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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE FACULDADE DE DIREITO PERÍODO MATUTINO COMPATIBILIDADE DA REGULAÇÃO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO COM A ORDEM SOCIAL DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 Camila Aguiar Casal Higor Sena Maule Karla Velasquez Marco Antônio Versolato

Trabalho de Fundamentais - Final

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Trabalho de Direitos Fundamentais à respeito do Democratização dos Meios de Comunicação.

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Page 1: Trabalho de Fundamentais - Final

UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

FACULDADE DE DIREITO

PERÍODO MATUTINO

COMPATIBILIDADE DA REGULAÇÃO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO COM A

ORDEM SOCIAL DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

DE 1988

Camila Aguiar Casal

Higor Sena Maule

Karla Velasquez

Marco Antônio Versolato

São Paulo

2015

Page 2: Trabalho de Fundamentais - Final

A Regulamentação dos Meios de Comunicação e a Constituição Federal

Do ponto de vista histórico, a comunicação em geral é uma das ferramentas mais

cruciais para o povo brasileiro, assim como para todo o mundo atual, pois é a partir dela que

um país de diversas culturas e tradições se conecta. É através do acesso à informação e da

liberdade de expressão que é possível o desenvolvimento intelectual do homem e a

democratização da sociedade. Uma sociedade sem livre comunicação não pode ser

considerada democrática sob nenhuma hipótese.

Como é sabido, a Ditadura Militar brasileira deixou profundas marcas em nossa

sociedade. Os Atos Institucionais foram progressivamente endurecendo o sistema. Além

disso, o Decreto-Lei nº 1077, de 21 de janeiro de 1970, que instituiu a censura prévia às

publicações de jornais e revistas e também a nova Lei de Imprensa (Lei nº 5.250 de 9 de

fevereiro de 1967), estabelecida no governo do general Costa e Silva, contribuíram para

restringir a liberdade de informação de forma brutal. Esta última, fazia com que todas as

denúncias feitas contra o presidente – fundamentadas ou não – se tornassem ilegais. O ápice

da repressão veio com o Ato Institucional nº 5 (13 de dezembro de 1968) que fechou

permanentemente o Congresso Nacional, deu ainda mais poder ao presidente e levou a

censura contra a imprensa e os artistas brasileiros ao ápice.

Diante desse histórico, a Assembleia Constituinte responsável por elaborar a Magna

Carta de 1988 tinha como mote fundamental afastar arbitrariedades como as ocorridas entre

1964 e 1985. O interesse em preservar a liberdade de expressão e de informação era tão

grande que o assunto se tornou cláusula pétrea na Constituição Federal, já que é através delas

que a população tem instrumentos para fiscalizar as ações do governo e, caso seja necessário,

cobrar posições e intervenções quanto a determinado assunto. É a partir deste entendimento

que Karen Simões Ferreira Stuchi baseia sua tese de Mestrado, que diz:

“Os meios de comunicação social são essenciais em uma democracia, pois é através dele que o público tem acesso a notícias e, por consequência, torna-se capaz de fiscalizar as ações governamentais. Para que isso ocorra efetivamente, é fundamental preservar a pluralidade destes meios, de modo a garantir uma diversidade de ideias e de opiniões, evitando-se ao máximo o monopólio discursivo.”1

1 STUCHI, Karen Simões Ferreira. A Relação Econômica da Comunicação e seus Efeitos no Estado Democrático de Direito. São Paulo: Mackenzie, 2013; p. 9. Disponível em: <http://tede.mackenzie.com.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=3202> Acesso em: 21 out. 2015

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Page 3: Trabalho de Fundamentais - Final

Conforme disposto abaixo, o artigo 5º da Constituição já prevê, em seus incisos IV, V,

X, XIII e XIV todo um conjunto de diretrizes para a proteção do direito fundamental à

liberdade de imprensa e de expressão. Porém, já é possível adiantar que apesar de dispor sobre

a liberdade imprensa, é extremamente nebuloso e complicado o assunto da democratização da

comunicação social na Constituição Federal.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;  V- é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização

por dano material, moral ou à imagem; [...]X- são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,

assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;   

[...] XIII- é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;   

XIV- é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional; 2

É possível afirmar que o Direito à Comunicação traz consigo o reconhecimento de que

todo cidadão pode se dirigir à coletividade e se expressar da maneira mais aberta possível e

não somente ser receptáculo de informações escassas de ínfimas fontes, o que garante o seu

direito de acesso à informação, além de proporcionar o seu desenvolvimento crítico e

engajamento na sociedade.

A liberdade de informação da informação jornalística, especificamente, é garantida por

meio de dispositivos relacionados no capítulo V do Título VIII da Constituição Federal,

denominado de Comunicação Social e estão em consonância com os demais artigos

relacionados aos Direitos Fundamentais. Nesse são discriminadas, por exemplo, a vedação à

censura e ao monopólio ou oligopólio dos meios de comunicação, a desnecessária autorização

prévia para circulação de veículos de informação, conforme exposto abaixo:

2 BRASIL. Constituição Federal (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 2015. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>Acesso em 21 out. 2015.

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Page 4: Trabalho de Fundamentais - Final

“Art 220: A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observando o disposto nessa Constituição.

§1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observando o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV

§ 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística

[...]

§ 5º Os meios de comunicação social, não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio

§ 6º A publicação de veículo impresso de comunicação independe de licença de autoridade”3

Como exposto anteriormente, os efeitos de um regime autoritário e relativamente

recente permanecem. Por isso o legislador foi enfático ao vedar de forma expressa a censura

de natureza política, ideológica e artística. Além disso, o dispositivo veda a possibilidade de

que qualquer lei infraconstitucional seja um empecilho à liberdade de imprensa e, no mesmo

sentido, garante que não exista a obrigatoriedade de autorização por parte do Poder Público

para que publicações impressas de comunicação circulem. Além de dispor de outros

princípios:

"O art. 220 é de instantânea observância quanto ao desfrute das liberdades de pensamento,

criação, expressão e informação que, de alguma forma, se veiculem pelos órgãos de

comunicação social. Isso sem prejuízo da aplicabilidade dos seguintes incisos do art. 5º da

mesma CF: vedação do anonimato (parte final do inciso IV); do direito de resposta (inciso V);

direito à indenização por dano material ou moral à intimidade, à vida privada, à honra e à

imagem das pessoas (inciso X); livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão,

atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer (inciso XIII); direito ao resguardo

do sigilo da fonte de informação, quando necessário ao exercício profissional (inciso XIV). (...)

4

Por último, há a vedação ao monopólio e oligopólio dos meios de comunicação. O

último quesito constitui certo embaraço. Não existe um monopólio no que diz respeito à

3 BRASIL. Constituição Federal (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 2015. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm> Acesso em 21 out. 2015.4 (ADPF 130, rel. min. Ayres Britto, julgamento em 30-4-2009, Plenário, DJE de 6-11-2009.)

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Page 5: Trabalho de Fundamentais - Final

comunicação social do país porque diversos veículos são constituídos, caracterizando a livre

concorrência. Os oligopólios, por sua vez, podem ser caracterizados, uma vez que grande

parte das operadoras de comunicação estão interligadas, já que o controle das grandes

corporações televisivas e de rádio fusão recaí sobre algumas famílias que manejam a opinião

da população brasileira da forma que for conveniente, fazendo com que a opinião pública

tenha tendências claramente delineadas. Atualmente no Brasil os meios de comunicação

viraram um mercado lucrativo aos empresários e grandes corporações, que muitas vezes se

pronunciam de forma duvidosa, com o intuito de lucrar cada vez mais, deixando de lado o

objetivo principal dos veículos de mídia, que é informar e entreter.

É de entendimento doutrinário que a Constituição proporcionou ferramentas para que

toda a população tenha acesso aos meios de comunicação e que ela possa também usar destes

meios para se expressar, entretanto, a aplicação de tais direitos fundamentais recaí sobre o

Poder Executivo, que falha na elaboração e na implementação de tais dispositivos

infraconstitucionais, dificultando a efetivação de um acesso realmente democrático. E de

todas as exigências constitucionais apenas três foram editadas: a lei 9.294/96, que tem a

função de regular o artigo 220, parágrafo 4º, a lei 10.610/2002, que trata da participação de

capital estrangeiro em empresas de comunicação e a lei 8.389/91, que criou o Conselho de

Comunicação Social.

O artigo 21 da Constituição Federal trata sobre a exploração dos serviços de

radiodifusão sonora, de sons e imagens que são de competência exclusiva da União, ou seja,

Governo Federal. É uma regra que determina a necessidade das concessões pública para a

operação de rádios e tevês, ao contrário do que ocorre nas mídias impressas para as quais a

atividade e livre.

A outorga e renovação da concessão aos serviços de radiodifusão sonora e de som e

imagem pelo Poder Executivo (artigo 223, CF) e apreciação posterior pelo Congresso

Nacional (art 223, §1º, CF) constituem importantes marcos da Constituição de 1988, mas na

realidade não há fiscalização efetiva por parte do Legislativo, o que contribui para a

manutenção do status quo com relação à Constituição passada e acaba dificultando, em última

instância, a implementação e efetivação do acesso democrático.

Apesar da garantia constitucional, poucos tem a oportunidade de se expressar e

difundir conhecimento à população através dos meios de comunicação, pois há no Brasil um

privilégio de conseguir se comunicar de forma clara e eficiente restringido a algumas pessoas.

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Page 6: Trabalho de Fundamentais - Final

A pluralidade de opiniões deveria, assim como garante a Constituição, ser um direito

fundamental presente no cotidiano brasileiro, porém, é possível de afirmação que a grande

maioria da população é privada do acesso a informação e de poder se manifestar em meios

públicos sem uma forma de censura ou dificuldade.

A liberdade de expressão é um dos dispositivos mais poderosos para que a população

possa se pronunciar e defender-se a respeito das possíveis irregularidades cometidas pelo

Poder Público. Tal liberdade é garantida pela Liberdade de Imprensa, que estabelece um

ambiente no qual opiniões podem ser apresentadas sem censura, e tais opiniões ainda podem

ser debatidas e discutidas entre a população geral, gerando novos pensamentos.

Uma das funções principais da Imprensa é a de formar opiniões, porém, na situação

atual na qual nos encontramos, é possível afirmar que a Imprensa acaba trazendo uma

instabilidade democrática. É com esta preocupação em mente que Rui Barbosa dispõe:

“A imprensa é a vista da nação. Por ela é que a Nação acompanha o que lhe passa ao perto e ao longe, enxerga o que lhe malfazem, devassa o que lhe ocultam e tramam, colhe o que lhe sonegam, ou roubam, percebe onde lhe alvejam, ou nodoam, mede o que lhe cerceiam, ou destroem, vela pelo que lhe interessa, e se acautela do que a ameaça. (...) Um país de imprensa degenerada ou degenerescente é, portanto, um país cego e um país miasmado, um país de idéias falsas e sentimentos pervertidos, um país que, explorado na sua consciência, não poderá lutar com os vícios, que lhe exploram as instituições”.5

O Supremo Tribunal Federal em seu entendimento, através das palavras do Ministro Celso de

Mello, compreende que:

“A liberdade de imprensa, enquanto projeção das liberdades de comunicação e de manifestação do pensamento, reveste-se de conteúdo abrangente, por compreender, entre outras prerrogativas relevantes que lhe são inerentes, o direito de informar, o direito de buscar a informação, o direito de opinar, e o direito de criticar. A crítica jornalística, desse modo, traduz direito impregnado de qualificação constitucional, plenamente oponível aos que exercem qualquer atividade de interesse da coletividade em geral, pois o interesse social, que legitima o direito de criticar, sobrepõe-se a eventuais suscetibilidades que possam revelar as pessoas públicas ou as figuras notórias, exercentes, ou não, de cargos oficiais. A crítica que os meios de comunicação social dirigem às pessoas públicas, por mais dura e veemente que possa ser, deixa de sofrer, quanto ao seu concreto exercício, as limitações externas que ordinariamente resultam dos direitos de personalidade. Não induz responsabilidade civil a publicação de matéria jornalística cujo conteúdo divulgue observações em caráter mordaz ou irônico ou, então, veicule opiniões em tom de crítica severa, dura ou, até, impiedosa, ainda mais se a pessoa a quem tais observações forem dirigidas ostentar a condição de figura pública, investida, ou não, de autoridade

5 BARBOSA, Rui. A Imprensa e o Dever da Verdade. São Paulo: Com-Arte, USP, 1990, p. 20. Disponível em: <http://www.casaruibarbosa.gov.br/dados/DOC/artigos/rui_barbosa/FCRB_RuiBarbosa_AImprensa_eo_dever_da_verdade.pdf> Acesso em 21 out. 2015

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Page 7: Trabalho de Fundamentais - Final

governamental, pois, em tal contexto, a liberdade de crítica qualifica-se como verdadeira excludente anímica, apta a afastar o intuito doloso de ofender. Jurisprudência. Doutrina. O STF tem destacado, de modo singular, em seu magistério jurisprudencial, a necessidade de preservar-se a prática da liberdade de informação, resguardando-se, inclusive, o exercício do direito de crítica que dela emana, por tratar-se de prerrogativa essencial que se qualifica como um dos suportes axiológicos que conferem legitimação material à própria concepção do regime democrático. Mostra-se incompatível com o pluralismo de ideias, que legitima a divergência de opiniões, a visão daqueles que pretendem negar, aos meios de comunicação social (e aos seus profissionais), o direito de buscar e de interpretar as informações, bem assim a prerrogativa de expender as críticas pertinentes. Arbitrária, desse modo, e inconciliável com a proteção constitucional da informação, a repressão à crítica jornalística, pois o Estado – inclusive seus juízes e tribunais – não dispõe de poder algum sobre a palavra, sobre as ideias e sobre as convicções manifestadas pelos profissionais da imprensa.”6

Ao afirmar que o direito de criticar legitima o interesse social, o Supremo Tribunal

Federal trás recordações sobre a disposição da Constituição Federal e como os diversos meios

de comunicação são a forma mais eficaz de garantir a supremacia da democracia, além de

remeter à Liberdade de informação, ressalvando ainda “o exercício do direito de crítica que

dela emana”.

Como já foi dito, a informação constitui um dos principais requisitos para o exercício

da democracia, mas os meios de comunicação muitas vezes podem contribuir no sentido

oposto, já que o que é veiculado traz, comumente, o ponto de vista da empresa criadora do

conteúdo. A escolha do que ler, de quais restaurantes e bares frequentar, do que assistir e de

quais notícias ouvimos é pautada, muitas vezes, pelas empresas de comunicação que têm

concepções políticas e ideológicas como as pessoas naturais também as possuem. A forma

como uma entrevista a um candidato à eleição presidencial é conduzida pode influenciar

drasticamente a opinião dos eleitores e, por vezes, decidir quem será eleito. Esse foi o caso da

eleição presidencial de 1989 entre Fernando Collor de Mello e Luís Inácio Lula da Silva. A

forma como a edição ao debate efetuado pela Rede Globo foi efetuada conduziu a um

favorecimento do primeiro candidato em detrimento do segundo, culminando com a vitória de

Collor. Após o impeachment do ex-presidente Collor em 1993, a imagem da Rede Globo

ficou avariada e a emissora optou por não mais editar os debates eleitorais.7

O grau de influência desse tipo de informação depende de cada indivíduo e de seu

arcabouço cultural, mas de qualquer forma, a opinião pública tem um papel de relevante valor

social no Brasil e no mundo e, por isso mesmo, nos últimos anos houve um crescente debate

6  (AI 705.630-AgR, rel. min. Celso de Mello, julgamento em 22-3-2011, Segunda Turma, DJE de 6-4-2011.). Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/constituicao.asp> Acesso em 21 out. 20157 Retirado de <http://memoriaglobo.globo.com/erros/debate-collor-x-lula.htm> Acesso em 21 out. 2015

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Page 8: Trabalho de Fundamentais - Final

sobre a necessidade de regulação desse segmento, sobretudo após a 1ª Conferência Nacional

de Comunicação (Confecom), realizada no final de 2009. À época, o então presidente Lula se

comprometeu a apresentar à sociedade um debate público em que fosse possível delinear

posições sobre uma proposta de comunicação mais democrática.

Os meios de comunicação e suas entidades representativas como a Associação

Brasileira das Emissoras de Rádio e TV (Abert) declaram expressamente a rejeição aos

marcos regulatórios por associarem-no à censura. Para Renata Mielli, secretária do Fórum

Nacional de Democratização da Comunicação:

“A ausência de regras é a principal fonte do poder político e econômico dos grandes impérios da mídia. É por não haver parâmetros que determinem os limites de atuação dessas empresas que eles atuam sob o lema de que os fins não justificam os meios. Ignoram princípios éticos e constitucionais. Incitam o ódio, manipulam a opinião pública, vocalizam valores conservadores e atuam politicamente em defesa dos interesses da elite econômica da qual fazem parte e são porta-vozes. Também é preciso deixar claro que o sujeito do direito à comunicação não é a empresa jornalística ou de comunicação, é o cidadão. Ao argumentarem que o estabelecimento de regras para o setor é censura estão, na verdade, tentando preservar o direito privado à censura que eles praticam cotidianamente ao manipular as notícias que publicam. ”8

O objetivo, ao contrário, é ampliar a liberdade de expressão ao garantir que mais

grupos possam se expressar, já que não tem o objetivo de engessar a forma como os meios de

comunicação serão estruturados, mas de possibilitar uma participação mais efetiva da

população. A própria concessão do governo federal para explorar um canal de TV ou rádio já

constitui uma forma de regulação. O importante, porém, é ter em mente o interesse coletivo.

A regulação deve ser efetuada de forma a favorecer a população e esse ponto constitui

impasse entre as emissoras de Rádio e TV, já que elas nem sempre têm como foco o receptor.

Com a transição do governo Lula para o governo Dilma, a presidenta ficou

responsável por encaminhar as discussões. Como até o momento não há nenhuma medida

efetiva em vigor, os movimentos sociais se envolveram com o tema:

“Ocorre que a discussão não veio e o movimento social então assumiu a tarefa de elaborar – a partir das resoluções da Confecom e, depois, da síntese que aglutinou as principais resoluções em torno dos 20 pontos para uma comunicação democrática – uma proposta no formato de

8 MIELI, Renata. Na proposta de regulação dos meios de comunicação não há censura: entrevista concedida ao jornal Brasil de Fato. Belo Horizonte, 2015. Entrevista concedida à Joana Tavares. Disponível em: <http://www.brasildefato.com.br/node/31794> Acesso em 21 out. 2015

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projeto de lei. O PLIP tem como foco propostas para regulamentar os artigos da Constituição Federal que tratam da Comunicação Social Eletrônica, principalmente televisão e rádio, que são objeto de concessão pública. Ele propõe parâmetros mais transparentes e democráticos para a discussão das outorgas e renovação das outorgas de rádio e televisão, define regras para impedir a formação de monopólio na comunicação, proíbe a propriedade cruzada, define como deve ser a distribuição dos canais de rádio e televisão entre emissoras públicas, privadas e estatal, define regras para a veiculação da produção regional e independente”9

Atualmente existem diversas organizações que tentam fomentar o debate junto à

população, como o Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.10, que trabalha para

que haja a efetivação do direito à comunicação no país com atuação de profissionais de

diversas áreas – inclusive do Direito. Os colaboradores auxiliam com ações locais e na

formulação e realização das estratégias adotadas pelo grupo. A revista Carta Capital abre

espaço para esse coletivo através de um blog com postagens semanais. Além do Intervozes,

podemos citar outras como a ANDI11, que é uma organização da sociedade civil e a Article

1912, que é uma organização internacional, presente em diversos países e que tem como mote

o artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos do Homem:

“Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão.”

Esse debate envolve o direito à comunicação, que como já foi exposto, engloba a

vedação à restrição da capacidade da população de exprimir suas opiniões e pela liberdade de

receber informações dos mais diversos tipos de mídia de forma transparente, garantindo

condições de operação mínimas do serviço de forma a manter o interesse. Não é por acaso que

as mídias eletrônicas têm ganhado cada vez mais destaque. As manifestações de junho de

2013, que iniciaram como forma de protesto ao aumento da passagem de ônibus e ganharam

contornos muito maiores, tiveram como palco as redes sociais e, em especial, o Facebook.

Através dele eram feitas convocações para as manifestações, troca de informações entre os

manifestantes em tempo real e denúncias às brutalidades policiais. A plataforma teve tanta

importância para o movimento que as Companhias de Rádio e TV buscavam nela a fonte para

9 MIELI, Renata, 2015. Disponível em: <http://www.brasildefato.com.br/node/31794 > . Acesso em 21 out. 201510 http://intervozes.org.br/11 http://www.andi.org.br/12 https://www.article19.org/index.php?lang=pt

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Page 10: Trabalho de Fundamentais - Final

suas reportagens. A escolha de uma divulgação alternativa se deu por uma necessidade de

exposição do que não era tratado pela mídia de massa.

Thomas Hoeren, professor do Instituto para a Informação, Telecomunicações e Direito

de Mídia da Universidade de Münster, na Alemanha, disse: “A mídia precisa ser protegida por

uma legislação que trate do direito fundamental de cada individuo de se expressar livremente.

A regulação existe para ajudar a mídia, não para reprimi-la”.

O Estado tem destaque fundamental para equilibrar a relação entre esses dois agentes.

A filósofa Marilena Chauí destaca que, num Estado Democrático de Direito, não basta que

exista a isonomia (igualdade de todos perante a lei). Ela deve ser complementada pela isegoria

(o direito de todos de expor suas opiniões e vê-las discutidas).13

Como dito anteriormente, a regulação dos meios de comunicação em nosso país

acabou se tornando um tema bastante discutido e cheio de polêmicas, pois mesmo havendo

predisposições na Contituição Federal, não houve a vigilância e regulamentação necessárias,

criando um possível vácuo legislativo, aberto para qualquer tipo de interpretação.

A radiodifusão tem um valor histórico ao povo brasileiro, sendo o único meio de

informação durante décadas, atualizando todos os cantos mais remotos do Brasil sob a

situação política e pública do Governo, além de proporcionar entreternimento e ajudar na

disseminação da cultura brasileira a todos os cidadãos. É considerado um serviço publico

importantíssimo, assim como a os serviços relacionados à saúde, transporte e educação,

entretanto, contrário aos outros princípios fundamentais regidos pela Constituição Federal, o

da Democratização dos meios de comunicação tem poucas e confusas legislações que

instruem e auxiliam na aplicação de sua funcionalidade. Como consequência, houve o

aparecimento de grandes emissoras de televisão, vindas de famílias influentes, que visam o

lucro pessoal e a desinformação de acordo com seu próprio ganho, já que essas empresas

controlam a maioria absoluta do mercado da TV aberta. Algumas dessas famílias

controladoras de canais em seus respectivos estados são de parlamentares que estão exercendo

cargos públicos atualmente, algo que é vedado pelo artigo 54 da Constituição Federal.

O Sistema Televisivo é importantíssimo e talvez o mais influente na sociedade brasileira

atual, atingindo grandes massas da população em todas as partes do país. E assim como todos

os outros meios de comunicação, é importante pois é um dos meios centrais de informação, 13 CHAUÍ. Marilena. O poder da Mídia. Palestra proferida no lançamento da campanha “Para Expressar a Liberdade – Uma nova lei para um novo tempo”. Sindicato dos Jornalistas Profissionais de São Paulo em 27 de ago. 2012

10

Page 11: Trabalho de Fundamentais - Final

responsável por formações culturais, de valores e de opiniões públicas, ainda que grande parte

do conteúdo veiculado seja produzido apenas no eixo Rio-São Paulo. Desta forma, a

regulação desse setor se torna de fundamental importância e neutralidade, porém é necessário

atentar-se à regulação, para que não haja fatores ou ameaças de censura, seja ela política ou

moral. Neste entendimento, dispõe Procurador do Estado do Rio de Janeiro, Gustavo

Binenbojim:

“Aqui o dilema é ainda mais agudo, pois o conflito se dá entre as dimensões defensiva e protetiva do mesmo direito fundamental, que limita e exige a atuação estatal quase que simultaneamente. Nesse equilíbrio delicado e complexo, qualquer excesso na intervenção pode descambar para um Estato Totalitário e controlador das manifestações discursivas da sociedade civil, ao passo que qualquer omissão do Estado pode representar a exclusão do discurso público de grupos sociais econômica e politicamente desfavorecidos e a manipulação desse mesmo discurso por grupos hegemônicos que controlam os meios de comunicação de massa.”14

Conforme o exposto, podemos concluir que a regulação dos meios de comunicação

não é incompatível com a ordem social estabelecida através da Constituição Federal de 1988.

Isso porque os dispositivos contidos da Magna Carta delineiam princípios fundamentais para

a composição da Comunicação Social no país, mas precisa de dispositivos

infraconstituicionais para sua complementação. Atualmente há um poder descomunal com as

grandes emissoras de Rádio e TV, que são detentoras da informação recebida por grande parte

da população e muitas vezes aceitam o que lhes é passado sem questionamento. Isso não é

benéfico para a construção de uma sociedade crítica. É necessário definir direitos e deveres,

delimitando o exercício desses direitos, assim como clarificar as suas condições de uso e

defender a sociedade e o indivíduo contra eventuais abusos.

A regulação é, portanto, uma necessidade para definir as regras devidas para o

funcionamento desses veículos de comunicação, atendendo aos objetivos definidos pela

sociedade, tomando cuidado sempre para que não haja um abusos por parte do Estado

também.

14 BINENBOJM, Gustavo. Meios de Comunicação de Massa, Pluralismo e Democracia Deliberativa: as liberdades de expressão e de imprensa nos Estados Unidos e no Brasil. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico, Salvador, nº 5, fev./mar./abr. 2006. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com/revista/REDAE-5-FEVEREIRO-2006-GUSTAVO%20BINENBOJM.pdf> Acesso em 21 out. 2015

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Page 12: Trabalho de Fundamentais - Final

Referências Bibliográficas

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out 2015

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BARBOSA, Rui. A Imprensa e o Dever da Verdade. São Paulo: Com-Arte, USP, 1990, p. 20.

Disponível em:

<

http://www.casaruibarbosa.gov.br/dados/DOC/artigos/rui_barbosa/FCRB_RuiBarbosa_AImprensa_eo

_dever_da_verdade.pdf> Acesso em 21 out. 2015

BINENBOJM, Gustavo. Meios de Comunicação de Massa, Pluralistmo e Democracia

Deliberativa: as liberdades de expressão e de imprensa nos Estados Unidos e no Brasil.

Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico, Salvador, nº 5, fev./mar./abr.

2006.Disponível em <http://www.direitodoestado.com/revista/REDAE-5-FEVEREIRO-2006-

GUSTAVO%20BINENBOJM.pdf>. Acesso em 21 out. 2015

BRASIL. Constituição Federal (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília,

DF: Senado, 2015. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm> Acesso em 21 out. 2015.

_____.Supremo Tribunal Federal. Comentários à Constituição Federal (ADPF 130, rel.

min. Ayres Britto, julgamento em 30-4-2009, Plenário, DJE de 6-11-2009.). Brasília, DF: STF,

2015. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/constituicao.asp. Acesso em 21

out. 2015

_____.Supremo Tribunal Federal. Comentários à Constituição Federal (AI 705.630-AgR, rel.

min. Celso de Mello, julgamento em 22-3-2011, Segunda Turma, DJE de 6-4-2011). Brasília, DF:

STF, 2015. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/constituicao.asp. Acesso

em 21 out. 2015

12

Page 13: Trabalho de Fundamentais - Final

CHAUÍ. Marilena. O poder da Mídiaer Palestra proferida no lançamento da campanha “Para

Expressar a Liberdade – Uma nova lei para um novo tempo”. Sindicato dos Jornalistas

Profissionais de São Paulo em 27 de ago. 2012

EKMAN, Pedro; BARBOSA, Beatriz. (2014). Regulação da Mídia não é Censura. Carta

Capital, São Paulo, 04 jun. 2014. Disponível em

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