reais 4ordfed cit p200 RODRIGUES Manuel A posse Estudo de direito civil portuguecircs cit p252 LIMA Fernando Andrade Pires de MATOS ANTUNES VARELA Joatildeo de Coacutedigo civil anotado VolIII 3ordfed cit p15 OLIVEIRA ASCENSAtildeO Direito civil ndash reais cit p115

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neste caso a posse adquirida eacute derivada razatildeo pela qual a regra que ldquoningueacutem pode

transmitir mais direitos do que temrdquo permanece atuante

Qualquer irregularidade na transmissatildeo soacute pode ter duas consequecircncias a invalidade

do tiacutetulo motivo pelo qual a posse seria injusta ou o questionamento acerca da

caracterizaccedilatildeo do justo tiacutetulo como tal tendo em vista o requisito da usucapiatildeo

ordinaacuteria Usando a terminologia de Manuel A Albaladejo ldquono plano juriacutedicordquo

qualquer que seja a dimensatildeo da incorreccedilatildeo na transmissatildeo o resultado praacutetico seria o

de uma posse injusta visto que ldquono plano faacuteticordquo o sucessor teria de fato os poderes

caracteriacutesticos de um possuidor regular pois age como se fosse o proprietaacuterio que

adquiriu a posse de outrem20

Em tais condiccedilotildees uma eventual invalidade do tiacutetulo natildeo impede a acessio eis que

efetivamente houve uma sucessatildeo no exerciacutecio faacutetico dos poderes inerentes agrave

caracterizaccedilatildeo da posse21 A consequecircncia possiacutevel na hipoacutetese seria a interdiccedilatildeo da via

que leva agrave usucapiatildeo ordinaacuteria mas natildeo por conta da injusticcedila da posse que daiacute

decorreria e sim em razatildeo de um eventual questionamento acerca do cumprimento do

requisito ldquojusto tiacutetulordquo especificamente exigido pelo Coacutedigo Civil brasileiro na

modalidade

Eacute ainda possiacutevel vislumbrar uma posse justa mas ilegiacutetima na aquisiccedilatildeo derivada

porque o caminho do negoacutecio juriacutedico natildeo configura viacutecio mesmo que ele seja

irregular Mas essa leitura pressupotildee uma diferenciaccedilatildeo entre as palavras ldquoviacuteciordquo e

ldquoobstaacuteculordquo na redaccedilatildeo do artigo 1200 do Coacutedigo Civil22 Isto porque se a posse injusta eacute

aquela que foi obtida de modo viciado (violecircncia clandestinidade ou precariedade) e a

posse de boa-feacute eacute aquela onde o possuidor ignora a ocorrecircncia de ldquoviacutecios ou obstaacuteculosrdquo

na sua aquisiccedilatildeo uma diferenciaccedilatildeo entre as duas palavras tambeacutem cria a oportunidade

de visualizaccedilatildeo de uma posse ldquojustardquo ndash por natildeo ter sido obtida por nenhuma das

formas indicadas na redaccedilatildeo do artigo 1200 do Coacutedigo Civil ndash mas de boa-feacute eis que o

possuidor ignora o ldquoobstaacuteculordquo de outro tipo existente em torno da posse que exerce Eacute

um outro caminho pelo qual eacute possiacutevel chegar ao resultado de uma posse justa e boa

para usucapir

20 ALBALADEJO Manuel A Derecho civil VolIII cit 2010 p73 21 ABREU Abiacutelio Vassalo ldquoA necessidade de uma mudanccedila jurisprudencial em mateacuteria de acessatildeo da posse (Art1256ordm do Coacutedigo Civil)rdquo cit p1297 CORDEIRO A Menezes A posse perspectivas dogmaacuteticas actuais 3ordfed Lisboa Almedina 2014 p136 LEITAtildeO MENEZES Luiacutes Manuel Teles de Direitos reais 4ordfed Lisboa Almedina 2013 p138 22 Art 1200 Eacute justa a posse que natildeo for violenta clandestina ou precaacuteria

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Seria esse o caso da posse obtida por meio de um negoacutecio juriacutedico nulo ou anulaacutevel

bem como no da aquisiccedilatildeo a non domino hipoacuteteses nas quais poder-se-ia dizer que natildeo

haacute propriamente ldquoviacuteciordquo mas tampouco uma posse escorreita Por isto alguns

doutrinadores fazem referecircncia a uma posse justa mas ldquoilegiacutetimardquo23 o que permitiria a

aquisiccedilatildeo pela usucapiatildeo ordinaacuteria que tem prazos menores quando comparada a

extraordinaacuteria

Mas aqui parece vigorar um eufemismo pois uma posse ldquojusta poreacutem ilegiacutetimardquo natildeo

altera o fato de que o direito do proprietaacuterio do bem a ser usucapido estaacute sendo

afrontado eis que o objetivo final eacute passar a ser o titular do direito que ele hoje tem Se

a posse eacute ldquoilegiacutetimardquo isso significa que o modo pelo qual ela foi obtida eacute de alguma

forma irregular E se a posse pode ser ldquojusta poreacutem ilegiacutetimardquo isto significa que o fato

dela ser irregular ndash contraacuteria ao direito portanto ndash natildeo eacute um elemento impeditivo da

usucapiatildeo E se a posse pode ser justa permanecer irregular e mesmo assim continuar

ldquoboa para usucapirrdquo para que serve falar de saneamento afinal

4 Questionando a ocorrecircncia dos viacutecios

A usucapiatildeo expressa o caso em que algueacutem perde a titularidade de um bem pelo fato

de que outra pessoa natildeo autorizada permaneceu exercendo posse sobre a coisa durante

um nuacutemero determinado de anos Em tais condiccedilotildees eacute difiacutecil ateacute visualizar como seria

possiacutevel uma ldquoposse justa ad usucapionemrdquo na aquisiccedilatildeo originaacuteria E essa dificuldade

eacute tatildeo grande que autores como Pinto Ferreira24 conceituaram a posse ad usucapionem

como sendo aquela ldquode quem se assenhoreia de uma res nullius defendendo-a mansa e

pacificamente durante o tempo previsto em leirdquo O raciociacutenio eacute desenvolvido tambeacutem

por Pedro Nunes

Do fato da posse nasce o direito agrave prescriccedilatildeo aquisitiva () Para

adquirir por este modo o pretendente toma sempre uma posse

perdida ou abandonada A perda ocorre quando o dono da coisa

manifesta expressa ou tacitamente a intenccedilatildeo de natildeo mais tecirc-la

como sua ou a natildeo ocupa ou a deixa por incuacuteria ou negligecircncia

inteiramente ao abandono por longo espaccedilo de tempo Reputa-se

voluntaacuteria a perda quando o possuidor ou o ausente tendo ciecircncia do

apoderamento por terceiro de sua propriedade conforma-se com a

situaccedilatildeo natildeo procurando reconquistaacute-la25

23 Eacute o caso em BITTAR Carlos Alberto Direitos reais 2ordfed Rio de Janeiro Forense 2011 p41 COELHO Faacutebio Ulhocirca Curso de direito civil Vol4 ndash direito das coisas e direito autoral 3ordfed Satildeo Paulo Saraiva 2010 p38 NASCIMENTO Tupinambaacute Miguel Castro do Posse e propriedade Porto Alegre Livraria do Advogado 1986 p102 24 FERREIRA Luiz Pinto Posse accedilatildeo possessoacuteria e usucapiatildeo 2ordfed Satildeo Paulo Saraiva 1983 p29 25 NUNES Pedro Do usucapiatildeo 4ordfed Rio de Janeiro Freitas Bastos 1984 p27

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Haacute que se concordar para que algueacutem tenha posse de um bem de maneira natildeo

autorizada sem violar o direito de outrem ndash ou seja de forma justa ndash e

simultaneamente exercecirc-la no intuito de se tornar o titular do direito de propriedade

sobre tal coisa eacute preciso que ela natildeo tenha dono

A outra forma em tese seria questionando a proacutepria ocorrecircncia do viacutecio Os

especialistas discutem largamente por exemplo os termos nos quais uma accedilatildeo pode

ser considerada violenta26 o seu emprego para remoccedilatildeo de cercas muros ou tapumes eacute

suficiente para caracterizaccedilatildeo do viacutecio ou apenas o embate fiacutesico com uma pessoa que

resista ao esbulho

Como indicado parte da doutrina27 tem se esforccedilado para encontrar meios de tornar

justa a posse natildeo autorizada com o objetivo de ampliar as chances de usucapir Para

este caso o problema eacute que a ningueacutem parece dada a possibilidade de seriamente

alegar que desconhece que o apossamento natildeo autorizado atraveacutes do qual efetiva sua

posse sobre um bem imoacutevel contraria direito de outrem E tal afirmaccedilatildeo natildeo tem

objetivo de pocircr em questatildeo o fato de que tal apossamento possa ser a uacuteltima via para

obtenccedilatildeo de direitos fundamentais como a moradia e o trabalho

Os conflitos fundiaacuterios urbanos e rurais ocorrem em decorrecircncia da necessidade de

melhor distribuiccedilatildeo do acesso aos direitos de propriedade em grande medida pautados

pelo questionamento acerca do cumprimento e das consequecircncias da natildeo observacircncia

da funccedilatildeo social exigida em cada hipoacutetese Mas mesmo nesses casos o que haacute eacute um

questionamento da manutenccedilatildeo do direito de propriedade em favor daquele que deixa

de efetivamente exercecirc-lo ou o que o faz de modo indevido Natildeo se trata do

desconhecimento acerca do fato de que o apossamento realizado em tais circunstacircncias

confronta o alegado direito de outrem

26 Eacute tradicional o entendimento de que a caracterizaccedilatildeo da violecircncia vai aleacutem do uso da forccedila contra a proacutepria pessoa do possuidor Por todos Caio Maacuterio da Silva Pereira alerta que ldquoPosse violenta (adquirida vi) a que se adquire por ato de forccedila seja ela natural ou fiacutesica seja moral ou resultante de ameaccedilas que incutam na viacutetima seacuterio receio A violecircncia estigmatiza a posse independentemente de exercer-se sobre a pessoa do espoliado ou de preposto seu como ainda do fato de emanar do proacuteprio espoliador ou de terceirordquo (SILVA PEREIRA Caio Maacuterio da Instituiccedilotildees de direito civil VolIV ndash Direitos reais 22ordfed atualizada por Carlos Edison do Rego Monteiro Filho Rio de Janeiro Forense 2009 p21 Atualmente surge a discussatildeo sobre se o emprego da forccedila para remoccedilatildeo de obstaacuteculos como cercas ou tapumes em um imoacutevel abandonado caracterizaria ainda assim a violecircncia da posse Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald consideram que ldquo() natildeo eacute considerada violenta a posse caso o uso da forccedila se justifique para a remoccedilatildeo de obstaacuteculos fiacutesicos para o ingresso em bens abandonados (vg destruiccedilatildeo de cadeados ou supressatildeo de cercas) Pensamos que soacute haacute violecircncia quando o apossamento resulta de uma conduta contraacuteria agrave vontade do possuidor pelo fato de a coisa ser arrebatada de algueacutem que a isso se oponhardquo FARIAS Cristiano Chaves de ROSENVALD Nelson Curso de direito civil cit p106 27 Como visto nos pontos 2 e 3 do presente texto

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Mas haacute uma diferenccedila como indicado no significado da palavra ldquoinjustardquo quando em

referecircncia ao modo como a posse foi obtida e quando em referecircncia ao conteuacutedo da

soluccedilatildeo dada pelo legislador Uma posse pode ser ldquoinjustardquo em um aspecto formal

decorrente do fato de que foi obtida de forma natildeo autorizada mas ldquojustardquo porque de

um lado natildeo vem sendo utilizada pelo proprietaacuterio e de outro representa a

materializaccedilatildeo de direitos fundamentais sociais negligenciados pelo Estado O fato eacute

que justiccedila material da ocupaccedilatildeo de terrenos abandonados por pessoas que natildeo tem

acesso aos direitos de moradia frente agrave proprietaacuterios negligentes natildeo eacute incompatiacutevel

com o reconhecimento de que o apossamento natildeo foi autorizado e neste sentido

formal gera uma posse injusta

Eacute o que ocorre na dramaacutetica situaccedilatildeo dos conflitos fundiaacuterios urbanos em torno da

moradia Em um importante estudo de campo acerca dos conflitos em torno da terra no

Recife de 1978 Joaquim Falcatildeo detectou em sua pesquisa que ldquoOs invasores querem

ser proprietaacuterios Justificam a invasatildeo de propriedade alheia porque sobre o direito de

usar e dispor segundo a livre vontade do proprietaacuterio deve prevalecer o direito de

moradia de todosrdquo28

Bem se vecirc daiacute que o questionamento da legitimidade da propriedade natildeo utilizada

pressupotildee logicamente o conhecimento da sua existecircncia enquanto tal Natildeo se pode

questionar aquilo que se ignora E se natildeo se ignora natildeo eacute possiacutevel afirmar a boa-feacute Por

isto eacute que a alegaccedilatildeo de que ldquonem sempre o apossamento natildeo autorizado vai gerar uma

posse injustardquo natildeo tem funccedilatildeo nenhuma na definiccedilatildeo das chances de usucapir29 Natildeo eacute

28 FALCAtildeO Joaquim ldquoJusticcedila social e justiccedila legal conflitos de propriedade no Reciferdquo In FALCAtildeO Joaquim (org) Invasotildees urbanas ndash conflitos de direito de propriedade 2ordfed Rio de Janeiro FGV Editora 2008 p112-113 29 Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald questionam a injusticcedila do apossamento de um imoacutevel abandonado com um objetivo claro impedir que a tomada natildeo autorizada seja qualificada como esbulho Essa desqualificaccedilatildeo tem uma funccedilatildeo especiacutefica a de interditar a via da reintegraccedilatildeo por parte do proprietaacuterio que natildeo cumpriria o requisito ldquoprova do esbulhordquo tal qual exigido pelo artigo 561do CPC15 Nesse sentido a reflexatildeo dos autores atua mais na dinacircmica processual do conflito do que no acircmbito material dos requisitos para a usucapiatildeo Mas o entendimento de que defendem a necessidade de uma posse justa para usucapir decorre do trecho no qual os autores esclarecem que ldquo() a posse derivada dos atos de violecircncia ou clandestinidade poderaacute gerar usucapiatildeo extraordinaacuteria (art1238 CC) posto natildeo se exigir como requisitos formais ao alcance da propriedade em tal modalidade originaacuteria o justo tiacutetulo e a boa-feacuterdquo (FARIAS Cristiano Chaves de ROSENVALD Nelson Curso de direito civil Vol5 reais 11ordfed Satildeo Paulo Atlas 2015 p110) Como demonstrado a posse de boa-feacute soacute pode ser justa na hipoacutetese em que o bem eacute uma res nullius No que caso em que a ocupaccedilatildeo natildeo se qualifica como esbulho a usucapiatildeo ordinaacuteria eacute impossiacutevel pela ausecircncia de boa-feacute No caso da aquisiccedilatildeo da posse a non domino seria perfeitamente possiacutevel e coerente reconhecer uma posse injusta (se tambeacutem era a do antecessor) e de boa-feacute se o sucessor natildeo tiver conhecimento do viacutecio de origem Nesse sentido a posse injusta natildeo impediria a usucapiatildeo em nenhuma modalidade e se manteria a coerecircncia interna ante a ideia de que toda posse ad usucapionem eacute necessariamente natildeo autorizada e contraacuteria aos interesses do titular do direito a ser usucapido Por tudo isso eacute possiacutevel reconhecer que tambeacutem os citados autores entendem equivocadamente que a justiccedila da posse amplia as modalidades da usucapiatildeo disponiacuteveis

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de boa-feacute a posse daqueles que ocupam imoacutevel alheio sem autorizaccedilatildeo do proprietaacuterio30

pois por mais que o apossamento seja moralmente justificaacutevel os possuidores natildeo

ignoram o fato de que o bem eacute de outra pessoa E se isto eacute assim a modalidade

disponiacutevel de usucapiatildeo no caso seria a extraordinaacuteria Natildeo pelo caraacuteter injusto da

posse e sim pelo fato dela ser exercida sem justo tiacutetulo e boa-feacute

Nessa linha a tese aqui defendida mostra a sua coerecircncia eacute possiacutevel questionar se o

apossamento configura efetivamente um esbulho31 mas natildeo o fato de que numa ou

noutra hipoacutetese natildeo se ignora que o direito de outrem estaacute sendo afrontado com a

efetivaccedilatildeo da posse natildeo autorizada

30 Este eacute justamente um dos pontos apontados pela doutrina para o fracasso da efetividade da hipoacutetese de aquisiccedilatildeo prevista no artigo 1228 sectsect 4ordm e 5ordm do Coacutedigo Civil Algueacutem pode dizer seriamente que a posse dessas pessoas por mais legiacutetima que possa ser eacute de boa-feacute no sentido de que se ignora que o ato entra em rota de colisatildeo com o direito de outrem Em um dos raros casos nos quais a hipoacutetese foi aplicada sob o nome de ldquodesapropriaccedilatildeo privadardquo os magistrados entenderam que a boa-feacute ldquo() entendida como posse justa natildeo violenta natildeo clandestina ou precaacuteriardquo estava presente no caso concreto em anaacutelise tendo em vista que ldquoAs guias de IPTU juntada (sic) aos autos ldquo() atestam a boa-feacute do recorrido jaacute que o proacuteprio Municiacutepio o reconhecia como proprietaacuterio da aacutereardquo Tribunal de Justiccedila de Minhas Gerais Apelaccedilatildeo Ciacutevel nordm 1028408009185-3005 Rel Des Rogeacuterio Coutinho J 11032015 publicado em 20032015 Disponiacutevel em httpwww5tjmgjusbrjurisprudenciapesquisaPalavrasEspelhoAcordaodoampnumeroRegistro=9amptotalLinhas=48amppaginaNumero=9amplinhasPorPagina=1amppalavras=2522desapropriaE7E3o20judicial2522amppesquisarPor=acordaoamppesquisaTesauro=trueamporderByData=1ampreferenciaLegislativa=Clique20na20lupa20para20pesquisar20as20referEAncias20cadastradasamppesquisaPalavras=Pesquisaramp Acesso em 10012016 31 A reflexatildeo sobre o conceito de ldquoesbulhordquo jaacute vem sendo feita pela doutrina mais progressista Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald fazem esse debate no seu manual precisamente no ponto jaacute citado em que consideram que o apossamento natildeo autorizado de um imoacutevel abandonado gera uma posse justa Eacute uma outra forma de dizer que esse ato natildeo configura esbulho Nesse caminho criacutetico do conceito tradicional existem estudos importantes (como os existentes em STROZAKE Juvelino Joseacute (Org) Questotildees agraacuterias ndash julgados comentados e pareceres Satildeo Paulo Meacutetodo 2002 principalmente os artigos de Roberto Delmanto Jr pp167-182 Antonio Scarance Fernandes pp293-310 e Dyrceu Aguiar Cintra Dias Jr pp 219-230) O debate tambeacutem jaacute chegou aos tribunais No STJ a decisatildeo de referecircncia sobre o tema estaacute no HC 4399SP No voto do Min Luiz Vicente Cernicchiaro o magistrado explicita as razotildees pelas quais concede o HC em favor dos integrantes do MST ldquoNo esbulho possessoacuterio o agente dolosamente investe contra a propriedade alheia a fim de usufruir um de seus atributos (uso) ou alterar os limites do domiacutenio para enriquecimento sem causa No caso dos autos ao contraacuterio diviso pressatildeo social para concretizaccedilatildeo de um direito (pelo menos-interesse) No primeiro caso contraste de legalidade compreende aspectos material e formal No segundo substancialmente natildeo haacute iliacutecito algumrdquo Superior Tribunal de Justiccedila HC nordm4399-SP Luiz Vicente Cernicchiaro Voto Vogal p02 Rel Min William Patterson julgado em 12031996 DJ 08041996 p10491 Disponiacutevel em lthttpwwwstjjusbrSCONjurisprudenciatocjspprocesso=4399ampampb=ACORampthesaurus=JURIDICOampp=truegt Acesso em 13022014 No acircmbito da accedilatildeo de reintegraccedilatildeo de posse movida pelo Governo de Satildeo Paulo contra a ocupaccedilatildeo das escolas estaduais realizada pelos estudantes secundaristas ndash como forma de protesto contra o plano de reorganizaccedilatildeo escolar empreendido pelo Governo daquele Estado ndash o Tribunal de Justiccedila considerou que ldquoNatildeo se antevecirc em suma o animus possidendi ou o animus rem sibi habendi autorizantes do tratamento possessoacuterio da mateacuteria mas antes expressotildees de desobediecircncia civil frente agrave autecircntica violecircncia ciacutevica de que se consideram viacutetimas os manifestantesrdquo E ainda ldquo() natildeo haacute nessa narrativa e nem nos autos qualquer evidecircncia que a entidade sindical queira de modo ilegal apropriar-se dos bens puacuteblicos referidos no recurso tecircm-se que como todos reconhecemos durante a sessatildeo de julgamento a absoluta inadequaccedilatildeo da pretendida proteccedilatildeo possessoacuteria e portanto o tangenciamento da carecircncia da accedilatildeo por falta de interesse de agirrdquo Tribunal de Justiccedila ndash SP Agravo de Instrumento nordm2243232-252015826000 7ordf Cacircmara de Direito Puacuteblico Rel Min Coimbra Schmidt Julgado em 23112015 Disponiacutevel em lthttpsesajtjspjusbrcposgshowdoprocessoforo=990ampprocessocodigo=RI0032WUQ0000gt Acesso em 25112015

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Esse eacute afinal o ponto relevante para definiccedilatildeo da posse apta a gerar a usucapiatildeo pois a

hipoacutetese que ora se desenvolve eacute a de que toda posse ad usucapionem eacute sempre e

necessariamente uma posse injusta sendo capaz de viabilizar a usucapiatildeo tanto

extraordinaacuteria quanto a ordinaacuteria Eacute perfeitamente possiacutevel que o sucessor na posse

natildeo tenha conhecimento da maacutecula que existiu na sua aquisiccedilatildeo pelo antecessor

hipoacutetese na qual teria posse injusta em funccedilatildeo da transmissatildeo do viacutecio com justo tiacutetulo

e boa-feacute Como a ldquoposse injustardquo em sentido formal eacute o mesmo que ldquoposse natildeo

autorizadardquo natildeo haveria impedimento em usucapir na modalidade ordinaacuteria

5 A influecircncia do tempo no saneamento dos viacutecios da posse

As estrateacutegias de saneamento tecircm como objetivo transformar uma posse inicialmente

injusta em uma posse justa no pressuposto de que tal requisito eacute imprescindiacutevel para

que se possa usucapir Mas tais estrateacutegias satildeo tatildeo amplas e variadas que o saneamento

se torna praticamente inevitaacutevel para uma parte da doutrina a simples manutenccedilatildeo da

posse pelo curto periacuteodo de 1 ano faz com que ela perca o viacutecio de origem e se torne

apta a viabilizar a usucapiatildeo

Esta interpretaccedilatildeo eacute decorrente de uma leitura muito particular da norma processual

que reserva a tutela liminar para os casos nos quais a posse tenha sido perdida haacute

menos de ano e dia32 Trata-se da diferenccedila entre a chamada ldquoposse novardquo e a ldquoposse

velhardquo Se a posse do esbulhador estiver sendo exercida haacute mais de 1 ano o esbulhado

perde a possibilidade de uma reintegraccedilatildeo liminar pois trata-se de uma ldquoposse velhardquo

Isto natildeo impede que o esbulhado obtenha uma medida mais ceacutelere mas ele precisaria

utilizar a via da tutela antecipada prevista no artigo 273 do CPC73 e que hoje como

espeacutecie do gecircnero tutela de urgecircncia tem o seu conteuacutedo regulado pelos artigos 294-

311 do CPC1533 De uma maneira geral o esbulhado precisaria de provas mais robustas

de que seu direito foi violado Vecirc-se que o tempo de exerciacutecio da posse pelo esbulhador

tem reflexo na dinacircmica processual da retomada mas natildeo na qualificaccedilatildeo da posse em

disputa que continua sendo injusta

32 Art 924 Regem o procedimento de manutenccedilatildeo e de reintegraccedilatildeo de posse as normas da seccedilatildeo seguinte quando intentado dentro de ano e dia da turbaccedilatildeo ou do esbulho passado esse prazo seraacute ordinaacuterio natildeo perdendo contudo o caraacuteter possessoacuterio 33 No CPC15 a tutela cautelar ndash pautada no fumus boni iuris e periculum in mora ndash e a tutela antecipada ndash baseada em verossimilhanccedila do que eacute alegado fundado receio de dano ou abuso do direito de defesa ndash foram reunidas em torno da tutela provisoacuteria nos seguintes termos Art294 A tutela provisoacuteria pode fundamentar-se em urgecircncia ou evidecircncia Paraacutegrafo uacutenico A tutela provisoacuteria de urgecircncia cautelar ou antecipada pode ser concedida em caraacuteter antecedente ou incidental Os requisitos para tais medidas em muito semelhantes aos termos do CPC revogado de uma maneira geral estatildeo regulados como indicado entre os artigos 294 e 311

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Poreacutem uma parte importante da doutrina civiliacutestica brasileira interpreta as diferenccedilas

estabelecias pelo direito processual como uma outra estrateacutegia de saneamento

decorrente da simples passagem do tempo O pensamento eacute o de que se reintegraccedilatildeo

liminar natildeo eacute mais possiacutevel isso significa que a posse inicialmente injusta se

transformou em posse justa Este entendimento eacute adotado por doutrinadores como por

exemplo Maria Helena Diniz que indica expressamente ldquo() se o adquirente a tiacutetulo

clandestino ou violento provar que sua clandestinidade ou violecircncia cessaram haacute mais

de ano e dia sua posse passa a ser reconhecida convalescendo-se dos viacutecios que a

maculavamrdquo34

Tal interpretaccedilatildeo eacute criticaacutevel porque o fato do possuidor esbulhado ter que fazer uma

prova mais consistente do seu direito para que obtenha a tutela antecipada natildeo

significa que a posse do esbulhador tenha passado a ser justa Significa apenas que

tendo em vista que o momento do esbulho natildeo eacute mais tatildeo niacutetido a prova para a

retomada da posse deve ser mais substancial para que a tutela seja concedida Mas o

apossamento natildeo autorizado ocorreu

Da mesma forma quando se tem em conta que natildeo haacute nenhuma modalidade de

usucapiatildeo com menos de 1 ano todas as vezes que o possuidor tiver superado tal prazo

o viacutecio teraacute sido expurgado razatildeo pela qual natildeo haveria hipoacutetese de possuidor com

tempo suficiente para usucapir que jaacute natildeo teria passado pelo ldquomarco saneadorrdquo35

Ainda entre os especialistas brasileiros Silvio Rodrigues36 defendeu a tese de que apoacutes

ano e dia de exerciacutecio da posse pelo esbulhador o possuidor esbulhado perderia o

direito de retomaacute-la pela via possessoacuteria cabendo apenas a accedilatildeo reivindicatoacuteria com

base no tiacutetulo Tal impossibilidade seria reflexo de que a posse inicialmente injusta pela

aquisiccedilatildeo violenta teria passado a ser justa tendo em vista a passagem do prazo

34 DINIZ Maria Helena Curso de direito civil brasileiro Vol4 ndash direito das coisas 26ordfed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p78 O posicionamento eacute tambeacutem encampado entre outros por NEDER Natal Usucapiatildeo de imoacuteveis 3ordfed Rio de Janeiro Forense 1989 p19 35 Tambeacutem por isso parece curiosa a hipoacutetese de saneamento pela passagem do tempo vislumbrada por COELHO Faacutebio Ulhocirca Curso de direito civil Vol4 ndash direito das coisas cit p39 ldquoA posse soacute deixa de ser violenta se o antigo possuidor natildeo se interessa pela retomada do bem ou natildeo obtendo sucesso no exerciacutecio do desforccedilo imediato desiste da luta Desaparecendo a violecircncia nesse caso a posse se torna justa () Em suma o desinteresse do desapossado em defender a sua posse descaracteriza a origem viciada da do novo possuidorrdquo De acordo com tal raciociacutenio todas as vezes que o possuidor tiver posse ad usucapionem pelo tempo necessaacuterio para usucapir a posse injusta teraacute se transformado em posse justa E se isso eacute assim para que serve o exame dos viacutecios objetivos 36 RODRIGUES Silvio Direito civil Vol5 ndash direito das coisas 28ordfed Satildeo Paulo Saraiva 2009 p25-27

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O raciociacutenio de Silvio Rodrigues parece uma meacutelange da soluccedilatildeo positivada em alguns

sistemas estrangeiros como vg no direito espanhol e no direito portuguecircs O

problema eacute que aqui ao contraacuterio do que ocorre nos ordenamentos dos dois maiores

paiacuteses da Peniacutensula Ibeacuterica natildeo haacute nenhuma disposiccedilatildeo normativa que ampare tal

interpretaccedilatildeo Em Portugal e na Espanha o decurso do prazo de um ano tem

primeiramente uma funccedilatildeo especiacutefica a de decretar o momento da perda da posse por

parte do possuidor esbulhado37 Eacute o mesmo raciociacutenio que no Brasil sustenta a previsatildeo

do artigo 122438 onde ainda que sem uma referecircncia objetiva de tempo eacute possiacutevel

verificar que o possuidor esbulhado natildeo perde o seu direito de posse no exato momento

em que ocorre a perda no plano faacutetico A funccedilatildeo dessa ficccedilatildeo39 tanto laacute quanto caacute

tambeacutem eacute a mesma garantir que natildeo haja soluccedilatildeo de continuidade no exerciacutecio da

posse quando intervalos intermitentes ocorrem40

De se ressaltar ainda que no ordenamento portuguecircs assim como no direito espanhol

o prazo de 1 ano corresponde tambeacutem agrave ldquocaducidaderdquo das accedilotildees de reintegraccedilatildeo ou

manutenccedilatildeo de posse41 Como o possuidor esbulhado natildeo pode mais utilizar tais accedilotildees

a interdiccedilatildeo da via possessoacuteria gera consequecircncias na compreensatildeo da manutenccedilatildeo dos

viacutecios No direito espanhol natildeo sem polecircmica o prazo de 1 ano de exerciacutecio da posse

pelo esbulhador configura hipoacutetese na qual ldquoel transcurso del tiempo sirve para

subsanar este vicio posesoriordquo42

37 Coacutedigo Civil espanhol ldquoArtiacuteculo 460 El poseedor puede perder su posesioacuten () 4 Por la posesioacuten de otro aun contra la voluntad del antiguo poseedor si la nueva posesioacuten hubiese durado maacutes de un antildeordquo Coacutedigo Civil portuguecircs ldquoArtigo 1267ordm (Perda da posse) 1 O possuidor perde a posse () d) Pela posse de outrem mesmo contra a vontade do antigo possuidor se a nova posse houver durado mais de um anordquo 38 Art 1224 Soacute se considera perdida a posse para quem natildeo presenciou o esbulho quando tendo notiacutecia dele se absteacutem de retornar a coisa ou tentando recuperaacute-la eacute violentamente repelido 39 No direito espanhol a doutrina diverge acerca do momento em que tem iniacutecio a posse do esbulhador Haacute quem entenda que a posse do esbulhador soacute tem iniacutecio apoacutes o prazo de 1 ano RODRIGUEZ-CANO Rodrigo Bercovitz Manual de derecho civil ndash derechos reales Madrid Bercal 2013 p77) Outros consideram que coexistem desde o iniacutecio duas posses sobre o bem posse de fato exercida pelo esbulhador e a posse de direito que ateacute o transcurso do prazo permanece na titularidade do esbulhado LOacutePEZ y LOacutePEZ Aacutengel M FERNANDEZ Rosario Valpuesta et all Derecho civil patrimonial Vol II Valencia Tirant lo Blanch 2014 p97 40 TEPEDINO Gustavo Comentaacuterios ao coacutedigo civil cit p192 DIacuteEZ-PICAZO Luis GULLOacuteN Antonio Sistema de derecho civil VolIII Tomo I (derechos reales en general) 8ordfed Madrid Tecnos 2013 p116 41 CORDEIRO Antoacutenio Menezes A posse perspectivas dogmaacuteticas actuais cit p112 SANTOS JUSTO A dos Direitos Reais 4ordfed cit p218 LOacutePEZ PAacuteSARO Eduardo Tutela Sumaria de la Posesioacuten (Interdicto de recobrar) Madrid Dykinson 2014 p187 O artigo 1282 do Coacutedigo Civil portuguecircs indica que ldquoA acccedilatildeo de manutenccedilatildeo bem como as de restituiccedilatildeo da posse caducam se natildeo forem intentadas dentro do ano subsequente ao acto da turbaccedilatildeo ou do esbulho ou ao conhecimento dele quando tenha sido praticado a ocultasrdquo Jaacute o diploma civil espanhol preceitua no seu artigo 19681 do Coacutedigo Civil espanhol ldquo Artiacuteculo 1968 Prescriben por el transcurso de un antildeo 1La accioacuten para recobrar o retener la posesioacutenrdquo 42 RODRIGUEZ-CANO Rodrigo Bercovitz Manual de derecho civil ndash derechos reales cit p73 No mesmo sentido ALBALADEJO Manuel A Derecho civil VolIII cit p63 DIacuteEZ-PICAZO Luis Fundamentos del derecho civil patrimonial VolIII las relaciones juriacutedico-reales el registro de la propiedad la posesioacuten 5ordfed Madrid Civitas 2008 p689

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Jaacute no direito portuguecircs o Coacutedigo Civil eacute expresso acerca da possibilidade de

saneamento dos viacutecios43 e a doutrina encampa unanimemente o entendimento de que

a posse eacute violenta ndash portanto injusta ndash apenas no tempo de duraccedilatildeo de seus efeitos44

Ou seja a posse violenta clandestina ou precaacuteria perde a condiccedilatildeo de viciosa no exato

instante em que se estabiliza Apoacutes a cessaccedilatildeo da violecircncia a posse passa a ser

perfeitamente apta a gerar a usucapiatildeo45

Mas ideia de que a posse eacute injusta apenas enquanto houver violecircncia ou

clandestinidade ao contraacuterio do direito luso natildeo tem respaldo no ordenamento

brasileiro apesar de ser defendida por nomes como os de Lenine Nequete46 e Arnoldo

Wald47 O artigo 1208 do Coacutedigo Civil alocado no capiacutetulo referente agrave aquisiccedilatildeo da

posse dispotildee claramente que ldquoNatildeo induzem posse os atos de mera permissatildeo ou

toleracircncia assim como natildeo autorizam a sua aquisiccedilatildeo os atos violentos ou clandestinos

senatildeo depois de cessar a violecircncia ou a clandestinidaderdquo Ou seja aqui enquanto a

violecircncia estiver sendo empregada natildeo haacute posse Apoacutes a sua cessaccedilatildeo a posse advinda

de tais atos eacute posse mas posse injusta48

Natildeo haacute duacutevida portanto de que o prazo de ldquoano e diardquo tem uma funccedilatildeo importante No

direito espanhol o prazo serve como marco da perda da posse da impossibilidade de

utilizaccedilatildeo das accedilotildees possessoacuterias e de saneamento dos viacutecios objetivos No direito

portuguecircs serve igualmente de referecircncia para identificaccedilatildeo do momento de perda da

posse e da caducidade da via possessoacuteria ao passo que os viacutecios satildeo considerados

sanados apoacutes a cessaccedilatildeo de seus efeitos

Em ambos os ordenamentos o expurgo dos viacutecios pela passagem do tempo tem

respaldo normativo ainda que as criacuteticas anteriormente feitas a este raciociacutenio no

direito brasileiro tambeacutem sejam aplicaacuteveis a tais sistemas natildeo havendo tambeacutem neles

nenhuma modalidade de usucapiatildeo com menos de 1 ano a ideia do saneamento da

43 Artigo 1297ordm (Posse violenta ou oculta) Se a posse tiver sido constituiacuteda com violecircncia ou tomada ocultamente os prazos da usucapiatildeo soacute comeccedilam a contar-se desde que cesse a violecircncia ou a posse se torne puacuteblica 44 Por todos CARVALHO Orlando de Direito das coisas Coimbra Coimbra Editora 2012 p283 45 FRANCcedilA PITAtildeO Joseacute Antoacutenio de Posse e usucapiatildeo Lisboa Almedina 2007 p74 FERREIRA Durval Posse e usucapiatildeo 3ordfed Lisboa Almedina 2008 p319 OLIVEIRA ASCENCcedilAtildeO Joseacute de Direito civil ndash reais cit p116 46 NEQUETE Lenine Da prescriccedilatildeo aquisitiva (usucapiatildeo) Porto Alegre Ediccedilatildeo Sulina 1954 p80 47 WALD Arnoldo Direito Civil direito das coisas Vol4 Satildeo Paulo Saraiva 2011 pp103-104 48 Segundo esclarece Joseacute Carlos Moreira Alves ldquo() para o Coacutedigo Civil brasileiro () enquanto materialmente existentes ndash ou seja enquanto se pratica a violecircncia ou haacute clandestinidade ndash impedem [tais viacutecios] a aquisiccedilatildeo ateacute da possessio ad interdicta havendo apenas detenccedilatildeo independente e uma vez cessados em sua materialidade surge a posse embora qualificada como injusta que produz as consequecircncias de qualquer posse injustardquo MOREIRA ALVES Joseacute Carlos ldquoA detenccedilatildeo no direito civil brasileiro (conceito e casos)rdquoIn CAHALI Yussef Said Posse e propriedade doutrina e jurisprudecircncia Satildeo Paulo Saraiva 1987 p20

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mesma forma que aqui natildeo tem funccedilatildeo nenhuma porque sempre que o usucapiente

tiver prazo para usucapir os viacutecios teratildeo deixado de existir

De se ressaltar ainda que o proacuteprio Silvio Rodrigues reconheceu que a sua tese natildeo

tinha fundamento legal Na nota de rodapeacute 28 do seu livro ldquoDireito das Coisasrdquo49 o

autor demonstrou que entendia que o Coacutedigo de Processo Civil de 1939 tinha extirpado

a ldquoaccedilatildeo de forccedila velha expoliativardquo do ordenamento brasileiro razatildeo pela qual para o

possuidor de mais de 1 ano e dia caberia apenas a via petitoacuteria o que sanearia o viacutecio na

aquisiccedilatildeo Isto porque segundo sua interpretaccedilatildeo ldquoBasta que ela [a posse] se estenda

pacificamente ou publicamente durante o intervalo de ano e dia para que fique

purgada de seus defeitosrdquo50 Mas o proacuteprio autor admitiu ao final da nota de rodapeacute

28 que o CPC de 73 ldquoextirpou a duacutevidardquo que poderia existir em torno da possibilidade

de accedilatildeo de reintegraccedilatildeo com mais de 1 ano e dia do esbulho que ldquomesmo intentadas

apoacutes o intervalo de ano e dia natildeo perdem o seu caraacuteter acessoacuteriordquo51 Mesmo criticando

a soluccedilatildeo do CPC reconhece que ldquo() a vontade do legislador manifestada de forma

irrefutaacutevel que deve prevalecerrdquo52 Fica claro portanto que natildeo haacute fundamento legal

para a tese de que a posse injusta se transforma em posse justa apoacutes ano e dia

6 Saneamento pelo cumprimento da funccedilatildeo social

Alguns estudos mais recentes tecircm indicado que os viacutecios objetivos da posse podem ser

considerados sanados uma vez constatado o cumprimento da funccedilatildeo social por parte do

esbulhador53

Mas o saneamento pelo cumprimento da funccedilatildeo social da posse pode ser

primeiramente criticado por que natildeo haacute qualquer dispositivo normativo em vigor no

ordenamento juriacutedico brasileiro que defina o que eacute e qual eacute o conteuacutedo da funccedilatildeo social

da posse A doutrina tem buscado dar substacircncia ao princiacutepio pela conexatildeo que

tradicionalmente eacute feita entre funccedilatildeo social da posse e a efetivaccedilatildeo de direitos

fundamentais como os de moradia e trabalho

49 RODRIGUES Silvio Direito civil Vol5 ndash direito das coisas cit p30 50 RODRIGUES Silvio Direito civil Vol5 ndash direito das coisas cit p30 51 O CPC15 eacute claro acerca do caraacuteter possessoacuterio da accedilatildeo proposta apoacutes o prazo de ldquoano e diardquo Art558 Regem o procedimento de manutenccedilatildeo e de reintegraccedilatildeo de posse as normas da Seccedilatildeo II deste Capiacutetulo quando a accedilatildeo for proposta dentro de ano e dia da turbaccedilatildeo ou do esbulho afirmado na peticcedilatildeo inicial Paraacutegrafo uacutenico Passado o prazo referido no caput seraacute comum o procedimento natildeo perdendo contudo o caraacuteter possessoacuterio 52 RODRIGUES Silvio Direito civil Vol5 ndash direito das coisas cit p30 nota28 53 MELO Marco Aureacutelio Bezerra de Curso de direito civil Vol5 ndash direito das coisas 2015 p73 FARIAS Cristiano Chaves de ROSENVALD Nelson Curso de direito civil Vol5 ndash reais cit p119

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Eacute possiacutevel tentar extrair essa conexatildeo da relaccedilatildeo entre posse e propriedade

considerando que a propriedade deve cumprir a funccedilatildeo social a posse tambeacutem deve ser

lida como subordinada a tal princiacutepio Mas se a funccedilatildeo social da propriedade eacute em

grande medida a ldquofunccedilatildeo social da posse exercida pelo proprietaacuteriordquo54 seraacute viaacutevel dizer

que o contraacuterio tambeacutem eacute verdadeiro Um possuidor de uma aacuterea de grande extensatildeo

de terra na zona rural estaacute obrigado a cumprir os mesmos preceitos direcionados ao

proprietaacuterio estabelecidos no artigo 184 da Constituiccedilatildeo E qual seria a consequecircncia

do descumprimento desse conteuacutedo por parte de quem eacute apenas o possuidor E no caso

da posse urbana qual o conteuacutedo a ser cumprido para que a funccedilatildeo social seja

contemplada

A falta de uma definiccedilatildeo sobre o conteuacutedo objetivamente definido para a funccedilatildeo social

da posse prejudica enormemente a sua utilizaccedilatildeo como criteacuterio para avaliaccedilatildeo do o

expurgo dos viacutecios objetivos Aleacutem de desnecessaacuteria a possibilidade do saneamento

atraveacutes de um princiacutepio tatildeo ldquomaleaacutevelrdquo tem como consequecircncia o seu reconhecimento

em um sem nuacutemero de situaccedilotildees tatildeo diacutespares que fica difiacutecil enxergar em que

circunstacircncia qualquer exerciacutecio regular da posse natildeo o atenderia

Nos tribunais fala-se em cumprimento da funccedilatildeo social quando a posse de um terreno eacute

utilizada para criaccedilatildeo de galinhas55 quando mesmo sem comprovar o tempo

necessaacuterio o possuidor prova que construiu lojas e quitinetes no imoacutevel que pretendia

usucapir56 ou ainda quando o imoacutevel a ser usucapido foi utilizado como garagem e aacuterea

de lazer durante o lapso temporal necessaacuterio agrave usucapiatildeo57

54 DANTAS Marcus Eduardo de Carvalho ldquoDa funccedilatildeo social da propriedade agrave funccedilatildeo social da posse exercida pelo proprietaacuterio ndash uma proposta de releitura do princiacutepio constitucionalrdquo RIL ndash Revista de Informaccedilatildeo Legislativa ano 52 n 205 p23-38 Mar 2015 p34 DANTAS Marcus Eduardo de Carvalho ldquoFunccedilatildeo social nos conflitos fundiaacuteriosrdquo Revista Direito GV Satildeo Paulo v9 n 2 p465-488 Dec 2013 p479 55 Tribunal de Justiccedila do Rio de Janeiro Apelaccedilatildeo nordm 0003045-5320028190061 Rel Des Gilda Maria

Dias Carrapatoso Julgamento 31072013 13ordf Cacircmara Ciacutevel Disponiacutevel em

httpwww1tjrjjusbrgedcachewebdefaultaspxUZIP=1ampGEDID=0004CC331928D8D3A72C15733D

069BD44D8BC50237206304 Acesso em 12032015 56 Tribunal de Justiccedila do Rio de Janeiro Apelaccedilatildeo nordm 0034331-2420108190205 Rel Des Andreacute

Ribeiro Julgamento 05062013 7ordf Cacircmara Ciacutevel Disponiacutevel em

httpwww1tjrjjusbrgedcachewebdefaultaspxUZIP=1ampGEDID=000421376D950C28F7B805418EE

F244E6857C5022B4D2D4CAcesso em 12032015 57 Tribunal de Justiccedila do Rio de Janeiro Apelaccedilatildeo nordm 0096918-8820058190001 Rel Des Antocircnio

Saldanha Palheiro Julgamento 12042011 5ordf Cacircmara Ciacutevel Disponiacutevel em

httpwww1tjrjjusbrgedcachewebdefaultaspxUZIP=1ampGEDID=0003FDB81056920E5F12D511F73

43C44001098C403252532 Acesso em 12032015

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Natildeo se trata aqui de uma avaliaccedilatildeo moral acerca daquilo que deve ou natildeo ser

considerado como o conteuacutedo da funccedilatildeo social A questatildeo eacute que sem um conteuacutedo bem

especificado a funccedilatildeo social deixa de ser um mecanismo de qualificaccedilatildeo da posse ela

natildeo tem serventia alguma como mecanismo de diferenciaccedilatildeo Se a utilizaccedilatildeo de um

terreno como garagem e lazer corresponde ao exerciacutecio da posse com funccedilatildeo social em

que circunstacircncia o exerciacutecio puro e simples da posse natildeo corresponderia a tal

princiacutepio Basta natildeo realizar uma atividade iliacutecita para cumprir a funccedilatildeo social da

posse Qual a diferenccedila entre ldquoter posserdquo e ldquoter posse com funccedilatildeo socialrdquo

A segunda linha de criacutetica se orienta pelo fato de que nem todas as modalidades de

usucapiatildeo existentes no ordenamento brasileiro tecircm uma conexatildeo visiacutevel com os temas

tradicionalmente considerados como caracteriacutesticos da funccedilatildeo social A usucapiatildeo

extraordinaacuteria prevista no caput do artigo 1238 do Coacutedigo Civil58 por exemplo natildeo

exige do possuidor que exerccedila a posse com fins de moradia tampouco que utilize o

imoacutevel como fonte de trabalho Isso mostra que o Coacutedigo diferencia as situaccedilotildees nas

quais a posse eacute exercida como meio de efetivaccedilatildeo dos direitos tradicionalmente

afinados com uma ideia geral de funccedilatildeo social e aquelas nas quais a posse eacute exercida

regularmente mas sem tal qualificaccedilatildeo especial Em tais condiccedilotildees o entendimento de

que a injusticcedila original da posse pode ser sanada pelo cumprimento da funccedilatildeo social

para a usucapiatildeo em geral ficaria ainda uma vez sem sentido pois o diploma civil natildeo

exige que a posse seja exercida como moradia ou fonte de trabalho em todas as

modalidades da usucapiatildeo

7 O ldquoteste do uso incompatiacutevelrdquo e a funccedilatildeo da posse injusta na usucapiatildeo

Apesar de todo esforccedilo doutrinaacuterio na defesa de formas pelas quais a posse injusta pode

deixar para traacutes o seu viacutecio de origem a doutrina tem um posicionamento tatildeo soacutelido

quanto incoerente acerca do viacutecio da precariedade o de que ele natildeo convalesce nunca

O entendimento eacute defendido por quase59 a totalidade dos especialistas sob o

58 Art 1238 Aquele que por quinze anos sem interrupccedilatildeo nem oposiccedilatildeo possuir como seu um imoacutevel adquire-lhe a propriedade independentemente de tiacutetulo e boa-feacute podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentenccedila a qual serviraacute de tiacutetulo para o registro no Cartoacuterio de Registro de Imoacuteveis Paraacutegrafo uacutenico O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-aacute a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imoacutevel a sua moradia habitual ou nele realizado obras ou serviccedilos de caraacuteter produtivo

59 Francisco Eduardo Loureiro eacute uma boa exceccedilatildeo agrave leitura predominante Nesse sentido ldquoDiz-se que a posse precaacuteria nunca gera usucapiatildeo Na verdade eacute ela imprestaacutevel para usucapiatildeo natildeo porque eacute injusta mas porque o precarista natildeo tem animus domini uma vez que reconhece a supremacia e o melhor direito do terceiro sobre a coisa Caso poreacutem natildeo reconheccedila ou deixe de reconhecer essa posiccedilatildeo e revele isso de modo inequiacutevoco e claro ao titular do domiacutenio para que este possa reagir e retomar a coisa nasce nesse momento o prazo para usucapiatildeo porque o requisito animus domini estaraacute entatildeo presente LOUREIRO Francisco Eduardo ldquoDireito das coisas (arts 1196-1510)rdquo In PELUSO Cezar (Coord) Coacutedigo civil interpretado Satildeo Paulo Manole 2008 p1092-1093

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argumento de que o descumprimento do dever de restituiccedilatildeo do bem soacute deixa de existir

quando a coisa eacute devolvida Enquanto o bem permanece com o esbulhador a posse

permanece injusta e nenhuma das taacuteticas anteriormente analisadas seria suficiente

para modificar tal condiccedilatildeo

Trata-se de uma interpretaccedilatildeo no miacutenimo insoacutelita pois acaba tornando o viacutecio da

precariedade mais grave que os outros se o esbulhador usa a violecircncia fiacutesica contra a

pessoa do esbulhado ele pode ver tal viacutecio sanado das formas mais diversas se a

aquisiccedilatildeo se daacute pela recusa da restituiccedilatildeo isso natildeo seria de forma alguma possiacutevel pela

ldquoquebra da confianccedilardquo Mas por que a ldquoquebra da confianccedilardquo eacute mais grave que o uso da

forccedila fiacutesica Aleacutem de natildeo parecer razoaacutevel trata-se de uma interpretaccedilatildeo que atribui

uma vantagem injustificaacutevel em favor do proprietaacuterio Independentemente do que ele

tiver feito ou deixado de fazer para retomar o bem o fato da posse ser injusta

bloquearia a usucapiatildeo para sempre

Como indicado a discussatildeo acerca das circunstacircncias nas quais algueacutem pode se tornar

proprietaacuterio pela usucapiatildeo eacute tambeacutem uma discussatildeo acerca das condiccedilotildees nas quais

algueacutem pode legitimamente exercer o seu direito de propriedade Eacute possiacutevel

reconhecer poreacutem que a doutrina brasileira tem dado uma ecircnfase talvez desmesurada

na atuaccedilatildeo do possuidor deixando de investigar a dimensatildeo real do papel do

proprietaacuterio nesse jogo Soacute haveraacute usucapiatildeo se o proprietaacuterio de algum modo se

mantiver inerte na recuperaccedilatildeo do bem E se o proprietaacuterio deixou de tomar as

providencias necessaacuterias agrave tutela do seu direito durante um periacuteodo que pode variar de

2 a 15 anos eacute porque ele tambeacutem contribuiu para a consolidaccedilatildeo da posse do

usucapiente Como seria o cenaacuterio se a ecircnfase no processo recaiacutesse sobre o

proprietaacuterio Se independentemente da preocupaccedilatildeo com a caracterizaccedilatildeo de

eventuais viacutecios da posse incidisse principalmente sobre o titular a responsabilidade de

agir para que a usucapiatildeo natildeo se consumasse

Um caso interessante nesse sentido ndash e pouco estudado no Brasil ndash eacute o chamado

ldquoJAPye (Oxford) Ltd v Grahamrdquo ou apenas ldquoCase Pyerdquo como ficou conhecido De

forma muito resumida a empresa do ramo imobiliaacuterio JA Pye (Oxford) Ltd adquiriu

um terreno em Berkshire oeste de Londres com o objetivo de desenvolver um

empreendimento imobiliaacuterio e obteve o respectivo registro como proprietaacuteria da aacuterea

Apoacutes realizar a venda de uma parte do terreno a empresa inglesa celebrou um contrato

de 1 ano com a famiacutelia Graham por meio do qual seus integrantes ficavam autorizados a

utilizar os 25 hectares restantes da aacuterea como pasto Apoacutes o teacutermino do contrato os

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Graham procuraram a empresa com objetivo de obter uma renovaccedilatildeo mas a J A Pye

Ltd se recusou a fazecirc-lo Apesar disso Caroline e Michael Graham continuaram a

ocupar o terreno e a utilizaacute-lo como pasto por mais 12 anos com o conhecimento da

empresa mas sem o seu consentimento ainda que a J A Pye Ltd tenha se mantido

inerte quanto agraves providecircncias necessaacuterias para impedir a permanecircncia natildeo autorizada

dos Graham no local Apoacutes os 12 anos de exerciacutecio natildeo autorizado da posse os Graham

solicitaram o reconhecimento dos seus direitos sobre a referida aacuterea o que foi

concedido pelo registro com base na ldquoadverse possessionrdquo ou seja na usucapiatildeo

A decisatildeo gerou um sem nuacutemero de polecircmicas e modificaccedilotildees de rumo chegando ateacute

ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos onde no julgamento da Queixa

nordm4430202 foi dado ganho de causa ao Reino Unido e por consequecircncia agrave famiacutelia

Graham Em um primeiro momento a ldquoCourt of Appealrdquo deu decisatildeo favoraacutevel agrave

empresa ldquoPyerdquo com base entre outros motivos no fato de que a famiacutelia Graham natildeo

tinha ldquothe necessary intention to possessrdquo ou seja o acircnimo de dono Considerando-se

que no direito inglecircs vigora o chamado ldquoprocedural approachrdquo no que tange agrave usucapiatildeo

ndash a ecircnfase no aspecto processual da disputa ndash a referecircncia ao animus possidendi foi

considerada uma inovaccedilatildeo surpreendente60 De fato uma vez que os agricultores

permaneceram apenas fazendo aquilo que jaacute faziam quando do contrato em vigor os

julgadores da ldquoCourt of Appealrdquo entenderam que natildeo havia a intenccedilatildeo de passar a ser o

dono do lugar contrapondo-se frontalmente ao direito da empresa61 A decisatildeo foi

objeto de recurso agrave ldquoHouse of Lordsrdquo que deu ganho de causa agrave Caroline Graham62

Ainda inconformada a empresa ldquoPyerdquo entrou com novo recurso e como indicado o

caso chegou ateacute ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos sob a alegaccedilatildeo de que o

Reino Unido havia violado o direito de propriedade da J A Pye Ltd descumprindo a

garantia prevista no artigo 1ordm do Protocolo Adicional nordm 1 da Convenccedilatildeo Europeia dos

Direitos do Homem63 A decisatildeo final foi favoraacutevel ao Reino Unido e

60 RADLEY-GARNER Oliver ldquoCivilized Squattingrdquo Oxford Journal of Legal Studies (winter 2005) 25 (04) p728 61 A discussatildeo pode ser conhecida em httpwwwpublicationsparliamentukpald200102ldjudgmtjd020704graham-3htm Acesso em 13122014 62 O voto de maior peso no julgamento foi o de Lord Browne-Wilkinson por ter considerado que ao contraacuterio do que se exigia ateacute entatildeo a partir do momento em que os Graham continuaram a pastorear a terra sem a autorizaccedilatildeo da ldquoJAPyerdquo eles passaram a ter posse em nome proacuteprio o que independentemente de um conflito aberto seria suficiente para viabilizar a adverse possession O voto na iacutentegra pode ser lido em ldquoHouse of Lords Judgments ndash J A Pye (Oxford) Ltd and Others v Graham and Another on 4 July 2002rdquo httpwwwpublicationsparliamentukpald200102ldjudgmtjd020704graham-1htm Acesso em 13122014 63 ldquoQualquer pessoa singular ou colectiva tem direito ao respeito dos seus bens Ningueacutem pode ser privado do que eacute sua propriedade a natildeo ser por utilidade puacuteblica e nas condiccedilotildees previstas pela lei e pelos princiacutepios gerais do direito internacional

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consequentemente agrave famiacutelia Graham sob diversos argumentos Destacam-se para fins

do presente estudo a ideia de que a usucapiatildeo deve ser encarada como um mecanismo

de controle ou regulamentaccedilatildeo do uso dos bens eis que eacute de interesse geral saber quem

efetivamente eacute responsaacutevel pelo imoacutevel bem como pelos tributos decorrentes de tal

condiccedilatildeo o que remete agrave seguranccedila juriacutedica 64

Entre diversas questotildees importantes o episoacutedio mostra como em grande medida a

dogmaacutetica juriacutedica brasileira tem abordado o tema da usucapiatildeo de maneira a ampliar

os poderes do proprietaacuterio Uma atenccedilatildeo desmesurada tem sido dada agrave posse do

usucapiente sempre cheia de requisitos a cumprir escamoteando-se as

responsabilidades do titular do direito a ser usucapido

Desde logo salta aos olhos o fato de que na hipoacutetese do ldquoCase Pyerdquo o poder da famiacutelia

Graham sobre o terreno poderia no Brasil ser qualificado como uma situaccedilatildeo de mera

toleracircncia hipoacutetese na qual natildeo haveria verdadeiramente posse conforme indicaccedilatildeo do

artigo 1208 do Coacutedigo Civil brasileiro Mas eacute preciso reconhecer que apesar da empresa

ldquoPyerdquo ter ldquotoleradordquo a presenccedila dos Graham o fato eacute que a ineacutercia de ldquoPyerdquo se deu em

momento posterior agrave negativa de renovaccedilatildeo do contrato o que demonstra o interesse

em natildeo perpetuar a presenccedila da famiacutelia Graham no local A recusa agrave renovaccedilatildeo e a

ineacutercia fariam entatildeo com que a hipoacutetese passasse a ser encarada como uma ldquoposse

precaacuteriardquo justamente o viacutecio que a doutrina brasileira insiste em considerar insanaacutevel

e portanto incapaz de gerar a usucapiatildeo

Mas o episoacutedio mostra que quando algueacutem exerce posse sobre o bem de outrem

diversos pontos de vista podem ser utilizados para analisar a questatildeo o proprietaacuterio

permitiu tal exerciacutecio Ele tomou as providecircncias necessaacuterias para recuperar o bem O

possuidor adverso sabia que o bem era de outra pessoa e se negou a devolvecirc-lo

As condiccedilotildees precedentes entendem - se sem prejuiacutezo do direito que os Estados possuem de pocircr em vigor as leis que julguem necessaacuterias para a regulamentaccedilatildeo do uso dos bens de acordo com o interesse geral ou para assegurar o pagamento de impostos ou outras contribuiccedilotildees ou de multasrdquo No original ldquoThe preceding provisions shall not however in any way impair the right of a State to enforce such laws as it deems necessary to control the use of property in accordance with the general interest or to secure the payment of taxes or other contributions or penaltiesrdquo European Court of Human Rights ldquoCase JA Pye (Oxford) Ltd and JA Pye (Oxford) Land Ltd v The United Kingdom Alleged Violation of Article 1 of Protocol nordm 1 Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-82172itemid[001-82172] Acesso em 03032014 64 ABREU Abiacutelio Vassalo Titularidade Registral do Direito de Propriedade Imobiliaacuteria versus usucapiatildeo (adverse possession) Coimbra Coimbra Editora 2011 p83

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Nesses termos o modelo processual inglecircs indica que a reflexatildeo acerca da usucapiatildeo

tambeacutem deve englobar uma meditaccedilatildeo sobre a atuaccedilatildeo do proprietaacuterio na recuperaccedilatildeo

do seu direito pois nada acontece se ele agir de maneira ceacutelere Mesmo apoacutes a negativa

de permanecircncia da famiacutelia Graham a empresa Pye permaneceu 12 anos sem tomar as

providecircncias necessaacuterias para a desocupaccedilatildeo do local Eacute um espaccedilo consideraacutevel de

tempo Seria razoaacutevel entender que por ser ldquoinsanaacutevelrdquo o viacutecio da precariedade nunca

admitiria a consumaccedilatildeo da usucapiatildeo em favor dos Graham

Aleacutem de problemaacutetica essa interpretaccedilatildeo ressuscita o problema da ldquoposse eternamente

injustardquo o esbulhador nunca poderia usucapir mesmo se o esbulhado natildeo procurar

retomar a sua posse Ao que tudo indica a impossibilidade de saneamento do viacutecio da

precariedade reflete a um imperativo moral a quebra da confianccedila depositada deve ser

punida com a perenidade do caraacuteter injusto E aqui se abre a oportunidade de discutir

afinal qual eacute a funccedilatildeo da anaacutelise da injusticcedila como meio de barreira para a usucapiatildeo

Quando se faz referecircncia agraves diversas teacutecnicas de saneamento dos viacutecios eacute preciso

reconhecer que elas natildeo podem ser lidas como um modo de suplantar o fato de que a

posse do usucapiente natildeo foi autorizada e eacute exercida de forma contraacuteria aos interesses

do titular porque essa eacute uma condiccedilatildeo necessaacuteria para que a usucapiatildeo ocorra Ainda

que natildeo haja uma ldquobatalha campalrdquo em busca da posse ldquoCrucially the adverse

possessorrsquos use must be without permission (ldquoadverserdquo)rdquo65 A aquisiccedilatildeo sem autorizaccedilatildeo

e o exerciacutecio contraacuterio aos interesses do titular satildeo pressupostos para a usucapiatildeo

Em tais condiccedilotildees as estrateacutegias que visam a ldquoeliminaccedilatildeo da injusticcedilardquo pelo expurgo

dos viacutecios de origem soacute podem ser compreendidas como vias pelas quais se pretende

superar o chamado ldquoparadoxo moralrdquo66 aparentemente existente em torno da proacutepria

ideia de usucapiatildeo qual a justificativa para que algueacutem perca o seu direito de

propriedade em funccedilatildeo da atuaccedilatildeo natildeo autorizada de outra pessoa

Mas a falta de precisatildeo doutrinaacuteria na referecircncia agrave justiccedila ou injusticcedila da posse faz com

que a exigecircncia de que a posse ad usucapionem seja uma posse ldquojustardquo gere a falsa

ideia de que a atuaccedilatildeo do usucapiente estaacute em conformidade com o direito E as

estrateacutegias de saneamento reforccedilam essa confusatildeo ao se voltarem para o modo como a

posse foi adquirida Elas servem como uma justificativa para tentar amainar a ilicitude

65 MERRIL Thomas W SMITH Henry E Property Oxford Oxford University Press 2010 p36 66 KATZ Larissa ldquoThe moral paradox of adverse possession sovereignty and revolution in property lawrdquo McGill Law Journal Vol55 2010 pp47-80 cit p 59

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do apossamento mas isso eacute virtualmente impossiacutevel sem jogar o instituto em um non

sense pois a contrariedade da posse ad usucapionem eacute intriacutenseca a usucapiatildeo

Quando se diz que a posse do usucapiente eacute sempre injusta isso significa que ela natildeo

estaacute autorizada de forma alguma e se coloca sim em posiccedilatildeo de conflito (ainda que

velado) com os interesses do proprietaacuterio ou seja algueacutem vai adquirir a propriedade de

algo que jaacute tem dono e obviamente sem a colaboraccedilatildeo deste

Por isso as estrateacutegias de saneamento estatildeo por assim dizer ldquono lugar erradordquo pois

acabam mascarando a dinacircmica real do processo por meio do qual algueacutem caminha

para usucapir o bem de outrem Isto acaba ampliando as sombras existentes entre as

linhas que demarcam uma posse ldquomoralmente legitimadardquo a viabilizar a usucapiatildeo e a

adversidade sem a qual a aquisiccedilatildeo natildeo tem como se efetivar

Nessa direccedilatildeo a caracterizaccedilatildeo da posse ad usucapionem natildeo depende do saneamento

dos viacutecios objetivos pois o meio objetivo pelo qual se deu o apossamento eacute afinal

irrelevante Basta o chamado ldquoteste de uso incompatiacutevelrdquo (inconsistent use test) ou

seja da verificaccedilatildeo de que a posse natildeo autorizada se daacute em desconformidade com a

agenda estabelecida pelo proprietaacuterio do bem a ser usucapido67 Natildeo importa o modo

pelo qual tal contrariedade ganhou forma o fato eacute que ela existe e uma vez constatada

gera para o proprietaacuterio a oportunidade de se opor dentro de um determinado periacuteodo

de tempo sem o que perderaacute a titularidade do bem

Eacute importante ainda deixar expliacutecito o fato de que toda discussatildeo em torno dos

pressupostos para a aquisiccedilatildeo pela usucapiatildeo reflete uma dada concepccedilatildeo acerca da

propriedade Debater em que circunstacircncia algueacutem pode se tornar o proprietaacuterio do

bem que eacute de outro resvala em uma avaliaccedilatildeo acerca da amplitude de formas de

atuaccedilatildeo que o proprietaacuterio estaacute legitimado a desempenhar

Do mesmo modo a possiacutevel imoralidade existente na atribuiccedilatildeo do direito de

propriedade em favor de algueacutem que viola o direito de outrem eacute decorrente de uma

visatildeo que considera moralmente aceitaacutevel que o bem objeto desse direito possa

permanecer sem um uso efetivo durante um nuacutemero maior ou menor de anos jaacute que

natildeo haacute usucapiatildeo sem a ineacutercia do titular do direito a ser usucapido

67 KATZ Larissa ldquoThe moral paradoxrdquo cit p50

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Nesse sentido ultrapassar a discussatildeo acerca das estrateacutegias de saneamento dos viacutecios

da aquisiccedilatildeo rumo a um debate aprofundado sobre as razotildees que contribuem para a

superaccedilatildeo do paradoxo moral permitiria por exemplo a consideraccedilatildeo de que mesmo

um possuidor de maacute-feacute pode dar um uso economicamente mais eficiente do que aquele

dado pelo possuidor originaacuterio68 ou que em um contexto de deacuteficit de moradias a

ideia de que ldquoo natildeo uso eacute uma forma de usordquo69 seria juriacutedica e moralmente indefensaacutevel

pois corresponderia a absolutizaccedilatildeo da propriedade

O debate moral em torno da usucapiatildeo eacute rico de possibilidades que auxiliam na

compreensatildeo adequada do instituto e tambeacutem por isso natildeo pode ser represado Quando

se vecirc tanto esforccedilo doutrinaacuterio para expurgar os viacutecios objetivos de origem o uacutenico

sentido possiacutevel para tanto eacute pressuposto de que haacute uma avaliaccedilatildeo moralmente

negativa em torno da ideia de que uma posse ldquoinjustardquo seja apta a transformar um

ldquoladratildeordquo em proprietaacuterio Mas aqui o foco estaacute todo voltado para como a posse foi

adquirida o que reduz enormemente a investigaccedilatildeo Natildeo se trata da defesa da

legitimaccedilatildeo do uso da forccedila como se fosse possiacutevel concordar com a grilagem de terras

mas justo o oposto da possibilidade de reconhecimento de que mesmo o uso da forccedila

pode ser justificado quando a efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais como os relativos agrave

moradia e ao trabalho se contrapotildeem ao natildeo uso e a especulaccedilatildeo A existecircncia do

instituto da usucapiatildeo revela em si mesma que ordenamento fez uma escolha na qual o

uso efetivo do bem estaacute em uma posiccedilatildeo hierarquicamente superior ao natildeo uso Diante

da diferenciaccedilatildeo entre justiccedila e injusticcedila formal ndash relativa agrave aquisiccedilatildeo ndash e justiccedila ou

injusticcedila material (os valores materializados em cada efetivo apossamento) abre-se a

oportunidade de discutir as bases morais econocircmicas e filosoacuteficas por meio das quais eacute

ainda hoje possiacutevel fundamentar a manutenccedilatildeo ou perda dos direitos de propriedade

titularizados por algueacutem

De todo modo para os objetivos do presente estudo a hipoacutetese testada parece poder

ser adequadamente confirmada independentemente do modelo de usucapiatildeo a ser

adotado independentemente do fundamento mais adequado para usucapiatildeo em

68 FENNEL Lee Anne ldquoEfficient trespass the case for lsquobad faithrsquo adverse possessionrdquo Northwestern University Law Review Vol100 p1035-10962006 p53 Considerando-se que apenas um imoacutevel sem um uso efetivo pode ser objeto de apossamento alheio estendido por vaacuterios anos sem uma reaccedilatildeo apropriada a manutenccedilatildeo da sua titularidade pode ser lida como uma falha de mercado que daacute corpo agrave especulaccedilatildeo a venda do imoacutevel natildeo ocorre porque o titular natildeo encontra condiccedilotildees que lhe garantam a remuneraccedilatildeo pretendida naquele momento Da mesma forma levando-se em consideraccedilatildeo que no caso brasileiro a funccedilatildeo social remete agrave obrigatoriedade do uso e que isto por sua vez desaacutegua no exerciacutecio da posse toda posse ad usucapionem poderia ser lida como a vitoacuteria do uso produtivo sobre o natildeo uso especulativo Nesse sentido a posse de maacute-feacute corresponderia agrave deliberada intenccedilatildeo de concretizar um uso socialmente uacutetil a um bem que estaacute sendo administrado de forma ineficiente 69 NASCIMENTO Tupinambaacute Miguel Castro do Posse e propriedade Porto Alegre Livraria do Advogado 1986 p10

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nenhum lugar eacute possiacutevel colocar em questatildeo o fato de que a posse exercida pelo

esbulhador eacute adversa A posse exercida por algueacutem natildeo autorizado que deseja ou

acredita que jaacute tem o direito de outrem eacute nesse sentido sempre e necessariamente uma

posse injusta

Conclusatildeo

As tentativas de saneamentos dos viacutecios satildeo incongruentes e ineficientes porque a

superaccedilatildeo do paradoxo moral existente na usucapiatildeo depende de uma reflexatildeo acerca

daquilo que a sociedade considera como moralmente justificado em torno do exerciacutecio

do direito de propriedade E desde aiacute eacute possiacutevel perceber diversos aspectos que

demonstram que o exerciacutecio da posse seja qual for a sua qualificaccedilatildeo eacute mais forte do

que o natildeo uso a existecircncia mesma do instituto da usucapiatildeo o encurtamento

generalizado dos prazos para usucapir ocorrido no acircmbito do Coacutedigo Civil em vigor

mesmo na hipoacutetese extraordinaacuteria a ampliaccedilatildeo das modalidades de usucapiatildeo como

forma de premiar o exerciacutecio dirigido agrave busca da efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais

sociais como moradia e trabalho Nesse caminho o paradoxo moral se dissolve e o

saneamento dos viacutecios passa a ser irrelevante eacute mais importante saber o que se faz da

posse do que o modo pelo qual ela foi obtida

Em tais condiccedilotildees considerar que a posse ldquoboa para usucapirrdquo seja sempre injusta ndash no

sentido de que representa uma dissonacircncia necessaacuteria com a agenda estabelecida pelo

proprietaacuterio do bem a ser usucapido ndash natildeo significa o abandono da dimensatildeo moral

existente na qualificaccedilatildeo da posse do usucapiente Esta dimensatildeo apenas se desloca em

direccedilatildeo a uma investigaccedilatildeo criteriosa acerca do conteuacutedo da posse materializada frente

agrave anaacutelise da conduta do proprietaacuterio ante ao apossamento natildeo autorizado

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Aprovado em 13052016 (1ordm parecer) 31052016 (2ordm parecer)

Como citar DANTAS Marcus Eduardo de Carvalho Toda posse ad usucapionem eacute uma posse injusta Civilisticacom Rio de Janeiro a 5 n 1 2016 Disponiacutevel em lthttpcivilisticacomtoda-posse-ad-usucapionem-e-uma-posse-injustagt Data de acesso

Page 4: Toda posse ad usucapionem é uma posse injusta

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Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald tecircm uma intuiccedilatildeo a respeito de tal contrassenso

quando escrevem que o elenco dos viacutecios da posse deve ser considerado taxativo pois

ldquo() se fosse concedida tal elasticidade ao conceito de injusticcedila da posse a posse justa

seria somente aquela adquirida por relaccedilatildeo juriacutedica de direito real ou obrigacionalrdquo4

Isto eacute absolutamente correto Questionaacutevel eacute a conclusatildeo que extraem dessa

constataccedilatildeo o entendimento de que nem toda posse natildeo autorizada eacute injusta mesmo

quando a forccedila eacute eventualmente empregada para remoccedilatildeo de obstaacuteculos ao

apossamento

O raciociacutenio se manteacutem constrangido diante das amarras histoacutericas do debate rumo

agravequilo que parece ser a conclusatildeo recalcada em todas as sofisticadas teorias sobre as

consequecircncias dos viacutecios objetivos da posse a de que toda posse natildeo autorizada

exercida contra os interesses do titular eacute necessariamente uma posse injusta E isto natildeo

interfere (ou natildeo deve interferir) em nada na possibilidade de usucapir em qualquer

modalidade que seja

Quando os especialistas defendem a necessidade de saneamento dos viacutecios na aquisiccedilatildeo

para que a posse tornada ldquojustardquo possa viabilizar a usucapiatildeo5 eles estatildeo confundindo

dois significados de ldquoinjusticcedilardquo Em uma primeira acepccedilatildeo a ldquojusticcedilainjusticcedilardquo eacute

relativa ao modo pelo qual a posse foi obtida chave pela qual por coerecircncia toda posse

natildeo autorizada ndash como eacute o caso da ad usucapionem ndash deve ser reconhecida como

ldquoinjustardquo

Em um outro sentido a ldquojusticcedilainjusticcedilardquo eacute decorrente de uma avaliaccedilatildeo moral acerca

do conteuacutedo da posse do modo pelo qual ela foi exercida durante todo o tempo

necessaacuterio para usucapir Eacute uma anaacutelise de quanto aquela posse ldquomerecerdquo gerar a

aquisiccedilatildeo da propriedade pela usucapiatildeo Trata-se de um julgamento acerca dos valores

que foram efetivados por meio da materializaccedilatildeo do apossamento e o quanto eles

justificam suficientemente a sua prevalecircncia frente ao direito de propriedade Eacute uma

anaacutelise material de conteuacutedo portanto da posse exercida durante todo aquele tempo

exigido em cada hipoacutetese de usucapiatildeo Neste sentido a investigaccedilatildeo acerca da justiccedila

ou injusticcedila da posse eacute tambeacutem uma discussatildeo acerca dos limites do direito de

4 FARIAS Cristiano Chaves de ROSENVALD Nelson Curso de direito civil Vol5 ndash direitos reais 11ordfed Satildeo Paulo Atlas 2015 p111 5 Ao considerar que a posse injusta dificulta ou impede por completo a usucapiatildeo (notas 67 e 8) a doutrina acaba desenvolvendo mecanismos de eliminaccedilatildeo dos viacutecios da posse como uma forma de superar o problema que surgiria na situaccedilatildeo onde o possuidor injusto permanece exercendo a posse sem ser confrontado por quem quer de direito (pontos 2 3 e 5)

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propriedade Estas duas coisas precisam ser dissociadas para que sejam analisadas

adequadamente Eis eacute a tese a ser desenvolvida no presente artigo

E por que a hipoacutetese a ser testada eacute relevante Porque os estudiosos do tema se

dedicam a um sem nuacutemero de taacuteticas que diante de uma posse injusta objetivam criar

modos de expurgar os seus viacutecios no intuito de tornaacute-la ldquojustardquo e assim apta a

usucapiatildeo O problema eacute que essas formas de saneamento satildeo tatildeo amplas e variadas

que se chega agrave conclusatildeo que sempre que o possuidor tiver o tempo de posse e os

requisitos especiacuteficos para usucapir em cada hipoacutetese os viacutecios de algum modo teratildeo

sido eliminados E se eacute inevitaacutevel consideraacute-los sanados eacute porque as estrateacutegias de

saneamento satildeo na verdade irrelevantes para a aquisiccedilatildeo pela usucapiatildeo e isso

raramente eacute dito de forma expliacutecita6 Quando se tem em mente que a posse ad

usucapionem eacute injusta e que isso natildeo impede a usucapiatildeo em nenhuma modalidade o

ganho em termos sistemaacuteticos eacute visiacutevel pois os viacutecios importantes passam a ser apenas

os subjetivos Se toda posse ad usucapionem eacute injusta o que importa eacute saber se o

usucapiente tinha ou natildeo conhecimento disto

1 Mapeamento do problema na doutrina eacute possiacutevel usucapir tendo posse

injusta

A resposta a tal questionamento varia entre aqueles que consideram que o possuidor

injusto pode usucapir apenas na modalidade extraordinaacuteria7 e os que enxergam a

impossibilidade total de aquisiccedilatildeo do direito ante a injusticcedila da posse8 Estes driblam o

problema que existiria em torno de uma ldquoposse eternamente injustardquo fazendo como

indicado referecircncia a alguma forma de saneamento dos viacutecios de origem

6 Daniel Eduardo Carnacchioni talvez seja o uacutenico autor brasileiro a afirmar categoricamente que ldquoO conceito de posse injusta somente eacute fundamental para fixar a legitimidade passiva nas accedilotildees possessoacuterias Aliaacutes esta eacute a uacutenica relevacircncia dos viacutecios objetivos da posse Saber se a posse eacute justa ou injusta eacute importante apenas para saber se sujeito pode defender sua posse contra uma determinada pessoardquo CARNACCHIONI Daniel Eduardo Curso de direito civil ndash direitos reais Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p74 Cristiano Chaves de FARIAS e Nelson ROSENVALD ficam por assim dizer ldquono meio do caminhordquo pois ao mesmo tempo em que esclarecem que defendem que nem toda tomada natildeo autorizada da posse gera posse injusta (FARIAS Cristiano Chaves de ROSENVALD Nelson Curso de direito civil Vol V ndash reais 11ordfed Satildeo Paulo Atlas 2015 p106) consideram que a posse injusta soacute gera usucapiatildeo extraordinaacuteria pois na modalidade ordinaacuteria se exige o justo tiacutetulo e a boa-feacute (2015 p110) Mas eacute possiacutevel que a posse seja injusta e de boa-feacute pela ignoracircncia do accipiens quando da sua transmissatildeo Nesse sentido a injusticcedila da posse natildeo impediria nem mesmo a aquisiccedilatildeo pela via ordinaacuteria 7 Eacute o que se pode constatar em FARIAS Cristiano Chaves de ROSENVALD Nelson Curso de direito civil Vol5 ndash reais 11ordfed Satildeo Paulo Atlas 2015 p110 ROCHA Silvio Luiz Ferreira da Direito civil Vol3 ndash direitos reais Satildeo Paulo Malheiros 2010 p45 8 NASCIMENTO Tupinambaacute Miguel Castro do Usucapiatildeo (comum e especial) 5ordfed Rio de Janeiro AIDE 1986 p80 NUNES Pedro Do usucapiatildeo 4ordfed Rio de Janeiro Freitas Bastos 1984 p26 TARTUCE Flaacutevio SIMAtildeO Joseacute Fernando Direito civil Vol4 ndash direito das coisas 2ordfed Satildeo Paulo Meacutetodo 2009 p59 AZEVEDO Aacutelvaro Villaccedila de Curso de direito civil ndash direito das coisas Satildeo Paulo Atlas 2014 p22

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Mas por que motivo o possuidor injusto natildeo poderia usucapir na modalidade

ordinaacuteria Porque para esta hipoacutetese o Coacutedigo Civil exige que a posse ad usucapionem

tenha sido adquirida por meio de um justo tiacutetulo e de boa-feacute o que significa que o

possuidor natildeo sabe que existe um problema em torno do modo pelo qual ela foi

adquirida A doutrina entatildeo faz uma conexatildeo necessaacuteria entre a posse justa e a de boa-

feacute o que eacute ateacute razoaacutevel agrave primeira vista como algueacutem poderia alegar que desconhece

que a sua posse foi obtida de modo violento clandestino ou pela precariedade Tal

alegaccedilatildeo soacute seria possiacutevel se o viacutecio natildeo tivesse sido cometido por aquele que pretende

usucapir ou se a princiacutepio a proacutepria ocorrecircncia dele pudesse ser questionada

A primeira situaccedilatildeo corresponderia ao caso no qual o esbulhador transmitiu a posse

injusta que tinha para uma outra pessoa que enganada natildeo sabia de sua raiz iliacutecita

Partindo-se do princiacutepio de que tais viacutecios natildeo seriam transmitidos pelo tradens a

aquisiccedilatildeo derivada seria uma via de saneamento dos viacutecios de origem

Outro modo de se defender a justiccedila da posse originaacuteria eacute reconhecendo o fato dela ter

sido obtida por um meio que mesmo sendo incomum natildeo se equipararia agrave violecircncia

clandestinidade nem agrave precariedade Eacute nesta linha que se colocam as teses que

procuram questionar a ocorrecircncia dos viacutecios objetivos9 A pergunta aqui seria o que eacute

uma aquisiccedilatildeo violenta

Uma uacuteltima e mais recente via de transformaccedilatildeo da posse injusta em posse justa eacute o

cumprimento da funccedilatildeo social da posse Parte da doutrina busca superar o problema da

ldquoposse eternamente injustardquo considerando que o cumprimento da funccedilatildeo social da

posse pelo possuidor natildeo autorizado demandaria o reconhecimento de que a posse

originariamente injusta teria se transformado em posse justa viabilizando assim a

aquisiccedilatildeo da propriedade pela usucapiatildeo Mas como isso pode ser feito sem uma

descriccedilatildeo preacutevia e objetiva acerca do conteuacutedo da funccedilatildeo social da posse

9 Eacute bem verdade que na aquisiccedilatildeo originaacuteria eacute mais difiacutecil sustentar uma posse justa e de boa-feacute pois como indicado eacute implausiacutevel que na ocupaccedilatildeo natildeo autorizada de um imoacutevel se alegue o desconhecimento de que tal ato contraria direito de outrem Esta eacute uma das dificuldades existentes em torno da compreensatildeo de um dos institutos cujo nuacutemero de estudos eacute proporcional agrave sua ineficaacutecia os paraacutegrafos 4ordm e 5ordm do artigo 1228 do Coacutedigo Civil Tentando decifrar essa ldquoesfingerdquo podem ser citados RENTERIA Pablo ldquoAquisiccedilatildeo da propriedade imobiliaacuteria pela acessatildeo invertida social anaacutelise sistemaacutetica dos paraacutegrafos 4ordm e 5ordm do artigo 1228 do coacutedigo civilrdquo Revista Trimestral de Direito Civil v34 p71-91 2008 TEPEDINO SCHREIBER Anderson ldquoO ornitorrinco juriacutedico por uma aplicaccedilatildeo praacutetica dos sectsect 4ordm e 5ordm do art1228 do coacutedigo civilrdquo In Direito civil e constituiccedilatildeo Satildeo Paulo Atlas 2013 pp267-279 ZAVASCKI Teori ldquoA tutela da posse na constituiccedilatildeo e no projeto do novo coacutedigo civilrdquo In MARTINS-COSTA Judith (Org) A reconstruccedilatildeo do direito privado Satildeo Paulo RT 2002 p843-861

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Colocados os termos das questotildees o objetivo a partir de agora seraacute o de verificar se

essas estrateacutegias satildeo capazes de superar a contradiccedilatildeo existente entre uma posse ldquojustardquo

e o fato de que ela para gerar a usucapiatildeo precisa necessariamente ser uma posse natildeo

autorizada exercida contra os interesses do atual titular

2 Posse justa e de boa-feacute na aquisiccedilatildeo derivada o saneamento na acessio

possessionis

Uma primeira das diversas estrateacutegias utilizadas pelos especialistas para garantir a

pureza (leia-se licitude) da posse ad usucapionem pode ser vislumbrada no caso em

que na aquisiccedilatildeo derivada o sucessor decide natildeo exercer a sua opccedilatildeo de soma do seu

tempo de posse com o do antecessor ndash a chamada acessio possessionis ndash sendo este

um possuidor injusto Ao escolher natildeo realizar a adiccedilatildeo o sucessor singular expurgaria

os viacutecios que a posse traria em funccedilatildeo do modo pelo qual foi obtida10

Isso equivale a dizer que a posse injusta pode se transformar em uma posse justa

apenas pela vontade do beneficiaacuterio de tal modificaccedilatildeo que passaria a poder usucapir

em um conjunto maior de modalidades tendo em vista a interpretaccedilatildeo consolidada de

que eacute preciso ter posse justa para usucapir Mas seraacute que essa interpretaccedilatildeo eacute correta

Mesmo sendo um argumento muito frequente na obra de autores de relevo nadoutrina

nacional11 a ideia de que o sucessor singular pode escolher se a sua posse seraacute justa ou

injusta eacute questionaacutevel sob alguns importantes aspectos

Primeiramente tal possibilidade de saneamento entra em rota de colisatildeo com uma

relevante diretriz da teoria geral do direito civil precisamente aquela por meio da qual

se estabelece que ldquoningueacutem pode transferir mais direitos do que temrdquo (Nemo plus iuris

ad alium transferre potest quam ipse habet) Isto porque se o antecessor tinha posse

injusta ele natildeo pode transmitir uma posse justa diferente portanto da que ele

10 Eacute como entendem SALVO VENOSA Silvio de Direito civil Vol5 ndash direitos reais 11ordfed Satildeo Paulo Atlas 2011 p67 GONCcedilALVES Carlos Roberto Direito civil brasileiro Vol5 ndash direito das coisas 7ordfed Satildeo Paulo Saraiva 2013 p116 CARVALHO SANTOS JM Coacutedigo civil brasileiro interpretado principalmente do ponto de vista praacutetico Vol VII 7ordfed Rio de Janeiro Freitas Bastos 1961 p72 BESSONE Darcy Da posse Satildeo Paulo Saraiva 1996 p209 FARIAS Cristiano Chaves de ROSENVALD Nelson Curso de direito civil cit p125 Segundo os referidos autores quando o sucessor na transmissatildeo inter vivos opta por natildeo adicionar o seu tempo de posse ao do seu antecessor ldquo() sua posse obteraacute a vantagem de exemplificativamente valer-se do justo tiacutetulo de sua posse nova para a contagem do prazo para usucapiatildeo ordinaacuteriardquo Daqui se depreende que os viacutecios de origem foram sanados sob pena de contradiccedilatildeo frente ao entendimento tambeacutem defendido por eles de que a posse injusta soacute gera usucapiatildeo extraordinaacuteria tendo em vista que na ordinaacuteria exige-se o justo tiacutetulo e a boa-feacute (FARIAS Cristiano Chaves ROSENVALD Nelson Curso de direito civil cit p110) 11 Conforme exemplificado na nota anterior

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exerce12 Eacute certo que tal interpretaccedilatildeo depende de acordo em torno do fato de que a

posse eacute um direito seja real ou pessoal pois se a posse for interpretada como um ldquomero

fatordquo13 a proacutepria ideia de transmissatildeo fica prejudicada e em tais condiccedilotildees o possuidor

atual teria sempre uma posse nova e toda a aquisiccedilatildeo da posse seria originaacuteria14 Mas a

doutrina contemporacircnea estaacute harmonizada no entendimento de que a posse eacute um

direito e neste sentido o princiacutepio de que ningueacutem pode transferir mais direitos do

que tem permanece vaacutelido e aplicaacutevel pois a hipoacutetese eacute de transmissatildeo de direitos

Sanar os viacutecios pela transmissatildeo pressupotildee logicamente a existecircncia de posses com

caracteriacutesticas diferentes Se ambas forem de boa ou maacute-feacute a soma natildeo altera as

possibilidades de usucapir do sucessor Mas se a posse do antecessor era de boa-feacute (o

que eacute altamente questionaacutevel se ela tambeacutem natildeo for derivada) e a do sucessor for de

maacute-feacute ele natildeo poderaacute se aproveitar da qualificaccedilatildeo da posse do tradens para ampliar

suas chances de usucapir por um motivo loacutegico a transmissatildeo natildeo eacute capaz de fazer

algueacutem esquecer que tem conhecimento do viacutecio de origem

Tambeacutem seraacute esse o raciociacutenio na situaccedilatildeo oposta sendo de maacute-feacute a anterior a

ldquoacessatildeo soacute ocorreraacute dentro dos limites daquela que tiver menor acircmbitordquo Por isso ldquo()

tratando-se de posses de boa e de maacute-feacute a posse considerada deve ser a de maacute-feacute por

ter menor acircmbitordquo tal qual a soluccedilatildeo preconizada no artigo 1256 do Coacutedigo Civil

portuguecircs em vigor15 e defendida por uma consideraacutevel parte da doutrina daquele

paiacutes16 Eacute certo que se o sucessor tem posse de boa-feacute a junccedilatildeo de sua posse com a do

seu antecessor de maacute-feacute pode ser desvantajosa posto que o prazo da usucapiatildeo

12 CHAMOUN Ebert Direito civil aulas do 4ordm ano proferidas na Faculdade de Direito da Universidade Do Distrito Federal Rio de Janeiro AURORA 1955 p 47 TEPEDINO Gustavo ldquoDireito das coisasrdquo (arts1196-1276)rdquo In AZEVEDO Antocircnio Junqueira (Coord) Comentaacuterios ao coacutedigo civil Vol14 ndash direito das coisas (arts1196-1276) Satildeo Paulo Saraiva 2011 p49 Em harmonia de princiacutepio com tal entendimento foi aprovado em 2011 o enunciado 494 da V Jornada de Direito Civil do CJFSTJ cuja redaccedilatildeo eacute a seguinte ldquoA faculdade conferida ao sucessor singular de somar ou natildeo o tempo da posse de seu antecessor natildeo significa que ao optar por nova contagem estaraacute livre do viacutecio objetivo que maculava a posse anteriorrdquo AGUIAR Jr Ruy Rosado de (Coord) Jornadas de direito civil I III IV e V enunciados aprovados Brasiacutelia Conselho da Justiccedila Federal Centro de Estudos Judiciaacuterios 2012 Disponiacutevel em httpwwwcjfjusbrenunciadosenunciado563 Acesso em 06062016 13 Esta eacute a razatildeo pela qual Carvalho Santos entende que ldquo() a posse [do sucessor singular] comeccedilando na proacutepria pessoa deste natildeo sendo a continuaccedilatildeo da posse daquele a quem havia recebido a coisa natildeo pode participar dos viacutecios que esta possa terrdquo CARVALHO SANTOS JM Coacutedigo civil interpretado cit 1961 p72 14 ALBALADEJO Manuel Derecho civil VolIII ndash derecho de bienes 11ordfed Madrid Edisofer 2010 p77 15 Artigo 1256ordm (Acessatildeo da posse) 1 - Aquele que houver sucedido na posse de outrem por tiacutetulo diverso da sucessatildeo por morte pode juntar agrave sua a posse do antecessor 2 - Se poreacutem a posse do antecessor for de natureza diferente da posse do sucessor a acessatildeo soacute se daraacute dentro dos limites daquela que tem menor acircmbito 16 SANTOS JUSTO A dos Direitos reais 4ordfed Coimbra Coimbra Editora 2012 p201 RODRIGUES Manuel A posse Estudo de direito civil portuguecircs 4ordfed Coimbra Coimbra Editora 1996 p252 LIMA Fernando Andrade Pires de MATOS ANTUNES VARELA Joatildeo de Coacutedigo civil anotado VolIII 3ordfed Coimbra Coimbra Editora 1984 p15 OLIVEIRA ASCENSAtildeO Joseacute de Direito civil ndash reais 5ordfed Coimbra Coimbra Editora 2012 p115

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extraordinaacuteria eacute geralmente mais extenso e eventualmente a adiccedilatildeo seria insuficiente

para alcanccedilaacute-lo17

Mas uma pergunta ainda precisa ser respondida por que motivo o sucessor decidiria

natildeo somar o seu tempo de posse com o seu antecessor Por que razatildeo ele deixaria de

fazer algo que ao menos em princiacutepio o aproximaria do cumprimento dos requisitos

necessaacuterios para usucapir

O motivo mais visiacutevel seria o conhecimento da existecircncia de um viacutecio de origem na

posse do antecessor uma vez descoberta a injusticcedila eou a maacute feacute da posse do

transmitente o sucessor singular optaria por natildeo realizar a soma dos periacuteodos de

exerciacutecio para natildeo ldquocontaminarrdquo a posse que tem Eacute o entendimento exposto por Joseacute

de Oliveira Ascensatildeo

O possuidor pode ter interesse em invocar unicamente a sua posse e

natildeo se valer da do antecessor Isto aconteceraacute sempre que as

caracteriacutesticas da posse anterior impliquem uma qualificaccedilatildeo mais

desfavoraacutevel que natildeo seja compensada pela maior duraccedilatildeo que da

acessatildeo resultaria Assim aconteceraacute em muitos casos quando a posse

anterior for de maacute-feacute e a actual for de boa-feacute18

O problema eacute que se o sucessor inter vivos descarta a acessio com base no

conhecimento de que a posse do antecessor contraria direito alheio ele natildeo poderaacute

alegar que ignora tal fato Eacute o que fica subentendido na passagem acima notadamente

o trecho onde se lecirc ldquo() as caracteriacutesticas da posse anterior impliquem uma

qualificaccedilatildeo mais desfavoraacutevel que natildeo seja compensada pela maior duraccedilatildeo que da

acessatildeo resultariardquo A possibilidade da avaliaccedilatildeo daquilo que eacute mais ou menos

vantajoso soacute tem sentido se o accipiens tem conhecimento dos viacutecios da posse de

origem E se ele dispotildee desse conhecimento mesmo que decida natildeo realizar a acessio

jaacute seraacute possuidor de maacute-feacute Como consequecircncia ele soacute poderia usucapir na modalidade

extraordinaacuteria pois na modalidade ordinaacuteria a posse de boa-feacute eacute expressamente

exigida

Eacute necessaacuterio registrar que a maacute-feacute do accipiens natildeo pode ser presumida razatildeo pela

qual a ldquovaloraccedilatildeo eacutetica de sua condutardquo nesse sentido deve ser provada Eacute mesmo

possiacutevel imaginar que algueacutem com orientaccedilatildeo adequada de um profissional prefira

nem tomar conhecimento da situaccedilatildeo do seu antecessor para natildeo correr o risco de

17 Eacute a criacutetica incisivamente feita por ABREU Abiacutelio Vassalo ldquoA necessidade de uma mudanccedila jurisprudencial em mateacuteria de acessatildeo da posse (Art1256ordm do Coacutedigo Civil)rdquo In Revista da Ordem dos Advogados Lisboa outdez 2012 pp 1247-1322 p1294 18 OLIVEIRA ASCENCcedilAtildeO Joseacute de Direito civil ndash reais cit p115

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incorrer em maacute-feacute e soacute conte com o seu proacuteprio prazo para usucapir Ainda que tal

providecircncia soacute seja plausiacutevel novamente em funccedilatildeo de alguma suspeita de

irregularidade da posse antecedente qualquer questionamento acerca do conhecimento

ou natildeo dos viacutecios diz respeito aos viacutecios subjetivos da posse

De todo modo vecirc-se que a possibilidade de saneamento dos viacutecios objetivos pela natildeo

realizaccedilatildeo da acessio eacute em primeiro lugar tecnicamente questionaacutevel quando

analisada sob o prisma objetivo de que natildeo se pode transmitir mais direitos do que se

tem Jaacute no plano subjetivo a tese de que a opccedilatildeo pela natildeo realizaccedilatildeo da soma natildeo tenha

decorrido do conhecimento dos viacutecios de origem pelo sucessor natildeo eacute criacutevel ainda que

precise ser provada E se isto eacute assim ainda que se entenda que os viacutecios objetivos

tenham sido purgados o pretenso saneamento seria inoacutecuo sendo de maacute-feacute o sucessor

soacute poderaacute usucapir na modalidade extraordinaacuteria Assim ainda que existam boas

razotildees para natildeo realizar a soma das posses isso natildeo aumenta em nada as chances de

usucapir

3 Posse justa e de boa-feacute na aquisiccedilatildeo derivada o caso da posse ldquojusta

poreacutem ilegiacutetimardquo

Sendo a posse um direito eacute possiacutevel que haja questionamento acerca da regularidade

da transmissatildeo todas as normas atinentes agrave nulidade e agrave anulabilidade dos negoacutecios

juriacutedicos incidiriam na hipoacutetese E qual a consequecircncia de uma transmissatildeo feita por

negoacutecio juriacutedico invaacutelido Ela impediria a soma caso o sucessor a desejasse Obstaria a

aquisiccedilatildeo pela usucapiatildeo na modalidade ordinaacuteria

O entendimento de que a falta de uma transmissatildeo vaacutelida impede a acessio posto que

colocaria em xeque a proacutepria existecircncia de um ldquoantecessorrdquo e um ldquosucessorrdquo eacute

solidamente prevalecente na dogmaacutetica e na jurisprudecircncia portuguesa19 onde se o

negoacutecio eacute invaacutelido a adiccedilatildeo de posse eacute incabiacutevel Mas essa exigecircncia soacute tem fundamento

como requisito de uma posse justa por parte do accipiens e no pressuposto de que a do

tradens tambeacutem eacute justa visto que no caso oposto o viacutecio seria transmitido

Mas ainda que o negoacutecio juriacutedico seja invaacutelido haacute sucessor e antecessor ou seja haacute

produccedilatildeo de efeitos mesmo que comprometidos pela invalidade na transmissatildeo E

19 SANTOS JUSTO A dos Direitos reais 4ordfed cit p200 RODRIGUES Manuel A posse Estudo de direito civil portuguecircs cit p252 LIMA Fernando Andrade Pires de MATOS ANTUNES VARELA Joatildeo de Coacutedigo civil anotado VolIII 3ordfed cit p15 OLIVEIRA ASCENSAtildeO Direito civil ndash reais cit p115

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neste caso a posse adquirida eacute derivada razatildeo pela qual a regra que ldquoningueacutem pode

transmitir mais direitos do que temrdquo permanece atuante

Qualquer irregularidade na transmissatildeo soacute pode ter duas consequecircncias a invalidade

do tiacutetulo motivo pelo qual a posse seria injusta ou o questionamento acerca da

caracterizaccedilatildeo do justo tiacutetulo como tal tendo em vista o requisito da usucapiatildeo

ordinaacuteria Usando a terminologia de Manuel A Albaladejo ldquono plano juriacutedicordquo

qualquer que seja a dimensatildeo da incorreccedilatildeo na transmissatildeo o resultado praacutetico seria o

de uma posse injusta visto que ldquono plano faacuteticordquo o sucessor teria de fato os poderes

caracteriacutesticos de um possuidor regular pois age como se fosse o proprietaacuterio que

adquiriu a posse de outrem20

Em tais condiccedilotildees uma eventual invalidade do tiacutetulo natildeo impede a acessio eis que

efetivamente houve uma sucessatildeo no exerciacutecio faacutetico dos poderes inerentes agrave

caracterizaccedilatildeo da posse21 A consequecircncia possiacutevel na hipoacutetese seria a interdiccedilatildeo da via

que leva agrave usucapiatildeo ordinaacuteria mas natildeo por conta da injusticcedila da posse que daiacute

decorreria e sim em razatildeo de um eventual questionamento acerca do cumprimento do

requisito ldquojusto tiacutetulordquo especificamente exigido pelo Coacutedigo Civil brasileiro na

modalidade

Eacute ainda possiacutevel vislumbrar uma posse justa mas ilegiacutetima na aquisiccedilatildeo derivada

porque o caminho do negoacutecio juriacutedico natildeo configura viacutecio mesmo que ele seja

irregular Mas essa leitura pressupotildee uma diferenciaccedilatildeo entre as palavras ldquoviacuteciordquo e

ldquoobstaacuteculordquo na redaccedilatildeo do artigo 1200 do Coacutedigo Civil22 Isto porque se a posse injusta eacute

aquela que foi obtida de modo viciado (violecircncia clandestinidade ou precariedade) e a

posse de boa-feacute eacute aquela onde o possuidor ignora a ocorrecircncia de ldquoviacutecios ou obstaacuteculosrdquo

na sua aquisiccedilatildeo uma diferenciaccedilatildeo entre as duas palavras tambeacutem cria a oportunidade

de visualizaccedilatildeo de uma posse ldquojustardquo ndash por natildeo ter sido obtida por nenhuma das

formas indicadas na redaccedilatildeo do artigo 1200 do Coacutedigo Civil ndash mas de boa-feacute eis que o

possuidor ignora o ldquoobstaacuteculordquo de outro tipo existente em torno da posse que exerce Eacute

um outro caminho pelo qual eacute possiacutevel chegar ao resultado de uma posse justa e boa

para usucapir

20 ALBALADEJO Manuel A Derecho civil VolIII cit 2010 p73 21 ABREU Abiacutelio Vassalo ldquoA necessidade de uma mudanccedila jurisprudencial em mateacuteria de acessatildeo da posse (Art1256ordm do Coacutedigo Civil)rdquo cit p1297 CORDEIRO A Menezes A posse perspectivas dogmaacuteticas actuais 3ordfed Lisboa Almedina 2014 p136 LEITAtildeO MENEZES Luiacutes Manuel Teles de Direitos reais 4ordfed Lisboa Almedina 2013 p138 22 Art 1200 Eacute justa a posse que natildeo for violenta clandestina ou precaacuteria

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Seria esse o caso da posse obtida por meio de um negoacutecio juriacutedico nulo ou anulaacutevel

bem como no da aquisiccedilatildeo a non domino hipoacuteteses nas quais poder-se-ia dizer que natildeo

haacute propriamente ldquoviacuteciordquo mas tampouco uma posse escorreita Por isto alguns

doutrinadores fazem referecircncia a uma posse justa mas ldquoilegiacutetimardquo23 o que permitiria a

aquisiccedilatildeo pela usucapiatildeo ordinaacuteria que tem prazos menores quando comparada a

extraordinaacuteria

Mas aqui parece vigorar um eufemismo pois uma posse ldquojusta poreacutem ilegiacutetimardquo natildeo

altera o fato de que o direito do proprietaacuterio do bem a ser usucapido estaacute sendo

afrontado eis que o objetivo final eacute passar a ser o titular do direito que ele hoje tem Se

a posse eacute ldquoilegiacutetimardquo isso significa que o modo pelo qual ela foi obtida eacute de alguma

forma irregular E se a posse pode ser ldquojusta poreacutem ilegiacutetimardquo isto significa que o fato

dela ser irregular ndash contraacuteria ao direito portanto ndash natildeo eacute um elemento impeditivo da

usucapiatildeo E se a posse pode ser justa permanecer irregular e mesmo assim continuar

ldquoboa para usucapirrdquo para que serve falar de saneamento afinal

4 Questionando a ocorrecircncia dos viacutecios

A usucapiatildeo expressa o caso em que algueacutem perde a titularidade de um bem pelo fato

de que outra pessoa natildeo autorizada permaneceu exercendo posse sobre a coisa durante

um nuacutemero determinado de anos Em tais condiccedilotildees eacute difiacutecil ateacute visualizar como seria

possiacutevel uma ldquoposse justa ad usucapionemrdquo na aquisiccedilatildeo originaacuteria E essa dificuldade

eacute tatildeo grande que autores como Pinto Ferreira24 conceituaram a posse ad usucapionem

como sendo aquela ldquode quem se assenhoreia de uma res nullius defendendo-a mansa e

pacificamente durante o tempo previsto em leirdquo O raciociacutenio eacute desenvolvido tambeacutem

por Pedro Nunes

Do fato da posse nasce o direito agrave prescriccedilatildeo aquisitiva () Para

adquirir por este modo o pretendente toma sempre uma posse

perdida ou abandonada A perda ocorre quando o dono da coisa

manifesta expressa ou tacitamente a intenccedilatildeo de natildeo mais tecirc-la

como sua ou a natildeo ocupa ou a deixa por incuacuteria ou negligecircncia

inteiramente ao abandono por longo espaccedilo de tempo Reputa-se

voluntaacuteria a perda quando o possuidor ou o ausente tendo ciecircncia do

apoderamento por terceiro de sua propriedade conforma-se com a

situaccedilatildeo natildeo procurando reconquistaacute-la25

23 Eacute o caso em BITTAR Carlos Alberto Direitos reais 2ordfed Rio de Janeiro Forense 2011 p41 COELHO Faacutebio Ulhocirca Curso de direito civil Vol4 ndash direito das coisas e direito autoral 3ordfed Satildeo Paulo Saraiva 2010 p38 NASCIMENTO Tupinambaacute Miguel Castro do Posse e propriedade Porto Alegre Livraria do Advogado 1986 p102 24 FERREIRA Luiz Pinto Posse accedilatildeo possessoacuteria e usucapiatildeo 2ordfed Satildeo Paulo Saraiva 1983 p29 25 NUNES Pedro Do usucapiatildeo 4ordfed Rio de Janeiro Freitas Bastos 1984 p27

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Haacute que se concordar para que algueacutem tenha posse de um bem de maneira natildeo

autorizada sem violar o direito de outrem ndash ou seja de forma justa ndash e

simultaneamente exercecirc-la no intuito de se tornar o titular do direito de propriedade

sobre tal coisa eacute preciso que ela natildeo tenha dono

A outra forma em tese seria questionando a proacutepria ocorrecircncia do viacutecio Os

especialistas discutem largamente por exemplo os termos nos quais uma accedilatildeo pode

ser considerada violenta26 o seu emprego para remoccedilatildeo de cercas muros ou tapumes eacute

suficiente para caracterizaccedilatildeo do viacutecio ou apenas o embate fiacutesico com uma pessoa que

resista ao esbulho

Como indicado parte da doutrina27 tem se esforccedilado para encontrar meios de tornar

justa a posse natildeo autorizada com o objetivo de ampliar as chances de usucapir Para

este caso o problema eacute que a ningueacutem parece dada a possibilidade de seriamente

alegar que desconhece que o apossamento natildeo autorizado atraveacutes do qual efetiva sua

posse sobre um bem imoacutevel contraria direito de outrem E tal afirmaccedilatildeo natildeo tem

objetivo de pocircr em questatildeo o fato de que tal apossamento possa ser a uacuteltima via para

obtenccedilatildeo de direitos fundamentais como a moradia e o trabalho

Os conflitos fundiaacuterios urbanos e rurais ocorrem em decorrecircncia da necessidade de

melhor distribuiccedilatildeo do acesso aos direitos de propriedade em grande medida pautados

pelo questionamento acerca do cumprimento e das consequecircncias da natildeo observacircncia

da funccedilatildeo social exigida em cada hipoacutetese Mas mesmo nesses casos o que haacute eacute um

questionamento da manutenccedilatildeo do direito de propriedade em favor daquele que deixa

de efetivamente exercecirc-lo ou o que o faz de modo indevido Natildeo se trata do

desconhecimento acerca do fato de que o apossamento realizado em tais circunstacircncias

confronta o alegado direito de outrem

26 Eacute tradicional o entendimento de que a caracterizaccedilatildeo da violecircncia vai aleacutem do uso da forccedila contra a proacutepria pessoa do possuidor Por todos Caio Maacuterio da Silva Pereira alerta que ldquoPosse violenta (adquirida vi) a que se adquire por ato de forccedila seja ela natural ou fiacutesica seja moral ou resultante de ameaccedilas que incutam na viacutetima seacuterio receio A violecircncia estigmatiza a posse independentemente de exercer-se sobre a pessoa do espoliado ou de preposto seu como ainda do fato de emanar do proacuteprio espoliador ou de terceirordquo (SILVA PEREIRA Caio Maacuterio da Instituiccedilotildees de direito civil VolIV ndash Direitos reais 22ordfed atualizada por Carlos Edison do Rego Monteiro Filho Rio de Janeiro Forense 2009 p21 Atualmente surge a discussatildeo sobre se o emprego da forccedila para remoccedilatildeo de obstaacuteculos como cercas ou tapumes em um imoacutevel abandonado caracterizaria ainda assim a violecircncia da posse Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald consideram que ldquo() natildeo eacute considerada violenta a posse caso o uso da forccedila se justifique para a remoccedilatildeo de obstaacuteculos fiacutesicos para o ingresso em bens abandonados (vg destruiccedilatildeo de cadeados ou supressatildeo de cercas) Pensamos que soacute haacute violecircncia quando o apossamento resulta de uma conduta contraacuteria agrave vontade do possuidor pelo fato de a coisa ser arrebatada de algueacutem que a isso se oponhardquo FARIAS Cristiano Chaves de ROSENVALD Nelson Curso de direito civil cit p106 27 Como visto nos pontos 2 e 3 do presente texto

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Mas haacute uma diferenccedila como indicado no significado da palavra ldquoinjustardquo quando em

referecircncia ao modo como a posse foi obtida e quando em referecircncia ao conteuacutedo da

soluccedilatildeo dada pelo legislador Uma posse pode ser ldquoinjustardquo em um aspecto formal

decorrente do fato de que foi obtida de forma natildeo autorizada mas ldquojustardquo porque de

um lado natildeo vem sendo utilizada pelo proprietaacuterio e de outro representa a

materializaccedilatildeo de direitos fundamentais sociais negligenciados pelo Estado O fato eacute

que justiccedila material da ocupaccedilatildeo de terrenos abandonados por pessoas que natildeo tem

acesso aos direitos de moradia frente agrave proprietaacuterios negligentes natildeo eacute incompatiacutevel

com o reconhecimento de que o apossamento natildeo foi autorizado e neste sentido

formal gera uma posse injusta

Eacute o que ocorre na dramaacutetica situaccedilatildeo dos conflitos fundiaacuterios urbanos em torno da

moradia Em um importante estudo de campo acerca dos conflitos em torno da terra no

Recife de 1978 Joaquim Falcatildeo detectou em sua pesquisa que ldquoOs invasores querem

ser proprietaacuterios Justificam a invasatildeo de propriedade alheia porque sobre o direito de

usar e dispor segundo a livre vontade do proprietaacuterio deve prevalecer o direito de

moradia de todosrdquo28

Bem se vecirc daiacute que o questionamento da legitimidade da propriedade natildeo utilizada

pressupotildee logicamente o conhecimento da sua existecircncia enquanto tal Natildeo se pode

questionar aquilo que se ignora E se natildeo se ignora natildeo eacute possiacutevel afirmar a boa-feacute Por

isto eacute que a alegaccedilatildeo de que ldquonem sempre o apossamento natildeo autorizado vai gerar uma

posse injustardquo natildeo tem funccedilatildeo nenhuma na definiccedilatildeo das chances de usucapir29 Natildeo eacute

28 FALCAtildeO Joaquim ldquoJusticcedila social e justiccedila legal conflitos de propriedade no Reciferdquo In FALCAtildeO Joaquim (org) Invasotildees urbanas ndash conflitos de direito de propriedade 2ordfed Rio de Janeiro FGV Editora 2008 p112-113 29 Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald questionam a injusticcedila do apossamento de um imoacutevel abandonado com um objetivo claro impedir que a tomada natildeo autorizada seja qualificada como esbulho Essa desqualificaccedilatildeo tem uma funccedilatildeo especiacutefica a de interditar a via da reintegraccedilatildeo por parte do proprietaacuterio que natildeo cumpriria o requisito ldquoprova do esbulhordquo tal qual exigido pelo artigo 561do CPC15 Nesse sentido a reflexatildeo dos autores atua mais na dinacircmica processual do conflito do que no acircmbito material dos requisitos para a usucapiatildeo Mas o entendimento de que defendem a necessidade de uma posse justa para usucapir decorre do trecho no qual os autores esclarecem que ldquo() a posse derivada dos atos de violecircncia ou clandestinidade poderaacute gerar usucapiatildeo extraordinaacuteria (art1238 CC) posto natildeo se exigir como requisitos formais ao alcance da propriedade em tal modalidade originaacuteria o justo tiacutetulo e a boa-feacuterdquo (FARIAS Cristiano Chaves de ROSENVALD Nelson Curso de direito civil Vol5 reais 11ordfed Satildeo Paulo Atlas 2015 p110) Como demonstrado a posse de boa-feacute soacute pode ser justa na hipoacutetese em que o bem eacute uma res nullius No que caso em que a ocupaccedilatildeo natildeo se qualifica como esbulho a usucapiatildeo ordinaacuteria eacute impossiacutevel pela ausecircncia de boa-feacute No caso da aquisiccedilatildeo da posse a non domino seria perfeitamente possiacutevel e coerente reconhecer uma posse injusta (se tambeacutem era a do antecessor) e de boa-feacute se o sucessor natildeo tiver conhecimento do viacutecio de origem Nesse sentido a posse injusta natildeo impediria a usucapiatildeo em nenhuma modalidade e se manteria a coerecircncia interna ante a ideia de que toda posse ad usucapionem eacute necessariamente natildeo autorizada e contraacuteria aos interesses do titular do direito a ser usucapido Por tudo isso eacute possiacutevel reconhecer que tambeacutem os citados autores entendem equivocadamente que a justiccedila da posse amplia as modalidades da usucapiatildeo disponiacuteveis

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de boa-feacute a posse daqueles que ocupam imoacutevel alheio sem autorizaccedilatildeo do proprietaacuterio30

pois por mais que o apossamento seja moralmente justificaacutevel os possuidores natildeo

ignoram o fato de que o bem eacute de outra pessoa E se isto eacute assim a modalidade

disponiacutevel de usucapiatildeo no caso seria a extraordinaacuteria Natildeo pelo caraacuteter injusto da

posse e sim pelo fato dela ser exercida sem justo tiacutetulo e boa-feacute

Nessa linha a tese aqui defendida mostra a sua coerecircncia eacute possiacutevel questionar se o

apossamento configura efetivamente um esbulho31 mas natildeo o fato de que numa ou

noutra hipoacutetese natildeo se ignora que o direito de outrem estaacute sendo afrontado com a

efetivaccedilatildeo da posse natildeo autorizada

30 Este eacute justamente um dos pontos apontados pela doutrina para o fracasso da efetividade da hipoacutetese de aquisiccedilatildeo prevista no artigo 1228 sectsect 4ordm e 5ordm do Coacutedigo Civil Algueacutem pode dizer seriamente que a posse dessas pessoas por mais legiacutetima que possa ser eacute de boa-feacute no sentido de que se ignora que o ato entra em rota de colisatildeo com o direito de outrem Em um dos raros casos nos quais a hipoacutetese foi aplicada sob o nome de ldquodesapropriaccedilatildeo privadardquo os magistrados entenderam que a boa-feacute ldquo() entendida como posse justa natildeo violenta natildeo clandestina ou precaacuteriardquo estava presente no caso concreto em anaacutelise tendo em vista que ldquoAs guias de IPTU juntada (sic) aos autos ldquo() atestam a boa-feacute do recorrido jaacute que o proacuteprio Municiacutepio o reconhecia como proprietaacuterio da aacutereardquo Tribunal de Justiccedila de Minhas Gerais Apelaccedilatildeo Ciacutevel nordm 1028408009185-3005 Rel Des Rogeacuterio Coutinho J 11032015 publicado em 20032015 Disponiacutevel em httpwww5tjmgjusbrjurisprudenciapesquisaPalavrasEspelhoAcordaodoampnumeroRegistro=9amptotalLinhas=48amppaginaNumero=9amplinhasPorPagina=1amppalavras=2522desapropriaE7E3o20judicial2522amppesquisarPor=acordaoamppesquisaTesauro=trueamporderByData=1ampreferenciaLegislativa=Clique20na20lupa20para20pesquisar20as20referEAncias20cadastradasamppesquisaPalavras=Pesquisaramp Acesso em 10012016 31 A reflexatildeo sobre o conceito de ldquoesbulhordquo jaacute vem sendo feita pela doutrina mais progressista Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald fazem esse debate no seu manual precisamente no ponto jaacute citado em que consideram que o apossamento natildeo autorizado de um imoacutevel abandonado gera uma posse justa Eacute uma outra forma de dizer que esse ato natildeo configura esbulho Nesse caminho criacutetico do conceito tradicional existem estudos importantes (como os existentes em STROZAKE Juvelino Joseacute (Org) Questotildees agraacuterias ndash julgados comentados e pareceres Satildeo Paulo Meacutetodo 2002 principalmente os artigos de Roberto Delmanto Jr pp167-182 Antonio Scarance Fernandes pp293-310 e Dyrceu Aguiar Cintra Dias Jr pp 219-230) O debate tambeacutem jaacute chegou aos tribunais No STJ a decisatildeo de referecircncia sobre o tema estaacute no HC 4399SP No voto do Min Luiz Vicente Cernicchiaro o magistrado explicita as razotildees pelas quais concede o HC em favor dos integrantes do MST ldquoNo esbulho possessoacuterio o agente dolosamente investe contra a propriedade alheia a fim de usufruir um de seus atributos (uso) ou alterar os limites do domiacutenio para enriquecimento sem causa No caso dos autos ao contraacuterio diviso pressatildeo social para concretizaccedilatildeo de um direito (pelo menos-interesse) No primeiro caso contraste de legalidade compreende aspectos material e formal No segundo substancialmente natildeo haacute iliacutecito algumrdquo Superior Tribunal de Justiccedila HC nordm4399-SP Luiz Vicente Cernicchiaro Voto Vogal p02 Rel Min William Patterson julgado em 12031996 DJ 08041996 p10491 Disponiacutevel em lthttpwwwstjjusbrSCONjurisprudenciatocjspprocesso=4399ampampb=ACORampthesaurus=JURIDICOampp=truegt Acesso em 13022014 No acircmbito da accedilatildeo de reintegraccedilatildeo de posse movida pelo Governo de Satildeo Paulo contra a ocupaccedilatildeo das escolas estaduais realizada pelos estudantes secundaristas ndash como forma de protesto contra o plano de reorganizaccedilatildeo escolar empreendido pelo Governo daquele Estado ndash o Tribunal de Justiccedila considerou que ldquoNatildeo se antevecirc em suma o animus possidendi ou o animus rem sibi habendi autorizantes do tratamento possessoacuterio da mateacuteria mas antes expressotildees de desobediecircncia civil frente agrave autecircntica violecircncia ciacutevica de que se consideram viacutetimas os manifestantesrdquo E ainda ldquo() natildeo haacute nessa narrativa e nem nos autos qualquer evidecircncia que a entidade sindical queira de modo ilegal apropriar-se dos bens puacuteblicos referidos no recurso tecircm-se que como todos reconhecemos durante a sessatildeo de julgamento a absoluta inadequaccedilatildeo da pretendida proteccedilatildeo possessoacuteria e portanto o tangenciamento da carecircncia da accedilatildeo por falta de interesse de agirrdquo Tribunal de Justiccedila ndash SP Agravo de Instrumento nordm2243232-252015826000 7ordf Cacircmara de Direito Puacuteblico Rel Min Coimbra Schmidt Julgado em 23112015 Disponiacutevel em lthttpsesajtjspjusbrcposgshowdoprocessoforo=990ampprocessocodigo=RI0032WUQ0000gt Acesso em 25112015

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Esse eacute afinal o ponto relevante para definiccedilatildeo da posse apta a gerar a usucapiatildeo pois a

hipoacutetese que ora se desenvolve eacute a de que toda posse ad usucapionem eacute sempre e

necessariamente uma posse injusta sendo capaz de viabilizar a usucapiatildeo tanto

extraordinaacuteria quanto a ordinaacuteria Eacute perfeitamente possiacutevel que o sucessor na posse

natildeo tenha conhecimento da maacutecula que existiu na sua aquisiccedilatildeo pelo antecessor

hipoacutetese na qual teria posse injusta em funccedilatildeo da transmissatildeo do viacutecio com justo tiacutetulo

e boa-feacute Como a ldquoposse injustardquo em sentido formal eacute o mesmo que ldquoposse natildeo

autorizadardquo natildeo haveria impedimento em usucapir na modalidade ordinaacuteria

5 A influecircncia do tempo no saneamento dos viacutecios da posse

As estrateacutegias de saneamento tecircm como objetivo transformar uma posse inicialmente

injusta em uma posse justa no pressuposto de que tal requisito eacute imprescindiacutevel para

que se possa usucapir Mas tais estrateacutegias satildeo tatildeo amplas e variadas que o saneamento

se torna praticamente inevitaacutevel para uma parte da doutrina a simples manutenccedilatildeo da

posse pelo curto periacuteodo de 1 ano faz com que ela perca o viacutecio de origem e se torne

apta a viabilizar a usucapiatildeo

Esta interpretaccedilatildeo eacute decorrente de uma leitura muito particular da norma processual

que reserva a tutela liminar para os casos nos quais a posse tenha sido perdida haacute

menos de ano e dia32 Trata-se da diferenccedila entre a chamada ldquoposse novardquo e a ldquoposse

velhardquo Se a posse do esbulhador estiver sendo exercida haacute mais de 1 ano o esbulhado

perde a possibilidade de uma reintegraccedilatildeo liminar pois trata-se de uma ldquoposse velhardquo

Isto natildeo impede que o esbulhado obtenha uma medida mais ceacutelere mas ele precisaria

utilizar a via da tutela antecipada prevista no artigo 273 do CPC73 e que hoje como

espeacutecie do gecircnero tutela de urgecircncia tem o seu conteuacutedo regulado pelos artigos 294-

311 do CPC1533 De uma maneira geral o esbulhado precisaria de provas mais robustas

de que seu direito foi violado Vecirc-se que o tempo de exerciacutecio da posse pelo esbulhador

tem reflexo na dinacircmica processual da retomada mas natildeo na qualificaccedilatildeo da posse em

disputa que continua sendo injusta

32 Art 924 Regem o procedimento de manutenccedilatildeo e de reintegraccedilatildeo de posse as normas da seccedilatildeo seguinte quando intentado dentro de ano e dia da turbaccedilatildeo ou do esbulho passado esse prazo seraacute ordinaacuterio natildeo perdendo contudo o caraacuteter possessoacuterio 33 No CPC15 a tutela cautelar ndash pautada no fumus boni iuris e periculum in mora ndash e a tutela antecipada ndash baseada em verossimilhanccedila do que eacute alegado fundado receio de dano ou abuso do direito de defesa ndash foram reunidas em torno da tutela provisoacuteria nos seguintes termos Art294 A tutela provisoacuteria pode fundamentar-se em urgecircncia ou evidecircncia Paraacutegrafo uacutenico A tutela provisoacuteria de urgecircncia cautelar ou antecipada pode ser concedida em caraacuteter antecedente ou incidental Os requisitos para tais medidas em muito semelhantes aos termos do CPC revogado de uma maneira geral estatildeo regulados como indicado entre os artigos 294 e 311

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Poreacutem uma parte importante da doutrina civiliacutestica brasileira interpreta as diferenccedilas

estabelecias pelo direito processual como uma outra estrateacutegia de saneamento

decorrente da simples passagem do tempo O pensamento eacute o de que se reintegraccedilatildeo

liminar natildeo eacute mais possiacutevel isso significa que a posse inicialmente injusta se

transformou em posse justa Este entendimento eacute adotado por doutrinadores como por

exemplo Maria Helena Diniz que indica expressamente ldquo() se o adquirente a tiacutetulo

clandestino ou violento provar que sua clandestinidade ou violecircncia cessaram haacute mais

de ano e dia sua posse passa a ser reconhecida convalescendo-se dos viacutecios que a

maculavamrdquo34

Tal interpretaccedilatildeo eacute criticaacutevel porque o fato do possuidor esbulhado ter que fazer uma

prova mais consistente do seu direito para que obtenha a tutela antecipada natildeo

significa que a posse do esbulhador tenha passado a ser justa Significa apenas que

tendo em vista que o momento do esbulho natildeo eacute mais tatildeo niacutetido a prova para a

retomada da posse deve ser mais substancial para que a tutela seja concedida Mas o

apossamento natildeo autorizado ocorreu

Da mesma forma quando se tem em conta que natildeo haacute nenhuma modalidade de

usucapiatildeo com menos de 1 ano todas as vezes que o possuidor tiver superado tal prazo

o viacutecio teraacute sido expurgado razatildeo pela qual natildeo haveria hipoacutetese de possuidor com

tempo suficiente para usucapir que jaacute natildeo teria passado pelo ldquomarco saneadorrdquo35

Ainda entre os especialistas brasileiros Silvio Rodrigues36 defendeu a tese de que apoacutes

ano e dia de exerciacutecio da posse pelo esbulhador o possuidor esbulhado perderia o

direito de retomaacute-la pela via possessoacuteria cabendo apenas a accedilatildeo reivindicatoacuteria com

base no tiacutetulo Tal impossibilidade seria reflexo de que a posse inicialmente injusta pela

aquisiccedilatildeo violenta teria passado a ser justa tendo em vista a passagem do prazo

34 DINIZ Maria Helena Curso de direito civil brasileiro Vol4 ndash direito das coisas 26ordfed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p78 O posicionamento eacute tambeacutem encampado entre outros por NEDER Natal Usucapiatildeo de imoacuteveis 3ordfed Rio de Janeiro Forense 1989 p19 35 Tambeacutem por isso parece curiosa a hipoacutetese de saneamento pela passagem do tempo vislumbrada por COELHO Faacutebio Ulhocirca Curso de direito civil Vol4 ndash direito das coisas cit p39 ldquoA posse soacute deixa de ser violenta se o antigo possuidor natildeo se interessa pela retomada do bem ou natildeo obtendo sucesso no exerciacutecio do desforccedilo imediato desiste da luta Desaparecendo a violecircncia nesse caso a posse se torna justa () Em suma o desinteresse do desapossado em defender a sua posse descaracteriza a origem viciada da do novo possuidorrdquo De acordo com tal raciociacutenio todas as vezes que o possuidor tiver posse ad usucapionem pelo tempo necessaacuterio para usucapir a posse injusta teraacute se transformado em posse justa E se isso eacute assim para que serve o exame dos viacutecios objetivos 36 RODRIGUES Silvio Direito civil Vol5 ndash direito das coisas 28ordfed Satildeo Paulo Saraiva 2009 p25-27

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O raciociacutenio de Silvio Rodrigues parece uma meacutelange da soluccedilatildeo positivada em alguns

sistemas estrangeiros como vg no direito espanhol e no direito portuguecircs O

problema eacute que aqui ao contraacuterio do que ocorre nos ordenamentos dos dois maiores

paiacuteses da Peniacutensula Ibeacuterica natildeo haacute nenhuma disposiccedilatildeo normativa que ampare tal

interpretaccedilatildeo Em Portugal e na Espanha o decurso do prazo de um ano tem

primeiramente uma funccedilatildeo especiacutefica a de decretar o momento da perda da posse por

parte do possuidor esbulhado37 Eacute o mesmo raciociacutenio que no Brasil sustenta a previsatildeo

do artigo 122438 onde ainda que sem uma referecircncia objetiva de tempo eacute possiacutevel

verificar que o possuidor esbulhado natildeo perde o seu direito de posse no exato momento

em que ocorre a perda no plano faacutetico A funccedilatildeo dessa ficccedilatildeo39 tanto laacute quanto caacute

tambeacutem eacute a mesma garantir que natildeo haja soluccedilatildeo de continuidade no exerciacutecio da

posse quando intervalos intermitentes ocorrem40

De se ressaltar ainda que no ordenamento portuguecircs assim como no direito espanhol

o prazo de 1 ano corresponde tambeacutem agrave ldquocaducidaderdquo das accedilotildees de reintegraccedilatildeo ou

manutenccedilatildeo de posse41 Como o possuidor esbulhado natildeo pode mais utilizar tais accedilotildees

a interdiccedilatildeo da via possessoacuteria gera consequecircncias na compreensatildeo da manutenccedilatildeo dos

viacutecios No direito espanhol natildeo sem polecircmica o prazo de 1 ano de exerciacutecio da posse

pelo esbulhador configura hipoacutetese na qual ldquoel transcurso del tiempo sirve para

subsanar este vicio posesoriordquo42

37 Coacutedigo Civil espanhol ldquoArtiacuteculo 460 El poseedor puede perder su posesioacuten () 4 Por la posesioacuten de otro aun contra la voluntad del antiguo poseedor si la nueva posesioacuten hubiese durado maacutes de un antildeordquo Coacutedigo Civil portuguecircs ldquoArtigo 1267ordm (Perda da posse) 1 O possuidor perde a posse () d) Pela posse de outrem mesmo contra a vontade do antigo possuidor se a nova posse houver durado mais de um anordquo 38 Art 1224 Soacute se considera perdida a posse para quem natildeo presenciou o esbulho quando tendo notiacutecia dele se absteacutem de retornar a coisa ou tentando recuperaacute-la eacute violentamente repelido 39 No direito espanhol a doutrina diverge acerca do momento em que tem iniacutecio a posse do esbulhador Haacute quem entenda que a posse do esbulhador soacute tem iniacutecio apoacutes o prazo de 1 ano RODRIGUEZ-CANO Rodrigo Bercovitz Manual de derecho civil ndash derechos reales Madrid Bercal 2013 p77) Outros consideram que coexistem desde o iniacutecio duas posses sobre o bem posse de fato exercida pelo esbulhador e a posse de direito que ateacute o transcurso do prazo permanece na titularidade do esbulhado LOacutePEZ y LOacutePEZ Aacutengel M FERNANDEZ Rosario Valpuesta et all Derecho civil patrimonial Vol II Valencia Tirant lo Blanch 2014 p97 40 TEPEDINO Gustavo Comentaacuterios ao coacutedigo civil cit p192 DIacuteEZ-PICAZO Luis GULLOacuteN Antonio Sistema de derecho civil VolIII Tomo I (derechos reales en general) 8ordfed Madrid Tecnos 2013 p116 41 CORDEIRO Antoacutenio Menezes A posse perspectivas dogmaacuteticas actuais cit p112 SANTOS JUSTO A dos Direitos Reais 4ordfed cit p218 LOacutePEZ PAacuteSARO Eduardo Tutela Sumaria de la Posesioacuten (Interdicto de recobrar) Madrid Dykinson 2014 p187 O artigo 1282 do Coacutedigo Civil portuguecircs indica que ldquoA acccedilatildeo de manutenccedilatildeo bem como as de restituiccedilatildeo da posse caducam se natildeo forem intentadas dentro do ano subsequente ao acto da turbaccedilatildeo ou do esbulho ou ao conhecimento dele quando tenha sido praticado a ocultasrdquo Jaacute o diploma civil espanhol preceitua no seu artigo 19681 do Coacutedigo Civil espanhol ldquo Artiacuteculo 1968 Prescriben por el transcurso de un antildeo 1La accioacuten para recobrar o retener la posesioacutenrdquo 42 RODRIGUEZ-CANO Rodrigo Bercovitz Manual de derecho civil ndash derechos reales cit p73 No mesmo sentido ALBALADEJO Manuel A Derecho civil VolIII cit p63 DIacuteEZ-PICAZO Luis Fundamentos del derecho civil patrimonial VolIII las relaciones juriacutedico-reales el registro de la propiedad la posesioacuten 5ordfed Madrid Civitas 2008 p689

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Jaacute no direito portuguecircs o Coacutedigo Civil eacute expresso acerca da possibilidade de

saneamento dos viacutecios43 e a doutrina encampa unanimemente o entendimento de que

a posse eacute violenta ndash portanto injusta ndash apenas no tempo de duraccedilatildeo de seus efeitos44

Ou seja a posse violenta clandestina ou precaacuteria perde a condiccedilatildeo de viciosa no exato

instante em que se estabiliza Apoacutes a cessaccedilatildeo da violecircncia a posse passa a ser

perfeitamente apta a gerar a usucapiatildeo45

Mas ideia de que a posse eacute injusta apenas enquanto houver violecircncia ou

clandestinidade ao contraacuterio do direito luso natildeo tem respaldo no ordenamento

brasileiro apesar de ser defendida por nomes como os de Lenine Nequete46 e Arnoldo

Wald47 O artigo 1208 do Coacutedigo Civil alocado no capiacutetulo referente agrave aquisiccedilatildeo da

posse dispotildee claramente que ldquoNatildeo induzem posse os atos de mera permissatildeo ou

toleracircncia assim como natildeo autorizam a sua aquisiccedilatildeo os atos violentos ou clandestinos

senatildeo depois de cessar a violecircncia ou a clandestinidaderdquo Ou seja aqui enquanto a

violecircncia estiver sendo empregada natildeo haacute posse Apoacutes a sua cessaccedilatildeo a posse advinda

de tais atos eacute posse mas posse injusta48

Natildeo haacute duacutevida portanto de que o prazo de ldquoano e diardquo tem uma funccedilatildeo importante No

direito espanhol o prazo serve como marco da perda da posse da impossibilidade de

utilizaccedilatildeo das accedilotildees possessoacuterias e de saneamento dos viacutecios objetivos No direito

portuguecircs serve igualmente de referecircncia para identificaccedilatildeo do momento de perda da

posse e da caducidade da via possessoacuteria ao passo que os viacutecios satildeo considerados

sanados apoacutes a cessaccedilatildeo de seus efeitos

Em ambos os ordenamentos o expurgo dos viacutecios pela passagem do tempo tem

respaldo normativo ainda que as criacuteticas anteriormente feitas a este raciociacutenio no

direito brasileiro tambeacutem sejam aplicaacuteveis a tais sistemas natildeo havendo tambeacutem neles

nenhuma modalidade de usucapiatildeo com menos de 1 ano a ideia do saneamento da

43 Artigo 1297ordm (Posse violenta ou oculta) Se a posse tiver sido constituiacuteda com violecircncia ou tomada ocultamente os prazos da usucapiatildeo soacute comeccedilam a contar-se desde que cesse a violecircncia ou a posse se torne puacuteblica 44 Por todos CARVALHO Orlando de Direito das coisas Coimbra Coimbra Editora 2012 p283 45 FRANCcedilA PITAtildeO Joseacute Antoacutenio de Posse e usucapiatildeo Lisboa Almedina 2007 p74 FERREIRA Durval Posse e usucapiatildeo 3ordfed Lisboa Almedina 2008 p319 OLIVEIRA ASCENCcedilAtildeO Joseacute de Direito civil ndash reais cit p116 46 NEQUETE Lenine Da prescriccedilatildeo aquisitiva (usucapiatildeo) Porto Alegre Ediccedilatildeo Sulina 1954 p80 47 WALD Arnoldo Direito Civil direito das coisas Vol4 Satildeo Paulo Saraiva 2011 pp103-104 48 Segundo esclarece Joseacute Carlos Moreira Alves ldquo() para o Coacutedigo Civil brasileiro () enquanto materialmente existentes ndash ou seja enquanto se pratica a violecircncia ou haacute clandestinidade ndash impedem [tais viacutecios] a aquisiccedilatildeo ateacute da possessio ad interdicta havendo apenas detenccedilatildeo independente e uma vez cessados em sua materialidade surge a posse embora qualificada como injusta que produz as consequecircncias de qualquer posse injustardquo MOREIRA ALVES Joseacute Carlos ldquoA detenccedilatildeo no direito civil brasileiro (conceito e casos)rdquoIn CAHALI Yussef Said Posse e propriedade doutrina e jurisprudecircncia Satildeo Paulo Saraiva 1987 p20

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mesma forma que aqui natildeo tem funccedilatildeo nenhuma porque sempre que o usucapiente

tiver prazo para usucapir os viacutecios teratildeo deixado de existir

De se ressaltar ainda que o proacuteprio Silvio Rodrigues reconheceu que a sua tese natildeo

tinha fundamento legal Na nota de rodapeacute 28 do seu livro ldquoDireito das Coisasrdquo49 o

autor demonstrou que entendia que o Coacutedigo de Processo Civil de 1939 tinha extirpado

a ldquoaccedilatildeo de forccedila velha expoliativardquo do ordenamento brasileiro razatildeo pela qual para o

possuidor de mais de 1 ano e dia caberia apenas a via petitoacuteria o que sanearia o viacutecio na

aquisiccedilatildeo Isto porque segundo sua interpretaccedilatildeo ldquoBasta que ela [a posse] se estenda

pacificamente ou publicamente durante o intervalo de ano e dia para que fique

purgada de seus defeitosrdquo50 Mas o proacuteprio autor admitiu ao final da nota de rodapeacute

28 que o CPC de 73 ldquoextirpou a duacutevidardquo que poderia existir em torno da possibilidade

de accedilatildeo de reintegraccedilatildeo com mais de 1 ano e dia do esbulho que ldquomesmo intentadas

apoacutes o intervalo de ano e dia natildeo perdem o seu caraacuteter acessoacuteriordquo51 Mesmo criticando

a soluccedilatildeo do CPC reconhece que ldquo() a vontade do legislador manifestada de forma

irrefutaacutevel que deve prevalecerrdquo52 Fica claro portanto que natildeo haacute fundamento legal

para a tese de que a posse injusta se transforma em posse justa apoacutes ano e dia

6 Saneamento pelo cumprimento da funccedilatildeo social

Alguns estudos mais recentes tecircm indicado que os viacutecios objetivos da posse podem ser

considerados sanados uma vez constatado o cumprimento da funccedilatildeo social por parte do

esbulhador53

Mas o saneamento pelo cumprimento da funccedilatildeo social da posse pode ser

primeiramente criticado por que natildeo haacute qualquer dispositivo normativo em vigor no

ordenamento juriacutedico brasileiro que defina o que eacute e qual eacute o conteuacutedo da funccedilatildeo social

da posse A doutrina tem buscado dar substacircncia ao princiacutepio pela conexatildeo que

tradicionalmente eacute feita entre funccedilatildeo social da posse e a efetivaccedilatildeo de direitos

fundamentais como os de moradia e trabalho

49 RODRIGUES Silvio Direito civil Vol5 ndash direito das coisas cit p30 50 RODRIGUES Silvio Direito civil Vol5 ndash direito das coisas cit p30 51 O CPC15 eacute claro acerca do caraacuteter possessoacuterio da accedilatildeo proposta apoacutes o prazo de ldquoano e diardquo Art558 Regem o procedimento de manutenccedilatildeo e de reintegraccedilatildeo de posse as normas da Seccedilatildeo II deste Capiacutetulo quando a accedilatildeo for proposta dentro de ano e dia da turbaccedilatildeo ou do esbulho afirmado na peticcedilatildeo inicial Paraacutegrafo uacutenico Passado o prazo referido no caput seraacute comum o procedimento natildeo perdendo contudo o caraacuteter possessoacuterio 52 RODRIGUES Silvio Direito civil Vol5 ndash direito das coisas cit p30 nota28 53 MELO Marco Aureacutelio Bezerra de Curso de direito civil Vol5 ndash direito das coisas 2015 p73 FARIAS Cristiano Chaves de ROSENVALD Nelson Curso de direito civil Vol5 ndash reais cit p119

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Eacute possiacutevel tentar extrair essa conexatildeo da relaccedilatildeo entre posse e propriedade

considerando que a propriedade deve cumprir a funccedilatildeo social a posse tambeacutem deve ser

lida como subordinada a tal princiacutepio Mas se a funccedilatildeo social da propriedade eacute em

grande medida a ldquofunccedilatildeo social da posse exercida pelo proprietaacuteriordquo54 seraacute viaacutevel dizer

que o contraacuterio tambeacutem eacute verdadeiro Um possuidor de uma aacuterea de grande extensatildeo

de terra na zona rural estaacute obrigado a cumprir os mesmos preceitos direcionados ao

proprietaacuterio estabelecidos no artigo 184 da Constituiccedilatildeo E qual seria a consequecircncia

do descumprimento desse conteuacutedo por parte de quem eacute apenas o possuidor E no caso

da posse urbana qual o conteuacutedo a ser cumprido para que a funccedilatildeo social seja

contemplada

A falta de uma definiccedilatildeo sobre o conteuacutedo objetivamente definido para a funccedilatildeo social

da posse prejudica enormemente a sua utilizaccedilatildeo como criteacuterio para avaliaccedilatildeo do o

expurgo dos viacutecios objetivos Aleacutem de desnecessaacuteria a possibilidade do saneamento

atraveacutes de um princiacutepio tatildeo ldquomaleaacutevelrdquo tem como consequecircncia o seu reconhecimento

em um sem nuacutemero de situaccedilotildees tatildeo diacutespares que fica difiacutecil enxergar em que

circunstacircncia qualquer exerciacutecio regular da posse natildeo o atenderia

Nos tribunais fala-se em cumprimento da funccedilatildeo social quando a posse de um terreno eacute

utilizada para criaccedilatildeo de galinhas55 quando mesmo sem comprovar o tempo

necessaacuterio o possuidor prova que construiu lojas e quitinetes no imoacutevel que pretendia

usucapir56 ou ainda quando o imoacutevel a ser usucapido foi utilizado como garagem e aacuterea

de lazer durante o lapso temporal necessaacuterio agrave usucapiatildeo57

54 DANTAS Marcus Eduardo de Carvalho ldquoDa funccedilatildeo social da propriedade agrave funccedilatildeo social da posse exercida pelo proprietaacuterio ndash uma proposta de releitura do princiacutepio constitucionalrdquo RIL ndash Revista de Informaccedilatildeo Legislativa ano 52 n 205 p23-38 Mar 2015 p34 DANTAS Marcus Eduardo de Carvalho ldquoFunccedilatildeo social nos conflitos fundiaacuteriosrdquo Revista Direito GV Satildeo Paulo v9 n 2 p465-488 Dec 2013 p479 55 Tribunal de Justiccedila do Rio de Janeiro Apelaccedilatildeo nordm 0003045-5320028190061 Rel Des Gilda Maria

Dias Carrapatoso Julgamento 31072013 13ordf Cacircmara Ciacutevel Disponiacutevel em

httpwww1tjrjjusbrgedcachewebdefaultaspxUZIP=1ampGEDID=0004CC331928D8D3A72C15733D

069BD44D8BC50237206304 Acesso em 12032015 56 Tribunal de Justiccedila do Rio de Janeiro Apelaccedilatildeo nordm 0034331-2420108190205 Rel Des Andreacute

Ribeiro Julgamento 05062013 7ordf Cacircmara Ciacutevel Disponiacutevel em

httpwww1tjrjjusbrgedcachewebdefaultaspxUZIP=1ampGEDID=000421376D950C28F7B805418EE

F244E6857C5022B4D2D4CAcesso em 12032015 57 Tribunal de Justiccedila do Rio de Janeiro Apelaccedilatildeo nordm 0096918-8820058190001 Rel Des Antocircnio

Saldanha Palheiro Julgamento 12042011 5ordf Cacircmara Ciacutevel Disponiacutevel em

httpwww1tjrjjusbrgedcachewebdefaultaspxUZIP=1ampGEDID=0003FDB81056920E5F12D511F73

43C44001098C403252532 Acesso em 12032015

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Natildeo se trata aqui de uma avaliaccedilatildeo moral acerca daquilo que deve ou natildeo ser

considerado como o conteuacutedo da funccedilatildeo social A questatildeo eacute que sem um conteuacutedo bem

especificado a funccedilatildeo social deixa de ser um mecanismo de qualificaccedilatildeo da posse ela

natildeo tem serventia alguma como mecanismo de diferenciaccedilatildeo Se a utilizaccedilatildeo de um

terreno como garagem e lazer corresponde ao exerciacutecio da posse com funccedilatildeo social em

que circunstacircncia o exerciacutecio puro e simples da posse natildeo corresponderia a tal

princiacutepio Basta natildeo realizar uma atividade iliacutecita para cumprir a funccedilatildeo social da

posse Qual a diferenccedila entre ldquoter posserdquo e ldquoter posse com funccedilatildeo socialrdquo

A segunda linha de criacutetica se orienta pelo fato de que nem todas as modalidades de

usucapiatildeo existentes no ordenamento brasileiro tecircm uma conexatildeo visiacutevel com os temas

tradicionalmente considerados como caracteriacutesticos da funccedilatildeo social A usucapiatildeo

extraordinaacuteria prevista no caput do artigo 1238 do Coacutedigo Civil58 por exemplo natildeo

exige do possuidor que exerccedila a posse com fins de moradia tampouco que utilize o

imoacutevel como fonte de trabalho Isso mostra que o Coacutedigo diferencia as situaccedilotildees nas

quais a posse eacute exercida como meio de efetivaccedilatildeo dos direitos tradicionalmente

afinados com uma ideia geral de funccedilatildeo social e aquelas nas quais a posse eacute exercida

regularmente mas sem tal qualificaccedilatildeo especial Em tais condiccedilotildees o entendimento de

que a injusticcedila original da posse pode ser sanada pelo cumprimento da funccedilatildeo social

para a usucapiatildeo em geral ficaria ainda uma vez sem sentido pois o diploma civil natildeo

exige que a posse seja exercida como moradia ou fonte de trabalho em todas as

modalidades da usucapiatildeo

7 O ldquoteste do uso incompatiacutevelrdquo e a funccedilatildeo da posse injusta na usucapiatildeo

Apesar de todo esforccedilo doutrinaacuterio na defesa de formas pelas quais a posse injusta pode

deixar para traacutes o seu viacutecio de origem a doutrina tem um posicionamento tatildeo soacutelido

quanto incoerente acerca do viacutecio da precariedade o de que ele natildeo convalesce nunca

O entendimento eacute defendido por quase59 a totalidade dos especialistas sob o

58 Art 1238 Aquele que por quinze anos sem interrupccedilatildeo nem oposiccedilatildeo possuir como seu um imoacutevel adquire-lhe a propriedade independentemente de tiacutetulo e boa-feacute podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentenccedila a qual serviraacute de tiacutetulo para o registro no Cartoacuterio de Registro de Imoacuteveis Paraacutegrafo uacutenico O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-aacute a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imoacutevel a sua moradia habitual ou nele realizado obras ou serviccedilos de caraacuteter produtivo

59 Francisco Eduardo Loureiro eacute uma boa exceccedilatildeo agrave leitura predominante Nesse sentido ldquoDiz-se que a posse precaacuteria nunca gera usucapiatildeo Na verdade eacute ela imprestaacutevel para usucapiatildeo natildeo porque eacute injusta mas porque o precarista natildeo tem animus domini uma vez que reconhece a supremacia e o melhor direito do terceiro sobre a coisa Caso poreacutem natildeo reconheccedila ou deixe de reconhecer essa posiccedilatildeo e revele isso de modo inequiacutevoco e claro ao titular do domiacutenio para que este possa reagir e retomar a coisa nasce nesse momento o prazo para usucapiatildeo porque o requisito animus domini estaraacute entatildeo presente LOUREIRO Francisco Eduardo ldquoDireito das coisas (arts 1196-1510)rdquo In PELUSO Cezar (Coord) Coacutedigo civil interpretado Satildeo Paulo Manole 2008 p1092-1093

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argumento de que o descumprimento do dever de restituiccedilatildeo do bem soacute deixa de existir

quando a coisa eacute devolvida Enquanto o bem permanece com o esbulhador a posse

permanece injusta e nenhuma das taacuteticas anteriormente analisadas seria suficiente

para modificar tal condiccedilatildeo

Trata-se de uma interpretaccedilatildeo no miacutenimo insoacutelita pois acaba tornando o viacutecio da

precariedade mais grave que os outros se o esbulhador usa a violecircncia fiacutesica contra a

pessoa do esbulhado ele pode ver tal viacutecio sanado das formas mais diversas se a

aquisiccedilatildeo se daacute pela recusa da restituiccedilatildeo isso natildeo seria de forma alguma possiacutevel pela

ldquoquebra da confianccedilardquo Mas por que a ldquoquebra da confianccedilardquo eacute mais grave que o uso da

forccedila fiacutesica Aleacutem de natildeo parecer razoaacutevel trata-se de uma interpretaccedilatildeo que atribui

uma vantagem injustificaacutevel em favor do proprietaacuterio Independentemente do que ele

tiver feito ou deixado de fazer para retomar o bem o fato da posse ser injusta

bloquearia a usucapiatildeo para sempre

Como indicado a discussatildeo acerca das circunstacircncias nas quais algueacutem pode se tornar

proprietaacuterio pela usucapiatildeo eacute tambeacutem uma discussatildeo acerca das condiccedilotildees nas quais

algueacutem pode legitimamente exercer o seu direito de propriedade Eacute possiacutevel

reconhecer poreacutem que a doutrina brasileira tem dado uma ecircnfase talvez desmesurada

na atuaccedilatildeo do possuidor deixando de investigar a dimensatildeo real do papel do

proprietaacuterio nesse jogo Soacute haveraacute usucapiatildeo se o proprietaacuterio de algum modo se

mantiver inerte na recuperaccedilatildeo do bem E se o proprietaacuterio deixou de tomar as

providencias necessaacuterias agrave tutela do seu direito durante um periacuteodo que pode variar de

2 a 15 anos eacute porque ele tambeacutem contribuiu para a consolidaccedilatildeo da posse do

usucapiente Como seria o cenaacuterio se a ecircnfase no processo recaiacutesse sobre o

proprietaacuterio Se independentemente da preocupaccedilatildeo com a caracterizaccedilatildeo de

eventuais viacutecios da posse incidisse principalmente sobre o titular a responsabilidade de

agir para que a usucapiatildeo natildeo se consumasse

Um caso interessante nesse sentido ndash e pouco estudado no Brasil ndash eacute o chamado

ldquoJAPye (Oxford) Ltd v Grahamrdquo ou apenas ldquoCase Pyerdquo como ficou conhecido De

forma muito resumida a empresa do ramo imobiliaacuterio JA Pye (Oxford) Ltd adquiriu

um terreno em Berkshire oeste de Londres com o objetivo de desenvolver um

empreendimento imobiliaacuterio e obteve o respectivo registro como proprietaacuteria da aacuterea

Apoacutes realizar a venda de uma parte do terreno a empresa inglesa celebrou um contrato

de 1 ano com a famiacutelia Graham por meio do qual seus integrantes ficavam autorizados a

utilizar os 25 hectares restantes da aacuterea como pasto Apoacutes o teacutermino do contrato os

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Graham procuraram a empresa com objetivo de obter uma renovaccedilatildeo mas a J A Pye

Ltd se recusou a fazecirc-lo Apesar disso Caroline e Michael Graham continuaram a

ocupar o terreno e a utilizaacute-lo como pasto por mais 12 anos com o conhecimento da

empresa mas sem o seu consentimento ainda que a J A Pye Ltd tenha se mantido

inerte quanto agraves providecircncias necessaacuterias para impedir a permanecircncia natildeo autorizada

dos Graham no local Apoacutes os 12 anos de exerciacutecio natildeo autorizado da posse os Graham

solicitaram o reconhecimento dos seus direitos sobre a referida aacuterea o que foi

concedido pelo registro com base na ldquoadverse possessionrdquo ou seja na usucapiatildeo

A decisatildeo gerou um sem nuacutemero de polecircmicas e modificaccedilotildees de rumo chegando ateacute

ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos onde no julgamento da Queixa

nordm4430202 foi dado ganho de causa ao Reino Unido e por consequecircncia agrave famiacutelia

Graham Em um primeiro momento a ldquoCourt of Appealrdquo deu decisatildeo favoraacutevel agrave

empresa ldquoPyerdquo com base entre outros motivos no fato de que a famiacutelia Graham natildeo

tinha ldquothe necessary intention to possessrdquo ou seja o acircnimo de dono Considerando-se

que no direito inglecircs vigora o chamado ldquoprocedural approachrdquo no que tange agrave usucapiatildeo

ndash a ecircnfase no aspecto processual da disputa ndash a referecircncia ao animus possidendi foi

considerada uma inovaccedilatildeo surpreendente60 De fato uma vez que os agricultores

permaneceram apenas fazendo aquilo que jaacute faziam quando do contrato em vigor os

julgadores da ldquoCourt of Appealrdquo entenderam que natildeo havia a intenccedilatildeo de passar a ser o

dono do lugar contrapondo-se frontalmente ao direito da empresa61 A decisatildeo foi

objeto de recurso agrave ldquoHouse of Lordsrdquo que deu ganho de causa agrave Caroline Graham62

Ainda inconformada a empresa ldquoPyerdquo entrou com novo recurso e como indicado o

caso chegou ateacute ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos sob a alegaccedilatildeo de que o

Reino Unido havia violado o direito de propriedade da J A Pye Ltd descumprindo a

garantia prevista no artigo 1ordm do Protocolo Adicional nordm 1 da Convenccedilatildeo Europeia dos

Direitos do Homem63 A decisatildeo final foi favoraacutevel ao Reino Unido e

60 RADLEY-GARNER Oliver ldquoCivilized Squattingrdquo Oxford Journal of Legal Studies (winter 2005) 25 (04) p728 61 A discussatildeo pode ser conhecida em httpwwwpublicationsparliamentukpald200102ldjudgmtjd020704graham-3htm Acesso em 13122014 62 O voto de maior peso no julgamento foi o de Lord Browne-Wilkinson por ter considerado que ao contraacuterio do que se exigia ateacute entatildeo a partir do momento em que os Graham continuaram a pastorear a terra sem a autorizaccedilatildeo da ldquoJAPyerdquo eles passaram a ter posse em nome proacuteprio o que independentemente de um conflito aberto seria suficiente para viabilizar a adverse possession O voto na iacutentegra pode ser lido em ldquoHouse of Lords Judgments ndash J A Pye (Oxford) Ltd and Others v Graham and Another on 4 July 2002rdquo httpwwwpublicationsparliamentukpald200102ldjudgmtjd020704graham-1htm Acesso em 13122014 63 ldquoQualquer pessoa singular ou colectiva tem direito ao respeito dos seus bens Ningueacutem pode ser privado do que eacute sua propriedade a natildeo ser por utilidade puacuteblica e nas condiccedilotildees previstas pela lei e pelos princiacutepios gerais do direito internacional

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consequentemente agrave famiacutelia Graham sob diversos argumentos Destacam-se para fins

do presente estudo a ideia de que a usucapiatildeo deve ser encarada como um mecanismo

de controle ou regulamentaccedilatildeo do uso dos bens eis que eacute de interesse geral saber quem

efetivamente eacute responsaacutevel pelo imoacutevel bem como pelos tributos decorrentes de tal

condiccedilatildeo o que remete agrave seguranccedila juriacutedica 64

Entre diversas questotildees importantes o episoacutedio mostra como em grande medida a

dogmaacutetica juriacutedica brasileira tem abordado o tema da usucapiatildeo de maneira a ampliar

os poderes do proprietaacuterio Uma atenccedilatildeo desmesurada tem sido dada agrave posse do

usucapiente sempre cheia de requisitos a cumprir escamoteando-se as

responsabilidades do titular do direito a ser usucapido

Desde logo salta aos olhos o fato de que na hipoacutetese do ldquoCase Pyerdquo o poder da famiacutelia

Graham sobre o terreno poderia no Brasil ser qualificado como uma situaccedilatildeo de mera

toleracircncia hipoacutetese na qual natildeo haveria verdadeiramente posse conforme indicaccedilatildeo do

artigo 1208 do Coacutedigo Civil brasileiro Mas eacute preciso reconhecer que apesar da empresa

ldquoPyerdquo ter ldquotoleradordquo a presenccedila dos Graham o fato eacute que a ineacutercia de ldquoPyerdquo se deu em

momento posterior agrave negativa de renovaccedilatildeo do contrato o que demonstra o interesse

em natildeo perpetuar a presenccedila da famiacutelia Graham no local A recusa agrave renovaccedilatildeo e a

ineacutercia fariam entatildeo com que a hipoacutetese passasse a ser encarada como uma ldquoposse

precaacuteriardquo justamente o viacutecio que a doutrina brasileira insiste em considerar insanaacutevel

e portanto incapaz de gerar a usucapiatildeo

Mas o episoacutedio mostra que quando algueacutem exerce posse sobre o bem de outrem

diversos pontos de vista podem ser utilizados para analisar a questatildeo o proprietaacuterio

permitiu tal exerciacutecio Ele tomou as providecircncias necessaacuterias para recuperar o bem O

possuidor adverso sabia que o bem era de outra pessoa e se negou a devolvecirc-lo

As condiccedilotildees precedentes entendem - se sem prejuiacutezo do direito que os Estados possuem de pocircr em vigor as leis que julguem necessaacuterias para a regulamentaccedilatildeo do uso dos bens de acordo com o interesse geral ou para assegurar o pagamento de impostos ou outras contribuiccedilotildees ou de multasrdquo No original ldquoThe preceding provisions shall not however in any way impair the right of a State to enforce such laws as it deems necessary to control the use of property in accordance with the general interest or to secure the payment of taxes or other contributions or penaltiesrdquo European Court of Human Rights ldquoCase JA Pye (Oxford) Ltd and JA Pye (Oxford) Land Ltd v The United Kingdom Alleged Violation of Article 1 of Protocol nordm 1 Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-82172itemid[001-82172] Acesso em 03032014 64 ABREU Abiacutelio Vassalo Titularidade Registral do Direito de Propriedade Imobiliaacuteria versus usucapiatildeo (adverse possession) Coimbra Coimbra Editora 2011 p83

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Nesses termos o modelo processual inglecircs indica que a reflexatildeo acerca da usucapiatildeo

tambeacutem deve englobar uma meditaccedilatildeo sobre a atuaccedilatildeo do proprietaacuterio na recuperaccedilatildeo

do seu direito pois nada acontece se ele agir de maneira ceacutelere Mesmo apoacutes a negativa

de permanecircncia da famiacutelia Graham a empresa Pye permaneceu 12 anos sem tomar as

providecircncias necessaacuterias para a desocupaccedilatildeo do local Eacute um espaccedilo consideraacutevel de

tempo Seria razoaacutevel entender que por ser ldquoinsanaacutevelrdquo o viacutecio da precariedade nunca

admitiria a consumaccedilatildeo da usucapiatildeo em favor dos Graham

Aleacutem de problemaacutetica essa interpretaccedilatildeo ressuscita o problema da ldquoposse eternamente

injustardquo o esbulhador nunca poderia usucapir mesmo se o esbulhado natildeo procurar

retomar a sua posse Ao que tudo indica a impossibilidade de saneamento do viacutecio da

precariedade reflete a um imperativo moral a quebra da confianccedila depositada deve ser

punida com a perenidade do caraacuteter injusto E aqui se abre a oportunidade de discutir

afinal qual eacute a funccedilatildeo da anaacutelise da injusticcedila como meio de barreira para a usucapiatildeo

Quando se faz referecircncia agraves diversas teacutecnicas de saneamento dos viacutecios eacute preciso

reconhecer que elas natildeo podem ser lidas como um modo de suplantar o fato de que a

posse do usucapiente natildeo foi autorizada e eacute exercida de forma contraacuteria aos interesses

do titular porque essa eacute uma condiccedilatildeo necessaacuteria para que a usucapiatildeo ocorra Ainda

que natildeo haja uma ldquobatalha campalrdquo em busca da posse ldquoCrucially the adverse

possessorrsquos use must be without permission (ldquoadverserdquo)rdquo65 A aquisiccedilatildeo sem autorizaccedilatildeo

e o exerciacutecio contraacuterio aos interesses do titular satildeo pressupostos para a usucapiatildeo

Em tais condiccedilotildees as estrateacutegias que visam a ldquoeliminaccedilatildeo da injusticcedilardquo pelo expurgo

dos viacutecios de origem soacute podem ser compreendidas como vias pelas quais se pretende

superar o chamado ldquoparadoxo moralrdquo66 aparentemente existente em torno da proacutepria

ideia de usucapiatildeo qual a justificativa para que algueacutem perca o seu direito de

propriedade em funccedilatildeo da atuaccedilatildeo natildeo autorizada de outra pessoa

Mas a falta de precisatildeo doutrinaacuteria na referecircncia agrave justiccedila ou injusticcedila da posse faz com

que a exigecircncia de que a posse ad usucapionem seja uma posse ldquojustardquo gere a falsa

ideia de que a atuaccedilatildeo do usucapiente estaacute em conformidade com o direito E as

estrateacutegias de saneamento reforccedilam essa confusatildeo ao se voltarem para o modo como a

posse foi adquirida Elas servem como uma justificativa para tentar amainar a ilicitude

65 MERRIL Thomas W SMITH Henry E Property Oxford Oxford University Press 2010 p36 66 KATZ Larissa ldquoThe moral paradox of adverse possession sovereignty and revolution in property lawrdquo McGill Law Journal Vol55 2010 pp47-80 cit p 59

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do apossamento mas isso eacute virtualmente impossiacutevel sem jogar o instituto em um non

sense pois a contrariedade da posse ad usucapionem eacute intriacutenseca a usucapiatildeo

Quando se diz que a posse do usucapiente eacute sempre injusta isso significa que ela natildeo

estaacute autorizada de forma alguma e se coloca sim em posiccedilatildeo de conflito (ainda que

velado) com os interesses do proprietaacuterio ou seja algueacutem vai adquirir a propriedade de

algo que jaacute tem dono e obviamente sem a colaboraccedilatildeo deste

Por isso as estrateacutegias de saneamento estatildeo por assim dizer ldquono lugar erradordquo pois

acabam mascarando a dinacircmica real do processo por meio do qual algueacutem caminha

para usucapir o bem de outrem Isto acaba ampliando as sombras existentes entre as

linhas que demarcam uma posse ldquomoralmente legitimadardquo a viabilizar a usucapiatildeo e a

adversidade sem a qual a aquisiccedilatildeo natildeo tem como se efetivar

Nessa direccedilatildeo a caracterizaccedilatildeo da posse ad usucapionem natildeo depende do saneamento

dos viacutecios objetivos pois o meio objetivo pelo qual se deu o apossamento eacute afinal

irrelevante Basta o chamado ldquoteste de uso incompatiacutevelrdquo (inconsistent use test) ou

seja da verificaccedilatildeo de que a posse natildeo autorizada se daacute em desconformidade com a

agenda estabelecida pelo proprietaacuterio do bem a ser usucapido67 Natildeo importa o modo

pelo qual tal contrariedade ganhou forma o fato eacute que ela existe e uma vez constatada

gera para o proprietaacuterio a oportunidade de se opor dentro de um determinado periacuteodo

de tempo sem o que perderaacute a titularidade do bem

Eacute importante ainda deixar expliacutecito o fato de que toda discussatildeo em torno dos

pressupostos para a aquisiccedilatildeo pela usucapiatildeo reflete uma dada concepccedilatildeo acerca da

propriedade Debater em que circunstacircncia algueacutem pode se tornar o proprietaacuterio do

bem que eacute de outro resvala em uma avaliaccedilatildeo acerca da amplitude de formas de

atuaccedilatildeo que o proprietaacuterio estaacute legitimado a desempenhar

Do mesmo modo a possiacutevel imoralidade existente na atribuiccedilatildeo do direito de

propriedade em favor de algueacutem que viola o direito de outrem eacute decorrente de uma

visatildeo que considera moralmente aceitaacutevel que o bem objeto desse direito possa

permanecer sem um uso efetivo durante um nuacutemero maior ou menor de anos jaacute que

natildeo haacute usucapiatildeo sem a ineacutercia do titular do direito a ser usucapido

67 KATZ Larissa ldquoThe moral paradoxrdquo cit p50

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Nesse sentido ultrapassar a discussatildeo acerca das estrateacutegias de saneamento dos viacutecios

da aquisiccedilatildeo rumo a um debate aprofundado sobre as razotildees que contribuem para a

superaccedilatildeo do paradoxo moral permitiria por exemplo a consideraccedilatildeo de que mesmo

um possuidor de maacute-feacute pode dar um uso economicamente mais eficiente do que aquele

dado pelo possuidor originaacuterio68 ou que em um contexto de deacuteficit de moradias a

ideia de que ldquoo natildeo uso eacute uma forma de usordquo69 seria juriacutedica e moralmente indefensaacutevel

pois corresponderia a absolutizaccedilatildeo da propriedade

O debate moral em torno da usucapiatildeo eacute rico de possibilidades que auxiliam na

compreensatildeo adequada do instituto e tambeacutem por isso natildeo pode ser represado Quando

se vecirc tanto esforccedilo doutrinaacuterio para expurgar os viacutecios objetivos de origem o uacutenico

sentido possiacutevel para tanto eacute pressuposto de que haacute uma avaliaccedilatildeo moralmente

negativa em torno da ideia de que uma posse ldquoinjustardquo seja apta a transformar um

ldquoladratildeordquo em proprietaacuterio Mas aqui o foco estaacute todo voltado para como a posse foi

adquirida o que reduz enormemente a investigaccedilatildeo Natildeo se trata da defesa da

legitimaccedilatildeo do uso da forccedila como se fosse possiacutevel concordar com a grilagem de terras

mas justo o oposto da possibilidade de reconhecimento de que mesmo o uso da forccedila

pode ser justificado quando a efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais como os relativos agrave

moradia e ao trabalho se contrapotildeem ao natildeo uso e a especulaccedilatildeo A existecircncia do

instituto da usucapiatildeo revela em si mesma que ordenamento fez uma escolha na qual o

uso efetivo do bem estaacute em uma posiccedilatildeo hierarquicamente superior ao natildeo uso Diante

da diferenciaccedilatildeo entre justiccedila e injusticcedila formal ndash relativa agrave aquisiccedilatildeo ndash e justiccedila ou

injusticcedila material (os valores materializados em cada efetivo apossamento) abre-se a

oportunidade de discutir as bases morais econocircmicas e filosoacuteficas por meio das quais eacute

ainda hoje possiacutevel fundamentar a manutenccedilatildeo ou perda dos direitos de propriedade

titularizados por algueacutem

De todo modo para os objetivos do presente estudo a hipoacutetese testada parece poder

ser adequadamente confirmada independentemente do modelo de usucapiatildeo a ser

adotado independentemente do fundamento mais adequado para usucapiatildeo em

68 FENNEL Lee Anne ldquoEfficient trespass the case for lsquobad faithrsquo adverse possessionrdquo Northwestern University Law Review Vol100 p1035-10962006 p53 Considerando-se que apenas um imoacutevel sem um uso efetivo pode ser objeto de apossamento alheio estendido por vaacuterios anos sem uma reaccedilatildeo apropriada a manutenccedilatildeo da sua titularidade pode ser lida como uma falha de mercado que daacute corpo agrave especulaccedilatildeo a venda do imoacutevel natildeo ocorre porque o titular natildeo encontra condiccedilotildees que lhe garantam a remuneraccedilatildeo pretendida naquele momento Da mesma forma levando-se em consideraccedilatildeo que no caso brasileiro a funccedilatildeo social remete agrave obrigatoriedade do uso e que isto por sua vez desaacutegua no exerciacutecio da posse toda posse ad usucapionem poderia ser lida como a vitoacuteria do uso produtivo sobre o natildeo uso especulativo Nesse sentido a posse de maacute-feacute corresponderia agrave deliberada intenccedilatildeo de concretizar um uso socialmente uacutetil a um bem que estaacute sendo administrado de forma ineficiente 69 NASCIMENTO Tupinambaacute Miguel Castro do Posse e propriedade Porto Alegre Livraria do Advogado 1986 p10

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nenhum lugar eacute possiacutevel colocar em questatildeo o fato de que a posse exercida pelo

esbulhador eacute adversa A posse exercida por algueacutem natildeo autorizado que deseja ou

acredita que jaacute tem o direito de outrem eacute nesse sentido sempre e necessariamente uma

posse injusta

Conclusatildeo

As tentativas de saneamentos dos viacutecios satildeo incongruentes e ineficientes porque a

superaccedilatildeo do paradoxo moral existente na usucapiatildeo depende de uma reflexatildeo acerca

daquilo que a sociedade considera como moralmente justificado em torno do exerciacutecio

do direito de propriedade E desde aiacute eacute possiacutevel perceber diversos aspectos que

demonstram que o exerciacutecio da posse seja qual for a sua qualificaccedilatildeo eacute mais forte do

que o natildeo uso a existecircncia mesma do instituto da usucapiatildeo o encurtamento

generalizado dos prazos para usucapir ocorrido no acircmbito do Coacutedigo Civil em vigor

mesmo na hipoacutetese extraordinaacuteria a ampliaccedilatildeo das modalidades de usucapiatildeo como

forma de premiar o exerciacutecio dirigido agrave busca da efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais

sociais como moradia e trabalho Nesse caminho o paradoxo moral se dissolve e o

saneamento dos viacutecios passa a ser irrelevante eacute mais importante saber o que se faz da

posse do que o modo pelo qual ela foi obtida

Em tais condiccedilotildees considerar que a posse ldquoboa para usucapirrdquo seja sempre injusta ndash no

sentido de que representa uma dissonacircncia necessaacuteria com a agenda estabelecida pelo

proprietaacuterio do bem a ser usucapido ndash natildeo significa o abandono da dimensatildeo moral

existente na qualificaccedilatildeo da posse do usucapiente Esta dimensatildeo apenas se desloca em

direccedilatildeo a uma investigaccedilatildeo criteriosa acerca do conteuacutedo da posse materializada frente

agrave anaacutelise da conduta do proprietaacuterio ante ao apossamento natildeo autorizado

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civilisticacom Recebido em 18042016

Aprovado em 13052016 (1ordm parecer) 31052016 (2ordm parecer)

Como citar DANTAS Marcus Eduardo de Carvalho Toda posse ad usucapionem eacute uma posse injusta Civilisticacom Rio de Janeiro a 5 n 1 2016 Disponiacutevel em lthttpcivilisticacomtoda-posse-ad-usucapionem-e-uma-posse-injustagt Data de acesso

Page 5: Toda posse ad usucapionem é uma posse injusta

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propriedade Estas duas coisas precisam ser dissociadas para que sejam analisadas

adequadamente Eis eacute a tese a ser desenvolvida no presente artigo

E por que a hipoacutetese a ser testada eacute relevante Porque os estudiosos do tema se

dedicam a um sem nuacutemero de taacuteticas que diante de uma posse injusta objetivam criar

modos de expurgar os seus viacutecios no intuito de tornaacute-la ldquojustardquo e assim apta a

usucapiatildeo O problema eacute que essas formas de saneamento satildeo tatildeo amplas e variadas

que se chega agrave conclusatildeo que sempre que o possuidor tiver o tempo de posse e os

requisitos especiacuteficos para usucapir em cada hipoacutetese os viacutecios de algum modo teratildeo

sido eliminados E se eacute inevitaacutevel consideraacute-los sanados eacute porque as estrateacutegias de

saneamento satildeo na verdade irrelevantes para a aquisiccedilatildeo pela usucapiatildeo e isso

raramente eacute dito de forma expliacutecita6 Quando se tem em mente que a posse ad

usucapionem eacute injusta e que isso natildeo impede a usucapiatildeo em nenhuma modalidade o

ganho em termos sistemaacuteticos eacute visiacutevel pois os viacutecios importantes passam a ser apenas

os subjetivos Se toda posse ad usucapionem eacute injusta o que importa eacute saber se o

usucapiente tinha ou natildeo conhecimento disto

1 Mapeamento do problema na doutrina eacute possiacutevel usucapir tendo posse

injusta

A resposta a tal questionamento varia entre aqueles que consideram que o possuidor

injusto pode usucapir apenas na modalidade extraordinaacuteria7 e os que enxergam a

impossibilidade total de aquisiccedilatildeo do direito ante a injusticcedila da posse8 Estes driblam o

problema que existiria em torno de uma ldquoposse eternamente injustardquo fazendo como

indicado referecircncia a alguma forma de saneamento dos viacutecios de origem

6 Daniel Eduardo Carnacchioni talvez seja o uacutenico autor brasileiro a afirmar categoricamente que ldquoO conceito de posse injusta somente eacute fundamental para fixar a legitimidade passiva nas accedilotildees possessoacuterias Aliaacutes esta eacute a uacutenica relevacircncia dos viacutecios objetivos da posse Saber se a posse eacute justa ou injusta eacute importante apenas para saber se sujeito pode defender sua posse contra uma determinada pessoardquo CARNACCHIONI Daniel Eduardo Curso de direito civil ndash direitos reais Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014 p74 Cristiano Chaves de FARIAS e Nelson ROSENVALD ficam por assim dizer ldquono meio do caminhordquo pois ao mesmo tempo em que esclarecem que defendem que nem toda tomada natildeo autorizada da posse gera posse injusta (FARIAS Cristiano Chaves de ROSENVALD Nelson Curso de direito civil Vol V ndash reais 11ordfed Satildeo Paulo Atlas 2015 p106) consideram que a posse injusta soacute gera usucapiatildeo extraordinaacuteria pois na modalidade ordinaacuteria se exige o justo tiacutetulo e a boa-feacute (2015 p110) Mas eacute possiacutevel que a posse seja injusta e de boa-feacute pela ignoracircncia do accipiens quando da sua transmissatildeo Nesse sentido a injusticcedila da posse natildeo impediria nem mesmo a aquisiccedilatildeo pela via ordinaacuteria 7 Eacute o que se pode constatar em FARIAS Cristiano Chaves de ROSENVALD Nelson Curso de direito civil Vol5 ndash reais 11ordfed Satildeo Paulo Atlas 2015 p110 ROCHA Silvio Luiz Ferreira da Direito civil Vol3 ndash direitos reais Satildeo Paulo Malheiros 2010 p45 8 NASCIMENTO Tupinambaacute Miguel Castro do Usucapiatildeo (comum e especial) 5ordfed Rio de Janeiro AIDE 1986 p80 NUNES Pedro Do usucapiatildeo 4ordfed Rio de Janeiro Freitas Bastos 1984 p26 TARTUCE Flaacutevio SIMAtildeO Joseacute Fernando Direito civil Vol4 ndash direito das coisas 2ordfed Satildeo Paulo Meacutetodo 2009 p59 AZEVEDO Aacutelvaro Villaccedila de Curso de direito civil ndash direito das coisas Satildeo Paulo Atlas 2014 p22

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Mas por que motivo o possuidor injusto natildeo poderia usucapir na modalidade

ordinaacuteria Porque para esta hipoacutetese o Coacutedigo Civil exige que a posse ad usucapionem

tenha sido adquirida por meio de um justo tiacutetulo e de boa-feacute o que significa que o

possuidor natildeo sabe que existe um problema em torno do modo pelo qual ela foi

adquirida A doutrina entatildeo faz uma conexatildeo necessaacuteria entre a posse justa e a de boa-

feacute o que eacute ateacute razoaacutevel agrave primeira vista como algueacutem poderia alegar que desconhece

que a sua posse foi obtida de modo violento clandestino ou pela precariedade Tal

alegaccedilatildeo soacute seria possiacutevel se o viacutecio natildeo tivesse sido cometido por aquele que pretende

usucapir ou se a princiacutepio a proacutepria ocorrecircncia dele pudesse ser questionada

A primeira situaccedilatildeo corresponderia ao caso no qual o esbulhador transmitiu a posse

injusta que tinha para uma outra pessoa que enganada natildeo sabia de sua raiz iliacutecita

Partindo-se do princiacutepio de que tais viacutecios natildeo seriam transmitidos pelo tradens a

aquisiccedilatildeo derivada seria uma via de saneamento dos viacutecios de origem

Outro modo de se defender a justiccedila da posse originaacuteria eacute reconhecendo o fato dela ter

sido obtida por um meio que mesmo sendo incomum natildeo se equipararia agrave violecircncia

clandestinidade nem agrave precariedade Eacute nesta linha que se colocam as teses que

procuram questionar a ocorrecircncia dos viacutecios objetivos9 A pergunta aqui seria o que eacute

uma aquisiccedilatildeo violenta

Uma uacuteltima e mais recente via de transformaccedilatildeo da posse injusta em posse justa eacute o

cumprimento da funccedilatildeo social da posse Parte da doutrina busca superar o problema da

ldquoposse eternamente injustardquo considerando que o cumprimento da funccedilatildeo social da

posse pelo possuidor natildeo autorizado demandaria o reconhecimento de que a posse

originariamente injusta teria se transformado em posse justa viabilizando assim a

aquisiccedilatildeo da propriedade pela usucapiatildeo Mas como isso pode ser feito sem uma

descriccedilatildeo preacutevia e objetiva acerca do conteuacutedo da funccedilatildeo social da posse

9 Eacute bem verdade que na aquisiccedilatildeo originaacuteria eacute mais difiacutecil sustentar uma posse justa e de boa-feacute pois como indicado eacute implausiacutevel que na ocupaccedilatildeo natildeo autorizada de um imoacutevel se alegue o desconhecimento de que tal ato contraria direito de outrem Esta eacute uma das dificuldades existentes em torno da compreensatildeo de um dos institutos cujo nuacutemero de estudos eacute proporcional agrave sua ineficaacutecia os paraacutegrafos 4ordm e 5ordm do artigo 1228 do Coacutedigo Civil Tentando decifrar essa ldquoesfingerdquo podem ser citados RENTERIA Pablo ldquoAquisiccedilatildeo da propriedade imobiliaacuteria pela acessatildeo invertida social anaacutelise sistemaacutetica dos paraacutegrafos 4ordm e 5ordm do artigo 1228 do coacutedigo civilrdquo Revista Trimestral de Direito Civil v34 p71-91 2008 TEPEDINO SCHREIBER Anderson ldquoO ornitorrinco juriacutedico por uma aplicaccedilatildeo praacutetica dos sectsect 4ordm e 5ordm do art1228 do coacutedigo civilrdquo In Direito civil e constituiccedilatildeo Satildeo Paulo Atlas 2013 pp267-279 ZAVASCKI Teori ldquoA tutela da posse na constituiccedilatildeo e no projeto do novo coacutedigo civilrdquo In MARTINS-COSTA Judith (Org) A reconstruccedilatildeo do direito privado Satildeo Paulo RT 2002 p843-861

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Colocados os termos das questotildees o objetivo a partir de agora seraacute o de verificar se

essas estrateacutegias satildeo capazes de superar a contradiccedilatildeo existente entre uma posse ldquojustardquo

e o fato de que ela para gerar a usucapiatildeo precisa necessariamente ser uma posse natildeo

autorizada exercida contra os interesses do atual titular

2 Posse justa e de boa-feacute na aquisiccedilatildeo derivada o saneamento na acessio

possessionis

Uma primeira das diversas estrateacutegias utilizadas pelos especialistas para garantir a

pureza (leia-se licitude) da posse ad usucapionem pode ser vislumbrada no caso em

que na aquisiccedilatildeo derivada o sucessor decide natildeo exercer a sua opccedilatildeo de soma do seu

tempo de posse com o do antecessor ndash a chamada acessio possessionis ndash sendo este

um possuidor injusto Ao escolher natildeo realizar a adiccedilatildeo o sucessor singular expurgaria

os viacutecios que a posse traria em funccedilatildeo do modo pelo qual foi obtida10

Isso equivale a dizer que a posse injusta pode se transformar em uma posse justa

apenas pela vontade do beneficiaacuterio de tal modificaccedilatildeo que passaria a poder usucapir

em um conjunto maior de modalidades tendo em vista a interpretaccedilatildeo consolidada de

que eacute preciso ter posse justa para usucapir Mas seraacute que essa interpretaccedilatildeo eacute correta

Mesmo sendo um argumento muito frequente na obra de autores de relevo nadoutrina

nacional11 a ideia de que o sucessor singular pode escolher se a sua posse seraacute justa ou

injusta eacute questionaacutevel sob alguns importantes aspectos

Primeiramente tal possibilidade de saneamento entra em rota de colisatildeo com uma

relevante diretriz da teoria geral do direito civil precisamente aquela por meio da qual

se estabelece que ldquoningueacutem pode transferir mais direitos do que temrdquo (Nemo plus iuris

ad alium transferre potest quam ipse habet) Isto porque se o antecessor tinha posse

injusta ele natildeo pode transmitir uma posse justa diferente portanto da que ele

10 Eacute como entendem SALVO VENOSA Silvio de Direito civil Vol5 ndash direitos reais 11ordfed Satildeo Paulo Atlas 2011 p67 GONCcedilALVES Carlos Roberto Direito civil brasileiro Vol5 ndash direito das coisas 7ordfed Satildeo Paulo Saraiva 2013 p116 CARVALHO SANTOS JM Coacutedigo civil brasileiro interpretado principalmente do ponto de vista praacutetico Vol VII 7ordfed Rio de Janeiro Freitas Bastos 1961 p72 BESSONE Darcy Da posse Satildeo Paulo Saraiva 1996 p209 FARIAS Cristiano Chaves de ROSENVALD Nelson Curso de direito civil cit p125 Segundo os referidos autores quando o sucessor na transmissatildeo inter vivos opta por natildeo adicionar o seu tempo de posse ao do seu antecessor ldquo() sua posse obteraacute a vantagem de exemplificativamente valer-se do justo tiacutetulo de sua posse nova para a contagem do prazo para usucapiatildeo ordinaacuteriardquo Daqui se depreende que os viacutecios de origem foram sanados sob pena de contradiccedilatildeo frente ao entendimento tambeacutem defendido por eles de que a posse injusta soacute gera usucapiatildeo extraordinaacuteria tendo em vista que na ordinaacuteria exige-se o justo tiacutetulo e a boa-feacute (FARIAS Cristiano Chaves ROSENVALD Nelson Curso de direito civil cit p110) 11 Conforme exemplificado na nota anterior

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exerce12 Eacute certo que tal interpretaccedilatildeo depende de acordo em torno do fato de que a

posse eacute um direito seja real ou pessoal pois se a posse for interpretada como um ldquomero

fatordquo13 a proacutepria ideia de transmissatildeo fica prejudicada e em tais condiccedilotildees o possuidor

atual teria sempre uma posse nova e toda a aquisiccedilatildeo da posse seria originaacuteria14 Mas a

doutrina contemporacircnea estaacute harmonizada no entendimento de que a posse eacute um

direito e neste sentido o princiacutepio de que ningueacutem pode transferir mais direitos do

que tem permanece vaacutelido e aplicaacutevel pois a hipoacutetese eacute de transmissatildeo de direitos

Sanar os viacutecios pela transmissatildeo pressupotildee logicamente a existecircncia de posses com

caracteriacutesticas diferentes Se ambas forem de boa ou maacute-feacute a soma natildeo altera as

possibilidades de usucapir do sucessor Mas se a posse do antecessor era de boa-feacute (o

que eacute altamente questionaacutevel se ela tambeacutem natildeo for derivada) e a do sucessor for de

maacute-feacute ele natildeo poderaacute se aproveitar da qualificaccedilatildeo da posse do tradens para ampliar

suas chances de usucapir por um motivo loacutegico a transmissatildeo natildeo eacute capaz de fazer

algueacutem esquecer que tem conhecimento do viacutecio de origem

Tambeacutem seraacute esse o raciociacutenio na situaccedilatildeo oposta sendo de maacute-feacute a anterior a

ldquoacessatildeo soacute ocorreraacute dentro dos limites daquela que tiver menor acircmbitordquo Por isso ldquo()

tratando-se de posses de boa e de maacute-feacute a posse considerada deve ser a de maacute-feacute por

ter menor acircmbitordquo tal qual a soluccedilatildeo preconizada no artigo 1256 do Coacutedigo Civil

portuguecircs em vigor15 e defendida por uma consideraacutevel parte da doutrina daquele

paiacutes16 Eacute certo que se o sucessor tem posse de boa-feacute a junccedilatildeo de sua posse com a do

seu antecessor de maacute-feacute pode ser desvantajosa posto que o prazo da usucapiatildeo

12 CHAMOUN Ebert Direito civil aulas do 4ordm ano proferidas na Faculdade de Direito da Universidade Do Distrito Federal Rio de Janeiro AURORA 1955 p 47 TEPEDINO Gustavo ldquoDireito das coisasrdquo (arts1196-1276)rdquo In AZEVEDO Antocircnio Junqueira (Coord) Comentaacuterios ao coacutedigo civil Vol14 ndash direito das coisas (arts1196-1276) Satildeo Paulo Saraiva 2011 p49 Em harmonia de princiacutepio com tal entendimento foi aprovado em 2011 o enunciado 494 da V Jornada de Direito Civil do CJFSTJ cuja redaccedilatildeo eacute a seguinte ldquoA faculdade conferida ao sucessor singular de somar ou natildeo o tempo da posse de seu antecessor natildeo significa que ao optar por nova contagem estaraacute livre do viacutecio objetivo que maculava a posse anteriorrdquo AGUIAR Jr Ruy Rosado de (Coord) Jornadas de direito civil I III IV e V enunciados aprovados Brasiacutelia Conselho da Justiccedila Federal Centro de Estudos Judiciaacuterios 2012 Disponiacutevel em httpwwwcjfjusbrenunciadosenunciado563 Acesso em 06062016 13 Esta eacute a razatildeo pela qual Carvalho Santos entende que ldquo() a posse [do sucessor singular] comeccedilando na proacutepria pessoa deste natildeo sendo a continuaccedilatildeo da posse daquele a quem havia recebido a coisa natildeo pode participar dos viacutecios que esta possa terrdquo CARVALHO SANTOS JM Coacutedigo civil interpretado cit 1961 p72 14 ALBALADEJO Manuel Derecho civil VolIII ndash derecho de bienes 11ordfed Madrid Edisofer 2010 p77 15 Artigo 1256ordm (Acessatildeo da posse) 1 - Aquele que houver sucedido na posse de outrem por tiacutetulo diverso da sucessatildeo por morte pode juntar agrave sua a posse do antecessor 2 - Se poreacutem a posse do antecessor for de natureza diferente da posse do sucessor a acessatildeo soacute se daraacute dentro dos limites daquela que tem menor acircmbito 16 SANTOS JUSTO A dos Direitos reais 4ordfed Coimbra Coimbra Editora 2012 p201 RODRIGUES Manuel A posse Estudo de direito civil portuguecircs 4ordfed Coimbra Coimbra Editora 1996 p252 LIMA Fernando Andrade Pires de MATOS ANTUNES VARELA Joatildeo de Coacutedigo civil anotado VolIII 3ordfed Coimbra Coimbra Editora 1984 p15 OLIVEIRA ASCENSAtildeO Joseacute de Direito civil ndash reais 5ordfed Coimbra Coimbra Editora 2012 p115

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extraordinaacuteria eacute geralmente mais extenso e eventualmente a adiccedilatildeo seria insuficiente

para alcanccedilaacute-lo17

Mas uma pergunta ainda precisa ser respondida por que motivo o sucessor decidiria

natildeo somar o seu tempo de posse com o seu antecessor Por que razatildeo ele deixaria de

fazer algo que ao menos em princiacutepio o aproximaria do cumprimento dos requisitos

necessaacuterios para usucapir

O motivo mais visiacutevel seria o conhecimento da existecircncia de um viacutecio de origem na

posse do antecessor uma vez descoberta a injusticcedila eou a maacute feacute da posse do

transmitente o sucessor singular optaria por natildeo realizar a soma dos periacuteodos de

exerciacutecio para natildeo ldquocontaminarrdquo a posse que tem Eacute o entendimento exposto por Joseacute

de Oliveira Ascensatildeo

O possuidor pode ter interesse em invocar unicamente a sua posse e

natildeo se valer da do antecessor Isto aconteceraacute sempre que as

caracteriacutesticas da posse anterior impliquem uma qualificaccedilatildeo mais

desfavoraacutevel que natildeo seja compensada pela maior duraccedilatildeo que da

acessatildeo resultaria Assim aconteceraacute em muitos casos quando a posse

anterior for de maacute-feacute e a actual for de boa-feacute18

O problema eacute que se o sucessor inter vivos descarta a acessio com base no

conhecimento de que a posse do antecessor contraria direito alheio ele natildeo poderaacute

alegar que ignora tal fato Eacute o que fica subentendido na passagem acima notadamente

o trecho onde se lecirc ldquo() as caracteriacutesticas da posse anterior impliquem uma

qualificaccedilatildeo mais desfavoraacutevel que natildeo seja compensada pela maior duraccedilatildeo que da

acessatildeo resultariardquo A possibilidade da avaliaccedilatildeo daquilo que eacute mais ou menos

vantajoso soacute tem sentido se o accipiens tem conhecimento dos viacutecios da posse de

origem E se ele dispotildee desse conhecimento mesmo que decida natildeo realizar a acessio

jaacute seraacute possuidor de maacute-feacute Como consequecircncia ele soacute poderia usucapir na modalidade

extraordinaacuteria pois na modalidade ordinaacuteria a posse de boa-feacute eacute expressamente

exigida

Eacute necessaacuterio registrar que a maacute-feacute do accipiens natildeo pode ser presumida razatildeo pela

qual a ldquovaloraccedilatildeo eacutetica de sua condutardquo nesse sentido deve ser provada Eacute mesmo

possiacutevel imaginar que algueacutem com orientaccedilatildeo adequada de um profissional prefira

nem tomar conhecimento da situaccedilatildeo do seu antecessor para natildeo correr o risco de

17 Eacute a criacutetica incisivamente feita por ABREU Abiacutelio Vassalo ldquoA necessidade de uma mudanccedila jurisprudencial em mateacuteria de acessatildeo da posse (Art1256ordm do Coacutedigo Civil)rdquo In Revista da Ordem dos Advogados Lisboa outdez 2012 pp 1247-1322 p1294 18 OLIVEIRA ASCENCcedilAtildeO Joseacute de Direito civil ndash reais cit p115

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incorrer em maacute-feacute e soacute conte com o seu proacuteprio prazo para usucapir Ainda que tal

providecircncia soacute seja plausiacutevel novamente em funccedilatildeo de alguma suspeita de

irregularidade da posse antecedente qualquer questionamento acerca do conhecimento

ou natildeo dos viacutecios diz respeito aos viacutecios subjetivos da posse

De todo modo vecirc-se que a possibilidade de saneamento dos viacutecios objetivos pela natildeo

realizaccedilatildeo da acessio eacute em primeiro lugar tecnicamente questionaacutevel quando

analisada sob o prisma objetivo de que natildeo se pode transmitir mais direitos do que se

tem Jaacute no plano subjetivo a tese de que a opccedilatildeo pela natildeo realizaccedilatildeo da soma natildeo tenha

decorrido do conhecimento dos viacutecios de origem pelo sucessor natildeo eacute criacutevel ainda que

precise ser provada E se isto eacute assim ainda que se entenda que os viacutecios objetivos

tenham sido purgados o pretenso saneamento seria inoacutecuo sendo de maacute-feacute o sucessor

soacute poderaacute usucapir na modalidade extraordinaacuteria Assim ainda que existam boas

razotildees para natildeo realizar a soma das posses isso natildeo aumenta em nada as chances de

usucapir

3 Posse justa e de boa-feacute na aquisiccedilatildeo derivada o caso da posse ldquojusta

poreacutem ilegiacutetimardquo

Sendo a posse um direito eacute possiacutevel que haja questionamento acerca da regularidade

da transmissatildeo todas as normas atinentes agrave nulidade e agrave anulabilidade dos negoacutecios

juriacutedicos incidiriam na hipoacutetese E qual a consequecircncia de uma transmissatildeo feita por

negoacutecio juriacutedico invaacutelido Ela impediria a soma caso o sucessor a desejasse Obstaria a

aquisiccedilatildeo pela usucapiatildeo na modalidade ordinaacuteria

O entendimento de que a falta de uma transmissatildeo vaacutelida impede a acessio posto que

colocaria em xeque a proacutepria existecircncia de um ldquoantecessorrdquo e um ldquosucessorrdquo eacute

solidamente prevalecente na dogmaacutetica e na jurisprudecircncia portuguesa19 onde se o

negoacutecio eacute invaacutelido a adiccedilatildeo de posse eacute incabiacutevel Mas essa exigecircncia soacute tem fundamento

como requisito de uma posse justa por parte do accipiens e no pressuposto de que a do

tradens tambeacutem eacute justa visto que no caso oposto o viacutecio seria transmitido

Mas ainda que o negoacutecio juriacutedico seja invaacutelido haacute sucessor e antecessor ou seja haacute

produccedilatildeo de efeitos mesmo que comprometidos pela invalidade na transmissatildeo E

19 SANTOS JUSTO A dos Direitos reais 4ordfed cit p200 RODRIGUES Manuel A posse Estudo de direito civil portuguecircs cit p252 LIMA Fernando Andrade Pires de MATOS ANTUNES VARELA Joatildeo de Coacutedigo civil anotado VolIII 3ordfed cit p15 OLIVEIRA ASCENSAtildeO Direito civil ndash reais cit p115

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neste caso a posse adquirida eacute derivada razatildeo pela qual a regra que ldquoningueacutem pode

transmitir mais direitos do que temrdquo permanece atuante

Qualquer irregularidade na transmissatildeo soacute pode ter duas consequecircncias a invalidade

do tiacutetulo motivo pelo qual a posse seria injusta ou o questionamento acerca da

caracterizaccedilatildeo do justo tiacutetulo como tal tendo em vista o requisito da usucapiatildeo

ordinaacuteria Usando a terminologia de Manuel A Albaladejo ldquono plano juriacutedicordquo

qualquer que seja a dimensatildeo da incorreccedilatildeo na transmissatildeo o resultado praacutetico seria o

de uma posse injusta visto que ldquono plano faacuteticordquo o sucessor teria de fato os poderes

caracteriacutesticos de um possuidor regular pois age como se fosse o proprietaacuterio que

adquiriu a posse de outrem20

Em tais condiccedilotildees uma eventual invalidade do tiacutetulo natildeo impede a acessio eis que

efetivamente houve uma sucessatildeo no exerciacutecio faacutetico dos poderes inerentes agrave

caracterizaccedilatildeo da posse21 A consequecircncia possiacutevel na hipoacutetese seria a interdiccedilatildeo da via

que leva agrave usucapiatildeo ordinaacuteria mas natildeo por conta da injusticcedila da posse que daiacute

decorreria e sim em razatildeo de um eventual questionamento acerca do cumprimento do

requisito ldquojusto tiacutetulordquo especificamente exigido pelo Coacutedigo Civil brasileiro na

modalidade

Eacute ainda possiacutevel vislumbrar uma posse justa mas ilegiacutetima na aquisiccedilatildeo derivada

porque o caminho do negoacutecio juriacutedico natildeo configura viacutecio mesmo que ele seja

irregular Mas essa leitura pressupotildee uma diferenciaccedilatildeo entre as palavras ldquoviacuteciordquo e

ldquoobstaacuteculordquo na redaccedilatildeo do artigo 1200 do Coacutedigo Civil22 Isto porque se a posse injusta eacute

aquela que foi obtida de modo viciado (violecircncia clandestinidade ou precariedade) e a

posse de boa-feacute eacute aquela onde o possuidor ignora a ocorrecircncia de ldquoviacutecios ou obstaacuteculosrdquo

na sua aquisiccedilatildeo uma diferenciaccedilatildeo entre as duas palavras tambeacutem cria a oportunidade

de visualizaccedilatildeo de uma posse ldquojustardquo ndash por natildeo ter sido obtida por nenhuma das

formas indicadas na redaccedilatildeo do artigo 1200 do Coacutedigo Civil ndash mas de boa-feacute eis que o

possuidor ignora o ldquoobstaacuteculordquo de outro tipo existente em torno da posse que exerce Eacute

um outro caminho pelo qual eacute possiacutevel chegar ao resultado de uma posse justa e boa

para usucapir

20 ALBALADEJO Manuel A Derecho civil VolIII cit 2010 p73 21 ABREU Abiacutelio Vassalo ldquoA necessidade de uma mudanccedila jurisprudencial em mateacuteria de acessatildeo da posse (Art1256ordm do Coacutedigo Civil)rdquo cit p1297 CORDEIRO A Menezes A posse perspectivas dogmaacuteticas actuais 3ordfed Lisboa Almedina 2014 p136 LEITAtildeO MENEZES Luiacutes Manuel Teles de Direitos reais 4ordfed Lisboa Almedina 2013 p138 22 Art 1200 Eacute justa a posse que natildeo for violenta clandestina ou precaacuteria

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Seria esse o caso da posse obtida por meio de um negoacutecio juriacutedico nulo ou anulaacutevel

bem como no da aquisiccedilatildeo a non domino hipoacuteteses nas quais poder-se-ia dizer que natildeo

haacute propriamente ldquoviacuteciordquo mas tampouco uma posse escorreita Por isto alguns

doutrinadores fazem referecircncia a uma posse justa mas ldquoilegiacutetimardquo23 o que permitiria a

aquisiccedilatildeo pela usucapiatildeo ordinaacuteria que tem prazos menores quando comparada a

extraordinaacuteria

Mas aqui parece vigorar um eufemismo pois uma posse ldquojusta poreacutem ilegiacutetimardquo natildeo

altera o fato de que o direito do proprietaacuterio do bem a ser usucapido estaacute sendo

afrontado eis que o objetivo final eacute passar a ser o titular do direito que ele hoje tem Se

a posse eacute ldquoilegiacutetimardquo isso significa que o modo pelo qual ela foi obtida eacute de alguma

forma irregular E se a posse pode ser ldquojusta poreacutem ilegiacutetimardquo isto significa que o fato

dela ser irregular ndash contraacuteria ao direito portanto ndash natildeo eacute um elemento impeditivo da

usucapiatildeo E se a posse pode ser justa permanecer irregular e mesmo assim continuar

ldquoboa para usucapirrdquo para que serve falar de saneamento afinal

4 Questionando a ocorrecircncia dos viacutecios

A usucapiatildeo expressa o caso em que algueacutem perde a titularidade de um bem pelo fato

de que outra pessoa natildeo autorizada permaneceu exercendo posse sobre a coisa durante

um nuacutemero determinado de anos Em tais condiccedilotildees eacute difiacutecil ateacute visualizar como seria

possiacutevel uma ldquoposse justa ad usucapionemrdquo na aquisiccedilatildeo originaacuteria E essa dificuldade

eacute tatildeo grande que autores como Pinto Ferreira24 conceituaram a posse ad usucapionem

como sendo aquela ldquode quem se assenhoreia de uma res nullius defendendo-a mansa e

pacificamente durante o tempo previsto em leirdquo O raciociacutenio eacute desenvolvido tambeacutem

por Pedro Nunes

Do fato da posse nasce o direito agrave prescriccedilatildeo aquisitiva () Para

adquirir por este modo o pretendente toma sempre uma posse

perdida ou abandonada A perda ocorre quando o dono da coisa

manifesta expressa ou tacitamente a intenccedilatildeo de natildeo mais tecirc-la

como sua ou a natildeo ocupa ou a deixa por incuacuteria ou negligecircncia

inteiramente ao abandono por longo espaccedilo de tempo Reputa-se

voluntaacuteria a perda quando o possuidor ou o ausente tendo ciecircncia do

apoderamento por terceiro de sua propriedade conforma-se com a

situaccedilatildeo natildeo procurando reconquistaacute-la25

23 Eacute o caso em BITTAR Carlos Alberto Direitos reais 2ordfed Rio de Janeiro Forense 2011 p41 COELHO Faacutebio Ulhocirca Curso de direito civil Vol4 ndash direito das coisas e direito autoral 3ordfed Satildeo Paulo Saraiva 2010 p38 NASCIMENTO Tupinambaacute Miguel Castro do Posse e propriedade Porto Alegre Livraria do Advogado 1986 p102 24 FERREIRA Luiz Pinto Posse accedilatildeo possessoacuteria e usucapiatildeo 2ordfed Satildeo Paulo Saraiva 1983 p29 25 NUNES Pedro Do usucapiatildeo 4ordfed Rio de Janeiro Freitas Bastos 1984 p27

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Haacute que se concordar para que algueacutem tenha posse de um bem de maneira natildeo

autorizada sem violar o direito de outrem ndash ou seja de forma justa ndash e

simultaneamente exercecirc-la no intuito de se tornar o titular do direito de propriedade

sobre tal coisa eacute preciso que ela natildeo tenha dono

A outra forma em tese seria questionando a proacutepria ocorrecircncia do viacutecio Os

especialistas discutem largamente por exemplo os termos nos quais uma accedilatildeo pode

ser considerada violenta26 o seu emprego para remoccedilatildeo de cercas muros ou tapumes eacute

suficiente para caracterizaccedilatildeo do viacutecio ou apenas o embate fiacutesico com uma pessoa que

resista ao esbulho

Como indicado parte da doutrina27 tem se esforccedilado para encontrar meios de tornar

justa a posse natildeo autorizada com o objetivo de ampliar as chances de usucapir Para

este caso o problema eacute que a ningueacutem parece dada a possibilidade de seriamente

alegar que desconhece que o apossamento natildeo autorizado atraveacutes do qual efetiva sua

posse sobre um bem imoacutevel contraria direito de outrem E tal afirmaccedilatildeo natildeo tem

objetivo de pocircr em questatildeo o fato de que tal apossamento possa ser a uacuteltima via para

obtenccedilatildeo de direitos fundamentais como a moradia e o trabalho

Os conflitos fundiaacuterios urbanos e rurais ocorrem em decorrecircncia da necessidade de

melhor distribuiccedilatildeo do acesso aos direitos de propriedade em grande medida pautados

pelo questionamento acerca do cumprimento e das consequecircncias da natildeo observacircncia

da funccedilatildeo social exigida em cada hipoacutetese Mas mesmo nesses casos o que haacute eacute um

questionamento da manutenccedilatildeo do direito de propriedade em favor daquele que deixa

de efetivamente exercecirc-lo ou o que o faz de modo indevido Natildeo se trata do

desconhecimento acerca do fato de que o apossamento realizado em tais circunstacircncias

confronta o alegado direito de outrem

26 Eacute tradicional o entendimento de que a caracterizaccedilatildeo da violecircncia vai aleacutem do uso da forccedila contra a proacutepria pessoa do possuidor Por todos Caio Maacuterio da Silva Pereira alerta que ldquoPosse violenta (adquirida vi) a que se adquire por ato de forccedila seja ela natural ou fiacutesica seja moral ou resultante de ameaccedilas que incutam na viacutetima seacuterio receio A violecircncia estigmatiza a posse independentemente de exercer-se sobre a pessoa do espoliado ou de preposto seu como ainda do fato de emanar do proacuteprio espoliador ou de terceirordquo (SILVA PEREIRA Caio Maacuterio da Instituiccedilotildees de direito civil VolIV ndash Direitos reais 22ordfed atualizada por Carlos Edison do Rego Monteiro Filho Rio de Janeiro Forense 2009 p21 Atualmente surge a discussatildeo sobre se o emprego da forccedila para remoccedilatildeo de obstaacuteculos como cercas ou tapumes em um imoacutevel abandonado caracterizaria ainda assim a violecircncia da posse Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald consideram que ldquo() natildeo eacute considerada violenta a posse caso o uso da forccedila se justifique para a remoccedilatildeo de obstaacuteculos fiacutesicos para o ingresso em bens abandonados (vg destruiccedilatildeo de cadeados ou supressatildeo de cercas) Pensamos que soacute haacute violecircncia quando o apossamento resulta de uma conduta contraacuteria agrave vontade do possuidor pelo fato de a coisa ser arrebatada de algueacutem que a isso se oponhardquo FARIAS Cristiano Chaves de ROSENVALD Nelson Curso de direito civil cit p106 27 Como visto nos pontos 2 e 3 do presente texto

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Mas haacute uma diferenccedila como indicado no significado da palavra ldquoinjustardquo quando em

referecircncia ao modo como a posse foi obtida e quando em referecircncia ao conteuacutedo da

soluccedilatildeo dada pelo legislador Uma posse pode ser ldquoinjustardquo em um aspecto formal

decorrente do fato de que foi obtida de forma natildeo autorizada mas ldquojustardquo porque de

um lado natildeo vem sendo utilizada pelo proprietaacuterio e de outro representa a

materializaccedilatildeo de direitos fundamentais sociais negligenciados pelo Estado O fato eacute

que justiccedila material da ocupaccedilatildeo de terrenos abandonados por pessoas que natildeo tem

acesso aos direitos de moradia frente agrave proprietaacuterios negligentes natildeo eacute incompatiacutevel

com o reconhecimento de que o apossamento natildeo foi autorizado e neste sentido

formal gera uma posse injusta

Eacute o que ocorre na dramaacutetica situaccedilatildeo dos conflitos fundiaacuterios urbanos em torno da

moradia Em um importante estudo de campo acerca dos conflitos em torno da terra no

Recife de 1978 Joaquim Falcatildeo detectou em sua pesquisa que ldquoOs invasores querem

ser proprietaacuterios Justificam a invasatildeo de propriedade alheia porque sobre o direito de

usar e dispor segundo a livre vontade do proprietaacuterio deve prevalecer o direito de

moradia de todosrdquo28

Bem se vecirc daiacute que o questionamento da legitimidade da propriedade natildeo utilizada

pressupotildee logicamente o conhecimento da sua existecircncia enquanto tal Natildeo se pode

questionar aquilo que se ignora E se natildeo se ignora natildeo eacute possiacutevel afirmar a boa-feacute Por

isto eacute que a alegaccedilatildeo de que ldquonem sempre o apossamento natildeo autorizado vai gerar uma

posse injustardquo natildeo tem funccedilatildeo nenhuma na definiccedilatildeo das chances de usucapir29 Natildeo eacute

28 FALCAtildeO Joaquim ldquoJusticcedila social e justiccedila legal conflitos de propriedade no Reciferdquo In FALCAtildeO Joaquim (org) Invasotildees urbanas ndash conflitos de direito de propriedade 2ordfed Rio de Janeiro FGV Editora 2008 p112-113 29 Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald questionam a injusticcedila do apossamento de um imoacutevel abandonado com um objetivo claro impedir que a tomada natildeo autorizada seja qualificada como esbulho Essa desqualificaccedilatildeo tem uma funccedilatildeo especiacutefica a de interditar a via da reintegraccedilatildeo por parte do proprietaacuterio que natildeo cumpriria o requisito ldquoprova do esbulhordquo tal qual exigido pelo artigo 561do CPC15 Nesse sentido a reflexatildeo dos autores atua mais na dinacircmica processual do conflito do que no acircmbito material dos requisitos para a usucapiatildeo Mas o entendimento de que defendem a necessidade de uma posse justa para usucapir decorre do trecho no qual os autores esclarecem que ldquo() a posse derivada dos atos de violecircncia ou clandestinidade poderaacute gerar usucapiatildeo extraordinaacuteria (art1238 CC) posto natildeo se exigir como requisitos formais ao alcance da propriedade em tal modalidade originaacuteria o justo tiacutetulo e a boa-feacuterdquo (FARIAS Cristiano Chaves de ROSENVALD Nelson Curso de direito civil Vol5 reais 11ordfed Satildeo Paulo Atlas 2015 p110) Como demonstrado a posse de boa-feacute soacute pode ser justa na hipoacutetese em que o bem eacute uma res nullius No que caso em que a ocupaccedilatildeo natildeo se qualifica como esbulho a usucapiatildeo ordinaacuteria eacute impossiacutevel pela ausecircncia de boa-feacute No caso da aquisiccedilatildeo da posse a non domino seria perfeitamente possiacutevel e coerente reconhecer uma posse injusta (se tambeacutem era a do antecessor) e de boa-feacute se o sucessor natildeo tiver conhecimento do viacutecio de origem Nesse sentido a posse injusta natildeo impediria a usucapiatildeo em nenhuma modalidade e se manteria a coerecircncia interna ante a ideia de que toda posse ad usucapionem eacute necessariamente natildeo autorizada e contraacuteria aos interesses do titular do direito a ser usucapido Por tudo isso eacute possiacutevel reconhecer que tambeacutem os citados autores entendem equivocadamente que a justiccedila da posse amplia as modalidades da usucapiatildeo disponiacuteveis

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de boa-feacute a posse daqueles que ocupam imoacutevel alheio sem autorizaccedilatildeo do proprietaacuterio30

pois por mais que o apossamento seja moralmente justificaacutevel os possuidores natildeo

ignoram o fato de que o bem eacute de outra pessoa E se isto eacute assim a modalidade

disponiacutevel de usucapiatildeo no caso seria a extraordinaacuteria Natildeo pelo caraacuteter injusto da

posse e sim pelo fato dela ser exercida sem justo tiacutetulo e boa-feacute

Nessa linha a tese aqui defendida mostra a sua coerecircncia eacute possiacutevel questionar se o

apossamento configura efetivamente um esbulho31 mas natildeo o fato de que numa ou

noutra hipoacutetese natildeo se ignora que o direito de outrem estaacute sendo afrontado com a

efetivaccedilatildeo da posse natildeo autorizada

30 Este eacute justamente um dos pontos apontados pela doutrina para o fracasso da efetividade da hipoacutetese de aquisiccedilatildeo prevista no artigo 1228 sectsect 4ordm e 5ordm do Coacutedigo Civil Algueacutem pode dizer seriamente que a posse dessas pessoas por mais legiacutetima que possa ser eacute de boa-feacute no sentido de que se ignora que o ato entra em rota de colisatildeo com o direito de outrem Em um dos raros casos nos quais a hipoacutetese foi aplicada sob o nome de ldquodesapropriaccedilatildeo privadardquo os magistrados entenderam que a boa-feacute ldquo() entendida como posse justa natildeo violenta natildeo clandestina ou precaacuteriardquo estava presente no caso concreto em anaacutelise tendo em vista que ldquoAs guias de IPTU juntada (sic) aos autos ldquo() atestam a boa-feacute do recorrido jaacute que o proacuteprio Municiacutepio o reconhecia como proprietaacuterio da aacutereardquo Tribunal de Justiccedila de Minhas Gerais Apelaccedilatildeo Ciacutevel nordm 1028408009185-3005 Rel Des Rogeacuterio Coutinho J 11032015 publicado em 20032015 Disponiacutevel em httpwww5tjmgjusbrjurisprudenciapesquisaPalavrasEspelhoAcordaodoampnumeroRegistro=9amptotalLinhas=48amppaginaNumero=9amplinhasPorPagina=1amppalavras=2522desapropriaE7E3o20judicial2522amppesquisarPor=acordaoamppesquisaTesauro=trueamporderByData=1ampreferenciaLegislativa=Clique20na20lupa20para20pesquisar20as20referEAncias20cadastradasamppesquisaPalavras=Pesquisaramp Acesso em 10012016 31 A reflexatildeo sobre o conceito de ldquoesbulhordquo jaacute vem sendo feita pela doutrina mais progressista Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald fazem esse debate no seu manual precisamente no ponto jaacute citado em que consideram que o apossamento natildeo autorizado de um imoacutevel abandonado gera uma posse justa Eacute uma outra forma de dizer que esse ato natildeo configura esbulho Nesse caminho criacutetico do conceito tradicional existem estudos importantes (como os existentes em STROZAKE Juvelino Joseacute (Org) Questotildees agraacuterias ndash julgados comentados e pareceres Satildeo Paulo Meacutetodo 2002 principalmente os artigos de Roberto Delmanto Jr pp167-182 Antonio Scarance Fernandes pp293-310 e Dyrceu Aguiar Cintra Dias Jr pp 219-230) O debate tambeacutem jaacute chegou aos tribunais No STJ a decisatildeo de referecircncia sobre o tema estaacute no HC 4399SP No voto do Min Luiz Vicente Cernicchiaro o magistrado explicita as razotildees pelas quais concede o HC em favor dos integrantes do MST ldquoNo esbulho possessoacuterio o agente dolosamente investe contra a propriedade alheia a fim de usufruir um de seus atributos (uso) ou alterar os limites do domiacutenio para enriquecimento sem causa No caso dos autos ao contraacuterio diviso pressatildeo social para concretizaccedilatildeo de um direito (pelo menos-interesse) No primeiro caso contraste de legalidade compreende aspectos material e formal No segundo substancialmente natildeo haacute iliacutecito algumrdquo Superior Tribunal de Justiccedila HC nordm4399-SP Luiz Vicente Cernicchiaro Voto Vogal p02 Rel Min William Patterson julgado em 12031996 DJ 08041996 p10491 Disponiacutevel em lthttpwwwstjjusbrSCONjurisprudenciatocjspprocesso=4399ampampb=ACORampthesaurus=JURIDICOampp=truegt Acesso em 13022014 No acircmbito da accedilatildeo de reintegraccedilatildeo de posse movida pelo Governo de Satildeo Paulo contra a ocupaccedilatildeo das escolas estaduais realizada pelos estudantes secundaristas ndash como forma de protesto contra o plano de reorganizaccedilatildeo escolar empreendido pelo Governo daquele Estado ndash o Tribunal de Justiccedila considerou que ldquoNatildeo se antevecirc em suma o animus possidendi ou o animus rem sibi habendi autorizantes do tratamento possessoacuterio da mateacuteria mas antes expressotildees de desobediecircncia civil frente agrave autecircntica violecircncia ciacutevica de que se consideram viacutetimas os manifestantesrdquo E ainda ldquo() natildeo haacute nessa narrativa e nem nos autos qualquer evidecircncia que a entidade sindical queira de modo ilegal apropriar-se dos bens puacuteblicos referidos no recurso tecircm-se que como todos reconhecemos durante a sessatildeo de julgamento a absoluta inadequaccedilatildeo da pretendida proteccedilatildeo possessoacuteria e portanto o tangenciamento da carecircncia da accedilatildeo por falta de interesse de agirrdquo Tribunal de Justiccedila ndash SP Agravo de Instrumento nordm2243232-252015826000 7ordf Cacircmara de Direito Puacuteblico Rel Min Coimbra Schmidt Julgado em 23112015 Disponiacutevel em lthttpsesajtjspjusbrcposgshowdoprocessoforo=990ampprocessocodigo=RI0032WUQ0000gt Acesso em 25112015

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Esse eacute afinal o ponto relevante para definiccedilatildeo da posse apta a gerar a usucapiatildeo pois a

hipoacutetese que ora se desenvolve eacute a de que toda posse ad usucapionem eacute sempre e

necessariamente uma posse injusta sendo capaz de viabilizar a usucapiatildeo tanto

extraordinaacuteria quanto a ordinaacuteria Eacute perfeitamente possiacutevel que o sucessor na posse

natildeo tenha conhecimento da maacutecula que existiu na sua aquisiccedilatildeo pelo antecessor

hipoacutetese na qual teria posse injusta em funccedilatildeo da transmissatildeo do viacutecio com justo tiacutetulo

e boa-feacute Como a ldquoposse injustardquo em sentido formal eacute o mesmo que ldquoposse natildeo

autorizadardquo natildeo haveria impedimento em usucapir na modalidade ordinaacuteria

5 A influecircncia do tempo no saneamento dos viacutecios da posse

As estrateacutegias de saneamento tecircm como objetivo transformar uma posse inicialmente

injusta em uma posse justa no pressuposto de que tal requisito eacute imprescindiacutevel para

que se possa usucapir Mas tais estrateacutegias satildeo tatildeo amplas e variadas que o saneamento

se torna praticamente inevitaacutevel para uma parte da doutrina a simples manutenccedilatildeo da

posse pelo curto periacuteodo de 1 ano faz com que ela perca o viacutecio de origem e se torne

apta a viabilizar a usucapiatildeo

Esta interpretaccedilatildeo eacute decorrente de uma leitura muito particular da norma processual

que reserva a tutela liminar para os casos nos quais a posse tenha sido perdida haacute

menos de ano e dia32 Trata-se da diferenccedila entre a chamada ldquoposse novardquo e a ldquoposse

velhardquo Se a posse do esbulhador estiver sendo exercida haacute mais de 1 ano o esbulhado

perde a possibilidade de uma reintegraccedilatildeo liminar pois trata-se de uma ldquoposse velhardquo

Isto natildeo impede que o esbulhado obtenha uma medida mais ceacutelere mas ele precisaria

utilizar a via da tutela antecipada prevista no artigo 273 do CPC73 e que hoje como

espeacutecie do gecircnero tutela de urgecircncia tem o seu conteuacutedo regulado pelos artigos 294-

311 do CPC1533 De uma maneira geral o esbulhado precisaria de provas mais robustas

de que seu direito foi violado Vecirc-se que o tempo de exerciacutecio da posse pelo esbulhador

tem reflexo na dinacircmica processual da retomada mas natildeo na qualificaccedilatildeo da posse em

disputa que continua sendo injusta

32 Art 924 Regem o procedimento de manutenccedilatildeo e de reintegraccedilatildeo de posse as normas da seccedilatildeo seguinte quando intentado dentro de ano e dia da turbaccedilatildeo ou do esbulho passado esse prazo seraacute ordinaacuterio natildeo perdendo contudo o caraacuteter possessoacuterio 33 No CPC15 a tutela cautelar ndash pautada no fumus boni iuris e periculum in mora ndash e a tutela antecipada ndash baseada em verossimilhanccedila do que eacute alegado fundado receio de dano ou abuso do direito de defesa ndash foram reunidas em torno da tutela provisoacuteria nos seguintes termos Art294 A tutela provisoacuteria pode fundamentar-se em urgecircncia ou evidecircncia Paraacutegrafo uacutenico A tutela provisoacuteria de urgecircncia cautelar ou antecipada pode ser concedida em caraacuteter antecedente ou incidental Os requisitos para tais medidas em muito semelhantes aos termos do CPC revogado de uma maneira geral estatildeo regulados como indicado entre os artigos 294 e 311

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Poreacutem uma parte importante da doutrina civiliacutestica brasileira interpreta as diferenccedilas

estabelecias pelo direito processual como uma outra estrateacutegia de saneamento

decorrente da simples passagem do tempo O pensamento eacute o de que se reintegraccedilatildeo

liminar natildeo eacute mais possiacutevel isso significa que a posse inicialmente injusta se

transformou em posse justa Este entendimento eacute adotado por doutrinadores como por

exemplo Maria Helena Diniz que indica expressamente ldquo() se o adquirente a tiacutetulo

clandestino ou violento provar que sua clandestinidade ou violecircncia cessaram haacute mais

de ano e dia sua posse passa a ser reconhecida convalescendo-se dos viacutecios que a

maculavamrdquo34

Tal interpretaccedilatildeo eacute criticaacutevel porque o fato do possuidor esbulhado ter que fazer uma

prova mais consistente do seu direito para que obtenha a tutela antecipada natildeo

significa que a posse do esbulhador tenha passado a ser justa Significa apenas que

tendo em vista que o momento do esbulho natildeo eacute mais tatildeo niacutetido a prova para a

retomada da posse deve ser mais substancial para que a tutela seja concedida Mas o

apossamento natildeo autorizado ocorreu

Da mesma forma quando se tem em conta que natildeo haacute nenhuma modalidade de

usucapiatildeo com menos de 1 ano todas as vezes que o possuidor tiver superado tal prazo

o viacutecio teraacute sido expurgado razatildeo pela qual natildeo haveria hipoacutetese de possuidor com

tempo suficiente para usucapir que jaacute natildeo teria passado pelo ldquomarco saneadorrdquo35

Ainda entre os especialistas brasileiros Silvio Rodrigues36 defendeu a tese de que apoacutes

ano e dia de exerciacutecio da posse pelo esbulhador o possuidor esbulhado perderia o

direito de retomaacute-la pela via possessoacuteria cabendo apenas a accedilatildeo reivindicatoacuteria com

base no tiacutetulo Tal impossibilidade seria reflexo de que a posse inicialmente injusta pela

aquisiccedilatildeo violenta teria passado a ser justa tendo em vista a passagem do prazo

34 DINIZ Maria Helena Curso de direito civil brasileiro Vol4 ndash direito das coisas 26ordfed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p78 O posicionamento eacute tambeacutem encampado entre outros por NEDER Natal Usucapiatildeo de imoacuteveis 3ordfed Rio de Janeiro Forense 1989 p19 35 Tambeacutem por isso parece curiosa a hipoacutetese de saneamento pela passagem do tempo vislumbrada por COELHO Faacutebio Ulhocirca Curso de direito civil Vol4 ndash direito das coisas cit p39 ldquoA posse soacute deixa de ser violenta se o antigo possuidor natildeo se interessa pela retomada do bem ou natildeo obtendo sucesso no exerciacutecio do desforccedilo imediato desiste da luta Desaparecendo a violecircncia nesse caso a posse se torna justa () Em suma o desinteresse do desapossado em defender a sua posse descaracteriza a origem viciada da do novo possuidorrdquo De acordo com tal raciociacutenio todas as vezes que o possuidor tiver posse ad usucapionem pelo tempo necessaacuterio para usucapir a posse injusta teraacute se transformado em posse justa E se isso eacute assim para que serve o exame dos viacutecios objetivos 36 RODRIGUES Silvio Direito civil Vol5 ndash direito das coisas 28ordfed Satildeo Paulo Saraiva 2009 p25-27

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O raciociacutenio de Silvio Rodrigues parece uma meacutelange da soluccedilatildeo positivada em alguns

sistemas estrangeiros como vg no direito espanhol e no direito portuguecircs O

problema eacute que aqui ao contraacuterio do que ocorre nos ordenamentos dos dois maiores

paiacuteses da Peniacutensula Ibeacuterica natildeo haacute nenhuma disposiccedilatildeo normativa que ampare tal

interpretaccedilatildeo Em Portugal e na Espanha o decurso do prazo de um ano tem

primeiramente uma funccedilatildeo especiacutefica a de decretar o momento da perda da posse por

parte do possuidor esbulhado37 Eacute o mesmo raciociacutenio que no Brasil sustenta a previsatildeo

do artigo 122438 onde ainda que sem uma referecircncia objetiva de tempo eacute possiacutevel

verificar que o possuidor esbulhado natildeo perde o seu direito de posse no exato momento

em que ocorre a perda no plano faacutetico A funccedilatildeo dessa ficccedilatildeo39 tanto laacute quanto caacute

tambeacutem eacute a mesma garantir que natildeo haja soluccedilatildeo de continuidade no exerciacutecio da

posse quando intervalos intermitentes ocorrem40

De se ressaltar ainda que no ordenamento portuguecircs assim como no direito espanhol

o prazo de 1 ano corresponde tambeacutem agrave ldquocaducidaderdquo das accedilotildees de reintegraccedilatildeo ou

manutenccedilatildeo de posse41 Como o possuidor esbulhado natildeo pode mais utilizar tais accedilotildees

a interdiccedilatildeo da via possessoacuteria gera consequecircncias na compreensatildeo da manutenccedilatildeo dos

viacutecios No direito espanhol natildeo sem polecircmica o prazo de 1 ano de exerciacutecio da posse

pelo esbulhador configura hipoacutetese na qual ldquoel transcurso del tiempo sirve para

subsanar este vicio posesoriordquo42

37 Coacutedigo Civil espanhol ldquoArtiacuteculo 460 El poseedor puede perder su posesioacuten () 4 Por la posesioacuten de otro aun contra la voluntad del antiguo poseedor si la nueva posesioacuten hubiese durado maacutes de un antildeordquo Coacutedigo Civil portuguecircs ldquoArtigo 1267ordm (Perda da posse) 1 O possuidor perde a posse () d) Pela posse de outrem mesmo contra a vontade do antigo possuidor se a nova posse houver durado mais de um anordquo 38 Art 1224 Soacute se considera perdida a posse para quem natildeo presenciou o esbulho quando tendo notiacutecia dele se absteacutem de retornar a coisa ou tentando recuperaacute-la eacute violentamente repelido 39 No direito espanhol a doutrina diverge acerca do momento em que tem iniacutecio a posse do esbulhador Haacute quem entenda que a posse do esbulhador soacute tem iniacutecio apoacutes o prazo de 1 ano RODRIGUEZ-CANO Rodrigo Bercovitz Manual de derecho civil ndash derechos reales Madrid Bercal 2013 p77) Outros consideram que coexistem desde o iniacutecio duas posses sobre o bem posse de fato exercida pelo esbulhador e a posse de direito que ateacute o transcurso do prazo permanece na titularidade do esbulhado LOacutePEZ y LOacutePEZ Aacutengel M FERNANDEZ Rosario Valpuesta et all Derecho civil patrimonial Vol II Valencia Tirant lo Blanch 2014 p97 40 TEPEDINO Gustavo Comentaacuterios ao coacutedigo civil cit p192 DIacuteEZ-PICAZO Luis GULLOacuteN Antonio Sistema de derecho civil VolIII Tomo I (derechos reales en general) 8ordfed Madrid Tecnos 2013 p116 41 CORDEIRO Antoacutenio Menezes A posse perspectivas dogmaacuteticas actuais cit p112 SANTOS JUSTO A dos Direitos Reais 4ordfed cit p218 LOacutePEZ PAacuteSARO Eduardo Tutela Sumaria de la Posesioacuten (Interdicto de recobrar) Madrid Dykinson 2014 p187 O artigo 1282 do Coacutedigo Civil portuguecircs indica que ldquoA acccedilatildeo de manutenccedilatildeo bem como as de restituiccedilatildeo da posse caducam se natildeo forem intentadas dentro do ano subsequente ao acto da turbaccedilatildeo ou do esbulho ou ao conhecimento dele quando tenha sido praticado a ocultasrdquo Jaacute o diploma civil espanhol preceitua no seu artigo 19681 do Coacutedigo Civil espanhol ldquo Artiacuteculo 1968 Prescriben por el transcurso de un antildeo 1La accioacuten para recobrar o retener la posesioacutenrdquo 42 RODRIGUEZ-CANO Rodrigo Bercovitz Manual de derecho civil ndash derechos reales cit p73 No mesmo sentido ALBALADEJO Manuel A Derecho civil VolIII cit p63 DIacuteEZ-PICAZO Luis Fundamentos del derecho civil patrimonial VolIII las relaciones juriacutedico-reales el registro de la propiedad la posesioacuten 5ordfed Madrid Civitas 2008 p689

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Jaacute no direito portuguecircs o Coacutedigo Civil eacute expresso acerca da possibilidade de

saneamento dos viacutecios43 e a doutrina encampa unanimemente o entendimento de que

a posse eacute violenta ndash portanto injusta ndash apenas no tempo de duraccedilatildeo de seus efeitos44

Ou seja a posse violenta clandestina ou precaacuteria perde a condiccedilatildeo de viciosa no exato

instante em que se estabiliza Apoacutes a cessaccedilatildeo da violecircncia a posse passa a ser

perfeitamente apta a gerar a usucapiatildeo45

Mas ideia de que a posse eacute injusta apenas enquanto houver violecircncia ou

clandestinidade ao contraacuterio do direito luso natildeo tem respaldo no ordenamento

brasileiro apesar de ser defendida por nomes como os de Lenine Nequete46 e Arnoldo

Wald47 O artigo 1208 do Coacutedigo Civil alocado no capiacutetulo referente agrave aquisiccedilatildeo da

posse dispotildee claramente que ldquoNatildeo induzem posse os atos de mera permissatildeo ou

toleracircncia assim como natildeo autorizam a sua aquisiccedilatildeo os atos violentos ou clandestinos

senatildeo depois de cessar a violecircncia ou a clandestinidaderdquo Ou seja aqui enquanto a

violecircncia estiver sendo empregada natildeo haacute posse Apoacutes a sua cessaccedilatildeo a posse advinda

de tais atos eacute posse mas posse injusta48

Natildeo haacute duacutevida portanto de que o prazo de ldquoano e diardquo tem uma funccedilatildeo importante No

direito espanhol o prazo serve como marco da perda da posse da impossibilidade de

utilizaccedilatildeo das accedilotildees possessoacuterias e de saneamento dos viacutecios objetivos No direito

portuguecircs serve igualmente de referecircncia para identificaccedilatildeo do momento de perda da

posse e da caducidade da via possessoacuteria ao passo que os viacutecios satildeo considerados

sanados apoacutes a cessaccedilatildeo de seus efeitos

Em ambos os ordenamentos o expurgo dos viacutecios pela passagem do tempo tem

respaldo normativo ainda que as criacuteticas anteriormente feitas a este raciociacutenio no

direito brasileiro tambeacutem sejam aplicaacuteveis a tais sistemas natildeo havendo tambeacutem neles

nenhuma modalidade de usucapiatildeo com menos de 1 ano a ideia do saneamento da

43 Artigo 1297ordm (Posse violenta ou oculta) Se a posse tiver sido constituiacuteda com violecircncia ou tomada ocultamente os prazos da usucapiatildeo soacute comeccedilam a contar-se desde que cesse a violecircncia ou a posse se torne puacuteblica 44 Por todos CARVALHO Orlando de Direito das coisas Coimbra Coimbra Editora 2012 p283 45 FRANCcedilA PITAtildeO Joseacute Antoacutenio de Posse e usucapiatildeo Lisboa Almedina 2007 p74 FERREIRA Durval Posse e usucapiatildeo 3ordfed Lisboa Almedina 2008 p319 OLIVEIRA ASCENCcedilAtildeO Joseacute de Direito civil ndash reais cit p116 46 NEQUETE Lenine Da prescriccedilatildeo aquisitiva (usucapiatildeo) Porto Alegre Ediccedilatildeo Sulina 1954 p80 47 WALD Arnoldo Direito Civil direito das coisas Vol4 Satildeo Paulo Saraiva 2011 pp103-104 48 Segundo esclarece Joseacute Carlos Moreira Alves ldquo() para o Coacutedigo Civil brasileiro () enquanto materialmente existentes ndash ou seja enquanto se pratica a violecircncia ou haacute clandestinidade ndash impedem [tais viacutecios] a aquisiccedilatildeo ateacute da possessio ad interdicta havendo apenas detenccedilatildeo independente e uma vez cessados em sua materialidade surge a posse embora qualificada como injusta que produz as consequecircncias de qualquer posse injustardquo MOREIRA ALVES Joseacute Carlos ldquoA detenccedilatildeo no direito civil brasileiro (conceito e casos)rdquoIn CAHALI Yussef Said Posse e propriedade doutrina e jurisprudecircncia Satildeo Paulo Saraiva 1987 p20

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mesma forma que aqui natildeo tem funccedilatildeo nenhuma porque sempre que o usucapiente

tiver prazo para usucapir os viacutecios teratildeo deixado de existir

De se ressaltar ainda que o proacuteprio Silvio Rodrigues reconheceu que a sua tese natildeo

tinha fundamento legal Na nota de rodapeacute 28 do seu livro ldquoDireito das Coisasrdquo49 o

autor demonstrou que entendia que o Coacutedigo de Processo Civil de 1939 tinha extirpado

a ldquoaccedilatildeo de forccedila velha expoliativardquo do ordenamento brasileiro razatildeo pela qual para o

possuidor de mais de 1 ano e dia caberia apenas a via petitoacuteria o que sanearia o viacutecio na

aquisiccedilatildeo Isto porque segundo sua interpretaccedilatildeo ldquoBasta que ela [a posse] se estenda

pacificamente ou publicamente durante o intervalo de ano e dia para que fique

purgada de seus defeitosrdquo50 Mas o proacuteprio autor admitiu ao final da nota de rodapeacute

28 que o CPC de 73 ldquoextirpou a duacutevidardquo que poderia existir em torno da possibilidade

de accedilatildeo de reintegraccedilatildeo com mais de 1 ano e dia do esbulho que ldquomesmo intentadas

apoacutes o intervalo de ano e dia natildeo perdem o seu caraacuteter acessoacuteriordquo51 Mesmo criticando

a soluccedilatildeo do CPC reconhece que ldquo() a vontade do legislador manifestada de forma

irrefutaacutevel que deve prevalecerrdquo52 Fica claro portanto que natildeo haacute fundamento legal

para a tese de que a posse injusta se transforma em posse justa apoacutes ano e dia

6 Saneamento pelo cumprimento da funccedilatildeo social

Alguns estudos mais recentes tecircm indicado que os viacutecios objetivos da posse podem ser

considerados sanados uma vez constatado o cumprimento da funccedilatildeo social por parte do

esbulhador53

Mas o saneamento pelo cumprimento da funccedilatildeo social da posse pode ser

primeiramente criticado por que natildeo haacute qualquer dispositivo normativo em vigor no

ordenamento juriacutedico brasileiro que defina o que eacute e qual eacute o conteuacutedo da funccedilatildeo social

da posse A doutrina tem buscado dar substacircncia ao princiacutepio pela conexatildeo que

tradicionalmente eacute feita entre funccedilatildeo social da posse e a efetivaccedilatildeo de direitos

fundamentais como os de moradia e trabalho

49 RODRIGUES Silvio Direito civil Vol5 ndash direito das coisas cit p30 50 RODRIGUES Silvio Direito civil Vol5 ndash direito das coisas cit p30 51 O CPC15 eacute claro acerca do caraacuteter possessoacuterio da accedilatildeo proposta apoacutes o prazo de ldquoano e diardquo Art558 Regem o procedimento de manutenccedilatildeo e de reintegraccedilatildeo de posse as normas da Seccedilatildeo II deste Capiacutetulo quando a accedilatildeo for proposta dentro de ano e dia da turbaccedilatildeo ou do esbulho afirmado na peticcedilatildeo inicial Paraacutegrafo uacutenico Passado o prazo referido no caput seraacute comum o procedimento natildeo perdendo contudo o caraacuteter possessoacuterio 52 RODRIGUES Silvio Direito civil Vol5 ndash direito das coisas cit p30 nota28 53 MELO Marco Aureacutelio Bezerra de Curso de direito civil Vol5 ndash direito das coisas 2015 p73 FARIAS Cristiano Chaves de ROSENVALD Nelson Curso de direito civil Vol5 ndash reais cit p119

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Eacute possiacutevel tentar extrair essa conexatildeo da relaccedilatildeo entre posse e propriedade

considerando que a propriedade deve cumprir a funccedilatildeo social a posse tambeacutem deve ser

lida como subordinada a tal princiacutepio Mas se a funccedilatildeo social da propriedade eacute em

grande medida a ldquofunccedilatildeo social da posse exercida pelo proprietaacuteriordquo54 seraacute viaacutevel dizer

que o contraacuterio tambeacutem eacute verdadeiro Um possuidor de uma aacuterea de grande extensatildeo

de terra na zona rural estaacute obrigado a cumprir os mesmos preceitos direcionados ao

proprietaacuterio estabelecidos no artigo 184 da Constituiccedilatildeo E qual seria a consequecircncia

do descumprimento desse conteuacutedo por parte de quem eacute apenas o possuidor E no caso

da posse urbana qual o conteuacutedo a ser cumprido para que a funccedilatildeo social seja

contemplada

A falta de uma definiccedilatildeo sobre o conteuacutedo objetivamente definido para a funccedilatildeo social

da posse prejudica enormemente a sua utilizaccedilatildeo como criteacuterio para avaliaccedilatildeo do o

expurgo dos viacutecios objetivos Aleacutem de desnecessaacuteria a possibilidade do saneamento

atraveacutes de um princiacutepio tatildeo ldquomaleaacutevelrdquo tem como consequecircncia o seu reconhecimento

em um sem nuacutemero de situaccedilotildees tatildeo diacutespares que fica difiacutecil enxergar em que

circunstacircncia qualquer exerciacutecio regular da posse natildeo o atenderia

Nos tribunais fala-se em cumprimento da funccedilatildeo social quando a posse de um terreno eacute

utilizada para criaccedilatildeo de galinhas55 quando mesmo sem comprovar o tempo

necessaacuterio o possuidor prova que construiu lojas e quitinetes no imoacutevel que pretendia

usucapir56 ou ainda quando o imoacutevel a ser usucapido foi utilizado como garagem e aacuterea

de lazer durante o lapso temporal necessaacuterio agrave usucapiatildeo57

54 DANTAS Marcus Eduardo de Carvalho ldquoDa funccedilatildeo social da propriedade agrave funccedilatildeo social da posse exercida pelo proprietaacuterio ndash uma proposta de releitura do princiacutepio constitucionalrdquo RIL ndash Revista de Informaccedilatildeo Legislativa ano 52 n 205 p23-38 Mar 2015 p34 DANTAS Marcus Eduardo de Carvalho ldquoFunccedilatildeo social nos conflitos fundiaacuteriosrdquo Revista Direito GV Satildeo Paulo v9 n 2 p465-488 Dec 2013 p479 55 Tribunal de Justiccedila do Rio de Janeiro Apelaccedilatildeo nordm 0003045-5320028190061 Rel Des Gilda Maria

Dias Carrapatoso Julgamento 31072013 13ordf Cacircmara Ciacutevel Disponiacutevel em

httpwww1tjrjjusbrgedcachewebdefaultaspxUZIP=1ampGEDID=0004CC331928D8D3A72C15733D

069BD44D8BC50237206304 Acesso em 12032015 56 Tribunal de Justiccedila do Rio de Janeiro Apelaccedilatildeo nordm 0034331-2420108190205 Rel Des Andreacute

Ribeiro Julgamento 05062013 7ordf Cacircmara Ciacutevel Disponiacutevel em

httpwww1tjrjjusbrgedcachewebdefaultaspxUZIP=1ampGEDID=000421376D950C28F7B805418EE

F244E6857C5022B4D2D4CAcesso em 12032015 57 Tribunal de Justiccedila do Rio de Janeiro Apelaccedilatildeo nordm 0096918-8820058190001 Rel Des Antocircnio

Saldanha Palheiro Julgamento 12042011 5ordf Cacircmara Ciacutevel Disponiacutevel em

httpwww1tjrjjusbrgedcachewebdefaultaspxUZIP=1ampGEDID=0003FDB81056920E5F12D511F73

43C44001098C403252532 Acesso em 12032015

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Natildeo se trata aqui de uma avaliaccedilatildeo moral acerca daquilo que deve ou natildeo ser

considerado como o conteuacutedo da funccedilatildeo social A questatildeo eacute que sem um conteuacutedo bem

especificado a funccedilatildeo social deixa de ser um mecanismo de qualificaccedilatildeo da posse ela

natildeo tem serventia alguma como mecanismo de diferenciaccedilatildeo Se a utilizaccedilatildeo de um

terreno como garagem e lazer corresponde ao exerciacutecio da posse com funccedilatildeo social em

que circunstacircncia o exerciacutecio puro e simples da posse natildeo corresponderia a tal

princiacutepio Basta natildeo realizar uma atividade iliacutecita para cumprir a funccedilatildeo social da

posse Qual a diferenccedila entre ldquoter posserdquo e ldquoter posse com funccedilatildeo socialrdquo

A segunda linha de criacutetica se orienta pelo fato de que nem todas as modalidades de

usucapiatildeo existentes no ordenamento brasileiro tecircm uma conexatildeo visiacutevel com os temas

tradicionalmente considerados como caracteriacutesticos da funccedilatildeo social A usucapiatildeo

extraordinaacuteria prevista no caput do artigo 1238 do Coacutedigo Civil58 por exemplo natildeo

exige do possuidor que exerccedila a posse com fins de moradia tampouco que utilize o

imoacutevel como fonte de trabalho Isso mostra que o Coacutedigo diferencia as situaccedilotildees nas

quais a posse eacute exercida como meio de efetivaccedilatildeo dos direitos tradicionalmente

afinados com uma ideia geral de funccedilatildeo social e aquelas nas quais a posse eacute exercida

regularmente mas sem tal qualificaccedilatildeo especial Em tais condiccedilotildees o entendimento de

que a injusticcedila original da posse pode ser sanada pelo cumprimento da funccedilatildeo social

para a usucapiatildeo em geral ficaria ainda uma vez sem sentido pois o diploma civil natildeo

exige que a posse seja exercida como moradia ou fonte de trabalho em todas as

modalidades da usucapiatildeo

7 O ldquoteste do uso incompatiacutevelrdquo e a funccedilatildeo da posse injusta na usucapiatildeo

Apesar de todo esforccedilo doutrinaacuterio na defesa de formas pelas quais a posse injusta pode

deixar para traacutes o seu viacutecio de origem a doutrina tem um posicionamento tatildeo soacutelido

quanto incoerente acerca do viacutecio da precariedade o de que ele natildeo convalesce nunca

O entendimento eacute defendido por quase59 a totalidade dos especialistas sob o

58 Art 1238 Aquele que por quinze anos sem interrupccedilatildeo nem oposiccedilatildeo possuir como seu um imoacutevel adquire-lhe a propriedade independentemente de tiacutetulo e boa-feacute podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentenccedila a qual serviraacute de tiacutetulo para o registro no Cartoacuterio de Registro de Imoacuteveis Paraacutegrafo uacutenico O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-aacute a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imoacutevel a sua moradia habitual ou nele realizado obras ou serviccedilos de caraacuteter produtivo

59 Francisco Eduardo Loureiro eacute uma boa exceccedilatildeo agrave leitura predominante Nesse sentido ldquoDiz-se que a posse precaacuteria nunca gera usucapiatildeo Na verdade eacute ela imprestaacutevel para usucapiatildeo natildeo porque eacute injusta mas porque o precarista natildeo tem animus domini uma vez que reconhece a supremacia e o melhor direito do terceiro sobre a coisa Caso poreacutem natildeo reconheccedila ou deixe de reconhecer essa posiccedilatildeo e revele isso de modo inequiacutevoco e claro ao titular do domiacutenio para que este possa reagir e retomar a coisa nasce nesse momento o prazo para usucapiatildeo porque o requisito animus domini estaraacute entatildeo presente LOUREIRO Francisco Eduardo ldquoDireito das coisas (arts 1196-1510)rdquo In PELUSO Cezar (Coord) Coacutedigo civil interpretado Satildeo Paulo Manole 2008 p1092-1093

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argumento de que o descumprimento do dever de restituiccedilatildeo do bem soacute deixa de existir

quando a coisa eacute devolvida Enquanto o bem permanece com o esbulhador a posse

permanece injusta e nenhuma das taacuteticas anteriormente analisadas seria suficiente

para modificar tal condiccedilatildeo

Trata-se de uma interpretaccedilatildeo no miacutenimo insoacutelita pois acaba tornando o viacutecio da

precariedade mais grave que os outros se o esbulhador usa a violecircncia fiacutesica contra a

pessoa do esbulhado ele pode ver tal viacutecio sanado das formas mais diversas se a

aquisiccedilatildeo se daacute pela recusa da restituiccedilatildeo isso natildeo seria de forma alguma possiacutevel pela

ldquoquebra da confianccedilardquo Mas por que a ldquoquebra da confianccedilardquo eacute mais grave que o uso da

forccedila fiacutesica Aleacutem de natildeo parecer razoaacutevel trata-se de uma interpretaccedilatildeo que atribui

uma vantagem injustificaacutevel em favor do proprietaacuterio Independentemente do que ele

tiver feito ou deixado de fazer para retomar o bem o fato da posse ser injusta

bloquearia a usucapiatildeo para sempre

Como indicado a discussatildeo acerca das circunstacircncias nas quais algueacutem pode se tornar

proprietaacuterio pela usucapiatildeo eacute tambeacutem uma discussatildeo acerca das condiccedilotildees nas quais

algueacutem pode legitimamente exercer o seu direito de propriedade Eacute possiacutevel

reconhecer poreacutem que a doutrina brasileira tem dado uma ecircnfase talvez desmesurada

na atuaccedilatildeo do possuidor deixando de investigar a dimensatildeo real do papel do

proprietaacuterio nesse jogo Soacute haveraacute usucapiatildeo se o proprietaacuterio de algum modo se

mantiver inerte na recuperaccedilatildeo do bem E se o proprietaacuterio deixou de tomar as

providencias necessaacuterias agrave tutela do seu direito durante um periacuteodo que pode variar de

2 a 15 anos eacute porque ele tambeacutem contribuiu para a consolidaccedilatildeo da posse do

usucapiente Como seria o cenaacuterio se a ecircnfase no processo recaiacutesse sobre o

proprietaacuterio Se independentemente da preocupaccedilatildeo com a caracterizaccedilatildeo de

eventuais viacutecios da posse incidisse principalmente sobre o titular a responsabilidade de

agir para que a usucapiatildeo natildeo se consumasse

Um caso interessante nesse sentido ndash e pouco estudado no Brasil ndash eacute o chamado

ldquoJAPye (Oxford) Ltd v Grahamrdquo ou apenas ldquoCase Pyerdquo como ficou conhecido De

forma muito resumida a empresa do ramo imobiliaacuterio JA Pye (Oxford) Ltd adquiriu

um terreno em Berkshire oeste de Londres com o objetivo de desenvolver um

empreendimento imobiliaacuterio e obteve o respectivo registro como proprietaacuteria da aacuterea

Apoacutes realizar a venda de uma parte do terreno a empresa inglesa celebrou um contrato

de 1 ano com a famiacutelia Graham por meio do qual seus integrantes ficavam autorizados a

utilizar os 25 hectares restantes da aacuterea como pasto Apoacutes o teacutermino do contrato os

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Graham procuraram a empresa com objetivo de obter uma renovaccedilatildeo mas a J A Pye

Ltd se recusou a fazecirc-lo Apesar disso Caroline e Michael Graham continuaram a

ocupar o terreno e a utilizaacute-lo como pasto por mais 12 anos com o conhecimento da

empresa mas sem o seu consentimento ainda que a J A Pye Ltd tenha se mantido

inerte quanto agraves providecircncias necessaacuterias para impedir a permanecircncia natildeo autorizada

dos Graham no local Apoacutes os 12 anos de exerciacutecio natildeo autorizado da posse os Graham

solicitaram o reconhecimento dos seus direitos sobre a referida aacuterea o que foi

concedido pelo registro com base na ldquoadverse possessionrdquo ou seja na usucapiatildeo

A decisatildeo gerou um sem nuacutemero de polecircmicas e modificaccedilotildees de rumo chegando ateacute

ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos onde no julgamento da Queixa

nordm4430202 foi dado ganho de causa ao Reino Unido e por consequecircncia agrave famiacutelia

Graham Em um primeiro momento a ldquoCourt of Appealrdquo deu decisatildeo favoraacutevel agrave

empresa ldquoPyerdquo com base entre outros motivos no fato de que a famiacutelia Graham natildeo

tinha ldquothe necessary intention to possessrdquo ou seja o acircnimo de dono Considerando-se

que no direito inglecircs vigora o chamado ldquoprocedural approachrdquo no que tange agrave usucapiatildeo

ndash a ecircnfase no aspecto processual da disputa ndash a referecircncia ao animus possidendi foi

considerada uma inovaccedilatildeo surpreendente60 De fato uma vez que os agricultores

permaneceram apenas fazendo aquilo que jaacute faziam quando do contrato em vigor os

julgadores da ldquoCourt of Appealrdquo entenderam que natildeo havia a intenccedilatildeo de passar a ser o

dono do lugar contrapondo-se frontalmente ao direito da empresa61 A decisatildeo foi

objeto de recurso agrave ldquoHouse of Lordsrdquo que deu ganho de causa agrave Caroline Graham62

Ainda inconformada a empresa ldquoPyerdquo entrou com novo recurso e como indicado o

caso chegou ateacute ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos sob a alegaccedilatildeo de que o

Reino Unido havia violado o direito de propriedade da J A Pye Ltd descumprindo a

garantia prevista no artigo 1ordm do Protocolo Adicional nordm 1 da Convenccedilatildeo Europeia dos

Direitos do Homem63 A decisatildeo final foi favoraacutevel ao Reino Unido e

60 RADLEY-GARNER Oliver ldquoCivilized Squattingrdquo Oxford Journal of Legal Studies (winter 2005) 25 (04) p728 61 A discussatildeo pode ser conhecida em httpwwwpublicationsparliamentukpald200102ldjudgmtjd020704graham-3htm Acesso em 13122014 62 O voto de maior peso no julgamento foi o de Lord Browne-Wilkinson por ter considerado que ao contraacuterio do que se exigia ateacute entatildeo a partir do momento em que os Graham continuaram a pastorear a terra sem a autorizaccedilatildeo da ldquoJAPyerdquo eles passaram a ter posse em nome proacuteprio o que independentemente de um conflito aberto seria suficiente para viabilizar a adverse possession O voto na iacutentegra pode ser lido em ldquoHouse of Lords Judgments ndash J A Pye (Oxford) Ltd and Others v Graham and Another on 4 July 2002rdquo httpwwwpublicationsparliamentukpald200102ldjudgmtjd020704graham-1htm Acesso em 13122014 63 ldquoQualquer pessoa singular ou colectiva tem direito ao respeito dos seus bens Ningueacutem pode ser privado do que eacute sua propriedade a natildeo ser por utilidade puacuteblica e nas condiccedilotildees previstas pela lei e pelos princiacutepios gerais do direito internacional

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consequentemente agrave famiacutelia Graham sob diversos argumentos Destacam-se para fins

do presente estudo a ideia de que a usucapiatildeo deve ser encarada como um mecanismo

de controle ou regulamentaccedilatildeo do uso dos bens eis que eacute de interesse geral saber quem

efetivamente eacute responsaacutevel pelo imoacutevel bem como pelos tributos decorrentes de tal

condiccedilatildeo o que remete agrave seguranccedila juriacutedica 64

Entre diversas questotildees importantes o episoacutedio mostra como em grande medida a

dogmaacutetica juriacutedica brasileira tem abordado o tema da usucapiatildeo de maneira a ampliar

os poderes do proprietaacuterio Uma atenccedilatildeo desmesurada tem sido dada agrave posse do

usucapiente sempre cheia de requisitos a cumprir escamoteando-se as

responsabilidades do titular do direito a ser usucapido

Desde logo salta aos olhos o fato de que na hipoacutetese do ldquoCase Pyerdquo o poder da famiacutelia

Graham sobre o terreno poderia no Brasil ser qualificado como uma situaccedilatildeo de mera

toleracircncia hipoacutetese na qual natildeo haveria verdadeiramente posse conforme indicaccedilatildeo do

artigo 1208 do Coacutedigo Civil brasileiro Mas eacute preciso reconhecer que apesar da empresa

ldquoPyerdquo ter ldquotoleradordquo a presenccedila dos Graham o fato eacute que a ineacutercia de ldquoPyerdquo se deu em

momento posterior agrave negativa de renovaccedilatildeo do contrato o que demonstra o interesse

em natildeo perpetuar a presenccedila da famiacutelia Graham no local A recusa agrave renovaccedilatildeo e a

ineacutercia fariam entatildeo com que a hipoacutetese passasse a ser encarada como uma ldquoposse

precaacuteriardquo justamente o viacutecio que a doutrina brasileira insiste em considerar insanaacutevel

e portanto incapaz de gerar a usucapiatildeo

Mas o episoacutedio mostra que quando algueacutem exerce posse sobre o bem de outrem

diversos pontos de vista podem ser utilizados para analisar a questatildeo o proprietaacuterio

permitiu tal exerciacutecio Ele tomou as providecircncias necessaacuterias para recuperar o bem O

possuidor adverso sabia que o bem era de outra pessoa e se negou a devolvecirc-lo

As condiccedilotildees precedentes entendem - se sem prejuiacutezo do direito que os Estados possuem de pocircr em vigor as leis que julguem necessaacuterias para a regulamentaccedilatildeo do uso dos bens de acordo com o interesse geral ou para assegurar o pagamento de impostos ou outras contribuiccedilotildees ou de multasrdquo No original ldquoThe preceding provisions shall not however in any way impair the right of a State to enforce such laws as it deems necessary to control the use of property in accordance with the general interest or to secure the payment of taxes or other contributions or penaltiesrdquo European Court of Human Rights ldquoCase JA Pye (Oxford) Ltd and JA Pye (Oxford) Land Ltd v The United Kingdom Alleged Violation of Article 1 of Protocol nordm 1 Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-82172itemid[001-82172] Acesso em 03032014 64 ABREU Abiacutelio Vassalo Titularidade Registral do Direito de Propriedade Imobiliaacuteria versus usucapiatildeo (adverse possession) Coimbra Coimbra Editora 2011 p83

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Nesses termos o modelo processual inglecircs indica que a reflexatildeo acerca da usucapiatildeo

tambeacutem deve englobar uma meditaccedilatildeo sobre a atuaccedilatildeo do proprietaacuterio na recuperaccedilatildeo

do seu direito pois nada acontece se ele agir de maneira ceacutelere Mesmo apoacutes a negativa

de permanecircncia da famiacutelia Graham a empresa Pye permaneceu 12 anos sem tomar as

providecircncias necessaacuterias para a desocupaccedilatildeo do local Eacute um espaccedilo consideraacutevel de

tempo Seria razoaacutevel entender que por ser ldquoinsanaacutevelrdquo o viacutecio da precariedade nunca

admitiria a consumaccedilatildeo da usucapiatildeo em favor dos Graham

Aleacutem de problemaacutetica essa interpretaccedilatildeo ressuscita o problema da ldquoposse eternamente

injustardquo o esbulhador nunca poderia usucapir mesmo se o esbulhado natildeo procurar

retomar a sua posse Ao que tudo indica a impossibilidade de saneamento do viacutecio da

precariedade reflete a um imperativo moral a quebra da confianccedila depositada deve ser

punida com a perenidade do caraacuteter injusto E aqui se abre a oportunidade de discutir

afinal qual eacute a funccedilatildeo da anaacutelise da injusticcedila como meio de barreira para a usucapiatildeo

Quando se faz referecircncia agraves diversas teacutecnicas de saneamento dos viacutecios eacute preciso

reconhecer que elas natildeo podem ser lidas como um modo de suplantar o fato de que a

posse do usucapiente natildeo foi autorizada e eacute exercida de forma contraacuteria aos interesses

do titular porque essa eacute uma condiccedilatildeo necessaacuteria para que a usucapiatildeo ocorra Ainda

que natildeo haja uma ldquobatalha campalrdquo em busca da posse ldquoCrucially the adverse

possessorrsquos use must be without permission (ldquoadverserdquo)rdquo65 A aquisiccedilatildeo sem autorizaccedilatildeo

e o exerciacutecio contraacuterio aos interesses do titular satildeo pressupostos para a usucapiatildeo

Em tais condiccedilotildees as estrateacutegias que visam a ldquoeliminaccedilatildeo da injusticcedilardquo pelo expurgo

dos viacutecios de origem soacute podem ser compreendidas como vias pelas quais se pretende

superar o chamado ldquoparadoxo moralrdquo66 aparentemente existente em torno da proacutepria

ideia de usucapiatildeo qual a justificativa para que algueacutem perca o seu direito de

propriedade em funccedilatildeo da atuaccedilatildeo natildeo autorizada de outra pessoa

Mas a falta de precisatildeo doutrinaacuteria na referecircncia agrave justiccedila ou injusticcedila da posse faz com

que a exigecircncia de que a posse ad usucapionem seja uma posse ldquojustardquo gere a falsa

ideia de que a atuaccedilatildeo do usucapiente estaacute em conformidade com o direito E as

estrateacutegias de saneamento reforccedilam essa confusatildeo ao se voltarem para o modo como a

posse foi adquirida Elas servem como uma justificativa para tentar amainar a ilicitude

65 MERRIL Thomas W SMITH Henry E Property Oxford Oxford University Press 2010 p36 66 KATZ Larissa ldquoThe moral paradox of adverse possession sovereignty and revolution in property lawrdquo McGill Law Journal Vol55 2010 pp47-80 cit p 59

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do apossamento mas isso eacute virtualmente impossiacutevel sem jogar o instituto em um non

sense pois a contrariedade da posse ad usucapionem eacute intriacutenseca a usucapiatildeo

Quando se diz que a posse do usucapiente eacute sempre injusta isso significa que ela natildeo

estaacute autorizada de forma alguma e se coloca sim em posiccedilatildeo de conflito (ainda que

velado) com os interesses do proprietaacuterio ou seja algueacutem vai adquirir a propriedade de

algo que jaacute tem dono e obviamente sem a colaboraccedilatildeo deste

Por isso as estrateacutegias de saneamento estatildeo por assim dizer ldquono lugar erradordquo pois

acabam mascarando a dinacircmica real do processo por meio do qual algueacutem caminha

para usucapir o bem de outrem Isto acaba ampliando as sombras existentes entre as

linhas que demarcam uma posse ldquomoralmente legitimadardquo a viabilizar a usucapiatildeo e a

adversidade sem a qual a aquisiccedilatildeo natildeo tem como se efetivar

Nessa direccedilatildeo a caracterizaccedilatildeo da posse ad usucapionem natildeo depende do saneamento

dos viacutecios objetivos pois o meio objetivo pelo qual se deu o apossamento eacute afinal

irrelevante Basta o chamado ldquoteste de uso incompatiacutevelrdquo (inconsistent use test) ou

seja da verificaccedilatildeo de que a posse natildeo autorizada se daacute em desconformidade com a

agenda estabelecida pelo proprietaacuterio do bem a ser usucapido67 Natildeo importa o modo

pelo qual tal contrariedade ganhou forma o fato eacute que ela existe e uma vez constatada

gera para o proprietaacuterio a oportunidade de se opor dentro de um determinado periacuteodo

de tempo sem o que perderaacute a titularidade do bem

Eacute importante ainda deixar expliacutecito o fato de que toda discussatildeo em torno dos

pressupostos para a aquisiccedilatildeo pela usucapiatildeo reflete uma dada concepccedilatildeo acerca da

propriedade Debater em que circunstacircncia algueacutem pode se tornar o proprietaacuterio do

bem que eacute de outro resvala em uma avaliaccedilatildeo acerca da amplitude de formas de

atuaccedilatildeo que o proprietaacuterio estaacute legitimado a desempenhar

Do mesmo modo a possiacutevel imoralidade existente na atribuiccedilatildeo do direito de

propriedade em favor de algueacutem que viola o direito de outrem eacute decorrente de uma

visatildeo que considera moralmente aceitaacutevel que o bem objeto desse direito possa

permanecer sem um uso efetivo durante um nuacutemero maior ou menor de anos jaacute que

natildeo haacute usucapiatildeo sem a ineacutercia do titular do direito a ser usucapido

67 KATZ Larissa ldquoThe moral paradoxrdquo cit p50

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Nesse sentido ultrapassar a discussatildeo acerca das estrateacutegias de saneamento dos viacutecios

da aquisiccedilatildeo rumo a um debate aprofundado sobre as razotildees que contribuem para a

superaccedilatildeo do paradoxo moral permitiria por exemplo a consideraccedilatildeo de que mesmo

um possuidor de maacute-feacute pode dar um uso economicamente mais eficiente do que aquele

dado pelo possuidor originaacuterio68 ou que em um contexto de deacuteficit de moradias a

ideia de que ldquoo natildeo uso eacute uma forma de usordquo69 seria juriacutedica e moralmente indefensaacutevel

pois corresponderia a absolutizaccedilatildeo da propriedade

O debate moral em torno da usucapiatildeo eacute rico de possibilidades que auxiliam na

compreensatildeo adequada do instituto e tambeacutem por isso natildeo pode ser represado Quando

se vecirc tanto esforccedilo doutrinaacuterio para expurgar os viacutecios objetivos de origem o uacutenico

sentido possiacutevel para tanto eacute pressuposto de que haacute uma avaliaccedilatildeo moralmente

negativa em torno da ideia de que uma posse ldquoinjustardquo seja apta a transformar um

ldquoladratildeordquo em proprietaacuterio Mas aqui o foco estaacute todo voltado para como a posse foi

adquirida o que reduz enormemente a investigaccedilatildeo Natildeo se trata da defesa da

legitimaccedilatildeo do uso da forccedila como se fosse possiacutevel concordar com a grilagem de terras

mas justo o oposto da possibilidade de reconhecimento de que mesmo o uso da forccedila

pode ser justificado quando a efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais como os relativos agrave

moradia e ao trabalho se contrapotildeem ao natildeo uso e a especulaccedilatildeo A existecircncia do

instituto da usucapiatildeo revela em si mesma que ordenamento fez uma escolha na qual o

uso efetivo do bem estaacute em uma posiccedilatildeo hierarquicamente superior ao natildeo uso Diante

da diferenciaccedilatildeo entre justiccedila e injusticcedila formal ndash relativa agrave aquisiccedilatildeo ndash e justiccedila ou

injusticcedila material (os valores materializados em cada efetivo apossamento) abre-se a

oportunidade de discutir as bases morais econocircmicas e filosoacuteficas por meio das quais eacute

ainda hoje possiacutevel fundamentar a manutenccedilatildeo ou perda dos direitos de propriedade

titularizados por algueacutem

De todo modo para os objetivos do presente estudo a hipoacutetese testada parece poder

ser adequadamente confirmada independentemente do modelo de usucapiatildeo a ser

adotado independentemente do fundamento mais adequado para usucapiatildeo em

68 FENNEL Lee Anne ldquoEfficient trespass the case for lsquobad faithrsquo adverse possessionrdquo Northwestern University Law Review Vol100 p1035-10962006 p53 Considerando-se que apenas um imoacutevel sem um uso efetivo pode ser objeto de apossamento alheio estendido por vaacuterios anos sem uma reaccedilatildeo apropriada a manutenccedilatildeo da sua titularidade pode ser lida como uma falha de mercado que daacute corpo agrave especulaccedilatildeo a venda do imoacutevel natildeo ocorre porque o titular natildeo encontra condiccedilotildees que lhe garantam a remuneraccedilatildeo pretendida naquele momento Da mesma forma levando-se em consideraccedilatildeo que no caso brasileiro a funccedilatildeo social remete agrave obrigatoriedade do uso e que isto por sua vez desaacutegua no exerciacutecio da posse toda posse ad usucapionem poderia ser lida como a vitoacuteria do uso produtivo sobre o natildeo uso especulativo Nesse sentido a posse de maacute-feacute corresponderia agrave deliberada intenccedilatildeo de concretizar um uso socialmente uacutetil a um bem que estaacute sendo administrado de forma ineficiente 69 NASCIMENTO Tupinambaacute Miguel Castro do Posse e propriedade Porto Alegre Livraria do Advogado 1986 p10

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nenhum lugar eacute possiacutevel colocar em questatildeo o fato de que a posse exercida pelo

esbulhador eacute adversa A posse exercida por algueacutem natildeo autorizado que deseja ou

acredita que jaacute tem o direito de outrem eacute nesse sentido sempre e necessariamente uma

posse injusta

Conclusatildeo

As tentativas de saneamentos dos viacutecios satildeo incongruentes e ineficientes porque a

superaccedilatildeo do paradoxo moral existente na usucapiatildeo depende de uma reflexatildeo acerca

daquilo que a sociedade considera como moralmente justificado em torno do exerciacutecio

do direito de propriedade E desde aiacute eacute possiacutevel perceber diversos aspectos que

demonstram que o exerciacutecio da posse seja qual for a sua qualificaccedilatildeo eacute mais forte do

que o natildeo uso a existecircncia mesma do instituto da usucapiatildeo o encurtamento

generalizado dos prazos para usucapir ocorrido no acircmbito do Coacutedigo Civil em vigor

mesmo na hipoacutetese extraordinaacuteria a ampliaccedilatildeo das modalidades de usucapiatildeo como

forma de premiar o exerciacutecio dirigido agrave busca da efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais

sociais como moradia e trabalho Nesse caminho o paradoxo moral se dissolve e o

saneamento dos viacutecios passa a ser irrelevante eacute mais importante saber o que se faz da

posse do que o modo pelo qual ela foi obtida

Em tais condiccedilotildees considerar que a posse ldquoboa para usucapirrdquo seja sempre injusta ndash no

sentido de que representa uma dissonacircncia necessaacuteria com a agenda estabelecida pelo

proprietaacuterio do bem a ser usucapido ndash natildeo significa o abandono da dimensatildeo moral

existente na qualificaccedilatildeo da posse do usucapiente Esta dimensatildeo apenas se desloca em

direccedilatildeo a uma investigaccedilatildeo criteriosa acerca do conteuacutedo da posse materializada frente

agrave anaacutelise da conduta do proprietaacuterio ante ao apossamento natildeo autorizado

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civilisticacom Recebido em 18042016

Aprovado em 13052016 (1ordm parecer) 31052016 (2ordm parecer)

Como citar DANTAS Marcus Eduardo de Carvalho Toda posse ad usucapionem eacute uma posse injusta Civilisticacom Rio de Janeiro a 5 n 1 2016 Disponiacutevel em lthttpcivilisticacomtoda-posse-ad-usucapionem-e-uma-posse-injustagt Data de acesso

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Mas por que motivo o possuidor injusto natildeo poderia usucapir na modalidade

ordinaacuteria Porque para esta hipoacutetese o Coacutedigo Civil exige que a posse ad usucapionem

tenha sido adquirida por meio de um justo tiacutetulo e de boa-feacute o que significa que o

possuidor natildeo sabe que existe um problema em torno do modo pelo qual ela foi

adquirida A doutrina entatildeo faz uma conexatildeo necessaacuteria entre a posse justa e a de boa-

feacute o que eacute ateacute razoaacutevel agrave primeira vista como algueacutem poderia alegar que desconhece

que a sua posse foi obtida de modo violento clandestino ou pela precariedade Tal

alegaccedilatildeo soacute seria possiacutevel se o viacutecio natildeo tivesse sido cometido por aquele que pretende

usucapir ou se a princiacutepio a proacutepria ocorrecircncia dele pudesse ser questionada

A primeira situaccedilatildeo corresponderia ao caso no qual o esbulhador transmitiu a posse

injusta que tinha para uma outra pessoa que enganada natildeo sabia de sua raiz iliacutecita

Partindo-se do princiacutepio de que tais viacutecios natildeo seriam transmitidos pelo tradens a

aquisiccedilatildeo derivada seria uma via de saneamento dos viacutecios de origem

Outro modo de se defender a justiccedila da posse originaacuteria eacute reconhecendo o fato dela ter

sido obtida por um meio que mesmo sendo incomum natildeo se equipararia agrave violecircncia

clandestinidade nem agrave precariedade Eacute nesta linha que se colocam as teses que

procuram questionar a ocorrecircncia dos viacutecios objetivos9 A pergunta aqui seria o que eacute

uma aquisiccedilatildeo violenta

Uma uacuteltima e mais recente via de transformaccedilatildeo da posse injusta em posse justa eacute o

cumprimento da funccedilatildeo social da posse Parte da doutrina busca superar o problema da

ldquoposse eternamente injustardquo considerando que o cumprimento da funccedilatildeo social da

posse pelo possuidor natildeo autorizado demandaria o reconhecimento de que a posse

originariamente injusta teria se transformado em posse justa viabilizando assim a

aquisiccedilatildeo da propriedade pela usucapiatildeo Mas como isso pode ser feito sem uma

descriccedilatildeo preacutevia e objetiva acerca do conteuacutedo da funccedilatildeo social da posse

9 Eacute bem verdade que na aquisiccedilatildeo originaacuteria eacute mais difiacutecil sustentar uma posse justa e de boa-feacute pois como indicado eacute implausiacutevel que na ocupaccedilatildeo natildeo autorizada de um imoacutevel se alegue o desconhecimento de que tal ato contraria direito de outrem Esta eacute uma das dificuldades existentes em torno da compreensatildeo de um dos institutos cujo nuacutemero de estudos eacute proporcional agrave sua ineficaacutecia os paraacutegrafos 4ordm e 5ordm do artigo 1228 do Coacutedigo Civil Tentando decifrar essa ldquoesfingerdquo podem ser citados RENTERIA Pablo ldquoAquisiccedilatildeo da propriedade imobiliaacuteria pela acessatildeo invertida social anaacutelise sistemaacutetica dos paraacutegrafos 4ordm e 5ordm do artigo 1228 do coacutedigo civilrdquo Revista Trimestral de Direito Civil v34 p71-91 2008 TEPEDINO SCHREIBER Anderson ldquoO ornitorrinco juriacutedico por uma aplicaccedilatildeo praacutetica dos sectsect 4ordm e 5ordm do art1228 do coacutedigo civilrdquo In Direito civil e constituiccedilatildeo Satildeo Paulo Atlas 2013 pp267-279 ZAVASCKI Teori ldquoA tutela da posse na constituiccedilatildeo e no projeto do novo coacutedigo civilrdquo In MARTINS-COSTA Judith (Org) A reconstruccedilatildeo do direito privado Satildeo Paulo RT 2002 p843-861

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Colocados os termos das questotildees o objetivo a partir de agora seraacute o de verificar se

essas estrateacutegias satildeo capazes de superar a contradiccedilatildeo existente entre uma posse ldquojustardquo

e o fato de que ela para gerar a usucapiatildeo precisa necessariamente ser uma posse natildeo

autorizada exercida contra os interesses do atual titular

2 Posse justa e de boa-feacute na aquisiccedilatildeo derivada o saneamento na acessio

possessionis

Uma primeira das diversas estrateacutegias utilizadas pelos especialistas para garantir a

pureza (leia-se licitude) da posse ad usucapionem pode ser vislumbrada no caso em

que na aquisiccedilatildeo derivada o sucessor decide natildeo exercer a sua opccedilatildeo de soma do seu

tempo de posse com o do antecessor ndash a chamada acessio possessionis ndash sendo este

um possuidor injusto Ao escolher natildeo realizar a adiccedilatildeo o sucessor singular expurgaria

os viacutecios que a posse traria em funccedilatildeo do modo pelo qual foi obtida10

Isso equivale a dizer que a posse injusta pode se transformar em uma posse justa

apenas pela vontade do beneficiaacuterio de tal modificaccedilatildeo que passaria a poder usucapir

em um conjunto maior de modalidades tendo em vista a interpretaccedilatildeo consolidada de

que eacute preciso ter posse justa para usucapir Mas seraacute que essa interpretaccedilatildeo eacute correta

Mesmo sendo um argumento muito frequente na obra de autores de relevo nadoutrina

nacional11 a ideia de que o sucessor singular pode escolher se a sua posse seraacute justa ou

injusta eacute questionaacutevel sob alguns importantes aspectos

Primeiramente tal possibilidade de saneamento entra em rota de colisatildeo com uma

relevante diretriz da teoria geral do direito civil precisamente aquela por meio da qual

se estabelece que ldquoningueacutem pode transferir mais direitos do que temrdquo (Nemo plus iuris

ad alium transferre potest quam ipse habet) Isto porque se o antecessor tinha posse

injusta ele natildeo pode transmitir uma posse justa diferente portanto da que ele

10 Eacute como entendem SALVO VENOSA Silvio de Direito civil Vol5 ndash direitos reais 11ordfed Satildeo Paulo Atlas 2011 p67 GONCcedilALVES Carlos Roberto Direito civil brasileiro Vol5 ndash direito das coisas 7ordfed Satildeo Paulo Saraiva 2013 p116 CARVALHO SANTOS JM Coacutedigo civil brasileiro interpretado principalmente do ponto de vista praacutetico Vol VII 7ordfed Rio de Janeiro Freitas Bastos 1961 p72 BESSONE Darcy Da posse Satildeo Paulo Saraiva 1996 p209 FARIAS Cristiano Chaves de ROSENVALD Nelson Curso de direito civil cit p125 Segundo os referidos autores quando o sucessor na transmissatildeo inter vivos opta por natildeo adicionar o seu tempo de posse ao do seu antecessor ldquo() sua posse obteraacute a vantagem de exemplificativamente valer-se do justo tiacutetulo de sua posse nova para a contagem do prazo para usucapiatildeo ordinaacuteriardquo Daqui se depreende que os viacutecios de origem foram sanados sob pena de contradiccedilatildeo frente ao entendimento tambeacutem defendido por eles de que a posse injusta soacute gera usucapiatildeo extraordinaacuteria tendo em vista que na ordinaacuteria exige-se o justo tiacutetulo e a boa-feacute (FARIAS Cristiano Chaves ROSENVALD Nelson Curso de direito civil cit p110) 11 Conforme exemplificado na nota anterior

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exerce12 Eacute certo que tal interpretaccedilatildeo depende de acordo em torno do fato de que a

posse eacute um direito seja real ou pessoal pois se a posse for interpretada como um ldquomero

fatordquo13 a proacutepria ideia de transmissatildeo fica prejudicada e em tais condiccedilotildees o possuidor

atual teria sempre uma posse nova e toda a aquisiccedilatildeo da posse seria originaacuteria14 Mas a

doutrina contemporacircnea estaacute harmonizada no entendimento de que a posse eacute um

direito e neste sentido o princiacutepio de que ningueacutem pode transferir mais direitos do

que tem permanece vaacutelido e aplicaacutevel pois a hipoacutetese eacute de transmissatildeo de direitos

Sanar os viacutecios pela transmissatildeo pressupotildee logicamente a existecircncia de posses com

caracteriacutesticas diferentes Se ambas forem de boa ou maacute-feacute a soma natildeo altera as

possibilidades de usucapir do sucessor Mas se a posse do antecessor era de boa-feacute (o

que eacute altamente questionaacutevel se ela tambeacutem natildeo for derivada) e a do sucessor for de

maacute-feacute ele natildeo poderaacute se aproveitar da qualificaccedilatildeo da posse do tradens para ampliar

suas chances de usucapir por um motivo loacutegico a transmissatildeo natildeo eacute capaz de fazer

algueacutem esquecer que tem conhecimento do viacutecio de origem

Tambeacutem seraacute esse o raciociacutenio na situaccedilatildeo oposta sendo de maacute-feacute a anterior a

ldquoacessatildeo soacute ocorreraacute dentro dos limites daquela que tiver menor acircmbitordquo Por isso ldquo()

tratando-se de posses de boa e de maacute-feacute a posse considerada deve ser a de maacute-feacute por

ter menor acircmbitordquo tal qual a soluccedilatildeo preconizada no artigo 1256 do Coacutedigo Civil

portuguecircs em vigor15 e defendida por uma consideraacutevel parte da doutrina daquele

paiacutes16 Eacute certo que se o sucessor tem posse de boa-feacute a junccedilatildeo de sua posse com a do

seu antecessor de maacute-feacute pode ser desvantajosa posto que o prazo da usucapiatildeo

12 CHAMOUN Ebert Direito civil aulas do 4ordm ano proferidas na Faculdade de Direito da Universidade Do Distrito Federal Rio de Janeiro AURORA 1955 p 47 TEPEDINO Gustavo ldquoDireito das coisasrdquo (arts1196-1276)rdquo In AZEVEDO Antocircnio Junqueira (Coord) Comentaacuterios ao coacutedigo civil Vol14 ndash direito das coisas (arts1196-1276) Satildeo Paulo Saraiva 2011 p49 Em harmonia de princiacutepio com tal entendimento foi aprovado em 2011 o enunciado 494 da V Jornada de Direito Civil do CJFSTJ cuja redaccedilatildeo eacute a seguinte ldquoA faculdade conferida ao sucessor singular de somar ou natildeo o tempo da posse de seu antecessor natildeo significa que ao optar por nova contagem estaraacute livre do viacutecio objetivo que maculava a posse anteriorrdquo AGUIAR Jr Ruy Rosado de (Coord) Jornadas de direito civil I III IV e V enunciados aprovados Brasiacutelia Conselho da Justiccedila Federal Centro de Estudos Judiciaacuterios 2012 Disponiacutevel em httpwwwcjfjusbrenunciadosenunciado563 Acesso em 06062016 13 Esta eacute a razatildeo pela qual Carvalho Santos entende que ldquo() a posse [do sucessor singular] comeccedilando na proacutepria pessoa deste natildeo sendo a continuaccedilatildeo da posse daquele a quem havia recebido a coisa natildeo pode participar dos viacutecios que esta possa terrdquo CARVALHO SANTOS JM Coacutedigo civil interpretado cit 1961 p72 14 ALBALADEJO Manuel Derecho civil VolIII ndash derecho de bienes 11ordfed Madrid Edisofer 2010 p77 15 Artigo 1256ordm (Acessatildeo da posse) 1 - Aquele que houver sucedido na posse de outrem por tiacutetulo diverso da sucessatildeo por morte pode juntar agrave sua a posse do antecessor 2 - Se poreacutem a posse do antecessor for de natureza diferente da posse do sucessor a acessatildeo soacute se daraacute dentro dos limites daquela que tem menor acircmbito 16 SANTOS JUSTO A dos Direitos reais 4ordfed Coimbra Coimbra Editora 2012 p201 RODRIGUES Manuel A posse Estudo de direito civil portuguecircs 4ordfed Coimbra Coimbra Editora 1996 p252 LIMA Fernando Andrade Pires de MATOS ANTUNES VARELA Joatildeo de Coacutedigo civil anotado VolIII 3ordfed Coimbra Coimbra Editora 1984 p15 OLIVEIRA ASCENSAtildeO Joseacute de Direito civil ndash reais 5ordfed Coimbra Coimbra Editora 2012 p115

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extraordinaacuteria eacute geralmente mais extenso e eventualmente a adiccedilatildeo seria insuficiente

para alcanccedilaacute-lo17

Mas uma pergunta ainda precisa ser respondida por que motivo o sucessor decidiria

natildeo somar o seu tempo de posse com o seu antecessor Por que razatildeo ele deixaria de

fazer algo que ao menos em princiacutepio o aproximaria do cumprimento dos requisitos

necessaacuterios para usucapir

O motivo mais visiacutevel seria o conhecimento da existecircncia de um viacutecio de origem na

posse do antecessor uma vez descoberta a injusticcedila eou a maacute feacute da posse do

transmitente o sucessor singular optaria por natildeo realizar a soma dos periacuteodos de

exerciacutecio para natildeo ldquocontaminarrdquo a posse que tem Eacute o entendimento exposto por Joseacute

de Oliveira Ascensatildeo

O possuidor pode ter interesse em invocar unicamente a sua posse e

natildeo se valer da do antecessor Isto aconteceraacute sempre que as

caracteriacutesticas da posse anterior impliquem uma qualificaccedilatildeo mais

desfavoraacutevel que natildeo seja compensada pela maior duraccedilatildeo que da

acessatildeo resultaria Assim aconteceraacute em muitos casos quando a posse

anterior for de maacute-feacute e a actual for de boa-feacute18

O problema eacute que se o sucessor inter vivos descarta a acessio com base no

conhecimento de que a posse do antecessor contraria direito alheio ele natildeo poderaacute

alegar que ignora tal fato Eacute o que fica subentendido na passagem acima notadamente

o trecho onde se lecirc ldquo() as caracteriacutesticas da posse anterior impliquem uma

qualificaccedilatildeo mais desfavoraacutevel que natildeo seja compensada pela maior duraccedilatildeo que da

acessatildeo resultariardquo A possibilidade da avaliaccedilatildeo daquilo que eacute mais ou menos

vantajoso soacute tem sentido se o accipiens tem conhecimento dos viacutecios da posse de

origem E se ele dispotildee desse conhecimento mesmo que decida natildeo realizar a acessio

jaacute seraacute possuidor de maacute-feacute Como consequecircncia ele soacute poderia usucapir na modalidade

extraordinaacuteria pois na modalidade ordinaacuteria a posse de boa-feacute eacute expressamente

exigida

Eacute necessaacuterio registrar que a maacute-feacute do accipiens natildeo pode ser presumida razatildeo pela

qual a ldquovaloraccedilatildeo eacutetica de sua condutardquo nesse sentido deve ser provada Eacute mesmo

possiacutevel imaginar que algueacutem com orientaccedilatildeo adequada de um profissional prefira

nem tomar conhecimento da situaccedilatildeo do seu antecessor para natildeo correr o risco de

17 Eacute a criacutetica incisivamente feita por ABREU Abiacutelio Vassalo ldquoA necessidade de uma mudanccedila jurisprudencial em mateacuteria de acessatildeo da posse (Art1256ordm do Coacutedigo Civil)rdquo In Revista da Ordem dos Advogados Lisboa outdez 2012 pp 1247-1322 p1294 18 OLIVEIRA ASCENCcedilAtildeO Joseacute de Direito civil ndash reais cit p115

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incorrer em maacute-feacute e soacute conte com o seu proacuteprio prazo para usucapir Ainda que tal

providecircncia soacute seja plausiacutevel novamente em funccedilatildeo de alguma suspeita de

irregularidade da posse antecedente qualquer questionamento acerca do conhecimento

ou natildeo dos viacutecios diz respeito aos viacutecios subjetivos da posse

De todo modo vecirc-se que a possibilidade de saneamento dos viacutecios objetivos pela natildeo

realizaccedilatildeo da acessio eacute em primeiro lugar tecnicamente questionaacutevel quando

analisada sob o prisma objetivo de que natildeo se pode transmitir mais direitos do que se

tem Jaacute no plano subjetivo a tese de que a opccedilatildeo pela natildeo realizaccedilatildeo da soma natildeo tenha

decorrido do conhecimento dos viacutecios de origem pelo sucessor natildeo eacute criacutevel ainda que

precise ser provada E se isto eacute assim ainda que se entenda que os viacutecios objetivos

tenham sido purgados o pretenso saneamento seria inoacutecuo sendo de maacute-feacute o sucessor

soacute poderaacute usucapir na modalidade extraordinaacuteria Assim ainda que existam boas

razotildees para natildeo realizar a soma das posses isso natildeo aumenta em nada as chances de

usucapir

3 Posse justa e de boa-feacute na aquisiccedilatildeo derivada o caso da posse ldquojusta

poreacutem ilegiacutetimardquo

Sendo a posse um direito eacute possiacutevel que haja questionamento acerca da regularidade

da transmissatildeo todas as normas atinentes agrave nulidade e agrave anulabilidade dos negoacutecios

juriacutedicos incidiriam na hipoacutetese E qual a consequecircncia de uma transmissatildeo feita por

negoacutecio juriacutedico invaacutelido Ela impediria a soma caso o sucessor a desejasse Obstaria a

aquisiccedilatildeo pela usucapiatildeo na modalidade ordinaacuteria

O entendimento de que a falta de uma transmissatildeo vaacutelida impede a acessio posto que

colocaria em xeque a proacutepria existecircncia de um ldquoantecessorrdquo e um ldquosucessorrdquo eacute

solidamente prevalecente na dogmaacutetica e na jurisprudecircncia portuguesa19 onde se o

negoacutecio eacute invaacutelido a adiccedilatildeo de posse eacute incabiacutevel Mas essa exigecircncia soacute tem fundamento

como requisito de uma posse justa por parte do accipiens e no pressuposto de que a do

tradens tambeacutem eacute justa visto que no caso oposto o viacutecio seria transmitido

Mas ainda que o negoacutecio juriacutedico seja invaacutelido haacute sucessor e antecessor ou seja haacute

produccedilatildeo de efeitos mesmo que comprometidos pela invalidade na transmissatildeo E

19 SANTOS JUSTO A dos Direitos reais 4ordfed cit p200 RODRIGUES Manuel A posse Estudo de direito civil portuguecircs cit p252 LIMA Fernando Andrade Pires de MATOS ANTUNES VARELA Joatildeo de Coacutedigo civil anotado VolIII 3ordfed cit p15 OLIVEIRA ASCENSAtildeO Direito civil ndash reais cit p115

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neste caso a posse adquirida eacute derivada razatildeo pela qual a regra que ldquoningueacutem pode

transmitir mais direitos do que temrdquo permanece atuante

Qualquer irregularidade na transmissatildeo soacute pode ter duas consequecircncias a invalidade

do tiacutetulo motivo pelo qual a posse seria injusta ou o questionamento acerca da

caracterizaccedilatildeo do justo tiacutetulo como tal tendo em vista o requisito da usucapiatildeo

ordinaacuteria Usando a terminologia de Manuel A Albaladejo ldquono plano juriacutedicordquo

qualquer que seja a dimensatildeo da incorreccedilatildeo na transmissatildeo o resultado praacutetico seria o

de uma posse injusta visto que ldquono plano faacuteticordquo o sucessor teria de fato os poderes

caracteriacutesticos de um possuidor regular pois age como se fosse o proprietaacuterio que

adquiriu a posse de outrem20

Em tais condiccedilotildees uma eventual invalidade do tiacutetulo natildeo impede a acessio eis que

efetivamente houve uma sucessatildeo no exerciacutecio faacutetico dos poderes inerentes agrave

caracterizaccedilatildeo da posse21 A consequecircncia possiacutevel na hipoacutetese seria a interdiccedilatildeo da via

que leva agrave usucapiatildeo ordinaacuteria mas natildeo por conta da injusticcedila da posse que daiacute

decorreria e sim em razatildeo de um eventual questionamento acerca do cumprimento do

requisito ldquojusto tiacutetulordquo especificamente exigido pelo Coacutedigo Civil brasileiro na

modalidade

Eacute ainda possiacutevel vislumbrar uma posse justa mas ilegiacutetima na aquisiccedilatildeo derivada

porque o caminho do negoacutecio juriacutedico natildeo configura viacutecio mesmo que ele seja

irregular Mas essa leitura pressupotildee uma diferenciaccedilatildeo entre as palavras ldquoviacuteciordquo e

ldquoobstaacuteculordquo na redaccedilatildeo do artigo 1200 do Coacutedigo Civil22 Isto porque se a posse injusta eacute

aquela que foi obtida de modo viciado (violecircncia clandestinidade ou precariedade) e a

posse de boa-feacute eacute aquela onde o possuidor ignora a ocorrecircncia de ldquoviacutecios ou obstaacuteculosrdquo

na sua aquisiccedilatildeo uma diferenciaccedilatildeo entre as duas palavras tambeacutem cria a oportunidade

de visualizaccedilatildeo de uma posse ldquojustardquo ndash por natildeo ter sido obtida por nenhuma das

formas indicadas na redaccedilatildeo do artigo 1200 do Coacutedigo Civil ndash mas de boa-feacute eis que o

possuidor ignora o ldquoobstaacuteculordquo de outro tipo existente em torno da posse que exerce Eacute

um outro caminho pelo qual eacute possiacutevel chegar ao resultado de uma posse justa e boa

para usucapir

20 ALBALADEJO Manuel A Derecho civil VolIII cit 2010 p73 21 ABREU Abiacutelio Vassalo ldquoA necessidade de uma mudanccedila jurisprudencial em mateacuteria de acessatildeo da posse (Art1256ordm do Coacutedigo Civil)rdquo cit p1297 CORDEIRO A Menezes A posse perspectivas dogmaacuteticas actuais 3ordfed Lisboa Almedina 2014 p136 LEITAtildeO MENEZES Luiacutes Manuel Teles de Direitos reais 4ordfed Lisboa Almedina 2013 p138 22 Art 1200 Eacute justa a posse que natildeo for violenta clandestina ou precaacuteria

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Seria esse o caso da posse obtida por meio de um negoacutecio juriacutedico nulo ou anulaacutevel

bem como no da aquisiccedilatildeo a non domino hipoacuteteses nas quais poder-se-ia dizer que natildeo

haacute propriamente ldquoviacuteciordquo mas tampouco uma posse escorreita Por isto alguns

doutrinadores fazem referecircncia a uma posse justa mas ldquoilegiacutetimardquo23 o que permitiria a

aquisiccedilatildeo pela usucapiatildeo ordinaacuteria que tem prazos menores quando comparada a

extraordinaacuteria

Mas aqui parece vigorar um eufemismo pois uma posse ldquojusta poreacutem ilegiacutetimardquo natildeo

altera o fato de que o direito do proprietaacuterio do bem a ser usucapido estaacute sendo

afrontado eis que o objetivo final eacute passar a ser o titular do direito que ele hoje tem Se

a posse eacute ldquoilegiacutetimardquo isso significa que o modo pelo qual ela foi obtida eacute de alguma

forma irregular E se a posse pode ser ldquojusta poreacutem ilegiacutetimardquo isto significa que o fato

dela ser irregular ndash contraacuteria ao direito portanto ndash natildeo eacute um elemento impeditivo da

usucapiatildeo E se a posse pode ser justa permanecer irregular e mesmo assim continuar

ldquoboa para usucapirrdquo para que serve falar de saneamento afinal

4 Questionando a ocorrecircncia dos viacutecios

A usucapiatildeo expressa o caso em que algueacutem perde a titularidade de um bem pelo fato

de que outra pessoa natildeo autorizada permaneceu exercendo posse sobre a coisa durante

um nuacutemero determinado de anos Em tais condiccedilotildees eacute difiacutecil ateacute visualizar como seria

possiacutevel uma ldquoposse justa ad usucapionemrdquo na aquisiccedilatildeo originaacuteria E essa dificuldade

eacute tatildeo grande que autores como Pinto Ferreira24 conceituaram a posse ad usucapionem

como sendo aquela ldquode quem se assenhoreia de uma res nullius defendendo-a mansa e

pacificamente durante o tempo previsto em leirdquo O raciociacutenio eacute desenvolvido tambeacutem

por Pedro Nunes

Do fato da posse nasce o direito agrave prescriccedilatildeo aquisitiva () Para

adquirir por este modo o pretendente toma sempre uma posse

perdida ou abandonada A perda ocorre quando o dono da coisa

manifesta expressa ou tacitamente a intenccedilatildeo de natildeo mais tecirc-la

como sua ou a natildeo ocupa ou a deixa por incuacuteria ou negligecircncia

inteiramente ao abandono por longo espaccedilo de tempo Reputa-se

voluntaacuteria a perda quando o possuidor ou o ausente tendo ciecircncia do

apoderamento por terceiro de sua propriedade conforma-se com a

situaccedilatildeo natildeo procurando reconquistaacute-la25

23 Eacute o caso em BITTAR Carlos Alberto Direitos reais 2ordfed Rio de Janeiro Forense 2011 p41 COELHO Faacutebio Ulhocirca Curso de direito civil Vol4 ndash direito das coisas e direito autoral 3ordfed Satildeo Paulo Saraiva 2010 p38 NASCIMENTO Tupinambaacute Miguel Castro do Posse e propriedade Porto Alegre Livraria do Advogado 1986 p102 24 FERREIRA Luiz Pinto Posse accedilatildeo possessoacuteria e usucapiatildeo 2ordfed Satildeo Paulo Saraiva 1983 p29 25 NUNES Pedro Do usucapiatildeo 4ordfed Rio de Janeiro Freitas Bastos 1984 p27

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Haacute que se concordar para que algueacutem tenha posse de um bem de maneira natildeo

autorizada sem violar o direito de outrem ndash ou seja de forma justa ndash e

simultaneamente exercecirc-la no intuito de se tornar o titular do direito de propriedade

sobre tal coisa eacute preciso que ela natildeo tenha dono

A outra forma em tese seria questionando a proacutepria ocorrecircncia do viacutecio Os

especialistas discutem largamente por exemplo os termos nos quais uma accedilatildeo pode

ser considerada violenta26 o seu emprego para remoccedilatildeo de cercas muros ou tapumes eacute

suficiente para caracterizaccedilatildeo do viacutecio ou apenas o embate fiacutesico com uma pessoa que

resista ao esbulho

Como indicado parte da doutrina27 tem se esforccedilado para encontrar meios de tornar

justa a posse natildeo autorizada com o objetivo de ampliar as chances de usucapir Para

este caso o problema eacute que a ningueacutem parece dada a possibilidade de seriamente

alegar que desconhece que o apossamento natildeo autorizado atraveacutes do qual efetiva sua

posse sobre um bem imoacutevel contraria direito de outrem E tal afirmaccedilatildeo natildeo tem

objetivo de pocircr em questatildeo o fato de que tal apossamento possa ser a uacuteltima via para

obtenccedilatildeo de direitos fundamentais como a moradia e o trabalho

Os conflitos fundiaacuterios urbanos e rurais ocorrem em decorrecircncia da necessidade de

melhor distribuiccedilatildeo do acesso aos direitos de propriedade em grande medida pautados

pelo questionamento acerca do cumprimento e das consequecircncias da natildeo observacircncia

da funccedilatildeo social exigida em cada hipoacutetese Mas mesmo nesses casos o que haacute eacute um

questionamento da manutenccedilatildeo do direito de propriedade em favor daquele que deixa

de efetivamente exercecirc-lo ou o que o faz de modo indevido Natildeo se trata do

desconhecimento acerca do fato de que o apossamento realizado em tais circunstacircncias

confronta o alegado direito de outrem

26 Eacute tradicional o entendimento de que a caracterizaccedilatildeo da violecircncia vai aleacutem do uso da forccedila contra a proacutepria pessoa do possuidor Por todos Caio Maacuterio da Silva Pereira alerta que ldquoPosse violenta (adquirida vi) a que se adquire por ato de forccedila seja ela natural ou fiacutesica seja moral ou resultante de ameaccedilas que incutam na viacutetima seacuterio receio A violecircncia estigmatiza a posse independentemente de exercer-se sobre a pessoa do espoliado ou de preposto seu como ainda do fato de emanar do proacuteprio espoliador ou de terceirordquo (SILVA PEREIRA Caio Maacuterio da Instituiccedilotildees de direito civil VolIV ndash Direitos reais 22ordfed atualizada por Carlos Edison do Rego Monteiro Filho Rio de Janeiro Forense 2009 p21 Atualmente surge a discussatildeo sobre se o emprego da forccedila para remoccedilatildeo de obstaacuteculos como cercas ou tapumes em um imoacutevel abandonado caracterizaria ainda assim a violecircncia da posse Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald consideram que ldquo() natildeo eacute considerada violenta a posse caso o uso da forccedila se justifique para a remoccedilatildeo de obstaacuteculos fiacutesicos para o ingresso em bens abandonados (vg destruiccedilatildeo de cadeados ou supressatildeo de cercas) Pensamos que soacute haacute violecircncia quando o apossamento resulta de uma conduta contraacuteria agrave vontade do possuidor pelo fato de a coisa ser arrebatada de algueacutem que a isso se oponhardquo FARIAS Cristiano Chaves de ROSENVALD Nelson Curso de direito civil cit p106 27 Como visto nos pontos 2 e 3 do presente texto

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Mas haacute uma diferenccedila como indicado no significado da palavra ldquoinjustardquo quando em

referecircncia ao modo como a posse foi obtida e quando em referecircncia ao conteuacutedo da

soluccedilatildeo dada pelo legislador Uma posse pode ser ldquoinjustardquo em um aspecto formal

decorrente do fato de que foi obtida de forma natildeo autorizada mas ldquojustardquo porque de

um lado natildeo vem sendo utilizada pelo proprietaacuterio e de outro representa a

materializaccedilatildeo de direitos fundamentais sociais negligenciados pelo Estado O fato eacute

que justiccedila material da ocupaccedilatildeo de terrenos abandonados por pessoas que natildeo tem

acesso aos direitos de moradia frente agrave proprietaacuterios negligentes natildeo eacute incompatiacutevel

com o reconhecimento de que o apossamento natildeo foi autorizado e neste sentido

formal gera uma posse injusta

Eacute o que ocorre na dramaacutetica situaccedilatildeo dos conflitos fundiaacuterios urbanos em torno da

moradia Em um importante estudo de campo acerca dos conflitos em torno da terra no

Recife de 1978 Joaquim Falcatildeo detectou em sua pesquisa que ldquoOs invasores querem

ser proprietaacuterios Justificam a invasatildeo de propriedade alheia porque sobre o direito de

usar e dispor segundo a livre vontade do proprietaacuterio deve prevalecer o direito de

moradia de todosrdquo28

Bem se vecirc daiacute que o questionamento da legitimidade da propriedade natildeo utilizada

pressupotildee logicamente o conhecimento da sua existecircncia enquanto tal Natildeo se pode

questionar aquilo que se ignora E se natildeo se ignora natildeo eacute possiacutevel afirmar a boa-feacute Por

isto eacute que a alegaccedilatildeo de que ldquonem sempre o apossamento natildeo autorizado vai gerar uma

posse injustardquo natildeo tem funccedilatildeo nenhuma na definiccedilatildeo das chances de usucapir29 Natildeo eacute

28 FALCAtildeO Joaquim ldquoJusticcedila social e justiccedila legal conflitos de propriedade no Reciferdquo In FALCAtildeO Joaquim (org) Invasotildees urbanas ndash conflitos de direito de propriedade 2ordfed Rio de Janeiro FGV Editora 2008 p112-113 29 Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald questionam a injusticcedila do apossamento de um imoacutevel abandonado com um objetivo claro impedir que a tomada natildeo autorizada seja qualificada como esbulho Essa desqualificaccedilatildeo tem uma funccedilatildeo especiacutefica a de interditar a via da reintegraccedilatildeo por parte do proprietaacuterio que natildeo cumpriria o requisito ldquoprova do esbulhordquo tal qual exigido pelo artigo 561do CPC15 Nesse sentido a reflexatildeo dos autores atua mais na dinacircmica processual do conflito do que no acircmbito material dos requisitos para a usucapiatildeo Mas o entendimento de que defendem a necessidade de uma posse justa para usucapir decorre do trecho no qual os autores esclarecem que ldquo() a posse derivada dos atos de violecircncia ou clandestinidade poderaacute gerar usucapiatildeo extraordinaacuteria (art1238 CC) posto natildeo se exigir como requisitos formais ao alcance da propriedade em tal modalidade originaacuteria o justo tiacutetulo e a boa-feacuterdquo (FARIAS Cristiano Chaves de ROSENVALD Nelson Curso de direito civil Vol5 reais 11ordfed Satildeo Paulo Atlas 2015 p110) Como demonstrado a posse de boa-feacute soacute pode ser justa na hipoacutetese em que o bem eacute uma res nullius No que caso em que a ocupaccedilatildeo natildeo se qualifica como esbulho a usucapiatildeo ordinaacuteria eacute impossiacutevel pela ausecircncia de boa-feacute No caso da aquisiccedilatildeo da posse a non domino seria perfeitamente possiacutevel e coerente reconhecer uma posse injusta (se tambeacutem era a do antecessor) e de boa-feacute se o sucessor natildeo tiver conhecimento do viacutecio de origem Nesse sentido a posse injusta natildeo impediria a usucapiatildeo em nenhuma modalidade e se manteria a coerecircncia interna ante a ideia de que toda posse ad usucapionem eacute necessariamente natildeo autorizada e contraacuteria aos interesses do titular do direito a ser usucapido Por tudo isso eacute possiacutevel reconhecer que tambeacutem os citados autores entendem equivocadamente que a justiccedila da posse amplia as modalidades da usucapiatildeo disponiacuteveis

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de boa-feacute a posse daqueles que ocupam imoacutevel alheio sem autorizaccedilatildeo do proprietaacuterio30

pois por mais que o apossamento seja moralmente justificaacutevel os possuidores natildeo

ignoram o fato de que o bem eacute de outra pessoa E se isto eacute assim a modalidade

disponiacutevel de usucapiatildeo no caso seria a extraordinaacuteria Natildeo pelo caraacuteter injusto da

posse e sim pelo fato dela ser exercida sem justo tiacutetulo e boa-feacute

Nessa linha a tese aqui defendida mostra a sua coerecircncia eacute possiacutevel questionar se o

apossamento configura efetivamente um esbulho31 mas natildeo o fato de que numa ou

noutra hipoacutetese natildeo se ignora que o direito de outrem estaacute sendo afrontado com a

efetivaccedilatildeo da posse natildeo autorizada

30 Este eacute justamente um dos pontos apontados pela doutrina para o fracasso da efetividade da hipoacutetese de aquisiccedilatildeo prevista no artigo 1228 sectsect 4ordm e 5ordm do Coacutedigo Civil Algueacutem pode dizer seriamente que a posse dessas pessoas por mais legiacutetima que possa ser eacute de boa-feacute no sentido de que se ignora que o ato entra em rota de colisatildeo com o direito de outrem Em um dos raros casos nos quais a hipoacutetese foi aplicada sob o nome de ldquodesapropriaccedilatildeo privadardquo os magistrados entenderam que a boa-feacute ldquo() entendida como posse justa natildeo violenta natildeo clandestina ou precaacuteriardquo estava presente no caso concreto em anaacutelise tendo em vista que ldquoAs guias de IPTU juntada (sic) aos autos ldquo() atestam a boa-feacute do recorrido jaacute que o proacuteprio Municiacutepio o reconhecia como proprietaacuterio da aacutereardquo Tribunal de Justiccedila de Minhas Gerais Apelaccedilatildeo Ciacutevel nordm 1028408009185-3005 Rel Des Rogeacuterio Coutinho J 11032015 publicado em 20032015 Disponiacutevel em httpwww5tjmgjusbrjurisprudenciapesquisaPalavrasEspelhoAcordaodoampnumeroRegistro=9amptotalLinhas=48amppaginaNumero=9amplinhasPorPagina=1amppalavras=2522desapropriaE7E3o20judicial2522amppesquisarPor=acordaoamppesquisaTesauro=trueamporderByData=1ampreferenciaLegislativa=Clique20na20lupa20para20pesquisar20as20referEAncias20cadastradasamppesquisaPalavras=Pesquisaramp Acesso em 10012016 31 A reflexatildeo sobre o conceito de ldquoesbulhordquo jaacute vem sendo feita pela doutrina mais progressista Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald fazem esse debate no seu manual precisamente no ponto jaacute citado em que consideram que o apossamento natildeo autorizado de um imoacutevel abandonado gera uma posse justa Eacute uma outra forma de dizer que esse ato natildeo configura esbulho Nesse caminho criacutetico do conceito tradicional existem estudos importantes (como os existentes em STROZAKE Juvelino Joseacute (Org) Questotildees agraacuterias ndash julgados comentados e pareceres Satildeo Paulo Meacutetodo 2002 principalmente os artigos de Roberto Delmanto Jr pp167-182 Antonio Scarance Fernandes pp293-310 e Dyrceu Aguiar Cintra Dias Jr pp 219-230) O debate tambeacutem jaacute chegou aos tribunais No STJ a decisatildeo de referecircncia sobre o tema estaacute no HC 4399SP No voto do Min Luiz Vicente Cernicchiaro o magistrado explicita as razotildees pelas quais concede o HC em favor dos integrantes do MST ldquoNo esbulho possessoacuterio o agente dolosamente investe contra a propriedade alheia a fim de usufruir um de seus atributos (uso) ou alterar os limites do domiacutenio para enriquecimento sem causa No caso dos autos ao contraacuterio diviso pressatildeo social para concretizaccedilatildeo de um direito (pelo menos-interesse) No primeiro caso contraste de legalidade compreende aspectos material e formal No segundo substancialmente natildeo haacute iliacutecito algumrdquo Superior Tribunal de Justiccedila HC nordm4399-SP Luiz Vicente Cernicchiaro Voto Vogal p02 Rel Min William Patterson julgado em 12031996 DJ 08041996 p10491 Disponiacutevel em lthttpwwwstjjusbrSCONjurisprudenciatocjspprocesso=4399ampampb=ACORampthesaurus=JURIDICOampp=truegt Acesso em 13022014 No acircmbito da accedilatildeo de reintegraccedilatildeo de posse movida pelo Governo de Satildeo Paulo contra a ocupaccedilatildeo das escolas estaduais realizada pelos estudantes secundaristas ndash como forma de protesto contra o plano de reorganizaccedilatildeo escolar empreendido pelo Governo daquele Estado ndash o Tribunal de Justiccedila considerou que ldquoNatildeo se antevecirc em suma o animus possidendi ou o animus rem sibi habendi autorizantes do tratamento possessoacuterio da mateacuteria mas antes expressotildees de desobediecircncia civil frente agrave autecircntica violecircncia ciacutevica de que se consideram viacutetimas os manifestantesrdquo E ainda ldquo() natildeo haacute nessa narrativa e nem nos autos qualquer evidecircncia que a entidade sindical queira de modo ilegal apropriar-se dos bens puacuteblicos referidos no recurso tecircm-se que como todos reconhecemos durante a sessatildeo de julgamento a absoluta inadequaccedilatildeo da pretendida proteccedilatildeo possessoacuteria e portanto o tangenciamento da carecircncia da accedilatildeo por falta de interesse de agirrdquo Tribunal de Justiccedila ndash SP Agravo de Instrumento nordm2243232-252015826000 7ordf Cacircmara de Direito Puacuteblico Rel Min Coimbra Schmidt Julgado em 23112015 Disponiacutevel em lthttpsesajtjspjusbrcposgshowdoprocessoforo=990ampprocessocodigo=RI0032WUQ0000gt Acesso em 25112015

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Esse eacute afinal o ponto relevante para definiccedilatildeo da posse apta a gerar a usucapiatildeo pois a

hipoacutetese que ora se desenvolve eacute a de que toda posse ad usucapionem eacute sempre e

necessariamente uma posse injusta sendo capaz de viabilizar a usucapiatildeo tanto

extraordinaacuteria quanto a ordinaacuteria Eacute perfeitamente possiacutevel que o sucessor na posse

natildeo tenha conhecimento da maacutecula que existiu na sua aquisiccedilatildeo pelo antecessor

hipoacutetese na qual teria posse injusta em funccedilatildeo da transmissatildeo do viacutecio com justo tiacutetulo

e boa-feacute Como a ldquoposse injustardquo em sentido formal eacute o mesmo que ldquoposse natildeo

autorizadardquo natildeo haveria impedimento em usucapir na modalidade ordinaacuteria

5 A influecircncia do tempo no saneamento dos viacutecios da posse

As estrateacutegias de saneamento tecircm como objetivo transformar uma posse inicialmente

injusta em uma posse justa no pressuposto de que tal requisito eacute imprescindiacutevel para

que se possa usucapir Mas tais estrateacutegias satildeo tatildeo amplas e variadas que o saneamento

se torna praticamente inevitaacutevel para uma parte da doutrina a simples manutenccedilatildeo da

posse pelo curto periacuteodo de 1 ano faz com que ela perca o viacutecio de origem e se torne

apta a viabilizar a usucapiatildeo

Esta interpretaccedilatildeo eacute decorrente de uma leitura muito particular da norma processual

que reserva a tutela liminar para os casos nos quais a posse tenha sido perdida haacute

menos de ano e dia32 Trata-se da diferenccedila entre a chamada ldquoposse novardquo e a ldquoposse

velhardquo Se a posse do esbulhador estiver sendo exercida haacute mais de 1 ano o esbulhado

perde a possibilidade de uma reintegraccedilatildeo liminar pois trata-se de uma ldquoposse velhardquo

Isto natildeo impede que o esbulhado obtenha uma medida mais ceacutelere mas ele precisaria

utilizar a via da tutela antecipada prevista no artigo 273 do CPC73 e que hoje como

espeacutecie do gecircnero tutela de urgecircncia tem o seu conteuacutedo regulado pelos artigos 294-

311 do CPC1533 De uma maneira geral o esbulhado precisaria de provas mais robustas

de que seu direito foi violado Vecirc-se que o tempo de exerciacutecio da posse pelo esbulhador

tem reflexo na dinacircmica processual da retomada mas natildeo na qualificaccedilatildeo da posse em

disputa que continua sendo injusta

32 Art 924 Regem o procedimento de manutenccedilatildeo e de reintegraccedilatildeo de posse as normas da seccedilatildeo seguinte quando intentado dentro de ano e dia da turbaccedilatildeo ou do esbulho passado esse prazo seraacute ordinaacuterio natildeo perdendo contudo o caraacuteter possessoacuterio 33 No CPC15 a tutela cautelar ndash pautada no fumus boni iuris e periculum in mora ndash e a tutela antecipada ndash baseada em verossimilhanccedila do que eacute alegado fundado receio de dano ou abuso do direito de defesa ndash foram reunidas em torno da tutela provisoacuteria nos seguintes termos Art294 A tutela provisoacuteria pode fundamentar-se em urgecircncia ou evidecircncia Paraacutegrafo uacutenico A tutela provisoacuteria de urgecircncia cautelar ou antecipada pode ser concedida em caraacuteter antecedente ou incidental Os requisitos para tais medidas em muito semelhantes aos termos do CPC revogado de uma maneira geral estatildeo regulados como indicado entre os artigos 294 e 311

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Poreacutem uma parte importante da doutrina civiliacutestica brasileira interpreta as diferenccedilas

estabelecias pelo direito processual como uma outra estrateacutegia de saneamento

decorrente da simples passagem do tempo O pensamento eacute o de que se reintegraccedilatildeo

liminar natildeo eacute mais possiacutevel isso significa que a posse inicialmente injusta se

transformou em posse justa Este entendimento eacute adotado por doutrinadores como por

exemplo Maria Helena Diniz que indica expressamente ldquo() se o adquirente a tiacutetulo

clandestino ou violento provar que sua clandestinidade ou violecircncia cessaram haacute mais

de ano e dia sua posse passa a ser reconhecida convalescendo-se dos viacutecios que a

maculavamrdquo34

Tal interpretaccedilatildeo eacute criticaacutevel porque o fato do possuidor esbulhado ter que fazer uma

prova mais consistente do seu direito para que obtenha a tutela antecipada natildeo

significa que a posse do esbulhador tenha passado a ser justa Significa apenas que

tendo em vista que o momento do esbulho natildeo eacute mais tatildeo niacutetido a prova para a

retomada da posse deve ser mais substancial para que a tutela seja concedida Mas o

apossamento natildeo autorizado ocorreu

Da mesma forma quando se tem em conta que natildeo haacute nenhuma modalidade de

usucapiatildeo com menos de 1 ano todas as vezes que o possuidor tiver superado tal prazo

o viacutecio teraacute sido expurgado razatildeo pela qual natildeo haveria hipoacutetese de possuidor com

tempo suficiente para usucapir que jaacute natildeo teria passado pelo ldquomarco saneadorrdquo35

Ainda entre os especialistas brasileiros Silvio Rodrigues36 defendeu a tese de que apoacutes

ano e dia de exerciacutecio da posse pelo esbulhador o possuidor esbulhado perderia o

direito de retomaacute-la pela via possessoacuteria cabendo apenas a accedilatildeo reivindicatoacuteria com

base no tiacutetulo Tal impossibilidade seria reflexo de que a posse inicialmente injusta pela

aquisiccedilatildeo violenta teria passado a ser justa tendo em vista a passagem do prazo

34 DINIZ Maria Helena Curso de direito civil brasileiro Vol4 ndash direito das coisas 26ordfed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p78 O posicionamento eacute tambeacutem encampado entre outros por NEDER Natal Usucapiatildeo de imoacuteveis 3ordfed Rio de Janeiro Forense 1989 p19 35 Tambeacutem por isso parece curiosa a hipoacutetese de saneamento pela passagem do tempo vislumbrada por COELHO Faacutebio Ulhocirca Curso de direito civil Vol4 ndash direito das coisas cit p39 ldquoA posse soacute deixa de ser violenta se o antigo possuidor natildeo se interessa pela retomada do bem ou natildeo obtendo sucesso no exerciacutecio do desforccedilo imediato desiste da luta Desaparecendo a violecircncia nesse caso a posse se torna justa () Em suma o desinteresse do desapossado em defender a sua posse descaracteriza a origem viciada da do novo possuidorrdquo De acordo com tal raciociacutenio todas as vezes que o possuidor tiver posse ad usucapionem pelo tempo necessaacuterio para usucapir a posse injusta teraacute se transformado em posse justa E se isso eacute assim para que serve o exame dos viacutecios objetivos 36 RODRIGUES Silvio Direito civil Vol5 ndash direito das coisas 28ordfed Satildeo Paulo Saraiva 2009 p25-27

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O raciociacutenio de Silvio Rodrigues parece uma meacutelange da soluccedilatildeo positivada em alguns

sistemas estrangeiros como vg no direito espanhol e no direito portuguecircs O

problema eacute que aqui ao contraacuterio do que ocorre nos ordenamentos dos dois maiores

paiacuteses da Peniacutensula Ibeacuterica natildeo haacute nenhuma disposiccedilatildeo normativa que ampare tal

interpretaccedilatildeo Em Portugal e na Espanha o decurso do prazo de um ano tem

primeiramente uma funccedilatildeo especiacutefica a de decretar o momento da perda da posse por

parte do possuidor esbulhado37 Eacute o mesmo raciociacutenio que no Brasil sustenta a previsatildeo

do artigo 122438 onde ainda que sem uma referecircncia objetiva de tempo eacute possiacutevel

verificar que o possuidor esbulhado natildeo perde o seu direito de posse no exato momento

em que ocorre a perda no plano faacutetico A funccedilatildeo dessa ficccedilatildeo39 tanto laacute quanto caacute

tambeacutem eacute a mesma garantir que natildeo haja soluccedilatildeo de continuidade no exerciacutecio da

posse quando intervalos intermitentes ocorrem40

De se ressaltar ainda que no ordenamento portuguecircs assim como no direito espanhol

o prazo de 1 ano corresponde tambeacutem agrave ldquocaducidaderdquo das accedilotildees de reintegraccedilatildeo ou

manutenccedilatildeo de posse41 Como o possuidor esbulhado natildeo pode mais utilizar tais accedilotildees

a interdiccedilatildeo da via possessoacuteria gera consequecircncias na compreensatildeo da manutenccedilatildeo dos

viacutecios No direito espanhol natildeo sem polecircmica o prazo de 1 ano de exerciacutecio da posse

pelo esbulhador configura hipoacutetese na qual ldquoel transcurso del tiempo sirve para

subsanar este vicio posesoriordquo42

37 Coacutedigo Civil espanhol ldquoArtiacuteculo 460 El poseedor puede perder su posesioacuten () 4 Por la posesioacuten de otro aun contra la voluntad del antiguo poseedor si la nueva posesioacuten hubiese durado maacutes de un antildeordquo Coacutedigo Civil portuguecircs ldquoArtigo 1267ordm (Perda da posse) 1 O possuidor perde a posse () d) Pela posse de outrem mesmo contra a vontade do antigo possuidor se a nova posse houver durado mais de um anordquo 38 Art 1224 Soacute se considera perdida a posse para quem natildeo presenciou o esbulho quando tendo notiacutecia dele se absteacutem de retornar a coisa ou tentando recuperaacute-la eacute violentamente repelido 39 No direito espanhol a doutrina diverge acerca do momento em que tem iniacutecio a posse do esbulhador Haacute quem entenda que a posse do esbulhador soacute tem iniacutecio apoacutes o prazo de 1 ano RODRIGUEZ-CANO Rodrigo Bercovitz Manual de derecho civil ndash derechos reales Madrid Bercal 2013 p77) Outros consideram que coexistem desde o iniacutecio duas posses sobre o bem posse de fato exercida pelo esbulhador e a posse de direito que ateacute o transcurso do prazo permanece na titularidade do esbulhado LOacutePEZ y LOacutePEZ Aacutengel M FERNANDEZ Rosario Valpuesta et all Derecho civil patrimonial Vol II Valencia Tirant lo Blanch 2014 p97 40 TEPEDINO Gustavo Comentaacuterios ao coacutedigo civil cit p192 DIacuteEZ-PICAZO Luis GULLOacuteN Antonio Sistema de derecho civil VolIII Tomo I (derechos reales en general) 8ordfed Madrid Tecnos 2013 p116 41 CORDEIRO Antoacutenio Menezes A posse perspectivas dogmaacuteticas actuais cit p112 SANTOS JUSTO A dos Direitos Reais 4ordfed cit p218 LOacutePEZ PAacuteSARO Eduardo Tutela Sumaria de la Posesioacuten (Interdicto de recobrar) Madrid Dykinson 2014 p187 O artigo 1282 do Coacutedigo Civil portuguecircs indica que ldquoA acccedilatildeo de manutenccedilatildeo bem como as de restituiccedilatildeo da posse caducam se natildeo forem intentadas dentro do ano subsequente ao acto da turbaccedilatildeo ou do esbulho ou ao conhecimento dele quando tenha sido praticado a ocultasrdquo Jaacute o diploma civil espanhol preceitua no seu artigo 19681 do Coacutedigo Civil espanhol ldquo Artiacuteculo 1968 Prescriben por el transcurso de un antildeo 1La accioacuten para recobrar o retener la posesioacutenrdquo 42 RODRIGUEZ-CANO Rodrigo Bercovitz Manual de derecho civil ndash derechos reales cit p73 No mesmo sentido ALBALADEJO Manuel A Derecho civil VolIII cit p63 DIacuteEZ-PICAZO Luis Fundamentos del derecho civil patrimonial VolIII las relaciones juriacutedico-reales el registro de la propiedad la posesioacuten 5ordfed Madrid Civitas 2008 p689

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Jaacute no direito portuguecircs o Coacutedigo Civil eacute expresso acerca da possibilidade de

saneamento dos viacutecios43 e a doutrina encampa unanimemente o entendimento de que

a posse eacute violenta ndash portanto injusta ndash apenas no tempo de duraccedilatildeo de seus efeitos44

Ou seja a posse violenta clandestina ou precaacuteria perde a condiccedilatildeo de viciosa no exato

instante em que se estabiliza Apoacutes a cessaccedilatildeo da violecircncia a posse passa a ser

perfeitamente apta a gerar a usucapiatildeo45

Mas ideia de que a posse eacute injusta apenas enquanto houver violecircncia ou

clandestinidade ao contraacuterio do direito luso natildeo tem respaldo no ordenamento

brasileiro apesar de ser defendida por nomes como os de Lenine Nequete46 e Arnoldo

Wald47 O artigo 1208 do Coacutedigo Civil alocado no capiacutetulo referente agrave aquisiccedilatildeo da

posse dispotildee claramente que ldquoNatildeo induzem posse os atos de mera permissatildeo ou

toleracircncia assim como natildeo autorizam a sua aquisiccedilatildeo os atos violentos ou clandestinos

senatildeo depois de cessar a violecircncia ou a clandestinidaderdquo Ou seja aqui enquanto a

violecircncia estiver sendo empregada natildeo haacute posse Apoacutes a sua cessaccedilatildeo a posse advinda

de tais atos eacute posse mas posse injusta48

Natildeo haacute duacutevida portanto de que o prazo de ldquoano e diardquo tem uma funccedilatildeo importante No

direito espanhol o prazo serve como marco da perda da posse da impossibilidade de

utilizaccedilatildeo das accedilotildees possessoacuterias e de saneamento dos viacutecios objetivos No direito

portuguecircs serve igualmente de referecircncia para identificaccedilatildeo do momento de perda da

posse e da caducidade da via possessoacuteria ao passo que os viacutecios satildeo considerados

sanados apoacutes a cessaccedilatildeo de seus efeitos

Em ambos os ordenamentos o expurgo dos viacutecios pela passagem do tempo tem

respaldo normativo ainda que as criacuteticas anteriormente feitas a este raciociacutenio no

direito brasileiro tambeacutem sejam aplicaacuteveis a tais sistemas natildeo havendo tambeacutem neles

nenhuma modalidade de usucapiatildeo com menos de 1 ano a ideia do saneamento da

43 Artigo 1297ordm (Posse violenta ou oculta) Se a posse tiver sido constituiacuteda com violecircncia ou tomada ocultamente os prazos da usucapiatildeo soacute comeccedilam a contar-se desde que cesse a violecircncia ou a posse se torne puacuteblica 44 Por todos CARVALHO Orlando de Direito das coisas Coimbra Coimbra Editora 2012 p283 45 FRANCcedilA PITAtildeO Joseacute Antoacutenio de Posse e usucapiatildeo Lisboa Almedina 2007 p74 FERREIRA Durval Posse e usucapiatildeo 3ordfed Lisboa Almedina 2008 p319 OLIVEIRA ASCENCcedilAtildeO Joseacute de Direito civil ndash reais cit p116 46 NEQUETE Lenine Da prescriccedilatildeo aquisitiva (usucapiatildeo) Porto Alegre Ediccedilatildeo Sulina 1954 p80 47 WALD Arnoldo Direito Civil direito das coisas Vol4 Satildeo Paulo Saraiva 2011 pp103-104 48 Segundo esclarece Joseacute Carlos Moreira Alves ldquo() para o Coacutedigo Civil brasileiro () enquanto materialmente existentes ndash ou seja enquanto se pratica a violecircncia ou haacute clandestinidade ndash impedem [tais viacutecios] a aquisiccedilatildeo ateacute da possessio ad interdicta havendo apenas detenccedilatildeo independente e uma vez cessados em sua materialidade surge a posse embora qualificada como injusta que produz as consequecircncias de qualquer posse injustardquo MOREIRA ALVES Joseacute Carlos ldquoA detenccedilatildeo no direito civil brasileiro (conceito e casos)rdquoIn CAHALI Yussef Said Posse e propriedade doutrina e jurisprudecircncia Satildeo Paulo Saraiva 1987 p20

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mesma forma que aqui natildeo tem funccedilatildeo nenhuma porque sempre que o usucapiente

tiver prazo para usucapir os viacutecios teratildeo deixado de existir

De se ressaltar ainda que o proacuteprio Silvio Rodrigues reconheceu que a sua tese natildeo

tinha fundamento legal Na nota de rodapeacute 28 do seu livro ldquoDireito das Coisasrdquo49 o

autor demonstrou que entendia que o Coacutedigo de Processo Civil de 1939 tinha extirpado

a ldquoaccedilatildeo de forccedila velha expoliativardquo do ordenamento brasileiro razatildeo pela qual para o

possuidor de mais de 1 ano e dia caberia apenas a via petitoacuteria o que sanearia o viacutecio na

aquisiccedilatildeo Isto porque segundo sua interpretaccedilatildeo ldquoBasta que ela [a posse] se estenda

pacificamente ou publicamente durante o intervalo de ano e dia para que fique

purgada de seus defeitosrdquo50 Mas o proacuteprio autor admitiu ao final da nota de rodapeacute

28 que o CPC de 73 ldquoextirpou a duacutevidardquo que poderia existir em torno da possibilidade

de accedilatildeo de reintegraccedilatildeo com mais de 1 ano e dia do esbulho que ldquomesmo intentadas

apoacutes o intervalo de ano e dia natildeo perdem o seu caraacuteter acessoacuteriordquo51 Mesmo criticando

a soluccedilatildeo do CPC reconhece que ldquo() a vontade do legislador manifestada de forma

irrefutaacutevel que deve prevalecerrdquo52 Fica claro portanto que natildeo haacute fundamento legal

para a tese de que a posse injusta se transforma em posse justa apoacutes ano e dia

6 Saneamento pelo cumprimento da funccedilatildeo social

Alguns estudos mais recentes tecircm indicado que os viacutecios objetivos da posse podem ser

considerados sanados uma vez constatado o cumprimento da funccedilatildeo social por parte do

esbulhador53

Mas o saneamento pelo cumprimento da funccedilatildeo social da posse pode ser

primeiramente criticado por que natildeo haacute qualquer dispositivo normativo em vigor no

ordenamento juriacutedico brasileiro que defina o que eacute e qual eacute o conteuacutedo da funccedilatildeo social

da posse A doutrina tem buscado dar substacircncia ao princiacutepio pela conexatildeo que

tradicionalmente eacute feita entre funccedilatildeo social da posse e a efetivaccedilatildeo de direitos

fundamentais como os de moradia e trabalho

49 RODRIGUES Silvio Direito civil Vol5 ndash direito das coisas cit p30 50 RODRIGUES Silvio Direito civil Vol5 ndash direito das coisas cit p30 51 O CPC15 eacute claro acerca do caraacuteter possessoacuterio da accedilatildeo proposta apoacutes o prazo de ldquoano e diardquo Art558 Regem o procedimento de manutenccedilatildeo e de reintegraccedilatildeo de posse as normas da Seccedilatildeo II deste Capiacutetulo quando a accedilatildeo for proposta dentro de ano e dia da turbaccedilatildeo ou do esbulho afirmado na peticcedilatildeo inicial Paraacutegrafo uacutenico Passado o prazo referido no caput seraacute comum o procedimento natildeo perdendo contudo o caraacuteter possessoacuterio 52 RODRIGUES Silvio Direito civil Vol5 ndash direito das coisas cit p30 nota28 53 MELO Marco Aureacutelio Bezerra de Curso de direito civil Vol5 ndash direito das coisas 2015 p73 FARIAS Cristiano Chaves de ROSENVALD Nelson Curso de direito civil Vol5 ndash reais cit p119

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Eacute possiacutevel tentar extrair essa conexatildeo da relaccedilatildeo entre posse e propriedade

considerando que a propriedade deve cumprir a funccedilatildeo social a posse tambeacutem deve ser

lida como subordinada a tal princiacutepio Mas se a funccedilatildeo social da propriedade eacute em

grande medida a ldquofunccedilatildeo social da posse exercida pelo proprietaacuteriordquo54 seraacute viaacutevel dizer

que o contraacuterio tambeacutem eacute verdadeiro Um possuidor de uma aacuterea de grande extensatildeo

de terra na zona rural estaacute obrigado a cumprir os mesmos preceitos direcionados ao

proprietaacuterio estabelecidos no artigo 184 da Constituiccedilatildeo E qual seria a consequecircncia

do descumprimento desse conteuacutedo por parte de quem eacute apenas o possuidor E no caso

da posse urbana qual o conteuacutedo a ser cumprido para que a funccedilatildeo social seja

contemplada

A falta de uma definiccedilatildeo sobre o conteuacutedo objetivamente definido para a funccedilatildeo social

da posse prejudica enormemente a sua utilizaccedilatildeo como criteacuterio para avaliaccedilatildeo do o

expurgo dos viacutecios objetivos Aleacutem de desnecessaacuteria a possibilidade do saneamento

atraveacutes de um princiacutepio tatildeo ldquomaleaacutevelrdquo tem como consequecircncia o seu reconhecimento

em um sem nuacutemero de situaccedilotildees tatildeo diacutespares que fica difiacutecil enxergar em que

circunstacircncia qualquer exerciacutecio regular da posse natildeo o atenderia

Nos tribunais fala-se em cumprimento da funccedilatildeo social quando a posse de um terreno eacute

utilizada para criaccedilatildeo de galinhas55 quando mesmo sem comprovar o tempo

necessaacuterio o possuidor prova que construiu lojas e quitinetes no imoacutevel que pretendia

usucapir56 ou ainda quando o imoacutevel a ser usucapido foi utilizado como garagem e aacuterea

de lazer durante o lapso temporal necessaacuterio agrave usucapiatildeo57

54 DANTAS Marcus Eduardo de Carvalho ldquoDa funccedilatildeo social da propriedade agrave funccedilatildeo social da posse exercida pelo proprietaacuterio ndash uma proposta de releitura do princiacutepio constitucionalrdquo RIL ndash Revista de Informaccedilatildeo Legislativa ano 52 n 205 p23-38 Mar 2015 p34 DANTAS Marcus Eduardo de Carvalho ldquoFunccedilatildeo social nos conflitos fundiaacuteriosrdquo Revista Direito GV Satildeo Paulo v9 n 2 p465-488 Dec 2013 p479 55 Tribunal de Justiccedila do Rio de Janeiro Apelaccedilatildeo nordm 0003045-5320028190061 Rel Des Gilda Maria

Dias Carrapatoso Julgamento 31072013 13ordf Cacircmara Ciacutevel Disponiacutevel em

httpwww1tjrjjusbrgedcachewebdefaultaspxUZIP=1ampGEDID=0004CC331928D8D3A72C15733D

069BD44D8BC50237206304 Acesso em 12032015 56 Tribunal de Justiccedila do Rio de Janeiro Apelaccedilatildeo nordm 0034331-2420108190205 Rel Des Andreacute

Ribeiro Julgamento 05062013 7ordf Cacircmara Ciacutevel Disponiacutevel em

httpwww1tjrjjusbrgedcachewebdefaultaspxUZIP=1ampGEDID=000421376D950C28F7B805418EE

F244E6857C5022B4D2D4CAcesso em 12032015 57 Tribunal de Justiccedila do Rio de Janeiro Apelaccedilatildeo nordm 0096918-8820058190001 Rel Des Antocircnio

Saldanha Palheiro Julgamento 12042011 5ordf Cacircmara Ciacutevel Disponiacutevel em

httpwww1tjrjjusbrgedcachewebdefaultaspxUZIP=1ampGEDID=0003FDB81056920E5F12D511F73

43C44001098C403252532 Acesso em 12032015

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Natildeo se trata aqui de uma avaliaccedilatildeo moral acerca daquilo que deve ou natildeo ser

considerado como o conteuacutedo da funccedilatildeo social A questatildeo eacute que sem um conteuacutedo bem

especificado a funccedilatildeo social deixa de ser um mecanismo de qualificaccedilatildeo da posse ela

natildeo tem serventia alguma como mecanismo de diferenciaccedilatildeo Se a utilizaccedilatildeo de um

terreno como garagem e lazer corresponde ao exerciacutecio da posse com funccedilatildeo social em

que circunstacircncia o exerciacutecio puro e simples da posse natildeo corresponderia a tal

princiacutepio Basta natildeo realizar uma atividade iliacutecita para cumprir a funccedilatildeo social da

posse Qual a diferenccedila entre ldquoter posserdquo e ldquoter posse com funccedilatildeo socialrdquo

A segunda linha de criacutetica se orienta pelo fato de que nem todas as modalidades de

usucapiatildeo existentes no ordenamento brasileiro tecircm uma conexatildeo visiacutevel com os temas

tradicionalmente considerados como caracteriacutesticos da funccedilatildeo social A usucapiatildeo

extraordinaacuteria prevista no caput do artigo 1238 do Coacutedigo Civil58 por exemplo natildeo

exige do possuidor que exerccedila a posse com fins de moradia tampouco que utilize o

imoacutevel como fonte de trabalho Isso mostra que o Coacutedigo diferencia as situaccedilotildees nas

quais a posse eacute exercida como meio de efetivaccedilatildeo dos direitos tradicionalmente

afinados com uma ideia geral de funccedilatildeo social e aquelas nas quais a posse eacute exercida

regularmente mas sem tal qualificaccedilatildeo especial Em tais condiccedilotildees o entendimento de

que a injusticcedila original da posse pode ser sanada pelo cumprimento da funccedilatildeo social

para a usucapiatildeo em geral ficaria ainda uma vez sem sentido pois o diploma civil natildeo

exige que a posse seja exercida como moradia ou fonte de trabalho em todas as

modalidades da usucapiatildeo

7 O ldquoteste do uso incompatiacutevelrdquo e a funccedilatildeo da posse injusta na usucapiatildeo

Apesar de todo esforccedilo doutrinaacuterio na defesa de formas pelas quais a posse injusta pode

deixar para traacutes o seu viacutecio de origem a doutrina tem um posicionamento tatildeo soacutelido

quanto incoerente acerca do viacutecio da precariedade o de que ele natildeo convalesce nunca

O entendimento eacute defendido por quase59 a totalidade dos especialistas sob o

58 Art 1238 Aquele que por quinze anos sem interrupccedilatildeo nem oposiccedilatildeo possuir como seu um imoacutevel adquire-lhe a propriedade independentemente de tiacutetulo e boa-feacute podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentenccedila a qual serviraacute de tiacutetulo para o registro no Cartoacuterio de Registro de Imoacuteveis Paraacutegrafo uacutenico O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-aacute a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imoacutevel a sua moradia habitual ou nele realizado obras ou serviccedilos de caraacuteter produtivo

59 Francisco Eduardo Loureiro eacute uma boa exceccedilatildeo agrave leitura predominante Nesse sentido ldquoDiz-se que a posse precaacuteria nunca gera usucapiatildeo Na verdade eacute ela imprestaacutevel para usucapiatildeo natildeo porque eacute injusta mas porque o precarista natildeo tem animus domini uma vez que reconhece a supremacia e o melhor direito do terceiro sobre a coisa Caso poreacutem natildeo reconheccedila ou deixe de reconhecer essa posiccedilatildeo e revele isso de modo inequiacutevoco e claro ao titular do domiacutenio para que este possa reagir e retomar a coisa nasce nesse momento o prazo para usucapiatildeo porque o requisito animus domini estaraacute entatildeo presente LOUREIRO Francisco Eduardo ldquoDireito das coisas (arts 1196-1510)rdquo In PELUSO Cezar (Coord) Coacutedigo civil interpretado Satildeo Paulo Manole 2008 p1092-1093

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argumento de que o descumprimento do dever de restituiccedilatildeo do bem soacute deixa de existir

quando a coisa eacute devolvida Enquanto o bem permanece com o esbulhador a posse

permanece injusta e nenhuma das taacuteticas anteriormente analisadas seria suficiente

para modificar tal condiccedilatildeo

Trata-se de uma interpretaccedilatildeo no miacutenimo insoacutelita pois acaba tornando o viacutecio da

precariedade mais grave que os outros se o esbulhador usa a violecircncia fiacutesica contra a

pessoa do esbulhado ele pode ver tal viacutecio sanado das formas mais diversas se a

aquisiccedilatildeo se daacute pela recusa da restituiccedilatildeo isso natildeo seria de forma alguma possiacutevel pela

ldquoquebra da confianccedilardquo Mas por que a ldquoquebra da confianccedilardquo eacute mais grave que o uso da

forccedila fiacutesica Aleacutem de natildeo parecer razoaacutevel trata-se de uma interpretaccedilatildeo que atribui

uma vantagem injustificaacutevel em favor do proprietaacuterio Independentemente do que ele

tiver feito ou deixado de fazer para retomar o bem o fato da posse ser injusta

bloquearia a usucapiatildeo para sempre

Como indicado a discussatildeo acerca das circunstacircncias nas quais algueacutem pode se tornar

proprietaacuterio pela usucapiatildeo eacute tambeacutem uma discussatildeo acerca das condiccedilotildees nas quais

algueacutem pode legitimamente exercer o seu direito de propriedade Eacute possiacutevel

reconhecer poreacutem que a doutrina brasileira tem dado uma ecircnfase talvez desmesurada

na atuaccedilatildeo do possuidor deixando de investigar a dimensatildeo real do papel do

proprietaacuterio nesse jogo Soacute haveraacute usucapiatildeo se o proprietaacuterio de algum modo se

mantiver inerte na recuperaccedilatildeo do bem E se o proprietaacuterio deixou de tomar as

providencias necessaacuterias agrave tutela do seu direito durante um periacuteodo que pode variar de

2 a 15 anos eacute porque ele tambeacutem contribuiu para a consolidaccedilatildeo da posse do

usucapiente Como seria o cenaacuterio se a ecircnfase no processo recaiacutesse sobre o

proprietaacuterio Se independentemente da preocupaccedilatildeo com a caracterizaccedilatildeo de

eventuais viacutecios da posse incidisse principalmente sobre o titular a responsabilidade de

agir para que a usucapiatildeo natildeo se consumasse

Um caso interessante nesse sentido ndash e pouco estudado no Brasil ndash eacute o chamado

ldquoJAPye (Oxford) Ltd v Grahamrdquo ou apenas ldquoCase Pyerdquo como ficou conhecido De

forma muito resumida a empresa do ramo imobiliaacuterio JA Pye (Oxford) Ltd adquiriu

um terreno em Berkshire oeste de Londres com o objetivo de desenvolver um

empreendimento imobiliaacuterio e obteve o respectivo registro como proprietaacuteria da aacuterea

Apoacutes realizar a venda de uma parte do terreno a empresa inglesa celebrou um contrato

de 1 ano com a famiacutelia Graham por meio do qual seus integrantes ficavam autorizados a

utilizar os 25 hectares restantes da aacuterea como pasto Apoacutes o teacutermino do contrato os

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Graham procuraram a empresa com objetivo de obter uma renovaccedilatildeo mas a J A Pye

Ltd se recusou a fazecirc-lo Apesar disso Caroline e Michael Graham continuaram a

ocupar o terreno e a utilizaacute-lo como pasto por mais 12 anos com o conhecimento da

empresa mas sem o seu consentimento ainda que a J A Pye Ltd tenha se mantido

inerte quanto agraves providecircncias necessaacuterias para impedir a permanecircncia natildeo autorizada

dos Graham no local Apoacutes os 12 anos de exerciacutecio natildeo autorizado da posse os Graham

solicitaram o reconhecimento dos seus direitos sobre a referida aacuterea o que foi

concedido pelo registro com base na ldquoadverse possessionrdquo ou seja na usucapiatildeo

A decisatildeo gerou um sem nuacutemero de polecircmicas e modificaccedilotildees de rumo chegando ateacute

ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos onde no julgamento da Queixa

nordm4430202 foi dado ganho de causa ao Reino Unido e por consequecircncia agrave famiacutelia

Graham Em um primeiro momento a ldquoCourt of Appealrdquo deu decisatildeo favoraacutevel agrave

empresa ldquoPyerdquo com base entre outros motivos no fato de que a famiacutelia Graham natildeo

tinha ldquothe necessary intention to possessrdquo ou seja o acircnimo de dono Considerando-se

que no direito inglecircs vigora o chamado ldquoprocedural approachrdquo no que tange agrave usucapiatildeo

ndash a ecircnfase no aspecto processual da disputa ndash a referecircncia ao animus possidendi foi

considerada uma inovaccedilatildeo surpreendente60 De fato uma vez que os agricultores

permaneceram apenas fazendo aquilo que jaacute faziam quando do contrato em vigor os

julgadores da ldquoCourt of Appealrdquo entenderam que natildeo havia a intenccedilatildeo de passar a ser o

dono do lugar contrapondo-se frontalmente ao direito da empresa61 A decisatildeo foi

objeto de recurso agrave ldquoHouse of Lordsrdquo que deu ganho de causa agrave Caroline Graham62

Ainda inconformada a empresa ldquoPyerdquo entrou com novo recurso e como indicado o

caso chegou ateacute ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos sob a alegaccedilatildeo de que o

Reino Unido havia violado o direito de propriedade da J A Pye Ltd descumprindo a

garantia prevista no artigo 1ordm do Protocolo Adicional nordm 1 da Convenccedilatildeo Europeia dos

Direitos do Homem63 A decisatildeo final foi favoraacutevel ao Reino Unido e

60 RADLEY-GARNER Oliver ldquoCivilized Squattingrdquo Oxford Journal of Legal Studies (winter 2005) 25 (04) p728 61 A discussatildeo pode ser conhecida em httpwwwpublicationsparliamentukpald200102ldjudgmtjd020704graham-3htm Acesso em 13122014 62 O voto de maior peso no julgamento foi o de Lord Browne-Wilkinson por ter considerado que ao contraacuterio do que se exigia ateacute entatildeo a partir do momento em que os Graham continuaram a pastorear a terra sem a autorizaccedilatildeo da ldquoJAPyerdquo eles passaram a ter posse em nome proacuteprio o que independentemente de um conflito aberto seria suficiente para viabilizar a adverse possession O voto na iacutentegra pode ser lido em ldquoHouse of Lords Judgments ndash J A Pye (Oxford) Ltd and Others v Graham and Another on 4 July 2002rdquo httpwwwpublicationsparliamentukpald200102ldjudgmtjd020704graham-1htm Acesso em 13122014 63 ldquoQualquer pessoa singular ou colectiva tem direito ao respeito dos seus bens Ningueacutem pode ser privado do que eacute sua propriedade a natildeo ser por utilidade puacuteblica e nas condiccedilotildees previstas pela lei e pelos princiacutepios gerais do direito internacional

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consequentemente agrave famiacutelia Graham sob diversos argumentos Destacam-se para fins

do presente estudo a ideia de que a usucapiatildeo deve ser encarada como um mecanismo

de controle ou regulamentaccedilatildeo do uso dos bens eis que eacute de interesse geral saber quem

efetivamente eacute responsaacutevel pelo imoacutevel bem como pelos tributos decorrentes de tal

condiccedilatildeo o que remete agrave seguranccedila juriacutedica 64

Entre diversas questotildees importantes o episoacutedio mostra como em grande medida a

dogmaacutetica juriacutedica brasileira tem abordado o tema da usucapiatildeo de maneira a ampliar

os poderes do proprietaacuterio Uma atenccedilatildeo desmesurada tem sido dada agrave posse do

usucapiente sempre cheia de requisitos a cumprir escamoteando-se as

responsabilidades do titular do direito a ser usucapido

Desde logo salta aos olhos o fato de que na hipoacutetese do ldquoCase Pyerdquo o poder da famiacutelia

Graham sobre o terreno poderia no Brasil ser qualificado como uma situaccedilatildeo de mera

toleracircncia hipoacutetese na qual natildeo haveria verdadeiramente posse conforme indicaccedilatildeo do

artigo 1208 do Coacutedigo Civil brasileiro Mas eacute preciso reconhecer que apesar da empresa

ldquoPyerdquo ter ldquotoleradordquo a presenccedila dos Graham o fato eacute que a ineacutercia de ldquoPyerdquo se deu em

momento posterior agrave negativa de renovaccedilatildeo do contrato o que demonstra o interesse

em natildeo perpetuar a presenccedila da famiacutelia Graham no local A recusa agrave renovaccedilatildeo e a

ineacutercia fariam entatildeo com que a hipoacutetese passasse a ser encarada como uma ldquoposse

precaacuteriardquo justamente o viacutecio que a doutrina brasileira insiste em considerar insanaacutevel

e portanto incapaz de gerar a usucapiatildeo

Mas o episoacutedio mostra que quando algueacutem exerce posse sobre o bem de outrem

diversos pontos de vista podem ser utilizados para analisar a questatildeo o proprietaacuterio

permitiu tal exerciacutecio Ele tomou as providecircncias necessaacuterias para recuperar o bem O

possuidor adverso sabia que o bem era de outra pessoa e se negou a devolvecirc-lo

As condiccedilotildees precedentes entendem - se sem prejuiacutezo do direito que os Estados possuem de pocircr em vigor as leis que julguem necessaacuterias para a regulamentaccedilatildeo do uso dos bens de acordo com o interesse geral ou para assegurar o pagamento de impostos ou outras contribuiccedilotildees ou de multasrdquo No original ldquoThe preceding provisions shall not however in any way impair the right of a State to enforce such laws as it deems necessary to control the use of property in accordance with the general interest or to secure the payment of taxes or other contributions or penaltiesrdquo European Court of Human Rights ldquoCase JA Pye (Oxford) Ltd and JA Pye (Oxford) Land Ltd v The United Kingdom Alleged Violation of Article 1 of Protocol nordm 1 Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-82172itemid[001-82172] Acesso em 03032014 64 ABREU Abiacutelio Vassalo Titularidade Registral do Direito de Propriedade Imobiliaacuteria versus usucapiatildeo (adverse possession) Coimbra Coimbra Editora 2011 p83

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Nesses termos o modelo processual inglecircs indica que a reflexatildeo acerca da usucapiatildeo

tambeacutem deve englobar uma meditaccedilatildeo sobre a atuaccedilatildeo do proprietaacuterio na recuperaccedilatildeo

do seu direito pois nada acontece se ele agir de maneira ceacutelere Mesmo apoacutes a negativa

de permanecircncia da famiacutelia Graham a empresa Pye permaneceu 12 anos sem tomar as

providecircncias necessaacuterias para a desocupaccedilatildeo do local Eacute um espaccedilo consideraacutevel de

tempo Seria razoaacutevel entender que por ser ldquoinsanaacutevelrdquo o viacutecio da precariedade nunca

admitiria a consumaccedilatildeo da usucapiatildeo em favor dos Graham

Aleacutem de problemaacutetica essa interpretaccedilatildeo ressuscita o problema da ldquoposse eternamente

injustardquo o esbulhador nunca poderia usucapir mesmo se o esbulhado natildeo procurar

retomar a sua posse Ao que tudo indica a impossibilidade de saneamento do viacutecio da

precariedade reflete a um imperativo moral a quebra da confianccedila depositada deve ser

punida com a perenidade do caraacuteter injusto E aqui se abre a oportunidade de discutir

afinal qual eacute a funccedilatildeo da anaacutelise da injusticcedila como meio de barreira para a usucapiatildeo

Quando se faz referecircncia agraves diversas teacutecnicas de saneamento dos viacutecios eacute preciso

reconhecer que elas natildeo podem ser lidas como um modo de suplantar o fato de que a

posse do usucapiente natildeo foi autorizada e eacute exercida de forma contraacuteria aos interesses

do titular porque essa eacute uma condiccedilatildeo necessaacuteria para que a usucapiatildeo ocorra Ainda

que natildeo haja uma ldquobatalha campalrdquo em busca da posse ldquoCrucially the adverse

possessorrsquos use must be without permission (ldquoadverserdquo)rdquo65 A aquisiccedilatildeo sem autorizaccedilatildeo

e o exerciacutecio contraacuterio aos interesses do titular satildeo pressupostos para a usucapiatildeo

Em tais condiccedilotildees as estrateacutegias que visam a ldquoeliminaccedilatildeo da injusticcedilardquo pelo expurgo

dos viacutecios de origem soacute podem ser compreendidas como vias pelas quais se pretende

superar o chamado ldquoparadoxo moralrdquo66 aparentemente existente em torno da proacutepria

ideia de usucapiatildeo qual a justificativa para que algueacutem perca o seu direito de

propriedade em funccedilatildeo da atuaccedilatildeo natildeo autorizada de outra pessoa

Mas a falta de precisatildeo doutrinaacuteria na referecircncia agrave justiccedila ou injusticcedila da posse faz com

que a exigecircncia de que a posse ad usucapionem seja uma posse ldquojustardquo gere a falsa

ideia de que a atuaccedilatildeo do usucapiente estaacute em conformidade com o direito E as

estrateacutegias de saneamento reforccedilam essa confusatildeo ao se voltarem para o modo como a

posse foi adquirida Elas servem como uma justificativa para tentar amainar a ilicitude

65 MERRIL Thomas W SMITH Henry E Property Oxford Oxford University Press 2010 p36 66 KATZ Larissa ldquoThe moral paradox of adverse possession sovereignty and revolution in property lawrdquo McGill Law Journal Vol55 2010 pp47-80 cit p 59

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do apossamento mas isso eacute virtualmente impossiacutevel sem jogar o instituto em um non

sense pois a contrariedade da posse ad usucapionem eacute intriacutenseca a usucapiatildeo

Quando se diz que a posse do usucapiente eacute sempre injusta isso significa que ela natildeo

estaacute autorizada de forma alguma e se coloca sim em posiccedilatildeo de conflito (ainda que

velado) com os interesses do proprietaacuterio ou seja algueacutem vai adquirir a propriedade de

algo que jaacute tem dono e obviamente sem a colaboraccedilatildeo deste

Por isso as estrateacutegias de saneamento estatildeo por assim dizer ldquono lugar erradordquo pois

acabam mascarando a dinacircmica real do processo por meio do qual algueacutem caminha

para usucapir o bem de outrem Isto acaba ampliando as sombras existentes entre as

linhas que demarcam uma posse ldquomoralmente legitimadardquo a viabilizar a usucapiatildeo e a

adversidade sem a qual a aquisiccedilatildeo natildeo tem como se efetivar

Nessa direccedilatildeo a caracterizaccedilatildeo da posse ad usucapionem natildeo depende do saneamento

dos viacutecios objetivos pois o meio objetivo pelo qual se deu o apossamento eacute afinal

irrelevante Basta o chamado ldquoteste de uso incompatiacutevelrdquo (inconsistent use test) ou

seja da verificaccedilatildeo de que a posse natildeo autorizada se daacute em desconformidade com a

agenda estabelecida pelo proprietaacuterio do bem a ser usucapido67 Natildeo importa o modo

pelo qual tal contrariedade ganhou forma o fato eacute que ela existe e uma vez constatada

gera para o proprietaacuterio a oportunidade de se opor dentro de um determinado periacuteodo

de tempo sem o que perderaacute a titularidade do bem

Eacute importante ainda deixar expliacutecito o fato de que toda discussatildeo em torno dos

pressupostos para a aquisiccedilatildeo pela usucapiatildeo reflete uma dada concepccedilatildeo acerca da

propriedade Debater em que circunstacircncia algueacutem pode se tornar o proprietaacuterio do

bem que eacute de outro resvala em uma avaliaccedilatildeo acerca da amplitude de formas de

atuaccedilatildeo que o proprietaacuterio estaacute legitimado a desempenhar

Do mesmo modo a possiacutevel imoralidade existente na atribuiccedilatildeo do direito de

propriedade em favor de algueacutem que viola o direito de outrem eacute decorrente de uma

visatildeo que considera moralmente aceitaacutevel que o bem objeto desse direito possa

permanecer sem um uso efetivo durante um nuacutemero maior ou menor de anos jaacute que

natildeo haacute usucapiatildeo sem a ineacutercia do titular do direito a ser usucapido

67 KATZ Larissa ldquoThe moral paradoxrdquo cit p50

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Nesse sentido ultrapassar a discussatildeo acerca das estrateacutegias de saneamento dos viacutecios

da aquisiccedilatildeo rumo a um debate aprofundado sobre as razotildees que contribuem para a

superaccedilatildeo do paradoxo moral permitiria por exemplo a consideraccedilatildeo de que mesmo

um possuidor de maacute-feacute pode dar um uso economicamente mais eficiente do que aquele

dado pelo possuidor originaacuterio68 ou que em um contexto de deacuteficit de moradias a

ideia de que ldquoo natildeo uso eacute uma forma de usordquo69 seria juriacutedica e moralmente indefensaacutevel

pois corresponderia a absolutizaccedilatildeo da propriedade

O debate moral em torno da usucapiatildeo eacute rico de possibilidades que auxiliam na

compreensatildeo adequada do instituto e tambeacutem por isso natildeo pode ser represado Quando

se vecirc tanto esforccedilo doutrinaacuterio para expurgar os viacutecios objetivos de origem o uacutenico

sentido possiacutevel para tanto eacute pressuposto de que haacute uma avaliaccedilatildeo moralmente

negativa em torno da ideia de que uma posse ldquoinjustardquo seja apta a transformar um

ldquoladratildeordquo em proprietaacuterio Mas aqui o foco estaacute todo voltado para como a posse foi

adquirida o que reduz enormemente a investigaccedilatildeo Natildeo se trata da defesa da

legitimaccedilatildeo do uso da forccedila como se fosse possiacutevel concordar com a grilagem de terras

mas justo o oposto da possibilidade de reconhecimento de que mesmo o uso da forccedila

pode ser justificado quando a efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais como os relativos agrave

moradia e ao trabalho se contrapotildeem ao natildeo uso e a especulaccedilatildeo A existecircncia do

instituto da usucapiatildeo revela em si mesma que ordenamento fez uma escolha na qual o

uso efetivo do bem estaacute em uma posiccedilatildeo hierarquicamente superior ao natildeo uso Diante

da diferenciaccedilatildeo entre justiccedila e injusticcedila formal ndash relativa agrave aquisiccedilatildeo ndash e justiccedila ou

injusticcedila material (os valores materializados em cada efetivo apossamento) abre-se a

oportunidade de discutir as bases morais econocircmicas e filosoacuteficas por meio das quais eacute

ainda hoje possiacutevel fundamentar a manutenccedilatildeo ou perda dos direitos de propriedade

titularizados por algueacutem

De todo modo para os objetivos do presente estudo a hipoacutetese testada parece poder

ser adequadamente confirmada independentemente do modelo de usucapiatildeo a ser

adotado independentemente do fundamento mais adequado para usucapiatildeo em

68 FENNEL Lee Anne ldquoEfficient trespass the case for lsquobad faithrsquo adverse possessionrdquo Northwestern University Law Review Vol100 p1035-10962006 p53 Considerando-se que apenas um imoacutevel sem um uso efetivo pode ser objeto de apossamento alheio estendido por vaacuterios anos sem uma reaccedilatildeo apropriada a manutenccedilatildeo da sua titularidade pode ser lida como uma falha de mercado que daacute corpo agrave especulaccedilatildeo a venda do imoacutevel natildeo ocorre porque o titular natildeo encontra condiccedilotildees que lhe garantam a remuneraccedilatildeo pretendida naquele momento Da mesma forma levando-se em consideraccedilatildeo que no caso brasileiro a funccedilatildeo social remete agrave obrigatoriedade do uso e que isto por sua vez desaacutegua no exerciacutecio da posse toda posse ad usucapionem poderia ser lida como a vitoacuteria do uso produtivo sobre o natildeo uso especulativo Nesse sentido a posse de maacute-feacute corresponderia agrave deliberada intenccedilatildeo de concretizar um uso socialmente uacutetil a um bem que estaacute sendo administrado de forma ineficiente 69 NASCIMENTO Tupinambaacute Miguel Castro do Posse e propriedade Porto Alegre Livraria do Advogado 1986 p10

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nenhum lugar eacute possiacutevel colocar em questatildeo o fato de que a posse exercida pelo

esbulhador eacute adversa A posse exercida por algueacutem natildeo autorizado que deseja ou

acredita que jaacute tem o direito de outrem eacute nesse sentido sempre e necessariamente uma

posse injusta

Conclusatildeo

As tentativas de saneamentos dos viacutecios satildeo incongruentes e ineficientes porque a

superaccedilatildeo do paradoxo moral existente na usucapiatildeo depende de uma reflexatildeo acerca

daquilo que a sociedade considera como moralmente justificado em torno do exerciacutecio

do direito de propriedade E desde aiacute eacute possiacutevel perceber diversos aspectos que

demonstram que o exerciacutecio da posse seja qual for a sua qualificaccedilatildeo eacute mais forte do

que o natildeo uso a existecircncia mesma do instituto da usucapiatildeo o encurtamento

generalizado dos prazos para usucapir ocorrido no acircmbito do Coacutedigo Civil em vigor

mesmo na hipoacutetese extraordinaacuteria a ampliaccedilatildeo das modalidades de usucapiatildeo como

forma de premiar o exerciacutecio dirigido agrave busca da efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais

sociais como moradia e trabalho Nesse caminho o paradoxo moral se dissolve e o

saneamento dos viacutecios passa a ser irrelevante eacute mais importante saber o que se faz da

posse do que o modo pelo qual ela foi obtida

Em tais condiccedilotildees considerar que a posse ldquoboa para usucapirrdquo seja sempre injusta ndash no

sentido de que representa uma dissonacircncia necessaacuteria com a agenda estabelecida pelo

proprietaacuterio do bem a ser usucapido ndash natildeo significa o abandono da dimensatildeo moral

existente na qualificaccedilatildeo da posse do usucapiente Esta dimensatildeo apenas se desloca em

direccedilatildeo a uma investigaccedilatildeo criteriosa acerca do conteuacutedo da posse materializada frente

agrave anaacutelise da conduta do proprietaacuterio ante ao apossamento natildeo autorizado

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civilisticacom Recebido em 18042016

Aprovado em 13052016 (1ordm parecer) 31052016 (2ordm parecer)

Como citar DANTAS Marcus Eduardo de Carvalho Toda posse ad usucapionem eacute uma posse injusta Civilisticacom Rio de Janeiro a 5 n 1 2016 Disponiacutevel em lthttpcivilisticacomtoda-posse-ad-usucapionem-e-uma-posse-injustagt Data de acesso

Page 7: Toda posse ad usucapionem é uma posse injusta

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Colocados os termos das questotildees o objetivo a partir de agora seraacute o de verificar se

essas estrateacutegias satildeo capazes de superar a contradiccedilatildeo existente entre uma posse ldquojustardquo

e o fato de que ela para gerar a usucapiatildeo precisa necessariamente ser uma posse natildeo

autorizada exercida contra os interesses do atual titular

2 Posse justa e de boa-feacute na aquisiccedilatildeo derivada o saneamento na acessio

possessionis

Uma primeira das diversas estrateacutegias utilizadas pelos especialistas para garantir a

pureza (leia-se licitude) da posse ad usucapionem pode ser vislumbrada no caso em

que na aquisiccedilatildeo derivada o sucessor decide natildeo exercer a sua opccedilatildeo de soma do seu

tempo de posse com o do antecessor ndash a chamada acessio possessionis ndash sendo este

um possuidor injusto Ao escolher natildeo realizar a adiccedilatildeo o sucessor singular expurgaria

os viacutecios que a posse traria em funccedilatildeo do modo pelo qual foi obtida10

Isso equivale a dizer que a posse injusta pode se transformar em uma posse justa

apenas pela vontade do beneficiaacuterio de tal modificaccedilatildeo que passaria a poder usucapir

em um conjunto maior de modalidades tendo em vista a interpretaccedilatildeo consolidada de

que eacute preciso ter posse justa para usucapir Mas seraacute que essa interpretaccedilatildeo eacute correta

Mesmo sendo um argumento muito frequente na obra de autores de relevo nadoutrina

nacional11 a ideia de que o sucessor singular pode escolher se a sua posse seraacute justa ou

injusta eacute questionaacutevel sob alguns importantes aspectos

Primeiramente tal possibilidade de saneamento entra em rota de colisatildeo com uma

relevante diretriz da teoria geral do direito civil precisamente aquela por meio da qual

se estabelece que ldquoningueacutem pode transferir mais direitos do que temrdquo (Nemo plus iuris

ad alium transferre potest quam ipse habet) Isto porque se o antecessor tinha posse

injusta ele natildeo pode transmitir uma posse justa diferente portanto da que ele

10 Eacute como entendem SALVO VENOSA Silvio de Direito civil Vol5 ndash direitos reais 11ordfed Satildeo Paulo Atlas 2011 p67 GONCcedilALVES Carlos Roberto Direito civil brasileiro Vol5 ndash direito das coisas 7ordfed Satildeo Paulo Saraiva 2013 p116 CARVALHO SANTOS JM Coacutedigo civil brasileiro interpretado principalmente do ponto de vista praacutetico Vol VII 7ordfed Rio de Janeiro Freitas Bastos 1961 p72 BESSONE Darcy Da posse Satildeo Paulo Saraiva 1996 p209 FARIAS Cristiano Chaves de ROSENVALD Nelson Curso de direito civil cit p125 Segundo os referidos autores quando o sucessor na transmissatildeo inter vivos opta por natildeo adicionar o seu tempo de posse ao do seu antecessor ldquo() sua posse obteraacute a vantagem de exemplificativamente valer-se do justo tiacutetulo de sua posse nova para a contagem do prazo para usucapiatildeo ordinaacuteriardquo Daqui se depreende que os viacutecios de origem foram sanados sob pena de contradiccedilatildeo frente ao entendimento tambeacutem defendido por eles de que a posse injusta soacute gera usucapiatildeo extraordinaacuteria tendo em vista que na ordinaacuteria exige-se o justo tiacutetulo e a boa-feacute (FARIAS Cristiano Chaves ROSENVALD Nelson Curso de direito civil cit p110) 11 Conforme exemplificado na nota anterior

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exerce12 Eacute certo que tal interpretaccedilatildeo depende de acordo em torno do fato de que a

posse eacute um direito seja real ou pessoal pois se a posse for interpretada como um ldquomero

fatordquo13 a proacutepria ideia de transmissatildeo fica prejudicada e em tais condiccedilotildees o possuidor

atual teria sempre uma posse nova e toda a aquisiccedilatildeo da posse seria originaacuteria14 Mas a

doutrina contemporacircnea estaacute harmonizada no entendimento de que a posse eacute um

direito e neste sentido o princiacutepio de que ningueacutem pode transferir mais direitos do

que tem permanece vaacutelido e aplicaacutevel pois a hipoacutetese eacute de transmissatildeo de direitos

Sanar os viacutecios pela transmissatildeo pressupotildee logicamente a existecircncia de posses com

caracteriacutesticas diferentes Se ambas forem de boa ou maacute-feacute a soma natildeo altera as

possibilidades de usucapir do sucessor Mas se a posse do antecessor era de boa-feacute (o

que eacute altamente questionaacutevel se ela tambeacutem natildeo for derivada) e a do sucessor for de

maacute-feacute ele natildeo poderaacute se aproveitar da qualificaccedilatildeo da posse do tradens para ampliar

suas chances de usucapir por um motivo loacutegico a transmissatildeo natildeo eacute capaz de fazer

algueacutem esquecer que tem conhecimento do viacutecio de origem

Tambeacutem seraacute esse o raciociacutenio na situaccedilatildeo oposta sendo de maacute-feacute a anterior a

ldquoacessatildeo soacute ocorreraacute dentro dos limites daquela que tiver menor acircmbitordquo Por isso ldquo()

tratando-se de posses de boa e de maacute-feacute a posse considerada deve ser a de maacute-feacute por

ter menor acircmbitordquo tal qual a soluccedilatildeo preconizada no artigo 1256 do Coacutedigo Civil

portuguecircs em vigor15 e defendida por uma consideraacutevel parte da doutrina daquele

paiacutes16 Eacute certo que se o sucessor tem posse de boa-feacute a junccedilatildeo de sua posse com a do

seu antecessor de maacute-feacute pode ser desvantajosa posto que o prazo da usucapiatildeo

12 CHAMOUN Ebert Direito civil aulas do 4ordm ano proferidas na Faculdade de Direito da Universidade Do Distrito Federal Rio de Janeiro AURORA 1955 p 47 TEPEDINO Gustavo ldquoDireito das coisasrdquo (arts1196-1276)rdquo In AZEVEDO Antocircnio Junqueira (Coord) Comentaacuterios ao coacutedigo civil Vol14 ndash direito das coisas (arts1196-1276) Satildeo Paulo Saraiva 2011 p49 Em harmonia de princiacutepio com tal entendimento foi aprovado em 2011 o enunciado 494 da V Jornada de Direito Civil do CJFSTJ cuja redaccedilatildeo eacute a seguinte ldquoA faculdade conferida ao sucessor singular de somar ou natildeo o tempo da posse de seu antecessor natildeo significa que ao optar por nova contagem estaraacute livre do viacutecio objetivo que maculava a posse anteriorrdquo AGUIAR Jr Ruy Rosado de (Coord) Jornadas de direito civil I III IV e V enunciados aprovados Brasiacutelia Conselho da Justiccedila Federal Centro de Estudos Judiciaacuterios 2012 Disponiacutevel em httpwwwcjfjusbrenunciadosenunciado563 Acesso em 06062016 13 Esta eacute a razatildeo pela qual Carvalho Santos entende que ldquo() a posse [do sucessor singular] comeccedilando na proacutepria pessoa deste natildeo sendo a continuaccedilatildeo da posse daquele a quem havia recebido a coisa natildeo pode participar dos viacutecios que esta possa terrdquo CARVALHO SANTOS JM Coacutedigo civil interpretado cit 1961 p72 14 ALBALADEJO Manuel Derecho civil VolIII ndash derecho de bienes 11ordfed Madrid Edisofer 2010 p77 15 Artigo 1256ordm (Acessatildeo da posse) 1 - Aquele que houver sucedido na posse de outrem por tiacutetulo diverso da sucessatildeo por morte pode juntar agrave sua a posse do antecessor 2 - Se poreacutem a posse do antecessor for de natureza diferente da posse do sucessor a acessatildeo soacute se daraacute dentro dos limites daquela que tem menor acircmbito 16 SANTOS JUSTO A dos Direitos reais 4ordfed Coimbra Coimbra Editora 2012 p201 RODRIGUES Manuel A posse Estudo de direito civil portuguecircs 4ordfed Coimbra Coimbra Editora 1996 p252 LIMA Fernando Andrade Pires de MATOS ANTUNES VARELA Joatildeo de Coacutedigo civil anotado VolIII 3ordfed Coimbra Coimbra Editora 1984 p15 OLIVEIRA ASCENSAtildeO Joseacute de Direito civil ndash reais 5ordfed Coimbra Coimbra Editora 2012 p115

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extraordinaacuteria eacute geralmente mais extenso e eventualmente a adiccedilatildeo seria insuficiente

para alcanccedilaacute-lo17

Mas uma pergunta ainda precisa ser respondida por que motivo o sucessor decidiria

natildeo somar o seu tempo de posse com o seu antecessor Por que razatildeo ele deixaria de

fazer algo que ao menos em princiacutepio o aproximaria do cumprimento dos requisitos

necessaacuterios para usucapir

O motivo mais visiacutevel seria o conhecimento da existecircncia de um viacutecio de origem na

posse do antecessor uma vez descoberta a injusticcedila eou a maacute feacute da posse do

transmitente o sucessor singular optaria por natildeo realizar a soma dos periacuteodos de

exerciacutecio para natildeo ldquocontaminarrdquo a posse que tem Eacute o entendimento exposto por Joseacute

de Oliveira Ascensatildeo

O possuidor pode ter interesse em invocar unicamente a sua posse e

natildeo se valer da do antecessor Isto aconteceraacute sempre que as

caracteriacutesticas da posse anterior impliquem uma qualificaccedilatildeo mais

desfavoraacutevel que natildeo seja compensada pela maior duraccedilatildeo que da

acessatildeo resultaria Assim aconteceraacute em muitos casos quando a posse

anterior for de maacute-feacute e a actual for de boa-feacute18

O problema eacute que se o sucessor inter vivos descarta a acessio com base no

conhecimento de que a posse do antecessor contraria direito alheio ele natildeo poderaacute

alegar que ignora tal fato Eacute o que fica subentendido na passagem acima notadamente

o trecho onde se lecirc ldquo() as caracteriacutesticas da posse anterior impliquem uma

qualificaccedilatildeo mais desfavoraacutevel que natildeo seja compensada pela maior duraccedilatildeo que da

acessatildeo resultariardquo A possibilidade da avaliaccedilatildeo daquilo que eacute mais ou menos

vantajoso soacute tem sentido se o accipiens tem conhecimento dos viacutecios da posse de

origem E se ele dispotildee desse conhecimento mesmo que decida natildeo realizar a acessio

jaacute seraacute possuidor de maacute-feacute Como consequecircncia ele soacute poderia usucapir na modalidade

extraordinaacuteria pois na modalidade ordinaacuteria a posse de boa-feacute eacute expressamente

exigida

Eacute necessaacuterio registrar que a maacute-feacute do accipiens natildeo pode ser presumida razatildeo pela

qual a ldquovaloraccedilatildeo eacutetica de sua condutardquo nesse sentido deve ser provada Eacute mesmo

possiacutevel imaginar que algueacutem com orientaccedilatildeo adequada de um profissional prefira

nem tomar conhecimento da situaccedilatildeo do seu antecessor para natildeo correr o risco de

17 Eacute a criacutetica incisivamente feita por ABREU Abiacutelio Vassalo ldquoA necessidade de uma mudanccedila jurisprudencial em mateacuteria de acessatildeo da posse (Art1256ordm do Coacutedigo Civil)rdquo In Revista da Ordem dos Advogados Lisboa outdez 2012 pp 1247-1322 p1294 18 OLIVEIRA ASCENCcedilAtildeO Joseacute de Direito civil ndash reais cit p115

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incorrer em maacute-feacute e soacute conte com o seu proacuteprio prazo para usucapir Ainda que tal

providecircncia soacute seja plausiacutevel novamente em funccedilatildeo de alguma suspeita de

irregularidade da posse antecedente qualquer questionamento acerca do conhecimento

ou natildeo dos viacutecios diz respeito aos viacutecios subjetivos da posse

De todo modo vecirc-se que a possibilidade de saneamento dos viacutecios objetivos pela natildeo

realizaccedilatildeo da acessio eacute em primeiro lugar tecnicamente questionaacutevel quando

analisada sob o prisma objetivo de que natildeo se pode transmitir mais direitos do que se

tem Jaacute no plano subjetivo a tese de que a opccedilatildeo pela natildeo realizaccedilatildeo da soma natildeo tenha

decorrido do conhecimento dos viacutecios de origem pelo sucessor natildeo eacute criacutevel ainda que

precise ser provada E se isto eacute assim ainda que se entenda que os viacutecios objetivos

tenham sido purgados o pretenso saneamento seria inoacutecuo sendo de maacute-feacute o sucessor

soacute poderaacute usucapir na modalidade extraordinaacuteria Assim ainda que existam boas

razotildees para natildeo realizar a soma das posses isso natildeo aumenta em nada as chances de

usucapir

3 Posse justa e de boa-feacute na aquisiccedilatildeo derivada o caso da posse ldquojusta

poreacutem ilegiacutetimardquo

Sendo a posse um direito eacute possiacutevel que haja questionamento acerca da regularidade

da transmissatildeo todas as normas atinentes agrave nulidade e agrave anulabilidade dos negoacutecios

juriacutedicos incidiriam na hipoacutetese E qual a consequecircncia de uma transmissatildeo feita por

negoacutecio juriacutedico invaacutelido Ela impediria a soma caso o sucessor a desejasse Obstaria a

aquisiccedilatildeo pela usucapiatildeo na modalidade ordinaacuteria

O entendimento de que a falta de uma transmissatildeo vaacutelida impede a acessio posto que

colocaria em xeque a proacutepria existecircncia de um ldquoantecessorrdquo e um ldquosucessorrdquo eacute

solidamente prevalecente na dogmaacutetica e na jurisprudecircncia portuguesa19 onde se o

negoacutecio eacute invaacutelido a adiccedilatildeo de posse eacute incabiacutevel Mas essa exigecircncia soacute tem fundamento

como requisito de uma posse justa por parte do accipiens e no pressuposto de que a do

tradens tambeacutem eacute justa visto que no caso oposto o viacutecio seria transmitido

Mas ainda que o negoacutecio juriacutedico seja invaacutelido haacute sucessor e antecessor ou seja haacute

produccedilatildeo de efeitos mesmo que comprometidos pela invalidade na transmissatildeo E

19 SANTOS JUSTO A dos Direitos reais 4ordfed cit p200 RODRIGUES Manuel A posse Estudo de direito civil portuguecircs cit p252 LIMA Fernando Andrade Pires de MATOS ANTUNES VARELA Joatildeo de Coacutedigo civil anotado VolIII 3ordfed cit p15 OLIVEIRA ASCENSAtildeO Direito civil ndash reais cit p115

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neste caso a posse adquirida eacute derivada razatildeo pela qual a regra que ldquoningueacutem pode

transmitir mais direitos do que temrdquo permanece atuante

Qualquer irregularidade na transmissatildeo soacute pode ter duas consequecircncias a invalidade

do tiacutetulo motivo pelo qual a posse seria injusta ou o questionamento acerca da

caracterizaccedilatildeo do justo tiacutetulo como tal tendo em vista o requisito da usucapiatildeo

ordinaacuteria Usando a terminologia de Manuel A Albaladejo ldquono plano juriacutedicordquo

qualquer que seja a dimensatildeo da incorreccedilatildeo na transmissatildeo o resultado praacutetico seria o

de uma posse injusta visto que ldquono plano faacuteticordquo o sucessor teria de fato os poderes

caracteriacutesticos de um possuidor regular pois age como se fosse o proprietaacuterio que

adquiriu a posse de outrem20

Em tais condiccedilotildees uma eventual invalidade do tiacutetulo natildeo impede a acessio eis que

efetivamente houve uma sucessatildeo no exerciacutecio faacutetico dos poderes inerentes agrave

caracterizaccedilatildeo da posse21 A consequecircncia possiacutevel na hipoacutetese seria a interdiccedilatildeo da via

que leva agrave usucapiatildeo ordinaacuteria mas natildeo por conta da injusticcedila da posse que daiacute

decorreria e sim em razatildeo de um eventual questionamento acerca do cumprimento do

requisito ldquojusto tiacutetulordquo especificamente exigido pelo Coacutedigo Civil brasileiro na

modalidade

Eacute ainda possiacutevel vislumbrar uma posse justa mas ilegiacutetima na aquisiccedilatildeo derivada

porque o caminho do negoacutecio juriacutedico natildeo configura viacutecio mesmo que ele seja

irregular Mas essa leitura pressupotildee uma diferenciaccedilatildeo entre as palavras ldquoviacuteciordquo e

ldquoobstaacuteculordquo na redaccedilatildeo do artigo 1200 do Coacutedigo Civil22 Isto porque se a posse injusta eacute

aquela que foi obtida de modo viciado (violecircncia clandestinidade ou precariedade) e a

posse de boa-feacute eacute aquela onde o possuidor ignora a ocorrecircncia de ldquoviacutecios ou obstaacuteculosrdquo

na sua aquisiccedilatildeo uma diferenciaccedilatildeo entre as duas palavras tambeacutem cria a oportunidade

de visualizaccedilatildeo de uma posse ldquojustardquo ndash por natildeo ter sido obtida por nenhuma das

formas indicadas na redaccedilatildeo do artigo 1200 do Coacutedigo Civil ndash mas de boa-feacute eis que o

possuidor ignora o ldquoobstaacuteculordquo de outro tipo existente em torno da posse que exerce Eacute

um outro caminho pelo qual eacute possiacutevel chegar ao resultado de uma posse justa e boa

para usucapir

20 ALBALADEJO Manuel A Derecho civil VolIII cit 2010 p73 21 ABREU Abiacutelio Vassalo ldquoA necessidade de uma mudanccedila jurisprudencial em mateacuteria de acessatildeo da posse (Art1256ordm do Coacutedigo Civil)rdquo cit p1297 CORDEIRO A Menezes A posse perspectivas dogmaacuteticas actuais 3ordfed Lisboa Almedina 2014 p136 LEITAtildeO MENEZES Luiacutes Manuel Teles de Direitos reais 4ordfed Lisboa Almedina 2013 p138 22 Art 1200 Eacute justa a posse que natildeo for violenta clandestina ou precaacuteria

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Seria esse o caso da posse obtida por meio de um negoacutecio juriacutedico nulo ou anulaacutevel

bem como no da aquisiccedilatildeo a non domino hipoacuteteses nas quais poder-se-ia dizer que natildeo

haacute propriamente ldquoviacuteciordquo mas tampouco uma posse escorreita Por isto alguns

doutrinadores fazem referecircncia a uma posse justa mas ldquoilegiacutetimardquo23 o que permitiria a

aquisiccedilatildeo pela usucapiatildeo ordinaacuteria que tem prazos menores quando comparada a

extraordinaacuteria

Mas aqui parece vigorar um eufemismo pois uma posse ldquojusta poreacutem ilegiacutetimardquo natildeo

altera o fato de que o direito do proprietaacuterio do bem a ser usucapido estaacute sendo

afrontado eis que o objetivo final eacute passar a ser o titular do direito que ele hoje tem Se

a posse eacute ldquoilegiacutetimardquo isso significa que o modo pelo qual ela foi obtida eacute de alguma

forma irregular E se a posse pode ser ldquojusta poreacutem ilegiacutetimardquo isto significa que o fato

dela ser irregular ndash contraacuteria ao direito portanto ndash natildeo eacute um elemento impeditivo da

usucapiatildeo E se a posse pode ser justa permanecer irregular e mesmo assim continuar

ldquoboa para usucapirrdquo para que serve falar de saneamento afinal

4 Questionando a ocorrecircncia dos viacutecios

A usucapiatildeo expressa o caso em que algueacutem perde a titularidade de um bem pelo fato

de que outra pessoa natildeo autorizada permaneceu exercendo posse sobre a coisa durante

um nuacutemero determinado de anos Em tais condiccedilotildees eacute difiacutecil ateacute visualizar como seria

possiacutevel uma ldquoposse justa ad usucapionemrdquo na aquisiccedilatildeo originaacuteria E essa dificuldade

eacute tatildeo grande que autores como Pinto Ferreira24 conceituaram a posse ad usucapionem

como sendo aquela ldquode quem se assenhoreia de uma res nullius defendendo-a mansa e

pacificamente durante o tempo previsto em leirdquo O raciociacutenio eacute desenvolvido tambeacutem

por Pedro Nunes

Do fato da posse nasce o direito agrave prescriccedilatildeo aquisitiva () Para

adquirir por este modo o pretendente toma sempre uma posse

perdida ou abandonada A perda ocorre quando o dono da coisa

manifesta expressa ou tacitamente a intenccedilatildeo de natildeo mais tecirc-la

como sua ou a natildeo ocupa ou a deixa por incuacuteria ou negligecircncia

inteiramente ao abandono por longo espaccedilo de tempo Reputa-se

voluntaacuteria a perda quando o possuidor ou o ausente tendo ciecircncia do

apoderamento por terceiro de sua propriedade conforma-se com a

situaccedilatildeo natildeo procurando reconquistaacute-la25

23 Eacute o caso em BITTAR Carlos Alberto Direitos reais 2ordfed Rio de Janeiro Forense 2011 p41 COELHO Faacutebio Ulhocirca Curso de direito civil Vol4 ndash direito das coisas e direito autoral 3ordfed Satildeo Paulo Saraiva 2010 p38 NASCIMENTO Tupinambaacute Miguel Castro do Posse e propriedade Porto Alegre Livraria do Advogado 1986 p102 24 FERREIRA Luiz Pinto Posse accedilatildeo possessoacuteria e usucapiatildeo 2ordfed Satildeo Paulo Saraiva 1983 p29 25 NUNES Pedro Do usucapiatildeo 4ordfed Rio de Janeiro Freitas Bastos 1984 p27

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Haacute que se concordar para que algueacutem tenha posse de um bem de maneira natildeo

autorizada sem violar o direito de outrem ndash ou seja de forma justa ndash e

simultaneamente exercecirc-la no intuito de se tornar o titular do direito de propriedade

sobre tal coisa eacute preciso que ela natildeo tenha dono

A outra forma em tese seria questionando a proacutepria ocorrecircncia do viacutecio Os

especialistas discutem largamente por exemplo os termos nos quais uma accedilatildeo pode

ser considerada violenta26 o seu emprego para remoccedilatildeo de cercas muros ou tapumes eacute

suficiente para caracterizaccedilatildeo do viacutecio ou apenas o embate fiacutesico com uma pessoa que

resista ao esbulho

Como indicado parte da doutrina27 tem se esforccedilado para encontrar meios de tornar

justa a posse natildeo autorizada com o objetivo de ampliar as chances de usucapir Para

este caso o problema eacute que a ningueacutem parece dada a possibilidade de seriamente

alegar que desconhece que o apossamento natildeo autorizado atraveacutes do qual efetiva sua

posse sobre um bem imoacutevel contraria direito de outrem E tal afirmaccedilatildeo natildeo tem

objetivo de pocircr em questatildeo o fato de que tal apossamento possa ser a uacuteltima via para

obtenccedilatildeo de direitos fundamentais como a moradia e o trabalho

Os conflitos fundiaacuterios urbanos e rurais ocorrem em decorrecircncia da necessidade de

melhor distribuiccedilatildeo do acesso aos direitos de propriedade em grande medida pautados

pelo questionamento acerca do cumprimento e das consequecircncias da natildeo observacircncia

da funccedilatildeo social exigida em cada hipoacutetese Mas mesmo nesses casos o que haacute eacute um

questionamento da manutenccedilatildeo do direito de propriedade em favor daquele que deixa

de efetivamente exercecirc-lo ou o que o faz de modo indevido Natildeo se trata do

desconhecimento acerca do fato de que o apossamento realizado em tais circunstacircncias

confronta o alegado direito de outrem

26 Eacute tradicional o entendimento de que a caracterizaccedilatildeo da violecircncia vai aleacutem do uso da forccedila contra a proacutepria pessoa do possuidor Por todos Caio Maacuterio da Silva Pereira alerta que ldquoPosse violenta (adquirida vi) a que se adquire por ato de forccedila seja ela natural ou fiacutesica seja moral ou resultante de ameaccedilas que incutam na viacutetima seacuterio receio A violecircncia estigmatiza a posse independentemente de exercer-se sobre a pessoa do espoliado ou de preposto seu como ainda do fato de emanar do proacuteprio espoliador ou de terceirordquo (SILVA PEREIRA Caio Maacuterio da Instituiccedilotildees de direito civil VolIV ndash Direitos reais 22ordfed atualizada por Carlos Edison do Rego Monteiro Filho Rio de Janeiro Forense 2009 p21 Atualmente surge a discussatildeo sobre se o emprego da forccedila para remoccedilatildeo de obstaacuteculos como cercas ou tapumes em um imoacutevel abandonado caracterizaria ainda assim a violecircncia da posse Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald consideram que ldquo() natildeo eacute considerada violenta a posse caso o uso da forccedila se justifique para a remoccedilatildeo de obstaacuteculos fiacutesicos para o ingresso em bens abandonados (vg destruiccedilatildeo de cadeados ou supressatildeo de cercas) Pensamos que soacute haacute violecircncia quando o apossamento resulta de uma conduta contraacuteria agrave vontade do possuidor pelo fato de a coisa ser arrebatada de algueacutem que a isso se oponhardquo FARIAS Cristiano Chaves de ROSENVALD Nelson Curso de direito civil cit p106 27 Como visto nos pontos 2 e 3 do presente texto

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Mas haacute uma diferenccedila como indicado no significado da palavra ldquoinjustardquo quando em

referecircncia ao modo como a posse foi obtida e quando em referecircncia ao conteuacutedo da

soluccedilatildeo dada pelo legislador Uma posse pode ser ldquoinjustardquo em um aspecto formal

decorrente do fato de que foi obtida de forma natildeo autorizada mas ldquojustardquo porque de

um lado natildeo vem sendo utilizada pelo proprietaacuterio e de outro representa a

materializaccedilatildeo de direitos fundamentais sociais negligenciados pelo Estado O fato eacute

que justiccedila material da ocupaccedilatildeo de terrenos abandonados por pessoas que natildeo tem

acesso aos direitos de moradia frente agrave proprietaacuterios negligentes natildeo eacute incompatiacutevel

com o reconhecimento de que o apossamento natildeo foi autorizado e neste sentido

formal gera uma posse injusta

Eacute o que ocorre na dramaacutetica situaccedilatildeo dos conflitos fundiaacuterios urbanos em torno da

moradia Em um importante estudo de campo acerca dos conflitos em torno da terra no

Recife de 1978 Joaquim Falcatildeo detectou em sua pesquisa que ldquoOs invasores querem

ser proprietaacuterios Justificam a invasatildeo de propriedade alheia porque sobre o direito de

usar e dispor segundo a livre vontade do proprietaacuterio deve prevalecer o direito de

moradia de todosrdquo28

Bem se vecirc daiacute que o questionamento da legitimidade da propriedade natildeo utilizada

pressupotildee logicamente o conhecimento da sua existecircncia enquanto tal Natildeo se pode

questionar aquilo que se ignora E se natildeo se ignora natildeo eacute possiacutevel afirmar a boa-feacute Por

isto eacute que a alegaccedilatildeo de que ldquonem sempre o apossamento natildeo autorizado vai gerar uma

posse injustardquo natildeo tem funccedilatildeo nenhuma na definiccedilatildeo das chances de usucapir29 Natildeo eacute

28 FALCAtildeO Joaquim ldquoJusticcedila social e justiccedila legal conflitos de propriedade no Reciferdquo In FALCAtildeO Joaquim (org) Invasotildees urbanas ndash conflitos de direito de propriedade 2ordfed Rio de Janeiro FGV Editora 2008 p112-113 29 Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald questionam a injusticcedila do apossamento de um imoacutevel abandonado com um objetivo claro impedir que a tomada natildeo autorizada seja qualificada como esbulho Essa desqualificaccedilatildeo tem uma funccedilatildeo especiacutefica a de interditar a via da reintegraccedilatildeo por parte do proprietaacuterio que natildeo cumpriria o requisito ldquoprova do esbulhordquo tal qual exigido pelo artigo 561do CPC15 Nesse sentido a reflexatildeo dos autores atua mais na dinacircmica processual do conflito do que no acircmbito material dos requisitos para a usucapiatildeo Mas o entendimento de que defendem a necessidade de uma posse justa para usucapir decorre do trecho no qual os autores esclarecem que ldquo() a posse derivada dos atos de violecircncia ou clandestinidade poderaacute gerar usucapiatildeo extraordinaacuteria (art1238 CC) posto natildeo se exigir como requisitos formais ao alcance da propriedade em tal modalidade originaacuteria o justo tiacutetulo e a boa-feacuterdquo (FARIAS Cristiano Chaves de ROSENVALD Nelson Curso de direito civil Vol5 reais 11ordfed Satildeo Paulo Atlas 2015 p110) Como demonstrado a posse de boa-feacute soacute pode ser justa na hipoacutetese em que o bem eacute uma res nullius No que caso em que a ocupaccedilatildeo natildeo se qualifica como esbulho a usucapiatildeo ordinaacuteria eacute impossiacutevel pela ausecircncia de boa-feacute No caso da aquisiccedilatildeo da posse a non domino seria perfeitamente possiacutevel e coerente reconhecer uma posse injusta (se tambeacutem era a do antecessor) e de boa-feacute se o sucessor natildeo tiver conhecimento do viacutecio de origem Nesse sentido a posse injusta natildeo impediria a usucapiatildeo em nenhuma modalidade e se manteria a coerecircncia interna ante a ideia de que toda posse ad usucapionem eacute necessariamente natildeo autorizada e contraacuteria aos interesses do titular do direito a ser usucapido Por tudo isso eacute possiacutevel reconhecer que tambeacutem os citados autores entendem equivocadamente que a justiccedila da posse amplia as modalidades da usucapiatildeo disponiacuteveis

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de boa-feacute a posse daqueles que ocupam imoacutevel alheio sem autorizaccedilatildeo do proprietaacuterio30

pois por mais que o apossamento seja moralmente justificaacutevel os possuidores natildeo

ignoram o fato de que o bem eacute de outra pessoa E se isto eacute assim a modalidade

disponiacutevel de usucapiatildeo no caso seria a extraordinaacuteria Natildeo pelo caraacuteter injusto da

posse e sim pelo fato dela ser exercida sem justo tiacutetulo e boa-feacute

Nessa linha a tese aqui defendida mostra a sua coerecircncia eacute possiacutevel questionar se o

apossamento configura efetivamente um esbulho31 mas natildeo o fato de que numa ou

noutra hipoacutetese natildeo se ignora que o direito de outrem estaacute sendo afrontado com a

efetivaccedilatildeo da posse natildeo autorizada

30 Este eacute justamente um dos pontos apontados pela doutrina para o fracasso da efetividade da hipoacutetese de aquisiccedilatildeo prevista no artigo 1228 sectsect 4ordm e 5ordm do Coacutedigo Civil Algueacutem pode dizer seriamente que a posse dessas pessoas por mais legiacutetima que possa ser eacute de boa-feacute no sentido de que se ignora que o ato entra em rota de colisatildeo com o direito de outrem Em um dos raros casos nos quais a hipoacutetese foi aplicada sob o nome de ldquodesapropriaccedilatildeo privadardquo os magistrados entenderam que a boa-feacute ldquo() entendida como posse justa natildeo violenta natildeo clandestina ou precaacuteriardquo estava presente no caso concreto em anaacutelise tendo em vista que ldquoAs guias de IPTU juntada (sic) aos autos ldquo() atestam a boa-feacute do recorrido jaacute que o proacuteprio Municiacutepio o reconhecia como proprietaacuterio da aacutereardquo Tribunal de Justiccedila de Minhas Gerais Apelaccedilatildeo Ciacutevel nordm 1028408009185-3005 Rel Des Rogeacuterio Coutinho J 11032015 publicado em 20032015 Disponiacutevel em httpwww5tjmgjusbrjurisprudenciapesquisaPalavrasEspelhoAcordaodoampnumeroRegistro=9amptotalLinhas=48amppaginaNumero=9amplinhasPorPagina=1amppalavras=2522desapropriaE7E3o20judicial2522amppesquisarPor=acordaoamppesquisaTesauro=trueamporderByData=1ampreferenciaLegislativa=Clique20na20lupa20para20pesquisar20as20referEAncias20cadastradasamppesquisaPalavras=Pesquisaramp Acesso em 10012016 31 A reflexatildeo sobre o conceito de ldquoesbulhordquo jaacute vem sendo feita pela doutrina mais progressista Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald fazem esse debate no seu manual precisamente no ponto jaacute citado em que consideram que o apossamento natildeo autorizado de um imoacutevel abandonado gera uma posse justa Eacute uma outra forma de dizer que esse ato natildeo configura esbulho Nesse caminho criacutetico do conceito tradicional existem estudos importantes (como os existentes em STROZAKE Juvelino Joseacute (Org) Questotildees agraacuterias ndash julgados comentados e pareceres Satildeo Paulo Meacutetodo 2002 principalmente os artigos de Roberto Delmanto Jr pp167-182 Antonio Scarance Fernandes pp293-310 e Dyrceu Aguiar Cintra Dias Jr pp 219-230) O debate tambeacutem jaacute chegou aos tribunais No STJ a decisatildeo de referecircncia sobre o tema estaacute no HC 4399SP No voto do Min Luiz Vicente Cernicchiaro o magistrado explicita as razotildees pelas quais concede o HC em favor dos integrantes do MST ldquoNo esbulho possessoacuterio o agente dolosamente investe contra a propriedade alheia a fim de usufruir um de seus atributos (uso) ou alterar os limites do domiacutenio para enriquecimento sem causa No caso dos autos ao contraacuterio diviso pressatildeo social para concretizaccedilatildeo de um direito (pelo menos-interesse) No primeiro caso contraste de legalidade compreende aspectos material e formal No segundo substancialmente natildeo haacute iliacutecito algumrdquo Superior Tribunal de Justiccedila HC nordm4399-SP Luiz Vicente Cernicchiaro Voto Vogal p02 Rel Min William Patterson julgado em 12031996 DJ 08041996 p10491 Disponiacutevel em lthttpwwwstjjusbrSCONjurisprudenciatocjspprocesso=4399ampampb=ACORampthesaurus=JURIDICOampp=truegt Acesso em 13022014 No acircmbito da accedilatildeo de reintegraccedilatildeo de posse movida pelo Governo de Satildeo Paulo contra a ocupaccedilatildeo das escolas estaduais realizada pelos estudantes secundaristas ndash como forma de protesto contra o plano de reorganizaccedilatildeo escolar empreendido pelo Governo daquele Estado ndash o Tribunal de Justiccedila considerou que ldquoNatildeo se antevecirc em suma o animus possidendi ou o animus rem sibi habendi autorizantes do tratamento possessoacuterio da mateacuteria mas antes expressotildees de desobediecircncia civil frente agrave autecircntica violecircncia ciacutevica de que se consideram viacutetimas os manifestantesrdquo E ainda ldquo() natildeo haacute nessa narrativa e nem nos autos qualquer evidecircncia que a entidade sindical queira de modo ilegal apropriar-se dos bens puacuteblicos referidos no recurso tecircm-se que como todos reconhecemos durante a sessatildeo de julgamento a absoluta inadequaccedilatildeo da pretendida proteccedilatildeo possessoacuteria e portanto o tangenciamento da carecircncia da accedilatildeo por falta de interesse de agirrdquo Tribunal de Justiccedila ndash SP Agravo de Instrumento nordm2243232-252015826000 7ordf Cacircmara de Direito Puacuteblico Rel Min Coimbra Schmidt Julgado em 23112015 Disponiacutevel em lthttpsesajtjspjusbrcposgshowdoprocessoforo=990ampprocessocodigo=RI0032WUQ0000gt Acesso em 25112015

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Esse eacute afinal o ponto relevante para definiccedilatildeo da posse apta a gerar a usucapiatildeo pois a

hipoacutetese que ora se desenvolve eacute a de que toda posse ad usucapionem eacute sempre e

necessariamente uma posse injusta sendo capaz de viabilizar a usucapiatildeo tanto

extraordinaacuteria quanto a ordinaacuteria Eacute perfeitamente possiacutevel que o sucessor na posse

natildeo tenha conhecimento da maacutecula que existiu na sua aquisiccedilatildeo pelo antecessor

hipoacutetese na qual teria posse injusta em funccedilatildeo da transmissatildeo do viacutecio com justo tiacutetulo

e boa-feacute Como a ldquoposse injustardquo em sentido formal eacute o mesmo que ldquoposse natildeo

autorizadardquo natildeo haveria impedimento em usucapir na modalidade ordinaacuteria

5 A influecircncia do tempo no saneamento dos viacutecios da posse

As estrateacutegias de saneamento tecircm como objetivo transformar uma posse inicialmente

injusta em uma posse justa no pressuposto de que tal requisito eacute imprescindiacutevel para

que se possa usucapir Mas tais estrateacutegias satildeo tatildeo amplas e variadas que o saneamento

se torna praticamente inevitaacutevel para uma parte da doutrina a simples manutenccedilatildeo da

posse pelo curto periacuteodo de 1 ano faz com que ela perca o viacutecio de origem e se torne

apta a viabilizar a usucapiatildeo

Esta interpretaccedilatildeo eacute decorrente de uma leitura muito particular da norma processual

que reserva a tutela liminar para os casos nos quais a posse tenha sido perdida haacute

menos de ano e dia32 Trata-se da diferenccedila entre a chamada ldquoposse novardquo e a ldquoposse

velhardquo Se a posse do esbulhador estiver sendo exercida haacute mais de 1 ano o esbulhado

perde a possibilidade de uma reintegraccedilatildeo liminar pois trata-se de uma ldquoposse velhardquo

Isto natildeo impede que o esbulhado obtenha uma medida mais ceacutelere mas ele precisaria

utilizar a via da tutela antecipada prevista no artigo 273 do CPC73 e que hoje como

espeacutecie do gecircnero tutela de urgecircncia tem o seu conteuacutedo regulado pelos artigos 294-

311 do CPC1533 De uma maneira geral o esbulhado precisaria de provas mais robustas

de que seu direito foi violado Vecirc-se que o tempo de exerciacutecio da posse pelo esbulhador

tem reflexo na dinacircmica processual da retomada mas natildeo na qualificaccedilatildeo da posse em

disputa que continua sendo injusta

32 Art 924 Regem o procedimento de manutenccedilatildeo e de reintegraccedilatildeo de posse as normas da seccedilatildeo seguinte quando intentado dentro de ano e dia da turbaccedilatildeo ou do esbulho passado esse prazo seraacute ordinaacuterio natildeo perdendo contudo o caraacuteter possessoacuterio 33 No CPC15 a tutela cautelar ndash pautada no fumus boni iuris e periculum in mora ndash e a tutela antecipada ndash baseada em verossimilhanccedila do que eacute alegado fundado receio de dano ou abuso do direito de defesa ndash foram reunidas em torno da tutela provisoacuteria nos seguintes termos Art294 A tutela provisoacuteria pode fundamentar-se em urgecircncia ou evidecircncia Paraacutegrafo uacutenico A tutela provisoacuteria de urgecircncia cautelar ou antecipada pode ser concedida em caraacuteter antecedente ou incidental Os requisitos para tais medidas em muito semelhantes aos termos do CPC revogado de uma maneira geral estatildeo regulados como indicado entre os artigos 294 e 311

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Poreacutem uma parte importante da doutrina civiliacutestica brasileira interpreta as diferenccedilas

estabelecias pelo direito processual como uma outra estrateacutegia de saneamento

decorrente da simples passagem do tempo O pensamento eacute o de que se reintegraccedilatildeo

liminar natildeo eacute mais possiacutevel isso significa que a posse inicialmente injusta se

transformou em posse justa Este entendimento eacute adotado por doutrinadores como por

exemplo Maria Helena Diniz que indica expressamente ldquo() se o adquirente a tiacutetulo

clandestino ou violento provar que sua clandestinidade ou violecircncia cessaram haacute mais

de ano e dia sua posse passa a ser reconhecida convalescendo-se dos viacutecios que a

maculavamrdquo34

Tal interpretaccedilatildeo eacute criticaacutevel porque o fato do possuidor esbulhado ter que fazer uma

prova mais consistente do seu direito para que obtenha a tutela antecipada natildeo

significa que a posse do esbulhador tenha passado a ser justa Significa apenas que

tendo em vista que o momento do esbulho natildeo eacute mais tatildeo niacutetido a prova para a

retomada da posse deve ser mais substancial para que a tutela seja concedida Mas o

apossamento natildeo autorizado ocorreu

Da mesma forma quando se tem em conta que natildeo haacute nenhuma modalidade de

usucapiatildeo com menos de 1 ano todas as vezes que o possuidor tiver superado tal prazo

o viacutecio teraacute sido expurgado razatildeo pela qual natildeo haveria hipoacutetese de possuidor com

tempo suficiente para usucapir que jaacute natildeo teria passado pelo ldquomarco saneadorrdquo35

Ainda entre os especialistas brasileiros Silvio Rodrigues36 defendeu a tese de que apoacutes

ano e dia de exerciacutecio da posse pelo esbulhador o possuidor esbulhado perderia o

direito de retomaacute-la pela via possessoacuteria cabendo apenas a accedilatildeo reivindicatoacuteria com

base no tiacutetulo Tal impossibilidade seria reflexo de que a posse inicialmente injusta pela

aquisiccedilatildeo violenta teria passado a ser justa tendo em vista a passagem do prazo

34 DINIZ Maria Helena Curso de direito civil brasileiro Vol4 ndash direito das coisas 26ordfed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p78 O posicionamento eacute tambeacutem encampado entre outros por NEDER Natal Usucapiatildeo de imoacuteveis 3ordfed Rio de Janeiro Forense 1989 p19 35 Tambeacutem por isso parece curiosa a hipoacutetese de saneamento pela passagem do tempo vislumbrada por COELHO Faacutebio Ulhocirca Curso de direito civil Vol4 ndash direito das coisas cit p39 ldquoA posse soacute deixa de ser violenta se o antigo possuidor natildeo se interessa pela retomada do bem ou natildeo obtendo sucesso no exerciacutecio do desforccedilo imediato desiste da luta Desaparecendo a violecircncia nesse caso a posse se torna justa () Em suma o desinteresse do desapossado em defender a sua posse descaracteriza a origem viciada da do novo possuidorrdquo De acordo com tal raciociacutenio todas as vezes que o possuidor tiver posse ad usucapionem pelo tempo necessaacuterio para usucapir a posse injusta teraacute se transformado em posse justa E se isso eacute assim para que serve o exame dos viacutecios objetivos 36 RODRIGUES Silvio Direito civil Vol5 ndash direito das coisas 28ordfed Satildeo Paulo Saraiva 2009 p25-27

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O raciociacutenio de Silvio Rodrigues parece uma meacutelange da soluccedilatildeo positivada em alguns

sistemas estrangeiros como vg no direito espanhol e no direito portuguecircs O

problema eacute que aqui ao contraacuterio do que ocorre nos ordenamentos dos dois maiores

paiacuteses da Peniacutensula Ibeacuterica natildeo haacute nenhuma disposiccedilatildeo normativa que ampare tal

interpretaccedilatildeo Em Portugal e na Espanha o decurso do prazo de um ano tem

primeiramente uma funccedilatildeo especiacutefica a de decretar o momento da perda da posse por

parte do possuidor esbulhado37 Eacute o mesmo raciociacutenio que no Brasil sustenta a previsatildeo

do artigo 122438 onde ainda que sem uma referecircncia objetiva de tempo eacute possiacutevel

verificar que o possuidor esbulhado natildeo perde o seu direito de posse no exato momento

em que ocorre a perda no plano faacutetico A funccedilatildeo dessa ficccedilatildeo39 tanto laacute quanto caacute

tambeacutem eacute a mesma garantir que natildeo haja soluccedilatildeo de continuidade no exerciacutecio da

posse quando intervalos intermitentes ocorrem40

De se ressaltar ainda que no ordenamento portuguecircs assim como no direito espanhol

o prazo de 1 ano corresponde tambeacutem agrave ldquocaducidaderdquo das accedilotildees de reintegraccedilatildeo ou

manutenccedilatildeo de posse41 Como o possuidor esbulhado natildeo pode mais utilizar tais accedilotildees

a interdiccedilatildeo da via possessoacuteria gera consequecircncias na compreensatildeo da manutenccedilatildeo dos

viacutecios No direito espanhol natildeo sem polecircmica o prazo de 1 ano de exerciacutecio da posse

pelo esbulhador configura hipoacutetese na qual ldquoel transcurso del tiempo sirve para

subsanar este vicio posesoriordquo42

37 Coacutedigo Civil espanhol ldquoArtiacuteculo 460 El poseedor puede perder su posesioacuten () 4 Por la posesioacuten de otro aun contra la voluntad del antiguo poseedor si la nueva posesioacuten hubiese durado maacutes de un antildeordquo Coacutedigo Civil portuguecircs ldquoArtigo 1267ordm (Perda da posse) 1 O possuidor perde a posse () d) Pela posse de outrem mesmo contra a vontade do antigo possuidor se a nova posse houver durado mais de um anordquo 38 Art 1224 Soacute se considera perdida a posse para quem natildeo presenciou o esbulho quando tendo notiacutecia dele se absteacutem de retornar a coisa ou tentando recuperaacute-la eacute violentamente repelido 39 No direito espanhol a doutrina diverge acerca do momento em que tem iniacutecio a posse do esbulhador Haacute quem entenda que a posse do esbulhador soacute tem iniacutecio apoacutes o prazo de 1 ano RODRIGUEZ-CANO Rodrigo Bercovitz Manual de derecho civil ndash derechos reales Madrid Bercal 2013 p77) Outros consideram que coexistem desde o iniacutecio duas posses sobre o bem posse de fato exercida pelo esbulhador e a posse de direito que ateacute o transcurso do prazo permanece na titularidade do esbulhado LOacutePEZ y LOacutePEZ Aacutengel M FERNANDEZ Rosario Valpuesta et all Derecho civil patrimonial Vol II Valencia Tirant lo Blanch 2014 p97 40 TEPEDINO Gustavo Comentaacuterios ao coacutedigo civil cit p192 DIacuteEZ-PICAZO Luis GULLOacuteN Antonio Sistema de derecho civil VolIII Tomo I (derechos reales en general) 8ordfed Madrid Tecnos 2013 p116 41 CORDEIRO Antoacutenio Menezes A posse perspectivas dogmaacuteticas actuais cit p112 SANTOS JUSTO A dos Direitos Reais 4ordfed cit p218 LOacutePEZ PAacuteSARO Eduardo Tutela Sumaria de la Posesioacuten (Interdicto de recobrar) Madrid Dykinson 2014 p187 O artigo 1282 do Coacutedigo Civil portuguecircs indica que ldquoA acccedilatildeo de manutenccedilatildeo bem como as de restituiccedilatildeo da posse caducam se natildeo forem intentadas dentro do ano subsequente ao acto da turbaccedilatildeo ou do esbulho ou ao conhecimento dele quando tenha sido praticado a ocultasrdquo Jaacute o diploma civil espanhol preceitua no seu artigo 19681 do Coacutedigo Civil espanhol ldquo Artiacuteculo 1968 Prescriben por el transcurso de un antildeo 1La accioacuten para recobrar o retener la posesioacutenrdquo 42 RODRIGUEZ-CANO Rodrigo Bercovitz Manual de derecho civil ndash derechos reales cit p73 No mesmo sentido ALBALADEJO Manuel A Derecho civil VolIII cit p63 DIacuteEZ-PICAZO Luis Fundamentos del derecho civil patrimonial VolIII las relaciones juriacutedico-reales el registro de la propiedad la posesioacuten 5ordfed Madrid Civitas 2008 p689

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Jaacute no direito portuguecircs o Coacutedigo Civil eacute expresso acerca da possibilidade de

saneamento dos viacutecios43 e a doutrina encampa unanimemente o entendimento de que

a posse eacute violenta ndash portanto injusta ndash apenas no tempo de duraccedilatildeo de seus efeitos44

Ou seja a posse violenta clandestina ou precaacuteria perde a condiccedilatildeo de viciosa no exato

instante em que se estabiliza Apoacutes a cessaccedilatildeo da violecircncia a posse passa a ser

perfeitamente apta a gerar a usucapiatildeo45

Mas ideia de que a posse eacute injusta apenas enquanto houver violecircncia ou

clandestinidade ao contraacuterio do direito luso natildeo tem respaldo no ordenamento

brasileiro apesar de ser defendida por nomes como os de Lenine Nequete46 e Arnoldo

Wald47 O artigo 1208 do Coacutedigo Civil alocado no capiacutetulo referente agrave aquisiccedilatildeo da

posse dispotildee claramente que ldquoNatildeo induzem posse os atos de mera permissatildeo ou

toleracircncia assim como natildeo autorizam a sua aquisiccedilatildeo os atos violentos ou clandestinos

senatildeo depois de cessar a violecircncia ou a clandestinidaderdquo Ou seja aqui enquanto a

violecircncia estiver sendo empregada natildeo haacute posse Apoacutes a sua cessaccedilatildeo a posse advinda

de tais atos eacute posse mas posse injusta48

Natildeo haacute duacutevida portanto de que o prazo de ldquoano e diardquo tem uma funccedilatildeo importante No

direito espanhol o prazo serve como marco da perda da posse da impossibilidade de

utilizaccedilatildeo das accedilotildees possessoacuterias e de saneamento dos viacutecios objetivos No direito

portuguecircs serve igualmente de referecircncia para identificaccedilatildeo do momento de perda da

posse e da caducidade da via possessoacuteria ao passo que os viacutecios satildeo considerados

sanados apoacutes a cessaccedilatildeo de seus efeitos

Em ambos os ordenamentos o expurgo dos viacutecios pela passagem do tempo tem

respaldo normativo ainda que as criacuteticas anteriormente feitas a este raciociacutenio no

direito brasileiro tambeacutem sejam aplicaacuteveis a tais sistemas natildeo havendo tambeacutem neles

nenhuma modalidade de usucapiatildeo com menos de 1 ano a ideia do saneamento da

43 Artigo 1297ordm (Posse violenta ou oculta) Se a posse tiver sido constituiacuteda com violecircncia ou tomada ocultamente os prazos da usucapiatildeo soacute comeccedilam a contar-se desde que cesse a violecircncia ou a posse se torne puacuteblica 44 Por todos CARVALHO Orlando de Direito das coisas Coimbra Coimbra Editora 2012 p283 45 FRANCcedilA PITAtildeO Joseacute Antoacutenio de Posse e usucapiatildeo Lisboa Almedina 2007 p74 FERREIRA Durval Posse e usucapiatildeo 3ordfed Lisboa Almedina 2008 p319 OLIVEIRA ASCENCcedilAtildeO Joseacute de Direito civil ndash reais cit p116 46 NEQUETE Lenine Da prescriccedilatildeo aquisitiva (usucapiatildeo) Porto Alegre Ediccedilatildeo Sulina 1954 p80 47 WALD Arnoldo Direito Civil direito das coisas Vol4 Satildeo Paulo Saraiva 2011 pp103-104 48 Segundo esclarece Joseacute Carlos Moreira Alves ldquo() para o Coacutedigo Civil brasileiro () enquanto materialmente existentes ndash ou seja enquanto se pratica a violecircncia ou haacute clandestinidade ndash impedem [tais viacutecios] a aquisiccedilatildeo ateacute da possessio ad interdicta havendo apenas detenccedilatildeo independente e uma vez cessados em sua materialidade surge a posse embora qualificada como injusta que produz as consequecircncias de qualquer posse injustardquo MOREIRA ALVES Joseacute Carlos ldquoA detenccedilatildeo no direito civil brasileiro (conceito e casos)rdquoIn CAHALI Yussef Said Posse e propriedade doutrina e jurisprudecircncia Satildeo Paulo Saraiva 1987 p20

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mesma forma que aqui natildeo tem funccedilatildeo nenhuma porque sempre que o usucapiente

tiver prazo para usucapir os viacutecios teratildeo deixado de existir

De se ressaltar ainda que o proacuteprio Silvio Rodrigues reconheceu que a sua tese natildeo

tinha fundamento legal Na nota de rodapeacute 28 do seu livro ldquoDireito das Coisasrdquo49 o

autor demonstrou que entendia que o Coacutedigo de Processo Civil de 1939 tinha extirpado

a ldquoaccedilatildeo de forccedila velha expoliativardquo do ordenamento brasileiro razatildeo pela qual para o

possuidor de mais de 1 ano e dia caberia apenas a via petitoacuteria o que sanearia o viacutecio na

aquisiccedilatildeo Isto porque segundo sua interpretaccedilatildeo ldquoBasta que ela [a posse] se estenda

pacificamente ou publicamente durante o intervalo de ano e dia para que fique

purgada de seus defeitosrdquo50 Mas o proacuteprio autor admitiu ao final da nota de rodapeacute

28 que o CPC de 73 ldquoextirpou a duacutevidardquo que poderia existir em torno da possibilidade

de accedilatildeo de reintegraccedilatildeo com mais de 1 ano e dia do esbulho que ldquomesmo intentadas

apoacutes o intervalo de ano e dia natildeo perdem o seu caraacuteter acessoacuteriordquo51 Mesmo criticando

a soluccedilatildeo do CPC reconhece que ldquo() a vontade do legislador manifestada de forma

irrefutaacutevel que deve prevalecerrdquo52 Fica claro portanto que natildeo haacute fundamento legal

para a tese de que a posse injusta se transforma em posse justa apoacutes ano e dia

6 Saneamento pelo cumprimento da funccedilatildeo social

Alguns estudos mais recentes tecircm indicado que os viacutecios objetivos da posse podem ser

considerados sanados uma vez constatado o cumprimento da funccedilatildeo social por parte do

esbulhador53

Mas o saneamento pelo cumprimento da funccedilatildeo social da posse pode ser

primeiramente criticado por que natildeo haacute qualquer dispositivo normativo em vigor no

ordenamento juriacutedico brasileiro que defina o que eacute e qual eacute o conteuacutedo da funccedilatildeo social

da posse A doutrina tem buscado dar substacircncia ao princiacutepio pela conexatildeo que

tradicionalmente eacute feita entre funccedilatildeo social da posse e a efetivaccedilatildeo de direitos

fundamentais como os de moradia e trabalho

49 RODRIGUES Silvio Direito civil Vol5 ndash direito das coisas cit p30 50 RODRIGUES Silvio Direito civil Vol5 ndash direito das coisas cit p30 51 O CPC15 eacute claro acerca do caraacuteter possessoacuterio da accedilatildeo proposta apoacutes o prazo de ldquoano e diardquo Art558 Regem o procedimento de manutenccedilatildeo e de reintegraccedilatildeo de posse as normas da Seccedilatildeo II deste Capiacutetulo quando a accedilatildeo for proposta dentro de ano e dia da turbaccedilatildeo ou do esbulho afirmado na peticcedilatildeo inicial Paraacutegrafo uacutenico Passado o prazo referido no caput seraacute comum o procedimento natildeo perdendo contudo o caraacuteter possessoacuterio 52 RODRIGUES Silvio Direito civil Vol5 ndash direito das coisas cit p30 nota28 53 MELO Marco Aureacutelio Bezerra de Curso de direito civil Vol5 ndash direito das coisas 2015 p73 FARIAS Cristiano Chaves de ROSENVALD Nelson Curso de direito civil Vol5 ndash reais cit p119

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Eacute possiacutevel tentar extrair essa conexatildeo da relaccedilatildeo entre posse e propriedade

considerando que a propriedade deve cumprir a funccedilatildeo social a posse tambeacutem deve ser

lida como subordinada a tal princiacutepio Mas se a funccedilatildeo social da propriedade eacute em

grande medida a ldquofunccedilatildeo social da posse exercida pelo proprietaacuteriordquo54 seraacute viaacutevel dizer

que o contraacuterio tambeacutem eacute verdadeiro Um possuidor de uma aacuterea de grande extensatildeo

de terra na zona rural estaacute obrigado a cumprir os mesmos preceitos direcionados ao

proprietaacuterio estabelecidos no artigo 184 da Constituiccedilatildeo E qual seria a consequecircncia

do descumprimento desse conteuacutedo por parte de quem eacute apenas o possuidor E no caso

da posse urbana qual o conteuacutedo a ser cumprido para que a funccedilatildeo social seja

contemplada

A falta de uma definiccedilatildeo sobre o conteuacutedo objetivamente definido para a funccedilatildeo social

da posse prejudica enormemente a sua utilizaccedilatildeo como criteacuterio para avaliaccedilatildeo do o

expurgo dos viacutecios objetivos Aleacutem de desnecessaacuteria a possibilidade do saneamento

atraveacutes de um princiacutepio tatildeo ldquomaleaacutevelrdquo tem como consequecircncia o seu reconhecimento

em um sem nuacutemero de situaccedilotildees tatildeo diacutespares que fica difiacutecil enxergar em que

circunstacircncia qualquer exerciacutecio regular da posse natildeo o atenderia

Nos tribunais fala-se em cumprimento da funccedilatildeo social quando a posse de um terreno eacute

utilizada para criaccedilatildeo de galinhas55 quando mesmo sem comprovar o tempo

necessaacuterio o possuidor prova que construiu lojas e quitinetes no imoacutevel que pretendia

usucapir56 ou ainda quando o imoacutevel a ser usucapido foi utilizado como garagem e aacuterea

de lazer durante o lapso temporal necessaacuterio agrave usucapiatildeo57

54 DANTAS Marcus Eduardo de Carvalho ldquoDa funccedilatildeo social da propriedade agrave funccedilatildeo social da posse exercida pelo proprietaacuterio ndash uma proposta de releitura do princiacutepio constitucionalrdquo RIL ndash Revista de Informaccedilatildeo Legislativa ano 52 n 205 p23-38 Mar 2015 p34 DANTAS Marcus Eduardo de Carvalho ldquoFunccedilatildeo social nos conflitos fundiaacuteriosrdquo Revista Direito GV Satildeo Paulo v9 n 2 p465-488 Dec 2013 p479 55 Tribunal de Justiccedila do Rio de Janeiro Apelaccedilatildeo nordm 0003045-5320028190061 Rel Des Gilda Maria

Dias Carrapatoso Julgamento 31072013 13ordf Cacircmara Ciacutevel Disponiacutevel em

httpwww1tjrjjusbrgedcachewebdefaultaspxUZIP=1ampGEDID=0004CC331928D8D3A72C15733D

069BD44D8BC50237206304 Acesso em 12032015 56 Tribunal de Justiccedila do Rio de Janeiro Apelaccedilatildeo nordm 0034331-2420108190205 Rel Des Andreacute

Ribeiro Julgamento 05062013 7ordf Cacircmara Ciacutevel Disponiacutevel em

httpwww1tjrjjusbrgedcachewebdefaultaspxUZIP=1ampGEDID=000421376D950C28F7B805418EE

F244E6857C5022B4D2D4CAcesso em 12032015 57 Tribunal de Justiccedila do Rio de Janeiro Apelaccedilatildeo nordm 0096918-8820058190001 Rel Des Antocircnio

Saldanha Palheiro Julgamento 12042011 5ordf Cacircmara Ciacutevel Disponiacutevel em

httpwww1tjrjjusbrgedcachewebdefaultaspxUZIP=1ampGEDID=0003FDB81056920E5F12D511F73

43C44001098C403252532 Acesso em 12032015

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Natildeo se trata aqui de uma avaliaccedilatildeo moral acerca daquilo que deve ou natildeo ser

considerado como o conteuacutedo da funccedilatildeo social A questatildeo eacute que sem um conteuacutedo bem

especificado a funccedilatildeo social deixa de ser um mecanismo de qualificaccedilatildeo da posse ela

natildeo tem serventia alguma como mecanismo de diferenciaccedilatildeo Se a utilizaccedilatildeo de um

terreno como garagem e lazer corresponde ao exerciacutecio da posse com funccedilatildeo social em

que circunstacircncia o exerciacutecio puro e simples da posse natildeo corresponderia a tal

princiacutepio Basta natildeo realizar uma atividade iliacutecita para cumprir a funccedilatildeo social da

posse Qual a diferenccedila entre ldquoter posserdquo e ldquoter posse com funccedilatildeo socialrdquo

A segunda linha de criacutetica se orienta pelo fato de que nem todas as modalidades de

usucapiatildeo existentes no ordenamento brasileiro tecircm uma conexatildeo visiacutevel com os temas

tradicionalmente considerados como caracteriacutesticos da funccedilatildeo social A usucapiatildeo

extraordinaacuteria prevista no caput do artigo 1238 do Coacutedigo Civil58 por exemplo natildeo

exige do possuidor que exerccedila a posse com fins de moradia tampouco que utilize o

imoacutevel como fonte de trabalho Isso mostra que o Coacutedigo diferencia as situaccedilotildees nas

quais a posse eacute exercida como meio de efetivaccedilatildeo dos direitos tradicionalmente

afinados com uma ideia geral de funccedilatildeo social e aquelas nas quais a posse eacute exercida

regularmente mas sem tal qualificaccedilatildeo especial Em tais condiccedilotildees o entendimento de

que a injusticcedila original da posse pode ser sanada pelo cumprimento da funccedilatildeo social

para a usucapiatildeo em geral ficaria ainda uma vez sem sentido pois o diploma civil natildeo

exige que a posse seja exercida como moradia ou fonte de trabalho em todas as

modalidades da usucapiatildeo

7 O ldquoteste do uso incompatiacutevelrdquo e a funccedilatildeo da posse injusta na usucapiatildeo

Apesar de todo esforccedilo doutrinaacuterio na defesa de formas pelas quais a posse injusta pode

deixar para traacutes o seu viacutecio de origem a doutrina tem um posicionamento tatildeo soacutelido

quanto incoerente acerca do viacutecio da precariedade o de que ele natildeo convalesce nunca

O entendimento eacute defendido por quase59 a totalidade dos especialistas sob o

58 Art 1238 Aquele que por quinze anos sem interrupccedilatildeo nem oposiccedilatildeo possuir como seu um imoacutevel adquire-lhe a propriedade independentemente de tiacutetulo e boa-feacute podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentenccedila a qual serviraacute de tiacutetulo para o registro no Cartoacuterio de Registro de Imoacuteveis Paraacutegrafo uacutenico O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-aacute a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imoacutevel a sua moradia habitual ou nele realizado obras ou serviccedilos de caraacuteter produtivo

59 Francisco Eduardo Loureiro eacute uma boa exceccedilatildeo agrave leitura predominante Nesse sentido ldquoDiz-se que a posse precaacuteria nunca gera usucapiatildeo Na verdade eacute ela imprestaacutevel para usucapiatildeo natildeo porque eacute injusta mas porque o precarista natildeo tem animus domini uma vez que reconhece a supremacia e o melhor direito do terceiro sobre a coisa Caso poreacutem natildeo reconheccedila ou deixe de reconhecer essa posiccedilatildeo e revele isso de modo inequiacutevoco e claro ao titular do domiacutenio para que este possa reagir e retomar a coisa nasce nesse momento o prazo para usucapiatildeo porque o requisito animus domini estaraacute entatildeo presente LOUREIRO Francisco Eduardo ldquoDireito das coisas (arts 1196-1510)rdquo In PELUSO Cezar (Coord) Coacutedigo civil interpretado Satildeo Paulo Manole 2008 p1092-1093

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argumento de que o descumprimento do dever de restituiccedilatildeo do bem soacute deixa de existir

quando a coisa eacute devolvida Enquanto o bem permanece com o esbulhador a posse

permanece injusta e nenhuma das taacuteticas anteriormente analisadas seria suficiente

para modificar tal condiccedilatildeo

Trata-se de uma interpretaccedilatildeo no miacutenimo insoacutelita pois acaba tornando o viacutecio da

precariedade mais grave que os outros se o esbulhador usa a violecircncia fiacutesica contra a

pessoa do esbulhado ele pode ver tal viacutecio sanado das formas mais diversas se a

aquisiccedilatildeo se daacute pela recusa da restituiccedilatildeo isso natildeo seria de forma alguma possiacutevel pela

ldquoquebra da confianccedilardquo Mas por que a ldquoquebra da confianccedilardquo eacute mais grave que o uso da

forccedila fiacutesica Aleacutem de natildeo parecer razoaacutevel trata-se de uma interpretaccedilatildeo que atribui

uma vantagem injustificaacutevel em favor do proprietaacuterio Independentemente do que ele

tiver feito ou deixado de fazer para retomar o bem o fato da posse ser injusta

bloquearia a usucapiatildeo para sempre

Como indicado a discussatildeo acerca das circunstacircncias nas quais algueacutem pode se tornar

proprietaacuterio pela usucapiatildeo eacute tambeacutem uma discussatildeo acerca das condiccedilotildees nas quais

algueacutem pode legitimamente exercer o seu direito de propriedade Eacute possiacutevel

reconhecer poreacutem que a doutrina brasileira tem dado uma ecircnfase talvez desmesurada

na atuaccedilatildeo do possuidor deixando de investigar a dimensatildeo real do papel do

proprietaacuterio nesse jogo Soacute haveraacute usucapiatildeo se o proprietaacuterio de algum modo se

mantiver inerte na recuperaccedilatildeo do bem E se o proprietaacuterio deixou de tomar as

providencias necessaacuterias agrave tutela do seu direito durante um periacuteodo que pode variar de

2 a 15 anos eacute porque ele tambeacutem contribuiu para a consolidaccedilatildeo da posse do

usucapiente Como seria o cenaacuterio se a ecircnfase no processo recaiacutesse sobre o

proprietaacuterio Se independentemente da preocupaccedilatildeo com a caracterizaccedilatildeo de

eventuais viacutecios da posse incidisse principalmente sobre o titular a responsabilidade de

agir para que a usucapiatildeo natildeo se consumasse

Um caso interessante nesse sentido ndash e pouco estudado no Brasil ndash eacute o chamado

ldquoJAPye (Oxford) Ltd v Grahamrdquo ou apenas ldquoCase Pyerdquo como ficou conhecido De

forma muito resumida a empresa do ramo imobiliaacuterio JA Pye (Oxford) Ltd adquiriu

um terreno em Berkshire oeste de Londres com o objetivo de desenvolver um

empreendimento imobiliaacuterio e obteve o respectivo registro como proprietaacuteria da aacuterea

Apoacutes realizar a venda de uma parte do terreno a empresa inglesa celebrou um contrato

de 1 ano com a famiacutelia Graham por meio do qual seus integrantes ficavam autorizados a

utilizar os 25 hectares restantes da aacuterea como pasto Apoacutes o teacutermino do contrato os

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Graham procuraram a empresa com objetivo de obter uma renovaccedilatildeo mas a J A Pye

Ltd se recusou a fazecirc-lo Apesar disso Caroline e Michael Graham continuaram a

ocupar o terreno e a utilizaacute-lo como pasto por mais 12 anos com o conhecimento da

empresa mas sem o seu consentimento ainda que a J A Pye Ltd tenha se mantido

inerte quanto agraves providecircncias necessaacuterias para impedir a permanecircncia natildeo autorizada

dos Graham no local Apoacutes os 12 anos de exerciacutecio natildeo autorizado da posse os Graham

solicitaram o reconhecimento dos seus direitos sobre a referida aacuterea o que foi

concedido pelo registro com base na ldquoadverse possessionrdquo ou seja na usucapiatildeo

A decisatildeo gerou um sem nuacutemero de polecircmicas e modificaccedilotildees de rumo chegando ateacute

ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos onde no julgamento da Queixa

nordm4430202 foi dado ganho de causa ao Reino Unido e por consequecircncia agrave famiacutelia

Graham Em um primeiro momento a ldquoCourt of Appealrdquo deu decisatildeo favoraacutevel agrave

empresa ldquoPyerdquo com base entre outros motivos no fato de que a famiacutelia Graham natildeo

tinha ldquothe necessary intention to possessrdquo ou seja o acircnimo de dono Considerando-se

que no direito inglecircs vigora o chamado ldquoprocedural approachrdquo no que tange agrave usucapiatildeo

ndash a ecircnfase no aspecto processual da disputa ndash a referecircncia ao animus possidendi foi

considerada uma inovaccedilatildeo surpreendente60 De fato uma vez que os agricultores

permaneceram apenas fazendo aquilo que jaacute faziam quando do contrato em vigor os

julgadores da ldquoCourt of Appealrdquo entenderam que natildeo havia a intenccedilatildeo de passar a ser o

dono do lugar contrapondo-se frontalmente ao direito da empresa61 A decisatildeo foi

objeto de recurso agrave ldquoHouse of Lordsrdquo que deu ganho de causa agrave Caroline Graham62

Ainda inconformada a empresa ldquoPyerdquo entrou com novo recurso e como indicado o

caso chegou ateacute ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos sob a alegaccedilatildeo de que o

Reino Unido havia violado o direito de propriedade da J A Pye Ltd descumprindo a

garantia prevista no artigo 1ordm do Protocolo Adicional nordm 1 da Convenccedilatildeo Europeia dos

Direitos do Homem63 A decisatildeo final foi favoraacutevel ao Reino Unido e

60 RADLEY-GARNER Oliver ldquoCivilized Squattingrdquo Oxford Journal of Legal Studies (winter 2005) 25 (04) p728 61 A discussatildeo pode ser conhecida em httpwwwpublicationsparliamentukpald200102ldjudgmtjd020704graham-3htm Acesso em 13122014 62 O voto de maior peso no julgamento foi o de Lord Browne-Wilkinson por ter considerado que ao contraacuterio do que se exigia ateacute entatildeo a partir do momento em que os Graham continuaram a pastorear a terra sem a autorizaccedilatildeo da ldquoJAPyerdquo eles passaram a ter posse em nome proacuteprio o que independentemente de um conflito aberto seria suficiente para viabilizar a adverse possession O voto na iacutentegra pode ser lido em ldquoHouse of Lords Judgments ndash J A Pye (Oxford) Ltd and Others v Graham and Another on 4 July 2002rdquo httpwwwpublicationsparliamentukpald200102ldjudgmtjd020704graham-1htm Acesso em 13122014 63 ldquoQualquer pessoa singular ou colectiva tem direito ao respeito dos seus bens Ningueacutem pode ser privado do que eacute sua propriedade a natildeo ser por utilidade puacuteblica e nas condiccedilotildees previstas pela lei e pelos princiacutepios gerais do direito internacional

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consequentemente agrave famiacutelia Graham sob diversos argumentos Destacam-se para fins

do presente estudo a ideia de que a usucapiatildeo deve ser encarada como um mecanismo

de controle ou regulamentaccedilatildeo do uso dos bens eis que eacute de interesse geral saber quem

efetivamente eacute responsaacutevel pelo imoacutevel bem como pelos tributos decorrentes de tal

condiccedilatildeo o que remete agrave seguranccedila juriacutedica 64

Entre diversas questotildees importantes o episoacutedio mostra como em grande medida a

dogmaacutetica juriacutedica brasileira tem abordado o tema da usucapiatildeo de maneira a ampliar

os poderes do proprietaacuterio Uma atenccedilatildeo desmesurada tem sido dada agrave posse do

usucapiente sempre cheia de requisitos a cumprir escamoteando-se as

responsabilidades do titular do direito a ser usucapido

Desde logo salta aos olhos o fato de que na hipoacutetese do ldquoCase Pyerdquo o poder da famiacutelia

Graham sobre o terreno poderia no Brasil ser qualificado como uma situaccedilatildeo de mera

toleracircncia hipoacutetese na qual natildeo haveria verdadeiramente posse conforme indicaccedilatildeo do

artigo 1208 do Coacutedigo Civil brasileiro Mas eacute preciso reconhecer que apesar da empresa

ldquoPyerdquo ter ldquotoleradordquo a presenccedila dos Graham o fato eacute que a ineacutercia de ldquoPyerdquo se deu em

momento posterior agrave negativa de renovaccedilatildeo do contrato o que demonstra o interesse

em natildeo perpetuar a presenccedila da famiacutelia Graham no local A recusa agrave renovaccedilatildeo e a

ineacutercia fariam entatildeo com que a hipoacutetese passasse a ser encarada como uma ldquoposse

precaacuteriardquo justamente o viacutecio que a doutrina brasileira insiste em considerar insanaacutevel

e portanto incapaz de gerar a usucapiatildeo

Mas o episoacutedio mostra que quando algueacutem exerce posse sobre o bem de outrem

diversos pontos de vista podem ser utilizados para analisar a questatildeo o proprietaacuterio

permitiu tal exerciacutecio Ele tomou as providecircncias necessaacuterias para recuperar o bem O

possuidor adverso sabia que o bem era de outra pessoa e se negou a devolvecirc-lo

As condiccedilotildees precedentes entendem - se sem prejuiacutezo do direito que os Estados possuem de pocircr em vigor as leis que julguem necessaacuterias para a regulamentaccedilatildeo do uso dos bens de acordo com o interesse geral ou para assegurar o pagamento de impostos ou outras contribuiccedilotildees ou de multasrdquo No original ldquoThe preceding provisions shall not however in any way impair the right of a State to enforce such laws as it deems necessary to control the use of property in accordance with the general interest or to secure the payment of taxes or other contributions or penaltiesrdquo European Court of Human Rights ldquoCase JA Pye (Oxford) Ltd and JA Pye (Oxford) Land Ltd v The United Kingdom Alleged Violation of Article 1 of Protocol nordm 1 Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-82172itemid[001-82172] Acesso em 03032014 64 ABREU Abiacutelio Vassalo Titularidade Registral do Direito de Propriedade Imobiliaacuteria versus usucapiatildeo (adverse possession) Coimbra Coimbra Editora 2011 p83

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Nesses termos o modelo processual inglecircs indica que a reflexatildeo acerca da usucapiatildeo

tambeacutem deve englobar uma meditaccedilatildeo sobre a atuaccedilatildeo do proprietaacuterio na recuperaccedilatildeo

do seu direito pois nada acontece se ele agir de maneira ceacutelere Mesmo apoacutes a negativa

de permanecircncia da famiacutelia Graham a empresa Pye permaneceu 12 anos sem tomar as

providecircncias necessaacuterias para a desocupaccedilatildeo do local Eacute um espaccedilo consideraacutevel de

tempo Seria razoaacutevel entender que por ser ldquoinsanaacutevelrdquo o viacutecio da precariedade nunca

admitiria a consumaccedilatildeo da usucapiatildeo em favor dos Graham

Aleacutem de problemaacutetica essa interpretaccedilatildeo ressuscita o problema da ldquoposse eternamente

injustardquo o esbulhador nunca poderia usucapir mesmo se o esbulhado natildeo procurar

retomar a sua posse Ao que tudo indica a impossibilidade de saneamento do viacutecio da

precariedade reflete a um imperativo moral a quebra da confianccedila depositada deve ser

punida com a perenidade do caraacuteter injusto E aqui se abre a oportunidade de discutir

afinal qual eacute a funccedilatildeo da anaacutelise da injusticcedila como meio de barreira para a usucapiatildeo

Quando se faz referecircncia agraves diversas teacutecnicas de saneamento dos viacutecios eacute preciso

reconhecer que elas natildeo podem ser lidas como um modo de suplantar o fato de que a

posse do usucapiente natildeo foi autorizada e eacute exercida de forma contraacuteria aos interesses

do titular porque essa eacute uma condiccedilatildeo necessaacuteria para que a usucapiatildeo ocorra Ainda

que natildeo haja uma ldquobatalha campalrdquo em busca da posse ldquoCrucially the adverse

possessorrsquos use must be without permission (ldquoadverserdquo)rdquo65 A aquisiccedilatildeo sem autorizaccedilatildeo

e o exerciacutecio contraacuterio aos interesses do titular satildeo pressupostos para a usucapiatildeo

Em tais condiccedilotildees as estrateacutegias que visam a ldquoeliminaccedilatildeo da injusticcedilardquo pelo expurgo

dos viacutecios de origem soacute podem ser compreendidas como vias pelas quais se pretende

superar o chamado ldquoparadoxo moralrdquo66 aparentemente existente em torno da proacutepria

ideia de usucapiatildeo qual a justificativa para que algueacutem perca o seu direito de

propriedade em funccedilatildeo da atuaccedilatildeo natildeo autorizada de outra pessoa

Mas a falta de precisatildeo doutrinaacuteria na referecircncia agrave justiccedila ou injusticcedila da posse faz com

que a exigecircncia de que a posse ad usucapionem seja uma posse ldquojustardquo gere a falsa

ideia de que a atuaccedilatildeo do usucapiente estaacute em conformidade com o direito E as

estrateacutegias de saneamento reforccedilam essa confusatildeo ao se voltarem para o modo como a

posse foi adquirida Elas servem como uma justificativa para tentar amainar a ilicitude

65 MERRIL Thomas W SMITH Henry E Property Oxford Oxford University Press 2010 p36 66 KATZ Larissa ldquoThe moral paradox of adverse possession sovereignty and revolution in property lawrdquo McGill Law Journal Vol55 2010 pp47-80 cit p 59

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do apossamento mas isso eacute virtualmente impossiacutevel sem jogar o instituto em um non

sense pois a contrariedade da posse ad usucapionem eacute intriacutenseca a usucapiatildeo

Quando se diz que a posse do usucapiente eacute sempre injusta isso significa que ela natildeo

estaacute autorizada de forma alguma e se coloca sim em posiccedilatildeo de conflito (ainda que

velado) com os interesses do proprietaacuterio ou seja algueacutem vai adquirir a propriedade de

algo que jaacute tem dono e obviamente sem a colaboraccedilatildeo deste

Por isso as estrateacutegias de saneamento estatildeo por assim dizer ldquono lugar erradordquo pois

acabam mascarando a dinacircmica real do processo por meio do qual algueacutem caminha

para usucapir o bem de outrem Isto acaba ampliando as sombras existentes entre as

linhas que demarcam uma posse ldquomoralmente legitimadardquo a viabilizar a usucapiatildeo e a

adversidade sem a qual a aquisiccedilatildeo natildeo tem como se efetivar

Nessa direccedilatildeo a caracterizaccedilatildeo da posse ad usucapionem natildeo depende do saneamento

dos viacutecios objetivos pois o meio objetivo pelo qual se deu o apossamento eacute afinal

irrelevante Basta o chamado ldquoteste de uso incompatiacutevelrdquo (inconsistent use test) ou

seja da verificaccedilatildeo de que a posse natildeo autorizada se daacute em desconformidade com a

agenda estabelecida pelo proprietaacuterio do bem a ser usucapido67 Natildeo importa o modo

pelo qual tal contrariedade ganhou forma o fato eacute que ela existe e uma vez constatada

gera para o proprietaacuterio a oportunidade de se opor dentro de um determinado periacuteodo

de tempo sem o que perderaacute a titularidade do bem

Eacute importante ainda deixar expliacutecito o fato de que toda discussatildeo em torno dos

pressupostos para a aquisiccedilatildeo pela usucapiatildeo reflete uma dada concepccedilatildeo acerca da

propriedade Debater em que circunstacircncia algueacutem pode se tornar o proprietaacuterio do

bem que eacute de outro resvala em uma avaliaccedilatildeo acerca da amplitude de formas de

atuaccedilatildeo que o proprietaacuterio estaacute legitimado a desempenhar

Do mesmo modo a possiacutevel imoralidade existente na atribuiccedilatildeo do direito de

propriedade em favor de algueacutem que viola o direito de outrem eacute decorrente de uma

visatildeo que considera moralmente aceitaacutevel que o bem objeto desse direito possa

permanecer sem um uso efetivo durante um nuacutemero maior ou menor de anos jaacute que

natildeo haacute usucapiatildeo sem a ineacutercia do titular do direito a ser usucapido

67 KATZ Larissa ldquoThe moral paradoxrdquo cit p50

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Nesse sentido ultrapassar a discussatildeo acerca das estrateacutegias de saneamento dos viacutecios

da aquisiccedilatildeo rumo a um debate aprofundado sobre as razotildees que contribuem para a

superaccedilatildeo do paradoxo moral permitiria por exemplo a consideraccedilatildeo de que mesmo

um possuidor de maacute-feacute pode dar um uso economicamente mais eficiente do que aquele

dado pelo possuidor originaacuterio68 ou que em um contexto de deacuteficit de moradias a

ideia de que ldquoo natildeo uso eacute uma forma de usordquo69 seria juriacutedica e moralmente indefensaacutevel

pois corresponderia a absolutizaccedilatildeo da propriedade

O debate moral em torno da usucapiatildeo eacute rico de possibilidades que auxiliam na

compreensatildeo adequada do instituto e tambeacutem por isso natildeo pode ser represado Quando

se vecirc tanto esforccedilo doutrinaacuterio para expurgar os viacutecios objetivos de origem o uacutenico

sentido possiacutevel para tanto eacute pressuposto de que haacute uma avaliaccedilatildeo moralmente

negativa em torno da ideia de que uma posse ldquoinjustardquo seja apta a transformar um

ldquoladratildeordquo em proprietaacuterio Mas aqui o foco estaacute todo voltado para como a posse foi

adquirida o que reduz enormemente a investigaccedilatildeo Natildeo se trata da defesa da

legitimaccedilatildeo do uso da forccedila como se fosse possiacutevel concordar com a grilagem de terras

mas justo o oposto da possibilidade de reconhecimento de que mesmo o uso da forccedila

pode ser justificado quando a efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais como os relativos agrave

moradia e ao trabalho se contrapotildeem ao natildeo uso e a especulaccedilatildeo A existecircncia do

instituto da usucapiatildeo revela em si mesma que ordenamento fez uma escolha na qual o

uso efetivo do bem estaacute em uma posiccedilatildeo hierarquicamente superior ao natildeo uso Diante

da diferenciaccedilatildeo entre justiccedila e injusticcedila formal ndash relativa agrave aquisiccedilatildeo ndash e justiccedila ou

injusticcedila material (os valores materializados em cada efetivo apossamento) abre-se a

oportunidade de discutir as bases morais econocircmicas e filosoacuteficas por meio das quais eacute

ainda hoje possiacutevel fundamentar a manutenccedilatildeo ou perda dos direitos de propriedade

titularizados por algueacutem

De todo modo para os objetivos do presente estudo a hipoacutetese testada parece poder

ser adequadamente confirmada independentemente do modelo de usucapiatildeo a ser

adotado independentemente do fundamento mais adequado para usucapiatildeo em

68 FENNEL Lee Anne ldquoEfficient trespass the case for lsquobad faithrsquo adverse possessionrdquo Northwestern University Law Review Vol100 p1035-10962006 p53 Considerando-se que apenas um imoacutevel sem um uso efetivo pode ser objeto de apossamento alheio estendido por vaacuterios anos sem uma reaccedilatildeo apropriada a manutenccedilatildeo da sua titularidade pode ser lida como uma falha de mercado que daacute corpo agrave especulaccedilatildeo a venda do imoacutevel natildeo ocorre porque o titular natildeo encontra condiccedilotildees que lhe garantam a remuneraccedilatildeo pretendida naquele momento Da mesma forma levando-se em consideraccedilatildeo que no caso brasileiro a funccedilatildeo social remete agrave obrigatoriedade do uso e que isto por sua vez desaacutegua no exerciacutecio da posse toda posse ad usucapionem poderia ser lida como a vitoacuteria do uso produtivo sobre o natildeo uso especulativo Nesse sentido a posse de maacute-feacute corresponderia agrave deliberada intenccedilatildeo de concretizar um uso socialmente uacutetil a um bem que estaacute sendo administrado de forma ineficiente 69 NASCIMENTO Tupinambaacute Miguel Castro do Posse e propriedade Porto Alegre Livraria do Advogado 1986 p10

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nenhum lugar eacute possiacutevel colocar em questatildeo o fato de que a posse exercida pelo

esbulhador eacute adversa A posse exercida por algueacutem natildeo autorizado que deseja ou

acredita que jaacute tem o direito de outrem eacute nesse sentido sempre e necessariamente uma

posse injusta

Conclusatildeo

As tentativas de saneamentos dos viacutecios satildeo incongruentes e ineficientes porque a

superaccedilatildeo do paradoxo moral existente na usucapiatildeo depende de uma reflexatildeo acerca

daquilo que a sociedade considera como moralmente justificado em torno do exerciacutecio

do direito de propriedade E desde aiacute eacute possiacutevel perceber diversos aspectos que

demonstram que o exerciacutecio da posse seja qual for a sua qualificaccedilatildeo eacute mais forte do

que o natildeo uso a existecircncia mesma do instituto da usucapiatildeo o encurtamento

generalizado dos prazos para usucapir ocorrido no acircmbito do Coacutedigo Civil em vigor

mesmo na hipoacutetese extraordinaacuteria a ampliaccedilatildeo das modalidades de usucapiatildeo como

forma de premiar o exerciacutecio dirigido agrave busca da efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais

sociais como moradia e trabalho Nesse caminho o paradoxo moral se dissolve e o

saneamento dos viacutecios passa a ser irrelevante eacute mais importante saber o que se faz da

posse do que o modo pelo qual ela foi obtida

Em tais condiccedilotildees considerar que a posse ldquoboa para usucapirrdquo seja sempre injusta ndash no

sentido de que representa uma dissonacircncia necessaacuteria com a agenda estabelecida pelo

proprietaacuterio do bem a ser usucapido ndash natildeo significa o abandono da dimensatildeo moral

existente na qualificaccedilatildeo da posse do usucapiente Esta dimensatildeo apenas se desloca em

direccedilatildeo a uma investigaccedilatildeo criteriosa acerca do conteuacutedo da posse materializada frente

agrave anaacutelise da conduta do proprietaacuterio ante ao apossamento natildeo autorizado

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Aprovado em 13052016 (1ordm parecer) 31052016 (2ordm parecer)

Como citar DANTAS Marcus Eduardo de Carvalho Toda posse ad usucapionem eacute uma posse injusta Civilisticacom Rio de Janeiro a 5 n 1 2016 Disponiacutevel em lthttpcivilisticacomtoda-posse-ad-usucapionem-e-uma-posse-injustagt Data de acesso

Page 8: Toda posse ad usucapionem é uma posse injusta

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exerce12 Eacute certo que tal interpretaccedilatildeo depende de acordo em torno do fato de que a

posse eacute um direito seja real ou pessoal pois se a posse for interpretada como um ldquomero

fatordquo13 a proacutepria ideia de transmissatildeo fica prejudicada e em tais condiccedilotildees o possuidor

atual teria sempre uma posse nova e toda a aquisiccedilatildeo da posse seria originaacuteria14 Mas a

doutrina contemporacircnea estaacute harmonizada no entendimento de que a posse eacute um

direito e neste sentido o princiacutepio de que ningueacutem pode transferir mais direitos do

que tem permanece vaacutelido e aplicaacutevel pois a hipoacutetese eacute de transmissatildeo de direitos

Sanar os viacutecios pela transmissatildeo pressupotildee logicamente a existecircncia de posses com

caracteriacutesticas diferentes Se ambas forem de boa ou maacute-feacute a soma natildeo altera as

possibilidades de usucapir do sucessor Mas se a posse do antecessor era de boa-feacute (o

que eacute altamente questionaacutevel se ela tambeacutem natildeo for derivada) e a do sucessor for de

maacute-feacute ele natildeo poderaacute se aproveitar da qualificaccedilatildeo da posse do tradens para ampliar

suas chances de usucapir por um motivo loacutegico a transmissatildeo natildeo eacute capaz de fazer

algueacutem esquecer que tem conhecimento do viacutecio de origem

Tambeacutem seraacute esse o raciociacutenio na situaccedilatildeo oposta sendo de maacute-feacute a anterior a

ldquoacessatildeo soacute ocorreraacute dentro dos limites daquela que tiver menor acircmbitordquo Por isso ldquo()

tratando-se de posses de boa e de maacute-feacute a posse considerada deve ser a de maacute-feacute por

ter menor acircmbitordquo tal qual a soluccedilatildeo preconizada no artigo 1256 do Coacutedigo Civil

portuguecircs em vigor15 e defendida por uma consideraacutevel parte da doutrina daquele

paiacutes16 Eacute certo que se o sucessor tem posse de boa-feacute a junccedilatildeo de sua posse com a do

seu antecessor de maacute-feacute pode ser desvantajosa posto que o prazo da usucapiatildeo

12 CHAMOUN Ebert Direito civil aulas do 4ordm ano proferidas na Faculdade de Direito da Universidade Do Distrito Federal Rio de Janeiro AURORA 1955 p 47 TEPEDINO Gustavo ldquoDireito das coisasrdquo (arts1196-1276)rdquo In AZEVEDO Antocircnio Junqueira (Coord) Comentaacuterios ao coacutedigo civil Vol14 ndash direito das coisas (arts1196-1276) Satildeo Paulo Saraiva 2011 p49 Em harmonia de princiacutepio com tal entendimento foi aprovado em 2011 o enunciado 494 da V Jornada de Direito Civil do CJFSTJ cuja redaccedilatildeo eacute a seguinte ldquoA faculdade conferida ao sucessor singular de somar ou natildeo o tempo da posse de seu antecessor natildeo significa que ao optar por nova contagem estaraacute livre do viacutecio objetivo que maculava a posse anteriorrdquo AGUIAR Jr Ruy Rosado de (Coord) Jornadas de direito civil I III IV e V enunciados aprovados Brasiacutelia Conselho da Justiccedila Federal Centro de Estudos Judiciaacuterios 2012 Disponiacutevel em httpwwwcjfjusbrenunciadosenunciado563 Acesso em 06062016 13 Esta eacute a razatildeo pela qual Carvalho Santos entende que ldquo() a posse [do sucessor singular] comeccedilando na proacutepria pessoa deste natildeo sendo a continuaccedilatildeo da posse daquele a quem havia recebido a coisa natildeo pode participar dos viacutecios que esta possa terrdquo CARVALHO SANTOS JM Coacutedigo civil interpretado cit 1961 p72 14 ALBALADEJO Manuel Derecho civil VolIII ndash derecho de bienes 11ordfed Madrid Edisofer 2010 p77 15 Artigo 1256ordm (Acessatildeo da posse) 1 - Aquele que houver sucedido na posse de outrem por tiacutetulo diverso da sucessatildeo por morte pode juntar agrave sua a posse do antecessor 2 - Se poreacutem a posse do antecessor for de natureza diferente da posse do sucessor a acessatildeo soacute se daraacute dentro dos limites daquela que tem menor acircmbito 16 SANTOS JUSTO A dos Direitos reais 4ordfed Coimbra Coimbra Editora 2012 p201 RODRIGUES Manuel A posse Estudo de direito civil portuguecircs 4ordfed Coimbra Coimbra Editora 1996 p252 LIMA Fernando Andrade Pires de MATOS ANTUNES VARELA Joatildeo de Coacutedigo civil anotado VolIII 3ordfed Coimbra Coimbra Editora 1984 p15 OLIVEIRA ASCENSAtildeO Joseacute de Direito civil ndash reais 5ordfed Coimbra Coimbra Editora 2012 p115

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extraordinaacuteria eacute geralmente mais extenso e eventualmente a adiccedilatildeo seria insuficiente

para alcanccedilaacute-lo17

Mas uma pergunta ainda precisa ser respondida por que motivo o sucessor decidiria

natildeo somar o seu tempo de posse com o seu antecessor Por que razatildeo ele deixaria de

fazer algo que ao menos em princiacutepio o aproximaria do cumprimento dos requisitos

necessaacuterios para usucapir

O motivo mais visiacutevel seria o conhecimento da existecircncia de um viacutecio de origem na

posse do antecessor uma vez descoberta a injusticcedila eou a maacute feacute da posse do

transmitente o sucessor singular optaria por natildeo realizar a soma dos periacuteodos de

exerciacutecio para natildeo ldquocontaminarrdquo a posse que tem Eacute o entendimento exposto por Joseacute

de Oliveira Ascensatildeo

O possuidor pode ter interesse em invocar unicamente a sua posse e

natildeo se valer da do antecessor Isto aconteceraacute sempre que as

caracteriacutesticas da posse anterior impliquem uma qualificaccedilatildeo mais

desfavoraacutevel que natildeo seja compensada pela maior duraccedilatildeo que da

acessatildeo resultaria Assim aconteceraacute em muitos casos quando a posse

anterior for de maacute-feacute e a actual for de boa-feacute18

O problema eacute que se o sucessor inter vivos descarta a acessio com base no

conhecimento de que a posse do antecessor contraria direito alheio ele natildeo poderaacute

alegar que ignora tal fato Eacute o que fica subentendido na passagem acima notadamente

o trecho onde se lecirc ldquo() as caracteriacutesticas da posse anterior impliquem uma

qualificaccedilatildeo mais desfavoraacutevel que natildeo seja compensada pela maior duraccedilatildeo que da

acessatildeo resultariardquo A possibilidade da avaliaccedilatildeo daquilo que eacute mais ou menos

vantajoso soacute tem sentido se o accipiens tem conhecimento dos viacutecios da posse de

origem E se ele dispotildee desse conhecimento mesmo que decida natildeo realizar a acessio

jaacute seraacute possuidor de maacute-feacute Como consequecircncia ele soacute poderia usucapir na modalidade

extraordinaacuteria pois na modalidade ordinaacuteria a posse de boa-feacute eacute expressamente

exigida

Eacute necessaacuterio registrar que a maacute-feacute do accipiens natildeo pode ser presumida razatildeo pela

qual a ldquovaloraccedilatildeo eacutetica de sua condutardquo nesse sentido deve ser provada Eacute mesmo

possiacutevel imaginar que algueacutem com orientaccedilatildeo adequada de um profissional prefira

nem tomar conhecimento da situaccedilatildeo do seu antecessor para natildeo correr o risco de

17 Eacute a criacutetica incisivamente feita por ABREU Abiacutelio Vassalo ldquoA necessidade de uma mudanccedila jurisprudencial em mateacuteria de acessatildeo da posse (Art1256ordm do Coacutedigo Civil)rdquo In Revista da Ordem dos Advogados Lisboa outdez 2012 pp 1247-1322 p1294 18 OLIVEIRA ASCENCcedilAtildeO Joseacute de Direito civil ndash reais cit p115

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incorrer em maacute-feacute e soacute conte com o seu proacuteprio prazo para usucapir Ainda que tal

providecircncia soacute seja plausiacutevel novamente em funccedilatildeo de alguma suspeita de

irregularidade da posse antecedente qualquer questionamento acerca do conhecimento

ou natildeo dos viacutecios diz respeito aos viacutecios subjetivos da posse

De todo modo vecirc-se que a possibilidade de saneamento dos viacutecios objetivos pela natildeo

realizaccedilatildeo da acessio eacute em primeiro lugar tecnicamente questionaacutevel quando

analisada sob o prisma objetivo de que natildeo se pode transmitir mais direitos do que se

tem Jaacute no plano subjetivo a tese de que a opccedilatildeo pela natildeo realizaccedilatildeo da soma natildeo tenha

decorrido do conhecimento dos viacutecios de origem pelo sucessor natildeo eacute criacutevel ainda que

precise ser provada E se isto eacute assim ainda que se entenda que os viacutecios objetivos

tenham sido purgados o pretenso saneamento seria inoacutecuo sendo de maacute-feacute o sucessor

soacute poderaacute usucapir na modalidade extraordinaacuteria Assim ainda que existam boas

razotildees para natildeo realizar a soma das posses isso natildeo aumenta em nada as chances de

usucapir

3 Posse justa e de boa-feacute na aquisiccedilatildeo derivada o caso da posse ldquojusta

poreacutem ilegiacutetimardquo

Sendo a posse um direito eacute possiacutevel que haja questionamento acerca da regularidade

da transmissatildeo todas as normas atinentes agrave nulidade e agrave anulabilidade dos negoacutecios

juriacutedicos incidiriam na hipoacutetese E qual a consequecircncia de uma transmissatildeo feita por

negoacutecio juriacutedico invaacutelido Ela impediria a soma caso o sucessor a desejasse Obstaria a

aquisiccedilatildeo pela usucapiatildeo na modalidade ordinaacuteria

O entendimento de que a falta de uma transmissatildeo vaacutelida impede a acessio posto que

colocaria em xeque a proacutepria existecircncia de um ldquoantecessorrdquo e um ldquosucessorrdquo eacute

solidamente prevalecente na dogmaacutetica e na jurisprudecircncia portuguesa19 onde se o

negoacutecio eacute invaacutelido a adiccedilatildeo de posse eacute incabiacutevel Mas essa exigecircncia soacute tem fundamento

como requisito de uma posse justa por parte do accipiens e no pressuposto de que a do

tradens tambeacutem eacute justa visto que no caso oposto o viacutecio seria transmitido

Mas ainda que o negoacutecio juriacutedico seja invaacutelido haacute sucessor e antecessor ou seja haacute

produccedilatildeo de efeitos mesmo que comprometidos pela invalidade na transmissatildeo E

19 SANTOS JUSTO A dos Direitos reais 4ordfed cit p200 RODRIGUES Manuel A posse Estudo de direito civil portuguecircs cit p252 LIMA Fernando Andrade Pires de MATOS ANTUNES VARELA Joatildeo de Coacutedigo civil anotado VolIII 3ordfed cit p15 OLIVEIRA ASCENSAtildeO Direito civil ndash reais cit p115

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neste caso a posse adquirida eacute derivada razatildeo pela qual a regra que ldquoningueacutem pode

transmitir mais direitos do que temrdquo permanece atuante

Qualquer irregularidade na transmissatildeo soacute pode ter duas consequecircncias a invalidade

do tiacutetulo motivo pelo qual a posse seria injusta ou o questionamento acerca da

caracterizaccedilatildeo do justo tiacutetulo como tal tendo em vista o requisito da usucapiatildeo

ordinaacuteria Usando a terminologia de Manuel A Albaladejo ldquono plano juriacutedicordquo

qualquer que seja a dimensatildeo da incorreccedilatildeo na transmissatildeo o resultado praacutetico seria o

de uma posse injusta visto que ldquono plano faacuteticordquo o sucessor teria de fato os poderes

caracteriacutesticos de um possuidor regular pois age como se fosse o proprietaacuterio que

adquiriu a posse de outrem20

Em tais condiccedilotildees uma eventual invalidade do tiacutetulo natildeo impede a acessio eis que

efetivamente houve uma sucessatildeo no exerciacutecio faacutetico dos poderes inerentes agrave

caracterizaccedilatildeo da posse21 A consequecircncia possiacutevel na hipoacutetese seria a interdiccedilatildeo da via

que leva agrave usucapiatildeo ordinaacuteria mas natildeo por conta da injusticcedila da posse que daiacute

decorreria e sim em razatildeo de um eventual questionamento acerca do cumprimento do

requisito ldquojusto tiacutetulordquo especificamente exigido pelo Coacutedigo Civil brasileiro na

modalidade

Eacute ainda possiacutevel vislumbrar uma posse justa mas ilegiacutetima na aquisiccedilatildeo derivada

porque o caminho do negoacutecio juriacutedico natildeo configura viacutecio mesmo que ele seja

irregular Mas essa leitura pressupotildee uma diferenciaccedilatildeo entre as palavras ldquoviacuteciordquo e

ldquoobstaacuteculordquo na redaccedilatildeo do artigo 1200 do Coacutedigo Civil22 Isto porque se a posse injusta eacute

aquela que foi obtida de modo viciado (violecircncia clandestinidade ou precariedade) e a

posse de boa-feacute eacute aquela onde o possuidor ignora a ocorrecircncia de ldquoviacutecios ou obstaacuteculosrdquo

na sua aquisiccedilatildeo uma diferenciaccedilatildeo entre as duas palavras tambeacutem cria a oportunidade

de visualizaccedilatildeo de uma posse ldquojustardquo ndash por natildeo ter sido obtida por nenhuma das

formas indicadas na redaccedilatildeo do artigo 1200 do Coacutedigo Civil ndash mas de boa-feacute eis que o

possuidor ignora o ldquoobstaacuteculordquo de outro tipo existente em torno da posse que exerce Eacute

um outro caminho pelo qual eacute possiacutevel chegar ao resultado de uma posse justa e boa

para usucapir

20 ALBALADEJO Manuel A Derecho civil VolIII cit 2010 p73 21 ABREU Abiacutelio Vassalo ldquoA necessidade de uma mudanccedila jurisprudencial em mateacuteria de acessatildeo da posse (Art1256ordm do Coacutedigo Civil)rdquo cit p1297 CORDEIRO A Menezes A posse perspectivas dogmaacuteticas actuais 3ordfed Lisboa Almedina 2014 p136 LEITAtildeO MENEZES Luiacutes Manuel Teles de Direitos reais 4ordfed Lisboa Almedina 2013 p138 22 Art 1200 Eacute justa a posse que natildeo for violenta clandestina ou precaacuteria

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Seria esse o caso da posse obtida por meio de um negoacutecio juriacutedico nulo ou anulaacutevel

bem como no da aquisiccedilatildeo a non domino hipoacuteteses nas quais poder-se-ia dizer que natildeo

haacute propriamente ldquoviacuteciordquo mas tampouco uma posse escorreita Por isto alguns

doutrinadores fazem referecircncia a uma posse justa mas ldquoilegiacutetimardquo23 o que permitiria a

aquisiccedilatildeo pela usucapiatildeo ordinaacuteria que tem prazos menores quando comparada a

extraordinaacuteria

Mas aqui parece vigorar um eufemismo pois uma posse ldquojusta poreacutem ilegiacutetimardquo natildeo

altera o fato de que o direito do proprietaacuterio do bem a ser usucapido estaacute sendo

afrontado eis que o objetivo final eacute passar a ser o titular do direito que ele hoje tem Se

a posse eacute ldquoilegiacutetimardquo isso significa que o modo pelo qual ela foi obtida eacute de alguma

forma irregular E se a posse pode ser ldquojusta poreacutem ilegiacutetimardquo isto significa que o fato

dela ser irregular ndash contraacuteria ao direito portanto ndash natildeo eacute um elemento impeditivo da

usucapiatildeo E se a posse pode ser justa permanecer irregular e mesmo assim continuar

ldquoboa para usucapirrdquo para que serve falar de saneamento afinal

4 Questionando a ocorrecircncia dos viacutecios

A usucapiatildeo expressa o caso em que algueacutem perde a titularidade de um bem pelo fato

de que outra pessoa natildeo autorizada permaneceu exercendo posse sobre a coisa durante

um nuacutemero determinado de anos Em tais condiccedilotildees eacute difiacutecil ateacute visualizar como seria

possiacutevel uma ldquoposse justa ad usucapionemrdquo na aquisiccedilatildeo originaacuteria E essa dificuldade

eacute tatildeo grande que autores como Pinto Ferreira24 conceituaram a posse ad usucapionem

como sendo aquela ldquode quem se assenhoreia de uma res nullius defendendo-a mansa e

pacificamente durante o tempo previsto em leirdquo O raciociacutenio eacute desenvolvido tambeacutem

por Pedro Nunes

Do fato da posse nasce o direito agrave prescriccedilatildeo aquisitiva () Para

adquirir por este modo o pretendente toma sempre uma posse

perdida ou abandonada A perda ocorre quando o dono da coisa

manifesta expressa ou tacitamente a intenccedilatildeo de natildeo mais tecirc-la

como sua ou a natildeo ocupa ou a deixa por incuacuteria ou negligecircncia

inteiramente ao abandono por longo espaccedilo de tempo Reputa-se

voluntaacuteria a perda quando o possuidor ou o ausente tendo ciecircncia do

apoderamento por terceiro de sua propriedade conforma-se com a

situaccedilatildeo natildeo procurando reconquistaacute-la25

23 Eacute o caso em BITTAR Carlos Alberto Direitos reais 2ordfed Rio de Janeiro Forense 2011 p41 COELHO Faacutebio Ulhocirca Curso de direito civil Vol4 ndash direito das coisas e direito autoral 3ordfed Satildeo Paulo Saraiva 2010 p38 NASCIMENTO Tupinambaacute Miguel Castro do Posse e propriedade Porto Alegre Livraria do Advogado 1986 p102 24 FERREIRA Luiz Pinto Posse accedilatildeo possessoacuteria e usucapiatildeo 2ordfed Satildeo Paulo Saraiva 1983 p29 25 NUNES Pedro Do usucapiatildeo 4ordfed Rio de Janeiro Freitas Bastos 1984 p27

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Haacute que se concordar para que algueacutem tenha posse de um bem de maneira natildeo

autorizada sem violar o direito de outrem ndash ou seja de forma justa ndash e

simultaneamente exercecirc-la no intuito de se tornar o titular do direito de propriedade

sobre tal coisa eacute preciso que ela natildeo tenha dono

A outra forma em tese seria questionando a proacutepria ocorrecircncia do viacutecio Os

especialistas discutem largamente por exemplo os termos nos quais uma accedilatildeo pode

ser considerada violenta26 o seu emprego para remoccedilatildeo de cercas muros ou tapumes eacute

suficiente para caracterizaccedilatildeo do viacutecio ou apenas o embate fiacutesico com uma pessoa que

resista ao esbulho

Como indicado parte da doutrina27 tem se esforccedilado para encontrar meios de tornar

justa a posse natildeo autorizada com o objetivo de ampliar as chances de usucapir Para

este caso o problema eacute que a ningueacutem parece dada a possibilidade de seriamente

alegar que desconhece que o apossamento natildeo autorizado atraveacutes do qual efetiva sua

posse sobre um bem imoacutevel contraria direito de outrem E tal afirmaccedilatildeo natildeo tem

objetivo de pocircr em questatildeo o fato de que tal apossamento possa ser a uacuteltima via para

obtenccedilatildeo de direitos fundamentais como a moradia e o trabalho

Os conflitos fundiaacuterios urbanos e rurais ocorrem em decorrecircncia da necessidade de

melhor distribuiccedilatildeo do acesso aos direitos de propriedade em grande medida pautados

pelo questionamento acerca do cumprimento e das consequecircncias da natildeo observacircncia

da funccedilatildeo social exigida em cada hipoacutetese Mas mesmo nesses casos o que haacute eacute um

questionamento da manutenccedilatildeo do direito de propriedade em favor daquele que deixa

de efetivamente exercecirc-lo ou o que o faz de modo indevido Natildeo se trata do

desconhecimento acerca do fato de que o apossamento realizado em tais circunstacircncias

confronta o alegado direito de outrem

26 Eacute tradicional o entendimento de que a caracterizaccedilatildeo da violecircncia vai aleacutem do uso da forccedila contra a proacutepria pessoa do possuidor Por todos Caio Maacuterio da Silva Pereira alerta que ldquoPosse violenta (adquirida vi) a que se adquire por ato de forccedila seja ela natural ou fiacutesica seja moral ou resultante de ameaccedilas que incutam na viacutetima seacuterio receio A violecircncia estigmatiza a posse independentemente de exercer-se sobre a pessoa do espoliado ou de preposto seu como ainda do fato de emanar do proacuteprio espoliador ou de terceirordquo (SILVA PEREIRA Caio Maacuterio da Instituiccedilotildees de direito civil VolIV ndash Direitos reais 22ordfed atualizada por Carlos Edison do Rego Monteiro Filho Rio de Janeiro Forense 2009 p21 Atualmente surge a discussatildeo sobre se o emprego da forccedila para remoccedilatildeo de obstaacuteculos como cercas ou tapumes em um imoacutevel abandonado caracterizaria ainda assim a violecircncia da posse Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald consideram que ldquo() natildeo eacute considerada violenta a posse caso o uso da forccedila se justifique para a remoccedilatildeo de obstaacuteculos fiacutesicos para o ingresso em bens abandonados (vg destruiccedilatildeo de cadeados ou supressatildeo de cercas) Pensamos que soacute haacute violecircncia quando o apossamento resulta de uma conduta contraacuteria agrave vontade do possuidor pelo fato de a coisa ser arrebatada de algueacutem que a isso se oponhardquo FARIAS Cristiano Chaves de ROSENVALD Nelson Curso de direito civil cit p106 27 Como visto nos pontos 2 e 3 do presente texto

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Mas haacute uma diferenccedila como indicado no significado da palavra ldquoinjustardquo quando em

referecircncia ao modo como a posse foi obtida e quando em referecircncia ao conteuacutedo da

soluccedilatildeo dada pelo legislador Uma posse pode ser ldquoinjustardquo em um aspecto formal

decorrente do fato de que foi obtida de forma natildeo autorizada mas ldquojustardquo porque de

um lado natildeo vem sendo utilizada pelo proprietaacuterio e de outro representa a

materializaccedilatildeo de direitos fundamentais sociais negligenciados pelo Estado O fato eacute

que justiccedila material da ocupaccedilatildeo de terrenos abandonados por pessoas que natildeo tem

acesso aos direitos de moradia frente agrave proprietaacuterios negligentes natildeo eacute incompatiacutevel

com o reconhecimento de que o apossamento natildeo foi autorizado e neste sentido

formal gera uma posse injusta

Eacute o que ocorre na dramaacutetica situaccedilatildeo dos conflitos fundiaacuterios urbanos em torno da

moradia Em um importante estudo de campo acerca dos conflitos em torno da terra no

Recife de 1978 Joaquim Falcatildeo detectou em sua pesquisa que ldquoOs invasores querem

ser proprietaacuterios Justificam a invasatildeo de propriedade alheia porque sobre o direito de

usar e dispor segundo a livre vontade do proprietaacuterio deve prevalecer o direito de

moradia de todosrdquo28

Bem se vecirc daiacute que o questionamento da legitimidade da propriedade natildeo utilizada

pressupotildee logicamente o conhecimento da sua existecircncia enquanto tal Natildeo se pode

questionar aquilo que se ignora E se natildeo se ignora natildeo eacute possiacutevel afirmar a boa-feacute Por

isto eacute que a alegaccedilatildeo de que ldquonem sempre o apossamento natildeo autorizado vai gerar uma

posse injustardquo natildeo tem funccedilatildeo nenhuma na definiccedilatildeo das chances de usucapir29 Natildeo eacute

28 FALCAtildeO Joaquim ldquoJusticcedila social e justiccedila legal conflitos de propriedade no Reciferdquo In FALCAtildeO Joaquim (org) Invasotildees urbanas ndash conflitos de direito de propriedade 2ordfed Rio de Janeiro FGV Editora 2008 p112-113 29 Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald questionam a injusticcedila do apossamento de um imoacutevel abandonado com um objetivo claro impedir que a tomada natildeo autorizada seja qualificada como esbulho Essa desqualificaccedilatildeo tem uma funccedilatildeo especiacutefica a de interditar a via da reintegraccedilatildeo por parte do proprietaacuterio que natildeo cumpriria o requisito ldquoprova do esbulhordquo tal qual exigido pelo artigo 561do CPC15 Nesse sentido a reflexatildeo dos autores atua mais na dinacircmica processual do conflito do que no acircmbito material dos requisitos para a usucapiatildeo Mas o entendimento de que defendem a necessidade de uma posse justa para usucapir decorre do trecho no qual os autores esclarecem que ldquo() a posse derivada dos atos de violecircncia ou clandestinidade poderaacute gerar usucapiatildeo extraordinaacuteria (art1238 CC) posto natildeo se exigir como requisitos formais ao alcance da propriedade em tal modalidade originaacuteria o justo tiacutetulo e a boa-feacuterdquo (FARIAS Cristiano Chaves de ROSENVALD Nelson Curso de direito civil Vol5 reais 11ordfed Satildeo Paulo Atlas 2015 p110) Como demonstrado a posse de boa-feacute soacute pode ser justa na hipoacutetese em que o bem eacute uma res nullius No que caso em que a ocupaccedilatildeo natildeo se qualifica como esbulho a usucapiatildeo ordinaacuteria eacute impossiacutevel pela ausecircncia de boa-feacute No caso da aquisiccedilatildeo da posse a non domino seria perfeitamente possiacutevel e coerente reconhecer uma posse injusta (se tambeacutem era a do antecessor) e de boa-feacute se o sucessor natildeo tiver conhecimento do viacutecio de origem Nesse sentido a posse injusta natildeo impediria a usucapiatildeo em nenhuma modalidade e se manteria a coerecircncia interna ante a ideia de que toda posse ad usucapionem eacute necessariamente natildeo autorizada e contraacuteria aos interesses do titular do direito a ser usucapido Por tudo isso eacute possiacutevel reconhecer que tambeacutem os citados autores entendem equivocadamente que a justiccedila da posse amplia as modalidades da usucapiatildeo disponiacuteveis

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de boa-feacute a posse daqueles que ocupam imoacutevel alheio sem autorizaccedilatildeo do proprietaacuterio30

pois por mais que o apossamento seja moralmente justificaacutevel os possuidores natildeo

ignoram o fato de que o bem eacute de outra pessoa E se isto eacute assim a modalidade

disponiacutevel de usucapiatildeo no caso seria a extraordinaacuteria Natildeo pelo caraacuteter injusto da

posse e sim pelo fato dela ser exercida sem justo tiacutetulo e boa-feacute

Nessa linha a tese aqui defendida mostra a sua coerecircncia eacute possiacutevel questionar se o

apossamento configura efetivamente um esbulho31 mas natildeo o fato de que numa ou

noutra hipoacutetese natildeo se ignora que o direito de outrem estaacute sendo afrontado com a

efetivaccedilatildeo da posse natildeo autorizada

30 Este eacute justamente um dos pontos apontados pela doutrina para o fracasso da efetividade da hipoacutetese de aquisiccedilatildeo prevista no artigo 1228 sectsect 4ordm e 5ordm do Coacutedigo Civil Algueacutem pode dizer seriamente que a posse dessas pessoas por mais legiacutetima que possa ser eacute de boa-feacute no sentido de que se ignora que o ato entra em rota de colisatildeo com o direito de outrem Em um dos raros casos nos quais a hipoacutetese foi aplicada sob o nome de ldquodesapropriaccedilatildeo privadardquo os magistrados entenderam que a boa-feacute ldquo() entendida como posse justa natildeo violenta natildeo clandestina ou precaacuteriardquo estava presente no caso concreto em anaacutelise tendo em vista que ldquoAs guias de IPTU juntada (sic) aos autos ldquo() atestam a boa-feacute do recorrido jaacute que o proacuteprio Municiacutepio o reconhecia como proprietaacuterio da aacutereardquo Tribunal de Justiccedila de Minhas Gerais Apelaccedilatildeo Ciacutevel nordm 1028408009185-3005 Rel Des Rogeacuterio Coutinho J 11032015 publicado em 20032015 Disponiacutevel em httpwww5tjmgjusbrjurisprudenciapesquisaPalavrasEspelhoAcordaodoampnumeroRegistro=9amptotalLinhas=48amppaginaNumero=9amplinhasPorPagina=1amppalavras=2522desapropriaE7E3o20judicial2522amppesquisarPor=acordaoamppesquisaTesauro=trueamporderByData=1ampreferenciaLegislativa=Clique20na20lupa20para20pesquisar20as20referEAncias20cadastradasamppesquisaPalavras=Pesquisaramp Acesso em 10012016 31 A reflexatildeo sobre o conceito de ldquoesbulhordquo jaacute vem sendo feita pela doutrina mais progressista Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald fazem esse debate no seu manual precisamente no ponto jaacute citado em que consideram que o apossamento natildeo autorizado de um imoacutevel abandonado gera uma posse justa Eacute uma outra forma de dizer que esse ato natildeo configura esbulho Nesse caminho criacutetico do conceito tradicional existem estudos importantes (como os existentes em STROZAKE Juvelino Joseacute (Org) Questotildees agraacuterias ndash julgados comentados e pareceres Satildeo Paulo Meacutetodo 2002 principalmente os artigos de Roberto Delmanto Jr pp167-182 Antonio Scarance Fernandes pp293-310 e Dyrceu Aguiar Cintra Dias Jr pp 219-230) O debate tambeacutem jaacute chegou aos tribunais No STJ a decisatildeo de referecircncia sobre o tema estaacute no HC 4399SP No voto do Min Luiz Vicente Cernicchiaro o magistrado explicita as razotildees pelas quais concede o HC em favor dos integrantes do MST ldquoNo esbulho possessoacuterio o agente dolosamente investe contra a propriedade alheia a fim de usufruir um de seus atributos (uso) ou alterar os limites do domiacutenio para enriquecimento sem causa No caso dos autos ao contraacuterio diviso pressatildeo social para concretizaccedilatildeo de um direito (pelo menos-interesse) No primeiro caso contraste de legalidade compreende aspectos material e formal No segundo substancialmente natildeo haacute iliacutecito algumrdquo Superior Tribunal de Justiccedila HC nordm4399-SP Luiz Vicente Cernicchiaro Voto Vogal p02 Rel Min William Patterson julgado em 12031996 DJ 08041996 p10491 Disponiacutevel em lthttpwwwstjjusbrSCONjurisprudenciatocjspprocesso=4399ampampb=ACORampthesaurus=JURIDICOampp=truegt Acesso em 13022014 No acircmbito da accedilatildeo de reintegraccedilatildeo de posse movida pelo Governo de Satildeo Paulo contra a ocupaccedilatildeo das escolas estaduais realizada pelos estudantes secundaristas ndash como forma de protesto contra o plano de reorganizaccedilatildeo escolar empreendido pelo Governo daquele Estado ndash o Tribunal de Justiccedila considerou que ldquoNatildeo se antevecirc em suma o animus possidendi ou o animus rem sibi habendi autorizantes do tratamento possessoacuterio da mateacuteria mas antes expressotildees de desobediecircncia civil frente agrave autecircntica violecircncia ciacutevica de que se consideram viacutetimas os manifestantesrdquo E ainda ldquo() natildeo haacute nessa narrativa e nem nos autos qualquer evidecircncia que a entidade sindical queira de modo ilegal apropriar-se dos bens puacuteblicos referidos no recurso tecircm-se que como todos reconhecemos durante a sessatildeo de julgamento a absoluta inadequaccedilatildeo da pretendida proteccedilatildeo possessoacuteria e portanto o tangenciamento da carecircncia da accedilatildeo por falta de interesse de agirrdquo Tribunal de Justiccedila ndash SP Agravo de Instrumento nordm2243232-252015826000 7ordf Cacircmara de Direito Puacuteblico Rel Min Coimbra Schmidt Julgado em 23112015 Disponiacutevel em lthttpsesajtjspjusbrcposgshowdoprocessoforo=990ampprocessocodigo=RI0032WUQ0000gt Acesso em 25112015

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Esse eacute afinal o ponto relevante para definiccedilatildeo da posse apta a gerar a usucapiatildeo pois a

hipoacutetese que ora se desenvolve eacute a de que toda posse ad usucapionem eacute sempre e

necessariamente uma posse injusta sendo capaz de viabilizar a usucapiatildeo tanto

extraordinaacuteria quanto a ordinaacuteria Eacute perfeitamente possiacutevel que o sucessor na posse

natildeo tenha conhecimento da maacutecula que existiu na sua aquisiccedilatildeo pelo antecessor

hipoacutetese na qual teria posse injusta em funccedilatildeo da transmissatildeo do viacutecio com justo tiacutetulo

e boa-feacute Como a ldquoposse injustardquo em sentido formal eacute o mesmo que ldquoposse natildeo

autorizadardquo natildeo haveria impedimento em usucapir na modalidade ordinaacuteria

5 A influecircncia do tempo no saneamento dos viacutecios da posse

As estrateacutegias de saneamento tecircm como objetivo transformar uma posse inicialmente

injusta em uma posse justa no pressuposto de que tal requisito eacute imprescindiacutevel para

que se possa usucapir Mas tais estrateacutegias satildeo tatildeo amplas e variadas que o saneamento

se torna praticamente inevitaacutevel para uma parte da doutrina a simples manutenccedilatildeo da

posse pelo curto periacuteodo de 1 ano faz com que ela perca o viacutecio de origem e se torne

apta a viabilizar a usucapiatildeo

Esta interpretaccedilatildeo eacute decorrente de uma leitura muito particular da norma processual

que reserva a tutela liminar para os casos nos quais a posse tenha sido perdida haacute

menos de ano e dia32 Trata-se da diferenccedila entre a chamada ldquoposse novardquo e a ldquoposse

velhardquo Se a posse do esbulhador estiver sendo exercida haacute mais de 1 ano o esbulhado

perde a possibilidade de uma reintegraccedilatildeo liminar pois trata-se de uma ldquoposse velhardquo

Isto natildeo impede que o esbulhado obtenha uma medida mais ceacutelere mas ele precisaria

utilizar a via da tutela antecipada prevista no artigo 273 do CPC73 e que hoje como

espeacutecie do gecircnero tutela de urgecircncia tem o seu conteuacutedo regulado pelos artigos 294-

311 do CPC1533 De uma maneira geral o esbulhado precisaria de provas mais robustas

de que seu direito foi violado Vecirc-se que o tempo de exerciacutecio da posse pelo esbulhador

tem reflexo na dinacircmica processual da retomada mas natildeo na qualificaccedilatildeo da posse em

disputa que continua sendo injusta

32 Art 924 Regem o procedimento de manutenccedilatildeo e de reintegraccedilatildeo de posse as normas da seccedilatildeo seguinte quando intentado dentro de ano e dia da turbaccedilatildeo ou do esbulho passado esse prazo seraacute ordinaacuterio natildeo perdendo contudo o caraacuteter possessoacuterio 33 No CPC15 a tutela cautelar ndash pautada no fumus boni iuris e periculum in mora ndash e a tutela antecipada ndash baseada em verossimilhanccedila do que eacute alegado fundado receio de dano ou abuso do direito de defesa ndash foram reunidas em torno da tutela provisoacuteria nos seguintes termos Art294 A tutela provisoacuteria pode fundamentar-se em urgecircncia ou evidecircncia Paraacutegrafo uacutenico A tutela provisoacuteria de urgecircncia cautelar ou antecipada pode ser concedida em caraacuteter antecedente ou incidental Os requisitos para tais medidas em muito semelhantes aos termos do CPC revogado de uma maneira geral estatildeo regulados como indicado entre os artigos 294 e 311

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Poreacutem uma parte importante da doutrina civiliacutestica brasileira interpreta as diferenccedilas

estabelecias pelo direito processual como uma outra estrateacutegia de saneamento

decorrente da simples passagem do tempo O pensamento eacute o de que se reintegraccedilatildeo

liminar natildeo eacute mais possiacutevel isso significa que a posse inicialmente injusta se

transformou em posse justa Este entendimento eacute adotado por doutrinadores como por

exemplo Maria Helena Diniz que indica expressamente ldquo() se o adquirente a tiacutetulo

clandestino ou violento provar que sua clandestinidade ou violecircncia cessaram haacute mais

de ano e dia sua posse passa a ser reconhecida convalescendo-se dos viacutecios que a

maculavamrdquo34

Tal interpretaccedilatildeo eacute criticaacutevel porque o fato do possuidor esbulhado ter que fazer uma

prova mais consistente do seu direito para que obtenha a tutela antecipada natildeo

significa que a posse do esbulhador tenha passado a ser justa Significa apenas que

tendo em vista que o momento do esbulho natildeo eacute mais tatildeo niacutetido a prova para a

retomada da posse deve ser mais substancial para que a tutela seja concedida Mas o

apossamento natildeo autorizado ocorreu

Da mesma forma quando se tem em conta que natildeo haacute nenhuma modalidade de

usucapiatildeo com menos de 1 ano todas as vezes que o possuidor tiver superado tal prazo

o viacutecio teraacute sido expurgado razatildeo pela qual natildeo haveria hipoacutetese de possuidor com

tempo suficiente para usucapir que jaacute natildeo teria passado pelo ldquomarco saneadorrdquo35

Ainda entre os especialistas brasileiros Silvio Rodrigues36 defendeu a tese de que apoacutes

ano e dia de exerciacutecio da posse pelo esbulhador o possuidor esbulhado perderia o

direito de retomaacute-la pela via possessoacuteria cabendo apenas a accedilatildeo reivindicatoacuteria com

base no tiacutetulo Tal impossibilidade seria reflexo de que a posse inicialmente injusta pela

aquisiccedilatildeo violenta teria passado a ser justa tendo em vista a passagem do prazo

34 DINIZ Maria Helena Curso de direito civil brasileiro Vol4 ndash direito das coisas 26ordfed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p78 O posicionamento eacute tambeacutem encampado entre outros por NEDER Natal Usucapiatildeo de imoacuteveis 3ordfed Rio de Janeiro Forense 1989 p19 35 Tambeacutem por isso parece curiosa a hipoacutetese de saneamento pela passagem do tempo vislumbrada por COELHO Faacutebio Ulhocirca Curso de direito civil Vol4 ndash direito das coisas cit p39 ldquoA posse soacute deixa de ser violenta se o antigo possuidor natildeo se interessa pela retomada do bem ou natildeo obtendo sucesso no exerciacutecio do desforccedilo imediato desiste da luta Desaparecendo a violecircncia nesse caso a posse se torna justa () Em suma o desinteresse do desapossado em defender a sua posse descaracteriza a origem viciada da do novo possuidorrdquo De acordo com tal raciociacutenio todas as vezes que o possuidor tiver posse ad usucapionem pelo tempo necessaacuterio para usucapir a posse injusta teraacute se transformado em posse justa E se isso eacute assim para que serve o exame dos viacutecios objetivos 36 RODRIGUES Silvio Direito civil Vol5 ndash direito das coisas 28ordfed Satildeo Paulo Saraiva 2009 p25-27

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O raciociacutenio de Silvio Rodrigues parece uma meacutelange da soluccedilatildeo positivada em alguns

sistemas estrangeiros como vg no direito espanhol e no direito portuguecircs O

problema eacute que aqui ao contraacuterio do que ocorre nos ordenamentos dos dois maiores

paiacuteses da Peniacutensula Ibeacuterica natildeo haacute nenhuma disposiccedilatildeo normativa que ampare tal

interpretaccedilatildeo Em Portugal e na Espanha o decurso do prazo de um ano tem

primeiramente uma funccedilatildeo especiacutefica a de decretar o momento da perda da posse por

parte do possuidor esbulhado37 Eacute o mesmo raciociacutenio que no Brasil sustenta a previsatildeo

do artigo 122438 onde ainda que sem uma referecircncia objetiva de tempo eacute possiacutevel

verificar que o possuidor esbulhado natildeo perde o seu direito de posse no exato momento

em que ocorre a perda no plano faacutetico A funccedilatildeo dessa ficccedilatildeo39 tanto laacute quanto caacute

tambeacutem eacute a mesma garantir que natildeo haja soluccedilatildeo de continuidade no exerciacutecio da

posse quando intervalos intermitentes ocorrem40

De se ressaltar ainda que no ordenamento portuguecircs assim como no direito espanhol

o prazo de 1 ano corresponde tambeacutem agrave ldquocaducidaderdquo das accedilotildees de reintegraccedilatildeo ou

manutenccedilatildeo de posse41 Como o possuidor esbulhado natildeo pode mais utilizar tais accedilotildees

a interdiccedilatildeo da via possessoacuteria gera consequecircncias na compreensatildeo da manutenccedilatildeo dos

viacutecios No direito espanhol natildeo sem polecircmica o prazo de 1 ano de exerciacutecio da posse

pelo esbulhador configura hipoacutetese na qual ldquoel transcurso del tiempo sirve para

subsanar este vicio posesoriordquo42

37 Coacutedigo Civil espanhol ldquoArtiacuteculo 460 El poseedor puede perder su posesioacuten () 4 Por la posesioacuten de otro aun contra la voluntad del antiguo poseedor si la nueva posesioacuten hubiese durado maacutes de un antildeordquo Coacutedigo Civil portuguecircs ldquoArtigo 1267ordm (Perda da posse) 1 O possuidor perde a posse () d) Pela posse de outrem mesmo contra a vontade do antigo possuidor se a nova posse houver durado mais de um anordquo 38 Art 1224 Soacute se considera perdida a posse para quem natildeo presenciou o esbulho quando tendo notiacutecia dele se absteacutem de retornar a coisa ou tentando recuperaacute-la eacute violentamente repelido 39 No direito espanhol a doutrina diverge acerca do momento em que tem iniacutecio a posse do esbulhador Haacute quem entenda que a posse do esbulhador soacute tem iniacutecio apoacutes o prazo de 1 ano RODRIGUEZ-CANO Rodrigo Bercovitz Manual de derecho civil ndash derechos reales Madrid Bercal 2013 p77) Outros consideram que coexistem desde o iniacutecio duas posses sobre o bem posse de fato exercida pelo esbulhador e a posse de direito que ateacute o transcurso do prazo permanece na titularidade do esbulhado LOacutePEZ y LOacutePEZ Aacutengel M FERNANDEZ Rosario Valpuesta et all Derecho civil patrimonial Vol II Valencia Tirant lo Blanch 2014 p97 40 TEPEDINO Gustavo Comentaacuterios ao coacutedigo civil cit p192 DIacuteEZ-PICAZO Luis GULLOacuteN Antonio Sistema de derecho civil VolIII Tomo I (derechos reales en general) 8ordfed Madrid Tecnos 2013 p116 41 CORDEIRO Antoacutenio Menezes A posse perspectivas dogmaacuteticas actuais cit p112 SANTOS JUSTO A dos Direitos Reais 4ordfed cit p218 LOacutePEZ PAacuteSARO Eduardo Tutela Sumaria de la Posesioacuten (Interdicto de recobrar) Madrid Dykinson 2014 p187 O artigo 1282 do Coacutedigo Civil portuguecircs indica que ldquoA acccedilatildeo de manutenccedilatildeo bem como as de restituiccedilatildeo da posse caducam se natildeo forem intentadas dentro do ano subsequente ao acto da turbaccedilatildeo ou do esbulho ou ao conhecimento dele quando tenha sido praticado a ocultasrdquo Jaacute o diploma civil espanhol preceitua no seu artigo 19681 do Coacutedigo Civil espanhol ldquo Artiacuteculo 1968 Prescriben por el transcurso de un antildeo 1La accioacuten para recobrar o retener la posesioacutenrdquo 42 RODRIGUEZ-CANO Rodrigo Bercovitz Manual de derecho civil ndash derechos reales cit p73 No mesmo sentido ALBALADEJO Manuel A Derecho civil VolIII cit p63 DIacuteEZ-PICAZO Luis Fundamentos del derecho civil patrimonial VolIII las relaciones juriacutedico-reales el registro de la propiedad la posesioacuten 5ordfed Madrid Civitas 2008 p689

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Jaacute no direito portuguecircs o Coacutedigo Civil eacute expresso acerca da possibilidade de

saneamento dos viacutecios43 e a doutrina encampa unanimemente o entendimento de que

a posse eacute violenta ndash portanto injusta ndash apenas no tempo de duraccedilatildeo de seus efeitos44

Ou seja a posse violenta clandestina ou precaacuteria perde a condiccedilatildeo de viciosa no exato

instante em que se estabiliza Apoacutes a cessaccedilatildeo da violecircncia a posse passa a ser

perfeitamente apta a gerar a usucapiatildeo45

Mas ideia de que a posse eacute injusta apenas enquanto houver violecircncia ou

clandestinidade ao contraacuterio do direito luso natildeo tem respaldo no ordenamento

brasileiro apesar de ser defendida por nomes como os de Lenine Nequete46 e Arnoldo

Wald47 O artigo 1208 do Coacutedigo Civil alocado no capiacutetulo referente agrave aquisiccedilatildeo da

posse dispotildee claramente que ldquoNatildeo induzem posse os atos de mera permissatildeo ou

toleracircncia assim como natildeo autorizam a sua aquisiccedilatildeo os atos violentos ou clandestinos

senatildeo depois de cessar a violecircncia ou a clandestinidaderdquo Ou seja aqui enquanto a

violecircncia estiver sendo empregada natildeo haacute posse Apoacutes a sua cessaccedilatildeo a posse advinda

de tais atos eacute posse mas posse injusta48

Natildeo haacute duacutevida portanto de que o prazo de ldquoano e diardquo tem uma funccedilatildeo importante No

direito espanhol o prazo serve como marco da perda da posse da impossibilidade de

utilizaccedilatildeo das accedilotildees possessoacuterias e de saneamento dos viacutecios objetivos No direito

portuguecircs serve igualmente de referecircncia para identificaccedilatildeo do momento de perda da

posse e da caducidade da via possessoacuteria ao passo que os viacutecios satildeo considerados

sanados apoacutes a cessaccedilatildeo de seus efeitos

Em ambos os ordenamentos o expurgo dos viacutecios pela passagem do tempo tem

respaldo normativo ainda que as criacuteticas anteriormente feitas a este raciociacutenio no

direito brasileiro tambeacutem sejam aplicaacuteveis a tais sistemas natildeo havendo tambeacutem neles

nenhuma modalidade de usucapiatildeo com menos de 1 ano a ideia do saneamento da

43 Artigo 1297ordm (Posse violenta ou oculta) Se a posse tiver sido constituiacuteda com violecircncia ou tomada ocultamente os prazos da usucapiatildeo soacute comeccedilam a contar-se desde que cesse a violecircncia ou a posse se torne puacuteblica 44 Por todos CARVALHO Orlando de Direito das coisas Coimbra Coimbra Editora 2012 p283 45 FRANCcedilA PITAtildeO Joseacute Antoacutenio de Posse e usucapiatildeo Lisboa Almedina 2007 p74 FERREIRA Durval Posse e usucapiatildeo 3ordfed Lisboa Almedina 2008 p319 OLIVEIRA ASCENCcedilAtildeO Joseacute de Direito civil ndash reais cit p116 46 NEQUETE Lenine Da prescriccedilatildeo aquisitiva (usucapiatildeo) Porto Alegre Ediccedilatildeo Sulina 1954 p80 47 WALD Arnoldo Direito Civil direito das coisas Vol4 Satildeo Paulo Saraiva 2011 pp103-104 48 Segundo esclarece Joseacute Carlos Moreira Alves ldquo() para o Coacutedigo Civil brasileiro () enquanto materialmente existentes ndash ou seja enquanto se pratica a violecircncia ou haacute clandestinidade ndash impedem [tais viacutecios] a aquisiccedilatildeo ateacute da possessio ad interdicta havendo apenas detenccedilatildeo independente e uma vez cessados em sua materialidade surge a posse embora qualificada como injusta que produz as consequecircncias de qualquer posse injustardquo MOREIRA ALVES Joseacute Carlos ldquoA detenccedilatildeo no direito civil brasileiro (conceito e casos)rdquoIn CAHALI Yussef Said Posse e propriedade doutrina e jurisprudecircncia Satildeo Paulo Saraiva 1987 p20

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mesma forma que aqui natildeo tem funccedilatildeo nenhuma porque sempre que o usucapiente

tiver prazo para usucapir os viacutecios teratildeo deixado de existir

De se ressaltar ainda que o proacuteprio Silvio Rodrigues reconheceu que a sua tese natildeo

tinha fundamento legal Na nota de rodapeacute 28 do seu livro ldquoDireito das Coisasrdquo49 o

autor demonstrou que entendia que o Coacutedigo de Processo Civil de 1939 tinha extirpado

a ldquoaccedilatildeo de forccedila velha expoliativardquo do ordenamento brasileiro razatildeo pela qual para o

possuidor de mais de 1 ano e dia caberia apenas a via petitoacuteria o que sanearia o viacutecio na

aquisiccedilatildeo Isto porque segundo sua interpretaccedilatildeo ldquoBasta que ela [a posse] se estenda

pacificamente ou publicamente durante o intervalo de ano e dia para que fique

purgada de seus defeitosrdquo50 Mas o proacuteprio autor admitiu ao final da nota de rodapeacute

28 que o CPC de 73 ldquoextirpou a duacutevidardquo que poderia existir em torno da possibilidade

de accedilatildeo de reintegraccedilatildeo com mais de 1 ano e dia do esbulho que ldquomesmo intentadas

apoacutes o intervalo de ano e dia natildeo perdem o seu caraacuteter acessoacuteriordquo51 Mesmo criticando

a soluccedilatildeo do CPC reconhece que ldquo() a vontade do legislador manifestada de forma

irrefutaacutevel que deve prevalecerrdquo52 Fica claro portanto que natildeo haacute fundamento legal

para a tese de que a posse injusta se transforma em posse justa apoacutes ano e dia

6 Saneamento pelo cumprimento da funccedilatildeo social

Alguns estudos mais recentes tecircm indicado que os viacutecios objetivos da posse podem ser

considerados sanados uma vez constatado o cumprimento da funccedilatildeo social por parte do

esbulhador53

Mas o saneamento pelo cumprimento da funccedilatildeo social da posse pode ser

primeiramente criticado por que natildeo haacute qualquer dispositivo normativo em vigor no

ordenamento juriacutedico brasileiro que defina o que eacute e qual eacute o conteuacutedo da funccedilatildeo social

da posse A doutrina tem buscado dar substacircncia ao princiacutepio pela conexatildeo que

tradicionalmente eacute feita entre funccedilatildeo social da posse e a efetivaccedilatildeo de direitos

fundamentais como os de moradia e trabalho

49 RODRIGUES Silvio Direito civil Vol5 ndash direito das coisas cit p30 50 RODRIGUES Silvio Direito civil Vol5 ndash direito das coisas cit p30 51 O CPC15 eacute claro acerca do caraacuteter possessoacuterio da accedilatildeo proposta apoacutes o prazo de ldquoano e diardquo Art558 Regem o procedimento de manutenccedilatildeo e de reintegraccedilatildeo de posse as normas da Seccedilatildeo II deste Capiacutetulo quando a accedilatildeo for proposta dentro de ano e dia da turbaccedilatildeo ou do esbulho afirmado na peticcedilatildeo inicial Paraacutegrafo uacutenico Passado o prazo referido no caput seraacute comum o procedimento natildeo perdendo contudo o caraacuteter possessoacuterio 52 RODRIGUES Silvio Direito civil Vol5 ndash direito das coisas cit p30 nota28 53 MELO Marco Aureacutelio Bezerra de Curso de direito civil Vol5 ndash direito das coisas 2015 p73 FARIAS Cristiano Chaves de ROSENVALD Nelson Curso de direito civil Vol5 ndash reais cit p119

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Eacute possiacutevel tentar extrair essa conexatildeo da relaccedilatildeo entre posse e propriedade

considerando que a propriedade deve cumprir a funccedilatildeo social a posse tambeacutem deve ser

lida como subordinada a tal princiacutepio Mas se a funccedilatildeo social da propriedade eacute em

grande medida a ldquofunccedilatildeo social da posse exercida pelo proprietaacuteriordquo54 seraacute viaacutevel dizer

que o contraacuterio tambeacutem eacute verdadeiro Um possuidor de uma aacuterea de grande extensatildeo

de terra na zona rural estaacute obrigado a cumprir os mesmos preceitos direcionados ao

proprietaacuterio estabelecidos no artigo 184 da Constituiccedilatildeo E qual seria a consequecircncia

do descumprimento desse conteuacutedo por parte de quem eacute apenas o possuidor E no caso

da posse urbana qual o conteuacutedo a ser cumprido para que a funccedilatildeo social seja

contemplada

A falta de uma definiccedilatildeo sobre o conteuacutedo objetivamente definido para a funccedilatildeo social

da posse prejudica enormemente a sua utilizaccedilatildeo como criteacuterio para avaliaccedilatildeo do o

expurgo dos viacutecios objetivos Aleacutem de desnecessaacuteria a possibilidade do saneamento

atraveacutes de um princiacutepio tatildeo ldquomaleaacutevelrdquo tem como consequecircncia o seu reconhecimento

em um sem nuacutemero de situaccedilotildees tatildeo diacutespares que fica difiacutecil enxergar em que

circunstacircncia qualquer exerciacutecio regular da posse natildeo o atenderia

Nos tribunais fala-se em cumprimento da funccedilatildeo social quando a posse de um terreno eacute

utilizada para criaccedilatildeo de galinhas55 quando mesmo sem comprovar o tempo

necessaacuterio o possuidor prova que construiu lojas e quitinetes no imoacutevel que pretendia

usucapir56 ou ainda quando o imoacutevel a ser usucapido foi utilizado como garagem e aacuterea

de lazer durante o lapso temporal necessaacuterio agrave usucapiatildeo57

54 DANTAS Marcus Eduardo de Carvalho ldquoDa funccedilatildeo social da propriedade agrave funccedilatildeo social da posse exercida pelo proprietaacuterio ndash uma proposta de releitura do princiacutepio constitucionalrdquo RIL ndash Revista de Informaccedilatildeo Legislativa ano 52 n 205 p23-38 Mar 2015 p34 DANTAS Marcus Eduardo de Carvalho ldquoFunccedilatildeo social nos conflitos fundiaacuteriosrdquo Revista Direito GV Satildeo Paulo v9 n 2 p465-488 Dec 2013 p479 55 Tribunal de Justiccedila do Rio de Janeiro Apelaccedilatildeo nordm 0003045-5320028190061 Rel Des Gilda Maria

Dias Carrapatoso Julgamento 31072013 13ordf Cacircmara Ciacutevel Disponiacutevel em

httpwww1tjrjjusbrgedcachewebdefaultaspxUZIP=1ampGEDID=0004CC331928D8D3A72C15733D

069BD44D8BC50237206304 Acesso em 12032015 56 Tribunal de Justiccedila do Rio de Janeiro Apelaccedilatildeo nordm 0034331-2420108190205 Rel Des Andreacute

Ribeiro Julgamento 05062013 7ordf Cacircmara Ciacutevel Disponiacutevel em

httpwww1tjrjjusbrgedcachewebdefaultaspxUZIP=1ampGEDID=000421376D950C28F7B805418EE

F244E6857C5022B4D2D4CAcesso em 12032015 57 Tribunal de Justiccedila do Rio de Janeiro Apelaccedilatildeo nordm 0096918-8820058190001 Rel Des Antocircnio

Saldanha Palheiro Julgamento 12042011 5ordf Cacircmara Ciacutevel Disponiacutevel em

httpwww1tjrjjusbrgedcachewebdefaultaspxUZIP=1ampGEDID=0003FDB81056920E5F12D511F73

43C44001098C403252532 Acesso em 12032015

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Natildeo se trata aqui de uma avaliaccedilatildeo moral acerca daquilo que deve ou natildeo ser

considerado como o conteuacutedo da funccedilatildeo social A questatildeo eacute que sem um conteuacutedo bem

especificado a funccedilatildeo social deixa de ser um mecanismo de qualificaccedilatildeo da posse ela

natildeo tem serventia alguma como mecanismo de diferenciaccedilatildeo Se a utilizaccedilatildeo de um

terreno como garagem e lazer corresponde ao exerciacutecio da posse com funccedilatildeo social em

que circunstacircncia o exerciacutecio puro e simples da posse natildeo corresponderia a tal

princiacutepio Basta natildeo realizar uma atividade iliacutecita para cumprir a funccedilatildeo social da

posse Qual a diferenccedila entre ldquoter posserdquo e ldquoter posse com funccedilatildeo socialrdquo

A segunda linha de criacutetica se orienta pelo fato de que nem todas as modalidades de

usucapiatildeo existentes no ordenamento brasileiro tecircm uma conexatildeo visiacutevel com os temas

tradicionalmente considerados como caracteriacutesticos da funccedilatildeo social A usucapiatildeo

extraordinaacuteria prevista no caput do artigo 1238 do Coacutedigo Civil58 por exemplo natildeo

exige do possuidor que exerccedila a posse com fins de moradia tampouco que utilize o

imoacutevel como fonte de trabalho Isso mostra que o Coacutedigo diferencia as situaccedilotildees nas

quais a posse eacute exercida como meio de efetivaccedilatildeo dos direitos tradicionalmente

afinados com uma ideia geral de funccedilatildeo social e aquelas nas quais a posse eacute exercida

regularmente mas sem tal qualificaccedilatildeo especial Em tais condiccedilotildees o entendimento de

que a injusticcedila original da posse pode ser sanada pelo cumprimento da funccedilatildeo social

para a usucapiatildeo em geral ficaria ainda uma vez sem sentido pois o diploma civil natildeo

exige que a posse seja exercida como moradia ou fonte de trabalho em todas as

modalidades da usucapiatildeo

7 O ldquoteste do uso incompatiacutevelrdquo e a funccedilatildeo da posse injusta na usucapiatildeo

Apesar de todo esforccedilo doutrinaacuterio na defesa de formas pelas quais a posse injusta pode

deixar para traacutes o seu viacutecio de origem a doutrina tem um posicionamento tatildeo soacutelido

quanto incoerente acerca do viacutecio da precariedade o de que ele natildeo convalesce nunca

O entendimento eacute defendido por quase59 a totalidade dos especialistas sob o

58 Art 1238 Aquele que por quinze anos sem interrupccedilatildeo nem oposiccedilatildeo possuir como seu um imoacutevel adquire-lhe a propriedade independentemente de tiacutetulo e boa-feacute podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentenccedila a qual serviraacute de tiacutetulo para o registro no Cartoacuterio de Registro de Imoacuteveis Paraacutegrafo uacutenico O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-aacute a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imoacutevel a sua moradia habitual ou nele realizado obras ou serviccedilos de caraacuteter produtivo

59 Francisco Eduardo Loureiro eacute uma boa exceccedilatildeo agrave leitura predominante Nesse sentido ldquoDiz-se que a posse precaacuteria nunca gera usucapiatildeo Na verdade eacute ela imprestaacutevel para usucapiatildeo natildeo porque eacute injusta mas porque o precarista natildeo tem animus domini uma vez que reconhece a supremacia e o melhor direito do terceiro sobre a coisa Caso poreacutem natildeo reconheccedila ou deixe de reconhecer essa posiccedilatildeo e revele isso de modo inequiacutevoco e claro ao titular do domiacutenio para que este possa reagir e retomar a coisa nasce nesse momento o prazo para usucapiatildeo porque o requisito animus domini estaraacute entatildeo presente LOUREIRO Francisco Eduardo ldquoDireito das coisas (arts 1196-1510)rdquo In PELUSO Cezar (Coord) Coacutedigo civil interpretado Satildeo Paulo Manole 2008 p1092-1093

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argumento de que o descumprimento do dever de restituiccedilatildeo do bem soacute deixa de existir

quando a coisa eacute devolvida Enquanto o bem permanece com o esbulhador a posse

permanece injusta e nenhuma das taacuteticas anteriormente analisadas seria suficiente

para modificar tal condiccedilatildeo

Trata-se de uma interpretaccedilatildeo no miacutenimo insoacutelita pois acaba tornando o viacutecio da

precariedade mais grave que os outros se o esbulhador usa a violecircncia fiacutesica contra a

pessoa do esbulhado ele pode ver tal viacutecio sanado das formas mais diversas se a

aquisiccedilatildeo se daacute pela recusa da restituiccedilatildeo isso natildeo seria de forma alguma possiacutevel pela

ldquoquebra da confianccedilardquo Mas por que a ldquoquebra da confianccedilardquo eacute mais grave que o uso da

forccedila fiacutesica Aleacutem de natildeo parecer razoaacutevel trata-se de uma interpretaccedilatildeo que atribui

uma vantagem injustificaacutevel em favor do proprietaacuterio Independentemente do que ele

tiver feito ou deixado de fazer para retomar o bem o fato da posse ser injusta

bloquearia a usucapiatildeo para sempre

Como indicado a discussatildeo acerca das circunstacircncias nas quais algueacutem pode se tornar

proprietaacuterio pela usucapiatildeo eacute tambeacutem uma discussatildeo acerca das condiccedilotildees nas quais

algueacutem pode legitimamente exercer o seu direito de propriedade Eacute possiacutevel

reconhecer poreacutem que a doutrina brasileira tem dado uma ecircnfase talvez desmesurada

na atuaccedilatildeo do possuidor deixando de investigar a dimensatildeo real do papel do

proprietaacuterio nesse jogo Soacute haveraacute usucapiatildeo se o proprietaacuterio de algum modo se

mantiver inerte na recuperaccedilatildeo do bem E se o proprietaacuterio deixou de tomar as

providencias necessaacuterias agrave tutela do seu direito durante um periacuteodo que pode variar de

2 a 15 anos eacute porque ele tambeacutem contribuiu para a consolidaccedilatildeo da posse do

usucapiente Como seria o cenaacuterio se a ecircnfase no processo recaiacutesse sobre o

proprietaacuterio Se independentemente da preocupaccedilatildeo com a caracterizaccedilatildeo de

eventuais viacutecios da posse incidisse principalmente sobre o titular a responsabilidade de

agir para que a usucapiatildeo natildeo se consumasse

Um caso interessante nesse sentido ndash e pouco estudado no Brasil ndash eacute o chamado

ldquoJAPye (Oxford) Ltd v Grahamrdquo ou apenas ldquoCase Pyerdquo como ficou conhecido De

forma muito resumida a empresa do ramo imobiliaacuterio JA Pye (Oxford) Ltd adquiriu

um terreno em Berkshire oeste de Londres com o objetivo de desenvolver um

empreendimento imobiliaacuterio e obteve o respectivo registro como proprietaacuteria da aacuterea

Apoacutes realizar a venda de uma parte do terreno a empresa inglesa celebrou um contrato

de 1 ano com a famiacutelia Graham por meio do qual seus integrantes ficavam autorizados a

utilizar os 25 hectares restantes da aacuterea como pasto Apoacutes o teacutermino do contrato os

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Graham procuraram a empresa com objetivo de obter uma renovaccedilatildeo mas a J A Pye

Ltd se recusou a fazecirc-lo Apesar disso Caroline e Michael Graham continuaram a

ocupar o terreno e a utilizaacute-lo como pasto por mais 12 anos com o conhecimento da

empresa mas sem o seu consentimento ainda que a J A Pye Ltd tenha se mantido

inerte quanto agraves providecircncias necessaacuterias para impedir a permanecircncia natildeo autorizada

dos Graham no local Apoacutes os 12 anos de exerciacutecio natildeo autorizado da posse os Graham

solicitaram o reconhecimento dos seus direitos sobre a referida aacuterea o que foi

concedido pelo registro com base na ldquoadverse possessionrdquo ou seja na usucapiatildeo

A decisatildeo gerou um sem nuacutemero de polecircmicas e modificaccedilotildees de rumo chegando ateacute

ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos onde no julgamento da Queixa

nordm4430202 foi dado ganho de causa ao Reino Unido e por consequecircncia agrave famiacutelia

Graham Em um primeiro momento a ldquoCourt of Appealrdquo deu decisatildeo favoraacutevel agrave

empresa ldquoPyerdquo com base entre outros motivos no fato de que a famiacutelia Graham natildeo

tinha ldquothe necessary intention to possessrdquo ou seja o acircnimo de dono Considerando-se

que no direito inglecircs vigora o chamado ldquoprocedural approachrdquo no que tange agrave usucapiatildeo

ndash a ecircnfase no aspecto processual da disputa ndash a referecircncia ao animus possidendi foi

considerada uma inovaccedilatildeo surpreendente60 De fato uma vez que os agricultores

permaneceram apenas fazendo aquilo que jaacute faziam quando do contrato em vigor os

julgadores da ldquoCourt of Appealrdquo entenderam que natildeo havia a intenccedilatildeo de passar a ser o

dono do lugar contrapondo-se frontalmente ao direito da empresa61 A decisatildeo foi

objeto de recurso agrave ldquoHouse of Lordsrdquo que deu ganho de causa agrave Caroline Graham62

Ainda inconformada a empresa ldquoPyerdquo entrou com novo recurso e como indicado o

caso chegou ateacute ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos sob a alegaccedilatildeo de que o

Reino Unido havia violado o direito de propriedade da J A Pye Ltd descumprindo a

garantia prevista no artigo 1ordm do Protocolo Adicional nordm 1 da Convenccedilatildeo Europeia dos

Direitos do Homem63 A decisatildeo final foi favoraacutevel ao Reino Unido e

60 RADLEY-GARNER Oliver ldquoCivilized Squattingrdquo Oxford Journal of Legal Studies (winter 2005) 25 (04) p728 61 A discussatildeo pode ser conhecida em httpwwwpublicationsparliamentukpald200102ldjudgmtjd020704graham-3htm Acesso em 13122014 62 O voto de maior peso no julgamento foi o de Lord Browne-Wilkinson por ter considerado que ao contraacuterio do que se exigia ateacute entatildeo a partir do momento em que os Graham continuaram a pastorear a terra sem a autorizaccedilatildeo da ldquoJAPyerdquo eles passaram a ter posse em nome proacuteprio o que independentemente de um conflito aberto seria suficiente para viabilizar a adverse possession O voto na iacutentegra pode ser lido em ldquoHouse of Lords Judgments ndash J A Pye (Oxford) Ltd and Others v Graham and Another on 4 July 2002rdquo httpwwwpublicationsparliamentukpald200102ldjudgmtjd020704graham-1htm Acesso em 13122014 63 ldquoQualquer pessoa singular ou colectiva tem direito ao respeito dos seus bens Ningueacutem pode ser privado do que eacute sua propriedade a natildeo ser por utilidade puacuteblica e nas condiccedilotildees previstas pela lei e pelos princiacutepios gerais do direito internacional

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consequentemente agrave famiacutelia Graham sob diversos argumentos Destacam-se para fins

do presente estudo a ideia de que a usucapiatildeo deve ser encarada como um mecanismo

de controle ou regulamentaccedilatildeo do uso dos bens eis que eacute de interesse geral saber quem

efetivamente eacute responsaacutevel pelo imoacutevel bem como pelos tributos decorrentes de tal

condiccedilatildeo o que remete agrave seguranccedila juriacutedica 64

Entre diversas questotildees importantes o episoacutedio mostra como em grande medida a

dogmaacutetica juriacutedica brasileira tem abordado o tema da usucapiatildeo de maneira a ampliar

os poderes do proprietaacuterio Uma atenccedilatildeo desmesurada tem sido dada agrave posse do

usucapiente sempre cheia de requisitos a cumprir escamoteando-se as

responsabilidades do titular do direito a ser usucapido

Desde logo salta aos olhos o fato de que na hipoacutetese do ldquoCase Pyerdquo o poder da famiacutelia

Graham sobre o terreno poderia no Brasil ser qualificado como uma situaccedilatildeo de mera

toleracircncia hipoacutetese na qual natildeo haveria verdadeiramente posse conforme indicaccedilatildeo do

artigo 1208 do Coacutedigo Civil brasileiro Mas eacute preciso reconhecer que apesar da empresa

ldquoPyerdquo ter ldquotoleradordquo a presenccedila dos Graham o fato eacute que a ineacutercia de ldquoPyerdquo se deu em

momento posterior agrave negativa de renovaccedilatildeo do contrato o que demonstra o interesse

em natildeo perpetuar a presenccedila da famiacutelia Graham no local A recusa agrave renovaccedilatildeo e a

ineacutercia fariam entatildeo com que a hipoacutetese passasse a ser encarada como uma ldquoposse

precaacuteriardquo justamente o viacutecio que a doutrina brasileira insiste em considerar insanaacutevel

e portanto incapaz de gerar a usucapiatildeo

Mas o episoacutedio mostra que quando algueacutem exerce posse sobre o bem de outrem

diversos pontos de vista podem ser utilizados para analisar a questatildeo o proprietaacuterio

permitiu tal exerciacutecio Ele tomou as providecircncias necessaacuterias para recuperar o bem O

possuidor adverso sabia que o bem era de outra pessoa e se negou a devolvecirc-lo

As condiccedilotildees precedentes entendem - se sem prejuiacutezo do direito que os Estados possuem de pocircr em vigor as leis que julguem necessaacuterias para a regulamentaccedilatildeo do uso dos bens de acordo com o interesse geral ou para assegurar o pagamento de impostos ou outras contribuiccedilotildees ou de multasrdquo No original ldquoThe preceding provisions shall not however in any way impair the right of a State to enforce such laws as it deems necessary to control the use of property in accordance with the general interest or to secure the payment of taxes or other contributions or penaltiesrdquo European Court of Human Rights ldquoCase JA Pye (Oxford) Ltd and JA Pye (Oxford) Land Ltd v The United Kingdom Alleged Violation of Article 1 of Protocol nordm 1 Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-82172itemid[001-82172] Acesso em 03032014 64 ABREU Abiacutelio Vassalo Titularidade Registral do Direito de Propriedade Imobiliaacuteria versus usucapiatildeo (adverse possession) Coimbra Coimbra Editora 2011 p83

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Nesses termos o modelo processual inglecircs indica que a reflexatildeo acerca da usucapiatildeo

tambeacutem deve englobar uma meditaccedilatildeo sobre a atuaccedilatildeo do proprietaacuterio na recuperaccedilatildeo

do seu direito pois nada acontece se ele agir de maneira ceacutelere Mesmo apoacutes a negativa

de permanecircncia da famiacutelia Graham a empresa Pye permaneceu 12 anos sem tomar as

providecircncias necessaacuterias para a desocupaccedilatildeo do local Eacute um espaccedilo consideraacutevel de

tempo Seria razoaacutevel entender que por ser ldquoinsanaacutevelrdquo o viacutecio da precariedade nunca

admitiria a consumaccedilatildeo da usucapiatildeo em favor dos Graham

Aleacutem de problemaacutetica essa interpretaccedilatildeo ressuscita o problema da ldquoposse eternamente

injustardquo o esbulhador nunca poderia usucapir mesmo se o esbulhado natildeo procurar

retomar a sua posse Ao que tudo indica a impossibilidade de saneamento do viacutecio da

precariedade reflete a um imperativo moral a quebra da confianccedila depositada deve ser

punida com a perenidade do caraacuteter injusto E aqui se abre a oportunidade de discutir

afinal qual eacute a funccedilatildeo da anaacutelise da injusticcedila como meio de barreira para a usucapiatildeo

Quando se faz referecircncia agraves diversas teacutecnicas de saneamento dos viacutecios eacute preciso

reconhecer que elas natildeo podem ser lidas como um modo de suplantar o fato de que a

posse do usucapiente natildeo foi autorizada e eacute exercida de forma contraacuteria aos interesses

do titular porque essa eacute uma condiccedilatildeo necessaacuteria para que a usucapiatildeo ocorra Ainda

que natildeo haja uma ldquobatalha campalrdquo em busca da posse ldquoCrucially the adverse

possessorrsquos use must be without permission (ldquoadverserdquo)rdquo65 A aquisiccedilatildeo sem autorizaccedilatildeo

e o exerciacutecio contraacuterio aos interesses do titular satildeo pressupostos para a usucapiatildeo

Em tais condiccedilotildees as estrateacutegias que visam a ldquoeliminaccedilatildeo da injusticcedilardquo pelo expurgo

dos viacutecios de origem soacute podem ser compreendidas como vias pelas quais se pretende

superar o chamado ldquoparadoxo moralrdquo66 aparentemente existente em torno da proacutepria

ideia de usucapiatildeo qual a justificativa para que algueacutem perca o seu direito de

propriedade em funccedilatildeo da atuaccedilatildeo natildeo autorizada de outra pessoa

Mas a falta de precisatildeo doutrinaacuteria na referecircncia agrave justiccedila ou injusticcedila da posse faz com

que a exigecircncia de que a posse ad usucapionem seja uma posse ldquojustardquo gere a falsa

ideia de que a atuaccedilatildeo do usucapiente estaacute em conformidade com o direito E as

estrateacutegias de saneamento reforccedilam essa confusatildeo ao se voltarem para o modo como a

posse foi adquirida Elas servem como uma justificativa para tentar amainar a ilicitude

65 MERRIL Thomas W SMITH Henry E Property Oxford Oxford University Press 2010 p36 66 KATZ Larissa ldquoThe moral paradox of adverse possession sovereignty and revolution in property lawrdquo McGill Law Journal Vol55 2010 pp47-80 cit p 59

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do apossamento mas isso eacute virtualmente impossiacutevel sem jogar o instituto em um non

sense pois a contrariedade da posse ad usucapionem eacute intriacutenseca a usucapiatildeo

Quando se diz que a posse do usucapiente eacute sempre injusta isso significa que ela natildeo

estaacute autorizada de forma alguma e se coloca sim em posiccedilatildeo de conflito (ainda que

velado) com os interesses do proprietaacuterio ou seja algueacutem vai adquirir a propriedade de

algo que jaacute tem dono e obviamente sem a colaboraccedilatildeo deste

Por isso as estrateacutegias de saneamento estatildeo por assim dizer ldquono lugar erradordquo pois

acabam mascarando a dinacircmica real do processo por meio do qual algueacutem caminha

para usucapir o bem de outrem Isto acaba ampliando as sombras existentes entre as

linhas que demarcam uma posse ldquomoralmente legitimadardquo a viabilizar a usucapiatildeo e a

adversidade sem a qual a aquisiccedilatildeo natildeo tem como se efetivar

Nessa direccedilatildeo a caracterizaccedilatildeo da posse ad usucapionem natildeo depende do saneamento

dos viacutecios objetivos pois o meio objetivo pelo qual se deu o apossamento eacute afinal

irrelevante Basta o chamado ldquoteste de uso incompatiacutevelrdquo (inconsistent use test) ou

seja da verificaccedilatildeo de que a posse natildeo autorizada se daacute em desconformidade com a

agenda estabelecida pelo proprietaacuterio do bem a ser usucapido67 Natildeo importa o modo

pelo qual tal contrariedade ganhou forma o fato eacute que ela existe e uma vez constatada

gera para o proprietaacuterio a oportunidade de se opor dentro de um determinado periacuteodo

de tempo sem o que perderaacute a titularidade do bem

Eacute importante ainda deixar expliacutecito o fato de que toda discussatildeo em torno dos

pressupostos para a aquisiccedilatildeo pela usucapiatildeo reflete uma dada concepccedilatildeo acerca da

propriedade Debater em que circunstacircncia algueacutem pode se tornar o proprietaacuterio do

bem que eacute de outro resvala em uma avaliaccedilatildeo acerca da amplitude de formas de

atuaccedilatildeo que o proprietaacuterio estaacute legitimado a desempenhar

Do mesmo modo a possiacutevel imoralidade existente na atribuiccedilatildeo do direito de

propriedade em favor de algueacutem que viola o direito de outrem eacute decorrente de uma

visatildeo que considera moralmente aceitaacutevel que o bem objeto desse direito possa

permanecer sem um uso efetivo durante um nuacutemero maior ou menor de anos jaacute que

natildeo haacute usucapiatildeo sem a ineacutercia do titular do direito a ser usucapido

67 KATZ Larissa ldquoThe moral paradoxrdquo cit p50

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Nesse sentido ultrapassar a discussatildeo acerca das estrateacutegias de saneamento dos viacutecios

da aquisiccedilatildeo rumo a um debate aprofundado sobre as razotildees que contribuem para a

superaccedilatildeo do paradoxo moral permitiria por exemplo a consideraccedilatildeo de que mesmo

um possuidor de maacute-feacute pode dar um uso economicamente mais eficiente do que aquele

dado pelo possuidor originaacuterio68 ou que em um contexto de deacuteficit de moradias a

ideia de que ldquoo natildeo uso eacute uma forma de usordquo69 seria juriacutedica e moralmente indefensaacutevel

pois corresponderia a absolutizaccedilatildeo da propriedade

O debate moral em torno da usucapiatildeo eacute rico de possibilidades que auxiliam na

compreensatildeo adequada do instituto e tambeacutem por isso natildeo pode ser represado Quando

se vecirc tanto esforccedilo doutrinaacuterio para expurgar os viacutecios objetivos de origem o uacutenico

sentido possiacutevel para tanto eacute pressuposto de que haacute uma avaliaccedilatildeo moralmente

negativa em torno da ideia de que uma posse ldquoinjustardquo seja apta a transformar um

ldquoladratildeordquo em proprietaacuterio Mas aqui o foco estaacute todo voltado para como a posse foi

adquirida o que reduz enormemente a investigaccedilatildeo Natildeo se trata da defesa da

legitimaccedilatildeo do uso da forccedila como se fosse possiacutevel concordar com a grilagem de terras

mas justo o oposto da possibilidade de reconhecimento de que mesmo o uso da forccedila

pode ser justificado quando a efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais como os relativos agrave

moradia e ao trabalho se contrapotildeem ao natildeo uso e a especulaccedilatildeo A existecircncia do

instituto da usucapiatildeo revela em si mesma que ordenamento fez uma escolha na qual o

uso efetivo do bem estaacute em uma posiccedilatildeo hierarquicamente superior ao natildeo uso Diante

da diferenciaccedilatildeo entre justiccedila e injusticcedila formal ndash relativa agrave aquisiccedilatildeo ndash e justiccedila ou

injusticcedila material (os valores materializados em cada efetivo apossamento) abre-se a

oportunidade de discutir as bases morais econocircmicas e filosoacuteficas por meio das quais eacute

ainda hoje possiacutevel fundamentar a manutenccedilatildeo ou perda dos direitos de propriedade

titularizados por algueacutem

De todo modo para os objetivos do presente estudo a hipoacutetese testada parece poder

ser adequadamente confirmada independentemente do modelo de usucapiatildeo a ser

adotado independentemente do fundamento mais adequado para usucapiatildeo em

68 FENNEL Lee Anne ldquoEfficient trespass the case for lsquobad faithrsquo adverse possessionrdquo Northwestern University Law Review Vol100 p1035-10962006 p53 Considerando-se que apenas um imoacutevel sem um uso efetivo pode ser objeto de apossamento alheio estendido por vaacuterios anos sem uma reaccedilatildeo apropriada a manutenccedilatildeo da sua titularidade pode ser lida como uma falha de mercado que daacute corpo agrave especulaccedilatildeo a venda do imoacutevel natildeo ocorre porque o titular natildeo encontra condiccedilotildees que lhe garantam a remuneraccedilatildeo pretendida naquele momento Da mesma forma levando-se em consideraccedilatildeo que no caso brasileiro a funccedilatildeo social remete agrave obrigatoriedade do uso e que isto por sua vez desaacutegua no exerciacutecio da posse toda posse ad usucapionem poderia ser lida como a vitoacuteria do uso produtivo sobre o natildeo uso especulativo Nesse sentido a posse de maacute-feacute corresponderia agrave deliberada intenccedilatildeo de concretizar um uso socialmente uacutetil a um bem que estaacute sendo administrado de forma ineficiente 69 NASCIMENTO Tupinambaacute Miguel Castro do Posse e propriedade Porto Alegre Livraria do Advogado 1986 p10

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nenhum lugar eacute possiacutevel colocar em questatildeo o fato de que a posse exercida pelo

esbulhador eacute adversa A posse exercida por algueacutem natildeo autorizado que deseja ou

acredita que jaacute tem o direito de outrem eacute nesse sentido sempre e necessariamente uma

posse injusta

Conclusatildeo

As tentativas de saneamentos dos viacutecios satildeo incongruentes e ineficientes porque a

superaccedilatildeo do paradoxo moral existente na usucapiatildeo depende de uma reflexatildeo acerca

daquilo que a sociedade considera como moralmente justificado em torno do exerciacutecio

do direito de propriedade E desde aiacute eacute possiacutevel perceber diversos aspectos que

demonstram que o exerciacutecio da posse seja qual for a sua qualificaccedilatildeo eacute mais forte do

que o natildeo uso a existecircncia mesma do instituto da usucapiatildeo o encurtamento

generalizado dos prazos para usucapir ocorrido no acircmbito do Coacutedigo Civil em vigor

mesmo na hipoacutetese extraordinaacuteria a ampliaccedilatildeo das modalidades de usucapiatildeo como

forma de premiar o exerciacutecio dirigido agrave busca da efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais

sociais como moradia e trabalho Nesse caminho o paradoxo moral se dissolve e o

saneamento dos viacutecios passa a ser irrelevante eacute mais importante saber o que se faz da

posse do que o modo pelo qual ela foi obtida

Em tais condiccedilotildees considerar que a posse ldquoboa para usucapirrdquo seja sempre injusta ndash no

sentido de que representa uma dissonacircncia necessaacuteria com a agenda estabelecida pelo

proprietaacuterio do bem a ser usucapido ndash natildeo significa o abandono da dimensatildeo moral

existente na qualificaccedilatildeo da posse do usucapiente Esta dimensatildeo apenas se desloca em

direccedilatildeo a uma investigaccedilatildeo criteriosa acerca do conteuacutedo da posse materializada frente

agrave anaacutelise da conduta do proprietaacuterio ante ao apossamento natildeo autorizado

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Aprovado em 13052016 (1ordm parecer) 31052016 (2ordm parecer)

Como citar DANTAS Marcus Eduardo de Carvalho Toda posse ad usucapionem eacute uma posse injusta Civilisticacom Rio de Janeiro a 5 n 1 2016 Disponiacutevel em lthttpcivilisticacomtoda-posse-ad-usucapionem-e-uma-posse-injustagt Data de acesso

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extraordinaacuteria eacute geralmente mais extenso e eventualmente a adiccedilatildeo seria insuficiente

para alcanccedilaacute-lo17

Mas uma pergunta ainda precisa ser respondida por que motivo o sucessor decidiria

natildeo somar o seu tempo de posse com o seu antecessor Por que razatildeo ele deixaria de

fazer algo que ao menos em princiacutepio o aproximaria do cumprimento dos requisitos

necessaacuterios para usucapir

O motivo mais visiacutevel seria o conhecimento da existecircncia de um viacutecio de origem na

posse do antecessor uma vez descoberta a injusticcedila eou a maacute feacute da posse do

transmitente o sucessor singular optaria por natildeo realizar a soma dos periacuteodos de

exerciacutecio para natildeo ldquocontaminarrdquo a posse que tem Eacute o entendimento exposto por Joseacute

de Oliveira Ascensatildeo

O possuidor pode ter interesse em invocar unicamente a sua posse e

natildeo se valer da do antecessor Isto aconteceraacute sempre que as

caracteriacutesticas da posse anterior impliquem uma qualificaccedilatildeo mais

desfavoraacutevel que natildeo seja compensada pela maior duraccedilatildeo que da

acessatildeo resultaria Assim aconteceraacute em muitos casos quando a posse

anterior for de maacute-feacute e a actual for de boa-feacute18

O problema eacute que se o sucessor inter vivos descarta a acessio com base no

conhecimento de que a posse do antecessor contraria direito alheio ele natildeo poderaacute

alegar que ignora tal fato Eacute o que fica subentendido na passagem acima notadamente

o trecho onde se lecirc ldquo() as caracteriacutesticas da posse anterior impliquem uma

qualificaccedilatildeo mais desfavoraacutevel que natildeo seja compensada pela maior duraccedilatildeo que da

acessatildeo resultariardquo A possibilidade da avaliaccedilatildeo daquilo que eacute mais ou menos

vantajoso soacute tem sentido se o accipiens tem conhecimento dos viacutecios da posse de

origem E se ele dispotildee desse conhecimento mesmo que decida natildeo realizar a acessio

jaacute seraacute possuidor de maacute-feacute Como consequecircncia ele soacute poderia usucapir na modalidade

extraordinaacuteria pois na modalidade ordinaacuteria a posse de boa-feacute eacute expressamente

exigida

Eacute necessaacuterio registrar que a maacute-feacute do accipiens natildeo pode ser presumida razatildeo pela

qual a ldquovaloraccedilatildeo eacutetica de sua condutardquo nesse sentido deve ser provada Eacute mesmo

possiacutevel imaginar que algueacutem com orientaccedilatildeo adequada de um profissional prefira

nem tomar conhecimento da situaccedilatildeo do seu antecessor para natildeo correr o risco de

17 Eacute a criacutetica incisivamente feita por ABREU Abiacutelio Vassalo ldquoA necessidade de uma mudanccedila jurisprudencial em mateacuteria de acessatildeo da posse (Art1256ordm do Coacutedigo Civil)rdquo In Revista da Ordem dos Advogados Lisboa outdez 2012 pp 1247-1322 p1294 18 OLIVEIRA ASCENCcedilAtildeO Joseacute de Direito civil ndash reais cit p115

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incorrer em maacute-feacute e soacute conte com o seu proacuteprio prazo para usucapir Ainda que tal

providecircncia soacute seja plausiacutevel novamente em funccedilatildeo de alguma suspeita de

irregularidade da posse antecedente qualquer questionamento acerca do conhecimento

ou natildeo dos viacutecios diz respeito aos viacutecios subjetivos da posse

De todo modo vecirc-se que a possibilidade de saneamento dos viacutecios objetivos pela natildeo

realizaccedilatildeo da acessio eacute em primeiro lugar tecnicamente questionaacutevel quando

analisada sob o prisma objetivo de que natildeo se pode transmitir mais direitos do que se

tem Jaacute no plano subjetivo a tese de que a opccedilatildeo pela natildeo realizaccedilatildeo da soma natildeo tenha

decorrido do conhecimento dos viacutecios de origem pelo sucessor natildeo eacute criacutevel ainda que

precise ser provada E se isto eacute assim ainda que se entenda que os viacutecios objetivos

tenham sido purgados o pretenso saneamento seria inoacutecuo sendo de maacute-feacute o sucessor

soacute poderaacute usucapir na modalidade extraordinaacuteria Assim ainda que existam boas

razotildees para natildeo realizar a soma das posses isso natildeo aumenta em nada as chances de

usucapir

3 Posse justa e de boa-feacute na aquisiccedilatildeo derivada o caso da posse ldquojusta

poreacutem ilegiacutetimardquo

Sendo a posse um direito eacute possiacutevel que haja questionamento acerca da regularidade

da transmissatildeo todas as normas atinentes agrave nulidade e agrave anulabilidade dos negoacutecios

juriacutedicos incidiriam na hipoacutetese E qual a consequecircncia de uma transmissatildeo feita por

negoacutecio juriacutedico invaacutelido Ela impediria a soma caso o sucessor a desejasse Obstaria a

aquisiccedilatildeo pela usucapiatildeo na modalidade ordinaacuteria

O entendimento de que a falta de uma transmissatildeo vaacutelida impede a acessio posto que

colocaria em xeque a proacutepria existecircncia de um ldquoantecessorrdquo e um ldquosucessorrdquo eacute

solidamente prevalecente na dogmaacutetica e na jurisprudecircncia portuguesa19 onde se o

negoacutecio eacute invaacutelido a adiccedilatildeo de posse eacute incabiacutevel Mas essa exigecircncia soacute tem fundamento

como requisito de uma posse justa por parte do accipiens e no pressuposto de que a do

tradens tambeacutem eacute justa visto que no caso oposto o viacutecio seria transmitido

Mas ainda que o negoacutecio juriacutedico seja invaacutelido haacute sucessor e antecessor ou seja haacute

produccedilatildeo de efeitos mesmo que comprometidos pela invalidade na transmissatildeo E

19 SANTOS JUSTO A dos Direitos reais 4ordfed cit p200 RODRIGUES Manuel A posse Estudo de direito civil portuguecircs cit p252 LIMA Fernando Andrade Pires de MATOS ANTUNES VARELA Joatildeo de Coacutedigo civil anotado VolIII 3ordfed cit p15 OLIVEIRA ASCENSAtildeO Direito civil ndash reais cit p115

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neste caso a posse adquirida eacute derivada razatildeo pela qual a regra que ldquoningueacutem pode

transmitir mais direitos do que temrdquo permanece atuante

Qualquer irregularidade na transmissatildeo soacute pode ter duas consequecircncias a invalidade

do tiacutetulo motivo pelo qual a posse seria injusta ou o questionamento acerca da

caracterizaccedilatildeo do justo tiacutetulo como tal tendo em vista o requisito da usucapiatildeo

ordinaacuteria Usando a terminologia de Manuel A Albaladejo ldquono plano juriacutedicordquo

qualquer que seja a dimensatildeo da incorreccedilatildeo na transmissatildeo o resultado praacutetico seria o

de uma posse injusta visto que ldquono plano faacuteticordquo o sucessor teria de fato os poderes

caracteriacutesticos de um possuidor regular pois age como se fosse o proprietaacuterio que

adquiriu a posse de outrem20

Em tais condiccedilotildees uma eventual invalidade do tiacutetulo natildeo impede a acessio eis que

efetivamente houve uma sucessatildeo no exerciacutecio faacutetico dos poderes inerentes agrave

caracterizaccedilatildeo da posse21 A consequecircncia possiacutevel na hipoacutetese seria a interdiccedilatildeo da via

que leva agrave usucapiatildeo ordinaacuteria mas natildeo por conta da injusticcedila da posse que daiacute

decorreria e sim em razatildeo de um eventual questionamento acerca do cumprimento do

requisito ldquojusto tiacutetulordquo especificamente exigido pelo Coacutedigo Civil brasileiro na

modalidade

Eacute ainda possiacutevel vislumbrar uma posse justa mas ilegiacutetima na aquisiccedilatildeo derivada

porque o caminho do negoacutecio juriacutedico natildeo configura viacutecio mesmo que ele seja

irregular Mas essa leitura pressupotildee uma diferenciaccedilatildeo entre as palavras ldquoviacuteciordquo e

ldquoobstaacuteculordquo na redaccedilatildeo do artigo 1200 do Coacutedigo Civil22 Isto porque se a posse injusta eacute

aquela que foi obtida de modo viciado (violecircncia clandestinidade ou precariedade) e a

posse de boa-feacute eacute aquela onde o possuidor ignora a ocorrecircncia de ldquoviacutecios ou obstaacuteculosrdquo

na sua aquisiccedilatildeo uma diferenciaccedilatildeo entre as duas palavras tambeacutem cria a oportunidade

de visualizaccedilatildeo de uma posse ldquojustardquo ndash por natildeo ter sido obtida por nenhuma das

formas indicadas na redaccedilatildeo do artigo 1200 do Coacutedigo Civil ndash mas de boa-feacute eis que o

possuidor ignora o ldquoobstaacuteculordquo de outro tipo existente em torno da posse que exerce Eacute

um outro caminho pelo qual eacute possiacutevel chegar ao resultado de uma posse justa e boa

para usucapir

20 ALBALADEJO Manuel A Derecho civil VolIII cit 2010 p73 21 ABREU Abiacutelio Vassalo ldquoA necessidade de uma mudanccedila jurisprudencial em mateacuteria de acessatildeo da posse (Art1256ordm do Coacutedigo Civil)rdquo cit p1297 CORDEIRO A Menezes A posse perspectivas dogmaacuteticas actuais 3ordfed Lisboa Almedina 2014 p136 LEITAtildeO MENEZES Luiacutes Manuel Teles de Direitos reais 4ordfed Lisboa Almedina 2013 p138 22 Art 1200 Eacute justa a posse que natildeo for violenta clandestina ou precaacuteria

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Seria esse o caso da posse obtida por meio de um negoacutecio juriacutedico nulo ou anulaacutevel

bem como no da aquisiccedilatildeo a non domino hipoacuteteses nas quais poder-se-ia dizer que natildeo

haacute propriamente ldquoviacuteciordquo mas tampouco uma posse escorreita Por isto alguns

doutrinadores fazem referecircncia a uma posse justa mas ldquoilegiacutetimardquo23 o que permitiria a

aquisiccedilatildeo pela usucapiatildeo ordinaacuteria que tem prazos menores quando comparada a

extraordinaacuteria

Mas aqui parece vigorar um eufemismo pois uma posse ldquojusta poreacutem ilegiacutetimardquo natildeo

altera o fato de que o direito do proprietaacuterio do bem a ser usucapido estaacute sendo

afrontado eis que o objetivo final eacute passar a ser o titular do direito que ele hoje tem Se

a posse eacute ldquoilegiacutetimardquo isso significa que o modo pelo qual ela foi obtida eacute de alguma

forma irregular E se a posse pode ser ldquojusta poreacutem ilegiacutetimardquo isto significa que o fato

dela ser irregular ndash contraacuteria ao direito portanto ndash natildeo eacute um elemento impeditivo da

usucapiatildeo E se a posse pode ser justa permanecer irregular e mesmo assim continuar

ldquoboa para usucapirrdquo para que serve falar de saneamento afinal

4 Questionando a ocorrecircncia dos viacutecios

A usucapiatildeo expressa o caso em que algueacutem perde a titularidade de um bem pelo fato

de que outra pessoa natildeo autorizada permaneceu exercendo posse sobre a coisa durante

um nuacutemero determinado de anos Em tais condiccedilotildees eacute difiacutecil ateacute visualizar como seria

possiacutevel uma ldquoposse justa ad usucapionemrdquo na aquisiccedilatildeo originaacuteria E essa dificuldade

eacute tatildeo grande que autores como Pinto Ferreira24 conceituaram a posse ad usucapionem

como sendo aquela ldquode quem se assenhoreia de uma res nullius defendendo-a mansa e

pacificamente durante o tempo previsto em leirdquo O raciociacutenio eacute desenvolvido tambeacutem

por Pedro Nunes

Do fato da posse nasce o direito agrave prescriccedilatildeo aquisitiva () Para

adquirir por este modo o pretendente toma sempre uma posse

perdida ou abandonada A perda ocorre quando o dono da coisa

manifesta expressa ou tacitamente a intenccedilatildeo de natildeo mais tecirc-la

como sua ou a natildeo ocupa ou a deixa por incuacuteria ou negligecircncia

inteiramente ao abandono por longo espaccedilo de tempo Reputa-se

voluntaacuteria a perda quando o possuidor ou o ausente tendo ciecircncia do

apoderamento por terceiro de sua propriedade conforma-se com a

situaccedilatildeo natildeo procurando reconquistaacute-la25

23 Eacute o caso em BITTAR Carlos Alberto Direitos reais 2ordfed Rio de Janeiro Forense 2011 p41 COELHO Faacutebio Ulhocirca Curso de direito civil Vol4 ndash direito das coisas e direito autoral 3ordfed Satildeo Paulo Saraiva 2010 p38 NASCIMENTO Tupinambaacute Miguel Castro do Posse e propriedade Porto Alegre Livraria do Advogado 1986 p102 24 FERREIRA Luiz Pinto Posse accedilatildeo possessoacuteria e usucapiatildeo 2ordfed Satildeo Paulo Saraiva 1983 p29 25 NUNES Pedro Do usucapiatildeo 4ordfed Rio de Janeiro Freitas Bastos 1984 p27

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Haacute que se concordar para que algueacutem tenha posse de um bem de maneira natildeo

autorizada sem violar o direito de outrem ndash ou seja de forma justa ndash e

simultaneamente exercecirc-la no intuito de se tornar o titular do direito de propriedade

sobre tal coisa eacute preciso que ela natildeo tenha dono

A outra forma em tese seria questionando a proacutepria ocorrecircncia do viacutecio Os

especialistas discutem largamente por exemplo os termos nos quais uma accedilatildeo pode

ser considerada violenta26 o seu emprego para remoccedilatildeo de cercas muros ou tapumes eacute

suficiente para caracterizaccedilatildeo do viacutecio ou apenas o embate fiacutesico com uma pessoa que

resista ao esbulho

Como indicado parte da doutrina27 tem se esforccedilado para encontrar meios de tornar

justa a posse natildeo autorizada com o objetivo de ampliar as chances de usucapir Para

este caso o problema eacute que a ningueacutem parece dada a possibilidade de seriamente

alegar que desconhece que o apossamento natildeo autorizado atraveacutes do qual efetiva sua

posse sobre um bem imoacutevel contraria direito de outrem E tal afirmaccedilatildeo natildeo tem

objetivo de pocircr em questatildeo o fato de que tal apossamento possa ser a uacuteltima via para

obtenccedilatildeo de direitos fundamentais como a moradia e o trabalho

Os conflitos fundiaacuterios urbanos e rurais ocorrem em decorrecircncia da necessidade de

melhor distribuiccedilatildeo do acesso aos direitos de propriedade em grande medida pautados

pelo questionamento acerca do cumprimento e das consequecircncias da natildeo observacircncia

da funccedilatildeo social exigida em cada hipoacutetese Mas mesmo nesses casos o que haacute eacute um

questionamento da manutenccedilatildeo do direito de propriedade em favor daquele que deixa

de efetivamente exercecirc-lo ou o que o faz de modo indevido Natildeo se trata do

desconhecimento acerca do fato de que o apossamento realizado em tais circunstacircncias

confronta o alegado direito de outrem

26 Eacute tradicional o entendimento de que a caracterizaccedilatildeo da violecircncia vai aleacutem do uso da forccedila contra a proacutepria pessoa do possuidor Por todos Caio Maacuterio da Silva Pereira alerta que ldquoPosse violenta (adquirida vi) a que se adquire por ato de forccedila seja ela natural ou fiacutesica seja moral ou resultante de ameaccedilas que incutam na viacutetima seacuterio receio A violecircncia estigmatiza a posse independentemente de exercer-se sobre a pessoa do espoliado ou de preposto seu como ainda do fato de emanar do proacuteprio espoliador ou de terceirordquo (SILVA PEREIRA Caio Maacuterio da Instituiccedilotildees de direito civil VolIV ndash Direitos reais 22ordfed atualizada por Carlos Edison do Rego Monteiro Filho Rio de Janeiro Forense 2009 p21 Atualmente surge a discussatildeo sobre se o emprego da forccedila para remoccedilatildeo de obstaacuteculos como cercas ou tapumes em um imoacutevel abandonado caracterizaria ainda assim a violecircncia da posse Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald consideram que ldquo() natildeo eacute considerada violenta a posse caso o uso da forccedila se justifique para a remoccedilatildeo de obstaacuteculos fiacutesicos para o ingresso em bens abandonados (vg destruiccedilatildeo de cadeados ou supressatildeo de cercas) Pensamos que soacute haacute violecircncia quando o apossamento resulta de uma conduta contraacuteria agrave vontade do possuidor pelo fato de a coisa ser arrebatada de algueacutem que a isso se oponhardquo FARIAS Cristiano Chaves de ROSENVALD Nelson Curso de direito civil cit p106 27 Como visto nos pontos 2 e 3 do presente texto

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Mas haacute uma diferenccedila como indicado no significado da palavra ldquoinjustardquo quando em

referecircncia ao modo como a posse foi obtida e quando em referecircncia ao conteuacutedo da

soluccedilatildeo dada pelo legislador Uma posse pode ser ldquoinjustardquo em um aspecto formal

decorrente do fato de que foi obtida de forma natildeo autorizada mas ldquojustardquo porque de

um lado natildeo vem sendo utilizada pelo proprietaacuterio e de outro representa a

materializaccedilatildeo de direitos fundamentais sociais negligenciados pelo Estado O fato eacute

que justiccedila material da ocupaccedilatildeo de terrenos abandonados por pessoas que natildeo tem

acesso aos direitos de moradia frente agrave proprietaacuterios negligentes natildeo eacute incompatiacutevel

com o reconhecimento de que o apossamento natildeo foi autorizado e neste sentido

formal gera uma posse injusta

Eacute o que ocorre na dramaacutetica situaccedilatildeo dos conflitos fundiaacuterios urbanos em torno da

moradia Em um importante estudo de campo acerca dos conflitos em torno da terra no

Recife de 1978 Joaquim Falcatildeo detectou em sua pesquisa que ldquoOs invasores querem

ser proprietaacuterios Justificam a invasatildeo de propriedade alheia porque sobre o direito de

usar e dispor segundo a livre vontade do proprietaacuterio deve prevalecer o direito de

moradia de todosrdquo28

Bem se vecirc daiacute que o questionamento da legitimidade da propriedade natildeo utilizada

pressupotildee logicamente o conhecimento da sua existecircncia enquanto tal Natildeo se pode

questionar aquilo que se ignora E se natildeo se ignora natildeo eacute possiacutevel afirmar a boa-feacute Por

isto eacute que a alegaccedilatildeo de que ldquonem sempre o apossamento natildeo autorizado vai gerar uma

posse injustardquo natildeo tem funccedilatildeo nenhuma na definiccedilatildeo das chances de usucapir29 Natildeo eacute

28 FALCAtildeO Joaquim ldquoJusticcedila social e justiccedila legal conflitos de propriedade no Reciferdquo In FALCAtildeO Joaquim (org) Invasotildees urbanas ndash conflitos de direito de propriedade 2ordfed Rio de Janeiro FGV Editora 2008 p112-113 29 Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald questionam a injusticcedila do apossamento de um imoacutevel abandonado com um objetivo claro impedir que a tomada natildeo autorizada seja qualificada como esbulho Essa desqualificaccedilatildeo tem uma funccedilatildeo especiacutefica a de interditar a via da reintegraccedilatildeo por parte do proprietaacuterio que natildeo cumpriria o requisito ldquoprova do esbulhordquo tal qual exigido pelo artigo 561do CPC15 Nesse sentido a reflexatildeo dos autores atua mais na dinacircmica processual do conflito do que no acircmbito material dos requisitos para a usucapiatildeo Mas o entendimento de que defendem a necessidade de uma posse justa para usucapir decorre do trecho no qual os autores esclarecem que ldquo() a posse derivada dos atos de violecircncia ou clandestinidade poderaacute gerar usucapiatildeo extraordinaacuteria (art1238 CC) posto natildeo se exigir como requisitos formais ao alcance da propriedade em tal modalidade originaacuteria o justo tiacutetulo e a boa-feacuterdquo (FARIAS Cristiano Chaves de ROSENVALD Nelson Curso de direito civil Vol5 reais 11ordfed Satildeo Paulo Atlas 2015 p110) Como demonstrado a posse de boa-feacute soacute pode ser justa na hipoacutetese em que o bem eacute uma res nullius No que caso em que a ocupaccedilatildeo natildeo se qualifica como esbulho a usucapiatildeo ordinaacuteria eacute impossiacutevel pela ausecircncia de boa-feacute No caso da aquisiccedilatildeo da posse a non domino seria perfeitamente possiacutevel e coerente reconhecer uma posse injusta (se tambeacutem era a do antecessor) e de boa-feacute se o sucessor natildeo tiver conhecimento do viacutecio de origem Nesse sentido a posse injusta natildeo impediria a usucapiatildeo em nenhuma modalidade e se manteria a coerecircncia interna ante a ideia de que toda posse ad usucapionem eacute necessariamente natildeo autorizada e contraacuteria aos interesses do titular do direito a ser usucapido Por tudo isso eacute possiacutevel reconhecer que tambeacutem os citados autores entendem equivocadamente que a justiccedila da posse amplia as modalidades da usucapiatildeo disponiacuteveis

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de boa-feacute a posse daqueles que ocupam imoacutevel alheio sem autorizaccedilatildeo do proprietaacuterio30

pois por mais que o apossamento seja moralmente justificaacutevel os possuidores natildeo

ignoram o fato de que o bem eacute de outra pessoa E se isto eacute assim a modalidade

disponiacutevel de usucapiatildeo no caso seria a extraordinaacuteria Natildeo pelo caraacuteter injusto da

posse e sim pelo fato dela ser exercida sem justo tiacutetulo e boa-feacute

Nessa linha a tese aqui defendida mostra a sua coerecircncia eacute possiacutevel questionar se o

apossamento configura efetivamente um esbulho31 mas natildeo o fato de que numa ou

noutra hipoacutetese natildeo se ignora que o direito de outrem estaacute sendo afrontado com a

efetivaccedilatildeo da posse natildeo autorizada

30 Este eacute justamente um dos pontos apontados pela doutrina para o fracasso da efetividade da hipoacutetese de aquisiccedilatildeo prevista no artigo 1228 sectsect 4ordm e 5ordm do Coacutedigo Civil Algueacutem pode dizer seriamente que a posse dessas pessoas por mais legiacutetima que possa ser eacute de boa-feacute no sentido de que se ignora que o ato entra em rota de colisatildeo com o direito de outrem Em um dos raros casos nos quais a hipoacutetese foi aplicada sob o nome de ldquodesapropriaccedilatildeo privadardquo os magistrados entenderam que a boa-feacute ldquo() entendida como posse justa natildeo violenta natildeo clandestina ou precaacuteriardquo estava presente no caso concreto em anaacutelise tendo em vista que ldquoAs guias de IPTU juntada (sic) aos autos ldquo() atestam a boa-feacute do recorrido jaacute que o proacuteprio Municiacutepio o reconhecia como proprietaacuterio da aacutereardquo Tribunal de Justiccedila de Minhas Gerais Apelaccedilatildeo Ciacutevel nordm 1028408009185-3005 Rel Des Rogeacuterio Coutinho J 11032015 publicado em 20032015 Disponiacutevel em httpwww5tjmgjusbrjurisprudenciapesquisaPalavrasEspelhoAcordaodoampnumeroRegistro=9amptotalLinhas=48amppaginaNumero=9amplinhasPorPagina=1amppalavras=2522desapropriaE7E3o20judicial2522amppesquisarPor=acordaoamppesquisaTesauro=trueamporderByData=1ampreferenciaLegislativa=Clique20na20lupa20para20pesquisar20as20referEAncias20cadastradasamppesquisaPalavras=Pesquisaramp Acesso em 10012016 31 A reflexatildeo sobre o conceito de ldquoesbulhordquo jaacute vem sendo feita pela doutrina mais progressista Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald fazem esse debate no seu manual precisamente no ponto jaacute citado em que consideram que o apossamento natildeo autorizado de um imoacutevel abandonado gera uma posse justa Eacute uma outra forma de dizer que esse ato natildeo configura esbulho Nesse caminho criacutetico do conceito tradicional existem estudos importantes (como os existentes em STROZAKE Juvelino Joseacute (Org) Questotildees agraacuterias ndash julgados comentados e pareceres Satildeo Paulo Meacutetodo 2002 principalmente os artigos de Roberto Delmanto Jr pp167-182 Antonio Scarance Fernandes pp293-310 e Dyrceu Aguiar Cintra Dias Jr pp 219-230) O debate tambeacutem jaacute chegou aos tribunais No STJ a decisatildeo de referecircncia sobre o tema estaacute no HC 4399SP No voto do Min Luiz Vicente Cernicchiaro o magistrado explicita as razotildees pelas quais concede o HC em favor dos integrantes do MST ldquoNo esbulho possessoacuterio o agente dolosamente investe contra a propriedade alheia a fim de usufruir um de seus atributos (uso) ou alterar os limites do domiacutenio para enriquecimento sem causa No caso dos autos ao contraacuterio diviso pressatildeo social para concretizaccedilatildeo de um direito (pelo menos-interesse) No primeiro caso contraste de legalidade compreende aspectos material e formal No segundo substancialmente natildeo haacute iliacutecito algumrdquo Superior Tribunal de Justiccedila HC nordm4399-SP Luiz Vicente Cernicchiaro Voto Vogal p02 Rel Min William Patterson julgado em 12031996 DJ 08041996 p10491 Disponiacutevel em lthttpwwwstjjusbrSCONjurisprudenciatocjspprocesso=4399ampampb=ACORampthesaurus=JURIDICOampp=truegt Acesso em 13022014 No acircmbito da accedilatildeo de reintegraccedilatildeo de posse movida pelo Governo de Satildeo Paulo contra a ocupaccedilatildeo das escolas estaduais realizada pelos estudantes secundaristas ndash como forma de protesto contra o plano de reorganizaccedilatildeo escolar empreendido pelo Governo daquele Estado ndash o Tribunal de Justiccedila considerou que ldquoNatildeo se antevecirc em suma o animus possidendi ou o animus rem sibi habendi autorizantes do tratamento possessoacuterio da mateacuteria mas antes expressotildees de desobediecircncia civil frente agrave autecircntica violecircncia ciacutevica de que se consideram viacutetimas os manifestantesrdquo E ainda ldquo() natildeo haacute nessa narrativa e nem nos autos qualquer evidecircncia que a entidade sindical queira de modo ilegal apropriar-se dos bens puacuteblicos referidos no recurso tecircm-se que como todos reconhecemos durante a sessatildeo de julgamento a absoluta inadequaccedilatildeo da pretendida proteccedilatildeo possessoacuteria e portanto o tangenciamento da carecircncia da accedilatildeo por falta de interesse de agirrdquo Tribunal de Justiccedila ndash SP Agravo de Instrumento nordm2243232-252015826000 7ordf Cacircmara de Direito Puacuteblico Rel Min Coimbra Schmidt Julgado em 23112015 Disponiacutevel em lthttpsesajtjspjusbrcposgshowdoprocessoforo=990ampprocessocodigo=RI0032WUQ0000gt Acesso em 25112015

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Esse eacute afinal o ponto relevante para definiccedilatildeo da posse apta a gerar a usucapiatildeo pois a

hipoacutetese que ora se desenvolve eacute a de que toda posse ad usucapionem eacute sempre e

necessariamente uma posse injusta sendo capaz de viabilizar a usucapiatildeo tanto

extraordinaacuteria quanto a ordinaacuteria Eacute perfeitamente possiacutevel que o sucessor na posse

natildeo tenha conhecimento da maacutecula que existiu na sua aquisiccedilatildeo pelo antecessor

hipoacutetese na qual teria posse injusta em funccedilatildeo da transmissatildeo do viacutecio com justo tiacutetulo

e boa-feacute Como a ldquoposse injustardquo em sentido formal eacute o mesmo que ldquoposse natildeo

autorizadardquo natildeo haveria impedimento em usucapir na modalidade ordinaacuteria

5 A influecircncia do tempo no saneamento dos viacutecios da posse

As estrateacutegias de saneamento tecircm como objetivo transformar uma posse inicialmente

injusta em uma posse justa no pressuposto de que tal requisito eacute imprescindiacutevel para

que se possa usucapir Mas tais estrateacutegias satildeo tatildeo amplas e variadas que o saneamento

se torna praticamente inevitaacutevel para uma parte da doutrina a simples manutenccedilatildeo da

posse pelo curto periacuteodo de 1 ano faz com que ela perca o viacutecio de origem e se torne

apta a viabilizar a usucapiatildeo

Esta interpretaccedilatildeo eacute decorrente de uma leitura muito particular da norma processual

que reserva a tutela liminar para os casos nos quais a posse tenha sido perdida haacute

menos de ano e dia32 Trata-se da diferenccedila entre a chamada ldquoposse novardquo e a ldquoposse

velhardquo Se a posse do esbulhador estiver sendo exercida haacute mais de 1 ano o esbulhado

perde a possibilidade de uma reintegraccedilatildeo liminar pois trata-se de uma ldquoposse velhardquo

Isto natildeo impede que o esbulhado obtenha uma medida mais ceacutelere mas ele precisaria

utilizar a via da tutela antecipada prevista no artigo 273 do CPC73 e que hoje como

espeacutecie do gecircnero tutela de urgecircncia tem o seu conteuacutedo regulado pelos artigos 294-

311 do CPC1533 De uma maneira geral o esbulhado precisaria de provas mais robustas

de que seu direito foi violado Vecirc-se que o tempo de exerciacutecio da posse pelo esbulhador

tem reflexo na dinacircmica processual da retomada mas natildeo na qualificaccedilatildeo da posse em

disputa que continua sendo injusta

32 Art 924 Regem o procedimento de manutenccedilatildeo e de reintegraccedilatildeo de posse as normas da seccedilatildeo seguinte quando intentado dentro de ano e dia da turbaccedilatildeo ou do esbulho passado esse prazo seraacute ordinaacuterio natildeo perdendo contudo o caraacuteter possessoacuterio 33 No CPC15 a tutela cautelar ndash pautada no fumus boni iuris e periculum in mora ndash e a tutela antecipada ndash baseada em verossimilhanccedila do que eacute alegado fundado receio de dano ou abuso do direito de defesa ndash foram reunidas em torno da tutela provisoacuteria nos seguintes termos Art294 A tutela provisoacuteria pode fundamentar-se em urgecircncia ou evidecircncia Paraacutegrafo uacutenico A tutela provisoacuteria de urgecircncia cautelar ou antecipada pode ser concedida em caraacuteter antecedente ou incidental Os requisitos para tais medidas em muito semelhantes aos termos do CPC revogado de uma maneira geral estatildeo regulados como indicado entre os artigos 294 e 311

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Poreacutem uma parte importante da doutrina civiliacutestica brasileira interpreta as diferenccedilas

estabelecias pelo direito processual como uma outra estrateacutegia de saneamento

decorrente da simples passagem do tempo O pensamento eacute o de que se reintegraccedilatildeo

liminar natildeo eacute mais possiacutevel isso significa que a posse inicialmente injusta se

transformou em posse justa Este entendimento eacute adotado por doutrinadores como por

exemplo Maria Helena Diniz que indica expressamente ldquo() se o adquirente a tiacutetulo

clandestino ou violento provar que sua clandestinidade ou violecircncia cessaram haacute mais

de ano e dia sua posse passa a ser reconhecida convalescendo-se dos viacutecios que a

maculavamrdquo34

Tal interpretaccedilatildeo eacute criticaacutevel porque o fato do possuidor esbulhado ter que fazer uma

prova mais consistente do seu direito para que obtenha a tutela antecipada natildeo

significa que a posse do esbulhador tenha passado a ser justa Significa apenas que

tendo em vista que o momento do esbulho natildeo eacute mais tatildeo niacutetido a prova para a

retomada da posse deve ser mais substancial para que a tutela seja concedida Mas o

apossamento natildeo autorizado ocorreu

Da mesma forma quando se tem em conta que natildeo haacute nenhuma modalidade de

usucapiatildeo com menos de 1 ano todas as vezes que o possuidor tiver superado tal prazo

o viacutecio teraacute sido expurgado razatildeo pela qual natildeo haveria hipoacutetese de possuidor com

tempo suficiente para usucapir que jaacute natildeo teria passado pelo ldquomarco saneadorrdquo35

Ainda entre os especialistas brasileiros Silvio Rodrigues36 defendeu a tese de que apoacutes

ano e dia de exerciacutecio da posse pelo esbulhador o possuidor esbulhado perderia o

direito de retomaacute-la pela via possessoacuteria cabendo apenas a accedilatildeo reivindicatoacuteria com

base no tiacutetulo Tal impossibilidade seria reflexo de que a posse inicialmente injusta pela

aquisiccedilatildeo violenta teria passado a ser justa tendo em vista a passagem do prazo

34 DINIZ Maria Helena Curso de direito civil brasileiro Vol4 ndash direito das coisas 26ordfed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p78 O posicionamento eacute tambeacutem encampado entre outros por NEDER Natal Usucapiatildeo de imoacuteveis 3ordfed Rio de Janeiro Forense 1989 p19 35 Tambeacutem por isso parece curiosa a hipoacutetese de saneamento pela passagem do tempo vislumbrada por COELHO Faacutebio Ulhocirca Curso de direito civil Vol4 ndash direito das coisas cit p39 ldquoA posse soacute deixa de ser violenta se o antigo possuidor natildeo se interessa pela retomada do bem ou natildeo obtendo sucesso no exerciacutecio do desforccedilo imediato desiste da luta Desaparecendo a violecircncia nesse caso a posse se torna justa () Em suma o desinteresse do desapossado em defender a sua posse descaracteriza a origem viciada da do novo possuidorrdquo De acordo com tal raciociacutenio todas as vezes que o possuidor tiver posse ad usucapionem pelo tempo necessaacuterio para usucapir a posse injusta teraacute se transformado em posse justa E se isso eacute assim para que serve o exame dos viacutecios objetivos 36 RODRIGUES Silvio Direito civil Vol5 ndash direito das coisas 28ordfed Satildeo Paulo Saraiva 2009 p25-27

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O raciociacutenio de Silvio Rodrigues parece uma meacutelange da soluccedilatildeo positivada em alguns

sistemas estrangeiros como vg no direito espanhol e no direito portuguecircs O

problema eacute que aqui ao contraacuterio do que ocorre nos ordenamentos dos dois maiores

paiacuteses da Peniacutensula Ibeacuterica natildeo haacute nenhuma disposiccedilatildeo normativa que ampare tal

interpretaccedilatildeo Em Portugal e na Espanha o decurso do prazo de um ano tem

primeiramente uma funccedilatildeo especiacutefica a de decretar o momento da perda da posse por

parte do possuidor esbulhado37 Eacute o mesmo raciociacutenio que no Brasil sustenta a previsatildeo

do artigo 122438 onde ainda que sem uma referecircncia objetiva de tempo eacute possiacutevel

verificar que o possuidor esbulhado natildeo perde o seu direito de posse no exato momento

em que ocorre a perda no plano faacutetico A funccedilatildeo dessa ficccedilatildeo39 tanto laacute quanto caacute

tambeacutem eacute a mesma garantir que natildeo haja soluccedilatildeo de continuidade no exerciacutecio da

posse quando intervalos intermitentes ocorrem40

De se ressaltar ainda que no ordenamento portuguecircs assim como no direito espanhol

o prazo de 1 ano corresponde tambeacutem agrave ldquocaducidaderdquo das accedilotildees de reintegraccedilatildeo ou

manutenccedilatildeo de posse41 Como o possuidor esbulhado natildeo pode mais utilizar tais accedilotildees

a interdiccedilatildeo da via possessoacuteria gera consequecircncias na compreensatildeo da manutenccedilatildeo dos

viacutecios No direito espanhol natildeo sem polecircmica o prazo de 1 ano de exerciacutecio da posse

pelo esbulhador configura hipoacutetese na qual ldquoel transcurso del tiempo sirve para

subsanar este vicio posesoriordquo42

37 Coacutedigo Civil espanhol ldquoArtiacuteculo 460 El poseedor puede perder su posesioacuten () 4 Por la posesioacuten de otro aun contra la voluntad del antiguo poseedor si la nueva posesioacuten hubiese durado maacutes de un antildeordquo Coacutedigo Civil portuguecircs ldquoArtigo 1267ordm (Perda da posse) 1 O possuidor perde a posse () d) Pela posse de outrem mesmo contra a vontade do antigo possuidor se a nova posse houver durado mais de um anordquo 38 Art 1224 Soacute se considera perdida a posse para quem natildeo presenciou o esbulho quando tendo notiacutecia dele se absteacutem de retornar a coisa ou tentando recuperaacute-la eacute violentamente repelido 39 No direito espanhol a doutrina diverge acerca do momento em que tem iniacutecio a posse do esbulhador Haacute quem entenda que a posse do esbulhador soacute tem iniacutecio apoacutes o prazo de 1 ano RODRIGUEZ-CANO Rodrigo Bercovitz Manual de derecho civil ndash derechos reales Madrid Bercal 2013 p77) Outros consideram que coexistem desde o iniacutecio duas posses sobre o bem posse de fato exercida pelo esbulhador e a posse de direito que ateacute o transcurso do prazo permanece na titularidade do esbulhado LOacutePEZ y LOacutePEZ Aacutengel M FERNANDEZ Rosario Valpuesta et all Derecho civil patrimonial Vol II Valencia Tirant lo Blanch 2014 p97 40 TEPEDINO Gustavo Comentaacuterios ao coacutedigo civil cit p192 DIacuteEZ-PICAZO Luis GULLOacuteN Antonio Sistema de derecho civil VolIII Tomo I (derechos reales en general) 8ordfed Madrid Tecnos 2013 p116 41 CORDEIRO Antoacutenio Menezes A posse perspectivas dogmaacuteticas actuais cit p112 SANTOS JUSTO A dos Direitos Reais 4ordfed cit p218 LOacutePEZ PAacuteSARO Eduardo Tutela Sumaria de la Posesioacuten (Interdicto de recobrar) Madrid Dykinson 2014 p187 O artigo 1282 do Coacutedigo Civil portuguecircs indica que ldquoA acccedilatildeo de manutenccedilatildeo bem como as de restituiccedilatildeo da posse caducam se natildeo forem intentadas dentro do ano subsequente ao acto da turbaccedilatildeo ou do esbulho ou ao conhecimento dele quando tenha sido praticado a ocultasrdquo Jaacute o diploma civil espanhol preceitua no seu artigo 19681 do Coacutedigo Civil espanhol ldquo Artiacuteculo 1968 Prescriben por el transcurso de un antildeo 1La accioacuten para recobrar o retener la posesioacutenrdquo 42 RODRIGUEZ-CANO Rodrigo Bercovitz Manual de derecho civil ndash derechos reales cit p73 No mesmo sentido ALBALADEJO Manuel A Derecho civil VolIII cit p63 DIacuteEZ-PICAZO Luis Fundamentos del derecho civil patrimonial VolIII las relaciones juriacutedico-reales el registro de la propiedad la posesioacuten 5ordfed Madrid Civitas 2008 p689

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Jaacute no direito portuguecircs o Coacutedigo Civil eacute expresso acerca da possibilidade de

saneamento dos viacutecios43 e a doutrina encampa unanimemente o entendimento de que

a posse eacute violenta ndash portanto injusta ndash apenas no tempo de duraccedilatildeo de seus efeitos44

Ou seja a posse violenta clandestina ou precaacuteria perde a condiccedilatildeo de viciosa no exato

instante em que se estabiliza Apoacutes a cessaccedilatildeo da violecircncia a posse passa a ser

perfeitamente apta a gerar a usucapiatildeo45

Mas ideia de que a posse eacute injusta apenas enquanto houver violecircncia ou

clandestinidade ao contraacuterio do direito luso natildeo tem respaldo no ordenamento

brasileiro apesar de ser defendida por nomes como os de Lenine Nequete46 e Arnoldo

Wald47 O artigo 1208 do Coacutedigo Civil alocado no capiacutetulo referente agrave aquisiccedilatildeo da

posse dispotildee claramente que ldquoNatildeo induzem posse os atos de mera permissatildeo ou

toleracircncia assim como natildeo autorizam a sua aquisiccedilatildeo os atos violentos ou clandestinos

senatildeo depois de cessar a violecircncia ou a clandestinidaderdquo Ou seja aqui enquanto a

violecircncia estiver sendo empregada natildeo haacute posse Apoacutes a sua cessaccedilatildeo a posse advinda

de tais atos eacute posse mas posse injusta48

Natildeo haacute duacutevida portanto de que o prazo de ldquoano e diardquo tem uma funccedilatildeo importante No

direito espanhol o prazo serve como marco da perda da posse da impossibilidade de

utilizaccedilatildeo das accedilotildees possessoacuterias e de saneamento dos viacutecios objetivos No direito

portuguecircs serve igualmente de referecircncia para identificaccedilatildeo do momento de perda da

posse e da caducidade da via possessoacuteria ao passo que os viacutecios satildeo considerados

sanados apoacutes a cessaccedilatildeo de seus efeitos

Em ambos os ordenamentos o expurgo dos viacutecios pela passagem do tempo tem

respaldo normativo ainda que as criacuteticas anteriormente feitas a este raciociacutenio no

direito brasileiro tambeacutem sejam aplicaacuteveis a tais sistemas natildeo havendo tambeacutem neles

nenhuma modalidade de usucapiatildeo com menos de 1 ano a ideia do saneamento da

43 Artigo 1297ordm (Posse violenta ou oculta) Se a posse tiver sido constituiacuteda com violecircncia ou tomada ocultamente os prazos da usucapiatildeo soacute comeccedilam a contar-se desde que cesse a violecircncia ou a posse se torne puacuteblica 44 Por todos CARVALHO Orlando de Direito das coisas Coimbra Coimbra Editora 2012 p283 45 FRANCcedilA PITAtildeO Joseacute Antoacutenio de Posse e usucapiatildeo Lisboa Almedina 2007 p74 FERREIRA Durval Posse e usucapiatildeo 3ordfed Lisboa Almedina 2008 p319 OLIVEIRA ASCENCcedilAtildeO Joseacute de Direito civil ndash reais cit p116 46 NEQUETE Lenine Da prescriccedilatildeo aquisitiva (usucapiatildeo) Porto Alegre Ediccedilatildeo Sulina 1954 p80 47 WALD Arnoldo Direito Civil direito das coisas Vol4 Satildeo Paulo Saraiva 2011 pp103-104 48 Segundo esclarece Joseacute Carlos Moreira Alves ldquo() para o Coacutedigo Civil brasileiro () enquanto materialmente existentes ndash ou seja enquanto se pratica a violecircncia ou haacute clandestinidade ndash impedem [tais viacutecios] a aquisiccedilatildeo ateacute da possessio ad interdicta havendo apenas detenccedilatildeo independente e uma vez cessados em sua materialidade surge a posse embora qualificada como injusta que produz as consequecircncias de qualquer posse injustardquo MOREIRA ALVES Joseacute Carlos ldquoA detenccedilatildeo no direito civil brasileiro (conceito e casos)rdquoIn CAHALI Yussef Said Posse e propriedade doutrina e jurisprudecircncia Satildeo Paulo Saraiva 1987 p20

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mesma forma que aqui natildeo tem funccedilatildeo nenhuma porque sempre que o usucapiente

tiver prazo para usucapir os viacutecios teratildeo deixado de existir

De se ressaltar ainda que o proacuteprio Silvio Rodrigues reconheceu que a sua tese natildeo

tinha fundamento legal Na nota de rodapeacute 28 do seu livro ldquoDireito das Coisasrdquo49 o

autor demonstrou que entendia que o Coacutedigo de Processo Civil de 1939 tinha extirpado

a ldquoaccedilatildeo de forccedila velha expoliativardquo do ordenamento brasileiro razatildeo pela qual para o

possuidor de mais de 1 ano e dia caberia apenas a via petitoacuteria o que sanearia o viacutecio na

aquisiccedilatildeo Isto porque segundo sua interpretaccedilatildeo ldquoBasta que ela [a posse] se estenda

pacificamente ou publicamente durante o intervalo de ano e dia para que fique

purgada de seus defeitosrdquo50 Mas o proacuteprio autor admitiu ao final da nota de rodapeacute

28 que o CPC de 73 ldquoextirpou a duacutevidardquo que poderia existir em torno da possibilidade

de accedilatildeo de reintegraccedilatildeo com mais de 1 ano e dia do esbulho que ldquomesmo intentadas

apoacutes o intervalo de ano e dia natildeo perdem o seu caraacuteter acessoacuteriordquo51 Mesmo criticando

a soluccedilatildeo do CPC reconhece que ldquo() a vontade do legislador manifestada de forma

irrefutaacutevel que deve prevalecerrdquo52 Fica claro portanto que natildeo haacute fundamento legal

para a tese de que a posse injusta se transforma em posse justa apoacutes ano e dia

6 Saneamento pelo cumprimento da funccedilatildeo social

Alguns estudos mais recentes tecircm indicado que os viacutecios objetivos da posse podem ser

considerados sanados uma vez constatado o cumprimento da funccedilatildeo social por parte do

esbulhador53

Mas o saneamento pelo cumprimento da funccedilatildeo social da posse pode ser

primeiramente criticado por que natildeo haacute qualquer dispositivo normativo em vigor no

ordenamento juriacutedico brasileiro que defina o que eacute e qual eacute o conteuacutedo da funccedilatildeo social

da posse A doutrina tem buscado dar substacircncia ao princiacutepio pela conexatildeo que

tradicionalmente eacute feita entre funccedilatildeo social da posse e a efetivaccedilatildeo de direitos

fundamentais como os de moradia e trabalho

49 RODRIGUES Silvio Direito civil Vol5 ndash direito das coisas cit p30 50 RODRIGUES Silvio Direito civil Vol5 ndash direito das coisas cit p30 51 O CPC15 eacute claro acerca do caraacuteter possessoacuterio da accedilatildeo proposta apoacutes o prazo de ldquoano e diardquo Art558 Regem o procedimento de manutenccedilatildeo e de reintegraccedilatildeo de posse as normas da Seccedilatildeo II deste Capiacutetulo quando a accedilatildeo for proposta dentro de ano e dia da turbaccedilatildeo ou do esbulho afirmado na peticcedilatildeo inicial Paraacutegrafo uacutenico Passado o prazo referido no caput seraacute comum o procedimento natildeo perdendo contudo o caraacuteter possessoacuterio 52 RODRIGUES Silvio Direito civil Vol5 ndash direito das coisas cit p30 nota28 53 MELO Marco Aureacutelio Bezerra de Curso de direito civil Vol5 ndash direito das coisas 2015 p73 FARIAS Cristiano Chaves de ROSENVALD Nelson Curso de direito civil Vol5 ndash reais cit p119

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Eacute possiacutevel tentar extrair essa conexatildeo da relaccedilatildeo entre posse e propriedade

considerando que a propriedade deve cumprir a funccedilatildeo social a posse tambeacutem deve ser

lida como subordinada a tal princiacutepio Mas se a funccedilatildeo social da propriedade eacute em

grande medida a ldquofunccedilatildeo social da posse exercida pelo proprietaacuteriordquo54 seraacute viaacutevel dizer

que o contraacuterio tambeacutem eacute verdadeiro Um possuidor de uma aacuterea de grande extensatildeo

de terra na zona rural estaacute obrigado a cumprir os mesmos preceitos direcionados ao

proprietaacuterio estabelecidos no artigo 184 da Constituiccedilatildeo E qual seria a consequecircncia

do descumprimento desse conteuacutedo por parte de quem eacute apenas o possuidor E no caso

da posse urbana qual o conteuacutedo a ser cumprido para que a funccedilatildeo social seja

contemplada

A falta de uma definiccedilatildeo sobre o conteuacutedo objetivamente definido para a funccedilatildeo social

da posse prejudica enormemente a sua utilizaccedilatildeo como criteacuterio para avaliaccedilatildeo do o

expurgo dos viacutecios objetivos Aleacutem de desnecessaacuteria a possibilidade do saneamento

atraveacutes de um princiacutepio tatildeo ldquomaleaacutevelrdquo tem como consequecircncia o seu reconhecimento

em um sem nuacutemero de situaccedilotildees tatildeo diacutespares que fica difiacutecil enxergar em que

circunstacircncia qualquer exerciacutecio regular da posse natildeo o atenderia

Nos tribunais fala-se em cumprimento da funccedilatildeo social quando a posse de um terreno eacute

utilizada para criaccedilatildeo de galinhas55 quando mesmo sem comprovar o tempo

necessaacuterio o possuidor prova que construiu lojas e quitinetes no imoacutevel que pretendia

usucapir56 ou ainda quando o imoacutevel a ser usucapido foi utilizado como garagem e aacuterea

de lazer durante o lapso temporal necessaacuterio agrave usucapiatildeo57

54 DANTAS Marcus Eduardo de Carvalho ldquoDa funccedilatildeo social da propriedade agrave funccedilatildeo social da posse exercida pelo proprietaacuterio ndash uma proposta de releitura do princiacutepio constitucionalrdquo RIL ndash Revista de Informaccedilatildeo Legislativa ano 52 n 205 p23-38 Mar 2015 p34 DANTAS Marcus Eduardo de Carvalho ldquoFunccedilatildeo social nos conflitos fundiaacuteriosrdquo Revista Direito GV Satildeo Paulo v9 n 2 p465-488 Dec 2013 p479 55 Tribunal de Justiccedila do Rio de Janeiro Apelaccedilatildeo nordm 0003045-5320028190061 Rel Des Gilda Maria

Dias Carrapatoso Julgamento 31072013 13ordf Cacircmara Ciacutevel Disponiacutevel em

httpwww1tjrjjusbrgedcachewebdefaultaspxUZIP=1ampGEDID=0004CC331928D8D3A72C15733D

069BD44D8BC50237206304 Acesso em 12032015 56 Tribunal de Justiccedila do Rio de Janeiro Apelaccedilatildeo nordm 0034331-2420108190205 Rel Des Andreacute

Ribeiro Julgamento 05062013 7ordf Cacircmara Ciacutevel Disponiacutevel em

httpwww1tjrjjusbrgedcachewebdefaultaspxUZIP=1ampGEDID=000421376D950C28F7B805418EE

F244E6857C5022B4D2D4CAcesso em 12032015 57 Tribunal de Justiccedila do Rio de Janeiro Apelaccedilatildeo nordm 0096918-8820058190001 Rel Des Antocircnio

Saldanha Palheiro Julgamento 12042011 5ordf Cacircmara Ciacutevel Disponiacutevel em

httpwww1tjrjjusbrgedcachewebdefaultaspxUZIP=1ampGEDID=0003FDB81056920E5F12D511F73

43C44001098C403252532 Acesso em 12032015

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Natildeo se trata aqui de uma avaliaccedilatildeo moral acerca daquilo que deve ou natildeo ser

considerado como o conteuacutedo da funccedilatildeo social A questatildeo eacute que sem um conteuacutedo bem

especificado a funccedilatildeo social deixa de ser um mecanismo de qualificaccedilatildeo da posse ela

natildeo tem serventia alguma como mecanismo de diferenciaccedilatildeo Se a utilizaccedilatildeo de um

terreno como garagem e lazer corresponde ao exerciacutecio da posse com funccedilatildeo social em

que circunstacircncia o exerciacutecio puro e simples da posse natildeo corresponderia a tal

princiacutepio Basta natildeo realizar uma atividade iliacutecita para cumprir a funccedilatildeo social da

posse Qual a diferenccedila entre ldquoter posserdquo e ldquoter posse com funccedilatildeo socialrdquo

A segunda linha de criacutetica se orienta pelo fato de que nem todas as modalidades de

usucapiatildeo existentes no ordenamento brasileiro tecircm uma conexatildeo visiacutevel com os temas

tradicionalmente considerados como caracteriacutesticos da funccedilatildeo social A usucapiatildeo

extraordinaacuteria prevista no caput do artigo 1238 do Coacutedigo Civil58 por exemplo natildeo

exige do possuidor que exerccedila a posse com fins de moradia tampouco que utilize o

imoacutevel como fonte de trabalho Isso mostra que o Coacutedigo diferencia as situaccedilotildees nas

quais a posse eacute exercida como meio de efetivaccedilatildeo dos direitos tradicionalmente

afinados com uma ideia geral de funccedilatildeo social e aquelas nas quais a posse eacute exercida

regularmente mas sem tal qualificaccedilatildeo especial Em tais condiccedilotildees o entendimento de

que a injusticcedila original da posse pode ser sanada pelo cumprimento da funccedilatildeo social

para a usucapiatildeo em geral ficaria ainda uma vez sem sentido pois o diploma civil natildeo

exige que a posse seja exercida como moradia ou fonte de trabalho em todas as

modalidades da usucapiatildeo

7 O ldquoteste do uso incompatiacutevelrdquo e a funccedilatildeo da posse injusta na usucapiatildeo

Apesar de todo esforccedilo doutrinaacuterio na defesa de formas pelas quais a posse injusta pode

deixar para traacutes o seu viacutecio de origem a doutrina tem um posicionamento tatildeo soacutelido

quanto incoerente acerca do viacutecio da precariedade o de que ele natildeo convalesce nunca

O entendimento eacute defendido por quase59 a totalidade dos especialistas sob o

58 Art 1238 Aquele que por quinze anos sem interrupccedilatildeo nem oposiccedilatildeo possuir como seu um imoacutevel adquire-lhe a propriedade independentemente de tiacutetulo e boa-feacute podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentenccedila a qual serviraacute de tiacutetulo para o registro no Cartoacuterio de Registro de Imoacuteveis Paraacutegrafo uacutenico O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-aacute a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imoacutevel a sua moradia habitual ou nele realizado obras ou serviccedilos de caraacuteter produtivo

59 Francisco Eduardo Loureiro eacute uma boa exceccedilatildeo agrave leitura predominante Nesse sentido ldquoDiz-se que a posse precaacuteria nunca gera usucapiatildeo Na verdade eacute ela imprestaacutevel para usucapiatildeo natildeo porque eacute injusta mas porque o precarista natildeo tem animus domini uma vez que reconhece a supremacia e o melhor direito do terceiro sobre a coisa Caso poreacutem natildeo reconheccedila ou deixe de reconhecer essa posiccedilatildeo e revele isso de modo inequiacutevoco e claro ao titular do domiacutenio para que este possa reagir e retomar a coisa nasce nesse momento o prazo para usucapiatildeo porque o requisito animus domini estaraacute entatildeo presente LOUREIRO Francisco Eduardo ldquoDireito das coisas (arts 1196-1510)rdquo In PELUSO Cezar (Coord) Coacutedigo civil interpretado Satildeo Paulo Manole 2008 p1092-1093

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argumento de que o descumprimento do dever de restituiccedilatildeo do bem soacute deixa de existir

quando a coisa eacute devolvida Enquanto o bem permanece com o esbulhador a posse

permanece injusta e nenhuma das taacuteticas anteriormente analisadas seria suficiente

para modificar tal condiccedilatildeo

Trata-se de uma interpretaccedilatildeo no miacutenimo insoacutelita pois acaba tornando o viacutecio da

precariedade mais grave que os outros se o esbulhador usa a violecircncia fiacutesica contra a

pessoa do esbulhado ele pode ver tal viacutecio sanado das formas mais diversas se a

aquisiccedilatildeo se daacute pela recusa da restituiccedilatildeo isso natildeo seria de forma alguma possiacutevel pela

ldquoquebra da confianccedilardquo Mas por que a ldquoquebra da confianccedilardquo eacute mais grave que o uso da

forccedila fiacutesica Aleacutem de natildeo parecer razoaacutevel trata-se de uma interpretaccedilatildeo que atribui

uma vantagem injustificaacutevel em favor do proprietaacuterio Independentemente do que ele

tiver feito ou deixado de fazer para retomar o bem o fato da posse ser injusta

bloquearia a usucapiatildeo para sempre

Como indicado a discussatildeo acerca das circunstacircncias nas quais algueacutem pode se tornar

proprietaacuterio pela usucapiatildeo eacute tambeacutem uma discussatildeo acerca das condiccedilotildees nas quais

algueacutem pode legitimamente exercer o seu direito de propriedade Eacute possiacutevel

reconhecer poreacutem que a doutrina brasileira tem dado uma ecircnfase talvez desmesurada

na atuaccedilatildeo do possuidor deixando de investigar a dimensatildeo real do papel do

proprietaacuterio nesse jogo Soacute haveraacute usucapiatildeo se o proprietaacuterio de algum modo se

mantiver inerte na recuperaccedilatildeo do bem E se o proprietaacuterio deixou de tomar as

providencias necessaacuterias agrave tutela do seu direito durante um periacuteodo que pode variar de

2 a 15 anos eacute porque ele tambeacutem contribuiu para a consolidaccedilatildeo da posse do

usucapiente Como seria o cenaacuterio se a ecircnfase no processo recaiacutesse sobre o

proprietaacuterio Se independentemente da preocupaccedilatildeo com a caracterizaccedilatildeo de

eventuais viacutecios da posse incidisse principalmente sobre o titular a responsabilidade de

agir para que a usucapiatildeo natildeo se consumasse

Um caso interessante nesse sentido ndash e pouco estudado no Brasil ndash eacute o chamado

ldquoJAPye (Oxford) Ltd v Grahamrdquo ou apenas ldquoCase Pyerdquo como ficou conhecido De

forma muito resumida a empresa do ramo imobiliaacuterio JA Pye (Oxford) Ltd adquiriu

um terreno em Berkshire oeste de Londres com o objetivo de desenvolver um

empreendimento imobiliaacuterio e obteve o respectivo registro como proprietaacuteria da aacuterea

Apoacutes realizar a venda de uma parte do terreno a empresa inglesa celebrou um contrato

de 1 ano com a famiacutelia Graham por meio do qual seus integrantes ficavam autorizados a

utilizar os 25 hectares restantes da aacuterea como pasto Apoacutes o teacutermino do contrato os

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Graham procuraram a empresa com objetivo de obter uma renovaccedilatildeo mas a J A Pye

Ltd se recusou a fazecirc-lo Apesar disso Caroline e Michael Graham continuaram a

ocupar o terreno e a utilizaacute-lo como pasto por mais 12 anos com o conhecimento da

empresa mas sem o seu consentimento ainda que a J A Pye Ltd tenha se mantido

inerte quanto agraves providecircncias necessaacuterias para impedir a permanecircncia natildeo autorizada

dos Graham no local Apoacutes os 12 anos de exerciacutecio natildeo autorizado da posse os Graham

solicitaram o reconhecimento dos seus direitos sobre a referida aacuterea o que foi

concedido pelo registro com base na ldquoadverse possessionrdquo ou seja na usucapiatildeo

A decisatildeo gerou um sem nuacutemero de polecircmicas e modificaccedilotildees de rumo chegando ateacute

ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos onde no julgamento da Queixa

nordm4430202 foi dado ganho de causa ao Reino Unido e por consequecircncia agrave famiacutelia

Graham Em um primeiro momento a ldquoCourt of Appealrdquo deu decisatildeo favoraacutevel agrave

empresa ldquoPyerdquo com base entre outros motivos no fato de que a famiacutelia Graham natildeo

tinha ldquothe necessary intention to possessrdquo ou seja o acircnimo de dono Considerando-se

que no direito inglecircs vigora o chamado ldquoprocedural approachrdquo no que tange agrave usucapiatildeo

ndash a ecircnfase no aspecto processual da disputa ndash a referecircncia ao animus possidendi foi

considerada uma inovaccedilatildeo surpreendente60 De fato uma vez que os agricultores

permaneceram apenas fazendo aquilo que jaacute faziam quando do contrato em vigor os

julgadores da ldquoCourt of Appealrdquo entenderam que natildeo havia a intenccedilatildeo de passar a ser o

dono do lugar contrapondo-se frontalmente ao direito da empresa61 A decisatildeo foi

objeto de recurso agrave ldquoHouse of Lordsrdquo que deu ganho de causa agrave Caroline Graham62

Ainda inconformada a empresa ldquoPyerdquo entrou com novo recurso e como indicado o

caso chegou ateacute ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos sob a alegaccedilatildeo de que o

Reino Unido havia violado o direito de propriedade da J A Pye Ltd descumprindo a

garantia prevista no artigo 1ordm do Protocolo Adicional nordm 1 da Convenccedilatildeo Europeia dos

Direitos do Homem63 A decisatildeo final foi favoraacutevel ao Reino Unido e

60 RADLEY-GARNER Oliver ldquoCivilized Squattingrdquo Oxford Journal of Legal Studies (winter 2005) 25 (04) p728 61 A discussatildeo pode ser conhecida em httpwwwpublicationsparliamentukpald200102ldjudgmtjd020704graham-3htm Acesso em 13122014 62 O voto de maior peso no julgamento foi o de Lord Browne-Wilkinson por ter considerado que ao contraacuterio do que se exigia ateacute entatildeo a partir do momento em que os Graham continuaram a pastorear a terra sem a autorizaccedilatildeo da ldquoJAPyerdquo eles passaram a ter posse em nome proacuteprio o que independentemente de um conflito aberto seria suficiente para viabilizar a adverse possession O voto na iacutentegra pode ser lido em ldquoHouse of Lords Judgments ndash J A Pye (Oxford) Ltd and Others v Graham and Another on 4 July 2002rdquo httpwwwpublicationsparliamentukpald200102ldjudgmtjd020704graham-1htm Acesso em 13122014 63 ldquoQualquer pessoa singular ou colectiva tem direito ao respeito dos seus bens Ningueacutem pode ser privado do que eacute sua propriedade a natildeo ser por utilidade puacuteblica e nas condiccedilotildees previstas pela lei e pelos princiacutepios gerais do direito internacional

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consequentemente agrave famiacutelia Graham sob diversos argumentos Destacam-se para fins

do presente estudo a ideia de que a usucapiatildeo deve ser encarada como um mecanismo

de controle ou regulamentaccedilatildeo do uso dos bens eis que eacute de interesse geral saber quem

efetivamente eacute responsaacutevel pelo imoacutevel bem como pelos tributos decorrentes de tal

condiccedilatildeo o que remete agrave seguranccedila juriacutedica 64

Entre diversas questotildees importantes o episoacutedio mostra como em grande medida a

dogmaacutetica juriacutedica brasileira tem abordado o tema da usucapiatildeo de maneira a ampliar

os poderes do proprietaacuterio Uma atenccedilatildeo desmesurada tem sido dada agrave posse do

usucapiente sempre cheia de requisitos a cumprir escamoteando-se as

responsabilidades do titular do direito a ser usucapido

Desde logo salta aos olhos o fato de que na hipoacutetese do ldquoCase Pyerdquo o poder da famiacutelia

Graham sobre o terreno poderia no Brasil ser qualificado como uma situaccedilatildeo de mera

toleracircncia hipoacutetese na qual natildeo haveria verdadeiramente posse conforme indicaccedilatildeo do

artigo 1208 do Coacutedigo Civil brasileiro Mas eacute preciso reconhecer que apesar da empresa

ldquoPyerdquo ter ldquotoleradordquo a presenccedila dos Graham o fato eacute que a ineacutercia de ldquoPyerdquo se deu em

momento posterior agrave negativa de renovaccedilatildeo do contrato o que demonstra o interesse

em natildeo perpetuar a presenccedila da famiacutelia Graham no local A recusa agrave renovaccedilatildeo e a

ineacutercia fariam entatildeo com que a hipoacutetese passasse a ser encarada como uma ldquoposse

precaacuteriardquo justamente o viacutecio que a doutrina brasileira insiste em considerar insanaacutevel

e portanto incapaz de gerar a usucapiatildeo

Mas o episoacutedio mostra que quando algueacutem exerce posse sobre o bem de outrem

diversos pontos de vista podem ser utilizados para analisar a questatildeo o proprietaacuterio

permitiu tal exerciacutecio Ele tomou as providecircncias necessaacuterias para recuperar o bem O

possuidor adverso sabia que o bem era de outra pessoa e se negou a devolvecirc-lo

As condiccedilotildees precedentes entendem - se sem prejuiacutezo do direito que os Estados possuem de pocircr em vigor as leis que julguem necessaacuterias para a regulamentaccedilatildeo do uso dos bens de acordo com o interesse geral ou para assegurar o pagamento de impostos ou outras contribuiccedilotildees ou de multasrdquo No original ldquoThe preceding provisions shall not however in any way impair the right of a State to enforce such laws as it deems necessary to control the use of property in accordance with the general interest or to secure the payment of taxes or other contributions or penaltiesrdquo European Court of Human Rights ldquoCase JA Pye (Oxford) Ltd and JA Pye (Oxford) Land Ltd v The United Kingdom Alleged Violation of Article 1 of Protocol nordm 1 Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-82172itemid[001-82172] Acesso em 03032014 64 ABREU Abiacutelio Vassalo Titularidade Registral do Direito de Propriedade Imobiliaacuteria versus usucapiatildeo (adverse possession) Coimbra Coimbra Editora 2011 p83

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Nesses termos o modelo processual inglecircs indica que a reflexatildeo acerca da usucapiatildeo

tambeacutem deve englobar uma meditaccedilatildeo sobre a atuaccedilatildeo do proprietaacuterio na recuperaccedilatildeo

do seu direito pois nada acontece se ele agir de maneira ceacutelere Mesmo apoacutes a negativa

de permanecircncia da famiacutelia Graham a empresa Pye permaneceu 12 anos sem tomar as

providecircncias necessaacuterias para a desocupaccedilatildeo do local Eacute um espaccedilo consideraacutevel de

tempo Seria razoaacutevel entender que por ser ldquoinsanaacutevelrdquo o viacutecio da precariedade nunca

admitiria a consumaccedilatildeo da usucapiatildeo em favor dos Graham

Aleacutem de problemaacutetica essa interpretaccedilatildeo ressuscita o problema da ldquoposse eternamente

injustardquo o esbulhador nunca poderia usucapir mesmo se o esbulhado natildeo procurar

retomar a sua posse Ao que tudo indica a impossibilidade de saneamento do viacutecio da

precariedade reflete a um imperativo moral a quebra da confianccedila depositada deve ser

punida com a perenidade do caraacuteter injusto E aqui se abre a oportunidade de discutir

afinal qual eacute a funccedilatildeo da anaacutelise da injusticcedila como meio de barreira para a usucapiatildeo

Quando se faz referecircncia agraves diversas teacutecnicas de saneamento dos viacutecios eacute preciso

reconhecer que elas natildeo podem ser lidas como um modo de suplantar o fato de que a

posse do usucapiente natildeo foi autorizada e eacute exercida de forma contraacuteria aos interesses

do titular porque essa eacute uma condiccedilatildeo necessaacuteria para que a usucapiatildeo ocorra Ainda

que natildeo haja uma ldquobatalha campalrdquo em busca da posse ldquoCrucially the adverse

possessorrsquos use must be without permission (ldquoadverserdquo)rdquo65 A aquisiccedilatildeo sem autorizaccedilatildeo

e o exerciacutecio contraacuterio aos interesses do titular satildeo pressupostos para a usucapiatildeo

Em tais condiccedilotildees as estrateacutegias que visam a ldquoeliminaccedilatildeo da injusticcedilardquo pelo expurgo

dos viacutecios de origem soacute podem ser compreendidas como vias pelas quais se pretende

superar o chamado ldquoparadoxo moralrdquo66 aparentemente existente em torno da proacutepria

ideia de usucapiatildeo qual a justificativa para que algueacutem perca o seu direito de

propriedade em funccedilatildeo da atuaccedilatildeo natildeo autorizada de outra pessoa

Mas a falta de precisatildeo doutrinaacuteria na referecircncia agrave justiccedila ou injusticcedila da posse faz com

que a exigecircncia de que a posse ad usucapionem seja uma posse ldquojustardquo gere a falsa

ideia de que a atuaccedilatildeo do usucapiente estaacute em conformidade com o direito E as

estrateacutegias de saneamento reforccedilam essa confusatildeo ao se voltarem para o modo como a

posse foi adquirida Elas servem como uma justificativa para tentar amainar a ilicitude

65 MERRIL Thomas W SMITH Henry E Property Oxford Oxford University Press 2010 p36 66 KATZ Larissa ldquoThe moral paradox of adverse possession sovereignty and revolution in property lawrdquo McGill Law Journal Vol55 2010 pp47-80 cit p 59

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do apossamento mas isso eacute virtualmente impossiacutevel sem jogar o instituto em um non

sense pois a contrariedade da posse ad usucapionem eacute intriacutenseca a usucapiatildeo

Quando se diz que a posse do usucapiente eacute sempre injusta isso significa que ela natildeo

estaacute autorizada de forma alguma e se coloca sim em posiccedilatildeo de conflito (ainda que

velado) com os interesses do proprietaacuterio ou seja algueacutem vai adquirir a propriedade de

algo que jaacute tem dono e obviamente sem a colaboraccedilatildeo deste

Por isso as estrateacutegias de saneamento estatildeo por assim dizer ldquono lugar erradordquo pois

acabam mascarando a dinacircmica real do processo por meio do qual algueacutem caminha

para usucapir o bem de outrem Isto acaba ampliando as sombras existentes entre as

linhas que demarcam uma posse ldquomoralmente legitimadardquo a viabilizar a usucapiatildeo e a

adversidade sem a qual a aquisiccedilatildeo natildeo tem como se efetivar

Nessa direccedilatildeo a caracterizaccedilatildeo da posse ad usucapionem natildeo depende do saneamento

dos viacutecios objetivos pois o meio objetivo pelo qual se deu o apossamento eacute afinal

irrelevante Basta o chamado ldquoteste de uso incompatiacutevelrdquo (inconsistent use test) ou

seja da verificaccedilatildeo de que a posse natildeo autorizada se daacute em desconformidade com a

agenda estabelecida pelo proprietaacuterio do bem a ser usucapido67 Natildeo importa o modo

pelo qual tal contrariedade ganhou forma o fato eacute que ela existe e uma vez constatada

gera para o proprietaacuterio a oportunidade de se opor dentro de um determinado periacuteodo

de tempo sem o que perderaacute a titularidade do bem

Eacute importante ainda deixar expliacutecito o fato de que toda discussatildeo em torno dos

pressupostos para a aquisiccedilatildeo pela usucapiatildeo reflete uma dada concepccedilatildeo acerca da

propriedade Debater em que circunstacircncia algueacutem pode se tornar o proprietaacuterio do

bem que eacute de outro resvala em uma avaliaccedilatildeo acerca da amplitude de formas de

atuaccedilatildeo que o proprietaacuterio estaacute legitimado a desempenhar

Do mesmo modo a possiacutevel imoralidade existente na atribuiccedilatildeo do direito de

propriedade em favor de algueacutem que viola o direito de outrem eacute decorrente de uma

visatildeo que considera moralmente aceitaacutevel que o bem objeto desse direito possa

permanecer sem um uso efetivo durante um nuacutemero maior ou menor de anos jaacute que

natildeo haacute usucapiatildeo sem a ineacutercia do titular do direito a ser usucapido

67 KATZ Larissa ldquoThe moral paradoxrdquo cit p50

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Nesse sentido ultrapassar a discussatildeo acerca das estrateacutegias de saneamento dos viacutecios

da aquisiccedilatildeo rumo a um debate aprofundado sobre as razotildees que contribuem para a

superaccedilatildeo do paradoxo moral permitiria por exemplo a consideraccedilatildeo de que mesmo

um possuidor de maacute-feacute pode dar um uso economicamente mais eficiente do que aquele

dado pelo possuidor originaacuterio68 ou que em um contexto de deacuteficit de moradias a

ideia de que ldquoo natildeo uso eacute uma forma de usordquo69 seria juriacutedica e moralmente indefensaacutevel

pois corresponderia a absolutizaccedilatildeo da propriedade

O debate moral em torno da usucapiatildeo eacute rico de possibilidades que auxiliam na

compreensatildeo adequada do instituto e tambeacutem por isso natildeo pode ser represado Quando

se vecirc tanto esforccedilo doutrinaacuterio para expurgar os viacutecios objetivos de origem o uacutenico

sentido possiacutevel para tanto eacute pressuposto de que haacute uma avaliaccedilatildeo moralmente

negativa em torno da ideia de que uma posse ldquoinjustardquo seja apta a transformar um

ldquoladratildeordquo em proprietaacuterio Mas aqui o foco estaacute todo voltado para como a posse foi

adquirida o que reduz enormemente a investigaccedilatildeo Natildeo se trata da defesa da

legitimaccedilatildeo do uso da forccedila como se fosse possiacutevel concordar com a grilagem de terras

mas justo o oposto da possibilidade de reconhecimento de que mesmo o uso da forccedila

pode ser justificado quando a efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais como os relativos agrave

moradia e ao trabalho se contrapotildeem ao natildeo uso e a especulaccedilatildeo A existecircncia do

instituto da usucapiatildeo revela em si mesma que ordenamento fez uma escolha na qual o

uso efetivo do bem estaacute em uma posiccedilatildeo hierarquicamente superior ao natildeo uso Diante

da diferenciaccedilatildeo entre justiccedila e injusticcedila formal ndash relativa agrave aquisiccedilatildeo ndash e justiccedila ou

injusticcedila material (os valores materializados em cada efetivo apossamento) abre-se a

oportunidade de discutir as bases morais econocircmicas e filosoacuteficas por meio das quais eacute

ainda hoje possiacutevel fundamentar a manutenccedilatildeo ou perda dos direitos de propriedade

titularizados por algueacutem

De todo modo para os objetivos do presente estudo a hipoacutetese testada parece poder

ser adequadamente confirmada independentemente do modelo de usucapiatildeo a ser

adotado independentemente do fundamento mais adequado para usucapiatildeo em

68 FENNEL Lee Anne ldquoEfficient trespass the case for lsquobad faithrsquo adverse possessionrdquo Northwestern University Law Review Vol100 p1035-10962006 p53 Considerando-se que apenas um imoacutevel sem um uso efetivo pode ser objeto de apossamento alheio estendido por vaacuterios anos sem uma reaccedilatildeo apropriada a manutenccedilatildeo da sua titularidade pode ser lida como uma falha de mercado que daacute corpo agrave especulaccedilatildeo a venda do imoacutevel natildeo ocorre porque o titular natildeo encontra condiccedilotildees que lhe garantam a remuneraccedilatildeo pretendida naquele momento Da mesma forma levando-se em consideraccedilatildeo que no caso brasileiro a funccedilatildeo social remete agrave obrigatoriedade do uso e que isto por sua vez desaacutegua no exerciacutecio da posse toda posse ad usucapionem poderia ser lida como a vitoacuteria do uso produtivo sobre o natildeo uso especulativo Nesse sentido a posse de maacute-feacute corresponderia agrave deliberada intenccedilatildeo de concretizar um uso socialmente uacutetil a um bem que estaacute sendo administrado de forma ineficiente 69 NASCIMENTO Tupinambaacute Miguel Castro do Posse e propriedade Porto Alegre Livraria do Advogado 1986 p10

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nenhum lugar eacute possiacutevel colocar em questatildeo o fato de que a posse exercida pelo

esbulhador eacute adversa A posse exercida por algueacutem natildeo autorizado que deseja ou

acredita que jaacute tem o direito de outrem eacute nesse sentido sempre e necessariamente uma

posse injusta

Conclusatildeo

As tentativas de saneamentos dos viacutecios satildeo incongruentes e ineficientes porque a

superaccedilatildeo do paradoxo moral existente na usucapiatildeo depende de uma reflexatildeo acerca

daquilo que a sociedade considera como moralmente justificado em torno do exerciacutecio

do direito de propriedade E desde aiacute eacute possiacutevel perceber diversos aspectos que

demonstram que o exerciacutecio da posse seja qual for a sua qualificaccedilatildeo eacute mais forte do

que o natildeo uso a existecircncia mesma do instituto da usucapiatildeo o encurtamento

generalizado dos prazos para usucapir ocorrido no acircmbito do Coacutedigo Civil em vigor

mesmo na hipoacutetese extraordinaacuteria a ampliaccedilatildeo das modalidades de usucapiatildeo como

forma de premiar o exerciacutecio dirigido agrave busca da efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais

sociais como moradia e trabalho Nesse caminho o paradoxo moral se dissolve e o

saneamento dos viacutecios passa a ser irrelevante eacute mais importante saber o que se faz da

posse do que o modo pelo qual ela foi obtida

Em tais condiccedilotildees considerar que a posse ldquoboa para usucapirrdquo seja sempre injusta ndash no

sentido de que representa uma dissonacircncia necessaacuteria com a agenda estabelecida pelo

proprietaacuterio do bem a ser usucapido ndash natildeo significa o abandono da dimensatildeo moral

existente na qualificaccedilatildeo da posse do usucapiente Esta dimensatildeo apenas se desloca em

direccedilatildeo a uma investigaccedilatildeo criteriosa acerca do conteuacutedo da posse materializada frente

agrave anaacutelise da conduta do proprietaacuterio ante ao apossamento natildeo autorizado

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Aprovado em 13052016 (1ordm parecer) 31052016 (2ordm parecer)

Como citar DANTAS Marcus Eduardo de Carvalho Toda posse ad usucapionem eacute uma posse injusta Civilisticacom Rio de Janeiro a 5 n 1 2016 Disponiacutevel em lthttpcivilisticacomtoda-posse-ad-usucapionem-e-uma-posse-injustagt Data de acesso

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incorrer em maacute-feacute e soacute conte com o seu proacuteprio prazo para usucapir Ainda que tal

providecircncia soacute seja plausiacutevel novamente em funccedilatildeo de alguma suspeita de

irregularidade da posse antecedente qualquer questionamento acerca do conhecimento

ou natildeo dos viacutecios diz respeito aos viacutecios subjetivos da posse

De todo modo vecirc-se que a possibilidade de saneamento dos viacutecios objetivos pela natildeo

realizaccedilatildeo da acessio eacute em primeiro lugar tecnicamente questionaacutevel quando

analisada sob o prisma objetivo de que natildeo se pode transmitir mais direitos do que se

tem Jaacute no plano subjetivo a tese de que a opccedilatildeo pela natildeo realizaccedilatildeo da soma natildeo tenha

decorrido do conhecimento dos viacutecios de origem pelo sucessor natildeo eacute criacutevel ainda que

precise ser provada E se isto eacute assim ainda que se entenda que os viacutecios objetivos

tenham sido purgados o pretenso saneamento seria inoacutecuo sendo de maacute-feacute o sucessor

soacute poderaacute usucapir na modalidade extraordinaacuteria Assim ainda que existam boas

razotildees para natildeo realizar a soma das posses isso natildeo aumenta em nada as chances de

usucapir

3 Posse justa e de boa-feacute na aquisiccedilatildeo derivada o caso da posse ldquojusta

poreacutem ilegiacutetimardquo

Sendo a posse um direito eacute possiacutevel que haja questionamento acerca da regularidade

da transmissatildeo todas as normas atinentes agrave nulidade e agrave anulabilidade dos negoacutecios

juriacutedicos incidiriam na hipoacutetese E qual a consequecircncia de uma transmissatildeo feita por

negoacutecio juriacutedico invaacutelido Ela impediria a soma caso o sucessor a desejasse Obstaria a

aquisiccedilatildeo pela usucapiatildeo na modalidade ordinaacuteria

O entendimento de que a falta de uma transmissatildeo vaacutelida impede a acessio posto que

colocaria em xeque a proacutepria existecircncia de um ldquoantecessorrdquo e um ldquosucessorrdquo eacute

solidamente prevalecente na dogmaacutetica e na jurisprudecircncia portuguesa19 onde se o

negoacutecio eacute invaacutelido a adiccedilatildeo de posse eacute incabiacutevel Mas essa exigecircncia soacute tem fundamento

como requisito de uma posse justa por parte do accipiens e no pressuposto de que a do

tradens tambeacutem eacute justa visto que no caso oposto o viacutecio seria transmitido

Mas ainda que o negoacutecio juriacutedico seja invaacutelido haacute sucessor e antecessor ou seja haacute

produccedilatildeo de efeitos mesmo que comprometidos pela invalidade na transmissatildeo E

19 SANTOS JUSTO A dos Direitos reais 4ordfed cit p200 RODRIGUES Manuel A posse Estudo de direito civil portuguecircs cit p252 LIMA Fernando Andrade Pires de MATOS ANTUNES VARELA Joatildeo de Coacutedigo civil anotado VolIII 3ordfed cit p15 OLIVEIRA ASCENSAtildeO Direito civil ndash reais cit p115

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neste caso a posse adquirida eacute derivada razatildeo pela qual a regra que ldquoningueacutem pode

transmitir mais direitos do que temrdquo permanece atuante

Qualquer irregularidade na transmissatildeo soacute pode ter duas consequecircncias a invalidade

do tiacutetulo motivo pelo qual a posse seria injusta ou o questionamento acerca da

caracterizaccedilatildeo do justo tiacutetulo como tal tendo em vista o requisito da usucapiatildeo

ordinaacuteria Usando a terminologia de Manuel A Albaladejo ldquono plano juriacutedicordquo

qualquer que seja a dimensatildeo da incorreccedilatildeo na transmissatildeo o resultado praacutetico seria o

de uma posse injusta visto que ldquono plano faacuteticordquo o sucessor teria de fato os poderes

caracteriacutesticos de um possuidor regular pois age como se fosse o proprietaacuterio que

adquiriu a posse de outrem20

Em tais condiccedilotildees uma eventual invalidade do tiacutetulo natildeo impede a acessio eis que

efetivamente houve uma sucessatildeo no exerciacutecio faacutetico dos poderes inerentes agrave

caracterizaccedilatildeo da posse21 A consequecircncia possiacutevel na hipoacutetese seria a interdiccedilatildeo da via

que leva agrave usucapiatildeo ordinaacuteria mas natildeo por conta da injusticcedila da posse que daiacute

decorreria e sim em razatildeo de um eventual questionamento acerca do cumprimento do

requisito ldquojusto tiacutetulordquo especificamente exigido pelo Coacutedigo Civil brasileiro na

modalidade

Eacute ainda possiacutevel vislumbrar uma posse justa mas ilegiacutetima na aquisiccedilatildeo derivada

porque o caminho do negoacutecio juriacutedico natildeo configura viacutecio mesmo que ele seja

irregular Mas essa leitura pressupotildee uma diferenciaccedilatildeo entre as palavras ldquoviacuteciordquo e

ldquoobstaacuteculordquo na redaccedilatildeo do artigo 1200 do Coacutedigo Civil22 Isto porque se a posse injusta eacute

aquela que foi obtida de modo viciado (violecircncia clandestinidade ou precariedade) e a

posse de boa-feacute eacute aquela onde o possuidor ignora a ocorrecircncia de ldquoviacutecios ou obstaacuteculosrdquo

na sua aquisiccedilatildeo uma diferenciaccedilatildeo entre as duas palavras tambeacutem cria a oportunidade

de visualizaccedilatildeo de uma posse ldquojustardquo ndash por natildeo ter sido obtida por nenhuma das

formas indicadas na redaccedilatildeo do artigo 1200 do Coacutedigo Civil ndash mas de boa-feacute eis que o

possuidor ignora o ldquoobstaacuteculordquo de outro tipo existente em torno da posse que exerce Eacute

um outro caminho pelo qual eacute possiacutevel chegar ao resultado de uma posse justa e boa

para usucapir

20 ALBALADEJO Manuel A Derecho civil VolIII cit 2010 p73 21 ABREU Abiacutelio Vassalo ldquoA necessidade de uma mudanccedila jurisprudencial em mateacuteria de acessatildeo da posse (Art1256ordm do Coacutedigo Civil)rdquo cit p1297 CORDEIRO A Menezes A posse perspectivas dogmaacuteticas actuais 3ordfed Lisboa Almedina 2014 p136 LEITAtildeO MENEZES Luiacutes Manuel Teles de Direitos reais 4ordfed Lisboa Almedina 2013 p138 22 Art 1200 Eacute justa a posse que natildeo for violenta clandestina ou precaacuteria

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Seria esse o caso da posse obtida por meio de um negoacutecio juriacutedico nulo ou anulaacutevel

bem como no da aquisiccedilatildeo a non domino hipoacuteteses nas quais poder-se-ia dizer que natildeo

haacute propriamente ldquoviacuteciordquo mas tampouco uma posse escorreita Por isto alguns

doutrinadores fazem referecircncia a uma posse justa mas ldquoilegiacutetimardquo23 o que permitiria a

aquisiccedilatildeo pela usucapiatildeo ordinaacuteria que tem prazos menores quando comparada a

extraordinaacuteria

Mas aqui parece vigorar um eufemismo pois uma posse ldquojusta poreacutem ilegiacutetimardquo natildeo

altera o fato de que o direito do proprietaacuterio do bem a ser usucapido estaacute sendo

afrontado eis que o objetivo final eacute passar a ser o titular do direito que ele hoje tem Se

a posse eacute ldquoilegiacutetimardquo isso significa que o modo pelo qual ela foi obtida eacute de alguma

forma irregular E se a posse pode ser ldquojusta poreacutem ilegiacutetimardquo isto significa que o fato

dela ser irregular ndash contraacuteria ao direito portanto ndash natildeo eacute um elemento impeditivo da

usucapiatildeo E se a posse pode ser justa permanecer irregular e mesmo assim continuar

ldquoboa para usucapirrdquo para que serve falar de saneamento afinal

4 Questionando a ocorrecircncia dos viacutecios

A usucapiatildeo expressa o caso em que algueacutem perde a titularidade de um bem pelo fato

de que outra pessoa natildeo autorizada permaneceu exercendo posse sobre a coisa durante

um nuacutemero determinado de anos Em tais condiccedilotildees eacute difiacutecil ateacute visualizar como seria

possiacutevel uma ldquoposse justa ad usucapionemrdquo na aquisiccedilatildeo originaacuteria E essa dificuldade

eacute tatildeo grande que autores como Pinto Ferreira24 conceituaram a posse ad usucapionem

como sendo aquela ldquode quem se assenhoreia de uma res nullius defendendo-a mansa e

pacificamente durante o tempo previsto em leirdquo O raciociacutenio eacute desenvolvido tambeacutem

por Pedro Nunes

Do fato da posse nasce o direito agrave prescriccedilatildeo aquisitiva () Para

adquirir por este modo o pretendente toma sempre uma posse

perdida ou abandonada A perda ocorre quando o dono da coisa

manifesta expressa ou tacitamente a intenccedilatildeo de natildeo mais tecirc-la

como sua ou a natildeo ocupa ou a deixa por incuacuteria ou negligecircncia

inteiramente ao abandono por longo espaccedilo de tempo Reputa-se

voluntaacuteria a perda quando o possuidor ou o ausente tendo ciecircncia do

apoderamento por terceiro de sua propriedade conforma-se com a

situaccedilatildeo natildeo procurando reconquistaacute-la25

23 Eacute o caso em BITTAR Carlos Alberto Direitos reais 2ordfed Rio de Janeiro Forense 2011 p41 COELHO Faacutebio Ulhocirca Curso de direito civil Vol4 ndash direito das coisas e direito autoral 3ordfed Satildeo Paulo Saraiva 2010 p38 NASCIMENTO Tupinambaacute Miguel Castro do Posse e propriedade Porto Alegre Livraria do Advogado 1986 p102 24 FERREIRA Luiz Pinto Posse accedilatildeo possessoacuteria e usucapiatildeo 2ordfed Satildeo Paulo Saraiva 1983 p29 25 NUNES Pedro Do usucapiatildeo 4ordfed Rio de Janeiro Freitas Bastos 1984 p27

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Haacute que se concordar para que algueacutem tenha posse de um bem de maneira natildeo

autorizada sem violar o direito de outrem ndash ou seja de forma justa ndash e

simultaneamente exercecirc-la no intuito de se tornar o titular do direito de propriedade

sobre tal coisa eacute preciso que ela natildeo tenha dono

A outra forma em tese seria questionando a proacutepria ocorrecircncia do viacutecio Os

especialistas discutem largamente por exemplo os termos nos quais uma accedilatildeo pode

ser considerada violenta26 o seu emprego para remoccedilatildeo de cercas muros ou tapumes eacute

suficiente para caracterizaccedilatildeo do viacutecio ou apenas o embate fiacutesico com uma pessoa que

resista ao esbulho

Como indicado parte da doutrina27 tem se esforccedilado para encontrar meios de tornar

justa a posse natildeo autorizada com o objetivo de ampliar as chances de usucapir Para

este caso o problema eacute que a ningueacutem parece dada a possibilidade de seriamente

alegar que desconhece que o apossamento natildeo autorizado atraveacutes do qual efetiva sua

posse sobre um bem imoacutevel contraria direito de outrem E tal afirmaccedilatildeo natildeo tem

objetivo de pocircr em questatildeo o fato de que tal apossamento possa ser a uacuteltima via para

obtenccedilatildeo de direitos fundamentais como a moradia e o trabalho

Os conflitos fundiaacuterios urbanos e rurais ocorrem em decorrecircncia da necessidade de

melhor distribuiccedilatildeo do acesso aos direitos de propriedade em grande medida pautados

pelo questionamento acerca do cumprimento e das consequecircncias da natildeo observacircncia

da funccedilatildeo social exigida em cada hipoacutetese Mas mesmo nesses casos o que haacute eacute um

questionamento da manutenccedilatildeo do direito de propriedade em favor daquele que deixa

de efetivamente exercecirc-lo ou o que o faz de modo indevido Natildeo se trata do

desconhecimento acerca do fato de que o apossamento realizado em tais circunstacircncias

confronta o alegado direito de outrem

26 Eacute tradicional o entendimento de que a caracterizaccedilatildeo da violecircncia vai aleacutem do uso da forccedila contra a proacutepria pessoa do possuidor Por todos Caio Maacuterio da Silva Pereira alerta que ldquoPosse violenta (adquirida vi) a que se adquire por ato de forccedila seja ela natural ou fiacutesica seja moral ou resultante de ameaccedilas que incutam na viacutetima seacuterio receio A violecircncia estigmatiza a posse independentemente de exercer-se sobre a pessoa do espoliado ou de preposto seu como ainda do fato de emanar do proacuteprio espoliador ou de terceirordquo (SILVA PEREIRA Caio Maacuterio da Instituiccedilotildees de direito civil VolIV ndash Direitos reais 22ordfed atualizada por Carlos Edison do Rego Monteiro Filho Rio de Janeiro Forense 2009 p21 Atualmente surge a discussatildeo sobre se o emprego da forccedila para remoccedilatildeo de obstaacuteculos como cercas ou tapumes em um imoacutevel abandonado caracterizaria ainda assim a violecircncia da posse Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald consideram que ldquo() natildeo eacute considerada violenta a posse caso o uso da forccedila se justifique para a remoccedilatildeo de obstaacuteculos fiacutesicos para o ingresso em bens abandonados (vg destruiccedilatildeo de cadeados ou supressatildeo de cercas) Pensamos que soacute haacute violecircncia quando o apossamento resulta de uma conduta contraacuteria agrave vontade do possuidor pelo fato de a coisa ser arrebatada de algueacutem que a isso se oponhardquo FARIAS Cristiano Chaves de ROSENVALD Nelson Curso de direito civil cit p106 27 Como visto nos pontos 2 e 3 do presente texto

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Mas haacute uma diferenccedila como indicado no significado da palavra ldquoinjustardquo quando em

referecircncia ao modo como a posse foi obtida e quando em referecircncia ao conteuacutedo da

soluccedilatildeo dada pelo legislador Uma posse pode ser ldquoinjustardquo em um aspecto formal

decorrente do fato de que foi obtida de forma natildeo autorizada mas ldquojustardquo porque de

um lado natildeo vem sendo utilizada pelo proprietaacuterio e de outro representa a

materializaccedilatildeo de direitos fundamentais sociais negligenciados pelo Estado O fato eacute

que justiccedila material da ocupaccedilatildeo de terrenos abandonados por pessoas que natildeo tem

acesso aos direitos de moradia frente agrave proprietaacuterios negligentes natildeo eacute incompatiacutevel

com o reconhecimento de que o apossamento natildeo foi autorizado e neste sentido

formal gera uma posse injusta

Eacute o que ocorre na dramaacutetica situaccedilatildeo dos conflitos fundiaacuterios urbanos em torno da

moradia Em um importante estudo de campo acerca dos conflitos em torno da terra no

Recife de 1978 Joaquim Falcatildeo detectou em sua pesquisa que ldquoOs invasores querem

ser proprietaacuterios Justificam a invasatildeo de propriedade alheia porque sobre o direito de

usar e dispor segundo a livre vontade do proprietaacuterio deve prevalecer o direito de

moradia de todosrdquo28

Bem se vecirc daiacute que o questionamento da legitimidade da propriedade natildeo utilizada

pressupotildee logicamente o conhecimento da sua existecircncia enquanto tal Natildeo se pode

questionar aquilo que se ignora E se natildeo se ignora natildeo eacute possiacutevel afirmar a boa-feacute Por

isto eacute que a alegaccedilatildeo de que ldquonem sempre o apossamento natildeo autorizado vai gerar uma

posse injustardquo natildeo tem funccedilatildeo nenhuma na definiccedilatildeo das chances de usucapir29 Natildeo eacute

28 FALCAtildeO Joaquim ldquoJusticcedila social e justiccedila legal conflitos de propriedade no Reciferdquo In FALCAtildeO Joaquim (org) Invasotildees urbanas ndash conflitos de direito de propriedade 2ordfed Rio de Janeiro FGV Editora 2008 p112-113 29 Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald questionam a injusticcedila do apossamento de um imoacutevel abandonado com um objetivo claro impedir que a tomada natildeo autorizada seja qualificada como esbulho Essa desqualificaccedilatildeo tem uma funccedilatildeo especiacutefica a de interditar a via da reintegraccedilatildeo por parte do proprietaacuterio que natildeo cumpriria o requisito ldquoprova do esbulhordquo tal qual exigido pelo artigo 561do CPC15 Nesse sentido a reflexatildeo dos autores atua mais na dinacircmica processual do conflito do que no acircmbito material dos requisitos para a usucapiatildeo Mas o entendimento de que defendem a necessidade de uma posse justa para usucapir decorre do trecho no qual os autores esclarecem que ldquo() a posse derivada dos atos de violecircncia ou clandestinidade poderaacute gerar usucapiatildeo extraordinaacuteria (art1238 CC) posto natildeo se exigir como requisitos formais ao alcance da propriedade em tal modalidade originaacuteria o justo tiacutetulo e a boa-feacuterdquo (FARIAS Cristiano Chaves de ROSENVALD Nelson Curso de direito civil Vol5 reais 11ordfed Satildeo Paulo Atlas 2015 p110) Como demonstrado a posse de boa-feacute soacute pode ser justa na hipoacutetese em que o bem eacute uma res nullius No que caso em que a ocupaccedilatildeo natildeo se qualifica como esbulho a usucapiatildeo ordinaacuteria eacute impossiacutevel pela ausecircncia de boa-feacute No caso da aquisiccedilatildeo da posse a non domino seria perfeitamente possiacutevel e coerente reconhecer uma posse injusta (se tambeacutem era a do antecessor) e de boa-feacute se o sucessor natildeo tiver conhecimento do viacutecio de origem Nesse sentido a posse injusta natildeo impediria a usucapiatildeo em nenhuma modalidade e se manteria a coerecircncia interna ante a ideia de que toda posse ad usucapionem eacute necessariamente natildeo autorizada e contraacuteria aos interesses do titular do direito a ser usucapido Por tudo isso eacute possiacutevel reconhecer que tambeacutem os citados autores entendem equivocadamente que a justiccedila da posse amplia as modalidades da usucapiatildeo disponiacuteveis

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de boa-feacute a posse daqueles que ocupam imoacutevel alheio sem autorizaccedilatildeo do proprietaacuterio30

pois por mais que o apossamento seja moralmente justificaacutevel os possuidores natildeo

ignoram o fato de que o bem eacute de outra pessoa E se isto eacute assim a modalidade

disponiacutevel de usucapiatildeo no caso seria a extraordinaacuteria Natildeo pelo caraacuteter injusto da

posse e sim pelo fato dela ser exercida sem justo tiacutetulo e boa-feacute

Nessa linha a tese aqui defendida mostra a sua coerecircncia eacute possiacutevel questionar se o

apossamento configura efetivamente um esbulho31 mas natildeo o fato de que numa ou

noutra hipoacutetese natildeo se ignora que o direito de outrem estaacute sendo afrontado com a

efetivaccedilatildeo da posse natildeo autorizada

30 Este eacute justamente um dos pontos apontados pela doutrina para o fracasso da efetividade da hipoacutetese de aquisiccedilatildeo prevista no artigo 1228 sectsect 4ordm e 5ordm do Coacutedigo Civil Algueacutem pode dizer seriamente que a posse dessas pessoas por mais legiacutetima que possa ser eacute de boa-feacute no sentido de que se ignora que o ato entra em rota de colisatildeo com o direito de outrem Em um dos raros casos nos quais a hipoacutetese foi aplicada sob o nome de ldquodesapropriaccedilatildeo privadardquo os magistrados entenderam que a boa-feacute ldquo() entendida como posse justa natildeo violenta natildeo clandestina ou precaacuteriardquo estava presente no caso concreto em anaacutelise tendo em vista que ldquoAs guias de IPTU juntada (sic) aos autos ldquo() atestam a boa-feacute do recorrido jaacute que o proacuteprio Municiacutepio o reconhecia como proprietaacuterio da aacutereardquo Tribunal de Justiccedila de Minhas Gerais Apelaccedilatildeo Ciacutevel nordm 1028408009185-3005 Rel Des Rogeacuterio Coutinho J 11032015 publicado em 20032015 Disponiacutevel em httpwww5tjmgjusbrjurisprudenciapesquisaPalavrasEspelhoAcordaodoampnumeroRegistro=9amptotalLinhas=48amppaginaNumero=9amplinhasPorPagina=1amppalavras=2522desapropriaE7E3o20judicial2522amppesquisarPor=acordaoamppesquisaTesauro=trueamporderByData=1ampreferenciaLegislativa=Clique20na20lupa20para20pesquisar20as20referEAncias20cadastradasamppesquisaPalavras=Pesquisaramp Acesso em 10012016 31 A reflexatildeo sobre o conceito de ldquoesbulhordquo jaacute vem sendo feita pela doutrina mais progressista Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald fazem esse debate no seu manual precisamente no ponto jaacute citado em que consideram que o apossamento natildeo autorizado de um imoacutevel abandonado gera uma posse justa Eacute uma outra forma de dizer que esse ato natildeo configura esbulho Nesse caminho criacutetico do conceito tradicional existem estudos importantes (como os existentes em STROZAKE Juvelino Joseacute (Org) Questotildees agraacuterias ndash julgados comentados e pareceres Satildeo Paulo Meacutetodo 2002 principalmente os artigos de Roberto Delmanto Jr pp167-182 Antonio Scarance Fernandes pp293-310 e Dyrceu Aguiar Cintra Dias Jr pp 219-230) O debate tambeacutem jaacute chegou aos tribunais No STJ a decisatildeo de referecircncia sobre o tema estaacute no HC 4399SP No voto do Min Luiz Vicente Cernicchiaro o magistrado explicita as razotildees pelas quais concede o HC em favor dos integrantes do MST ldquoNo esbulho possessoacuterio o agente dolosamente investe contra a propriedade alheia a fim de usufruir um de seus atributos (uso) ou alterar os limites do domiacutenio para enriquecimento sem causa No caso dos autos ao contraacuterio diviso pressatildeo social para concretizaccedilatildeo de um direito (pelo menos-interesse) No primeiro caso contraste de legalidade compreende aspectos material e formal No segundo substancialmente natildeo haacute iliacutecito algumrdquo Superior Tribunal de Justiccedila HC nordm4399-SP Luiz Vicente Cernicchiaro Voto Vogal p02 Rel Min William Patterson julgado em 12031996 DJ 08041996 p10491 Disponiacutevel em lthttpwwwstjjusbrSCONjurisprudenciatocjspprocesso=4399ampampb=ACORampthesaurus=JURIDICOampp=truegt Acesso em 13022014 No acircmbito da accedilatildeo de reintegraccedilatildeo de posse movida pelo Governo de Satildeo Paulo contra a ocupaccedilatildeo das escolas estaduais realizada pelos estudantes secundaristas ndash como forma de protesto contra o plano de reorganizaccedilatildeo escolar empreendido pelo Governo daquele Estado ndash o Tribunal de Justiccedila considerou que ldquoNatildeo se antevecirc em suma o animus possidendi ou o animus rem sibi habendi autorizantes do tratamento possessoacuterio da mateacuteria mas antes expressotildees de desobediecircncia civil frente agrave autecircntica violecircncia ciacutevica de que se consideram viacutetimas os manifestantesrdquo E ainda ldquo() natildeo haacute nessa narrativa e nem nos autos qualquer evidecircncia que a entidade sindical queira de modo ilegal apropriar-se dos bens puacuteblicos referidos no recurso tecircm-se que como todos reconhecemos durante a sessatildeo de julgamento a absoluta inadequaccedilatildeo da pretendida proteccedilatildeo possessoacuteria e portanto o tangenciamento da carecircncia da accedilatildeo por falta de interesse de agirrdquo Tribunal de Justiccedila ndash SP Agravo de Instrumento nordm2243232-252015826000 7ordf Cacircmara de Direito Puacuteblico Rel Min Coimbra Schmidt Julgado em 23112015 Disponiacutevel em lthttpsesajtjspjusbrcposgshowdoprocessoforo=990ampprocessocodigo=RI0032WUQ0000gt Acesso em 25112015

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Esse eacute afinal o ponto relevante para definiccedilatildeo da posse apta a gerar a usucapiatildeo pois a

hipoacutetese que ora se desenvolve eacute a de que toda posse ad usucapionem eacute sempre e

necessariamente uma posse injusta sendo capaz de viabilizar a usucapiatildeo tanto

extraordinaacuteria quanto a ordinaacuteria Eacute perfeitamente possiacutevel que o sucessor na posse

natildeo tenha conhecimento da maacutecula que existiu na sua aquisiccedilatildeo pelo antecessor

hipoacutetese na qual teria posse injusta em funccedilatildeo da transmissatildeo do viacutecio com justo tiacutetulo

e boa-feacute Como a ldquoposse injustardquo em sentido formal eacute o mesmo que ldquoposse natildeo

autorizadardquo natildeo haveria impedimento em usucapir na modalidade ordinaacuteria

5 A influecircncia do tempo no saneamento dos viacutecios da posse

As estrateacutegias de saneamento tecircm como objetivo transformar uma posse inicialmente

injusta em uma posse justa no pressuposto de que tal requisito eacute imprescindiacutevel para

que se possa usucapir Mas tais estrateacutegias satildeo tatildeo amplas e variadas que o saneamento

se torna praticamente inevitaacutevel para uma parte da doutrina a simples manutenccedilatildeo da

posse pelo curto periacuteodo de 1 ano faz com que ela perca o viacutecio de origem e se torne

apta a viabilizar a usucapiatildeo

Esta interpretaccedilatildeo eacute decorrente de uma leitura muito particular da norma processual

que reserva a tutela liminar para os casos nos quais a posse tenha sido perdida haacute

menos de ano e dia32 Trata-se da diferenccedila entre a chamada ldquoposse novardquo e a ldquoposse

velhardquo Se a posse do esbulhador estiver sendo exercida haacute mais de 1 ano o esbulhado

perde a possibilidade de uma reintegraccedilatildeo liminar pois trata-se de uma ldquoposse velhardquo

Isto natildeo impede que o esbulhado obtenha uma medida mais ceacutelere mas ele precisaria

utilizar a via da tutela antecipada prevista no artigo 273 do CPC73 e que hoje como

espeacutecie do gecircnero tutela de urgecircncia tem o seu conteuacutedo regulado pelos artigos 294-

311 do CPC1533 De uma maneira geral o esbulhado precisaria de provas mais robustas

de que seu direito foi violado Vecirc-se que o tempo de exerciacutecio da posse pelo esbulhador

tem reflexo na dinacircmica processual da retomada mas natildeo na qualificaccedilatildeo da posse em

disputa que continua sendo injusta

32 Art 924 Regem o procedimento de manutenccedilatildeo e de reintegraccedilatildeo de posse as normas da seccedilatildeo seguinte quando intentado dentro de ano e dia da turbaccedilatildeo ou do esbulho passado esse prazo seraacute ordinaacuterio natildeo perdendo contudo o caraacuteter possessoacuterio 33 No CPC15 a tutela cautelar ndash pautada no fumus boni iuris e periculum in mora ndash e a tutela antecipada ndash baseada em verossimilhanccedila do que eacute alegado fundado receio de dano ou abuso do direito de defesa ndash foram reunidas em torno da tutela provisoacuteria nos seguintes termos Art294 A tutela provisoacuteria pode fundamentar-se em urgecircncia ou evidecircncia Paraacutegrafo uacutenico A tutela provisoacuteria de urgecircncia cautelar ou antecipada pode ser concedida em caraacuteter antecedente ou incidental Os requisitos para tais medidas em muito semelhantes aos termos do CPC revogado de uma maneira geral estatildeo regulados como indicado entre os artigos 294 e 311

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Poreacutem uma parte importante da doutrina civiliacutestica brasileira interpreta as diferenccedilas

estabelecias pelo direito processual como uma outra estrateacutegia de saneamento

decorrente da simples passagem do tempo O pensamento eacute o de que se reintegraccedilatildeo

liminar natildeo eacute mais possiacutevel isso significa que a posse inicialmente injusta se

transformou em posse justa Este entendimento eacute adotado por doutrinadores como por

exemplo Maria Helena Diniz que indica expressamente ldquo() se o adquirente a tiacutetulo

clandestino ou violento provar que sua clandestinidade ou violecircncia cessaram haacute mais

de ano e dia sua posse passa a ser reconhecida convalescendo-se dos viacutecios que a

maculavamrdquo34

Tal interpretaccedilatildeo eacute criticaacutevel porque o fato do possuidor esbulhado ter que fazer uma

prova mais consistente do seu direito para que obtenha a tutela antecipada natildeo

significa que a posse do esbulhador tenha passado a ser justa Significa apenas que

tendo em vista que o momento do esbulho natildeo eacute mais tatildeo niacutetido a prova para a

retomada da posse deve ser mais substancial para que a tutela seja concedida Mas o

apossamento natildeo autorizado ocorreu

Da mesma forma quando se tem em conta que natildeo haacute nenhuma modalidade de

usucapiatildeo com menos de 1 ano todas as vezes que o possuidor tiver superado tal prazo

o viacutecio teraacute sido expurgado razatildeo pela qual natildeo haveria hipoacutetese de possuidor com

tempo suficiente para usucapir que jaacute natildeo teria passado pelo ldquomarco saneadorrdquo35

Ainda entre os especialistas brasileiros Silvio Rodrigues36 defendeu a tese de que apoacutes

ano e dia de exerciacutecio da posse pelo esbulhador o possuidor esbulhado perderia o

direito de retomaacute-la pela via possessoacuteria cabendo apenas a accedilatildeo reivindicatoacuteria com

base no tiacutetulo Tal impossibilidade seria reflexo de que a posse inicialmente injusta pela

aquisiccedilatildeo violenta teria passado a ser justa tendo em vista a passagem do prazo

34 DINIZ Maria Helena Curso de direito civil brasileiro Vol4 ndash direito das coisas 26ordfed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p78 O posicionamento eacute tambeacutem encampado entre outros por NEDER Natal Usucapiatildeo de imoacuteveis 3ordfed Rio de Janeiro Forense 1989 p19 35 Tambeacutem por isso parece curiosa a hipoacutetese de saneamento pela passagem do tempo vislumbrada por COELHO Faacutebio Ulhocirca Curso de direito civil Vol4 ndash direito das coisas cit p39 ldquoA posse soacute deixa de ser violenta se o antigo possuidor natildeo se interessa pela retomada do bem ou natildeo obtendo sucesso no exerciacutecio do desforccedilo imediato desiste da luta Desaparecendo a violecircncia nesse caso a posse se torna justa () Em suma o desinteresse do desapossado em defender a sua posse descaracteriza a origem viciada da do novo possuidorrdquo De acordo com tal raciociacutenio todas as vezes que o possuidor tiver posse ad usucapionem pelo tempo necessaacuterio para usucapir a posse injusta teraacute se transformado em posse justa E se isso eacute assim para que serve o exame dos viacutecios objetivos 36 RODRIGUES Silvio Direito civil Vol5 ndash direito das coisas 28ordfed Satildeo Paulo Saraiva 2009 p25-27

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O raciociacutenio de Silvio Rodrigues parece uma meacutelange da soluccedilatildeo positivada em alguns

sistemas estrangeiros como vg no direito espanhol e no direito portuguecircs O

problema eacute que aqui ao contraacuterio do que ocorre nos ordenamentos dos dois maiores

paiacuteses da Peniacutensula Ibeacuterica natildeo haacute nenhuma disposiccedilatildeo normativa que ampare tal

interpretaccedilatildeo Em Portugal e na Espanha o decurso do prazo de um ano tem

primeiramente uma funccedilatildeo especiacutefica a de decretar o momento da perda da posse por

parte do possuidor esbulhado37 Eacute o mesmo raciociacutenio que no Brasil sustenta a previsatildeo

do artigo 122438 onde ainda que sem uma referecircncia objetiva de tempo eacute possiacutevel

verificar que o possuidor esbulhado natildeo perde o seu direito de posse no exato momento

em que ocorre a perda no plano faacutetico A funccedilatildeo dessa ficccedilatildeo39 tanto laacute quanto caacute

tambeacutem eacute a mesma garantir que natildeo haja soluccedilatildeo de continuidade no exerciacutecio da

posse quando intervalos intermitentes ocorrem40

De se ressaltar ainda que no ordenamento portuguecircs assim como no direito espanhol

o prazo de 1 ano corresponde tambeacutem agrave ldquocaducidaderdquo das accedilotildees de reintegraccedilatildeo ou

manutenccedilatildeo de posse41 Como o possuidor esbulhado natildeo pode mais utilizar tais accedilotildees

a interdiccedilatildeo da via possessoacuteria gera consequecircncias na compreensatildeo da manutenccedilatildeo dos

viacutecios No direito espanhol natildeo sem polecircmica o prazo de 1 ano de exerciacutecio da posse

pelo esbulhador configura hipoacutetese na qual ldquoel transcurso del tiempo sirve para

subsanar este vicio posesoriordquo42

37 Coacutedigo Civil espanhol ldquoArtiacuteculo 460 El poseedor puede perder su posesioacuten () 4 Por la posesioacuten de otro aun contra la voluntad del antiguo poseedor si la nueva posesioacuten hubiese durado maacutes de un antildeordquo Coacutedigo Civil portuguecircs ldquoArtigo 1267ordm (Perda da posse) 1 O possuidor perde a posse () d) Pela posse de outrem mesmo contra a vontade do antigo possuidor se a nova posse houver durado mais de um anordquo 38 Art 1224 Soacute se considera perdida a posse para quem natildeo presenciou o esbulho quando tendo notiacutecia dele se absteacutem de retornar a coisa ou tentando recuperaacute-la eacute violentamente repelido 39 No direito espanhol a doutrina diverge acerca do momento em que tem iniacutecio a posse do esbulhador Haacute quem entenda que a posse do esbulhador soacute tem iniacutecio apoacutes o prazo de 1 ano RODRIGUEZ-CANO Rodrigo Bercovitz Manual de derecho civil ndash derechos reales Madrid Bercal 2013 p77) Outros consideram que coexistem desde o iniacutecio duas posses sobre o bem posse de fato exercida pelo esbulhador e a posse de direito que ateacute o transcurso do prazo permanece na titularidade do esbulhado LOacutePEZ y LOacutePEZ Aacutengel M FERNANDEZ Rosario Valpuesta et all Derecho civil patrimonial Vol II Valencia Tirant lo Blanch 2014 p97 40 TEPEDINO Gustavo Comentaacuterios ao coacutedigo civil cit p192 DIacuteEZ-PICAZO Luis GULLOacuteN Antonio Sistema de derecho civil VolIII Tomo I (derechos reales en general) 8ordfed Madrid Tecnos 2013 p116 41 CORDEIRO Antoacutenio Menezes A posse perspectivas dogmaacuteticas actuais cit p112 SANTOS JUSTO A dos Direitos Reais 4ordfed cit p218 LOacutePEZ PAacuteSARO Eduardo Tutela Sumaria de la Posesioacuten (Interdicto de recobrar) Madrid Dykinson 2014 p187 O artigo 1282 do Coacutedigo Civil portuguecircs indica que ldquoA acccedilatildeo de manutenccedilatildeo bem como as de restituiccedilatildeo da posse caducam se natildeo forem intentadas dentro do ano subsequente ao acto da turbaccedilatildeo ou do esbulho ou ao conhecimento dele quando tenha sido praticado a ocultasrdquo Jaacute o diploma civil espanhol preceitua no seu artigo 19681 do Coacutedigo Civil espanhol ldquo Artiacuteculo 1968 Prescriben por el transcurso de un antildeo 1La accioacuten para recobrar o retener la posesioacutenrdquo 42 RODRIGUEZ-CANO Rodrigo Bercovitz Manual de derecho civil ndash derechos reales cit p73 No mesmo sentido ALBALADEJO Manuel A Derecho civil VolIII cit p63 DIacuteEZ-PICAZO Luis Fundamentos del derecho civil patrimonial VolIII las relaciones juriacutedico-reales el registro de la propiedad la posesioacuten 5ordfed Madrid Civitas 2008 p689

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Jaacute no direito portuguecircs o Coacutedigo Civil eacute expresso acerca da possibilidade de

saneamento dos viacutecios43 e a doutrina encampa unanimemente o entendimento de que

a posse eacute violenta ndash portanto injusta ndash apenas no tempo de duraccedilatildeo de seus efeitos44

Ou seja a posse violenta clandestina ou precaacuteria perde a condiccedilatildeo de viciosa no exato

instante em que se estabiliza Apoacutes a cessaccedilatildeo da violecircncia a posse passa a ser

perfeitamente apta a gerar a usucapiatildeo45

Mas ideia de que a posse eacute injusta apenas enquanto houver violecircncia ou

clandestinidade ao contraacuterio do direito luso natildeo tem respaldo no ordenamento

brasileiro apesar de ser defendida por nomes como os de Lenine Nequete46 e Arnoldo

Wald47 O artigo 1208 do Coacutedigo Civil alocado no capiacutetulo referente agrave aquisiccedilatildeo da

posse dispotildee claramente que ldquoNatildeo induzem posse os atos de mera permissatildeo ou

toleracircncia assim como natildeo autorizam a sua aquisiccedilatildeo os atos violentos ou clandestinos

senatildeo depois de cessar a violecircncia ou a clandestinidaderdquo Ou seja aqui enquanto a

violecircncia estiver sendo empregada natildeo haacute posse Apoacutes a sua cessaccedilatildeo a posse advinda

de tais atos eacute posse mas posse injusta48

Natildeo haacute duacutevida portanto de que o prazo de ldquoano e diardquo tem uma funccedilatildeo importante No

direito espanhol o prazo serve como marco da perda da posse da impossibilidade de

utilizaccedilatildeo das accedilotildees possessoacuterias e de saneamento dos viacutecios objetivos No direito

portuguecircs serve igualmente de referecircncia para identificaccedilatildeo do momento de perda da

posse e da caducidade da via possessoacuteria ao passo que os viacutecios satildeo considerados

sanados apoacutes a cessaccedilatildeo de seus efeitos

Em ambos os ordenamentos o expurgo dos viacutecios pela passagem do tempo tem

respaldo normativo ainda que as criacuteticas anteriormente feitas a este raciociacutenio no

direito brasileiro tambeacutem sejam aplicaacuteveis a tais sistemas natildeo havendo tambeacutem neles

nenhuma modalidade de usucapiatildeo com menos de 1 ano a ideia do saneamento da

43 Artigo 1297ordm (Posse violenta ou oculta) Se a posse tiver sido constituiacuteda com violecircncia ou tomada ocultamente os prazos da usucapiatildeo soacute comeccedilam a contar-se desde que cesse a violecircncia ou a posse se torne puacuteblica 44 Por todos CARVALHO Orlando de Direito das coisas Coimbra Coimbra Editora 2012 p283 45 FRANCcedilA PITAtildeO Joseacute Antoacutenio de Posse e usucapiatildeo Lisboa Almedina 2007 p74 FERREIRA Durval Posse e usucapiatildeo 3ordfed Lisboa Almedina 2008 p319 OLIVEIRA ASCENCcedilAtildeO Joseacute de Direito civil ndash reais cit p116 46 NEQUETE Lenine Da prescriccedilatildeo aquisitiva (usucapiatildeo) Porto Alegre Ediccedilatildeo Sulina 1954 p80 47 WALD Arnoldo Direito Civil direito das coisas Vol4 Satildeo Paulo Saraiva 2011 pp103-104 48 Segundo esclarece Joseacute Carlos Moreira Alves ldquo() para o Coacutedigo Civil brasileiro () enquanto materialmente existentes ndash ou seja enquanto se pratica a violecircncia ou haacute clandestinidade ndash impedem [tais viacutecios] a aquisiccedilatildeo ateacute da possessio ad interdicta havendo apenas detenccedilatildeo independente e uma vez cessados em sua materialidade surge a posse embora qualificada como injusta que produz as consequecircncias de qualquer posse injustardquo MOREIRA ALVES Joseacute Carlos ldquoA detenccedilatildeo no direito civil brasileiro (conceito e casos)rdquoIn CAHALI Yussef Said Posse e propriedade doutrina e jurisprudecircncia Satildeo Paulo Saraiva 1987 p20

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mesma forma que aqui natildeo tem funccedilatildeo nenhuma porque sempre que o usucapiente

tiver prazo para usucapir os viacutecios teratildeo deixado de existir

De se ressaltar ainda que o proacuteprio Silvio Rodrigues reconheceu que a sua tese natildeo

tinha fundamento legal Na nota de rodapeacute 28 do seu livro ldquoDireito das Coisasrdquo49 o

autor demonstrou que entendia que o Coacutedigo de Processo Civil de 1939 tinha extirpado

a ldquoaccedilatildeo de forccedila velha expoliativardquo do ordenamento brasileiro razatildeo pela qual para o

possuidor de mais de 1 ano e dia caberia apenas a via petitoacuteria o que sanearia o viacutecio na

aquisiccedilatildeo Isto porque segundo sua interpretaccedilatildeo ldquoBasta que ela [a posse] se estenda

pacificamente ou publicamente durante o intervalo de ano e dia para que fique

purgada de seus defeitosrdquo50 Mas o proacuteprio autor admitiu ao final da nota de rodapeacute

28 que o CPC de 73 ldquoextirpou a duacutevidardquo que poderia existir em torno da possibilidade

de accedilatildeo de reintegraccedilatildeo com mais de 1 ano e dia do esbulho que ldquomesmo intentadas

apoacutes o intervalo de ano e dia natildeo perdem o seu caraacuteter acessoacuteriordquo51 Mesmo criticando

a soluccedilatildeo do CPC reconhece que ldquo() a vontade do legislador manifestada de forma

irrefutaacutevel que deve prevalecerrdquo52 Fica claro portanto que natildeo haacute fundamento legal

para a tese de que a posse injusta se transforma em posse justa apoacutes ano e dia

6 Saneamento pelo cumprimento da funccedilatildeo social

Alguns estudos mais recentes tecircm indicado que os viacutecios objetivos da posse podem ser

considerados sanados uma vez constatado o cumprimento da funccedilatildeo social por parte do

esbulhador53

Mas o saneamento pelo cumprimento da funccedilatildeo social da posse pode ser

primeiramente criticado por que natildeo haacute qualquer dispositivo normativo em vigor no

ordenamento juriacutedico brasileiro que defina o que eacute e qual eacute o conteuacutedo da funccedilatildeo social

da posse A doutrina tem buscado dar substacircncia ao princiacutepio pela conexatildeo que

tradicionalmente eacute feita entre funccedilatildeo social da posse e a efetivaccedilatildeo de direitos

fundamentais como os de moradia e trabalho

49 RODRIGUES Silvio Direito civil Vol5 ndash direito das coisas cit p30 50 RODRIGUES Silvio Direito civil Vol5 ndash direito das coisas cit p30 51 O CPC15 eacute claro acerca do caraacuteter possessoacuterio da accedilatildeo proposta apoacutes o prazo de ldquoano e diardquo Art558 Regem o procedimento de manutenccedilatildeo e de reintegraccedilatildeo de posse as normas da Seccedilatildeo II deste Capiacutetulo quando a accedilatildeo for proposta dentro de ano e dia da turbaccedilatildeo ou do esbulho afirmado na peticcedilatildeo inicial Paraacutegrafo uacutenico Passado o prazo referido no caput seraacute comum o procedimento natildeo perdendo contudo o caraacuteter possessoacuterio 52 RODRIGUES Silvio Direito civil Vol5 ndash direito das coisas cit p30 nota28 53 MELO Marco Aureacutelio Bezerra de Curso de direito civil Vol5 ndash direito das coisas 2015 p73 FARIAS Cristiano Chaves de ROSENVALD Nelson Curso de direito civil Vol5 ndash reais cit p119

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Eacute possiacutevel tentar extrair essa conexatildeo da relaccedilatildeo entre posse e propriedade

considerando que a propriedade deve cumprir a funccedilatildeo social a posse tambeacutem deve ser

lida como subordinada a tal princiacutepio Mas se a funccedilatildeo social da propriedade eacute em

grande medida a ldquofunccedilatildeo social da posse exercida pelo proprietaacuteriordquo54 seraacute viaacutevel dizer

que o contraacuterio tambeacutem eacute verdadeiro Um possuidor de uma aacuterea de grande extensatildeo

de terra na zona rural estaacute obrigado a cumprir os mesmos preceitos direcionados ao

proprietaacuterio estabelecidos no artigo 184 da Constituiccedilatildeo E qual seria a consequecircncia

do descumprimento desse conteuacutedo por parte de quem eacute apenas o possuidor E no caso

da posse urbana qual o conteuacutedo a ser cumprido para que a funccedilatildeo social seja

contemplada

A falta de uma definiccedilatildeo sobre o conteuacutedo objetivamente definido para a funccedilatildeo social

da posse prejudica enormemente a sua utilizaccedilatildeo como criteacuterio para avaliaccedilatildeo do o

expurgo dos viacutecios objetivos Aleacutem de desnecessaacuteria a possibilidade do saneamento

atraveacutes de um princiacutepio tatildeo ldquomaleaacutevelrdquo tem como consequecircncia o seu reconhecimento

em um sem nuacutemero de situaccedilotildees tatildeo diacutespares que fica difiacutecil enxergar em que

circunstacircncia qualquer exerciacutecio regular da posse natildeo o atenderia

Nos tribunais fala-se em cumprimento da funccedilatildeo social quando a posse de um terreno eacute

utilizada para criaccedilatildeo de galinhas55 quando mesmo sem comprovar o tempo

necessaacuterio o possuidor prova que construiu lojas e quitinetes no imoacutevel que pretendia

usucapir56 ou ainda quando o imoacutevel a ser usucapido foi utilizado como garagem e aacuterea

de lazer durante o lapso temporal necessaacuterio agrave usucapiatildeo57

54 DANTAS Marcus Eduardo de Carvalho ldquoDa funccedilatildeo social da propriedade agrave funccedilatildeo social da posse exercida pelo proprietaacuterio ndash uma proposta de releitura do princiacutepio constitucionalrdquo RIL ndash Revista de Informaccedilatildeo Legislativa ano 52 n 205 p23-38 Mar 2015 p34 DANTAS Marcus Eduardo de Carvalho ldquoFunccedilatildeo social nos conflitos fundiaacuteriosrdquo Revista Direito GV Satildeo Paulo v9 n 2 p465-488 Dec 2013 p479 55 Tribunal de Justiccedila do Rio de Janeiro Apelaccedilatildeo nordm 0003045-5320028190061 Rel Des Gilda Maria

Dias Carrapatoso Julgamento 31072013 13ordf Cacircmara Ciacutevel Disponiacutevel em

httpwww1tjrjjusbrgedcachewebdefaultaspxUZIP=1ampGEDID=0004CC331928D8D3A72C15733D

069BD44D8BC50237206304 Acesso em 12032015 56 Tribunal de Justiccedila do Rio de Janeiro Apelaccedilatildeo nordm 0034331-2420108190205 Rel Des Andreacute

Ribeiro Julgamento 05062013 7ordf Cacircmara Ciacutevel Disponiacutevel em

httpwww1tjrjjusbrgedcachewebdefaultaspxUZIP=1ampGEDID=000421376D950C28F7B805418EE

F244E6857C5022B4D2D4CAcesso em 12032015 57 Tribunal de Justiccedila do Rio de Janeiro Apelaccedilatildeo nordm 0096918-8820058190001 Rel Des Antocircnio

Saldanha Palheiro Julgamento 12042011 5ordf Cacircmara Ciacutevel Disponiacutevel em

httpwww1tjrjjusbrgedcachewebdefaultaspxUZIP=1ampGEDID=0003FDB81056920E5F12D511F73

43C44001098C403252532 Acesso em 12032015

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Natildeo se trata aqui de uma avaliaccedilatildeo moral acerca daquilo que deve ou natildeo ser

considerado como o conteuacutedo da funccedilatildeo social A questatildeo eacute que sem um conteuacutedo bem

especificado a funccedilatildeo social deixa de ser um mecanismo de qualificaccedilatildeo da posse ela

natildeo tem serventia alguma como mecanismo de diferenciaccedilatildeo Se a utilizaccedilatildeo de um

terreno como garagem e lazer corresponde ao exerciacutecio da posse com funccedilatildeo social em

que circunstacircncia o exerciacutecio puro e simples da posse natildeo corresponderia a tal

princiacutepio Basta natildeo realizar uma atividade iliacutecita para cumprir a funccedilatildeo social da

posse Qual a diferenccedila entre ldquoter posserdquo e ldquoter posse com funccedilatildeo socialrdquo

A segunda linha de criacutetica se orienta pelo fato de que nem todas as modalidades de

usucapiatildeo existentes no ordenamento brasileiro tecircm uma conexatildeo visiacutevel com os temas

tradicionalmente considerados como caracteriacutesticos da funccedilatildeo social A usucapiatildeo

extraordinaacuteria prevista no caput do artigo 1238 do Coacutedigo Civil58 por exemplo natildeo

exige do possuidor que exerccedila a posse com fins de moradia tampouco que utilize o

imoacutevel como fonte de trabalho Isso mostra que o Coacutedigo diferencia as situaccedilotildees nas

quais a posse eacute exercida como meio de efetivaccedilatildeo dos direitos tradicionalmente

afinados com uma ideia geral de funccedilatildeo social e aquelas nas quais a posse eacute exercida

regularmente mas sem tal qualificaccedilatildeo especial Em tais condiccedilotildees o entendimento de

que a injusticcedila original da posse pode ser sanada pelo cumprimento da funccedilatildeo social

para a usucapiatildeo em geral ficaria ainda uma vez sem sentido pois o diploma civil natildeo

exige que a posse seja exercida como moradia ou fonte de trabalho em todas as

modalidades da usucapiatildeo

7 O ldquoteste do uso incompatiacutevelrdquo e a funccedilatildeo da posse injusta na usucapiatildeo

Apesar de todo esforccedilo doutrinaacuterio na defesa de formas pelas quais a posse injusta pode

deixar para traacutes o seu viacutecio de origem a doutrina tem um posicionamento tatildeo soacutelido

quanto incoerente acerca do viacutecio da precariedade o de que ele natildeo convalesce nunca

O entendimento eacute defendido por quase59 a totalidade dos especialistas sob o

58 Art 1238 Aquele que por quinze anos sem interrupccedilatildeo nem oposiccedilatildeo possuir como seu um imoacutevel adquire-lhe a propriedade independentemente de tiacutetulo e boa-feacute podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentenccedila a qual serviraacute de tiacutetulo para o registro no Cartoacuterio de Registro de Imoacuteveis Paraacutegrafo uacutenico O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-aacute a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imoacutevel a sua moradia habitual ou nele realizado obras ou serviccedilos de caraacuteter produtivo

59 Francisco Eduardo Loureiro eacute uma boa exceccedilatildeo agrave leitura predominante Nesse sentido ldquoDiz-se que a posse precaacuteria nunca gera usucapiatildeo Na verdade eacute ela imprestaacutevel para usucapiatildeo natildeo porque eacute injusta mas porque o precarista natildeo tem animus domini uma vez que reconhece a supremacia e o melhor direito do terceiro sobre a coisa Caso poreacutem natildeo reconheccedila ou deixe de reconhecer essa posiccedilatildeo e revele isso de modo inequiacutevoco e claro ao titular do domiacutenio para que este possa reagir e retomar a coisa nasce nesse momento o prazo para usucapiatildeo porque o requisito animus domini estaraacute entatildeo presente LOUREIRO Francisco Eduardo ldquoDireito das coisas (arts 1196-1510)rdquo In PELUSO Cezar (Coord) Coacutedigo civil interpretado Satildeo Paulo Manole 2008 p1092-1093

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argumento de que o descumprimento do dever de restituiccedilatildeo do bem soacute deixa de existir

quando a coisa eacute devolvida Enquanto o bem permanece com o esbulhador a posse

permanece injusta e nenhuma das taacuteticas anteriormente analisadas seria suficiente

para modificar tal condiccedilatildeo

Trata-se de uma interpretaccedilatildeo no miacutenimo insoacutelita pois acaba tornando o viacutecio da

precariedade mais grave que os outros se o esbulhador usa a violecircncia fiacutesica contra a

pessoa do esbulhado ele pode ver tal viacutecio sanado das formas mais diversas se a

aquisiccedilatildeo se daacute pela recusa da restituiccedilatildeo isso natildeo seria de forma alguma possiacutevel pela

ldquoquebra da confianccedilardquo Mas por que a ldquoquebra da confianccedilardquo eacute mais grave que o uso da

forccedila fiacutesica Aleacutem de natildeo parecer razoaacutevel trata-se de uma interpretaccedilatildeo que atribui

uma vantagem injustificaacutevel em favor do proprietaacuterio Independentemente do que ele

tiver feito ou deixado de fazer para retomar o bem o fato da posse ser injusta

bloquearia a usucapiatildeo para sempre

Como indicado a discussatildeo acerca das circunstacircncias nas quais algueacutem pode se tornar

proprietaacuterio pela usucapiatildeo eacute tambeacutem uma discussatildeo acerca das condiccedilotildees nas quais

algueacutem pode legitimamente exercer o seu direito de propriedade Eacute possiacutevel

reconhecer poreacutem que a doutrina brasileira tem dado uma ecircnfase talvez desmesurada

na atuaccedilatildeo do possuidor deixando de investigar a dimensatildeo real do papel do

proprietaacuterio nesse jogo Soacute haveraacute usucapiatildeo se o proprietaacuterio de algum modo se

mantiver inerte na recuperaccedilatildeo do bem E se o proprietaacuterio deixou de tomar as

providencias necessaacuterias agrave tutela do seu direito durante um periacuteodo que pode variar de

2 a 15 anos eacute porque ele tambeacutem contribuiu para a consolidaccedilatildeo da posse do

usucapiente Como seria o cenaacuterio se a ecircnfase no processo recaiacutesse sobre o

proprietaacuterio Se independentemente da preocupaccedilatildeo com a caracterizaccedilatildeo de

eventuais viacutecios da posse incidisse principalmente sobre o titular a responsabilidade de

agir para que a usucapiatildeo natildeo se consumasse

Um caso interessante nesse sentido ndash e pouco estudado no Brasil ndash eacute o chamado

ldquoJAPye (Oxford) Ltd v Grahamrdquo ou apenas ldquoCase Pyerdquo como ficou conhecido De

forma muito resumida a empresa do ramo imobiliaacuterio JA Pye (Oxford) Ltd adquiriu

um terreno em Berkshire oeste de Londres com o objetivo de desenvolver um

empreendimento imobiliaacuterio e obteve o respectivo registro como proprietaacuteria da aacuterea

Apoacutes realizar a venda de uma parte do terreno a empresa inglesa celebrou um contrato

de 1 ano com a famiacutelia Graham por meio do qual seus integrantes ficavam autorizados a

utilizar os 25 hectares restantes da aacuterea como pasto Apoacutes o teacutermino do contrato os

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Graham procuraram a empresa com objetivo de obter uma renovaccedilatildeo mas a J A Pye

Ltd se recusou a fazecirc-lo Apesar disso Caroline e Michael Graham continuaram a

ocupar o terreno e a utilizaacute-lo como pasto por mais 12 anos com o conhecimento da

empresa mas sem o seu consentimento ainda que a J A Pye Ltd tenha se mantido

inerte quanto agraves providecircncias necessaacuterias para impedir a permanecircncia natildeo autorizada

dos Graham no local Apoacutes os 12 anos de exerciacutecio natildeo autorizado da posse os Graham

solicitaram o reconhecimento dos seus direitos sobre a referida aacuterea o que foi

concedido pelo registro com base na ldquoadverse possessionrdquo ou seja na usucapiatildeo

A decisatildeo gerou um sem nuacutemero de polecircmicas e modificaccedilotildees de rumo chegando ateacute

ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos onde no julgamento da Queixa

nordm4430202 foi dado ganho de causa ao Reino Unido e por consequecircncia agrave famiacutelia

Graham Em um primeiro momento a ldquoCourt of Appealrdquo deu decisatildeo favoraacutevel agrave

empresa ldquoPyerdquo com base entre outros motivos no fato de que a famiacutelia Graham natildeo

tinha ldquothe necessary intention to possessrdquo ou seja o acircnimo de dono Considerando-se

que no direito inglecircs vigora o chamado ldquoprocedural approachrdquo no que tange agrave usucapiatildeo

ndash a ecircnfase no aspecto processual da disputa ndash a referecircncia ao animus possidendi foi

considerada uma inovaccedilatildeo surpreendente60 De fato uma vez que os agricultores

permaneceram apenas fazendo aquilo que jaacute faziam quando do contrato em vigor os

julgadores da ldquoCourt of Appealrdquo entenderam que natildeo havia a intenccedilatildeo de passar a ser o

dono do lugar contrapondo-se frontalmente ao direito da empresa61 A decisatildeo foi

objeto de recurso agrave ldquoHouse of Lordsrdquo que deu ganho de causa agrave Caroline Graham62

Ainda inconformada a empresa ldquoPyerdquo entrou com novo recurso e como indicado o

caso chegou ateacute ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos sob a alegaccedilatildeo de que o

Reino Unido havia violado o direito de propriedade da J A Pye Ltd descumprindo a

garantia prevista no artigo 1ordm do Protocolo Adicional nordm 1 da Convenccedilatildeo Europeia dos

Direitos do Homem63 A decisatildeo final foi favoraacutevel ao Reino Unido e

60 RADLEY-GARNER Oliver ldquoCivilized Squattingrdquo Oxford Journal of Legal Studies (winter 2005) 25 (04) p728 61 A discussatildeo pode ser conhecida em httpwwwpublicationsparliamentukpald200102ldjudgmtjd020704graham-3htm Acesso em 13122014 62 O voto de maior peso no julgamento foi o de Lord Browne-Wilkinson por ter considerado que ao contraacuterio do que se exigia ateacute entatildeo a partir do momento em que os Graham continuaram a pastorear a terra sem a autorizaccedilatildeo da ldquoJAPyerdquo eles passaram a ter posse em nome proacuteprio o que independentemente de um conflito aberto seria suficiente para viabilizar a adverse possession O voto na iacutentegra pode ser lido em ldquoHouse of Lords Judgments ndash J A Pye (Oxford) Ltd and Others v Graham and Another on 4 July 2002rdquo httpwwwpublicationsparliamentukpald200102ldjudgmtjd020704graham-1htm Acesso em 13122014 63 ldquoQualquer pessoa singular ou colectiva tem direito ao respeito dos seus bens Ningueacutem pode ser privado do que eacute sua propriedade a natildeo ser por utilidade puacuteblica e nas condiccedilotildees previstas pela lei e pelos princiacutepios gerais do direito internacional

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consequentemente agrave famiacutelia Graham sob diversos argumentos Destacam-se para fins

do presente estudo a ideia de que a usucapiatildeo deve ser encarada como um mecanismo

de controle ou regulamentaccedilatildeo do uso dos bens eis que eacute de interesse geral saber quem

efetivamente eacute responsaacutevel pelo imoacutevel bem como pelos tributos decorrentes de tal

condiccedilatildeo o que remete agrave seguranccedila juriacutedica 64

Entre diversas questotildees importantes o episoacutedio mostra como em grande medida a

dogmaacutetica juriacutedica brasileira tem abordado o tema da usucapiatildeo de maneira a ampliar

os poderes do proprietaacuterio Uma atenccedilatildeo desmesurada tem sido dada agrave posse do

usucapiente sempre cheia de requisitos a cumprir escamoteando-se as

responsabilidades do titular do direito a ser usucapido

Desde logo salta aos olhos o fato de que na hipoacutetese do ldquoCase Pyerdquo o poder da famiacutelia

Graham sobre o terreno poderia no Brasil ser qualificado como uma situaccedilatildeo de mera

toleracircncia hipoacutetese na qual natildeo haveria verdadeiramente posse conforme indicaccedilatildeo do

artigo 1208 do Coacutedigo Civil brasileiro Mas eacute preciso reconhecer que apesar da empresa

ldquoPyerdquo ter ldquotoleradordquo a presenccedila dos Graham o fato eacute que a ineacutercia de ldquoPyerdquo se deu em

momento posterior agrave negativa de renovaccedilatildeo do contrato o que demonstra o interesse

em natildeo perpetuar a presenccedila da famiacutelia Graham no local A recusa agrave renovaccedilatildeo e a

ineacutercia fariam entatildeo com que a hipoacutetese passasse a ser encarada como uma ldquoposse

precaacuteriardquo justamente o viacutecio que a doutrina brasileira insiste em considerar insanaacutevel

e portanto incapaz de gerar a usucapiatildeo

Mas o episoacutedio mostra que quando algueacutem exerce posse sobre o bem de outrem

diversos pontos de vista podem ser utilizados para analisar a questatildeo o proprietaacuterio

permitiu tal exerciacutecio Ele tomou as providecircncias necessaacuterias para recuperar o bem O

possuidor adverso sabia que o bem era de outra pessoa e se negou a devolvecirc-lo

As condiccedilotildees precedentes entendem - se sem prejuiacutezo do direito que os Estados possuem de pocircr em vigor as leis que julguem necessaacuterias para a regulamentaccedilatildeo do uso dos bens de acordo com o interesse geral ou para assegurar o pagamento de impostos ou outras contribuiccedilotildees ou de multasrdquo No original ldquoThe preceding provisions shall not however in any way impair the right of a State to enforce such laws as it deems necessary to control the use of property in accordance with the general interest or to secure the payment of taxes or other contributions or penaltiesrdquo European Court of Human Rights ldquoCase JA Pye (Oxford) Ltd and JA Pye (Oxford) Land Ltd v The United Kingdom Alleged Violation of Article 1 of Protocol nordm 1 Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-82172itemid[001-82172] Acesso em 03032014 64 ABREU Abiacutelio Vassalo Titularidade Registral do Direito de Propriedade Imobiliaacuteria versus usucapiatildeo (adverse possession) Coimbra Coimbra Editora 2011 p83

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Nesses termos o modelo processual inglecircs indica que a reflexatildeo acerca da usucapiatildeo

tambeacutem deve englobar uma meditaccedilatildeo sobre a atuaccedilatildeo do proprietaacuterio na recuperaccedilatildeo

do seu direito pois nada acontece se ele agir de maneira ceacutelere Mesmo apoacutes a negativa

de permanecircncia da famiacutelia Graham a empresa Pye permaneceu 12 anos sem tomar as

providecircncias necessaacuterias para a desocupaccedilatildeo do local Eacute um espaccedilo consideraacutevel de

tempo Seria razoaacutevel entender que por ser ldquoinsanaacutevelrdquo o viacutecio da precariedade nunca

admitiria a consumaccedilatildeo da usucapiatildeo em favor dos Graham

Aleacutem de problemaacutetica essa interpretaccedilatildeo ressuscita o problema da ldquoposse eternamente

injustardquo o esbulhador nunca poderia usucapir mesmo se o esbulhado natildeo procurar

retomar a sua posse Ao que tudo indica a impossibilidade de saneamento do viacutecio da

precariedade reflete a um imperativo moral a quebra da confianccedila depositada deve ser

punida com a perenidade do caraacuteter injusto E aqui se abre a oportunidade de discutir

afinal qual eacute a funccedilatildeo da anaacutelise da injusticcedila como meio de barreira para a usucapiatildeo

Quando se faz referecircncia agraves diversas teacutecnicas de saneamento dos viacutecios eacute preciso

reconhecer que elas natildeo podem ser lidas como um modo de suplantar o fato de que a

posse do usucapiente natildeo foi autorizada e eacute exercida de forma contraacuteria aos interesses

do titular porque essa eacute uma condiccedilatildeo necessaacuteria para que a usucapiatildeo ocorra Ainda

que natildeo haja uma ldquobatalha campalrdquo em busca da posse ldquoCrucially the adverse

possessorrsquos use must be without permission (ldquoadverserdquo)rdquo65 A aquisiccedilatildeo sem autorizaccedilatildeo

e o exerciacutecio contraacuterio aos interesses do titular satildeo pressupostos para a usucapiatildeo

Em tais condiccedilotildees as estrateacutegias que visam a ldquoeliminaccedilatildeo da injusticcedilardquo pelo expurgo

dos viacutecios de origem soacute podem ser compreendidas como vias pelas quais se pretende

superar o chamado ldquoparadoxo moralrdquo66 aparentemente existente em torno da proacutepria

ideia de usucapiatildeo qual a justificativa para que algueacutem perca o seu direito de

propriedade em funccedilatildeo da atuaccedilatildeo natildeo autorizada de outra pessoa

Mas a falta de precisatildeo doutrinaacuteria na referecircncia agrave justiccedila ou injusticcedila da posse faz com

que a exigecircncia de que a posse ad usucapionem seja uma posse ldquojustardquo gere a falsa

ideia de que a atuaccedilatildeo do usucapiente estaacute em conformidade com o direito E as

estrateacutegias de saneamento reforccedilam essa confusatildeo ao se voltarem para o modo como a

posse foi adquirida Elas servem como uma justificativa para tentar amainar a ilicitude

65 MERRIL Thomas W SMITH Henry E Property Oxford Oxford University Press 2010 p36 66 KATZ Larissa ldquoThe moral paradox of adverse possession sovereignty and revolution in property lawrdquo McGill Law Journal Vol55 2010 pp47-80 cit p 59

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do apossamento mas isso eacute virtualmente impossiacutevel sem jogar o instituto em um non

sense pois a contrariedade da posse ad usucapionem eacute intriacutenseca a usucapiatildeo

Quando se diz que a posse do usucapiente eacute sempre injusta isso significa que ela natildeo

estaacute autorizada de forma alguma e se coloca sim em posiccedilatildeo de conflito (ainda que

velado) com os interesses do proprietaacuterio ou seja algueacutem vai adquirir a propriedade de

algo que jaacute tem dono e obviamente sem a colaboraccedilatildeo deste

Por isso as estrateacutegias de saneamento estatildeo por assim dizer ldquono lugar erradordquo pois

acabam mascarando a dinacircmica real do processo por meio do qual algueacutem caminha

para usucapir o bem de outrem Isto acaba ampliando as sombras existentes entre as

linhas que demarcam uma posse ldquomoralmente legitimadardquo a viabilizar a usucapiatildeo e a

adversidade sem a qual a aquisiccedilatildeo natildeo tem como se efetivar

Nessa direccedilatildeo a caracterizaccedilatildeo da posse ad usucapionem natildeo depende do saneamento

dos viacutecios objetivos pois o meio objetivo pelo qual se deu o apossamento eacute afinal

irrelevante Basta o chamado ldquoteste de uso incompatiacutevelrdquo (inconsistent use test) ou

seja da verificaccedilatildeo de que a posse natildeo autorizada se daacute em desconformidade com a

agenda estabelecida pelo proprietaacuterio do bem a ser usucapido67 Natildeo importa o modo

pelo qual tal contrariedade ganhou forma o fato eacute que ela existe e uma vez constatada

gera para o proprietaacuterio a oportunidade de se opor dentro de um determinado periacuteodo

de tempo sem o que perderaacute a titularidade do bem

Eacute importante ainda deixar expliacutecito o fato de que toda discussatildeo em torno dos

pressupostos para a aquisiccedilatildeo pela usucapiatildeo reflete uma dada concepccedilatildeo acerca da

propriedade Debater em que circunstacircncia algueacutem pode se tornar o proprietaacuterio do

bem que eacute de outro resvala em uma avaliaccedilatildeo acerca da amplitude de formas de

atuaccedilatildeo que o proprietaacuterio estaacute legitimado a desempenhar

Do mesmo modo a possiacutevel imoralidade existente na atribuiccedilatildeo do direito de

propriedade em favor de algueacutem que viola o direito de outrem eacute decorrente de uma

visatildeo que considera moralmente aceitaacutevel que o bem objeto desse direito possa

permanecer sem um uso efetivo durante um nuacutemero maior ou menor de anos jaacute que

natildeo haacute usucapiatildeo sem a ineacutercia do titular do direito a ser usucapido

67 KATZ Larissa ldquoThe moral paradoxrdquo cit p50

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Nesse sentido ultrapassar a discussatildeo acerca das estrateacutegias de saneamento dos viacutecios

da aquisiccedilatildeo rumo a um debate aprofundado sobre as razotildees que contribuem para a

superaccedilatildeo do paradoxo moral permitiria por exemplo a consideraccedilatildeo de que mesmo

um possuidor de maacute-feacute pode dar um uso economicamente mais eficiente do que aquele

dado pelo possuidor originaacuterio68 ou que em um contexto de deacuteficit de moradias a

ideia de que ldquoo natildeo uso eacute uma forma de usordquo69 seria juriacutedica e moralmente indefensaacutevel

pois corresponderia a absolutizaccedilatildeo da propriedade

O debate moral em torno da usucapiatildeo eacute rico de possibilidades que auxiliam na

compreensatildeo adequada do instituto e tambeacutem por isso natildeo pode ser represado Quando

se vecirc tanto esforccedilo doutrinaacuterio para expurgar os viacutecios objetivos de origem o uacutenico

sentido possiacutevel para tanto eacute pressuposto de que haacute uma avaliaccedilatildeo moralmente

negativa em torno da ideia de que uma posse ldquoinjustardquo seja apta a transformar um

ldquoladratildeordquo em proprietaacuterio Mas aqui o foco estaacute todo voltado para como a posse foi

adquirida o que reduz enormemente a investigaccedilatildeo Natildeo se trata da defesa da

legitimaccedilatildeo do uso da forccedila como se fosse possiacutevel concordar com a grilagem de terras

mas justo o oposto da possibilidade de reconhecimento de que mesmo o uso da forccedila

pode ser justificado quando a efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais como os relativos agrave

moradia e ao trabalho se contrapotildeem ao natildeo uso e a especulaccedilatildeo A existecircncia do

instituto da usucapiatildeo revela em si mesma que ordenamento fez uma escolha na qual o

uso efetivo do bem estaacute em uma posiccedilatildeo hierarquicamente superior ao natildeo uso Diante

da diferenciaccedilatildeo entre justiccedila e injusticcedila formal ndash relativa agrave aquisiccedilatildeo ndash e justiccedila ou

injusticcedila material (os valores materializados em cada efetivo apossamento) abre-se a

oportunidade de discutir as bases morais econocircmicas e filosoacuteficas por meio das quais eacute

ainda hoje possiacutevel fundamentar a manutenccedilatildeo ou perda dos direitos de propriedade

titularizados por algueacutem

De todo modo para os objetivos do presente estudo a hipoacutetese testada parece poder

ser adequadamente confirmada independentemente do modelo de usucapiatildeo a ser

adotado independentemente do fundamento mais adequado para usucapiatildeo em

68 FENNEL Lee Anne ldquoEfficient trespass the case for lsquobad faithrsquo adverse possessionrdquo Northwestern University Law Review Vol100 p1035-10962006 p53 Considerando-se que apenas um imoacutevel sem um uso efetivo pode ser objeto de apossamento alheio estendido por vaacuterios anos sem uma reaccedilatildeo apropriada a manutenccedilatildeo da sua titularidade pode ser lida como uma falha de mercado que daacute corpo agrave especulaccedilatildeo a venda do imoacutevel natildeo ocorre porque o titular natildeo encontra condiccedilotildees que lhe garantam a remuneraccedilatildeo pretendida naquele momento Da mesma forma levando-se em consideraccedilatildeo que no caso brasileiro a funccedilatildeo social remete agrave obrigatoriedade do uso e que isto por sua vez desaacutegua no exerciacutecio da posse toda posse ad usucapionem poderia ser lida como a vitoacuteria do uso produtivo sobre o natildeo uso especulativo Nesse sentido a posse de maacute-feacute corresponderia agrave deliberada intenccedilatildeo de concretizar um uso socialmente uacutetil a um bem que estaacute sendo administrado de forma ineficiente 69 NASCIMENTO Tupinambaacute Miguel Castro do Posse e propriedade Porto Alegre Livraria do Advogado 1986 p10

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nenhum lugar eacute possiacutevel colocar em questatildeo o fato de que a posse exercida pelo

esbulhador eacute adversa A posse exercida por algueacutem natildeo autorizado que deseja ou

acredita que jaacute tem o direito de outrem eacute nesse sentido sempre e necessariamente uma

posse injusta

Conclusatildeo

As tentativas de saneamentos dos viacutecios satildeo incongruentes e ineficientes porque a

superaccedilatildeo do paradoxo moral existente na usucapiatildeo depende de uma reflexatildeo acerca

daquilo que a sociedade considera como moralmente justificado em torno do exerciacutecio

do direito de propriedade E desde aiacute eacute possiacutevel perceber diversos aspectos que

demonstram que o exerciacutecio da posse seja qual for a sua qualificaccedilatildeo eacute mais forte do

que o natildeo uso a existecircncia mesma do instituto da usucapiatildeo o encurtamento

generalizado dos prazos para usucapir ocorrido no acircmbito do Coacutedigo Civil em vigor

mesmo na hipoacutetese extraordinaacuteria a ampliaccedilatildeo das modalidades de usucapiatildeo como

forma de premiar o exerciacutecio dirigido agrave busca da efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais

sociais como moradia e trabalho Nesse caminho o paradoxo moral se dissolve e o

saneamento dos viacutecios passa a ser irrelevante eacute mais importante saber o que se faz da

posse do que o modo pelo qual ela foi obtida

Em tais condiccedilotildees considerar que a posse ldquoboa para usucapirrdquo seja sempre injusta ndash no

sentido de que representa uma dissonacircncia necessaacuteria com a agenda estabelecida pelo

proprietaacuterio do bem a ser usucapido ndash natildeo significa o abandono da dimensatildeo moral

existente na qualificaccedilatildeo da posse do usucapiente Esta dimensatildeo apenas se desloca em

direccedilatildeo a uma investigaccedilatildeo criteriosa acerca do conteuacutedo da posse materializada frente

agrave anaacutelise da conduta do proprietaacuterio ante ao apossamento natildeo autorizado

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Como citar DANTAS Marcus Eduardo de Carvalho Toda posse ad usucapionem eacute uma posse injusta Civilisticacom Rio de Janeiro a 5 n 1 2016 Disponiacutevel em lthttpcivilisticacomtoda-posse-ad-usucapionem-e-uma-posse-injustagt Data de acesso

Page 11: Toda posse ad usucapionem é uma posse injusta

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neste caso a posse adquirida eacute derivada razatildeo pela qual a regra que ldquoningueacutem pode

transmitir mais direitos do que temrdquo permanece atuante

Qualquer irregularidade na transmissatildeo soacute pode ter duas consequecircncias a invalidade

do tiacutetulo motivo pelo qual a posse seria injusta ou o questionamento acerca da

caracterizaccedilatildeo do justo tiacutetulo como tal tendo em vista o requisito da usucapiatildeo

ordinaacuteria Usando a terminologia de Manuel A Albaladejo ldquono plano juriacutedicordquo

qualquer que seja a dimensatildeo da incorreccedilatildeo na transmissatildeo o resultado praacutetico seria o

de uma posse injusta visto que ldquono plano faacuteticordquo o sucessor teria de fato os poderes

caracteriacutesticos de um possuidor regular pois age como se fosse o proprietaacuterio que

adquiriu a posse de outrem20

Em tais condiccedilotildees uma eventual invalidade do tiacutetulo natildeo impede a acessio eis que

efetivamente houve uma sucessatildeo no exerciacutecio faacutetico dos poderes inerentes agrave

caracterizaccedilatildeo da posse21 A consequecircncia possiacutevel na hipoacutetese seria a interdiccedilatildeo da via

que leva agrave usucapiatildeo ordinaacuteria mas natildeo por conta da injusticcedila da posse que daiacute

decorreria e sim em razatildeo de um eventual questionamento acerca do cumprimento do

requisito ldquojusto tiacutetulordquo especificamente exigido pelo Coacutedigo Civil brasileiro na

modalidade

Eacute ainda possiacutevel vislumbrar uma posse justa mas ilegiacutetima na aquisiccedilatildeo derivada

porque o caminho do negoacutecio juriacutedico natildeo configura viacutecio mesmo que ele seja

irregular Mas essa leitura pressupotildee uma diferenciaccedilatildeo entre as palavras ldquoviacuteciordquo e

ldquoobstaacuteculordquo na redaccedilatildeo do artigo 1200 do Coacutedigo Civil22 Isto porque se a posse injusta eacute

aquela que foi obtida de modo viciado (violecircncia clandestinidade ou precariedade) e a

posse de boa-feacute eacute aquela onde o possuidor ignora a ocorrecircncia de ldquoviacutecios ou obstaacuteculosrdquo

na sua aquisiccedilatildeo uma diferenciaccedilatildeo entre as duas palavras tambeacutem cria a oportunidade

de visualizaccedilatildeo de uma posse ldquojustardquo ndash por natildeo ter sido obtida por nenhuma das

formas indicadas na redaccedilatildeo do artigo 1200 do Coacutedigo Civil ndash mas de boa-feacute eis que o

possuidor ignora o ldquoobstaacuteculordquo de outro tipo existente em torno da posse que exerce Eacute

um outro caminho pelo qual eacute possiacutevel chegar ao resultado de uma posse justa e boa

para usucapir

20 ALBALADEJO Manuel A Derecho civil VolIII cit 2010 p73 21 ABREU Abiacutelio Vassalo ldquoA necessidade de uma mudanccedila jurisprudencial em mateacuteria de acessatildeo da posse (Art1256ordm do Coacutedigo Civil)rdquo cit p1297 CORDEIRO A Menezes A posse perspectivas dogmaacuteticas actuais 3ordfed Lisboa Almedina 2014 p136 LEITAtildeO MENEZES Luiacutes Manuel Teles de Direitos reais 4ordfed Lisboa Almedina 2013 p138 22 Art 1200 Eacute justa a posse que natildeo for violenta clandestina ou precaacuteria

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Seria esse o caso da posse obtida por meio de um negoacutecio juriacutedico nulo ou anulaacutevel

bem como no da aquisiccedilatildeo a non domino hipoacuteteses nas quais poder-se-ia dizer que natildeo

haacute propriamente ldquoviacuteciordquo mas tampouco uma posse escorreita Por isto alguns

doutrinadores fazem referecircncia a uma posse justa mas ldquoilegiacutetimardquo23 o que permitiria a

aquisiccedilatildeo pela usucapiatildeo ordinaacuteria que tem prazos menores quando comparada a

extraordinaacuteria

Mas aqui parece vigorar um eufemismo pois uma posse ldquojusta poreacutem ilegiacutetimardquo natildeo

altera o fato de que o direito do proprietaacuterio do bem a ser usucapido estaacute sendo

afrontado eis que o objetivo final eacute passar a ser o titular do direito que ele hoje tem Se

a posse eacute ldquoilegiacutetimardquo isso significa que o modo pelo qual ela foi obtida eacute de alguma

forma irregular E se a posse pode ser ldquojusta poreacutem ilegiacutetimardquo isto significa que o fato

dela ser irregular ndash contraacuteria ao direito portanto ndash natildeo eacute um elemento impeditivo da

usucapiatildeo E se a posse pode ser justa permanecer irregular e mesmo assim continuar

ldquoboa para usucapirrdquo para que serve falar de saneamento afinal

4 Questionando a ocorrecircncia dos viacutecios

A usucapiatildeo expressa o caso em que algueacutem perde a titularidade de um bem pelo fato

de que outra pessoa natildeo autorizada permaneceu exercendo posse sobre a coisa durante

um nuacutemero determinado de anos Em tais condiccedilotildees eacute difiacutecil ateacute visualizar como seria

possiacutevel uma ldquoposse justa ad usucapionemrdquo na aquisiccedilatildeo originaacuteria E essa dificuldade

eacute tatildeo grande que autores como Pinto Ferreira24 conceituaram a posse ad usucapionem

como sendo aquela ldquode quem se assenhoreia de uma res nullius defendendo-a mansa e

pacificamente durante o tempo previsto em leirdquo O raciociacutenio eacute desenvolvido tambeacutem

por Pedro Nunes

Do fato da posse nasce o direito agrave prescriccedilatildeo aquisitiva () Para

adquirir por este modo o pretendente toma sempre uma posse

perdida ou abandonada A perda ocorre quando o dono da coisa

manifesta expressa ou tacitamente a intenccedilatildeo de natildeo mais tecirc-la

como sua ou a natildeo ocupa ou a deixa por incuacuteria ou negligecircncia

inteiramente ao abandono por longo espaccedilo de tempo Reputa-se

voluntaacuteria a perda quando o possuidor ou o ausente tendo ciecircncia do

apoderamento por terceiro de sua propriedade conforma-se com a

situaccedilatildeo natildeo procurando reconquistaacute-la25

23 Eacute o caso em BITTAR Carlos Alberto Direitos reais 2ordfed Rio de Janeiro Forense 2011 p41 COELHO Faacutebio Ulhocirca Curso de direito civil Vol4 ndash direito das coisas e direito autoral 3ordfed Satildeo Paulo Saraiva 2010 p38 NASCIMENTO Tupinambaacute Miguel Castro do Posse e propriedade Porto Alegre Livraria do Advogado 1986 p102 24 FERREIRA Luiz Pinto Posse accedilatildeo possessoacuteria e usucapiatildeo 2ordfed Satildeo Paulo Saraiva 1983 p29 25 NUNES Pedro Do usucapiatildeo 4ordfed Rio de Janeiro Freitas Bastos 1984 p27

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Haacute que se concordar para que algueacutem tenha posse de um bem de maneira natildeo

autorizada sem violar o direito de outrem ndash ou seja de forma justa ndash e

simultaneamente exercecirc-la no intuito de se tornar o titular do direito de propriedade

sobre tal coisa eacute preciso que ela natildeo tenha dono

A outra forma em tese seria questionando a proacutepria ocorrecircncia do viacutecio Os

especialistas discutem largamente por exemplo os termos nos quais uma accedilatildeo pode

ser considerada violenta26 o seu emprego para remoccedilatildeo de cercas muros ou tapumes eacute

suficiente para caracterizaccedilatildeo do viacutecio ou apenas o embate fiacutesico com uma pessoa que

resista ao esbulho

Como indicado parte da doutrina27 tem se esforccedilado para encontrar meios de tornar

justa a posse natildeo autorizada com o objetivo de ampliar as chances de usucapir Para

este caso o problema eacute que a ningueacutem parece dada a possibilidade de seriamente

alegar que desconhece que o apossamento natildeo autorizado atraveacutes do qual efetiva sua

posse sobre um bem imoacutevel contraria direito de outrem E tal afirmaccedilatildeo natildeo tem

objetivo de pocircr em questatildeo o fato de que tal apossamento possa ser a uacuteltima via para

obtenccedilatildeo de direitos fundamentais como a moradia e o trabalho

Os conflitos fundiaacuterios urbanos e rurais ocorrem em decorrecircncia da necessidade de

melhor distribuiccedilatildeo do acesso aos direitos de propriedade em grande medida pautados

pelo questionamento acerca do cumprimento e das consequecircncias da natildeo observacircncia

da funccedilatildeo social exigida em cada hipoacutetese Mas mesmo nesses casos o que haacute eacute um

questionamento da manutenccedilatildeo do direito de propriedade em favor daquele que deixa

de efetivamente exercecirc-lo ou o que o faz de modo indevido Natildeo se trata do

desconhecimento acerca do fato de que o apossamento realizado em tais circunstacircncias

confronta o alegado direito de outrem

26 Eacute tradicional o entendimento de que a caracterizaccedilatildeo da violecircncia vai aleacutem do uso da forccedila contra a proacutepria pessoa do possuidor Por todos Caio Maacuterio da Silva Pereira alerta que ldquoPosse violenta (adquirida vi) a que se adquire por ato de forccedila seja ela natural ou fiacutesica seja moral ou resultante de ameaccedilas que incutam na viacutetima seacuterio receio A violecircncia estigmatiza a posse independentemente de exercer-se sobre a pessoa do espoliado ou de preposto seu como ainda do fato de emanar do proacuteprio espoliador ou de terceirordquo (SILVA PEREIRA Caio Maacuterio da Instituiccedilotildees de direito civil VolIV ndash Direitos reais 22ordfed atualizada por Carlos Edison do Rego Monteiro Filho Rio de Janeiro Forense 2009 p21 Atualmente surge a discussatildeo sobre se o emprego da forccedila para remoccedilatildeo de obstaacuteculos como cercas ou tapumes em um imoacutevel abandonado caracterizaria ainda assim a violecircncia da posse Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald consideram que ldquo() natildeo eacute considerada violenta a posse caso o uso da forccedila se justifique para a remoccedilatildeo de obstaacuteculos fiacutesicos para o ingresso em bens abandonados (vg destruiccedilatildeo de cadeados ou supressatildeo de cercas) Pensamos que soacute haacute violecircncia quando o apossamento resulta de uma conduta contraacuteria agrave vontade do possuidor pelo fato de a coisa ser arrebatada de algueacutem que a isso se oponhardquo FARIAS Cristiano Chaves de ROSENVALD Nelson Curso de direito civil cit p106 27 Como visto nos pontos 2 e 3 do presente texto

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Mas haacute uma diferenccedila como indicado no significado da palavra ldquoinjustardquo quando em

referecircncia ao modo como a posse foi obtida e quando em referecircncia ao conteuacutedo da

soluccedilatildeo dada pelo legislador Uma posse pode ser ldquoinjustardquo em um aspecto formal

decorrente do fato de que foi obtida de forma natildeo autorizada mas ldquojustardquo porque de

um lado natildeo vem sendo utilizada pelo proprietaacuterio e de outro representa a

materializaccedilatildeo de direitos fundamentais sociais negligenciados pelo Estado O fato eacute

que justiccedila material da ocupaccedilatildeo de terrenos abandonados por pessoas que natildeo tem

acesso aos direitos de moradia frente agrave proprietaacuterios negligentes natildeo eacute incompatiacutevel

com o reconhecimento de que o apossamento natildeo foi autorizado e neste sentido

formal gera uma posse injusta

Eacute o que ocorre na dramaacutetica situaccedilatildeo dos conflitos fundiaacuterios urbanos em torno da

moradia Em um importante estudo de campo acerca dos conflitos em torno da terra no

Recife de 1978 Joaquim Falcatildeo detectou em sua pesquisa que ldquoOs invasores querem

ser proprietaacuterios Justificam a invasatildeo de propriedade alheia porque sobre o direito de

usar e dispor segundo a livre vontade do proprietaacuterio deve prevalecer o direito de

moradia de todosrdquo28

Bem se vecirc daiacute que o questionamento da legitimidade da propriedade natildeo utilizada

pressupotildee logicamente o conhecimento da sua existecircncia enquanto tal Natildeo se pode

questionar aquilo que se ignora E se natildeo se ignora natildeo eacute possiacutevel afirmar a boa-feacute Por

isto eacute que a alegaccedilatildeo de que ldquonem sempre o apossamento natildeo autorizado vai gerar uma

posse injustardquo natildeo tem funccedilatildeo nenhuma na definiccedilatildeo das chances de usucapir29 Natildeo eacute

28 FALCAtildeO Joaquim ldquoJusticcedila social e justiccedila legal conflitos de propriedade no Reciferdquo In FALCAtildeO Joaquim (org) Invasotildees urbanas ndash conflitos de direito de propriedade 2ordfed Rio de Janeiro FGV Editora 2008 p112-113 29 Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald questionam a injusticcedila do apossamento de um imoacutevel abandonado com um objetivo claro impedir que a tomada natildeo autorizada seja qualificada como esbulho Essa desqualificaccedilatildeo tem uma funccedilatildeo especiacutefica a de interditar a via da reintegraccedilatildeo por parte do proprietaacuterio que natildeo cumpriria o requisito ldquoprova do esbulhordquo tal qual exigido pelo artigo 561do CPC15 Nesse sentido a reflexatildeo dos autores atua mais na dinacircmica processual do conflito do que no acircmbito material dos requisitos para a usucapiatildeo Mas o entendimento de que defendem a necessidade de uma posse justa para usucapir decorre do trecho no qual os autores esclarecem que ldquo() a posse derivada dos atos de violecircncia ou clandestinidade poderaacute gerar usucapiatildeo extraordinaacuteria (art1238 CC) posto natildeo se exigir como requisitos formais ao alcance da propriedade em tal modalidade originaacuteria o justo tiacutetulo e a boa-feacuterdquo (FARIAS Cristiano Chaves de ROSENVALD Nelson Curso de direito civil Vol5 reais 11ordfed Satildeo Paulo Atlas 2015 p110) Como demonstrado a posse de boa-feacute soacute pode ser justa na hipoacutetese em que o bem eacute uma res nullius No que caso em que a ocupaccedilatildeo natildeo se qualifica como esbulho a usucapiatildeo ordinaacuteria eacute impossiacutevel pela ausecircncia de boa-feacute No caso da aquisiccedilatildeo da posse a non domino seria perfeitamente possiacutevel e coerente reconhecer uma posse injusta (se tambeacutem era a do antecessor) e de boa-feacute se o sucessor natildeo tiver conhecimento do viacutecio de origem Nesse sentido a posse injusta natildeo impediria a usucapiatildeo em nenhuma modalidade e se manteria a coerecircncia interna ante a ideia de que toda posse ad usucapionem eacute necessariamente natildeo autorizada e contraacuteria aos interesses do titular do direito a ser usucapido Por tudo isso eacute possiacutevel reconhecer que tambeacutem os citados autores entendem equivocadamente que a justiccedila da posse amplia as modalidades da usucapiatildeo disponiacuteveis

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de boa-feacute a posse daqueles que ocupam imoacutevel alheio sem autorizaccedilatildeo do proprietaacuterio30

pois por mais que o apossamento seja moralmente justificaacutevel os possuidores natildeo

ignoram o fato de que o bem eacute de outra pessoa E se isto eacute assim a modalidade

disponiacutevel de usucapiatildeo no caso seria a extraordinaacuteria Natildeo pelo caraacuteter injusto da

posse e sim pelo fato dela ser exercida sem justo tiacutetulo e boa-feacute

Nessa linha a tese aqui defendida mostra a sua coerecircncia eacute possiacutevel questionar se o

apossamento configura efetivamente um esbulho31 mas natildeo o fato de que numa ou

noutra hipoacutetese natildeo se ignora que o direito de outrem estaacute sendo afrontado com a

efetivaccedilatildeo da posse natildeo autorizada

30 Este eacute justamente um dos pontos apontados pela doutrina para o fracasso da efetividade da hipoacutetese de aquisiccedilatildeo prevista no artigo 1228 sectsect 4ordm e 5ordm do Coacutedigo Civil Algueacutem pode dizer seriamente que a posse dessas pessoas por mais legiacutetima que possa ser eacute de boa-feacute no sentido de que se ignora que o ato entra em rota de colisatildeo com o direito de outrem Em um dos raros casos nos quais a hipoacutetese foi aplicada sob o nome de ldquodesapropriaccedilatildeo privadardquo os magistrados entenderam que a boa-feacute ldquo() entendida como posse justa natildeo violenta natildeo clandestina ou precaacuteriardquo estava presente no caso concreto em anaacutelise tendo em vista que ldquoAs guias de IPTU juntada (sic) aos autos ldquo() atestam a boa-feacute do recorrido jaacute que o proacuteprio Municiacutepio o reconhecia como proprietaacuterio da aacutereardquo Tribunal de Justiccedila de Minhas Gerais Apelaccedilatildeo Ciacutevel nordm 1028408009185-3005 Rel Des Rogeacuterio Coutinho J 11032015 publicado em 20032015 Disponiacutevel em httpwww5tjmgjusbrjurisprudenciapesquisaPalavrasEspelhoAcordaodoampnumeroRegistro=9amptotalLinhas=48amppaginaNumero=9amplinhasPorPagina=1amppalavras=2522desapropriaE7E3o20judicial2522amppesquisarPor=acordaoamppesquisaTesauro=trueamporderByData=1ampreferenciaLegislativa=Clique20na20lupa20para20pesquisar20as20referEAncias20cadastradasamppesquisaPalavras=Pesquisaramp Acesso em 10012016 31 A reflexatildeo sobre o conceito de ldquoesbulhordquo jaacute vem sendo feita pela doutrina mais progressista Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald fazem esse debate no seu manual precisamente no ponto jaacute citado em que consideram que o apossamento natildeo autorizado de um imoacutevel abandonado gera uma posse justa Eacute uma outra forma de dizer que esse ato natildeo configura esbulho Nesse caminho criacutetico do conceito tradicional existem estudos importantes (como os existentes em STROZAKE Juvelino Joseacute (Org) Questotildees agraacuterias ndash julgados comentados e pareceres Satildeo Paulo Meacutetodo 2002 principalmente os artigos de Roberto Delmanto Jr pp167-182 Antonio Scarance Fernandes pp293-310 e Dyrceu Aguiar Cintra Dias Jr pp 219-230) O debate tambeacutem jaacute chegou aos tribunais No STJ a decisatildeo de referecircncia sobre o tema estaacute no HC 4399SP No voto do Min Luiz Vicente Cernicchiaro o magistrado explicita as razotildees pelas quais concede o HC em favor dos integrantes do MST ldquoNo esbulho possessoacuterio o agente dolosamente investe contra a propriedade alheia a fim de usufruir um de seus atributos (uso) ou alterar os limites do domiacutenio para enriquecimento sem causa No caso dos autos ao contraacuterio diviso pressatildeo social para concretizaccedilatildeo de um direito (pelo menos-interesse) No primeiro caso contraste de legalidade compreende aspectos material e formal No segundo substancialmente natildeo haacute iliacutecito algumrdquo Superior Tribunal de Justiccedila HC nordm4399-SP Luiz Vicente Cernicchiaro Voto Vogal p02 Rel Min William Patterson julgado em 12031996 DJ 08041996 p10491 Disponiacutevel em lthttpwwwstjjusbrSCONjurisprudenciatocjspprocesso=4399ampampb=ACORampthesaurus=JURIDICOampp=truegt Acesso em 13022014 No acircmbito da accedilatildeo de reintegraccedilatildeo de posse movida pelo Governo de Satildeo Paulo contra a ocupaccedilatildeo das escolas estaduais realizada pelos estudantes secundaristas ndash como forma de protesto contra o plano de reorganizaccedilatildeo escolar empreendido pelo Governo daquele Estado ndash o Tribunal de Justiccedila considerou que ldquoNatildeo se antevecirc em suma o animus possidendi ou o animus rem sibi habendi autorizantes do tratamento possessoacuterio da mateacuteria mas antes expressotildees de desobediecircncia civil frente agrave autecircntica violecircncia ciacutevica de que se consideram viacutetimas os manifestantesrdquo E ainda ldquo() natildeo haacute nessa narrativa e nem nos autos qualquer evidecircncia que a entidade sindical queira de modo ilegal apropriar-se dos bens puacuteblicos referidos no recurso tecircm-se que como todos reconhecemos durante a sessatildeo de julgamento a absoluta inadequaccedilatildeo da pretendida proteccedilatildeo possessoacuteria e portanto o tangenciamento da carecircncia da accedilatildeo por falta de interesse de agirrdquo Tribunal de Justiccedila ndash SP Agravo de Instrumento nordm2243232-252015826000 7ordf Cacircmara de Direito Puacuteblico Rel Min Coimbra Schmidt Julgado em 23112015 Disponiacutevel em lthttpsesajtjspjusbrcposgshowdoprocessoforo=990ampprocessocodigo=RI0032WUQ0000gt Acesso em 25112015

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Esse eacute afinal o ponto relevante para definiccedilatildeo da posse apta a gerar a usucapiatildeo pois a

hipoacutetese que ora se desenvolve eacute a de que toda posse ad usucapionem eacute sempre e

necessariamente uma posse injusta sendo capaz de viabilizar a usucapiatildeo tanto

extraordinaacuteria quanto a ordinaacuteria Eacute perfeitamente possiacutevel que o sucessor na posse

natildeo tenha conhecimento da maacutecula que existiu na sua aquisiccedilatildeo pelo antecessor

hipoacutetese na qual teria posse injusta em funccedilatildeo da transmissatildeo do viacutecio com justo tiacutetulo

e boa-feacute Como a ldquoposse injustardquo em sentido formal eacute o mesmo que ldquoposse natildeo

autorizadardquo natildeo haveria impedimento em usucapir na modalidade ordinaacuteria

5 A influecircncia do tempo no saneamento dos viacutecios da posse

As estrateacutegias de saneamento tecircm como objetivo transformar uma posse inicialmente

injusta em uma posse justa no pressuposto de que tal requisito eacute imprescindiacutevel para

que se possa usucapir Mas tais estrateacutegias satildeo tatildeo amplas e variadas que o saneamento

se torna praticamente inevitaacutevel para uma parte da doutrina a simples manutenccedilatildeo da

posse pelo curto periacuteodo de 1 ano faz com que ela perca o viacutecio de origem e se torne

apta a viabilizar a usucapiatildeo

Esta interpretaccedilatildeo eacute decorrente de uma leitura muito particular da norma processual

que reserva a tutela liminar para os casos nos quais a posse tenha sido perdida haacute

menos de ano e dia32 Trata-se da diferenccedila entre a chamada ldquoposse novardquo e a ldquoposse

velhardquo Se a posse do esbulhador estiver sendo exercida haacute mais de 1 ano o esbulhado

perde a possibilidade de uma reintegraccedilatildeo liminar pois trata-se de uma ldquoposse velhardquo

Isto natildeo impede que o esbulhado obtenha uma medida mais ceacutelere mas ele precisaria

utilizar a via da tutela antecipada prevista no artigo 273 do CPC73 e que hoje como

espeacutecie do gecircnero tutela de urgecircncia tem o seu conteuacutedo regulado pelos artigos 294-

311 do CPC1533 De uma maneira geral o esbulhado precisaria de provas mais robustas

de que seu direito foi violado Vecirc-se que o tempo de exerciacutecio da posse pelo esbulhador

tem reflexo na dinacircmica processual da retomada mas natildeo na qualificaccedilatildeo da posse em

disputa que continua sendo injusta

32 Art 924 Regem o procedimento de manutenccedilatildeo e de reintegraccedilatildeo de posse as normas da seccedilatildeo seguinte quando intentado dentro de ano e dia da turbaccedilatildeo ou do esbulho passado esse prazo seraacute ordinaacuterio natildeo perdendo contudo o caraacuteter possessoacuterio 33 No CPC15 a tutela cautelar ndash pautada no fumus boni iuris e periculum in mora ndash e a tutela antecipada ndash baseada em verossimilhanccedila do que eacute alegado fundado receio de dano ou abuso do direito de defesa ndash foram reunidas em torno da tutela provisoacuteria nos seguintes termos Art294 A tutela provisoacuteria pode fundamentar-se em urgecircncia ou evidecircncia Paraacutegrafo uacutenico A tutela provisoacuteria de urgecircncia cautelar ou antecipada pode ser concedida em caraacuteter antecedente ou incidental Os requisitos para tais medidas em muito semelhantes aos termos do CPC revogado de uma maneira geral estatildeo regulados como indicado entre os artigos 294 e 311

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Poreacutem uma parte importante da doutrina civiliacutestica brasileira interpreta as diferenccedilas

estabelecias pelo direito processual como uma outra estrateacutegia de saneamento

decorrente da simples passagem do tempo O pensamento eacute o de que se reintegraccedilatildeo

liminar natildeo eacute mais possiacutevel isso significa que a posse inicialmente injusta se

transformou em posse justa Este entendimento eacute adotado por doutrinadores como por

exemplo Maria Helena Diniz que indica expressamente ldquo() se o adquirente a tiacutetulo

clandestino ou violento provar que sua clandestinidade ou violecircncia cessaram haacute mais

de ano e dia sua posse passa a ser reconhecida convalescendo-se dos viacutecios que a

maculavamrdquo34

Tal interpretaccedilatildeo eacute criticaacutevel porque o fato do possuidor esbulhado ter que fazer uma

prova mais consistente do seu direito para que obtenha a tutela antecipada natildeo

significa que a posse do esbulhador tenha passado a ser justa Significa apenas que

tendo em vista que o momento do esbulho natildeo eacute mais tatildeo niacutetido a prova para a

retomada da posse deve ser mais substancial para que a tutela seja concedida Mas o

apossamento natildeo autorizado ocorreu

Da mesma forma quando se tem em conta que natildeo haacute nenhuma modalidade de

usucapiatildeo com menos de 1 ano todas as vezes que o possuidor tiver superado tal prazo

o viacutecio teraacute sido expurgado razatildeo pela qual natildeo haveria hipoacutetese de possuidor com

tempo suficiente para usucapir que jaacute natildeo teria passado pelo ldquomarco saneadorrdquo35

Ainda entre os especialistas brasileiros Silvio Rodrigues36 defendeu a tese de que apoacutes

ano e dia de exerciacutecio da posse pelo esbulhador o possuidor esbulhado perderia o

direito de retomaacute-la pela via possessoacuteria cabendo apenas a accedilatildeo reivindicatoacuteria com

base no tiacutetulo Tal impossibilidade seria reflexo de que a posse inicialmente injusta pela

aquisiccedilatildeo violenta teria passado a ser justa tendo em vista a passagem do prazo

34 DINIZ Maria Helena Curso de direito civil brasileiro Vol4 ndash direito das coisas 26ordfed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p78 O posicionamento eacute tambeacutem encampado entre outros por NEDER Natal Usucapiatildeo de imoacuteveis 3ordfed Rio de Janeiro Forense 1989 p19 35 Tambeacutem por isso parece curiosa a hipoacutetese de saneamento pela passagem do tempo vislumbrada por COELHO Faacutebio Ulhocirca Curso de direito civil Vol4 ndash direito das coisas cit p39 ldquoA posse soacute deixa de ser violenta se o antigo possuidor natildeo se interessa pela retomada do bem ou natildeo obtendo sucesso no exerciacutecio do desforccedilo imediato desiste da luta Desaparecendo a violecircncia nesse caso a posse se torna justa () Em suma o desinteresse do desapossado em defender a sua posse descaracteriza a origem viciada da do novo possuidorrdquo De acordo com tal raciociacutenio todas as vezes que o possuidor tiver posse ad usucapionem pelo tempo necessaacuterio para usucapir a posse injusta teraacute se transformado em posse justa E se isso eacute assim para que serve o exame dos viacutecios objetivos 36 RODRIGUES Silvio Direito civil Vol5 ndash direito das coisas 28ordfed Satildeo Paulo Saraiva 2009 p25-27

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O raciociacutenio de Silvio Rodrigues parece uma meacutelange da soluccedilatildeo positivada em alguns

sistemas estrangeiros como vg no direito espanhol e no direito portuguecircs O

problema eacute que aqui ao contraacuterio do que ocorre nos ordenamentos dos dois maiores

paiacuteses da Peniacutensula Ibeacuterica natildeo haacute nenhuma disposiccedilatildeo normativa que ampare tal

interpretaccedilatildeo Em Portugal e na Espanha o decurso do prazo de um ano tem

primeiramente uma funccedilatildeo especiacutefica a de decretar o momento da perda da posse por

parte do possuidor esbulhado37 Eacute o mesmo raciociacutenio que no Brasil sustenta a previsatildeo

do artigo 122438 onde ainda que sem uma referecircncia objetiva de tempo eacute possiacutevel

verificar que o possuidor esbulhado natildeo perde o seu direito de posse no exato momento

em que ocorre a perda no plano faacutetico A funccedilatildeo dessa ficccedilatildeo39 tanto laacute quanto caacute

tambeacutem eacute a mesma garantir que natildeo haja soluccedilatildeo de continuidade no exerciacutecio da

posse quando intervalos intermitentes ocorrem40

De se ressaltar ainda que no ordenamento portuguecircs assim como no direito espanhol

o prazo de 1 ano corresponde tambeacutem agrave ldquocaducidaderdquo das accedilotildees de reintegraccedilatildeo ou

manutenccedilatildeo de posse41 Como o possuidor esbulhado natildeo pode mais utilizar tais accedilotildees

a interdiccedilatildeo da via possessoacuteria gera consequecircncias na compreensatildeo da manutenccedilatildeo dos

viacutecios No direito espanhol natildeo sem polecircmica o prazo de 1 ano de exerciacutecio da posse

pelo esbulhador configura hipoacutetese na qual ldquoel transcurso del tiempo sirve para

subsanar este vicio posesoriordquo42

37 Coacutedigo Civil espanhol ldquoArtiacuteculo 460 El poseedor puede perder su posesioacuten () 4 Por la posesioacuten de otro aun contra la voluntad del antiguo poseedor si la nueva posesioacuten hubiese durado maacutes de un antildeordquo Coacutedigo Civil portuguecircs ldquoArtigo 1267ordm (Perda da posse) 1 O possuidor perde a posse () d) Pela posse de outrem mesmo contra a vontade do antigo possuidor se a nova posse houver durado mais de um anordquo 38 Art 1224 Soacute se considera perdida a posse para quem natildeo presenciou o esbulho quando tendo notiacutecia dele se absteacutem de retornar a coisa ou tentando recuperaacute-la eacute violentamente repelido 39 No direito espanhol a doutrina diverge acerca do momento em que tem iniacutecio a posse do esbulhador Haacute quem entenda que a posse do esbulhador soacute tem iniacutecio apoacutes o prazo de 1 ano RODRIGUEZ-CANO Rodrigo Bercovitz Manual de derecho civil ndash derechos reales Madrid Bercal 2013 p77) Outros consideram que coexistem desde o iniacutecio duas posses sobre o bem posse de fato exercida pelo esbulhador e a posse de direito que ateacute o transcurso do prazo permanece na titularidade do esbulhado LOacutePEZ y LOacutePEZ Aacutengel M FERNANDEZ Rosario Valpuesta et all Derecho civil patrimonial Vol II Valencia Tirant lo Blanch 2014 p97 40 TEPEDINO Gustavo Comentaacuterios ao coacutedigo civil cit p192 DIacuteEZ-PICAZO Luis GULLOacuteN Antonio Sistema de derecho civil VolIII Tomo I (derechos reales en general) 8ordfed Madrid Tecnos 2013 p116 41 CORDEIRO Antoacutenio Menezes A posse perspectivas dogmaacuteticas actuais cit p112 SANTOS JUSTO A dos Direitos Reais 4ordfed cit p218 LOacutePEZ PAacuteSARO Eduardo Tutela Sumaria de la Posesioacuten (Interdicto de recobrar) Madrid Dykinson 2014 p187 O artigo 1282 do Coacutedigo Civil portuguecircs indica que ldquoA acccedilatildeo de manutenccedilatildeo bem como as de restituiccedilatildeo da posse caducam se natildeo forem intentadas dentro do ano subsequente ao acto da turbaccedilatildeo ou do esbulho ou ao conhecimento dele quando tenha sido praticado a ocultasrdquo Jaacute o diploma civil espanhol preceitua no seu artigo 19681 do Coacutedigo Civil espanhol ldquo Artiacuteculo 1968 Prescriben por el transcurso de un antildeo 1La accioacuten para recobrar o retener la posesioacutenrdquo 42 RODRIGUEZ-CANO Rodrigo Bercovitz Manual de derecho civil ndash derechos reales cit p73 No mesmo sentido ALBALADEJO Manuel A Derecho civil VolIII cit p63 DIacuteEZ-PICAZO Luis Fundamentos del derecho civil patrimonial VolIII las relaciones juriacutedico-reales el registro de la propiedad la posesioacuten 5ordfed Madrid Civitas 2008 p689

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Jaacute no direito portuguecircs o Coacutedigo Civil eacute expresso acerca da possibilidade de

saneamento dos viacutecios43 e a doutrina encampa unanimemente o entendimento de que

a posse eacute violenta ndash portanto injusta ndash apenas no tempo de duraccedilatildeo de seus efeitos44

Ou seja a posse violenta clandestina ou precaacuteria perde a condiccedilatildeo de viciosa no exato

instante em que se estabiliza Apoacutes a cessaccedilatildeo da violecircncia a posse passa a ser

perfeitamente apta a gerar a usucapiatildeo45

Mas ideia de que a posse eacute injusta apenas enquanto houver violecircncia ou

clandestinidade ao contraacuterio do direito luso natildeo tem respaldo no ordenamento

brasileiro apesar de ser defendida por nomes como os de Lenine Nequete46 e Arnoldo

Wald47 O artigo 1208 do Coacutedigo Civil alocado no capiacutetulo referente agrave aquisiccedilatildeo da

posse dispotildee claramente que ldquoNatildeo induzem posse os atos de mera permissatildeo ou

toleracircncia assim como natildeo autorizam a sua aquisiccedilatildeo os atos violentos ou clandestinos

senatildeo depois de cessar a violecircncia ou a clandestinidaderdquo Ou seja aqui enquanto a

violecircncia estiver sendo empregada natildeo haacute posse Apoacutes a sua cessaccedilatildeo a posse advinda

de tais atos eacute posse mas posse injusta48

Natildeo haacute duacutevida portanto de que o prazo de ldquoano e diardquo tem uma funccedilatildeo importante No

direito espanhol o prazo serve como marco da perda da posse da impossibilidade de

utilizaccedilatildeo das accedilotildees possessoacuterias e de saneamento dos viacutecios objetivos No direito

portuguecircs serve igualmente de referecircncia para identificaccedilatildeo do momento de perda da

posse e da caducidade da via possessoacuteria ao passo que os viacutecios satildeo considerados

sanados apoacutes a cessaccedilatildeo de seus efeitos

Em ambos os ordenamentos o expurgo dos viacutecios pela passagem do tempo tem

respaldo normativo ainda que as criacuteticas anteriormente feitas a este raciociacutenio no

direito brasileiro tambeacutem sejam aplicaacuteveis a tais sistemas natildeo havendo tambeacutem neles

nenhuma modalidade de usucapiatildeo com menos de 1 ano a ideia do saneamento da

43 Artigo 1297ordm (Posse violenta ou oculta) Se a posse tiver sido constituiacuteda com violecircncia ou tomada ocultamente os prazos da usucapiatildeo soacute comeccedilam a contar-se desde que cesse a violecircncia ou a posse se torne puacuteblica 44 Por todos CARVALHO Orlando de Direito das coisas Coimbra Coimbra Editora 2012 p283 45 FRANCcedilA PITAtildeO Joseacute Antoacutenio de Posse e usucapiatildeo Lisboa Almedina 2007 p74 FERREIRA Durval Posse e usucapiatildeo 3ordfed Lisboa Almedina 2008 p319 OLIVEIRA ASCENCcedilAtildeO Joseacute de Direito civil ndash reais cit p116 46 NEQUETE Lenine Da prescriccedilatildeo aquisitiva (usucapiatildeo) Porto Alegre Ediccedilatildeo Sulina 1954 p80 47 WALD Arnoldo Direito Civil direito das coisas Vol4 Satildeo Paulo Saraiva 2011 pp103-104 48 Segundo esclarece Joseacute Carlos Moreira Alves ldquo() para o Coacutedigo Civil brasileiro () enquanto materialmente existentes ndash ou seja enquanto se pratica a violecircncia ou haacute clandestinidade ndash impedem [tais viacutecios] a aquisiccedilatildeo ateacute da possessio ad interdicta havendo apenas detenccedilatildeo independente e uma vez cessados em sua materialidade surge a posse embora qualificada como injusta que produz as consequecircncias de qualquer posse injustardquo MOREIRA ALVES Joseacute Carlos ldquoA detenccedilatildeo no direito civil brasileiro (conceito e casos)rdquoIn CAHALI Yussef Said Posse e propriedade doutrina e jurisprudecircncia Satildeo Paulo Saraiva 1987 p20

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mesma forma que aqui natildeo tem funccedilatildeo nenhuma porque sempre que o usucapiente

tiver prazo para usucapir os viacutecios teratildeo deixado de existir

De se ressaltar ainda que o proacuteprio Silvio Rodrigues reconheceu que a sua tese natildeo

tinha fundamento legal Na nota de rodapeacute 28 do seu livro ldquoDireito das Coisasrdquo49 o

autor demonstrou que entendia que o Coacutedigo de Processo Civil de 1939 tinha extirpado

a ldquoaccedilatildeo de forccedila velha expoliativardquo do ordenamento brasileiro razatildeo pela qual para o

possuidor de mais de 1 ano e dia caberia apenas a via petitoacuteria o que sanearia o viacutecio na

aquisiccedilatildeo Isto porque segundo sua interpretaccedilatildeo ldquoBasta que ela [a posse] se estenda

pacificamente ou publicamente durante o intervalo de ano e dia para que fique

purgada de seus defeitosrdquo50 Mas o proacuteprio autor admitiu ao final da nota de rodapeacute

28 que o CPC de 73 ldquoextirpou a duacutevidardquo que poderia existir em torno da possibilidade

de accedilatildeo de reintegraccedilatildeo com mais de 1 ano e dia do esbulho que ldquomesmo intentadas

apoacutes o intervalo de ano e dia natildeo perdem o seu caraacuteter acessoacuteriordquo51 Mesmo criticando

a soluccedilatildeo do CPC reconhece que ldquo() a vontade do legislador manifestada de forma

irrefutaacutevel que deve prevalecerrdquo52 Fica claro portanto que natildeo haacute fundamento legal

para a tese de que a posse injusta se transforma em posse justa apoacutes ano e dia

6 Saneamento pelo cumprimento da funccedilatildeo social

Alguns estudos mais recentes tecircm indicado que os viacutecios objetivos da posse podem ser

considerados sanados uma vez constatado o cumprimento da funccedilatildeo social por parte do

esbulhador53

Mas o saneamento pelo cumprimento da funccedilatildeo social da posse pode ser

primeiramente criticado por que natildeo haacute qualquer dispositivo normativo em vigor no

ordenamento juriacutedico brasileiro que defina o que eacute e qual eacute o conteuacutedo da funccedilatildeo social

da posse A doutrina tem buscado dar substacircncia ao princiacutepio pela conexatildeo que

tradicionalmente eacute feita entre funccedilatildeo social da posse e a efetivaccedilatildeo de direitos

fundamentais como os de moradia e trabalho

49 RODRIGUES Silvio Direito civil Vol5 ndash direito das coisas cit p30 50 RODRIGUES Silvio Direito civil Vol5 ndash direito das coisas cit p30 51 O CPC15 eacute claro acerca do caraacuteter possessoacuterio da accedilatildeo proposta apoacutes o prazo de ldquoano e diardquo Art558 Regem o procedimento de manutenccedilatildeo e de reintegraccedilatildeo de posse as normas da Seccedilatildeo II deste Capiacutetulo quando a accedilatildeo for proposta dentro de ano e dia da turbaccedilatildeo ou do esbulho afirmado na peticcedilatildeo inicial Paraacutegrafo uacutenico Passado o prazo referido no caput seraacute comum o procedimento natildeo perdendo contudo o caraacuteter possessoacuterio 52 RODRIGUES Silvio Direito civil Vol5 ndash direito das coisas cit p30 nota28 53 MELO Marco Aureacutelio Bezerra de Curso de direito civil Vol5 ndash direito das coisas 2015 p73 FARIAS Cristiano Chaves de ROSENVALD Nelson Curso de direito civil Vol5 ndash reais cit p119

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Eacute possiacutevel tentar extrair essa conexatildeo da relaccedilatildeo entre posse e propriedade

considerando que a propriedade deve cumprir a funccedilatildeo social a posse tambeacutem deve ser

lida como subordinada a tal princiacutepio Mas se a funccedilatildeo social da propriedade eacute em

grande medida a ldquofunccedilatildeo social da posse exercida pelo proprietaacuteriordquo54 seraacute viaacutevel dizer

que o contraacuterio tambeacutem eacute verdadeiro Um possuidor de uma aacuterea de grande extensatildeo

de terra na zona rural estaacute obrigado a cumprir os mesmos preceitos direcionados ao

proprietaacuterio estabelecidos no artigo 184 da Constituiccedilatildeo E qual seria a consequecircncia

do descumprimento desse conteuacutedo por parte de quem eacute apenas o possuidor E no caso

da posse urbana qual o conteuacutedo a ser cumprido para que a funccedilatildeo social seja

contemplada

A falta de uma definiccedilatildeo sobre o conteuacutedo objetivamente definido para a funccedilatildeo social

da posse prejudica enormemente a sua utilizaccedilatildeo como criteacuterio para avaliaccedilatildeo do o

expurgo dos viacutecios objetivos Aleacutem de desnecessaacuteria a possibilidade do saneamento

atraveacutes de um princiacutepio tatildeo ldquomaleaacutevelrdquo tem como consequecircncia o seu reconhecimento

em um sem nuacutemero de situaccedilotildees tatildeo diacutespares que fica difiacutecil enxergar em que

circunstacircncia qualquer exerciacutecio regular da posse natildeo o atenderia

Nos tribunais fala-se em cumprimento da funccedilatildeo social quando a posse de um terreno eacute

utilizada para criaccedilatildeo de galinhas55 quando mesmo sem comprovar o tempo

necessaacuterio o possuidor prova que construiu lojas e quitinetes no imoacutevel que pretendia

usucapir56 ou ainda quando o imoacutevel a ser usucapido foi utilizado como garagem e aacuterea

de lazer durante o lapso temporal necessaacuterio agrave usucapiatildeo57

54 DANTAS Marcus Eduardo de Carvalho ldquoDa funccedilatildeo social da propriedade agrave funccedilatildeo social da posse exercida pelo proprietaacuterio ndash uma proposta de releitura do princiacutepio constitucionalrdquo RIL ndash Revista de Informaccedilatildeo Legislativa ano 52 n 205 p23-38 Mar 2015 p34 DANTAS Marcus Eduardo de Carvalho ldquoFunccedilatildeo social nos conflitos fundiaacuteriosrdquo Revista Direito GV Satildeo Paulo v9 n 2 p465-488 Dec 2013 p479 55 Tribunal de Justiccedila do Rio de Janeiro Apelaccedilatildeo nordm 0003045-5320028190061 Rel Des Gilda Maria

Dias Carrapatoso Julgamento 31072013 13ordf Cacircmara Ciacutevel Disponiacutevel em

httpwww1tjrjjusbrgedcachewebdefaultaspxUZIP=1ampGEDID=0004CC331928D8D3A72C15733D

069BD44D8BC50237206304 Acesso em 12032015 56 Tribunal de Justiccedila do Rio de Janeiro Apelaccedilatildeo nordm 0034331-2420108190205 Rel Des Andreacute

Ribeiro Julgamento 05062013 7ordf Cacircmara Ciacutevel Disponiacutevel em

httpwww1tjrjjusbrgedcachewebdefaultaspxUZIP=1ampGEDID=000421376D950C28F7B805418EE

F244E6857C5022B4D2D4CAcesso em 12032015 57 Tribunal de Justiccedila do Rio de Janeiro Apelaccedilatildeo nordm 0096918-8820058190001 Rel Des Antocircnio

Saldanha Palheiro Julgamento 12042011 5ordf Cacircmara Ciacutevel Disponiacutevel em

httpwww1tjrjjusbrgedcachewebdefaultaspxUZIP=1ampGEDID=0003FDB81056920E5F12D511F73

43C44001098C403252532 Acesso em 12032015

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Natildeo se trata aqui de uma avaliaccedilatildeo moral acerca daquilo que deve ou natildeo ser

considerado como o conteuacutedo da funccedilatildeo social A questatildeo eacute que sem um conteuacutedo bem

especificado a funccedilatildeo social deixa de ser um mecanismo de qualificaccedilatildeo da posse ela

natildeo tem serventia alguma como mecanismo de diferenciaccedilatildeo Se a utilizaccedilatildeo de um

terreno como garagem e lazer corresponde ao exerciacutecio da posse com funccedilatildeo social em

que circunstacircncia o exerciacutecio puro e simples da posse natildeo corresponderia a tal

princiacutepio Basta natildeo realizar uma atividade iliacutecita para cumprir a funccedilatildeo social da

posse Qual a diferenccedila entre ldquoter posserdquo e ldquoter posse com funccedilatildeo socialrdquo

A segunda linha de criacutetica se orienta pelo fato de que nem todas as modalidades de

usucapiatildeo existentes no ordenamento brasileiro tecircm uma conexatildeo visiacutevel com os temas

tradicionalmente considerados como caracteriacutesticos da funccedilatildeo social A usucapiatildeo

extraordinaacuteria prevista no caput do artigo 1238 do Coacutedigo Civil58 por exemplo natildeo

exige do possuidor que exerccedila a posse com fins de moradia tampouco que utilize o

imoacutevel como fonte de trabalho Isso mostra que o Coacutedigo diferencia as situaccedilotildees nas

quais a posse eacute exercida como meio de efetivaccedilatildeo dos direitos tradicionalmente

afinados com uma ideia geral de funccedilatildeo social e aquelas nas quais a posse eacute exercida

regularmente mas sem tal qualificaccedilatildeo especial Em tais condiccedilotildees o entendimento de

que a injusticcedila original da posse pode ser sanada pelo cumprimento da funccedilatildeo social

para a usucapiatildeo em geral ficaria ainda uma vez sem sentido pois o diploma civil natildeo

exige que a posse seja exercida como moradia ou fonte de trabalho em todas as

modalidades da usucapiatildeo

7 O ldquoteste do uso incompatiacutevelrdquo e a funccedilatildeo da posse injusta na usucapiatildeo

Apesar de todo esforccedilo doutrinaacuterio na defesa de formas pelas quais a posse injusta pode

deixar para traacutes o seu viacutecio de origem a doutrina tem um posicionamento tatildeo soacutelido

quanto incoerente acerca do viacutecio da precariedade o de que ele natildeo convalesce nunca

O entendimento eacute defendido por quase59 a totalidade dos especialistas sob o

58 Art 1238 Aquele que por quinze anos sem interrupccedilatildeo nem oposiccedilatildeo possuir como seu um imoacutevel adquire-lhe a propriedade independentemente de tiacutetulo e boa-feacute podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentenccedila a qual serviraacute de tiacutetulo para o registro no Cartoacuterio de Registro de Imoacuteveis Paraacutegrafo uacutenico O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-aacute a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imoacutevel a sua moradia habitual ou nele realizado obras ou serviccedilos de caraacuteter produtivo

59 Francisco Eduardo Loureiro eacute uma boa exceccedilatildeo agrave leitura predominante Nesse sentido ldquoDiz-se que a posse precaacuteria nunca gera usucapiatildeo Na verdade eacute ela imprestaacutevel para usucapiatildeo natildeo porque eacute injusta mas porque o precarista natildeo tem animus domini uma vez que reconhece a supremacia e o melhor direito do terceiro sobre a coisa Caso poreacutem natildeo reconheccedila ou deixe de reconhecer essa posiccedilatildeo e revele isso de modo inequiacutevoco e claro ao titular do domiacutenio para que este possa reagir e retomar a coisa nasce nesse momento o prazo para usucapiatildeo porque o requisito animus domini estaraacute entatildeo presente LOUREIRO Francisco Eduardo ldquoDireito das coisas (arts 1196-1510)rdquo In PELUSO Cezar (Coord) Coacutedigo civil interpretado Satildeo Paulo Manole 2008 p1092-1093

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argumento de que o descumprimento do dever de restituiccedilatildeo do bem soacute deixa de existir

quando a coisa eacute devolvida Enquanto o bem permanece com o esbulhador a posse

permanece injusta e nenhuma das taacuteticas anteriormente analisadas seria suficiente

para modificar tal condiccedilatildeo

Trata-se de uma interpretaccedilatildeo no miacutenimo insoacutelita pois acaba tornando o viacutecio da

precariedade mais grave que os outros se o esbulhador usa a violecircncia fiacutesica contra a

pessoa do esbulhado ele pode ver tal viacutecio sanado das formas mais diversas se a

aquisiccedilatildeo se daacute pela recusa da restituiccedilatildeo isso natildeo seria de forma alguma possiacutevel pela

ldquoquebra da confianccedilardquo Mas por que a ldquoquebra da confianccedilardquo eacute mais grave que o uso da

forccedila fiacutesica Aleacutem de natildeo parecer razoaacutevel trata-se de uma interpretaccedilatildeo que atribui

uma vantagem injustificaacutevel em favor do proprietaacuterio Independentemente do que ele

tiver feito ou deixado de fazer para retomar o bem o fato da posse ser injusta

bloquearia a usucapiatildeo para sempre

Como indicado a discussatildeo acerca das circunstacircncias nas quais algueacutem pode se tornar

proprietaacuterio pela usucapiatildeo eacute tambeacutem uma discussatildeo acerca das condiccedilotildees nas quais

algueacutem pode legitimamente exercer o seu direito de propriedade Eacute possiacutevel

reconhecer poreacutem que a doutrina brasileira tem dado uma ecircnfase talvez desmesurada

na atuaccedilatildeo do possuidor deixando de investigar a dimensatildeo real do papel do

proprietaacuterio nesse jogo Soacute haveraacute usucapiatildeo se o proprietaacuterio de algum modo se

mantiver inerte na recuperaccedilatildeo do bem E se o proprietaacuterio deixou de tomar as

providencias necessaacuterias agrave tutela do seu direito durante um periacuteodo que pode variar de

2 a 15 anos eacute porque ele tambeacutem contribuiu para a consolidaccedilatildeo da posse do

usucapiente Como seria o cenaacuterio se a ecircnfase no processo recaiacutesse sobre o

proprietaacuterio Se independentemente da preocupaccedilatildeo com a caracterizaccedilatildeo de

eventuais viacutecios da posse incidisse principalmente sobre o titular a responsabilidade de

agir para que a usucapiatildeo natildeo se consumasse

Um caso interessante nesse sentido ndash e pouco estudado no Brasil ndash eacute o chamado

ldquoJAPye (Oxford) Ltd v Grahamrdquo ou apenas ldquoCase Pyerdquo como ficou conhecido De

forma muito resumida a empresa do ramo imobiliaacuterio JA Pye (Oxford) Ltd adquiriu

um terreno em Berkshire oeste de Londres com o objetivo de desenvolver um

empreendimento imobiliaacuterio e obteve o respectivo registro como proprietaacuteria da aacuterea

Apoacutes realizar a venda de uma parte do terreno a empresa inglesa celebrou um contrato

de 1 ano com a famiacutelia Graham por meio do qual seus integrantes ficavam autorizados a

utilizar os 25 hectares restantes da aacuterea como pasto Apoacutes o teacutermino do contrato os

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Graham procuraram a empresa com objetivo de obter uma renovaccedilatildeo mas a J A Pye

Ltd se recusou a fazecirc-lo Apesar disso Caroline e Michael Graham continuaram a

ocupar o terreno e a utilizaacute-lo como pasto por mais 12 anos com o conhecimento da

empresa mas sem o seu consentimento ainda que a J A Pye Ltd tenha se mantido

inerte quanto agraves providecircncias necessaacuterias para impedir a permanecircncia natildeo autorizada

dos Graham no local Apoacutes os 12 anos de exerciacutecio natildeo autorizado da posse os Graham

solicitaram o reconhecimento dos seus direitos sobre a referida aacuterea o que foi

concedido pelo registro com base na ldquoadverse possessionrdquo ou seja na usucapiatildeo

A decisatildeo gerou um sem nuacutemero de polecircmicas e modificaccedilotildees de rumo chegando ateacute

ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos onde no julgamento da Queixa

nordm4430202 foi dado ganho de causa ao Reino Unido e por consequecircncia agrave famiacutelia

Graham Em um primeiro momento a ldquoCourt of Appealrdquo deu decisatildeo favoraacutevel agrave

empresa ldquoPyerdquo com base entre outros motivos no fato de que a famiacutelia Graham natildeo

tinha ldquothe necessary intention to possessrdquo ou seja o acircnimo de dono Considerando-se

que no direito inglecircs vigora o chamado ldquoprocedural approachrdquo no que tange agrave usucapiatildeo

ndash a ecircnfase no aspecto processual da disputa ndash a referecircncia ao animus possidendi foi

considerada uma inovaccedilatildeo surpreendente60 De fato uma vez que os agricultores

permaneceram apenas fazendo aquilo que jaacute faziam quando do contrato em vigor os

julgadores da ldquoCourt of Appealrdquo entenderam que natildeo havia a intenccedilatildeo de passar a ser o

dono do lugar contrapondo-se frontalmente ao direito da empresa61 A decisatildeo foi

objeto de recurso agrave ldquoHouse of Lordsrdquo que deu ganho de causa agrave Caroline Graham62

Ainda inconformada a empresa ldquoPyerdquo entrou com novo recurso e como indicado o

caso chegou ateacute ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos sob a alegaccedilatildeo de que o

Reino Unido havia violado o direito de propriedade da J A Pye Ltd descumprindo a

garantia prevista no artigo 1ordm do Protocolo Adicional nordm 1 da Convenccedilatildeo Europeia dos

Direitos do Homem63 A decisatildeo final foi favoraacutevel ao Reino Unido e

60 RADLEY-GARNER Oliver ldquoCivilized Squattingrdquo Oxford Journal of Legal Studies (winter 2005) 25 (04) p728 61 A discussatildeo pode ser conhecida em httpwwwpublicationsparliamentukpald200102ldjudgmtjd020704graham-3htm Acesso em 13122014 62 O voto de maior peso no julgamento foi o de Lord Browne-Wilkinson por ter considerado que ao contraacuterio do que se exigia ateacute entatildeo a partir do momento em que os Graham continuaram a pastorear a terra sem a autorizaccedilatildeo da ldquoJAPyerdquo eles passaram a ter posse em nome proacuteprio o que independentemente de um conflito aberto seria suficiente para viabilizar a adverse possession O voto na iacutentegra pode ser lido em ldquoHouse of Lords Judgments ndash J A Pye (Oxford) Ltd and Others v Graham and Another on 4 July 2002rdquo httpwwwpublicationsparliamentukpald200102ldjudgmtjd020704graham-1htm Acesso em 13122014 63 ldquoQualquer pessoa singular ou colectiva tem direito ao respeito dos seus bens Ningueacutem pode ser privado do que eacute sua propriedade a natildeo ser por utilidade puacuteblica e nas condiccedilotildees previstas pela lei e pelos princiacutepios gerais do direito internacional

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consequentemente agrave famiacutelia Graham sob diversos argumentos Destacam-se para fins

do presente estudo a ideia de que a usucapiatildeo deve ser encarada como um mecanismo

de controle ou regulamentaccedilatildeo do uso dos bens eis que eacute de interesse geral saber quem

efetivamente eacute responsaacutevel pelo imoacutevel bem como pelos tributos decorrentes de tal

condiccedilatildeo o que remete agrave seguranccedila juriacutedica 64

Entre diversas questotildees importantes o episoacutedio mostra como em grande medida a

dogmaacutetica juriacutedica brasileira tem abordado o tema da usucapiatildeo de maneira a ampliar

os poderes do proprietaacuterio Uma atenccedilatildeo desmesurada tem sido dada agrave posse do

usucapiente sempre cheia de requisitos a cumprir escamoteando-se as

responsabilidades do titular do direito a ser usucapido

Desde logo salta aos olhos o fato de que na hipoacutetese do ldquoCase Pyerdquo o poder da famiacutelia

Graham sobre o terreno poderia no Brasil ser qualificado como uma situaccedilatildeo de mera

toleracircncia hipoacutetese na qual natildeo haveria verdadeiramente posse conforme indicaccedilatildeo do

artigo 1208 do Coacutedigo Civil brasileiro Mas eacute preciso reconhecer que apesar da empresa

ldquoPyerdquo ter ldquotoleradordquo a presenccedila dos Graham o fato eacute que a ineacutercia de ldquoPyerdquo se deu em

momento posterior agrave negativa de renovaccedilatildeo do contrato o que demonstra o interesse

em natildeo perpetuar a presenccedila da famiacutelia Graham no local A recusa agrave renovaccedilatildeo e a

ineacutercia fariam entatildeo com que a hipoacutetese passasse a ser encarada como uma ldquoposse

precaacuteriardquo justamente o viacutecio que a doutrina brasileira insiste em considerar insanaacutevel

e portanto incapaz de gerar a usucapiatildeo

Mas o episoacutedio mostra que quando algueacutem exerce posse sobre o bem de outrem

diversos pontos de vista podem ser utilizados para analisar a questatildeo o proprietaacuterio

permitiu tal exerciacutecio Ele tomou as providecircncias necessaacuterias para recuperar o bem O

possuidor adverso sabia que o bem era de outra pessoa e se negou a devolvecirc-lo

As condiccedilotildees precedentes entendem - se sem prejuiacutezo do direito que os Estados possuem de pocircr em vigor as leis que julguem necessaacuterias para a regulamentaccedilatildeo do uso dos bens de acordo com o interesse geral ou para assegurar o pagamento de impostos ou outras contribuiccedilotildees ou de multasrdquo No original ldquoThe preceding provisions shall not however in any way impair the right of a State to enforce such laws as it deems necessary to control the use of property in accordance with the general interest or to secure the payment of taxes or other contributions or penaltiesrdquo European Court of Human Rights ldquoCase JA Pye (Oxford) Ltd and JA Pye (Oxford) Land Ltd v The United Kingdom Alleged Violation of Article 1 of Protocol nordm 1 Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-82172itemid[001-82172] Acesso em 03032014 64 ABREU Abiacutelio Vassalo Titularidade Registral do Direito de Propriedade Imobiliaacuteria versus usucapiatildeo (adverse possession) Coimbra Coimbra Editora 2011 p83

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Nesses termos o modelo processual inglecircs indica que a reflexatildeo acerca da usucapiatildeo

tambeacutem deve englobar uma meditaccedilatildeo sobre a atuaccedilatildeo do proprietaacuterio na recuperaccedilatildeo

do seu direito pois nada acontece se ele agir de maneira ceacutelere Mesmo apoacutes a negativa

de permanecircncia da famiacutelia Graham a empresa Pye permaneceu 12 anos sem tomar as

providecircncias necessaacuterias para a desocupaccedilatildeo do local Eacute um espaccedilo consideraacutevel de

tempo Seria razoaacutevel entender que por ser ldquoinsanaacutevelrdquo o viacutecio da precariedade nunca

admitiria a consumaccedilatildeo da usucapiatildeo em favor dos Graham

Aleacutem de problemaacutetica essa interpretaccedilatildeo ressuscita o problema da ldquoposse eternamente

injustardquo o esbulhador nunca poderia usucapir mesmo se o esbulhado natildeo procurar

retomar a sua posse Ao que tudo indica a impossibilidade de saneamento do viacutecio da

precariedade reflete a um imperativo moral a quebra da confianccedila depositada deve ser

punida com a perenidade do caraacuteter injusto E aqui se abre a oportunidade de discutir

afinal qual eacute a funccedilatildeo da anaacutelise da injusticcedila como meio de barreira para a usucapiatildeo

Quando se faz referecircncia agraves diversas teacutecnicas de saneamento dos viacutecios eacute preciso

reconhecer que elas natildeo podem ser lidas como um modo de suplantar o fato de que a

posse do usucapiente natildeo foi autorizada e eacute exercida de forma contraacuteria aos interesses

do titular porque essa eacute uma condiccedilatildeo necessaacuteria para que a usucapiatildeo ocorra Ainda

que natildeo haja uma ldquobatalha campalrdquo em busca da posse ldquoCrucially the adverse

possessorrsquos use must be without permission (ldquoadverserdquo)rdquo65 A aquisiccedilatildeo sem autorizaccedilatildeo

e o exerciacutecio contraacuterio aos interesses do titular satildeo pressupostos para a usucapiatildeo

Em tais condiccedilotildees as estrateacutegias que visam a ldquoeliminaccedilatildeo da injusticcedilardquo pelo expurgo

dos viacutecios de origem soacute podem ser compreendidas como vias pelas quais se pretende

superar o chamado ldquoparadoxo moralrdquo66 aparentemente existente em torno da proacutepria

ideia de usucapiatildeo qual a justificativa para que algueacutem perca o seu direito de

propriedade em funccedilatildeo da atuaccedilatildeo natildeo autorizada de outra pessoa

Mas a falta de precisatildeo doutrinaacuteria na referecircncia agrave justiccedila ou injusticcedila da posse faz com

que a exigecircncia de que a posse ad usucapionem seja uma posse ldquojustardquo gere a falsa

ideia de que a atuaccedilatildeo do usucapiente estaacute em conformidade com o direito E as

estrateacutegias de saneamento reforccedilam essa confusatildeo ao se voltarem para o modo como a

posse foi adquirida Elas servem como uma justificativa para tentar amainar a ilicitude

65 MERRIL Thomas W SMITH Henry E Property Oxford Oxford University Press 2010 p36 66 KATZ Larissa ldquoThe moral paradox of adverse possession sovereignty and revolution in property lawrdquo McGill Law Journal Vol55 2010 pp47-80 cit p 59

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do apossamento mas isso eacute virtualmente impossiacutevel sem jogar o instituto em um non

sense pois a contrariedade da posse ad usucapionem eacute intriacutenseca a usucapiatildeo

Quando se diz que a posse do usucapiente eacute sempre injusta isso significa que ela natildeo

estaacute autorizada de forma alguma e se coloca sim em posiccedilatildeo de conflito (ainda que

velado) com os interesses do proprietaacuterio ou seja algueacutem vai adquirir a propriedade de

algo que jaacute tem dono e obviamente sem a colaboraccedilatildeo deste

Por isso as estrateacutegias de saneamento estatildeo por assim dizer ldquono lugar erradordquo pois

acabam mascarando a dinacircmica real do processo por meio do qual algueacutem caminha

para usucapir o bem de outrem Isto acaba ampliando as sombras existentes entre as

linhas que demarcam uma posse ldquomoralmente legitimadardquo a viabilizar a usucapiatildeo e a

adversidade sem a qual a aquisiccedilatildeo natildeo tem como se efetivar

Nessa direccedilatildeo a caracterizaccedilatildeo da posse ad usucapionem natildeo depende do saneamento

dos viacutecios objetivos pois o meio objetivo pelo qual se deu o apossamento eacute afinal

irrelevante Basta o chamado ldquoteste de uso incompatiacutevelrdquo (inconsistent use test) ou

seja da verificaccedilatildeo de que a posse natildeo autorizada se daacute em desconformidade com a

agenda estabelecida pelo proprietaacuterio do bem a ser usucapido67 Natildeo importa o modo

pelo qual tal contrariedade ganhou forma o fato eacute que ela existe e uma vez constatada

gera para o proprietaacuterio a oportunidade de se opor dentro de um determinado periacuteodo

de tempo sem o que perderaacute a titularidade do bem

Eacute importante ainda deixar expliacutecito o fato de que toda discussatildeo em torno dos

pressupostos para a aquisiccedilatildeo pela usucapiatildeo reflete uma dada concepccedilatildeo acerca da

propriedade Debater em que circunstacircncia algueacutem pode se tornar o proprietaacuterio do

bem que eacute de outro resvala em uma avaliaccedilatildeo acerca da amplitude de formas de

atuaccedilatildeo que o proprietaacuterio estaacute legitimado a desempenhar

Do mesmo modo a possiacutevel imoralidade existente na atribuiccedilatildeo do direito de

propriedade em favor de algueacutem que viola o direito de outrem eacute decorrente de uma

visatildeo que considera moralmente aceitaacutevel que o bem objeto desse direito possa

permanecer sem um uso efetivo durante um nuacutemero maior ou menor de anos jaacute que

natildeo haacute usucapiatildeo sem a ineacutercia do titular do direito a ser usucapido

67 KATZ Larissa ldquoThe moral paradoxrdquo cit p50

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Nesse sentido ultrapassar a discussatildeo acerca das estrateacutegias de saneamento dos viacutecios

da aquisiccedilatildeo rumo a um debate aprofundado sobre as razotildees que contribuem para a

superaccedilatildeo do paradoxo moral permitiria por exemplo a consideraccedilatildeo de que mesmo

um possuidor de maacute-feacute pode dar um uso economicamente mais eficiente do que aquele

dado pelo possuidor originaacuterio68 ou que em um contexto de deacuteficit de moradias a

ideia de que ldquoo natildeo uso eacute uma forma de usordquo69 seria juriacutedica e moralmente indefensaacutevel

pois corresponderia a absolutizaccedilatildeo da propriedade

O debate moral em torno da usucapiatildeo eacute rico de possibilidades que auxiliam na

compreensatildeo adequada do instituto e tambeacutem por isso natildeo pode ser represado Quando

se vecirc tanto esforccedilo doutrinaacuterio para expurgar os viacutecios objetivos de origem o uacutenico

sentido possiacutevel para tanto eacute pressuposto de que haacute uma avaliaccedilatildeo moralmente

negativa em torno da ideia de que uma posse ldquoinjustardquo seja apta a transformar um

ldquoladratildeordquo em proprietaacuterio Mas aqui o foco estaacute todo voltado para como a posse foi

adquirida o que reduz enormemente a investigaccedilatildeo Natildeo se trata da defesa da

legitimaccedilatildeo do uso da forccedila como se fosse possiacutevel concordar com a grilagem de terras

mas justo o oposto da possibilidade de reconhecimento de que mesmo o uso da forccedila

pode ser justificado quando a efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais como os relativos agrave

moradia e ao trabalho se contrapotildeem ao natildeo uso e a especulaccedilatildeo A existecircncia do

instituto da usucapiatildeo revela em si mesma que ordenamento fez uma escolha na qual o

uso efetivo do bem estaacute em uma posiccedilatildeo hierarquicamente superior ao natildeo uso Diante

da diferenciaccedilatildeo entre justiccedila e injusticcedila formal ndash relativa agrave aquisiccedilatildeo ndash e justiccedila ou

injusticcedila material (os valores materializados em cada efetivo apossamento) abre-se a

oportunidade de discutir as bases morais econocircmicas e filosoacuteficas por meio das quais eacute

ainda hoje possiacutevel fundamentar a manutenccedilatildeo ou perda dos direitos de propriedade

titularizados por algueacutem

De todo modo para os objetivos do presente estudo a hipoacutetese testada parece poder

ser adequadamente confirmada independentemente do modelo de usucapiatildeo a ser

adotado independentemente do fundamento mais adequado para usucapiatildeo em

68 FENNEL Lee Anne ldquoEfficient trespass the case for lsquobad faithrsquo adverse possessionrdquo Northwestern University Law Review Vol100 p1035-10962006 p53 Considerando-se que apenas um imoacutevel sem um uso efetivo pode ser objeto de apossamento alheio estendido por vaacuterios anos sem uma reaccedilatildeo apropriada a manutenccedilatildeo da sua titularidade pode ser lida como uma falha de mercado que daacute corpo agrave especulaccedilatildeo a venda do imoacutevel natildeo ocorre porque o titular natildeo encontra condiccedilotildees que lhe garantam a remuneraccedilatildeo pretendida naquele momento Da mesma forma levando-se em consideraccedilatildeo que no caso brasileiro a funccedilatildeo social remete agrave obrigatoriedade do uso e que isto por sua vez desaacutegua no exerciacutecio da posse toda posse ad usucapionem poderia ser lida como a vitoacuteria do uso produtivo sobre o natildeo uso especulativo Nesse sentido a posse de maacute-feacute corresponderia agrave deliberada intenccedilatildeo de concretizar um uso socialmente uacutetil a um bem que estaacute sendo administrado de forma ineficiente 69 NASCIMENTO Tupinambaacute Miguel Castro do Posse e propriedade Porto Alegre Livraria do Advogado 1986 p10

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nenhum lugar eacute possiacutevel colocar em questatildeo o fato de que a posse exercida pelo

esbulhador eacute adversa A posse exercida por algueacutem natildeo autorizado que deseja ou

acredita que jaacute tem o direito de outrem eacute nesse sentido sempre e necessariamente uma

posse injusta

Conclusatildeo

As tentativas de saneamentos dos viacutecios satildeo incongruentes e ineficientes porque a

superaccedilatildeo do paradoxo moral existente na usucapiatildeo depende de uma reflexatildeo acerca

daquilo que a sociedade considera como moralmente justificado em torno do exerciacutecio

do direito de propriedade E desde aiacute eacute possiacutevel perceber diversos aspectos que

demonstram que o exerciacutecio da posse seja qual for a sua qualificaccedilatildeo eacute mais forte do

que o natildeo uso a existecircncia mesma do instituto da usucapiatildeo o encurtamento

generalizado dos prazos para usucapir ocorrido no acircmbito do Coacutedigo Civil em vigor

mesmo na hipoacutetese extraordinaacuteria a ampliaccedilatildeo das modalidades de usucapiatildeo como

forma de premiar o exerciacutecio dirigido agrave busca da efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais

sociais como moradia e trabalho Nesse caminho o paradoxo moral se dissolve e o

saneamento dos viacutecios passa a ser irrelevante eacute mais importante saber o que se faz da

posse do que o modo pelo qual ela foi obtida

Em tais condiccedilotildees considerar que a posse ldquoboa para usucapirrdquo seja sempre injusta ndash no

sentido de que representa uma dissonacircncia necessaacuteria com a agenda estabelecida pelo

proprietaacuterio do bem a ser usucapido ndash natildeo significa o abandono da dimensatildeo moral

existente na qualificaccedilatildeo da posse do usucapiente Esta dimensatildeo apenas se desloca em

direccedilatildeo a uma investigaccedilatildeo criteriosa acerca do conteuacutedo da posse materializada frente

agrave anaacutelise da conduta do proprietaacuterio ante ao apossamento natildeo autorizado

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Aprovado em 13052016 (1ordm parecer) 31052016 (2ordm parecer)

Como citar DANTAS Marcus Eduardo de Carvalho Toda posse ad usucapionem eacute uma posse injusta Civilisticacom Rio de Janeiro a 5 n 1 2016 Disponiacutevel em lthttpcivilisticacomtoda-posse-ad-usucapionem-e-uma-posse-injustagt Data de acesso

Page 12: Toda posse ad usucapionem é uma posse injusta

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Seria esse o caso da posse obtida por meio de um negoacutecio juriacutedico nulo ou anulaacutevel

bem como no da aquisiccedilatildeo a non domino hipoacuteteses nas quais poder-se-ia dizer que natildeo

haacute propriamente ldquoviacuteciordquo mas tampouco uma posse escorreita Por isto alguns

doutrinadores fazem referecircncia a uma posse justa mas ldquoilegiacutetimardquo23 o que permitiria a

aquisiccedilatildeo pela usucapiatildeo ordinaacuteria que tem prazos menores quando comparada a

extraordinaacuteria

Mas aqui parece vigorar um eufemismo pois uma posse ldquojusta poreacutem ilegiacutetimardquo natildeo

altera o fato de que o direito do proprietaacuterio do bem a ser usucapido estaacute sendo

afrontado eis que o objetivo final eacute passar a ser o titular do direito que ele hoje tem Se

a posse eacute ldquoilegiacutetimardquo isso significa que o modo pelo qual ela foi obtida eacute de alguma

forma irregular E se a posse pode ser ldquojusta poreacutem ilegiacutetimardquo isto significa que o fato

dela ser irregular ndash contraacuteria ao direito portanto ndash natildeo eacute um elemento impeditivo da

usucapiatildeo E se a posse pode ser justa permanecer irregular e mesmo assim continuar

ldquoboa para usucapirrdquo para que serve falar de saneamento afinal

4 Questionando a ocorrecircncia dos viacutecios

A usucapiatildeo expressa o caso em que algueacutem perde a titularidade de um bem pelo fato

de que outra pessoa natildeo autorizada permaneceu exercendo posse sobre a coisa durante

um nuacutemero determinado de anos Em tais condiccedilotildees eacute difiacutecil ateacute visualizar como seria

possiacutevel uma ldquoposse justa ad usucapionemrdquo na aquisiccedilatildeo originaacuteria E essa dificuldade

eacute tatildeo grande que autores como Pinto Ferreira24 conceituaram a posse ad usucapionem

como sendo aquela ldquode quem se assenhoreia de uma res nullius defendendo-a mansa e

pacificamente durante o tempo previsto em leirdquo O raciociacutenio eacute desenvolvido tambeacutem

por Pedro Nunes

Do fato da posse nasce o direito agrave prescriccedilatildeo aquisitiva () Para

adquirir por este modo o pretendente toma sempre uma posse

perdida ou abandonada A perda ocorre quando o dono da coisa

manifesta expressa ou tacitamente a intenccedilatildeo de natildeo mais tecirc-la

como sua ou a natildeo ocupa ou a deixa por incuacuteria ou negligecircncia

inteiramente ao abandono por longo espaccedilo de tempo Reputa-se

voluntaacuteria a perda quando o possuidor ou o ausente tendo ciecircncia do

apoderamento por terceiro de sua propriedade conforma-se com a

situaccedilatildeo natildeo procurando reconquistaacute-la25

23 Eacute o caso em BITTAR Carlos Alberto Direitos reais 2ordfed Rio de Janeiro Forense 2011 p41 COELHO Faacutebio Ulhocirca Curso de direito civil Vol4 ndash direito das coisas e direito autoral 3ordfed Satildeo Paulo Saraiva 2010 p38 NASCIMENTO Tupinambaacute Miguel Castro do Posse e propriedade Porto Alegre Livraria do Advogado 1986 p102 24 FERREIRA Luiz Pinto Posse accedilatildeo possessoacuteria e usucapiatildeo 2ordfed Satildeo Paulo Saraiva 1983 p29 25 NUNES Pedro Do usucapiatildeo 4ordfed Rio de Janeiro Freitas Bastos 1984 p27

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Haacute que se concordar para que algueacutem tenha posse de um bem de maneira natildeo

autorizada sem violar o direito de outrem ndash ou seja de forma justa ndash e

simultaneamente exercecirc-la no intuito de se tornar o titular do direito de propriedade

sobre tal coisa eacute preciso que ela natildeo tenha dono

A outra forma em tese seria questionando a proacutepria ocorrecircncia do viacutecio Os

especialistas discutem largamente por exemplo os termos nos quais uma accedilatildeo pode

ser considerada violenta26 o seu emprego para remoccedilatildeo de cercas muros ou tapumes eacute

suficiente para caracterizaccedilatildeo do viacutecio ou apenas o embate fiacutesico com uma pessoa que

resista ao esbulho

Como indicado parte da doutrina27 tem se esforccedilado para encontrar meios de tornar

justa a posse natildeo autorizada com o objetivo de ampliar as chances de usucapir Para

este caso o problema eacute que a ningueacutem parece dada a possibilidade de seriamente

alegar que desconhece que o apossamento natildeo autorizado atraveacutes do qual efetiva sua

posse sobre um bem imoacutevel contraria direito de outrem E tal afirmaccedilatildeo natildeo tem

objetivo de pocircr em questatildeo o fato de que tal apossamento possa ser a uacuteltima via para

obtenccedilatildeo de direitos fundamentais como a moradia e o trabalho

Os conflitos fundiaacuterios urbanos e rurais ocorrem em decorrecircncia da necessidade de

melhor distribuiccedilatildeo do acesso aos direitos de propriedade em grande medida pautados

pelo questionamento acerca do cumprimento e das consequecircncias da natildeo observacircncia

da funccedilatildeo social exigida em cada hipoacutetese Mas mesmo nesses casos o que haacute eacute um

questionamento da manutenccedilatildeo do direito de propriedade em favor daquele que deixa

de efetivamente exercecirc-lo ou o que o faz de modo indevido Natildeo se trata do

desconhecimento acerca do fato de que o apossamento realizado em tais circunstacircncias

confronta o alegado direito de outrem

26 Eacute tradicional o entendimento de que a caracterizaccedilatildeo da violecircncia vai aleacutem do uso da forccedila contra a proacutepria pessoa do possuidor Por todos Caio Maacuterio da Silva Pereira alerta que ldquoPosse violenta (adquirida vi) a que se adquire por ato de forccedila seja ela natural ou fiacutesica seja moral ou resultante de ameaccedilas que incutam na viacutetima seacuterio receio A violecircncia estigmatiza a posse independentemente de exercer-se sobre a pessoa do espoliado ou de preposto seu como ainda do fato de emanar do proacuteprio espoliador ou de terceirordquo (SILVA PEREIRA Caio Maacuterio da Instituiccedilotildees de direito civil VolIV ndash Direitos reais 22ordfed atualizada por Carlos Edison do Rego Monteiro Filho Rio de Janeiro Forense 2009 p21 Atualmente surge a discussatildeo sobre se o emprego da forccedila para remoccedilatildeo de obstaacuteculos como cercas ou tapumes em um imoacutevel abandonado caracterizaria ainda assim a violecircncia da posse Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald consideram que ldquo() natildeo eacute considerada violenta a posse caso o uso da forccedila se justifique para a remoccedilatildeo de obstaacuteculos fiacutesicos para o ingresso em bens abandonados (vg destruiccedilatildeo de cadeados ou supressatildeo de cercas) Pensamos que soacute haacute violecircncia quando o apossamento resulta de uma conduta contraacuteria agrave vontade do possuidor pelo fato de a coisa ser arrebatada de algueacutem que a isso se oponhardquo FARIAS Cristiano Chaves de ROSENVALD Nelson Curso de direito civil cit p106 27 Como visto nos pontos 2 e 3 do presente texto

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Mas haacute uma diferenccedila como indicado no significado da palavra ldquoinjustardquo quando em

referecircncia ao modo como a posse foi obtida e quando em referecircncia ao conteuacutedo da

soluccedilatildeo dada pelo legislador Uma posse pode ser ldquoinjustardquo em um aspecto formal

decorrente do fato de que foi obtida de forma natildeo autorizada mas ldquojustardquo porque de

um lado natildeo vem sendo utilizada pelo proprietaacuterio e de outro representa a

materializaccedilatildeo de direitos fundamentais sociais negligenciados pelo Estado O fato eacute

que justiccedila material da ocupaccedilatildeo de terrenos abandonados por pessoas que natildeo tem

acesso aos direitos de moradia frente agrave proprietaacuterios negligentes natildeo eacute incompatiacutevel

com o reconhecimento de que o apossamento natildeo foi autorizado e neste sentido

formal gera uma posse injusta

Eacute o que ocorre na dramaacutetica situaccedilatildeo dos conflitos fundiaacuterios urbanos em torno da

moradia Em um importante estudo de campo acerca dos conflitos em torno da terra no

Recife de 1978 Joaquim Falcatildeo detectou em sua pesquisa que ldquoOs invasores querem

ser proprietaacuterios Justificam a invasatildeo de propriedade alheia porque sobre o direito de

usar e dispor segundo a livre vontade do proprietaacuterio deve prevalecer o direito de

moradia de todosrdquo28

Bem se vecirc daiacute que o questionamento da legitimidade da propriedade natildeo utilizada

pressupotildee logicamente o conhecimento da sua existecircncia enquanto tal Natildeo se pode

questionar aquilo que se ignora E se natildeo se ignora natildeo eacute possiacutevel afirmar a boa-feacute Por

isto eacute que a alegaccedilatildeo de que ldquonem sempre o apossamento natildeo autorizado vai gerar uma

posse injustardquo natildeo tem funccedilatildeo nenhuma na definiccedilatildeo das chances de usucapir29 Natildeo eacute

28 FALCAtildeO Joaquim ldquoJusticcedila social e justiccedila legal conflitos de propriedade no Reciferdquo In FALCAtildeO Joaquim (org) Invasotildees urbanas ndash conflitos de direito de propriedade 2ordfed Rio de Janeiro FGV Editora 2008 p112-113 29 Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald questionam a injusticcedila do apossamento de um imoacutevel abandonado com um objetivo claro impedir que a tomada natildeo autorizada seja qualificada como esbulho Essa desqualificaccedilatildeo tem uma funccedilatildeo especiacutefica a de interditar a via da reintegraccedilatildeo por parte do proprietaacuterio que natildeo cumpriria o requisito ldquoprova do esbulhordquo tal qual exigido pelo artigo 561do CPC15 Nesse sentido a reflexatildeo dos autores atua mais na dinacircmica processual do conflito do que no acircmbito material dos requisitos para a usucapiatildeo Mas o entendimento de que defendem a necessidade de uma posse justa para usucapir decorre do trecho no qual os autores esclarecem que ldquo() a posse derivada dos atos de violecircncia ou clandestinidade poderaacute gerar usucapiatildeo extraordinaacuteria (art1238 CC) posto natildeo se exigir como requisitos formais ao alcance da propriedade em tal modalidade originaacuteria o justo tiacutetulo e a boa-feacuterdquo (FARIAS Cristiano Chaves de ROSENVALD Nelson Curso de direito civil Vol5 reais 11ordfed Satildeo Paulo Atlas 2015 p110) Como demonstrado a posse de boa-feacute soacute pode ser justa na hipoacutetese em que o bem eacute uma res nullius No que caso em que a ocupaccedilatildeo natildeo se qualifica como esbulho a usucapiatildeo ordinaacuteria eacute impossiacutevel pela ausecircncia de boa-feacute No caso da aquisiccedilatildeo da posse a non domino seria perfeitamente possiacutevel e coerente reconhecer uma posse injusta (se tambeacutem era a do antecessor) e de boa-feacute se o sucessor natildeo tiver conhecimento do viacutecio de origem Nesse sentido a posse injusta natildeo impediria a usucapiatildeo em nenhuma modalidade e se manteria a coerecircncia interna ante a ideia de que toda posse ad usucapionem eacute necessariamente natildeo autorizada e contraacuteria aos interesses do titular do direito a ser usucapido Por tudo isso eacute possiacutevel reconhecer que tambeacutem os citados autores entendem equivocadamente que a justiccedila da posse amplia as modalidades da usucapiatildeo disponiacuteveis

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de boa-feacute a posse daqueles que ocupam imoacutevel alheio sem autorizaccedilatildeo do proprietaacuterio30

pois por mais que o apossamento seja moralmente justificaacutevel os possuidores natildeo

ignoram o fato de que o bem eacute de outra pessoa E se isto eacute assim a modalidade

disponiacutevel de usucapiatildeo no caso seria a extraordinaacuteria Natildeo pelo caraacuteter injusto da

posse e sim pelo fato dela ser exercida sem justo tiacutetulo e boa-feacute

Nessa linha a tese aqui defendida mostra a sua coerecircncia eacute possiacutevel questionar se o

apossamento configura efetivamente um esbulho31 mas natildeo o fato de que numa ou

noutra hipoacutetese natildeo se ignora que o direito de outrem estaacute sendo afrontado com a

efetivaccedilatildeo da posse natildeo autorizada

30 Este eacute justamente um dos pontos apontados pela doutrina para o fracasso da efetividade da hipoacutetese de aquisiccedilatildeo prevista no artigo 1228 sectsect 4ordm e 5ordm do Coacutedigo Civil Algueacutem pode dizer seriamente que a posse dessas pessoas por mais legiacutetima que possa ser eacute de boa-feacute no sentido de que se ignora que o ato entra em rota de colisatildeo com o direito de outrem Em um dos raros casos nos quais a hipoacutetese foi aplicada sob o nome de ldquodesapropriaccedilatildeo privadardquo os magistrados entenderam que a boa-feacute ldquo() entendida como posse justa natildeo violenta natildeo clandestina ou precaacuteriardquo estava presente no caso concreto em anaacutelise tendo em vista que ldquoAs guias de IPTU juntada (sic) aos autos ldquo() atestam a boa-feacute do recorrido jaacute que o proacuteprio Municiacutepio o reconhecia como proprietaacuterio da aacutereardquo Tribunal de Justiccedila de Minhas Gerais Apelaccedilatildeo Ciacutevel nordm 1028408009185-3005 Rel Des Rogeacuterio Coutinho J 11032015 publicado em 20032015 Disponiacutevel em httpwww5tjmgjusbrjurisprudenciapesquisaPalavrasEspelhoAcordaodoampnumeroRegistro=9amptotalLinhas=48amppaginaNumero=9amplinhasPorPagina=1amppalavras=2522desapropriaE7E3o20judicial2522amppesquisarPor=acordaoamppesquisaTesauro=trueamporderByData=1ampreferenciaLegislativa=Clique20na20lupa20para20pesquisar20as20referEAncias20cadastradasamppesquisaPalavras=Pesquisaramp Acesso em 10012016 31 A reflexatildeo sobre o conceito de ldquoesbulhordquo jaacute vem sendo feita pela doutrina mais progressista Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald fazem esse debate no seu manual precisamente no ponto jaacute citado em que consideram que o apossamento natildeo autorizado de um imoacutevel abandonado gera uma posse justa Eacute uma outra forma de dizer que esse ato natildeo configura esbulho Nesse caminho criacutetico do conceito tradicional existem estudos importantes (como os existentes em STROZAKE Juvelino Joseacute (Org) Questotildees agraacuterias ndash julgados comentados e pareceres Satildeo Paulo Meacutetodo 2002 principalmente os artigos de Roberto Delmanto Jr pp167-182 Antonio Scarance Fernandes pp293-310 e Dyrceu Aguiar Cintra Dias Jr pp 219-230) O debate tambeacutem jaacute chegou aos tribunais No STJ a decisatildeo de referecircncia sobre o tema estaacute no HC 4399SP No voto do Min Luiz Vicente Cernicchiaro o magistrado explicita as razotildees pelas quais concede o HC em favor dos integrantes do MST ldquoNo esbulho possessoacuterio o agente dolosamente investe contra a propriedade alheia a fim de usufruir um de seus atributos (uso) ou alterar os limites do domiacutenio para enriquecimento sem causa No caso dos autos ao contraacuterio diviso pressatildeo social para concretizaccedilatildeo de um direito (pelo menos-interesse) No primeiro caso contraste de legalidade compreende aspectos material e formal No segundo substancialmente natildeo haacute iliacutecito algumrdquo Superior Tribunal de Justiccedila HC nordm4399-SP Luiz Vicente Cernicchiaro Voto Vogal p02 Rel Min William Patterson julgado em 12031996 DJ 08041996 p10491 Disponiacutevel em lthttpwwwstjjusbrSCONjurisprudenciatocjspprocesso=4399ampampb=ACORampthesaurus=JURIDICOampp=truegt Acesso em 13022014 No acircmbito da accedilatildeo de reintegraccedilatildeo de posse movida pelo Governo de Satildeo Paulo contra a ocupaccedilatildeo das escolas estaduais realizada pelos estudantes secundaristas ndash como forma de protesto contra o plano de reorganizaccedilatildeo escolar empreendido pelo Governo daquele Estado ndash o Tribunal de Justiccedila considerou que ldquoNatildeo se antevecirc em suma o animus possidendi ou o animus rem sibi habendi autorizantes do tratamento possessoacuterio da mateacuteria mas antes expressotildees de desobediecircncia civil frente agrave autecircntica violecircncia ciacutevica de que se consideram viacutetimas os manifestantesrdquo E ainda ldquo() natildeo haacute nessa narrativa e nem nos autos qualquer evidecircncia que a entidade sindical queira de modo ilegal apropriar-se dos bens puacuteblicos referidos no recurso tecircm-se que como todos reconhecemos durante a sessatildeo de julgamento a absoluta inadequaccedilatildeo da pretendida proteccedilatildeo possessoacuteria e portanto o tangenciamento da carecircncia da accedilatildeo por falta de interesse de agirrdquo Tribunal de Justiccedila ndash SP Agravo de Instrumento nordm2243232-252015826000 7ordf Cacircmara de Direito Puacuteblico Rel Min Coimbra Schmidt Julgado em 23112015 Disponiacutevel em lthttpsesajtjspjusbrcposgshowdoprocessoforo=990ampprocessocodigo=RI0032WUQ0000gt Acesso em 25112015

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Esse eacute afinal o ponto relevante para definiccedilatildeo da posse apta a gerar a usucapiatildeo pois a

hipoacutetese que ora se desenvolve eacute a de que toda posse ad usucapionem eacute sempre e

necessariamente uma posse injusta sendo capaz de viabilizar a usucapiatildeo tanto

extraordinaacuteria quanto a ordinaacuteria Eacute perfeitamente possiacutevel que o sucessor na posse

natildeo tenha conhecimento da maacutecula que existiu na sua aquisiccedilatildeo pelo antecessor

hipoacutetese na qual teria posse injusta em funccedilatildeo da transmissatildeo do viacutecio com justo tiacutetulo

e boa-feacute Como a ldquoposse injustardquo em sentido formal eacute o mesmo que ldquoposse natildeo

autorizadardquo natildeo haveria impedimento em usucapir na modalidade ordinaacuteria

5 A influecircncia do tempo no saneamento dos viacutecios da posse

As estrateacutegias de saneamento tecircm como objetivo transformar uma posse inicialmente

injusta em uma posse justa no pressuposto de que tal requisito eacute imprescindiacutevel para

que se possa usucapir Mas tais estrateacutegias satildeo tatildeo amplas e variadas que o saneamento

se torna praticamente inevitaacutevel para uma parte da doutrina a simples manutenccedilatildeo da

posse pelo curto periacuteodo de 1 ano faz com que ela perca o viacutecio de origem e se torne

apta a viabilizar a usucapiatildeo

Esta interpretaccedilatildeo eacute decorrente de uma leitura muito particular da norma processual

que reserva a tutela liminar para os casos nos quais a posse tenha sido perdida haacute

menos de ano e dia32 Trata-se da diferenccedila entre a chamada ldquoposse novardquo e a ldquoposse

velhardquo Se a posse do esbulhador estiver sendo exercida haacute mais de 1 ano o esbulhado

perde a possibilidade de uma reintegraccedilatildeo liminar pois trata-se de uma ldquoposse velhardquo

Isto natildeo impede que o esbulhado obtenha uma medida mais ceacutelere mas ele precisaria

utilizar a via da tutela antecipada prevista no artigo 273 do CPC73 e que hoje como

espeacutecie do gecircnero tutela de urgecircncia tem o seu conteuacutedo regulado pelos artigos 294-

311 do CPC1533 De uma maneira geral o esbulhado precisaria de provas mais robustas

de que seu direito foi violado Vecirc-se que o tempo de exerciacutecio da posse pelo esbulhador

tem reflexo na dinacircmica processual da retomada mas natildeo na qualificaccedilatildeo da posse em

disputa que continua sendo injusta

32 Art 924 Regem o procedimento de manutenccedilatildeo e de reintegraccedilatildeo de posse as normas da seccedilatildeo seguinte quando intentado dentro de ano e dia da turbaccedilatildeo ou do esbulho passado esse prazo seraacute ordinaacuterio natildeo perdendo contudo o caraacuteter possessoacuterio 33 No CPC15 a tutela cautelar ndash pautada no fumus boni iuris e periculum in mora ndash e a tutela antecipada ndash baseada em verossimilhanccedila do que eacute alegado fundado receio de dano ou abuso do direito de defesa ndash foram reunidas em torno da tutela provisoacuteria nos seguintes termos Art294 A tutela provisoacuteria pode fundamentar-se em urgecircncia ou evidecircncia Paraacutegrafo uacutenico A tutela provisoacuteria de urgecircncia cautelar ou antecipada pode ser concedida em caraacuteter antecedente ou incidental Os requisitos para tais medidas em muito semelhantes aos termos do CPC revogado de uma maneira geral estatildeo regulados como indicado entre os artigos 294 e 311

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Poreacutem uma parte importante da doutrina civiliacutestica brasileira interpreta as diferenccedilas

estabelecias pelo direito processual como uma outra estrateacutegia de saneamento

decorrente da simples passagem do tempo O pensamento eacute o de que se reintegraccedilatildeo

liminar natildeo eacute mais possiacutevel isso significa que a posse inicialmente injusta se

transformou em posse justa Este entendimento eacute adotado por doutrinadores como por

exemplo Maria Helena Diniz que indica expressamente ldquo() se o adquirente a tiacutetulo

clandestino ou violento provar que sua clandestinidade ou violecircncia cessaram haacute mais

de ano e dia sua posse passa a ser reconhecida convalescendo-se dos viacutecios que a

maculavamrdquo34

Tal interpretaccedilatildeo eacute criticaacutevel porque o fato do possuidor esbulhado ter que fazer uma

prova mais consistente do seu direito para que obtenha a tutela antecipada natildeo

significa que a posse do esbulhador tenha passado a ser justa Significa apenas que

tendo em vista que o momento do esbulho natildeo eacute mais tatildeo niacutetido a prova para a

retomada da posse deve ser mais substancial para que a tutela seja concedida Mas o

apossamento natildeo autorizado ocorreu

Da mesma forma quando se tem em conta que natildeo haacute nenhuma modalidade de

usucapiatildeo com menos de 1 ano todas as vezes que o possuidor tiver superado tal prazo

o viacutecio teraacute sido expurgado razatildeo pela qual natildeo haveria hipoacutetese de possuidor com

tempo suficiente para usucapir que jaacute natildeo teria passado pelo ldquomarco saneadorrdquo35

Ainda entre os especialistas brasileiros Silvio Rodrigues36 defendeu a tese de que apoacutes

ano e dia de exerciacutecio da posse pelo esbulhador o possuidor esbulhado perderia o

direito de retomaacute-la pela via possessoacuteria cabendo apenas a accedilatildeo reivindicatoacuteria com

base no tiacutetulo Tal impossibilidade seria reflexo de que a posse inicialmente injusta pela

aquisiccedilatildeo violenta teria passado a ser justa tendo em vista a passagem do prazo

34 DINIZ Maria Helena Curso de direito civil brasileiro Vol4 ndash direito das coisas 26ordfed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p78 O posicionamento eacute tambeacutem encampado entre outros por NEDER Natal Usucapiatildeo de imoacuteveis 3ordfed Rio de Janeiro Forense 1989 p19 35 Tambeacutem por isso parece curiosa a hipoacutetese de saneamento pela passagem do tempo vislumbrada por COELHO Faacutebio Ulhocirca Curso de direito civil Vol4 ndash direito das coisas cit p39 ldquoA posse soacute deixa de ser violenta se o antigo possuidor natildeo se interessa pela retomada do bem ou natildeo obtendo sucesso no exerciacutecio do desforccedilo imediato desiste da luta Desaparecendo a violecircncia nesse caso a posse se torna justa () Em suma o desinteresse do desapossado em defender a sua posse descaracteriza a origem viciada da do novo possuidorrdquo De acordo com tal raciociacutenio todas as vezes que o possuidor tiver posse ad usucapionem pelo tempo necessaacuterio para usucapir a posse injusta teraacute se transformado em posse justa E se isso eacute assim para que serve o exame dos viacutecios objetivos 36 RODRIGUES Silvio Direito civil Vol5 ndash direito das coisas 28ordfed Satildeo Paulo Saraiva 2009 p25-27

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O raciociacutenio de Silvio Rodrigues parece uma meacutelange da soluccedilatildeo positivada em alguns

sistemas estrangeiros como vg no direito espanhol e no direito portuguecircs O

problema eacute que aqui ao contraacuterio do que ocorre nos ordenamentos dos dois maiores

paiacuteses da Peniacutensula Ibeacuterica natildeo haacute nenhuma disposiccedilatildeo normativa que ampare tal

interpretaccedilatildeo Em Portugal e na Espanha o decurso do prazo de um ano tem

primeiramente uma funccedilatildeo especiacutefica a de decretar o momento da perda da posse por

parte do possuidor esbulhado37 Eacute o mesmo raciociacutenio que no Brasil sustenta a previsatildeo

do artigo 122438 onde ainda que sem uma referecircncia objetiva de tempo eacute possiacutevel

verificar que o possuidor esbulhado natildeo perde o seu direito de posse no exato momento

em que ocorre a perda no plano faacutetico A funccedilatildeo dessa ficccedilatildeo39 tanto laacute quanto caacute

tambeacutem eacute a mesma garantir que natildeo haja soluccedilatildeo de continuidade no exerciacutecio da

posse quando intervalos intermitentes ocorrem40

De se ressaltar ainda que no ordenamento portuguecircs assim como no direito espanhol

o prazo de 1 ano corresponde tambeacutem agrave ldquocaducidaderdquo das accedilotildees de reintegraccedilatildeo ou

manutenccedilatildeo de posse41 Como o possuidor esbulhado natildeo pode mais utilizar tais accedilotildees

a interdiccedilatildeo da via possessoacuteria gera consequecircncias na compreensatildeo da manutenccedilatildeo dos

viacutecios No direito espanhol natildeo sem polecircmica o prazo de 1 ano de exerciacutecio da posse

pelo esbulhador configura hipoacutetese na qual ldquoel transcurso del tiempo sirve para

subsanar este vicio posesoriordquo42

37 Coacutedigo Civil espanhol ldquoArtiacuteculo 460 El poseedor puede perder su posesioacuten () 4 Por la posesioacuten de otro aun contra la voluntad del antiguo poseedor si la nueva posesioacuten hubiese durado maacutes de un antildeordquo Coacutedigo Civil portuguecircs ldquoArtigo 1267ordm (Perda da posse) 1 O possuidor perde a posse () d) Pela posse de outrem mesmo contra a vontade do antigo possuidor se a nova posse houver durado mais de um anordquo 38 Art 1224 Soacute se considera perdida a posse para quem natildeo presenciou o esbulho quando tendo notiacutecia dele se absteacutem de retornar a coisa ou tentando recuperaacute-la eacute violentamente repelido 39 No direito espanhol a doutrina diverge acerca do momento em que tem iniacutecio a posse do esbulhador Haacute quem entenda que a posse do esbulhador soacute tem iniacutecio apoacutes o prazo de 1 ano RODRIGUEZ-CANO Rodrigo Bercovitz Manual de derecho civil ndash derechos reales Madrid Bercal 2013 p77) Outros consideram que coexistem desde o iniacutecio duas posses sobre o bem posse de fato exercida pelo esbulhador e a posse de direito que ateacute o transcurso do prazo permanece na titularidade do esbulhado LOacutePEZ y LOacutePEZ Aacutengel M FERNANDEZ Rosario Valpuesta et all Derecho civil patrimonial Vol II Valencia Tirant lo Blanch 2014 p97 40 TEPEDINO Gustavo Comentaacuterios ao coacutedigo civil cit p192 DIacuteEZ-PICAZO Luis GULLOacuteN Antonio Sistema de derecho civil VolIII Tomo I (derechos reales en general) 8ordfed Madrid Tecnos 2013 p116 41 CORDEIRO Antoacutenio Menezes A posse perspectivas dogmaacuteticas actuais cit p112 SANTOS JUSTO A dos Direitos Reais 4ordfed cit p218 LOacutePEZ PAacuteSARO Eduardo Tutela Sumaria de la Posesioacuten (Interdicto de recobrar) Madrid Dykinson 2014 p187 O artigo 1282 do Coacutedigo Civil portuguecircs indica que ldquoA acccedilatildeo de manutenccedilatildeo bem como as de restituiccedilatildeo da posse caducam se natildeo forem intentadas dentro do ano subsequente ao acto da turbaccedilatildeo ou do esbulho ou ao conhecimento dele quando tenha sido praticado a ocultasrdquo Jaacute o diploma civil espanhol preceitua no seu artigo 19681 do Coacutedigo Civil espanhol ldquo Artiacuteculo 1968 Prescriben por el transcurso de un antildeo 1La accioacuten para recobrar o retener la posesioacutenrdquo 42 RODRIGUEZ-CANO Rodrigo Bercovitz Manual de derecho civil ndash derechos reales cit p73 No mesmo sentido ALBALADEJO Manuel A Derecho civil VolIII cit p63 DIacuteEZ-PICAZO Luis Fundamentos del derecho civil patrimonial VolIII las relaciones juriacutedico-reales el registro de la propiedad la posesioacuten 5ordfed Madrid Civitas 2008 p689

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Jaacute no direito portuguecircs o Coacutedigo Civil eacute expresso acerca da possibilidade de

saneamento dos viacutecios43 e a doutrina encampa unanimemente o entendimento de que

a posse eacute violenta ndash portanto injusta ndash apenas no tempo de duraccedilatildeo de seus efeitos44

Ou seja a posse violenta clandestina ou precaacuteria perde a condiccedilatildeo de viciosa no exato

instante em que se estabiliza Apoacutes a cessaccedilatildeo da violecircncia a posse passa a ser

perfeitamente apta a gerar a usucapiatildeo45

Mas ideia de que a posse eacute injusta apenas enquanto houver violecircncia ou

clandestinidade ao contraacuterio do direito luso natildeo tem respaldo no ordenamento

brasileiro apesar de ser defendida por nomes como os de Lenine Nequete46 e Arnoldo

Wald47 O artigo 1208 do Coacutedigo Civil alocado no capiacutetulo referente agrave aquisiccedilatildeo da

posse dispotildee claramente que ldquoNatildeo induzem posse os atos de mera permissatildeo ou

toleracircncia assim como natildeo autorizam a sua aquisiccedilatildeo os atos violentos ou clandestinos

senatildeo depois de cessar a violecircncia ou a clandestinidaderdquo Ou seja aqui enquanto a

violecircncia estiver sendo empregada natildeo haacute posse Apoacutes a sua cessaccedilatildeo a posse advinda

de tais atos eacute posse mas posse injusta48

Natildeo haacute duacutevida portanto de que o prazo de ldquoano e diardquo tem uma funccedilatildeo importante No

direito espanhol o prazo serve como marco da perda da posse da impossibilidade de

utilizaccedilatildeo das accedilotildees possessoacuterias e de saneamento dos viacutecios objetivos No direito

portuguecircs serve igualmente de referecircncia para identificaccedilatildeo do momento de perda da

posse e da caducidade da via possessoacuteria ao passo que os viacutecios satildeo considerados

sanados apoacutes a cessaccedilatildeo de seus efeitos

Em ambos os ordenamentos o expurgo dos viacutecios pela passagem do tempo tem

respaldo normativo ainda que as criacuteticas anteriormente feitas a este raciociacutenio no

direito brasileiro tambeacutem sejam aplicaacuteveis a tais sistemas natildeo havendo tambeacutem neles

nenhuma modalidade de usucapiatildeo com menos de 1 ano a ideia do saneamento da

43 Artigo 1297ordm (Posse violenta ou oculta) Se a posse tiver sido constituiacuteda com violecircncia ou tomada ocultamente os prazos da usucapiatildeo soacute comeccedilam a contar-se desde que cesse a violecircncia ou a posse se torne puacuteblica 44 Por todos CARVALHO Orlando de Direito das coisas Coimbra Coimbra Editora 2012 p283 45 FRANCcedilA PITAtildeO Joseacute Antoacutenio de Posse e usucapiatildeo Lisboa Almedina 2007 p74 FERREIRA Durval Posse e usucapiatildeo 3ordfed Lisboa Almedina 2008 p319 OLIVEIRA ASCENCcedilAtildeO Joseacute de Direito civil ndash reais cit p116 46 NEQUETE Lenine Da prescriccedilatildeo aquisitiva (usucapiatildeo) Porto Alegre Ediccedilatildeo Sulina 1954 p80 47 WALD Arnoldo Direito Civil direito das coisas Vol4 Satildeo Paulo Saraiva 2011 pp103-104 48 Segundo esclarece Joseacute Carlos Moreira Alves ldquo() para o Coacutedigo Civil brasileiro () enquanto materialmente existentes ndash ou seja enquanto se pratica a violecircncia ou haacute clandestinidade ndash impedem [tais viacutecios] a aquisiccedilatildeo ateacute da possessio ad interdicta havendo apenas detenccedilatildeo independente e uma vez cessados em sua materialidade surge a posse embora qualificada como injusta que produz as consequecircncias de qualquer posse injustardquo MOREIRA ALVES Joseacute Carlos ldquoA detenccedilatildeo no direito civil brasileiro (conceito e casos)rdquoIn CAHALI Yussef Said Posse e propriedade doutrina e jurisprudecircncia Satildeo Paulo Saraiva 1987 p20

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mesma forma que aqui natildeo tem funccedilatildeo nenhuma porque sempre que o usucapiente

tiver prazo para usucapir os viacutecios teratildeo deixado de existir

De se ressaltar ainda que o proacuteprio Silvio Rodrigues reconheceu que a sua tese natildeo

tinha fundamento legal Na nota de rodapeacute 28 do seu livro ldquoDireito das Coisasrdquo49 o

autor demonstrou que entendia que o Coacutedigo de Processo Civil de 1939 tinha extirpado

a ldquoaccedilatildeo de forccedila velha expoliativardquo do ordenamento brasileiro razatildeo pela qual para o

possuidor de mais de 1 ano e dia caberia apenas a via petitoacuteria o que sanearia o viacutecio na

aquisiccedilatildeo Isto porque segundo sua interpretaccedilatildeo ldquoBasta que ela [a posse] se estenda

pacificamente ou publicamente durante o intervalo de ano e dia para que fique

purgada de seus defeitosrdquo50 Mas o proacuteprio autor admitiu ao final da nota de rodapeacute

28 que o CPC de 73 ldquoextirpou a duacutevidardquo que poderia existir em torno da possibilidade

de accedilatildeo de reintegraccedilatildeo com mais de 1 ano e dia do esbulho que ldquomesmo intentadas

apoacutes o intervalo de ano e dia natildeo perdem o seu caraacuteter acessoacuteriordquo51 Mesmo criticando

a soluccedilatildeo do CPC reconhece que ldquo() a vontade do legislador manifestada de forma

irrefutaacutevel que deve prevalecerrdquo52 Fica claro portanto que natildeo haacute fundamento legal

para a tese de que a posse injusta se transforma em posse justa apoacutes ano e dia

6 Saneamento pelo cumprimento da funccedilatildeo social

Alguns estudos mais recentes tecircm indicado que os viacutecios objetivos da posse podem ser

considerados sanados uma vez constatado o cumprimento da funccedilatildeo social por parte do

esbulhador53

Mas o saneamento pelo cumprimento da funccedilatildeo social da posse pode ser

primeiramente criticado por que natildeo haacute qualquer dispositivo normativo em vigor no

ordenamento juriacutedico brasileiro que defina o que eacute e qual eacute o conteuacutedo da funccedilatildeo social

da posse A doutrina tem buscado dar substacircncia ao princiacutepio pela conexatildeo que

tradicionalmente eacute feita entre funccedilatildeo social da posse e a efetivaccedilatildeo de direitos

fundamentais como os de moradia e trabalho

49 RODRIGUES Silvio Direito civil Vol5 ndash direito das coisas cit p30 50 RODRIGUES Silvio Direito civil Vol5 ndash direito das coisas cit p30 51 O CPC15 eacute claro acerca do caraacuteter possessoacuterio da accedilatildeo proposta apoacutes o prazo de ldquoano e diardquo Art558 Regem o procedimento de manutenccedilatildeo e de reintegraccedilatildeo de posse as normas da Seccedilatildeo II deste Capiacutetulo quando a accedilatildeo for proposta dentro de ano e dia da turbaccedilatildeo ou do esbulho afirmado na peticcedilatildeo inicial Paraacutegrafo uacutenico Passado o prazo referido no caput seraacute comum o procedimento natildeo perdendo contudo o caraacuteter possessoacuterio 52 RODRIGUES Silvio Direito civil Vol5 ndash direito das coisas cit p30 nota28 53 MELO Marco Aureacutelio Bezerra de Curso de direito civil Vol5 ndash direito das coisas 2015 p73 FARIAS Cristiano Chaves de ROSENVALD Nelson Curso de direito civil Vol5 ndash reais cit p119

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Eacute possiacutevel tentar extrair essa conexatildeo da relaccedilatildeo entre posse e propriedade

considerando que a propriedade deve cumprir a funccedilatildeo social a posse tambeacutem deve ser

lida como subordinada a tal princiacutepio Mas se a funccedilatildeo social da propriedade eacute em

grande medida a ldquofunccedilatildeo social da posse exercida pelo proprietaacuteriordquo54 seraacute viaacutevel dizer

que o contraacuterio tambeacutem eacute verdadeiro Um possuidor de uma aacuterea de grande extensatildeo

de terra na zona rural estaacute obrigado a cumprir os mesmos preceitos direcionados ao

proprietaacuterio estabelecidos no artigo 184 da Constituiccedilatildeo E qual seria a consequecircncia

do descumprimento desse conteuacutedo por parte de quem eacute apenas o possuidor E no caso

da posse urbana qual o conteuacutedo a ser cumprido para que a funccedilatildeo social seja

contemplada

A falta de uma definiccedilatildeo sobre o conteuacutedo objetivamente definido para a funccedilatildeo social

da posse prejudica enormemente a sua utilizaccedilatildeo como criteacuterio para avaliaccedilatildeo do o

expurgo dos viacutecios objetivos Aleacutem de desnecessaacuteria a possibilidade do saneamento

atraveacutes de um princiacutepio tatildeo ldquomaleaacutevelrdquo tem como consequecircncia o seu reconhecimento

em um sem nuacutemero de situaccedilotildees tatildeo diacutespares que fica difiacutecil enxergar em que

circunstacircncia qualquer exerciacutecio regular da posse natildeo o atenderia

Nos tribunais fala-se em cumprimento da funccedilatildeo social quando a posse de um terreno eacute

utilizada para criaccedilatildeo de galinhas55 quando mesmo sem comprovar o tempo

necessaacuterio o possuidor prova que construiu lojas e quitinetes no imoacutevel que pretendia

usucapir56 ou ainda quando o imoacutevel a ser usucapido foi utilizado como garagem e aacuterea

de lazer durante o lapso temporal necessaacuterio agrave usucapiatildeo57

54 DANTAS Marcus Eduardo de Carvalho ldquoDa funccedilatildeo social da propriedade agrave funccedilatildeo social da posse exercida pelo proprietaacuterio ndash uma proposta de releitura do princiacutepio constitucionalrdquo RIL ndash Revista de Informaccedilatildeo Legislativa ano 52 n 205 p23-38 Mar 2015 p34 DANTAS Marcus Eduardo de Carvalho ldquoFunccedilatildeo social nos conflitos fundiaacuteriosrdquo Revista Direito GV Satildeo Paulo v9 n 2 p465-488 Dec 2013 p479 55 Tribunal de Justiccedila do Rio de Janeiro Apelaccedilatildeo nordm 0003045-5320028190061 Rel Des Gilda Maria

Dias Carrapatoso Julgamento 31072013 13ordf Cacircmara Ciacutevel Disponiacutevel em

httpwww1tjrjjusbrgedcachewebdefaultaspxUZIP=1ampGEDID=0004CC331928D8D3A72C15733D

069BD44D8BC50237206304 Acesso em 12032015 56 Tribunal de Justiccedila do Rio de Janeiro Apelaccedilatildeo nordm 0034331-2420108190205 Rel Des Andreacute

Ribeiro Julgamento 05062013 7ordf Cacircmara Ciacutevel Disponiacutevel em

httpwww1tjrjjusbrgedcachewebdefaultaspxUZIP=1ampGEDID=000421376D950C28F7B805418EE

F244E6857C5022B4D2D4CAcesso em 12032015 57 Tribunal de Justiccedila do Rio de Janeiro Apelaccedilatildeo nordm 0096918-8820058190001 Rel Des Antocircnio

Saldanha Palheiro Julgamento 12042011 5ordf Cacircmara Ciacutevel Disponiacutevel em

httpwww1tjrjjusbrgedcachewebdefaultaspxUZIP=1ampGEDID=0003FDB81056920E5F12D511F73

43C44001098C403252532 Acesso em 12032015

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Natildeo se trata aqui de uma avaliaccedilatildeo moral acerca daquilo que deve ou natildeo ser

considerado como o conteuacutedo da funccedilatildeo social A questatildeo eacute que sem um conteuacutedo bem

especificado a funccedilatildeo social deixa de ser um mecanismo de qualificaccedilatildeo da posse ela

natildeo tem serventia alguma como mecanismo de diferenciaccedilatildeo Se a utilizaccedilatildeo de um

terreno como garagem e lazer corresponde ao exerciacutecio da posse com funccedilatildeo social em

que circunstacircncia o exerciacutecio puro e simples da posse natildeo corresponderia a tal

princiacutepio Basta natildeo realizar uma atividade iliacutecita para cumprir a funccedilatildeo social da

posse Qual a diferenccedila entre ldquoter posserdquo e ldquoter posse com funccedilatildeo socialrdquo

A segunda linha de criacutetica se orienta pelo fato de que nem todas as modalidades de

usucapiatildeo existentes no ordenamento brasileiro tecircm uma conexatildeo visiacutevel com os temas

tradicionalmente considerados como caracteriacutesticos da funccedilatildeo social A usucapiatildeo

extraordinaacuteria prevista no caput do artigo 1238 do Coacutedigo Civil58 por exemplo natildeo

exige do possuidor que exerccedila a posse com fins de moradia tampouco que utilize o

imoacutevel como fonte de trabalho Isso mostra que o Coacutedigo diferencia as situaccedilotildees nas

quais a posse eacute exercida como meio de efetivaccedilatildeo dos direitos tradicionalmente

afinados com uma ideia geral de funccedilatildeo social e aquelas nas quais a posse eacute exercida

regularmente mas sem tal qualificaccedilatildeo especial Em tais condiccedilotildees o entendimento de

que a injusticcedila original da posse pode ser sanada pelo cumprimento da funccedilatildeo social

para a usucapiatildeo em geral ficaria ainda uma vez sem sentido pois o diploma civil natildeo

exige que a posse seja exercida como moradia ou fonte de trabalho em todas as

modalidades da usucapiatildeo

7 O ldquoteste do uso incompatiacutevelrdquo e a funccedilatildeo da posse injusta na usucapiatildeo

Apesar de todo esforccedilo doutrinaacuterio na defesa de formas pelas quais a posse injusta pode

deixar para traacutes o seu viacutecio de origem a doutrina tem um posicionamento tatildeo soacutelido

quanto incoerente acerca do viacutecio da precariedade o de que ele natildeo convalesce nunca

O entendimento eacute defendido por quase59 a totalidade dos especialistas sob o

58 Art 1238 Aquele que por quinze anos sem interrupccedilatildeo nem oposiccedilatildeo possuir como seu um imoacutevel adquire-lhe a propriedade independentemente de tiacutetulo e boa-feacute podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentenccedila a qual serviraacute de tiacutetulo para o registro no Cartoacuterio de Registro de Imoacuteveis Paraacutegrafo uacutenico O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-aacute a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imoacutevel a sua moradia habitual ou nele realizado obras ou serviccedilos de caraacuteter produtivo

59 Francisco Eduardo Loureiro eacute uma boa exceccedilatildeo agrave leitura predominante Nesse sentido ldquoDiz-se que a posse precaacuteria nunca gera usucapiatildeo Na verdade eacute ela imprestaacutevel para usucapiatildeo natildeo porque eacute injusta mas porque o precarista natildeo tem animus domini uma vez que reconhece a supremacia e o melhor direito do terceiro sobre a coisa Caso poreacutem natildeo reconheccedila ou deixe de reconhecer essa posiccedilatildeo e revele isso de modo inequiacutevoco e claro ao titular do domiacutenio para que este possa reagir e retomar a coisa nasce nesse momento o prazo para usucapiatildeo porque o requisito animus domini estaraacute entatildeo presente LOUREIRO Francisco Eduardo ldquoDireito das coisas (arts 1196-1510)rdquo In PELUSO Cezar (Coord) Coacutedigo civil interpretado Satildeo Paulo Manole 2008 p1092-1093

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argumento de que o descumprimento do dever de restituiccedilatildeo do bem soacute deixa de existir

quando a coisa eacute devolvida Enquanto o bem permanece com o esbulhador a posse

permanece injusta e nenhuma das taacuteticas anteriormente analisadas seria suficiente

para modificar tal condiccedilatildeo

Trata-se de uma interpretaccedilatildeo no miacutenimo insoacutelita pois acaba tornando o viacutecio da

precariedade mais grave que os outros se o esbulhador usa a violecircncia fiacutesica contra a

pessoa do esbulhado ele pode ver tal viacutecio sanado das formas mais diversas se a

aquisiccedilatildeo se daacute pela recusa da restituiccedilatildeo isso natildeo seria de forma alguma possiacutevel pela

ldquoquebra da confianccedilardquo Mas por que a ldquoquebra da confianccedilardquo eacute mais grave que o uso da

forccedila fiacutesica Aleacutem de natildeo parecer razoaacutevel trata-se de uma interpretaccedilatildeo que atribui

uma vantagem injustificaacutevel em favor do proprietaacuterio Independentemente do que ele

tiver feito ou deixado de fazer para retomar o bem o fato da posse ser injusta

bloquearia a usucapiatildeo para sempre

Como indicado a discussatildeo acerca das circunstacircncias nas quais algueacutem pode se tornar

proprietaacuterio pela usucapiatildeo eacute tambeacutem uma discussatildeo acerca das condiccedilotildees nas quais

algueacutem pode legitimamente exercer o seu direito de propriedade Eacute possiacutevel

reconhecer poreacutem que a doutrina brasileira tem dado uma ecircnfase talvez desmesurada

na atuaccedilatildeo do possuidor deixando de investigar a dimensatildeo real do papel do

proprietaacuterio nesse jogo Soacute haveraacute usucapiatildeo se o proprietaacuterio de algum modo se

mantiver inerte na recuperaccedilatildeo do bem E se o proprietaacuterio deixou de tomar as

providencias necessaacuterias agrave tutela do seu direito durante um periacuteodo que pode variar de

2 a 15 anos eacute porque ele tambeacutem contribuiu para a consolidaccedilatildeo da posse do

usucapiente Como seria o cenaacuterio se a ecircnfase no processo recaiacutesse sobre o

proprietaacuterio Se independentemente da preocupaccedilatildeo com a caracterizaccedilatildeo de

eventuais viacutecios da posse incidisse principalmente sobre o titular a responsabilidade de

agir para que a usucapiatildeo natildeo se consumasse

Um caso interessante nesse sentido ndash e pouco estudado no Brasil ndash eacute o chamado

ldquoJAPye (Oxford) Ltd v Grahamrdquo ou apenas ldquoCase Pyerdquo como ficou conhecido De

forma muito resumida a empresa do ramo imobiliaacuterio JA Pye (Oxford) Ltd adquiriu

um terreno em Berkshire oeste de Londres com o objetivo de desenvolver um

empreendimento imobiliaacuterio e obteve o respectivo registro como proprietaacuteria da aacuterea

Apoacutes realizar a venda de uma parte do terreno a empresa inglesa celebrou um contrato

de 1 ano com a famiacutelia Graham por meio do qual seus integrantes ficavam autorizados a

utilizar os 25 hectares restantes da aacuterea como pasto Apoacutes o teacutermino do contrato os

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Graham procuraram a empresa com objetivo de obter uma renovaccedilatildeo mas a J A Pye

Ltd se recusou a fazecirc-lo Apesar disso Caroline e Michael Graham continuaram a

ocupar o terreno e a utilizaacute-lo como pasto por mais 12 anos com o conhecimento da

empresa mas sem o seu consentimento ainda que a J A Pye Ltd tenha se mantido

inerte quanto agraves providecircncias necessaacuterias para impedir a permanecircncia natildeo autorizada

dos Graham no local Apoacutes os 12 anos de exerciacutecio natildeo autorizado da posse os Graham

solicitaram o reconhecimento dos seus direitos sobre a referida aacuterea o que foi

concedido pelo registro com base na ldquoadverse possessionrdquo ou seja na usucapiatildeo

A decisatildeo gerou um sem nuacutemero de polecircmicas e modificaccedilotildees de rumo chegando ateacute

ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos onde no julgamento da Queixa

nordm4430202 foi dado ganho de causa ao Reino Unido e por consequecircncia agrave famiacutelia

Graham Em um primeiro momento a ldquoCourt of Appealrdquo deu decisatildeo favoraacutevel agrave

empresa ldquoPyerdquo com base entre outros motivos no fato de que a famiacutelia Graham natildeo

tinha ldquothe necessary intention to possessrdquo ou seja o acircnimo de dono Considerando-se

que no direito inglecircs vigora o chamado ldquoprocedural approachrdquo no que tange agrave usucapiatildeo

ndash a ecircnfase no aspecto processual da disputa ndash a referecircncia ao animus possidendi foi

considerada uma inovaccedilatildeo surpreendente60 De fato uma vez que os agricultores

permaneceram apenas fazendo aquilo que jaacute faziam quando do contrato em vigor os

julgadores da ldquoCourt of Appealrdquo entenderam que natildeo havia a intenccedilatildeo de passar a ser o

dono do lugar contrapondo-se frontalmente ao direito da empresa61 A decisatildeo foi

objeto de recurso agrave ldquoHouse of Lordsrdquo que deu ganho de causa agrave Caroline Graham62

Ainda inconformada a empresa ldquoPyerdquo entrou com novo recurso e como indicado o

caso chegou ateacute ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos sob a alegaccedilatildeo de que o

Reino Unido havia violado o direito de propriedade da J A Pye Ltd descumprindo a

garantia prevista no artigo 1ordm do Protocolo Adicional nordm 1 da Convenccedilatildeo Europeia dos

Direitos do Homem63 A decisatildeo final foi favoraacutevel ao Reino Unido e

60 RADLEY-GARNER Oliver ldquoCivilized Squattingrdquo Oxford Journal of Legal Studies (winter 2005) 25 (04) p728 61 A discussatildeo pode ser conhecida em httpwwwpublicationsparliamentukpald200102ldjudgmtjd020704graham-3htm Acesso em 13122014 62 O voto de maior peso no julgamento foi o de Lord Browne-Wilkinson por ter considerado que ao contraacuterio do que se exigia ateacute entatildeo a partir do momento em que os Graham continuaram a pastorear a terra sem a autorizaccedilatildeo da ldquoJAPyerdquo eles passaram a ter posse em nome proacuteprio o que independentemente de um conflito aberto seria suficiente para viabilizar a adverse possession O voto na iacutentegra pode ser lido em ldquoHouse of Lords Judgments ndash J A Pye (Oxford) Ltd and Others v Graham and Another on 4 July 2002rdquo httpwwwpublicationsparliamentukpald200102ldjudgmtjd020704graham-1htm Acesso em 13122014 63 ldquoQualquer pessoa singular ou colectiva tem direito ao respeito dos seus bens Ningueacutem pode ser privado do que eacute sua propriedade a natildeo ser por utilidade puacuteblica e nas condiccedilotildees previstas pela lei e pelos princiacutepios gerais do direito internacional

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consequentemente agrave famiacutelia Graham sob diversos argumentos Destacam-se para fins

do presente estudo a ideia de que a usucapiatildeo deve ser encarada como um mecanismo

de controle ou regulamentaccedilatildeo do uso dos bens eis que eacute de interesse geral saber quem

efetivamente eacute responsaacutevel pelo imoacutevel bem como pelos tributos decorrentes de tal

condiccedilatildeo o que remete agrave seguranccedila juriacutedica 64

Entre diversas questotildees importantes o episoacutedio mostra como em grande medida a

dogmaacutetica juriacutedica brasileira tem abordado o tema da usucapiatildeo de maneira a ampliar

os poderes do proprietaacuterio Uma atenccedilatildeo desmesurada tem sido dada agrave posse do

usucapiente sempre cheia de requisitos a cumprir escamoteando-se as

responsabilidades do titular do direito a ser usucapido

Desde logo salta aos olhos o fato de que na hipoacutetese do ldquoCase Pyerdquo o poder da famiacutelia

Graham sobre o terreno poderia no Brasil ser qualificado como uma situaccedilatildeo de mera

toleracircncia hipoacutetese na qual natildeo haveria verdadeiramente posse conforme indicaccedilatildeo do

artigo 1208 do Coacutedigo Civil brasileiro Mas eacute preciso reconhecer que apesar da empresa

ldquoPyerdquo ter ldquotoleradordquo a presenccedila dos Graham o fato eacute que a ineacutercia de ldquoPyerdquo se deu em

momento posterior agrave negativa de renovaccedilatildeo do contrato o que demonstra o interesse

em natildeo perpetuar a presenccedila da famiacutelia Graham no local A recusa agrave renovaccedilatildeo e a

ineacutercia fariam entatildeo com que a hipoacutetese passasse a ser encarada como uma ldquoposse

precaacuteriardquo justamente o viacutecio que a doutrina brasileira insiste em considerar insanaacutevel

e portanto incapaz de gerar a usucapiatildeo

Mas o episoacutedio mostra que quando algueacutem exerce posse sobre o bem de outrem

diversos pontos de vista podem ser utilizados para analisar a questatildeo o proprietaacuterio

permitiu tal exerciacutecio Ele tomou as providecircncias necessaacuterias para recuperar o bem O

possuidor adverso sabia que o bem era de outra pessoa e se negou a devolvecirc-lo

As condiccedilotildees precedentes entendem - se sem prejuiacutezo do direito que os Estados possuem de pocircr em vigor as leis que julguem necessaacuterias para a regulamentaccedilatildeo do uso dos bens de acordo com o interesse geral ou para assegurar o pagamento de impostos ou outras contribuiccedilotildees ou de multasrdquo No original ldquoThe preceding provisions shall not however in any way impair the right of a State to enforce such laws as it deems necessary to control the use of property in accordance with the general interest or to secure the payment of taxes or other contributions or penaltiesrdquo European Court of Human Rights ldquoCase JA Pye (Oxford) Ltd and JA Pye (Oxford) Land Ltd v The United Kingdom Alleged Violation of Article 1 of Protocol nordm 1 Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-82172itemid[001-82172] Acesso em 03032014 64 ABREU Abiacutelio Vassalo Titularidade Registral do Direito de Propriedade Imobiliaacuteria versus usucapiatildeo (adverse possession) Coimbra Coimbra Editora 2011 p83

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Nesses termos o modelo processual inglecircs indica que a reflexatildeo acerca da usucapiatildeo

tambeacutem deve englobar uma meditaccedilatildeo sobre a atuaccedilatildeo do proprietaacuterio na recuperaccedilatildeo

do seu direito pois nada acontece se ele agir de maneira ceacutelere Mesmo apoacutes a negativa

de permanecircncia da famiacutelia Graham a empresa Pye permaneceu 12 anos sem tomar as

providecircncias necessaacuterias para a desocupaccedilatildeo do local Eacute um espaccedilo consideraacutevel de

tempo Seria razoaacutevel entender que por ser ldquoinsanaacutevelrdquo o viacutecio da precariedade nunca

admitiria a consumaccedilatildeo da usucapiatildeo em favor dos Graham

Aleacutem de problemaacutetica essa interpretaccedilatildeo ressuscita o problema da ldquoposse eternamente

injustardquo o esbulhador nunca poderia usucapir mesmo se o esbulhado natildeo procurar

retomar a sua posse Ao que tudo indica a impossibilidade de saneamento do viacutecio da

precariedade reflete a um imperativo moral a quebra da confianccedila depositada deve ser

punida com a perenidade do caraacuteter injusto E aqui se abre a oportunidade de discutir

afinal qual eacute a funccedilatildeo da anaacutelise da injusticcedila como meio de barreira para a usucapiatildeo

Quando se faz referecircncia agraves diversas teacutecnicas de saneamento dos viacutecios eacute preciso

reconhecer que elas natildeo podem ser lidas como um modo de suplantar o fato de que a

posse do usucapiente natildeo foi autorizada e eacute exercida de forma contraacuteria aos interesses

do titular porque essa eacute uma condiccedilatildeo necessaacuteria para que a usucapiatildeo ocorra Ainda

que natildeo haja uma ldquobatalha campalrdquo em busca da posse ldquoCrucially the adverse

possessorrsquos use must be without permission (ldquoadverserdquo)rdquo65 A aquisiccedilatildeo sem autorizaccedilatildeo

e o exerciacutecio contraacuterio aos interesses do titular satildeo pressupostos para a usucapiatildeo

Em tais condiccedilotildees as estrateacutegias que visam a ldquoeliminaccedilatildeo da injusticcedilardquo pelo expurgo

dos viacutecios de origem soacute podem ser compreendidas como vias pelas quais se pretende

superar o chamado ldquoparadoxo moralrdquo66 aparentemente existente em torno da proacutepria

ideia de usucapiatildeo qual a justificativa para que algueacutem perca o seu direito de

propriedade em funccedilatildeo da atuaccedilatildeo natildeo autorizada de outra pessoa

Mas a falta de precisatildeo doutrinaacuteria na referecircncia agrave justiccedila ou injusticcedila da posse faz com

que a exigecircncia de que a posse ad usucapionem seja uma posse ldquojustardquo gere a falsa

ideia de que a atuaccedilatildeo do usucapiente estaacute em conformidade com o direito E as

estrateacutegias de saneamento reforccedilam essa confusatildeo ao se voltarem para o modo como a

posse foi adquirida Elas servem como uma justificativa para tentar amainar a ilicitude

65 MERRIL Thomas W SMITH Henry E Property Oxford Oxford University Press 2010 p36 66 KATZ Larissa ldquoThe moral paradox of adverse possession sovereignty and revolution in property lawrdquo McGill Law Journal Vol55 2010 pp47-80 cit p 59

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do apossamento mas isso eacute virtualmente impossiacutevel sem jogar o instituto em um non

sense pois a contrariedade da posse ad usucapionem eacute intriacutenseca a usucapiatildeo

Quando se diz que a posse do usucapiente eacute sempre injusta isso significa que ela natildeo

estaacute autorizada de forma alguma e se coloca sim em posiccedilatildeo de conflito (ainda que

velado) com os interesses do proprietaacuterio ou seja algueacutem vai adquirir a propriedade de

algo que jaacute tem dono e obviamente sem a colaboraccedilatildeo deste

Por isso as estrateacutegias de saneamento estatildeo por assim dizer ldquono lugar erradordquo pois

acabam mascarando a dinacircmica real do processo por meio do qual algueacutem caminha

para usucapir o bem de outrem Isto acaba ampliando as sombras existentes entre as

linhas que demarcam uma posse ldquomoralmente legitimadardquo a viabilizar a usucapiatildeo e a

adversidade sem a qual a aquisiccedilatildeo natildeo tem como se efetivar

Nessa direccedilatildeo a caracterizaccedilatildeo da posse ad usucapionem natildeo depende do saneamento

dos viacutecios objetivos pois o meio objetivo pelo qual se deu o apossamento eacute afinal

irrelevante Basta o chamado ldquoteste de uso incompatiacutevelrdquo (inconsistent use test) ou

seja da verificaccedilatildeo de que a posse natildeo autorizada se daacute em desconformidade com a

agenda estabelecida pelo proprietaacuterio do bem a ser usucapido67 Natildeo importa o modo

pelo qual tal contrariedade ganhou forma o fato eacute que ela existe e uma vez constatada

gera para o proprietaacuterio a oportunidade de se opor dentro de um determinado periacuteodo

de tempo sem o que perderaacute a titularidade do bem

Eacute importante ainda deixar expliacutecito o fato de que toda discussatildeo em torno dos

pressupostos para a aquisiccedilatildeo pela usucapiatildeo reflete uma dada concepccedilatildeo acerca da

propriedade Debater em que circunstacircncia algueacutem pode se tornar o proprietaacuterio do

bem que eacute de outro resvala em uma avaliaccedilatildeo acerca da amplitude de formas de

atuaccedilatildeo que o proprietaacuterio estaacute legitimado a desempenhar

Do mesmo modo a possiacutevel imoralidade existente na atribuiccedilatildeo do direito de

propriedade em favor de algueacutem que viola o direito de outrem eacute decorrente de uma

visatildeo que considera moralmente aceitaacutevel que o bem objeto desse direito possa

permanecer sem um uso efetivo durante um nuacutemero maior ou menor de anos jaacute que

natildeo haacute usucapiatildeo sem a ineacutercia do titular do direito a ser usucapido

67 KATZ Larissa ldquoThe moral paradoxrdquo cit p50

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Nesse sentido ultrapassar a discussatildeo acerca das estrateacutegias de saneamento dos viacutecios

da aquisiccedilatildeo rumo a um debate aprofundado sobre as razotildees que contribuem para a

superaccedilatildeo do paradoxo moral permitiria por exemplo a consideraccedilatildeo de que mesmo

um possuidor de maacute-feacute pode dar um uso economicamente mais eficiente do que aquele

dado pelo possuidor originaacuterio68 ou que em um contexto de deacuteficit de moradias a

ideia de que ldquoo natildeo uso eacute uma forma de usordquo69 seria juriacutedica e moralmente indefensaacutevel

pois corresponderia a absolutizaccedilatildeo da propriedade

O debate moral em torno da usucapiatildeo eacute rico de possibilidades que auxiliam na

compreensatildeo adequada do instituto e tambeacutem por isso natildeo pode ser represado Quando

se vecirc tanto esforccedilo doutrinaacuterio para expurgar os viacutecios objetivos de origem o uacutenico

sentido possiacutevel para tanto eacute pressuposto de que haacute uma avaliaccedilatildeo moralmente

negativa em torno da ideia de que uma posse ldquoinjustardquo seja apta a transformar um

ldquoladratildeordquo em proprietaacuterio Mas aqui o foco estaacute todo voltado para como a posse foi

adquirida o que reduz enormemente a investigaccedilatildeo Natildeo se trata da defesa da

legitimaccedilatildeo do uso da forccedila como se fosse possiacutevel concordar com a grilagem de terras

mas justo o oposto da possibilidade de reconhecimento de que mesmo o uso da forccedila

pode ser justificado quando a efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais como os relativos agrave

moradia e ao trabalho se contrapotildeem ao natildeo uso e a especulaccedilatildeo A existecircncia do

instituto da usucapiatildeo revela em si mesma que ordenamento fez uma escolha na qual o

uso efetivo do bem estaacute em uma posiccedilatildeo hierarquicamente superior ao natildeo uso Diante

da diferenciaccedilatildeo entre justiccedila e injusticcedila formal ndash relativa agrave aquisiccedilatildeo ndash e justiccedila ou

injusticcedila material (os valores materializados em cada efetivo apossamento) abre-se a

oportunidade de discutir as bases morais econocircmicas e filosoacuteficas por meio das quais eacute

ainda hoje possiacutevel fundamentar a manutenccedilatildeo ou perda dos direitos de propriedade

titularizados por algueacutem

De todo modo para os objetivos do presente estudo a hipoacutetese testada parece poder

ser adequadamente confirmada independentemente do modelo de usucapiatildeo a ser

adotado independentemente do fundamento mais adequado para usucapiatildeo em

68 FENNEL Lee Anne ldquoEfficient trespass the case for lsquobad faithrsquo adverse possessionrdquo Northwestern University Law Review Vol100 p1035-10962006 p53 Considerando-se que apenas um imoacutevel sem um uso efetivo pode ser objeto de apossamento alheio estendido por vaacuterios anos sem uma reaccedilatildeo apropriada a manutenccedilatildeo da sua titularidade pode ser lida como uma falha de mercado que daacute corpo agrave especulaccedilatildeo a venda do imoacutevel natildeo ocorre porque o titular natildeo encontra condiccedilotildees que lhe garantam a remuneraccedilatildeo pretendida naquele momento Da mesma forma levando-se em consideraccedilatildeo que no caso brasileiro a funccedilatildeo social remete agrave obrigatoriedade do uso e que isto por sua vez desaacutegua no exerciacutecio da posse toda posse ad usucapionem poderia ser lida como a vitoacuteria do uso produtivo sobre o natildeo uso especulativo Nesse sentido a posse de maacute-feacute corresponderia agrave deliberada intenccedilatildeo de concretizar um uso socialmente uacutetil a um bem que estaacute sendo administrado de forma ineficiente 69 NASCIMENTO Tupinambaacute Miguel Castro do Posse e propriedade Porto Alegre Livraria do Advogado 1986 p10

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nenhum lugar eacute possiacutevel colocar em questatildeo o fato de que a posse exercida pelo

esbulhador eacute adversa A posse exercida por algueacutem natildeo autorizado que deseja ou

acredita que jaacute tem o direito de outrem eacute nesse sentido sempre e necessariamente uma

posse injusta

Conclusatildeo

As tentativas de saneamentos dos viacutecios satildeo incongruentes e ineficientes porque a

superaccedilatildeo do paradoxo moral existente na usucapiatildeo depende de uma reflexatildeo acerca

daquilo que a sociedade considera como moralmente justificado em torno do exerciacutecio

do direito de propriedade E desde aiacute eacute possiacutevel perceber diversos aspectos que

demonstram que o exerciacutecio da posse seja qual for a sua qualificaccedilatildeo eacute mais forte do

que o natildeo uso a existecircncia mesma do instituto da usucapiatildeo o encurtamento

generalizado dos prazos para usucapir ocorrido no acircmbito do Coacutedigo Civil em vigor

mesmo na hipoacutetese extraordinaacuteria a ampliaccedilatildeo das modalidades de usucapiatildeo como

forma de premiar o exerciacutecio dirigido agrave busca da efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais

sociais como moradia e trabalho Nesse caminho o paradoxo moral se dissolve e o

saneamento dos viacutecios passa a ser irrelevante eacute mais importante saber o que se faz da

posse do que o modo pelo qual ela foi obtida

Em tais condiccedilotildees considerar que a posse ldquoboa para usucapirrdquo seja sempre injusta ndash no

sentido de que representa uma dissonacircncia necessaacuteria com a agenda estabelecida pelo

proprietaacuterio do bem a ser usucapido ndash natildeo significa o abandono da dimensatildeo moral

existente na qualificaccedilatildeo da posse do usucapiente Esta dimensatildeo apenas se desloca em

direccedilatildeo a uma investigaccedilatildeo criteriosa acerca do conteuacutedo da posse materializada frente

agrave anaacutelise da conduta do proprietaacuterio ante ao apossamento natildeo autorizado

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civilisticacom Recebido em 18042016

Aprovado em 13052016 (1ordm parecer) 31052016 (2ordm parecer)

Como citar DANTAS Marcus Eduardo de Carvalho Toda posse ad usucapionem eacute uma posse injusta Civilisticacom Rio de Janeiro a 5 n 1 2016 Disponiacutevel em lthttpcivilisticacomtoda-posse-ad-usucapionem-e-uma-posse-injustagt Data de acesso

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Haacute que se concordar para que algueacutem tenha posse de um bem de maneira natildeo

autorizada sem violar o direito de outrem ndash ou seja de forma justa ndash e

simultaneamente exercecirc-la no intuito de se tornar o titular do direito de propriedade

sobre tal coisa eacute preciso que ela natildeo tenha dono

A outra forma em tese seria questionando a proacutepria ocorrecircncia do viacutecio Os

especialistas discutem largamente por exemplo os termos nos quais uma accedilatildeo pode

ser considerada violenta26 o seu emprego para remoccedilatildeo de cercas muros ou tapumes eacute

suficiente para caracterizaccedilatildeo do viacutecio ou apenas o embate fiacutesico com uma pessoa que

resista ao esbulho

Como indicado parte da doutrina27 tem se esforccedilado para encontrar meios de tornar

justa a posse natildeo autorizada com o objetivo de ampliar as chances de usucapir Para

este caso o problema eacute que a ningueacutem parece dada a possibilidade de seriamente

alegar que desconhece que o apossamento natildeo autorizado atraveacutes do qual efetiva sua

posse sobre um bem imoacutevel contraria direito de outrem E tal afirmaccedilatildeo natildeo tem

objetivo de pocircr em questatildeo o fato de que tal apossamento possa ser a uacuteltima via para

obtenccedilatildeo de direitos fundamentais como a moradia e o trabalho

Os conflitos fundiaacuterios urbanos e rurais ocorrem em decorrecircncia da necessidade de

melhor distribuiccedilatildeo do acesso aos direitos de propriedade em grande medida pautados

pelo questionamento acerca do cumprimento e das consequecircncias da natildeo observacircncia

da funccedilatildeo social exigida em cada hipoacutetese Mas mesmo nesses casos o que haacute eacute um

questionamento da manutenccedilatildeo do direito de propriedade em favor daquele que deixa

de efetivamente exercecirc-lo ou o que o faz de modo indevido Natildeo se trata do

desconhecimento acerca do fato de que o apossamento realizado em tais circunstacircncias

confronta o alegado direito de outrem

26 Eacute tradicional o entendimento de que a caracterizaccedilatildeo da violecircncia vai aleacutem do uso da forccedila contra a proacutepria pessoa do possuidor Por todos Caio Maacuterio da Silva Pereira alerta que ldquoPosse violenta (adquirida vi) a que se adquire por ato de forccedila seja ela natural ou fiacutesica seja moral ou resultante de ameaccedilas que incutam na viacutetima seacuterio receio A violecircncia estigmatiza a posse independentemente de exercer-se sobre a pessoa do espoliado ou de preposto seu como ainda do fato de emanar do proacuteprio espoliador ou de terceirordquo (SILVA PEREIRA Caio Maacuterio da Instituiccedilotildees de direito civil VolIV ndash Direitos reais 22ordfed atualizada por Carlos Edison do Rego Monteiro Filho Rio de Janeiro Forense 2009 p21 Atualmente surge a discussatildeo sobre se o emprego da forccedila para remoccedilatildeo de obstaacuteculos como cercas ou tapumes em um imoacutevel abandonado caracterizaria ainda assim a violecircncia da posse Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald consideram que ldquo() natildeo eacute considerada violenta a posse caso o uso da forccedila se justifique para a remoccedilatildeo de obstaacuteculos fiacutesicos para o ingresso em bens abandonados (vg destruiccedilatildeo de cadeados ou supressatildeo de cercas) Pensamos que soacute haacute violecircncia quando o apossamento resulta de uma conduta contraacuteria agrave vontade do possuidor pelo fato de a coisa ser arrebatada de algueacutem que a isso se oponhardquo FARIAS Cristiano Chaves de ROSENVALD Nelson Curso de direito civil cit p106 27 Como visto nos pontos 2 e 3 do presente texto

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Mas haacute uma diferenccedila como indicado no significado da palavra ldquoinjustardquo quando em

referecircncia ao modo como a posse foi obtida e quando em referecircncia ao conteuacutedo da

soluccedilatildeo dada pelo legislador Uma posse pode ser ldquoinjustardquo em um aspecto formal

decorrente do fato de que foi obtida de forma natildeo autorizada mas ldquojustardquo porque de

um lado natildeo vem sendo utilizada pelo proprietaacuterio e de outro representa a

materializaccedilatildeo de direitos fundamentais sociais negligenciados pelo Estado O fato eacute

que justiccedila material da ocupaccedilatildeo de terrenos abandonados por pessoas que natildeo tem

acesso aos direitos de moradia frente agrave proprietaacuterios negligentes natildeo eacute incompatiacutevel

com o reconhecimento de que o apossamento natildeo foi autorizado e neste sentido

formal gera uma posse injusta

Eacute o que ocorre na dramaacutetica situaccedilatildeo dos conflitos fundiaacuterios urbanos em torno da

moradia Em um importante estudo de campo acerca dos conflitos em torno da terra no

Recife de 1978 Joaquim Falcatildeo detectou em sua pesquisa que ldquoOs invasores querem

ser proprietaacuterios Justificam a invasatildeo de propriedade alheia porque sobre o direito de

usar e dispor segundo a livre vontade do proprietaacuterio deve prevalecer o direito de

moradia de todosrdquo28

Bem se vecirc daiacute que o questionamento da legitimidade da propriedade natildeo utilizada

pressupotildee logicamente o conhecimento da sua existecircncia enquanto tal Natildeo se pode

questionar aquilo que se ignora E se natildeo se ignora natildeo eacute possiacutevel afirmar a boa-feacute Por

isto eacute que a alegaccedilatildeo de que ldquonem sempre o apossamento natildeo autorizado vai gerar uma

posse injustardquo natildeo tem funccedilatildeo nenhuma na definiccedilatildeo das chances de usucapir29 Natildeo eacute

28 FALCAtildeO Joaquim ldquoJusticcedila social e justiccedila legal conflitos de propriedade no Reciferdquo In FALCAtildeO Joaquim (org) Invasotildees urbanas ndash conflitos de direito de propriedade 2ordfed Rio de Janeiro FGV Editora 2008 p112-113 29 Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald questionam a injusticcedila do apossamento de um imoacutevel abandonado com um objetivo claro impedir que a tomada natildeo autorizada seja qualificada como esbulho Essa desqualificaccedilatildeo tem uma funccedilatildeo especiacutefica a de interditar a via da reintegraccedilatildeo por parte do proprietaacuterio que natildeo cumpriria o requisito ldquoprova do esbulhordquo tal qual exigido pelo artigo 561do CPC15 Nesse sentido a reflexatildeo dos autores atua mais na dinacircmica processual do conflito do que no acircmbito material dos requisitos para a usucapiatildeo Mas o entendimento de que defendem a necessidade de uma posse justa para usucapir decorre do trecho no qual os autores esclarecem que ldquo() a posse derivada dos atos de violecircncia ou clandestinidade poderaacute gerar usucapiatildeo extraordinaacuteria (art1238 CC) posto natildeo se exigir como requisitos formais ao alcance da propriedade em tal modalidade originaacuteria o justo tiacutetulo e a boa-feacuterdquo (FARIAS Cristiano Chaves de ROSENVALD Nelson Curso de direito civil Vol5 reais 11ordfed Satildeo Paulo Atlas 2015 p110) Como demonstrado a posse de boa-feacute soacute pode ser justa na hipoacutetese em que o bem eacute uma res nullius No que caso em que a ocupaccedilatildeo natildeo se qualifica como esbulho a usucapiatildeo ordinaacuteria eacute impossiacutevel pela ausecircncia de boa-feacute No caso da aquisiccedilatildeo da posse a non domino seria perfeitamente possiacutevel e coerente reconhecer uma posse injusta (se tambeacutem era a do antecessor) e de boa-feacute se o sucessor natildeo tiver conhecimento do viacutecio de origem Nesse sentido a posse injusta natildeo impediria a usucapiatildeo em nenhuma modalidade e se manteria a coerecircncia interna ante a ideia de que toda posse ad usucapionem eacute necessariamente natildeo autorizada e contraacuteria aos interesses do titular do direito a ser usucapido Por tudo isso eacute possiacutevel reconhecer que tambeacutem os citados autores entendem equivocadamente que a justiccedila da posse amplia as modalidades da usucapiatildeo disponiacuteveis

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de boa-feacute a posse daqueles que ocupam imoacutevel alheio sem autorizaccedilatildeo do proprietaacuterio30

pois por mais que o apossamento seja moralmente justificaacutevel os possuidores natildeo

ignoram o fato de que o bem eacute de outra pessoa E se isto eacute assim a modalidade

disponiacutevel de usucapiatildeo no caso seria a extraordinaacuteria Natildeo pelo caraacuteter injusto da

posse e sim pelo fato dela ser exercida sem justo tiacutetulo e boa-feacute

Nessa linha a tese aqui defendida mostra a sua coerecircncia eacute possiacutevel questionar se o

apossamento configura efetivamente um esbulho31 mas natildeo o fato de que numa ou

noutra hipoacutetese natildeo se ignora que o direito de outrem estaacute sendo afrontado com a

efetivaccedilatildeo da posse natildeo autorizada

30 Este eacute justamente um dos pontos apontados pela doutrina para o fracasso da efetividade da hipoacutetese de aquisiccedilatildeo prevista no artigo 1228 sectsect 4ordm e 5ordm do Coacutedigo Civil Algueacutem pode dizer seriamente que a posse dessas pessoas por mais legiacutetima que possa ser eacute de boa-feacute no sentido de que se ignora que o ato entra em rota de colisatildeo com o direito de outrem Em um dos raros casos nos quais a hipoacutetese foi aplicada sob o nome de ldquodesapropriaccedilatildeo privadardquo os magistrados entenderam que a boa-feacute ldquo() entendida como posse justa natildeo violenta natildeo clandestina ou precaacuteriardquo estava presente no caso concreto em anaacutelise tendo em vista que ldquoAs guias de IPTU juntada (sic) aos autos ldquo() atestam a boa-feacute do recorrido jaacute que o proacuteprio Municiacutepio o reconhecia como proprietaacuterio da aacutereardquo Tribunal de Justiccedila de Minhas Gerais Apelaccedilatildeo Ciacutevel nordm 1028408009185-3005 Rel Des Rogeacuterio Coutinho J 11032015 publicado em 20032015 Disponiacutevel em httpwww5tjmgjusbrjurisprudenciapesquisaPalavrasEspelhoAcordaodoampnumeroRegistro=9amptotalLinhas=48amppaginaNumero=9amplinhasPorPagina=1amppalavras=2522desapropriaE7E3o20judicial2522amppesquisarPor=acordaoamppesquisaTesauro=trueamporderByData=1ampreferenciaLegislativa=Clique20na20lupa20para20pesquisar20as20referEAncias20cadastradasamppesquisaPalavras=Pesquisaramp Acesso em 10012016 31 A reflexatildeo sobre o conceito de ldquoesbulhordquo jaacute vem sendo feita pela doutrina mais progressista Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald fazem esse debate no seu manual precisamente no ponto jaacute citado em que consideram que o apossamento natildeo autorizado de um imoacutevel abandonado gera uma posse justa Eacute uma outra forma de dizer que esse ato natildeo configura esbulho Nesse caminho criacutetico do conceito tradicional existem estudos importantes (como os existentes em STROZAKE Juvelino Joseacute (Org) Questotildees agraacuterias ndash julgados comentados e pareceres Satildeo Paulo Meacutetodo 2002 principalmente os artigos de Roberto Delmanto Jr pp167-182 Antonio Scarance Fernandes pp293-310 e Dyrceu Aguiar Cintra Dias Jr pp 219-230) O debate tambeacutem jaacute chegou aos tribunais No STJ a decisatildeo de referecircncia sobre o tema estaacute no HC 4399SP No voto do Min Luiz Vicente Cernicchiaro o magistrado explicita as razotildees pelas quais concede o HC em favor dos integrantes do MST ldquoNo esbulho possessoacuterio o agente dolosamente investe contra a propriedade alheia a fim de usufruir um de seus atributos (uso) ou alterar os limites do domiacutenio para enriquecimento sem causa No caso dos autos ao contraacuterio diviso pressatildeo social para concretizaccedilatildeo de um direito (pelo menos-interesse) No primeiro caso contraste de legalidade compreende aspectos material e formal No segundo substancialmente natildeo haacute iliacutecito algumrdquo Superior Tribunal de Justiccedila HC nordm4399-SP Luiz Vicente Cernicchiaro Voto Vogal p02 Rel Min William Patterson julgado em 12031996 DJ 08041996 p10491 Disponiacutevel em lthttpwwwstjjusbrSCONjurisprudenciatocjspprocesso=4399ampampb=ACORampthesaurus=JURIDICOampp=truegt Acesso em 13022014 No acircmbito da accedilatildeo de reintegraccedilatildeo de posse movida pelo Governo de Satildeo Paulo contra a ocupaccedilatildeo das escolas estaduais realizada pelos estudantes secundaristas ndash como forma de protesto contra o plano de reorganizaccedilatildeo escolar empreendido pelo Governo daquele Estado ndash o Tribunal de Justiccedila considerou que ldquoNatildeo se antevecirc em suma o animus possidendi ou o animus rem sibi habendi autorizantes do tratamento possessoacuterio da mateacuteria mas antes expressotildees de desobediecircncia civil frente agrave autecircntica violecircncia ciacutevica de que se consideram viacutetimas os manifestantesrdquo E ainda ldquo() natildeo haacute nessa narrativa e nem nos autos qualquer evidecircncia que a entidade sindical queira de modo ilegal apropriar-se dos bens puacuteblicos referidos no recurso tecircm-se que como todos reconhecemos durante a sessatildeo de julgamento a absoluta inadequaccedilatildeo da pretendida proteccedilatildeo possessoacuteria e portanto o tangenciamento da carecircncia da accedilatildeo por falta de interesse de agirrdquo Tribunal de Justiccedila ndash SP Agravo de Instrumento nordm2243232-252015826000 7ordf Cacircmara de Direito Puacuteblico Rel Min Coimbra Schmidt Julgado em 23112015 Disponiacutevel em lthttpsesajtjspjusbrcposgshowdoprocessoforo=990ampprocessocodigo=RI0032WUQ0000gt Acesso em 25112015

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Esse eacute afinal o ponto relevante para definiccedilatildeo da posse apta a gerar a usucapiatildeo pois a

hipoacutetese que ora se desenvolve eacute a de que toda posse ad usucapionem eacute sempre e

necessariamente uma posse injusta sendo capaz de viabilizar a usucapiatildeo tanto

extraordinaacuteria quanto a ordinaacuteria Eacute perfeitamente possiacutevel que o sucessor na posse

natildeo tenha conhecimento da maacutecula que existiu na sua aquisiccedilatildeo pelo antecessor

hipoacutetese na qual teria posse injusta em funccedilatildeo da transmissatildeo do viacutecio com justo tiacutetulo

e boa-feacute Como a ldquoposse injustardquo em sentido formal eacute o mesmo que ldquoposse natildeo

autorizadardquo natildeo haveria impedimento em usucapir na modalidade ordinaacuteria

5 A influecircncia do tempo no saneamento dos viacutecios da posse

As estrateacutegias de saneamento tecircm como objetivo transformar uma posse inicialmente

injusta em uma posse justa no pressuposto de que tal requisito eacute imprescindiacutevel para

que se possa usucapir Mas tais estrateacutegias satildeo tatildeo amplas e variadas que o saneamento

se torna praticamente inevitaacutevel para uma parte da doutrina a simples manutenccedilatildeo da

posse pelo curto periacuteodo de 1 ano faz com que ela perca o viacutecio de origem e se torne

apta a viabilizar a usucapiatildeo

Esta interpretaccedilatildeo eacute decorrente de uma leitura muito particular da norma processual

que reserva a tutela liminar para os casos nos quais a posse tenha sido perdida haacute

menos de ano e dia32 Trata-se da diferenccedila entre a chamada ldquoposse novardquo e a ldquoposse

velhardquo Se a posse do esbulhador estiver sendo exercida haacute mais de 1 ano o esbulhado

perde a possibilidade de uma reintegraccedilatildeo liminar pois trata-se de uma ldquoposse velhardquo

Isto natildeo impede que o esbulhado obtenha uma medida mais ceacutelere mas ele precisaria

utilizar a via da tutela antecipada prevista no artigo 273 do CPC73 e que hoje como

espeacutecie do gecircnero tutela de urgecircncia tem o seu conteuacutedo regulado pelos artigos 294-

311 do CPC1533 De uma maneira geral o esbulhado precisaria de provas mais robustas

de que seu direito foi violado Vecirc-se que o tempo de exerciacutecio da posse pelo esbulhador

tem reflexo na dinacircmica processual da retomada mas natildeo na qualificaccedilatildeo da posse em

disputa que continua sendo injusta

32 Art 924 Regem o procedimento de manutenccedilatildeo e de reintegraccedilatildeo de posse as normas da seccedilatildeo seguinte quando intentado dentro de ano e dia da turbaccedilatildeo ou do esbulho passado esse prazo seraacute ordinaacuterio natildeo perdendo contudo o caraacuteter possessoacuterio 33 No CPC15 a tutela cautelar ndash pautada no fumus boni iuris e periculum in mora ndash e a tutela antecipada ndash baseada em verossimilhanccedila do que eacute alegado fundado receio de dano ou abuso do direito de defesa ndash foram reunidas em torno da tutela provisoacuteria nos seguintes termos Art294 A tutela provisoacuteria pode fundamentar-se em urgecircncia ou evidecircncia Paraacutegrafo uacutenico A tutela provisoacuteria de urgecircncia cautelar ou antecipada pode ser concedida em caraacuteter antecedente ou incidental Os requisitos para tais medidas em muito semelhantes aos termos do CPC revogado de uma maneira geral estatildeo regulados como indicado entre os artigos 294 e 311

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Poreacutem uma parte importante da doutrina civiliacutestica brasileira interpreta as diferenccedilas

estabelecias pelo direito processual como uma outra estrateacutegia de saneamento

decorrente da simples passagem do tempo O pensamento eacute o de que se reintegraccedilatildeo

liminar natildeo eacute mais possiacutevel isso significa que a posse inicialmente injusta se

transformou em posse justa Este entendimento eacute adotado por doutrinadores como por

exemplo Maria Helena Diniz que indica expressamente ldquo() se o adquirente a tiacutetulo

clandestino ou violento provar que sua clandestinidade ou violecircncia cessaram haacute mais

de ano e dia sua posse passa a ser reconhecida convalescendo-se dos viacutecios que a

maculavamrdquo34

Tal interpretaccedilatildeo eacute criticaacutevel porque o fato do possuidor esbulhado ter que fazer uma

prova mais consistente do seu direito para que obtenha a tutela antecipada natildeo

significa que a posse do esbulhador tenha passado a ser justa Significa apenas que

tendo em vista que o momento do esbulho natildeo eacute mais tatildeo niacutetido a prova para a

retomada da posse deve ser mais substancial para que a tutela seja concedida Mas o

apossamento natildeo autorizado ocorreu

Da mesma forma quando se tem em conta que natildeo haacute nenhuma modalidade de

usucapiatildeo com menos de 1 ano todas as vezes que o possuidor tiver superado tal prazo

o viacutecio teraacute sido expurgado razatildeo pela qual natildeo haveria hipoacutetese de possuidor com

tempo suficiente para usucapir que jaacute natildeo teria passado pelo ldquomarco saneadorrdquo35

Ainda entre os especialistas brasileiros Silvio Rodrigues36 defendeu a tese de que apoacutes

ano e dia de exerciacutecio da posse pelo esbulhador o possuidor esbulhado perderia o

direito de retomaacute-la pela via possessoacuteria cabendo apenas a accedilatildeo reivindicatoacuteria com

base no tiacutetulo Tal impossibilidade seria reflexo de que a posse inicialmente injusta pela

aquisiccedilatildeo violenta teria passado a ser justa tendo em vista a passagem do prazo

34 DINIZ Maria Helena Curso de direito civil brasileiro Vol4 ndash direito das coisas 26ordfed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p78 O posicionamento eacute tambeacutem encampado entre outros por NEDER Natal Usucapiatildeo de imoacuteveis 3ordfed Rio de Janeiro Forense 1989 p19 35 Tambeacutem por isso parece curiosa a hipoacutetese de saneamento pela passagem do tempo vislumbrada por COELHO Faacutebio Ulhocirca Curso de direito civil Vol4 ndash direito das coisas cit p39 ldquoA posse soacute deixa de ser violenta se o antigo possuidor natildeo se interessa pela retomada do bem ou natildeo obtendo sucesso no exerciacutecio do desforccedilo imediato desiste da luta Desaparecendo a violecircncia nesse caso a posse se torna justa () Em suma o desinteresse do desapossado em defender a sua posse descaracteriza a origem viciada da do novo possuidorrdquo De acordo com tal raciociacutenio todas as vezes que o possuidor tiver posse ad usucapionem pelo tempo necessaacuterio para usucapir a posse injusta teraacute se transformado em posse justa E se isso eacute assim para que serve o exame dos viacutecios objetivos 36 RODRIGUES Silvio Direito civil Vol5 ndash direito das coisas 28ordfed Satildeo Paulo Saraiva 2009 p25-27

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O raciociacutenio de Silvio Rodrigues parece uma meacutelange da soluccedilatildeo positivada em alguns

sistemas estrangeiros como vg no direito espanhol e no direito portuguecircs O

problema eacute que aqui ao contraacuterio do que ocorre nos ordenamentos dos dois maiores

paiacuteses da Peniacutensula Ibeacuterica natildeo haacute nenhuma disposiccedilatildeo normativa que ampare tal

interpretaccedilatildeo Em Portugal e na Espanha o decurso do prazo de um ano tem

primeiramente uma funccedilatildeo especiacutefica a de decretar o momento da perda da posse por

parte do possuidor esbulhado37 Eacute o mesmo raciociacutenio que no Brasil sustenta a previsatildeo

do artigo 122438 onde ainda que sem uma referecircncia objetiva de tempo eacute possiacutevel

verificar que o possuidor esbulhado natildeo perde o seu direito de posse no exato momento

em que ocorre a perda no plano faacutetico A funccedilatildeo dessa ficccedilatildeo39 tanto laacute quanto caacute

tambeacutem eacute a mesma garantir que natildeo haja soluccedilatildeo de continuidade no exerciacutecio da

posse quando intervalos intermitentes ocorrem40

De se ressaltar ainda que no ordenamento portuguecircs assim como no direito espanhol

o prazo de 1 ano corresponde tambeacutem agrave ldquocaducidaderdquo das accedilotildees de reintegraccedilatildeo ou

manutenccedilatildeo de posse41 Como o possuidor esbulhado natildeo pode mais utilizar tais accedilotildees

a interdiccedilatildeo da via possessoacuteria gera consequecircncias na compreensatildeo da manutenccedilatildeo dos

viacutecios No direito espanhol natildeo sem polecircmica o prazo de 1 ano de exerciacutecio da posse

pelo esbulhador configura hipoacutetese na qual ldquoel transcurso del tiempo sirve para

subsanar este vicio posesoriordquo42

37 Coacutedigo Civil espanhol ldquoArtiacuteculo 460 El poseedor puede perder su posesioacuten () 4 Por la posesioacuten de otro aun contra la voluntad del antiguo poseedor si la nueva posesioacuten hubiese durado maacutes de un antildeordquo Coacutedigo Civil portuguecircs ldquoArtigo 1267ordm (Perda da posse) 1 O possuidor perde a posse () d) Pela posse de outrem mesmo contra a vontade do antigo possuidor se a nova posse houver durado mais de um anordquo 38 Art 1224 Soacute se considera perdida a posse para quem natildeo presenciou o esbulho quando tendo notiacutecia dele se absteacutem de retornar a coisa ou tentando recuperaacute-la eacute violentamente repelido 39 No direito espanhol a doutrina diverge acerca do momento em que tem iniacutecio a posse do esbulhador Haacute quem entenda que a posse do esbulhador soacute tem iniacutecio apoacutes o prazo de 1 ano RODRIGUEZ-CANO Rodrigo Bercovitz Manual de derecho civil ndash derechos reales Madrid Bercal 2013 p77) Outros consideram que coexistem desde o iniacutecio duas posses sobre o bem posse de fato exercida pelo esbulhador e a posse de direito que ateacute o transcurso do prazo permanece na titularidade do esbulhado LOacutePEZ y LOacutePEZ Aacutengel M FERNANDEZ Rosario Valpuesta et all Derecho civil patrimonial Vol II Valencia Tirant lo Blanch 2014 p97 40 TEPEDINO Gustavo Comentaacuterios ao coacutedigo civil cit p192 DIacuteEZ-PICAZO Luis GULLOacuteN Antonio Sistema de derecho civil VolIII Tomo I (derechos reales en general) 8ordfed Madrid Tecnos 2013 p116 41 CORDEIRO Antoacutenio Menezes A posse perspectivas dogmaacuteticas actuais cit p112 SANTOS JUSTO A dos Direitos Reais 4ordfed cit p218 LOacutePEZ PAacuteSARO Eduardo Tutela Sumaria de la Posesioacuten (Interdicto de recobrar) Madrid Dykinson 2014 p187 O artigo 1282 do Coacutedigo Civil portuguecircs indica que ldquoA acccedilatildeo de manutenccedilatildeo bem como as de restituiccedilatildeo da posse caducam se natildeo forem intentadas dentro do ano subsequente ao acto da turbaccedilatildeo ou do esbulho ou ao conhecimento dele quando tenha sido praticado a ocultasrdquo Jaacute o diploma civil espanhol preceitua no seu artigo 19681 do Coacutedigo Civil espanhol ldquo Artiacuteculo 1968 Prescriben por el transcurso de un antildeo 1La accioacuten para recobrar o retener la posesioacutenrdquo 42 RODRIGUEZ-CANO Rodrigo Bercovitz Manual de derecho civil ndash derechos reales cit p73 No mesmo sentido ALBALADEJO Manuel A Derecho civil VolIII cit p63 DIacuteEZ-PICAZO Luis Fundamentos del derecho civil patrimonial VolIII las relaciones juriacutedico-reales el registro de la propiedad la posesioacuten 5ordfed Madrid Civitas 2008 p689

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Jaacute no direito portuguecircs o Coacutedigo Civil eacute expresso acerca da possibilidade de

saneamento dos viacutecios43 e a doutrina encampa unanimemente o entendimento de que

a posse eacute violenta ndash portanto injusta ndash apenas no tempo de duraccedilatildeo de seus efeitos44

Ou seja a posse violenta clandestina ou precaacuteria perde a condiccedilatildeo de viciosa no exato

instante em que se estabiliza Apoacutes a cessaccedilatildeo da violecircncia a posse passa a ser

perfeitamente apta a gerar a usucapiatildeo45

Mas ideia de que a posse eacute injusta apenas enquanto houver violecircncia ou

clandestinidade ao contraacuterio do direito luso natildeo tem respaldo no ordenamento

brasileiro apesar de ser defendida por nomes como os de Lenine Nequete46 e Arnoldo

Wald47 O artigo 1208 do Coacutedigo Civil alocado no capiacutetulo referente agrave aquisiccedilatildeo da

posse dispotildee claramente que ldquoNatildeo induzem posse os atos de mera permissatildeo ou

toleracircncia assim como natildeo autorizam a sua aquisiccedilatildeo os atos violentos ou clandestinos

senatildeo depois de cessar a violecircncia ou a clandestinidaderdquo Ou seja aqui enquanto a

violecircncia estiver sendo empregada natildeo haacute posse Apoacutes a sua cessaccedilatildeo a posse advinda

de tais atos eacute posse mas posse injusta48

Natildeo haacute duacutevida portanto de que o prazo de ldquoano e diardquo tem uma funccedilatildeo importante No

direito espanhol o prazo serve como marco da perda da posse da impossibilidade de

utilizaccedilatildeo das accedilotildees possessoacuterias e de saneamento dos viacutecios objetivos No direito

portuguecircs serve igualmente de referecircncia para identificaccedilatildeo do momento de perda da

posse e da caducidade da via possessoacuteria ao passo que os viacutecios satildeo considerados

sanados apoacutes a cessaccedilatildeo de seus efeitos

Em ambos os ordenamentos o expurgo dos viacutecios pela passagem do tempo tem

respaldo normativo ainda que as criacuteticas anteriormente feitas a este raciociacutenio no

direito brasileiro tambeacutem sejam aplicaacuteveis a tais sistemas natildeo havendo tambeacutem neles

nenhuma modalidade de usucapiatildeo com menos de 1 ano a ideia do saneamento da

43 Artigo 1297ordm (Posse violenta ou oculta) Se a posse tiver sido constituiacuteda com violecircncia ou tomada ocultamente os prazos da usucapiatildeo soacute comeccedilam a contar-se desde que cesse a violecircncia ou a posse se torne puacuteblica 44 Por todos CARVALHO Orlando de Direito das coisas Coimbra Coimbra Editora 2012 p283 45 FRANCcedilA PITAtildeO Joseacute Antoacutenio de Posse e usucapiatildeo Lisboa Almedina 2007 p74 FERREIRA Durval Posse e usucapiatildeo 3ordfed Lisboa Almedina 2008 p319 OLIVEIRA ASCENCcedilAtildeO Joseacute de Direito civil ndash reais cit p116 46 NEQUETE Lenine Da prescriccedilatildeo aquisitiva (usucapiatildeo) Porto Alegre Ediccedilatildeo Sulina 1954 p80 47 WALD Arnoldo Direito Civil direito das coisas Vol4 Satildeo Paulo Saraiva 2011 pp103-104 48 Segundo esclarece Joseacute Carlos Moreira Alves ldquo() para o Coacutedigo Civil brasileiro () enquanto materialmente existentes ndash ou seja enquanto se pratica a violecircncia ou haacute clandestinidade ndash impedem [tais viacutecios] a aquisiccedilatildeo ateacute da possessio ad interdicta havendo apenas detenccedilatildeo independente e uma vez cessados em sua materialidade surge a posse embora qualificada como injusta que produz as consequecircncias de qualquer posse injustardquo MOREIRA ALVES Joseacute Carlos ldquoA detenccedilatildeo no direito civil brasileiro (conceito e casos)rdquoIn CAHALI Yussef Said Posse e propriedade doutrina e jurisprudecircncia Satildeo Paulo Saraiva 1987 p20

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mesma forma que aqui natildeo tem funccedilatildeo nenhuma porque sempre que o usucapiente

tiver prazo para usucapir os viacutecios teratildeo deixado de existir

De se ressaltar ainda que o proacuteprio Silvio Rodrigues reconheceu que a sua tese natildeo

tinha fundamento legal Na nota de rodapeacute 28 do seu livro ldquoDireito das Coisasrdquo49 o

autor demonstrou que entendia que o Coacutedigo de Processo Civil de 1939 tinha extirpado

a ldquoaccedilatildeo de forccedila velha expoliativardquo do ordenamento brasileiro razatildeo pela qual para o

possuidor de mais de 1 ano e dia caberia apenas a via petitoacuteria o que sanearia o viacutecio na

aquisiccedilatildeo Isto porque segundo sua interpretaccedilatildeo ldquoBasta que ela [a posse] se estenda

pacificamente ou publicamente durante o intervalo de ano e dia para que fique

purgada de seus defeitosrdquo50 Mas o proacuteprio autor admitiu ao final da nota de rodapeacute

28 que o CPC de 73 ldquoextirpou a duacutevidardquo que poderia existir em torno da possibilidade

de accedilatildeo de reintegraccedilatildeo com mais de 1 ano e dia do esbulho que ldquomesmo intentadas

apoacutes o intervalo de ano e dia natildeo perdem o seu caraacuteter acessoacuteriordquo51 Mesmo criticando

a soluccedilatildeo do CPC reconhece que ldquo() a vontade do legislador manifestada de forma

irrefutaacutevel que deve prevalecerrdquo52 Fica claro portanto que natildeo haacute fundamento legal

para a tese de que a posse injusta se transforma em posse justa apoacutes ano e dia

6 Saneamento pelo cumprimento da funccedilatildeo social

Alguns estudos mais recentes tecircm indicado que os viacutecios objetivos da posse podem ser

considerados sanados uma vez constatado o cumprimento da funccedilatildeo social por parte do

esbulhador53

Mas o saneamento pelo cumprimento da funccedilatildeo social da posse pode ser

primeiramente criticado por que natildeo haacute qualquer dispositivo normativo em vigor no

ordenamento juriacutedico brasileiro que defina o que eacute e qual eacute o conteuacutedo da funccedilatildeo social

da posse A doutrina tem buscado dar substacircncia ao princiacutepio pela conexatildeo que

tradicionalmente eacute feita entre funccedilatildeo social da posse e a efetivaccedilatildeo de direitos

fundamentais como os de moradia e trabalho

49 RODRIGUES Silvio Direito civil Vol5 ndash direito das coisas cit p30 50 RODRIGUES Silvio Direito civil Vol5 ndash direito das coisas cit p30 51 O CPC15 eacute claro acerca do caraacuteter possessoacuterio da accedilatildeo proposta apoacutes o prazo de ldquoano e diardquo Art558 Regem o procedimento de manutenccedilatildeo e de reintegraccedilatildeo de posse as normas da Seccedilatildeo II deste Capiacutetulo quando a accedilatildeo for proposta dentro de ano e dia da turbaccedilatildeo ou do esbulho afirmado na peticcedilatildeo inicial Paraacutegrafo uacutenico Passado o prazo referido no caput seraacute comum o procedimento natildeo perdendo contudo o caraacuteter possessoacuterio 52 RODRIGUES Silvio Direito civil Vol5 ndash direito das coisas cit p30 nota28 53 MELO Marco Aureacutelio Bezerra de Curso de direito civil Vol5 ndash direito das coisas 2015 p73 FARIAS Cristiano Chaves de ROSENVALD Nelson Curso de direito civil Vol5 ndash reais cit p119

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Eacute possiacutevel tentar extrair essa conexatildeo da relaccedilatildeo entre posse e propriedade

considerando que a propriedade deve cumprir a funccedilatildeo social a posse tambeacutem deve ser

lida como subordinada a tal princiacutepio Mas se a funccedilatildeo social da propriedade eacute em

grande medida a ldquofunccedilatildeo social da posse exercida pelo proprietaacuteriordquo54 seraacute viaacutevel dizer

que o contraacuterio tambeacutem eacute verdadeiro Um possuidor de uma aacuterea de grande extensatildeo

de terra na zona rural estaacute obrigado a cumprir os mesmos preceitos direcionados ao

proprietaacuterio estabelecidos no artigo 184 da Constituiccedilatildeo E qual seria a consequecircncia

do descumprimento desse conteuacutedo por parte de quem eacute apenas o possuidor E no caso

da posse urbana qual o conteuacutedo a ser cumprido para que a funccedilatildeo social seja

contemplada

A falta de uma definiccedilatildeo sobre o conteuacutedo objetivamente definido para a funccedilatildeo social

da posse prejudica enormemente a sua utilizaccedilatildeo como criteacuterio para avaliaccedilatildeo do o

expurgo dos viacutecios objetivos Aleacutem de desnecessaacuteria a possibilidade do saneamento

atraveacutes de um princiacutepio tatildeo ldquomaleaacutevelrdquo tem como consequecircncia o seu reconhecimento

em um sem nuacutemero de situaccedilotildees tatildeo diacutespares que fica difiacutecil enxergar em que

circunstacircncia qualquer exerciacutecio regular da posse natildeo o atenderia

Nos tribunais fala-se em cumprimento da funccedilatildeo social quando a posse de um terreno eacute

utilizada para criaccedilatildeo de galinhas55 quando mesmo sem comprovar o tempo

necessaacuterio o possuidor prova que construiu lojas e quitinetes no imoacutevel que pretendia

usucapir56 ou ainda quando o imoacutevel a ser usucapido foi utilizado como garagem e aacuterea

de lazer durante o lapso temporal necessaacuterio agrave usucapiatildeo57

54 DANTAS Marcus Eduardo de Carvalho ldquoDa funccedilatildeo social da propriedade agrave funccedilatildeo social da posse exercida pelo proprietaacuterio ndash uma proposta de releitura do princiacutepio constitucionalrdquo RIL ndash Revista de Informaccedilatildeo Legislativa ano 52 n 205 p23-38 Mar 2015 p34 DANTAS Marcus Eduardo de Carvalho ldquoFunccedilatildeo social nos conflitos fundiaacuteriosrdquo Revista Direito GV Satildeo Paulo v9 n 2 p465-488 Dec 2013 p479 55 Tribunal de Justiccedila do Rio de Janeiro Apelaccedilatildeo nordm 0003045-5320028190061 Rel Des Gilda Maria

Dias Carrapatoso Julgamento 31072013 13ordf Cacircmara Ciacutevel Disponiacutevel em

httpwww1tjrjjusbrgedcachewebdefaultaspxUZIP=1ampGEDID=0004CC331928D8D3A72C15733D

069BD44D8BC50237206304 Acesso em 12032015 56 Tribunal de Justiccedila do Rio de Janeiro Apelaccedilatildeo nordm 0034331-2420108190205 Rel Des Andreacute

Ribeiro Julgamento 05062013 7ordf Cacircmara Ciacutevel Disponiacutevel em

httpwww1tjrjjusbrgedcachewebdefaultaspxUZIP=1ampGEDID=000421376D950C28F7B805418EE

F244E6857C5022B4D2D4CAcesso em 12032015 57 Tribunal de Justiccedila do Rio de Janeiro Apelaccedilatildeo nordm 0096918-8820058190001 Rel Des Antocircnio

Saldanha Palheiro Julgamento 12042011 5ordf Cacircmara Ciacutevel Disponiacutevel em

httpwww1tjrjjusbrgedcachewebdefaultaspxUZIP=1ampGEDID=0003FDB81056920E5F12D511F73

43C44001098C403252532 Acesso em 12032015

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Natildeo se trata aqui de uma avaliaccedilatildeo moral acerca daquilo que deve ou natildeo ser

considerado como o conteuacutedo da funccedilatildeo social A questatildeo eacute que sem um conteuacutedo bem

especificado a funccedilatildeo social deixa de ser um mecanismo de qualificaccedilatildeo da posse ela

natildeo tem serventia alguma como mecanismo de diferenciaccedilatildeo Se a utilizaccedilatildeo de um

terreno como garagem e lazer corresponde ao exerciacutecio da posse com funccedilatildeo social em

que circunstacircncia o exerciacutecio puro e simples da posse natildeo corresponderia a tal

princiacutepio Basta natildeo realizar uma atividade iliacutecita para cumprir a funccedilatildeo social da

posse Qual a diferenccedila entre ldquoter posserdquo e ldquoter posse com funccedilatildeo socialrdquo

A segunda linha de criacutetica se orienta pelo fato de que nem todas as modalidades de

usucapiatildeo existentes no ordenamento brasileiro tecircm uma conexatildeo visiacutevel com os temas

tradicionalmente considerados como caracteriacutesticos da funccedilatildeo social A usucapiatildeo

extraordinaacuteria prevista no caput do artigo 1238 do Coacutedigo Civil58 por exemplo natildeo

exige do possuidor que exerccedila a posse com fins de moradia tampouco que utilize o

imoacutevel como fonte de trabalho Isso mostra que o Coacutedigo diferencia as situaccedilotildees nas

quais a posse eacute exercida como meio de efetivaccedilatildeo dos direitos tradicionalmente

afinados com uma ideia geral de funccedilatildeo social e aquelas nas quais a posse eacute exercida

regularmente mas sem tal qualificaccedilatildeo especial Em tais condiccedilotildees o entendimento de

que a injusticcedila original da posse pode ser sanada pelo cumprimento da funccedilatildeo social

para a usucapiatildeo em geral ficaria ainda uma vez sem sentido pois o diploma civil natildeo

exige que a posse seja exercida como moradia ou fonte de trabalho em todas as

modalidades da usucapiatildeo

7 O ldquoteste do uso incompatiacutevelrdquo e a funccedilatildeo da posse injusta na usucapiatildeo

Apesar de todo esforccedilo doutrinaacuterio na defesa de formas pelas quais a posse injusta pode

deixar para traacutes o seu viacutecio de origem a doutrina tem um posicionamento tatildeo soacutelido

quanto incoerente acerca do viacutecio da precariedade o de que ele natildeo convalesce nunca

O entendimento eacute defendido por quase59 a totalidade dos especialistas sob o

58 Art 1238 Aquele que por quinze anos sem interrupccedilatildeo nem oposiccedilatildeo possuir como seu um imoacutevel adquire-lhe a propriedade independentemente de tiacutetulo e boa-feacute podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentenccedila a qual serviraacute de tiacutetulo para o registro no Cartoacuterio de Registro de Imoacuteveis Paraacutegrafo uacutenico O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-aacute a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imoacutevel a sua moradia habitual ou nele realizado obras ou serviccedilos de caraacuteter produtivo

59 Francisco Eduardo Loureiro eacute uma boa exceccedilatildeo agrave leitura predominante Nesse sentido ldquoDiz-se que a posse precaacuteria nunca gera usucapiatildeo Na verdade eacute ela imprestaacutevel para usucapiatildeo natildeo porque eacute injusta mas porque o precarista natildeo tem animus domini uma vez que reconhece a supremacia e o melhor direito do terceiro sobre a coisa Caso poreacutem natildeo reconheccedila ou deixe de reconhecer essa posiccedilatildeo e revele isso de modo inequiacutevoco e claro ao titular do domiacutenio para que este possa reagir e retomar a coisa nasce nesse momento o prazo para usucapiatildeo porque o requisito animus domini estaraacute entatildeo presente LOUREIRO Francisco Eduardo ldquoDireito das coisas (arts 1196-1510)rdquo In PELUSO Cezar (Coord) Coacutedigo civil interpretado Satildeo Paulo Manole 2008 p1092-1093

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argumento de que o descumprimento do dever de restituiccedilatildeo do bem soacute deixa de existir

quando a coisa eacute devolvida Enquanto o bem permanece com o esbulhador a posse

permanece injusta e nenhuma das taacuteticas anteriormente analisadas seria suficiente

para modificar tal condiccedilatildeo

Trata-se de uma interpretaccedilatildeo no miacutenimo insoacutelita pois acaba tornando o viacutecio da

precariedade mais grave que os outros se o esbulhador usa a violecircncia fiacutesica contra a

pessoa do esbulhado ele pode ver tal viacutecio sanado das formas mais diversas se a

aquisiccedilatildeo se daacute pela recusa da restituiccedilatildeo isso natildeo seria de forma alguma possiacutevel pela

ldquoquebra da confianccedilardquo Mas por que a ldquoquebra da confianccedilardquo eacute mais grave que o uso da

forccedila fiacutesica Aleacutem de natildeo parecer razoaacutevel trata-se de uma interpretaccedilatildeo que atribui

uma vantagem injustificaacutevel em favor do proprietaacuterio Independentemente do que ele

tiver feito ou deixado de fazer para retomar o bem o fato da posse ser injusta

bloquearia a usucapiatildeo para sempre

Como indicado a discussatildeo acerca das circunstacircncias nas quais algueacutem pode se tornar

proprietaacuterio pela usucapiatildeo eacute tambeacutem uma discussatildeo acerca das condiccedilotildees nas quais

algueacutem pode legitimamente exercer o seu direito de propriedade Eacute possiacutevel

reconhecer poreacutem que a doutrina brasileira tem dado uma ecircnfase talvez desmesurada

na atuaccedilatildeo do possuidor deixando de investigar a dimensatildeo real do papel do

proprietaacuterio nesse jogo Soacute haveraacute usucapiatildeo se o proprietaacuterio de algum modo se

mantiver inerte na recuperaccedilatildeo do bem E se o proprietaacuterio deixou de tomar as

providencias necessaacuterias agrave tutela do seu direito durante um periacuteodo que pode variar de

2 a 15 anos eacute porque ele tambeacutem contribuiu para a consolidaccedilatildeo da posse do

usucapiente Como seria o cenaacuterio se a ecircnfase no processo recaiacutesse sobre o

proprietaacuterio Se independentemente da preocupaccedilatildeo com a caracterizaccedilatildeo de

eventuais viacutecios da posse incidisse principalmente sobre o titular a responsabilidade de

agir para que a usucapiatildeo natildeo se consumasse

Um caso interessante nesse sentido ndash e pouco estudado no Brasil ndash eacute o chamado

ldquoJAPye (Oxford) Ltd v Grahamrdquo ou apenas ldquoCase Pyerdquo como ficou conhecido De

forma muito resumida a empresa do ramo imobiliaacuterio JA Pye (Oxford) Ltd adquiriu

um terreno em Berkshire oeste de Londres com o objetivo de desenvolver um

empreendimento imobiliaacuterio e obteve o respectivo registro como proprietaacuteria da aacuterea

Apoacutes realizar a venda de uma parte do terreno a empresa inglesa celebrou um contrato

de 1 ano com a famiacutelia Graham por meio do qual seus integrantes ficavam autorizados a

utilizar os 25 hectares restantes da aacuterea como pasto Apoacutes o teacutermino do contrato os

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Graham procuraram a empresa com objetivo de obter uma renovaccedilatildeo mas a J A Pye

Ltd se recusou a fazecirc-lo Apesar disso Caroline e Michael Graham continuaram a

ocupar o terreno e a utilizaacute-lo como pasto por mais 12 anos com o conhecimento da

empresa mas sem o seu consentimento ainda que a J A Pye Ltd tenha se mantido

inerte quanto agraves providecircncias necessaacuterias para impedir a permanecircncia natildeo autorizada

dos Graham no local Apoacutes os 12 anos de exerciacutecio natildeo autorizado da posse os Graham

solicitaram o reconhecimento dos seus direitos sobre a referida aacuterea o que foi

concedido pelo registro com base na ldquoadverse possessionrdquo ou seja na usucapiatildeo

A decisatildeo gerou um sem nuacutemero de polecircmicas e modificaccedilotildees de rumo chegando ateacute

ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos onde no julgamento da Queixa

nordm4430202 foi dado ganho de causa ao Reino Unido e por consequecircncia agrave famiacutelia

Graham Em um primeiro momento a ldquoCourt of Appealrdquo deu decisatildeo favoraacutevel agrave

empresa ldquoPyerdquo com base entre outros motivos no fato de que a famiacutelia Graham natildeo

tinha ldquothe necessary intention to possessrdquo ou seja o acircnimo de dono Considerando-se

que no direito inglecircs vigora o chamado ldquoprocedural approachrdquo no que tange agrave usucapiatildeo

ndash a ecircnfase no aspecto processual da disputa ndash a referecircncia ao animus possidendi foi

considerada uma inovaccedilatildeo surpreendente60 De fato uma vez que os agricultores

permaneceram apenas fazendo aquilo que jaacute faziam quando do contrato em vigor os

julgadores da ldquoCourt of Appealrdquo entenderam que natildeo havia a intenccedilatildeo de passar a ser o

dono do lugar contrapondo-se frontalmente ao direito da empresa61 A decisatildeo foi

objeto de recurso agrave ldquoHouse of Lordsrdquo que deu ganho de causa agrave Caroline Graham62

Ainda inconformada a empresa ldquoPyerdquo entrou com novo recurso e como indicado o

caso chegou ateacute ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos sob a alegaccedilatildeo de que o

Reino Unido havia violado o direito de propriedade da J A Pye Ltd descumprindo a

garantia prevista no artigo 1ordm do Protocolo Adicional nordm 1 da Convenccedilatildeo Europeia dos

Direitos do Homem63 A decisatildeo final foi favoraacutevel ao Reino Unido e

60 RADLEY-GARNER Oliver ldquoCivilized Squattingrdquo Oxford Journal of Legal Studies (winter 2005) 25 (04) p728 61 A discussatildeo pode ser conhecida em httpwwwpublicationsparliamentukpald200102ldjudgmtjd020704graham-3htm Acesso em 13122014 62 O voto de maior peso no julgamento foi o de Lord Browne-Wilkinson por ter considerado que ao contraacuterio do que se exigia ateacute entatildeo a partir do momento em que os Graham continuaram a pastorear a terra sem a autorizaccedilatildeo da ldquoJAPyerdquo eles passaram a ter posse em nome proacuteprio o que independentemente de um conflito aberto seria suficiente para viabilizar a adverse possession O voto na iacutentegra pode ser lido em ldquoHouse of Lords Judgments ndash J A Pye (Oxford) Ltd and Others v Graham and Another on 4 July 2002rdquo httpwwwpublicationsparliamentukpald200102ldjudgmtjd020704graham-1htm Acesso em 13122014 63 ldquoQualquer pessoa singular ou colectiva tem direito ao respeito dos seus bens Ningueacutem pode ser privado do que eacute sua propriedade a natildeo ser por utilidade puacuteblica e nas condiccedilotildees previstas pela lei e pelos princiacutepios gerais do direito internacional

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consequentemente agrave famiacutelia Graham sob diversos argumentos Destacam-se para fins

do presente estudo a ideia de que a usucapiatildeo deve ser encarada como um mecanismo

de controle ou regulamentaccedilatildeo do uso dos bens eis que eacute de interesse geral saber quem

efetivamente eacute responsaacutevel pelo imoacutevel bem como pelos tributos decorrentes de tal

condiccedilatildeo o que remete agrave seguranccedila juriacutedica 64

Entre diversas questotildees importantes o episoacutedio mostra como em grande medida a

dogmaacutetica juriacutedica brasileira tem abordado o tema da usucapiatildeo de maneira a ampliar

os poderes do proprietaacuterio Uma atenccedilatildeo desmesurada tem sido dada agrave posse do

usucapiente sempre cheia de requisitos a cumprir escamoteando-se as

responsabilidades do titular do direito a ser usucapido

Desde logo salta aos olhos o fato de que na hipoacutetese do ldquoCase Pyerdquo o poder da famiacutelia

Graham sobre o terreno poderia no Brasil ser qualificado como uma situaccedilatildeo de mera

toleracircncia hipoacutetese na qual natildeo haveria verdadeiramente posse conforme indicaccedilatildeo do

artigo 1208 do Coacutedigo Civil brasileiro Mas eacute preciso reconhecer que apesar da empresa

ldquoPyerdquo ter ldquotoleradordquo a presenccedila dos Graham o fato eacute que a ineacutercia de ldquoPyerdquo se deu em

momento posterior agrave negativa de renovaccedilatildeo do contrato o que demonstra o interesse

em natildeo perpetuar a presenccedila da famiacutelia Graham no local A recusa agrave renovaccedilatildeo e a

ineacutercia fariam entatildeo com que a hipoacutetese passasse a ser encarada como uma ldquoposse

precaacuteriardquo justamente o viacutecio que a doutrina brasileira insiste em considerar insanaacutevel

e portanto incapaz de gerar a usucapiatildeo

Mas o episoacutedio mostra que quando algueacutem exerce posse sobre o bem de outrem

diversos pontos de vista podem ser utilizados para analisar a questatildeo o proprietaacuterio

permitiu tal exerciacutecio Ele tomou as providecircncias necessaacuterias para recuperar o bem O

possuidor adverso sabia que o bem era de outra pessoa e se negou a devolvecirc-lo

As condiccedilotildees precedentes entendem - se sem prejuiacutezo do direito que os Estados possuem de pocircr em vigor as leis que julguem necessaacuterias para a regulamentaccedilatildeo do uso dos bens de acordo com o interesse geral ou para assegurar o pagamento de impostos ou outras contribuiccedilotildees ou de multasrdquo No original ldquoThe preceding provisions shall not however in any way impair the right of a State to enforce such laws as it deems necessary to control the use of property in accordance with the general interest or to secure the payment of taxes or other contributions or penaltiesrdquo European Court of Human Rights ldquoCase JA Pye (Oxford) Ltd and JA Pye (Oxford) Land Ltd v The United Kingdom Alleged Violation of Article 1 of Protocol nordm 1 Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-82172itemid[001-82172] Acesso em 03032014 64 ABREU Abiacutelio Vassalo Titularidade Registral do Direito de Propriedade Imobiliaacuteria versus usucapiatildeo (adverse possession) Coimbra Coimbra Editora 2011 p83

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Nesses termos o modelo processual inglecircs indica que a reflexatildeo acerca da usucapiatildeo

tambeacutem deve englobar uma meditaccedilatildeo sobre a atuaccedilatildeo do proprietaacuterio na recuperaccedilatildeo

do seu direito pois nada acontece se ele agir de maneira ceacutelere Mesmo apoacutes a negativa

de permanecircncia da famiacutelia Graham a empresa Pye permaneceu 12 anos sem tomar as

providecircncias necessaacuterias para a desocupaccedilatildeo do local Eacute um espaccedilo consideraacutevel de

tempo Seria razoaacutevel entender que por ser ldquoinsanaacutevelrdquo o viacutecio da precariedade nunca

admitiria a consumaccedilatildeo da usucapiatildeo em favor dos Graham

Aleacutem de problemaacutetica essa interpretaccedilatildeo ressuscita o problema da ldquoposse eternamente

injustardquo o esbulhador nunca poderia usucapir mesmo se o esbulhado natildeo procurar

retomar a sua posse Ao que tudo indica a impossibilidade de saneamento do viacutecio da

precariedade reflete a um imperativo moral a quebra da confianccedila depositada deve ser

punida com a perenidade do caraacuteter injusto E aqui se abre a oportunidade de discutir

afinal qual eacute a funccedilatildeo da anaacutelise da injusticcedila como meio de barreira para a usucapiatildeo

Quando se faz referecircncia agraves diversas teacutecnicas de saneamento dos viacutecios eacute preciso

reconhecer que elas natildeo podem ser lidas como um modo de suplantar o fato de que a

posse do usucapiente natildeo foi autorizada e eacute exercida de forma contraacuteria aos interesses

do titular porque essa eacute uma condiccedilatildeo necessaacuteria para que a usucapiatildeo ocorra Ainda

que natildeo haja uma ldquobatalha campalrdquo em busca da posse ldquoCrucially the adverse

possessorrsquos use must be without permission (ldquoadverserdquo)rdquo65 A aquisiccedilatildeo sem autorizaccedilatildeo

e o exerciacutecio contraacuterio aos interesses do titular satildeo pressupostos para a usucapiatildeo

Em tais condiccedilotildees as estrateacutegias que visam a ldquoeliminaccedilatildeo da injusticcedilardquo pelo expurgo

dos viacutecios de origem soacute podem ser compreendidas como vias pelas quais se pretende

superar o chamado ldquoparadoxo moralrdquo66 aparentemente existente em torno da proacutepria

ideia de usucapiatildeo qual a justificativa para que algueacutem perca o seu direito de

propriedade em funccedilatildeo da atuaccedilatildeo natildeo autorizada de outra pessoa

Mas a falta de precisatildeo doutrinaacuteria na referecircncia agrave justiccedila ou injusticcedila da posse faz com

que a exigecircncia de que a posse ad usucapionem seja uma posse ldquojustardquo gere a falsa

ideia de que a atuaccedilatildeo do usucapiente estaacute em conformidade com o direito E as

estrateacutegias de saneamento reforccedilam essa confusatildeo ao se voltarem para o modo como a

posse foi adquirida Elas servem como uma justificativa para tentar amainar a ilicitude

65 MERRIL Thomas W SMITH Henry E Property Oxford Oxford University Press 2010 p36 66 KATZ Larissa ldquoThe moral paradox of adverse possession sovereignty and revolution in property lawrdquo McGill Law Journal Vol55 2010 pp47-80 cit p 59

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do apossamento mas isso eacute virtualmente impossiacutevel sem jogar o instituto em um non

sense pois a contrariedade da posse ad usucapionem eacute intriacutenseca a usucapiatildeo

Quando se diz que a posse do usucapiente eacute sempre injusta isso significa que ela natildeo

estaacute autorizada de forma alguma e se coloca sim em posiccedilatildeo de conflito (ainda que

velado) com os interesses do proprietaacuterio ou seja algueacutem vai adquirir a propriedade de

algo que jaacute tem dono e obviamente sem a colaboraccedilatildeo deste

Por isso as estrateacutegias de saneamento estatildeo por assim dizer ldquono lugar erradordquo pois

acabam mascarando a dinacircmica real do processo por meio do qual algueacutem caminha

para usucapir o bem de outrem Isto acaba ampliando as sombras existentes entre as

linhas que demarcam uma posse ldquomoralmente legitimadardquo a viabilizar a usucapiatildeo e a

adversidade sem a qual a aquisiccedilatildeo natildeo tem como se efetivar

Nessa direccedilatildeo a caracterizaccedilatildeo da posse ad usucapionem natildeo depende do saneamento

dos viacutecios objetivos pois o meio objetivo pelo qual se deu o apossamento eacute afinal

irrelevante Basta o chamado ldquoteste de uso incompatiacutevelrdquo (inconsistent use test) ou

seja da verificaccedilatildeo de que a posse natildeo autorizada se daacute em desconformidade com a

agenda estabelecida pelo proprietaacuterio do bem a ser usucapido67 Natildeo importa o modo

pelo qual tal contrariedade ganhou forma o fato eacute que ela existe e uma vez constatada

gera para o proprietaacuterio a oportunidade de se opor dentro de um determinado periacuteodo

de tempo sem o que perderaacute a titularidade do bem

Eacute importante ainda deixar expliacutecito o fato de que toda discussatildeo em torno dos

pressupostos para a aquisiccedilatildeo pela usucapiatildeo reflete uma dada concepccedilatildeo acerca da

propriedade Debater em que circunstacircncia algueacutem pode se tornar o proprietaacuterio do

bem que eacute de outro resvala em uma avaliaccedilatildeo acerca da amplitude de formas de

atuaccedilatildeo que o proprietaacuterio estaacute legitimado a desempenhar

Do mesmo modo a possiacutevel imoralidade existente na atribuiccedilatildeo do direito de

propriedade em favor de algueacutem que viola o direito de outrem eacute decorrente de uma

visatildeo que considera moralmente aceitaacutevel que o bem objeto desse direito possa

permanecer sem um uso efetivo durante um nuacutemero maior ou menor de anos jaacute que

natildeo haacute usucapiatildeo sem a ineacutercia do titular do direito a ser usucapido

67 KATZ Larissa ldquoThe moral paradoxrdquo cit p50

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Nesse sentido ultrapassar a discussatildeo acerca das estrateacutegias de saneamento dos viacutecios

da aquisiccedilatildeo rumo a um debate aprofundado sobre as razotildees que contribuem para a

superaccedilatildeo do paradoxo moral permitiria por exemplo a consideraccedilatildeo de que mesmo

um possuidor de maacute-feacute pode dar um uso economicamente mais eficiente do que aquele

dado pelo possuidor originaacuterio68 ou que em um contexto de deacuteficit de moradias a

ideia de que ldquoo natildeo uso eacute uma forma de usordquo69 seria juriacutedica e moralmente indefensaacutevel

pois corresponderia a absolutizaccedilatildeo da propriedade

O debate moral em torno da usucapiatildeo eacute rico de possibilidades que auxiliam na

compreensatildeo adequada do instituto e tambeacutem por isso natildeo pode ser represado Quando

se vecirc tanto esforccedilo doutrinaacuterio para expurgar os viacutecios objetivos de origem o uacutenico

sentido possiacutevel para tanto eacute pressuposto de que haacute uma avaliaccedilatildeo moralmente

negativa em torno da ideia de que uma posse ldquoinjustardquo seja apta a transformar um

ldquoladratildeordquo em proprietaacuterio Mas aqui o foco estaacute todo voltado para como a posse foi

adquirida o que reduz enormemente a investigaccedilatildeo Natildeo se trata da defesa da

legitimaccedilatildeo do uso da forccedila como se fosse possiacutevel concordar com a grilagem de terras

mas justo o oposto da possibilidade de reconhecimento de que mesmo o uso da forccedila

pode ser justificado quando a efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais como os relativos agrave

moradia e ao trabalho se contrapotildeem ao natildeo uso e a especulaccedilatildeo A existecircncia do

instituto da usucapiatildeo revela em si mesma que ordenamento fez uma escolha na qual o

uso efetivo do bem estaacute em uma posiccedilatildeo hierarquicamente superior ao natildeo uso Diante

da diferenciaccedilatildeo entre justiccedila e injusticcedila formal ndash relativa agrave aquisiccedilatildeo ndash e justiccedila ou

injusticcedila material (os valores materializados em cada efetivo apossamento) abre-se a

oportunidade de discutir as bases morais econocircmicas e filosoacuteficas por meio das quais eacute

ainda hoje possiacutevel fundamentar a manutenccedilatildeo ou perda dos direitos de propriedade

titularizados por algueacutem

De todo modo para os objetivos do presente estudo a hipoacutetese testada parece poder

ser adequadamente confirmada independentemente do modelo de usucapiatildeo a ser

adotado independentemente do fundamento mais adequado para usucapiatildeo em

68 FENNEL Lee Anne ldquoEfficient trespass the case for lsquobad faithrsquo adverse possessionrdquo Northwestern University Law Review Vol100 p1035-10962006 p53 Considerando-se que apenas um imoacutevel sem um uso efetivo pode ser objeto de apossamento alheio estendido por vaacuterios anos sem uma reaccedilatildeo apropriada a manutenccedilatildeo da sua titularidade pode ser lida como uma falha de mercado que daacute corpo agrave especulaccedilatildeo a venda do imoacutevel natildeo ocorre porque o titular natildeo encontra condiccedilotildees que lhe garantam a remuneraccedilatildeo pretendida naquele momento Da mesma forma levando-se em consideraccedilatildeo que no caso brasileiro a funccedilatildeo social remete agrave obrigatoriedade do uso e que isto por sua vez desaacutegua no exerciacutecio da posse toda posse ad usucapionem poderia ser lida como a vitoacuteria do uso produtivo sobre o natildeo uso especulativo Nesse sentido a posse de maacute-feacute corresponderia agrave deliberada intenccedilatildeo de concretizar um uso socialmente uacutetil a um bem que estaacute sendo administrado de forma ineficiente 69 NASCIMENTO Tupinambaacute Miguel Castro do Posse e propriedade Porto Alegre Livraria do Advogado 1986 p10

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nenhum lugar eacute possiacutevel colocar em questatildeo o fato de que a posse exercida pelo

esbulhador eacute adversa A posse exercida por algueacutem natildeo autorizado que deseja ou

acredita que jaacute tem o direito de outrem eacute nesse sentido sempre e necessariamente uma

posse injusta

Conclusatildeo

As tentativas de saneamentos dos viacutecios satildeo incongruentes e ineficientes porque a

superaccedilatildeo do paradoxo moral existente na usucapiatildeo depende de uma reflexatildeo acerca

daquilo que a sociedade considera como moralmente justificado em torno do exerciacutecio

do direito de propriedade E desde aiacute eacute possiacutevel perceber diversos aspectos que

demonstram que o exerciacutecio da posse seja qual for a sua qualificaccedilatildeo eacute mais forte do

que o natildeo uso a existecircncia mesma do instituto da usucapiatildeo o encurtamento

generalizado dos prazos para usucapir ocorrido no acircmbito do Coacutedigo Civil em vigor

mesmo na hipoacutetese extraordinaacuteria a ampliaccedilatildeo das modalidades de usucapiatildeo como

forma de premiar o exerciacutecio dirigido agrave busca da efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais

sociais como moradia e trabalho Nesse caminho o paradoxo moral se dissolve e o

saneamento dos viacutecios passa a ser irrelevante eacute mais importante saber o que se faz da

posse do que o modo pelo qual ela foi obtida

Em tais condiccedilotildees considerar que a posse ldquoboa para usucapirrdquo seja sempre injusta ndash no

sentido de que representa uma dissonacircncia necessaacuteria com a agenda estabelecida pelo

proprietaacuterio do bem a ser usucapido ndash natildeo significa o abandono da dimensatildeo moral

existente na qualificaccedilatildeo da posse do usucapiente Esta dimensatildeo apenas se desloca em

direccedilatildeo a uma investigaccedilatildeo criteriosa acerca do conteuacutedo da posse materializada frente

agrave anaacutelise da conduta do proprietaacuterio ante ao apossamento natildeo autorizado

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Aprovado em 13052016 (1ordm parecer) 31052016 (2ordm parecer)

Como citar DANTAS Marcus Eduardo de Carvalho Toda posse ad usucapionem eacute uma posse injusta Civilisticacom Rio de Janeiro a 5 n 1 2016 Disponiacutevel em lthttpcivilisticacomtoda-posse-ad-usucapionem-e-uma-posse-injustagt Data de acesso

Page 14: Toda posse ad usucapionem é uma posse injusta

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Mas haacute uma diferenccedila como indicado no significado da palavra ldquoinjustardquo quando em

referecircncia ao modo como a posse foi obtida e quando em referecircncia ao conteuacutedo da

soluccedilatildeo dada pelo legislador Uma posse pode ser ldquoinjustardquo em um aspecto formal

decorrente do fato de que foi obtida de forma natildeo autorizada mas ldquojustardquo porque de

um lado natildeo vem sendo utilizada pelo proprietaacuterio e de outro representa a

materializaccedilatildeo de direitos fundamentais sociais negligenciados pelo Estado O fato eacute

que justiccedila material da ocupaccedilatildeo de terrenos abandonados por pessoas que natildeo tem

acesso aos direitos de moradia frente agrave proprietaacuterios negligentes natildeo eacute incompatiacutevel

com o reconhecimento de que o apossamento natildeo foi autorizado e neste sentido

formal gera uma posse injusta

Eacute o que ocorre na dramaacutetica situaccedilatildeo dos conflitos fundiaacuterios urbanos em torno da

moradia Em um importante estudo de campo acerca dos conflitos em torno da terra no

Recife de 1978 Joaquim Falcatildeo detectou em sua pesquisa que ldquoOs invasores querem

ser proprietaacuterios Justificam a invasatildeo de propriedade alheia porque sobre o direito de

usar e dispor segundo a livre vontade do proprietaacuterio deve prevalecer o direito de

moradia de todosrdquo28

Bem se vecirc daiacute que o questionamento da legitimidade da propriedade natildeo utilizada

pressupotildee logicamente o conhecimento da sua existecircncia enquanto tal Natildeo se pode

questionar aquilo que se ignora E se natildeo se ignora natildeo eacute possiacutevel afirmar a boa-feacute Por

isto eacute que a alegaccedilatildeo de que ldquonem sempre o apossamento natildeo autorizado vai gerar uma

posse injustardquo natildeo tem funccedilatildeo nenhuma na definiccedilatildeo das chances de usucapir29 Natildeo eacute

28 FALCAtildeO Joaquim ldquoJusticcedila social e justiccedila legal conflitos de propriedade no Reciferdquo In FALCAtildeO Joaquim (org) Invasotildees urbanas ndash conflitos de direito de propriedade 2ordfed Rio de Janeiro FGV Editora 2008 p112-113 29 Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald questionam a injusticcedila do apossamento de um imoacutevel abandonado com um objetivo claro impedir que a tomada natildeo autorizada seja qualificada como esbulho Essa desqualificaccedilatildeo tem uma funccedilatildeo especiacutefica a de interditar a via da reintegraccedilatildeo por parte do proprietaacuterio que natildeo cumpriria o requisito ldquoprova do esbulhordquo tal qual exigido pelo artigo 561do CPC15 Nesse sentido a reflexatildeo dos autores atua mais na dinacircmica processual do conflito do que no acircmbito material dos requisitos para a usucapiatildeo Mas o entendimento de que defendem a necessidade de uma posse justa para usucapir decorre do trecho no qual os autores esclarecem que ldquo() a posse derivada dos atos de violecircncia ou clandestinidade poderaacute gerar usucapiatildeo extraordinaacuteria (art1238 CC) posto natildeo se exigir como requisitos formais ao alcance da propriedade em tal modalidade originaacuteria o justo tiacutetulo e a boa-feacuterdquo (FARIAS Cristiano Chaves de ROSENVALD Nelson Curso de direito civil Vol5 reais 11ordfed Satildeo Paulo Atlas 2015 p110) Como demonstrado a posse de boa-feacute soacute pode ser justa na hipoacutetese em que o bem eacute uma res nullius No que caso em que a ocupaccedilatildeo natildeo se qualifica como esbulho a usucapiatildeo ordinaacuteria eacute impossiacutevel pela ausecircncia de boa-feacute No caso da aquisiccedilatildeo da posse a non domino seria perfeitamente possiacutevel e coerente reconhecer uma posse injusta (se tambeacutem era a do antecessor) e de boa-feacute se o sucessor natildeo tiver conhecimento do viacutecio de origem Nesse sentido a posse injusta natildeo impediria a usucapiatildeo em nenhuma modalidade e se manteria a coerecircncia interna ante a ideia de que toda posse ad usucapionem eacute necessariamente natildeo autorizada e contraacuteria aos interesses do titular do direito a ser usucapido Por tudo isso eacute possiacutevel reconhecer que tambeacutem os citados autores entendem equivocadamente que a justiccedila da posse amplia as modalidades da usucapiatildeo disponiacuteveis

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de boa-feacute a posse daqueles que ocupam imoacutevel alheio sem autorizaccedilatildeo do proprietaacuterio30

pois por mais que o apossamento seja moralmente justificaacutevel os possuidores natildeo

ignoram o fato de que o bem eacute de outra pessoa E se isto eacute assim a modalidade

disponiacutevel de usucapiatildeo no caso seria a extraordinaacuteria Natildeo pelo caraacuteter injusto da

posse e sim pelo fato dela ser exercida sem justo tiacutetulo e boa-feacute

Nessa linha a tese aqui defendida mostra a sua coerecircncia eacute possiacutevel questionar se o

apossamento configura efetivamente um esbulho31 mas natildeo o fato de que numa ou

noutra hipoacutetese natildeo se ignora que o direito de outrem estaacute sendo afrontado com a

efetivaccedilatildeo da posse natildeo autorizada

30 Este eacute justamente um dos pontos apontados pela doutrina para o fracasso da efetividade da hipoacutetese de aquisiccedilatildeo prevista no artigo 1228 sectsect 4ordm e 5ordm do Coacutedigo Civil Algueacutem pode dizer seriamente que a posse dessas pessoas por mais legiacutetima que possa ser eacute de boa-feacute no sentido de que se ignora que o ato entra em rota de colisatildeo com o direito de outrem Em um dos raros casos nos quais a hipoacutetese foi aplicada sob o nome de ldquodesapropriaccedilatildeo privadardquo os magistrados entenderam que a boa-feacute ldquo() entendida como posse justa natildeo violenta natildeo clandestina ou precaacuteriardquo estava presente no caso concreto em anaacutelise tendo em vista que ldquoAs guias de IPTU juntada (sic) aos autos ldquo() atestam a boa-feacute do recorrido jaacute que o proacuteprio Municiacutepio o reconhecia como proprietaacuterio da aacutereardquo Tribunal de Justiccedila de Minhas Gerais Apelaccedilatildeo Ciacutevel nordm 1028408009185-3005 Rel Des Rogeacuterio Coutinho J 11032015 publicado em 20032015 Disponiacutevel em httpwww5tjmgjusbrjurisprudenciapesquisaPalavrasEspelhoAcordaodoampnumeroRegistro=9amptotalLinhas=48amppaginaNumero=9amplinhasPorPagina=1amppalavras=2522desapropriaE7E3o20judicial2522amppesquisarPor=acordaoamppesquisaTesauro=trueamporderByData=1ampreferenciaLegislativa=Clique20na20lupa20para20pesquisar20as20referEAncias20cadastradasamppesquisaPalavras=Pesquisaramp Acesso em 10012016 31 A reflexatildeo sobre o conceito de ldquoesbulhordquo jaacute vem sendo feita pela doutrina mais progressista Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald fazem esse debate no seu manual precisamente no ponto jaacute citado em que consideram que o apossamento natildeo autorizado de um imoacutevel abandonado gera uma posse justa Eacute uma outra forma de dizer que esse ato natildeo configura esbulho Nesse caminho criacutetico do conceito tradicional existem estudos importantes (como os existentes em STROZAKE Juvelino Joseacute (Org) Questotildees agraacuterias ndash julgados comentados e pareceres Satildeo Paulo Meacutetodo 2002 principalmente os artigos de Roberto Delmanto Jr pp167-182 Antonio Scarance Fernandes pp293-310 e Dyrceu Aguiar Cintra Dias Jr pp 219-230) O debate tambeacutem jaacute chegou aos tribunais No STJ a decisatildeo de referecircncia sobre o tema estaacute no HC 4399SP No voto do Min Luiz Vicente Cernicchiaro o magistrado explicita as razotildees pelas quais concede o HC em favor dos integrantes do MST ldquoNo esbulho possessoacuterio o agente dolosamente investe contra a propriedade alheia a fim de usufruir um de seus atributos (uso) ou alterar os limites do domiacutenio para enriquecimento sem causa No caso dos autos ao contraacuterio diviso pressatildeo social para concretizaccedilatildeo de um direito (pelo menos-interesse) No primeiro caso contraste de legalidade compreende aspectos material e formal No segundo substancialmente natildeo haacute iliacutecito algumrdquo Superior Tribunal de Justiccedila HC nordm4399-SP Luiz Vicente Cernicchiaro Voto Vogal p02 Rel Min William Patterson julgado em 12031996 DJ 08041996 p10491 Disponiacutevel em lthttpwwwstjjusbrSCONjurisprudenciatocjspprocesso=4399ampampb=ACORampthesaurus=JURIDICOampp=truegt Acesso em 13022014 No acircmbito da accedilatildeo de reintegraccedilatildeo de posse movida pelo Governo de Satildeo Paulo contra a ocupaccedilatildeo das escolas estaduais realizada pelos estudantes secundaristas ndash como forma de protesto contra o plano de reorganizaccedilatildeo escolar empreendido pelo Governo daquele Estado ndash o Tribunal de Justiccedila considerou que ldquoNatildeo se antevecirc em suma o animus possidendi ou o animus rem sibi habendi autorizantes do tratamento possessoacuterio da mateacuteria mas antes expressotildees de desobediecircncia civil frente agrave autecircntica violecircncia ciacutevica de que se consideram viacutetimas os manifestantesrdquo E ainda ldquo() natildeo haacute nessa narrativa e nem nos autos qualquer evidecircncia que a entidade sindical queira de modo ilegal apropriar-se dos bens puacuteblicos referidos no recurso tecircm-se que como todos reconhecemos durante a sessatildeo de julgamento a absoluta inadequaccedilatildeo da pretendida proteccedilatildeo possessoacuteria e portanto o tangenciamento da carecircncia da accedilatildeo por falta de interesse de agirrdquo Tribunal de Justiccedila ndash SP Agravo de Instrumento nordm2243232-252015826000 7ordf Cacircmara de Direito Puacuteblico Rel Min Coimbra Schmidt Julgado em 23112015 Disponiacutevel em lthttpsesajtjspjusbrcposgshowdoprocessoforo=990ampprocessocodigo=RI0032WUQ0000gt Acesso em 25112015

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Esse eacute afinal o ponto relevante para definiccedilatildeo da posse apta a gerar a usucapiatildeo pois a

hipoacutetese que ora se desenvolve eacute a de que toda posse ad usucapionem eacute sempre e

necessariamente uma posse injusta sendo capaz de viabilizar a usucapiatildeo tanto

extraordinaacuteria quanto a ordinaacuteria Eacute perfeitamente possiacutevel que o sucessor na posse

natildeo tenha conhecimento da maacutecula que existiu na sua aquisiccedilatildeo pelo antecessor

hipoacutetese na qual teria posse injusta em funccedilatildeo da transmissatildeo do viacutecio com justo tiacutetulo

e boa-feacute Como a ldquoposse injustardquo em sentido formal eacute o mesmo que ldquoposse natildeo

autorizadardquo natildeo haveria impedimento em usucapir na modalidade ordinaacuteria

5 A influecircncia do tempo no saneamento dos viacutecios da posse

As estrateacutegias de saneamento tecircm como objetivo transformar uma posse inicialmente

injusta em uma posse justa no pressuposto de que tal requisito eacute imprescindiacutevel para

que se possa usucapir Mas tais estrateacutegias satildeo tatildeo amplas e variadas que o saneamento

se torna praticamente inevitaacutevel para uma parte da doutrina a simples manutenccedilatildeo da

posse pelo curto periacuteodo de 1 ano faz com que ela perca o viacutecio de origem e se torne

apta a viabilizar a usucapiatildeo

Esta interpretaccedilatildeo eacute decorrente de uma leitura muito particular da norma processual

que reserva a tutela liminar para os casos nos quais a posse tenha sido perdida haacute

menos de ano e dia32 Trata-se da diferenccedila entre a chamada ldquoposse novardquo e a ldquoposse

velhardquo Se a posse do esbulhador estiver sendo exercida haacute mais de 1 ano o esbulhado

perde a possibilidade de uma reintegraccedilatildeo liminar pois trata-se de uma ldquoposse velhardquo

Isto natildeo impede que o esbulhado obtenha uma medida mais ceacutelere mas ele precisaria

utilizar a via da tutela antecipada prevista no artigo 273 do CPC73 e que hoje como

espeacutecie do gecircnero tutela de urgecircncia tem o seu conteuacutedo regulado pelos artigos 294-

311 do CPC1533 De uma maneira geral o esbulhado precisaria de provas mais robustas

de que seu direito foi violado Vecirc-se que o tempo de exerciacutecio da posse pelo esbulhador

tem reflexo na dinacircmica processual da retomada mas natildeo na qualificaccedilatildeo da posse em

disputa que continua sendo injusta

32 Art 924 Regem o procedimento de manutenccedilatildeo e de reintegraccedilatildeo de posse as normas da seccedilatildeo seguinte quando intentado dentro de ano e dia da turbaccedilatildeo ou do esbulho passado esse prazo seraacute ordinaacuterio natildeo perdendo contudo o caraacuteter possessoacuterio 33 No CPC15 a tutela cautelar ndash pautada no fumus boni iuris e periculum in mora ndash e a tutela antecipada ndash baseada em verossimilhanccedila do que eacute alegado fundado receio de dano ou abuso do direito de defesa ndash foram reunidas em torno da tutela provisoacuteria nos seguintes termos Art294 A tutela provisoacuteria pode fundamentar-se em urgecircncia ou evidecircncia Paraacutegrafo uacutenico A tutela provisoacuteria de urgecircncia cautelar ou antecipada pode ser concedida em caraacuteter antecedente ou incidental Os requisitos para tais medidas em muito semelhantes aos termos do CPC revogado de uma maneira geral estatildeo regulados como indicado entre os artigos 294 e 311

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Poreacutem uma parte importante da doutrina civiliacutestica brasileira interpreta as diferenccedilas

estabelecias pelo direito processual como uma outra estrateacutegia de saneamento

decorrente da simples passagem do tempo O pensamento eacute o de que se reintegraccedilatildeo

liminar natildeo eacute mais possiacutevel isso significa que a posse inicialmente injusta se

transformou em posse justa Este entendimento eacute adotado por doutrinadores como por

exemplo Maria Helena Diniz que indica expressamente ldquo() se o adquirente a tiacutetulo

clandestino ou violento provar que sua clandestinidade ou violecircncia cessaram haacute mais

de ano e dia sua posse passa a ser reconhecida convalescendo-se dos viacutecios que a

maculavamrdquo34

Tal interpretaccedilatildeo eacute criticaacutevel porque o fato do possuidor esbulhado ter que fazer uma

prova mais consistente do seu direito para que obtenha a tutela antecipada natildeo

significa que a posse do esbulhador tenha passado a ser justa Significa apenas que

tendo em vista que o momento do esbulho natildeo eacute mais tatildeo niacutetido a prova para a

retomada da posse deve ser mais substancial para que a tutela seja concedida Mas o

apossamento natildeo autorizado ocorreu

Da mesma forma quando se tem em conta que natildeo haacute nenhuma modalidade de

usucapiatildeo com menos de 1 ano todas as vezes que o possuidor tiver superado tal prazo

o viacutecio teraacute sido expurgado razatildeo pela qual natildeo haveria hipoacutetese de possuidor com

tempo suficiente para usucapir que jaacute natildeo teria passado pelo ldquomarco saneadorrdquo35

Ainda entre os especialistas brasileiros Silvio Rodrigues36 defendeu a tese de que apoacutes

ano e dia de exerciacutecio da posse pelo esbulhador o possuidor esbulhado perderia o

direito de retomaacute-la pela via possessoacuteria cabendo apenas a accedilatildeo reivindicatoacuteria com

base no tiacutetulo Tal impossibilidade seria reflexo de que a posse inicialmente injusta pela

aquisiccedilatildeo violenta teria passado a ser justa tendo em vista a passagem do prazo

34 DINIZ Maria Helena Curso de direito civil brasileiro Vol4 ndash direito das coisas 26ordfed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p78 O posicionamento eacute tambeacutem encampado entre outros por NEDER Natal Usucapiatildeo de imoacuteveis 3ordfed Rio de Janeiro Forense 1989 p19 35 Tambeacutem por isso parece curiosa a hipoacutetese de saneamento pela passagem do tempo vislumbrada por COELHO Faacutebio Ulhocirca Curso de direito civil Vol4 ndash direito das coisas cit p39 ldquoA posse soacute deixa de ser violenta se o antigo possuidor natildeo se interessa pela retomada do bem ou natildeo obtendo sucesso no exerciacutecio do desforccedilo imediato desiste da luta Desaparecendo a violecircncia nesse caso a posse se torna justa () Em suma o desinteresse do desapossado em defender a sua posse descaracteriza a origem viciada da do novo possuidorrdquo De acordo com tal raciociacutenio todas as vezes que o possuidor tiver posse ad usucapionem pelo tempo necessaacuterio para usucapir a posse injusta teraacute se transformado em posse justa E se isso eacute assim para que serve o exame dos viacutecios objetivos 36 RODRIGUES Silvio Direito civil Vol5 ndash direito das coisas 28ordfed Satildeo Paulo Saraiva 2009 p25-27

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O raciociacutenio de Silvio Rodrigues parece uma meacutelange da soluccedilatildeo positivada em alguns

sistemas estrangeiros como vg no direito espanhol e no direito portuguecircs O

problema eacute que aqui ao contraacuterio do que ocorre nos ordenamentos dos dois maiores

paiacuteses da Peniacutensula Ibeacuterica natildeo haacute nenhuma disposiccedilatildeo normativa que ampare tal

interpretaccedilatildeo Em Portugal e na Espanha o decurso do prazo de um ano tem

primeiramente uma funccedilatildeo especiacutefica a de decretar o momento da perda da posse por

parte do possuidor esbulhado37 Eacute o mesmo raciociacutenio que no Brasil sustenta a previsatildeo

do artigo 122438 onde ainda que sem uma referecircncia objetiva de tempo eacute possiacutevel

verificar que o possuidor esbulhado natildeo perde o seu direito de posse no exato momento

em que ocorre a perda no plano faacutetico A funccedilatildeo dessa ficccedilatildeo39 tanto laacute quanto caacute

tambeacutem eacute a mesma garantir que natildeo haja soluccedilatildeo de continuidade no exerciacutecio da

posse quando intervalos intermitentes ocorrem40

De se ressaltar ainda que no ordenamento portuguecircs assim como no direito espanhol

o prazo de 1 ano corresponde tambeacutem agrave ldquocaducidaderdquo das accedilotildees de reintegraccedilatildeo ou

manutenccedilatildeo de posse41 Como o possuidor esbulhado natildeo pode mais utilizar tais accedilotildees

a interdiccedilatildeo da via possessoacuteria gera consequecircncias na compreensatildeo da manutenccedilatildeo dos

viacutecios No direito espanhol natildeo sem polecircmica o prazo de 1 ano de exerciacutecio da posse

pelo esbulhador configura hipoacutetese na qual ldquoel transcurso del tiempo sirve para

subsanar este vicio posesoriordquo42

37 Coacutedigo Civil espanhol ldquoArtiacuteculo 460 El poseedor puede perder su posesioacuten () 4 Por la posesioacuten de otro aun contra la voluntad del antiguo poseedor si la nueva posesioacuten hubiese durado maacutes de un antildeordquo Coacutedigo Civil portuguecircs ldquoArtigo 1267ordm (Perda da posse) 1 O possuidor perde a posse () d) Pela posse de outrem mesmo contra a vontade do antigo possuidor se a nova posse houver durado mais de um anordquo 38 Art 1224 Soacute se considera perdida a posse para quem natildeo presenciou o esbulho quando tendo notiacutecia dele se absteacutem de retornar a coisa ou tentando recuperaacute-la eacute violentamente repelido 39 No direito espanhol a doutrina diverge acerca do momento em que tem iniacutecio a posse do esbulhador Haacute quem entenda que a posse do esbulhador soacute tem iniacutecio apoacutes o prazo de 1 ano RODRIGUEZ-CANO Rodrigo Bercovitz Manual de derecho civil ndash derechos reales Madrid Bercal 2013 p77) Outros consideram que coexistem desde o iniacutecio duas posses sobre o bem posse de fato exercida pelo esbulhador e a posse de direito que ateacute o transcurso do prazo permanece na titularidade do esbulhado LOacutePEZ y LOacutePEZ Aacutengel M FERNANDEZ Rosario Valpuesta et all Derecho civil patrimonial Vol II Valencia Tirant lo Blanch 2014 p97 40 TEPEDINO Gustavo Comentaacuterios ao coacutedigo civil cit p192 DIacuteEZ-PICAZO Luis GULLOacuteN Antonio Sistema de derecho civil VolIII Tomo I (derechos reales en general) 8ordfed Madrid Tecnos 2013 p116 41 CORDEIRO Antoacutenio Menezes A posse perspectivas dogmaacuteticas actuais cit p112 SANTOS JUSTO A dos Direitos Reais 4ordfed cit p218 LOacutePEZ PAacuteSARO Eduardo Tutela Sumaria de la Posesioacuten (Interdicto de recobrar) Madrid Dykinson 2014 p187 O artigo 1282 do Coacutedigo Civil portuguecircs indica que ldquoA acccedilatildeo de manutenccedilatildeo bem como as de restituiccedilatildeo da posse caducam se natildeo forem intentadas dentro do ano subsequente ao acto da turbaccedilatildeo ou do esbulho ou ao conhecimento dele quando tenha sido praticado a ocultasrdquo Jaacute o diploma civil espanhol preceitua no seu artigo 19681 do Coacutedigo Civil espanhol ldquo Artiacuteculo 1968 Prescriben por el transcurso de un antildeo 1La accioacuten para recobrar o retener la posesioacutenrdquo 42 RODRIGUEZ-CANO Rodrigo Bercovitz Manual de derecho civil ndash derechos reales cit p73 No mesmo sentido ALBALADEJO Manuel A Derecho civil VolIII cit p63 DIacuteEZ-PICAZO Luis Fundamentos del derecho civil patrimonial VolIII las relaciones juriacutedico-reales el registro de la propiedad la posesioacuten 5ordfed Madrid Civitas 2008 p689

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Jaacute no direito portuguecircs o Coacutedigo Civil eacute expresso acerca da possibilidade de

saneamento dos viacutecios43 e a doutrina encampa unanimemente o entendimento de que

a posse eacute violenta ndash portanto injusta ndash apenas no tempo de duraccedilatildeo de seus efeitos44

Ou seja a posse violenta clandestina ou precaacuteria perde a condiccedilatildeo de viciosa no exato

instante em que se estabiliza Apoacutes a cessaccedilatildeo da violecircncia a posse passa a ser

perfeitamente apta a gerar a usucapiatildeo45

Mas ideia de que a posse eacute injusta apenas enquanto houver violecircncia ou

clandestinidade ao contraacuterio do direito luso natildeo tem respaldo no ordenamento

brasileiro apesar de ser defendida por nomes como os de Lenine Nequete46 e Arnoldo

Wald47 O artigo 1208 do Coacutedigo Civil alocado no capiacutetulo referente agrave aquisiccedilatildeo da

posse dispotildee claramente que ldquoNatildeo induzem posse os atos de mera permissatildeo ou

toleracircncia assim como natildeo autorizam a sua aquisiccedilatildeo os atos violentos ou clandestinos

senatildeo depois de cessar a violecircncia ou a clandestinidaderdquo Ou seja aqui enquanto a

violecircncia estiver sendo empregada natildeo haacute posse Apoacutes a sua cessaccedilatildeo a posse advinda

de tais atos eacute posse mas posse injusta48

Natildeo haacute duacutevida portanto de que o prazo de ldquoano e diardquo tem uma funccedilatildeo importante No

direito espanhol o prazo serve como marco da perda da posse da impossibilidade de

utilizaccedilatildeo das accedilotildees possessoacuterias e de saneamento dos viacutecios objetivos No direito

portuguecircs serve igualmente de referecircncia para identificaccedilatildeo do momento de perda da

posse e da caducidade da via possessoacuteria ao passo que os viacutecios satildeo considerados

sanados apoacutes a cessaccedilatildeo de seus efeitos

Em ambos os ordenamentos o expurgo dos viacutecios pela passagem do tempo tem

respaldo normativo ainda que as criacuteticas anteriormente feitas a este raciociacutenio no

direito brasileiro tambeacutem sejam aplicaacuteveis a tais sistemas natildeo havendo tambeacutem neles

nenhuma modalidade de usucapiatildeo com menos de 1 ano a ideia do saneamento da

43 Artigo 1297ordm (Posse violenta ou oculta) Se a posse tiver sido constituiacuteda com violecircncia ou tomada ocultamente os prazos da usucapiatildeo soacute comeccedilam a contar-se desde que cesse a violecircncia ou a posse se torne puacuteblica 44 Por todos CARVALHO Orlando de Direito das coisas Coimbra Coimbra Editora 2012 p283 45 FRANCcedilA PITAtildeO Joseacute Antoacutenio de Posse e usucapiatildeo Lisboa Almedina 2007 p74 FERREIRA Durval Posse e usucapiatildeo 3ordfed Lisboa Almedina 2008 p319 OLIVEIRA ASCENCcedilAtildeO Joseacute de Direito civil ndash reais cit p116 46 NEQUETE Lenine Da prescriccedilatildeo aquisitiva (usucapiatildeo) Porto Alegre Ediccedilatildeo Sulina 1954 p80 47 WALD Arnoldo Direito Civil direito das coisas Vol4 Satildeo Paulo Saraiva 2011 pp103-104 48 Segundo esclarece Joseacute Carlos Moreira Alves ldquo() para o Coacutedigo Civil brasileiro () enquanto materialmente existentes ndash ou seja enquanto se pratica a violecircncia ou haacute clandestinidade ndash impedem [tais viacutecios] a aquisiccedilatildeo ateacute da possessio ad interdicta havendo apenas detenccedilatildeo independente e uma vez cessados em sua materialidade surge a posse embora qualificada como injusta que produz as consequecircncias de qualquer posse injustardquo MOREIRA ALVES Joseacute Carlos ldquoA detenccedilatildeo no direito civil brasileiro (conceito e casos)rdquoIn CAHALI Yussef Said Posse e propriedade doutrina e jurisprudecircncia Satildeo Paulo Saraiva 1987 p20

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mesma forma que aqui natildeo tem funccedilatildeo nenhuma porque sempre que o usucapiente

tiver prazo para usucapir os viacutecios teratildeo deixado de existir

De se ressaltar ainda que o proacuteprio Silvio Rodrigues reconheceu que a sua tese natildeo

tinha fundamento legal Na nota de rodapeacute 28 do seu livro ldquoDireito das Coisasrdquo49 o

autor demonstrou que entendia que o Coacutedigo de Processo Civil de 1939 tinha extirpado

a ldquoaccedilatildeo de forccedila velha expoliativardquo do ordenamento brasileiro razatildeo pela qual para o

possuidor de mais de 1 ano e dia caberia apenas a via petitoacuteria o que sanearia o viacutecio na

aquisiccedilatildeo Isto porque segundo sua interpretaccedilatildeo ldquoBasta que ela [a posse] se estenda

pacificamente ou publicamente durante o intervalo de ano e dia para que fique

purgada de seus defeitosrdquo50 Mas o proacuteprio autor admitiu ao final da nota de rodapeacute

28 que o CPC de 73 ldquoextirpou a duacutevidardquo que poderia existir em torno da possibilidade

de accedilatildeo de reintegraccedilatildeo com mais de 1 ano e dia do esbulho que ldquomesmo intentadas

apoacutes o intervalo de ano e dia natildeo perdem o seu caraacuteter acessoacuteriordquo51 Mesmo criticando

a soluccedilatildeo do CPC reconhece que ldquo() a vontade do legislador manifestada de forma

irrefutaacutevel que deve prevalecerrdquo52 Fica claro portanto que natildeo haacute fundamento legal

para a tese de que a posse injusta se transforma em posse justa apoacutes ano e dia

6 Saneamento pelo cumprimento da funccedilatildeo social

Alguns estudos mais recentes tecircm indicado que os viacutecios objetivos da posse podem ser

considerados sanados uma vez constatado o cumprimento da funccedilatildeo social por parte do

esbulhador53

Mas o saneamento pelo cumprimento da funccedilatildeo social da posse pode ser

primeiramente criticado por que natildeo haacute qualquer dispositivo normativo em vigor no

ordenamento juriacutedico brasileiro que defina o que eacute e qual eacute o conteuacutedo da funccedilatildeo social

da posse A doutrina tem buscado dar substacircncia ao princiacutepio pela conexatildeo que

tradicionalmente eacute feita entre funccedilatildeo social da posse e a efetivaccedilatildeo de direitos

fundamentais como os de moradia e trabalho

49 RODRIGUES Silvio Direito civil Vol5 ndash direito das coisas cit p30 50 RODRIGUES Silvio Direito civil Vol5 ndash direito das coisas cit p30 51 O CPC15 eacute claro acerca do caraacuteter possessoacuterio da accedilatildeo proposta apoacutes o prazo de ldquoano e diardquo Art558 Regem o procedimento de manutenccedilatildeo e de reintegraccedilatildeo de posse as normas da Seccedilatildeo II deste Capiacutetulo quando a accedilatildeo for proposta dentro de ano e dia da turbaccedilatildeo ou do esbulho afirmado na peticcedilatildeo inicial Paraacutegrafo uacutenico Passado o prazo referido no caput seraacute comum o procedimento natildeo perdendo contudo o caraacuteter possessoacuterio 52 RODRIGUES Silvio Direito civil Vol5 ndash direito das coisas cit p30 nota28 53 MELO Marco Aureacutelio Bezerra de Curso de direito civil Vol5 ndash direito das coisas 2015 p73 FARIAS Cristiano Chaves de ROSENVALD Nelson Curso de direito civil Vol5 ndash reais cit p119

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Eacute possiacutevel tentar extrair essa conexatildeo da relaccedilatildeo entre posse e propriedade

considerando que a propriedade deve cumprir a funccedilatildeo social a posse tambeacutem deve ser

lida como subordinada a tal princiacutepio Mas se a funccedilatildeo social da propriedade eacute em

grande medida a ldquofunccedilatildeo social da posse exercida pelo proprietaacuteriordquo54 seraacute viaacutevel dizer

que o contraacuterio tambeacutem eacute verdadeiro Um possuidor de uma aacuterea de grande extensatildeo

de terra na zona rural estaacute obrigado a cumprir os mesmos preceitos direcionados ao

proprietaacuterio estabelecidos no artigo 184 da Constituiccedilatildeo E qual seria a consequecircncia

do descumprimento desse conteuacutedo por parte de quem eacute apenas o possuidor E no caso

da posse urbana qual o conteuacutedo a ser cumprido para que a funccedilatildeo social seja

contemplada

A falta de uma definiccedilatildeo sobre o conteuacutedo objetivamente definido para a funccedilatildeo social

da posse prejudica enormemente a sua utilizaccedilatildeo como criteacuterio para avaliaccedilatildeo do o

expurgo dos viacutecios objetivos Aleacutem de desnecessaacuteria a possibilidade do saneamento

atraveacutes de um princiacutepio tatildeo ldquomaleaacutevelrdquo tem como consequecircncia o seu reconhecimento

em um sem nuacutemero de situaccedilotildees tatildeo diacutespares que fica difiacutecil enxergar em que

circunstacircncia qualquer exerciacutecio regular da posse natildeo o atenderia

Nos tribunais fala-se em cumprimento da funccedilatildeo social quando a posse de um terreno eacute

utilizada para criaccedilatildeo de galinhas55 quando mesmo sem comprovar o tempo

necessaacuterio o possuidor prova que construiu lojas e quitinetes no imoacutevel que pretendia

usucapir56 ou ainda quando o imoacutevel a ser usucapido foi utilizado como garagem e aacuterea

de lazer durante o lapso temporal necessaacuterio agrave usucapiatildeo57

54 DANTAS Marcus Eduardo de Carvalho ldquoDa funccedilatildeo social da propriedade agrave funccedilatildeo social da posse exercida pelo proprietaacuterio ndash uma proposta de releitura do princiacutepio constitucionalrdquo RIL ndash Revista de Informaccedilatildeo Legislativa ano 52 n 205 p23-38 Mar 2015 p34 DANTAS Marcus Eduardo de Carvalho ldquoFunccedilatildeo social nos conflitos fundiaacuteriosrdquo Revista Direito GV Satildeo Paulo v9 n 2 p465-488 Dec 2013 p479 55 Tribunal de Justiccedila do Rio de Janeiro Apelaccedilatildeo nordm 0003045-5320028190061 Rel Des Gilda Maria

Dias Carrapatoso Julgamento 31072013 13ordf Cacircmara Ciacutevel Disponiacutevel em

httpwww1tjrjjusbrgedcachewebdefaultaspxUZIP=1ampGEDID=0004CC331928D8D3A72C15733D

069BD44D8BC50237206304 Acesso em 12032015 56 Tribunal de Justiccedila do Rio de Janeiro Apelaccedilatildeo nordm 0034331-2420108190205 Rel Des Andreacute

Ribeiro Julgamento 05062013 7ordf Cacircmara Ciacutevel Disponiacutevel em

httpwww1tjrjjusbrgedcachewebdefaultaspxUZIP=1ampGEDID=000421376D950C28F7B805418EE

F244E6857C5022B4D2D4CAcesso em 12032015 57 Tribunal de Justiccedila do Rio de Janeiro Apelaccedilatildeo nordm 0096918-8820058190001 Rel Des Antocircnio

Saldanha Palheiro Julgamento 12042011 5ordf Cacircmara Ciacutevel Disponiacutevel em

httpwww1tjrjjusbrgedcachewebdefaultaspxUZIP=1ampGEDID=0003FDB81056920E5F12D511F73

43C44001098C403252532 Acesso em 12032015

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Natildeo se trata aqui de uma avaliaccedilatildeo moral acerca daquilo que deve ou natildeo ser

considerado como o conteuacutedo da funccedilatildeo social A questatildeo eacute que sem um conteuacutedo bem

especificado a funccedilatildeo social deixa de ser um mecanismo de qualificaccedilatildeo da posse ela

natildeo tem serventia alguma como mecanismo de diferenciaccedilatildeo Se a utilizaccedilatildeo de um

terreno como garagem e lazer corresponde ao exerciacutecio da posse com funccedilatildeo social em

que circunstacircncia o exerciacutecio puro e simples da posse natildeo corresponderia a tal

princiacutepio Basta natildeo realizar uma atividade iliacutecita para cumprir a funccedilatildeo social da

posse Qual a diferenccedila entre ldquoter posserdquo e ldquoter posse com funccedilatildeo socialrdquo

A segunda linha de criacutetica se orienta pelo fato de que nem todas as modalidades de

usucapiatildeo existentes no ordenamento brasileiro tecircm uma conexatildeo visiacutevel com os temas

tradicionalmente considerados como caracteriacutesticos da funccedilatildeo social A usucapiatildeo

extraordinaacuteria prevista no caput do artigo 1238 do Coacutedigo Civil58 por exemplo natildeo

exige do possuidor que exerccedila a posse com fins de moradia tampouco que utilize o

imoacutevel como fonte de trabalho Isso mostra que o Coacutedigo diferencia as situaccedilotildees nas

quais a posse eacute exercida como meio de efetivaccedilatildeo dos direitos tradicionalmente

afinados com uma ideia geral de funccedilatildeo social e aquelas nas quais a posse eacute exercida

regularmente mas sem tal qualificaccedilatildeo especial Em tais condiccedilotildees o entendimento de

que a injusticcedila original da posse pode ser sanada pelo cumprimento da funccedilatildeo social

para a usucapiatildeo em geral ficaria ainda uma vez sem sentido pois o diploma civil natildeo

exige que a posse seja exercida como moradia ou fonte de trabalho em todas as

modalidades da usucapiatildeo

7 O ldquoteste do uso incompatiacutevelrdquo e a funccedilatildeo da posse injusta na usucapiatildeo

Apesar de todo esforccedilo doutrinaacuterio na defesa de formas pelas quais a posse injusta pode

deixar para traacutes o seu viacutecio de origem a doutrina tem um posicionamento tatildeo soacutelido

quanto incoerente acerca do viacutecio da precariedade o de que ele natildeo convalesce nunca

O entendimento eacute defendido por quase59 a totalidade dos especialistas sob o

58 Art 1238 Aquele que por quinze anos sem interrupccedilatildeo nem oposiccedilatildeo possuir como seu um imoacutevel adquire-lhe a propriedade independentemente de tiacutetulo e boa-feacute podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentenccedila a qual serviraacute de tiacutetulo para o registro no Cartoacuterio de Registro de Imoacuteveis Paraacutegrafo uacutenico O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-aacute a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imoacutevel a sua moradia habitual ou nele realizado obras ou serviccedilos de caraacuteter produtivo

59 Francisco Eduardo Loureiro eacute uma boa exceccedilatildeo agrave leitura predominante Nesse sentido ldquoDiz-se que a posse precaacuteria nunca gera usucapiatildeo Na verdade eacute ela imprestaacutevel para usucapiatildeo natildeo porque eacute injusta mas porque o precarista natildeo tem animus domini uma vez que reconhece a supremacia e o melhor direito do terceiro sobre a coisa Caso poreacutem natildeo reconheccedila ou deixe de reconhecer essa posiccedilatildeo e revele isso de modo inequiacutevoco e claro ao titular do domiacutenio para que este possa reagir e retomar a coisa nasce nesse momento o prazo para usucapiatildeo porque o requisito animus domini estaraacute entatildeo presente LOUREIRO Francisco Eduardo ldquoDireito das coisas (arts 1196-1510)rdquo In PELUSO Cezar (Coord) Coacutedigo civil interpretado Satildeo Paulo Manole 2008 p1092-1093

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argumento de que o descumprimento do dever de restituiccedilatildeo do bem soacute deixa de existir

quando a coisa eacute devolvida Enquanto o bem permanece com o esbulhador a posse

permanece injusta e nenhuma das taacuteticas anteriormente analisadas seria suficiente

para modificar tal condiccedilatildeo

Trata-se de uma interpretaccedilatildeo no miacutenimo insoacutelita pois acaba tornando o viacutecio da

precariedade mais grave que os outros se o esbulhador usa a violecircncia fiacutesica contra a

pessoa do esbulhado ele pode ver tal viacutecio sanado das formas mais diversas se a

aquisiccedilatildeo se daacute pela recusa da restituiccedilatildeo isso natildeo seria de forma alguma possiacutevel pela

ldquoquebra da confianccedilardquo Mas por que a ldquoquebra da confianccedilardquo eacute mais grave que o uso da

forccedila fiacutesica Aleacutem de natildeo parecer razoaacutevel trata-se de uma interpretaccedilatildeo que atribui

uma vantagem injustificaacutevel em favor do proprietaacuterio Independentemente do que ele

tiver feito ou deixado de fazer para retomar o bem o fato da posse ser injusta

bloquearia a usucapiatildeo para sempre

Como indicado a discussatildeo acerca das circunstacircncias nas quais algueacutem pode se tornar

proprietaacuterio pela usucapiatildeo eacute tambeacutem uma discussatildeo acerca das condiccedilotildees nas quais

algueacutem pode legitimamente exercer o seu direito de propriedade Eacute possiacutevel

reconhecer poreacutem que a doutrina brasileira tem dado uma ecircnfase talvez desmesurada

na atuaccedilatildeo do possuidor deixando de investigar a dimensatildeo real do papel do

proprietaacuterio nesse jogo Soacute haveraacute usucapiatildeo se o proprietaacuterio de algum modo se

mantiver inerte na recuperaccedilatildeo do bem E se o proprietaacuterio deixou de tomar as

providencias necessaacuterias agrave tutela do seu direito durante um periacuteodo que pode variar de

2 a 15 anos eacute porque ele tambeacutem contribuiu para a consolidaccedilatildeo da posse do

usucapiente Como seria o cenaacuterio se a ecircnfase no processo recaiacutesse sobre o

proprietaacuterio Se independentemente da preocupaccedilatildeo com a caracterizaccedilatildeo de

eventuais viacutecios da posse incidisse principalmente sobre o titular a responsabilidade de

agir para que a usucapiatildeo natildeo se consumasse

Um caso interessante nesse sentido ndash e pouco estudado no Brasil ndash eacute o chamado

ldquoJAPye (Oxford) Ltd v Grahamrdquo ou apenas ldquoCase Pyerdquo como ficou conhecido De

forma muito resumida a empresa do ramo imobiliaacuterio JA Pye (Oxford) Ltd adquiriu

um terreno em Berkshire oeste de Londres com o objetivo de desenvolver um

empreendimento imobiliaacuterio e obteve o respectivo registro como proprietaacuteria da aacuterea

Apoacutes realizar a venda de uma parte do terreno a empresa inglesa celebrou um contrato

de 1 ano com a famiacutelia Graham por meio do qual seus integrantes ficavam autorizados a

utilizar os 25 hectares restantes da aacuterea como pasto Apoacutes o teacutermino do contrato os

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Graham procuraram a empresa com objetivo de obter uma renovaccedilatildeo mas a J A Pye

Ltd se recusou a fazecirc-lo Apesar disso Caroline e Michael Graham continuaram a

ocupar o terreno e a utilizaacute-lo como pasto por mais 12 anos com o conhecimento da

empresa mas sem o seu consentimento ainda que a J A Pye Ltd tenha se mantido

inerte quanto agraves providecircncias necessaacuterias para impedir a permanecircncia natildeo autorizada

dos Graham no local Apoacutes os 12 anos de exerciacutecio natildeo autorizado da posse os Graham

solicitaram o reconhecimento dos seus direitos sobre a referida aacuterea o que foi

concedido pelo registro com base na ldquoadverse possessionrdquo ou seja na usucapiatildeo

A decisatildeo gerou um sem nuacutemero de polecircmicas e modificaccedilotildees de rumo chegando ateacute

ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos onde no julgamento da Queixa

nordm4430202 foi dado ganho de causa ao Reino Unido e por consequecircncia agrave famiacutelia

Graham Em um primeiro momento a ldquoCourt of Appealrdquo deu decisatildeo favoraacutevel agrave

empresa ldquoPyerdquo com base entre outros motivos no fato de que a famiacutelia Graham natildeo

tinha ldquothe necessary intention to possessrdquo ou seja o acircnimo de dono Considerando-se

que no direito inglecircs vigora o chamado ldquoprocedural approachrdquo no que tange agrave usucapiatildeo

ndash a ecircnfase no aspecto processual da disputa ndash a referecircncia ao animus possidendi foi

considerada uma inovaccedilatildeo surpreendente60 De fato uma vez que os agricultores

permaneceram apenas fazendo aquilo que jaacute faziam quando do contrato em vigor os

julgadores da ldquoCourt of Appealrdquo entenderam que natildeo havia a intenccedilatildeo de passar a ser o

dono do lugar contrapondo-se frontalmente ao direito da empresa61 A decisatildeo foi

objeto de recurso agrave ldquoHouse of Lordsrdquo que deu ganho de causa agrave Caroline Graham62

Ainda inconformada a empresa ldquoPyerdquo entrou com novo recurso e como indicado o

caso chegou ateacute ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos sob a alegaccedilatildeo de que o

Reino Unido havia violado o direito de propriedade da J A Pye Ltd descumprindo a

garantia prevista no artigo 1ordm do Protocolo Adicional nordm 1 da Convenccedilatildeo Europeia dos

Direitos do Homem63 A decisatildeo final foi favoraacutevel ao Reino Unido e

60 RADLEY-GARNER Oliver ldquoCivilized Squattingrdquo Oxford Journal of Legal Studies (winter 2005) 25 (04) p728 61 A discussatildeo pode ser conhecida em httpwwwpublicationsparliamentukpald200102ldjudgmtjd020704graham-3htm Acesso em 13122014 62 O voto de maior peso no julgamento foi o de Lord Browne-Wilkinson por ter considerado que ao contraacuterio do que se exigia ateacute entatildeo a partir do momento em que os Graham continuaram a pastorear a terra sem a autorizaccedilatildeo da ldquoJAPyerdquo eles passaram a ter posse em nome proacuteprio o que independentemente de um conflito aberto seria suficiente para viabilizar a adverse possession O voto na iacutentegra pode ser lido em ldquoHouse of Lords Judgments ndash J A Pye (Oxford) Ltd and Others v Graham and Another on 4 July 2002rdquo httpwwwpublicationsparliamentukpald200102ldjudgmtjd020704graham-1htm Acesso em 13122014 63 ldquoQualquer pessoa singular ou colectiva tem direito ao respeito dos seus bens Ningueacutem pode ser privado do que eacute sua propriedade a natildeo ser por utilidade puacuteblica e nas condiccedilotildees previstas pela lei e pelos princiacutepios gerais do direito internacional

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consequentemente agrave famiacutelia Graham sob diversos argumentos Destacam-se para fins

do presente estudo a ideia de que a usucapiatildeo deve ser encarada como um mecanismo

de controle ou regulamentaccedilatildeo do uso dos bens eis que eacute de interesse geral saber quem

efetivamente eacute responsaacutevel pelo imoacutevel bem como pelos tributos decorrentes de tal

condiccedilatildeo o que remete agrave seguranccedila juriacutedica 64

Entre diversas questotildees importantes o episoacutedio mostra como em grande medida a

dogmaacutetica juriacutedica brasileira tem abordado o tema da usucapiatildeo de maneira a ampliar

os poderes do proprietaacuterio Uma atenccedilatildeo desmesurada tem sido dada agrave posse do

usucapiente sempre cheia de requisitos a cumprir escamoteando-se as

responsabilidades do titular do direito a ser usucapido

Desde logo salta aos olhos o fato de que na hipoacutetese do ldquoCase Pyerdquo o poder da famiacutelia

Graham sobre o terreno poderia no Brasil ser qualificado como uma situaccedilatildeo de mera

toleracircncia hipoacutetese na qual natildeo haveria verdadeiramente posse conforme indicaccedilatildeo do

artigo 1208 do Coacutedigo Civil brasileiro Mas eacute preciso reconhecer que apesar da empresa

ldquoPyerdquo ter ldquotoleradordquo a presenccedila dos Graham o fato eacute que a ineacutercia de ldquoPyerdquo se deu em

momento posterior agrave negativa de renovaccedilatildeo do contrato o que demonstra o interesse

em natildeo perpetuar a presenccedila da famiacutelia Graham no local A recusa agrave renovaccedilatildeo e a

ineacutercia fariam entatildeo com que a hipoacutetese passasse a ser encarada como uma ldquoposse

precaacuteriardquo justamente o viacutecio que a doutrina brasileira insiste em considerar insanaacutevel

e portanto incapaz de gerar a usucapiatildeo

Mas o episoacutedio mostra que quando algueacutem exerce posse sobre o bem de outrem

diversos pontos de vista podem ser utilizados para analisar a questatildeo o proprietaacuterio

permitiu tal exerciacutecio Ele tomou as providecircncias necessaacuterias para recuperar o bem O

possuidor adverso sabia que o bem era de outra pessoa e se negou a devolvecirc-lo

As condiccedilotildees precedentes entendem - se sem prejuiacutezo do direito que os Estados possuem de pocircr em vigor as leis que julguem necessaacuterias para a regulamentaccedilatildeo do uso dos bens de acordo com o interesse geral ou para assegurar o pagamento de impostos ou outras contribuiccedilotildees ou de multasrdquo No original ldquoThe preceding provisions shall not however in any way impair the right of a State to enforce such laws as it deems necessary to control the use of property in accordance with the general interest or to secure the payment of taxes or other contributions or penaltiesrdquo European Court of Human Rights ldquoCase JA Pye (Oxford) Ltd and JA Pye (Oxford) Land Ltd v The United Kingdom Alleged Violation of Article 1 of Protocol nordm 1 Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-82172itemid[001-82172] Acesso em 03032014 64 ABREU Abiacutelio Vassalo Titularidade Registral do Direito de Propriedade Imobiliaacuteria versus usucapiatildeo (adverse possession) Coimbra Coimbra Editora 2011 p83

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Nesses termos o modelo processual inglecircs indica que a reflexatildeo acerca da usucapiatildeo

tambeacutem deve englobar uma meditaccedilatildeo sobre a atuaccedilatildeo do proprietaacuterio na recuperaccedilatildeo

do seu direito pois nada acontece se ele agir de maneira ceacutelere Mesmo apoacutes a negativa

de permanecircncia da famiacutelia Graham a empresa Pye permaneceu 12 anos sem tomar as

providecircncias necessaacuterias para a desocupaccedilatildeo do local Eacute um espaccedilo consideraacutevel de

tempo Seria razoaacutevel entender que por ser ldquoinsanaacutevelrdquo o viacutecio da precariedade nunca

admitiria a consumaccedilatildeo da usucapiatildeo em favor dos Graham

Aleacutem de problemaacutetica essa interpretaccedilatildeo ressuscita o problema da ldquoposse eternamente

injustardquo o esbulhador nunca poderia usucapir mesmo se o esbulhado natildeo procurar

retomar a sua posse Ao que tudo indica a impossibilidade de saneamento do viacutecio da

precariedade reflete a um imperativo moral a quebra da confianccedila depositada deve ser

punida com a perenidade do caraacuteter injusto E aqui se abre a oportunidade de discutir

afinal qual eacute a funccedilatildeo da anaacutelise da injusticcedila como meio de barreira para a usucapiatildeo

Quando se faz referecircncia agraves diversas teacutecnicas de saneamento dos viacutecios eacute preciso

reconhecer que elas natildeo podem ser lidas como um modo de suplantar o fato de que a

posse do usucapiente natildeo foi autorizada e eacute exercida de forma contraacuteria aos interesses

do titular porque essa eacute uma condiccedilatildeo necessaacuteria para que a usucapiatildeo ocorra Ainda

que natildeo haja uma ldquobatalha campalrdquo em busca da posse ldquoCrucially the adverse

possessorrsquos use must be without permission (ldquoadverserdquo)rdquo65 A aquisiccedilatildeo sem autorizaccedilatildeo

e o exerciacutecio contraacuterio aos interesses do titular satildeo pressupostos para a usucapiatildeo

Em tais condiccedilotildees as estrateacutegias que visam a ldquoeliminaccedilatildeo da injusticcedilardquo pelo expurgo

dos viacutecios de origem soacute podem ser compreendidas como vias pelas quais se pretende

superar o chamado ldquoparadoxo moralrdquo66 aparentemente existente em torno da proacutepria

ideia de usucapiatildeo qual a justificativa para que algueacutem perca o seu direito de

propriedade em funccedilatildeo da atuaccedilatildeo natildeo autorizada de outra pessoa

Mas a falta de precisatildeo doutrinaacuteria na referecircncia agrave justiccedila ou injusticcedila da posse faz com

que a exigecircncia de que a posse ad usucapionem seja uma posse ldquojustardquo gere a falsa

ideia de que a atuaccedilatildeo do usucapiente estaacute em conformidade com o direito E as

estrateacutegias de saneamento reforccedilam essa confusatildeo ao se voltarem para o modo como a

posse foi adquirida Elas servem como uma justificativa para tentar amainar a ilicitude

65 MERRIL Thomas W SMITH Henry E Property Oxford Oxford University Press 2010 p36 66 KATZ Larissa ldquoThe moral paradox of adverse possession sovereignty and revolution in property lawrdquo McGill Law Journal Vol55 2010 pp47-80 cit p 59

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do apossamento mas isso eacute virtualmente impossiacutevel sem jogar o instituto em um non

sense pois a contrariedade da posse ad usucapionem eacute intriacutenseca a usucapiatildeo

Quando se diz que a posse do usucapiente eacute sempre injusta isso significa que ela natildeo

estaacute autorizada de forma alguma e se coloca sim em posiccedilatildeo de conflito (ainda que

velado) com os interesses do proprietaacuterio ou seja algueacutem vai adquirir a propriedade de

algo que jaacute tem dono e obviamente sem a colaboraccedilatildeo deste

Por isso as estrateacutegias de saneamento estatildeo por assim dizer ldquono lugar erradordquo pois

acabam mascarando a dinacircmica real do processo por meio do qual algueacutem caminha

para usucapir o bem de outrem Isto acaba ampliando as sombras existentes entre as

linhas que demarcam uma posse ldquomoralmente legitimadardquo a viabilizar a usucapiatildeo e a

adversidade sem a qual a aquisiccedilatildeo natildeo tem como se efetivar

Nessa direccedilatildeo a caracterizaccedilatildeo da posse ad usucapionem natildeo depende do saneamento

dos viacutecios objetivos pois o meio objetivo pelo qual se deu o apossamento eacute afinal

irrelevante Basta o chamado ldquoteste de uso incompatiacutevelrdquo (inconsistent use test) ou

seja da verificaccedilatildeo de que a posse natildeo autorizada se daacute em desconformidade com a

agenda estabelecida pelo proprietaacuterio do bem a ser usucapido67 Natildeo importa o modo

pelo qual tal contrariedade ganhou forma o fato eacute que ela existe e uma vez constatada

gera para o proprietaacuterio a oportunidade de se opor dentro de um determinado periacuteodo

de tempo sem o que perderaacute a titularidade do bem

Eacute importante ainda deixar expliacutecito o fato de que toda discussatildeo em torno dos

pressupostos para a aquisiccedilatildeo pela usucapiatildeo reflete uma dada concepccedilatildeo acerca da

propriedade Debater em que circunstacircncia algueacutem pode se tornar o proprietaacuterio do

bem que eacute de outro resvala em uma avaliaccedilatildeo acerca da amplitude de formas de

atuaccedilatildeo que o proprietaacuterio estaacute legitimado a desempenhar

Do mesmo modo a possiacutevel imoralidade existente na atribuiccedilatildeo do direito de

propriedade em favor de algueacutem que viola o direito de outrem eacute decorrente de uma

visatildeo que considera moralmente aceitaacutevel que o bem objeto desse direito possa

permanecer sem um uso efetivo durante um nuacutemero maior ou menor de anos jaacute que

natildeo haacute usucapiatildeo sem a ineacutercia do titular do direito a ser usucapido

67 KATZ Larissa ldquoThe moral paradoxrdquo cit p50

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Nesse sentido ultrapassar a discussatildeo acerca das estrateacutegias de saneamento dos viacutecios

da aquisiccedilatildeo rumo a um debate aprofundado sobre as razotildees que contribuem para a

superaccedilatildeo do paradoxo moral permitiria por exemplo a consideraccedilatildeo de que mesmo

um possuidor de maacute-feacute pode dar um uso economicamente mais eficiente do que aquele

dado pelo possuidor originaacuterio68 ou que em um contexto de deacuteficit de moradias a

ideia de que ldquoo natildeo uso eacute uma forma de usordquo69 seria juriacutedica e moralmente indefensaacutevel

pois corresponderia a absolutizaccedilatildeo da propriedade

O debate moral em torno da usucapiatildeo eacute rico de possibilidades que auxiliam na

compreensatildeo adequada do instituto e tambeacutem por isso natildeo pode ser represado Quando

se vecirc tanto esforccedilo doutrinaacuterio para expurgar os viacutecios objetivos de origem o uacutenico

sentido possiacutevel para tanto eacute pressuposto de que haacute uma avaliaccedilatildeo moralmente

negativa em torno da ideia de que uma posse ldquoinjustardquo seja apta a transformar um

ldquoladratildeordquo em proprietaacuterio Mas aqui o foco estaacute todo voltado para como a posse foi

adquirida o que reduz enormemente a investigaccedilatildeo Natildeo se trata da defesa da

legitimaccedilatildeo do uso da forccedila como se fosse possiacutevel concordar com a grilagem de terras

mas justo o oposto da possibilidade de reconhecimento de que mesmo o uso da forccedila

pode ser justificado quando a efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais como os relativos agrave

moradia e ao trabalho se contrapotildeem ao natildeo uso e a especulaccedilatildeo A existecircncia do

instituto da usucapiatildeo revela em si mesma que ordenamento fez uma escolha na qual o

uso efetivo do bem estaacute em uma posiccedilatildeo hierarquicamente superior ao natildeo uso Diante

da diferenciaccedilatildeo entre justiccedila e injusticcedila formal ndash relativa agrave aquisiccedilatildeo ndash e justiccedila ou

injusticcedila material (os valores materializados em cada efetivo apossamento) abre-se a

oportunidade de discutir as bases morais econocircmicas e filosoacuteficas por meio das quais eacute

ainda hoje possiacutevel fundamentar a manutenccedilatildeo ou perda dos direitos de propriedade

titularizados por algueacutem

De todo modo para os objetivos do presente estudo a hipoacutetese testada parece poder

ser adequadamente confirmada independentemente do modelo de usucapiatildeo a ser

adotado independentemente do fundamento mais adequado para usucapiatildeo em

68 FENNEL Lee Anne ldquoEfficient trespass the case for lsquobad faithrsquo adverse possessionrdquo Northwestern University Law Review Vol100 p1035-10962006 p53 Considerando-se que apenas um imoacutevel sem um uso efetivo pode ser objeto de apossamento alheio estendido por vaacuterios anos sem uma reaccedilatildeo apropriada a manutenccedilatildeo da sua titularidade pode ser lida como uma falha de mercado que daacute corpo agrave especulaccedilatildeo a venda do imoacutevel natildeo ocorre porque o titular natildeo encontra condiccedilotildees que lhe garantam a remuneraccedilatildeo pretendida naquele momento Da mesma forma levando-se em consideraccedilatildeo que no caso brasileiro a funccedilatildeo social remete agrave obrigatoriedade do uso e que isto por sua vez desaacutegua no exerciacutecio da posse toda posse ad usucapionem poderia ser lida como a vitoacuteria do uso produtivo sobre o natildeo uso especulativo Nesse sentido a posse de maacute-feacute corresponderia agrave deliberada intenccedilatildeo de concretizar um uso socialmente uacutetil a um bem que estaacute sendo administrado de forma ineficiente 69 NASCIMENTO Tupinambaacute Miguel Castro do Posse e propriedade Porto Alegre Livraria do Advogado 1986 p10

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nenhum lugar eacute possiacutevel colocar em questatildeo o fato de que a posse exercida pelo

esbulhador eacute adversa A posse exercida por algueacutem natildeo autorizado que deseja ou

acredita que jaacute tem o direito de outrem eacute nesse sentido sempre e necessariamente uma

posse injusta

Conclusatildeo

As tentativas de saneamentos dos viacutecios satildeo incongruentes e ineficientes porque a

superaccedilatildeo do paradoxo moral existente na usucapiatildeo depende de uma reflexatildeo acerca

daquilo que a sociedade considera como moralmente justificado em torno do exerciacutecio

do direito de propriedade E desde aiacute eacute possiacutevel perceber diversos aspectos que

demonstram que o exerciacutecio da posse seja qual for a sua qualificaccedilatildeo eacute mais forte do

que o natildeo uso a existecircncia mesma do instituto da usucapiatildeo o encurtamento

generalizado dos prazos para usucapir ocorrido no acircmbito do Coacutedigo Civil em vigor

mesmo na hipoacutetese extraordinaacuteria a ampliaccedilatildeo das modalidades de usucapiatildeo como

forma de premiar o exerciacutecio dirigido agrave busca da efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais

sociais como moradia e trabalho Nesse caminho o paradoxo moral se dissolve e o

saneamento dos viacutecios passa a ser irrelevante eacute mais importante saber o que se faz da

posse do que o modo pelo qual ela foi obtida

Em tais condiccedilotildees considerar que a posse ldquoboa para usucapirrdquo seja sempre injusta ndash no

sentido de que representa uma dissonacircncia necessaacuteria com a agenda estabelecida pelo

proprietaacuterio do bem a ser usucapido ndash natildeo significa o abandono da dimensatildeo moral

existente na qualificaccedilatildeo da posse do usucapiente Esta dimensatildeo apenas se desloca em

direccedilatildeo a uma investigaccedilatildeo criteriosa acerca do conteuacutedo da posse materializada frente

agrave anaacutelise da conduta do proprietaacuterio ante ao apossamento natildeo autorizado

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civilisticacom Recebido em 18042016

Aprovado em 13052016 (1ordm parecer) 31052016 (2ordm parecer)

Como citar DANTAS Marcus Eduardo de Carvalho Toda posse ad usucapionem eacute uma posse injusta Civilisticacom Rio de Janeiro a 5 n 1 2016 Disponiacutevel em lthttpcivilisticacomtoda-posse-ad-usucapionem-e-uma-posse-injustagt Data de acesso

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de boa-feacute a posse daqueles que ocupam imoacutevel alheio sem autorizaccedilatildeo do proprietaacuterio30

pois por mais que o apossamento seja moralmente justificaacutevel os possuidores natildeo

ignoram o fato de que o bem eacute de outra pessoa E se isto eacute assim a modalidade

disponiacutevel de usucapiatildeo no caso seria a extraordinaacuteria Natildeo pelo caraacuteter injusto da

posse e sim pelo fato dela ser exercida sem justo tiacutetulo e boa-feacute

Nessa linha a tese aqui defendida mostra a sua coerecircncia eacute possiacutevel questionar se o

apossamento configura efetivamente um esbulho31 mas natildeo o fato de que numa ou

noutra hipoacutetese natildeo se ignora que o direito de outrem estaacute sendo afrontado com a

efetivaccedilatildeo da posse natildeo autorizada

30 Este eacute justamente um dos pontos apontados pela doutrina para o fracasso da efetividade da hipoacutetese de aquisiccedilatildeo prevista no artigo 1228 sectsect 4ordm e 5ordm do Coacutedigo Civil Algueacutem pode dizer seriamente que a posse dessas pessoas por mais legiacutetima que possa ser eacute de boa-feacute no sentido de que se ignora que o ato entra em rota de colisatildeo com o direito de outrem Em um dos raros casos nos quais a hipoacutetese foi aplicada sob o nome de ldquodesapropriaccedilatildeo privadardquo os magistrados entenderam que a boa-feacute ldquo() entendida como posse justa natildeo violenta natildeo clandestina ou precaacuteriardquo estava presente no caso concreto em anaacutelise tendo em vista que ldquoAs guias de IPTU juntada (sic) aos autos ldquo() atestam a boa-feacute do recorrido jaacute que o proacuteprio Municiacutepio o reconhecia como proprietaacuterio da aacutereardquo Tribunal de Justiccedila de Minhas Gerais Apelaccedilatildeo Ciacutevel nordm 1028408009185-3005 Rel Des Rogeacuterio Coutinho J 11032015 publicado em 20032015 Disponiacutevel em httpwww5tjmgjusbrjurisprudenciapesquisaPalavrasEspelhoAcordaodoampnumeroRegistro=9amptotalLinhas=48amppaginaNumero=9amplinhasPorPagina=1amppalavras=2522desapropriaE7E3o20judicial2522amppesquisarPor=acordaoamppesquisaTesauro=trueamporderByData=1ampreferenciaLegislativa=Clique20na20lupa20para20pesquisar20as20referEAncias20cadastradasamppesquisaPalavras=Pesquisaramp Acesso em 10012016 31 A reflexatildeo sobre o conceito de ldquoesbulhordquo jaacute vem sendo feita pela doutrina mais progressista Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald fazem esse debate no seu manual precisamente no ponto jaacute citado em que consideram que o apossamento natildeo autorizado de um imoacutevel abandonado gera uma posse justa Eacute uma outra forma de dizer que esse ato natildeo configura esbulho Nesse caminho criacutetico do conceito tradicional existem estudos importantes (como os existentes em STROZAKE Juvelino Joseacute (Org) Questotildees agraacuterias ndash julgados comentados e pareceres Satildeo Paulo Meacutetodo 2002 principalmente os artigos de Roberto Delmanto Jr pp167-182 Antonio Scarance Fernandes pp293-310 e Dyrceu Aguiar Cintra Dias Jr pp 219-230) O debate tambeacutem jaacute chegou aos tribunais No STJ a decisatildeo de referecircncia sobre o tema estaacute no HC 4399SP No voto do Min Luiz Vicente Cernicchiaro o magistrado explicita as razotildees pelas quais concede o HC em favor dos integrantes do MST ldquoNo esbulho possessoacuterio o agente dolosamente investe contra a propriedade alheia a fim de usufruir um de seus atributos (uso) ou alterar os limites do domiacutenio para enriquecimento sem causa No caso dos autos ao contraacuterio diviso pressatildeo social para concretizaccedilatildeo de um direito (pelo menos-interesse) No primeiro caso contraste de legalidade compreende aspectos material e formal No segundo substancialmente natildeo haacute iliacutecito algumrdquo Superior Tribunal de Justiccedila HC nordm4399-SP Luiz Vicente Cernicchiaro Voto Vogal p02 Rel Min William Patterson julgado em 12031996 DJ 08041996 p10491 Disponiacutevel em lthttpwwwstjjusbrSCONjurisprudenciatocjspprocesso=4399ampampb=ACORampthesaurus=JURIDICOampp=truegt Acesso em 13022014 No acircmbito da accedilatildeo de reintegraccedilatildeo de posse movida pelo Governo de Satildeo Paulo contra a ocupaccedilatildeo das escolas estaduais realizada pelos estudantes secundaristas ndash como forma de protesto contra o plano de reorganizaccedilatildeo escolar empreendido pelo Governo daquele Estado ndash o Tribunal de Justiccedila considerou que ldquoNatildeo se antevecirc em suma o animus possidendi ou o animus rem sibi habendi autorizantes do tratamento possessoacuterio da mateacuteria mas antes expressotildees de desobediecircncia civil frente agrave autecircntica violecircncia ciacutevica de que se consideram viacutetimas os manifestantesrdquo E ainda ldquo() natildeo haacute nessa narrativa e nem nos autos qualquer evidecircncia que a entidade sindical queira de modo ilegal apropriar-se dos bens puacuteblicos referidos no recurso tecircm-se que como todos reconhecemos durante a sessatildeo de julgamento a absoluta inadequaccedilatildeo da pretendida proteccedilatildeo possessoacuteria e portanto o tangenciamento da carecircncia da accedilatildeo por falta de interesse de agirrdquo Tribunal de Justiccedila ndash SP Agravo de Instrumento nordm2243232-252015826000 7ordf Cacircmara de Direito Puacuteblico Rel Min Coimbra Schmidt Julgado em 23112015 Disponiacutevel em lthttpsesajtjspjusbrcposgshowdoprocessoforo=990ampprocessocodigo=RI0032WUQ0000gt Acesso em 25112015

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Esse eacute afinal o ponto relevante para definiccedilatildeo da posse apta a gerar a usucapiatildeo pois a

hipoacutetese que ora se desenvolve eacute a de que toda posse ad usucapionem eacute sempre e

necessariamente uma posse injusta sendo capaz de viabilizar a usucapiatildeo tanto

extraordinaacuteria quanto a ordinaacuteria Eacute perfeitamente possiacutevel que o sucessor na posse

natildeo tenha conhecimento da maacutecula que existiu na sua aquisiccedilatildeo pelo antecessor

hipoacutetese na qual teria posse injusta em funccedilatildeo da transmissatildeo do viacutecio com justo tiacutetulo

e boa-feacute Como a ldquoposse injustardquo em sentido formal eacute o mesmo que ldquoposse natildeo

autorizadardquo natildeo haveria impedimento em usucapir na modalidade ordinaacuteria

5 A influecircncia do tempo no saneamento dos viacutecios da posse

As estrateacutegias de saneamento tecircm como objetivo transformar uma posse inicialmente

injusta em uma posse justa no pressuposto de que tal requisito eacute imprescindiacutevel para

que se possa usucapir Mas tais estrateacutegias satildeo tatildeo amplas e variadas que o saneamento

se torna praticamente inevitaacutevel para uma parte da doutrina a simples manutenccedilatildeo da

posse pelo curto periacuteodo de 1 ano faz com que ela perca o viacutecio de origem e se torne

apta a viabilizar a usucapiatildeo

Esta interpretaccedilatildeo eacute decorrente de uma leitura muito particular da norma processual

que reserva a tutela liminar para os casos nos quais a posse tenha sido perdida haacute

menos de ano e dia32 Trata-se da diferenccedila entre a chamada ldquoposse novardquo e a ldquoposse

velhardquo Se a posse do esbulhador estiver sendo exercida haacute mais de 1 ano o esbulhado

perde a possibilidade de uma reintegraccedilatildeo liminar pois trata-se de uma ldquoposse velhardquo

Isto natildeo impede que o esbulhado obtenha uma medida mais ceacutelere mas ele precisaria

utilizar a via da tutela antecipada prevista no artigo 273 do CPC73 e que hoje como

espeacutecie do gecircnero tutela de urgecircncia tem o seu conteuacutedo regulado pelos artigos 294-

311 do CPC1533 De uma maneira geral o esbulhado precisaria de provas mais robustas

de que seu direito foi violado Vecirc-se que o tempo de exerciacutecio da posse pelo esbulhador

tem reflexo na dinacircmica processual da retomada mas natildeo na qualificaccedilatildeo da posse em

disputa que continua sendo injusta

32 Art 924 Regem o procedimento de manutenccedilatildeo e de reintegraccedilatildeo de posse as normas da seccedilatildeo seguinte quando intentado dentro de ano e dia da turbaccedilatildeo ou do esbulho passado esse prazo seraacute ordinaacuterio natildeo perdendo contudo o caraacuteter possessoacuterio 33 No CPC15 a tutela cautelar ndash pautada no fumus boni iuris e periculum in mora ndash e a tutela antecipada ndash baseada em verossimilhanccedila do que eacute alegado fundado receio de dano ou abuso do direito de defesa ndash foram reunidas em torno da tutela provisoacuteria nos seguintes termos Art294 A tutela provisoacuteria pode fundamentar-se em urgecircncia ou evidecircncia Paraacutegrafo uacutenico A tutela provisoacuteria de urgecircncia cautelar ou antecipada pode ser concedida em caraacuteter antecedente ou incidental Os requisitos para tais medidas em muito semelhantes aos termos do CPC revogado de uma maneira geral estatildeo regulados como indicado entre os artigos 294 e 311

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Poreacutem uma parte importante da doutrina civiliacutestica brasileira interpreta as diferenccedilas

estabelecias pelo direito processual como uma outra estrateacutegia de saneamento

decorrente da simples passagem do tempo O pensamento eacute o de que se reintegraccedilatildeo

liminar natildeo eacute mais possiacutevel isso significa que a posse inicialmente injusta se

transformou em posse justa Este entendimento eacute adotado por doutrinadores como por

exemplo Maria Helena Diniz que indica expressamente ldquo() se o adquirente a tiacutetulo

clandestino ou violento provar que sua clandestinidade ou violecircncia cessaram haacute mais

de ano e dia sua posse passa a ser reconhecida convalescendo-se dos viacutecios que a

maculavamrdquo34

Tal interpretaccedilatildeo eacute criticaacutevel porque o fato do possuidor esbulhado ter que fazer uma

prova mais consistente do seu direito para que obtenha a tutela antecipada natildeo

significa que a posse do esbulhador tenha passado a ser justa Significa apenas que

tendo em vista que o momento do esbulho natildeo eacute mais tatildeo niacutetido a prova para a

retomada da posse deve ser mais substancial para que a tutela seja concedida Mas o

apossamento natildeo autorizado ocorreu

Da mesma forma quando se tem em conta que natildeo haacute nenhuma modalidade de

usucapiatildeo com menos de 1 ano todas as vezes que o possuidor tiver superado tal prazo

o viacutecio teraacute sido expurgado razatildeo pela qual natildeo haveria hipoacutetese de possuidor com

tempo suficiente para usucapir que jaacute natildeo teria passado pelo ldquomarco saneadorrdquo35

Ainda entre os especialistas brasileiros Silvio Rodrigues36 defendeu a tese de que apoacutes

ano e dia de exerciacutecio da posse pelo esbulhador o possuidor esbulhado perderia o

direito de retomaacute-la pela via possessoacuteria cabendo apenas a accedilatildeo reivindicatoacuteria com

base no tiacutetulo Tal impossibilidade seria reflexo de que a posse inicialmente injusta pela

aquisiccedilatildeo violenta teria passado a ser justa tendo em vista a passagem do prazo

34 DINIZ Maria Helena Curso de direito civil brasileiro Vol4 ndash direito das coisas 26ordfed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p78 O posicionamento eacute tambeacutem encampado entre outros por NEDER Natal Usucapiatildeo de imoacuteveis 3ordfed Rio de Janeiro Forense 1989 p19 35 Tambeacutem por isso parece curiosa a hipoacutetese de saneamento pela passagem do tempo vislumbrada por COELHO Faacutebio Ulhocirca Curso de direito civil Vol4 ndash direito das coisas cit p39 ldquoA posse soacute deixa de ser violenta se o antigo possuidor natildeo se interessa pela retomada do bem ou natildeo obtendo sucesso no exerciacutecio do desforccedilo imediato desiste da luta Desaparecendo a violecircncia nesse caso a posse se torna justa () Em suma o desinteresse do desapossado em defender a sua posse descaracteriza a origem viciada da do novo possuidorrdquo De acordo com tal raciociacutenio todas as vezes que o possuidor tiver posse ad usucapionem pelo tempo necessaacuterio para usucapir a posse injusta teraacute se transformado em posse justa E se isso eacute assim para que serve o exame dos viacutecios objetivos 36 RODRIGUES Silvio Direito civil Vol5 ndash direito das coisas 28ordfed Satildeo Paulo Saraiva 2009 p25-27

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O raciociacutenio de Silvio Rodrigues parece uma meacutelange da soluccedilatildeo positivada em alguns

sistemas estrangeiros como vg no direito espanhol e no direito portuguecircs O

problema eacute que aqui ao contraacuterio do que ocorre nos ordenamentos dos dois maiores

paiacuteses da Peniacutensula Ibeacuterica natildeo haacute nenhuma disposiccedilatildeo normativa que ampare tal

interpretaccedilatildeo Em Portugal e na Espanha o decurso do prazo de um ano tem

primeiramente uma funccedilatildeo especiacutefica a de decretar o momento da perda da posse por

parte do possuidor esbulhado37 Eacute o mesmo raciociacutenio que no Brasil sustenta a previsatildeo

do artigo 122438 onde ainda que sem uma referecircncia objetiva de tempo eacute possiacutevel

verificar que o possuidor esbulhado natildeo perde o seu direito de posse no exato momento

em que ocorre a perda no plano faacutetico A funccedilatildeo dessa ficccedilatildeo39 tanto laacute quanto caacute

tambeacutem eacute a mesma garantir que natildeo haja soluccedilatildeo de continuidade no exerciacutecio da

posse quando intervalos intermitentes ocorrem40

De se ressaltar ainda que no ordenamento portuguecircs assim como no direito espanhol

o prazo de 1 ano corresponde tambeacutem agrave ldquocaducidaderdquo das accedilotildees de reintegraccedilatildeo ou

manutenccedilatildeo de posse41 Como o possuidor esbulhado natildeo pode mais utilizar tais accedilotildees

a interdiccedilatildeo da via possessoacuteria gera consequecircncias na compreensatildeo da manutenccedilatildeo dos

viacutecios No direito espanhol natildeo sem polecircmica o prazo de 1 ano de exerciacutecio da posse

pelo esbulhador configura hipoacutetese na qual ldquoel transcurso del tiempo sirve para

subsanar este vicio posesoriordquo42

37 Coacutedigo Civil espanhol ldquoArtiacuteculo 460 El poseedor puede perder su posesioacuten () 4 Por la posesioacuten de otro aun contra la voluntad del antiguo poseedor si la nueva posesioacuten hubiese durado maacutes de un antildeordquo Coacutedigo Civil portuguecircs ldquoArtigo 1267ordm (Perda da posse) 1 O possuidor perde a posse () d) Pela posse de outrem mesmo contra a vontade do antigo possuidor se a nova posse houver durado mais de um anordquo 38 Art 1224 Soacute se considera perdida a posse para quem natildeo presenciou o esbulho quando tendo notiacutecia dele se absteacutem de retornar a coisa ou tentando recuperaacute-la eacute violentamente repelido 39 No direito espanhol a doutrina diverge acerca do momento em que tem iniacutecio a posse do esbulhador Haacute quem entenda que a posse do esbulhador soacute tem iniacutecio apoacutes o prazo de 1 ano RODRIGUEZ-CANO Rodrigo Bercovitz Manual de derecho civil ndash derechos reales Madrid Bercal 2013 p77) Outros consideram que coexistem desde o iniacutecio duas posses sobre o bem posse de fato exercida pelo esbulhador e a posse de direito que ateacute o transcurso do prazo permanece na titularidade do esbulhado LOacutePEZ y LOacutePEZ Aacutengel M FERNANDEZ Rosario Valpuesta et all Derecho civil patrimonial Vol II Valencia Tirant lo Blanch 2014 p97 40 TEPEDINO Gustavo Comentaacuterios ao coacutedigo civil cit p192 DIacuteEZ-PICAZO Luis GULLOacuteN Antonio Sistema de derecho civil VolIII Tomo I (derechos reales en general) 8ordfed Madrid Tecnos 2013 p116 41 CORDEIRO Antoacutenio Menezes A posse perspectivas dogmaacuteticas actuais cit p112 SANTOS JUSTO A dos Direitos Reais 4ordfed cit p218 LOacutePEZ PAacuteSARO Eduardo Tutela Sumaria de la Posesioacuten (Interdicto de recobrar) Madrid Dykinson 2014 p187 O artigo 1282 do Coacutedigo Civil portuguecircs indica que ldquoA acccedilatildeo de manutenccedilatildeo bem como as de restituiccedilatildeo da posse caducam se natildeo forem intentadas dentro do ano subsequente ao acto da turbaccedilatildeo ou do esbulho ou ao conhecimento dele quando tenha sido praticado a ocultasrdquo Jaacute o diploma civil espanhol preceitua no seu artigo 19681 do Coacutedigo Civil espanhol ldquo Artiacuteculo 1968 Prescriben por el transcurso de un antildeo 1La accioacuten para recobrar o retener la posesioacutenrdquo 42 RODRIGUEZ-CANO Rodrigo Bercovitz Manual de derecho civil ndash derechos reales cit p73 No mesmo sentido ALBALADEJO Manuel A Derecho civil VolIII cit p63 DIacuteEZ-PICAZO Luis Fundamentos del derecho civil patrimonial VolIII las relaciones juriacutedico-reales el registro de la propiedad la posesioacuten 5ordfed Madrid Civitas 2008 p689

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Jaacute no direito portuguecircs o Coacutedigo Civil eacute expresso acerca da possibilidade de

saneamento dos viacutecios43 e a doutrina encampa unanimemente o entendimento de que

a posse eacute violenta ndash portanto injusta ndash apenas no tempo de duraccedilatildeo de seus efeitos44

Ou seja a posse violenta clandestina ou precaacuteria perde a condiccedilatildeo de viciosa no exato

instante em que se estabiliza Apoacutes a cessaccedilatildeo da violecircncia a posse passa a ser

perfeitamente apta a gerar a usucapiatildeo45

Mas ideia de que a posse eacute injusta apenas enquanto houver violecircncia ou

clandestinidade ao contraacuterio do direito luso natildeo tem respaldo no ordenamento

brasileiro apesar de ser defendida por nomes como os de Lenine Nequete46 e Arnoldo

Wald47 O artigo 1208 do Coacutedigo Civil alocado no capiacutetulo referente agrave aquisiccedilatildeo da

posse dispotildee claramente que ldquoNatildeo induzem posse os atos de mera permissatildeo ou

toleracircncia assim como natildeo autorizam a sua aquisiccedilatildeo os atos violentos ou clandestinos

senatildeo depois de cessar a violecircncia ou a clandestinidaderdquo Ou seja aqui enquanto a

violecircncia estiver sendo empregada natildeo haacute posse Apoacutes a sua cessaccedilatildeo a posse advinda

de tais atos eacute posse mas posse injusta48

Natildeo haacute duacutevida portanto de que o prazo de ldquoano e diardquo tem uma funccedilatildeo importante No

direito espanhol o prazo serve como marco da perda da posse da impossibilidade de

utilizaccedilatildeo das accedilotildees possessoacuterias e de saneamento dos viacutecios objetivos No direito

portuguecircs serve igualmente de referecircncia para identificaccedilatildeo do momento de perda da

posse e da caducidade da via possessoacuteria ao passo que os viacutecios satildeo considerados

sanados apoacutes a cessaccedilatildeo de seus efeitos

Em ambos os ordenamentos o expurgo dos viacutecios pela passagem do tempo tem

respaldo normativo ainda que as criacuteticas anteriormente feitas a este raciociacutenio no

direito brasileiro tambeacutem sejam aplicaacuteveis a tais sistemas natildeo havendo tambeacutem neles

nenhuma modalidade de usucapiatildeo com menos de 1 ano a ideia do saneamento da

43 Artigo 1297ordm (Posse violenta ou oculta) Se a posse tiver sido constituiacuteda com violecircncia ou tomada ocultamente os prazos da usucapiatildeo soacute comeccedilam a contar-se desde que cesse a violecircncia ou a posse se torne puacuteblica 44 Por todos CARVALHO Orlando de Direito das coisas Coimbra Coimbra Editora 2012 p283 45 FRANCcedilA PITAtildeO Joseacute Antoacutenio de Posse e usucapiatildeo Lisboa Almedina 2007 p74 FERREIRA Durval Posse e usucapiatildeo 3ordfed Lisboa Almedina 2008 p319 OLIVEIRA ASCENCcedilAtildeO Joseacute de Direito civil ndash reais cit p116 46 NEQUETE Lenine Da prescriccedilatildeo aquisitiva (usucapiatildeo) Porto Alegre Ediccedilatildeo Sulina 1954 p80 47 WALD Arnoldo Direito Civil direito das coisas Vol4 Satildeo Paulo Saraiva 2011 pp103-104 48 Segundo esclarece Joseacute Carlos Moreira Alves ldquo() para o Coacutedigo Civil brasileiro () enquanto materialmente existentes ndash ou seja enquanto se pratica a violecircncia ou haacute clandestinidade ndash impedem [tais viacutecios] a aquisiccedilatildeo ateacute da possessio ad interdicta havendo apenas detenccedilatildeo independente e uma vez cessados em sua materialidade surge a posse embora qualificada como injusta que produz as consequecircncias de qualquer posse injustardquo MOREIRA ALVES Joseacute Carlos ldquoA detenccedilatildeo no direito civil brasileiro (conceito e casos)rdquoIn CAHALI Yussef Said Posse e propriedade doutrina e jurisprudecircncia Satildeo Paulo Saraiva 1987 p20

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mesma forma que aqui natildeo tem funccedilatildeo nenhuma porque sempre que o usucapiente

tiver prazo para usucapir os viacutecios teratildeo deixado de existir

De se ressaltar ainda que o proacuteprio Silvio Rodrigues reconheceu que a sua tese natildeo

tinha fundamento legal Na nota de rodapeacute 28 do seu livro ldquoDireito das Coisasrdquo49 o

autor demonstrou que entendia que o Coacutedigo de Processo Civil de 1939 tinha extirpado

a ldquoaccedilatildeo de forccedila velha expoliativardquo do ordenamento brasileiro razatildeo pela qual para o

possuidor de mais de 1 ano e dia caberia apenas a via petitoacuteria o que sanearia o viacutecio na

aquisiccedilatildeo Isto porque segundo sua interpretaccedilatildeo ldquoBasta que ela [a posse] se estenda

pacificamente ou publicamente durante o intervalo de ano e dia para que fique

purgada de seus defeitosrdquo50 Mas o proacuteprio autor admitiu ao final da nota de rodapeacute

28 que o CPC de 73 ldquoextirpou a duacutevidardquo que poderia existir em torno da possibilidade

de accedilatildeo de reintegraccedilatildeo com mais de 1 ano e dia do esbulho que ldquomesmo intentadas

apoacutes o intervalo de ano e dia natildeo perdem o seu caraacuteter acessoacuteriordquo51 Mesmo criticando

a soluccedilatildeo do CPC reconhece que ldquo() a vontade do legislador manifestada de forma

irrefutaacutevel que deve prevalecerrdquo52 Fica claro portanto que natildeo haacute fundamento legal

para a tese de que a posse injusta se transforma em posse justa apoacutes ano e dia

6 Saneamento pelo cumprimento da funccedilatildeo social

Alguns estudos mais recentes tecircm indicado que os viacutecios objetivos da posse podem ser

considerados sanados uma vez constatado o cumprimento da funccedilatildeo social por parte do

esbulhador53

Mas o saneamento pelo cumprimento da funccedilatildeo social da posse pode ser

primeiramente criticado por que natildeo haacute qualquer dispositivo normativo em vigor no

ordenamento juriacutedico brasileiro que defina o que eacute e qual eacute o conteuacutedo da funccedilatildeo social

da posse A doutrina tem buscado dar substacircncia ao princiacutepio pela conexatildeo que

tradicionalmente eacute feita entre funccedilatildeo social da posse e a efetivaccedilatildeo de direitos

fundamentais como os de moradia e trabalho

49 RODRIGUES Silvio Direito civil Vol5 ndash direito das coisas cit p30 50 RODRIGUES Silvio Direito civil Vol5 ndash direito das coisas cit p30 51 O CPC15 eacute claro acerca do caraacuteter possessoacuterio da accedilatildeo proposta apoacutes o prazo de ldquoano e diardquo Art558 Regem o procedimento de manutenccedilatildeo e de reintegraccedilatildeo de posse as normas da Seccedilatildeo II deste Capiacutetulo quando a accedilatildeo for proposta dentro de ano e dia da turbaccedilatildeo ou do esbulho afirmado na peticcedilatildeo inicial Paraacutegrafo uacutenico Passado o prazo referido no caput seraacute comum o procedimento natildeo perdendo contudo o caraacuteter possessoacuterio 52 RODRIGUES Silvio Direito civil Vol5 ndash direito das coisas cit p30 nota28 53 MELO Marco Aureacutelio Bezerra de Curso de direito civil Vol5 ndash direito das coisas 2015 p73 FARIAS Cristiano Chaves de ROSENVALD Nelson Curso de direito civil Vol5 ndash reais cit p119

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Eacute possiacutevel tentar extrair essa conexatildeo da relaccedilatildeo entre posse e propriedade

considerando que a propriedade deve cumprir a funccedilatildeo social a posse tambeacutem deve ser

lida como subordinada a tal princiacutepio Mas se a funccedilatildeo social da propriedade eacute em

grande medida a ldquofunccedilatildeo social da posse exercida pelo proprietaacuteriordquo54 seraacute viaacutevel dizer

que o contraacuterio tambeacutem eacute verdadeiro Um possuidor de uma aacuterea de grande extensatildeo

de terra na zona rural estaacute obrigado a cumprir os mesmos preceitos direcionados ao

proprietaacuterio estabelecidos no artigo 184 da Constituiccedilatildeo E qual seria a consequecircncia

do descumprimento desse conteuacutedo por parte de quem eacute apenas o possuidor E no caso

da posse urbana qual o conteuacutedo a ser cumprido para que a funccedilatildeo social seja

contemplada

A falta de uma definiccedilatildeo sobre o conteuacutedo objetivamente definido para a funccedilatildeo social

da posse prejudica enormemente a sua utilizaccedilatildeo como criteacuterio para avaliaccedilatildeo do o

expurgo dos viacutecios objetivos Aleacutem de desnecessaacuteria a possibilidade do saneamento

atraveacutes de um princiacutepio tatildeo ldquomaleaacutevelrdquo tem como consequecircncia o seu reconhecimento

em um sem nuacutemero de situaccedilotildees tatildeo diacutespares que fica difiacutecil enxergar em que

circunstacircncia qualquer exerciacutecio regular da posse natildeo o atenderia

Nos tribunais fala-se em cumprimento da funccedilatildeo social quando a posse de um terreno eacute

utilizada para criaccedilatildeo de galinhas55 quando mesmo sem comprovar o tempo

necessaacuterio o possuidor prova que construiu lojas e quitinetes no imoacutevel que pretendia

usucapir56 ou ainda quando o imoacutevel a ser usucapido foi utilizado como garagem e aacuterea

de lazer durante o lapso temporal necessaacuterio agrave usucapiatildeo57

54 DANTAS Marcus Eduardo de Carvalho ldquoDa funccedilatildeo social da propriedade agrave funccedilatildeo social da posse exercida pelo proprietaacuterio ndash uma proposta de releitura do princiacutepio constitucionalrdquo RIL ndash Revista de Informaccedilatildeo Legislativa ano 52 n 205 p23-38 Mar 2015 p34 DANTAS Marcus Eduardo de Carvalho ldquoFunccedilatildeo social nos conflitos fundiaacuteriosrdquo Revista Direito GV Satildeo Paulo v9 n 2 p465-488 Dec 2013 p479 55 Tribunal de Justiccedila do Rio de Janeiro Apelaccedilatildeo nordm 0003045-5320028190061 Rel Des Gilda Maria

Dias Carrapatoso Julgamento 31072013 13ordf Cacircmara Ciacutevel Disponiacutevel em

httpwww1tjrjjusbrgedcachewebdefaultaspxUZIP=1ampGEDID=0004CC331928D8D3A72C15733D

069BD44D8BC50237206304 Acesso em 12032015 56 Tribunal de Justiccedila do Rio de Janeiro Apelaccedilatildeo nordm 0034331-2420108190205 Rel Des Andreacute

Ribeiro Julgamento 05062013 7ordf Cacircmara Ciacutevel Disponiacutevel em

httpwww1tjrjjusbrgedcachewebdefaultaspxUZIP=1ampGEDID=000421376D950C28F7B805418EE

F244E6857C5022B4D2D4CAcesso em 12032015 57 Tribunal de Justiccedila do Rio de Janeiro Apelaccedilatildeo nordm 0096918-8820058190001 Rel Des Antocircnio

Saldanha Palheiro Julgamento 12042011 5ordf Cacircmara Ciacutevel Disponiacutevel em

httpwww1tjrjjusbrgedcachewebdefaultaspxUZIP=1ampGEDID=0003FDB81056920E5F12D511F73

43C44001098C403252532 Acesso em 12032015

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Natildeo se trata aqui de uma avaliaccedilatildeo moral acerca daquilo que deve ou natildeo ser

considerado como o conteuacutedo da funccedilatildeo social A questatildeo eacute que sem um conteuacutedo bem

especificado a funccedilatildeo social deixa de ser um mecanismo de qualificaccedilatildeo da posse ela

natildeo tem serventia alguma como mecanismo de diferenciaccedilatildeo Se a utilizaccedilatildeo de um

terreno como garagem e lazer corresponde ao exerciacutecio da posse com funccedilatildeo social em

que circunstacircncia o exerciacutecio puro e simples da posse natildeo corresponderia a tal

princiacutepio Basta natildeo realizar uma atividade iliacutecita para cumprir a funccedilatildeo social da

posse Qual a diferenccedila entre ldquoter posserdquo e ldquoter posse com funccedilatildeo socialrdquo

A segunda linha de criacutetica se orienta pelo fato de que nem todas as modalidades de

usucapiatildeo existentes no ordenamento brasileiro tecircm uma conexatildeo visiacutevel com os temas

tradicionalmente considerados como caracteriacutesticos da funccedilatildeo social A usucapiatildeo

extraordinaacuteria prevista no caput do artigo 1238 do Coacutedigo Civil58 por exemplo natildeo

exige do possuidor que exerccedila a posse com fins de moradia tampouco que utilize o

imoacutevel como fonte de trabalho Isso mostra que o Coacutedigo diferencia as situaccedilotildees nas

quais a posse eacute exercida como meio de efetivaccedilatildeo dos direitos tradicionalmente

afinados com uma ideia geral de funccedilatildeo social e aquelas nas quais a posse eacute exercida

regularmente mas sem tal qualificaccedilatildeo especial Em tais condiccedilotildees o entendimento de

que a injusticcedila original da posse pode ser sanada pelo cumprimento da funccedilatildeo social

para a usucapiatildeo em geral ficaria ainda uma vez sem sentido pois o diploma civil natildeo

exige que a posse seja exercida como moradia ou fonte de trabalho em todas as

modalidades da usucapiatildeo

7 O ldquoteste do uso incompatiacutevelrdquo e a funccedilatildeo da posse injusta na usucapiatildeo

Apesar de todo esforccedilo doutrinaacuterio na defesa de formas pelas quais a posse injusta pode

deixar para traacutes o seu viacutecio de origem a doutrina tem um posicionamento tatildeo soacutelido

quanto incoerente acerca do viacutecio da precariedade o de que ele natildeo convalesce nunca

O entendimento eacute defendido por quase59 a totalidade dos especialistas sob o

58 Art 1238 Aquele que por quinze anos sem interrupccedilatildeo nem oposiccedilatildeo possuir como seu um imoacutevel adquire-lhe a propriedade independentemente de tiacutetulo e boa-feacute podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentenccedila a qual serviraacute de tiacutetulo para o registro no Cartoacuterio de Registro de Imoacuteveis Paraacutegrafo uacutenico O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-aacute a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imoacutevel a sua moradia habitual ou nele realizado obras ou serviccedilos de caraacuteter produtivo

59 Francisco Eduardo Loureiro eacute uma boa exceccedilatildeo agrave leitura predominante Nesse sentido ldquoDiz-se que a posse precaacuteria nunca gera usucapiatildeo Na verdade eacute ela imprestaacutevel para usucapiatildeo natildeo porque eacute injusta mas porque o precarista natildeo tem animus domini uma vez que reconhece a supremacia e o melhor direito do terceiro sobre a coisa Caso poreacutem natildeo reconheccedila ou deixe de reconhecer essa posiccedilatildeo e revele isso de modo inequiacutevoco e claro ao titular do domiacutenio para que este possa reagir e retomar a coisa nasce nesse momento o prazo para usucapiatildeo porque o requisito animus domini estaraacute entatildeo presente LOUREIRO Francisco Eduardo ldquoDireito das coisas (arts 1196-1510)rdquo In PELUSO Cezar (Coord) Coacutedigo civil interpretado Satildeo Paulo Manole 2008 p1092-1093

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argumento de que o descumprimento do dever de restituiccedilatildeo do bem soacute deixa de existir

quando a coisa eacute devolvida Enquanto o bem permanece com o esbulhador a posse

permanece injusta e nenhuma das taacuteticas anteriormente analisadas seria suficiente

para modificar tal condiccedilatildeo

Trata-se de uma interpretaccedilatildeo no miacutenimo insoacutelita pois acaba tornando o viacutecio da

precariedade mais grave que os outros se o esbulhador usa a violecircncia fiacutesica contra a

pessoa do esbulhado ele pode ver tal viacutecio sanado das formas mais diversas se a

aquisiccedilatildeo se daacute pela recusa da restituiccedilatildeo isso natildeo seria de forma alguma possiacutevel pela

ldquoquebra da confianccedilardquo Mas por que a ldquoquebra da confianccedilardquo eacute mais grave que o uso da

forccedila fiacutesica Aleacutem de natildeo parecer razoaacutevel trata-se de uma interpretaccedilatildeo que atribui

uma vantagem injustificaacutevel em favor do proprietaacuterio Independentemente do que ele

tiver feito ou deixado de fazer para retomar o bem o fato da posse ser injusta

bloquearia a usucapiatildeo para sempre

Como indicado a discussatildeo acerca das circunstacircncias nas quais algueacutem pode se tornar

proprietaacuterio pela usucapiatildeo eacute tambeacutem uma discussatildeo acerca das condiccedilotildees nas quais

algueacutem pode legitimamente exercer o seu direito de propriedade Eacute possiacutevel

reconhecer poreacutem que a doutrina brasileira tem dado uma ecircnfase talvez desmesurada

na atuaccedilatildeo do possuidor deixando de investigar a dimensatildeo real do papel do

proprietaacuterio nesse jogo Soacute haveraacute usucapiatildeo se o proprietaacuterio de algum modo se

mantiver inerte na recuperaccedilatildeo do bem E se o proprietaacuterio deixou de tomar as

providencias necessaacuterias agrave tutela do seu direito durante um periacuteodo que pode variar de

2 a 15 anos eacute porque ele tambeacutem contribuiu para a consolidaccedilatildeo da posse do

usucapiente Como seria o cenaacuterio se a ecircnfase no processo recaiacutesse sobre o

proprietaacuterio Se independentemente da preocupaccedilatildeo com a caracterizaccedilatildeo de

eventuais viacutecios da posse incidisse principalmente sobre o titular a responsabilidade de

agir para que a usucapiatildeo natildeo se consumasse

Um caso interessante nesse sentido ndash e pouco estudado no Brasil ndash eacute o chamado

ldquoJAPye (Oxford) Ltd v Grahamrdquo ou apenas ldquoCase Pyerdquo como ficou conhecido De

forma muito resumida a empresa do ramo imobiliaacuterio JA Pye (Oxford) Ltd adquiriu

um terreno em Berkshire oeste de Londres com o objetivo de desenvolver um

empreendimento imobiliaacuterio e obteve o respectivo registro como proprietaacuteria da aacuterea

Apoacutes realizar a venda de uma parte do terreno a empresa inglesa celebrou um contrato

de 1 ano com a famiacutelia Graham por meio do qual seus integrantes ficavam autorizados a

utilizar os 25 hectares restantes da aacuterea como pasto Apoacutes o teacutermino do contrato os

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Graham procuraram a empresa com objetivo de obter uma renovaccedilatildeo mas a J A Pye

Ltd se recusou a fazecirc-lo Apesar disso Caroline e Michael Graham continuaram a

ocupar o terreno e a utilizaacute-lo como pasto por mais 12 anos com o conhecimento da

empresa mas sem o seu consentimento ainda que a J A Pye Ltd tenha se mantido

inerte quanto agraves providecircncias necessaacuterias para impedir a permanecircncia natildeo autorizada

dos Graham no local Apoacutes os 12 anos de exerciacutecio natildeo autorizado da posse os Graham

solicitaram o reconhecimento dos seus direitos sobre a referida aacuterea o que foi

concedido pelo registro com base na ldquoadverse possessionrdquo ou seja na usucapiatildeo

A decisatildeo gerou um sem nuacutemero de polecircmicas e modificaccedilotildees de rumo chegando ateacute

ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos onde no julgamento da Queixa

nordm4430202 foi dado ganho de causa ao Reino Unido e por consequecircncia agrave famiacutelia

Graham Em um primeiro momento a ldquoCourt of Appealrdquo deu decisatildeo favoraacutevel agrave

empresa ldquoPyerdquo com base entre outros motivos no fato de que a famiacutelia Graham natildeo

tinha ldquothe necessary intention to possessrdquo ou seja o acircnimo de dono Considerando-se

que no direito inglecircs vigora o chamado ldquoprocedural approachrdquo no que tange agrave usucapiatildeo

ndash a ecircnfase no aspecto processual da disputa ndash a referecircncia ao animus possidendi foi

considerada uma inovaccedilatildeo surpreendente60 De fato uma vez que os agricultores

permaneceram apenas fazendo aquilo que jaacute faziam quando do contrato em vigor os

julgadores da ldquoCourt of Appealrdquo entenderam que natildeo havia a intenccedilatildeo de passar a ser o

dono do lugar contrapondo-se frontalmente ao direito da empresa61 A decisatildeo foi

objeto de recurso agrave ldquoHouse of Lordsrdquo que deu ganho de causa agrave Caroline Graham62

Ainda inconformada a empresa ldquoPyerdquo entrou com novo recurso e como indicado o

caso chegou ateacute ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos sob a alegaccedilatildeo de que o

Reino Unido havia violado o direito de propriedade da J A Pye Ltd descumprindo a

garantia prevista no artigo 1ordm do Protocolo Adicional nordm 1 da Convenccedilatildeo Europeia dos

Direitos do Homem63 A decisatildeo final foi favoraacutevel ao Reino Unido e

60 RADLEY-GARNER Oliver ldquoCivilized Squattingrdquo Oxford Journal of Legal Studies (winter 2005) 25 (04) p728 61 A discussatildeo pode ser conhecida em httpwwwpublicationsparliamentukpald200102ldjudgmtjd020704graham-3htm Acesso em 13122014 62 O voto de maior peso no julgamento foi o de Lord Browne-Wilkinson por ter considerado que ao contraacuterio do que se exigia ateacute entatildeo a partir do momento em que os Graham continuaram a pastorear a terra sem a autorizaccedilatildeo da ldquoJAPyerdquo eles passaram a ter posse em nome proacuteprio o que independentemente de um conflito aberto seria suficiente para viabilizar a adverse possession O voto na iacutentegra pode ser lido em ldquoHouse of Lords Judgments ndash J A Pye (Oxford) Ltd and Others v Graham and Another on 4 July 2002rdquo httpwwwpublicationsparliamentukpald200102ldjudgmtjd020704graham-1htm Acesso em 13122014 63 ldquoQualquer pessoa singular ou colectiva tem direito ao respeito dos seus bens Ningueacutem pode ser privado do que eacute sua propriedade a natildeo ser por utilidade puacuteblica e nas condiccedilotildees previstas pela lei e pelos princiacutepios gerais do direito internacional

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consequentemente agrave famiacutelia Graham sob diversos argumentos Destacam-se para fins

do presente estudo a ideia de que a usucapiatildeo deve ser encarada como um mecanismo

de controle ou regulamentaccedilatildeo do uso dos bens eis que eacute de interesse geral saber quem

efetivamente eacute responsaacutevel pelo imoacutevel bem como pelos tributos decorrentes de tal

condiccedilatildeo o que remete agrave seguranccedila juriacutedica 64

Entre diversas questotildees importantes o episoacutedio mostra como em grande medida a

dogmaacutetica juriacutedica brasileira tem abordado o tema da usucapiatildeo de maneira a ampliar

os poderes do proprietaacuterio Uma atenccedilatildeo desmesurada tem sido dada agrave posse do

usucapiente sempre cheia de requisitos a cumprir escamoteando-se as

responsabilidades do titular do direito a ser usucapido

Desde logo salta aos olhos o fato de que na hipoacutetese do ldquoCase Pyerdquo o poder da famiacutelia

Graham sobre o terreno poderia no Brasil ser qualificado como uma situaccedilatildeo de mera

toleracircncia hipoacutetese na qual natildeo haveria verdadeiramente posse conforme indicaccedilatildeo do

artigo 1208 do Coacutedigo Civil brasileiro Mas eacute preciso reconhecer que apesar da empresa

ldquoPyerdquo ter ldquotoleradordquo a presenccedila dos Graham o fato eacute que a ineacutercia de ldquoPyerdquo se deu em

momento posterior agrave negativa de renovaccedilatildeo do contrato o que demonstra o interesse

em natildeo perpetuar a presenccedila da famiacutelia Graham no local A recusa agrave renovaccedilatildeo e a

ineacutercia fariam entatildeo com que a hipoacutetese passasse a ser encarada como uma ldquoposse

precaacuteriardquo justamente o viacutecio que a doutrina brasileira insiste em considerar insanaacutevel

e portanto incapaz de gerar a usucapiatildeo

Mas o episoacutedio mostra que quando algueacutem exerce posse sobre o bem de outrem

diversos pontos de vista podem ser utilizados para analisar a questatildeo o proprietaacuterio

permitiu tal exerciacutecio Ele tomou as providecircncias necessaacuterias para recuperar o bem O

possuidor adverso sabia que o bem era de outra pessoa e se negou a devolvecirc-lo

As condiccedilotildees precedentes entendem - se sem prejuiacutezo do direito que os Estados possuem de pocircr em vigor as leis que julguem necessaacuterias para a regulamentaccedilatildeo do uso dos bens de acordo com o interesse geral ou para assegurar o pagamento de impostos ou outras contribuiccedilotildees ou de multasrdquo No original ldquoThe preceding provisions shall not however in any way impair the right of a State to enforce such laws as it deems necessary to control the use of property in accordance with the general interest or to secure the payment of taxes or other contributions or penaltiesrdquo European Court of Human Rights ldquoCase JA Pye (Oxford) Ltd and JA Pye (Oxford) Land Ltd v The United Kingdom Alleged Violation of Article 1 of Protocol nordm 1 Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-82172itemid[001-82172] Acesso em 03032014 64 ABREU Abiacutelio Vassalo Titularidade Registral do Direito de Propriedade Imobiliaacuteria versus usucapiatildeo (adverse possession) Coimbra Coimbra Editora 2011 p83

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Nesses termos o modelo processual inglecircs indica que a reflexatildeo acerca da usucapiatildeo

tambeacutem deve englobar uma meditaccedilatildeo sobre a atuaccedilatildeo do proprietaacuterio na recuperaccedilatildeo

do seu direito pois nada acontece se ele agir de maneira ceacutelere Mesmo apoacutes a negativa

de permanecircncia da famiacutelia Graham a empresa Pye permaneceu 12 anos sem tomar as

providecircncias necessaacuterias para a desocupaccedilatildeo do local Eacute um espaccedilo consideraacutevel de

tempo Seria razoaacutevel entender que por ser ldquoinsanaacutevelrdquo o viacutecio da precariedade nunca

admitiria a consumaccedilatildeo da usucapiatildeo em favor dos Graham

Aleacutem de problemaacutetica essa interpretaccedilatildeo ressuscita o problema da ldquoposse eternamente

injustardquo o esbulhador nunca poderia usucapir mesmo se o esbulhado natildeo procurar

retomar a sua posse Ao que tudo indica a impossibilidade de saneamento do viacutecio da

precariedade reflete a um imperativo moral a quebra da confianccedila depositada deve ser

punida com a perenidade do caraacuteter injusto E aqui se abre a oportunidade de discutir

afinal qual eacute a funccedilatildeo da anaacutelise da injusticcedila como meio de barreira para a usucapiatildeo

Quando se faz referecircncia agraves diversas teacutecnicas de saneamento dos viacutecios eacute preciso

reconhecer que elas natildeo podem ser lidas como um modo de suplantar o fato de que a

posse do usucapiente natildeo foi autorizada e eacute exercida de forma contraacuteria aos interesses

do titular porque essa eacute uma condiccedilatildeo necessaacuteria para que a usucapiatildeo ocorra Ainda

que natildeo haja uma ldquobatalha campalrdquo em busca da posse ldquoCrucially the adverse

possessorrsquos use must be without permission (ldquoadverserdquo)rdquo65 A aquisiccedilatildeo sem autorizaccedilatildeo

e o exerciacutecio contraacuterio aos interesses do titular satildeo pressupostos para a usucapiatildeo

Em tais condiccedilotildees as estrateacutegias que visam a ldquoeliminaccedilatildeo da injusticcedilardquo pelo expurgo

dos viacutecios de origem soacute podem ser compreendidas como vias pelas quais se pretende

superar o chamado ldquoparadoxo moralrdquo66 aparentemente existente em torno da proacutepria

ideia de usucapiatildeo qual a justificativa para que algueacutem perca o seu direito de

propriedade em funccedilatildeo da atuaccedilatildeo natildeo autorizada de outra pessoa

Mas a falta de precisatildeo doutrinaacuteria na referecircncia agrave justiccedila ou injusticcedila da posse faz com

que a exigecircncia de que a posse ad usucapionem seja uma posse ldquojustardquo gere a falsa

ideia de que a atuaccedilatildeo do usucapiente estaacute em conformidade com o direito E as

estrateacutegias de saneamento reforccedilam essa confusatildeo ao se voltarem para o modo como a

posse foi adquirida Elas servem como uma justificativa para tentar amainar a ilicitude

65 MERRIL Thomas W SMITH Henry E Property Oxford Oxford University Press 2010 p36 66 KATZ Larissa ldquoThe moral paradox of adverse possession sovereignty and revolution in property lawrdquo McGill Law Journal Vol55 2010 pp47-80 cit p 59

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do apossamento mas isso eacute virtualmente impossiacutevel sem jogar o instituto em um non

sense pois a contrariedade da posse ad usucapionem eacute intriacutenseca a usucapiatildeo

Quando se diz que a posse do usucapiente eacute sempre injusta isso significa que ela natildeo

estaacute autorizada de forma alguma e se coloca sim em posiccedilatildeo de conflito (ainda que

velado) com os interesses do proprietaacuterio ou seja algueacutem vai adquirir a propriedade de

algo que jaacute tem dono e obviamente sem a colaboraccedilatildeo deste

Por isso as estrateacutegias de saneamento estatildeo por assim dizer ldquono lugar erradordquo pois

acabam mascarando a dinacircmica real do processo por meio do qual algueacutem caminha

para usucapir o bem de outrem Isto acaba ampliando as sombras existentes entre as

linhas que demarcam uma posse ldquomoralmente legitimadardquo a viabilizar a usucapiatildeo e a

adversidade sem a qual a aquisiccedilatildeo natildeo tem como se efetivar

Nessa direccedilatildeo a caracterizaccedilatildeo da posse ad usucapionem natildeo depende do saneamento

dos viacutecios objetivos pois o meio objetivo pelo qual se deu o apossamento eacute afinal

irrelevante Basta o chamado ldquoteste de uso incompatiacutevelrdquo (inconsistent use test) ou

seja da verificaccedilatildeo de que a posse natildeo autorizada se daacute em desconformidade com a

agenda estabelecida pelo proprietaacuterio do bem a ser usucapido67 Natildeo importa o modo

pelo qual tal contrariedade ganhou forma o fato eacute que ela existe e uma vez constatada

gera para o proprietaacuterio a oportunidade de se opor dentro de um determinado periacuteodo

de tempo sem o que perderaacute a titularidade do bem

Eacute importante ainda deixar expliacutecito o fato de que toda discussatildeo em torno dos

pressupostos para a aquisiccedilatildeo pela usucapiatildeo reflete uma dada concepccedilatildeo acerca da

propriedade Debater em que circunstacircncia algueacutem pode se tornar o proprietaacuterio do

bem que eacute de outro resvala em uma avaliaccedilatildeo acerca da amplitude de formas de

atuaccedilatildeo que o proprietaacuterio estaacute legitimado a desempenhar

Do mesmo modo a possiacutevel imoralidade existente na atribuiccedilatildeo do direito de

propriedade em favor de algueacutem que viola o direito de outrem eacute decorrente de uma

visatildeo que considera moralmente aceitaacutevel que o bem objeto desse direito possa

permanecer sem um uso efetivo durante um nuacutemero maior ou menor de anos jaacute que

natildeo haacute usucapiatildeo sem a ineacutercia do titular do direito a ser usucapido

67 KATZ Larissa ldquoThe moral paradoxrdquo cit p50

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Nesse sentido ultrapassar a discussatildeo acerca das estrateacutegias de saneamento dos viacutecios

da aquisiccedilatildeo rumo a um debate aprofundado sobre as razotildees que contribuem para a

superaccedilatildeo do paradoxo moral permitiria por exemplo a consideraccedilatildeo de que mesmo

um possuidor de maacute-feacute pode dar um uso economicamente mais eficiente do que aquele

dado pelo possuidor originaacuterio68 ou que em um contexto de deacuteficit de moradias a

ideia de que ldquoo natildeo uso eacute uma forma de usordquo69 seria juriacutedica e moralmente indefensaacutevel

pois corresponderia a absolutizaccedilatildeo da propriedade

O debate moral em torno da usucapiatildeo eacute rico de possibilidades que auxiliam na

compreensatildeo adequada do instituto e tambeacutem por isso natildeo pode ser represado Quando

se vecirc tanto esforccedilo doutrinaacuterio para expurgar os viacutecios objetivos de origem o uacutenico

sentido possiacutevel para tanto eacute pressuposto de que haacute uma avaliaccedilatildeo moralmente

negativa em torno da ideia de que uma posse ldquoinjustardquo seja apta a transformar um

ldquoladratildeordquo em proprietaacuterio Mas aqui o foco estaacute todo voltado para como a posse foi

adquirida o que reduz enormemente a investigaccedilatildeo Natildeo se trata da defesa da

legitimaccedilatildeo do uso da forccedila como se fosse possiacutevel concordar com a grilagem de terras

mas justo o oposto da possibilidade de reconhecimento de que mesmo o uso da forccedila

pode ser justificado quando a efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais como os relativos agrave

moradia e ao trabalho se contrapotildeem ao natildeo uso e a especulaccedilatildeo A existecircncia do

instituto da usucapiatildeo revela em si mesma que ordenamento fez uma escolha na qual o

uso efetivo do bem estaacute em uma posiccedilatildeo hierarquicamente superior ao natildeo uso Diante

da diferenciaccedilatildeo entre justiccedila e injusticcedila formal ndash relativa agrave aquisiccedilatildeo ndash e justiccedila ou

injusticcedila material (os valores materializados em cada efetivo apossamento) abre-se a

oportunidade de discutir as bases morais econocircmicas e filosoacuteficas por meio das quais eacute

ainda hoje possiacutevel fundamentar a manutenccedilatildeo ou perda dos direitos de propriedade

titularizados por algueacutem

De todo modo para os objetivos do presente estudo a hipoacutetese testada parece poder

ser adequadamente confirmada independentemente do modelo de usucapiatildeo a ser

adotado independentemente do fundamento mais adequado para usucapiatildeo em

68 FENNEL Lee Anne ldquoEfficient trespass the case for lsquobad faithrsquo adverse possessionrdquo Northwestern University Law Review Vol100 p1035-10962006 p53 Considerando-se que apenas um imoacutevel sem um uso efetivo pode ser objeto de apossamento alheio estendido por vaacuterios anos sem uma reaccedilatildeo apropriada a manutenccedilatildeo da sua titularidade pode ser lida como uma falha de mercado que daacute corpo agrave especulaccedilatildeo a venda do imoacutevel natildeo ocorre porque o titular natildeo encontra condiccedilotildees que lhe garantam a remuneraccedilatildeo pretendida naquele momento Da mesma forma levando-se em consideraccedilatildeo que no caso brasileiro a funccedilatildeo social remete agrave obrigatoriedade do uso e que isto por sua vez desaacutegua no exerciacutecio da posse toda posse ad usucapionem poderia ser lida como a vitoacuteria do uso produtivo sobre o natildeo uso especulativo Nesse sentido a posse de maacute-feacute corresponderia agrave deliberada intenccedilatildeo de concretizar um uso socialmente uacutetil a um bem que estaacute sendo administrado de forma ineficiente 69 NASCIMENTO Tupinambaacute Miguel Castro do Posse e propriedade Porto Alegre Livraria do Advogado 1986 p10

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nenhum lugar eacute possiacutevel colocar em questatildeo o fato de que a posse exercida pelo

esbulhador eacute adversa A posse exercida por algueacutem natildeo autorizado que deseja ou

acredita que jaacute tem o direito de outrem eacute nesse sentido sempre e necessariamente uma

posse injusta

Conclusatildeo

As tentativas de saneamentos dos viacutecios satildeo incongruentes e ineficientes porque a

superaccedilatildeo do paradoxo moral existente na usucapiatildeo depende de uma reflexatildeo acerca

daquilo que a sociedade considera como moralmente justificado em torno do exerciacutecio

do direito de propriedade E desde aiacute eacute possiacutevel perceber diversos aspectos que

demonstram que o exerciacutecio da posse seja qual for a sua qualificaccedilatildeo eacute mais forte do

que o natildeo uso a existecircncia mesma do instituto da usucapiatildeo o encurtamento

generalizado dos prazos para usucapir ocorrido no acircmbito do Coacutedigo Civil em vigor

mesmo na hipoacutetese extraordinaacuteria a ampliaccedilatildeo das modalidades de usucapiatildeo como

forma de premiar o exerciacutecio dirigido agrave busca da efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais

sociais como moradia e trabalho Nesse caminho o paradoxo moral se dissolve e o

saneamento dos viacutecios passa a ser irrelevante eacute mais importante saber o que se faz da

posse do que o modo pelo qual ela foi obtida

Em tais condiccedilotildees considerar que a posse ldquoboa para usucapirrdquo seja sempre injusta ndash no

sentido de que representa uma dissonacircncia necessaacuteria com a agenda estabelecida pelo

proprietaacuterio do bem a ser usucapido ndash natildeo significa o abandono da dimensatildeo moral

existente na qualificaccedilatildeo da posse do usucapiente Esta dimensatildeo apenas se desloca em

direccedilatildeo a uma investigaccedilatildeo criteriosa acerca do conteuacutedo da posse materializada frente

agrave anaacutelise da conduta do proprietaacuterio ante ao apossamento natildeo autorizado

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Aprovado em 13052016 (1ordm parecer) 31052016 (2ordm parecer)

Como citar DANTAS Marcus Eduardo de Carvalho Toda posse ad usucapionem eacute uma posse injusta Civilisticacom Rio de Janeiro a 5 n 1 2016 Disponiacutevel em lthttpcivilisticacomtoda-posse-ad-usucapionem-e-uma-posse-injustagt Data de acesso

Page 16: Toda posse ad usucapionem é uma posse injusta

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Esse eacute afinal o ponto relevante para definiccedilatildeo da posse apta a gerar a usucapiatildeo pois a

hipoacutetese que ora se desenvolve eacute a de que toda posse ad usucapionem eacute sempre e

necessariamente uma posse injusta sendo capaz de viabilizar a usucapiatildeo tanto

extraordinaacuteria quanto a ordinaacuteria Eacute perfeitamente possiacutevel que o sucessor na posse

natildeo tenha conhecimento da maacutecula que existiu na sua aquisiccedilatildeo pelo antecessor

hipoacutetese na qual teria posse injusta em funccedilatildeo da transmissatildeo do viacutecio com justo tiacutetulo

e boa-feacute Como a ldquoposse injustardquo em sentido formal eacute o mesmo que ldquoposse natildeo

autorizadardquo natildeo haveria impedimento em usucapir na modalidade ordinaacuteria

5 A influecircncia do tempo no saneamento dos viacutecios da posse

As estrateacutegias de saneamento tecircm como objetivo transformar uma posse inicialmente

injusta em uma posse justa no pressuposto de que tal requisito eacute imprescindiacutevel para

que se possa usucapir Mas tais estrateacutegias satildeo tatildeo amplas e variadas que o saneamento

se torna praticamente inevitaacutevel para uma parte da doutrina a simples manutenccedilatildeo da

posse pelo curto periacuteodo de 1 ano faz com que ela perca o viacutecio de origem e se torne

apta a viabilizar a usucapiatildeo

Esta interpretaccedilatildeo eacute decorrente de uma leitura muito particular da norma processual

que reserva a tutela liminar para os casos nos quais a posse tenha sido perdida haacute

menos de ano e dia32 Trata-se da diferenccedila entre a chamada ldquoposse novardquo e a ldquoposse

velhardquo Se a posse do esbulhador estiver sendo exercida haacute mais de 1 ano o esbulhado

perde a possibilidade de uma reintegraccedilatildeo liminar pois trata-se de uma ldquoposse velhardquo

Isto natildeo impede que o esbulhado obtenha uma medida mais ceacutelere mas ele precisaria

utilizar a via da tutela antecipada prevista no artigo 273 do CPC73 e que hoje como

espeacutecie do gecircnero tutela de urgecircncia tem o seu conteuacutedo regulado pelos artigos 294-

311 do CPC1533 De uma maneira geral o esbulhado precisaria de provas mais robustas

de que seu direito foi violado Vecirc-se que o tempo de exerciacutecio da posse pelo esbulhador

tem reflexo na dinacircmica processual da retomada mas natildeo na qualificaccedilatildeo da posse em

disputa que continua sendo injusta

32 Art 924 Regem o procedimento de manutenccedilatildeo e de reintegraccedilatildeo de posse as normas da seccedilatildeo seguinte quando intentado dentro de ano e dia da turbaccedilatildeo ou do esbulho passado esse prazo seraacute ordinaacuterio natildeo perdendo contudo o caraacuteter possessoacuterio 33 No CPC15 a tutela cautelar ndash pautada no fumus boni iuris e periculum in mora ndash e a tutela antecipada ndash baseada em verossimilhanccedila do que eacute alegado fundado receio de dano ou abuso do direito de defesa ndash foram reunidas em torno da tutela provisoacuteria nos seguintes termos Art294 A tutela provisoacuteria pode fundamentar-se em urgecircncia ou evidecircncia Paraacutegrafo uacutenico A tutela provisoacuteria de urgecircncia cautelar ou antecipada pode ser concedida em caraacuteter antecedente ou incidental Os requisitos para tais medidas em muito semelhantes aos termos do CPC revogado de uma maneira geral estatildeo regulados como indicado entre os artigos 294 e 311

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Poreacutem uma parte importante da doutrina civiliacutestica brasileira interpreta as diferenccedilas

estabelecias pelo direito processual como uma outra estrateacutegia de saneamento

decorrente da simples passagem do tempo O pensamento eacute o de que se reintegraccedilatildeo

liminar natildeo eacute mais possiacutevel isso significa que a posse inicialmente injusta se

transformou em posse justa Este entendimento eacute adotado por doutrinadores como por

exemplo Maria Helena Diniz que indica expressamente ldquo() se o adquirente a tiacutetulo

clandestino ou violento provar que sua clandestinidade ou violecircncia cessaram haacute mais

de ano e dia sua posse passa a ser reconhecida convalescendo-se dos viacutecios que a

maculavamrdquo34

Tal interpretaccedilatildeo eacute criticaacutevel porque o fato do possuidor esbulhado ter que fazer uma

prova mais consistente do seu direito para que obtenha a tutela antecipada natildeo

significa que a posse do esbulhador tenha passado a ser justa Significa apenas que

tendo em vista que o momento do esbulho natildeo eacute mais tatildeo niacutetido a prova para a

retomada da posse deve ser mais substancial para que a tutela seja concedida Mas o

apossamento natildeo autorizado ocorreu

Da mesma forma quando se tem em conta que natildeo haacute nenhuma modalidade de

usucapiatildeo com menos de 1 ano todas as vezes que o possuidor tiver superado tal prazo

o viacutecio teraacute sido expurgado razatildeo pela qual natildeo haveria hipoacutetese de possuidor com

tempo suficiente para usucapir que jaacute natildeo teria passado pelo ldquomarco saneadorrdquo35

Ainda entre os especialistas brasileiros Silvio Rodrigues36 defendeu a tese de que apoacutes

ano e dia de exerciacutecio da posse pelo esbulhador o possuidor esbulhado perderia o

direito de retomaacute-la pela via possessoacuteria cabendo apenas a accedilatildeo reivindicatoacuteria com

base no tiacutetulo Tal impossibilidade seria reflexo de que a posse inicialmente injusta pela

aquisiccedilatildeo violenta teria passado a ser justa tendo em vista a passagem do prazo

34 DINIZ Maria Helena Curso de direito civil brasileiro Vol4 ndash direito das coisas 26ordfed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p78 O posicionamento eacute tambeacutem encampado entre outros por NEDER Natal Usucapiatildeo de imoacuteveis 3ordfed Rio de Janeiro Forense 1989 p19 35 Tambeacutem por isso parece curiosa a hipoacutetese de saneamento pela passagem do tempo vislumbrada por COELHO Faacutebio Ulhocirca Curso de direito civil Vol4 ndash direito das coisas cit p39 ldquoA posse soacute deixa de ser violenta se o antigo possuidor natildeo se interessa pela retomada do bem ou natildeo obtendo sucesso no exerciacutecio do desforccedilo imediato desiste da luta Desaparecendo a violecircncia nesse caso a posse se torna justa () Em suma o desinteresse do desapossado em defender a sua posse descaracteriza a origem viciada da do novo possuidorrdquo De acordo com tal raciociacutenio todas as vezes que o possuidor tiver posse ad usucapionem pelo tempo necessaacuterio para usucapir a posse injusta teraacute se transformado em posse justa E se isso eacute assim para que serve o exame dos viacutecios objetivos 36 RODRIGUES Silvio Direito civil Vol5 ndash direito das coisas 28ordfed Satildeo Paulo Saraiva 2009 p25-27

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O raciociacutenio de Silvio Rodrigues parece uma meacutelange da soluccedilatildeo positivada em alguns

sistemas estrangeiros como vg no direito espanhol e no direito portuguecircs O

problema eacute que aqui ao contraacuterio do que ocorre nos ordenamentos dos dois maiores

paiacuteses da Peniacutensula Ibeacuterica natildeo haacute nenhuma disposiccedilatildeo normativa que ampare tal

interpretaccedilatildeo Em Portugal e na Espanha o decurso do prazo de um ano tem

primeiramente uma funccedilatildeo especiacutefica a de decretar o momento da perda da posse por

parte do possuidor esbulhado37 Eacute o mesmo raciociacutenio que no Brasil sustenta a previsatildeo

do artigo 122438 onde ainda que sem uma referecircncia objetiva de tempo eacute possiacutevel

verificar que o possuidor esbulhado natildeo perde o seu direito de posse no exato momento

em que ocorre a perda no plano faacutetico A funccedilatildeo dessa ficccedilatildeo39 tanto laacute quanto caacute

tambeacutem eacute a mesma garantir que natildeo haja soluccedilatildeo de continuidade no exerciacutecio da

posse quando intervalos intermitentes ocorrem40

De se ressaltar ainda que no ordenamento portuguecircs assim como no direito espanhol

o prazo de 1 ano corresponde tambeacutem agrave ldquocaducidaderdquo das accedilotildees de reintegraccedilatildeo ou

manutenccedilatildeo de posse41 Como o possuidor esbulhado natildeo pode mais utilizar tais accedilotildees

a interdiccedilatildeo da via possessoacuteria gera consequecircncias na compreensatildeo da manutenccedilatildeo dos

viacutecios No direito espanhol natildeo sem polecircmica o prazo de 1 ano de exerciacutecio da posse

pelo esbulhador configura hipoacutetese na qual ldquoel transcurso del tiempo sirve para

subsanar este vicio posesoriordquo42

37 Coacutedigo Civil espanhol ldquoArtiacuteculo 460 El poseedor puede perder su posesioacuten () 4 Por la posesioacuten de otro aun contra la voluntad del antiguo poseedor si la nueva posesioacuten hubiese durado maacutes de un antildeordquo Coacutedigo Civil portuguecircs ldquoArtigo 1267ordm (Perda da posse) 1 O possuidor perde a posse () d) Pela posse de outrem mesmo contra a vontade do antigo possuidor se a nova posse houver durado mais de um anordquo 38 Art 1224 Soacute se considera perdida a posse para quem natildeo presenciou o esbulho quando tendo notiacutecia dele se absteacutem de retornar a coisa ou tentando recuperaacute-la eacute violentamente repelido 39 No direito espanhol a doutrina diverge acerca do momento em que tem iniacutecio a posse do esbulhador Haacute quem entenda que a posse do esbulhador soacute tem iniacutecio apoacutes o prazo de 1 ano RODRIGUEZ-CANO Rodrigo Bercovitz Manual de derecho civil ndash derechos reales Madrid Bercal 2013 p77) Outros consideram que coexistem desde o iniacutecio duas posses sobre o bem posse de fato exercida pelo esbulhador e a posse de direito que ateacute o transcurso do prazo permanece na titularidade do esbulhado LOacutePEZ y LOacutePEZ Aacutengel M FERNANDEZ Rosario Valpuesta et all Derecho civil patrimonial Vol II Valencia Tirant lo Blanch 2014 p97 40 TEPEDINO Gustavo Comentaacuterios ao coacutedigo civil cit p192 DIacuteEZ-PICAZO Luis GULLOacuteN Antonio Sistema de derecho civil VolIII Tomo I (derechos reales en general) 8ordfed Madrid Tecnos 2013 p116 41 CORDEIRO Antoacutenio Menezes A posse perspectivas dogmaacuteticas actuais cit p112 SANTOS JUSTO A dos Direitos Reais 4ordfed cit p218 LOacutePEZ PAacuteSARO Eduardo Tutela Sumaria de la Posesioacuten (Interdicto de recobrar) Madrid Dykinson 2014 p187 O artigo 1282 do Coacutedigo Civil portuguecircs indica que ldquoA acccedilatildeo de manutenccedilatildeo bem como as de restituiccedilatildeo da posse caducam se natildeo forem intentadas dentro do ano subsequente ao acto da turbaccedilatildeo ou do esbulho ou ao conhecimento dele quando tenha sido praticado a ocultasrdquo Jaacute o diploma civil espanhol preceitua no seu artigo 19681 do Coacutedigo Civil espanhol ldquo Artiacuteculo 1968 Prescriben por el transcurso de un antildeo 1La accioacuten para recobrar o retener la posesioacutenrdquo 42 RODRIGUEZ-CANO Rodrigo Bercovitz Manual de derecho civil ndash derechos reales cit p73 No mesmo sentido ALBALADEJO Manuel A Derecho civil VolIII cit p63 DIacuteEZ-PICAZO Luis Fundamentos del derecho civil patrimonial VolIII las relaciones juriacutedico-reales el registro de la propiedad la posesioacuten 5ordfed Madrid Civitas 2008 p689

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Jaacute no direito portuguecircs o Coacutedigo Civil eacute expresso acerca da possibilidade de

saneamento dos viacutecios43 e a doutrina encampa unanimemente o entendimento de que

a posse eacute violenta ndash portanto injusta ndash apenas no tempo de duraccedilatildeo de seus efeitos44

Ou seja a posse violenta clandestina ou precaacuteria perde a condiccedilatildeo de viciosa no exato

instante em que se estabiliza Apoacutes a cessaccedilatildeo da violecircncia a posse passa a ser

perfeitamente apta a gerar a usucapiatildeo45

Mas ideia de que a posse eacute injusta apenas enquanto houver violecircncia ou

clandestinidade ao contraacuterio do direito luso natildeo tem respaldo no ordenamento

brasileiro apesar de ser defendida por nomes como os de Lenine Nequete46 e Arnoldo

Wald47 O artigo 1208 do Coacutedigo Civil alocado no capiacutetulo referente agrave aquisiccedilatildeo da

posse dispotildee claramente que ldquoNatildeo induzem posse os atos de mera permissatildeo ou

toleracircncia assim como natildeo autorizam a sua aquisiccedilatildeo os atos violentos ou clandestinos

senatildeo depois de cessar a violecircncia ou a clandestinidaderdquo Ou seja aqui enquanto a

violecircncia estiver sendo empregada natildeo haacute posse Apoacutes a sua cessaccedilatildeo a posse advinda

de tais atos eacute posse mas posse injusta48

Natildeo haacute duacutevida portanto de que o prazo de ldquoano e diardquo tem uma funccedilatildeo importante No

direito espanhol o prazo serve como marco da perda da posse da impossibilidade de

utilizaccedilatildeo das accedilotildees possessoacuterias e de saneamento dos viacutecios objetivos No direito

portuguecircs serve igualmente de referecircncia para identificaccedilatildeo do momento de perda da

posse e da caducidade da via possessoacuteria ao passo que os viacutecios satildeo considerados

sanados apoacutes a cessaccedilatildeo de seus efeitos

Em ambos os ordenamentos o expurgo dos viacutecios pela passagem do tempo tem

respaldo normativo ainda que as criacuteticas anteriormente feitas a este raciociacutenio no

direito brasileiro tambeacutem sejam aplicaacuteveis a tais sistemas natildeo havendo tambeacutem neles

nenhuma modalidade de usucapiatildeo com menos de 1 ano a ideia do saneamento da

43 Artigo 1297ordm (Posse violenta ou oculta) Se a posse tiver sido constituiacuteda com violecircncia ou tomada ocultamente os prazos da usucapiatildeo soacute comeccedilam a contar-se desde que cesse a violecircncia ou a posse se torne puacuteblica 44 Por todos CARVALHO Orlando de Direito das coisas Coimbra Coimbra Editora 2012 p283 45 FRANCcedilA PITAtildeO Joseacute Antoacutenio de Posse e usucapiatildeo Lisboa Almedina 2007 p74 FERREIRA Durval Posse e usucapiatildeo 3ordfed Lisboa Almedina 2008 p319 OLIVEIRA ASCENCcedilAtildeO Joseacute de Direito civil ndash reais cit p116 46 NEQUETE Lenine Da prescriccedilatildeo aquisitiva (usucapiatildeo) Porto Alegre Ediccedilatildeo Sulina 1954 p80 47 WALD Arnoldo Direito Civil direito das coisas Vol4 Satildeo Paulo Saraiva 2011 pp103-104 48 Segundo esclarece Joseacute Carlos Moreira Alves ldquo() para o Coacutedigo Civil brasileiro () enquanto materialmente existentes ndash ou seja enquanto se pratica a violecircncia ou haacute clandestinidade ndash impedem [tais viacutecios] a aquisiccedilatildeo ateacute da possessio ad interdicta havendo apenas detenccedilatildeo independente e uma vez cessados em sua materialidade surge a posse embora qualificada como injusta que produz as consequecircncias de qualquer posse injustardquo MOREIRA ALVES Joseacute Carlos ldquoA detenccedilatildeo no direito civil brasileiro (conceito e casos)rdquoIn CAHALI Yussef Said Posse e propriedade doutrina e jurisprudecircncia Satildeo Paulo Saraiva 1987 p20

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mesma forma que aqui natildeo tem funccedilatildeo nenhuma porque sempre que o usucapiente

tiver prazo para usucapir os viacutecios teratildeo deixado de existir

De se ressaltar ainda que o proacuteprio Silvio Rodrigues reconheceu que a sua tese natildeo

tinha fundamento legal Na nota de rodapeacute 28 do seu livro ldquoDireito das Coisasrdquo49 o

autor demonstrou que entendia que o Coacutedigo de Processo Civil de 1939 tinha extirpado

a ldquoaccedilatildeo de forccedila velha expoliativardquo do ordenamento brasileiro razatildeo pela qual para o

possuidor de mais de 1 ano e dia caberia apenas a via petitoacuteria o que sanearia o viacutecio na

aquisiccedilatildeo Isto porque segundo sua interpretaccedilatildeo ldquoBasta que ela [a posse] se estenda

pacificamente ou publicamente durante o intervalo de ano e dia para que fique

purgada de seus defeitosrdquo50 Mas o proacuteprio autor admitiu ao final da nota de rodapeacute

28 que o CPC de 73 ldquoextirpou a duacutevidardquo que poderia existir em torno da possibilidade

de accedilatildeo de reintegraccedilatildeo com mais de 1 ano e dia do esbulho que ldquomesmo intentadas

apoacutes o intervalo de ano e dia natildeo perdem o seu caraacuteter acessoacuteriordquo51 Mesmo criticando

a soluccedilatildeo do CPC reconhece que ldquo() a vontade do legislador manifestada de forma

irrefutaacutevel que deve prevalecerrdquo52 Fica claro portanto que natildeo haacute fundamento legal

para a tese de que a posse injusta se transforma em posse justa apoacutes ano e dia

6 Saneamento pelo cumprimento da funccedilatildeo social

Alguns estudos mais recentes tecircm indicado que os viacutecios objetivos da posse podem ser

considerados sanados uma vez constatado o cumprimento da funccedilatildeo social por parte do

esbulhador53

Mas o saneamento pelo cumprimento da funccedilatildeo social da posse pode ser

primeiramente criticado por que natildeo haacute qualquer dispositivo normativo em vigor no

ordenamento juriacutedico brasileiro que defina o que eacute e qual eacute o conteuacutedo da funccedilatildeo social

da posse A doutrina tem buscado dar substacircncia ao princiacutepio pela conexatildeo que

tradicionalmente eacute feita entre funccedilatildeo social da posse e a efetivaccedilatildeo de direitos

fundamentais como os de moradia e trabalho

49 RODRIGUES Silvio Direito civil Vol5 ndash direito das coisas cit p30 50 RODRIGUES Silvio Direito civil Vol5 ndash direito das coisas cit p30 51 O CPC15 eacute claro acerca do caraacuteter possessoacuterio da accedilatildeo proposta apoacutes o prazo de ldquoano e diardquo Art558 Regem o procedimento de manutenccedilatildeo e de reintegraccedilatildeo de posse as normas da Seccedilatildeo II deste Capiacutetulo quando a accedilatildeo for proposta dentro de ano e dia da turbaccedilatildeo ou do esbulho afirmado na peticcedilatildeo inicial Paraacutegrafo uacutenico Passado o prazo referido no caput seraacute comum o procedimento natildeo perdendo contudo o caraacuteter possessoacuterio 52 RODRIGUES Silvio Direito civil Vol5 ndash direito das coisas cit p30 nota28 53 MELO Marco Aureacutelio Bezerra de Curso de direito civil Vol5 ndash direito das coisas 2015 p73 FARIAS Cristiano Chaves de ROSENVALD Nelson Curso de direito civil Vol5 ndash reais cit p119

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Eacute possiacutevel tentar extrair essa conexatildeo da relaccedilatildeo entre posse e propriedade

considerando que a propriedade deve cumprir a funccedilatildeo social a posse tambeacutem deve ser

lida como subordinada a tal princiacutepio Mas se a funccedilatildeo social da propriedade eacute em

grande medida a ldquofunccedilatildeo social da posse exercida pelo proprietaacuteriordquo54 seraacute viaacutevel dizer

que o contraacuterio tambeacutem eacute verdadeiro Um possuidor de uma aacuterea de grande extensatildeo

de terra na zona rural estaacute obrigado a cumprir os mesmos preceitos direcionados ao

proprietaacuterio estabelecidos no artigo 184 da Constituiccedilatildeo E qual seria a consequecircncia

do descumprimento desse conteuacutedo por parte de quem eacute apenas o possuidor E no caso

da posse urbana qual o conteuacutedo a ser cumprido para que a funccedilatildeo social seja

contemplada

A falta de uma definiccedilatildeo sobre o conteuacutedo objetivamente definido para a funccedilatildeo social

da posse prejudica enormemente a sua utilizaccedilatildeo como criteacuterio para avaliaccedilatildeo do o

expurgo dos viacutecios objetivos Aleacutem de desnecessaacuteria a possibilidade do saneamento

atraveacutes de um princiacutepio tatildeo ldquomaleaacutevelrdquo tem como consequecircncia o seu reconhecimento

em um sem nuacutemero de situaccedilotildees tatildeo diacutespares que fica difiacutecil enxergar em que

circunstacircncia qualquer exerciacutecio regular da posse natildeo o atenderia

Nos tribunais fala-se em cumprimento da funccedilatildeo social quando a posse de um terreno eacute

utilizada para criaccedilatildeo de galinhas55 quando mesmo sem comprovar o tempo

necessaacuterio o possuidor prova que construiu lojas e quitinetes no imoacutevel que pretendia

usucapir56 ou ainda quando o imoacutevel a ser usucapido foi utilizado como garagem e aacuterea

de lazer durante o lapso temporal necessaacuterio agrave usucapiatildeo57

54 DANTAS Marcus Eduardo de Carvalho ldquoDa funccedilatildeo social da propriedade agrave funccedilatildeo social da posse exercida pelo proprietaacuterio ndash uma proposta de releitura do princiacutepio constitucionalrdquo RIL ndash Revista de Informaccedilatildeo Legislativa ano 52 n 205 p23-38 Mar 2015 p34 DANTAS Marcus Eduardo de Carvalho ldquoFunccedilatildeo social nos conflitos fundiaacuteriosrdquo Revista Direito GV Satildeo Paulo v9 n 2 p465-488 Dec 2013 p479 55 Tribunal de Justiccedila do Rio de Janeiro Apelaccedilatildeo nordm 0003045-5320028190061 Rel Des Gilda Maria

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Natildeo se trata aqui de uma avaliaccedilatildeo moral acerca daquilo que deve ou natildeo ser

considerado como o conteuacutedo da funccedilatildeo social A questatildeo eacute que sem um conteuacutedo bem

especificado a funccedilatildeo social deixa de ser um mecanismo de qualificaccedilatildeo da posse ela

natildeo tem serventia alguma como mecanismo de diferenciaccedilatildeo Se a utilizaccedilatildeo de um

terreno como garagem e lazer corresponde ao exerciacutecio da posse com funccedilatildeo social em

que circunstacircncia o exerciacutecio puro e simples da posse natildeo corresponderia a tal

princiacutepio Basta natildeo realizar uma atividade iliacutecita para cumprir a funccedilatildeo social da

posse Qual a diferenccedila entre ldquoter posserdquo e ldquoter posse com funccedilatildeo socialrdquo

A segunda linha de criacutetica se orienta pelo fato de que nem todas as modalidades de

usucapiatildeo existentes no ordenamento brasileiro tecircm uma conexatildeo visiacutevel com os temas

tradicionalmente considerados como caracteriacutesticos da funccedilatildeo social A usucapiatildeo

extraordinaacuteria prevista no caput do artigo 1238 do Coacutedigo Civil58 por exemplo natildeo

exige do possuidor que exerccedila a posse com fins de moradia tampouco que utilize o

imoacutevel como fonte de trabalho Isso mostra que o Coacutedigo diferencia as situaccedilotildees nas

quais a posse eacute exercida como meio de efetivaccedilatildeo dos direitos tradicionalmente

afinados com uma ideia geral de funccedilatildeo social e aquelas nas quais a posse eacute exercida

regularmente mas sem tal qualificaccedilatildeo especial Em tais condiccedilotildees o entendimento de

que a injusticcedila original da posse pode ser sanada pelo cumprimento da funccedilatildeo social

para a usucapiatildeo em geral ficaria ainda uma vez sem sentido pois o diploma civil natildeo

exige que a posse seja exercida como moradia ou fonte de trabalho em todas as

modalidades da usucapiatildeo

7 O ldquoteste do uso incompatiacutevelrdquo e a funccedilatildeo da posse injusta na usucapiatildeo

Apesar de todo esforccedilo doutrinaacuterio na defesa de formas pelas quais a posse injusta pode

deixar para traacutes o seu viacutecio de origem a doutrina tem um posicionamento tatildeo soacutelido

quanto incoerente acerca do viacutecio da precariedade o de que ele natildeo convalesce nunca

O entendimento eacute defendido por quase59 a totalidade dos especialistas sob o

58 Art 1238 Aquele que por quinze anos sem interrupccedilatildeo nem oposiccedilatildeo possuir como seu um imoacutevel adquire-lhe a propriedade independentemente de tiacutetulo e boa-feacute podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentenccedila a qual serviraacute de tiacutetulo para o registro no Cartoacuterio de Registro de Imoacuteveis Paraacutegrafo uacutenico O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-aacute a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imoacutevel a sua moradia habitual ou nele realizado obras ou serviccedilos de caraacuteter produtivo

59 Francisco Eduardo Loureiro eacute uma boa exceccedilatildeo agrave leitura predominante Nesse sentido ldquoDiz-se que a posse precaacuteria nunca gera usucapiatildeo Na verdade eacute ela imprestaacutevel para usucapiatildeo natildeo porque eacute injusta mas porque o precarista natildeo tem animus domini uma vez que reconhece a supremacia e o melhor direito do terceiro sobre a coisa Caso poreacutem natildeo reconheccedila ou deixe de reconhecer essa posiccedilatildeo e revele isso de modo inequiacutevoco e claro ao titular do domiacutenio para que este possa reagir e retomar a coisa nasce nesse momento o prazo para usucapiatildeo porque o requisito animus domini estaraacute entatildeo presente LOUREIRO Francisco Eduardo ldquoDireito das coisas (arts 1196-1510)rdquo In PELUSO Cezar (Coord) Coacutedigo civil interpretado Satildeo Paulo Manole 2008 p1092-1093

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argumento de que o descumprimento do dever de restituiccedilatildeo do bem soacute deixa de existir

quando a coisa eacute devolvida Enquanto o bem permanece com o esbulhador a posse

permanece injusta e nenhuma das taacuteticas anteriormente analisadas seria suficiente

para modificar tal condiccedilatildeo

Trata-se de uma interpretaccedilatildeo no miacutenimo insoacutelita pois acaba tornando o viacutecio da

precariedade mais grave que os outros se o esbulhador usa a violecircncia fiacutesica contra a

pessoa do esbulhado ele pode ver tal viacutecio sanado das formas mais diversas se a

aquisiccedilatildeo se daacute pela recusa da restituiccedilatildeo isso natildeo seria de forma alguma possiacutevel pela

ldquoquebra da confianccedilardquo Mas por que a ldquoquebra da confianccedilardquo eacute mais grave que o uso da

forccedila fiacutesica Aleacutem de natildeo parecer razoaacutevel trata-se de uma interpretaccedilatildeo que atribui

uma vantagem injustificaacutevel em favor do proprietaacuterio Independentemente do que ele

tiver feito ou deixado de fazer para retomar o bem o fato da posse ser injusta

bloquearia a usucapiatildeo para sempre

Como indicado a discussatildeo acerca das circunstacircncias nas quais algueacutem pode se tornar

proprietaacuterio pela usucapiatildeo eacute tambeacutem uma discussatildeo acerca das condiccedilotildees nas quais

algueacutem pode legitimamente exercer o seu direito de propriedade Eacute possiacutevel

reconhecer poreacutem que a doutrina brasileira tem dado uma ecircnfase talvez desmesurada

na atuaccedilatildeo do possuidor deixando de investigar a dimensatildeo real do papel do

proprietaacuterio nesse jogo Soacute haveraacute usucapiatildeo se o proprietaacuterio de algum modo se

mantiver inerte na recuperaccedilatildeo do bem E se o proprietaacuterio deixou de tomar as

providencias necessaacuterias agrave tutela do seu direito durante um periacuteodo que pode variar de

2 a 15 anos eacute porque ele tambeacutem contribuiu para a consolidaccedilatildeo da posse do

usucapiente Como seria o cenaacuterio se a ecircnfase no processo recaiacutesse sobre o

proprietaacuterio Se independentemente da preocupaccedilatildeo com a caracterizaccedilatildeo de

eventuais viacutecios da posse incidisse principalmente sobre o titular a responsabilidade de

agir para que a usucapiatildeo natildeo se consumasse

Um caso interessante nesse sentido ndash e pouco estudado no Brasil ndash eacute o chamado

ldquoJAPye (Oxford) Ltd v Grahamrdquo ou apenas ldquoCase Pyerdquo como ficou conhecido De

forma muito resumida a empresa do ramo imobiliaacuterio JA Pye (Oxford) Ltd adquiriu

um terreno em Berkshire oeste de Londres com o objetivo de desenvolver um

empreendimento imobiliaacuterio e obteve o respectivo registro como proprietaacuteria da aacuterea

Apoacutes realizar a venda de uma parte do terreno a empresa inglesa celebrou um contrato

de 1 ano com a famiacutelia Graham por meio do qual seus integrantes ficavam autorizados a

utilizar os 25 hectares restantes da aacuterea como pasto Apoacutes o teacutermino do contrato os

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Graham procuraram a empresa com objetivo de obter uma renovaccedilatildeo mas a J A Pye

Ltd se recusou a fazecirc-lo Apesar disso Caroline e Michael Graham continuaram a

ocupar o terreno e a utilizaacute-lo como pasto por mais 12 anos com o conhecimento da

empresa mas sem o seu consentimento ainda que a J A Pye Ltd tenha se mantido

inerte quanto agraves providecircncias necessaacuterias para impedir a permanecircncia natildeo autorizada

dos Graham no local Apoacutes os 12 anos de exerciacutecio natildeo autorizado da posse os Graham

solicitaram o reconhecimento dos seus direitos sobre a referida aacuterea o que foi

concedido pelo registro com base na ldquoadverse possessionrdquo ou seja na usucapiatildeo

A decisatildeo gerou um sem nuacutemero de polecircmicas e modificaccedilotildees de rumo chegando ateacute

ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos onde no julgamento da Queixa

nordm4430202 foi dado ganho de causa ao Reino Unido e por consequecircncia agrave famiacutelia

Graham Em um primeiro momento a ldquoCourt of Appealrdquo deu decisatildeo favoraacutevel agrave

empresa ldquoPyerdquo com base entre outros motivos no fato de que a famiacutelia Graham natildeo

tinha ldquothe necessary intention to possessrdquo ou seja o acircnimo de dono Considerando-se

que no direito inglecircs vigora o chamado ldquoprocedural approachrdquo no que tange agrave usucapiatildeo

ndash a ecircnfase no aspecto processual da disputa ndash a referecircncia ao animus possidendi foi

considerada uma inovaccedilatildeo surpreendente60 De fato uma vez que os agricultores

permaneceram apenas fazendo aquilo que jaacute faziam quando do contrato em vigor os

julgadores da ldquoCourt of Appealrdquo entenderam que natildeo havia a intenccedilatildeo de passar a ser o

dono do lugar contrapondo-se frontalmente ao direito da empresa61 A decisatildeo foi

objeto de recurso agrave ldquoHouse of Lordsrdquo que deu ganho de causa agrave Caroline Graham62

Ainda inconformada a empresa ldquoPyerdquo entrou com novo recurso e como indicado o

caso chegou ateacute ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos sob a alegaccedilatildeo de que o

Reino Unido havia violado o direito de propriedade da J A Pye Ltd descumprindo a

garantia prevista no artigo 1ordm do Protocolo Adicional nordm 1 da Convenccedilatildeo Europeia dos

Direitos do Homem63 A decisatildeo final foi favoraacutevel ao Reino Unido e

60 RADLEY-GARNER Oliver ldquoCivilized Squattingrdquo Oxford Journal of Legal Studies (winter 2005) 25 (04) p728 61 A discussatildeo pode ser conhecida em httpwwwpublicationsparliamentukpald200102ldjudgmtjd020704graham-3htm Acesso em 13122014 62 O voto de maior peso no julgamento foi o de Lord Browne-Wilkinson por ter considerado que ao contraacuterio do que se exigia ateacute entatildeo a partir do momento em que os Graham continuaram a pastorear a terra sem a autorizaccedilatildeo da ldquoJAPyerdquo eles passaram a ter posse em nome proacuteprio o que independentemente de um conflito aberto seria suficiente para viabilizar a adverse possession O voto na iacutentegra pode ser lido em ldquoHouse of Lords Judgments ndash J A Pye (Oxford) Ltd and Others v Graham and Another on 4 July 2002rdquo httpwwwpublicationsparliamentukpald200102ldjudgmtjd020704graham-1htm Acesso em 13122014 63 ldquoQualquer pessoa singular ou colectiva tem direito ao respeito dos seus bens Ningueacutem pode ser privado do que eacute sua propriedade a natildeo ser por utilidade puacuteblica e nas condiccedilotildees previstas pela lei e pelos princiacutepios gerais do direito internacional

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consequentemente agrave famiacutelia Graham sob diversos argumentos Destacam-se para fins

do presente estudo a ideia de que a usucapiatildeo deve ser encarada como um mecanismo

de controle ou regulamentaccedilatildeo do uso dos bens eis que eacute de interesse geral saber quem

efetivamente eacute responsaacutevel pelo imoacutevel bem como pelos tributos decorrentes de tal

condiccedilatildeo o que remete agrave seguranccedila juriacutedica 64

Entre diversas questotildees importantes o episoacutedio mostra como em grande medida a

dogmaacutetica juriacutedica brasileira tem abordado o tema da usucapiatildeo de maneira a ampliar

os poderes do proprietaacuterio Uma atenccedilatildeo desmesurada tem sido dada agrave posse do

usucapiente sempre cheia de requisitos a cumprir escamoteando-se as

responsabilidades do titular do direito a ser usucapido

Desde logo salta aos olhos o fato de que na hipoacutetese do ldquoCase Pyerdquo o poder da famiacutelia

Graham sobre o terreno poderia no Brasil ser qualificado como uma situaccedilatildeo de mera

toleracircncia hipoacutetese na qual natildeo haveria verdadeiramente posse conforme indicaccedilatildeo do

artigo 1208 do Coacutedigo Civil brasileiro Mas eacute preciso reconhecer que apesar da empresa

ldquoPyerdquo ter ldquotoleradordquo a presenccedila dos Graham o fato eacute que a ineacutercia de ldquoPyerdquo se deu em

momento posterior agrave negativa de renovaccedilatildeo do contrato o que demonstra o interesse

em natildeo perpetuar a presenccedila da famiacutelia Graham no local A recusa agrave renovaccedilatildeo e a

ineacutercia fariam entatildeo com que a hipoacutetese passasse a ser encarada como uma ldquoposse

precaacuteriardquo justamente o viacutecio que a doutrina brasileira insiste em considerar insanaacutevel

e portanto incapaz de gerar a usucapiatildeo

Mas o episoacutedio mostra que quando algueacutem exerce posse sobre o bem de outrem

diversos pontos de vista podem ser utilizados para analisar a questatildeo o proprietaacuterio

permitiu tal exerciacutecio Ele tomou as providecircncias necessaacuterias para recuperar o bem O

possuidor adverso sabia que o bem era de outra pessoa e se negou a devolvecirc-lo

As condiccedilotildees precedentes entendem - se sem prejuiacutezo do direito que os Estados possuem de pocircr em vigor as leis que julguem necessaacuterias para a regulamentaccedilatildeo do uso dos bens de acordo com o interesse geral ou para assegurar o pagamento de impostos ou outras contribuiccedilotildees ou de multasrdquo No original ldquoThe preceding provisions shall not however in any way impair the right of a State to enforce such laws as it deems necessary to control the use of property in accordance with the general interest or to secure the payment of taxes or other contributions or penaltiesrdquo European Court of Human Rights ldquoCase JA Pye (Oxford) Ltd and JA Pye (Oxford) Land Ltd v The United Kingdom Alleged Violation of Article 1 of Protocol nordm 1 Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-82172itemid[001-82172] Acesso em 03032014 64 ABREU Abiacutelio Vassalo Titularidade Registral do Direito de Propriedade Imobiliaacuteria versus usucapiatildeo (adverse possession) Coimbra Coimbra Editora 2011 p83

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Nesses termos o modelo processual inglecircs indica que a reflexatildeo acerca da usucapiatildeo

tambeacutem deve englobar uma meditaccedilatildeo sobre a atuaccedilatildeo do proprietaacuterio na recuperaccedilatildeo

do seu direito pois nada acontece se ele agir de maneira ceacutelere Mesmo apoacutes a negativa

de permanecircncia da famiacutelia Graham a empresa Pye permaneceu 12 anos sem tomar as

providecircncias necessaacuterias para a desocupaccedilatildeo do local Eacute um espaccedilo consideraacutevel de

tempo Seria razoaacutevel entender que por ser ldquoinsanaacutevelrdquo o viacutecio da precariedade nunca

admitiria a consumaccedilatildeo da usucapiatildeo em favor dos Graham

Aleacutem de problemaacutetica essa interpretaccedilatildeo ressuscita o problema da ldquoposse eternamente

injustardquo o esbulhador nunca poderia usucapir mesmo se o esbulhado natildeo procurar

retomar a sua posse Ao que tudo indica a impossibilidade de saneamento do viacutecio da

precariedade reflete a um imperativo moral a quebra da confianccedila depositada deve ser

punida com a perenidade do caraacuteter injusto E aqui se abre a oportunidade de discutir

afinal qual eacute a funccedilatildeo da anaacutelise da injusticcedila como meio de barreira para a usucapiatildeo

Quando se faz referecircncia agraves diversas teacutecnicas de saneamento dos viacutecios eacute preciso

reconhecer que elas natildeo podem ser lidas como um modo de suplantar o fato de que a

posse do usucapiente natildeo foi autorizada e eacute exercida de forma contraacuteria aos interesses

do titular porque essa eacute uma condiccedilatildeo necessaacuteria para que a usucapiatildeo ocorra Ainda

que natildeo haja uma ldquobatalha campalrdquo em busca da posse ldquoCrucially the adverse

possessorrsquos use must be without permission (ldquoadverserdquo)rdquo65 A aquisiccedilatildeo sem autorizaccedilatildeo

e o exerciacutecio contraacuterio aos interesses do titular satildeo pressupostos para a usucapiatildeo

Em tais condiccedilotildees as estrateacutegias que visam a ldquoeliminaccedilatildeo da injusticcedilardquo pelo expurgo

dos viacutecios de origem soacute podem ser compreendidas como vias pelas quais se pretende

superar o chamado ldquoparadoxo moralrdquo66 aparentemente existente em torno da proacutepria

ideia de usucapiatildeo qual a justificativa para que algueacutem perca o seu direito de

propriedade em funccedilatildeo da atuaccedilatildeo natildeo autorizada de outra pessoa

Mas a falta de precisatildeo doutrinaacuteria na referecircncia agrave justiccedila ou injusticcedila da posse faz com

que a exigecircncia de que a posse ad usucapionem seja uma posse ldquojustardquo gere a falsa

ideia de que a atuaccedilatildeo do usucapiente estaacute em conformidade com o direito E as

estrateacutegias de saneamento reforccedilam essa confusatildeo ao se voltarem para o modo como a

posse foi adquirida Elas servem como uma justificativa para tentar amainar a ilicitude

65 MERRIL Thomas W SMITH Henry E Property Oxford Oxford University Press 2010 p36 66 KATZ Larissa ldquoThe moral paradox of adverse possession sovereignty and revolution in property lawrdquo McGill Law Journal Vol55 2010 pp47-80 cit p 59

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do apossamento mas isso eacute virtualmente impossiacutevel sem jogar o instituto em um non

sense pois a contrariedade da posse ad usucapionem eacute intriacutenseca a usucapiatildeo

Quando se diz que a posse do usucapiente eacute sempre injusta isso significa que ela natildeo

estaacute autorizada de forma alguma e se coloca sim em posiccedilatildeo de conflito (ainda que

velado) com os interesses do proprietaacuterio ou seja algueacutem vai adquirir a propriedade de

algo que jaacute tem dono e obviamente sem a colaboraccedilatildeo deste

Por isso as estrateacutegias de saneamento estatildeo por assim dizer ldquono lugar erradordquo pois

acabam mascarando a dinacircmica real do processo por meio do qual algueacutem caminha

para usucapir o bem de outrem Isto acaba ampliando as sombras existentes entre as

linhas que demarcam uma posse ldquomoralmente legitimadardquo a viabilizar a usucapiatildeo e a

adversidade sem a qual a aquisiccedilatildeo natildeo tem como se efetivar

Nessa direccedilatildeo a caracterizaccedilatildeo da posse ad usucapionem natildeo depende do saneamento

dos viacutecios objetivos pois o meio objetivo pelo qual se deu o apossamento eacute afinal

irrelevante Basta o chamado ldquoteste de uso incompatiacutevelrdquo (inconsistent use test) ou

seja da verificaccedilatildeo de que a posse natildeo autorizada se daacute em desconformidade com a

agenda estabelecida pelo proprietaacuterio do bem a ser usucapido67 Natildeo importa o modo

pelo qual tal contrariedade ganhou forma o fato eacute que ela existe e uma vez constatada

gera para o proprietaacuterio a oportunidade de se opor dentro de um determinado periacuteodo

de tempo sem o que perderaacute a titularidade do bem

Eacute importante ainda deixar expliacutecito o fato de que toda discussatildeo em torno dos

pressupostos para a aquisiccedilatildeo pela usucapiatildeo reflete uma dada concepccedilatildeo acerca da

propriedade Debater em que circunstacircncia algueacutem pode se tornar o proprietaacuterio do

bem que eacute de outro resvala em uma avaliaccedilatildeo acerca da amplitude de formas de

atuaccedilatildeo que o proprietaacuterio estaacute legitimado a desempenhar

Do mesmo modo a possiacutevel imoralidade existente na atribuiccedilatildeo do direito de

propriedade em favor de algueacutem que viola o direito de outrem eacute decorrente de uma

visatildeo que considera moralmente aceitaacutevel que o bem objeto desse direito possa

permanecer sem um uso efetivo durante um nuacutemero maior ou menor de anos jaacute que

natildeo haacute usucapiatildeo sem a ineacutercia do titular do direito a ser usucapido

67 KATZ Larissa ldquoThe moral paradoxrdquo cit p50

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Nesse sentido ultrapassar a discussatildeo acerca das estrateacutegias de saneamento dos viacutecios

da aquisiccedilatildeo rumo a um debate aprofundado sobre as razotildees que contribuem para a

superaccedilatildeo do paradoxo moral permitiria por exemplo a consideraccedilatildeo de que mesmo

um possuidor de maacute-feacute pode dar um uso economicamente mais eficiente do que aquele

dado pelo possuidor originaacuterio68 ou que em um contexto de deacuteficit de moradias a

ideia de que ldquoo natildeo uso eacute uma forma de usordquo69 seria juriacutedica e moralmente indefensaacutevel

pois corresponderia a absolutizaccedilatildeo da propriedade

O debate moral em torno da usucapiatildeo eacute rico de possibilidades que auxiliam na

compreensatildeo adequada do instituto e tambeacutem por isso natildeo pode ser represado Quando

se vecirc tanto esforccedilo doutrinaacuterio para expurgar os viacutecios objetivos de origem o uacutenico

sentido possiacutevel para tanto eacute pressuposto de que haacute uma avaliaccedilatildeo moralmente

negativa em torno da ideia de que uma posse ldquoinjustardquo seja apta a transformar um

ldquoladratildeordquo em proprietaacuterio Mas aqui o foco estaacute todo voltado para como a posse foi

adquirida o que reduz enormemente a investigaccedilatildeo Natildeo se trata da defesa da

legitimaccedilatildeo do uso da forccedila como se fosse possiacutevel concordar com a grilagem de terras

mas justo o oposto da possibilidade de reconhecimento de que mesmo o uso da forccedila

pode ser justificado quando a efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais como os relativos agrave

moradia e ao trabalho se contrapotildeem ao natildeo uso e a especulaccedilatildeo A existecircncia do

instituto da usucapiatildeo revela em si mesma que ordenamento fez uma escolha na qual o

uso efetivo do bem estaacute em uma posiccedilatildeo hierarquicamente superior ao natildeo uso Diante

da diferenciaccedilatildeo entre justiccedila e injusticcedila formal ndash relativa agrave aquisiccedilatildeo ndash e justiccedila ou

injusticcedila material (os valores materializados em cada efetivo apossamento) abre-se a

oportunidade de discutir as bases morais econocircmicas e filosoacuteficas por meio das quais eacute

ainda hoje possiacutevel fundamentar a manutenccedilatildeo ou perda dos direitos de propriedade

titularizados por algueacutem

De todo modo para os objetivos do presente estudo a hipoacutetese testada parece poder

ser adequadamente confirmada independentemente do modelo de usucapiatildeo a ser

adotado independentemente do fundamento mais adequado para usucapiatildeo em

68 FENNEL Lee Anne ldquoEfficient trespass the case for lsquobad faithrsquo adverse possessionrdquo Northwestern University Law Review Vol100 p1035-10962006 p53 Considerando-se que apenas um imoacutevel sem um uso efetivo pode ser objeto de apossamento alheio estendido por vaacuterios anos sem uma reaccedilatildeo apropriada a manutenccedilatildeo da sua titularidade pode ser lida como uma falha de mercado que daacute corpo agrave especulaccedilatildeo a venda do imoacutevel natildeo ocorre porque o titular natildeo encontra condiccedilotildees que lhe garantam a remuneraccedilatildeo pretendida naquele momento Da mesma forma levando-se em consideraccedilatildeo que no caso brasileiro a funccedilatildeo social remete agrave obrigatoriedade do uso e que isto por sua vez desaacutegua no exerciacutecio da posse toda posse ad usucapionem poderia ser lida como a vitoacuteria do uso produtivo sobre o natildeo uso especulativo Nesse sentido a posse de maacute-feacute corresponderia agrave deliberada intenccedilatildeo de concretizar um uso socialmente uacutetil a um bem que estaacute sendo administrado de forma ineficiente 69 NASCIMENTO Tupinambaacute Miguel Castro do Posse e propriedade Porto Alegre Livraria do Advogado 1986 p10

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nenhum lugar eacute possiacutevel colocar em questatildeo o fato de que a posse exercida pelo

esbulhador eacute adversa A posse exercida por algueacutem natildeo autorizado que deseja ou

acredita que jaacute tem o direito de outrem eacute nesse sentido sempre e necessariamente uma

posse injusta

Conclusatildeo

As tentativas de saneamentos dos viacutecios satildeo incongruentes e ineficientes porque a

superaccedilatildeo do paradoxo moral existente na usucapiatildeo depende de uma reflexatildeo acerca

daquilo que a sociedade considera como moralmente justificado em torno do exerciacutecio

do direito de propriedade E desde aiacute eacute possiacutevel perceber diversos aspectos que

demonstram que o exerciacutecio da posse seja qual for a sua qualificaccedilatildeo eacute mais forte do

que o natildeo uso a existecircncia mesma do instituto da usucapiatildeo o encurtamento

generalizado dos prazos para usucapir ocorrido no acircmbito do Coacutedigo Civil em vigor

mesmo na hipoacutetese extraordinaacuteria a ampliaccedilatildeo das modalidades de usucapiatildeo como

forma de premiar o exerciacutecio dirigido agrave busca da efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais

sociais como moradia e trabalho Nesse caminho o paradoxo moral se dissolve e o

saneamento dos viacutecios passa a ser irrelevante eacute mais importante saber o que se faz da

posse do que o modo pelo qual ela foi obtida

Em tais condiccedilotildees considerar que a posse ldquoboa para usucapirrdquo seja sempre injusta ndash no

sentido de que representa uma dissonacircncia necessaacuteria com a agenda estabelecida pelo

proprietaacuterio do bem a ser usucapido ndash natildeo significa o abandono da dimensatildeo moral

existente na qualificaccedilatildeo da posse do usucapiente Esta dimensatildeo apenas se desloca em

direccedilatildeo a uma investigaccedilatildeo criteriosa acerca do conteuacutedo da posse materializada frente

agrave anaacutelise da conduta do proprietaacuterio ante ao apossamento natildeo autorizado

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Aprovado em 13052016 (1ordm parecer) 31052016 (2ordm parecer)

Como citar DANTAS Marcus Eduardo de Carvalho Toda posse ad usucapionem eacute uma posse injusta Civilisticacom Rio de Janeiro a 5 n 1 2016 Disponiacutevel em lthttpcivilisticacomtoda-posse-ad-usucapionem-e-uma-posse-injustagt Data de acesso

Page 17: Toda posse ad usucapionem é uma posse injusta

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Poreacutem uma parte importante da doutrina civiliacutestica brasileira interpreta as diferenccedilas

estabelecias pelo direito processual como uma outra estrateacutegia de saneamento

decorrente da simples passagem do tempo O pensamento eacute o de que se reintegraccedilatildeo

liminar natildeo eacute mais possiacutevel isso significa que a posse inicialmente injusta se

transformou em posse justa Este entendimento eacute adotado por doutrinadores como por

exemplo Maria Helena Diniz que indica expressamente ldquo() se o adquirente a tiacutetulo

clandestino ou violento provar que sua clandestinidade ou violecircncia cessaram haacute mais

de ano e dia sua posse passa a ser reconhecida convalescendo-se dos viacutecios que a

maculavamrdquo34

Tal interpretaccedilatildeo eacute criticaacutevel porque o fato do possuidor esbulhado ter que fazer uma

prova mais consistente do seu direito para que obtenha a tutela antecipada natildeo

significa que a posse do esbulhador tenha passado a ser justa Significa apenas que

tendo em vista que o momento do esbulho natildeo eacute mais tatildeo niacutetido a prova para a

retomada da posse deve ser mais substancial para que a tutela seja concedida Mas o

apossamento natildeo autorizado ocorreu

Da mesma forma quando se tem em conta que natildeo haacute nenhuma modalidade de

usucapiatildeo com menos de 1 ano todas as vezes que o possuidor tiver superado tal prazo

o viacutecio teraacute sido expurgado razatildeo pela qual natildeo haveria hipoacutetese de possuidor com

tempo suficiente para usucapir que jaacute natildeo teria passado pelo ldquomarco saneadorrdquo35

Ainda entre os especialistas brasileiros Silvio Rodrigues36 defendeu a tese de que apoacutes

ano e dia de exerciacutecio da posse pelo esbulhador o possuidor esbulhado perderia o

direito de retomaacute-la pela via possessoacuteria cabendo apenas a accedilatildeo reivindicatoacuteria com

base no tiacutetulo Tal impossibilidade seria reflexo de que a posse inicialmente injusta pela

aquisiccedilatildeo violenta teria passado a ser justa tendo em vista a passagem do prazo

34 DINIZ Maria Helena Curso de direito civil brasileiro Vol4 ndash direito das coisas 26ordfed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p78 O posicionamento eacute tambeacutem encampado entre outros por NEDER Natal Usucapiatildeo de imoacuteveis 3ordfed Rio de Janeiro Forense 1989 p19 35 Tambeacutem por isso parece curiosa a hipoacutetese de saneamento pela passagem do tempo vislumbrada por COELHO Faacutebio Ulhocirca Curso de direito civil Vol4 ndash direito das coisas cit p39 ldquoA posse soacute deixa de ser violenta se o antigo possuidor natildeo se interessa pela retomada do bem ou natildeo obtendo sucesso no exerciacutecio do desforccedilo imediato desiste da luta Desaparecendo a violecircncia nesse caso a posse se torna justa () Em suma o desinteresse do desapossado em defender a sua posse descaracteriza a origem viciada da do novo possuidorrdquo De acordo com tal raciociacutenio todas as vezes que o possuidor tiver posse ad usucapionem pelo tempo necessaacuterio para usucapir a posse injusta teraacute se transformado em posse justa E se isso eacute assim para que serve o exame dos viacutecios objetivos 36 RODRIGUES Silvio Direito civil Vol5 ndash direito das coisas 28ordfed Satildeo Paulo Saraiva 2009 p25-27

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O raciociacutenio de Silvio Rodrigues parece uma meacutelange da soluccedilatildeo positivada em alguns

sistemas estrangeiros como vg no direito espanhol e no direito portuguecircs O

problema eacute que aqui ao contraacuterio do que ocorre nos ordenamentos dos dois maiores

paiacuteses da Peniacutensula Ibeacuterica natildeo haacute nenhuma disposiccedilatildeo normativa que ampare tal

interpretaccedilatildeo Em Portugal e na Espanha o decurso do prazo de um ano tem

primeiramente uma funccedilatildeo especiacutefica a de decretar o momento da perda da posse por

parte do possuidor esbulhado37 Eacute o mesmo raciociacutenio que no Brasil sustenta a previsatildeo

do artigo 122438 onde ainda que sem uma referecircncia objetiva de tempo eacute possiacutevel

verificar que o possuidor esbulhado natildeo perde o seu direito de posse no exato momento

em que ocorre a perda no plano faacutetico A funccedilatildeo dessa ficccedilatildeo39 tanto laacute quanto caacute

tambeacutem eacute a mesma garantir que natildeo haja soluccedilatildeo de continuidade no exerciacutecio da

posse quando intervalos intermitentes ocorrem40

De se ressaltar ainda que no ordenamento portuguecircs assim como no direito espanhol

o prazo de 1 ano corresponde tambeacutem agrave ldquocaducidaderdquo das accedilotildees de reintegraccedilatildeo ou

manutenccedilatildeo de posse41 Como o possuidor esbulhado natildeo pode mais utilizar tais accedilotildees

a interdiccedilatildeo da via possessoacuteria gera consequecircncias na compreensatildeo da manutenccedilatildeo dos

viacutecios No direito espanhol natildeo sem polecircmica o prazo de 1 ano de exerciacutecio da posse

pelo esbulhador configura hipoacutetese na qual ldquoel transcurso del tiempo sirve para

subsanar este vicio posesoriordquo42

37 Coacutedigo Civil espanhol ldquoArtiacuteculo 460 El poseedor puede perder su posesioacuten () 4 Por la posesioacuten de otro aun contra la voluntad del antiguo poseedor si la nueva posesioacuten hubiese durado maacutes de un antildeordquo Coacutedigo Civil portuguecircs ldquoArtigo 1267ordm (Perda da posse) 1 O possuidor perde a posse () d) Pela posse de outrem mesmo contra a vontade do antigo possuidor se a nova posse houver durado mais de um anordquo 38 Art 1224 Soacute se considera perdida a posse para quem natildeo presenciou o esbulho quando tendo notiacutecia dele se absteacutem de retornar a coisa ou tentando recuperaacute-la eacute violentamente repelido 39 No direito espanhol a doutrina diverge acerca do momento em que tem iniacutecio a posse do esbulhador Haacute quem entenda que a posse do esbulhador soacute tem iniacutecio apoacutes o prazo de 1 ano RODRIGUEZ-CANO Rodrigo Bercovitz Manual de derecho civil ndash derechos reales Madrid Bercal 2013 p77) Outros consideram que coexistem desde o iniacutecio duas posses sobre o bem posse de fato exercida pelo esbulhador e a posse de direito que ateacute o transcurso do prazo permanece na titularidade do esbulhado LOacutePEZ y LOacutePEZ Aacutengel M FERNANDEZ Rosario Valpuesta et all Derecho civil patrimonial Vol II Valencia Tirant lo Blanch 2014 p97 40 TEPEDINO Gustavo Comentaacuterios ao coacutedigo civil cit p192 DIacuteEZ-PICAZO Luis GULLOacuteN Antonio Sistema de derecho civil VolIII Tomo I (derechos reales en general) 8ordfed Madrid Tecnos 2013 p116 41 CORDEIRO Antoacutenio Menezes A posse perspectivas dogmaacuteticas actuais cit p112 SANTOS JUSTO A dos Direitos Reais 4ordfed cit p218 LOacutePEZ PAacuteSARO Eduardo Tutela Sumaria de la Posesioacuten (Interdicto de recobrar) Madrid Dykinson 2014 p187 O artigo 1282 do Coacutedigo Civil portuguecircs indica que ldquoA acccedilatildeo de manutenccedilatildeo bem como as de restituiccedilatildeo da posse caducam se natildeo forem intentadas dentro do ano subsequente ao acto da turbaccedilatildeo ou do esbulho ou ao conhecimento dele quando tenha sido praticado a ocultasrdquo Jaacute o diploma civil espanhol preceitua no seu artigo 19681 do Coacutedigo Civil espanhol ldquo Artiacuteculo 1968 Prescriben por el transcurso de un antildeo 1La accioacuten para recobrar o retener la posesioacutenrdquo 42 RODRIGUEZ-CANO Rodrigo Bercovitz Manual de derecho civil ndash derechos reales cit p73 No mesmo sentido ALBALADEJO Manuel A Derecho civil VolIII cit p63 DIacuteEZ-PICAZO Luis Fundamentos del derecho civil patrimonial VolIII las relaciones juriacutedico-reales el registro de la propiedad la posesioacuten 5ordfed Madrid Civitas 2008 p689

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Jaacute no direito portuguecircs o Coacutedigo Civil eacute expresso acerca da possibilidade de

saneamento dos viacutecios43 e a doutrina encampa unanimemente o entendimento de que

a posse eacute violenta ndash portanto injusta ndash apenas no tempo de duraccedilatildeo de seus efeitos44

Ou seja a posse violenta clandestina ou precaacuteria perde a condiccedilatildeo de viciosa no exato

instante em que se estabiliza Apoacutes a cessaccedilatildeo da violecircncia a posse passa a ser

perfeitamente apta a gerar a usucapiatildeo45

Mas ideia de que a posse eacute injusta apenas enquanto houver violecircncia ou

clandestinidade ao contraacuterio do direito luso natildeo tem respaldo no ordenamento

brasileiro apesar de ser defendida por nomes como os de Lenine Nequete46 e Arnoldo

Wald47 O artigo 1208 do Coacutedigo Civil alocado no capiacutetulo referente agrave aquisiccedilatildeo da

posse dispotildee claramente que ldquoNatildeo induzem posse os atos de mera permissatildeo ou

toleracircncia assim como natildeo autorizam a sua aquisiccedilatildeo os atos violentos ou clandestinos

senatildeo depois de cessar a violecircncia ou a clandestinidaderdquo Ou seja aqui enquanto a

violecircncia estiver sendo empregada natildeo haacute posse Apoacutes a sua cessaccedilatildeo a posse advinda

de tais atos eacute posse mas posse injusta48

Natildeo haacute duacutevida portanto de que o prazo de ldquoano e diardquo tem uma funccedilatildeo importante No

direito espanhol o prazo serve como marco da perda da posse da impossibilidade de

utilizaccedilatildeo das accedilotildees possessoacuterias e de saneamento dos viacutecios objetivos No direito

portuguecircs serve igualmente de referecircncia para identificaccedilatildeo do momento de perda da

posse e da caducidade da via possessoacuteria ao passo que os viacutecios satildeo considerados

sanados apoacutes a cessaccedilatildeo de seus efeitos

Em ambos os ordenamentos o expurgo dos viacutecios pela passagem do tempo tem

respaldo normativo ainda que as criacuteticas anteriormente feitas a este raciociacutenio no

direito brasileiro tambeacutem sejam aplicaacuteveis a tais sistemas natildeo havendo tambeacutem neles

nenhuma modalidade de usucapiatildeo com menos de 1 ano a ideia do saneamento da

43 Artigo 1297ordm (Posse violenta ou oculta) Se a posse tiver sido constituiacuteda com violecircncia ou tomada ocultamente os prazos da usucapiatildeo soacute comeccedilam a contar-se desde que cesse a violecircncia ou a posse se torne puacuteblica 44 Por todos CARVALHO Orlando de Direito das coisas Coimbra Coimbra Editora 2012 p283 45 FRANCcedilA PITAtildeO Joseacute Antoacutenio de Posse e usucapiatildeo Lisboa Almedina 2007 p74 FERREIRA Durval Posse e usucapiatildeo 3ordfed Lisboa Almedina 2008 p319 OLIVEIRA ASCENCcedilAtildeO Joseacute de Direito civil ndash reais cit p116 46 NEQUETE Lenine Da prescriccedilatildeo aquisitiva (usucapiatildeo) Porto Alegre Ediccedilatildeo Sulina 1954 p80 47 WALD Arnoldo Direito Civil direito das coisas Vol4 Satildeo Paulo Saraiva 2011 pp103-104 48 Segundo esclarece Joseacute Carlos Moreira Alves ldquo() para o Coacutedigo Civil brasileiro () enquanto materialmente existentes ndash ou seja enquanto se pratica a violecircncia ou haacute clandestinidade ndash impedem [tais viacutecios] a aquisiccedilatildeo ateacute da possessio ad interdicta havendo apenas detenccedilatildeo independente e uma vez cessados em sua materialidade surge a posse embora qualificada como injusta que produz as consequecircncias de qualquer posse injustardquo MOREIRA ALVES Joseacute Carlos ldquoA detenccedilatildeo no direito civil brasileiro (conceito e casos)rdquoIn CAHALI Yussef Said Posse e propriedade doutrina e jurisprudecircncia Satildeo Paulo Saraiva 1987 p20

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mesma forma que aqui natildeo tem funccedilatildeo nenhuma porque sempre que o usucapiente

tiver prazo para usucapir os viacutecios teratildeo deixado de existir

De se ressaltar ainda que o proacuteprio Silvio Rodrigues reconheceu que a sua tese natildeo

tinha fundamento legal Na nota de rodapeacute 28 do seu livro ldquoDireito das Coisasrdquo49 o

autor demonstrou que entendia que o Coacutedigo de Processo Civil de 1939 tinha extirpado

a ldquoaccedilatildeo de forccedila velha expoliativardquo do ordenamento brasileiro razatildeo pela qual para o

possuidor de mais de 1 ano e dia caberia apenas a via petitoacuteria o que sanearia o viacutecio na

aquisiccedilatildeo Isto porque segundo sua interpretaccedilatildeo ldquoBasta que ela [a posse] se estenda

pacificamente ou publicamente durante o intervalo de ano e dia para que fique

purgada de seus defeitosrdquo50 Mas o proacuteprio autor admitiu ao final da nota de rodapeacute

28 que o CPC de 73 ldquoextirpou a duacutevidardquo que poderia existir em torno da possibilidade

de accedilatildeo de reintegraccedilatildeo com mais de 1 ano e dia do esbulho que ldquomesmo intentadas

apoacutes o intervalo de ano e dia natildeo perdem o seu caraacuteter acessoacuteriordquo51 Mesmo criticando

a soluccedilatildeo do CPC reconhece que ldquo() a vontade do legislador manifestada de forma

irrefutaacutevel que deve prevalecerrdquo52 Fica claro portanto que natildeo haacute fundamento legal

para a tese de que a posse injusta se transforma em posse justa apoacutes ano e dia

6 Saneamento pelo cumprimento da funccedilatildeo social

Alguns estudos mais recentes tecircm indicado que os viacutecios objetivos da posse podem ser

considerados sanados uma vez constatado o cumprimento da funccedilatildeo social por parte do

esbulhador53

Mas o saneamento pelo cumprimento da funccedilatildeo social da posse pode ser

primeiramente criticado por que natildeo haacute qualquer dispositivo normativo em vigor no

ordenamento juriacutedico brasileiro que defina o que eacute e qual eacute o conteuacutedo da funccedilatildeo social

da posse A doutrina tem buscado dar substacircncia ao princiacutepio pela conexatildeo que

tradicionalmente eacute feita entre funccedilatildeo social da posse e a efetivaccedilatildeo de direitos

fundamentais como os de moradia e trabalho

49 RODRIGUES Silvio Direito civil Vol5 ndash direito das coisas cit p30 50 RODRIGUES Silvio Direito civil Vol5 ndash direito das coisas cit p30 51 O CPC15 eacute claro acerca do caraacuteter possessoacuterio da accedilatildeo proposta apoacutes o prazo de ldquoano e diardquo Art558 Regem o procedimento de manutenccedilatildeo e de reintegraccedilatildeo de posse as normas da Seccedilatildeo II deste Capiacutetulo quando a accedilatildeo for proposta dentro de ano e dia da turbaccedilatildeo ou do esbulho afirmado na peticcedilatildeo inicial Paraacutegrafo uacutenico Passado o prazo referido no caput seraacute comum o procedimento natildeo perdendo contudo o caraacuteter possessoacuterio 52 RODRIGUES Silvio Direito civil Vol5 ndash direito das coisas cit p30 nota28 53 MELO Marco Aureacutelio Bezerra de Curso de direito civil Vol5 ndash direito das coisas 2015 p73 FARIAS Cristiano Chaves de ROSENVALD Nelson Curso de direito civil Vol5 ndash reais cit p119

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Eacute possiacutevel tentar extrair essa conexatildeo da relaccedilatildeo entre posse e propriedade

considerando que a propriedade deve cumprir a funccedilatildeo social a posse tambeacutem deve ser

lida como subordinada a tal princiacutepio Mas se a funccedilatildeo social da propriedade eacute em

grande medida a ldquofunccedilatildeo social da posse exercida pelo proprietaacuteriordquo54 seraacute viaacutevel dizer

que o contraacuterio tambeacutem eacute verdadeiro Um possuidor de uma aacuterea de grande extensatildeo

de terra na zona rural estaacute obrigado a cumprir os mesmos preceitos direcionados ao

proprietaacuterio estabelecidos no artigo 184 da Constituiccedilatildeo E qual seria a consequecircncia

do descumprimento desse conteuacutedo por parte de quem eacute apenas o possuidor E no caso

da posse urbana qual o conteuacutedo a ser cumprido para que a funccedilatildeo social seja

contemplada

A falta de uma definiccedilatildeo sobre o conteuacutedo objetivamente definido para a funccedilatildeo social

da posse prejudica enormemente a sua utilizaccedilatildeo como criteacuterio para avaliaccedilatildeo do o

expurgo dos viacutecios objetivos Aleacutem de desnecessaacuteria a possibilidade do saneamento

atraveacutes de um princiacutepio tatildeo ldquomaleaacutevelrdquo tem como consequecircncia o seu reconhecimento

em um sem nuacutemero de situaccedilotildees tatildeo diacutespares que fica difiacutecil enxergar em que

circunstacircncia qualquer exerciacutecio regular da posse natildeo o atenderia

Nos tribunais fala-se em cumprimento da funccedilatildeo social quando a posse de um terreno eacute

utilizada para criaccedilatildeo de galinhas55 quando mesmo sem comprovar o tempo

necessaacuterio o possuidor prova que construiu lojas e quitinetes no imoacutevel que pretendia

usucapir56 ou ainda quando o imoacutevel a ser usucapido foi utilizado como garagem e aacuterea

de lazer durante o lapso temporal necessaacuterio agrave usucapiatildeo57

54 DANTAS Marcus Eduardo de Carvalho ldquoDa funccedilatildeo social da propriedade agrave funccedilatildeo social da posse exercida pelo proprietaacuterio ndash uma proposta de releitura do princiacutepio constitucionalrdquo RIL ndash Revista de Informaccedilatildeo Legislativa ano 52 n 205 p23-38 Mar 2015 p34 DANTAS Marcus Eduardo de Carvalho ldquoFunccedilatildeo social nos conflitos fundiaacuteriosrdquo Revista Direito GV Satildeo Paulo v9 n 2 p465-488 Dec 2013 p479 55 Tribunal de Justiccedila do Rio de Janeiro Apelaccedilatildeo nordm 0003045-5320028190061 Rel Des Gilda Maria

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Natildeo se trata aqui de uma avaliaccedilatildeo moral acerca daquilo que deve ou natildeo ser

considerado como o conteuacutedo da funccedilatildeo social A questatildeo eacute que sem um conteuacutedo bem

especificado a funccedilatildeo social deixa de ser um mecanismo de qualificaccedilatildeo da posse ela

natildeo tem serventia alguma como mecanismo de diferenciaccedilatildeo Se a utilizaccedilatildeo de um

terreno como garagem e lazer corresponde ao exerciacutecio da posse com funccedilatildeo social em

que circunstacircncia o exerciacutecio puro e simples da posse natildeo corresponderia a tal

princiacutepio Basta natildeo realizar uma atividade iliacutecita para cumprir a funccedilatildeo social da

posse Qual a diferenccedila entre ldquoter posserdquo e ldquoter posse com funccedilatildeo socialrdquo

A segunda linha de criacutetica se orienta pelo fato de que nem todas as modalidades de

usucapiatildeo existentes no ordenamento brasileiro tecircm uma conexatildeo visiacutevel com os temas

tradicionalmente considerados como caracteriacutesticos da funccedilatildeo social A usucapiatildeo

extraordinaacuteria prevista no caput do artigo 1238 do Coacutedigo Civil58 por exemplo natildeo

exige do possuidor que exerccedila a posse com fins de moradia tampouco que utilize o

imoacutevel como fonte de trabalho Isso mostra que o Coacutedigo diferencia as situaccedilotildees nas

quais a posse eacute exercida como meio de efetivaccedilatildeo dos direitos tradicionalmente

afinados com uma ideia geral de funccedilatildeo social e aquelas nas quais a posse eacute exercida

regularmente mas sem tal qualificaccedilatildeo especial Em tais condiccedilotildees o entendimento de

que a injusticcedila original da posse pode ser sanada pelo cumprimento da funccedilatildeo social

para a usucapiatildeo em geral ficaria ainda uma vez sem sentido pois o diploma civil natildeo

exige que a posse seja exercida como moradia ou fonte de trabalho em todas as

modalidades da usucapiatildeo

7 O ldquoteste do uso incompatiacutevelrdquo e a funccedilatildeo da posse injusta na usucapiatildeo

Apesar de todo esforccedilo doutrinaacuterio na defesa de formas pelas quais a posse injusta pode

deixar para traacutes o seu viacutecio de origem a doutrina tem um posicionamento tatildeo soacutelido

quanto incoerente acerca do viacutecio da precariedade o de que ele natildeo convalesce nunca

O entendimento eacute defendido por quase59 a totalidade dos especialistas sob o

58 Art 1238 Aquele que por quinze anos sem interrupccedilatildeo nem oposiccedilatildeo possuir como seu um imoacutevel adquire-lhe a propriedade independentemente de tiacutetulo e boa-feacute podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentenccedila a qual serviraacute de tiacutetulo para o registro no Cartoacuterio de Registro de Imoacuteveis Paraacutegrafo uacutenico O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-aacute a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imoacutevel a sua moradia habitual ou nele realizado obras ou serviccedilos de caraacuteter produtivo

59 Francisco Eduardo Loureiro eacute uma boa exceccedilatildeo agrave leitura predominante Nesse sentido ldquoDiz-se que a posse precaacuteria nunca gera usucapiatildeo Na verdade eacute ela imprestaacutevel para usucapiatildeo natildeo porque eacute injusta mas porque o precarista natildeo tem animus domini uma vez que reconhece a supremacia e o melhor direito do terceiro sobre a coisa Caso poreacutem natildeo reconheccedila ou deixe de reconhecer essa posiccedilatildeo e revele isso de modo inequiacutevoco e claro ao titular do domiacutenio para que este possa reagir e retomar a coisa nasce nesse momento o prazo para usucapiatildeo porque o requisito animus domini estaraacute entatildeo presente LOUREIRO Francisco Eduardo ldquoDireito das coisas (arts 1196-1510)rdquo In PELUSO Cezar (Coord) Coacutedigo civil interpretado Satildeo Paulo Manole 2008 p1092-1093

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argumento de que o descumprimento do dever de restituiccedilatildeo do bem soacute deixa de existir

quando a coisa eacute devolvida Enquanto o bem permanece com o esbulhador a posse

permanece injusta e nenhuma das taacuteticas anteriormente analisadas seria suficiente

para modificar tal condiccedilatildeo

Trata-se de uma interpretaccedilatildeo no miacutenimo insoacutelita pois acaba tornando o viacutecio da

precariedade mais grave que os outros se o esbulhador usa a violecircncia fiacutesica contra a

pessoa do esbulhado ele pode ver tal viacutecio sanado das formas mais diversas se a

aquisiccedilatildeo se daacute pela recusa da restituiccedilatildeo isso natildeo seria de forma alguma possiacutevel pela

ldquoquebra da confianccedilardquo Mas por que a ldquoquebra da confianccedilardquo eacute mais grave que o uso da

forccedila fiacutesica Aleacutem de natildeo parecer razoaacutevel trata-se de uma interpretaccedilatildeo que atribui

uma vantagem injustificaacutevel em favor do proprietaacuterio Independentemente do que ele

tiver feito ou deixado de fazer para retomar o bem o fato da posse ser injusta

bloquearia a usucapiatildeo para sempre

Como indicado a discussatildeo acerca das circunstacircncias nas quais algueacutem pode se tornar

proprietaacuterio pela usucapiatildeo eacute tambeacutem uma discussatildeo acerca das condiccedilotildees nas quais

algueacutem pode legitimamente exercer o seu direito de propriedade Eacute possiacutevel

reconhecer poreacutem que a doutrina brasileira tem dado uma ecircnfase talvez desmesurada

na atuaccedilatildeo do possuidor deixando de investigar a dimensatildeo real do papel do

proprietaacuterio nesse jogo Soacute haveraacute usucapiatildeo se o proprietaacuterio de algum modo se

mantiver inerte na recuperaccedilatildeo do bem E se o proprietaacuterio deixou de tomar as

providencias necessaacuterias agrave tutela do seu direito durante um periacuteodo que pode variar de

2 a 15 anos eacute porque ele tambeacutem contribuiu para a consolidaccedilatildeo da posse do

usucapiente Como seria o cenaacuterio se a ecircnfase no processo recaiacutesse sobre o

proprietaacuterio Se independentemente da preocupaccedilatildeo com a caracterizaccedilatildeo de

eventuais viacutecios da posse incidisse principalmente sobre o titular a responsabilidade de

agir para que a usucapiatildeo natildeo se consumasse

Um caso interessante nesse sentido ndash e pouco estudado no Brasil ndash eacute o chamado

ldquoJAPye (Oxford) Ltd v Grahamrdquo ou apenas ldquoCase Pyerdquo como ficou conhecido De

forma muito resumida a empresa do ramo imobiliaacuterio JA Pye (Oxford) Ltd adquiriu

um terreno em Berkshire oeste de Londres com o objetivo de desenvolver um

empreendimento imobiliaacuterio e obteve o respectivo registro como proprietaacuteria da aacuterea

Apoacutes realizar a venda de uma parte do terreno a empresa inglesa celebrou um contrato

de 1 ano com a famiacutelia Graham por meio do qual seus integrantes ficavam autorizados a

utilizar os 25 hectares restantes da aacuterea como pasto Apoacutes o teacutermino do contrato os

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Graham procuraram a empresa com objetivo de obter uma renovaccedilatildeo mas a J A Pye

Ltd se recusou a fazecirc-lo Apesar disso Caroline e Michael Graham continuaram a

ocupar o terreno e a utilizaacute-lo como pasto por mais 12 anos com o conhecimento da

empresa mas sem o seu consentimento ainda que a J A Pye Ltd tenha se mantido

inerte quanto agraves providecircncias necessaacuterias para impedir a permanecircncia natildeo autorizada

dos Graham no local Apoacutes os 12 anos de exerciacutecio natildeo autorizado da posse os Graham

solicitaram o reconhecimento dos seus direitos sobre a referida aacuterea o que foi

concedido pelo registro com base na ldquoadverse possessionrdquo ou seja na usucapiatildeo

A decisatildeo gerou um sem nuacutemero de polecircmicas e modificaccedilotildees de rumo chegando ateacute

ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos onde no julgamento da Queixa

nordm4430202 foi dado ganho de causa ao Reino Unido e por consequecircncia agrave famiacutelia

Graham Em um primeiro momento a ldquoCourt of Appealrdquo deu decisatildeo favoraacutevel agrave

empresa ldquoPyerdquo com base entre outros motivos no fato de que a famiacutelia Graham natildeo

tinha ldquothe necessary intention to possessrdquo ou seja o acircnimo de dono Considerando-se

que no direito inglecircs vigora o chamado ldquoprocedural approachrdquo no que tange agrave usucapiatildeo

ndash a ecircnfase no aspecto processual da disputa ndash a referecircncia ao animus possidendi foi

considerada uma inovaccedilatildeo surpreendente60 De fato uma vez que os agricultores

permaneceram apenas fazendo aquilo que jaacute faziam quando do contrato em vigor os

julgadores da ldquoCourt of Appealrdquo entenderam que natildeo havia a intenccedilatildeo de passar a ser o

dono do lugar contrapondo-se frontalmente ao direito da empresa61 A decisatildeo foi

objeto de recurso agrave ldquoHouse of Lordsrdquo que deu ganho de causa agrave Caroline Graham62

Ainda inconformada a empresa ldquoPyerdquo entrou com novo recurso e como indicado o

caso chegou ateacute ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos sob a alegaccedilatildeo de que o

Reino Unido havia violado o direito de propriedade da J A Pye Ltd descumprindo a

garantia prevista no artigo 1ordm do Protocolo Adicional nordm 1 da Convenccedilatildeo Europeia dos

Direitos do Homem63 A decisatildeo final foi favoraacutevel ao Reino Unido e

60 RADLEY-GARNER Oliver ldquoCivilized Squattingrdquo Oxford Journal of Legal Studies (winter 2005) 25 (04) p728 61 A discussatildeo pode ser conhecida em httpwwwpublicationsparliamentukpald200102ldjudgmtjd020704graham-3htm Acesso em 13122014 62 O voto de maior peso no julgamento foi o de Lord Browne-Wilkinson por ter considerado que ao contraacuterio do que se exigia ateacute entatildeo a partir do momento em que os Graham continuaram a pastorear a terra sem a autorizaccedilatildeo da ldquoJAPyerdquo eles passaram a ter posse em nome proacuteprio o que independentemente de um conflito aberto seria suficiente para viabilizar a adverse possession O voto na iacutentegra pode ser lido em ldquoHouse of Lords Judgments ndash J A Pye (Oxford) Ltd and Others v Graham and Another on 4 July 2002rdquo httpwwwpublicationsparliamentukpald200102ldjudgmtjd020704graham-1htm Acesso em 13122014 63 ldquoQualquer pessoa singular ou colectiva tem direito ao respeito dos seus bens Ningueacutem pode ser privado do que eacute sua propriedade a natildeo ser por utilidade puacuteblica e nas condiccedilotildees previstas pela lei e pelos princiacutepios gerais do direito internacional

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consequentemente agrave famiacutelia Graham sob diversos argumentos Destacam-se para fins

do presente estudo a ideia de que a usucapiatildeo deve ser encarada como um mecanismo

de controle ou regulamentaccedilatildeo do uso dos bens eis que eacute de interesse geral saber quem

efetivamente eacute responsaacutevel pelo imoacutevel bem como pelos tributos decorrentes de tal

condiccedilatildeo o que remete agrave seguranccedila juriacutedica 64

Entre diversas questotildees importantes o episoacutedio mostra como em grande medida a

dogmaacutetica juriacutedica brasileira tem abordado o tema da usucapiatildeo de maneira a ampliar

os poderes do proprietaacuterio Uma atenccedilatildeo desmesurada tem sido dada agrave posse do

usucapiente sempre cheia de requisitos a cumprir escamoteando-se as

responsabilidades do titular do direito a ser usucapido

Desde logo salta aos olhos o fato de que na hipoacutetese do ldquoCase Pyerdquo o poder da famiacutelia

Graham sobre o terreno poderia no Brasil ser qualificado como uma situaccedilatildeo de mera

toleracircncia hipoacutetese na qual natildeo haveria verdadeiramente posse conforme indicaccedilatildeo do

artigo 1208 do Coacutedigo Civil brasileiro Mas eacute preciso reconhecer que apesar da empresa

ldquoPyerdquo ter ldquotoleradordquo a presenccedila dos Graham o fato eacute que a ineacutercia de ldquoPyerdquo se deu em

momento posterior agrave negativa de renovaccedilatildeo do contrato o que demonstra o interesse

em natildeo perpetuar a presenccedila da famiacutelia Graham no local A recusa agrave renovaccedilatildeo e a

ineacutercia fariam entatildeo com que a hipoacutetese passasse a ser encarada como uma ldquoposse

precaacuteriardquo justamente o viacutecio que a doutrina brasileira insiste em considerar insanaacutevel

e portanto incapaz de gerar a usucapiatildeo

Mas o episoacutedio mostra que quando algueacutem exerce posse sobre o bem de outrem

diversos pontos de vista podem ser utilizados para analisar a questatildeo o proprietaacuterio

permitiu tal exerciacutecio Ele tomou as providecircncias necessaacuterias para recuperar o bem O

possuidor adverso sabia que o bem era de outra pessoa e se negou a devolvecirc-lo

As condiccedilotildees precedentes entendem - se sem prejuiacutezo do direito que os Estados possuem de pocircr em vigor as leis que julguem necessaacuterias para a regulamentaccedilatildeo do uso dos bens de acordo com o interesse geral ou para assegurar o pagamento de impostos ou outras contribuiccedilotildees ou de multasrdquo No original ldquoThe preceding provisions shall not however in any way impair the right of a State to enforce such laws as it deems necessary to control the use of property in accordance with the general interest or to secure the payment of taxes or other contributions or penaltiesrdquo European Court of Human Rights ldquoCase JA Pye (Oxford) Ltd and JA Pye (Oxford) Land Ltd v The United Kingdom Alleged Violation of Article 1 of Protocol nordm 1 Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-82172itemid[001-82172] Acesso em 03032014 64 ABREU Abiacutelio Vassalo Titularidade Registral do Direito de Propriedade Imobiliaacuteria versus usucapiatildeo (adverse possession) Coimbra Coimbra Editora 2011 p83

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Nesses termos o modelo processual inglecircs indica que a reflexatildeo acerca da usucapiatildeo

tambeacutem deve englobar uma meditaccedilatildeo sobre a atuaccedilatildeo do proprietaacuterio na recuperaccedilatildeo

do seu direito pois nada acontece se ele agir de maneira ceacutelere Mesmo apoacutes a negativa

de permanecircncia da famiacutelia Graham a empresa Pye permaneceu 12 anos sem tomar as

providecircncias necessaacuterias para a desocupaccedilatildeo do local Eacute um espaccedilo consideraacutevel de

tempo Seria razoaacutevel entender que por ser ldquoinsanaacutevelrdquo o viacutecio da precariedade nunca

admitiria a consumaccedilatildeo da usucapiatildeo em favor dos Graham

Aleacutem de problemaacutetica essa interpretaccedilatildeo ressuscita o problema da ldquoposse eternamente

injustardquo o esbulhador nunca poderia usucapir mesmo se o esbulhado natildeo procurar

retomar a sua posse Ao que tudo indica a impossibilidade de saneamento do viacutecio da

precariedade reflete a um imperativo moral a quebra da confianccedila depositada deve ser

punida com a perenidade do caraacuteter injusto E aqui se abre a oportunidade de discutir

afinal qual eacute a funccedilatildeo da anaacutelise da injusticcedila como meio de barreira para a usucapiatildeo

Quando se faz referecircncia agraves diversas teacutecnicas de saneamento dos viacutecios eacute preciso

reconhecer que elas natildeo podem ser lidas como um modo de suplantar o fato de que a

posse do usucapiente natildeo foi autorizada e eacute exercida de forma contraacuteria aos interesses

do titular porque essa eacute uma condiccedilatildeo necessaacuteria para que a usucapiatildeo ocorra Ainda

que natildeo haja uma ldquobatalha campalrdquo em busca da posse ldquoCrucially the adverse

possessorrsquos use must be without permission (ldquoadverserdquo)rdquo65 A aquisiccedilatildeo sem autorizaccedilatildeo

e o exerciacutecio contraacuterio aos interesses do titular satildeo pressupostos para a usucapiatildeo

Em tais condiccedilotildees as estrateacutegias que visam a ldquoeliminaccedilatildeo da injusticcedilardquo pelo expurgo

dos viacutecios de origem soacute podem ser compreendidas como vias pelas quais se pretende

superar o chamado ldquoparadoxo moralrdquo66 aparentemente existente em torno da proacutepria

ideia de usucapiatildeo qual a justificativa para que algueacutem perca o seu direito de

propriedade em funccedilatildeo da atuaccedilatildeo natildeo autorizada de outra pessoa

Mas a falta de precisatildeo doutrinaacuteria na referecircncia agrave justiccedila ou injusticcedila da posse faz com

que a exigecircncia de que a posse ad usucapionem seja uma posse ldquojustardquo gere a falsa

ideia de que a atuaccedilatildeo do usucapiente estaacute em conformidade com o direito E as

estrateacutegias de saneamento reforccedilam essa confusatildeo ao se voltarem para o modo como a

posse foi adquirida Elas servem como uma justificativa para tentar amainar a ilicitude

65 MERRIL Thomas W SMITH Henry E Property Oxford Oxford University Press 2010 p36 66 KATZ Larissa ldquoThe moral paradox of adverse possession sovereignty and revolution in property lawrdquo McGill Law Journal Vol55 2010 pp47-80 cit p 59

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do apossamento mas isso eacute virtualmente impossiacutevel sem jogar o instituto em um non

sense pois a contrariedade da posse ad usucapionem eacute intriacutenseca a usucapiatildeo

Quando se diz que a posse do usucapiente eacute sempre injusta isso significa que ela natildeo

estaacute autorizada de forma alguma e se coloca sim em posiccedilatildeo de conflito (ainda que

velado) com os interesses do proprietaacuterio ou seja algueacutem vai adquirir a propriedade de

algo que jaacute tem dono e obviamente sem a colaboraccedilatildeo deste

Por isso as estrateacutegias de saneamento estatildeo por assim dizer ldquono lugar erradordquo pois

acabam mascarando a dinacircmica real do processo por meio do qual algueacutem caminha

para usucapir o bem de outrem Isto acaba ampliando as sombras existentes entre as

linhas que demarcam uma posse ldquomoralmente legitimadardquo a viabilizar a usucapiatildeo e a

adversidade sem a qual a aquisiccedilatildeo natildeo tem como se efetivar

Nessa direccedilatildeo a caracterizaccedilatildeo da posse ad usucapionem natildeo depende do saneamento

dos viacutecios objetivos pois o meio objetivo pelo qual se deu o apossamento eacute afinal

irrelevante Basta o chamado ldquoteste de uso incompatiacutevelrdquo (inconsistent use test) ou

seja da verificaccedilatildeo de que a posse natildeo autorizada se daacute em desconformidade com a

agenda estabelecida pelo proprietaacuterio do bem a ser usucapido67 Natildeo importa o modo

pelo qual tal contrariedade ganhou forma o fato eacute que ela existe e uma vez constatada

gera para o proprietaacuterio a oportunidade de se opor dentro de um determinado periacuteodo

de tempo sem o que perderaacute a titularidade do bem

Eacute importante ainda deixar expliacutecito o fato de que toda discussatildeo em torno dos

pressupostos para a aquisiccedilatildeo pela usucapiatildeo reflete uma dada concepccedilatildeo acerca da

propriedade Debater em que circunstacircncia algueacutem pode se tornar o proprietaacuterio do

bem que eacute de outro resvala em uma avaliaccedilatildeo acerca da amplitude de formas de

atuaccedilatildeo que o proprietaacuterio estaacute legitimado a desempenhar

Do mesmo modo a possiacutevel imoralidade existente na atribuiccedilatildeo do direito de

propriedade em favor de algueacutem que viola o direito de outrem eacute decorrente de uma

visatildeo que considera moralmente aceitaacutevel que o bem objeto desse direito possa

permanecer sem um uso efetivo durante um nuacutemero maior ou menor de anos jaacute que

natildeo haacute usucapiatildeo sem a ineacutercia do titular do direito a ser usucapido

67 KATZ Larissa ldquoThe moral paradoxrdquo cit p50

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Nesse sentido ultrapassar a discussatildeo acerca das estrateacutegias de saneamento dos viacutecios

da aquisiccedilatildeo rumo a um debate aprofundado sobre as razotildees que contribuem para a

superaccedilatildeo do paradoxo moral permitiria por exemplo a consideraccedilatildeo de que mesmo

um possuidor de maacute-feacute pode dar um uso economicamente mais eficiente do que aquele

dado pelo possuidor originaacuterio68 ou que em um contexto de deacuteficit de moradias a

ideia de que ldquoo natildeo uso eacute uma forma de usordquo69 seria juriacutedica e moralmente indefensaacutevel

pois corresponderia a absolutizaccedilatildeo da propriedade

O debate moral em torno da usucapiatildeo eacute rico de possibilidades que auxiliam na

compreensatildeo adequada do instituto e tambeacutem por isso natildeo pode ser represado Quando

se vecirc tanto esforccedilo doutrinaacuterio para expurgar os viacutecios objetivos de origem o uacutenico

sentido possiacutevel para tanto eacute pressuposto de que haacute uma avaliaccedilatildeo moralmente

negativa em torno da ideia de que uma posse ldquoinjustardquo seja apta a transformar um

ldquoladratildeordquo em proprietaacuterio Mas aqui o foco estaacute todo voltado para como a posse foi

adquirida o que reduz enormemente a investigaccedilatildeo Natildeo se trata da defesa da

legitimaccedilatildeo do uso da forccedila como se fosse possiacutevel concordar com a grilagem de terras

mas justo o oposto da possibilidade de reconhecimento de que mesmo o uso da forccedila

pode ser justificado quando a efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais como os relativos agrave

moradia e ao trabalho se contrapotildeem ao natildeo uso e a especulaccedilatildeo A existecircncia do

instituto da usucapiatildeo revela em si mesma que ordenamento fez uma escolha na qual o

uso efetivo do bem estaacute em uma posiccedilatildeo hierarquicamente superior ao natildeo uso Diante

da diferenciaccedilatildeo entre justiccedila e injusticcedila formal ndash relativa agrave aquisiccedilatildeo ndash e justiccedila ou

injusticcedila material (os valores materializados em cada efetivo apossamento) abre-se a

oportunidade de discutir as bases morais econocircmicas e filosoacuteficas por meio das quais eacute

ainda hoje possiacutevel fundamentar a manutenccedilatildeo ou perda dos direitos de propriedade

titularizados por algueacutem

De todo modo para os objetivos do presente estudo a hipoacutetese testada parece poder

ser adequadamente confirmada independentemente do modelo de usucapiatildeo a ser

adotado independentemente do fundamento mais adequado para usucapiatildeo em

68 FENNEL Lee Anne ldquoEfficient trespass the case for lsquobad faithrsquo adverse possessionrdquo Northwestern University Law Review Vol100 p1035-10962006 p53 Considerando-se que apenas um imoacutevel sem um uso efetivo pode ser objeto de apossamento alheio estendido por vaacuterios anos sem uma reaccedilatildeo apropriada a manutenccedilatildeo da sua titularidade pode ser lida como uma falha de mercado que daacute corpo agrave especulaccedilatildeo a venda do imoacutevel natildeo ocorre porque o titular natildeo encontra condiccedilotildees que lhe garantam a remuneraccedilatildeo pretendida naquele momento Da mesma forma levando-se em consideraccedilatildeo que no caso brasileiro a funccedilatildeo social remete agrave obrigatoriedade do uso e que isto por sua vez desaacutegua no exerciacutecio da posse toda posse ad usucapionem poderia ser lida como a vitoacuteria do uso produtivo sobre o natildeo uso especulativo Nesse sentido a posse de maacute-feacute corresponderia agrave deliberada intenccedilatildeo de concretizar um uso socialmente uacutetil a um bem que estaacute sendo administrado de forma ineficiente 69 NASCIMENTO Tupinambaacute Miguel Castro do Posse e propriedade Porto Alegre Livraria do Advogado 1986 p10

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nenhum lugar eacute possiacutevel colocar em questatildeo o fato de que a posse exercida pelo

esbulhador eacute adversa A posse exercida por algueacutem natildeo autorizado que deseja ou

acredita que jaacute tem o direito de outrem eacute nesse sentido sempre e necessariamente uma

posse injusta

Conclusatildeo

As tentativas de saneamentos dos viacutecios satildeo incongruentes e ineficientes porque a

superaccedilatildeo do paradoxo moral existente na usucapiatildeo depende de uma reflexatildeo acerca

daquilo que a sociedade considera como moralmente justificado em torno do exerciacutecio

do direito de propriedade E desde aiacute eacute possiacutevel perceber diversos aspectos que

demonstram que o exerciacutecio da posse seja qual for a sua qualificaccedilatildeo eacute mais forte do

que o natildeo uso a existecircncia mesma do instituto da usucapiatildeo o encurtamento

generalizado dos prazos para usucapir ocorrido no acircmbito do Coacutedigo Civil em vigor

mesmo na hipoacutetese extraordinaacuteria a ampliaccedilatildeo das modalidades de usucapiatildeo como

forma de premiar o exerciacutecio dirigido agrave busca da efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais

sociais como moradia e trabalho Nesse caminho o paradoxo moral se dissolve e o

saneamento dos viacutecios passa a ser irrelevante eacute mais importante saber o que se faz da

posse do que o modo pelo qual ela foi obtida

Em tais condiccedilotildees considerar que a posse ldquoboa para usucapirrdquo seja sempre injusta ndash no

sentido de que representa uma dissonacircncia necessaacuteria com a agenda estabelecida pelo

proprietaacuterio do bem a ser usucapido ndash natildeo significa o abandono da dimensatildeo moral

existente na qualificaccedilatildeo da posse do usucapiente Esta dimensatildeo apenas se desloca em

direccedilatildeo a uma investigaccedilatildeo criteriosa acerca do conteuacutedo da posse materializada frente

agrave anaacutelise da conduta do proprietaacuterio ante ao apossamento natildeo autorizado

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civilisticacom Recebido em 18042016

Aprovado em 13052016 (1ordm parecer) 31052016 (2ordm parecer)

Como citar DANTAS Marcus Eduardo de Carvalho Toda posse ad usucapionem eacute uma posse injusta Civilisticacom Rio de Janeiro a 5 n 1 2016 Disponiacutevel em lthttpcivilisticacomtoda-posse-ad-usucapionem-e-uma-posse-injustagt Data de acesso

Page 18: Toda posse ad usucapionem é uma posse injusta

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O raciociacutenio de Silvio Rodrigues parece uma meacutelange da soluccedilatildeo positivada em alguns

sistemas estrangeiros como vg no direito espanhol e no direito portuguecircs O

problema eacute que aqui ao contraacuterio do que ocorre nos ordenamentos dos dois maiores

paiacuteses da Peniacutensula Ibeacuterica natildeo haacute nenhuma disposiccedilatildeo normativa que ampare tal

interpretaccedilatildeo Em Portugal e na Espanha o decurso do prazo de um ano tem

primeiramente uma funccedilatildeo especiacutefica a de decretar o momento da perda da posse por

parte do possuidor esbulhado37 Eacute o mesmo raciociacutenio que no Brasil sustenta a previsatildeo

do artigo 122438 onde ainda que sem uma referecircncia objetiva de tempo eacute possiacutevel

verificar que o possuidor esbulhado natildeo perde o seu direito de posse no exato momento

em que ocorre a perda no plano faacutetico A funccedilatildeo dessa ficccedilatildeo39 tanto laacute quanto caacute

tambeacutem eacute a mesma garantir que natildeo haja soluccedilatildeo de continuidade no exerciacutecio da

posse quando intervalos intermitentes ocorrem40

De se ressaltar ainda que no ordenamento portuguecircs assim como no direito espanhol

o prazo de 1 ano corresponde tambeacutem agrave ldquocaducidaderdquo das accedilotildees de reintegraccedilatildeo ou

manutenccedilatildeo de posse41 Como o possuidor esbulhado natildeo pode mais utilizar tais accedilotildees

a interdiccedilatildeo da via possessoacuteria gera consequecircncias na compreensatildeo da manutenccedilatildeo dos

viacutecios No direito espanhol natildeo sem polecircmica o prazo de 1 ano de exerciacutecio da posse

pelo esbulhador configura hipoacutetese na qual ldquoel transcurso del tiempo sirve para

subsanar este vicio posesoriordquo42

37 Coacutedigo Civil espanhol ldquoArtiacuteculo 460 El poseedor puede perder su posesioacuten () 4 Por la posesioacuten de otro aun contra la voluntad del antiguo poseedor si la nueva posesioacuten hubiese durado maacutes de un antildeordquo Coacutedigo Civil portuguecircs ldquoArtigo 1267ordm (Perda da posse) 1 O possuidor perde a posse () d) Pela posse de outrem mesmo contra a vontade do antigo possuidor se a nova posse houver durado mais de um anordquo 38 Art 1224 Soacute se considera perdida a posse para quem natildeo presenciou o esbulho quando tendo notiacutecia dele se absteacutem de retornar a coisa ou tentando recuperaacute-la eacute violentamente repelido 39 No direito espanhol a doutrina diverge acerca do momento em que tem iniacutecio a posse do esbulhador Haacute quem entenda que a posse do esbulhador soacute tem iniacutecio apoacutes o prazo de 1 ano RODRIGUEZ-CANO Rodrigo Bercovitz Manual de derecho civil ndash derechos reales Madrid Bercal 2013 p77) Outros consideram que coexistem desde o iniacutecio duas posses sobre o bem posse de fato exercida pelo esbulhador e a posse de direito que ateacute o transcurso do prazo permanece na titularidade do esbulhado LOacutePEZ y LOacutePEZ Aacutengel M FERNANDEZ Rosario Valpuesta et all Derecho civil patrimonial Vol II Valencia Tirant lo Blanch 2014 p97 40 TEPEDINO Gustavo Comentaacuterios ao coacutedigo civil cit p192 DIacuteEZ-PICAZO Luis GULLOacuteN Antonio Sistema de derecho civil VolIII Tomo I (derechos reales en general) 8ordfed Madrid Tecnos 2013 p116 41 CORDEIRO Antoacutenio Menezes A posse perspectivas dogmaacuteticas actuais cit p112 SANTOS JUSTO A dos Direitos Reais 4ordfed cit p218 LOacutePEZ PAacuteSARO Eduardo Tutela Sumaria de la Posesioacuten (Interdicto de recobrar) Madrid Dykinson 2014 p187 O artigo 1282 do Coacutedigo Civil portuguecircs indica que ldquoA acccedilatildeo de manutenccedilatildeo bem como as de restituiccedilatildeo da posse caducam se natildeo forem intentadas dentro do ano subsequente ao acto da turbaccedilatildeo ou do esbulho ou ao conhecimento dele quando tenha sido praticado a ocultasrdquo Jaacute o diploma civil espanhol preceitua no seu artigo 19681 do Coacutedigo Civil espanhol ldquo Artiacuteculo 1968 Prescriben por el transcurso de un antildeo 1La accioacuten para recobrar o retener la posesioacutenrdquo 42 RODRIGUEZ-CANO Rodrigo Bercovitz Manual de derecho civil ndash derechos reales cit p73 No mesmo sentido ALBALADEJO Manuel A Derecho civil VolIII cit p63 DIacuteEZ-PICAZO Luis Fundamentos del derecho civil patrimonial VolIII las relaciones juriacutedico-reales el registro de la propiedad la posesioacuten 5ordfed Madrid Civitas 2008 p689

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Jaacute no direito portuguecircs o Coacutedigo Civil eacute expresso acerca da possibilidade de

saneamento dos viacutecios43 e a doutrina encampa unanimemente o entendimento de que

a posse eacute violenta ndash portanto injusta ndash apenas no tempo de duraccedilatildeo de seus efeitos44

Ou seja a posse violenta clandestina ou precaacuteria perde a condiccedilatildeo de viciosa no exato

instante em que se estabiliza Apoacutes a cessaccedilatildeo da violecircncia a posse passa a ser

perfeitamente apta a gerar a usucapiatildeo45

Mas ideia de que a posse eacute injusta apenas enquanto houver violecircncia ou

clandestinidade ao contraacuterio do direito luso natildeo tem respaldo no ordenamento

brasileiro apesar de ser defendida por nomes como os de Lenine Nequete46 e Arnoldo

Wald47 O artigo 1208 do Coacutedigo Civil alocado no capiacutetulo referente agrave aquisiccedilatildeo da

posse dispotildee claramente que ldquoNatildeo induzem posse os atos de mera permissatildeo ou

toleracircncia assim como natildeo autorizam a sua aquisiccedilatildeo os atos violentos ou clandestinos

senatildeo depois de cessar a violecircncia ou a clandestinidaderdquo Ou seja aqui enquanto a

violecircncia estiver sendo empregada natildeo haacute posse Apoacutes a sua cessaccedilatildeo a posse advinda

de tais atos eacute posse mas posse injusta48

Natildeo haacute duacutevida portanto de que o prazo de ldquoano e diardquo tem uma funccedilatildeo importante No

direito espanhol o prazo serve como marco da perda da posse da impossibilidade de

utilizaccedilatildeo das accedilotildees possessoacuterias e de saneamento dos viacutecios objetivos No direito

portuguecircs serve igualmente de referecircncia para identificaccedilatildeo do momento de perda da

posse e da caducidade da via possessoacuteria ao passo que os viacutecios satildeo considerados

sanados apoacutes a cessaccedilatildeo de seus efeitos

Em ambos os ordenamentos o expurgo dos viacutecios pela passagem do tempo tem

respaldo normativo ainda que as criacuteticas anteriormente feitas a este raciociacutenio no

direito brasileiro tambeacutem sejam aplicaacuteveis a tais sistemas natildeo havendo tambeacutem neles

nenhuma modalidade de usucapiatildeo com menos de 1 ano a ideia do saneamento da

43 Artigo 1297ordm (Posse violenta ou oculta) Se a posse tiver sido constituiacuteda com violecircncia ou tomada ocultamente os prazos da usucapiatildeo soacute comeccedilam a contar-se desde que cesse a violecircncia ou a posse se torne puacuteblica 44 Por todos CARVALHO Orlando de Direito das coisas Coimbra Coimbra Editora 2012 p283 45 FRANCcedilA PITAtildeO Joseacute Antoacutenio de Posse e usucapiatildeo Lisboa Almedina 2007 p74 FERREIRA Durval Posse e usucapiatildeo 3ordfed Lisboa Almedina 2008 p319 OLIVEIRA ASCENCcedilAtildeO Joseacute de Direito civil ndash reais cit p116 46 NEQUETE Lenine Da prescriccedilatildeo aquisitiva (usucapiatildeo) Porto Alegre Ediccedilatildeo Sulina 1954 p80 47 WALD Arnoldo Direito Civil direito das coisas Vol4 Satildeo Paulo Saraiva 2011 pp103-104 48 Segundo esclarece Joseacute Carlos Moreira Alves ldquo() para o Coacutedigo Civil brasileiro () enquanto materialmente existentes ndash ou seja enquanto se pratica a violecircncia ou haacute clandestinidade ndash impedem [tais viacutecios] a aquisiccedilatildeo ateacute da possessio ad interdicta havendo apenas detenccedilatildeo independente e uma vez cessados em sua materialidade surge a posse embora qualificada como injusta que produz as consequecircncias de qualquer posse injustardquo MOREIRA ALVES Joseacute Carlos ldquoA detenccedilatildeo no direito civil brasileiro (conceito e casos)rdquoIn CAHALI Yussef Said Posse e propriedade doutrina e jurisprudecircncia Satildeo Paulo Saraiva 1987 p20

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mesma forma que aqui natildeo tem funccedilatildeo nenhuma porque sempre que o usucapiente

tiver prazo para usucapir os viacutecios teratildeo deixado de existir

De se ressaltar ainda que o proacuteprio Silvio Rodrigues reconheceu que a sua tese natildeo

tinha fundamento legal Na nota de rodapeacute 28 do seu livro ldquoDireito das Coisasrdquo49 o

autor demonstrou que entendia que o Coacutedigo de Processo Civil de 1939 tinha extirpado

a ldquoaccedilatildeo de forccedila velha expoliativardquo do ordenamento brasileiro razatildeo pela qual para o

possuidor de mais de 1 ano e dia caberia apenas a via petitoacuteria o que sanearia o viacutecio na

aquisiccedilatildeo Isto porque segundo sua interpretaccedilatildeo ldquoBasta que ela [a posse] se estenda

pacificamente ou publicamente durante o intervalo de ano e dia para que fique

purgada de seus defeitosrdquo50 Mas o proacuteprio autor admitiu ao final da nota de rodapeacute

28 que o CPC de 73 ldquoextirpou a duacutevidardquo que poderia existir em torno da possibilidade

de accedilatildeo de reintegraccedilatildeo com mais de 1 ano e dia do esbulho que ldquomesmo intentadas

apoacutes o intervalo de ano e dia natildeo perdem o seu caraacuteter acessoacuteriordquo51 Mesmo criticando

a soluccedilatildeo do CPC reconhece que ldquo() a vontade do legislador manifestada de forma

irrefutaacutevel que deve prevalecerrdquo52 Fica claro portanto que natildeo haacute fundamento legal

para a tese de que a posse injusta se transforma em posse justa apoacutes ano e dia

6 Saneamento pelo cumprimento da funccedilatildeo social

Alguns estudos mais recentes tecircm indicado que os viacutecios objetivos da posse podem ser

considerados sanados uma vez constatado o cumprimento da funccedilatildeo social por parte do

esbulhador53

Mas o saneamento pelo cumprimento da funccedilatildeo social da posse pode ser

primeiramente criticado por que natildeo haacute qualquer dispositivo normativo em vigor no

ordenamento juriacutedico brasileiro que defina o que eacute e qual eacute o conteuacutedo da funccedilatildeo social

da posse A doutrina tem buscado dar substacircncia ao princiacutepio pela conexatildeo que

tradicionalmente eacute feita entre funccedilatildeo social da posse e a efetivaccedilatildeo de direitos

fundamentais como os de moradia e trabalho

49 RODRIGUES Silvio Direito civil Vol5 ndash direito das coisas cit p30 50 RODRIGUES Silvio Direito civil Vol5 ndash direito das coisas cit p30 51 O CPC15 eacute claro acerca do caraacuteter possessoacuterio da accedilatildeo proposta apoacutes o prazo de ldquoano e diardquo Art558 Regem o procedimento de manutenccedilatildeo e de reintegraccedilatildeo de posse as normas da Seccedilatildeo II deste Capiacutetulo quando a accedilatildeo for proposta dentro de ano e dia da turbaccedilatildeo ou do esbulho afirmado na peticcedilatildeo inicial Paraacutegrafo uacutenico Passado o prazo referido no caput seraacute comum o procedimento natildeo perdendo contudo o caraacuteter possessoacuterio 52 RODRIGUES Silvio Direito civil Vol5 ndash direito das coisas cit p30 nota28 53 MELO Marco Aureacutelio Bezerra de Curso de direito civil Vol5 ndash direito das coisas 2015 p73 FARIAS Cristiano Chaves de ROSENVALD Nelson Curso de direito civil Vol5 ndash reais cit p119

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Eacute possiacutevel tentar extrair essa conexatildeo da relaccedilatildeo entre posse e propriedade

considerando que a propriedade deve cumprir a funccedilatildeo social a posse tambeacutem deve ser

lida como subordinada a tal princiacutepio Mas se a funccedilatildeo social da propriedade eacute em

grande medida a ldquofunccedilatildeo social da posse exercida pelo proprietaacuteriordquo54 seraacute viaacutevel dizer

que o contraacuterio tambeacutem eacute verdadeiro Um possuidor de uma aacuterea de grande extensatildeo

de terra na zona rural estaacute obrigado a cumprir os mesmos preceitos direcionados ao

proprietaacuterio estabelecidos no artigo 184 da Constituiccedilatildeo E qual seria a consequecircncia

do descumprimento desse conteuacutedo por parte de quem eacute apenas o possuidor E no caso

da posse urbana qual o conteuacutedo a ser cumprido para que a funccedilatildeo social seja

contemplada

A falta de uma definiccedilatildeo sobre o conteuacutedo objetivamente definido para a funccedilatildeo social

da posse prejudica enormemente a sua utilizaccedilatildeo como criteacuterio para avaliaccedilatildeo do o

expurgo dos viacutecios objetivos Aleacutem de desnecessaacuteria a possibilidade do saneamento

atraveacutes de um princiacutepio tatildeo ldquomaleaacutevelrdquo tem como consequecircncia o seu reconhecimento

em um sem nuacutemero de situaccedilotildees tatildeo diacutespares que fica difiacutecil enxergar em que

circunstacircncia qualquer exerciacutecio regular da posse natildeo o atenderia

Nos tribunais fala-se em cumprimento da funccedilatildeo social quando a posse de um terreno eacute

utilizada para criaccedilatildeo de galinhas55 quando mesmo sem comprovar o tempo

necessaacuterio o possuidor prova que construiu lojas e quitinetes no imoacutevel que pretendia

usucapir56 ou ainda quando o imoacutevel a ser usucapido foi utilizado como garagem e aacuterea

de lazer durante o lapso temporal necessaacuterio agrave usucapiatildeo57

54 DANTAS Marcus Eduardo de Carvalho ldquoDa funccedilatildeo social da propriedade agrave funccedilatildeo social da posse exercida pelo proprietaacuterio ndash uma proposta de releitura do princiacutepio constitucionalrdquo RIL ndash Revista de Informaccedilatildeo Legislativa ano 52 n 205 p23-38 Mar 2015 p34 DANTAS Marcus Eduardo de Carvalho ldquoFunccedilatildeo social nos conflitos fundiaacuteriosrdquo Revista Direito GV Satildeo Paulo v9 n 2 p465-488 Dec 2013 p479 55 Tribunal de Justiccedila do Rio de Janeiro Apelaccedilatildeo nordm 0003045-5320028190061 Rel Des Gilda Maria

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Natildeo se trata aqui de uma avaliaccedilatildeo moral acerca daquilo que deve ou natildeo ser

considerado como o conteuacutedo da funccedilatildeo social A questatildeo eacute que sem um conteuacutedo bem

especificado a funccedilatildeo social deixa de ser um mecanismo de qualificaccedilatildeo da posse ela

natildeo tem serventia alguma como mecanismo de diferenciaccedilatildeo Se a utilizaccedilatildeo de um

terreno como garagem e lazer corresponde ao exerciacutecio da posse com funccedilatildeo social em

que circunstacircncia o exerciacutecio puro e simples da posse natildeo corresponderia a tal

princiacutepio Basta natildeo realizar uma atividade iliacutecita para cumprir a funccedilatildeo social da

posse Qual a diferenccedila entre ldquoter posserdquo e ldquoter posse com funccedilatildeo socialrdquo

A segunda linha de criacutetica se orienta pelo fato de que nem todas as modalidades de

usucapiatildeo existentes no ordenamento brasileiro tecircm uma conexatildeo visiacutevel com os temas

tradicionalmente considerados como caracteriacutesticos da funccedilatildeo social A usucapiatildeo

extraordinaacuteria prevista no caput do artigo 1238 do Coacutedigo Civil58 por exemplo natildeo

exige do possuidor que exerccedila a posse com fins de moradia tampouco que utilize o

imoacutevel como fonte de trabalho Isso mostra que o Coacutedigo diferencia as situaccedilotildees nas

quais a posse eacute exercida como meio de efetivaccedilatildeo dos direitos tradicionalmente

afinados com uma ideia geral de funccedilatildeo social e aquelas nas quais a posse eacute exercida

regularmente mas sem tal qualificaccedilatildeo especial Em tais condiccedilotildees o entendimento de

que a injusticcedila original da posse pode ser sanada pelo cumprimento da funccedilatildeo social

para a usucapiatildeo em geral ficaria ainda uma vez sem sentido pois o diploma civil natildeo

exige que a posse seja exercida como moradia ou fonte de trabalho em todas as

modalidades da usucapiatildeo

7 O ldquoteste do uso incompatiacutevelrdquo e a funccedilatildeo da posse injusta na usucapiatildeo

Apesar de todo esforccedilo doutrinaacuterio na defesa de formas pelas quais a posse injusta pode

deixar para traacutes o seu viacutecio de origem a doutrina tem um posicionamento tatildeo soacutelido

quanto incoerente acerca do viacutecio da precariedade o de que ele natildeo convalesce nunca

O entendimento eacute defendido por quase59 a totalidade dos especialistas sob o

58 Art 1238 Aquele que por quinze anos sem interrupccedilatildeo nem oposiccedilatildeo possuir como seu um imoacutevel adquire-lhe a propriedade independentemente de tiacutetulo e boa-feacute podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentenccedila a qual serviraacute de tiacutetulo para o registro no Cartoacuterio de Registro de Imoacuteveis Paraacutegrafo uacutenico O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-aacute a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imoacutevel a sua moradia habitual ou nele realizado obras ou serviccedilos de caraacuteter produtivo

59 Francisco Eduardo Loureiro eacute uma boa exceccedilatildeo agrave leitura predominante Nesse sentido ldquoDiz-se que a posse precaacuteria nunca gera usucapiatildeo Na verdade eacute ela imprestaacutevel para usucapiatildeo natildeo porque eacute injusta mas porque o precarista natildeo tem animus domini uma vez que reconhece a supremacia e o melhor direito do terceiro sobre a coisa Caso poreacutem natildeo reconheccedila ou deixe de reconhecer essa posiccedilatildeo e revele isso de modo inequiacutevoco e claro ao titular do domiacutenio para que este possa reagir e retomar a coisa nasce nesse momento o prazo para usucapiatildeo porque o requisito animus domini estaraacute entatildeo presente LOUREIRO Francisco Eduardo ldquoDireito das coisas (arts 1196-1510)rdquo In PELUSO Cezar (Coord) Coacutedigo civil interpretado Satildeo Paulo Manole 2008 p1092-1093

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argumento de que o descumprimento do dever de restituiccedilatildeo do bem soacute deixa de existir

quando a coisa eacute devolvida Enquanto o bem permanece com o esbulhador a posse

permanece injusta e nenhuma das taacuteticas anteriormente analisadas seria suficiente

para modificar tal condiccedilatildeo

Trata-se de uma interpretaccedilatildeo no miacutenimo insoacutelita pois acaba tornando o viacutecio da

precariedade mais grave que os outros se o esbulhador usa a violecircncia fiacutesica contra a

pessoa do esbulhado ele pode ver tal viacutecio sanado das formas mais diversas se a

aquisiccedilatildeo se daacute pela recusa da restituiccedilatildeo isso natildeo seria de forma alguma possiacutevel pela

ldquoquebra da confianccedilardquo Mas por que a ldquoquebra da confianccedilardquo eacute mais grave que o uso da

forccedila fiacutesica Aleacutem de natildeo parecer razoaacutevel trata-se de uma interpretaccedilatildeo que atribui

uma vantagem injustificaacutevel em favor do proprietaacuterio Independentemente do que ele

tiver feito ou deixado de fazer para retomar o bem o fato da posse ser injusta

bloquearia a usucapiatildeo para sempre

Como indicado a discussatildeo acerca das circunstacircncias nas quais algueacutem pode se tornar

proprietaacuterio pela usucapiatildeo eacute tambeacutem uma discussatildeo acerca das condiccedilotildees nas quais

algueacutem pode legitimamente exercer o seu direito de propriedade Eacute possiacutevel

reconhecer poreacutem que a doutrina brasileira tem dado uma ecircnfase talvez desmesurada

na atuaccedilatildeo do possuidor deixando de investigar a dimensatildeo real do papel do

proprietaacuterio nesse jogo Soacute haveraacute usucapiatildeo se o proprietaacuterio de algum modo se

mantiver inerte na recuperaccedilatildeo do bem E se o proprietaacuterio deixou de tomar as

providencias necessaacuterias agrave tutela do seu direito durante um periacuteodo que pode variar de

2 a 15 anos eacute porque ele tambeacutem contribuiu para a consolidaccedilatildeo da posse do

usucapiente Como seria o cenaacuterio se a ecircnfase no processo recaiacutesse sobre o

proprietaacuterio Se independentemente da preocupaccedilatildeo com a caracterizaccedilatildeo de

eventuais viacutecios da posse incidisse principalmente sobre o titular a responsabilidade de

agir para que a usucapiatildeo natildeo se consumasse

Um caso interessante nesse sentido ndash e pouco estudado no Brasil ndash eacute o chamado

ldquoJAPye (Oxford) Ltd v Grahamrdquo ou apenas ldquoCase Pyerdquo como ficou conhecido De

forma muito resumida a empresa do ramo imobiliaacuterio JA Pye (Oxford) Ltd adquiriu

um terreno em Berkshire oeste de Londres com o objetivo de desenvolver um

empreendimento imobiliaacuterio e obteve o respectivo registro como proprietaacuteria da aacuterea

Apoacutes realizar a venda de uma parte do terreno a empresa inglesa celebrou um contrato

de 1 ano com a famiacutelia Graham por meio do qual seus integrantes ficavam autorizados a

utilizar os 25 hectares restantes da aacuterea como pasto Apoacutes o teacutermino do contrato os

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Graham procuraram a empresa com objetivo de obter uma renovaccedilatildeo mas a J A Pye

Ltd se recusou a fazecirc-lo Apesar disso Caroline e Michael Graham continuaram a

ocupar o terreno e a utilizaacute-lo como pasto por mais 12 anos com o conhecimento da

empresa mas sem o seu consentimento ainda que a J A Pye Ltd tenha se mantido

inerte quanto agraves providecircncias necessaacuterias para impedir a permanecircncia natildeo autorizada

dos Graham no local Apoacutes os 12 anos de exerciacutecio natildeo autorizado da posse os Graham

solicitaram o reconhecimento dos seus direitos sobre a referida aacuterea o que foi

concedido pelo registro com base na ldquoadverse possessionrdquo ou seja na usucapiatildeo

A decisatildeo gerou um sem nuacutemero de polecircmicas e modificaccedilotildees de rumo chegando ateacute

ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos onde no julgamento da Queixa

nordm4430202 foi dado ganho de causa ao Reino Unido e por consequecircncia agrave famiacutelia

Graham Em um primeiro momento a ldquoCourt of Appealrdquo deu decisatildeo favoraacutevel agrave

empresa ldquoPyerdquo com base entre outros motivos no fato de que a famiacutelia Graham natildeo

tinha ldquothe necessary intention to possessrdquo ou seja o acircnimo de dono Considerando-se

que no direito inglecircs vigora o chamado ldquoprocedural approachrdquo no que tange agrave usucapiatildeo

ndash a ecircnfase no aspecto processual da disputa ndash a referecircncia ao animus possidendi foi

considerada uma inovaccedilatildeo surpreendente60 De fato uma vez que os agricultores

permaneceram apenas fazendo aquilo que jaacute faziam quando do contrato em vigor os

julgadores da ldquoCourt of Appealrdquo entenderam que natildeo havia a intenccedilatildeo de passar a ser o

dono do lugar contrapondo-se frontalmente ao direito da empresa61 A decisatildeo foi

objeto de recurso agrave ldquoHouse of Lordsrdquo que deu ganho de causa agrave Caroline Graham62

Ainda inconformada a empresa ldquoPyerdquo entrou com novo recurso e como indicado o

caso chegou ateacute ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos sob a alegaccedilatildeo de que o

Reino Unido havia violado o direito de propriedade da J A Pye Ltd descumprindo a

garantia prevista no artigo 1ordm do Protocolo Adicional nordm 1 da Convenccedilatildeo Europeia dos

Direitos do Homem63 A decisatildeo final foi favoraacutevel ao Reino Unido e

60 RADLEY-GARNER Oliver ldquoCivilized Squattingrdquo Oxford Journal of Legal Studies (winter 2005) 25 (04) p728 61 A discussatildeo pode ser conhecida em httpwwwpublicationsparliamentukpald200102ldjudgmtjd020704graham-3htm Acesso em 13122014 62 O voto de maior peso no julgamento foi o de Lord Browne-Wilkinson por ter considerado que ao contraacuterio do que se exigia ateacute entatildeo a partir do momento em que os Graham continuaram a pastorear a terra sem a autorizaccedilatildeo da ldquoJAPyerdquo eles passaram a ter posse em nome proacuteprio o que independentemente de um conflito aberto seria suficiente para viabilizar a adverse possession O voto na iacutentegra pode ser lido em ldquoHouse of Lords Judgments ndash J A Pye (Oxford) Ltd and Others v Graham and Another on 4 July 2002rdquo httpwwwpublicationsparliamentukpald200102ldjudgmtjd020704graham-1htm Acesso em 13122014 63 ldquoQualquer pessoa singular ou colectiva tem direito ao respeito dos seus bens Ningueacutem pode ser privado do que eacute sua propriedade a natildeo ser por utilidade puacuteblica e nas condiccedilotildees previstas pela lei e pelos princiacutepios gerais do direito internacional

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consequentemente agrave famiacutelia Graham sob diversos argumentos Destacam-se para fins

do presente estudo a ideia de que a usucapiatildeo deve ser encarada como um mecanismo

de controle ou regulamentaccedilatildeo do uso dos bens eis que eacute de interesse geral saber quem

efetivamente eacute responsaacutevel pelo imoacutevel bem como pelos tributos decorrentes de tal

condiccedilatildeo o que remete agrave seguranccedila juriacutedica 64

Entre diversas questotildees importantes o episoacutedio mostra como em grande medida a

dogmaacutetica juriacutedica brasileira tem abordado o tema da usucapiatildeo de maneira a ampliar

os poderes do proprietaacuterio Uma atenccedilatildeo desmesurada tem sido dada agrave posse do

usucapiente sempre cheia de requisitos a cumprir escamoteando-se as

responsabilidades do titular do direito a ser usucapido

Desde logo salta aos olhos o fato de que na hipoacutetese do ldquoCase Pyerdquo o poder da famiacutelia

Graham sobre o terreno poderia no Brasil ser qualificado como uma situaccedilatildeo de mera

toleracircncia hipoacutetese na qual natildeo haveria verdadeiramente posse conforme indicaccedilatildeo do

artigo 1208 do Coacutedigo Civil brasileiro Mas eacute preciso reconhecer que apesar da empresa

ldquoPyerdquo ter ldquotoleradordquo a presenccedila dos Graham o fato eacute que a ineacutercia de ldquoPyerdquo se deu em

momento posterior agrave negativa de renovaccedilatildeo do contrato o que demonstra o interesse

em natildeo perpetuar a presenccedila da famiacutelia Graham no local A recusa agrave renovaccedilatildeo e a

ineacutercia fariam entatildeo com que a hipoacutetese passasse a ser encarada como uma ldquoposse

precaacuteriardquo justamente o viacutecio que a doutrina brasileira insiste em considerar insanaacutevel

e portanto incapaz de gerar a usucapiatildeo

Mas o episoacutedio mostra que quando algueacutem exerce posse sobre o bem de outrem

diversos pontos de vista podem ser utilizados para analisar a questatildeo o proprietaacuterio

permitiu tal exerciacutecio Ele tomou as providecircncias necessaacuterias para recuperar o bem O

possuidor adverso sabia que o bem era de outra pessoa e se negou a devolvecirc-lo

As condiccedilotildees precedentes entendem - se sem prejuiacutezo do direito que os Estados possuem de pocircr em vigor as leis que julguem necessaacuterias para a regulamentaccedilatildeo do uso dos bens de acordo com o interesse geral ou para assegurar o pagamento de impostos ou outras contribuiccedilotildees ou de multasrdquo No original ldquoThe preceding provisions shall not however in any way impair the right of a State to enforce such laws as it deems necessary to control the use of property in accordance with the general interest or to secure the payment of taxes or other contributions or penaltiesrdquo European Court of Human Rights ldquoCase JA Pye (Oxford) Ltd and JA Pye (Oxford) Land Ltd v The United Kingdom Alleged Violation of Article 1 of Protocol nordm 1 Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-82172itemid[001-82172] Acesso em 03032014 64 ABREU Abiacutelio Vassalo Titularidade Registral do Direito de Propriedade Imobiliaacuteria versus usucapiatildeo (adverse possession) Coimbra Coimbra Editora 2011 p83

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Nesses termos o modelo processual inglecircs indica que a reflexatildeo acerca da usucapiatildeo

tambeacutem deve englobar uma meditaccedilatildeo sobre a atuaccedilatildeo do proprietaacuterio na recuperaccedilatildeo

do seu direito pois nada acontece se ele agir de maneira ceacutelere Mesmo apoacutes a negativa

de permanecircncia da famiacutelia Graham a empresa Pye permaneceu 12 anos sem tomar as

providecircncias necessaacuterias para a desocupaccedilatildeo do local Eacute um espaccedilo consideraacutevel de

tempo Seria razoaacutevel entender que por ser ldquoinsanaacutevelrdquo o viacutecio da precariedade nunca

admitiria a consumaccedilatildeo da usucapiatildeo em favor dos Graham

Aleacutem de problemaacutetica essa interpretaccedilatildeo ressuscita o problema da ldquoposse eternamente

injustardquo o esbulhador nunca poderia usucapir mesmo se o esbulhado natildeo procurar

retomar a sua posse Ao que tudo indica a impossibilidade de saneamento do viacutecio da

precariedade reflete a um imperativo moral a quebra da confianccedila depositada deve ser

punida com a perenidade do caraacuteter injusto E aqui se abre a oportunidade de discutir

afinal qual eacute a funccedilatildeo da anaacutelise da injusticcedila como meio de barreira para a usucapiatildeo

Quando se faz referecircncia agraves diversas teacutecnicas de saneamento dos viacutecios eacute preciso

reconhecer que elas natildeo podem ser lidas como um modo de suplantar o fato de que a

posse do usucapiente natildeo foi autorizada e eacute exercida de forma contraacuteria aos interesses

do titular porque essa eacute uma condiccedilatildeo necessaacuteria para que a usucapiatildeo ocorra Ainda

que natildeo haja uma ldquobatalha campalrdquo em busca da posse ldquoCrucially the adverse

possessorrsquos use must be without permission (ldquoadverserdquo)rdquo65 A aquisiccedilatildeo sem autorizaccedilatildeo

e o exerciacutecio contraacuterio aos interesses do titular satildeo pressupostos para a usucapiatildeo

Em tais condiccedilotildees as estrateacutegias que visam a ldquoeliminaccedilatildeo da injusticcedilardquo pelo expurgo

dos viacutecios de origem soacute podem ser compreendidas como vias pelas quais se pretende

superar o chamado ldquoparadoxo moralrdquo66 aparentemente existente em torno da proacutepria

ideia de usucapiatildeo qual a justificativa para que algueacutem perca o seu direito de

propriedade em funccedilatildeo da atuaccedilatildeo natildeo autorizada de outra pessoa

Mas a falta de precisatildeo doutrinaacuteria na referecircncia agrave justiccedila ou injusticcedila da posse faz com

que a exigecircncia de que a posse ad usucapionem seja uma posse ldquojustardquo gere a falsa

ideia de que a atuaccedilatildeo do usucapiente estaacute em conformidade com o direito E as

estrateacutegias de saneamento reforccedilam essa confusatildeo ao se voltarem para o modo como a

posse foi adquirida Elas servem como uma justificativa para tentar amainar a ilicitude

65 MERRIL Thomas W SMITH Henry E Property Oxford Oxford University Press 2010 p36 66 KATZ Larissa ldquoThe moral paradox of adverse possession sovereignty and revolution in property lawrdquo McGill Law Journal Vol55 2010 pp47-80 cit p 59

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do apossamento mas isso eacute virtualmente impossiacutevel sem jogar o instituto em um non

sense pois a contrariedade da posse ad usucapionem eacute intriacutenseca a usucapiatildeo

Quando se diz que a posse do usucapiente eacute sempre injusta isso significa que ela natildeo

estaacute autorizada de forma alguma e se coloca sim em posiccedilatildeo de conflito (ainda que

velado) com os interesses do proprietaacuterio ou seja algueacutem vai adquirir a propriedade de

algo que jaacute tem dono e obviamente sem a colaboraccedilatildeo deste

Por isso as estrateacutegias de saneamento estatildeo por assim dizer ldquono lugar erradordquo pois

acabam mascarando a dinacircmica real do processo por meio do qual algueacutem caminha

para usucapir o bem de outrem Isto acaba ampliando as sombras existentes entre as

linhas que demarcam uma posse ldquomoralmente legitimadardquo a viabilizar a usucapiatildeo e a

adversidade sem a qual a aquisiccedilatildeo natildeo tem como se efetivar

Nessa direccedilatildeo a caracterizaccedilatildeo da posse ad usucapionem natildeo depende do saneamento

dos viacutecios objetivos pois o meio objetivo pelo qual se deu o apossamento eacute afinal

irrelevante Basta o chamado ldquoteste de uso incompatiacutevelrdquo (inconsistent use test) ou

seja da verificaccedilatildeo de que a posse natildeo autorizada se daacute em desconformidade com a

agenda estabelecida pelo proprietaacuterio do bem a ser usucapido67 Natildeo importa o modo

pelo qual tal contrariedade ganhou forma o fato eacute que ela existe e uma vez constatada

gera para o proprietaacuterio a oportunidade de se opor dentro de um determinado periacuteodo

de tempo sem o que perderaacute a titularidade do bem

Eacute importante ainda deixar expliacutecito o fato de que toda discussatildeo em torno dos

pressupostos para a aquisiccedilatildeo pela usucapiatildeo reflete uma dada concepccedilatildeo acerca da

propriedade Debater em que circunstacircncia algueacutem pode se tornar o proprietaacuterio do

bem que eacute de outro resvala em uma avaliaccedilatildeo acerca da amplitude de formas de

atuaccedilatildeo que o proprietaacuterio estaacute legitimado a desempenhar

Do mesmo modo a possiacutevel imoralidade existente na atribuiccedilatildeo do direito de

propriedade em favor de algueacutem que viola o direito de outrem eacute decorrente de uma

visatildeo que considera moralmente aceitaacutevel que o bem objeto desse direito possa

permanecer sem um uso efetivo durante um nuacutemero maior ou menor de anos jaacute que

natildeo haacute usucapiatildeo sem a ineacutercia do titular do direito a ser usucapido

67 KATZ Larissa ldquoThe moral paradoxrdquo cit p50

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Nesse sentido ultrapassar a discussatildeo acerca das estrateacutegias de saneamento dos viacutecios

da aquisiccedilatildeo rumo a um debate aprofundado sobre as razotildees que contribuem para a

superaccedilatildeo do paradoxo moral permitiria por exemplo a consideraccedilatildeo de que mesmo

um possuidor de maacute-feacute pode dar um uso economicamente mais eficiente do que aquele

dado pelo possuidor originaacuterio68 ou que em um contexto de deacuteficit de moradias a

ideia de que ldquoo natildeo uso eacute uma forma de usordquo69 seria juriacutedica e moralmente indefensaacutevel

pois corresponderia a absolutizaccedilatildeo da propriedade

O debate moral em torno da usucapiatildeo eacute rico de possibilidades que auxiliam na

compreensatildeo adequada do instituto e tambeacutem por isso natildeo pode ser represado Quando

se vecirc tanto esforccedilo doutrinaacuterio para expurgar os viacutecios objetivos de origem o uacutenico

sentido possiacutevel para tanto eacute pressuposto de que haacute uma avaliaccedilatildeo moralmente

negativa em torno da ideia de que uma posse ldquoinjustardquo seja apta a transformar um

ldquoladratildeordquo em proprietaacuterio Mas aqui o foco estaacute todo voltado para como a posse foi

adquirida o que reduz enormemente a investigaccedilatildeo Natildeo se trata da defesa da

legitimaccedilatildeo do uso da forccedila como se fosse possiacutevel concordar com a grilagem de terras

mas justo o oposto da possibilidade de reconhecimento de que mesmo o uso da forccedila

pode ser justificado quando a efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais como os relativos agrave

moradia e ao trabalho se contrapotildeem ao natildeo uso e a especulaccedilatildeo A existecircncia do

instituto da usucapiatildeo revela em si mesma que ordenamento fez uma escolha na qual o

uso efetivo do bem estaacute em uma posiccedilatildeo hierarquicamente superior ao natildeo uso Diante

da diferenciaccedilatildeo entre justiccedila e injusticcedila formal ndash relativa agrave aquisiccedilatildeo ndash e justiccedila ou

injusticcedila material (os valores materializados em cada efetivo apossamento) abre-se a

oportunidade de discutir as bases morais econocircmicas e filosoacuteficas por meio das quais eacute

ainda hoje possiacutevel fundamentar a manutenccedilatildeo ou perda dos direitos de propriedade

titularizados por algueacutem

De todo modo para os objetivos do presente estudo a hipoacutetese testada parece poder

ser adequadamente confirmada independentemente do modelo de usucapiatildeo a ser

adotado independentemente do fundamento mais adequado para usucapiatildeo em

68 FENNEL Lee Anne ldquoEfficient trespass the case for lsquobad faithrsquo adverse possessionrdquo Northwestern University Law Review Vol100 p1035-10962006 p53 Considerando-se que apenas um imoacutevel sem um uso efetivo pode ser objeto de apossamento alheio estendido por vaacuterios anos sem uma reaccedilatildeo apropriada a manutenccedilatildeo da sua titularidade pode ser lida como uma falha de mercado que daacute corpo agrave especulaccedilatildeo a venda do imoacutevel natildeo ocorre porque o titular natildeo encontra condiccedilotildees que lhe garantam a remuneraccedilatildeo pretendida naquele momento Da mesma forma levando-se em consideraccedilatildeo que no caso brasileiro a funccedilatildeo social remete agrave obrigatoriedade do uso e que isto por sua vez desaacutegua no exerciacutecio da posse toda posse ad usucapionem poderia ser lida como a vitoacuteria do uso produtivo sobre o natildeo uso especulativo Nesse sentido a posse de maacute-feacute corresponderia agrave deliberada intenccedilatildeo de concretizar um uso socialmente uacutetil a um bem que estaacute sendo administrado de forma ineficiente 69 NASCIMENTO Tupinambaacute Miguel Castro do Posse e propriedade Porto Alegre Livraria do Advogado 1986 p10

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nenhum lugar eacute possiacutevel colocar em questatildeo o fato de que a posse exercida pelo

esbulhador eacute adversa A posse exercida por algueacutem natildeo autorizado que deseja ou

acredita que jaacute tem o direito de outrem eacute nesse sentido sempre e necessariamente uma

posse injusta

Conclusatildeo

As tentativas de saneamentos dos viacutecios satildeo incongruentes e ineficientes porque a

superaccedilatildeo do paradoxo moral existente na usucapiatildeo depende de uma reflexatildeo acerca

daquilo que a sociedade considera como moralmente justificado em torno do exerciacutecio

do direito de propriedade E desde aiacute eacute possiacutevel perceber diversos aspectos que

demonstram que o exerciacutecio da posse seja qual for a sua qualificaccedilatildeo eacute mais forte do

que o natildeo uso a existecircncia mesma do instituto da usucapiatildeo o encurtamento

generalizado dos prazos para usucapir ocorrido no acircmbito do Coacutedigo Civil em vigor

mesmo na hipoacutetese extraordinaacuteria a ampliaccedilatildeo das modalidades de usucapiatildeo como

forma de premiar o exerciacutecio dirigido agrave busca da efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais

sociais como moradia e trabalho Nesse caminho o paradoxo moral se dissolve e o

saneamento dos viacutecios passa a ser irrelevante eacute mais importante saber o que se faz da

posse do que o modo pelo qual ela foi obtida

Em tais condiccedilotildees considerar que a posse ldquoboa para usucapirrdquo seja sempre injusta ndash no

sentido de que representa uma dissonacircncia necessaacuteria com a agenda estabelecida pelo

proprietaacuterio do bem a ser usucapido ndash natildeo significa o abandono da dimensatildeo moral

existente na qualificaccedilatildeo da posse do usucapiente Esta dimensatildeo apenas se desloca em

direccedilatildeo a uma investigaccedilatildeo criteriosa acerca do conteuacutedo da posse materializada frente

agrave anaacutelise da conduta do proprietaacuterio ante ao apossamento natildeo autorizado

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TRIBUNAL DE JUSTICcedilA DO RIO DE JANEIRO ndash TJRJ Apelaccedilatildeo nordm 0003045-5320028190061 Rel Des Gilda Maria Dias Carrapatoso Julgamento 31072013 13ordf Cacircmara Ciacutevel Disponiacutevel em httpwww1tjrjjusbrgedcachewebdefaultaspxUZIP=1ampGEDID=0004CC331928D8D3A72C15733D069BD44D8BC50237206304 Acesso em 12032015

civilisticacom || a 5 n 1 2016 || 33

TRIBUNAL DE JUSTICcedilA DO RIO DE JANEIRO ndash TJRJ Apelaccedilatildeo nordm 0034331-2420108190205 Rel Des Andreacute Ribeiro Julgamento 05062013 7ordf Cacircmara Ciacutevel Disponiacutevel em httpwww1tjrjjusbrgedcachewebdefaultaspxUZIP=1ampGEDID=000421376D950C28F7B805418EEF244E6857C5022B4D2D4C Acesso em 12032015

TRIBUNAL DE JUSTICcedilA DO RIO DE JANEIRO ndash TJRJ Apelaccedilatildeo nordm 0096918-8820058190001 Rel Des Antocircnio Saldanha Palheiro Julgamento 12042011 5ordf Cacircmara Ciacutevel Disponiacutevel em httpwww1tjrjjusbrgedcachewebdefaultaspxUZIP=1ampGEDID=0003FDB81056920E5F12D511F7343C44001098C403252532 Acesso em 12032015

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civilisticacom Recebido em 18042016

Aprovado em 13052016 (1ordm parecer) 31052016 (2ordm parecer)

Como citar DANTAS Marcus Eduardo de Carvalho Toda posse ad usucapionem eacute uma posse injusta Civilisticacom Rio de Janeiro a 5 n 1 2016 Disponiacutevel em lthttpcivilisticacomtoda-posse-ad-usucapionem-e-uma-posse-injustagt Data de acesso

Page 19: Toda posse ad usucapionem é uma posse injusta

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Jaacute no direito portuguecircs o Coacutedigo Civil eacute expresso acerca da possibilidade de

saneamento dos viacutecios43 e a doutrina encampa unanimemente o entendimento de que

a posse eacute violenta ndash portanto injusta ndash apenas no tempo de duraccedilatildeo de seus efeitos44

Ou seja a posse violenta clandestina ou precaacuteria perde a condiccedilatildeo de viciosa no exato

instante em que se estabiliza Apoacutes a cessaccedilatildeo da violecircncia a posse passa a ser

perfeitamente apta a gerar a usucapiatildeo45

Mas ideia de que a posse eacute injusta apenas enquanto houver violecircncia ou

clandestinidade ao contraacuterio do direito luso natildeo tem respaldo no ordenamento

brasileiro apesar de ser defendida por nomes como os de Lenine Nequete46 e Arnoldo

Wald47 O artigo 1208 do Coacutedigo Civil alocado no capiacutetulo referente agrave aquisiccedilatildeo da

posse dispotildee claramente que ldquoNatildeo induzem posse os atos de mera permissatildeo ou

toleracircncia assim como natildeo autorizam a sua aquisiccedilatildeo os atos violentos ou clandestinos

senatildeo depois de cessar a violecircncia ou a clandestinidaderdquo Ou seja aqui enquanto a

violecircncia estiver sendo empregada natildeo haacute posse Apoacutes a sua cessaccedilatildeo a posse advinda

de tais atos eacute posse mas posse injusta48

Natildeo haacute duacutevida portanto de que o prazo de ldquoano e diardquo tem uma funccedilatildeo importante No

direito espanhol o prazo serve como marco da perda da posse da impossibilidade de

utilizaccedilatildeo das accedilotildees possessoacuterias e de saneamento dos viacutecios objetivos No direito

portuguecircs serve igualmente de referecircncia para identificaccedilatildeo do momento de perda da

posse e da caducidade da via possessoacuteria ao passo que os viacutecios satildeo considerados

sanados apoacutes a cessaccedilatildeo de seus efeitos

Em ambos os ordenamentos o expurgo dos viacutecios pela passagem do tempo tem

respaldo normativo ainda que as criacuteticas anteriormente feitas a este raciociacutenio no

direito brasileiro tambeacutem sejam aplicaacuteveis a tais sistemas natildeo havendo tambeacutem neles

nenhuma modalidade de usucapiatildeo com menos de 1 ano a ideia do saneamento da

43 Artigo 1297ordm (Posse violenta ou oculta) Se a posse tiver sido constituiacuteda com violecircncia ou tomada ocultamente os prazos da usucapiatildeo soacute comeccedilam a contar-se desde que cesse a violecircncia ou a posse se torne puacuteblica 44 Por todos CARVALHO Orlando de Direito das coisas Coimbra Coimbra Editora 2012 p283 45 FRANCcedilA PITAtildeO Joseacute Antoacutenio de Posse e usucapiatildeo Lisboa Almedina 2007 p74 FERREIRA Durval Posse e usucapiatildeo 3ordfed Lisboa Almedina 2008 p319 OLIVEIRA ASCENCcedilAtildeO Joseacute de Direito civil ndash reais cit p116 46 NEQUETE Lenine Da prescriccedilatildeo aquisitiva (usucapiatildeo) Porto Alegre Ediccedilatildeo Sulina 1954 p80 47 WALD Arnoldo Direito Civil direito das coisas Vol4 Satildeo Paulo Saraiva 2011 pp103-104 48 Segundo esclarece Joseacute Carlos Moreira Alves ldquo() para o Coacutedigo Civil brasileiro () enquanto materialmente existentes ndash ou seja enquanto se pratica a violecircncia ou haacute clandestinidade ndash impedem [tais viacutecios] a aquisiccedilatildeo ateacute da possessio ad interdicta havendo apenas detenccedilatildeo independente e uma vez cessados em sua materialidade surge a posse embora qualificada como injusta que produz as consequecircncias de qualquer posse injustardquo MOREIRA ALVES Joseacute Carlos ldquoA detenccedilatildeo no direito civil brasileiro (conceito e casos)rdquoIn CAHALI Yussef Said Posse e propriedade doutrina e jurisprudecircncia Satildeo Paulo Saraiva 1987 p20

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mesma forma que aqui natildeo tem funccedilatildeo nenhuma porque sempre que o usucapiente

tiver prazo para usucapir os viacutecios teratildeo deixado de existir

De se ressaltar ainda que o proacuteprio Silvio Rodrigues reconheceu que a sua tese natildeo

tinha fundamento legal Na nota de rodapeacute 28 do seu livro ldquoDireito das Coisasrdquo49 o

autor demonstrou que entendia que o Coacutedigo de Processo Civil de 1939 tinha extirpado

a ldquoaccedilatildeo de forccedila velha expoliativardquo do ordenamento brasileiro razatildeo pela qual para o

possuidor de mais de 1 ano e dia caberia apenas a via petitoacuteria o que sanearia o viacutecio na

aquisiccedilatildeo Isto porque segundo sua interpretaccedilatildeo ldquoBasta que ela [a posse] se estenda

pacificamente ou publicamente durante o intervalo de ano e dia para que fique

purgada de seus defeitosrdquo50 Mas o proacuteprio autor admitiu ao final da nota de rodapeacute

28 que o CPC de 73 ldquoextirpou a duacutevidardquo que poderia existir em torno da possibilidade

de accedilatildeo de reintegraccedilatildeo com mais de 1 ano e dia do esbulho que ldquomesmo intentadas

apoacutes o intervalo de ano e dia natildeo perdem o seu caraacuteter acessoacuteriordquo51 Mesmo criticando

a soluccedilatildeo do CPC reconhece que ldquo() a vontade do legislador manifestada de forma

irrefutaacutevel que deve prevalecerrdquo52 Fica claro portanto que natildeo haacute fundamento legal

para a tese de que a posse injusta se transforma em posse justa apoacutes ano e dia

6 Saneamento pelo cumprimento da funccedilatildeo social

Alguns estudos mais recentes tecircm indicado que os viacutecios objetivos da posse podem ser

considerados sanados uma vez constatado o cumprimento da funccedilatildeo social por parte do

esbulhador53

Mas o saneamento pelo cumprimento da funccedilatildeo social da posse pode ser

primeiramente criticado por que natildeo haacute qualquer dispositivo normativo em vigor no

ordenamento juriacutedico brasileiro que defina o que eacute e qual eacute o conteuacutedo da funccedilatildeo social

da posse A doutrina tem buscado dar substacircncia ao princiacutepio pela conexatildeo que

tradicionalmente eacute feita entre funccedilatildeo social da posse e a efetivaccedilatildeo de direitos

fundamentais como os de moradia e trabalho

49 RODRIGUES Silvio Direito civil Vol5 ndash direito das coisas cit p30 50 RODRIGUES Silvio Direito civil Vol5 ndash direito das coisas cit p30 51 O CPC15 eacute claro acerca do caraacuteter possessoacuterio da accedilatildeo proposta apoacutes o prazo de ldquoano e diardquo Art558 Regem o procedimento de manutenccedilatildeo e de reintegraccedilatildeo de posse as normas da Seccedilatildeo II deste Capiacutetulo quando a accedilatildeo for proposta dentro de ano e dia da turbaccedilatildeo ou do esbulho afirmado na peticcedilatildeo inicial Paraacutegrafo uacutenico Passado o prazo referido no caput seraacute comum o procedimento natildeo perdendo contudo o caraacuteter possessoacuterio 52 RODRIGUES Silvio Direito civil Vol5 ndash direito das coisas cit p30 nota28 53 MELO Marco Aureacutelio Bezerra de Curso de direito civil Vol5 ndash direito das coisas 2015 p73 FARIAS Cristiano Chaves de ROSENVALD Nelson Curso de direito civil Vol5 ndash reais cit p119

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Eacute possiacutevel tentar extrair essa conexatildeo da relaccedilatildeo entre posse e propriedade

considerando que a propriedade deve cumprir a funccedilatildeo social a posse tambeacutem deve ser

lida como subordinada a tal princiacutepio Mas se a funccedilatildeo social da propriedade eacute em

grande medida a ldquofunccedilatildeo social da posse exercida pelo proprietaacuteriordquo54 seraacute viaacutevel dizer

que o contraacuterio tambeacutem eacute verdadeiro Um possuidor de uma aacuterea de grande extensatildeo

de terra na zona rural estaacute obrigado a cumprir os mesmos preceitos direcionados ao

proprietaacuterio estabelecidos no artigo 184 da Constituiccedilatildeo E qual seria a consequecircncia

do descumprimento desse conteuacutedo por parte de quem eacute apenas o possuidor E no caso

da posse urbana qual o conteuacutedo a ser cumprido para que a funccedilatildeo social seja

contemplada

A falta de uma definiccedilatildeo sobre o conteuacutedo objetivamente definido para a funccedilatildeo social

da posse prejudica enormemente a sua utilizaccedilatildeo como criteacuterio para avaliaccedilatildeo do o

expurgo dos viacutecios objetivos Aleacutem de desnecessaacuteria a possibilidade do saneamento

atraveacutes de um princiacutepio tatildeo ldquomaleaacutevelrdquo tem como consequecircncia o seu reconhecimento

em um sem nuacutemero de situaccedilotildees tatildeo diacutespares que fica difiacutecil enxergar em que

circunstacircncia qualquer exerciacutecio regular da posse natildeo o atenderia

Nos tribunais fala-se em cumprimento da funccedilatildeo social quando a posse de um terreno eacute

utilizada para criaccedilatildeo de galinhas55 quando mesmo sem comprovar o tempo

necessaacuterio o possuidor prova que construiu lojas e quitinetes no imoacutevel que pretendia

usucapir56 ou ainda quando o imoacutevel a ser usucapido foi utilizado como garagem e aacuterea

de lazer durante o lapso temporal necessaacuterio agrave usucapiatildeo57

54 DANTAS Marcus Eduardo de Carvalho ldquoDa funccedilatildeo social da propriedade agrave funccedilatildeo social da posse exercida pelo proprietaacuterio ndash uma proposta de releitura do princiacutepio constitucionalrdquo RIL ndash Revista de Informaccedilatildeo Legislativa ano 52 n 205 p23-38 Mar 2015 p34 DANTAS Marcus Eduardo de Carvalho ldquoFunccedilatildeo social nos conflitos fundiaacuteriosrdquo Revista Direito GV Satildeo Paulo v9 n 2 p465-488 Dec 2013 p479 55 Tribunal de Justiccedila do Rio de Janeiro Apelaccedilatildeo nordm 0003045-5320028190061 Rel Des Gilda Maria

Dias Carrapatoso Julgamento 31072013 13ordf Cacircmara Ciacutevel Disponiacutevel em

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069BD44D8BC50237206304 Acesso em 12032015 56 Tribunal de Justiccedila do Rio de Janeiro Apelaccedilatildeo nordm 0034331-2420108190205 Rel Des Andreacute

Ribeiro Julgamento 05062013 7ordf Cacircmara Ciacutevel Disponiacutevel em

httpwww1tjrjjusbrgedcachewebdefaultaspxUZIP=1ampGEDID=000421376D950C28F7B805418EE

F244E6857C5022B4D2D4CAcesso em 12032015 57 Tribunal de Justiccedila do Rio de Janeiro Apelaccedilatildeo nordm 0096918-8820058190001 Rel Des Antocircnio

Saldanha Palheiro Julgamento 12042011 5ordf Cacircmara Ciacutevel Disponiacutevel em

httpwww1tjrjjusbrgedcachewebdefaultaspxUZIP=1ampGEDID=0003FDB81056920E5F12D511F73

43C44001098C403252532 Acesso em 12032015

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Natildeo se trata aqui de uma avaliaccedilatildeo moral acerca daquilo que deve ou natildeo ser

considerado como o conteuacutedo da funccedilatildeo social A questatildeo eacute que sem um conteuacutedo bem

especificado a funccedilatildeo social deixa de ser um mecanismo de qualificaccedilatildeo da posse ela

natildeo tem serventia alguma como mecanismo de diferenciaccedilatildeo Se a utilizaccedilatildeo de um

terreno como garagem e lazer corresponde ao exerciacutecio da posse com funccedilatildeo social em

que circunstacircncia o exerciacutecio puro e simples da posse natildeo corresponderia a tal

princiacutepio Basta natildeo realizar uma atividade iliacutecita para cumprir a funccedilatildeo social da

posse Qual a diferenccedila entre ldquoter posserdquo e ldquoter posse com funccedilatildeo socialrdquo

A segunda linha de criacutetica se orienta pelo fato de que nem todas as modalidades de

usucapiatildeo existentes no ordenamento brasileiro tecircm uma conexatildeo visiacutevel com os temas

tradicionalmente considerados como caracteriacutesticos da funccedilatildeo social A usucapiatildeo

extraordinaacuteria prevista no caput do artigo 1238 do Coacutedigo Civil58 por exemplo natildeo

exige do possuidor que exerccedila a posse com fins de moradia tampouco que utilize o

imoacutevel como fonte de trabalho Isso mostra que o Coacutedigo diferencia as situaccedilotildees nas

quais a posse eacute exercida como meio de efetivaccedilatildeo dos direitos tradicionalmente

afinados com uma ideia geral de funccedilatildeo social e aquelas nas quais a posse eacute exercida

regularmente mas sem tal qualificaccedilatildeo especial Em tais condiccedilotildees o entendimento de

que a injusticcedila original da posse pode ser sanada pelo cumprimento da funccedilatildeo social

para a usucapiatildeo em geral ficaria ainda uma vez sem sentido pois o diploma civil natildeo

exige que a posse seja exercida como moradia ou fonte de trabalho em todas as

modalidades da usucapiatildeo

7 O ldquoteste do uso incompatiacutevelrdquo e a funccedilatildeo da posse injusta na usucapiatildeo

Apesar de todo esforccedilo doutrinaacuterio na defesa de formas pelas quais a posse injusta pode

deixar para traacutes o seu viacutecio de origem a doutrina tem um posicionamento tatildeo soacutelido

quanto incoerente acerca do viacutecio da precariedade o de que ele natildeo convalesce nunca

O entendimento eacute defendido por quase59 a totalidade dos especialistas sob o

58 Art 1238 Aquele que por quinze anos sem interrupccedilatildeo nem oposiccedilatildeo possuir como seu um imoacutevel adquire-lhe a propriedade independentemente de tiacutetulo e boa-feacute podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentenccedila a qual serviraacute de tiacutetulo para o registro no Cartoacuterio de Registro de Imoacuteveis Paraacutegrafo uacutenico O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-aacute a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imoacutevel a sua moradia habitual ou nele realizado obras ou serviccedilos de caraacuteter produtivo

59 Francisco Eduardo Loureiro eacute uma boa exceccedilatildeo agrave leitura predominante Nesse sentido ldquoDiz-se que a posse precaacuteria nunca gera usucapiatildeo Na verdade eacute ela imprestaacutevel para usucapiatildeo natildeo porque eacute injusta mas porque o precarista natildeo tem animus domini uma vez que reconhece a supremacia e o melhor direito do terceiro sobre a coisa Caso poreacutem natildeo reconheccedila ou deixe de reconhecer essa posiccedilatildeo e revele isso de modo inequiacutevoco e claro ao titular do domiacutenio para que este possa reagir e retomar a coisa nasce nesse momento o prazo para usucapiatildeo porque o requisito animus domini estaraacute entatildeo presente LOUREIRO Francisco Eduardo ldquoDireito das coisas (arts 1196-1510)rdquo In PELUSO Cezar (Coord) Coacutedigo civil interpretado Satildeo Paulo Manole 2008 p1092-1093

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argumento de que o descumprimento do dever de restituiccedilatildeo do bem soacute deixa de existir

quando a coisa eacute devolvida Enquanto o bem permanece com o esbulhador a posse

permanece injusta e nenhuma das taacuteticas anteriormente analisadas seria suficiente

para modificar tal condiccedilatildeo

Trata-se de uma interpretaccedilatildeo no miacutenimo insoacutelita pois acaba tornando o viacutecio da

precariedade mais grave que os outros se o esbulhador usa a violecircncia fiacutesica contra a

pessoa do esbulhado ele pode ver tal viacutecio sanado das formas mais diversas se a

aquisiccedilatildeo se daacute pela recusa da restituiccedilatildeo isso natildeo seria de forma alguma possiacutevel pela

ldquoquebra da confianccedilardquo Mas por que a ldquoquebra da confianccedilardquo eacute mais grave que o uso da

forccedila fiacutesica Aleacutem de natildeo parecer razoaacutevel trata-se de uma interpretaccedilatildeo que atribui

uma vantagem injustificaacutevel em favor do proprietaacuterio Independentemente do que ele

tiver feito ou deixado de fazer para retomar o bem o fato da posse ser injusta

bloquearia a usucapiatildeo para sempre

Como indicado a discussatildeo acerca das circunstacircncias nas quais algueacutem pode se tornar

proprietaacuterio pela usucapiatildeo eacute tambeacutem uma discussatildeo acerca das condiccedilotildees nas quais

algueacutem pode legitimamente exercer o seu direito de propriedade Eacute possiacutevel

reconhecer poreacutem que a doutrina brasileira tem dado uma ecircnfase talvez desmesurada

na atuaccedilatildeo do possuidor deixando de investigar a dimensatildeo real do papel do

proprietaacuterio nesse jogo Soacute haveraacute usucapiatildeo se o proprietaacuterio de algum modo se

mantiver inerte na recuperaccedilatildeo do bem E se o proprietaacuterio deixou de tomar as

providencias necessaacuterias agrave tutela do seu direito durante um periacuteodo que pode variar de

2 a 15 anos eacute porque ele tambeacutem contribuiu para a consolidaccedilatildeo da posse do

usucapiente Como seria o cenaacuterio se a ecircnfase no processo recaiacutesse sobre o

proprietaacuterio Se independentemente da preocupaccedilatildeo com a caracterizaccedilatildeo de

eventuais viacutecios da posse incidisse principalmente sobre o titular a responsabilidade de

agir para que a usucapiatildeo natildeo se consumasse

Um caso interessante nesse sentido ndash e pouco estudado no Brasil ndash eacute o chamado

ldquoJAPye (Oxford) Ltd v Grahamrdquo ou apenas ldquoCase Pyerdquo como ficou conhecido De

forma muito resumida a empresa do ramo imobiliaacuterio JA Pye (Oxford) Ltd adquiriu

um terreno em Berkshire oeste de Londres com o objetivo de desenvolver um

empreendimento imobiliaacuterio e obteve o respectivo registro como proprietaacuteria da aacuterea

Apoacutes realizar a venda de uma parte do terreno a empresa inglesa celebrou um contrato

de 1 ano com a famiacutelia Graham por meio do qual seus integrantes ficavam autorizados a

utilizar os 25 hectares restantes da aacuterea como pasto Apoacutes o teacutermino do contrato os

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Graham procuraram a empresa com objetivo de obter uma renovaccedilatildeo mas a J A Pye

Ltd se recusou a fazecirc-lo Apesar disso Caroline e Michael Graham continuaram a

ocupar o terreno e a utilizaacute-lo como pasto por mais 12 anos com o conhecimento da

empresa mas sem o seu consentimento ainda que a J A Pye Ltd tenha se mantido

inerte quanto agraves providecircncias necessaacuterias para impedir a permanecircncia natildeo autorizada

dos Graham no local Apoacutes os 12 anos de exerciacutecio natildeo autorizado da posse os Graham

solicitaram o reconhecimento dos seus direitos sobre a referida aacuterea o que foi

concedido pelo registro com base na ldquoadverse possessionrdquo ou seja na usucapiatildeo

A decisatildeo gerou um sem nuacutemero de polecircmicas e modificaccedilotildees de rumo chegando ateacute

ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos onde no julgamento da Queixa

nordm4430202 foi dado ganho de causa ao Reino Unido e por consequecircncia agrave famiacutelia

Graham Em um primeiro momento a ldquoCourt of Appealrdquo deu decisatildeo favoraacutevel agrave

empresa ldquoPyerdquo com base entre outros motivos no fato de que a famiacutelia Graham natildeo

tinha ldquothe necessary intention to possessrdquo ou seja o acircnimo de dono Considerando-se

que no direito inglecircs vigora o chamado ldquoprocedural approachrdquo no que tange agrave usucapiatildeo

ndash a ecircnfase no aspecto processual da disputa ndash a referecircncia ao animus possidendi foi

considerada uma inovaccedilatildeo surpreendente60 De fato uma vez que os agricultores

permaneceram apenas fazendo aquilo que jaacute faziam quando do contrato em vigor os

julgadores da ldquoCourt of Appealrdquo entenderam que natildeo havia a intenccedilatildeo de passar a ser o

dono do lugar contrapondo-se frontalmente ao direito da empresa61 A decisatildeo foi

objeto de recurso agrave ldquoHouse of Lordsrdquo que deu ganho de causa agrave Caroline Graham62

Ainda inconformada a empresa ldquoPyerdquo entrou com novo recurso e como indicado o

caso chegou ateacute ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos sob a alegaccedilatildeo de que o

Reino Unido havia violado o direito de propriedade da J A Pye Ltd descumprindo a

garantia prevista no artigo 1ordm do Protocolo Adicional nordm 1 da Convenccedilatildeo Europeia dos

Direitos do Homem63 A decisatildeo final foi favoraacutevel ao Reino Unido e

60 RADLEY-GARNER Oliver ldquoCivilized Squattingrdquo Oxford Journal of Legal Studies (winter 2005) 25 (04) p728 61 A discussatildeo pode ser conhecida em httpwwwpublicationsparliamentukpald200102ldjudgmtjd020704graham-3htm Acesso em 13122014 62 O voto de maior peso no julgamento foi o de Lord Browne-Wilkinson por ter considerado que ao contraacuterio do que se exigia ateacute entatildeo a partir do momento em que os Graham continuaram a pastorear a terra sem a autorizaccedilatildeo da ldquoJAPyerdquo eles passaram a ter posse em nome proacuteprio o que independentemente de um conflito aberto seria suficiente para viabilizar a adverse possession O voto na iacutentegra pode ser lido em ldquoHouse of Lords Judgments ndash J A Pye (Oxford) Ltd and Others v Graham and Another on 4 July 2002rdquo httpwwwpublicationsparliamentukpald200102ldjudgmtjd020704graham-1htm Acesso em 13122014 63 ldquoQualquer pessoa singular ou colectiva tem direito ao respeito dos seus bens Ningueacutem pode ser privado do que eacute sua propriedade a natildeo ser por utilidade puacuteblica e nas condiccedilotildees previstas pela lei e pelos princiacutepios gerais do direito internacional

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consequentemente agrave famiacutelia Graham sob diversos argumentos Destacam-se para fins

do presente estudo a ideia de que a usucapiatildeo deve ser encarada como um mecanismo

de controle ou regulamentaccedilatildeo do uso dos bens eis que eacute de interesse geral saber quem

efetivamente eacute responsaacutevel pelo imoacutevel bem como pelos tributos decorrentes de tal

condiccedilatildeo o que remete agrave seguranccedila juriacutedica 64

Entre diversas questotildees importantes o episoacutedio mostra como em grande medida a

dogmaacutetica juriacutedica brasileira tem abordado o tema da usucapiatildeo de maneira a ampliar

os poderes do proprietaacuterio Uma atenccedilatildeo desmesurada tem sido dada agrave posse do

usucapiente sempre cheia de requisitos a cumprir escamoteando-se as

responsabilidades do titular do direito a ser usucapido

Desde logo salta aos olhos o fato de que na hipoacutetese do ldquoCase Pyerdquo o poder da famiacutelia

Graham sobre o terreno poderia no Brasil ser qualificado como uma situaccedilatildeo de mera

toleracircncia hipoacutetese na qual natildeo haveria verdadeiramente posse conforme indicaccedilatildeo do

artigo 1208 do Coacutedigo Civil brasileiro Mas eacute preciso reconhecer que apesar da empresa

ldquoPyerdquo ter ldquotoleradordquo a presenccedila dos Graham o fato eacute que a ineacutercia de ldquoPyerdquo se deu em

momento posterior agrave negativa de renovaccedilatildeo do contrato o que demonstra o interesse

em natildeo perpetuar a presenccedila da famiacutelia Graham no local A recusa agrave renovaccedilatildeo e a

ineacutercia fariam entatildeo com que a hipoacutetese passasse a ser encarada como uma ldquoposse

precaacuteriardquo justamente o viacutecio que a doutrina brasileira insiste em considerar insanaacutevel

e portanto incapaz de gerar a usucapiatildeo

Mas o episoacutedio mostra que quando algueacutem exerce posse sobre o bem de outrem

diversos pontos de vista podem ser utilizados para analisar a questatildeo o proprietaacuterio

permitiu tal exerciacutecio Ele tomou as providecircncias necessaacuterias para recuperar o bem O

possuidor adverso sabia que o bem era de outra pessoa e se negou a devolvecirc-lo

As condiccedilotildees precedentes entendem - se sem prejuiacutezo do direito que os Estados possuem de pocircr em vigor as leis que julguem necessaacuterias para a regulamentaccedilatildeo do uso dos bens de acordo com o interesse geral ou para assegurar o pagamento de impostos ou outras contribuiccedilotildees ou de multasrdquo No original ldquoThe preceding provisions shall not however in any way impair the right of a State to enforce such laws as it deems necessary to control the use of property in accordance with the general interest or to secure the payment of taxes or other contributions or penaltiesrdquo European Court of Human Rights ldquoCase JA Pye (Oxford) Ltd and JA Pye (Oxford) Land Ltd v The United Kingdom Alleged Violation of Article 1 of Protocol nordm 1 Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-82172itemid[001-82172] Acesso em 03032014 64 ABREU Abiacutelio Vassalo Titularidade Registral do Direito de Propriedade Imobiliaacuteria versus usucapiatildeo (adverse possession) Coimbra Coimbra Editora 2011 p83

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Nesses termos o modelo processual inglecircs indica que a reflexatildeo acerca da usucapiatildeo

tambeacutem deve englobar uma meditaccedilatildeo sobre a atuaccedilatildeo do proprietaacuterio na recuperaccedilatildeo

do seu direito pois nada acontece se ele agir de maneira ceacutelere Mesmo apoacutes a negativa

de permanecircncia da famiacutelia Graham a empresa Pye permaneceu 12 anos sem tomar as

providecircncias necessaacuterias para a desocupaccedilatildeo do local Eacute um espaccedilo consideraacutevel de

tempo Seria razoaacutevel entender que por ser ldquoinsanaacutevelrdquo o viacutecio da precariedade nunca

admitiria a consumaccedilatildeo da usucapiatildeo em favor dos Graham

Aleacutem de problemaacutetica essa interpretaccedilatildeo ressuscita o problema da ldquoposse eternamente

injustardquo o esbulhador nunca poderia usucapir mesmo se o esbulhado natildeo procurar

retomar a sua posse Ao que tudo indica a impossibilidade de saneamento do viacutecio da

precariedade reflete a um imperativo moral a quebra da confianccedila depositada deve ser

punida com a perenidade do caraacuteter injusto E aqui se abre a oportunidade de discutir

afinal qual eacute a funccedilatildeo da anaacutelise da injusticcedila como meio de barreira para a usucapiatildeo

Quando se faz referecircncia agraves diversas teacutecnicas de saneamento dos viacutecios eacute preciso

reconhecer que elas natildeo podem ser lidas como um modo de suplantar o fato de que a

posse do usucapiente natildeo foi autorizada e eacute exercida de forma contraacuteria aos interesses

do titular porque essa eacute uma condiccedilatildeo necessaacuteria para que a usucapiatildeo ocorra Ainda

que natildeo haja uma ldquobatalha campalrdquo em busca da posse ldquoCrucially the adverse

possessorrsquos use must be without permission (ldquoadverserdquo)rdquo65 A aquisiccedilatildeo sem autorizaccedilatildeo

e o exerciacutecio contraacuterio aos interesses do titular satildeo pressupostos para a usucapiatildeo

Em tais condiccedilotildees as estrateacutegias que visam a ldquoeliminaccedilatildeo da injusticcedilardquo pelo expurgo

dos viacutecios de origem soacute podem ser compreendidas como vias pelas quais se pretende

superar o chamado ldquoparadoxo moralrdquo66 aparentemente existente em torno da proacutepria

ideia de usucapiatildeo qual a justificativa para que algueacutem perca o seu direito de

propriedade em funccedilatildeo da atuaccedilatildeo natildeo autorizada de outra pessoa

Mas a falta de precisatildeo doutrinaacuteria na referecircncia agrave justiccedila ou injusticcedila da posse faz com

que a exigecircncia de que a posse ad usucapionem seja uma posse ldquojustardquo gere a falsa

ideia de que a atuaccedilatildeo do usucapiente estaacute em conformidade com o direito E as

estrateacutegias de saneamento reforccedilam essa confusatildeo ao se voltarem para o modo como a

posse foi adquirida Elas servem como uma justificativa para tentar amainar a ilicitude

65 MERRIL Thomas W SMITH Henry E Property Oxford Oxford University Press 2010 p36 66 KATZ Larissa ldquoThe moral paradox of adverse possession sovereignty and revolution in property lawrdquo McGill Law Journal Vol55 2010 pp47-80 cit p 59

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do apossamento mas isso eacute virtualmente impossiacutevel sem jogar o instituto em um non

sense pois a contrariedade da posse ad usucapionem eacute intriacutenseca a usucapiatildeo

Quando se diz que a posse do usucapiente eacute sempre injusta isso significa que ela natildeo

estaacute autorizada de forma alguma e se coloca sim em posiccedilatildeo de conflito (ainda que

velado) com os interesses do proprietaacuterio ou seja algueacutem vai adquirir a propriedade de

algo que jaacute tem dono e obviamente sem a colaboraccedilatildeo deste

Por isso as estrateacutegias de saneamento estatildeo por assim dizer ldquono lugar erradordquo pois

acabam mascarando a dinacircmica real do processo por meio do qual algueacutem caminha

para usucapir o bem de outrem Isto acaba ampliando as sombras existentes entre as

linhas que demarcam uma posse ldquomoralmente legitimadardquo a viabilizar a usucapiatildeo e a

adversidade sem a qual a aquisiccedilatildeo natildeo tem como se efetivar

Nessa direccedilatildeo a caracterizaccedilatildeo da posse ad usucapionem natildeo depende do saneamento

dos viacutecios objetivos pois o meio objetivo pelo qual se deu o apossamento eacute afinal

irrelevante Basta o chamado ldquoteste de uso incompatiacutevelrdquo (inconsistent use test) ou

seja da verificaccedilatildeo de que a posse natildeo autorizada se daacute em desconformidade com a

agenda estabelecida pelo proprietaacuterio do bem a ser usucapido67 Natildeo importa o modo

pelo qual tal contrariedade ganhou forma o fato eacute que ela existe e uma vez constatada

gera para o proprietaacuterio a oportunidade de se opor dentro de um determinado periacuteodo

de tempo sem o que perderaacute a titularidade do bem

Eacute importante ainda deixar expliacutecito o fato de que toda discussatildeo em torno dos

pressupostos para a aquisiccedilatildeo pela usucapiatildeo reflete uma dada concepccedilatildeo acerca da

propriedade Debater em que circunstacircncia algueacutem pode se tornar o proprietaacuterio do

bem que eacute de outro resvala em uma avaliaccedilatildeo acerca da amplitude de formas de

atuaccedilatildeo que o proprietaacuterio estaacute legitimado a desempenhar

Do mesmo modo a possiacutevel imoralidade existente na atribuiccedilatildeo do direito de

propriedade em favor de algueacutem que viola o direito de outrem eacute decorrente de uma

visatildeo que considera moralmente aceitaacutevel que o bem objeto desse direito possa

permanecer sem um uso efetivo durante um nuacutemero maior ou menor de anos jaacute que

natildeo haacute usucapiatildeo sem a ineacutercia do titular do direito a ser usucapido

67 KATZ Larissa ldquoThe moral paradoxrdquo cit p50

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Nesse sentido ultrapassar a discussatildeo acerca das estrateacutegias de saneamento dos viacutecios

da aquisiccedilatildeo rumo a um debate aprofundado sobre as razotildees que contribuem para a

superaccedilatildeo do paradoxo moral permitiria por exemplo a consideraccedilatildeo de que mesmo

um possuidor de maacute-feacute pode dar um uso economicamente mais eficiente do que aquele

dado pelo possuidor originaacuterio68 ou que em um contexto de deacuteficit de moradias a

ideia de que ldquoo natildeo uso eacute uma forma de usordquo69 seria juriacutedica e moralmente indefensaacutevel

pois corresponderia a absolutizaccedilatildeo da propriedade

O debate moral em torno da usucapiatildeo eacute rico de possibilidades que auxiliam na

compreensatildeo adequada do instituto e tambeacutem por isso natildeo pode ser represado Quando

se vecirc tanto esforccedilo doutrinaacuterio para expurgar os viacutecios objetivos de origem o uacutenico

sentido possiacutevel para tanto eacute pressuposto de que haacute uma avaliaccedilatildeo moralmente

negativa em torno da ideia de que uma posse ldquoinjustardquo seja apta a transformar um

ldquoladratildeordquo em proprietaacuterio Mas aqui o foco estaacute todo voltado para como a posse foi

adquirida o que reduz enormemente a investigaccedilatildeo Natildeo se trata da defesa da

legitimaccedilatildeo do uso da forccedila como se fosse possiacutevel concordar com a grilagem de terras

mas justo o oposto da possibilidade de reconhecimento de que mesmo o uso da forccedila

pode ser justificado quando a efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais como os relativos agrave

moradia e ao trabalho se contrapotildeem ao natildeo uso e a especulaccedilatildeo A existecircncia do

instituto da usucapiatildeo revela em si mesma que ordenamento fez uma escolha na qual o

uso efetivo do bem estaacute em uma posiccedilatildeo hierarquicamente superior ao natildeo uso Diante

da diferenciaccedilatildeo entre justiccedila e injusticcedila formal ndash relativa agrave aquisiccedilatildeo ndash e justiccedila ou

injusticcedila material (os valores materializados em cada efetivo apossamento) abre-se a

oportunidade de discutir as bases morais econocircmicas e filosoacuteficas por meio das quais eacute

ainda hoje possiacutevel fundamentar a manutenccedilatildeo ou perda dos direitos de propriedade

titularizados por algueacutem

De todo modo para os objetivos do presente estudo a hipoacutetese testada parece poder

ser adequadamente confirmada independentemente do modelo de usucapiatildeo a ser

adotado independentemente do fundamento mais adequado para usucapiatildeo em

68 FENNEL Lee Anne ldquoEfficient trespass the case for lsquobad faithrsquo adverse possessionrdquo Northwestern University Law Review Vol100 p1035-10962006 p53 Considerando-se que apenas um imoacutevel sem um uso efetivo pode ser objeto de apossamento alheio estendido por vaacuterios anos sem uma reaccedilatildeo apropriada a manutenccedilatildeo da sua titularidade pode ser lida como uma falha de mercado que daacute corpo agrave especulaccedilatildeo a venda do imoacutevel natildeo ocorre porque o titular natildeo encontra condiccedilotildees que lhe garantam a remuneraccedilatildeo pretendida naquele momento Da mesma forma levando-se em consideraccedilatildeo que no caso brasileiro a funccedilatildeo social remete agrave obrigatoriedade do uso e que isto por sua vez desaacutegua no exerciacutecio da posse toda posse ad usucapionem poderia ser lida como a vitoacuteria do uso produtivo sobre o natildeo uso especulativo Nesse sentido a posse de maacute-feacute corresponderia agrave deliberada intenccedilatildeo de concretizar um uso socialmente uacutetil a um bem que estaacute sendo administrado de forma ineficiente 69 NASCIMENTO Tupinambaacute Miguel Castro do Posse e propriedade Porto Alegre Livraria do Advogado 1986 p10

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nenhum lugar eacute possiacutevel colocar em questatildeo o fato de que a posse exercida pelo

esbulhador eacute adversa A posse exercida por algueacutem natildeo autorizado que deseja ou

acredita que jaacute tem o direito de outrem eacute nesse sentido sempre e necessariamente uma

posse injusta

Conclusatildeo

As tentativas de saneamentos dos viacutecios satildeo incongruentes e ineficientes porque a

superaccedilatildeo do paradoxo moral existente na usucapiatildeo depende de uma reflexatildeo acerca

daquilo que a sociedade considera como moralmente justificado em torno do exerciacutecio

do direito de propriedade E desde aiacute eacute possiacutevel perceber diversos aspectos que

demonstram que o exerciacutecio da posse seja qual for a sua qualificaccedilatildeo eacute mais forte do

que o natildeo uso a existecircncia mesma do instituto da usucapiatildeo o encurtamento

generalizado dos prazos para usucapir ocorrido no acircmbito do Coacutedigo Civil em vigor

mesmo na hipoacutetese extraordinaacuteria a ampliaccedilatildeo das modalidades de usucapiatildeo como

forma de premiar o exerciacutecio dirigido agrave busca da efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais

sociais como moradia e trabalho Nesse caminho o paradoxo moral se dissolve e o

saneamento dos viacutecios passa a ser irrelevante eacute mais importante saber o que se faz da

posse do que o modo pelo qual ela foi obtida

Em tais condiccedilotildees considerar que a posse ldquoboa para usucapirrdquo seja sempre injusta ndash no

sentido de que representa uma dissonacircncia necessaacuteria com a agenda estabelecida pelo

proprietaacuterio do bem a ser usucapido ndash natildeo significa o abandono da dimensatildeo moral

existente na qualificaccedilatildeo da posse do usucapiente Esta dimensatildeo apenas se desloca em

direccedilatildeo a uma investigaccedilatildeo criteriosa acerca do conteuacutedo da posse materializada frente

agrave anaacutelise da conduta do proprietaacuterio ante ao apossamento natildeo autorizado

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civilisticacom Recebido em 18042016

Aprovado em 13052016 (1ordm parecer) 31052016 (2ordm parecer)

Como citar DANTAS Marcus Eduardo de Carvalho Toda posse ad usucapionem eacute uma posse injusta Civilisticacom Rio de Janeiro a 5 n 1 2016 Disponiacutevel em lthttpcivilisticacomtoda-posse-ad-usucapionem-e-uma-posse-injustagt Data de acesso

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mesma forma que aqui natildeo tem funccedilatildeo nenhuma porque sempre que o usucapiente

tiver prazo para usucapir os viacutecios teratildeo deixado de existir

De se ressaltar ainda que o proacuteprio Silvio Rodrigues reconheceu que a sua tese natildeo

tinha fundamento legal Na nota de rodapeacute 28 do seu livro ldquoDireito das Coisasrdquo49 o

autor demonstrou que entendia que o Coacutedigo de Processo Civil de 1939 tinha extirpado

a ldquoaccedilatildeo de forccedila velha expoliativardquo do ordenamento brasileiro razatildeo pela qual para o

possuidor de mais de 1 ano e dia caberia apenas a via petitoacuteria o que sanearia o viacutecio na

aquisiccedilatildeo Isto porque segundo sua interpretaccedilatildeo ldquoBasta que ela [a posse] se estenda

pacificamente ou publicamente durante o intervalo de ano e dia para que fique

purgada de seus defeitosrdquo50 Mas o proacuteprio autor admitiu ao final da nota de rodapeacute

28 que o CPC de 73 ldquoextirpou a duacutevidardquo que poderia existir em torno da possibilidade

de accedilatildeo de reintegraccedilatildeo com mais de 1 ano e dia do esbulho que ldquomesmo intentadas

apoacutes o intervalo de ano e dia natildeo perdem o seu caraacuteter acessoacuteriordquo51 Mesmo criticando

a soluccedilatildeo do CPC reconhece que ldquo() a vontade do legislador manifestada de forma

irrefutaacutevel que deve prevalecerrdquo52 Fica claro portanto que natildeo haacute fundamento legal

para a tese de que a posse injusta se transforma em posse justa apoacutes ano e dia

6 Saneamento pelo cumprimento da funccedilatildeo social

Alguns estudos mais recentes tecircm indicado que os viacutecios objetivos da posse podem ser

considerados sanados uma vez constatado o cumprimento da funccedilatildeo social por parte do

esbulhador53

Mas o saneamento pelo cumprimento da funccedilatildeo social da posse pode ser

primeiramente criticado por que natildeo haacute qualquer dispositivo normativo em vigor no

ordenamento juriacutedico brasileiro que defina o que eacute e qual eacute o conteuacutedo da funccedilatildeo social

da posse A doutrina tem buscado dar substacircncia ao princiacutepio pela conexatildeo que

tradicionalmente eacute feita entre funccedilatildeo social da posse e a efetivaccedilatildeo de direitos

fundamentais como os de moradia e trabalho

49 RODRIGUES Silvio Direito civil Vol5 ndash direito das coisas cit p30 50 RODRIGUES Silvio Direito civil Vol5 ndash direito das coisas cit p30 51 O CPC15 eacute claro acerca do caraacuteter possessoacuterio da accedilatildeo proposta apoacutes o prazo de ldquoano e diardquo Art558 Regem o procedimento de manutenccedilatildeo e de reintegraccedilatildeo de posse as normas da Seccedilatildeo II deste Capiacutetulo quando a accedilatildeo for proposta dentro de ano e dia da turbaccedilatildeo ou do esbulho afirmado na peticcedilatildeo inicial Paraacutegrafo uacutenico Passado o prazo referido no caput seraacute comum o procedimento natildeo perdendo contudo o caraacuteter possessoacuterio 52 RODRIGUES Silvio Direito civil Vol5 ndash direito das coisas cit p30 nota28 53 MELO Marco Aureacutelio Bezerra de Curso de direito civil Vol5 ndash direito das coisas 2015 p73 FARIAS Cristiano Chaves de ROSENVALD Nelson Curso de direito civil Vol5 ndash reais cit p119

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Eacute possiacutevel tentar extrair essa conexatildeo da relaccedilatildeo entre posse e propriedade

considerando que a propriedade deve cumprir a funccedilatildeo social a posse tambeacutem deve ser

lida como subordinada a tal princiacutepio Mas se a funccedilatildeo social da propriedade eacute em

grande medida a ldquofunccedilatildeo social da posse exercida pelo proprietaacuteriordquo54 seraacute viaacutevel dizer

que o contraacuterio tambeacutem eacute verdadeiro Um possuidor de uma aacuterea de grande extensatildeo

de terra na zona rural estaacute obrigado a cumprir os mesmos preceitos direcionados ao

proprietaacuterio estabelecidos no artigo 184 da Constituiccedilatildeo E qual seria a consequecircncia

do descumprimento desse conteuacutedo por parte de quem eacute apenas o possuidor E no caso

da posse urbana qual o conteuacutedo a ser cumprido para que a funccedilatildeo social seja

contemplada

A falta de uma definiccedilatildeo sobre o conteuacutedo objetivamente definido para a funccedilatildeo social

da posse prejudica enormemente a sua utilizaccedilatildeo como criteacuterio para avaliaccedilatildeo do o

expurgo dos viacutecios objetivos Aleacutem de desnecessaacuteria a possibilidade do saneamento

atraveacutes de um princiacutepio tatildeo ldquomaleaacutevelrdquo tem como consequecircncia o seu reconhecimento

em um sem nuacutemero de situaccedilotildees tatildeo diacutespares que fica difiacutecil enxergar em que

circunstacircncia qualquer exerciacutecio regular da posse natildeo o atenderia

Nos tribunais fala-se em cumprimento da funccedilatildeo social quando a posse de um terreno eacute

utilizada para criaccedilatildeo de galinhas55 quando mesmo sem comprovar o tempo

necessaacuterio o possuidor prova que construiu lojas e quitinetes no imoacutevel que pretendia

usucapir56 ou ainda quando o imoacutevel a ser usucapido foi utilizado como garagem e aacuterea

de lazer durante o lapso temporal necessaacuterio agrave usucapiatildeo57

54 DANTAS Marcus Eduardo de Carvalho ldquoDa funccedilatildeo social da propriedade agrave funccedilatildeo social da posse exercida pelo proprietaacuterio ndash uma proposta de releitura do princiacutepio constitucionalrdquo RIL ndash Revista de Informaccedilatildeo Legislativa ano 52 n 205 p23-38 Mar 2015 p34 DANTAS Marcus Eduardo de Carvalho ldquoFunccedilatildeo social nos conflitos fundiaacuteriosrdquo Revista Direito GV Satildeo Paulo v9 n 2 p465-488 Dec 2013 p479 55 Tribunal de Justiccedila do Rio de Janeiro Apelaccedilatildeo nordm 0003045-5320028190061 Rel Des Gilda Maria

Dias Carrapatoso Julgamento 31072013 13ordf Cacircmara Ciacutevel Disponiacutevel em

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069BD44D8BC50237206304 Acesso em 12032015 56 Tribunal de Justiccedila do Rio de Janeiro Apelaccedilatildeo nordm 0034331-2420108190205 Rel Des Andreacute

Ribeiro Julgamento 05062013 7ordf Cacircmara Ciacutevel Disponiacutevel em

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F244E6857C5022B4D2D4CAcesso em 12032015 57 Tribunal de Justiccedila do Rio de Janeiro Apelaccedilatildeo nordm 0096918-8820058190001 Rel Des Antocircnio

Saldanha Palheiro Julgamento 12042011 5ordf Cacircmara Ciacutevel Disponiacutevel em

httpwww1tjrjjusbrgedcachewebdefaultaspxUZIP=1ampGEDID=0003FDB81056920E5F12D511F73

43C44001098C403252532 Acesso em 12032015

civilisticacom || a 5 n 1 2016 || 22

Natildeo se trata aqui de uma avaliaccedilatildeo moral acerca daquilo que deve ou natildeo ser

considerado como o conteuacutedo da funccedilatildeo social A questatildeo eacute que sem um conteuacutedo bem

especificado a funccedilatildeo social deixa de ser um mecanismo de qualificaccedilatildeo da posse ela

natildeo tem serventia alguma como mecanismo de diferenciaccedilatildeo Se a utilizaccedilatildeo de um

terreno como garagem e lazer corresponde ao exerciacutecio da posse com funccedilatildeo social em

que circunstacircncia o exerciacutecio puro e simples da posse natildeo corresponderia a tal

princiacutepio Basta natildeo realizar uma atividade iliacutecita para cumprir a funccedilatildeo social da

posse Qual a diferenccedila entre ldquoter posserdquo e ldquoter posse com funccedilatildeo socialrdquo

A segunda linha de criacutetica se orienta pelo fato de que nem todas as modalidades de

usucapiatildeo existentes no ordenamento brasileiro tecircm uma conexatildeo visiacutevel com os temas

tradicionalmente considerados como caracteriacutesticos da funccedilatildeo social A usucapiatildeo

extraordinaacuteria prevista no caput do artigo 1238 do Coacutedigo Civil58 por exemplo natildeo

exige do possuidor que exerccedila a posse com fins de moradia tampouco que utilize o

imoacutevel como fonte de trabalho Isso mostra que o Coacutedigo diferencia as situaccedilotildees nas

quais a posse eacute exercida como meio de efetivaccedilatildeo dos direitos tradicionalmente

afinados com uma ideia geral de funccedilatildeo social e aquelas nas quais a posse eacute exercida

regularmente mas sem tal qualificaccedilatildeo especial Em tais condiccedilotildees o entendimento de

que a injusticcedila original da posse pode ser sanada pelo cumprimento da funccedilatildeo social

para a usucapiatildeo em geral ficaria ainda uma vez sem sentido pois o diploma civil natildeo

exige que a posse seja exercida como moradia ou fonte de trabalho em todas as

modalidades da usucapiatildeo

7 O ldquoteste do uso incompatiacutevelrdquo e a funccedilatildeo da posse injusta na usucapiatildeo

Apesar de todo esforccedilo doutrinaacuterio na defesa de formas pelas quais a posse injusta pode

deixar para traacutes o seu viacutecio de origem a doutrina tem um posicionamento tatildeo soacutelido

quanto incoerente acerca do viacutecio da precariedade o de que ele natildeo convalesce nunca

O entendimento eacute defendido por quase59 a totalidade dos especialistas sob o

58 Art 1238 Aquele que por quinze anos sem interrupccedilatildeo nem oposiccedilatildeo possuir como seu um imoacutevel adquire-lhe a propriedade independentemente de tiacutetulo e boa-feacute podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentenccedila a qual serviraacute de tiacutetulo para o registro no Cartoacuterio de Registro de Imoacuteveis Paraacutegrafo uacutenico O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-aacute a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imoacutevel a sua moradia habitual ou nele realizado obras ou serviccedilos de caraacuteter produtivo

59 Francisco Eduardo Loureiro eacute uma boa exceccedilatildeo agrave leitura predominante Nesse sentido ldquoDiz-se que a posse precaacuteria nunca gera usucapiatildeo Na verdade eacute ela imprestaacutevel para usucapiatildeo natildeo porque eacute injusta mas porque o precarista natildeo tem animus domini uma vez que reconhece a supremacia e o melhor direito do terceiro sobre a coisa Caso poreacutem natildeo reconheccedila ou deixe de reconhecer essa posiccedilatildeo e revele isso de modo inequiacutevoco e claro ao titular do domiacutenio para que este possa reagir e retomar a coisa nasce nesse momento o prazo para usucapiatildeo porque o requisito animus domini estaraacute entatildeo presente LOUREIRO Francisco Eduardo ldquoDireito das coisas (arts 1196-1510)rdquo In PELUSO Cezar (Coord) Coacutedigo civil interpretado Satildeo Paulo Manole 2008 p1092-1093

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argumento de que o descumprimento do dever de restituiccedilatildeo do bem soacute deixa de existir

quando a coisa eacute devolvida Enquanto o bem permanece com o esbulhador a posse

permanece injusta e nenhuma das taacuteticas anteriormente analisadas seria suficiente

para modificar tal condiccedilatildeo

Trata-se de uma interpretaccedilatildeo no miacutenimo insoacutelita pois acaba tornando o viacutecio da

precariedade mais grave que os outros se o esbulhador usa a violecircncia fiacutesica contra a

pessoa do esbulhado ele pode ver tal viacutecio sanado das formas mais diversas se a

aquisiccedilatildeo se daacute pela recusa da restituiccedilatildeo isso natildeo seria de forma alguma possiacutevel pela

ldquoquebra da confianccedilardquo Mas por que a ldquoquebra da confianccedilardquo eacute mais grave que o uso da

forccedila fiacutesica Aleacutem de natildeo parecer razoaacutevel trata-se de uma interpretaccedilatildeo que atribui

uma vantagem injustificaacutevel em favor do proprietaacuterio Independentemente do que ele

tiver feito ou deixado de fazer para retomar o bem o fato da posse ser injusta

bloquearia a usucapiatildeo para sempre

Como indicado a discussatildeo acerca das circunstacircncias nas quais algueacutem pode se tornar

proprietaacuterio pela usucapiatildeo eacute tambeacutem uma discussatildeo acerca das condiccedilotildees nas quais

algueacutem pode legitimamente exercer o seu direito de propriedade Eacute possiacutevel

reconhecer poreacutem que a doutrina brasileira tem dado uma ecircnfase talvez desmesurada

na atuaccedilatildeo do possuidor deixando de investigar a dimensatildeo real do papel do

proprietaacuterio nesse jogo Soacute haveraacute usucapiatildeo se o proprietaacuterio de algum modo se

mantiver inerte na recuperaccedilatildeo do bem E se o proprietaacuterio deixou de tomar as

providencias necessaacuterias agrave tutela do seu direito durante um periacuteodo que pode variar de

2 a 15 anos eacute porque ele tambeacutem contribuiu para a consolidaccedilatildeo da posse do

usucapiente Como seria o cenaacuterio se a ecircnfase no processo recaiacutesse sobre o

proprietaacuterio Se independentemente da preocupaccedilatildeo com a caracterizaccedilatildeo de

eventuais viacutecios da posse incidisse principalmente sobre o titular a responsabilidade de

agir para que a usucapiatildeo natildeo se consumasse

Um caso interessante nesse sentido ndash e pouco estudado no Brasil ndash eacute o chamado

ldquoJAPye (Oxford) Ltd v Grahamrdquo ou apenas ldquoCase Pyerdquo como ficou conhecido De

forma muito resumida a empresa do ramo imobiliaacuterio JA Pye (Oxford) Ltd adquiriu

um terreno em Berkshire oeste de Londres com o objetivo de desenvolver um

empreendimento imobiliaacuterio e obteve o respectivo registro como proprietaacuteria da aacuterea

Apoacutes realizar a venda de uma parte do terreno a empresa inglesa celebrou um contrato

de 1 ano com a famiacutelia Graham por meio do qual seus integrantes ficavam autorizados a

utilizar os 25 hectares restantes da aacuterea como pasto Apoacutes o teacutermino do contrato os

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Graham procuraram a empresa com objetivo de obter uma renovaccedilatildeo mas a J A Pye

Ltd se recusou a fazecirc-lo Apesar disso Caroline e Michael Graham continuaram a

ocupar o terreno e a utilizaacute-lo como pasto por mais 12 anos com o conhecimento da

empresa mas sem o seu consentimento ainda que a J A Pye Ltd tenha se mantido

inerte quanto agraves providecircncias necessaacuterias para impedir a permanecircncia natildeo autorizada

dos Graham no local Apoacutes os 12 anos de exerciacutecio natildeo autorizado da posse os Graham

solicitaram o reconhecimento dos seus direitos sobre a referida aacuterea o que foi

concedido pelo registro com base na ldquoadverse possessionrdquo ou seja na usucapiatildeo

A decisatildeo gerou um sem nuacutemero de polecircmicas e modificaccedilotildees de rumo chegando ateacute

ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos onde no julgamento da Queixa

nordm4430202 foi dado ganho de causa ao Reino Unido e por consequecircncia agrave famiacutelia

Graham Em um primeiro momento a ldquoCourt of Appealrdquo deu decisatildeo favoraacutevel agrave

empresa ldquoPyerdquo com base entre outros motivos no fato de que a famiacutelia Graham natildeo

tinha ldquothe necessary intention to possessrdquo ou seja o acircnimo de dono Considerando-se

que no direito inglecircs vigora o chamado ldquoprocedural approachrdquo no que tange agrave usucapiatildeo

ndash a ecircnfase no aspecto processual da disputa ndash a referecircncia ao animus possidendi foi

considerada uma inovaccedilatildeo surpreendente60 De fato uma vez que os agricultores

permaneceram apenas fazendo aquilo que jaacute faziam quando do contrato em vigor os

julgadores da ldquoCourt of Appealrdquo entenderam que natildeo havia a intenccedilatildeo de passar a ser o

dono do lugar contrapondo-se frontalmente ao direito da empresa61 A decisatildeo foi

objeto de recurso agrave ldquoHouse of Lordsrdquo que deu ganho de causa agrave Caroline Graham62

Ainda inconformada a empresa ldquoPyerdquo entrou com novo recurso e como indicado o

caso chegou ateacute ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos sob a alegaccedilatildeo de que o

Reino Unido havia violado o direito de propriedade da J A Pye Ltd descumprindo a

garantia prevista no artigo 1ordm do Protocolo Adicional nordm 1 da Convenccedilatildeo Europeia dos

Direitos do Homem63 A decisatildeo final foi favoraacutevel ao Reino Unido e

60 RADLEY-GARNER Oliver ldquoCivilized Squattingrdquo Oxford Journal of Legal Studies (winter 2005) 25 (04) p728 61 A discussatildeo pode ser conhecida em httpwwwpublicationsparliamentukpald200102ldjudgmtjd020704graham-3htm Acesso em 13122014 62 O voto de maior peso no julgamento foi o de Lord Browne-Wilkinson por ter considerado que ao contraacuterio do que se exigia ateacute entatildeo a partir do momento em que os Graham continuaram a pastorear a terra sem a autorizaccedilatildeo da ldquoJAPyerdquo eles passaram a ter posse em nome proacuteprio o que independentemente de um conflito aberto seria suficiente para viabilizar a adverse possession O voto na iacutentegra pode ser lido em ldquoHouse of Lords Judgments ndash J A Pye (Oxford) Ltd and Others v Graham and Another on 4 July 2002rdquo httpwwwpublicationsparliamentukpald200102ldjudgmtjd020704graham-1htm Acesso em 13122014 63 ldquoQualquer pessoa singular ou colectiva tem direito ao respeito dos seus bens Ningueacutem pode ser privado do que eacute sua propriedade a natildeo ser por utilidade puacuteblica e nas condiccedilotildees previstas pela lei e pelos princiacutepios gerais do direito internacional

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consequentemente agrave famiacutelia Graham sob diversos argumentos Destacam-se para fins

do presente estudo a ideia de que a usucapiatildeo deve ser encarada como um mecanismo

de controle ou regulamentaccedilatildeo do uso dos bens eis que eacute de interesse geral saber quem

efetivamente eacute responsaacutevel pelo imoacutevel bem como pelos tributos decorrentes de tal

condiccedilatildeo o que remete agrave seguranccedila juriacutedica 64

Entre diversas questotildees importantes o episoacutedio mostra como em grande medida a

dogmaacutetica juriacutedica brasileira tem abordado o tema da usucapiatildeo de maneira a ampliar

os poderes do proprietaacuterio Uma atenccedilatildeo desmesurada tem sido dada agrave posse do

usucapiente sempre cheia de requisitos a cumprir escamoteando-se as

responsabilidades do titular do direito a ser usucapido

Desde logo salta aos olhos o fato de que na hipoacutetese do ldquoCase Pyerdquo o poder da famiacutelia

Graham sobre o terreno poderia no Brasil ser qualificado como uma situaccedilatildeo de mera

toleracircncia hipoacutetese na qual natildeo haveria verdadeiramente posse conforme indicaccedilatildeo do

artigo 1208 do Coacutedigo Civil brasileiro Mas eacute preciso reconhecer que apesar da empresa

ldquoPyerdquo ter ldquotoleradordquo a presenccedila dos Graham o fato eacute que a ineacutercia de ldquoPyerdquo se deu em

momento posterior agrave negativa de renovaccedilatildeo do contrato o que demonstra o interesse

em natildeo perpetuar a presenccedila da famiacutelia Graham no local A recusa agrave renovaccedilatildeo e a

ineacutercia fariam entatildeo com que a hipoacutetese passasse a ser encarada como uma ldquoposse

precaacuteriardquo justamente o viacutecio que a doutrina brasileira insiste em considerar insanaacutevel

e portanto incapaz de gerar a usucapiatildeo

Mas o episoacutedio mostra que quando algueacutem exerce posse sobre o bem de outrem

diversos pontos de vista podem ser utilizados para analisar a questatildeo o proprietaacuterio

permitiu tal exerciacutecio Ele tomou as providecircncias necessaacuterias para recuperar o bem O

possuidor adverso sabia que o bem era de outra pessoa e se negou a devolvecirc-lo

As condiccedilotildees precedentes entendem - se sem prejuiacutezo do direito que os Estados possuem de pocircr em vigor as leis que julguem necessaacuterias para a regulamentaccedilatildeo do uso dos bens de acordo com o interesse geral ou para assegurar o pagamento de impostos ou outras contribuiccedilotildees ou de multasrdquo No original ldquoThe preceding provisions shall not however in any way impair the right of a State to enforce such laws as it deems necessary to control the use of property in accordance with the general interest or to secure the payment of taxes or other contributions or penaltiesrdquo European Court of Human Rights ldquoCase JA Pye (Oxford) Ltd and JA Pye (Oxford) Land Ltd v The United Kingdom Alleged Violation of Article 1 of Protocol nordm 1 Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-82172itemid[001-82172] Acesso em 03032014 64 ABREU Abiacutelio Vassalo Titularidade Registral do Direito de Propriedade Imobiliaacuteria versus usucapiatildeo (adverse possession) Coimbra Coimbra Editora 2011 p83

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Nesses termos o modelo processual inglecircs indica que a reflexatildeo acerca da usucapiatildeo

tambeacutem deve englobar uma meditaccedilatildeo sobre a atuaccedilatildeo do proprietaacuterio na recuperaccedilatildeo

do seu direito pois nada acontece se ele agir de maneira ceacutelere Mesmo apoacutes a negativa

de permanecircncia da famiacutelia Graham a empresa Pye permaneceu 12 anos sem tomar as

providecircncias necessaacuterias para a desocupaccedilatildeo do local Eacute um espaccedilo consideraacutevel de

tempo Seria razoaacutevel entender que por ser ldquoinsanaacutevelrdquo o viacutecio da precariedade nunca

admitiria a consumaccedilatildeo da usucapiatildeo em favor dos Graham

Aleacutem de problemaacutetica essa interpretaccedilatildeo ressuscita o problema da ldquoposse eternamente

injustardquo o esbulhador nunca poderia usucapir mesmo se o esbulhado natildeo procurar

retomar a sua posse Ao que tudo indica a impossibilidade de saneamento do viacutecio da

precariedade reflete a um imperativo moral a quebra da confianccedila depositada deve ser

punida com a perenidade do caraacuteter injusto E aqui se abre a oportunidade de discutir

afinal qual eacute a funccedilatildeo da anaacutelise da injusticcedila como meio de barreira para a usucapiatildeo

Quando se faz referecircncia agraves diversas teacutecnicas de saneamento dos viacutecios eacute preciso

reconhecer que elas natildeo podem ser lidas como um modo de suplantar o fato de que a

posse do usucapiente natildeo foi autorizada e eacute exercida de forma contraacuteria aos interesses

do titular porque essa eacute uma condiccedilatildeo necessaacuteria para que a usucapiatildeo ocorra Ainda

que natildeo haja uma ldquobatalha campalrdquo em busca da posse ldquoCrucially the adverse

possessorrsquos use must be without permission (ldquoadverserdquo)rdquo65 A aquisiccedilatildeo sem autorizaccedilatildeo

e o exerciacutecio contraacuterio aos interesses do titular satildeo pressupostos para a usucapiatildeo

Em tais condiccedilotildees as estrateacutegias que visam a ldquoeliminaccedilatildeo da injusticcedilardquo pelo expurgo

dos viacutecios de origem soacute podem ser compreendidas como vias pelas quais se pretende

superar o chamado ldquoparadoxo moralrdquo66 aparentemente existente em torno da proacutepria

ideia de usucapiatildeo qual a justificativa para que algueacutem perca o seu direito de

propriedade em funccedilatildeo da atuaccedilatildeo natildeo autorizada de outra pessoa

Mas a falta de precisatildeo doutrinaacuteria na referecircncia agrave justiccedila ou injusticcedila da posse faz com

que a exigecircncia de que a posse ad usucapionem seja uma posse ldquojustardquo gere a falsa

ideia de que a atuaccedilatildeo do usucapiente estaacute em conformidade com o direito E as

estrateacutegias de saneamento reforccedilam essa confusatildeo ao se voltarem para o modo como a

posse foi adquirida Elas servem como uma justificativa para tentar amainar a ilicitude

65 MERRIL Thomas W SMITH Henry E Property Oxford Oxford University Press 2010 p36 66 KATZ Larissa ldquoThe moral paradox of adverse possession sovereignty and revolution in property lawrdquo McGill Law Journal Vol55 2010 pp47-80 cit p 59

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do apossamento mas isso eacute virtualmente impossiacutevel sem jogar o instituto em um non

sense pois a contrariedade da posse ad usucapionem eacute intriacutenseca a usucapiatildeo

Quando se diz que a posse do usucapiente eacute sempre injusta isso significa que ela natildeo

estaacute autorizada de forma alguma e se coloca sim em posiccedilatildeo de conflito (ainda que

velado) com os interesses do proprietaacuterio ou seja algueacutem vai adquirir a propriedade de

algo que jaacute tem dono e obviamente sem a colaboraccedilatildeo deste

Por isso as estrateacutegias de saneamento estatildeo por assim dizer ldquono lugar erradordquo pois

acabam mascarando a dinacircmica real do processo por meio do qual algueacutem caminha

para usucapir o bem de outrem Isto acaba ampliando as sombras existentes entre as

linhas que demarcam uma posse ldquomoralmente legitimadardquo a viabilizar a usucapiatildeo e a

adversidade sem a qual a aquisiccedilatildeo natildeo tem como se efetivar

Nessa direccedilatildeo a caracterizaccedilatildeo da posse ad usucapionem natildeo depende do saneamento

dos viacutecios objetivos pois o meio objetivo pelo qual se deu o apossamento eacute afinal

irrelevante Basta o chamado ldquoteste de uso incompatiacutevelrdquo (inconsistent use test) ou

seja da verificaccedilatildeo de que a posse natildeo autorizada se daacute em desconformidade com a

agenda estabelecida pelo proprietaacuterio do bem a ser usucapido67 Natildeo importa o modo

pelo qual tal contrariedade ganhou forma o fato eacute que ela existe e uma vez constatada

gera para o proprietaacuterio a oportunidade de se opor dentro de um determinado periacuteodo

de tempo sem o que perderaacute a titularidade do bem

Eacute importante ainda deixar expliacutecito o fato de que toda discussatildeo em torno dos

pressupostos para a aquisiccedilatildeo pela usucapiatildeo reflete uma dada concepccedilatildeo acerca da

propriedade Debater em que circunstacircncia algueacutem pode se tornar o proprietaacuterio do

bem que eacute de outro resvala em uma avaliaccedilatildeo acerca da amplitude de formas de

atuaccedilatildeo que o proprietaacuterio estaacute legitimado a desempenhar

Do mesmo modo a possiacutevel imoralidade existente na atribuiccedilatildeo do direito de

propriedade em favor de algueacutem que viola o direito de outrem eacute decorrente de uma

visatildeo que considera moralmente aceitaacutevel que o bem objeto desse direito possa

permanecer sem um uso efetivo durante um nuacutemero maior ou menor de anos jaacute que

natildeo haacute usucapiatildeo sem a ineacutercia do titular do direito a ser usucapido

67 KATZ Larissa ldquoThe moral paradoxrdquo cit p50

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Nesse sentido ultrapassar a discussatildeo acerca das estrateacutegias de saneamento dos viacutecios

da aquisiccedilatildeo rumo a um debate aprofundado sobre as razotildees que contribuem para a

superaccedilatildeo do paradoxo moral permitiria por exemplo a consideraccedilatildeo de que mesmo

um possuidor de maacute-feacute pode dar um uso economicamente mais eficiente do que aquele

dado pelo possuidor originaacuterio68 ou que em um contexto de deacuteficit de moradias a

ideia de que ldquoo natildeo uso eacute uma forma de usordquo69 seria juriacutedica e moralmente indefensaacutevel

pois corresponderia a absolutizaccedilatildeo da propriedade

O debate moral em torno da usucapiatildeo eacute rico de possibilidades que auxiliam na

compreensatildeo adequada do instituto e tambeacutem por isso natildeo pode ser represado Quando

se vecirc tanto esforccedilo doutrinaacuterio para expurgar os viacutecios objetivos de origem o uacutenico

sentido possiacutevel para tanto eacute pressuposto de que haacute uma avaliaccedilatildeo moralmente

negativa em torno da ideia de que uma posse ldquoinjustardquo seja apta a transformar um

ldquoladratildeordquo em proprietaacuterio Mas aqui o foco estaacute todo voltado para como a posse foi

adquirida o que reduz enormemente a investigaccedilatildeo Natildeo se trata da defesa da

legitimaccedilatildeo do uso da forccedila como se fosse possiacutevel concordar com a grilagem de terras

mas justo o oposto da possibilidade de reconhecimento de que mesmo o uso da forccedila

pode ser justificado quando a efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais como os relativos agrave

moradia e ao trabalho se contrapotildeem ao natildeo uso e a especulaccedilatildeo A existecircncia do

instituto da usucapiatildeo revela em si mesma que ordenamento fez uma escolha na qual o

uso efetivo do bem estaacute em uma posiccedilatildeo hierarquicamente superior ao natildeo uso Diante

da diferenciaccedilatildeo entre justiccedila e injusticcedila formal ndash relativa agrave aquisiccedilatildeo ndash e justiccedila ou

injusticcedila material (os valores materializados em cada efetivo apossamento) abre-se a

oportunidade de discutir as bases morais econocircmicas e filosoacuteficas por meio das quais eacute

ainda hoje possiacutevel fundamentar a manutenccedilatildeo ou perda dos direitos de propriedade

titularizados por algueacutem

De todo modo para os objetivos do presente estudo a hipoacutetese testada parece poder

ser adequadamente confirmada independentemente do modelo de usucapiatildeo a ser

adotado independentemente do fundamento mais adequado para usucapiatildeo em

68 FENNEL Lee Anne ldquoEfficient trespass the case for lsquobad faithrsquo adverse possessionrdquo Northwestern University Law Review Vol100 p1035-10962006 p53 Considerando-se que apenas um imoacutevel sem um uso efetivo pode ser objeto de apossamento alheio estendido por vaacuterios anos sem uma reaccedilatildeo apropriada a manutenccedilatildeo da sua titularidade pode ser lida como uma falha de mercado que daacute corpo agrave especulaccedilatildeo a venda do imoacutevel natildeo ocorre porque o titular natildeo encontra condiccedilotildees que lhe garantam a remuneraccedilatildeo pretendida naquele momento Da mesma forma levando-se em consideraccedilatildeo que no caso brasileiro a funccedilatildeo social remete agrave obrigatoriedade do uso e que isto por sua vez desaacutegua no exerciacutecio da posse toda posse ad usucapionem poderia ser lida como a vitoacuteria do uso produtivo sobre o natildeo uso especulativo Nesse sentido a posse de maacute-feacute corresponderia agrave deliberada intenccedilatildeo de concretizar um uso socialmente uacutetil a um bem que estaacute sendo administrado de forma ineficiente 69 NASCIMENTO Tupinambaacute Miguel Castro do Posse e propriedade Porto Alegre Livraria do Advogado 1986 p10

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nenhum lugar eacute possiacutevel colocar em questatildeo o fato de que a posse exercida pelo

esbulhador eacute adversa A posse exercida por algueacutem natildeo autorizado que deseja ou

acredita que jaacute tem o direito de outrem eacute nesse sentido sempre e necessariamente uma

posse injusta

Conclusatildeo

As tentativas de saneamentos dos viacutecios satildeo incongruentes e ineficientes porque a

superaccedilatildeo do paradoxo moral existente na usucapiatildeo depende de uma reflexatildeo acerca

daquilo que a sociedade considera como moralmente justificado em torno do exerciacutecio

do direito de propriedade E desde aiacute eacute possiacutevel perceber diversos aspectos que

demonstram que o exerciacutecio da posse seja qual for a sua qualificaccedilatildeo eacute mais forte do

que o natildeo uso a existecircncia mesma do instituto da usucapiatildeo o encurtamento

generalizado dos prazos para usucapir ocorrido no acircmbito do Coacutedigo Civil em vigor

mesmo na hipoacutetese extraordinaacuteria a ampliaccedilatildeo das modalidades de usucapiatildeo como

forma de premiar o exerciacutecio dirigido agrave busca da efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais

sociais como moradia e trabalho Nesse caminho o paradoxo moral se dissolve e o

saneamento dos viacutecios passa a ser irrelevante eacute mais importante saber o que se faz da

posse do que o modo pelo qual ela foi obtida

Em tais condiccedilotildees considerar que a posse ldquoboa para usucapirrdquo seja sempre injusta ndash no

sentido de que representa uma dissonacircncia necessaacuteria com a agenda estabelecida pelo

proprietaacuterio do bem a ser usucapido ndash natildeo significa o abandono da dimensatildeo moral

existente na qualificaccedilatildeo da posse do usucapiente Esta dimensatildeo apenas se desloca em

direccedilatildeo a uma investigaccedilatildeo criteriosa acerca do conteuacutedo da posse materializada frente

agrave anaacutelise da conduta do proprietaacuterio ante ao apossamento natildeo autorizado

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Aprovado em 13052016 (1ordm parecer) 31052016 (2ordm parecer)

Como citar DANTAS Marcus Eduardo de Carvalho Toda posse ad usucapionem eacute uma posse injusta Civilisticacom Rio de Janeiro a 5 n 1 2016 Disponiacutevel em lthttpcivilisticacomtoda-posse-ad-usucapionem-e-uma-posse-injustagt Data de acesso

Page 21: Toda posse ad usucapionem é uma posse injusta

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Eacute possiacutevel tentar extrair essa conexatildeo da relaccedilatildeo entre posse e propriedade

considerando que a propriedade deve cumprir a funccedilatildeo social a posse tambeacutem deve ser

lida como subordinada a tal princiacutepio Mas se a funccedilatildeo social da propriedade eacute em

grande medida a ldquofunccedilatildeo social da posse exercida pelo proprietaacuteriordquo54 seraacute viaacutevel dizer

que o contraacuterio tambeacutem eacute verdadeiro Um possuidor de uma aacuterea de grande extensatildeo

de terra na zona rural estaacute obrigado a cumprir os mesmos preceitos direcionados ao

proprietaacuterio estabelecidos no artigo 184 da Constituiccedilatildeo E qual seria a consequecircncia

do descumprimento desse conteuacutedo por parte de quem eacute apenas o possuidor E no caso

da posse urbana qual o conteuacutedo a ser cumprido para que a funccedilatildeo social seja

contemplada

A falta de uma definiccedilatildeo sobre o conteuacutedo objetivamente definido para a funccedilatildeo social

da posse prejudica enormemente a sua utilizaccedilatildeo como criteacuterio para avaliaccedilatildeo do o

expurgo dos viacutecios objetivos Aleacutem de desnecessaacuteria a possibilidade do saneamento

atraveacutes de um princiacutepio tatildeo ldquomaleaacutevelrdquo tem como consequecircncia o seu reconhecimento

em um sem nuacutemero de situaccedilotildees tatildeo diacutespares que fica difiacutecil enxergar em que

circunstacircncia qualquer exerciacutecio regular da posse natildeo o atenderia

Nos tribunais fala-se em cumprimento da funccedilatildeo social quando a posse de um terreno eacute

utilizada para criaccedilatildeo de galinhas55 quando mesmo sem comprovar o tempo

necessaacuterio o possuidor prova que construiu lojas e quitinetes no imoacutevel que pretendia

usucapir56 ou ainda quando o imoacutevel a ser usucapido foi utilizado como garagem e aacuterea

de lazer durante o lapso temporal necessaacuterio agrave usucapiatildeo57

54 DANTAS Marcus Eduardo de Carvalho ldquoDa funccedilatildeo social da propriedade agrave funccedilatildeo social da posse exercida pelo proprietaacuterio ndash uma proposta de releitura do princiacutepio constitucionalrdquo RIL ndash Revista de Informaccedilatildeo Legislativa ano 52 n 205 p23-38 Mar 2015 p34 DANTAS Marcus Eduardo de Carvalho ldquoFunccedilatildeo social nos conflitos fundiaacuteriosrdquo Revista Direito GV Satildeo Paulo v9 n 2 p465-488 Dec 2013 p479 55 Tribunal de Justiccedila do Rio de Janeiro Apelaccedilatildeo nordm 0003045-5320028190061 Rel Des Gilda Maria

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Natildeo se trata aqui de uma avaliaccedilatildeo moral acerca daquilo que deve ou natildeo ser

considerado como o conteuacutedo da funccedilatildeo social A questatildeo eacute que sem um conteuacutedo bem

especificado a funccedilatildeo social deixa de ser um mecanismo de qualificaccedilatildeo da posse ela

natildeo tem serventia alguma como mecanismo de diferenciaccedilatildeo Se a utilizaccedilatildeo de um

terreno como garagem e lazer corresponde ao exerciacutecio da posse com funccedilatildeo social em

que circunstacircncia o exerciacutecio puro e simples da posse natildeo corresponderia a tal

princiacutepio Basta natildeo realizar uma atividade iliacutecita para cumprir a funccedilatildeo social da

posse Qual a diferenccedila entre ldquoter posserdquo e ldquoter posse com funccedilatildeo socialrdquo

A segunda linha de criacutetica se orienta pelo fato de que nem todas as modalidades de

usucapiatildeo existentes no ordenamento brasileiro tecircm uma conexatildeo visiacutevel com os temas

tradicionalmente considerados como caracteriacutesticos da funccedilatildeo social A usucapiatildeo

extraordinaacuteria prevista no caput do artigo 1238 do Coacutedigo Civil58 por exemplo natildeo

exige do possuidor que exerccedila a posse com fins de moradia tampouco que utilize o

imoacutevel como fonte de trabalho Isso mostra que o Coacutedigo diferencia as situaccedilotildees nas

quais a posse eacute exercida como meio de efetivaccedilatildeo dos direitos tradicionalmente

afinados com uma ideia geral de funccedilatildeo social e aquelas nas quais a posse eacute exercida

regularmente mas sem tal qualificaccedilatildeo especial Em tais condiccedilotildees o entendimento de

que a injusticcedila original da posse pode ser sanada pelo cumprimento da funccedilatildeo social

para a usucapiatildeo em geral ficaria ainda uma vez sem sentido pois o diploma civil natildeo

exige que a posse seja exercida como moradia ou fonte de trabalho em todas as

modalidades da usucapiatildeo

7 O ldquoteste do uso incompatiacutevelrdquo e a funccedilatildeo da posse injusta na usucapiatildeo

Apesar de todo esforccedilo doutrinaacuterio na defesa de formas pelas quais a posse injusta pode

deixar para traacutes o seu viacutecio de origem a doutrina tem um posicionamento tatildeo soacutelido

quanto incoerente acerca do viacutecio da precariedade o de que ele natildeo convalesce nunca

O entendimento eacute defendido por quase59 a totalidade dos especialistas sob o

58 Art 1238 Aquele que por quinze anos sem interrupccedilatildeo nem oposiccedilatildeo possuir como seu um imoacutevel adquire-lhe a propriedade independentemente de tiacutetulo e boa-feacute podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentenccedila a qual serviraacute de tiacutetulo para o registro no Cartoacuterio de Registro de Imoacuteveis Paraacutegrafo uacutenico O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-aacute a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imoacutevel a sua moradia habitual ou nele realizado obras ou serviccedilos de caraacuteter produtivo

59 Francisco Eduardo Loureiro eacute uma boa exceccedilatildeo agrave leitura predominante Nesse sentido ldquoDiz-se que a posse precaacuteria nunca gera usucapiatildeo Na verdade eacute ela imprestaacutevel para usucapiatildeo natildeo porque eacute injusta mas porque o precarista natildeo tem animus domini uma vez que reconhece a supremacia e o melhor direito do terceiro sobre a coisa Caso poreacutem natildeo reconheccedila ou deixe de reconhecer essa posiccedilatildeo e revele isso de modo inequiacutevoco e claro ao titular do domiacutenio para que este possa reagir e retomar a coisa nasce nesse momento o prazo para usucapiatildeo porque o requisito animus domini estaraacute entatildeo presente LOUREIRO Francisco Eduardo ldquoDireito das coisas (arts 1196-1510)rdquo In PELUSO Cezar (Coord) Coacutedigo civil interpretado Satildeo Paulo Manole 2008 p1092-1093

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argumento de que o descumprimento do dever de restituiccedilatildeo do bem soacute deixa de existir

quando a coisa eacute devolvida Enquanto o bem permanece com o esbulhador a posse

permanece injusta e nenhuma das taacuteticas anteriormente analisadas seria suficiente

para modificar tal condiccedilatildeo

Trata-se de uma interpretaccedilatildeo no miacutenimo insoacutelita pois acaba tornando o viacutecio da

precariedade mais grave que os outros se o esbulhador usa a violecircncia fiacutesica contra a

pessoa do esbulhado ele pode ver tal viacutecio sanado das formas mais diversas se a

aquisiccedilatildeo se daacute pela recusa da restituiccedilatildeo isso natildeo seria de forma alguma possiacutevel pela

ldquoquebra da confianccedilardquo Mas por que a ldquoquebra da confianccedilardquo eacute mais grave que o uso da

forccedila fiacutesica Aleacutem de natildeo parecer razoaacutevel trata-se de uma interpretaccedilatildeo que atribui

uma vantagem injustificaacutevel em favor do proprietaacuterio Independentemente do que ele

tiver feito ou deixado de fazer para retomar o bem o fato da posse ser injusta

bloquearia a usucapiatildeo para sempre

Como indicado a discussatildeo acerca das circunstacircncias nas quais algueacutem pode se tornar

proprietaacuterio pela usucapiatildeo eacute tambeacutem uma discussatildeo acerca das condiccedilotildees nas quais

algueacutem pode legitimamente exercer o seu direito de propriedade Eacute possiacutevel

reconhecer poreacutem que a doutrina brasileira tem dado uma ecircnfase talvez desmesurada

na atuaccedilatildeo do possuidor deixando de investigar a dimensatildeo real do papel do

proprietaacuterio nesse jogo Soacute haveraacute usucapiatildeo se o proprietaacuterio de algum modo se

mantiver inerte na recuperaccedilatildeo do bem E se o proprietaacuterio deixou de tomar as

providencias necessaacuterias agrave tutela do seu direito durante um periacuteodo que pode variar de

2 a 15 anos eacute porque ele tambeacutem contribuiu para a consolidaccedilatildeo da posse do

usucapiente Como seria o cenaacuterio se a ecircnfase no processo recaiacutesse sobre o

proprietaacuterio Se independentemente da preocupaccedilatildeo com a caracterizaccedilatildeo de

eventuais viacutecios da posse incidisse principalmente sobre o titular a responsabilidade de

agir para que a usucapiatildeo natildeo se consumasse

Um caso interessante nesse sentido ndash e pouco estudado no Brasil ndash eacute o chamado

ldquoJAPye (Oxford) Ltd v Grahamrdquo ou apenas ldquoCase Pyerdquo como ficou conhecido De

forma muito resumida a empresa do ramo imobiliaacuterio JA Pye (Oxford) Ltd adquiriu

um terreno em Berkshire oeste de Londres com o objetivo de desenvolver um

empreendimento imobiliaacuterio e obteve o respectivo registro como proprietaacuteria da aacuterea

Apoacutes realizar a venda de uma parte do terreno a empresa inglesa celebrou um contrato

de 1 ano com a famiacutelia Graham por meio do qual seus integrantes ficavam autorizados a

utilizar os 25 hectares restantes da aacuterea como pasto Apoacutes o teacutermino do contrato os

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Graham procuraram a empresa com objetivo de obter uma renovaccedilatildeo mas a J A Pye

Ltd se recusou a fazecirc-lo Apesar disso Caroline e Michael Graham continuaram a

ocupar o terreno e a utilizaacute-lo como pasto por mais 12 anos com o conhecimento da

empresa mas sem o seu consentimento ainda que a J A Pye Ltd tenha se mantido

inerte quanto agraves providecircncias necessaacuterias para impedir a permanecircncia natildeo autorizada

dos Graham no local Apoacutes os 12 anos de exerciacutecio natildeo autorizado da posse os Graham

solicitaram o reconhecimento dos seus direitos sobre a referida aacuterea o que foi

concedido pelo registro com base na ldquoadverse possessionrdquo ou seja na usucapiatildeo

A decisatildeo gerou um sem nuacutemero de polecircmicas e modificaccedilotildees de rumo chegando ateacute

ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos onde no julgamento da Queixa

nordm4430202 foi dado ganho de causa ao Reino Unido e por consequecircncia agrave famiacutelia

Graham Em um primeiro momento a ldquoCourt of Appealrdquo deu decisatildeo favoraacutevel agrave

empresa ldquoPyerdquo com base entre outros motivos no fato de que a famiacutelia Graham natildeo

tinha ldquothe necessary intention to possessrdquo ou seja o acircnimo de dono Considerando-se

que no direito inglecircs vigora o chamado ldquoprocedural approachrdquo no que tange agrave usucapiatildeo

ndash a ecircnfase no aspecto processual da disputa ndash a referecircncia ao animus possidendi foi

considerada uma inovaccedilatildeo surpreendente60 De fato uma vez que os agricultores

permaneceram apenas fazendo aquilo que jaacute faziam quando do contrato em vigor os

julgadores da ldquoCourt of Appealrdquo entenderam que natildeo havia a intenccedilatildeo de passar a ser o

dono do lugar contrapondo-se frontalmente ao direito da empresa61 A decisatildeo foi

objeto de recurso agrave ldquoHouse of Lordsrdquo que deu ganho de causa agrave Caroline Graham62

Ainda inconformada a empresa ldquoPyerdquo entrou com novo recurso e como indicado o

caso chegou ateacute ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos sob a alegaccedilatildeo de que o

Reino Unido havia violado o direito de propriedade da J A Pye Ltd descumprindo a

garantia prevista no artigo 1ordm do Protocolo Adicional nordm 1 da Convenccedilatildeo Europeia dos

Direitos do Homem63 A decisatildeo final foi favoraacutevel ao Reino Unido e

60 RADLEY-GARNER Oliver ldquoCivilized Squattingrdquo Oxford Journal of Legal Studies (winter 2005) 25 (04) p728 61 A discussatildeo pode ser conhecida em httpwwwpublicationsparliamentukpald200102ldjudgmtjd020704graham-3htm Acesso em 13122014 62 O voto de maior peso no julgamento foi o de Lord Browne-Wilkinson por ter considerado que ao contraacuterio do que se exigia ateacute entatildeo a partir do momento em que os Graham continuaram a pastorear a terra sem a autorizaccedilatildeo da ldquoJAPyerdquo eles passaram a ter posse em nome proacuteprio o que independentemente de um conflito aberto seria suficiente para viabilizar a adverse possession O voto na iacutentegra pode ser lido em ldquoHouse of Lords Judgments ndash J A Pye (Oxford) Ltd and Others v Graham and Another on 4 July 2002rdquo httpwwwpublicationsparliamentukpald200102ldjudgmtjd020704graham-1htm Acesso em 13122014 63 ldquoQualquer pessoa singular ou colectiva tem direito ao respeito dos seus bens Ningueacutem pode ser privado do que eacute sua propriedade a natildeo ser por utilidade puacuteblica e nas condiccedilotildees previstas pela lei e pelos princiacutepios gerais do direito internacional

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consequentemente agrave famiacutelia Graham sob diversos argumentos Destacam-se para fins

do presente estudo a ideia de que a usucapiatildeo deve ser encarada como um mecanismo

de controle ou regulamentaccedilatildeo do uso dos bens eis que eacute de interesse geral saber quem

efetivamente eacute responsaacutevel pelo imoacutevel bem como pelos tributos decorrentes de tal

condiccedilatildeo o que remete agrave seguranccedila juriacutedica 64

Entre diversas questotildees importantes o episoacutedio mostra como em grande medida a

dogmaacutetica juriacutedica brasileira tem abordado o tema da usucapiatildeo de maneira a ampliar

os poderes do proprietaacuterio Uma atenccedilatildeo desmesurada tem sido dada agrave posse do

usucapiente sempre cheia de requisitos a cumprir escamoteando-se as

responsabilidades do titular do direito a ser usucapido

Desde logo salta aos olhos o fato de que na hipoacutetese do ldquoCase Pyerdquo o poder da famiacutelia

Graham sobre o terreno poderia no Brasil ser qualificado como uma situaccedilatildeo de mera

toleracircncia hipoacutetese na qual natildeo haveria verdadeiramente posse conforme indicaccedilatildeo do

artigo 1208 do Coacutedigo Civil brasileiro Mas eacute preciso reconhecer que apesar da empresa

ldquoPyerdquo ter ldquotoleradordquo a presenccedila dos Graham o fato eacute que a ineacutercia de ldquoPyerdquo se deu em

momento posterior agrave negativa de renovaccedilatildeo do contrato o que demonstra o interesse

em natildeo perpetuar a presenccedila da famiacutelia Graham no local A recusa agrave renovaccedilatildeo e a

ineacutercia fariam entatildeo com que a hipoacutetese passasse a ser encarada como uma ldquoposse

precaacuteriardquo justamente o viacutecio que a doutrina brasileira insiste em considerar insanaacutevel

e portanto incapaz de gerar a usucapiatildeo

Mas o episoacutedio mostra que quando algueacutem exerce posse sobre o bem de outrem

diversos pontos de vista podem ser utilizados para analisar a questatildeo o proprietaacuterio

permitiu tal exerciacutecio Ele tomou as providecircncias necessaacuterias para recuperar o bem O

possuidor adverso sabia que o bem era de outra pessoa e se negou a devolvecirc-lo

As condiccedilotildees precedentes entendem - se sem prejuiacutezo do direito que os Estados possuem de pocircr em vigor as leis que julguem necessaacuterias para a regulamentaccedilatildeo do uso dos bens de acordo com o interesse geral ou para assegurar o pagamento de impostos ou outras contribuiccedilotildees ou de multasrdquo No original ldquoThe preceding provisions shall not however in any way impair the right of a State to enforce such laws as it deems necessary to control the use of property in accordance with the general interest or to secure the payment of taxes or other contributions or penaltiesrdquo European Court of Human Rights ldquoCase JA Pye (Oxford) Ltd and JA Pye (Oxford) Land Ltd v The United Kingdom Alleged Violation of Article 1 of Protocol nordm 1 Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-82172itemid[001-82172] Acesso em 03032014 64 ABREU Abiacutelio Vassalo Titularidade Registral do Direito de Propriedade Imobiliaacuteria versus usucapiatildeo (adverse possession) Coimbra Coimbra Editora 2011 p83

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Nesses termos o modelo processual inglecircs indica que a reflexatildeo acerca da usucapiatildeo

tambeacutem deve englobar uma meditaccedilatildeo sobre a atuaccedilatildeo do proprietaacuterio na recuperaccedilatildeo

do seu direito pois nada acontece se ele agir de maneira ceacutelere Mesmo apoacutes a negativa

de permanecircncia da famiacutelia Graham a empresa Pye permaneceu 12 anos sem tomar as

providecircncias necessaacuterias para a desocupaccedilatildeo do local Eacute um espaccedilo consideraacutevel de

tempo Seria razoaacutevel entender que por ser ldquoinsanaacutevelrdquo o viacutecio da precariedade nunca

admitiria a consumaccedilatildeo da usucapiatildeo em favor dos Graham

Aleacutem de problemaacutetica essa interpretaccedilatildeo ressuscita o problema da ldquoposse eternamente

injustardquo o esbulhador nunca poderia usucapir mesmo se o esbulhado natildeo procurar

retomar a sua posse Ao que tudo indica a impossibilidade de saneamento do viacutecio da

precariedade reflete a um imperativo moral a quebra da confianccedila depositada deve ser

punida com a perenidade do caraacuteter injusto E aqui se abre a oportunidade de discutir

afinal qual eacute a funccedilatildeo da anaacutelise da injusticcedila como meio de barreira para a usucapiatildeo

Quando se faz referecircncia agraves diversas teacutecnicas de saneamento dos viacutecios eacute preciso

reconhecer que elas natildeo podem ser lidas como um modo de suplantar o fato de que a

posse do usucapiente natildeo foi autorizada e eacute exercida de forma contraacuteria aos interesses

do titular porque essa eacute uma condiccedilatildeo necessaacuteria para que a usucapiatildeo ocorra Ainda

que natildeo haja uma ldquobatalha campalrdquo em busca da posse ldquoCrucially the adverse

possessorrsquos use must be without permission (ldquoadverserdquo)rdquo65 A aquisiccedilatildeo sem autorizaccedilatildeo

e o exerciacutecio contraacuterio aos interesses do titular satildeo pressupostos para a usucapiatildeo

Em tais condiccedilotildees as estrateacutegias que visam a ldquoeliminaccedilatildeo da injusticcedilardquo pelo expurgo

dos viacutecios de origem soacute podem ser compreendidas como vias pelas quais se pretende

superar o chamado ldquoparadoxo moralrdquo66 aparentemente existente em torno da proacutepria

ideia de usucapiatildeo qual a justificativa para que algueacutem perca o seu direito de

propriedade em funccedilatildeo da atuaccedilatildeo natildeo autorizada de outra pessoa

Mas a falta de precisatildeo doutrinaacuteria na referecircncia agrave justiccedila ou injusticcedila da posse faz com

que a exigecircncia de que a posse ad usucapionem seja uma posse ldquojustardquo gere a falsa

ideia de que a atuaccedilatildeo do usucapiente estaacute em conformidade com o direito E as

estrateacutegias de saneamento reforccedilam essa confusatildeo ao se voltarem para o modo como a

posse foi adquirida Elas servem como uma justificativa para tentar amainar a ilicitude

65 MERRIL Thomas W SMITH Henry E Property Oxford Oxford University Press 2010 p36 66 KATZ Larissa ldquoThe moral paradox of adverse possession sovereignty and revolution in property lawrdquo McGill Law Journal Vol55 2010 pp47-80 cit p 59

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do apossamento mas isso eacute virtualmente impossiacutevel sem jogar o instituto em um non

sense pois a contrariedade da posse ad usucapionem eacute intriacutenseca a usucapiatildeo

Quando se diz que a posse do usucapiente eacute sempre injusta isso significa que ela natildeo

estaacute autorizada de forma alguma e se coloca sim em posiccedilatildeo de conflito (ainda que

velado) com os interesses do proprietaacuterio ou seja algueacutem vai adquirir a propriedade de

algo que jaacute tem dono e obviamente sem a colaboraccedilatildeo deste

Por isso as estrateacutegias de saneamento estatildeo por assim dizer ldquono lugar erradordquo pois

acabam mascarando a dinacircmica real do processo por meio do qual algueacutem caminha

para usucapir o bem de outrem Isto acaba ampliando as sombras existentes entre as

linhas que demarcam uma posse ldquomoralmente legitimadardquo a viabilizar a usucapiatildeo e a

adversidade sem a qual a aquisiccedilatildeo natildeo tem como se efetivar

Nessa direccedilatildeo a caracterizaccedilatildeo da posse ad usucapionem natildeo depende do saneamento

dos viacutecios objetivos pois o meio objetivo pelo qual se deu o apossamento eacute afinal

irrelevante Basta o chamado ldquoteste de uso incompatiacutevelrdquo (inconsistent use test) ou

seja da verificaccedilatildeo de que a posse natildeo autorizada se daacute em desconformidade com a

agenda estabelecida pelo proprietaacuterio do bem a ser usucapido67 Natildeo importa o modo

pelo qual tal contrariedade ganhou forma o fato eacute que ela existe e uma vez constatada

gera para o proprietaacuterio a oportunidade de se opor dentro de um determinado periacuteodo

de tempo sem o que perderaacute a titularidade do bem

Eacute importante ainda deixar expliacutecito o fato de que toda discussatildeo em torno dos

pressupostos para a aquisiccedilatildeo pela usucapiatildeo reflete uma dada concepccedilatildeo acerca da

propriedade Debater em que circunstacircncia algueacutem pode se tornar o proprietaacuterio do

bem que eacute de outro resvala em uma avaliaccedilatildeo acerca da amplitude de formas de

atuaccedilatildeo que o proprietaacuterio estaacute legitimado a desempenhar

Do mesmo modo a possiacutevel imoralidade existente na atribuiccedilatildeo do direito de

propriedade em favor de algueacutem que viola o direito de outrem eacute decorrente de uma

visatildeo que considera moralmente aceitaacutevel que o bem objeto desse direito possa

permanecer sem um uso efetivo durante um nuacutemero maior ou menor de anos jaacute que

natildeo haacute usucapiatildeo sem a ineacutercia do titular do direito a ser usucapido

67 KATZ Larissa ldquoThe moral paradoxrdquo cit p50

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Nesse sentido ultrapassar a discussatildeo acerca das estrateacutegias de saneamento dos viacutecios

da aquisiccedilatildeo rumo a um debate aprofundado sobre as razotildees que contribuem para a

superaccedilatildeo do paradoxo moral permitiria por exemplo a consideraccedilatildeo de que mesmo

um possuidor de maacute-feacute pode dar um uso economicamente mais eficiente do que aquele

dado pelo possuidor originaacuterio68 ou que em um contexto de deacuteficit de moradias a

ideia de que ldquoo natildeo uso eacute uma forma de usordquo69 seria juriacutedica e moralmente indefensaacutevel

pois corresponderia a absolutizaccedilatildeo da propriedade

O debate moral em torno da usucapiatildeo eacute rico de possibilidades que auxiliam na

compreensatildeo adequada do instituto e tambeacutem por isso natildeo pode ser represado Quando

se vecirc tanto esforccedilo doutrinaacuterio para expurgar os viacutecios objetivos de origem o uacutenico

sentido possiacutevel para tanto eacute pressuposto de que haacute uma avaliaccedilatildeo moralmente

negativa em torno da ideia de que uma posse ldquoinjustardquo seja apta a transformar um

ldquoladratildeordquo em proprietaacuterio Mas aqui o foco estaacute todo voltado para como a posse foi

adquirida o que reduz enormemente a investigaccedilatildeo Natildeo se trata da defesa da

legitimaccedilatildeo do uso da forccedila como se fosse possiacutevel concordar com a grilagem de terras

mas justo o oposto da possibilidade de reconhecimento de que mesmo o uso da forccedila

pode ser justificado quando a efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais como os relativos agrave

moradia e ao trabalho se contrapotildeem ao natildeo uso e a especulaccedilatildeo A existecircncia do

instituto da usucapiatildeo revela em si mesma que ordenamento fez uma escolha na qual o

uso efetivo do bem estaacute em uma posiccedilatildeo hierarquicamente superior ao natildeo uso Diante

da diferenciaccedilatildeo entre justiccedila e injusticcedila formal ndash relativa agrave aquisiccedilatildeo ndash e justiccedila ou

injusticcedila material (os valores materializados em cada efetivo apossamento) abre-se a

oportunidade de discutir as bases morais econocircmicas e filosoacuteficas por meio das quais eacute

ainda hoje possiacutevel fundamentar a manutenccedilatildeo ou perda dos direitos de propriedade

titularizados por algueacutem

De todo modo para os objetivos do presente estudo a hipoacutetese testada parece poder

ser adequadamente confirmada independentemente do modelo de usucapiatildeo a ser

adotado independentemente do fundamento mais adequado para usucapiatildeo em

68 FENNEL Lee Anne ldquoEfficient trespass the case for lsquobad faithrsquo adverse possessionrdquo Northwestern University Law Review Vol100 p1035-10962006 p53 Considerando-se que apenas um imoacutevel sem um uso efetivo pode ser objeto de apossamento alheio estendido por vaacuterios anos sem uma reaccedilatildeo apropriada a manutenccedilatildeo da sua titularidade pode ser lida como uma falha de mercado que daacute corpo agrave especulaccedilatildeo a venda do imoacutevel natildeo ocorre porque o titular natildeo encontra condiccedilotildees que lhe garantam a remuneraccedilatildeo pretendida naquele momento Da mesma forma levando-se em consideraccedilatildeo que no caso brasileiro a funccedilatildeo social remete agrave obrigatoriedade do uso e que isto por sua vez desaacutegua no exerciacutecio da posse toda posse ad usucapionem poderia ser lida como a vitoacuteria do uso produtivo sobre o natildeo uso especulativo Nesse sentido a posse de maacute-feacute corresponderia agrave deliberada intenccedilatildeo de concretizar um uso socialmente uacutetil a um bem que estaacute sendo administrado de forma ineficiente 69 NASCIMENTO Tupinambaacute Miguel Castro do Posse e propriedade Porto Alegre Livraria do Advogado 1986 p10

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nenhum lugar eacute possiacutevel colocar em questatildeo o fato de que a posse exercida pelo

esbulhador eacute adversa A posse exercida por algueacutem natildeo autorizado que deseja ou

acredita que jaacute tem o direito de outrem eacute nesse sentido sempre e necessariamente uma

posse injusta

Conclusatildeo

As tentativas de saneamentos dos viacutecios satildeo incongruentes e ineficientes porque a

superaccedilatildeo do paradoxo moral existente na usucapiatildeo depende de uma reflexatildeo acerca

daquilo que a sociedade considera como moralmente justificado em torno do exerciacutecio

do direito de propriedade E desde aiacute eacute possiacutevel perceber diversos aspectos que

demonstram que o exerciacutecio da posse seja qual for a sua qualificaccedilatildeo eacute mais forte do

que o natildeo uso a existecircncia mesma do instituto da usucapiatildeo o encurtamento

generalizado dos prazos para usucapir ocorrido no acircmbito do Coacutedigo Civil em vigor

mesmo na hipoacutetese extraordinaacuteria a ampliaccedilatildeo das modalidades de usucapiatildeo como

forma de premiar o exerciacutecio dirigido agrave busca da efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais

sociais como moradia e trabalho Nesse caminho o paradoxo moral se dissolve e o

saneamento dos viacutecios passa a ser irrelevante eacute mais importante saber o que se faz da

posse do que o modo pelo qual ela foi obtida

Em tais condiccedilotildees considerar que a posse ldquoboa para usucapirrdquo seja sempre injusta ndash no

sentido de que representa uma dissonacircncia necessaacuteria com a agenda estabelecida pelo

proprietaacuterio do bem a ser usucapido ndash natildeo significa o abandono da dimensatildeo moral

existente na qualificaccedilatildeo da posse do usucapiente Esta dimensatildeo apenas se desloca em

direccedilatildeo a uma investigaccedilatildeo criteriosa acerca do conteuacutedo da posse materializada frente

agrave anaacutelise da conduta do proprietaacuterio ante ao apossamento natildeo autorizado

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civilisticacom Recebido em 18042016

Aprovado em 13052016 (1ordm parecer) 31052016 (2ordm parecer)

Como citar DANTAS Marcus Eduardo de Carvalho Toda posse ad usucapionem eacute uma posse injusta Civilisticacom Rio de Janeiro a 5 n 1 2016 Disponiacutevel em lthttpcivilisticacomtoda-posse-ad-usucapionem-e-uma-posse-injustagt Data de acesso

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Natildeo se trata aqui de uma avaliaccedilatildeo moral acerca daquilo que deve ou natildeo ser

considerado como o conteuacutedo da funccedilatildeo social A questatildeo eacute que sem um conteuacutedo bem

especificado a funccedilatildeo social deixa de ser um mecanismo de qualificaccedilatildeo da posse ela

natildeo tem serventia alguma como mecanismo de diferenciaccedilatildeo Se a utilizaccedilatildeo de um

terreno como garagem e lazer corresponde ao exerciacutecio da posse com funccedilatildeo social em

que circunstacircncia o exerciacutecio puro e simples da posse natildeo corresponderia a tal

princiacutepio Basta natildeo realizar uma atividade iliacutecita para cumprir a funccedilatildeo social da

posse Qual a diferenccedila entre ldquoter posserdquo e ldquoter posse com funccedilatildeo socialrdquo

A segunda linha de criacutetica se orienta pelo fato de que nem todas as modalidades de

usucapiatildeo existentes no ordenamento brasileiro tecircm uma conexatildeo visiacutevel com os temas

tradicionalmente considerados como caracteriacutesticos da funccedilatildeo social A usucapiatildeo

extraordinaacuteria prevista no caput do artigo 1238 do Coacutedigo Civil58 por exemplo natildeo

exige do possuidor que exerccedila a posse com fins de moradia tampouco que utilize o

imoacutevel como fonte de trabalho Isso mostra que o Coacutedigo diferencia as situaccedilotildees nas

quais a posse eacute exercida como meio de efetivaccedilatildeo dos direitos tradicionalmente

afinados com uma ideia geral de funccedilatildeo social e aquelas nas quais a posse eacute exercida

regularmente mas sem tal qualificaccedilatildeo especial Em tais condiccedilotildees o entendimento de

que a injusticcedila original da posse pode ser sanada pelo cumprimento da funccedilatildeo social

para a usucapiatildeo em geral ficaria ainda uma vez sem sentido pois o diploma civil natildeo

exige que a posse seja exercida como moradia ou fonte de trabalho em todas as

modalidades da usucapiatildeo

7 O ldquoteste do uso incompatiacutevelrdquo e a funccedilatildeo da posse injusta na usucapiatildeo

Apesar de todo esforccedilo doutrinaacuterio na defesa de formas pelas quais a posse injusta pode

deixar para traacutes o seu viacutecio de origem a doutrina tem um posicionamento tatildeo soacutelido

quanto incoerente acerca do viacutecio da precariedade o de que ele natildeo convalesce nunca

O entendimento eacute defendido por quase59 a totalidade dos especialistas sob o

58 Art 1238 Aquele que por quinze anos sem interrupccedilatildeo nem oposiccedilatildeo possuir como seu um imoacutevel adquire-lhe a propriedade independentemente de tiacutetulo e boa-feacute podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentenccedila a qual serviraacute de tiacutetulo para o registro no Cartoacuterio de Registro de Imoacuteveis Paraacutegrafo uacutenico O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-aacute a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imoacutevel a sua moradia habitual ou nele realizado obras ou serviccedilos de caraacuteter produtivo

59 Francisco Eduardo Loureiro eacute uma boa exceccedilatildeo agrave leitura predominante Nesse sentido ldquoDiz-se que a posse precaacuteria nunca gera usucapiatildeo Na verdade eacute ela imprestaacutevel para usucapiatildeo natildeo porque eacute injusta mas porque o precarista natildeo tem animus domini uma vez que reconhece a supremacia e o melhor direito do terceiro sobre a coisa Caso poreacutem natildeo reconheccedila ou deixe de reconhecer essa posiccedilatildeo e revele isso de modo inequiacutevoco e claro ao titular do domiacutenio para que este possa reagir e retomar a coisa nasce nesse momento o prazo para usucapiatildeo porque o requisito animus domini estaraacute entatildeo presente LOUREIRO Francisco Eduardo ldquoDireito das coisas (arts 1196-1510)rdquo In PELUSO Cezar (Coord) Coacutedigo civil interpretado Satildeo Paulo Manole 2008 p1092-1093

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argumento de que o descumprimento do dever de restituiccedilatildeo do bem soacute deixa de existir

quando a coisa eacute devolvida Enquanto o bem permanece com o esbulhador a posse

permanece injusta e nenhuma das taacuteticas anteriormente analisadas seria suficiente

para modificar tal condiccedilatildeo

Trata-se de uma interpretaccedilatildeo no miacutenimo insoacutelita pois acaba tornando o viacutecio da

precariedade mais grave que os outros se o esbulhador usa a violecircncia fiacutesica contra a

pessoa do esbulhado ele pode ver tal viacutecio sanado das formas mais diversas se a

aquisiccedilatildeo se daacute pela recusa da restituiccedilatildeo isso natildeo seria de forma alguma possiacutevel pela

ldquoquebra da confianccedilardquo Mas por que a ldquoquebra da confianccedilardquo eacute mais grave que o uso da

forccedila fiacutesica Aleacutem de natildeo parecer razoaacutevel trata-se de uma interpretaccedilatildeo que atribui

uma vantagem injustificaacutevel em favor do proprietaacuterio Independentemente do que ele

tiver feito ou deixado de fazer para retomar o bem o fato da posse ser injusta

bloquearia a usucapiatildeo para sempre

Como indicado a discussatildeo acerca das circunstacircncias nas quais algueacutem pode se tornar

proprietaacuterio pela usucapiatildeo eacute tambeacutem uma discussatildeo acerca das condiccedilotildees nas quais

algueacutem pode legitimamente exercer o seu direito de propriedade Eacute possiacutevel

reconhecer poreacutem que a doutrina brasileira tem dado uma ecircnfase talvez desmesurada

na atuaccedilatildeo do possuidor deixando de investigar a dimensatildeo real do papel do

proprietaacuterio nesse jogo Soacute haveraacute usucapiatildeo se o proprietaacuterio de algum modo se

mantiver inerte na recuperaccedilatildeo do bem E se o proprietaacuterio deixou de tomar as

providencias necessaacuterias agrave tutela do seu direito durante um periacuteodo que pode variar de

2 a 15 anos eacute porque ele tambeacutem contribuiu para a consolidaccedilatildeo da posse do

usucapiente Como seria o cenaacuterio se a ecircnfase no processo recaiacutesse sobre o

proprietaacuterio Se independentemente da preocupaccedilatildeo com a caracterizaccedilatildeo de

eventuais viacutecios da posse incidisse principalmente sobre o titular a responsabilidade de

agir para que a usucapiatildeo natildeo se consumasse

Um caso interessante nesse sentido ndash e pouco estudado no Brasil ndash eacute o chamado

ldquoJAPye (Oxford) Ltd v Grahamrdquo ou apenas ldquoCase Pyerdquo como ficou conhecido De

forma muito resumida a empresa do ramo imobiliaacuterio JA Pye (Oxford) Ltd adquiriu

um terreno em Berkshire oeste de Londres com o objetivo de desenvolver um

empreendimento imobiliaacuterio e obteve o respectivo registro como proprietaacuteria da aacuterea

Apoacutes realizar a venda de uma parte do terreno a empresa inglesa celebrou um contrato

de 1 ano com a famiacutelia Graham por meio do qual seus integrantes ficavam autorizados a

utilizar os 25 hectares restantes da aacuterea como pasto Apoacutes o teacutermino do contrato os

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Graham procuraram a empresa com objetivo de obter uma renovaccedilatildeo mas a J A Pye

Ltd se recusou a fazecirc-lo Apesar disso Caroline e Michael Graham continuaram a

ocupar o terreno e a utilizaacute-lo como pasto por mais 12 anos com o conhecimento da

empresa mas sem o seu consentimento ainda que a J A Pye Ltd tenha se mantido

inerte quanto agraves providecircncias necessaacuterias para impedir a permanecircncia natildeo autorizada

dos Graham no local Apoacutes os 12 anos de exerciacutecio natildeo autorizado da posse os Graham

solicitaram o reconhecimento dos seus direitos sobre a referida aacuterea o que foi

concedido pelo registro com base na ldquoadverse possessionrdquo ou seja na usucapiatildeo

A decisatildeo gerou um sem nuacutemero de polecircmicas e modificaccedilotildees de rumo chegando ateacute

ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos onde no julgamento da Queixa

nordm4430202 foi dado ganho de causa ao Reino Unido e por consequecircncia agrave famiacutelia

Graham Em um primeiro momento a ldquoCourt of Appealrdquo deu decisatildeo favoraacutevel agrave

empresa ldquoPyerdquo com base entre outros motivos no fato de que a famiacutelia Graham natildeo

tinha ldquothe necessary intention to possessrdquo ou seja o acircnimo de dono Considerando-se

que no direito inglecircs vigora o chamado ldquoprocedural approachrdquo no que tange agrave usucapiatildeo

ndash a ecircnfase no aspecto processual da disputa ndash a referecircncia ao animus possidendi foi

considerada uma inovaccedilatildeo surpreendente60 De fato uma vez que os agricultores

permaneceram apenas fazendo aquilo que jaacute faziam quando do contrato em vigor os

julgadores da ldquoCourt of Appealrdquo entenderam que natildeo havia a intenccedilatildeo de passar a ser o

dono do lugar contrapondo-se frontalmente ao direito da empresa61 A decisatildeo foi

objeto de recurso agrave ldquoHouse of Lordsrdquo que deu ganho de causa agrave Caroline Graham62

Ainda inconformada a empresa ldquoPyerdquo entrou com novo recurso e como indicado o

caso chegou ateacute ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos sob a alegaccedilatildeo de que o

Reino Unido havia violado o direito de propriedade da J A Pye Ltd descumprindo a

garantia prevista no artigo 1ordm do Protocolo Adicional nordm 1 da Convenccedilatildeo Europeia dos

Direitos do Homem63 A decisatildeo final foi favoraacutevel ao Reino Unido e

60 RADLEY-GARNER Oliver ldquoCivilized Squattingrdquo Oxford Journal of Legal Studies (winter 2005) 25 (04) p728 61 A discussatildeo pode ser conhecida em httpwwwpublicationsparliamentukpald200102ldjudgmtjd020704graham-3htm Acesso em 13122014 62 O voto de maior peso no julgamento foi o de Lord Browne-Wilkinson por ter considerado que ao contraacuterio do que se exigia ateacute entatildeo a partir do momento em que os Graham continuaram a pastorear a terra sem a autorizaccedilatildeo da ldquoJAPyerdquo eles passaram a ter posse em nome proacuteprio o que independentemente de um conflito aberto seria suficiente para viabilizar a adverse possession O voto na iacutentegra pode ser lido em ldquoHouse of Lords Judgments ndash J A Pye (Oxford) Ltd and Others v Graham and Another on 4 July 2002rdquo httpwwwpublicationsparliamentukpald200102ldjudgmtjd020704graham-1htm Acesso em 13122014 63 ldquoQualquer pessoa singular ou colectiva tem direito ao respeito dos seus bens Ningueacutem pode ser privado do que eacute sua propriedade a natildeo ser por utilidade puacuteblica e nas condiccedilotildees previstas pela lei e pelos princiacutepios gerais do direito internacional

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consequentemente agrave famiacutelia Graham sob diversos argumentos Destacam-se para fins

do presente estudo a ideia de que a usucapiatildeo deve ser encarada como um mecanismo

de controle ou regulamentaccedilatildeo do uso dos bens eis que eacute de interesse geral saber quem

efetivamente eacute responsaacutevel pelo imoacutevel bem como pelos tributos decorrentes de tal

condiccedilatildeo o que remete agrave seguranccedila juriacutedica 64

Entre diversas questotildees importantes o episoacutedio mostra como em grande medida a

dogmaacutetica juriacutedica brasileira tem abordado o tema da usucapiatildeo de maneira a ampliar

os poderes do proprietaacuterio Uma atenccedilatildeo desmesurada tem sido dada agrave posse do

usucapiente sempre cheia de requisitos a cumprir escamoteando-se as

responsabilidades do titular do direito a ser usucapido

Desde logo salta aos olhos o fato de que na hipoacutetese do ldquoCase Pyerdquo o poder da famiacutelia

Graham sobre o terreno poderia no Brasil ser qualificado como uma situaccedilatildeo de mera

toleracircncia hipoacutetese na qual natildeo haveria verdadeiramente posse conforme indicaccedilatildeo do

artigo 1208 do Coacutedigo Civil brasileiro Mas eacute preciso reconhecer que apesar da empresa

ldquoPyerdquo ter ldquotoleradordquo a presenccedila dos Graham o fato eacute que a ineacutercia de ldquoPyerdquo se deu em

momento posterior agrave negativa de renovaccedilatildeo do contrato o que demonstra o interesse

em natildeo perpetuar a presenccedila da famiacutelia Graham no local A recusa agrave renovaccedilatildeo e a

ineacutercia fariam entatildeo com que a hipoacutetese passasse a ser encarada como uma ldquoposse

precaacuteriardquo justamente o viacutecio que a doutrina brasileira insiste em considerar insanaacutevel

e portanto incapaz de gerar a usucapiatildeo

Mas o episoacutedio mostra que quando algueacutem exerce posse sobre o bem de outrem

diversos pontos de vista podem ser utilizados para analisar a questatildeo o proprietaacuterio

permitiu tal exerciacutecio Ele tomou as providecircncias necessaacuterias para recuperar o bem O

possuidor adverso sabia que o bem era de outra pessoa e se negou a devolvecirc-lo

As condiccedilotildees precedentes entendem - se sem prejuiacutezo do direito que os Estados possuem de pocircr em vigor as leis que julguem necessaacuterias para a regulamentaccedilatildeo do uso dos bens de acordo com o interesse geral ou para assegurar o pagamento de impostos ou outras contribuiccedilotildees ou de multasrdquo No original ldquoThe preceding provisions shall not however in any way impair the right of a State to enforce such laws as it deems necessary to control the use of property in accordance with the general interest or to secure the payment of taxes or other contributions or penaltiesrdquo European Court of Human Rights ldquoCase JA Pye (Oxford) Ltd and JA Pye (Oxford) Land Ltd v The United Kingdom Alleged Violation of Article 1 of Protocol nordm 1 Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-82172itemid[001-82172] Acesso em 03032014 64 ABREU Abiacutelio Vassalo Titularidade Registral do Direito de Propriedade Imobiliaacuteria versus usucapiatildeo (adverse possession) Coimbra Coimbra Editora 2011 p83

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Nesses termos o modelo processual inglecircs indica que a reflexatildeo acerca da usucapiatildeo

tambeacutem deve englobar uma meditaccedilatildeo sobre a atuaccedilatildeo do proprietaacuterio na recuperaccedilatildeo

do seu direito pois nada acontece se ele agir de maneira ceacutelere Mesmo apoacutes a negativa

de permanecircncia da famiacutelia Graham a empresa Pye permaneceu 12 anos sem tomar as

providecircncias necessaacuterias para a desocupaccedilatildeo do local Eacute um espaccedilo consideraacutevel de

tempo Seria razoaacutevel entender que por ser ldquoinsanaacutevelrdquo o viacutecio da precariedade nunca

admitiria a consumaccedilatildeo da usucapiatildeo em favor dos Graham

Aleacutem de problemaacutetica essa interpretaccedilatildeo ressuscita o problema da ldquoposse eternamente

injustardquo o esbulhador nunca poderia usucapir mesmo se o esbulhado natildeo procurar

retomar a sua posse Ao que tudo indica a impossibilidade de saneamento do viacutecio da

precariedade reflete a um imperativo moral a quebra da confianccedila depositada deve ser

punida com a perenidade do caraacuteter injusto E aqui se abre a oportunidade de discutir

afinal qual eacute a funccedilatildeo da anaacutelise da injusticcedila como meio de barreira para a usucapiatildeo

Quando se faz referecircncia agraves diversas teacutecnicas de saneamento dos viacutecios eacute preciso

reconhecer que elas natildeo podem ser lidas como um modo de suplantar o fato de que a

posse do usucapiente natildeo foi autorizada e eacute exercida de forma contraacuteria aos interesses

do titular porque essa eacute uma condiccedilatildeo necessaacuteria para que a usucapiatildeo ocorra Ainda

que natildeo haja uma ldquobatalha campalrdquo em busca da posse ldquoCrucially the adverse

possessorrsquos use must be without permission (ldquoadverserdquo)rdquo65 A aquisiccedilatildeo sem autorizaccedilatildeo

e o exerciacutecio contraacuterio aos interesses do titular satildeo pressupostos para a usucapiatildeo

Em tais condiccedilotildees as estrateacutegias que visam a ldquoeliminaccedilatildeo da injusticcedilardquo pelo expurgo

dos viacutecios de origem soacute podem ser compreendidas como vias pelas quais se pretende

superar o chamado ldquoparadoxo moralrdquo66 aparentemente existente em torno da proacutepria

ideia de usucapiatildeo qual a justificativa para que algueacutem perca o seu direito de

propriedade em funccedilatildeo da atuaccedilatildeo natildeo autorizada de outra pessoa

Mas a falta de precisatildeo doutrinaacuteria na referecircncia agrave justiccedila ou injusticcedila da posse faz com

que a exigecircncia de que a posse ad usucapionem seja uma posse ldquojustardquo gere a falsa

ideia de que a atuaccedilatildeo do usucapiente estaacute em conformidade com o direito E as

estrateacutegias de saneamento reforccedilam essa confusatildeo ao se voltarem para o modo como a

posse foi adquirida Elas servem como uma justificativa para tentar amainar a ilicitude

65 MERRIL Thomas W SMITH Henry E Property Oxford Oxford University Press 2010 p36 66 KATZ Larissa ldquoThe moral paradox of adverse possession sovereignty and revolution in property lawrdquo McGill Law Journal Vol55 2010 pp47-80 cit p 59

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do apossamento mas isso eacute virtualmente impossiacutevel sem jogar o instituto em um non

sense pois a contrariedade da posse ad usucapionem eacute intriacutenseca a usucapiatildeo

Quando se diz que a posse do usucapiente eacute sempre injusta isso significa que ela natildeo

estaacute autorizada de forma alguma e se coloca sim em posiccedilatildeo de conflito (ainda que

velado) com os interesses do proprietaacuterio ou seja algueacutem vai adquirir a propriedade de

algo que jaacute tem dono e obviamente sem a colaboraccedilatildeo deste

Por isso as estrateacutegias de saneamento estatildeo por assim dizer ldquono lugar erradordquo pois

acabam mascarando a dinacircmica real do processo por meio do qual algueacutem caminha

para usucapir o bem de outrem Isto acaba ampliando as sombras existentes entre as

linhas que demarcam uma posse ldquomoralmente legitimadardquo a viabilizar a usucapiatildeo e a

adversidade sem a qual a aquisiccedilatildeo natildeo tem como se efetivar

Nessa direccedilatildeo a caracterizaccedilatildeo da posse ad usucapionem natildeo depende do saneamento

dos viacutecios objetivos pois o meio objetivo pelo qual se deu o apossamento eacute afinal

irrelevante Basta o chamado ldquoteste de uso incompatiacutevelrdquo (inconsistent use test) ou

seja da verificaccedilatildeo de que a posse natildeo autorizada se daacute em desconformidade com a

agenda estabelecida pelo proprietaacuterio do bem a ser usucapido67 Natildeo importa o modo

pelo qual tal contrariedade ganhou forma o fato eacute que ela existe e uma vez constatada

gera para o proprietaacuterio a oportunidade de se opor dentro de um determinado periacuteodo

de tempo sem o que perderaacute a titularidade do bem

Eacute importante ainda deixar expliacutecito o fato de que toda discussatildeo em torno dos

pressupostos para a aquisiccedilatildeo pela usucapiatildeo reflete uma dada concepccedilatildeo acerca da

propriedade Debater em que circunstacircncia algueacutem pode se tornar o proprietaacuterio do

bem que eacute de outro resvala em uma avaliaccedilatildeo acerca da amplitude de formas de

atuaccedilatildeo que o proprietaacuterio estaacute legitimado a desempenhar

Do mesmo modo a possiacutevel imoralidade existente na atribuiccedilatildeo do direito de

propriedade em favor de algueacutem que viola o direito de outrem eacute decorrente de uma

visatildeo que considera moralmente aceitaacutevel que o bem objeto desse direito possa

permanecer sem um uso efetivo durante um nuacutemero maior ou menor de anos jaacute que

natildeo haacute usucapiatildeo sem a ineacutercia do titular do direito a ser usucapido

67 KATZ Larissa ldquoThe moral paradoxrdquo cit p50

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Nesse sentido ultrapassar a discussatildeo acerca das estrateacutegias de saneamento dos viacutecios

da aquisiccedilatildeo rumo a um debate aprofundado sobre as razotildees que contribuem para a

superaccedilatildeo do paradoxo moral permitiria por exemplo a consideraccedilatildeo de que mesmo

um possuidor de maacute-feacute pode dar um uso economicamente mais eficiente do que aquele

dado pelo possuidor originaacuterio68 ou que em um contexto de deacuteficit de moradias a

ideia de que ldquoo natildeo uso eacute uma forma de usordquo69 seria juriacutedica e moralmente indefensaacutevel

pois corresponderia a absolutizaccedilatildeo da propriedade

O debate moral em torno da usucapiatildeo eacute rico de possibilidades que auxiliam na

compreensatildeo adequada do instituto e tambeacutem por isso natildeo pode ser represado Quando

se vecirc tanto esforccedilo doutrinaacuterio para expurgar os viacutecios objetivos de origem o uacutenico

sentido possiacutevel para tanto eacute pressuposto de que haacute uma avaliaccedilatildeo moralmente

negativa em torno da ideia de que uma posse ldquoinjustardquo seja apta a transformar um

ldquoladratildeordquo em proprietaacuterio Mas aqui o foco estaacute todo voltado para como a posse foi

adquirida o que reduz enormemente a investigaccedilatildeo Natildeo se trata da defesa da

legitimaccedilatildeo do uso da forccedila como se fosse possiacutevel concordar com a grilagem de terras

mas justo o oposto da possibilidade de reconhecimento de que mesmo o uso da forccedila

pode ser justificado quando a efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais como os relativos agrave

moradia e ao trabalho se contrapotildeem ao natildeo uso e a especulaccedilatildeo A existecircncia do

instituto da usucapiatildeo revela em si mesma que ordenamento fez uma escolha na qual o

uso efetivo do bem estaacute em uma posiccedilatildeo hierarquicamente superior ao natildeo uso Diante

da diferenciaccedilatildeo entre justiccedila e injusticcedila formal ndash relativa agrave aquisiccedilatildeo ndash e justiccedila ou

injusticcedila material (os valores materializados em cada efetivo apossamento) abre-se a

oportunidade de discutir as bases morais econocircmicas e filosoacuteficas por meio das quais eacute

ainda hoje possiacutevel fundamentar a manutenccedilatildeo ou perda dos direitos de propriedade

titularizados por algueacutem

De todo modo para os objetivos do presente estudo a hipoacutetese testada parece poder

ser adequadamente confirmada independentemente do modelo de usucapiatildeo a ser

adotado independentemente do fundamento mais adequado para usucapiatildeo em

68 FENNEL Lee Anne ldquoEfficient trespass the case for lsquobad faithrsquo adverse possessionrdquo Northwestern University Law Review Vol100 p1035-10962006 p53 Considerando-se que apenas um imoacutevel sem um uso efetivo pode ser objeto de apossamento alheio estendido por vaacuterios anos sem uma reaccedilatildeo apropriada a manutenccedilatildeo da sua titularidade pode ser lida como uma falha de mercado que daacute corpo agrave especulaccedilatildeo a venda do imoacutevel natildeo ocorre porque o titular natildeo encontra condiccedilotildees que lhe garantam a remuneraccedilatildeo pretendida naquele momento Da mesma forma levando-se em consideraccedilatildeo que no caso brasileiro a funccedilatildeo social remete agrave obrigatoriedade do uso e que isto por sua vez desaacutegua no exerciacutecio da posse toda posse ad usucapionem poderia ser lida como a vitoacuteria do uso produtivo sobre o natildeo uso especulativo Nesse sentido a posse de maacute-feacute corresponderia agrave deliberada intenccedilatildeo de concretizar um uso socialmente uacutetil a um bem que estaacute sendo administrado de forma ineficiente 69 NASCIMENTO Tupinambaacute Miguel Castro do Posse e propriedade Porto Alegre Livraria do Advogado 1986 p10

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nenhum lugar eacute possiacutevel colocar em questatildeo o fato de que a posse exercida pelo

esbulhador eacute adversa A posse exercida por algueacutem natildeo autorizado que deseja ou

acredita que jaacute tem o direito de outrem eacute nesse sentido sempre e necessariamente uma

posse injusta

Conclusatildeo

As tentativas de saneamentos dos viacutecios satildeo incongruentes e ineficientes porque a

superaccedilatildeo do paradoxo moral existente na usucapiatildeo depende de uma reflexatildeo acerca

daquilo que a sociedade considera como moralmente justificado em torno do exerciacutecio

do direito de propriedade E desde aiacute eacute possiacutevel perceber diversos aspectos que

demonstram que o exerciacutecio da posse seja qual for a sua qualificaccedilatildeo eacute mais forte do

que o natildeo uso a existecircncia mesma do instituto da usucapiatildeo o encurtamento

generalizado dos prazos para usucapir ocorrido no acircmbito do Coacutedigo Civil em vigor

mesmo na hipoacutetese extraordinaacuteria a ampliaccedilatildeo das modalidades de usucapiatildeo como

forma de premiar o exerciacutecio dirigido agrave busca da efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais

sociais como moradia e trabalho Nesse caminho o paradoxo moral se dissolve e o

saneamento dos viacutecios passa a ser irrelevante eacute mais importante saber o que se faz da

posse do que o modo pelo qual ela foi obtida

Em tais condiccedilotildees considerar que a posse ldquoboa para usucapirrdquo seja sempre injusta ndash no

sentido de que representa uma dissonacircncia necessaacuteria com a agenda estabelecida pelo

proprietaacuterio do bem a ser usucapido ndash natildeo significa o abandono da dimensatildeo moral

existente na qualificaccedilatildeo da posse do usucapiente Esta dimensatildeo apenas se desloca em

direccedilatildeo a uma investigaccedilatildeo criteriosa acerca do conteuacutedo da posse materializada frente

agrave anaacutelise da conduta do proprietaacuterio ante ao apossamento natildeo autorizado

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Como citar DANTAS Marcus Eduardo de Carvalho Toda posse ad usucapionem eacute uma posse injusta Civilisticacom Rio de Janeiro a 5 n 1 2016 Disponiacutevel em lthttpcivilisticacomtoda-posse-ad-usucapionem-e-uma-posse-injustagt Data de acesso

Page 23: Toda posse ad usucapionem é uma posse injusta

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argumento de que o descumprimento do dever de restituiccedilatildeo do bem soacute deixa de existir

quando a coisa eacute devolvida Enquanto o bem permanece com o esbulhador a posse

permanece injusta e nenhuma das taacuteticas anteriormente analisadas seria suficiente

para modificar tal condiccedilatildeo

Trata-se de uma interpretaccedilatildeo no miacutenimo insoacutelita pois acaba tornando o viacutecio da

precariedade mais grave que os outros se o esbulhador usa a violecircncia fiacutesica contra a

pessoa do esbulhado ele pode ver tal viacutecio sanado das formas mais diversas se a

aquisiccedilatildeo se daacute pela recusa da restituiccedilatildeo isso natildeo seria de forma alguma possiacutevel pela

ldquoquebra da confianccedilardquo Mas por que a ldquoquebra da confianccedilardquo eacute mais grave que o uso da

forccedila fiacutesica Aleacutem de natildeo parecer razoaacutevel trata-se de uma interpretaccedilatildeo que atribui

uma vantagem injustificaacutevel em favor do proprietaacuterio Independentemente do que ele

tiver feito ou deixado de fazer para retomar o bem o fato da posse ser injusta

bloquearia a usucapiatildeo para sempre

Como indicado a discussatildeo acerca das circunstacircncias nas quais algueacutem pode se tornar

proprietaacuterio pela usucapiatildeo eacute tambeacutem uma discussatildeo acerca das condiccedilotildees nas quais

algueacutem pode legitimamente exercer o seu direito de propriedade Eacute possiacutevel

reconhecer poreacutem que a doutrina brasileira tem dado uma ecircnfase talvez desmesurada

na atuaccedilatildeo do possuidor deixando de investigar a dimensatildeo real do papel do

proprietaacuterio nesse jogo Soacute haveraacute usucapiatildeo se o proprietaacuterio de algum modo se

mantiver inerte na recuperaccedilatildeo do bem E se o proprietaacuterio deixou de tomar as

providencias necessaacuterias agrave tutela do seu direito durante um periacuteodo que pode variar de

2 a 15 anos eacute porque ele tambeacutem contribuiu para a consolidaccedilatildeo da posse do

usucapiente Como seria o cenaacuterio se a ecircnfase no processo recaiacutesse sobre o

proprietaacuterio Se independentemente da preocupaccedilatildeo com a caracterizaccedilatildeo de

eventuais viacutecios da posse incidisse principalmente sobre o titular a responsabilidade de

agir para que a usucapiatildeo natildeo se consumasse

Um caso interessante nesse sentido ndash e pouco estudado no Brasil ndash eacute o chamado

ldquoJAPye (Oxford) Ltd v Grahamrdquo ou apenas ldquoCase Pyerdquo como ficou conhecido De

forma muito resumida a empresa do ramo imobiliaacuterio JA Pye (Oxford) Ltd adquiriu

um terreno em Berkshire oeste de Londres com o objetivo de desenvolver um

empreendimento imobiliaacuterio e obteve o respectivo registro como proprietaacuteria da aacuterea

Apoacutes realizar a venda de uma parte do terreno a empresa inglesa celebrou um contrato

de 1 ano com a famiacutelia Graham por meio do qual seus integrantes ficavam autorizados a

utilizar os 25 hectares restantes da aacuterea como pasto Apoacutes o teacutermino do contrato os

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Graham procuraram a empresa com objetivo de obter uma renovaccedilatildeo mas a J A Pye

Ltd se recusou a fazecirc-lo Apesar disso Caroline e Michael Graham continuaram a

ocupar o terreno e a utilizaacute-lo como pasto por mais 12 anos com o conhecimento da

empresa mas sem o seu consentimento ainda que a J A Pye Ltd tenha se mantido

inerte quanto agraves providecircncias necessaacuterias para impedir a permanecircncia natildeo autorizada

dos Graham no local Apoacutes os 12 anos de exerciacutecio natildeo autorizado da posse os Graham

solicitaram o reconhecimento dos seus direitos sobre a referida aacuterea o que foi

concedido pelo registro com base na ldquoadverse possessionrdquo ou seja na usucapiatildeo

A decisatildeo gerou um sem nuacutemero de polecircmicas e modificaccedilotildees de rumo chegando ateacute

ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos onde no julgamento da Queixa

nordm4430202 foi dado ganho de causa ao Reino Unido e por consequecircncia agrave famiacutelia

Graham Em um primeiro momento a ldquoCourt of Appealrdquo deu decisatildeo favoraacutevel agrave

empresa ldquoPyerdquo com base entre outros motivos no fato de que a famiacutelia Graham natildeo

tinha ldquothe necessary intention to possessrdquo ou seja o acircnimo de dono Considerando-se

que no direito inglecircs vigora o chamado ldquoprocedural approachrdquo no que tange agrave usucapiatildeo

ndash a ecircnfase no aspecto processual da disputa ndash a referecircncia ao animus possidendi foi

considerada uma inovaccedilatildeo surpreendente60 De fato uma vez que os agricultores

permaneceram apenas fazendo aquilo que jaacute faziam quando do contrato em vigor os

julgadores da ldquoCourt of Appealrdquo entenderam que natildeo havia a intenccedilatildeo de passar a ser o

dono do lugar contrapondo-se frontalmente ao direito da empresa61 A decisatildeo foi

objeto de recurso agrave ldquoHouse of Lordsrdquo que deu ganho de causa agrave Caroline Graham62

Ainda inconformada a empresa ldquoPyerdquo entrou com novo recurso e como indicado o

caso chegou ateacute ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos sob a alegaccedilatildeo de que o

Reino Unido havia violado o direito de propriedade da J A Pye Ltd descumprindo a

garantia prevista no artigo 1ordm do Protocolo Adicional nordm 1 da Convenccedilatildeo Europeia dos

Direitos do Homem63 A decisatildeo final foi favoraacutevel ao Reino Unido e

60 RADLEY-GARNER Oliver ldquoCivilized Squattingrdquo Oxford Journal of Legal Studies (winter 2005) 25 (04) p728 61 A discussatildeo pode ser conhecida em httpwwwpublicationsparliamentukpald200102ldjudgmtjd020704graham-3htm Acesso em 13122014 62 O voto de maior peso no julgamento foi o de Lord Browne-Wilkinson por ter considerado que ao contraacuterio do que se exigia ateacute entatildeo a partir do momento em que os Graham continuaram a pastorear a terra sem a autorizaccedilatildeo da ldquoJAPyerdquo eles passaram a ter posse em nome proacuteprio o que independentemente de um conflito aberto seria suficiente para viabilizar a adverse possession O voto na iacutentegra pode ser lido em ldquoHouse of Lords Judgments ndash J A Pye (Oxford) Ltd and Others v Graham and Another on 4 July 2002rdquo httpwwwpublicationsparliamentukpald200102ldjudgmtjd020704graham-1htm Acesso em 13122014 63 ldquoQualquer pessoa singular ou colectiva tem direito ao respeito dos seus bens Ningueacutem pode ser privado do que eacute sua propriedade a natildeo ser por utilidade puacuteblica e nas condiccedilotildees previstas pela lei e pelos princiacutepios gerais do direito internacional

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consequentemente agrave famiacutelia Graham sob diversos argumentos Destacam-se para fins

do presente estudo a ideia de que a usucapiatildeo deve ser encarada como um mecanismo

de controle ou regulamentaccedilatildeo do uso dos bens eis que eacute de interesse geral saber quem

efetivamente eacute responsaacutevel pelo imoacutevel bem como pelos tributos decorrentes de tal

condiccedilatildeo o que remete agrave seguranccedila juriacutedica 64

Entre diversas questotildees importantes o episoacutedio mostra como em grande medida a

dogmaacutetica juriacutedica brasileira tem abordado o tema da usucapiatildeo de maneira a ampliar

os poderes do proprietaacuterio Uma atenccedilatildeo desmesurada tem sido dada agrave posse do

usucapiente sempre cheia de requisitos a cumprir escamoteando-se as

responsabilidades do titular do direito a ser usucapido

Desde logo salta aos olhos o fato de que na hipoacutetese do ldquoCase Pyerdquo o poder da famiacutelia

Graham sobre o terreno poderia no Brasil ser qualificado como uma situaccedilatildeo de mera

toleracircncia hipoacutetese na qual natildeo haveria verdadeiramente posse conforme indicaccedilatildeo do

artigo 1208 do Coacutedigo Civil brasileiro Mas eacute preciso reconhecer que apesar da empresa

ldquoPyerdquo ter ldquotoleradordquo a presenccedila dos Graham o fato eacute que a ineacutercia de ldquoPyerdquo se deu em

momento posterior agrave negativa de renovaccedilatildeo do contrato o que demonstra o interesse

em natildeo perpetuar a presenccedila da famiacutelia Graham no local A recusa agrave renovaccedilatildeo e a

ineacutercia fariam entatildeo com que a hipoacutetese passasse a ser encarada como uma ldquoposse

precaacuteriardquo justamente o viacutecio que a doutrina brasileira insiste em considerar insanaacutevel

e portanto incapaz de gerar a usucapiatildeo

Mas o episoacutedio mostra que quando algueacutem exerce posse sobre o bem de outrem

diversos pontos de vista podem ser utilizados para analisar a questatildeo o proprietaacuterio

permitiu tal exerciacutecio Ele tomou as providecircncias necessaacuterias para recuperar o bem O

possuidor adverso sabia que o bem era de outra pessoa e se negou a devolvecirc-lo

As condiccedilotildees precedentes entendem - se sem prejuiacutezo do direito que os Estados possuem de pocircr em vigor as leis que julguem necessaacuterias para a regulamentaccedilatildeo do uso dos bens de acordo com o interesse geral ou para assegurar o pagamento de impostos ou outras contribuiccedilotildees ou de multasrdquo No original ldquoThe preceding provisions shall not however in any way impair the right of a State to enforce such laws as it deems necessary to control the use of property in accordance with the general interest or to secure the payment of taxes or other contributions or penaltiesrdquo European Court of Human Rights ldquoCase JA Pye (Oxford) Ltd and JA Pye (Oxford) Land Ltd v The United Kingdom Alleged Violation of Article 1 of Protocol nordm 1 Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-82172itemid[001-82172] Acesso em 03032014 64 ABREU Abiacutelio Vassalo Titularidade Registral do Direito de Propriedade Imobiliaacuteria versus usucapiatildeo (adverse possession) Coimbra Coimbra Editora 2011 p83

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Nesses termos o modelo processual inglecircs indica que a reflexatildeo acerca da usucapiatildeo

tambeacutem deve englobar uma meditaccedilatildeo sobre a atuaccedilatildeo do proprietaacuterio na recuperaccedilatildeo

do seu direito pois nada acontece se ele agir de maneira ceacutelere Mesmo apoacutes a negativa

de permanecircncia da famiacutelia Graham a empresa Pye permaneceu 12 anos sem tomar as

providecircncias necessaacuterias para a desocupaccedilatildeo do local Eacute um espaccedilo consideraacutevel de

tempo Seria razoaacutevel entender que por ser ldquoinsanaacutevelrdquo o viacutecio da precariedade nunca

admitiria a consumaccedilatildeo da usucapiatildeo em favor dos Graham

Aleacutem de problemaacutetica essa interpretaccedilatildeo ressuscita o problema da ldquoposse eternamente

injustardquo o esbulhador nunca poderia usucapir mesmo se o esbulhado natildeo procurar

retomar a sua posse Ao que tudo indica a impossibilidade de saneamento do viacutecio da

precariedade reflete a um imperativo moral a quebra da confianccedila depositada deve ser

punida com a perenidade do caraacuteter injusto E aqui se abre a oportunidade de discutir

afinal qual eacute a funccedilatildeo da anaacutelise da injusticcedila como meio de barreira para a usucapiatildeo

Quando se faz referecircncia agraves diversas teacutecnicas de saneamento dos viacutecios eacute preciso

reconhecer que elas natildeo podem ser lidas como um modo de suplantar o fato de que a

posse do usucapiente natildeo foi autorizada e eacute exercida de forma contraacuteria aos interesses

do titular porque essa eacute uma condiccedilatildeo necessaacuteria para que a usucapiatildeo ocorra Ainda

que natildeo haja uma ldquobatalha campalrdquo em busca da posse ldquoCrucially the adverse

possessorrsquos use must be without permission (ldquoadverserdquo)rdquo65 A aquisiccedilatildeo sem autorizaccedilatildeo

e o exerciacutecio contraacuterio aos interesses do titular satildeo pressupostos para a usucapiatildeo

Em tais condiccedilotildees as estrateacutegias que visam a ldquoeliminaccedilatildeo da injusticcedilardquo pelo expurgo

dos viacutecios de origem soacute podem ser compreendidas como vias pelas quais se pretende

superar o chamado ldquoparadoxo moralrdquo66 aparentemente existente em torno da proacutepria

ideia de usucapiatildeo qual a justificativa para que algueacutem perca o seu direito de

propriedade em funccedilatildeo da atuaccedilatildeo natildeo autorizada de outra pessoa

Mas a falta de precisatildeo doutrinaacuteria na referecircncia agrave justiccedila ou injusticcedila da posse faz com

que a exigecircncia de que a posse ad usucapionem seja uma posse ldquojustardquo gere a falsa

ideia de que a atuaccedilatildeo do usucapiente estaacute em conformidade com o direito E as

estrateacutegias de saneamento reforccedilam essa confusatildeo ao se voltarem para o modo como a

posse foi adquirida Elas servem como uma justificativa para tentar amainar a ilicitude

65 MERRIL Thomas W SMITH Henry E Property Oxford Oxford University Press 2010 p36 66 KATZ Larissa ldquoThe moral paradox of adverse possession sovereignty and revolution in property lawrdquo McGill Law Journal Vol55 2010 pp47-80 cit p 59

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do apossamento mas isso eacute virtualmente impossiacutevel sem jogar o instituto em um non

sense pois a contrariedade da posse ad usucapionem eacute intriacutenseca a usucapiatildeo

Quando se diz que a posse do usucapiente eacute sempre injusta isso significa que ela natildeo

estaacute autorizada de forma alguma e se coloca sim em posiccedilatildeo de conflito (ainda que

velado) com os interesses do proprietaacuterio ou seja algueacutem vai adquirir a propriedade de

algo que jaacute tem dono e obviamente sem a colaboraccedilatildeo deste

Por isso as estrateacutegias de saneamento estatildeo por assim dizer ldquono lugar erradordquo pois

acabam mascarando a dinacircmica real do processo por meio do qual algueacutem caminha

para usucapir o bem de outrem Isto acaba ampliando as sombras existentes entre as

linhas que demarcam uma posse ldquomoralmente legitimadardquo a viabilizar a usucapiatildeo e a

adversidade sem a qual a aquisiccedilatildeo natildeo tem como se efetivar

Nessa direccedilatildeo a caracterizaccedilatildeo da posse ad usucapionem natildeo depende do saneamento

dos viacutecios objetivos pois o meio objetivo pelo qual se deu o apossamento eacute afinal

irrelevante Basta o chamado ldquoteste de uso incompatiacutevelrdquo (inconsistent use test) ou

seja da verificaccedilatildeo de que a posse natildeo autorizada se daacute em desconformidade com a

agenda estabelecida pelo proprietaacuterio do bem a ser usucapido67 Natildeo importa o modo

pelo qual tal contrariedade ganhou forma o fato eacute que ela existe e uma vez constatada

gera para o proprietaacuterio a oportunidade de se opor dentro de um determinado periacuteodo

de tempo sem o que perderaacute a titularidade do bem

Eacute importante ainda deixar expliacutecito o fato de que toda discussatildeo em torno dos

pressupostos para a aquisiccedilatildeo pela usucapiatildeo reflete uma dada concepccedilatildeo acerca da

propriedade Debater em que circunstacircncia algueacutem pode se tornar o proprietaacuterio do

bem que eacute de outro resvala em uma avaliaccedilatildeo acerca da amplitude de formas de

atuaccedilatildeo que o proprietaacuterio estaacute legitimado a desempenhar

Do mesmo modo a possiacutevel imoralidade existente na atribuiccedilatildeo do direito de

propriedade em favor de algueacutem que viola o direito de outrem eacute decorrente de uma

visatildeo que considera moralmente aceitaacutevel que o bem objeto desse direito possa

permanecer sem um uso efetivo durante um nuacutemero maior ou menor de anos jaacute que

natildeo haacute usucapiatildeo sem a ineacutercia do titular do direito a ser usucapido

67 KATZ Larissa ldquoThe moral paradoxrdquo cit p50

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Nesse sentido ultrapassar a discussatildeo acerca das estrateacutegias de saneamento dos viacutecios

da aquisiccedilatildeo rumo a um debate aprofundado sobre as razotildees que contribuem para a

superaccedilatildeo do paradoxo moral permitiria por exemplo a consideraccedilatildeo de que mesmo

um possuidor de maacute-feacute pode dar um uso economicamente mais eficiente do que aquele

dado pelo possuidor originaacuterio68 ou que em um contexto de deacuteficit de moradias a

ideia de que ldquoo natildeo uso eacute uma forma de usordquo69 seria juriacutedica e moralmente indefensaacutevel

pois corresponderia a absolutizaccedilatildeo da propriedade

O debate moral em torno da usucapiatildeo eacute rico de possibilidades que auxiliam na

compreensatildeo adequada do instituto e tambeacutem por isso natildeo pode ser represado Quando

se vecirc tanto esforccedilo doutrinaacuterio para expurgar os viacutecios objetivos de origem o uacutenico

sentido possiacutevel para tanto eacute pressuposto de que haacute uma avaliaccedilatildeo moralmente

negativa em torno da ideia de que uma posse ldquoinjustardquo seja apta a transformar um

ldquoladratildeordquo em proprietaacuterio Mas aqui o foco estaacute todo voltado para como a posse foi

adquirida o que reduz enormemente a investigaccedilatildeo Natildeo se trata da defesa da

legitimaccedilatildeo do uso da forccedila como se fosse possiacutevel concordar com a grilagem de terras

mas justo o oposto da possibilidade de reconhecimento de que mesmo o uso da forccedila

pode ser justificado quando a efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais como os relativos agrave

moradia e ao trabalho se contrapotildeem ao natildeo uso e a especulaccedilatildeo A existecircncia do

instituto da usucapiatildeo revela em si mesma que ordenamento fez uma escolha na qual o

uso efetivo do bem estaacute em uma posiccedilatildeo hierarquicamente superior ao natildeo uso Diante

da diferenciaccedilatildeo entre justiccedila e injusticcedila formal ndash relativa agrave aquisiccedilatildeo ndash e justiccedila ou

injusticcedila material (os valores materializados em cada efetivo apossamento) abre-se a

oportunidade de discutir as bases morais econocircmicas e filosoacuteficas por meio das quais eacute

ainda hoje possiacutevel fundamentar a manutenccedilatildeo ou perda dos direitos de propriedade

titularizados por algueacutem

De todo modo para os objetivos do presente estudo a hipoacutetese testada parece poder

ser adequadamente confirmada independentemente do modelo de usucapiatildeo a ser

adotado independentemente do fundamento mais adequado para usucapiatildeo em

68 FENNEL Lee Anne ldquoEfficient trespass the case for lsquobad faithrsquo adverse possessionrdquo Northwestern University Law Review Vol100 p1035-10962006 p53 Considerando-se que apenas um imoacutevel sem um uso efetivo pode ser objeto de apossamento alheio estendido por vaacuterios anos sem uma reaccedilatildeo apropriada a manutenccedilatildeo da sua titularidade pode ser lida como uma falha de mercado que daacute corpo agrave especulaccedilatildeo a venda do imoacutevel natildeo ocorre porque o titular natildeo encontra condiccedilotildees que lhe garantam a remuneraccedilatildeo pretendida naquele momento Da mesma forma levando-se em consideraccedilatildeo que no caso brasileiro a funccedilatildeo social remete agrave obrigatoriedade do uso e que isto por sua vez desaacutegua no exerciacutecio da posse toda posse ad usucapionem poderia ser lida como a vitoacuteria do uso produtivo sobre o natildeo uso especulativo Nesse sentido a posse de maacute-feacute corresponderia agrave deliberada intenccedilatildeo de concretizar um uso socialmente uacutetil a um bem que estaacute sendo administrado de forma ineficiente 69 NASCIMENTO Tupinambaacute Miguel Castro do Posse e propriedade Porto Alegre Livraria do Advogado 1986 p10

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nenhum lugar eacute possiacutevel colocar em questatildeo o fato de que a posse exercida pelo

esbulhador eacute adversa A posse exercida por algueacutem natildeo autorizado que deseja ou

acredita que jaacute tem o direito de outrem eacute nesse sentido sempre e necessariamente uma

posse injusta

Conclusatildeo

As tentativas de saneamentos dos viacutecios satildeo incongruentes e ineficientes porque a

superaccedilatildeo do paradoxo moral existente na usucapiatildeo depende de uma reflexatildeo acerca

daquilo que a sociedade considera como moralmente justificado em torno do exerciacutecio

do direito de propriedade E desde aiacute eacute possiacutevel perceber diversos aspectos que

demonstram que o exerciacutecio da posse seja qual for a sua qualificaccedilatildeo eacute mais forte do

que o natildeo uso a existecircncia mesma do instituto da usucapiatildeo o encurtamento

generalizado dos prazos para usucapir ocorrido no acircmbito do Coacutedigo Civil em vigor

mesmo na hipoacutetese extraordinaacuteria a ampliaccedilatildeo das modalidades de usucapiatildeo como

forma de premiar o exerciacutecio dirigido agrave busca da efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais

sociais como moradia e trabalho Nesse caminho o paradoxo moral se dissolve e o

saneamento dos viacutecios passa a ser irrelevante eacute mais importante saber o que se faz da

posse do que o modo pelo qual ela foi obtida

Em tais condiccedilotildees considerar que a posse ldquoboa para usucapirrdquo seja sempre injusta ndash no

sentido de que representa uma dissonacircncia necessaacuteria com a agenda estabelecida pelo

proprietaacuterio do bem a ser usucapido ndash natildeo significa o abandono da dimensatildeo moral

existente na qualificaccedilatildeo da posse do usucapiente Esta dimensatildeo apenas se desloca em

direccedilatildeo a uma investigaccedilatildeo criteriosa acerca do conteuacutedo da posse materializada frente

agrave anaacutelise da conduta do proprietaacuterio ante ao apossamento natildeo autorizado

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Aprovado em 13052016 (1ordm parecer) 31052016 (2ordm parecer)

Como citar DANTAS Marcus Eduardo de Carvalho Toda posse ad usucapionem eacute uma posse injusta Civilisticacom Rio de Janeiro a 5 n 1 2016 Disponiacutevel em lthttpcivilisticacomtoda-posse-ad-usucapionem-e-uma-posse-injustagt Data de acesso

Page 24: Toda posse ad usucapionem é uma posse injusta

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Graham procuraram a empresa com objetivo de obter uma renovaccedilatildeo mas a J A Pye

Ltd se recusou a fazecirc-lo Apesar disso Caroline e Michael Graham continuaram a

ocupar o terreno e a utilizaacute-lo como pasto por mais 12 anos com o conhecimento da

empresa mas sem o seu consentimento ainda que a J A Pye Ltd tenha se mantido

inerte quanto agraves providecircncias necessaacuterias para impedir a permanecircncia natildeo autorizada

dos Graham no local Apoacutes os 12 anos de exerciacutecio natildeo autorizado da posse os Graham

solicitaram o reconhecimento dos seus direitos sobre a referida aacuterea o que foi

concedido pelo registro com base na ldquoadverse possessionrdquo ou seja na usucapiatildeo

A decisatildeo gerou um sem nuacutemero de polecircmicas e modificaccedilotildees de rumo chegando ateacute

ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos onde no julgamento da Queixa

nordm4430202 foi dado ganho de causa ao Reino Unido e por consequecircncia agrave famiacutelia

Graham Em um primeiro momento a ldquoCourt of Appealrdquo deu decisatildeo favoraacutevel agrave

empresa ldquoPyerdquo com base entre outros motivos no fato de que a famiacutelia Graham natildeo

tinha ldquothe necessary intention to possessrdquo ou seja o acircnimo de dono Considerando-se

que no direito inglecircs vigora o chamado ldquoprocedural approachrdquo no que tange agrave usucapiatildeo

ndash a ecircnfase no aspecto processual da disputa ndash a referecircncia ao animus possidendi foi

considerada uma inovaccedilatildeo surpreendente60 De fato uma vez que os agricultores

permaneceram apenas fazendo aquilo que jaacute faziam quando do contrato em vigor os

julgadores da ldquoCourt of Appealrdquo entenderam que natildeo havia a intenccedilatildeo de passar a ser o

dono do lugar contrapondo-se frontalmente ao direito da empresa61 A decisatildeo foi

objeto de recurso agrave ldquoHouse of Lordsrdquo que deu ganho de causa agrave Caroline Graham62

Ainda inconformada a empresa ldquoPyerdquo entrou com novo recurso e como indicado o

caso chegou ateacute ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos sob a alegaccedilatildeo de que o

Reino Unido havia violado o direito de propriedade da J A Pye Ltd descumprindo a

garantia prevista no artigo 1ordm do Protocolo Adicional nordm 1 da Convenccedilatildeo Europeia dos

Direitos do Homem63 A decisatildeo final foi favoraacutevel ao Reino Unido e

60 RADLEY-GARNER Oliver ldquoCivilized Squattingrdquo Oxford Journal of Legal Studies (winter 2005) 25 (04) p728 61 A discussatildeo pode ser conhecida em httpwwwpublicationsparliamentukpald200102ldjudgmtjd020704graham-3htm Acesso em 13122014 62 O voto de maior peso no julgamento foi o de Lord Browne-Wilkinson por ter considerado que ao contraacuterio do que se exigia ateacute entatildeo a partir do momento em que os Graham continuaram a pastorear a terra sem a autorizaccedilatildeo da ldquoJAPyerdquo eles passaram a ter posse em nome proacuteprio o que independentemente de um conflito aberto seria suficiente para viabilizar a adverse possession O voto na iacutentegra pode ser lido em ldquoHouse of Lords Judgments ndash J A Pye (Oxford) Ltd and Others v Graham and Another on 4 July 2002rdquo httpwwwpublicationsparliamentukpald200102ldjudgmtjd020704graham-1htm Acesso em 13122014 63 ldquoQualquer pessoa singular ou colectiva tem direito ao respeito dos seus bens Ningueacutem pode ser privado do que eacute sua propriedade a natildeo ser por utilidade puacuteblica e nas condiccedilotildees previstas pela lei e pelos princiacutepios gerais do direito internacional

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consequentemente agrave famiacutelia Graham sob diversos argumentos Destacam-se para fins

do presente estudo a ideia de que a usucapiatildeo deve ser encarada como um mecanismo

de controle ou regulamentaccedilatildeo do uso dos bens eis que eacute de interesse geral saber quem

efetivamente eacute responsaacutevel pelo imoacutevel bem como pelos tributos decorrentes de tal

condiccedilatildeo o que remete agrave seguranccedila juriacutedica 64

Entre diversas questotildees importantes o episoacutedio mostra como em grande medida a

dogmaacutetica juriacutedica brasileira tem abordado o tema da usucapiatildeo de maneira a ampliar

os poderes do proprietaacuterio Uma atenccedilatildeo desmesurada tem sido dada agrave posse do

usucapiente sempre cheia de requisitos a cumprir escamoteando-se as

responsabilidades do titular do direito a ser usucapido

Desde logo salta aos olhos o fato de que na hipoacutetese do ldquoCase Pyerdquo o poder da famiacutelia

Graham sobre o terreno poderia no Brasil ser qualificado como uma situaccedilatildeo de mera

toleracircncia hipoacutetese na qual natildeo haveria verdadeiramente posse conforme indicaccedilatildeo do

artigo 1208 do Coacutedigo Civil brasileiro Mas eacute preciso reconhecer que apesar da empresa

ldquoPyerdquo ter ldquotoleradordquo a presenccedila dos Graham o fato eacute que a ineacutercia de ldquoPyerdquo se deu em

momento posterior agrave negativa de renovaccedilatildeo do contrato o que demonstra o interesse

em natildeo perpetuar a presenccedila da famiacutelia Graham no local A recusa agrave renovaccedilatildeo e a

ineacutercia fariam entatildeo com que a hipoacutetese passasse a ser encarada como uma ldquoposse

precaacuteriardquo justamente o viacutecio que a doutrina brasileira insiste em considerar insanaacutevel

e portanto incapaz de gerar a usucapiatildeo

Mas o episoacutedio mostra que quando algueacutem exerce posse sobre o bem de outrem

diversos pontos de vista podem ser utilizados para analisar a questatildeo o proprietaacuterio

permitiu tal exerciacutecio Ele tomou as providecircncias necessaacuterias para recuperar o bem O

possuidor adverso sabia que o bem era de outra pessoa e se negou a devolvecirc-lo

As condiccedilotildees precedentes entendem - se sem prejuiacutezo do direito que os Estados possuem de pocircr em vigor as leis que julguem necessaacuterias para a regulamentaccedilatildeo do uso dos bens de acordo com o interesse geral ou para assegurar o pagamento de impostos ou outras contribuiccedilotildees ou de multasrdquo No original ldquoThe preceding provisions shall not however in any way impair the right of a State to enforce such laws as it deems necessary to control the use of property in accordance with the general interest or to secure the payment of taxes or other contributions or penaltiesrdquo European Court of Human Rights ldquoCase JA Pye (Oxford) Ltd and JA Pye (Oxford) Land Ltd v The United Kingdom Alleged Violation of Article 1 of Protocol nordm 1 Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-82172itemid[001-82172] Acesso em 03032014 64 ABREU Abiacutelio Vassalo Titularidade Registral do Direito de Propriedade Imobiliaacuteria versus usucapiatildeo (adverse possession) Coimbra Coimbra Editora 2011 p83

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Nesses termos o modelo processual inglecircs indica que a reflexatildeo acerca da usucapiatildeo

tambeacutem deve englobar uma meditaccedilatildeo sobre a atuaccedilatildeo do proprietaacuterio na recuperaccedilatildeo

do seu direito pois nada acontece se ele agir de maneira ceacutelere Mesmo apoacutes a negativa

de permanecircncia da famiacutelia Graham a empresa Pye permaneceu 12 anos sem tomar as

providecircncias necessaacuterias para a desocupaccedilatildeo do local Eacute um espaccedilo consideraacutevel de

tempo Seria razoaacutevel entender que por ser ldquoinsanaacutevelrdquo o viacutecio da precariedade nunca

admitiria a consumaccedilatildeo da usucapiatildeo em favor dos Graham

Aleacutem de problemaacutetica essa interpretaccedilatildeo ressuscita o problema da ldquoposse eternamente

injustardquo o esbulhador nunca poderia usucapir mesmo se o esbulhado natildeo procurar

retomar a sua posse Ao que tudo indica a impossibilidade de saneamento do viacutecio da

precariedade reflete a um imperativo moral a quebra da confianccedila depositada deve ser

punida com a perenidade do caraacuteter injusto E aqui se abre a oportunidade de discutir

afinal qual eacute a funccedilatildeo da anaacutelise da injusticcedila como meio de barreira para a usucapiatildeo

Quando se faz referecircncia agraves diversas teacutecnicas de saneamento dos viacutecios eacute preciso

reconhecer que elas natildeo podem ser lidas como um modo de suplantar o fato de que a

posse do usucapiente natildeo foi autorizada e eacute exercida de forma contraacuteria aos interesses

do titular porque essa eacute uma condiccedilatildeo necessaacuteria para que a usucapiatildeo ocorra Ainda

que natildeo haja uma ldquobatalha campalrdquo em busca da posse ldquoCrucially the adverse

possessorrsquos use must be without permission (ldquoadverserdquo)rdquo65 A aquisiccedilatildeo sem autorizaccedilatildeo

e o exerciacutecio contraacuterio aos interesses do titular satildeo pressupostos para a usucapiatildeo

Em tais condiccedilotildees as estrateacutegias que visam a ldquoeliminaccedilatildeo da injusticcedilardquo pelo expurgo

dos viacutecios de origem soacute podem ser compreendidas como vias pelas quais se pretende

superar o chamado ldquoparadoxo moralrdquo66 aparentemente existente em torno da proacutepria

ideia de usucapiatildeo qual a justificativa para que algueacutem perca o seu direito de

propriedade em funccedilatildeo da atuaccedilatildeo natildeo autorizada de outra pessoa

Mas a falta de precisatildeo doutrinaacuteria na referecircncia agrave justiccedila ou injusticcedila da posse faz com

que a exigecircncia de que a posse ad usucapionem seja uma posse ldquojustardquo gere a falsa

ideia de que a atuaccedilatildeo do usucapiente estaacute em conformidade com o direito E as

estrateacutegias de saneamento reforccedilam essa confusatildeo ao se voltarem para o modo como a

posse foi adquirida Elas servem como uma justificativa para tentar amainar a ilicitude

65 MERRIL Thomas W SMITH Henry E Property Oxford Oxford University Press 2010 p36 66 KATZ Larissa ldquoThe moral paradox of adverse possession sovereignty and revolution in property lawrdquo McGill Law Journal Vol55 2010 pp47-80 cit p 59

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do apossamento mas isso eacute virtualmente impossiacutevel sem jogar o instituto em um non

sense pois a contrariedade da posse ad usucapionem eacute intriacutenseca a usucapiatildeo

Quando se diz que a posse do usucapiente eacute sempre injusta isso significa que ela natildeo

estaacute autorizada de forma alguma e se coloca sim em posiccedilatildeo de conflito (ainda que

velado) com os interesses do proprietaacuterio ou seja algueacutem vai adquirir a propriedade de

algo que jaacute tem dono e obviamente sem a colaboraccedilatildeo deste

Por isso as estrateacutegias de saneamento estatildeo por assim dizer ldquono lugar erradordquo pois

acabam mascarando a dinacircmica real do processo por meio do qual algueacutem caminha

para usucapir o bem de outrem Isto acaba ampliando as sombras existentes entre as

linhas que demarcam uma posse ldquomoralmente legitimadardquo a viabilizar a usucapiatildeo e a

adversidade sem a qual a aquisiccedilatildeo natildeo tem como se efetivar

Nessa direccedilatildeo a caracterizaccedilatildeo da posse ad usucapionem natildeo depende do saneamento

dos viacutecios objetivos pois o meio objetivo pelo qual se deu o apossamento eacute afinal

irrelevante Basta o chamado ldquoteste de uso incompatiacutevelrdquo (inconsistent use test) ou

seja da verificaccedilatildeo de que a posse natildeo autorizada se daacute em desconformidade com a

agenda estabelecida pelo proprietaacuterio do bem a ser usucapido67 Natildeo importa o modo

pelo qual tal contrariedade ganhou forma o fato eacute que ela existe e uma vez constatada

gera para o proprietaacuterio a oportunidade de se opor dentro de um determinado periacuteodo

de tempo sem o que perderaacute a titularidade do bem

Eacute importante ainda deixar expliacutecito o fato de que toda discussatildeo em torno dos

pressupostos para a aquisiccedilatildeo pela usucapiatildeo reflete uma dada concepccedilatildeo acerca da

propriedade Debater em que circunstacircncia algueacutem pode se tornar o proprietaacuterio do

bem que eacute de outro resvala em uma avaliaccedilatildeo acerca da amplitude de formas de

atuaccedilatildeo que o proprietaacuterio estaacute legitimado a desempenhar

Do mesmo modo a possiacutevel imoralidade existente na atribuiccedilatildeo do direito de

propriedade em favor de algueacutem que viola o direito de outrem eacute decorrente de uma

visatildeo que considera moralmente aceitaacutevel que o bem objeto desse direito possa

permanecer sem um uso efetivo durante um nuacutemero maior ou menor de anos jaacute que

natildeo haacute usucapiatildeo sem a ineacutercia do titular do direito a ser usucapido

67 KATZ Larissa ldquoThe moral paradoxrdquo cit p50

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Nesse sentido ultrapassar a discussatildeo acerca das estrateacutegias de saneamento dos viacutecios

da aquisiccedilatildeo rumo a um debate aprofundado sobre as razotildees que contribuem para a

superaccedilatildeo do paradoxo moral permitiria por exemplo a consideraccedilatildeo de que mesmo

um possuidor de maacute-feacute pode dar um uso economicamente mais eficiente do que aquele

dado pelo possuidor originaacuterio68 ou que em um contexto de deacuteficit de moradias a

ideia de que ldquoo natildeo uso eacute uma forma de usordquo69 seria juriacutedica e moralmente indefensaacutevel

pois corresponderia a absolutizaccedilatildeo da propriedade

O debate moral em torno da usucapiatildeo eacute rico de possibilidades que auxiliam na

compreensatildeo adequada do instituto e tambeacutem por isso natildeo pode ser represado Quando

se vecirc tanto esforccedilo doutrinaacuterio para expurgar os viacutecios objetivos de origem o uacutenico

sentido possiacutevel para tanto eacute pressuposto de que haacute uma avaliaccedilatildeo moralmente

negativa em torno da ideia de que uma posse ldquoinjustardquo seja apta a transformar um

ldquoladratildeordquo em proprietaacuterio Mas aqui o foco estaacute todo voltado para como a posse foi

adquirida o que reduz enormemente a investigaccedilatildeo Natildeo se trata da defesa da

legitimaccedilatildeo do uso da forccedila como se fosse possiacutevel concordar com a grilagem de terras

mas justo o oposto da possibilidade de reconhecimento de que mesmo o uso da forccedila

pode ser justificado quando a efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais como os relativos agrave

moradia e ao trabalho se contrapotildeem ao natildeo uso e a especulaccedilatildeo A existecircncia do

instituto da usucapiatildeo revela em si mesma que ordenamento fez uma escolha na qual o

uso efetivo do bem estaacute em uma posiccedilatildeo hierarquicamente superior ao natildeo uso Diante

da diferenciaccedilatildeo entre justiccedila e injusticcedila formal ndash relativa agrave aquisiccedilatildeo ndash e justiccedila ou

injusticcedila material (os valores materializados em cada efetivo apossamento) abre-se a

oportunidade de discutir as bases morais econocircmicas e filosoacuteficas por meio das quais eacute

ainda hoje possiacutevel fundamentar a manutenccedilatildeo ou perda dos direitos de propriedade

titularizados por algueacutem

De todo modo para os objetivos do presente estudo a hipoacutetese testada parece poder

ser adequadamente confirmada independentemente do modelo de usucapiatildeo a ser

adotado independentemente do fundamento mais adequado para usucapiatildeo em

68 FENNEL Lee Anne ldquoEfficient trespass the case for lsquobad faithrsquo adverse possessionrdquo Northwestern University Law Review Vol100 p1035-10962006 p53 Considerando-se que apenas um imoacutevel sem um uso efetivo pode ser objeto de apossamento alheio estendido por vaacuterios anos sem uma reaccedilatildeo apropriada a manutenccedilatildeo da sua titularidade pode ser lida como uma falha de mercado que daacute corpo agrave especulaccedilatildeo a venda do imoacutevel natildeo ocorre porque o titular natildeo encontra condiccedilotildees que lhe garantam a remuneraccedilatildeo pretendida naquele momento Da mesma forma levando-se em consideraccedilatildeo que no caso brasileiro a funccedilatildeo social remete agrave obrigatoriedade do uso e que isto por sua vez desaacutegua no exerciacutecio da posse toda posse ad usucapionem poderia ser lida como a vitoacuteria do uso produtivo sobre o natildeo uso especulativo Nesse sentido a posse de maacute-feacute corresponderia agrave deliberada intenccedilatildeo de concretizar um uso socialmente uacutetil a um bem que estaacute sendo administrado de forma ineficiente 69 NASCIMENTO Tupinambaacute Miguel Castro do Posse e propriedade Porto Alegre Livraria do Advogado 1986 p10

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nenhum lugar eacute possiacutevel colocar em questatildeo o fato de que a posse exercida pelo

esbulhador eacute adversa A posse exercida por algueacutem natildeo autorizado que deseja ou

acredita que jaacute tem o direito de outrem eacute nesse sentido sempre e necessariamente uma

posse injusta

Conclusatildeo

As tentativas de saneamentos dos viacutecios satildeo incongruentes e ineficientes porque a

superaccedilatildeo do paradoxo moral existente na usucapiatildeo depende de uma reflexatildeo acerca

daquilo que a sociedade considera como moralmente justificado em torno do exerciacutecio

do direito de propriedade E desde aiacute eacute possiacutevel perceber diversos aspectos que

demonstram que o exerciacutecio da posse seja qual for a sua qualificaccedilatildeo eacute mais forte do

que o natildeo uso a existecircncia mesma do instituto da usucapiatildeo o encurtamento

generalizado dos prazos para usucapir ocorrido no acircmbito do Coacutedigo Civil em vigor

mesmo na hipoacutetese extraordinaacuteria a ampliaccedilatildeo das modalidades de usucapiatildeo como

forma de premiar o exerciacutecio dirigido agrave busca da efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais

sociais como moradia e trabalho Nesse caminho o paradoxo moral se dissolve e o

saneamento dos viacutecios passa a ser irrelevante eacute mais importante saber o que se faz da

posse do que o modo pelo qual ela foi obtida

Em tais condiccedilotildees considerar que a posse ldquoboa para usucapirrdquo seja sempre injusta ndash no

sentido de que representa uma dissonacircncia necessaacuteria com a agenda estabelecida pelo

proprietaacuterio do bem a ser usucapido ndash natildeo significa o abandono da dimensatildeo moral

existente na qualificaccedilatildeo da posse do usucapiente Esta dimensatildeo apenas se desloca em

direccedilatildeo a uma investigaccedilatildeo criteriosa acerca do conteuacutedo da posse materializada frente

agrave anaacutelise da conduta do proprietaacuterio ante ao apossamento natildeo autorizado

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Aprovado em 13052016 (1ordm parecer) 31052016 (2ordm parecer)

Como citar DANTAS Marcus Eduardo de Carvalho Toda posse ad usucapionem eacute uma posse injusta Civilisticacom Rio de Janeiro a 5 n 1 2016 Disponiacutevel em lthttpcivilisticacomtoda-posse-ad-usucapionem-e-uma-posse-injustagt Data de acesso

Page 25: Toda posse ad usucapionem é uma posse injusta

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consequentemente agrave famiacutelia Graham sob diversos argumentos Destacam-se para fins

do presente estudo a ideia de que a usucapiatildeo deve ser encarada como um mecanismo

de controle ou regulamentaccedilatildeo do uso dos bens eis que eacute de interesse geral saber quem

efetivamente eacute responsaacutevel pelo imoacutevel bem como pelos tributos decorrentes de tal

condiccedilatildeo o que remete agrave seguranccedila juriacutedica 64

Entre diversas questotildees importantes o episoacutedio mostra como em grande medida a

dogmaacutetica juriacutedica brasileira tem abordado o tema da usucapiatildeo de maneira a ampliar

os poderes do proprietaacuterio Uma atenccedilatildeo desmesurada tem sido dada agrave posse do

usucapiente sempre cheia de requisitos a cumprir escamoteando-se as

responsabilidades do titular do direito a ser usucapido

Desde logo salta aos olhos o fato de que na hipoacutetese do ldquoCase Pyerdquo o poder da famiacutelia

Graham sobre o terreno poderia no Brasil ser qualificado como uma situaccedilatildeo de mera

toleracircncia hipoacutetese na qual natildeo haveria verdadeiramente posse conforme indicaccedilatildeo do

artigo 1208 do Coacutedigo Civil brasileiro Mas eacute preciso reconhecer que apesar da empresa

ldquoPyerdquo ter ldquotoleradordquo a presenccedila dos Graham o fato eacute que a ineacutercia de ldquoPyerdquo se deu em

momento posterior agrave negativa de renovaccedilatildeo do contrato o que demonstra o interesse

em natildeo perpetuar a presenccedila da famiacutelia Graham no local A recusa agrave renovaccedilatildeo e a

ineacutercia fariam entatildeo com que a hipoacutetese passasse a ser encarada como uma ldquoposse

precaacuteriardquo justamente o viacutecio que a doutrina brasileira insiste em considerar insanaacutevel

e portanto incapaz de gerar a usucapiatildeo

Mas o episoacutedio mostra que quando algueacutem exerce posse sobre o bem de outrem

diversos pontos de vista podem ser utilizados para analisar a questatildeo o proprietaacuterio

permitiu tal exerciacutecio Ele tomou as providecircncias necessaacuterias para recuperar o bem O

possuidor adverso sabia que o bem era de outra pessoa e se negou a devolvecirc-lo

As condiccedilotildees precedentes entendem - se sem prejuiacutezo do direito que os Estados possuem de pocircr em vigor as leis que julguem necessaacuterias para a regulamentaccedilatildeo do uso dos bens de acordo com o interesse geral ou para assegurar o pagamento de impostos ou outras contribuiccedilotildees ou de multasrdquo No original ldquoThe preceding provisions shall not however in any way impair the right of a State to enforce such laws as it deems necessary to control the use of property in accordance with the general interest or to secure the payment of taxes or other contributions or penaltiesrdquo European Court of Human Rights ldquoCase JA Pye (Oxford) Ltd and JA Pye (Oxford) Land Ltd v The United Kingdom Alleged Violation of Article 1 of Protocol nordm 1 Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-82172itemid[001-82172] Acesso em 03032014 64 ABREU Abiacutelio Vassalo Titularidade Registral do Direito de Propriedade Imobiliaacuteria versus usucapiatildeo (adverse possession) Coimbra Coimbra Editora 2011 p83

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Nesses termos o modelo processual inglecircs indica que a reflexatildeo acerca da usucapiatildeo

tambeacutem deve englobar uma meditaccedilatildeo sobre a atuaccedilatildeo do proprietaacuterio na recuperaccedilatildeo

do seu direito pois nada acontece se ele agir de maneira ceacutelere Mesmo apoacutes a negativa

de permanecircncia da famiacutelia Graham a empresa Pye permaneceu 12 anos sem tomar as

providecircncias necessaacuterias para a desocupaccedilatildeo do local Eacute um espaccedilo consideraacutevel de

tempo Seria razoaacutevel entender que por ser ldquoinsanaacutevelrdquo o viacutecio da precariedade nunca

admitiria a consumaccedilatildeo da usucapiatildeo em favor dos Graham

Aleacutem de problemaacutetica essa interpretaccedilatildeo ressuscita o problema da ldquoposse eternamente

injustardquo o esbulhador nunca poderia usucapir mesmo se o esbulhado natildeo procurar

retomar a sua posse Ao que tudo indica a impossibilidade de saneamento do viacutecio da

precariedade reflete a um imperativo moral a quebra da confianccedila depositada deve ser

punida com a perenidade do caraacuteter injusto E aqui se abre a oportunidade de discutir

afinal qual eacute a funccedilatildeo da anaacutelise da injusticcedila como meio de barreira para a usucapiatildeo

Quando se faz referecircncia agraves diversas teacutecnicas de saneamento dos viacutecios eacute preciso

reconhecer que elas natildeo podem ser lidas como um modo de suplantar o fato de que a

posse do usucapiente natildeo foi autorizada e eacute exercida de forma contraacuteria aos interesses

do titular porque essa eacute uma condiccedilatildeo necessaacuteria para que a usucapiatildeo ocorra Ainda

que natildeo haja uma ldquobatalha campalrdquo em busca da posse ldquoCrucially the adverse

possessorrsquos use must be without permission (ldquoadverserdquo)rdquo65 A aquisiccedilatildeo sem autorizaccedilatildeo

e o exerciacutecio contraacuterio aos interesses do titular satildeo pressupostos para a usucapiatildeo

Em tais condiccedilotildees as estrateacutegias que visam a ldquoeliminaccedilatildeo da injusticcedilardquo pelo expurgo

dos viacutecios de origem soacute podem ser compreendidas como vias pelas quais se pretende

superar o chamado ldquoparadoxo moralrdquo66 aparentemente existente em torno da proacutepria

ideia de usucapiatildeo qual a justificativa para que algueacutem perca o seu direito de

propriedade em funccedilatildeo da atuaccedilatildeo natildeo autorizada de outra pessoa

Mas a falta de precisatildeo doutrinaacuteria na referecircncia agrave justiccedila ou injusticcedila da posse faz com

que a exigecircncia de que a posse ad usucapionem seja uma posse ldquojustardquo gere a falsa

ideia de que a atuaccedilatildeo do usucapiente estaacute em conformidade com o direito E as

estrateacutegias de saneamento reforccedilam essa confusatildeo ao se voltarem para o modo como a

posse foi adquirida Elas servem como uma justificativa para tentar amainar a ilicitude

65 MERRIL Thomas W SMITH Henry E Property Oxford Oxford University Press 2010 p36 66 KATZ Larissa ldquoThe moral paradox of adverse possession sovereignty and revolution in property lawrdquo McGill Law Journal Vol55 2010 pp47-80 cit p 59

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do apossamento mas isso eacute virtualmente impossiacutevel sem jogar o instituto em um non

sense pois a contrariedade da posse ad usucapionem eacute intriacutenseca a usucapiatildeo

Quando se diz que a posse do usucapiente eacute sempre injusta isso significa que ela natildeo

estaacute autorizada de forma alguma e se coloca sim em posiccedilatildeo de conflito (ainda que

velado) com os interesses do proprietaacuterio ou seja algueacutem vai adquirir a propriedade de

algo que jaacute tem dono e obviamente sem a colaboraccedilatildeo deste

Por isso as estrateacutegias de saneamento estatildeo por assim dizer ldquono lugar erradordquo pois

acabam mascarando a dinacircmica real do processo por meio do qual algueacutem caminha

para usucapir o bem de outrem Isto acaba ampliando as sombras existentes entre as

linhas que demarcam uma posse ldquomoralmente legitimadardquo a viabilizar a usucapiatildeo e a

adversidade sem a qual a aquisiccedilatildeo natildeo tem como se efetivar

Nessa direccedilatildeo a caracterizaccedilatildeo da posse ad usucapionem natildeo depende do saneamento

dos viacutecios objetivos pois o meio objetivo pelo qual se deu o apossamento eacute afinal

irrelevante Basta o chamado ldquoteste de uso incompatiacutevelrdquo (inconsistent use test) ou

seja da verificaccedilatildeo de que a posse natildeo autorizada se daacute em desconformidade com a

agenda estabelecida pelo proprietaacuterio do bem a ser usucapido67 Natildeo importa o modo

pelo qual tal contrariedade ganhou forma o fato eacute que ela existe e uma vez constatada

gera para o proprietaacuterio a oportunidade de se opor dentro de um determinado periacuteodo

de tempo sem o que perderaacute a titularidade do bem

Eacute importante ainda deixar expliacutecito o fato de que toda discussatildeo em torno dos

pressupostos para a aquisiccedilatildeo pela usucapiatildeo reflete uma dada concepccedilatildeo acerca da

propriedade Debater em que circunstacircncia algueacutem pode se tornar o proprietaacuterio do

bem que eacute de outro resvala em uma avaliaccedilatildeo acerca da amplitude de formas de

atuaccedilatildeo que o proprietaacuterio estaacute legitimado a desempenhar

Do mesmo modo a possiacutevel imoralidade existente na atribuiccedilatildeo do direito de

propriedade em favor de algueacutem que viola o direito de outrem eacute decorrente de uma

visatildeo que considera moralmente aceitaacutevel que o bem objeto desse direito possa

permanecer sem um uso efetivo durante um nuacutemero maior ou menor de anos jaacute que

natildeo haacute usucapiatildeo sem a ineacutercia do titular do direito a ser usucapido

67 KATZ Larissa ldquoThe moral paradoxrdquo cit p50

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Nesse sentido ultrapassar a discussatildeo acerca das estrateacutegias de saneamento dos viacutecios

da aquisiccedilatildeo rumo a um debate aprofundado sobre as razotildees que contribuem para a

superaccedilatildeo do paradoxo moral permitiria por exemplo a consideraccedilatildeo de que mesmo

um possuidor de maacute-feacute pode dar um uso economicamente mais eficiente do que aquele

dado pelo possuidor originaacuterio68 ou que em um contexto de deacuteficit de moradias a

ideia de que ldquoo natildeo uso eacute uma forma de usordquo69 seria juriacutedica e moralmente indefensaacutevel

pois corresponderia a absolutizaccedilatildeo da propriedade

O debate moral em torno da usucapiatildeo eacute rico de possibilidades que auxiliam na

compreensatildeo adequada do instituto e tambeacutem por isso natildeo pode ser represado Quando

se vecirc tanto esforccedilo doutrinaacuterio para expurgar os viacutecios objetivos de origem o uacutenico

sentido possiacutevel para tanto eacute pressuposto de que haacute uma avaliaccedilatildeo moralmente

negativa em torno da ideia de que uma posse ldquoinjustardquo seja apta a transformar um

ldquoladratildeordquo em proprietaacuterio Mas aqui o foco estaacute todo voltado para como a posse foi

adquirida o que reduz enormemente a investigaccedilatildeo Natildeo se trata da defesa da

legitimaccedilatildeo do uso da forccedila como se fosse possiacutevel concordar com a grilagem de terras

mas justo o oposto da possibilidade de reconhecimento de que mesmo o uso da forccedila

pode ser justificado quando a efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais como os relativos agrave

moradia e ao trabalho se contrapotildeem ao natildeo uso e a especulaccedilatildeo A existecircncia do

instituto da usucapiatildeo revela em si mesma que ordenamento fez uma escolha na qual o

uso efetivo do bem estaacute em uma posiccedilatildeo hierarquicamente superior ao natildeo uso Diante

da diferenciaccedilatildeo entre justiccedila e injusticcedila formal ndash relativa agrave aquisiccedilatildeo ndash e justiccedila ou

injusticcedila material (os valores materializados em cada efetivo apossamento) abre-se a

oportunidade de discutir as bases morais econocircmicas e filosoacuteficas por meio das quais eacute

ainda hoje possiacutevel fundamentar a manutenccedilatildeo ou perda dos direitos de propriedade

titularizados por algueacutem

De todo modo para os objetivos do presente estudo a hipoacutetese testada parece poder

ser adequadamente confirmada independentemente do modelo de usucapiatildeo a ser

adotado independentemente do fundamento mais adequado para usucapiatildeo em

68 FENNEL Lee Anne ldquoEfficient trespass the case for lsquobad faithrsquo adverse possessionrdquo Northwestern University Law Review Vol100 p1035-10962006 p53 Considerando-se que apenas um imoacutevel sem um uso efetivo pode ser objeto de apossamento alheio estendido por vaacuterios anos sem uma reaccedilatildeo apropriada a manutenccedilatildeo da sua titularidade pode ser lida como uma falha de mercado que daacute corpo agrave especulaccedilatildeo a venda do imoacutevel natildeo ocorre porque o titular natildeo encontra condiccedilotildees que lhe garantam a remuneraccedilatildeo pretendida naquele momento Da mesma forma levando-se em consideraccedilatildeo que no caso brasileiro a funccedilatildeo social remete agrave obrigatoriedade do uso e que isto por sua vez desaacutegua no exerciacutecio da posse toda posse ad usucapionem poderia ser lida como a vitoacuteria do uso produtivo sobre o natildeo uso especulativo Nesse sentido a posse de maacute-feacute corresponderia agrave deliberada intenccedilatildeo de concretizar um uso socialmente uacutetil a um bem que estaacute sendo administrado de forma ineficiente 69 NASCIMENTO Tupinambaacute Miguel Castro do Posse e propriedade Porto Alegre Livraria do Advogado 1986 p10

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nenhum lugar eacute possiacutevel colocar em questatildeo o fato de que a posse exercida pelo

esbulhador eacute adversa A posse exercida por algueacutem natildeo autorizado que deseja ou

acredita que jaacute tem o direito de outrem eacute nesse sentido sempre e necessariamente uma

posse injusta

Conclusatildeo

As tentativas de saneamentos dos viacutecios satildeo incongruentes e ineficientes porque a

superaccedilatildeo do paradoxo moral existente na usucapiatildeo depende de uma reflexatildeo acerca

daquilo que a sociedade considera como moralmente justificado em torno do exerciacutecio

do direito de propriedade E desde aiacute eacute possiacutevel perceber diversos aspectos que

demonstram que o exerciacutecio da posse seja qual for a sua qualificaccedilatildeo eacute mais forte do

que o natildeo uso a existecircncia mesma do instituto da usucapiatildeo o encurtamento

generalizado dos prazos para usucapir ocorrido no acircmbito do Coacutedigo Civil em vigor

mesmo na hipoacutetese extraordinaacuteria a ampliaccedilatildeo das modalidades de usucapiatildeo como

forma de premiar o exerciacutecio dirigido agrave busca da efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais

sociais como moradia e trabalho Nesse caminho o paradoxo moral se dissolve e o

saneamento dos viacutecios passa a ser irrelevante eacute mais importante saber o que se faz da

posse do que o modo pelo qual ela foi obtida

Em tais condiccedilotildees considerar que a posse ldquoboa para usucapirrdquo seja sempre injusta ndash no

sentido de que representa uma dissonacircncia necessaacuteria com a agenda estabelecida pelo

proprietaacuterio do bem a ser usucapido ndash natildeo significa o abandono da dimensatildeo moral

existente na qualificaccedilatildeo da posse do usucapiente Esta dimensatildeo apenas se desloca em

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Aprovado em 13052016 (1ordm parecer) 31052016 (2ordm parecer)

Como citar DANTAS Marcus Eduardo de Carvalho Toda posse ad usucapionem eacute uma posse injusta Civilisticacom Rio de Janeiro a 5 n 1 2016 Disponiacutevel em lthttpcivilisticacomtoda-posse-ad-usucapionem-e-uma-posse-injustagt Data de acesso

Page 26: Toda posse ad usucapionem é uma posse injusta

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Nesses termos o modelo processual inglecircs indica que a reflexatildeo acerca da usucapiatildeo

tambeacutem deve englobar uma meditaccedilatildeo sobre a atuaccedilatildeo do proprietaacuterio na recuperaccedilatildeo

do seu direito pois nada acontece se ele agir de maneira ceacutelere Mesmo apoacutes a negativa

de permanecircncia da famiacutelia Graham a empresa Pye permaneceu 12 anos sem tomar as

providecircncias necessaacuterias para a desocupaccedilatildeo do local Eacute um espaccedilo consideraacutevel de

tempo Seria razoaacutevel entender que por ser ldquoinsanaacutevelrdquo o viacutecio da precariedade nunca

admitiria a consumaccedilatildeo da usucapiatildeo em favor dos Graham

Aleacutem de problemaacutetica essa interpretaccedilatildeo ressuscita o problema da ldquoposse eternamente

injustardquo o esbulhador nunca poderia usucapir mesmo se o esbulhado natildeo procurar

retomar a sua posse Ao que tudo indica a impossibilidade de saneamento do viacutecio da

precariedade reflete a um imperativo moral a quebra da confianccedila depositada deve ser

punida com a perenidade do caraacuteter injusto E aqui se abre a oportunidade de discutir

afinal qual eacute a funccedilatildeo da anaacutelise da injusticcedila como meio de barreira para a usucapiatildeo

Quando se faz referecircncia agraves diversas teacutecnicas de saneamento dos viacutecios eacute preciso

reconhecer que elas natildeo podem ser lidas como um modo de suplantar o fato de que a

posse do usucapiente natildeo foi autorizada e eacute exercida de forma contraacuteria aos interesses

do titular porque essa eacute uma condiccedilatildeo necessaacuteria para que a usucapiatildeo ocorra Ainda

que natildeo haja uma ldquobatalha campalrdquo em busca da posse ldquoCrucially the adverse

possessorrsquos use must be without permission (ldquoadverserdquo)rdquo65 A aquisiccedilatildeo sem autorizaccedilatildeo

e o exerciacutecio contraacuterio aos interesses do titular satildeo pressupostos para a usucapiatildeo

Em tais condiccedilotildees as estrateacutegias que visam a ldquoeliminaccedilatildeo da injusticcedilardquo pelo expurgo

dos viacutecios de origem soacute podem ser compreendidas como vias pelas quais se pretende

superar o chamado ldquoparadoxo moralrdquo66 aparentemente existente em torno da proacutepria

ideia de usucapiatildeo qual a justificativa para que algueacutem perca o seu direito de

propriedade em funccedilatildeo da atuaccedilatildeo natildeo autorizada de outra pessoa

Mas a falta de precisatildeo doutrinaacuteria na referecircncia agrave justiccedila ou injusticcedila da posse faz com

que a exigecircncia de que a posse ad usucapionem seja uma posse ldquojustardquo gere a falsa

ideia de que a atuaccedilatildeo do usucapiente estaacute em conformidade com o direito E as

estrateacutegias de saneamento reforccedilam essa confusatildeo ao se voltarem para o modo como a

posse foi adquirida Elas servem como uma justificativa para tentar amainar a ilicitude

65 MERRIL Thomas W SMITH Henry E Property Oxford Oxford University Press 2010 p36 66 KATZ Larissa ldquoThe moral paradox of adverse possession sovereignty and revolution in property lawrdquo McGill Law Journal Vol55 2010 pp47-80 cit p 59

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do apossamento mas isso eacute virtualmente impossiacutevel sem jogar o instituto em um non

sense pois a contrariedade da posse ad usucapionem eacute intriacutenseca a usucapiatildeo

Quando se diz que a posse do usucapiente eacute sempre injusta isso significa que ela natildeo

estaacute autorizada de forma alguma e se coloca sim em posiccedilatildeo de conflito (ainda que

velado) com os interesses do proprietaacuterio ou seja algueacutem vai adquirir a propriedade de

algo que jaacute tem dono e obviamente sem a colaboraccedilatildeo deste

Por isso as estrateacutegias de saneamento estatildeo por assim dizer ldquono lugar erradordquo pois

acabam mascarando a dinacircmica real do processo por meio do qual algueacutem caminha

para usucapir o bem de outrem Isto acaba ampliando as sombras existentes entre as

linhas que demarcam uma posse ldquomoralmente legitimadardquo a viabilizar a usucapiatildeo e a

adversidade sem a qual a aquisiccedilatildeo natildeo tem como se efetivar

Nessa direccedilatildeo a caracterizaccedilatildeo da posse ad usucapionem natildeo depende do saneamento

dos viacutecios objetivos pois o meio objetivo pelo qual se deu o apossamento eacute afinal

irrelevante Basta o chamado ldquoteste de uso incompatiacutevelrdquo (inconsistent use test) ou

seja da verificaccedilatildeo de que a posse natildeo autorizada se daacute em desconformidade com a

agenda estabelecida pelo proprietaacuterio do bem a ser usucapido67 Natildeo importa o modo

pelo qual tal contrariedade ganhou forma o fato eacute que ela existe e uma vez constatada

gera para o proprietaacuterio a oportunidade de se opor dentro de um determinado periacuteodo

de tempo sem o que perderaacute a titularidade do bem

Eacute importante ainda deixar expliacutecito o fato de que toda discussatildeo em torno dos

pressupostos para a aquisiccedilatildeo pela usucapiatildeo reflete uma dada concepccedilatildeo acerca da

propriedade Debater em que circunstacircncia algueacutem pode se tornar o proprietaacuterio do

bem que eacute de outro resvala em uma avaliaccedilatildeo acerca da amplitude de formas de

atuaccedilatildeo que o proprietaacuterio estaacute legitimado a desempenhar

Do mesmo modo a possiacutevel imoralidade existente na atribuiccedilatildeo do direito de

propriedade em favor de algueacutem que viola o direito de outrem eacute decorrente de uma

visatildeo que considera moralmente aceitaacutevel que o bem objeto desse direito possa

permanecer sem um uso efetivo durante um nuacutemero maior ou menor de anos jaacute que

natildeo haacute usucapiatildeo sem a ineacutercia do titular do direito a ser usucapido

67 KATZ Larissa ldquoThe moral paradoxrdquo cit p50

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Nesse sentido ultrapassar a discussatildeo acerca das estrateacutegias de saneamento dos viacutecios

da aquisiccedilatildeo rumo a um debate aprofundado sobre as razotildees que contribuem para a

superaccedilatildeo do paradoxo moral permitiria por exemplo a consideraccedilatildeo de que mesmo

um possuidor de maacute-feacute pode dar um uso economicamente mais eficiente do que aquele

dado pelo possuidor originaacuterio68 ou que em um contexto de deacuteficit de moradias a

ideia de que ldquoo natildeo uso eacute uma forma de usordquo69 seria juriacutedica e moralmente indefensaacutevel

pois corresponderia a absolutizaccedilatildeo da propriedade

O debate moral em torno da usucapiatildeo eacute rico de possibilidades que auxiliam na

compreensatildeo adequada do instituto e tambeacutem por isso natildeo pode ser represado Quando

se vecirc tanto esforccedilo doutrinaacuterio para expurgar os viacutecios objetivos de origem o uacutenico

sentido possiacutevel para tanto eacute pressuposto de que haacute uma avaliaccedilatildeo moralmente

negativa em torno da ideia de que uma posse ldquoinjustardquo seja apta a transformar um

ldquoladratildeordquo em proprietaacuterio Mas aqui o foco estaacute todo voltado para como a posse foi

adquirida o que reduz enormemente a investigaccedilatildeo Natildeo se trata da defesa da

legitimaccedilatildeo do uso da forccedila como se fosse possiacutevel concordar com a grilagem de terras

mas justo o oposto da possibilidade de reconhecimento de que mesmo o uso da forccedila

pode ser justificado quando a efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais como os relativos agrave

moradia e ao trabalho se contrapotildeem ao natildeo uso e a especulaccedilatildeo A existecircncia do

instituto da usucapiatildeo revela em si mesma que ordenamento fez uma escolha na qual o

uso efetivo do bem estaacute em uma posiccedilatildeo hierarquicamente superior ao natildeo uso Diante

da diferenciaccedilatildeo entre justiccedila e injusticcedila formal ndash relativa agrave aquisiccedilatildeo ndash e justiccedila ou

injusticcedila material (os valores materializados em cada efetivo apossamento) abre-se a

oportunidade de discutir as bases morais econocircmicas e filosoacuteficas por meio das quais eacute

ainda hoje possiacutevel fundamentar a manutenccedilatildeo ou perda dos direitos de propriedade

titularizados por algueacutem

De todo modo para os objetivos do presente estudo a hipoacutetese testada parece poder

ser adequadamente confirmada independentemente do modelo de usucapiatildeo a ser

adotado independentemente do fundamento mais adequado para usucapiatildeo em

68 FENNEL Lee Anne ldquoEfficient trespass the case for lsquobad faithrsquo adverse possessionrdquo Northwestern University Law Review Vol100 p1035-10962006 p53 Considerando-se que apenas um imoacutevel sem um uso efetivo pode ser objeto de apossamento alheio estendido por vaacuterios anos sem uma reaccedilatildeo apropriada a manutenccedilatildeo da sua titularidade pode ser lida como uma falha de mercado que daacute corpo agrave especulaccedilatildeo a venda do imoacutevel natildeo ocorre porque o titular natildeo encontra condiccedilotildees que lhe garantam a remuneraccedilatildeo pretendida naquele momento Da mesma forma levando-se em consideraccedilatildeo que no caso brasileiro a funccedilatildeo social remete agrave obrigatoriedade do uso e que isto por sua vez desaacutegua no exerciacutecio da posse toda posse ad usucapionem poderia ser lida como a vitoacuteria do uso produtivo sobre o natildeo uso especulativo Nesse sentido a posse de maacute-feacute corresponderia agrave deliberada intenccedilatildeo de concretizar um uso socialmente uacutetil a um bem que estaacute sendo administrado de forma ineficiente 69 NASCIMENTO Tupinambaacute Miguel Castro do Posse e propriedade Porto Alegre Livraria do Advogado 1986 p10

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nenhum lugar eacute possiacutevel colocar em questatildeo o fato de que a posse exercida pelo

esbulhador eacute adversa A posse exercida por algueacutem natildeo autorizado que deseja ou

acredita que jaacute tem o direito de outrem eacute nesse sentido sempre e necessariamente uma

posse injusta

Conclusatildeo

As tentativas de saneamentos dos viacutecios satildeo incongruentes e ineficientes porque a

superaccedilatildeo do paradoxo moral existente na usucapiatildeo depende de uma reflexatildeo acerca

daquilo que a sociedade considera como moralmente justificado em torno do exerciacutecio

do direito de propriedade E desde aiacute eacute possiacutevel perceber diversos aspectos que

demonstram que o exerciacutecio da posse seja qual for a sua qualificaccedilatildeo eacute mais forte do

que o natildeo uso a existecircncia mesma do instituto da usucapiatildeo o encurtamento

generalizado dos prazos para usucapir ocorrido no acircmbito do Coacutedigo Civil em vigor

mesmo na hipoacutetese extraordinaacuteria a ampliaccedilatildeo das modalidades de usucapiatildeo como

forma de premiar o exerciacutecio dirigido agrave busca da efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais

sociais como moradia e trabalho Nesse caminho o paradoxo moral se dissolve e o

saneamento dos viacutecios passa a ser irrelevante eacute mais importante saber o que se faz da

posse do que o modo pelo qual ela foi obtida

Em tais condiccedilotildees considerar que a posse ldquoboa para usucapirrdquo seja sempre injusta ndash no

sentido de que representa uma dissonacircncia necessaacuteria com a agenda estabelecida pelo

proprietaacuterio do bem a ser usucapido ndash natildeo significa o abandono da dimensatildeo moral

existente na qualificaccedilatildeo da posse do usucapiente Esta dimensatildeo apenas se desloca em

direccedilatildeo a uma investigaccedilatildeo criteriosa acerca do conteuacutedo da posse materializada frente

agrave anaacutelise da conduta do proprietaacuterio ante ao apossamento natildeo autorizado

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Aprovado em 13052016 (1ordm parecer) 31052016 (2ordm parecer)

Como citar DANTAS Marcus Eduardo de Carvalho Toda posse ad usucapionem eacute uma posse injusta Civilisticacom Rio de Janeiro a 5 n 1 2016 Disponiacutevel em lthttpcivilisticacomtoda-posse-ad-usucapionem-e-uma-posse-injustagt Data de acesso

Page 27: Toda posse ad usucapionem é uma posse injusta

civilisticacom || a 5 n 1 2016 || 27

do apossamento mas isso eacute virtualmente impossiacutevel sem jogar o instituto em um non

sense pois a contrariedade da posse ad usucapionem eacute intriacutenseca a usucapiatildeo

Quando se diz que a posse do usucapiente eacute sempre injusta isso significa que ela natildeo

estaacute autorizada de forma alguma e se coloca sim em posiccedilatildeo de conflito (ainda que

velado) com os interesses do proprietaacuterio ou seja algueacutem vai adquirir a propriedade de

algo que jaacute tem dono e obviamente sem a colaboraccedilatildeo deste

Por isso as estrateacutegias de saneamento estatildeo por assim dizer ldquono lugar erradordquo pois

acabam mascarando a dinacircmica real do processo por meio do qual algueacutem caminha

para usucapir o bem de outrem Isto acaba ampliando as sombras existentes entre as

linhas que demarcam uma posse ldquomoralmente legitimadardquo a viabilizar a usucapiatildeo e a

adversidade sem a qual a aquisiccedilatildeo natildeo tem como se efetivar

Nessa direccedilatildeo a caracterizaccedilatildeo da posse ad usucapionem natildeo depende do saneamento

dos viacutecios objetivos pois o meio objetivo pelo qual se deu o apossamento eacute afinal

irrelevante Basta o chamado ldquoteste de uso incompatiacutevelrdquo (inconsistent use test) ou

seja da verificaccedilatildeo de que a posse natildeo autorizada se daacute em desconformidade com a

agenda estabelecida pelo proprietaacuterio do bem a ser usucapido67 Natildeo importa o modo

pelo qual tal contrariedade ganhou forma o fato eacute que ela existe e uma vez constatada

gera para o proprietaacuterio a oportunidade de se opor dentro de um determinado periacuteodo

de tempo sem o que perderaacute a titularidade do bem

Eacute importante ainda deixar expliacutecito o fato de que toda discussatildeo em torno dos

pressupostos para a aquisiccedilatildeo pela usucapiatildeo reflete uma dada concepccedilatildeo acerca da

propriedade Debater em que circunstacircncia algueacutem pode se tornar o proprietaacuterio do

bem que eacute de outro resvala em uma avaliaccedilatildeo acerca da amplitude de formas de

atuaccedilatildeo que o proprietaacuterio estaacute legitimado a desempenhar

Do mesmo modo a possiacutevel imoralidade existente na atribuiccedilatildeo do direito de

propriedade em favor de algueacutem que viola o direito de outrem eacute decorrente de uma

visatildeo que considera moralmente aceitaacutevel que o bem objeto desse direito possa

permanecer sem um uso efetivo durante um nuacutemero maior ou menor de anos jaacute que

natildeo haacute usucapiatildeo sem a ineacutercia do titular do direito a ser usucapido

67 KATZ Larissa ldquoThe moral paradoxrdquo cit p50

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Nesse sentido ultrapassar a discussatildeo acerca das estrateacutegias de saneamento dos viacutecios

da aquisiccedilatildeo rumo a um debate aprofundado sobre as razotildees que contribuem para a

superaccedilatildeo do paradoxo moral permitiria por exemplo a consideraccedilatildeo de que mesmo

um possuidor de maacute-feacute pode dar um uso economicamente mais eficiente do que aquele

dado pelo possuidor originaacuterio68 ou que em um contexto de deacuteficit de moradias a

ideia de que ldquoo natildeo uso eacute uma forma de usordquo69 seria juriacutedica e moralmente indefensaacutevel

pois corresponderia a absolutizaccedilatildeo da propriedade

O debate moral em torno da usucapiatildeo eacute rico de possibilidades que auxiliam na

compreensatildeo adequada do instituto e tambeacutem por isso natildeo pode ser represado Quando

se vecirc tanto esforccedilo doutrinaacuterio para expurgar os viacutecios objetivos de origem o uacutenico

sentido possiacutevel para tanto eacute pressuposto de que haacute uma avaliaccedilatildeo moralmente

negativa em torno da ideia de que uma posse ldquoinjustardquo seja apta a transformar um

ldquoladratildeordquo em proprietaacuterio Mas aqui o foco estaacute todo voltado para como a posse foi

adquirida o que reduz enormemente a investigaccedilatildeo Natildeo se trata da defesa da

legitimaccedilatildeo do uso da forccedila como se fosse possiacutevel concordar com a grilagem de terras

mas justo o oposto da possibilidade de reconhecimento de que mesmo o uso da forccedila

pode ser justificado quando a efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais como os relativos agrave

moradia e ao trabalho se contrapotildeem ao natildeo uso e a especulaccedilatildeo A existecircncia do

instituto da usucapiatildeo revela em si mesma que ordenamento fez uma escolha na qual o

uso efetivo do bem estaacute em uma posiccedilatildeo hierarquicamente superior ao natildeo uso Diante

da diferenciaccedilatildeo entre justiccedila e injusticcedila formal ndash relativa agrave aquisiccedilatildeo ndash e justiccedila ou

injusticcedila material (os valores materializados em cada efetivo apossamento) abre-se a

oportunidade de discutir as bases morais econocircmicas e filosoacuteficas por meio das quais eacute

ainda hoje possiacutevel fundamentar a manutenccedilatildeo ou perda dos direitos de propriedade

titularizados por algueacutem

De todo modo para os objetivos do presente estudo a hipoacutetese testada parece poder

ser adequadamente confirmada independentemente do modelo de usucapiatildeo a ser

adotado independentemente do fundamento mais adequado para usucapiatildeo em

68 FENNEL Lee Anne ldquoEfficient trespass the case for lsquobad faithrsquo adverse possessionrdquo Northwestern University Law Review Vol100 p1035-10962006 p53 Considerando-se que apenas um imoacutevel sem um uso efetivo pode ser objeto de apossamento alheio estendido por vaacuterios anos sem uma reaccedilatildeo apropriada a manutenccedilatildeo da sua titularidade pode ser lida como uma falha de mercado que daacute corpo agrave especulaccedilatildeo a venda do imoacutevel natildeo ocorre porque o titular natildeo encontra condiccedilotildees que lhe garantam a remuneraccedilatildeo pretendida naquele momento Da mesma forma levando-se em consideraccedilatildeo que no caso brasileiro a funccedilatildeo social remete agrave obrigatoriedade do uso e que isto por sua vez desaacutegua no exerciacutecio da posse toda posse ad usucapionem poderia ser lida como a vitoacuteria do uso produtivo sobre o natildeo uso especulativo Nesse sentido a posse de maacute-feacute corresponderia agrave deliberada intenccedilatildeo de concretizar um uso socialmente uacutetil a um bem que estaacute sendo administrado de forma ineficiente 69 NASCIMENTO Tupinambaacute Miguel Castro do Posse e propriedade Porto Alegre Livraria do Advogado 1986 p10

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nenhum lugar eacute possiacutevel colocar em questatildeo o fato de que a posse exercida pelo

esbulhador eacute adversa A posse exercida por algueacutem natildeo autorizado que deseja ou

acredita que jaacute tem o direito de outrem eacute nesse sentido sempre e necessariamente uma

posse injusta

Conclusatildeo

As tentativas de saneamentos dos viacutecios satildeo incongruentes e ineficientes porque a

superaccedilatildeo do paradoxo moral existente na usucapiatildeo depende de uma reflexatildeo acerca

daquilo que a sociedade considera como moralmente justificado em torno do exerciacutecio

do direito de propriedade E desde aiacute eacute possiacutevel perceber diversos aspectos que

demonstram que o exerciacutecio da posse seja qual for a sua qualificaccedilatildeo eacute mais forte do

que o natildeo uso a existecircncia mesma do instituto da usucapiatildeo o encurtamento

generalizado dos prazos para usucapir ocorrido no acircmbito do Coacutedigo Civil em vigor

mesmo na hipoacutetese extraordinaacuteria a ampliaccedilatildeo das modalidades de usucapiatildeo como

forma de premiar o exerciacutecio dirigido agrave busca da efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais

sociais como moradia e trabalho Nesse caminho o paradoxo moral se dissolve e o

saneamento dos viacutecios passa a ser irrelevante eacute mais importante saber o que se faz da

posse do que o modo pelo qual ela foi obtida

Em tais condiccedilotildees considerar que a posse ldquoboa para usucapirrdquo seja sempre injusta ndash no

sentido de que representa uma dissonacircncia necessaacuteria com a agenda estabelecida pelo

proprietaacuterio do bem a ser usucapido ndash natildeo significa o abandono da dimensatildeo moral

existente na qualificaccedilatildeo da posse do usucapiente Esta dimensatildeo apenas se desloca em

direccedilatildeo a uma investigaccedilatildeo criteriosa acerca do conteuacutedo da posse materializada frente

agrave anaacutelise da conduta do proprietaacuterio ante ao apossamento natildeo autorizado

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TRIBUNAL DE JUSTICcedilA DO RIO DE JANEIRO ndash TJRJ Apelaccedilatildeo nordm 0096918-8820058190001 Rel Des Antocircnio Saldanha Palheiro Julgamento 12042011 5ordf Cacircmara Ciacutevel Disponiacutevel em httpwww1tjrjjusbrgedcachewebdefaultaspxUZIP=1ampGEDID=0003FDB81056920E5F12D511F7343C44001098C403252532 Acesso em 12032015

TRIBUNAL DE JUSTICcedilA DE SAtildeO PAULO ndash TJSP Agravo de Instrumento nordm2243232-252015826000 7ordf Cacircmara de Direito Puacuteblico Rel Min Coimbra Schmidt Julgado em 23112015 Disponiacutevel em lthttpsesajtjspjusbrcposgshowdoprocessoforo=990ampprocessocodigo=RI0032WUQ0000gt Acesso em 25112015

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civilisticacom Recebido em 18042016

Aprovado em 13052016 (1ordm parecer) 31052016 (2ordm parecer)

Como citar DANTAS Marcus Eduardo de Carvalho Toda posse ad usucapionem eacute uma posse injusta Civilisticacom Rio de Janeiro a 5 n 1 2016 Disponiacutevel em lthttpcivilisticacomtoda-posse-ad-usucapionem-e-uma-posse-injustagt Data de acesso

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Nesse sentido ultrapassar a discussatildeo acerca das estrateacutegias de saneamento dos viacutecios

da aquisiccedilatildeo rumo a um debate aprofundado sobre as razotildees que contribuem para a

superaccedilatildeo do paradoxo moral permitiria por exemplo a consideraccedilatildeo de que mesmo

um possuidor de maacute-feacute pode dar um uso economicamente mais eficiente do que aquele

dado pelo possuidor originaacuterio68 ou que em um contexto de deacuteficit de moradias a

ideia de que ldquoo natildeo uso eacute uma forma de usordquo69 seria juriacutedica e moralmente indefensaacutevel

pois corresponderia a absolutizaccedilatildeo da propriedade

O debate moral em torno da usucapiatildeo eacute rico de possibilidades que auxiliam na

compreensatildeo adequada do instituto e tambeacutem por isso natildeo pode ser represado Quando

se vecirc tanto esforccedilo doutrinaacuterio para expurgar os viacutecios objetivos de origem o uacutenico

sentido possiacutevel para tanto eacute pressuposto de que haacute uma avaliaccedilatildeo moralmente

negativa em torno da ideia de que uma posse ldquoinjustardquo seja apta a transformar um

ldquoladratildeordquo em proprietaacuterio Mas aqui o foco estaacute todo voltado para como a posse foi

adquirida o que reduz enormemente a investigaccedilatildeo Natildeo se trata da defesa da

legitimaccedilatildeo do uso da forccedila como se fosse possiacutevel concordar com a grilagem de terras

mas justo o oposto da possibilidade de reconhecimento de que mesmo o uso da forccedila

pode ser justificado quando a efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais como os relativos agrave

moradia e ao trabalho se contrapotildeem ao natildeo uso e a especulaccedilatildeo A existecircncia do

instituto da usucapiatildeo revela em si mesma que ordenamento fez uma escolha na qual o

uso efetivo do bem estaacute em uma posiccedilatildeo hierarquicamente superior ao natildeo uso Diante

da diferenciaccedilatildeo entre justiccedila e injusticcedila formal ndash relativa agrave aquisiccedilatildeo ndash e justiccedila ou

injusticcedila material (os valores materializados em cada efetivo apossamento) abre-se a

oportunidade de discutir as bases morais econocircmicas e filosoacuteficas por meio das quais eacute

ainda hoje possiacutevel fundamentar a manutenccedilatildeo ou perda dos direitos de propriedade

titularizados por algueacutem

De todo modo para os objetivos do presente estudo a hipoacutetese testada parece poder

ser adequadamente confirmada independentemente do modelo de usucapiatildeo a ser

adotado independentemente do fundamento mais adequado para usucapiatildeo em

68 FENNEL Lee Anne ldquoEfficient trespass the case for lsquobad faithrsquo adverse possessionrdquo Northwestern University Law Review Vol100 p1035-10962006 p53 Considerando-se que apenas um imoacutevel sem um uso efetivo pode ser objeto de apossamento alheio estendido por vaacuterios anos sem uma reaccedilatildeo apropriada a manutenccedilatildeo da sua titularidade pode ser lida como uma falha de mercado que daacute corpo agrave especulaccedilatildeo a venda do imoacutevel natildeo ocorre porque o titular natildeo encontra condiccedilotildees que lhe garantam a remuneraccedilatildeo pretendida naquele momento Da mesma forma levando-se em consideraccedilatildeo que no caso brasileiro a funccedilatildeo social remete agrave obrigatoriedade do uso e que isto por sua vez desaacutegua no exerciacutecio da posse toda posse ad usucapionem poderia ser lida como a vitoacuteria do uso produtivo sobre o natildeo uso especulativo Nesse sentido a posse de maacute-feacute corresponderia agrave deliberada intenccedilatildeo de concretizar um uso socialmente uacutetil a um bem que estaacute sendo administrado de forma ineficiente 69 NASCIMENTO Tupinambaacute Miguel Castro do Posse e propriedade Porto Alegre Livraria do Advogado 1986 p10

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nenhum lugar eacute possiacutevel colocar em questatildeo o fato de que a posse exercida pelo

esbulhador eacute adversa A posse exercida por algueacutem natildeo autorizado que deseja ou

acredita que jaacute tem o direito de outrem eacute nesse sentido sempre e necessariamente uma

posse injusta

Conclusatildeo

As tentativas de saneamentos dos viacutecios satildeo incongruentes e ineficientes porque a

superaccedilatildeo do paradoxo moral existente na usucapiatildeo depende de uma reflexatildeo acerca

daquilo que a sociedade considera como moralmente justificado em torno do exerciacutecio

do direito de propriedade E desde aiacute eacute possiacutevel perceber diversos aspectos que

demonstram que o exerciacutecio da posse seja qual for a sua qualificaccedilatildeo eacute mais forte do

que o natildeo uso a existecircncia mesma do instituto da usucapiatildeo o encurtamento

generalizado dos prazos para usucapir ocorrido no acircmbito do Coacutedigo Civil em vigor

mesmo na hipoacutetese extraordinaacuteria a ampliaccedilatildeo das modalidades de usucapiatildeo como

forma de premiar o exerciacutecio dirigido agrave busca da efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais

sociais como moradia e trabalho Nesse caminho o paradoxo moral se dissolve e o

saneamento dos viacutecios passa a ser irrelevante eacute mais importante saber o que se faz da

posse do que o modo pelo qual ela foi obtida

Em tais condiccedilotildees considerar que a posse ldquoboa para usucapirrdquo seja sempre injusta ndash no

sentido de que representa uma dissonacircncia necessaacuteria com a agenda estabelecida pelo

proprietaacuterio do bem a ser usucapido ndash natildeo significa o abandono da dimensatildeo moral

existente na qualificaccedilatildeo da posse do usucapiente Esta dimensatildeo apenas se desloca em

direccedilatildeo a uma investigaccedilatildeo criteriosa acerca do conteuacutedo da posse materializada frente

agrave anaacutelise da conduta do proprietaacuterio ante ao apossamento natildeo autorizado

Referecircncias bibliograacuteficas

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Aprovado em 13052016 (1ordm parecer) 31052016 (2ordm parecer)

Como citar DANTAS Marcus Eduardo de Carvalho Toda posse ad usucapionem eacute uma posse injusta Civilisticacom Rio de Janeiro a 5 n 1 2016 Disponiacutevel em lthttpcivilisticacomtoda-posse-ad-usucapionem-e-uma-posse-injustagt Data de acesso

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esbulhador eacute adversa A posse exercida por algueacutem natildeo autorizado que deseja ou

acredita que jaacute tem o direito de outrem eacute nesse sentido sempre e necessariamente uma

posse injusta

Conclusatildeo

As tentativas de saneamentos dos viacutecios satildeo incongruentes e ineficientes porque a

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Em tais condiccedilotildees considerar que a posse ldquoboa para usucapirrdquo seja sempre injusta ndash no

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Como citar DANTAS Marcus Eduardo de Carvalho Toda posse ad usucapionem eacute uma posse injusta Civilisticacom Rio de Janeiro a 5 n 1 2016 Disponiacutevel em lthttpcivilisticacomtoda-posse-ad-usucapionem-e-uma-posse-injustagt Data de acesso

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civilisticacom || a 5 n 1 2016 || 33

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Como citar DANTAS Marcus Eduardo de Carvalho Toda posse ad usucapionem eacute uma posse injusta Civilisticacom Rio de Janeiro a 5 n 1 2016 Disponiacutevel em lthttpcivilisticacomtoda-posse-ad-usucapionem-e-uma-posse-injustagt Data de acesso