UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE … · À Rita Noguera pelas experiências com arte/educação em Madri e pela amizade ... pela partilha com amor e, pela força da ... Bourdieu

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  • UNIVERSIDADE DE SO PAULO FACULDADE DE EDUCAO

    DANIELLA ZANELLATO

    Ensino de Arte, Educao de Surdos e Museus:

    Interconexes Possveis

    So Paulo

    2016

  • 2

    DANIELLA ZANELLATO

    Ensino de Arte, Educao de Surdos e Museus:

    Interconexes Possveis

    Dissertao apresentada Faculdade de Educao da Universidade de So Paulo para a obteno do ttulo de Mestra em Educao

    Linha de pesquisa: Educao Especial Orientadora: Prof. Dr. Cssia Geciauskas Sofiato

    So Paulo 2016

  • 3

    Autorizo a reproduo e divulgao total ou parcial deste trabalho, por qualquer

    meio convencional ou eletrnico, para fins de estudo e pesquisa, desde que

    citada a fonte.

    Catalogao da Publicao

    Servio de Biblioteca e Documentao

    Faculdade de Educao da Universidade de So Paulo

    ZANELLATO, Daniella

    Ensino de Arte, Educao de Surdos e Museus: Interconexes Possveis. So Paulo/ Daniella Zanellato; orientadora Prof. Dra. Cssia Geciauskas Sofiato; 230 f. So Paulo. 2016.

    Dissertao (Mestrado - Programa de Ps - Graduao em Educao) -

    Faculdade de Educao da Universidade de So Paulo.

    1.Ensino de Arte 2. Educao de Surdos 3. Museologia 4. Mediao Cultural

    5. Abordagem Triangular

  • 4

    ZANELLATO, Daniella.

    Ensino de Arte, Educao de Surdos e Museus de Arte: Interconexes

    Possveis.

    Dissertao apresentada Faculdade de

    Educao da Universidade de So Paulo,

    para obteno do ttulo de Mestra em

    Educao.

    Aprovada em: 12/09/2016.

    Banca Examinadora

    Prof. Dra.______________________________Instituio:_________________

    Julgamento:____________________________Assinatura:________________

    Prof. Dra.______________________________Instituio:_________________

    Julgamento:____________________________Assinatura:________________

    Prof. Dra.______________________________Instituio:_________________

    Julgamento:____________________________Assinatura:________________

  • 5

    Aos meus pais Virginia e Alcino, pelo amor no partilhar

    Silvinha, Hlida e Lili, pela nossa cumplicidade

    Ao Fernando, pela poesia

  • 6

    AGRADECIMENTOS

    Prof. Dr. Cssia Geciauskas Sofiato, pela confiana e por dividir seus saberes, estimulando a pesquisar com seriedade e dedicao. Prof. Dr. Ana Mae Barbosa, minha admirao e gratido por todos os momentos que me ensina e pela alegria a cada encontro. Prof. Dr. Rosalina de Santa Cruz, pela coragem, militncia e pela arte das bonecas que brilham no meu corao junto ao Refazendo Vnculos, Valores e Atitudes. Prof. Dr. Rosngela Prieto, pelas aprendizagens na rea da educao especial na perspectiva da educao inclusiva e, pelo compartilhar no LADESP/USP. Prof. Dr. Maria Christina de Souza Lima Rizzi pelas valiosas contribuies em arte/educao por ocasio da banca de qualificao e defesa. Prof. Dr. Pilar Prez, Universidad Autnoma de Madrid, pela generosidade e pelas vivncias que tornaram a experincia acadmica na Espanha nica. Profa Dra Emlia Maria de Bezerra Cipriano Castro Sanches, secretria adjunta da Secretaria Municipal de Educao de So Paulo, por toda a colaborao. Profa Janete de Castro Santos, supervisora de ensino da Secretaria Municipal de Educao de So Paulo, pela fundamental e grandiosa colaborao. Prof. Dr. Marta Lage, Universidad Autnoma de Madrid e ao Prof Juan Antonio Iglesias, pela visita tcnica ao Centro Educativo Ponce de Len. Dayna Leyton e Leonardo Castilho do setor educativo e de acessibilidade do Museu de Arte Moderna de So Paulo (MAM/SP) pela participao nesta pesquisa. As irms Marta, Joana Duboc e a Iara Odo, do Instituto Santa Teresinha. Rita Noguera pelas experincias com arte/educao em Madri e pela amizade.

    Ao Gui Chazan e Stella Saveli do Instituto Nacional de Educao para Surdos.

    As professoras de Arte e Coordenadoras Pedaggicas das escolas bilngues para surdos que generosamente participaram das entrevistas.

  • 7

    Aos amigos especiais: Adaci Rosa, Alessandra Tonial, Billy Saga, Brigida Cruz, Cla Mendes, Cris Pupo, Dani Bosco, Edson Castellucci, Elaine Paixo, Fabio DElia, Fabio Najjar, F Waki, Gabriel Bertozzi, Gama Brasil, Graciana Brune, Juan Rozo, Hlida Zanellato, Juliana Leal, Krysia Howard, Lilian Zanellato, Marcelo Rocha, Maira Rosin, Marcos Hideki, Maria Lcia Andrade, Mirna Snchez, Natalia Marrero, Nbia Rinaldini, Priscila Takats, Raquel Paganelli, Silvia Zanellato e Wilson Elmer. equipe FEUSP, Lilian e Clara (Comunicao); Claudia e Antonio (Secretaria da Ps-Graduao) e Vanessa (CCInt). Aos meus alunos, surdos e ouvintes, pelo desafio da docncia e pela motivao em construir caminhos para uma educao pblica de qualidade para todos. As crianas Marcella, Enzo e Edinho, pelos doces momentos.

    As minhas irms Silvinha, Hlida e Lili, pela cumplicidade e amizade.

    Por fim e ainda incio, aos meus pais Virginia e Alcino, pelo apoio incondicional,

    pela partilha com amor e, pela fora da espiritualidade na minha vida.

  • 8

    No possvel o desenvolvimento da cultura sem o desenvolvimento das suas formas artsticas. No possvel uma educao intelectual, formal ou informal, de elite ou popular, sem arte, porque impossvel o desenvolvimento integral da inteligncia sem o desenvolvimento do pensamento divergente, do pensamento visual e do conhecimento presentacional que caracterizam a arte. Se pretendemos uma educao no apenas intelectual, mas principalmente humanizadora, a necessidade da arte ainda mais crucial para desenvolver a percepo e a imaginao, para captar a realidade circundante e desenvolver a capacidade criadora necessria modificao desta realidade.

    Ana Mae Barbosa (2012b, p.5-6).

  • 9

    RESUMO

    ZANELLATO, Daniella. Educao de Surdos e Museus de Arte:

    Interconexes Possveis. Dissertao de Mestrado. Faculdade de Educao

    Universidade de So Paulo, So Paulo, 2016.

    O ensino da Arte para alunos surdos no Brasil remonta ao perodo

    Imperial, por meio do Imperial Instituto de Surdos-Mudos, no Rio de Janeiro. poca, a disciplina de Arte, ento nomeada de Desenho, estava incorporada ao currculo, contribuindo para a formao dos alunos surdos. Alm disso, presente nas escolas primrias, secundrias e Liceus de Artes e Ofcios, o ensino de Desenho e Arte para surdos acompanhou a tendncia da educao nos sculos XIX, XX e XXI. Nas duas ltimas dcadas, acompanhando o processo de democratizao do pas, educadores da educao formal e no formal aprofundaram o processo de discusso sobre as bases do ensino da Arte, sustentados pelas proposies da arte/educao e da Abordagem Triangular do ensino da Arte, promovendo reflexes acerca das possibilidades de mediao cultural e social em diferentes espaos educativos para todas as pessoas. J no incio do sculo XXI, o estreito dilogo entre a escola, o museu e as polticas de incluso culminaram em aes na perspectiva da educao inclusiva, com vistas a atender aos diferentes pblicos e, dentre eles, alunos surdos, estabelecendo novos fluxos e proposies de mediao cultural e ensino da Arte. Diante disso, a presente pesquisa teve por objetivo investigar como se configuram as interconexes na relao entre a escola e o museu de Arte, tendo como foco a educao bilngue de surdos. As discusses apresentadas encontraram subsdios nos referenciais tericos apresentados por Barbosa (2008; 2009; 2012; 2012b; 2015), Bourdieu (2007), Bredariolli (2008), Coutinho (2008; 2009; 2013), DHorta (1995), Falco (2009), Ferraz e Fusari (2009; 2010), Jannuzzi (2006), Huerta (2010); Lopes (1991), Marandino (2009), Mazzota (2011), Migliaccio (2000), Ott (1989), Richter (2008), Rizzi (2008), Rocha (2007; 2008; 2014), Sarraf (2013), Saviani (2005; 2007), Soares (1999), Silva (2011), Sofiato (2011) Souza (2007) e Tojal (2007; 2014). A pesquisa, de carter qualitativo, tem por base a anlise bibliogrfica, alm de pesquisa documental e emprica. Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas em escolas bilngues para surdos e Museu de Arte na cidade de So Paulo. Dentre as contribuies para a rea, destacamos a compreenso das ressignificaes no ensino da Arte na educao de surdos ao longo dos sculos, considerando que na perspectiva inclusiva novas interconexes educativas e culturais vm sendo ampliadas, favorecendo a acessibilidade cultural e uma aprendizagem em Arte mais significativa a todos.

    Palavras-chave: ensino de Arte; educao de surdos; museus de Arte; mediao cultural e abordagem triangular.

  • 10

    ABSTRACT

    ZANELLATO, Daniella. Deaf Education and Art Museums: Possible

    Interconnections. Master Degree Thesis. Faculdade de Educao - University

    of So Paulo, So Paulo, 2016.

    The Art education for deaf students in Brazil dates back to the Imperial period,

    through the Imperial Instituto de Surdos-Mudos, in Rio de Janeiro. At the time,

    the discipline of Art, then named Drawing was incorporated into the curriculum,

    contributing to the education of deaf students. Also present in the elementary

    and high schools and Arts and Crafts liceus, teaching drawing and art for deaf

    followed the trend of education of the XIX, XX and XXI centuries. In the past two

    decades, following the country's democratization process, formal and non

    formal education teachers increased the process of discussion of the art

    teaching, sustained by propositions and the Abordagem Triangular do ensino

    da Arte, promoting reflections about the possibilities of cultural and social

    mediation in different educational spaces for all people. In the early XXI century,

    the close dialogue among the school, the museum and social inclusion policies

    culminated in actions from the perspective of inclusive education, in order to

    cater to different audiences and, among them, deaf students, establishing new

    flows and propositions mediation of cultural and art education. Therefore, this

    study aimed to investigate how to configure the interconnections in the

    relationship between the school and the Art Museum, focusing on bilingual

    education of the deaf students. The discussions presented were based on the

    theoretical frameworks presented by Barbosa (2008; 2009; 2012; 2012b; 2015),

    Bourdieu (2007), Bredariolli (2008), Coutinho (2008; 2009; 2013), D'Horta

    (1995), Hawk (2009), Ferraz and Fusari (2009; 2010), Jannuzzi (2006), Huerta

    (2010); Lopes (1991), Marandino (2009), Mazzota (2011), Migliaccio (2000), Ott

    (1989), Richter (2008), Rizzi (2008), Rocha (2007; 2008; 2014), Sarraf (2013),

    Saviani (2005; 2007), Smith (1999), Smith (2011), Sofiato (2011) Souza (2007)

    Tojal (2007; 2014). The qualitative research is based on the literature review, as

    well as documentary and empirical research. Semi-structured interviews were

    conducted in bilingual schools for the deaf and Art Museum in the city of So

    Paulo. Among the contributions to the area, we highlight the understanding of

    new meanings in the art of teaching in the education of deaf over the centuries,

    considering the inclusive perspective, new educational and cultural

    interconnections being expanded, favoring cultural accessibility and art learning

    more meaningful.

    Keywords: Art Education; deaf education; Art museums; cultural mediation and triangular approach.

  • 11

    LISTAS DE IMAGENS E TABELAS

    Imagem 1. Experincia Fluda. Daniella Zanellato (2015)

    Imagem 2. Experincia Slida. Daniella Zanellato (2015)

    Imagem 3. Interconexes. Daniella Zanellato (2015)

    Imagem 4. (Des) Estruturando. Daniella Zanellato (2015)

    Imagem 5. Performance. Daniella Zanellato (2015)

    Tabela 1. Balano de Produes Revista Espao (1990-2010)

    Tabela 2. Espaos Culturais com atendimento a surdos em So Paulo

    Tabela 3. Centros Culturais com atendimento a surdos por regio

    Tabela 4. Museus com atendimento a surdos por regio

  • 12

    SUMRIO

    INTRODUO .................................................................................................................................... 14

    Memorial: Percursos em construo ........................................................................................... 15

    Percurso Metodolgico .................................................................................................................. 30

    Estrutura da dissertao ............................................................................................................... 31

    CAPITULO 1. TENDNCIAS PEDAGGICAS E O ENSINO DE ARTE NO BRASIL ............ 34

    1.1 Reviso histrica e periodizao ........................................................................................... 36

    1.1.1 Primeira fase: sculo XVI at sculo XIX ..................................................................... 38

    1.1.2 Segunda fase: fins do sculo XIX e o sculo XX ........................................................ 40

    1.1.3 Anos 1980 e novos tempos: Abordagem Triangular do Ensino da Arte ............... 46

    1.1.4 Anos de 1990: Parmetros Curriculares Nacionais de Arte ...................................... 56

    1.2 Sculo XIX: Ensino de Arte no Brasil Imperial ................................................................... 62

    1.2.1 Misso francesa e o ensino de bellas-artes no Brasil ................................................ 62

    1.2.2 Imperial Collegio de Pedro Segundo e o ensino de Arte ........................................... 70

    CAPTULO 2. ENSINO DE ARTE E A EDUCAO DE SURDOS............................................ 75

    2.1 Sculo XIX: Imperial Instituto de Surdos-Mudos e o ensino de Artes e Ofcios ............ 77

    2.2 Os repetidores no Instituto para Surdos-Mudos e o ensino de Desenho .................... 84

    2.3 Oficinas de aprendizagem de ofcios .................................................................................... 91

    2.4 Transitando pelo sculo XX: alunos, artistas e professores de Arte ............................. 105

    2.5 Sculo XX: Aspectos fundantes do ensino de Arte para surdos em So Paulo .......... 113

    2.5.1 Instituto Paulista de Surdos-Mudos Rodrigues Alves ............................................ 115

    2.5.2 Instituto Santa Teresinha e o ensino de Arte para surdos ....................................... 121

    CAPTULO 3. MUSEUS DE ARTE E EDUCAO DE SURDOS ........................................... 139

    3.1 Polticas Culturais no Brasil.................................................................................................. 141

    3.2 Ao educativa nos museus de Arte da Europa, Estados Unidos e Brasil .................. 146

    3.3 Interconexes na relao museu e escola ........................................................................ 155

    3.4 Ao educativa inclusiva em museus e espaos culturais na cidade de So

    Paulo e o pblico surdo ............................................................................................................... 168

  • 13

    CAPITULO 4. PROCEDIMENTOS METODOLGICOS ........................................................... 175

    4.1 Pesquisa Emprica: Fase Exploratria ................................................................................... 176

    4.1.1 Visitas Tcnicas a Museus de Arte e Centros Culturais com acessibilidade

    para surdos no Rio de Janeiro e em So Paulo .................................................................. 177

    4.1.2 Mapeamento da Acessibilidade para surdos em Museus e Centros Culturais

    na cidade de So Paulo .......................................................................................................... 181

    4.2 Pesquisa Emprica nas instituies selecionadas ................................................................ 185

    4.2.1 Lcus de desenvolvimento da pesquisa ..................................................................... 186

    4.2.2 Sujeitos participantes da pesquisa .............................................................................. 187

    4.2.3 Instrumentos para a coleta de dados .......................................................................... 188

    4.3 Anlise e discusso dos dados ............................................................................................... 189

    4.3.1 Comunicao entre surdos e ouvintes ........................................................................ 190

    4.3.2 Concepes em Arte, formao e a Abordagem Triangular ................................... 194

    4.3.3 Contribuies na relao entre o museu e a escola ................................................. 200

    4.3.4 Escolha e participao nas mediaes ....................................................................... 203

    4.3.5 Estrutura para a efetivao das visitas ....................................................................... 207

    4.3.6 Aes na escola no retorno das visitas ao Museu .................................................... 209

    CONSIDERAES FINAIS ............................................................................................................ 212

    REFERNCIAS ................................................................................................................................ 219

  • 14

    INTRODUO

    Pies para qu los quiero si tengo alas pa volar.

    Frida Kahlo (1953)

    Na presente pesquisa, dispomo-nos a refletir sobre as relaes

    estabelecidas na esfera do ensino de Arte na educao de surdos,

    investigando as interconexes educativas presentes na interface escola e

    museu.

    A possibilidade de investigar e empreender novos olhares sobre tais

    questes pareceu-nos instigante e pertinente, tendo em vista que as diferentes

    reas envolvidas na pesquisa educao de surdos, ensino de Arte e museus

    perpassaram minha trajetria acadmica e profissional, propiciando reflexes

    sobre os possveis dilogos que podem ser estabelecidos nessas reas. No

    entanto, a questo foi desafiadora e nada simples, uma vez que a identificao

    de tais interlocues e a possibilidade de realizar uma investigao que

    considerasse as dimenses das referidas esferas exigiu a reviso do projeto

    inicial de ingresso no programa de ps-graduao, com mudana de orientao

    e tendo em vista o presente objeto de estudo. Nessa trajetria, foi necessrio o

    acerto de rotas, parafraseando a profa. Dra. Ana Mae Barbosa, da qual fui

    aluna e suas investigaes esto presentes nesta pesquisa e nas minhas

    reflexes e prticas como arte/educadora.

    Para uma melhor compreenso dos aspectos que motivaram a

    elaborao da dissertao, bem como os percursos da pesquisa, dividimos a

    introduo em dois momentos: memorial, nomeado de percursos em

    construo; onde realizamos uma breve apresentao de minha trajetria e

    envolvimento com a pesquisa; e o percurso metodolgico.

    Ademais sero apresentados os objetivos da pesquisa e a estrutura que

    compe cada captulo da dissertao.

  • 15

    Memorial: Percursos em construo

    Meu percurso acadmico foi iniciado na graduao em Design, ento

    nomeado de Desenho Industrial, escolhendo a habilitao em Programao

    Visual, na Universidade Mackenzie, aps cursar o magistrio pela Escola

    Experimental da Lapa. Poucos anos depois e atuando como docente na rea

    de Arte e Design realizei a Licenciatura em Educao Artstica, pela Faculdade

    Belas Artes de So Paulo. Nos anos seguintes fiz trs ps-graduaes, a

    saber: tica, Valores e Cidadania na Escola, pela Universidade e So Paulo

    (USP); Deficincia Auditiva, pela Universidade Estadual Paulista Jlio de

    Mesquita Filho (UNESP/Marlia) e Educao Empreendedora, pela

    Universidade Federal de So Joo del Rey (UFSJ del Rey).

    Como docente nas reas de Arte, Arquitetura e Design, atuei nos

    diferentes nveis de ensino, desde a educao bsica pblica e privada, ensino

    pr-vestibular, tcnico e superior. Foi na graduao em Design e Arquitetura

    que ministrei a disciplina de Design Universal, tendo pela primeira vez contato

    direto com pessoas com deficincia e recursos de tecnologia assistiva. Iniciei

    assim uma parceria com a instituio de atendimento especializado Associao

    de Assistncia Criana Deficiente (AACD) para a realizao de visitas

    tcnicas com os alunos da graduao sobre as condies fsicas,

    arquitetnicas e de mobilirio.

    Paralelamente carreira docente, trabalhava como designer e produtora

    em programas de televiso, dentre eles, o programa educativo Faz de Conta,

    nos moldes do Vila Ssamo e transmitido em canal fechado. Na rea de vdeo,

    dirigi e produzi o documentrio Potica do espao: a Casa Enfeitada,

    discutindo aspectos simblicos na casa/obra de Estevo, na favela de

    Paraispolis. Durante esse processo, iniciei um trabalho formativo de

    empoderamento de sua criao em Arte como morador/artista, fruindo sua

    prpria obra e de outros artistas que dialogavam com seu trabalho.

  • 16

    Investigando as interconexes entre a Arte, Design, Mdia e Educao,

    participei como aluna especial nas disciplinas de ps graduao Linguagens do

    Audiovisual e Educao, com a profa. Dra. Marlia Franco, pela Escola de

    Comunicao e Arte da USP e O processo do Design, com prof. Dr. Carlos

    Alberto Incio Alexandre, pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.

    Essas experincias foram fundamentais para ampliar minha

    compreenso sobre os processos de audiodescrio com imagem em

    movimento ao atuar na realizao da audiodescrio de longa-metragem de

    muitos clssicos nacionais das dcadas de 1940 a 1960 para a emissora

    pblica de televiso TV Cultura, alm de integrar a equipe de estudos para a

    audiodescrio com roteiro, pelo diretor Rubens Rewald, no longa-metragem

    brasileiro de sua direo, SuperNada.

    Na rea de museus, atuei como educadora da exposio Escrita da

    Memria, realizada no Instituto Cultural Banco Santos, com curadoria do prof.

    Dr. Leandro Karnal, que tambm participou de algumas aes do educativo,

    possibilitando refletir sobre aproximaes e distanciamentos entre curadoria e

    educativo, alm dos desafios da mediao educativa.

    Entre os anos de 2003 a 2007, participei das aes do projeto de

    extenso acadmica Refazendo Vnculos, Valores e Atitudes, vinculado

    Faculdade de Servio Social da Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo,

    atuando como arte/educadora. O programa atendia jovens, moradores da

    favela de Helipolis, em situao de liberdade assistida. A coordenao estava

    a cargo da profa. Dra. Rosalina de Santa Cruz, que durante a gesto de Paulo

    Freire, na Secretaria de Educao de So Paulo, foi Secretria de Assistncia

    Social. Nas aes em arte/educao, por meio da Oficina de Bonecas,

    iniciamos um projeto de investigao do potencial de transformao pela Arte a

    partir da criao de bonecas-esculturas pelas jovens integrantes do projeto. A

    ao oportunizou uma vivncia marcadamente poltica, com uma profunda

    transformao no olhar para as potencialidades da Arte e para o trabalho com

    as diferenas.

    O pensamento feminista, ou o mero pensar sobre o universo existencial das mulheres, sempre um ato poltico, pois supe

  • 17

    uma reflexo sobre a diferena e a singularidade em contraposio a homogeneidade do poder hegemnico. Julgamento esttico, para Kant, comea com o particular, o singular. Como julgar esteticamente sem respeito pelas diferenas, sem respeito pelo outro ou pela comunidade humana pluralista? (BARBOSA, 1998, p.103-104).

    Dentre os anos de 2005 a 2008 atuei como consultora de programas e

    projetos junto ao Ministrio da Educao (MEC), Ministrio da Cultura (MinC) e

    Fundo das Naes Unidas para a Infncia (UNICEF/Brasil), por meio do Centro

    de Estudos e Pesquisas em Educao, Cultura e Ao Comunitria (CENPEC),

    uma organizao sem fins lucrativos.

    Nessa fase, atuando em aes em Cultura e Educao, percorri o Brasil

    dialogando com professores e gestores educacionais da rede pblica de

    ensino, compartilhando suas inquitaes e enfrentamentos na rea, quando

    decidi trocar as aulas na graduao em Arte, Design e Arquitetura, pela

    docncia em Arte numa escola da rede pblica municipal de So Paulo, um

    grande desafio profissional. Deparei-me com situaes e realidades diversas,

    sentindo-me a transitar num contrafluxo escolar, frente a resistncias nas

    atitudes e discursos de professores e gestores com relao ao trabalho com

    diferenas e pessoas com deficincia, em sala de aula. Tambm neste espao,

    conheci as salas de recursos multifuncionais destinadas ao atendimento

    educacional especializado e ali passei a acompanhar as inmeras

    oportunidades de aprendizagem pedaggica vivenciadas pelos alunos com

    deficincia.

    Assim, ingressei numa escola bilngue de educao para surdos em So

    Paulo, como professora de Arte. As afirmaes dos demais colegas

    professores sobre o ensino de Arte e sua relao com a educao de surdos

    me angustiaram:

    aluno surdo adora Arte; surdo desenha muito bem; surdo visual, dentre

    outros. O perodo era de transio nessas escolas, pela primeira vez estavam

    recebendo professores especialistas em diferentes reas do conhecimento

    para o ensino fudamental II e Educao de Jovens e Adultos (EJA), antes

    realizado por pedagogas com algum curso ou habilitao na rea da educao

    especial ou surdez. Considero a mudana um avano frente a um modelo

  • 18

    conservador, com estruturas pouco flexveis a mudanas. Tais reflexes e

    questionamentos se fizeram presentes durante todo o processo de escrita da

    dissertao.

    Nesse perdo, fui convidada a integrar a equipe de consultores da

    UNESCO, nas aes de monitoramento e avaliao das polticas pblicas de

    gesto da educao inclusiva, integrando o programa Boas Prticas em

    Educao Inclusiva nos Municpios Brasileiros.

    Foram algumas das indagaes entre as reas de Arte e Cultura na

    perspectiva da educao inclusiva e da acessibilidade que me levaram a

    buscar nas aes educativas em museus caminhos reflexivos. Participei do

    Programa Especial para Pblicos Especiais (PEPE), com a profa. Dra. Amanda

    Tojal, na Pinacoteca de So Paulo; Acessibilidade em Museus e Espaos

    Culturais, com profa Dra. Viviane Sarraf, no Museu de Arqueologia e Etnologia

    da Universidade de So Paulo (MAE/USP); Arte-Educao e Incluso, no

    Museu de Arte Sacra; Histria e Prtica da Arte, na Escola Waldorf Rudof

    Steiner e, na rea da surdez, do programa Corposinalizante, com Leonardo

    Castilho, no Museu de Arte Moderna de So Paulo (MAM/SP). Por fim, fui

    convidada a discutir sobre o tema em uma formao para professores pela

    Caixa Cultural de So Paulo.

    A participao nas discusses na rea de acessibilidade e polticas

    culturais para pessoas com deficincia, com a presena de representantes do

    MinC e da Agncia Nacional de Cinema (Ancine) contriburam na construo

    de algumas hipteses na rea que, juntamente com as orientaes, permitiram

    transformar antigas indagaes em material para a construo do captulo 3 da

    presente pesquisa.

    Durante a trajetria na ps-graduao na Universidade de So Paulo,

    participei das aes do Programa de Aperfeioamento do Ensino (PAE), do

    Laboratrio Didtico da Educao Especial (LADESP/USP) e do Geslique,

    grupo de estudos LIBRAS em questo, coordenado pela profa. Dra. Cssia

    Geciauskas Sofiato.

    Por fim, no primeiro semestre de 2016 realizei um intercmbio

    acadmico pela Universidad Autnoma de Madrid (Espanha), aprovada pelo

  • 19

    programa de bolsas de intercmbio pelo Santander Universidades em convnio

    com a Universidade de So Paulo e a Universidad Autonma de Madrid. Alm

    das disciplinas cursadas no programa de Mster en Arteterapia y Educacin

    Artstica para la Inclusin Social, tambm realizei um estgio docente na

    disciplina Fundamentos de la Educacin Artstica, Plstica y Visual en la

    Educacin Infantil, ministrada pela profa. Dra. Pilar Prez Camarero (UAM) e

    oferecida aos alunos da garduao em Educaco Infantil.

    Ainda na Universidad Autnoma de Madrid, fui investigadora e

    colaboradora no Proyecto Internacional de Investigacin Artstica na IV edicin

    enREDadas, tambm participando como artista com exposio de obra artstica

    com coordenao da profa. Dra. ngeles Saura. Na rea de arte/educao

    participei da V Semana de la Educacin Artstica, com os cursos e palestras:

    Lo que no se ve. Criatividad, poder (y contrapoder) de la visualizacin, prof. Dr.

    Carlos Escao; El Quijote tenia razn, prof. Dr. Ignacio Asenjo; Djame or tu

    voz, reflexiones en torno a un objeto, prof. Dr. Juan Jos Arnao; El resplandor

    del rostro, prof. Dr. Juan Carlos Ara e Educacin Creadora, prof. Dr. Miguel

    Castro. Na rea de educao inclusiva, destaco a Jornada Construyendo una

    Universidad Inclusiva e Rompamos el techo de cristal: Gnero y Educacin.

    Pela Universidade de Valncia (Espanha), participei das Jornadas

    Internacionales de Investigacin en Educacin Artstica entornos para educar

    en Arte, coordenado pelo prof. Dr. Ricard Huerta e Profa. Dra. Amparo Alonso

    Sanz, alm do Seminario Creatividad e innovacin educativa para el desarrollo,

    ctedra UNESCO. Em Valncia, participei de visita no Institut Valenci dArt

    Modern.

    Durante esse perodo realizei investigaes junto s aes educativas

    dos trs principais Museus de Arte localizados em Madri, tendo por foco a

    acessibilidade: Museo do Prado, Thyssen-Bornemisza Museum e Museo

    Nacional Centro de Arte Reina Sofia, destacando os dilogos realizados com a

    atual responsvel pelo educativo deste ltimo profa. Dra. Aida Sanchez. Na

    rea da educao bilngue para surdos, destaco a visita tcnica no Centro

    Educativo Ponce de Len, referncia em educao pblica bilngue para

    surdos em Madrid, e os dilogos com o professor de Arte.

  • 20

    Nesse perodo foram escritos o artigo Qu medios pone la tecnologa al

    alcance de la escuela infantil para desarrollar la expresin artstica?, para o IV

    Congreso Internacional A fenda dixital: TIC, NEAE, inclusin y equidade, na

    Universidade de Santiago de Compostela. Alm desse, destaco os artigos que

    escrevi no mesmo perodo Arte/educao e Mediao Cultural na Espanha:

    Perspectivas Femininas na Arte Contempornea rabe e o artigo para a

    comunicao artstica Arte e Sincronicidade: o Feminino como elemento

    simblico na obra Matrstica para o V Congresso Internacional Sesc de

    Arte/Educao, pela Universidade Federal de Pernambuco (Brasil), em

    homenagem a profa. Dra. Ana Mae Barbosa.

    Por fim, destaco os dilogos e reflexes com a profa. Dra. Ana Mae

    Barbosa, sempre presente na minha trajetria e nas discusses desta

    dissertao.

    Percurso metodolgico

    Nessa pesquisa de abordagem qualitativa, foi realizada uma reviso

    bibliogrfica e um estudo documental com base em fontes primrias sobre o

    ensino de Arte e a educao de surdos nos sculos XIX, XX e XXI, bem como

    pesquisas empricas que buscaram compreender a relao entre a escola e o

    museu, com foco no ensino de Arte e na educao de surdos.

    A investigao realizada caracteriza-se como qualitativa. O conceito de

    pesquisa qualitativa ou naturalstica apresenta dilogos com os pressupostos

    apontados por Bogdan e Biklen (1982 apud LDKE; ANDR,1986) que

    considera cinco caractersticas bsicas dessa abordagem, a saber:

    1. A pesquisa qualitativa tem o ambiente natural como sua fonte direta de dados e o pesquisador como seu principal instrumento [...]; 2. Os dados coletados so predominantemente descritivos [...]; 3. A preocupao com o processo muito maior do que com o produto. O interesse do pesquisador ao estudar um determinado problema verificar como ele se manifesta nas atividades, nos procedimentos e

  • 21

    nas interaes cotidianas [...]; 4. O significado que as pessoas do s coisas e sua vida so focos de ateno especial pelo pesquisador [...]; 5. A anlise dos dados tende a seguir um processo indutivo (p.11-13).

    Nesse sentido, o percurso metodolgico foi construdo em trs principais

    etapas: I) reviso bibliogrfica; II) pesquisa documental; III) pesquisa emprica:

    fase I e fase II.

    A reviso bibliogrfica, foi realizada em livros, artigos cientficos,

    dissertaes e teses que se relacionam rea do ensino de Arte, educativo

    em museus, acessibilidade e educao de surdos. O constructo terico dessa

    etapa foi alicerado nos seguintes autores: Barbosa (2008; 2009; 2012; 2012b;

    2015), Bourdieu (2007), Coutinho (2008; 2009; 2013), Falco (2009), Ferraz e

    Fusari (2009; 2010), Huerta (2010); Jannuzzi (2006), Lopes (1991), Marandino

    (2009), Mazzota (2011), Migliaccio (2000), Rizzi (2008), Rocha (2007; 2008;

    2014), Sarraf (2014), Saviani (2005; 2007), Soares (1999), Sofiato (2011) e

    Tojal (2007; 2014).

    Na pesquisa documental, utilizou-se fontes primrias constitudas

    basicamente por documentos, jornais e peridicos do perodo Imperial, que

    receberam tratamento analtico. Gil (2002) refere que:

    A pesquisa documental assemelha-se muito pesquisa bibliogrfica. A diferena essencial entre ambas est na natureza das fontes: enquanto a pesquisa bibliogrfica se utiliza fundamentalmente das contribuies dos diversos autores sobre determinado assunto, a pesquisa documental vale-se de materiais que no recebem ainda um tratamento analtico, ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com os objetos da pesquisa (p. 45).

    Dentre os principais documentos investigados no sculo XIX, tendo por

    objetivo construir as bases do ensino de Arte na educao de surdos,

    destacamos o Almanak Laemmert, o Almanak Amigos dos Surdos Mudos e o

    Compendio para o ensino dos surdos-mudos. J com o objetivo de

    compreender aspectos da educao de surdos em dilogo com o ensino de

    Arte nos sculos XX e XXI, aprofundamos nossa reflexo por meio da anlise

  • 22

    das edies das revistas Espao e Arqueiro, ambas publicaes do Instituto

    Nacional de Educao para Surdos, no Rio de Janeiro.

    Tambm foram utilizados os seguintes documentos: leis, pareceres,

    resolues e decretos que apresentam aspectos da educao de surdos e do

    ensino de Arte no sculo XIX e XX, dentre os quais destacamos as

    informaes coletadas no Dirio Oficial do Estado de So Paulo e no processo

    judicial da Cmara Municipal de So Paulo, ambos datados da dcada de

    1930, auxiliando na compreenso da construo de escolas para alunos surdos

    no Estado de So Paulo.

    Tambm com referncia as publicaes desse mesmo perodo,

    destacamos os jornais e suplementos publicados nos estados do Rio de

    Janeiro e So Paulo, dentre eles, Dirio de Notcias e A Batalha (Rio de

    Janeiro) e Noite Ilustrada (So Paulo).

    Alm desses, nos foi confiado o acesso ao acervo pessoal de jornais e

    imagens que fazem parte da histria de muitos alunos surdos de diversas

    regies pas e, sobretudo, das prprias Irms do Instituto Santa Teresinha -

    uma escola fundada e mantida por religiosas. Ainda que a catalogao do

    material apresente dificuldades na localizao de algumas referncias,

    representam fontes histricas de grande valor para a construo da mmoria

    da educao de surdos no Brasil e, especificamente, no Estado de So Paulo.

    Tambm realizamos um balano de produes em duas bases de

    dados: Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertaes e Google Scholar

    e, nos peridicos semestrais da Revista Espao, uma publicao do Instituto

    Nacional de Educao para Surdos (INES), com vistas a mapear possveis

    pesquisas j realizadas sobre a temtica que envolve a presente pesquisa.

    Para a investigao na base de dados da Biblioteca Digital Brasileira de

    Teses e Dissertaes e do Google Scholar, fizemos o recorte temporal com

    abrangncia dos ltimos cinco anos, no perodo de 2011 a 2015 e, alm do ano

    de 2016. Inicialmente foi feita a delimitao de cinco descritores delimitados por

    aspas, a saber: a) Arte e surdez; b) Arte e educao de surdos; c) Ensino

    de Arte e surdez; d) Museus de Arte e surdez; e) Acessibilidade e surdez.

  • 23

    Para a anlise, aps a delimitao pelos descritores e abrangncia temporal,

    destacamos os ttulos e os resumos de cada arquivo apresentado.

    Na primeira etapa da investigao, os referidos descritores foram

    consultados na base de dados da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e

    Dissertaes e no localizamos nesse banco nenhuma dissertao ou tese que

    fizesse referncia aos descritores elencados.

    Na segunda etapa da investigao, selecionamos o Google Scholar e

    foram localizados um total de cinco documentos, dentre eles: uma dissertao

    de mestrado, dois trabalhos de concluso de curso, um resumo de artigo e um

    artigo completo. Os trabalhos esto divididos em trs grandes reas de

    investigao: Arte, Educao e Tecnologia. Das universidades das

    investigaes, trs esto localizadas na regio do sul do Brasil, uma na regio

    do Nordeste e uma da regio Sudeste.

    No primeiro descritor, Arte e surdez, foram localizados duas pesquisas

    na regio Sul do pas, sendo um artigo desenvolvido na rea da Educao, por

    uma professora de Arte do Paran, tendo por nfase as prticas pedaggicas e

    a leitura de imagens. O segundo documento desse descritor se refere a um

    trabalho de concluso de curso de licenciatura em Arte, que abrange temas

    relacionados a LIBRAS, Arte Contempornea e autoretrato.

    O segundo descritor Arte e Educao de Surdos, localizamos um

    resumo de artigo desenvolvido na regio Nordeste do pas, na rea da

    Educao, tendo como nfase estratgias de ensino em Arte que contemplam

    a expressividade dos alunos.

    A pesquisa realizada com o terceiro descritor, Ensino de Arte e Surdez,

    remeteu ao artigo completo em Educao que j havia sido apresentado no

    descritor Arte e surdez e escrito pela professora de Arte do Parana com

    nfase nas prticas pedaggicas e na leitura de imagens.

    No quarto descritor, Museu de Arte e Surdez, no localizamos

    nenhuma ocorrncia de publicao.

    Por fim, no quinto e ltimo descritor, Acessibilidade e Surdez,

    localizamos dois documentos desenvolvidos na rea da Informtica, sendo um

    trabalho de concluso de curso, desenvolvido na regio sul do pas, tendo por

  • 24

    nfase a acessibilidade em ambiente virtual, fazendo uso da LIBRAS no

    contexto da Universidade. O segundo documento, da regio Sudeste, trata-se

    de uma dissertao de mestrado que discute o uso da mediao para melhorar

    a interao de surdos bilngues na Web.

    Tambm realizamos o balano de produo nos peridicos da Revista

    Espao, uma publicao do Instituto Nacional de Educao para Surdos

    (INES). Como recorte temporal selecionamos o perodo de 20 anos, tendo por

    base a primeira publicao do volume em 1990 at o ano de 2010, perodo

    anterior ao investigado nas duas bases de dados. As publicaes do peridico

    so semestrais, totalizando 34 volumes, visto que em alguns anos a publicao

    foi anual.

    Como a publicao da revista impressa e o formato digital s est

    disponvel a partir do volume n 27 de 2007, foi necessria a investigao dos

    primeiros volumes na biblioteca do INES, no Rio de Janeiro, sendo que os

    demais volumes impressos foram localizados em So Paulo em diferentes

    bibliotecas de instituies especializadas na rea da surdez, visto que os

    volumes esto descontinuados.

    Para a investigao, analisamos os sumrios dos diferentes volumes do

    peridico, buscando abordagens sobre Arte, ensino de Arte, museus,

    visualidade na Arte em articulao com a educao de surdos, foco das

    discusses do peridico. Tambm analisamos as diferentes sees da revista

    e, aps essa etapa, realizamos a leitura dos artigos correlatos aos temas da

    investigao.

    Dentre as sees da revista que trataram as questes da Arte e do

    ensino da Arte na educao de surdos, identificamos que do primeiro volume

    ao ltimo volume analisado em 2010, as discusses estavam reunidas na

    seo Espao-Arte, posteriormente suprimido e nas sees Atualidade em

    Educao, Espao Aberto, Debate e Reflexes sobre a Prtica.

    O Espao-Arte era destinado ao estudo das formas de expresso

    grfica, apresentando desenhos em preto e branco dos alunos do INES, sendo

    descritas as cores do desenho original realizado pelas crianas, conforme

    descrito:

  • 25

    Espao-Arte destinado ao estudo das formas de expresso grfica de alunos deficientes auditivos. Apresentamos neste nmero a reproduo, reduzida do desenho de um aluno da Escolinha de Arte do INES. O original colorido, contendo cores quentes (vermelho=sangue, amarelo=cabelo) e neutras (preto=ossos) (ESPAO, ano I, n 01, 1990, p.67).

    Nesse primeiro volume do peridico do INES, publicado de julho a

    dezembro de 1990, o tema Arte-Educao destacado na capa da edio,

    pertencendo ao volume uma seo intitulada Espao-Arte. Nesse mesmo

    volume, o artigo Arte-Educao e o Deficiente Auditivo apresenta as aes em

    arte/educao no INES e as leis e perspectivas da rea. Na seo intitulada

    Espao-Arte, conforme vimos, realizada uma breve anlise de um desenho

    de um aluno do INES por meio da abordagem psicanaltica em trabalhos de

    Arte.

    Tambm na seo Visitando o acervo do INES, verificamos que as

    discusses transitam entre a breve apresentao de algum documento

    histrico. Como exemplo citamos a edio n 31 de 2009, que revela um

    aspecto da histria do INES e a homenagem de ex-alunos artistas que fazem

    parte do acervo, tais como: Antonio Pitanga (edio n 12 de 1999) e Joo

    Rigo, que fez a escultura do escritor Euclides da Cunha (edio n 32 de 2009).

    Nesta seo, alguns dos artigos se repetem quanto ao tema ao longo das

    edies, como por exemplo a visita da Ceclia Meirelles (edio n 25/26 de

    2006 e n 04 de 1994).

    A seguir, apresentamos uma tabela com os artigos que discutem os

    temas mais relacionados a presente pesquisa, a partir dos descritores

    apresentados, sendo os mesmos sistematizados por nmero, ano, ttulo, autor

    e seo do peridico:

  • 26

    Tabela 1. Balano de Produes Revista Espao (1990-2010)

    Nmero e

    Ano

    Ttulo do Artigo

    Seo do Peridico

    01/ 1990

    Arte-Educao e o Deficiente Auditivo

    (MAGALHES, A.A)

    Arte (sem autoria)

    Sumrio

    Espao Arte

    02/1990

    A Arte Educao e o Deficiente Auditivo (MAGALHES, A.A; DOMINGUES, J.P.,

    JORDO, K.B.; DIAS, M.H.N)

    A Dana e o Deficiente Auditivo

    Sumrio

    03/1992

    Implantao do Projeto de Dana Danando o

    Verde (sem autoria)

    Projeto de Teatro para Surdos (sem autoria)

    Espao Arte

    06/1997

    Comunicao, expresso, sentimento e emoo

    (sem autoria)

    Espao Arte

    11/1999

    Expresso Grfica de ex-aluno do INES

    (desenho a mo livre de Geraldo Ulisses)

    Debate

    12/1999

    Sobre esttica, cegueira e surdez (OLIVEIRA,

    J.V.G)

    Visualidade e surdez: a revelao do pensamento plstico (MARQUES, C.V.M)

    Francisco Goya (sem autoria)

    Homenagem a um artista surdo Antonio Pitanga

    (sem autoria)

    Espao Aberto

    Espao Aberto

    Debate

    Seo Visitando o Acervo do INES

    14/2000

    Trs breves ensaios sobre percepo (PENNA,

    A.G)

    Debate

    15/2001

    As artes visuais e os surdos no Brasil do sculo

    XIX (NOGUEIRA, M.)

    Duas palavras sobre Goya (OLIVEIRA, J.V.G)

    Espao Aberto

    18/19

    (2002/2003)

    A imagem como link: autonomia, crtica e criatividade na aquisio da linguagem

    (KLIMICK, C.; BETTOCHI, E.)

    Atualidades em Educao

  • 27

    22/2004

    A dana na educao dos surdos: um caminho

    para incluso (SOUZA, T.R.N)

    Atualidades em Educao

    23/2005

    Breve histrico do Ncleo de Artes (sem autoria)

    Visitando o Acervo do INES

    25/26 2006

    Uma visitante ilustre: Ceclia Meireles entre a poltica e a potica no Instituto Nacional de

    Surdos Mudos (ROCHA, S.M)

    Visitando o Acervo do INES

    29/2008

    Incluso da pessoa surda: a arte e os mitos como possibilidade mediadora (SILVA, G.M)

    Reflexes sobre a Prtica.

    31/2009

    A msica como disciplina obrigatria nas escolas pblicas: nem tudo harmonia (SOBREIRA, S.)

    A educao musical para alunos com

    necessidades especiais e as possveis influncias da musicoterapia na prtica dos

    educadores (SANTOS, C.E)

    O Coral, pelo adolescente (COSTA,P.)

    Nos caminhos dO Passo (CIAVATTA, L.)

    Atividades musicais para surdos: como isso possvel? (SILVA, C.S)

    O surdo, a dana e a msica (GONALVES,

    M.A.B)

    Atualidades em Educao

    31/2009

    Dados recentes sobre o fundador do Instituto,

    E.Huet (ROCHA, S.M)

    Visitando o Acervo do INES

    32/2009

    Joo Rigo e Euclides da Cunha: O escultor e o

    Escritor (ROCHA, S.M)

    Visitando o Acervo do INES

    Fonte: Tabela criada pela autora

    O balano de produes revelou a necessidade de discusso dos temas

    expressos nos descritores em teses e dissertaes, bem como a pequena

    quantidade de trabalhos encontrados nos peridicos analisados relacionados

    educao de surdos e a Arte, revelando ainda fragilidades na abordagem de

    temas em arte/educao que por vezes reforam estereticos presentes na

    rea da educao de surdos frente a questo visual.

    O balano das produes nos volumes da Revista Espao foi

    fundamental para dimensionar a presena das discusses em arte/educao

    que na dcada de 1990 impactavam diretamente no ensino de Arte na

  • 28

    educao em geral e, tambm na educao de surdos. Alm disso,

    identificamos que acompanhando as mudanas no ensino da Arte, o ento

    curso de Artes Plsticas d lugar em 1958 a Escolinha de Arte do INES, sendo

    a mesma supervisionada por Noemia Varela, dialogando com as demais

    Escolinhas de Arte de outros estados do Brasil.

    Interessante notar a transio nos primeiros volumes da Revista Espao

    de uma perspectiva de discusso dos desenhos infantis pautada pela arte

    terapia, na qual os desenhos infantis so analisados por meio do simbolismo e

    arquetipos junguianos, frente a proposta de artigos que j apresentam uma

    abordagem sobre aspectos da Arte/educao. No decorrer dos volumes

    tambm percebemos que outras linguagens da Arte so incorporadas as

    prticas, sobretudo as linguagens da dana e da msica, sendo que para esta

    ltima destinada uma parte significativa de uma das publicaes. Conforme

    apresentamos no captulo 2, o ensino da msica esteve muito presente na

    histria da educao dos surdos no Brasil e, ainda hoje, celebrada como

    inovao nessa rea, sendo conferidas premiaes aos professores que

    trabalham com surdos nessa linguagem, dentre eles: Prmio Professor em

    Destaque na cidade de So Paulo em 2010 e Prmio Professores do Brasil (4

    edio MEC). No nosso objetivo aprofundar este, mas compreender

    aspectos que a investigao histrica nos permitiu conhecer com maior

    dimenso no que tange ao ensino de Arte.

    Por meio do balano de produes constatamos que a temtica sobre

    museus e sua interlocuo com o ensino de Arte na educao de surdos nunca

    foi tratada nos peridicos no perodo delimitado e consideramos que

    investigao que articula o ensino de Arte na educao de surdos nas esferas

    da educao formal e no formal, podem apresentar um olhar para a Arte como

    possibilidade de reconstruo social, encontrando dilogos na abordagem de

    Mir (2009).

    A autora concebe que o ensino de Arte faz parte da cultura, promovendo

    reflexes acerca de objetos e ideias que so discutidas em sala de aula e que

    favorecem a construo da identidade cultural, da ao social e dos mltiplos

    discursos da Arte que vivem dentro e fora da escola. Isso porque, enfrentar a

  • 29

    problemtica da educao artstica, no presente momento, exige atender a

    contextos mais amplos que os delimitados pelas paredes das instituies de

    ensino formal (MIR, 2009, p.92).

    Por sua vez, na perspectiva museal, a funo educativa passou por

    transformaes significativas ao longo da histria. Inicialmente, a museologia

    assumia o papel de uma cincia a servio da conservao e difuso de objetos

    e a educao, apresentava um papel secundrio. Diante do novo sistema

    museolgico, a educao assume um novo carter, estando na atualidade

    associada com o desconstruir e ressignificar, mais que descrever ou afirmar

    (MIR, 2009, p.54).

    De acordo com essa autora, diante dos diferentes modos de estudar a

    museologia, formas de conceber a educao tambm foram estabelecidas e,

    dentre essas, consideramos como representativa a viso que considera os

    museus como uma estrutura descentralizada e a dissoluo de seus limites

    (p.56). No entanto, essa viso representa apenas uma das abordagens que

    podem ser consideradas:

    [] a educao no museu estar subordinada a apoiar a divulgao da coleo se considerada o centro dos valores da instituio. Caso os visitantes, entendidos como pblico, se desloquem ao centro da instituio, a educao ajudar na captao de pblico e na difuso dos contedos do museu. Quando se pressupe que h um equilbrio entre os objetos, ideias e visitantes a educao ter um papel protagonista. Se o museu, porm, considera-se um centro de desconstruo, de suposies ou controvrsias, a educao contribuir para apresentar o museu como um lugar em contnua construo. Cada uma das vises citadas no exclui as demais, pelo contrrio, em muitos museus elas coexistem se entrelaam, se silenciam ou se separam (MIR, 2009, p.55).

    Na relao entre a escola e o museu, entendemos que os processos

    educacionais e culturais so estabelecidos por meio da mediao entre esses

    dois espaos, tambm entre alunos e educadores. De acordo com Darras

    (2009), a mediao trata-se de uma operao semitica de traduo, em

    referncia a C.S. Peirce e, nesse sentido, h distino de seu papel com

  • 30

    relao difuso, que indicaria o transporte de informaes pelas mdias (p.

    35). Apesar disso, o autor reconhece a estreita ligao existente entre ambos e

    estabelece duas formas possveis de realizar a mediao, sendo uma por meio

    da cultura e tendo por aporte Bourdieu e, a outra, a mediao construtivista que

    por diversos meios interrogativos e interativos contribuir para a construo de

    processos interpretativos da mediao.

    No contexto desta pesquisa, a mediao pode ser entendida como ao

    e conhecimento pedaggico do/no cotidiano. Conforme aponta Tourinho

    (2009):

    A mediao estende-se e visualiza poderes e aes para alm da escolarizao, preocupando-se com a construo de uma sociedade democrtica, participativa e sensvel. Mediao pressupe interao, dialogar com a cultura visual dos estudantes (e a nossa), integr-la e ampli-la so processos com os quais interagimos e a mediao que eles exigem envolve uma prtica que deve ser crtica e autocrtca (TOURINHO, 2009, p.272).

    Aspectos relacionados ao processo de mediao sero aprofundados no

    captulo 4 da presente dissertao, relativo pesquisa emprica realizada.

    Objetivos

    Diante dos pressupostos tericos apresentados, a pesquisa tem por objetivo

    geral:

    Investigar como historicamente o ensino de Arte na educao de surdos

    foi estabelecido no Brasil e como se apresenta no momento atual, por

    meio das aes construdas entre as escolas bilngues para surdos e o

    educativo de um museu de Arte na cidade de So Paulo.

    Em relao ao objetivo especfico, pretende-se:

    Compreender como possveis ressignificaes podem ser estabelecidas

    no ensino de Arte na educao de surdos, a partir das interconexes

  • 31

    educativas e culturais que buscam favorecer uma aprendizagem em Arte

    mais significativa para todos.

    Estrutura da dissertao

    A pesquisa foi dividida em quatro captulos. No captulo 1, construmos

    um panorama histrico articulando os principais aspectos do ensino de Arte no

    Brasil com as polticas educacionais, culminando nossa discusso na Lei de

    Diretrizes e Bases da Educao Nacional n 9.394, de 1996 e nos Parmetros

    Curriculares Nacionais de Arte, bem como a mudana no ano de 2016, com as

    discusses sobre o ensino de Artes na Base Nacional Curricular Comum

    (BNCC).

    No captulo 2, delineamos a discusso a partir da vinda da misso

    artstica francesa e das relaes que se estabeleceram nos campos da Arte e

    da educao no Brasil do sculo XIX, onde se identifica a nfase do ensino de

    bellas-artes no nvel superior, a partir da implementao da Academia Imperial

    de Bellas Artes. Na educao bsica, o ensino de Arte tambm se fez presente

    nos collegios privados, por meio do desenho e como aulas complementares e

    pagas a parte. Alm disso, por meio da lei de 15 de outubro de n 1827 que o

    ensino de geometria prtica se far presente nas aulas destinadas aos

    meninos. Como veremos, na educao de surdos, o ensino de Arte, ento

    nomeado por meio de aulas de desenho e geometria, foi implantado em

    conjunto com as demais disciplinas no Imperial Instituto de Surdos-Mudos, a

    primeira instituio para surdos no Brasil, instalada no Rio de Janeiro, que

    seguiu posteriormente as diretrizes gerais do Collegio de Pedro II, mas

    apresentando inmeros distanciamentos com relao ao ensino ali ministrado.

    Tambm neste captulo, apresentamos uma reconstruo histrica das

    primeiras instituies de educao para surdos no Estado de So Paulo, sendo

    elas o Instituto para Surdos-Mudos Rodrigues Alves e o Instituto Santa

    Terezinha.

  • 32

    No captulo 3, discutimos as relaes presentes entre as polticas

    culturais e de acessibilidade em museus, localizando na histria elementos

    constitutivos da educao em museus nos sculos XIX, XX e XXI, enfatizando

    a questo social do acesso aos bens culturais, bem como as articulaes

    presentes nas mediaes realizadas entre escola e museu, tendo em vista a

    complexidade estrutural dessas instituies e as relaes que so nelas

    processadas de forma diferenciada. Por fim, investigaremos as proposies

    das aes educativas que tem por nfase a educao de surdos.

    No captulo 4, so apresentados os procedimentos metodolgicos da

    pesquisa, relacionados pesquisa emprica realizada. Primeiramente

    falaremos sobre o estudo exploratrio realizado em museus localizados nas

    cidades de So Paulo e Rio de Janeiro, bem como das pesquisas in loco nas

    primeiras escolas bilngues para surdos localizadas nessas cidades, Instituto

    Nacional de Educao de Surdos e Instituto Santa Teresinha, detalhando os

    encaminhamentos a fim de uma melhor delimitao do objeto. Investigamos

    aspectos relacionados a nomenclatura empregada no mbito dos museus e

    espaos culturais no que se refere a rea da surdez.

    Tambm sero apresentados e discutidos os dados coletados junto a

    professores surdos de Arte e coordenadores pedaggicos de duas escolas

    bilngues para surdos; e um educador surdo e coordenadora do educativo do

    Museu de Arte Moderna de So Paulo, por meio de entrevistas

    semiestruturadas realizadas.

    Estudar as articulaes presentes entre o ensino de Arte e a educao

    de surdos nos sculos XIX e XX foi um desafio, tendo em vista a escassez de

    fontes sobre o tema, incluindo a histria das instituies de educao de

    surdos no estado de So Paulo.

    No que diz respeito as articulaes entre escola bilngue para surdos e

    museus de Arte, a atualidade da abordagem da acessibilidade para surdos no

    mbito dos educativos de museus e as discusses acerca da temtica em

    questo tendem a contribuir com a presente pesquisa.

    Pretendemos que, por meio desse estudo, as iniciativas no campo do

    ensino da Arte e da educao de surdos nos mbitos da escola e da

  • 33

    acessibilidade em museus sejam melhor compreendidas e que as

    interconexes estabelecidas nessas esferas possam se ampliar a uma rede de

    conhecimentos e saberes.

    Por fim, destacamos que as obras artsticas e o registro fotogrfico de

    performance , apresentadas na abertura de cada captulo, so experienciaes

    em Arte, onde se buscou compreender as relaes do fazer, ler e

    contextualizar em Arte na vivncia como professora/artista. Trata-se de uma

    indicao da Profa Dra Maria Christina de Souza Limi Rizzi por ocasio da

    banca de qualificao, procurando ainda, compreender as relaes com o ato

    de educar e da Arte com o pblico (BARBOSA,2015).

  • 34

    CAPITULO 1. TENDNCIAS PEDAGGICAS E O ENSINO DE ARTE NO

    BRASIL

    Experincia Lquida

    Daniella Zanellato (2015)

  • 35

    CAPITULO 1. TENDNCIAS PEDAGGICAS E O ENSINO DE ARTE NO

    BRASIL

    O dilogo com o passado torna-o presente.

    Alfredo Bosi (1992)

    Neste captulo pretende-se compreender as relaes estabelecidas

    entre o ensino de Arte e a educao de surdos no Brasil, tendo como recorte

    temporal os sculos XIX e XX. Ao delinear tal panorama histrico, espera-se

    compreender os caminhos percorridos pelo ensino de Arte, bem como a

    herana histrica e os reflexos sociais e culturais por eles gerados. Afinal, olhar

    o passado, de acordo com Ferraz e Fusari:

    [] pode auxiliar o professor a entender as razes de suas aes, bem como o seu prprio processo de formao. Ao mesmo tempo, contribui para que se tenha conscincia de que ainda permanecem ignoradas muitas questes referentes ao papel especfico da educao escolar, e tambm das aulas de arte, na mudana e melhoria das relaes sociais (FERRAZ; FUSARI, 2010, p.41).

    Diante disso, a necessidade de investigar a trajetria pedaggica no

    ensino de Arte, a fim de compreender sua presena na educao dos surdos,

    torna-se fundamental por nos auxiliar a refletir sobre as dinmicas

    estabelecidas nestas diferentes reas, por meio de suas interlocues e

    dilogos.

    A pesquisa realizada para este captulo, bibliogrfica e subsidiada por

    documentos legais concernentes aos perodos estudados, ser apresentada

    por meio da periodizao que orientou a organizao pela diviso por sculos

    e datas. No entanto, a questo foi desafiadora, uma vez que, conforme Saviani:

    Sabemos que a periodizao, a par de ser uma exigncia inerente investigao histria, um dos problemas mais complexos e controvertidos da historiografia, j que no se trata de um dado emprico, mas de uma questo terica que o historiador enfrenta ao organizar os dados que lhe permitem explicar o fenmeno investigado (SAVIANI, 2005, p.7).

  • 36

    Para tanto, alguns marcos foram considerados importantes para o

    desenvolvimento do estudo e iniciaremos a discusso, com as tendncias

    educacionais que influenciaram o ensino de Arte no Brasil at a chegada da

    Misso Francesa e a instaurao do ensino de bellas-artes nos collegios e no

    Imperial Collegio de Pedro Segundo, j que suas diretrizes orientaram algumas

    normativas educacionais.

    As discusses apresentadas encontraram subsdios nos documentos

    histricos, leis e decretos das pocas investigadas e, nos referenciais tericos

    apresentados por Barbosa (2008; 2012; 2012b; 2015), Ferraz e Fusari (2009;

    2010), Jannuzzi (2006), Richter (2008), Rizzi (2008), Mazzota (2011),

    Migliaccio (2000), Neto (2014), Rocha (2007), Saviani (2005; 2007), Soares

    (1999) e Sofiato (2011), procurando possveis interlocues entre os autores.

    1.1 Reviso histrica e periodizao

    Ao investigar a trajetria do ensino de Arte no Brasil dos sculos XIX e

    XX, buscou-se estabelecer possveis dilogos com as concepes ideolgicas,

    polticas e filosficas das principais abordagens pedaggicas e teorias da

    educao, sustentadas, sobretudo por Ferraz e Fusari (2010) e Saviani (2005;

    2007). Nesse sentido, podemos considerar que algumas especificidades no

    campo das teorias estticas e artsticas integram as prticas educativas na

    rea, ampliando nossa reflexo acerca da necessidade de compreenso do

    contexto histrico:

    As prticas educativas, assim como as outras reas de conhecimento surgem de mobilizaes polticas, sociais, pedaggicas, filosficas, e, no caso de arte, tambm de teorias e proposies artsticas e estticas (FERRAZ E FUSARI, 2009, p.37).

    Para entender o ensino da Arte nas suas interlocues com a histria da

    educao no Brasil, buscamos em Saviani (2005; 2007) estruturar tal

    compreenso, a partir da diviso da histria em duas etapas ou fases principais

  • 37

    que tambm so subdivididas por perodos, sendo que a primeira etapa

    compreende o perodo entre os sculos XVI at fins do sculo XIX e, a

    segunda etapa, entre o final do sculo XIX e meados do sculo XX.

    Essa estrutura foi importante para estabelecer algumas correlaes

    entre a Arte e a educao nos diferentes perodos histricos e, diante disso,

    apresentaremos nos subcaptulos a seguir os principais movimentos

    educacionais em dilogo com as pesquisas sobre o ensino da Arte no Brasil

    realizadas por Barbosa (2008; 2012; 2015); Ferraz e Fusari (2009; 2010).

    Ao longo da pesquisa, identificamos pontos e contrapontos no olhar

    desses autores e decidimos mant-los em dilogo no texto pelas

    potencialidades reflexivas que suas ideias propiciam, contribuindo no

    delineamento da rea da Arte e da educao. Assim, ao mesmo tempo em que

    colocar Saviani (2005; 2007) conjuntamente com Ferraz e Fusari (2009; 2010)

    no texto foi fludo, pelas prprias conexes toricas que estabeleceram entre si;

    realizar o mesmo com relao a Barbosa (2008; 2012) foi desafiador, tendo em

    vista questes polticas e conceituais surgidas no Congresso Nacional de

    Educao em Braslia1, em 1989. Acreditando que tais questes enriquecem a

    abordagem proposta, partiremos para a anlise das fases e perodos histricos

    delineados frente a essa perspectiva.

    Cabe-nos considerar que aps a finalizao da escrita desse captulo,

    importante obra de Barbosa (2015b) foi publicada apresentando aspectos

    fundantes sobre a histria do ensino da Arte e do Desenho no Brasil, que

    passou por fases que se acrescentam umas s outras: se intercalam,

    raramente dialogam e operam como em cascata, em camadas, ou placas

    tectnicas, como diz Thierry de Duve (BARBOSA, 2015b, p.15).

    1 Barbosa (2008) nos relata que em meio as lutas pela continuidade da obrigatoriedade da Arte

    na Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional (Darcy Ribeiro), uma mesa redonda foi organizada por Las Aderne no Congresso Nacional de Educao em Braslia, em 1989. Enquanto isso acontecia, segundo a autora Demerval Saviani continuou sua campanha contra a arte no currculo, liderando os que afirmavam que o currculo precisava ser recuperado por meio dos contedos e que arte, por no ter contedo, deveria ficar fora do currculo (p.19). Um debate sobre a questo foi realizado na Cmara dos Deputados, tendo Saviani e Alfredo Bosi na discusso, este se manifestando em defesa das artes. No entanto, aps esse debate, []Saviani, embora nunca haja se manifestado a favor das artes pelo menos deixou de atac-la publicamente (BARBOSA,2008, p.20).

  • 38

    A perspectiva apresentada pela autora, possibilitou compreender melhor

    o caminho percorrido e, em certa medida, confirmar algumas hipteses sobre o

    delineamento dessa rea frente ainda a outro desafio: a compreenso de tal

    ensino na educao de surdos.

    1.1.1 Primeira fase: sculo XVI at sculo XIX

    A primeira etapa ou fase, dentre os anos de 1549 at 1890, pode ser

    dividida em trs perodos: o primeiro perodo de 1549 a 1759 referente a

    pedagogia jesutica, onde as escolas eram mantidas por ordens religiosas e

    subsidiadas pelo reino portugus e, nas famlias nobres, havia o preceptorado

    privado (SAVIANI, 2007).

    No ensino de Arte, Barbosa (2012) destaca que a presena do ensino

    jesutico influenciou de forma significativa a aceitao das atividades estticas

    ligadas literatura, uma vez que o currculo das artes literrias estava

    estruturado no Trivium, ou seja, gramtica, retrica e dialtica, acentuando

    dessa formao o preconceito contra as atividades manuais e artsticas,

    sobretudo quanto as artes aplicadas.

    No segundo perodo da primeira etapa, dentre os anos de 1759 a 1827,

    a reforma pombalina faz surgir as aulas rgias, juntamente com as iniciativas

    de ensino particular. O ensino de Arte, ento ensino de Desenho, era centrado

    em aulas de geometria, como forma de desenvolvimento da cincia. Em 1771 e

    1779, foram criadas as cadeiras de Geometria na capitania de So Paulo e

    Pernambuco, sendo os alunos inicialmente convidados a participarem.

    Posteriormente o convite fez surgir a obrigatoriedade de participao, sendo os

    alunos convocados por meio de edital pblico (BARBOSA, 2012).

    De acordo com Saviani (2007), o terceiro perodo desta primeira fase,

    compreendida entre os anos de 1827 a 1890, apresenta as primeiras tentativas

    do governo Imperial e das provncias de organizarem a educao como

    responsabilidade do poder pblico. No ensino de Arte, as disciplinas de

    desenho linear, desenho geomtrico e desenho figurado j se faziam presentes

  • 39

    no ensino da escola primria e secundria, bem como na educao de surdos

    (ALMANAK LAEMMERT, 1854; 1877).

    Com a promulgao da primeira lei de educao no Brasil, em 1827 as

    escolas de primeiras letras e a instruo primria gratuita foram estabelecidas,

    iniciando o processo de descentralizao do ensino com a criao de escolas

    nas cidades, vilas e lugares considerados populosos do Imprio. No entanto, a

    iniciativa foi frustrada, j que tal responsabilidade foi transferida aos governos

    proviciais em 1834 (SAVIANI, 2007). Ainda assim, a importncia do documento

    se amplia:

    O modesto documento legal aprovado pelo Parlamento brasileiro contemplava os elementos que vieram a ser consagrados como o contedo curricular fundamental da escola primria: leitura, escrita, gramtica da lingua nacional, as quatro operaes de aritmtica, noes de geometria, ainda que tenham ficado de fora as noes elementares de cincias naturais e das cincias da sociedade (histria e geografia) (SAVIANI, 2007, p.126, grifo nosso).

    A presena do ensino de geometria apresentaria anos mais tarde

    aproximao com o ensino de desenho e o autor revela que o desenvolvimento

    da proposta pedaggica era prejudicado pela falta de professores que

    dominassem os contedos previstos. A questo determinaria novas

    proposies para uma ampla reforma da instruo pblica por meio do decreto

    n 1.331-A de 1854, que aprovou o Regulamento para a reforma do ensino

    primrio e secundrio do Municpio da Corte.

    De acordo com Jannuzzi (2006), neste perodo, a escola seguia a

    proposta metodolgica dos mais adiantados para os mais atrasados e, apesar

    do ensino de noes mais gerais de geometria prtica para todos, havia a

    separao de disciplinas por gnero e, enquanto as meninas eram preparadas

    para as prendas domsticas e trabalhos com agulhas, os meninos eram

    preparados para a compreenso da Constituio do Imprio e Histria do

    Brasil. Alm disso, uma caracterstica marcante na educao da poca e,

    tambm como veremos no Imperial Instituto de Surdos-Mudos era a presena

  • 40

    de princpios de moral crist e religiosa. Tais princpios morais influiriam

    tambm na contratao das mestras:

    Art. 6. Os professores ensinaro a ler, escrever, as quatro operaes de aritmtica, prtica de quebrados, decimais e propores, as noes mais gerais de geometria prtica, a gramtica de lngua nacional, e os princpios de moral crist e da doutrina da religio catlica e apostlica romana, proporcionados compreenso dos meninos; preferindo para as leituras a Constituio do Imprio e a Histria do Brasil. [] Art. 12. As Mestras, alm do declarado no Art. 6o, com excluso das noes de geometria e limitado a instruo de aritmtica s as suas quatro operaes, ensinaro tambm as prendas que servem economia domstica; e sero nomeadas pelos Presidentes em Conselho, aquelas mulheres, que sendo brasileiras e de reconhecida honestidade, se mostrarem com mais conhecimento nos exames feitos na forma do Art. 7o. (Lei de 15 de outubro de 1827, grifo nosso).

    O ensino de Desenho no estava previsto na referida lei de 1827, que

    por sua vez contemplava o ensino de geometria prtica. Apresentando

    variaes ao longo do tempo quanto as nomenclaturas, o ensino de geometria

    passou por desenho geomtrico, geometria prtica e geometria terica,

    variando a abordagem dos contedos ao longo do tempo, seguindo os

    interesses polticos e as diretrizes educacionais vigentes da poca (BARBOSA,

    2012).

    Em fins do sculo XIX, o desenho no ensino primrio se relaciona ao

    progresso industrial e, em 1883, Rui Barbosa incentiva a preparao tcnica

    dos indivduos para o trabalho nas fbricas e nos servios artesanais,

    mantendo no ensino de Arte a concepo neoclssica herdadas com a Misso

    Francesa, conforme detalharemos no subcaptulo dois, ao discutir sua

    importncia para o ensino da Arte no sculo XIX.

    Cabe destacar que para Barbosa (2015) foi durante o perodo

    compreendido entre 1880 1920 que aconteceu no pais a Virada Industrial ou

    Virada da Alfabetizao.

    1.1.2 Segunda fase: fins do sculo XIX e o sculo XX

  • 41

    A segunda etapa ou fase apresentada por Saviani (2005; 2007) na

    histria da educao se inicia em 1890 e segue at 1996, tendo como marco a

    implantao dos grupos escolares. Essa etapa tambm foi subdividida: o

    primeiro perodo de 1890 a 1931, com as ideias pedaggicas republicanas e a

    criao das escolas primrias.

    Neste amplo perodo histrico, de acordo com as autoras Ferraz e Fusari

    (2009; 2010) as prticas pedaggicas em Arte foram marcadas pelos princpios

    do liberalismo, com nfase na liberdade e nas aptides individuais e, no

    positivismo, com a valorizao do racionalismo e cientificismo. Por outro lado, a

    experimentao e a influncia das tendncias pedaggicas tradicional, nova e

    tecnicista estiveram presentes ao longo da trajetria do ensino da Arte do

    sculo XX e procuraremos explicitar suas principais abordagens.

    Muitos fatores culturais, sociais e educacionais influenciariam o ensino

    da Arte nesse comeo de sculo, sobretudo o movimento modernista da

    Semana de 22 e a criao das universidades nos anos de 1930. Neste

    perodo de transio, o ensino de Arte como Desenho, se manteve como

    preparao de mo de obra operria. Nos programas de ensino, as

    linguagens de perspectiva, desenho geomtrico, exerccios de composio

    para decorao e desenho de ornatos eram ministradas com nfase em seus

    aspectos cientficos e tcnicos, sendo que os professores exigiam e avaliavam

    esse conhecimento dos alunos empregando mtodos que tinham por finalidade

    exercitar a vista, a mo, a inteligncia, a imaginao (memria e novas

    composies), o gosto e o senso moral (FERRAZ; FUSARI, 2010, p.27).

    Nesse perodo, entre fins da dcada de 1920 e incio da dcada de

    1930, surgem s escolas especializadas de Arte para crianas, com Theodoro

    Braga que se manifesta contra a cpia de estampas, to comum a poca, e

    defendia um ensino voltado para a natureza, a partir da abordagem do art

    nouveau. Sobre a questo:

    no fim da dcada de 1920 e incio da dcada de 1930 que encontramos as primeiras tentativas de escolas especializadas em arte para crianas e adolescentes, inaugurando o fnomeno da arte como atividade extracurricular. Em So Paulo, foi criada a Escola Brasileira de Arte conhecida atravs de Theodoro Braga, seu mais importante professor. Mas a ideia

  • 42

    partiu da professora da rede pblica Sebastiana Teixeira de Carvalho e foi patrocinada por Isabel Von Ihering, presidente de uma sociedade beneficente A Tarde da Criana (BARBOSA, 2008, p.02).

    Neste perodo que, de acordo com Ferraz e Fusari (2009; 2010) perdura

    at os dias atuais, a nfase recaia no contedo reprodutivista, de carter

    tcnico e cientfico. H uma preocupao fundamental com o resultado e o

    produto das atividades escolares que so encaminhadas pela repetio e

    memorizao, numa relao vertical de autoridade entre professor e aluno.

    No segundo perodo, nos anos de 1931 a 1961 com a Pedagogia Nova

    ou Movimento da Escola Nova, acontece a regulamentao nacional das

    escolas primrias, secundrias e superiores. Esse movimento surge com o

    Manifesto dos Pioneiros da Educao Nova (1932) sobre a necessidade de

    democratizar a educao brasileira por meio da escola pblica obrigatria:

    Na Escola Nova, a nfase a expresso como um dado subjetivo e individual que os alunos manifestam em todas as atividades, as quais passam de aspectos intelectuais para afetivos. A preocupao com o mtodo, com o aluno, seus interesses, sua espontaneidade e o processo do trabalho caracterizam uma pedagogia essencialmente experimental, fundamentada em novos estudos pedaggicos, filosficos e psicolgicos. Foram importantes no desenrolar desse movimento as reflexes assentadas nos trabalhos de psicanlise, psicologia cognitiva e gestalt (FERRAZ; FUSARI, 2009, p.47).

    As ideias de autores como John Dewey, Viktor Lowenfeld nos Estados

    Unidos e, Herbert Read na Inglaterra, influenciaram as aes de professores

    de Arte no Brasil, por meio de orientaes que valorizavam o desenho

    espontneo e o aprender com liberdade. Em contrapartida, o Estado Novo

    (1937 a 1945), solidificou alguns procedimentos vivenciados na educao

    brasileira, como o ensino do desenho geomtrico na escola primria e

    secundria, o desenho pedaggico e a cpia de estampas e inicia-se o perodo

    de pedagogizao da arte na escola, que segundo Barbosa (2008, p.4),

    promoveria:

  • 43

    Uma utilizao instrumental da arte na escola para treinar o olho e a viso ou seu uso para liberao emocional e para o desenvolvimento da originalidade vanguardista e da criatividade, esta considerada como beleza ou novidade.

    No ensino superior, a ditadura do Estado Novo fechou o primeiro curso

    de formao de professores de desenho na Universidade do Distrito Federal,

    criado por Ansio Teixeira e tendo como professores Portinari e Mrio de

    Andrade. Os professores foram obrigados a concluir o curso frequentando as

    disciplinas de educao nos cursos de Pedagogia e a aulas de Arte na Escola

    Nacional de Belas Artes (ENBA). Segundo Barbosa eram discriminados l e

    c. Na ENBA eram vistos como os professores quadrados e na Pedagogia

    como os artistas aloucados (BARBOSA, 2008, p.02).

    No perodo que seguiu ao Estado Novo, a partir de 1947, a Arte como

    forma de liberao emocional favoreceu o surgimento de atelis para crianas

    organizados por artistas e objetivando fazer com que se expressassem

    livremente por meio do uso de diversos materiais e uma sequncia de tcnicas.

    Essa iniciativa deu origem as Escolinhas de Arte do Brasil, em 1948,

    contando com a participao de importantes expoentes do modernismo na

    Arte/educao, dentre eles, Nomia Varela e Augusto Rodrigues. O aluno era

    visto com base nas ideias da Escola Nova como ser criativo, a quem se devia

    oferecer todas as condies possveis de expresso artstica, supondo-se que,

    assim, ao aprender fazendo, saberiam faz-lo, tambm, cooperativamente, na

    sociedade (FERRAZ E FUSARI, 2009, p.49).

    Em 1948, o arquiteto Lcio Costa, responsvel pelo plano urbanstico de

    Braslia, elaborou um programa de desenho da escola secundria. No

    programa, a influncia da Bauhaus articulava criao e tcnica, distanciando o

    ensino da ideia de Arte e natureza com vistas ao artefato. Assim, em meio ao

    incio das Bienais de Arte de So Paulo e aos movimentos universitrios

    ligados a cultura popular, a influncia do programa de Lcio Costa no ensino da

    Arte, nunca oficializado pelo Ministrio da Educao, s aconteceria anos mais

    tarde, em 1958 (BARBOSA, 2008).

  • 44

    A partir dos anos de 1950, alm do ensino de desenho, tambm fazia

    parte do currculo escolar as disciplinas de trabalhos manuais, msica e canto

    orfenico. Este ltimo, institudo por Villa Lobos, pretendia o acesso as novas

    geraes Arte culta e ao folclore nacional (FERRAZ; FUSARI, 2009).

    Numa fase de transio entre segundo perodo (1931 a 1961) e o

    terceiro perodo (1961 e 1993) e, mais especificamente entre os anos 1930 e

    1970, uma abordagem comum aos programas do ensino de desenho previam

    as seguintes modalidades:

    Desenho do natural (observao, representao e cpias de objetos); desenho decorativo (faixas, ornatos, redes, gregas, estudos de letras, barras decorativas, painis); desenho geomtrico (morfologia geomtrica e estudo de construes geomtricas) e desenho pedaggico nas Escolas Normais (esquemas de construes de desenho para ilustrar aulas) (FERRAZ E FUSARI, 2010, p.27).

    Por fim, o terceiro perodo de 1961 a 1996 foi marcado por

    regulamentaes em mbito nacional e a efetivao de polticas educacionais

    com as parcerias entre os setores pblico e privado (SAVIANI, 2007).

    Em 1961 foi promulgada a Lei de Diretrizes e Bases da Educao

    Brasileira n 4024 que transformou a disciplina de Artes em prtica educativa

    no ento ensino ginasial, bem em atividade complementar de iniciao

    artstica, alm da substituio do canto orfenico pela educao musical.

    No ensino de Arte, a dcada de 1960 e no incio de 1970 foram

    publicados inmeros livros nacionais sobre Artes plsticas para o ensino nas

    escolas, talvez motivados pelas apostilas da Escolinha de Arte do Brasil, tendo

    como ncleo central a descrio de tcnicas, dentre elas, desenho com lpis

    de cera e anilina, lpis de cera e varsol, desenho de olhos fechados, mosaico,

    pintura a dedo, desenho de giz molhado, desenho raspado, alm de tcnicas

    presentes nas aulas de Arte dos dias atuais.

    Com o golpe de 1964, a prtica nas escolas pblicas estava centrada

    em desenhos alusivos a datas comemorativas, de ordem cvica, religiosas e

    festivas e, em 1969, a Arte j fazia parte do currculo das escolas particulares,

    seguindo uma abordagem de variao de tcnicas. Na escola secundria

  • 45

    pblica comum, predominava o desenho geomtrico, seguindo a poca, a

    tendncia tecnicista da Educao.

    A tendncia da Pedagogia Tecnicista, a partir de 1960/1970 seguir as

    mudanas na sociedade industrial e as metas econmicas, sociais e polticas,

    sendo o professor responsvel pelo planejamento sistematizado de planos de

    ensino, numa nfase que recaia na organizao das aulas e dos programas de

    curso. Nesse perodo, o uso de recursos tecnolgicos e audiovisuais no ensino

    da Arte, era concebido como modernizao do ensino, onde mais importante

    que o dilogo entre os objetivos educacionais, contedos, estratgias e

    avaliao era a execuo mecnica de cada uma das etapas (FERRAZ;

    FUSARI, 2009; 2010)

    Com a reforma educacional proposta pela Lei de Diretrizes e Bases da

    Educao Nacional (LDB) n 5.692 de 1971, a disciplina de Educao Artstica

    se tornou obrigatria nos currculos de 1 e 2 grau e artes plsticas, msica e

    artes cnicas (teatro e dana) deveriam ser ensinadas por um mesmo

    professor, de forma polivalente. Em 1973 foram criados os cursos de Educao

    Artstica e licenciatura em artes plsticas nas universidades, sendo tambm

    oferecido programas de formao de professores nessa rea, em parceria com

    a Escolinha de Arte do Brasil. Sobre o contexto poltico e a obrigatoriedade do

    ensino da Arte nas escolas pblicas, Barbosa (2008, p.10) comenta:

    Hoje pode parecer estranho que uma ditadura tenha tornado obrigatrio o ensino da arte nas escolas pblicas. Contudo, tratava-se de um mascaramento humanstico para uma lei extremamente tecnicista, a 5692, que pretendia profissionalizar os jovens na Escola Mdia. Como as escolas continuaram pobres, sem laboratrios que se assemelhassem aos que eram operados nas indstrias, os resultados para aumentar a empregabilidade dos jovens foram nulos. Por outro lado, o fosso entre a elite e pobreza se aprofundou, pois as escolas particulares continuaram preparando os estudantes para o vestibular, para a entrada na universidade, embora os currculos fingissem formar tcnicos. Enquanto isso o ensino mdio pblico nem preparava para o acesso universidade nem formava tcnicos assimilveis pelo mercado. No que diz respeito ao ensino da arte, cursos universitrios de dois anos foram criados para preparar professores aligeirados, que ensinassem todas as artes ao mesmo tempo, tornando a arte na escola uma ineficincia a mais no currculo.

  • 46

    O perodo anunciava a necessidade de significativas transformaes no

    campo da educao e da Arte e, em meio s discusses sobre modernidade e

    ps-modernidade, despontam os anos de 1980.

    1.1.3 Anos 1980 e novos tempos: Abordagem Triangular do Ensino da Arte

    Ao lado da tendncia pedaggica tradicional, escolanovista e tecnicista,

    a pedagogia libertadora de Paulo Freire, propunha a formao da conscincia

    crtica da sociedade, a partir do dilogo junto s comunidades. Motivados por

    essas ideias, a partir dos anos de 1980, educadores discutiam prticas e

    teorias da educao escolar, com vistas a transformaes sociais e

    favorecendo as reflexes na educao em Arte para os mesmos fins (FERRAZ

    E FUSARI, 2009; 2010).

    Em dilogo com os ideais de educao libertria de Paulo Freire,

    pesquisadores como Ana Mae Barbosa, propuseram que a cultura local ou

    popular esteja presente nos estudos culturais da ps-modernidade. Segundo a

    autora: Uma educao libertria ter sucesso s quando os participantes no

    processo educacional forem capazes de identificar seu ego cultural e se

    orgulharem dele (BARBOSA,1988, p.15).

    Nesse sentido, a busca pelo desenvolvimento de uma abordagem de

    ensino de Arte que estivesse em dilogo com os ideais libertrios e o

    reconhecimento da cultura nacional, originou-se do esforo dialogal entre o

    discurso ps-moderno global e o processo consciente de diferenciao cultural

    tambm ps-moderno (BARBOSA, 2012b, p. XXV XXVI). Tais questes

    foram explicitadas pela autora:

    Fomos alunos de Paulo Freire e com ele aprendemos a recusar a colonizadora cpia de modelos, mas a escolher, reconstruir, reorganizar a partir da experincia direta com a realidade, com a cultura que nos cerca, com a cultura dos outros e com uma pletora de referenciais tericos, intelectualmente desnacionalizados, como diz Bourdie, por ns escolhidos e no impostos pelo poder dominante (BARBOSA, 2012, p. XXXI).

  • 47

    Alm disso, nesse perodo que no Brasil h uma retomada dos

    movimentos de associao de arte/educadores; das investigaes e

    experincias pedaggicas no campo da Arte e, do crescimento da pesquisa na

    rea, estabelecendo dilogos com as condies estticas e culturais da ps-

    modernidade (BARBOSA, 2008).

    Isso porque, em 1980 a Semana de Arte e Ensino realizada em So

    Paulo e promovida por Ana Mae Barbosa, contou com a participao de trs

    mil professores que discutiram sobre os problemas vivnciados na rea de

    Arte, buscando solues que desencadearam a deciso da formao de uma

    associao estadual de representao dos arte/educadores, sendo fundada em

    1982 a Associao de Arte/Educadores do Estado de So Paulo (AESP).

    A iniciativa teve repercusso em outros estados e, de acordo com

    Richter (2008) principalmente atravs das palestras realizadas por Ana Mae,

    conclamando os professores a se organizar em associaes (p. 324). Diante

    disso, em 1983 foi fundada a Associao Nordestina de Arte/Educadores

    (ANARTE); em 1984 a Associao Gacha de Arte-Educao (AGA) e

    posteriormente a Associao de Arte/Educadores do Distrito Federal

    (ASAE/DF), com atuao importante durante as discusses que culminaram

    com a promulgao da Constituio Federal de 1988 (CF/1988). Nesses

    eventos, foram elaborados muitos documentos e surgiu em 1987 a

    representao nacional das diversas associaes estaduais e regionais de

    arte/educadores nomeada de Federao dos Arte/Educadores do Brasil

    (FAEB).

    A Faeb esteve envolvida na ao poltica pelo direito ao acesso Arte e

    cultura por toda a criana e aps a CF/1988, pela luta na Lei de Diretrizes e

    Bases da Educao Nacional, conquistando a permanncia da Arte nas

    escolas, por meio da intensa articulao durante os Congressos Nacionais

    (CONFAEB) que em 2015 completar a 25 edio. Desde 1991 o Faeb

    associado Sociedade Internacional de Educao pela Arte (INSEA), com sete

    mil ate/educadores associados em 24 associaes e ncleos estaduais

    (RICHTER, 2008).

  • 48

    Paralelamente a esses movimentos que tiveram a intensa participao

    de Ana Mae Barbosa, a Proposta ou Abordagem Triangular do Ensino da Arte,

    era por ela desenvolvida, a partir de pesquisas e experincias com leitura de

    obra de Arte introduzidas na formao de arte/educadores da rede pblica

    estadual e municipal de So Paulo. A Abordagem, sistematizada no contexto

    de um museu de Arte em So Paulo, entre os anos de 1987 e 1993,

    representou a proposio de novas prticas pedaggicas em Arte/educao.

    Isso porque, articulou tanto a educao no-formal, entendida nos museus e

    instituies culturais, quanto a educao formal, que acontece na escola,

    oferecendo-nos importantes indcios para refletir sobre os fluxos presentes na

    relao museu e escola e, sobretudo nas aes voltadas ao pblico com

    deficincia, objeto de nossa pesquisa e que ter a discusso aprofundada no

    captulo trs.

    As interfaces presentes nesta relao e nas proposies identificadas na

    Abordagem Triangular do Ensino da Arte so construtivista, interacionista,

    dialogal, multiculturalista e ps-moderna por tudo isso e por articular Arte

    como expresso e como cultura na sala de aula (BARBOSA, 1988, p.41).

    Sobre a Proposta Triangular, Barbosa (2009) esclarece:

    No MAC foi sistematizada a Propo