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Uma Ratazana de Porão

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Artigo sobre a produção poética de Wlad Lima, nos teatros-porões da cidade de Belém do Pará - Amazônia - Brasil, de 1990 a 2007.

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UMA RATAZANA DE PORÃO

E SUA CARTOGRAFIA DO TEATRO AO ALCANCE DO TATO.

De WLAD LIMA

Doutora em Artes Cênicas pela Universidade Federal da Bahia.

Atriz, diretora e professora-pesquisadora da Escola de Teatro e Dança da UFPA (ETDUFPA).

[email protected]

Minha história com porão começa no ano de 1988.

Este foi o primeiro ano das relações artísticas entre o

ator e diretor paraense Cacá Carvalho e os criadores do

Centro per la Sperimentazione e la Ricerca Teatrale de

Pontedera, região da Toscana, Itália. Em função disso,

dessas relações, os “italianos” começaram, não apenas

a vir conhecer a região norte do Brasil – mais

especificamente Belém, a cidade natal de Cacá – mas a

trazer suas produções teatrais, resultados de suas

experimentações e pesquisas de cena. Do Centro de

Pontedera – hoje Fondazione de Pontedera de Teatro,

dirigida por Roberto Bacci, o grande intercessor1 de

Cacá Carvalho2 – o primeiro trabalho a chegar a Belém

1 Conceito Deleuziano.

2 Esta e outras questões estão em discussão no livro Dramaturgia Pessoal do Ator que disserta sobre o processo de criação do espetáculo Hamlet: um Extrato de Nós, dirigido por Cacá Carvalho e montado pelo Grupo Cuíra do Pará, com atores paraenses e suas dramaturgias pessoais.

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foi o espetáculo “K. l’ultima ora di Franz Kafka” com

direção e interpretação do artista francês François

Kahn3, que eu assisti na sala de ensaio do Teatro

Experimental do Pará Waldemar Henrique4, no ano de

1989.

Algum tempo depois – confesso que não sei dizer ao

certo, se dias ou meses – além do espetáculo citado,

François fez uma única apresentação de um segundo

espetáculo baseado também em Kafka, precisamente

sobre o texto Josefina, a cantora. O lugar escolhido por

ele para a “vivência” do trabalho, tão singular e inusitado

para mim, até aquele momento, foi o porão do Teatro da

Paz, um dos grandes palcos “à italiana” da região norte.

Um porão mínimo, independente do fosso deste teatro, e

nunca usado antes por ninguém para este fim, ou seja, a

3 François Kahn (França/Itália) – ator e diretor francês radicado na Itália (Cremona). Fez parte do Grupo Théâtre de l`Expêrience, em Paris, de 1971 a 1975. Trabalhou com Jerzy Grotowski em vários projetos parateatrais do Teatr Laboratorium (Polônia). Fez parte do Gruppo Internazionale l’Aventura, de Volterra (Itália), de 1982 a 1985, e participou da direção e criação de vários ateliês organizados pelo grupo: Viae - Actions dans la ville - L’atelier. De 1986 a 1996, participou como ator e dramaturgo dos espetáculos de Roberto Bacci (em particular La trilogia), diretor do Centro per la Sperimentazione e la Ricerca Teatrale, de Pontedera. Durante o mesmo período dirigiu vários espetáculos (Quentin – Rahel - Primo amore - Alice). A partir de 1995, criou o projeto Teatro da Camera, no qual atua como ator em espetáculos baseados em textos literários (Marcel Proust – Gérard de Nerval – Franz Kafka). Fonte: http://www.ufmg.br/festival/37/artescenicas.htm. 4 O Teatro Experimental do Pará Waldemar Henrique é o único teatro da cidade com a tipologia de palco de natureza experimental. Fundado em 1979, este teatro revolucionou a cena paraense, comprometendo todos os artistas-usuários com o seu caráter experimental. O autor de seu projeto cenotécnico foi Luiz Carlos Ripper.

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cena. Assisti ao espetáculo, extremamente fascinada

pela idéia de utilização daquele espaço. Era um novo

lugar para a cena; um espaço tão pequeno, onde cabiam

mil lugares; um lugar-estado de ser e de ver; uma toca

de bicho, de mistérios e encantamentos. Eu estava

completamente afetada, não só pelo ator, pela

personagem, pela história de Kafka que me colocava

entre os camundongos, os ratos, mas principalmente, me

sentia enfeitiçada – definitivamente enfeitiçada, agora eu

sei disso – pela idéia físico-sensorial do porão. Posso

brincar que foi amor à primeira vista. Que foi a minha

primeira experiência de sufocamento na e pela cena. A

primeira penetração no subterrâneo de um lugar, de uma

arquitetura, da cidade. Nasceu em mim a sensação que

o teatro feito em porão poderia ser o território de minha

poética.

OUTRAS MEMÓRIAS INSCRITAS NO CORPO

No decorrer de minha pesquisa de doutoramento,

foram chegando à minha mente imagens de outras

experiências vivenciadas por mim em porões, inclusive

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anteriores ao espetáculo de François Kahn. Sei que

estas não foram tão incisivas sobre minha imaginação, a

ponto de detonar ações de criação, mas acredito que

vale aqui, ficarem registradas. A primeira delas foi

assistir aos espetáculos do Grupo AGIR – grupo de

teatro com atuação na década de 80, em Belém do Pará

– no porão de uma casa, alugada por eles, na Travessa

Rui Barbosa, bairro de Nazaré. O Grupo AGIR fez

daquele espaço sua Escola de Artes e seu Teatro.

Outras vivências-lembranças estão relacionadas ao

trabalho do diretor Paulo Sant’Ana. Foram três

momentos distintos: no primeiro momento, eu assistia

regularmente, a ensaios de Paulo Sant’Ana5 – ele com

pouco mais de 14 anos, Paulo dirigia um grupo imenso

de atores – nos porões do Grupo Escolar Paulo

Maranhão, onde minha mãe fora diretora e eu aluna do

primário. Como morávamos no mesmo bairro, foram

frequentes os meus passeios por aquela instituição

educacional, por muitos anos.

Outro momento foi o dos nossos ensaios com o

Grupo de Teatro Israelita de Belém, no porão de uma

5 Paulo Sant’Ana é ator e diretor teatral. Fundador do Grupo de Teatro Palha, fundado em 1980.

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das casas da Campina de propriedade daquela

instituição. Lá, estávamos envolvidos na montagem do

espetáculo O Diário de Anne Frank que, se não estou

enganada, não estreou. Por último, lembro no meu

próprio corpo, o fato de passar um ano inteiro dentro do

porão de uma casa na Avenida Nazaré – porão que

media de altura menos de 1,50 – de propriedade da

família Serruya, pais de Charles Serruya6. Período em

que trabalhei na construção dos cenários e adereços do

espetáculo Jurupari, a Guerra dos Sexos, montagem

do Grupo Palha7.

Enfim, expondo o que a cidade de Belém oferece,

para todos os que fazem teatro nesta terra, um imenso

imaginário sobre possíveis casas que teriam abrigado

grandes montagens da década de 30 – estas

denominadas de “Teatro Nazareno” por acontecerem no

período das Festas do Círio. “Reza a lenda” que, no

Largo de Nazaré, existiam muitos casarões, entre eles,

alguns que até a década de 80 reservavam surpresas,

escondendo “Teatrinhos” em seus interiores. Esses

6 Charles Serruya é arquiteto e cenógrafo de teatro. É um dos membros fundadores do Grupo de Teatro Palha. 7 Grupo de Teatro Palha foi fundado em 1980, na cidade de Belém do Pará. O grupo foi formado por integrantes do Grupo de Teatro do Sesc-Pa, extinto no final da década de 70.

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casarões foram palcos de Operetas, Teatro de Revista e

do Teatro Junino. Representavam o lado profano das

festas a Virgem de Nazaré. Se ainda existem de fato não

sei, mas existem e existirão sempre, em nosso

imaginário como potência, com certeza.

MINHA CARTOGRAFIA DO TEATRO DE PORÃO.

Poderíamos dizer que a arte pode na duração finita, até mesmo efêmera de seus suportes materiais,

inventar o tempo sem tempo de se conservar eternamente. Tudo o mais se desmancha no ar...

Ludmila Brandão8

Esta prática, de conceber e apresentar espetáculos de

teatro em espaços de porão, eu realizo desde 1990, isto é, um

ano após a visita de François Kahn. Nestes vinte anos, já que

escrevo este texto em 2009, foram doze espetáculos montados

em cinco espaços diferentes. Os espetáculos foram: no

Porão Cultural da UNIPOP, A Dama da Noite, montagem do

Grupo de Teatro Cuíra e Hamlet, do Grupo de Teatro da

UNIPOP; no Espaço Mariano da ETDUFPA, Mariano,

montagem do Curso de Formação de Ator; no Teatro Cláudio

Barradas, também da ETDUFPA, foram montados: Do Que

8 Ludmila Brandão é arquiteta e historiadora, doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP, professora do Programa de Pós-Graduação em História e do Departamento de Artes, ambos da UFMT Universidade Federal do Mato Grosso.

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Brincam os Meninos Que Serão Poetas, Maravilhosa

Orlando, Circo Vitória e A-MOR-TE-MOR, todos

realizados pelo Curso de Formação de Ator da ETDUFPA; no

Teatro Bufo, Duas Tábuas e Uma Paixão e Um Beija-flor a

Dois Metros do Chão, montagens da Dramática Companhia;

Água Ar Dente, do Grupo de Teatro Cuíra e Devagarinho Eu

Deixo, montagem da Escola de Bufões; e, por fim, no Teatro

Porão Puta Merda, Em Carne e Osso, montagem do Grupo

Cuíra do Pará, em convênio com o recém implantado Coletivo

Puta Merda. Em todos esses processos, eu estive presente na

função de encenadora – num trabalho colaborativo com outros

diretores e criadores de cena.

A investigação e análise de minhas próprias obras têm o

objetivo de revelar a poética inscrita nesses corpos cênicos, isto

é, seus princípios, recorrências e conexões – como diriam

Deleuze e Guattari, o bloco de sensações desses corpos –

objetivos de minha tese, foi algo que me exigiu uma espécie de

sobrevôo na criação, não com o intuito de ver de cima, de fora,

mas sim, com a autonomia de poder reinventar a mim mesma,

sempre. Reinvenção de minha imanência (vida) e de minha

obra. Na realidade, é fazer com cada um dos espetáculos, um

agenciamento novo – já que o que é conhecido de antemão não

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pode ser experimentado como acontecimento. Para dar-me a

estes acontecimentos novos, foi necessário criar uma geografia,

uma zona espacial para este fazer que, por si só, já estava

determinada por outra espacialidade: o porão. Por isso,

considero este artigo uma cartografia, um mapa aberto em

direção a todas estas obras. Um mapa onde estão desenhados

os seus fluxos, as suas intensidades e suas linhas de criação.

OS OBJETOS DESSA CARTOGRAFIA

No meu estudo, considerei, em princípio, que na criação

artística nada está separado de nada, ou melhor, que nada

pode ser separado de nada, mesmo nas obras-dobras,

aparentemente fragmentadas em sua concepção, porque

reconheço a existência de um entre; entre os “pedaços” da obra;

entre obras. Se assim não fosse, não haveria espaços para o

DEVIR9. Espaços da respiração, da vida das obras. E como foi

uma pesquisa, um exercício para o reconhecimento dos

princípios e recorrências dessa prática como uma estética

teatral específica, particular e local – foi a minha hipótese

9 Opto em manter o conceito DEVIR escrito em caixa-alta, como efeito de continuidade ao estudo anterior, apresentado tanto na dissertação de mestrado como na publicação independente desse estudo com o título Dramaturgia Pessoal do Ator.

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naquela tese – ela precisava conter esta premissa, em todos os

aspectos de sua existência formal.

Gilles Deleuze, em sua obra Conversações10

, escreve que

um mapa é um conjunto de linhas diversas funcionando, ao

mesmo tempo, como as linhas das mãos. Ele acredita que as

linhas são os elementos constitutivos das coisas e dos

acontecimentos. Cada coisa tem sua geografia, sua cartografia.

Pensa o autor que o que há de interessante, inclusive numa

pessoa, são as linhas que a compõem, as linhas que ela mesma

compõe ou toma emprestado ou cria. Posso dialogar com a

mesma imagem de linhas, fluxos, geografias, tanto em relação à

personagem quanto a um espetáculo, um lugar, uma poética

como um grande rizoma, poético. Portanto, uma poética – como

esse conjunto de espetáculos e seus porões – é um mapa, uma

cartografia, constituída por outros mapas que são os

espetáculos, cada um deles com suas múltiplas cenas – estas

como mapas da condição humana – cada vez mais dentro de

outros dentros, de outros foras e de foras cada vez maiores.

Os Porões

Cinco serão os espaços aqui tratados como cênicos, isto

é, Teatros-Porões:

10

Deleuze, Gilles. Conversações. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1992.

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O Porão Cultural da UNIPOP

A UNIPOP11

, com o seu público-alvo composto de

militantes da esquerda diversificada de Belém

(movimentos de bairro, igrejas e suas lideranças

ecumênicas, quadros partidários de base etc.), previa em

suas áreas de atuação, a Cultura e as Artes. Como

exerci junto a UNIPOP, no período de 1997 a 2003, a

função de coordenadora de atividades e educadora

popular na formação de lideranças dessas áreas, coube

a mim encontrar a futura sede própria, isto é, de caráter

permanente, uma opção espacial que favorecesse a

natureza cênica das atividades. Encontramos a casa e,

em seu porão, foi instalado o que viria a ser conhecido

como Porão Cultural da Unipop (1989). Este espaço teve

e tem uma importância enorme, não apenas para as

atividades artísticas e culturais da UNIPOP, como para

toda a categoria teatral paraense. Este espaço está

identificado em publicação brasileira12

como um “teatro

11

UNIPOP – Instituto Universidade Popular, uma organização não-governamental, destinada à formação de lideranças dos movimentos políticos de cidadania. 12 SERONI, J.C. - Teatros: Uma Memória do Espaço Cênico no Brasil. São Paulo; Editora SENAC/São Paulo, 2002, pág. 280.

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de tipologia múltipla”, com a capacidade de 80 lugares,

dependendo da proposta de utilização.

Figura 1: Porão Cultural da UNIPOP situado na AV. Senador Lemos № 557, bairro do Telégrafo.

O Teatro Cláudio Barradas da UFPA

Inaugurado em 27 de março de 1997, esse teatro foi

uma homenagem ao ator e diretor paraense Cláudio

Barradas13

que, durante muitos anos, foi professor da

ETDUFPA. Concebido com o caráter de Teatro

Experimental, esse espaço está também citado na 13

Cláudio Barradas é ator e diretor de teatro. Atualmente é padre, atuando também como formador de novos diretores de teatro ligados às paróquias da Arquidiocese de Belém.

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referida publicação14

, mas com a tipologia de “teatro à

italiana”. Esse teatro tem o recurso de platéia móvel,

podendo ser construída com cadeiras e praticáveis de

acordo com a proposta de encenação do espetáculo.

Uma escada permanente pode ser usada tanto para

palco como para platéia. Seu objetivo maior era ser um

laboratório de experimentação cênica para os cursos de

formação de ator e bailarino da ETDUFPA. O primeiro

espetáculo em temporada nesse espaço foi Do que

brincam os meninos que serão poetas, que teve sua

estréia no dia 04 de abril do mesmo ano.

Figura 2: O Teatro Cláudio Barradas da UFPA / situado a Av. Magalhães Barata 611, bairro de São

Brás./ Lado direito do Casarão da Etdufpa.

14

Idem, obra citada anteriormente.

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O Espaço Mariano da UFPA.

Inaugurado em março de 1996, como laboratório de

experimentação, o espaço Mariano seria mais um,

dentre os espaços cênicos existentes na ETDUFPA, em

apoio às atividades de formação. O mais radical em sua

arquitetura e o menor nas dimensões físicas, o Espaço

Mariano poderia atingir um público médio de 40

espectadores. Pela existência de uma escada em

concreto onde foram fixadas cadeiras, o Teatro foi

considerado da tipologia “teatro à italiana”.

Figura 3: O Espaço Mariano da UFPA / Situado a Av. Magalhães Barata 611, bairro de São Brás / Lado

esquerdo do Casarão da Etdufpa.

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O Teatro Bufo.

Inaugurado no dia 10 de agosto de 2001, como uma

ação política da Dramática Companhia, um grupo de

teatro da cidade de Belém, contra a total falta de

espaços disponíveis aos grupos locais, o Bufo foi

considerado um Teatro de Bolso, inclusive, o primeiro da

cidade a receber essa denominação. Com platéia e

palco móveis, o Bufo poderia atingir um público máximo

de 40 pessoas.

Figura 4: O Teatro Bufo /Situado na AV. Nazaré № 435, no bairro de Nazaré.

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O Teatro Porão Puta Merda

Inaugurado no dia 17 novembro de 2006, com o

espetáculo Império de São Benedito15

, direção de

Karine Jansen. Logo no início de março de 2006, quando

a casa foi adquirida16

, no porão, foram iniciadas reformas

necessárias, objetivando abrigar o maior número

possível de atividades referentes ao preparo e

construção de espetáculos e realizações cênicas futuras.

Uma casa de criação permanente, onde a imaginação

material17

deve ser acionada em todos os seus

ambientes. Com as devidas apropriações e toda a

imaginação material possível, o projeto de utilização dos

espaços do porão, hoje, está assim constituído: uma

biblioteca, um ateliê de costura, um ateliê de desenho e

construção de objetos, um jardim externo, um jardim

15

Império de São Benedito é o espetáculo-tese de doutoramento de Karine Jansen, intitulada UM FOGO QUE SE DEITA NO MAR: Um estudo sobre a Marujada do Município de Quatipuru do Estado do Pará, desenvolvida no PPGAC - Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da UFBA, sob a orientação da Profa. Dra. Antônia Pereira. 16 Esse espaço foi adquirido como ação-desdobramento de minha tese de doutorado, como espaço apropriado para a concepção e montagem de seu experimento cênico. 17 Segundo Gaston Bachelard “a imaginação material recupera o mundo como provocação concreta e como resistência, a solicitar a intervenção ativa e modificadora do homem: do homem – devindo, artesão, manipulador, criador, fenômeno técnico, obreiro – tanto na ciência quanto na arte”. (PESANHA apud BACHELARD; 1994 p. XV).

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interno e um camarim aberto como espaços de

convivência, banheiro e um espaço cênico (uma caixinha

preta).

Figura 5: O Teatro Porão Puta Merda / Situado à Rua Riachuelo, n. 69 – Campina

Figura 6: Imagens do interior do Teatro Porão Puta Merda (Biblioteca, camarim etc.)

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Os Espetáculos Construídos pela Pesquisadora nos

Porões da Cidade de Belém

1990

1992

Dama da Noite. Montagem do Grupo de Teatro Cuíra do Pará, numa livre adaptação do conto de Caio Fernando Abreu, com o mesmo título. Sua estreia data de 08 de dezembro de 1990. Foi o primeiro espetáculo teatral apresentado no Porão Cultural da UNIPOP e o primeiro dessa natureza assinado por mim. Seu ambiente cênico é de um banheiro público. Toda a cena é conduzida pelo ator Cláudio Barros, em solo. Os espectadores, sentados em vasos sanitários, bidês, bancos de banheiro, têm a função da contracena, assumindo no jogo o papel do “rapaz” com quem “ela” quer conversar e, talvez, fazer um programa. O texto trata da solidão, amor, sexo, AIDS, medo, perdas etc. – temas recorrentes no início da década de 90, em todo o país.

Hamlet. Estreou em 08 de dezembro de 1992, no Porão Cultural da UNIPOP, desta feita propondo, como ambiente palaciano, o próprio estado daquele porão, com suas salas, cubículos, corredores, escadas, janelas, grades, passagens estreitas e nem uma porta fechada ao público, que trafegava livremente e nunca sentava, compondo sua própria história. A concepção traz o mote do Príncipe encenador do seu próprio destino. Nessa montagem, o texto de Shakespeare ganhou uma leitura política que enfatizava a proposta metalingüística da diretora-encenadora.

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1996

1997

1999

Do Que Brincam os Meninos Que Serão Poetas? O espetáculo respondeu a essa pergunta, contando a vida e obra do poeta Garcia Lorca. Espetáculo tramado com os fatos e ficções deste autor que fizeram dele um mártir de seu povo. A encenação é a própria andança do La Barraca, seu grupo de teatro e sua ação política. O espetáculo estreou em 04 de abril de 1997, no Teatro Cláudio Barradas da Etdufpa.

Mariano. Estreou no dia 08 de março de 1996 e inaugurou um novo espaço cênico, nos porões da Etdufpa. A ação do coletivo de alunos e da encenadora teve repercussão tão grande, que o espaço ganhou o nome de Mariano. O espetáculo é uma farsa e uma metáfora dos bastidores da cena. Coloca os espectadores sentados dentro do camarim onde assistem o ensaio de toda a trama do texto e da encenação, poucas horas antes da primeira batida de Moliére.

Maravilhosa Orlando. Estreou em 04 de março de 1999. Uma sátira aos comportamentos sexuais e familiares da sociedade brasileira. Conta a história de Hermes Afrodite, um hermafrodita que, convivendo em diferentes grupos sociais, vai aprendendo a vencer discriminações, obstáculos profissionais e conquistas amorosas. A encenação dividiu a platéia em homens e mulheres, criando um estado de disputa bem humorada. A sonoplastia, executada ao vivo por uma banda, embalava a todos com as canções românticas de Roberto Carlos, numa só voz.

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2001

Circo Vitória. Montagem da Oficina Básica de Teatro da Etdufpa. Os personagens de um drama mambembe são coringados entre os atores. A proposta circense é cercada por um picadeiro de garrafas. Dentro delas, histórias contadas através de desenhos. Atores livres para a criação/improvisação; personagens presos nos seus destinos. Circo Vitória fez sua estréia na cidade, no Teatro Cláudio Barradas, no dia 20 de junho de 2001, em uma única apresentação, antes que a luz do desejo de ser artista, dos jovens atores, se apagasse.

Duas Tábuas e Uma Paixão. Foi uma declaração de amor ao teatro. Sua encenação desenvolveu um diálogo entre três diferentes concepções de cena: o teatro naturalista, o teatro brechtiano e o teatro pós-moderno. Atores expressaram suas histórias de vida, opiniões, sensações, pensamentos. Os espectadores e os atores estavam na cena, virtual e presencialmente. Esse espetáculo teve a sua estréia no dia 10 de agosto de 2001, inaugurando o Teatro Bufo da Dramática Cia.

Como Um beija-flor a Dois Metros do Chão. Trouxe para a cena, a história e a produção de Artur Bispo do Rosário. A encenação dilata o palco cortando o espaço, na horizontal, em dois planos. Para entrar no espaço e chegar à plateia, o espectador tinha que se abaixar. Sua travessia era feita dentro do carro-dispensa dos artistas, lugar onde estavam em exposição objetos-reproduções das obras de Bispo, e livres criações dos atores sobre seus próprios tormentos. O espetáculo estreou no dia 19 de outubro de 2001, no projeto de implantação/divulgação do novo Teatro Bufo.

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2002

Devagarinho... Eu Deixo. Estreou em 13 de dezembro de 2001, inaugurando a Escola de Bufões, projeto de formação de jovens atores da Dramática Cia, dentro da proposta do Teatro Bufo. O espetáculo foi um exercício sobre caracterização do ator, mais especificamente, no uso dos recursos cênicos na construção de personagens “tipos” (maquiagens, apliques, postiços, figurinos, objetos etc.) A encenação privilegiou uma cena em arena, usando somente praticáveis.

A-MOR-TE-MOR fragmentos amorosos de Cem anos de solidão. Baseado no romance de Gabriel Garcia Marques, sobre a cidade ficcional de Macondo. O realismo fantástico do romance atravessou o palco, colocando o espectador nos diferentes tempos da obra. O ambiente cenográfico abria-se ao espectador. Era ele o construtor de sentidos. Essa ambiência transformava-se em muitos lugares. Mais uma vez, se cortou o porão em dois, multiplicando assim suas dimensões. Somem-se a isso, ações de escalada dos atores-criadores na estrutura cenográfica. O espetáculo teve sua estréia no dia 31 de janeiro de 2002, no Teatro Cláudio Barradas

Água Ar Dente. Estreou no Teatro Bufo, no dia 21 de fevereiro de 2002. Com esse trabalho, o Grupo Cuíra se juntou à Dramática Cia., numa ação política para a preservação do Teatro Bufo. Levou à cena o Projeto 2 em 1, como estímulo à formação de plateias para aquele teatro. Água Ar Dente propunha um jogo ardente, ácido e sensual, num triângulo amoroso, rigorosamente masculino, muito próximo ao espectador.

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2007

Este texto foi extraído da Tese de doutorado intitulada O TEATRO AO

ALCANCE DO TATO: UMA POÉTICA ENCRAVADA NOS PORÕES DA

CIDADE DE BELÉM DO PARÁ de Wlad Lima.

Em Carne e Osso. Estreou no Teatro Porão Puta Merda, no dia 11 de abril de 2007. Esse trabalho foi uma parceria artística entre o Coletivo Teatro Porão Puta Merda e o Grupo Cuíra do Pará. O espetáculo propunha ser menos a dramatização de uma história ficcional, vivida por personagens, e muito mais um experimento dos princípios e procedimentos da poética de Teatro de Porão, da pesquisadora-encenadora Wlad Lima. Além de presenciar a vida em curral do menino Sereno, personagem central da cena, os espectadores sentiam de forma tátil a fabulação material, acionada na construção dessa modalidade de fazer teatral, que é o Teatro de Porão. Um debate-vivo encerrava o espetáculo.

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