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UFMS - UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL CURSO DE EDUCAÇÃO FÍSICA JULIA MENIN FLORENTINO FUTEBOL: UM FASCÍNIO DA NAÇÃO BRASILEIRA. Corumbá-MS 2014

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UFMS - UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL

CURSO DE EDUCAÇÃO FÍSICA

JULIA MENIN FLORENTINO

FUTEBOL: UM FASCÍNIO DA NAÇÃO BRASILEIRA.

Corumbá-MS

2014

JULIA MENIN FLORENTINO

FUTEBOL: UM FASCÍNIO DA NAÇÃO BRASILEIRA.

Monografia apresentada como requisito para

conclusão do Curso de Educação Física para

obtenção do Título de Licenciado em Educação

Física.

Orientador: Prof. Dr. Fabiano Antonio dos Santos

Corumbá-MS

2014

Dedico este trabalho a Deus por ter me dado saúde e força para

superar as dificuldades.

Aos professores pelo simples fato de estarem dispostos a

ensinar.

Ao orientador pela paciência demonstrada no decorrer do

trabalho.

Enfim, a todos que de alguma forma tornaram este caminho

mais fácil de ser percorrido.

AGRADECIMENTOS

Agradeço ao professor Fabiano Antonio dos Santos pela ajuda e encaminhamentos, pois, sem

ele esse trabalho não seria possível.

Aos meus pais, Wilson e Marta, pelo apoio incondicional e por acreditar na minha

capacidade.

A Jessica, minha irmã, pelo apoio nessa caminhada e por se tornar um espelho para eu

conquistar os meus objetivos.

A Josefa e Marcelino, meus avós, pela ajuda nos primeiros dois anos de curso.

Ao Ivan, meu namorado, pela força na reta final do curso.

A Ailine e Aline, minhas amigas, pela companhia durante esse quatro anos de curso. Pelo

auxilio nos trabalhos e dificuldades e principalmente por estarem comigo nesta caminhada

tornando-a mais fácil e agradável.

Por fim, não poderia deixar de agradecer aos meus professores que me ensinaram a estar

sempre buscando novos conhecimentos.

RESUMO

A presente pesquisa tem como temática central o sentido e os significados que o futebol

assume entre os brasileiros, responsáveis por tornar tal esporte um dos instrumentos

identitários da nação. São objetivos: compreender os motivos que levam a população

brasileira a tamanha identidade com o futebol; Estudar a relação entre o futebol e a sociedade

brasileira; Discutir a problemática social oriunda do fascínio do povo brasileiro pelo futebol; e

analisar o uso do futebol ao longo de sua história no Brasil. A partir de pesquisa bibliográfica,

o estudo revelou que o futebol é muito mais que um esporte, é uma prática cultural e que, por

isso mesmo, gera tamanha repercussão entre os brasileiros. Usado como ferramenta para

inculcação ideológica durante a ditadura militar, boa parte dos estudiosos marxistas

apresentaram importantes contribuições quando apontaram que sua utilização contribuía para

a conformação do projeto de sociedade capitalista. Tais análises, pautadas na perspectiva

estruturalista de Althusser rapidamente foram superadas, dando lugar a uma análise dialética.

Nessa análise, o futebol é uma prática cultural capaz de oferecer elementos emancipatórios e

identitários, motivo pelo qual é possível tamanha identificação da nação brasileira com essa

atividade.

Palavras- chave: Futebol. Identidade nacional. Cultura.

ABSTRACT

This research has as its central theme the meaning and significance that football assumes

among Brazilians, responsible for making this sport one of the nation's identity instruments.

The objectives are: to understand the reasons why the Brazilian population have such identity

with football; Studying the relationship between football and Brazilian society; To discuss the

social problems arose from the fascination of the Brazilian people for football; and analyze

the use of football throughout its history in Brazil. From literature, the study revealed that

football is much more than a sport, it is a cultural practice and, therefore, creates such impact

among Brazilians. Used as a tool for ideological indoctrination during the military

dictatorship, many of Marxist scholars had significant contributions when pointed out that its

use contributed to the shaping of the project capitalist society. Such analysis, guided by the

structuralist perspective of Althusser was quickly overcome, replacing to a more dialectical

analysis. In this analysis, football is a cultural practice able to offer emancipatory and identity

elements, the reason why such identification is possible from the Brazilian nation with this

activity.

Keywords: Football. National identity. Culture.

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 9

2. FUTEBOL E SOCIEDADE ...................................................................................... 12

2.1 Futebol numa perspectiva Althusseriana ............................................................... 12

2.1.1 Aparelhos Ideológicos do Estado .................................................................... 12

2.1.2 Futebol como ópio do povo ............................................................................ 16

2.2 Origens do futebol e suas apropriações ................................................................. 18

3. FUTEBOL E CULTURA .......................................................................................... 23

3.1 Ser brasileiro: identidade e classe social ................................................................ 23

3.2 Futebol como manifestação cultural ...................................................................... 26

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 32

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 33

9

INTRODUÇÃO

“[...] Posso morrer pelo meu time

Se ele perder, que dor, imenso crime

Posso chorar se ele não ganhar

Mas se ele ganha, não adianta

Não há garganta que não pare

de berrar [...]”

Iniciamos o presente trabalho citando um trecho da canção É uma partida de futebol,

da banda Skank1, associada ao esporte e muito cantada em estádios por torcidas de futebol.

Nessa música fica explícito o sentimento muito forte e intenso dos torcedores pelos seus times

de futebol, o que despertou o meu interesse em entender esse fascínio do brasileiro pelo

futebol. Tomo como maior exemplo o meu pai, que passa horas diante da televisão assistindo

muitas partidas, seja do seu time ou não, tornando mais evidente essa paixão que não é apenas

por um time, e sim, pelo futebol.

Tomando como base desse estudo o futebol masculino de campo, que é o que mais

mexe com os brasileiros. O futebol não é disputado apenas dentro das “quatro linhas”, como é

popularmente dito, ele está presente em muitas áreas do nosso cotidiano, como por exemplo,

nos programas esportivos, nos livros, entre outros. Muitos usam o futebol como uma forma de

expressar seus sentimentos, que podem ir do amor, ao ódio, seja numa vitória do seu time,

numa derrota, ou até mesmo na torcida contra o seu rival, fazendo desse esporte o principal

assunto de inúmeras rodas de conversas no trabalho, em casa, nas praças, nos bares, etc..

Essa pesquisa teve início a partir do meu interesse em entender sobre alguns aspectos

do futebol brasileiro, mais precisamente do futebol como um elemento da cultura e da

sociedade. Partindo da constatação do grande fascínio que o futebol atinge em nossa

sociedade, passamos a nos perguntar: O que significa afirmar que vivemos em um país que se

identifica tanto com um determinado esporte como o futebol? Como pensar em tal identidade

se em tantas oportunidades ele foi/é utilizado como ferramenta ideológica? Que relações

existem entre futebol, cultura e formação social?

1 ROSA, Samuel; REIS, Nando. É uma partida de futebol. Disponível em:

<http://www.vagalume.com.br/skank/e-uma-partida-de-futebol.html>. Acesso em: 16 jun 2014

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Buscamos entender alguns aspectos do futebol brasileiro neste trabalho, pensando no

futebol como um elemento da cultura de nossa sociedade, partindo do entendimento de que

futebol faz parte da cultura em nosso país. Abordando elementos históricos do futebol na

tentativa de compreender como esse esporte se tornou “paixão nacional”, que é como a mídia

exibe principalmente em época de copa do mundo. Como se produziu o fascínio pelo futebol?

E ainda. Até onde vai este fascínio? Será que o futebol é capaz de deixar as pessoas

incapazes de enxergar os problemas que os rodeiam? Alguns estudiosos, como por exemplo

Roberto DaMatta e Jocimar Daolio descrevem esta relação entre esporte e sociedade.

Analisaremos como o futebol está presente na sociedade, problematizando o deslumbramento

de uma “nação” por este esporte. Tal problemática é importante para a área da educação

física, contribuindo para uma análise na perspectiva antropológica, visto que a grande maioria

dos estudos estão voltados para o futebol como espetáculo.

São objetivos dessa pesquisa: compreender os motivos que levam a população

brasileira a tamanha identidade com o futebol; Estudar a relação entre o futebol e a sociedade

brasileira; Discutir a problemática social oriunda do fascínio do povo brasileiro pelo futebol; e

analisar o uso do futebol ao longo de sua história no Brasil.

A metodologia partiu de uma abordagem qualitativa. Segundo Minayo (1995, p. 21) “a

pesquisa qualitativa responde a questões muito particulares. Ela se preocupa, nas ciências

sociais, com um nível de realidade que não pode ser quantificado”. Portanto, uma

característica importante das pesquisas qualitativas é que, incentivam os sujeitos a pensarem

livremente sobre algum tema, objeto ou conceito.

Essa pesquisa parte de uma revisão bibliográfica sobre o futebol enquanto

manifestação cultural e social e, portanto, uma prática vinculada aos problemas sociais

inerentes à formação social capitalista. Fonseca (2002) ressalta que “a pesquisa bibliográfica é

feita a partir do levantamento de referências teóricas já analisadas, e publicadas por meios

escritos e eletrônicos, como livros, artigos científicos e páginas de web sites” (p.31).

Na primeira seção, analisamos o futebol masculino como atividade voltada à

dominação e controle social, mostrando sua origem e uso ao longo da história brasileira,

principalmente pelo governo militar. Em seguida, discutimos o futebol masculino como

ferramenta ideológica, capaz de funcionar como estratégia para reproduzir os interesses da

classe dominante, uma espécie de ópio das massas.

Na segunda seção, apresentamos outra perspectiva de entendimento do futebol. Nessa,

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não se exclui a utilização do futebol como ópio2, mas busca-se identificar suas

potencialidades enquanto manifestação da cultura popular de um país, bem como o carnaval.

Inicialmente analisamos como um esporte procedente de outra sociedade, rapidamente tornou-

se parte integrante da vida dos brasileiros. Em seguida, investigamos como a sociedade se

expressa através do futebol e, dessa forma, como tal esporte foi se consolidando como o

favorito do brasileiro.

2 Substância extraída de cápsulas maduras de diversas espécies de papoulas soníferas. O uso repetido conduz ao

hábito, à dependência física, e a seguir a uma decadência física e intelectual. Veremos como o futebol pode ser

considerado como algo que causa dependência nas pessoas. Mais detalhes ao longo da segunda seção.

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2. FUTEBOL E SOCIEDADE

O futebol é mais que um esporte, em nosso país ele é o responsável pela identidade de

toda uma nação. É comum ouvirmos a expressão: “Brasil, o país do futebol”. Mas o que

significa afirmarmos que um país se identifica tanto com uma prática cultural de tamanhas

proporções? Haverá aí, elementos da cultura, da política e da economia que possam contribuir

para o entendimento das proporções que assume em terras brasileiras?

Nesta seção, pretendemos abordar a temática apontando os usos que o futebol foi

tendo ao longo da história brasileira, desde suas origens (marcadas pelas distinções de classes

sociais), passando pelo uso do governo militar, até chegarmos à atualidade. Nesse processo,

os teóricos que mais se destacaram nas análises do futebol como atividade voltada à

dominação e controle social foram aqueles de cunho marxista3. Compreender os motivos que

mantém o futebol como uma prática identitária parece-nos fundamental para captar as

múltiplas determinações do futebol, para além de uma visão restrita e maniqueísta.

A principal influência desses primeiros teóricos, marxistas foi o autor Louis Althusser,

particularmente sua obra: Aparelhos Ideológicos do Estado (1974). Ali, o autor aponta, de

forma bastante mecanicista, como as instituições comportam-se perante a organização social.

Invariavelmente, para o referido autor, suas funções são de reprodução social, havendo poucas

possibilidades de intervenção criativa e transformadora. Nesse caminho, o futebol constituir-

se-ia numa dessas instituições utilizadas para controle ideológico.

2.1 Futebol numa perspectiva Althusseriana

2.1.1 Aparelhos Ideológicos do Estado

A ideologia é um conjunto de ideias, de representações, que domina o espírito de um

homem ou de um grupo social e sabe-se apenas que a ideologia provém da alienação da

divisão do trabalho. Para Guedes (1996), “a ideologia é vista como uma projeção na

consciência das pessoas, de ideias produzidas por suas práticas” (p.36). Segundo Marx

(1996), “[...] o ideal não é nada mais que o material, transposto e traduzido na cabeça do

homem” (p.140).

3 Autores baseados na teoria de Karl Marx, principalmente em sua obra mais importante, O Capital,

nesse descreve-se como funciona a sociedade capitalista.

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Althusser (1974) escreveu sobre o estudo de Marx que retrata a necessidade de

renovação dos meios de produção para que a utilização da ideologia seja possível. “A

reprodução da força de trabalho tem como condição sine qua non, não só a reprodução da

qualificação dessa força de trabalho, mas também a reprodução da sua sujeição à ideologia

dominante ou da prática dessa ideologia” (p. 22).

Desse modo, as Instituições do Estado (Escola, Igreja, Exército entre outros.) ensinam

saberes práticos, porém, de uma forma em que se assegure a subordinação à ideologia

dominante.

Assim, os capitalistas devem manipular bem a ideologia para que possam garantir a

dominação, ou seja, os exploradores (capitalistas) e os explorados (proletários) devem seguir

a regras da ordem estabelecidas. Mantendo a reprodução da submissão dos operários para a

manutenção da classe dominante (ALTHUSSER, 1974).

Althusser (1974) afirma que “Marx concebe a estrutura de qualquer sociedade como

constituída pelos níveis ou instâncias articuladas por uma determinação específica, sendo: a

infraestrutura ou a base econômica e a superestrutura” (p. 25).

A infraestrutura é a unidade em que se encontram as forças produtivas e das relações

de produção. Já superestrutura é dividida em jurídico-político e a ideologia. Esse primeiro

sendo composto pelo Direito e o Estado e o segundo por diferentes ideologias: moral,

religiosa, política, jurídica, entre outras (ALTHUSSER, 1974).

Althusser (1974) procura compreender como essas estruturas se articulam na

formulação da ideologia dominante. Marcado por uma interpretação estruturalista, sua visão

acaba engessando a relação entre infraestrutura e superestrutura, segundo a qual a primeira

estaria determinada completamente pela segunda.

Althusser (1974) diferencia o Aparelho de Estado (AE) dos Aparelhos Ideológicos de

Estado (AIE). Aquele funciona pela violência enquanto que esses pela ideologia. O Aparelho

de Estado, também chamado de Aparelho Repressivo de Estado é, por exemplo, o Governo, o

Exército, a Polícia, entre outros.

Ainda para esse autor os Aparelhos ideológicos de Estado determinam os instrumentos

pelos quais o ideal de certo grupo/classe é difundido. São exemplos de Aparelhos Ideológicos

de Estado, o AIE religioso, o AIE familiar, o AIE político, o AIE jurídico, AIE escolar, o AIE

da informação e o AIE cultural.

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Pode-se diferenciar o AE e o AIE por suas características, já que esse primeiro é

apenas um enquanto o segundo é formado por vários aparelhos e na maioria das vezes o AE

pertence ao domínio público já o AIE pelo privado.

Segundo Althusser (1974), todos os aparelhos de Estado funcionam simultaneamente

pela repressão e pela ideologia, com a diferença de que o Aparelho Repressivo de Estado

funciona de maneira massivamente dominante pela repressão, enquanto os Aparelhos

Ideológicos de Estado, pela ideologia. Não há aparelho puramente ideológico, nem puramente

repressivo, e sim um funcionando secundariamente para o outro. Como exemplo, podemos

observar a escola, que educa por intermédio de técnicas de ensino apropriadas de sanções, de

exclusões, de seleção, entre outros.

Nessa época em que Althusser escreveu seu livro, muito autores como por exemplo

Brohm (1976), utilizaram-se dele para compreender o poder dos regimes totalitários e a falta

de “consciência de classes” da classe trabalhadora. A seguir, apontaremos a visão de alguns

intelectuais da área, sobre o esporte, naquele período e que ainda é muito presente.

Nesse contexto, Caldas (1986) utiliza as palavras de Robert M. Levine, professor do

Departamento de História na Universidade de New York, que afirma que o futebol serve de

ferramenta da classe dominante para controlar as massas. Desse modo desviando a atenção da

miséria e pobreza através dos campeonatos brasileiros e/ou internacionais. Ainda para esse

autor, o principal sentido desse esporte é o que a elite faz dele, portanto esta o utiliza para

favorecer a ideologia dominante. (CALDAS, 1986, p.24)

Seguindo essa linha de pensamento, segundo Ramos (1988) o futebol seria um dos

aparelhos ideológicos do Estado que colaborou para a manutenção do regime, dificultando a

consciência crítica das massas. Para esse autor, o futebol bem como os meios de

comunicação, seria um dos aparelhos ideológicos mais eficientes do poder.

De se ver que o caráter ideológico do esporte também está ligado aos interesses do

Estado. Com isso, na investida de fortalecer a ideologia burguesa, o esporte é utilizado como

aparelho ideológico de Estado e a instituição esportiva estabelece-se em torno do capitalismo

(SOUZA e PELEGRINI, 2008).

Logo, o esporte na sociedade capitalista apresenta um caráter ideológico e está

relacionado à busca de rendimento financeiro. Entre alguns exemplos estão o consumo de

calçados e roupas esportivas, os grandes investimentos na criação de complexos esportivos e a

excessiva aparição do esporte nos canais televisivos.

Segundo, Brohm (1976) citado por Sousa e Pelegrini (2008, p.1),

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Sintetiza a função ideológica do esporte, conceituando-o como um aparelho

ideológico do estado que cumpre um triplo papel: reproduz ideologicamente

as relações sociais burguesas, tais com hierarquia, subserviência, obediência;

propaga uma ideologia organizacional específica para a instituição esportiva,

envolvendo competição e recordes; transmite em larga escala, os temas

universais da ideologia burguesa, como o mito do super-homem,

individualismo, ascensão social, sucesso e eficiência.

Assim, o AIE pode ser não só a mira, como também cenário da luta de classes. É por

meio da ideologia dominante que é sustentada a harmonia entre o aparelho repressivo de

Estado e o aparelho ideológico de Estado.

Atualmente, existem vários aparelhos ideológicos de estado, como por exemplo, o

aparelho político, o aparelho familiar, o aparelho religioso, o aparelho escolar, o aparelho

cultural, o aparelho da informação, entre outros. Diferentemente da Idade Média que havia

somente um dominante, a igreja, que é um aparelho ideológico religioso e tinha muitas

funções, tais como: escolar, cultural e de informação, que hoje são vistas separadas em outros

aparelhos. (ALTHUSSER, 1974).

Dessa maneira, podemos observar que todo o aparelho ideológico do estado, seja ele

qual for, possui o mesmo resultado, o da reprodução das relações de produção, ou seja, das

relações de exploração capitalista. (ALTHUSSER, 1974)

Ainda usando das palavras de Althusser (1974), todas as classes estão repletas de

ideologia que vão de acordo com o seu papel na sociedade, que pode ser: papel de explorado

(trabalhador), do explorador (capitalistas), do repressor (militares, polícias, políticos, etc.) e

profissionais da ideologia (padres). Isto é, a ideologia está colocada na luta entre aqueles que

dominam e aqueles que são dominados. Como observou Marx (1987) apud Santos e

Wielewski, (2007, p.20):

Com efeito, cada nova classe que toma o lugar da que dominava antes dela é

obrigada, para alcançar os fins a que se propõe, a apresentar seus interesses

como sendo o interesse comum de todos os membros da sociedade. Isto é,

para expressar isso mesmo em termos ideias: é obrigada a emprestar às suas

idéias a forma de universalidade, a apresentá-las como sendo as únicas

racionais, as únicas universalmente válidas.

Ou seja, a classe dominante expõe suas ideias como únicas, verdadeiras e absolutas. A

classe dominante impõe seus princípios para que as pessoas tomem como verdadeiros e

acredite neles, às vezes esses princípios nem são o que essas pessoas defendem, mas

acreditam pelo fato dos dominantes defenderem que esses princípios são os melhores.

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Na atualidade a Escola ocupa um papel fundamental na difusão de ideias e princípios,

tão importantes para a manutenção e/ou redução de uma (contra) hegemonia. Apesar de ser

um de seus princípios a laicidade, a pluralidade de ideias, a formação humana integral.

Podemos observar que a mesma é envolvida pela ideologia capitalista, ou seja, a Escola

cumpre um papel determinante na reprodução das relações de produção.

2.1.2 Futebol como ópio do povo

Na perspectiva acima mencionada, o futebol se constituiria numa espécie de

ferramenta ideológica, capaz de funcionar como estratégia para reproduzir os interesses da

classe dominante. A partir disso, vamos tratar ao longo dessa seção o futebol como uma

espécie do ópio do povo.

O futebol é relacionado à expressão ópio do povo por muitos estudiosos. Essa

expressão é mais conhecida nos escritos de Marx, que fez sua interpretação sobre a mesma. E

em seu artigo sobre a Crítica da Filosofia do Direito de Hegel, Marx afirma, “A angústia

religiosa é ao mesmo tempo a expressão da dor real e o protesto contra ela. A religião é o

suspiro da criatura oprimida, o coração de um mundo sem coração, tal como é o espírito de

uma situação sem espírito. É o ópio do povo” (MARX, 1969 apud LÖWY, 2007).

O ópio tem um efeito analgésico muito potente e faz nosso cérebro funcionar mais

lentamente, seria uma forma de fuga dos acontecimentos, e nesse sentido que tratamos o

futebol. Isto é, o futebol como uma forma de ópio do povo (SANTOS e WIELEWSKI, 2007).

Outro dos muitos autores que tratam desse assunto é DaMatta (1982), afirmando que

o futebol não é uma forma de ópio do povo, pois, para o autor só seria possível afirmar isso se

fizermos uma separação entre futebol e sociedade.

Uma vez declarada essa afirmação, que futebol e sociedade são separados, o futebol

passará a ser considerado como algo sem importância, e com isso usado para enganar e fazer

com que as pessoas não observem o que está acontecendo na sociedade.

No caso do futebol e no caso da sociedade brasileira, postula-se

frequentemente uma relação de mistificação entre os dois termos. O futebol

é um ópio da sociedade brasileira, do mesmo modo que o domínio do

econômico é sua base. Como se futebol e economia fossem realidade

sexógenas, que pudessem existir em isolamento da sociedade. Deste ângulo,

o futebol é visto como um modo de desviar a atenção do povo brasileiro de

outros problemas mais básicos (DAMATTA, 1982, p. 21-22).

Ainda para esse autor se o futebol é usado para desviar a atenção do povo, então só a

classe dominante e críticos da sociedade é que sabem o verdadeiro papel do futebol.

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Outro autor que acrescenta essa análise é Daolio (2003), que alega que alguns

acontecimentos que ocorreram no Brasil não podem concluir que o futebol é ópio do povo,

como por exemplo, a utilização do sucesso da seleção brasileira na Copa de 1970 para fazer

propaganda de seu sistema político, como foi o que os militares fizeram.

Entretanto, Franco Júnior (2007, p.394) vê um excesso de crítica ao futebol:

Os reticentes em relação ao futebol denunciam sua futilidade e mesmo

nocividade por pretensamente anestesiar o espírito crítico, afastar os

indivíduos da reflexão e da contestação, dificultar as transformações

políticas e sociais. É verdade que o futebol não é a realidade em si, mas fuga

do real, representação imaginária. Ele, contudo, não se diferencia nisso do

cinema, do teatro, da literatura e das artes em geral [...] Por minimizar o fato

de o futebol ser representação é que alguns o acusam de ser hoje

excessivamente mercenário, ao atuar onde melhor lhe convém, os

profissionais do futebol fazem a mesma coisa que outros especialistas da

representação – atores, cantores, escritores, jornalistas, poetas, pintores e

escultores.

Porém, o que se pode confirmar é que o futebol teve sua origem na classe dominante,

no entanto, não surgiu com o intuito de iludir a população, muito menos os interesses sociais e

políticos da sociedade.

A forma de utilização do futebol pela classe dominante aconteceu somente no século

XX durante greves que ocorreram no auge do crescimento da industrialização brasileira. Os

operários foram incentivados a jogarem futebol para que a atenção para os problemas contra

os quais eles lutavam fossem desviados (SANTOS, 1981). Galeano (2010, p.41) acrescenta

que, “muitos intelectuais de esquerda desqualificam o futebol porque castra as massas e

desvia sua energia revolucionária”.

Para Daolio (2003) o futebol aparece como uma forma que a sociedade brasileira

encontrou para se expressar seria o modo de o brasileiro extravasar seus sentimentos seja

paixão, ódio, felicidade, tristeza, dor, prazer, coragem, fraqueza, entre outros. Apesar de tudo,

este nega que o futebol seja ópio do povo, mas uma possibilidade de manifestação lúdica do

brasileiro.

Por outro lado, Galeano (2010, p.41) afirma que:

O desprezo de muitos intelectuais conservadores se baseia na certeza de que

a idolatria da bola é a superstição que o povo merece. Possuída pelo futebol,

a plebe pensa com os pés, como corresponde, e nesse gozo subalterno se

realiza. O instinto animal se impõe à razão humana, a ignorância esmaga a

Cultura, e assim a ralé tem o que quer.

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Todavia, especialmente com a aproximação de uma Copa do Mundo é inevitável a

afirmação de que o futebol funciona como a política criada pelos romanos, o conhecido “pão

e circo”, que era diversão e comida ao povo, com a intenção de diminuir a insatisfação

popular contra os governantes. Ou seja, o esporte como uma diversão alienante. Assim, os que

defendem o futebol como sendo o ópio do povo, afirmam que esse esporte funciona como

uma forma de veiculação ideológica do pensamento da classe dominante (SOARES FILHO,

2010).

Por fim, quando se relaciona o futebol como sendo ópio do povo deve-se estabelecer

primeiro pra quem isso faz sentido, pois essa afirmação faz sentido para quem considera o

futebol desvinculado ou em oposição à sociedade. E sendo assim, um bom meio para

manipular as massas. Portanto, o futebol na sua essência não é ópio do povo (DAMATTA,

1982).

2.2 Origem do futebol e suas apropriações

Como vimos anteriormente, o futebol passa a ser considerado ópio do povo, ou seja,

ferramenta para inculcar interesses da classe dominante, e a partir disso, veremos como a

mesma utilizou do futebol para defender seus princípios. Para isso partiremos da história

desse esporte.

Para Unzelte (2002) as primeiras manifestações parecidas com o futebol (em inglês:

football.foot: pé e ball: bola) surgiram na China no decorrer da dinastia do imperador Huang-

ti, e consistiam em chutar os crânios do inimigos que foram derrotados para além das duas

estacas que eram fixadas ao solo. Porém, não se sabe ao certo quem foi o inventor desse

esporte, pois os chineses, os japoneses, os gregos, os italianos e os ingleses pleiteiam a origem

do futebol para seu país. No entanto, o que se sabe é que o futebol em sua forma esportivizada

chegou primeiro na Inglaterra no ano de 1862 com regras já estabelecidas (UNZELTE, 2002).

Ainda de acordo com Unzelte (2002) o futebol surgido na Inglaterra era, inicialmente,

unificado com o rugby (footballrugby), sendo o segundo jogado com as mãos e os braços.

Mais tarde, estabeleceu-se para o futebol a proibição de se usar esses dois membros. Já em

1863, foram aprovadas nove regras, uma delas é a utilização específica dos pés, com isso se

decidiu então separar o futebol, do rugby (UNZELTE, 2002).

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Para que as regras fossem divulgadas ao público, foram criados livros para

distribuição e a partir disso, foram acontecendo alguns torneios e pode-se dizer que a partir

disso nasceu o futebol, como é conhecido hoje, espetacularizado (UNZELTE, 2002).

A versão da história do futebol no Brasil mais visibilizada é a de Charles Willian

Miller, que nasceu em São Paulo, mas era descendente de ingleses e escoceses, e voltou para a

Inglaterra para estudar. Ao retornar ao Brasil em 1894 trouxe em sua mala as regras, bolas

oficiais, chuteiras e roupas adequadas para a prática esportiva (FRANCO JÚNIOR, 2007).

A partir desse momento, o futebol passa a ser ensinado para os meninos ricos, que até

então tinham o interesse no golfe, no tênis, turfe, entre outros, razão pela qual os primeiros

clubes foram fundados pela elite.

Com o passar dos anos e por volta do final do século XIX e início do XX, o futebol

como jogo tornou-se uma atividade profissional, e o que era apenas praticado pela elite

adquire novos jogadores: a classe média baixa. Os operários das fábricas e os estudantes que

frequentavam as escolas públicas, todos procedentes à classe baixa, jogavam o futebol

(WITTER, 2003).

Nessa época a elite dirigente que via o futebol como uma forma de lazer, era contra o

profissionalismo. Porém, mesmo com a objeção desses dirigentes, o profissionalismo é

imposto primeiramente na Inglaterra e depois de alguns anos começa a aparecer em outros

países.

Com a aparição do profissionalismo, jogadores passam a ser contratados por um

determinado valor pecuniário. Segundo Franco Júnior (2007), o futebol como espetáculo

conquistava muitas pessoas. Com isso, para as partidas acontecerem eram necessários palcos

adequados, e então, o poder público passou a investir dinheiro na construção de estádios, por

exemplo, o Estádio Mário Filho, mais conhecido como Maracanã (Rio de Janeiro) que é o

maior estádio do Brasil.

O futebol representa uma forma considerável de manifestação da nossa nacionalidade.

A visível capacidade de mobilização que o esporte promove, principalmente durante as Copas

do Mundo de futebol masculino, fez com que ele fosse considerado muito interessante aos

olhos das autoridades políticas. E certamente, a seleção brasileira é um dos principais focos de

interesses políticos, isso porque o futebol tem um caráter mobilizador muito forte e faz parte

da cultura e da identidade do povo brasileiro (ALMEIDA, 2013).

20

Contudo, o uso político do futebol não se resume apenas as Copas do Mundo. E ainda,

o uso desse esporte para seu favorecimento não aconteceu somente durante regimes

autoritários, mas também em regimes democráticos (MAGALHÃES, 2011).

Em 1930, o futebol já estava consolidado como um fenômeno de massas e levava

milhares de torcedores para os estádios. O esporte de alto rendimento que na sua origem era

praticado por brancos e ricos, no Brasil, já começavam a se destacar na seleção, negros e

pobres, e esse fato fez com que Getúlio Vargas usufruísse disso para mostrar para o povo a

harmonia social do seu governo (COSTA, 2006).

Foi na Era Vargas que o futebol juntou-se com o samba e os dois tornaram-se

elementos fundamentais para uma nova definição de identidade nacional. Esses dois

elementos passaram por transformações, o futebol de alto rendimento, que surgiu nas camadas

altas da sociedade, passa a ser maior paixão das camadas mais baixas da sociedade. Com o

samba aconteceu o contrário, esse que teve sua origem com a camada popular, começou a

interessar a elite. Ou seja, esses dois elementos representavam o que era ser brasileiro

(COSTA, 2006).

A proliferação do espírito nacionalista proposta pelo Estado também tinha como foco

a formação da população jovem brasileira. Com isso a educação física tornou-se assunto de

discussões por parte do governo.

É com essa associação entre esporte e Estado que o futebol se torna peça

fundamental na propaganda do governo getulista. Esportes como o atletismo,

a natação e o tênis não despertavam a mesma paixão que o velho jogo inglês.

Getúlio Vargas percebia o poder do futebol sobre o povo (COSTA, 2006, p.

107).

Baseado na citação acima, verificamos a identificação dos governos, principalmente o

de Vargas, com os esportes, e em especial o futebol. Portanto, os esportes seriam uma

ferramenta na construção de uma identificação da nação. Isto é, o regime exibia uma nova

espécie de brasileiros.

A ligação do Estado com a juventude através do esporte tinha como um de

seus objetivos formar o "novo homem nacional" através da educação física,

moral, cívica e eugênica. A nova "raça brasileira" idealizada pelos

intelectuais estado-novistas era representada por esses jovens sadios.

(DRUMOND, 2009, p.405)

Por esse motivo, a juventude foi sendo transformada na base de um país em progresso.

Não foi só no Brasil que fatos como esse aconteceram, outros países fizeram o uso do futebol

para seu beneficio, como por exemplo, a Copa de 1934 que foi organizada pela Itália para

21

estimular o orgulho nacional e fidelidade ao regime. Por isso, deveria terminar com a vitória

dessa. Franco Júnior (2007, p.50) acrescenta que:

Houve violência italiana em campo. Houve, dirigida a Mussolini, saudação

fascista do trio de arbitragem da decisão contra a Tchecoslováquia. Jules

Rimet afirmou que “durante esta Copa do Mundo tive a impressão de que o

verdadeiro presidente da FIFA era Mussolini”.

Podemos examinar com atenção as Olimpíadas de 1936 em Berlim, outro

acontecimento que retrata a utilização do esporte como veículo de propaganda para seu

regime. O interesse do líder Adolf Hitler era divulgar seus ideais, principalmente a suposta

superioridade da raça ariana perante as outras. O sentimento ultranacionalista do nazismo

divulgado nas Olimpíadas provocou união entre os alemães (SIGOLI; ROSE JUNIOR, 2004).

Além desses acontecimentos externos, no Brasil, durante o período da chamada

ditadura militar, que foi caracterizada pela repressão, o futebol também se tornou instrumento

dessa. Durante a ditadura a dominação ideológica teve um papel extremamente importante e

para isso, a propaganda foi um dos importantes meios de ação. Porém, só a capacidade de

persuadir o povo através das palavras, que era o que a publicidade fazia, não era mais

suficiente para amenizar ou esconder a realidade do país. Foi, então, que a Copa do Mundo de

1970, realizada no México, foi transmitida ao vivo pela primeira vez na televisão.

Contudo, não foi apenas por intermédio da publicidade que o governo efetivou seu

projeto ideológico, outros recursos também foram utilizados. Um exemplo disso foi o

sesquicentenário da independência do Brasil, evento realizado em 1972, era o marco ideal

para incentivar o patriotismo e o espírito nacionalista.

Nesse período, outro elemento também explorado pelos chefes da “nação” foi o

futebol. Um dos casos mais comentados da história aconteceu quando o presidente Emílio

Garrastazu Médici, na Copa do Mundo de 1970, apresentado como um "homem do povo" e

"apaixonado por futebol" tentou ligar a sua imagem e a do governo aos tricampeões mundiais.

A propaganda embalou a seleção durante a Copa. Segundo Franco Júnior,

A Marchinha “Pra frente, Brasil” era tocada nas rádios, nos programas de

televisão, nos desfiles militares e nas escolas. Os cartazes de propaganda do

regime confundiam-se com o sucesso do escrete nacional. Na semana Pátria

o slogan era “Ninguém mais segura este país”. Nas repartições públicas,

“Ontem, hoje, sempre, Brasil”. Nos intervalos comerciais das emissoras de

rádio e televisão, “Até 1964 o Brasil era apenas o país do futuro. E então o

futuro chegou”. (FRANCO JÚNIOR, 2007, p.143).

22

Logo, a junção futebol e propaganda tornou-se de grande importância para o governo

ditatorial. Contextualizando com a citação acima, podemos observar que o general Médici

utilizou várias estratégias de propaganda relacionadas ao futebol. Assim, como afirma

Eduardo Galeano,

Em pleno carnaval da vitória de 70, o general Médici, ditador do Brasil,

presenteou com dinheiro os jogadores, posou para os fotógrafos como troféu

nas mãos e até cabeceou uma bola na frente das câmeras. A marcha

composta para a seleção, Pra frente Brasil, transformou-se na música oficial

do governo, enquanto a imagem de Pelé voando sobre a grama ilustrava, na

televisão anúncios que proclamavam: Ninguém segura o Brasil.

(GALEANO, 2010, p. 136-137).

Portanto, foi nesse período de repressão que o futebol tornou-se instrumento da

ditadura. Nos anos seguintes a seleção não era mais a mesma, diferente daquela que foi

considerada melhor de todos os tempos e a paixão que a seleção despertava, também não,

porém o regime continuava tentando procurar nesse esporte um meio de ligação com o povo.

23

3. FUTEBOL E CULTURA

Anteriormente vimos como o futebol foi utilizado por diversas instituições para

conformar uma visão hegemônica. Vimos, ainda, como os autores adeptos dos preceitos de

Althusser deram ao futebol uma visão mecanicista. Nesta seção trataremos do futebol a partir

de uma concepção antropológica.

Será abordada a relação do futebol com a identidade do brasileiro, como parte

integrante de sua cultura. Em seguida, a partir da identificação de “ser brasileiro”, passaremos

ao discutir as relações entre futebol e o carnaval, como síntese da cultura popular brasileira.

Essa perspectiva da identidade de uma nação amplia a visão do futebol. Nesse capítulo

veremos como se definiu o comportamento do povo brasileiro. E tentar buscar compreender

melhor nossa cultura e identidade.

3.1 Ser brasileiro: identidade e classe social.

Para falar sobre a identidade de um povo precisamos entender o significado dessa

palavra. No dicionário da Língua Portuguesa, encontramos a seguinte definição, “sf.1.

Qualidade de idêntico. 2. Os caracteres próprios e exclusivos duma pessoa: nome, idade,

estado, profissão, sexo, etc.” (FERREIRA, 2001).

Assim, podemos determinar que a identidade de um povo é a soma de valores

culturais, que incluem diferenças regionais e distinções grupais, é passível de diferenciação

por um traço que permita a definição de um perfil diversificado, contudo hegemônico baseado

em habitante (homem), território, instituições, língua, costumes, religiões e história comuns.

A identidade brasileira é procedente do nascimento da nação, representado pelo idioma,

etnias, bem como o solo, clima, vegetação e relevo (WILD, 2014).

Como dissemos anteriormente, entender o futebol como manifestação cultural e,

portanto, como manifestação que gera identidade não elimina a necessidade de analisá-lo

como atividade contraditória. Hall (2003), citado por Melo (2005), discute como os aspectos

que constituem a identidade de um povo são contraditórios e, ao mesmo tempo, são capazes

de gerar aproximações importantes. Para ele

As identidades nacionais não subordinam todas as outras formas de

diferença e não estão livres do jogo de poder, de divisões e contradições

internas, de lealdades e de diferenças sobrepostas. Assim, quando vamos

discutir se as identidades nacionais estão sendo deslocadas, devemos ter em

mente a forma pela qual as culturas nacionais contribuem para costurar as

diferenças numa única identidade (HALL, 2003 apud MELO, 2005, p. 1).

24

Dessa forma, a identidade nacional é o que melhor define um povo, sendo assim,

unificar diversos tipos de cultura em uma singularidade. Inicialmente se utilizando da análise

do futebol com a perspectiva da identidade de um povo, sabe-se, que a imagem do Brasil,

tanto para um estrangeiro, quanto para o próprio povo brasileiro é de sermos “o país do

futebol”, “o país do samba e do carnaval”, bem como “o país das lindas mulatas”.

O Brasil é um país de miscigenação de raças, constituídas de brancos, mulatos e os

índios. Esses dois últimos eram nítida e injustamente inferiorizados ao branco, e ainda eram

vistos como donos de poucas qualidades positivas enquanto etnia (DAMATTA, 1986). Esse

fato pode ser observado nos livros de história durante o século XVIII. Vogel (1982)

acrescenta que o futebol realiza uma teia de relações.

Vencendo espaços, que de outra maneira seriam intransponíveis, esse esporte

une pessoas distantes entre si na hierarquia social, ao mesmo tempo que

separa os que estão próximos nesta escala. Parafraseando Oswald de

Andrade, poderíamos dizer que o futebol nos une. Socialmente.

Economicamente. Filosoficamente. Do presidente da República ao

engraxate, este é o país do futebol (VOGEL,1982, p. 78).

Desse modo o futebol é considerado um fator de sociabilidade. Uma simples bola de

futebol junta diversas pessoas, de diferentes classes sociais, sejam elas moradoras de um

bairro nobre, ou da favela, tendo essa última se tornado o maior "celeiro" de jogadores do

Brasil.

Tentando compreender melhor a identidade do brasileiro, Kuchminski (2010) afirma

que o futebol ocupa um lugar de relevância na cultura brasileira, e esteve presente no modo de

organização da sociedade, bem como outros elementos da cultura popular, como, por

exemplo, religião, carnaval, música e arte. Portanto, o futebol é uma das manifestações

culturais do povo brasileiro. DaMatta (1982, p.21) acrescenta que, “o futebol praticado,

vivido, discutido, teorizado no Brasil seria um modo específico, entre tantos outros pelo qual

a sociedade brasileira fala, apresenta-se, revela-se, deixando-se, portanto, descobrir”.

Sendo assim, indiscutível o quanto é expressivo o futebol para o povo brasileiro. Esse

esporte provoca nos torcedores uma mistura de sensações, a partir do que ocorre dentro e fora

“das quatro linhas”, como é popularmente dito. De acordo com Franco Júnior (2007, p. 313-

314):

O futebol é o moto-contínuo de emoções. Cada partida faz o torcedor viver

um leque emocional que oscila do suspense à resignação, da tristeza à

alegria, da reverência ao ódio, da frustração à realização. Cada fracasso é

aceito por abrir perspectivas de um próximo sucesso. Cada sucesso traz

25

consigo o sabor utópico de sua renovação.

Ainda para Franco Júnior (2007), por conseguir proporcionar esse aglomerado de

sentimentos, o futebol seria a prática corporal mais democrática que existe, pois permite fuga

da realidade para qualquer indivíduo. Embora essa afirmação possa ter alguma propriedade,

vale destacar que não se pode desconsiderar que o futebol, como já dissemos, expressa as

contradições sociais, inerentes à formação social capitalista. Assim, ainda que seja uma

prática cultural capaz de unificar pessoas em classes sociais antagônicas, essa capacidade só é

possível enquanto ocorre sua prática, dando uma impressão aparente de superação das

diferenças sociais.

De acordo com DaMatta (1986) o brasileiro possui um jeito característico de agir.

Diferentemente do que acontece no Brasil, nos países da Europa, como por exemplo a

Inglaterra, as regras são criadas para organizar a sociedade, e os cidadãos as cumprem, pois

caso contrário a existência delas não faria o menor sentido. Já no Brasil, apesar de existirem

normas, os próprios cidadãos sempre arrumam um jeito de burlá-las de uma forma cordial, o

famoso “jeitinho brasileiro”, que consiste no talento de sobreviver em situações mais difíceis,

utilizando-se de alguns truques para obter êxito em determinadas situações (DAMATTA,

1986).

Ainda o mesmo autor descreve que o brasileiro também tem o costume de utilizar a

expressão “Sabe com quem está falando?” para dirigir-se a outra pessoa, sempre se colocando

como superior em relação à outra, realizando uma separação entre posições sociais. Essa é a

dura realidade do Brasil que escondemos dos estrangeiros. O “Sabe com quem está falando?”

vai contra o “jeitinho brasileiro’, uma vez que essa expressão é usada de uma forma

autoritária, já o “jeitinho” acontece de uma maneira simpática (DAMATTA, 1997).

O brasileiro apresenta o país para o estrangeiro utilizando sempre o futebol, o

carnaval, o samba e a mulher brasileira. Para o brasileiro, o carnaval é aguardado o ano

inteiro, pois é um momento no qual a pessoa deixa o trabalho, as obrigações e os deveres,

para viver com “liberdade”, sendo um acontecimento muito esperado.

DaMatta (1986, p.74) assinala que “é uma reviravolta positiva, esperada, planificada e,

por tudo isso, vista como desejada e necessária em nosso mundo social”. É um momento no

qual o trabalhador troca seu uniforme por uma fantasia, isso faz com que, o que ele usava para

criar a ordem fique de lado para que haja alternativa de mudança de lugar na classe social.

Como por exemplo, uma médica se vista de empregada e vice versa. O carnaval não deixa de

26

ser um lugar de desgaste físico, assim como no trabalho, porém, nesse período festivo esse

desgaste fica voltado para a alegria.

A construção da identidade brasileira associou-se principalmente ao futebol, mas

também ao carnaval, uma vez que, o brasileiro expõe mais sentimento patriótico em um jogo

de futebol do que, por exemplo, num desfile no dia sete de setembro (dia da Independência do

Brasil). É em dias de jogos da seleção brasileira que a população canta o hino brasileiro e

sente-se parte dessa nação. Diferentemente do que se vê durante o desfile em comemoração a

Independência do Brasil. Logo, o futebol é um agente de união nacional.

Ainda que a antropologia social aponte o futebol como prática cultural que identifica

uma nação, um artefato cultural importante, é preciso destacar que suas potencialidades

criadoras de identidades não elimina a importância de localizarmos o futebol e a identidade do

brasileiro com essa prática num contexto econômico e social amplamente antagônico. Como

vimos na seção primeira deste TCC, vivemos em uma sociedade marcadamente excludente

que provoca exclusão e degradação da vida. O “jeitinho brasileiro” que DaMatta (1986) tão

bem destaca nos faz destacar uma contradição, uma vez que pode ser visto como uma forma

de superar dificuldades de forma criativa, mas também pode ser visto como um estigma

sinônimo de valores negativos e depreciativos.

No próximo item, destacamos análises de autores que destacam, ainda mais, o papel

do futebol como manifestação cultural.

3.2 Futebol como manifestação cultural

No final do século XIX, escritores brasileiros expuseram a repercussão social do

futebol não só como uma atividade física e lúdica, mais como um lugar de mobilização de

massas populares.

Nos primeiros anos da república, o futebol integrou um movimento modernizador,

desenvolvido pelas elites e alcançou excessivamente o processo de industrialização das

cidades e aumento populacional.

Esse esporte, que era praticado pelas elites carioca e paulista, popularizou-se, e o seu

sucesso entre a classe trabalhadora foi grande, principalmente pelas próprias características.

(FRANCO JÚNIOR, 2007)

Isso aconteceu porque o esporte pode ser jogado por pessoa de qualquer idade, as

regras são fáceis, não tem bola específica, nem lugar determinado, podendo ser praticado no

27

campo, quadra, terreno baldio, rua e até mesmo na praia. A partir disso, qualquer lugar era

possível para se realizar uma partida de futebol.

O futebol é uma forma de expressão da sociedade que provoca muitas reações, tanto

para os jogadores, quanto para os torcedores, e são justamente esses sentimentos o foco da

mídia. Os meios de difusão de informação do país transmitem tantas reportagens que

englobam o futebol, que o povo brasileiro acaba vivendo cotidianamente esse esporte. Isso

pode ser verificado na famosa “pelada” do final de semana ou nas rodas de conversa, onde o

assunto não pode ser outro a não ser os campeonatos de nível Nacional e Regional que

estiverem acontecendo na temporada e em ambientes não vinculados a prática

(BITENCOURT, 2007).

Contudo, a visualização do esporte na sociedade não foi a mesma depois que a Seleção

Brasileira tornou-se tricampeã Mundial de Futebol masculino , e os jogos começaram a ser

transmitidos pela televisão, pois os meios de comunicação, principalmente a televisão aberta,

começou a investir nesse ramo, como por exemplo, criar programas específicos de futebol

(UNZELTE, 2002).

Logo, o futebol foi compondo-se na realidade do brasileiro, na cultura desse povo,

passou a ser visto como componente característico do que é ser brasileiro. Para Antunes

(2004):

À medida que o futebol se integrava plenamente à vida e à cultura do povo

brasileiro, a postura negativa em relação ao esporte bretão foi se

transformando e a discussão ultrapassou a mera questão da assimilação de

um bem cultural estrangeiro. Devidamente deglutido e ressignificado, bem

ao estilo do modernismo antropofágico, o futebol passou a ser visto como

elemento definidor de brasilidade, algo que lhe resumia a alma e o jeito de

ser (p.24).

O futebol é um elemento importante da cultura brasileira. Enquanto fenômeno social,

sempre esteve muito relacionado ao modo de a sociedade se organizar, bem como outros

elementos da cultura popular. Sendo esses o carnaval, religião, música entre outros.

Como nota Daolio (1997) apud Rinaldi (2000, p.168):

O futebol brasileiro visto como uma prática social, também se constitui num

meio pelo qual os indivíduos expressam determinados sentimentos...o fato

de torcer por um time mesmo quando esse não ganha títulos durante muitos

anos pode ser vivido como um teste de fidelidade. Suportar as gozações de

torcedores contrários após uma derrota põe a prova a paixão pelo time,

mesmos nos momentos difíceis. Vencer um jogo contra um time

28

tecnicamente mais forte reaviva a crença em um ser superior que realiza

milagres.

Portanto, esse esporte é um meio no qual a sociedade se expressa e se manifesta. O

desenvolvimento dos meios de telecomunicações possibilitou ao futebol um alcance maior. A

partir disso, a motivação dos torcedores passa a ser cada vez mais incentivada pela imprensa

esportiva, e os torcedores passam a torcer com uma paixão e comprometimento cada vez

maior (RINALDI, 2000).

Consequentemente, a mídia e o esporte institucionalizado contribuem para a

identificação do brasileiro, não sendo esta a principal causadora deste fascínio do povo

brasileiro por esse esporte, contudo este se dá de forma ainda mais orgânica quando ele vai

além do campo de jogo institucionalizado. Desse modo, é quando o brasileiro busca o lazer, a

diversão praticando o futebol de forma lúdica.

O brasileiro identifica-se com aquele futebol jogado nos tempos de infância, aquele

praticado nas horas de lazer, a famosa “pelada”, portanto podemos afirmar que o futebol

padrão FIFA (Federação Internacional de Futebol), jogado em grandes estádios, com grandes

equipes, com salários milionários, etc., de nada acrescentou ao nosso futebol quando falamos

dele como manifestação popular.

Apesar de alguns autores afirmarem que a Copa do Mundo é a responsável por

disseminar a cultura do povo, podemos observar o contrário, visto que este Megaevento é uma

maneira de massifica- lá. O futebol padronizado pela FIFA é muito diferente com o praticado

pela maioria da população brasileira. E os Megaeventos difundem um esporte de rendimento.

Para Capela (2006) a prática popular do futebol se transformou em um atrativo para a

indústria cultural4, isto é, o que poderia ser um jogo realmente popular emancipador de

dimensões humana, passa a ser mercadoria do espetáculo esportivo.

A dimensão da fascinação pelo futebol é percebida pelos mega eventos

esportivos que acontecem pelo mundo. Exemplo disso são os Jogos

Olímpicos e principalmente, as Copas do Mundo. No período em que

ocorrem alguns desses eventos, os países literalmente param e vivem em

função da programação esportiva, e ainda, durante o jogo de sua seleção o

comércio, repartições públicas e privadas serão interrompidos durante as

partidas e somente retornarão após seu término (OLIVEIRA, 2010, p.19).

Claro que esses megaeventos contribuem de forma diferente para o futebol enquanto

manifestação cultural, já que esses eventos traduzem o desmantelamento da cultura popular,

4 Ler a Dialética do esclarecimento de Theodor Adorno e Max Horkheimer (1985).

29

“implementando” a cultura de massa, criando padrões que não pertencem a um determinado

povo. O futebol como esporte de alto rendimento, praticado nesses megaeventos, é contrário

do que defendemos como cultura popular.

Por outro lado esses eventos ajudam a criar uma maior identidade, podendo a

excelente participação da seleção brasileira nas Copas do Mundo ser uma das formas de

ligação da cultura brasileira contemporânea com o futebol, mas não a única. No qual o Brasil

marca presença desde 1930, sendo o único a participar de todas as edições, e é o país com

maior número de títulos como cita Gastaldo (2002). Talvez por isso o fascínio do brasileiro

pelo futebol, e não por nenhum outro esporte, como nos caso dos esportes olímpicos, onde

não temos boas participações.

A Copa do Mundo é um reflexo da importância do futebol não apenas para o povo

brasileiro como também para os outros países. É no decorrer desse torneio organizado pela

FIFA que podemos observar o encanto das pessoas pelo futebol, uma vez que a FIFA já

esteve envolvida em escândalos sobre corrupção, como mostram algumas matérias da Revista

Veja5 (2014). E apesar desses escândalos as pessoas não desistem de assistir aos jogos e

gostar do futebol.

Durante uma Copa do Mundo os jogadores não são simples times, mas seleções

nacionais. A partir disso, essa Copa do Mundo vai muito além do que simples partidas de

futebol é a oportunidade de colocar uma nação em vista para ser comparada com o resto do

mundo (GASTALDO, 2002). E é nesse período que todos os olhares estão voltados para o

futebol, e que as pessoas se unem com o mesmo objetivo, que é assistir e torcer pela seleção

brasileira.

Uma confirmação de que o futebol faz parte da cultura do brasileiro é a presença de

expressões do futebol na linguagem do povo. Como por exemplo, “pisou na bola”, “esconde o

jogo”, “marcação cerrada sobre outra pessoa” e "em time que está ganhando não se mexe".

Essas expressões podem ser vistas até em falas de pessoas que não gostam desse esporte.

Além de o futebol estar presente em expressões do cotidiano, podemos observar a

quantidade de músicas que retrataram o futebol, quantas horas diárias as emissoras de

televisão e rádio reservam para o futebol, quanto espaço diário de jornal é dedicado apenas a

esse esporte, quantas emissoras de televisão transmitem a mesma partida em dias de jogos.

5 VEJA. Brasil: Abril, 2014. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/tema/corrupcao-na-fifa>. Acesso em: 16

jun. 2014

30

Um exemplo de exaltação do ser brasileiro e do futebol é a marchinha criada

exclusivamente para reverenciar a primeira conquista mundial do Brasil, disputada na Suécia,

no ano de 1958. Como mostra a letra da música composta por Sobrinho, Dago e Müller:

A Taça do Mundo é nossa

Com brasileiro, não há quem possa

Ê-êta esquadrão de ouro

É bom no samba, é bom no couro!

O brasileiro lá no estrangeiro,

Mostrou o futebol como é.

Levanta a Taça do Mundo,

Sambando com a bola no pé. Olé!(ANTUNES, 2004, p.284)

O futebol transformou-se em uma das fundamentais manifestações culturais do

brasileiro. Daolio (2005) acrescenta que “O futebol brasileiro tem se constituído, ao mesmo

tempo, em expressão da sociedade brasileira e em um modelo para ela, espelhando toda a sua

dinâmica, com todas as contradições e todas as riquezas nela presente” (p. 5-6). Portanto, a

cultura influencia até no modo de jogar dos brasileiros, sendo assim cada país tem um estilo

de jogo diferente. O seu estilo de jogo do brasileiro é o futebol-arte. Ou seja, é aquele futebol

com dribles e jogadas de efeito (GIGLIO, 2005, p. 55).

Para Daolio (1998) outro exemplo da popularidade do futebol é a paixão dos

torcedores aos seus times. O time pode estar na pior fase que for que o torcedor estará

torcendo para que seu time volte a ganhar as seguintes disputas. O torcedor sofre com a

derrota do time e mesmo assim não muda para outro, continua acreditando no sucesso do seu

time. Essa fidelidade do torcedor com o seu time vem desde a maternidade, quando o pai

veste a criança com o uniforme do seu time, time esse que deverá torcer pela vida toda.

Portanto, o futebol é uma maneira que o povo brasileiro encontrou para se manifestar

(DAOLIO, 1998). É um modo do homem extravasar suas emoções, sejam elas, paixão,

felicidade, ódio, tristeza, prazer, fidelidade, coragem, fraqueza e entre outras.

Logo, o futebol “não é um esporte para aglomeração de desocupados. Ele contém um

conjunto de símbolos significantes de nossa cultura. É uma forma de o homem nacional

expressar-se, revelando-se e descobrindo-se” (BYINGTON, 1982 DAMATTA, 1982;

DAOLIO, 2000 apud MORATO, 2005).

Antunes (2004) considerou que o esforço de adquirir o esporte bretão como

manifestação da cultura brasileira, e consequentemente como elemento de identidade nacional

sucedeu-se de uma construção elaborada no decorrer do tempo- visto que, o gosto pelo futebol

não é por natureza do brasileiro- e observou o processo de difundir o esporte.

31

Ainda segundo Antunes (2004), na procura da característica do brasileiro, a discussão

da identidade transitava pelo papel do estado e pela cultura popular. Por isso, a cultura

brasileira está sempre relacionada à política e aos destinos do país (ANTUNES, 2004). Ou

seja, essa visão de futebol como cultura não exclui as determinações econômicas, sociais e

políticas que são inerentes a ele.

32

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao discutirmos os motivos que levam o brasileiro à identificação pelo futebol,

entramos na perspectiva do futebol brasileiro como identidade e como parte integrante da

nossa cultura. Analisamos que o futebol é muito mais que apenas um esporte, é cultura,

política, economia e identidade de uma nação. Apesar de alguns autores afirmarem que o

futebol é apenas uma ferramenta para alienação do povo, verificamos ao longo desse trabalho

que este vai muito além disso, embora também seja instrumento de dominação.

O futebol pode servir de instrumento para manutenção e defesa da ideologia, porém,

também é atividade capaz de manifestar a cultura de um povo. Contudo, o futebol possui tanta

influência em nossa vida, talvez por ser de fácil assimilação, não possuir lugar determinado

para jogar, por ter sido muito difundido na sua origem pelos meios de comunicação, por ser

capaz de integrar brasileiros de diferentes contextos e cenários sociais. Ou seja, o futebol foi

conquistando o brasileiro através de diversas determinações. E não, como constatamos no

início do trabalho, que fascinava o povo simplesmente por ser um jogo lúdico.

Este trabalho mostrou que o futebol ao longo da história foi sendo utilizado como

ferramenta na construção da identidade da nação. Dessa maneira, observamos que a

associação entre esse esporte e o nacionalismo não é recente. A ideia de unidade nacional a

partir do futebol brasileiro está tão enraizada em nossa cultura, que possibilitou a sua

utilização como argumento nacionalista.

O futebol no Brasil está carregado de valores sociais que fazem com que esse esporte

seja capaz de integrar amplas parcelas da sociedade brasileira, via identificação nacional.

Portanto, trata-se de um fenômeno social. Observamos também, que o futebol é uma das

principais manifestações coletivas do país. E os motivos que fizeram do futebol prática tão

importante, parte origem da ideia de “ser brasileiro”, de apropriação desse pelo povo. Por

fazer parte da cultura de quase todos os brasileiros, o futebol vai internalizando-se,

imbricando-se na maneira de como o povo brasileiro constitui-se enquanto nação. Essa

característica do futebol, como também do carnaval, é rica em sentido porque mostra como a

cultura está vinculada ao modo de agir e de pensar de um grupo social, de uma determinada

classe social.

33

5. REFERÊNCIAS

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