UNIVERSIDADE DE SO PAULO FACULDADE DE EDUCAO
DANIELLA ZANELLATO
Ensino de Arte, Educao de Surdos e Museus:
Interconexes Possveis
So Paulo
2016
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DANIELLA ZANELLATO
Ensino de Arte, Educao de Surdos e Museus:
Interconexes Possveis
Dissertao apresentada Faculdade de Educao da Universidade de So Paulo para a obteno do ttulo de Mestra em Educao
Linha de pesquisa: Educao Especial Orientadora: Prof. Dr. Cssia Geciauskas Sofiato
So Paulo 2016
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Autorizo a reproduo e divulgao total ou parcial deste trabalho, por qualquer
meio convencional ou eletrnico, para fins de estudo e pesquisa, desde que
citada a fonte.
Catalogao da Publicao
Servio de Biblioteca e Documentao
Faculdade de Educao da Universidade de So Paulo
ZANELLATO, Daniella
Ensino de Arte, Educao de Surdos e Museus: Interconexes Possveis. So Paulo/ Daniella Zanellato; orientadora Prof. Dra. Cssia Geciauskas Sofiato; 230 f. So Paulo. 2016.
Dissertao (Mestrado - Programa de Ps - Graduao em Educao) -
Faculdade de Educao da Universidade de So Paulo.
1.Ensino de Arte 2. Educao de Surdos 3. Museologia 4. Mediao Cultural
5. Abordagem Triangular
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ZANELLATO, Daniella.
Ensino de Arte, Educao de Surdos e Museus de Arte: Interconexes
Possveis.
Dissertao apresentada Faculdade de
Educao da Universidade de So Paulo,
para obteno do ttulo de Mestra em
Educao.
Aprovada em: 12/09/2016.
Banca Examinadora
Prof. Dra.______________________________Instituio:_________________
Julgamento:____________________________Assinatura:________________
Prof. Dra.______________________________Instituio:_________________
Julgamento:____________________________Assinatura:________________
Prof. Dra.______________________________Instituio:_________________
Julgamento:____________________________Assinatura:________________
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Aos meus pais Virginia e Alcino, pelo amor no partilhar
Silvinha, Hlida e Lili, pela nossa cumplicidade
Ao Fernando, pela poesia
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AGRADECIMENTOS
Prof. Dr. Cssia Geciauskas Sofiato, pela confiana e por dividir seus saberes, estimulando a pesquisar com seriedade e dedicao. Prof. Dr. Ana Mae Barbosa, minha admirao e gratido por todos os momentos que me ensina e pela alegria a cada encontro. Prof. Dr. Rosalina de Santa Cruz, pela coragem, militncia e pela arte das bonecas que brilham no meu corao junto ao Refazendo Vnculos, Valores e Atitudes. Prof. Dr. Rosngela Prieto, pelas aprendizagens na rea da educao especial na perspectiva da educao inclusiva e, pelo compartilhar no LADESP/USP. Prof. Dr. Maria Christina de Souza Lima Rizzi pelas valiosas contribuies em arte/educao por ocasio da banca de qualificao e defesa. Prof. Dr. Pilar Prez, Universidad Autnoma de Madrid, pela generosidade e pelas vivncias que tornaram a experincia acadmica na Espanha nica. Profa Dra Emlia Maria de Bezerra Cipriano Castro Sanches, secretria adjunta da Secretaria Municipal de Educao de So Paulo, por toda a colaborao. Profa Janete de Castro Santos, supervisora de ensino da Secretaria Municipal de Educao de So Paulo, pela fundamental e grandiosa colaborao. Prof. Dr. Marta Lage, Universidad Autnoma de Madrid e ao Prof Juan Antonio Iglesias, pela visita tcnica ao Centro Educativo Ponce de Len. Dayna Leyton e Leonardo Castilho do setor educativo e de acessibilidade do Museu de Arte Moderna de So Paulo (MAM/SP) pela participao nesta pesquisa. As irms Marta, Joana Duboc e a Iara Odo, do Instituto Santa Teresinha. Rita Noguera pelas experincias com arte/educao em Madri e pela amizade.
Ao Gui Chazan e Stella Saveli do Instituto Nacional de Educao para Surdos.
As professoras de Arte e Coordenadoras Pedaggicas das escolas bilngues para surdos que generosamente participaram das entrevistas.
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Aos amigos especiais: Adaci Rosa, Alessandra Tonial, Billy Saga, Brigida Cruz, Cla Mendes, Cris Pupo, Dani Bosco, Edson Castellucci, Elaine Paixo, Fabio DElia, Fabio Najjar, F Waki, Gabriel Bertozzi, Gama Brasil, Graciana Brune, Juan Rozo, Hlida Zanellato, Juliana Leal, Krysia Howard, Lilian Zanellato, Marcelo Rocha, Maira Rosin, Marcos Hideki, Maria Lcia Andrade, Mirna Snchez, Natalia Marrero, Nbia Rinaldini, Priscila Takats, Raquel Paganelli, Silvia Zanellato e Wilson Elmer. equipe FEUSP, Lilian e Clara (Comunicao); Claudia e Antonio (Secretaria da Ps-Graduao) e Vanessa (CCInt). Aos meus alunos, surdos e ouvintes, pelo desafio da docncia e pela motivao em construir caminhos para uma educao pblica de qualidade para todos. As crianas Marcella, Enzo e Edinho, pelos doces momentos.
As minhas irms Silvinha, Hlida e Lili, pela cumplicidade e amizade.
Por fim e ainda incio, aos meus pais Virginia e Alcino, pelo apoio incondicional,
pela partilha com amor e, pela fora da espiritualidade na minha vida.
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No possvel o desenvolvimento da cultura sem o desenvolvimento das suas formas artsticas. No possvel uma educao intelectual, formal ou informal, de elite ou popular, sem arte, porque impossvel o desenvolvimento integral da inteligncia sem o desenvolvimento do pensamento divergente, do pensamento visual e do conhecimento presentacional que caracterizam a arte. Se pretendemos uma educao no apenas intelectual, mas principalmente humanizadora, a necessidade da arte ainda mais crucial para desenvolver a percepo e a imaginao, para captar a realidade circundante e desenvolver a capacidade criadora necessria modificao desta realidade.
Ana Mae Barbosa (2012b, p.5-6).
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RESUMO
ZANELLATO, Daniella. Educao de Surdos e Museus de Arte:
Interconexes Possveis. Dissertao de Mestrado. Faculdade de Educao
Universidade de So Paulo, So Paulo, 2016.
O ensino da Arte para alunos surdos no Brasil remonta ao perodo
Imperial, por meio do Imperial Instituto de Surdos-Mudos, no Rio de Janeiro. poca, a disciplina de Arte, ento nomeada de Desenho, estava incorporada ao currculo, contribuindo para a formao dos alunos surdos. Alm disso, presente nas escolas primrias, secundrias e Liceus de Artes e Ofcios, o ensino de Desenho e Arte para surdos acompanhou a tendncia da educao nos sculos XIX, XX e XXI. Nas duas ltimas dcadas, acompanhando o processo de democratizao do pas, educadores da educao formal e no formal aprofundaram o processo de discusso sobre as bases do ensino da Arte, sustentados pelas proposies da arte/educao e da Abordagem Triangular do ensino da Arte, promovendo reflexes acerca das possibilidades de mediao cultural e social em diferentes espaos educativos para todas as pessoas. J no incio do sculo XXI, o estreito dilogo entre a escola, o museu e as polticas de incluso culminaram em aes na perspectiva da educao inclusiva, com vistas a atender aos diferentes pblicos e, dentre eles, alunos surdos, estabelecendo novos fluxos e proposies de mediao cultural e ensino da Arte. Diante disso, a presente pesquisa teve por objetivo investigar como se configuram as interconexes na relao entre a escola e o museu de Arte, tendo como foco a educao bilngue de surdos. As discusses apresentadas encontraram subsdios nos referenciais tericos apresentados por Barbosa (2008; 2009; 2012; 2012b; 2015), Bourdieu (2007), Bredariolli (2008), Coutinho (2008; 2009; 2013), DHorta (1995), Falco (2009), Ferraz e Fusari (2009; 2010), Jannuzzi (2006), Huerta (2010); Lopes (1991), Marandino (2009), Mazzota (2011), Migliaccio (2000), Ott (1989), Richter (2008), Rizzi (2008), Rocha (2007; 2008; 2014), Sarraf (2013), Saviani (2005; 2007), Soares (1999), Silva (2011), Sofiato (2011) Souza (2007) e Tojal (2007; 2014). A pesquisa, de carter qualitativo, tem por base a anlise bibliogrfica, alm de pesquisa documental e emprica. Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas em escolas bilngues para surdos e Museu de Arte na cidade de So Paulo. Dentre as contribuies para a rea, destacamos a compreenso das ressignificaes no ensino da Arte na educao de surdos ao longo dos sculos, considerando que na perspectiva inclusiva novas interconexes educativas e culturais vm sendo ampliadas, favorecendo a acessibilidade cultural e uma aprendizagem em Arte mais significativa a todos.
Palavras-chave: ensino de Arte; educao de surdos; museus de Arte; mediao cultural e abordagem triangular.
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ABSTRACT
ZANELLATO, Daniella. Deaf Education and Art Museums: Possible
Interconnections. Master Degree Thesis. Faculdade de Educao - University
of So Paulo, So Paulo, 2016.
The Art education for deaf students in Brazil dates back to the Imperial period,
through the Imperial Instituto de Surdos-Mudos, in Rio de Janeiro. At the time,
the discipline of Art, then named Drawing was incorporated into the curriculum,
contributing to the education of deaf students. Also present in the elementary
and high schools and Arts and Crafts liceus, teaching drawing and art for deaf
followed the trend of education of the XIX, XX and XXI centuries. In the past two
decades, following the country's democratization process, formal and non
formal education teachers increased the process of discussion of the art
teaching, sustained by propositions and the Abordagem Triangular do ensino
da Arte, promoting reflections about the possibilities of cultural and social
mediation in different educational spaces for all people. In the early XXI century,
the close dialogue among the school, the museum and social inclusion policies
culminated in actions from the perspective of inclusive education, in order to
cater to different audiences and, among them, deaf students, establishing new
flows and propositions mediation of cultural and art education. Therefore, this
study aimed to investigate how to configure the interconnections in the
relationship between the school and the Art Museum, focusing on bilingual
education of the deaf students. The discussions presented were based on the
theoretical frameworks presented by Barbosa (2008; 2009; 2012; 2012b; 2015),
Bourdieu (2007), Bredariolli (2008), Coutinho (2008; 2009; 2013), D'Horta
(1995), Hawk (2009), Ferraz and Fusari (2009; 2010), Jannuzzi (2006), Huerta
(2010); Lopes (1991), Marandino (2009), Mazzota (2011), Migliaccio (2000), Ott
(1989), Richter (2008), Rizzi (2008), Rocha (2007; 2008; 2014), Sarraf (2013),
Saviani (2005; 2007), Smith (1999), Smith (2011), Sofiato (2011) Souza (2007)
Tojal (2007; 2014). The qualitative research is based on the literature review, as
well as documentary and empirical research. Semi-structured interviews were
conducted in bilingual schools for the deaf and Art Museum in the city of So
Paulo. Among the contributions to the area, we highlight the understanding of
new meanings in the art of teaching in the education of deaf over the centuries,
considering the inclusive perspective, new educational and cultural
interconnections being expanded, favoring cultural accessibility and art learning
more meaningful.
Keywords: Art Education; deaf education; Art museums; cultural mediation and triangular approach.
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LISTAS DE IMAGENS E TABELAS
Imagem 1. Experincia Fluda. Daniella Zanellato (2015)
Imagem 2. Experincia Slida. Daniella Zanellato (2015)
Imagem 3. Interconexes. Daniella Zanellato (2015)
Imagem 4. (Des) Estruturando. Daniella Zanellato (2015)
Imagem 5. Performance. Daniella Zanellato (2015)
Tabela 1. Balano de Produes Revista Espao (1990-2010)
Tabela 2. Espaos Culturais com atendimento a surdos em So Paulo
Tabela 3. Centros Culturais com atendimento a surdos por regio
Tabela 4. Museus com atendimento a surdos por regio
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SUMRIO
INTRODUO .................................................................................................................................... 14
Memorial: Percursos em construo ........................................................................................... 15
Percurso Metodolgico .................................................................................................................. 30
Estrutura da dissertao ............................................................................................................... 31
CAPITULO 1. TENDNCIAS PEDAGGICAS E O ENSINO DE ARTE NO BRASIL ............ 34
1.1 Reviso histrica e periodizao ........................................................................................... 36
1.1.1 Primeira fase: sculo XVI at sculo XIX ..................................................................... 38
1.1.2 Segunda fase: fins do sculo XIX e o sculo XX ........................................................ 40
1.1.3 Anos 1980 e novos tempos: Abordagem Triangular do Ensino da Arte ............... 46
1.1.4 Anos de 1990: Parmetros Curriculares Nacionais de Arte ...................................... 56
1.2 Sculo XIX: Ensino de Arte no Brasil Imperial ................................................................... 62
1.2.1 Misso francesa e o ensino de bellas-artes no Brasil ................................................ 62
1.2.2 Imperial Collegio de Pedro Segundo e o ensino de Arte ........................................... 70
CAPTULO 2. ENSINO DE ARTE E A EDUCAO DE SURDOS............................................ 75
2.1 Sculo XIX: Imperial Instituto de Surdos-Mudos e o ensino de Artes e Ofcios ............ 77
2.2 Os repetidores no Instituto para Surdos-Mudos e o ensino de Desenho .................... 84
2.3 Oficinas de aprendizagem de ofcios .................................................................................... 91
2.4 Transitando pelo sculo XX: alunos, artistas e professores de Arte ............................. 105
2.5 Sculo XX: Aspectos fundantes do ensino de Arte para surdos em So Paulo .......... 113
2.5.1 Instituto Paulista de Surdos-Mudos Rodrigues Alves ............................................ 115
2.5.2 Instituto Santa Teresinha e o ensino de Arte para surdos ....................................... 121
CAPTULO 3. MUSEUS DE ARTE E EDUCAO DE SURDOS ........................................... 139
3.1 Polticas Culturais no Brasil.................................................................................................. 141
3.2 Ao educativa nos museus de Arte da Europa, Estados Unidos e Brasil .................. 146
3.3 Interconexes na relao museu e escola ........................................................................ 155
3.4 Ao educativa inclusiva em museus e espaos culturais na cidade de So
Paulo e o pblico surdo ............................................................................................................... 168
13
CAPITULO 4. PROCEDIMENTOS METODOLGICOS ........................................................... 175
4.1 Pesquisa Emprica: Fase Exploratria ................................................................................... 176
4.1.1 Visitas Tcnicas a Museus de Arte e Centros Culturais com acessibilidade
para surdos no Rio de Janeiro e em So Paulo .................................................................. 177
4.1.2 Mapeamento da Acessibilidade para surdos em Museus e Centros Culturais
na cidade de So Paulo .......................................................................................................... 181
4.2 Pesquisa Emprica nas instituies selecionadas ................................................................ 185
4.2.1 Lcus de desenvolvimento da pesquisa ..................................................................... 186
4.2.2 Sujeitos participantes da pesquisa .............................................................................. 187
4.2.3 Instrumentos para a coleta de dados .......................................................................... 188
4.3 Anlise e discusso dos dados ............................................................................................... 189
4.3.1 Comunicao entre surdos e ouvintes ........................................................................ 190
4.3.2 Concepes em Arte, formao e a Abordagem Triangular ................................... 194
4.3.3 Contribuies na relao entre o museu e a escola ................................................. 200
4.3.4 Escolha e participao nas mediaes ....................................................................... 203
4.3.5 Estrutura para a efetivao das visitas ....................................................................... 207
4.3.6 Aes na escola no retorno das visitas ao Museu .................................................... 209
CONSIDERAES FINAIS ............................................................................................................ 212
REFERNCIAS ................................................................................................................................ 219
14
INTRODUO
Pies para qu los quiero si tengo alas pa volar.
Frida Kahlo (1953)
Na presente pesquisa, dispomo-nos a refletir sobre as relaes
estabelecidas na esfera do ensino de Arte na educao de surdos,
investigando as interconexes educativas presentes na interface escola e
museu.
A possibilidade de investigar e empreender novos olhares sobre tais
questes pareceu-nos instigante e pertinente, tendo em vista que as diferentes
reas envolvidas na pesquisa educao de surdos, ensino de Arte e museus
perpassaram minha trajetria acadmica e profissional, propiciando reflexes
sobre os possveis dilogos que podem ser estabelecidos nessas reas. No
entanto, a questo foi desafiadora e nada simples, uma vez que a identificao
de tais interlocues e a possibilidade de realizar uma investigao que
considerasse as dimenses das referidas esferas exigiu a reviso do projeto
inicial de ingresso no programa de ps-graduao, com mudana de orientao
e tendo em vista o presente objeto de estudo. Nessa trajetria, foi necessrio o
acerto de rotas, parafraseando a profa. Dra. Ana Mae Barbosa, da qual fui
aluna e suas investigaes esto presentes nesta pesquisa e nas minhas
reflexes e prticas como arte/educadora.
Para uma melhor compreenso dos aspectos que motivaram a
elaborao da dissertao, bem como os percursos da pesquisa, dividimos a
introduo em dois momentos: memorial, nomeado de percursos em
construo; onde realizamos uma breve apresentao de minha trajetria e
envolvimento com a pesquisa; e o percurso metodolgico.
Ademais sero apresentados os objetivos da pesquisa e a estrutura que
compe cada captulo da dissertao.
15
Memorial: Percursos em construo
Meu percurso acadmico foi iniciado na graduao em Design, ento
nomeado de Desenho Industrial, escolhendo a habilitao em Programao
Visual, na Universidade Mackenzie, aps cursar o magistrio pela Escola
Experimental da Lapa. Poucos anos depois e atuando como docente na rea
de Arte e Design realizei a Licenciatura em Educao Artstica, pela Faculdade
Belas Artes de So Paulo. Nos anos seguintes fiz trs ps-graduaes, a
saber: tica, Valores e Cidadania na Escola, pela Universidade e So Paulo
(USP); Deficincia Auditiva, pela Universidade Estadual Paulista Jlio de
Mesquita Filho (UNESP/Marlia) e Educao Empreendedora, pela
Universidade Federal de So Joo del Rey (UFSJ del Rey).
Como docente nas reas de Arte, Arquitetura e Design, atuei nos
diferentes nveis de ensino, desde a educao bsica pblica e privada, ensino
pr-vestibular, tcnico e superior. Foi na graduao em Design e Arquitetura
que ministrei a disciplina de Design Universal, tendo pela primeira vez contato
direto com pessoas com deficincia e recursos de tecnologia assistiva. Iniciei
assim uma parceria com a instituio de atendimento especializado Associao
de Assistncia Criana Deficiente (AACD) para a realizao de visitas
tcnicas com os alunos da graduao sobre as condies fsicas,
arquitetnicas e de mobilirio.
Paralelamente carreira docente, trabalhava como designer e produtora
em programas de televiso, dentre eles, o programa educativo Faz de Conta,
nos moldes do Vila Ssamo e transmitido em canal fechado. Na rea de vdeo,
dirigi e produzi o documentrio Potica do espao: a Casa Enfeitada,
discutindo aspectos simblicos na casa/obra de Estevo, na favela de
Paraispolis. Durante esse processo, iniciei um trabalho formativo de
empoderamento de sua criao em Arte como morador/artista, fruindo sua
prpria obra e de outros artistas que dialogavam com seu trabalho.
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Investigando as interconexes entre a Arte, Design, Mdia e Educao,
participei como aluna especial nas disciplinas de ps graduao Linguagens do
Audiovisual e Educao, com a profa. Dra. Marlia Franco, pela Escola de
Comunicao e Arte da USP e O processo do Design, com prof. Dr. Carlos
Alberto Incio Alexandre, pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.
Essas experincias foram fundamentais para ampliar minha
compreenso sobre os processos de audiodescrio com imagem em
movimento ao atuar na realizao da audiodescrio de longa-metragem de
muitos clssicos nacionais das dcadas de 1940 a 1960 para a emissora
pblica de televiso TV Cultura, alm de integrar a equipe de estudos para a
audiodescrio com roteiro, pelo diretor Rubens Rewald, no longa-metragem
brasileiro de sua direo, SuperNada.
Na rea de museus, atuei como educadora da exposio Escrita da
Memria, realizada no Instituto Cultural Banco Santos, com curadoria do prof.
Dr. Leandro Karnal, que tambm participou de algumas aes do educativo,
possibilitando refletir sobre aproximaes e distanciamentos entre curadoria e
educativo, alm dos desafios da mediao educativa.
Entre os anos de 2003 a 2007, participei das aes do projeto de
extenso acadmica Refazendo Vnculos, Valores e Atitudes, vinculado
Faculdade de Servio Social da Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo,
atuando como arte/educadora. O programa atendia jovens, moradores da
favela de Helipolis, em situao de liberdade assistida. A coordenao estava
a cargo da profa. Dra. Rosalina de Santa Cruz, que durante a gesto de Paulo
Freire, na Secretaria de Educao de So Paulo, foi Secretria de Assistncia
Social. Nas aes em arte/educao, por meio da Oficina de Bonecas,
iniciamos um projeto de investigao do potencial de transformao pela Arte a
partir da criao de bonecas-esculturas pelas jovens integrantes do projeto. A
ao oportunizou uma vivncia marcadamente poltica, com uma profunda
transformao no olhar para as potencialidades da Arte e para o trabalho com
as diferenas.
O pensamento feminista, ou o mero pensar sobre o universo existencial das mulheres, sempre um ato poltico, pois supe
17
uma reflexo sobre a diferena e a singularidade em contraposio a homogeneidade do poder hegemnico. Julgamento esttico, para Kant, comea com o particular, o singular. Como julgar esteticamente sem respeito pelas diferenas, sem respeito pelo outro ou pela comunidade humana pluralista? (BARBOSA, 1998, p.103-104).
Dentre os anos de 2005 a 2008 atuei como consultora de programas e
projetos junto ao Ministrio da Educao (MEC), Ministrio da Cultura (MinC) e
Fundo das Naes Unidas para a Infncia (UNICEF/Brasil), por meio do Centro
de Estudos e Pesquisas em Educao, Cultura e Ao Comunitria (CENPEC),
uma organizao sem fins lucrativos.
Nessa fase, atuando em aes em Cultura e Educao, percorri o Brasil
dialogando com professores e gestores educacionais da rede pblica de
ensino, compartilhando suas inquitaes e enfrentamentos na rea, quando
decidi trocar as aulas na graduao em Arte, Design e Arquitetura, pela
docncia em Arte numa escola da rede pblica municipal de So Paulo, um
grande desafio profissional. Deparei-me com situaes e realidades diversas,
sentindo-me a transitar num contrafluxo escolar, frente a resistncias nas
atitudes e discursos de professores e gestores com relao ao trabalho com
diferenas e pessoas com deficincia, em sala de aula. Tambm neste espao,
conheci as salas de recursos multifuncionais destinadas ao atendimento
educacional especializado e ali passei a acompanhar as inmeras
oportunidades de aprendizagem pedaggica vivenciadas pelos alunos com
deficincia.
Assim, ingressei numa escola bilngue de educao para surdos em So
Paulo, como professora de Arte. As afirmaes dos demais colegas
professores sobre o ensino de Arte e sua relao com a educao de surdos
me angustiaram:
aluno surdo adora Arte; surdo desenha muito bem; surdo visual, dentre
outros. O perodo era de transio nessas escolas, pela primeira vez estavam
recebendo professores especialistas em diferentes reas do conhecimento
para o ensino fudamental II e Educao de Jovens e Adultos (EJA), antes
realizado por pedagogas com algum curso ou habilitao na rea da educao
especial ou surdez. Considero a mudana um avano frente a um modelo
18
conservador, com estruturas pouco flexveis a mudanas. Tais reflexes e
questionamentos se fizeram presentes durante todo o processo de escrita da
dissertao.
Nesse perdo, fui convidada a integrar a equipe de consultores da
UNESCO, nas aes de monitoramento e avaliao das polticas pblicas de
gesto da educao inclusiva, integrando o programa Boas Prticas em
Educao Inclusiva nos Municpios Brasileiros.
Foram algumas das indagaes entre as reas de Arte e Cultura na
perspectiva da educao inclusiva e da acessibilidade que me levaram a
buscar nas aes educativas em museus caminhos reflexivos. Participei do
Programa Especial para Pblicos Especiais (PEPE), com a profa. Dra. Amanda
Tojal, na Pinacoteca de So Paulo; Acessibilidade em Museus e Espaos
Culturais, com profa Dra. Viviane Sarraf, no Museu de Arqueologia e Etnologia
da Universidade de So Paulo (MAE/USP); Arte-Educao e Incluso, no
Museu de Arte Sacra; Histria e Prtica da Arte, na Escola Waldorf Rudof
Steiner e, na rea da surdez, do programa Corposinalizante, com Leonardo
Castilho, no Museu de Arte Moderna de So Paulo (MAM/SP). Por fim, fui
convidada a discutir sobre o tema em uma formao para professores pela
Caixa Cultural de So Paulo.
A participao nas discusses na rea de acessibilidade e polticas
culturais para pessoas com deficincia, com a presena de representantes do
MinC e da Agncia Nacional de Cinema (Ancine) contriburam na construo
de algumas hipteses na rea que, juntamente com as orientaes, permitiram
transformar antigas indagaes em material para a construo do captulo 3 da
presente pesquisa.
Durante a trajetria na ps-graduao na Universidade de So Paulo,
participei das aes do Programa de Aperfeioamento do Ensino (PAE), do
Laboratrio Didtico da Educao Especial (LADESP/USP) e do Geslique,
grupo de estudos LIBRAS em questo, coordenado pela profa. Dra. Cssia
Geciauskas Sofiato.
Por fim, no primeiro semestre de 2016 realizei um intercmbio
acadmico pela Universidad Autnoma de Madrid (Espanha), aprovada pelo
19
programa de bolsas de intercmbio pelo Santander Universidades em convnio
com a Universidade de So Paulo e a Universidad Autonma de Madrid. Alm
das disciplinas cursadas no programa de Mster en Arteterapia y Educacin
Artstica para la Inclusin Social, tambm realizei um estgio docente na
disciplina Fundamentos de la Educacin Artstica, Plstica y Visual en la
Educacin Infantil, ministrada pela profa. Dra. Pilar Prez Camarero (UAM) e
oferecida aos alunos da garduao em Educaco Infantil.
Ainda na Universidad Autnoma de Madrid, fui investigadora e
colaboradora no Proyecto Internacional de Investigacin Artstica na IV edicin
enREDadas, tambm participando como artista com exposio de obra artstica
com coordenao da profa. Dra. ngeles Saura. Na rea de arte/educao
participei da V Semana de la Educacin Artstica, com os cursos e palestras:
Lo que no se ve. Criatividad, poder (y contrapoder) de la visualizacin, prof. Dr.
Carlos Escao; El Quijote tenia razn, prof. Dr. Ignacio Asenjo; Djame or tu
voz, reflexiones en torno a un objeto, prof. Dr. Juan Jos Arnao; El resplandor
del rostro, prof. Dr. Juan Carlos Ara e Educacin Creadora, prof. Dr. Miguel
Castro. Na rea de educao inclusiva, destaco a Jornada Construyendo una
Universidad Inclusiva e Rompamos el techo de cristal: Gnero y Educacin.
Pela Universidade de Valncia (Espanha), participei das Jornadas
Internacionales de Investigacin en Educacin Artstica entornos para educar
en Arte, coordenado pelo prof. Dr. Ricard Huerta e Profa. Dra. Amparo Alonso
Sanz, alm do Seminario Creatividad e innovacin educativa para el desarrollo,
ctedra UNESCO. Em Valncia, participei de visita no Institut Valenci dArt
Modern.
Durante esse perodo realizei investigaes junto s aes educativas
dos trs principais Museus de Arte localizados em Madri, tendo por foco a
acessibilidade: Museo do Prado, Thyssen-Bornemisza Museum e Museo
Nacional Centro de Arte Reina Sofia, destacando os dilogos realizados com a
atual responsvel pelo educativo deste ltimo profa. Dra. Aida Sanchez. Na
rea da educao bilngue para surdos, destaco a visita tcnica no Centro
Educativo Ponce de Len, referncia em educao pblica bilngue para
surdos em Madrid, e os dilogos com o professor de Arte.
20
Nesse perodo foram escritos o artigo Qu medios pone la tecnologa al
alcance de la escuela infantil para desarrollar la expresin artstica?, para o IV
Congreso Internacional A fenda dixital: TIC, NEAE, inclusin y equidade, na
Universidade de Santiago de Compostela. Alm desse, destaco os artigos que
escrevi no mesmo perodo Arte/educao e Mediao Cultural na Espanha:
Perspectivas Femininas na Arte Contempornea rabe e o artigo para a
comunicao artstica Arte e Sincronicidade: o Feminino como elemento
simblico na obra Matrstica para o V Congresso Internacional Sesc de
Arte/Educao, pela Universidade Federal de Pernambuco (Brasil), em
homenagem a profa. Dra. Ana Mae Barbosa.
Por fim, destaco os dilogos e reflexes com a profa. Dra. Ana Mae
Barbosa, sempre presente na minha trajetria e nas discusses desta
dissertao.
Percurso metodolgico
Nessa pesquisa de abordagem qualitativa, foi realizada uma reviso
bibliogrfica e um estudo documental com base em fontes primrias sobre o
ensino de Arte e a educao de surdos nos sculos XIX, XX e XXI, bem como
pesquisas empricas que buscaram compreender a relao entre a escola e o
museu, com foco no ensino de Arte e na educao de surdos.
A investigao realizada caracteriza-se como qualitativa. O conceito de
pesquisa qualitativa ou naturalstica apresenta dilogos com os pressupostos
apontados por Bogdan e Biklen (1982 apud LDKE; ANDR,1986) que
considera cinco caractersticas bsicas dessa abordagem, a saber:
1. A pesquisa qualitativa tem o ambiente natural como sua fonte direta de dados e o pesquisador como seu principal instrumento [...]; 2. Os dados coletados so predominantemente descritivos [...]; 3. A preocupao com o processo muito maior do que com o produto. O interesse do pesquisador ao estudar um determinado problema verificar como ele se manifesta nas atividades, nos procedimentos e
21
nas interaes cotidianas [...]; 4. O significado que as pessoas do s coisas e sua vida so focos de ateno especial pelo pesquisador [...]; 5. A anlise dos dados tende a seguir um processo indutivo (p.11-13).
Nesse sentido, o percurso metodolgico foi construdo em trs principais
etapas: I) reviso bibliogrfica; II) pesquisa documental; III) pesquisa emprica:
fase I e fase II.
A reviso bibliogrfica, foi realizada em livros, artigos cientficos,
dissertaes e teses que se relacionam rea do ensino de Arte, educativo
em museus, acessibilidade e educao de surdos. O constructo terico dessa
etapa foi alicerado nos seguintes autores: Barbosa (2008; 2009; 2012; 2012b;
2015), Bourdieu (2007), Coutinho (2008; 2009; 2013), Falco (2009), Ferraz e
Fusari (2009; 2010), Huerta (2010); Jannuzzi (2006), Lopes (1991), Marandino
(2009), Mazzota (2011), Migliaccio (2000), Rizzi (2008), Rocha (2007; 2008;
2014), Sarraf (2014), Saviani (2005; 2007), Soares (1999), Sofiato (2011) e
Tojal (2007; 2014).
Na pesquisa documental, utilizou-se fontes primrias constitudas
basicamente por documentos, jornais e peridicos do perodo Imperial, que
receberam tratamento analtico. Gil (2002) refere que:
A pesquisa documental assemelha-se muito pesquisa bibliogrfica. A diferena essencial entre ambas est na natureza das fontes: enquanto a pesquisa bibliogrfica se utiliza fundamentalmente das contribuies dos diversos autores sobre determinado assunto, a pesquisa documental vale-se de materiais que no recebem ainda um tratamento analtico, ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com os objetos da pesquisa (p. 45).
Dentre os principais documentos investigados no sculo XIX, tendo por
objetivo construir as bases do ensino de Arte na educao de surdos,
destacamos o Almanak Laemmert, o Almanak Amigos dos Surdos Mudos e o
Compendio para o ensino dos surdos-mudos. J com o objetivo de
compreender aspectos da educao de surdos em dilogo com o ensino de
Arte nos sculos XX e XXI, aprofundamos nossa reflexo por meio da anlise
22
das edies das revistas Espao e Arqueiro, ambas publicaes do Instituto
Nacional de Educao para Surdos, no Rio de Janeiro.
Tambm foram utilizados os seguintes documentos: leis, pareceres,
resolues e decretos que apresentam aspectos da educao de surdos e do
ensino de Arte no sculo XIX e XX, dentre os quais destacamos as
informaes coletadas no Dirio Oficial do Estado de So Paulo e no processo
judicial da Cmara Municipal de So Paulo, ambos datados da dcada de
1930, auxiliando na compreenso da construo de escolas para alunos surdos
no Estado de So Paulo.
Tambm com referncia as publicaes desse mesmo perodo,
destacamos os jornais e suplementos publicados nos estados do Rio de
Janeiro e So Paulo, dentre eles, Dirio de Notcias e A Batalha (Rio de
Janeiro) e Noite Ilustrada (So Paulo).
Alm desses, nos foi confiado o acesso ao acervo pessoal de jornais e
imagens que fazem parte da histria de muitos alunos surdos de diversas
regies pas e, sobretudo, das prprias Irms do Instituto Santa Teresinha -
uma escola fundada e mantida por religiosas. Ainda que a catalogao do
material apresente dificuldades na localizao de algumas referncias,
representam fontes histricas de grande valor para a construo da mmoria
da educao de surdos no Brasil e, especificamente, no Estado de So Paulo.
Tambm realizamos um balano de produes em duas bases de
dados: Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertaes e Google Scholar
e, nos peridicos semestrais da Revista Espao, uma publicao do Instituto
Nacional de Educao para Surdos (INES), com vistas a mapear possveis
pesquisas j realizadas sobre a temtica que envolve a presente pesquisa.
Para a investigao na base de dados da Biblioteca Digital Brasileira de
Teses e Dissertaes e do Google Scholar, fizemos o recorte temporal com
abrangncia dos ltimos cinco anos, no perodo de 2011 a 2015 e, alm do ano
de 2016. Inicialmente foi feita a delimitao de cinco descritores delimitados por
aspas, a saber: a) Arte e surdez; b) Arte e educao de surdos; c) Ensino
de Arte e surdez; d) Museus de Arte e surdez; e) Acessibilidade e surdez.
23
Para a anlise, aps a delimitao pelos descritores e abrangncia temporal,
destacamos os ttulos e os resumos de cada arquivo apresentado.
Na primeira etapa da investigao, os referidos descritores foram
consultados na base de dados da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e
Dissertaes e no localizamos nesse banco nenhuma dissertao ou tese que
fizesse referncia aos descritores elencados.
Na segunda etapa da investigao, selecionamos o Google Scholar e
foram localizados um total de cinco documentos, dentre eles: uma dissertao
de mestrado, dois trabalhos de concluso de curso, um resumo de artigo e um
artigo completo. Os trabalhos esto divididos em trs grandes reas de
investigao: Arte, Educao e Tecnologia. Das universidades das
investigaes, trs esto localizadas na regio do sul do Brasil, uma na regio
do Nordeste e uma da regio Sudeste.
No primeiro descritor, Arte e surdez, foram localizados duas pesquisas
na regio Sul do pas, sendo um artigo desenvolvido na rea da Educao, por
uma professora de Arte do Paran, tendo por nfase as prticas pedaggicas e
a leitura de imagens. O segundo documento desse descritor se refere a um
trabalho de concluso de curso de licenciatura em Arte, que abrange temas
relacionados a LIBRAS, Arte Contempornea e autoretrato.
O segundo descritor Arte e Educao de Surdos, localizamos um
resumo de artigo desenvolvido na regio Nordeste do pas, na rea da
Educao, tendo como nfase estratgias de ensino em Arte que contemplam
a expressividade dos alunos.
A pesquisa realizada com o terceiro descritor, Ensino de Arte e Surdez,
remeteu ao artigo completo em Educao que j havia sido apresentado no
descritor Arte e surdez e escrito pela professora de Arte do Parana com
nfase nas prticas pedaggicas e na leitura de imagens.
No quarto descritor, Museu de Arte e Surdez, no localizamos
nenhuma ocorrncia de publicao.
Por fim, no quinto e ltimo descritor, Acessibilidade e Surdez,
localizamos dois documentos desenvolvidos na rea da Informtica, sendo um
trabalho de concluso de curso, desenvolvido na regio sul do pas, tendo por
24
nfase a acessibilidade em ambiente virtual, fazendo uso da LIBRAS no
contexto da Universidade. O segundo documento, da regio Sudeste, trata-se
de uma dissertao de mestrado que discute o uso da mediao para melhorar
a interao de surdos bilngues na Web.
Tambm realizamos o balano de produo nos peridicos da Revista
Espao, uma publicao do Instituto Nacional de Educao para Surdos
(INES). Como recorte temporal selecionamos o perodo de 20 anos, tendo por
base a primeira publicao do volume em 1990 at o ano de 2010, perodo
anterior ao investigado nas duas bases de dados. As publicaes do peridico
so semestrais, totalizando 34 volumes, visto que em alguns anos a publicao
foi anual.
Como a publicao da revista impressa e o formato digital s est
disponvel a partir do volume n 27 de 2007, foi necessria a investigao dos
primeiros volumes na biblioteca do INES, no Rio de Janeiro, sendo que os
demais volumes impressos foram localizados em So Paulo em diferentes
bibliotecas de instituies especializadas na rea da surdez, visto que os
volumes esto descontinuados.
Para a investigao, analisamos os sumrios dos diferentes volumes do
peridico, buscando abordagens sobre Arte, ensino de Arte, museus,
visualidade na Arte em articulao com a educao de surdos, foco das
discusses do peridico. Tambm analisamos as diferentes sees da revista
e, aps essa etapa, realizamos a leitura dos artigos correlatos aos temas da
investigao.
Dentre as sees da revista que trataram as questes da Arte e do
ensino da Arte na educao de surdos, identificamos que do primeiro volume
ao ltimo volume analisado em 2010, as discusses estavam reunidas na
seo Espao-Arte, posteriormente suprimido e nas sees Atualidade em
Educao, Espao Aberto, Debate e Reflexes sobre a Prtica.
O Espao-Arte era destinado ao estudo das formas de expresso
grfica, apresentando desenhos em preto e branco dos alunos do INES, sendo
descritas as cores do desenho original realizado pelas crianas, conforme
descrito:
25
Espao-Arte destinado ao estudo das formas de expresso grfica de alunos deficientes auditivos. Apresentamos neste nmero a reproduo, reduzida do desenho de um aluno da Escolinha de Arte do INES. O original colorido, contendo cores quentes (vermelho=sangue, amarelo=cabelo) e neutras (preto=ossos) (ESPAO, ano I, n 01, 1990, p.67).
Nesse primeiro volume do peridico do INES, publicado de julho a
dezembro de 1990, o tema Arte-Educao destacado na capa da edio,
pertencendo ao volume uma seo intitulada Espao-Arte. Nesse mesmo
volume, o artigo Arte-Educao e o Deficiente Auditivo apresenta as aes em
arte/educao no INES e as leis e perspectivas da rea. Na seo intitulada
Espao-Arte, conforme vimos, realizada uma breve anlise de um desenho
de um aluno do INES por meio da abordagem psicanaltica em trabalhos de
Arte.
Tambm na seo Visitando o acervo do INES, verificamos que as
discusses transitam entre a breve apresentao de algum documento
histrico. Como exemplo citamos a edio n 31 de 2009, que revela um
aspecto da histria do INES e a homenagem de ex-alunos artistas que fazem
parte do acervo, tais como: Antonio Pitanga (edio n 12 de 1999) e Joo
Rigo, que fez a escultura do escritor Euclides da Cunha (edio n 32 de 2009).
Nesta seo, alguns dos artigos se repetem quanto ao tema ao longo das
edies, como por exemplo a visita da Ceclia Meirelles (edio n 25/26 de
2006 e n 04 de 1994).
A seguir, apresentamos uma tabela com os artigos que discutem os
temas mais relacionados a presente pesquisa, a partir dos descritores
apresentados, sendo os mesmos sistematizados por nmero, ano, ttulo, autor
e seo do peridico:
26
Tabela 1. Balano de Produes Revista Espao (1990-2010)
Nmero e
Ano
Ttulo do Artigo
Seo do Peridico
01/ 1990
Arte-Educao e o Deficiente Auditivo
(MAGALHES, A.A)
Arte (sem autoria)
Sumrio
Espao Arte
02/1990
A Arte Educao e o Deficiente Auditivo (MAGALHES, A.A; DOMINGUES, J.P.,
JORDO, K.B.; DIAS, M.H.N)
A Dana e o Deficiente Auditivo
Sumrio
03/1992
Implantao do Projeto de Dana Danando o
Verde (sem autoria)
Projeto de Teatro para Surdos (sem autoria)
Espao Arte
06/1997
Comunicao, expresso, sentimento e emoo
(sem autoria)
Espao Arte
11/1999
Expresso Grfica de ex-aluno do INES
(desenho a mo livre de Geraldo Ulisses)
Debate
12/1999
Sobre esttica, cegueira e surdez (OLIVEIRA,
J.V.G)
Visualidade e surdez: a revelao do pensamento plstico (MARQUES, C.V.M)
Francisco Goya (sem autoria)
Homenagem a um artista surdo Antonio Pitanga
(sem autoria)
Espao Aberto
Espao Aberto
Debate
Seo Visitando o Acervo do INES
14/2000
Trs breves ensaios sobre percepo (PENNA,
A.G)
Debate
15/2001
As artes visuais e os surdos no Brasil do sculo
XIX (NOGUEIRA, M.)
Duas palavras sobre Goya (OLIVEIRA, J.V.G)
Espao Aberto
18/19
(2002/2003)
A imagem como link: autonomia, crtica e criatividade na aquisio da linguagem
(KLIMICK, C.; BETTOCHI, E.)
Atualidades em Educao
27
22/2004
A dana na educao dos surdos: um caminho
para incluso (SOUZA, T.R.N)
Atualidades em Educao
23/2005
Breve histrico do Ncleo de Artes (sem autoria)
Visitando o Acervo do INES
25/26 2006
Uma visitante ilustre: Ceclia Meireles entre a poltica e a potica no Instituto Nacional de
Surdos Mudos (ROCHA, S.M)
Visitando o Acervo do INES
29/2008
Incluso da pessoa surda: a arte e os mitos como possibilidade mediadora (SILVA, G.M)
Reflexes sobre a Prtica.
31/2009
A msica como disciplina obrigatria nas escolas pblicas: nem tudo harmonia (SOBREIRA, S.)
A educao musical para alunos com
necessidades especiais e as possveis influncias da musicoterapia na prtica dos
educadores (SANTOS, C.E)
O Coral, pelo adolescente (COSTA,P.)
Nos caminhos dO Passo (CIAVATTA, L.)
Atividades musicais para surdos: como isso possvel? (SILVA, C.S)
O surdo, a dana e a msica (GONALVES,
M.A.B)
Atualidades em Educao
31/2009
Dados recentes sobre o fundador do Instituto,
E.Huet (ROCHA, S.M)
Visitando o Acervo do INES
32/2009
Joo Rigo e Euclides da Cunha: O escultor e o
Escritor (ROCHA, S.M)
Visitando o Acervo do INES
Fonte: Tabela criada pela autora
O balano de produes revelou a necessidade de discusso dos temas
expressos nos descritores em teses e dissertaes, bem como a pequena
quantidade de trabalhos encontrados nos peridicos analisados relacionados
educao de surdos e a Arte, revelando ainda fragilidades na abordagem de
temas em arte/educao que por vezes reforam estereticos presentes na
rea da educao de surdos frente a questo visual.
O balano das produes nos volumes da Revista Espao foi
fundamental para dimensionar a presena das discusses em arte/educao
que na dcada de 1990 impactavam diretamente no ensino de Arte na
28
educao em geral e, tambm na educao de surdos. Alm disso,
identificamos que acompanhando as mudanas no ensino da Arte, o ento
curso de Artes Plsticas d lugar em 1958 a Escolinha de Arte do INES, sendo
a mesma supervisionada por Noemia Varela, dialogando com as demais
Escolinhas de Arte de outros estados do Brasil.
Interessante notar a transio nos primeiros volumes da Revista Espao
de uma perspectiva de discusso dos desenhos infantis pautada pela arte
terapia, na qual os desenhos infantis so analisados por meio do simbolismo e
arquetipos junguianos, frente a proposta de artigos que j apresentam uma
abordagem sobre aspectos da Arte/educao. No decorrer dos volumes
tambm percebemos que outras linguagens da Arte so incorporadas as
prticas, sobretudo as linguagens da dana e da msica, sendo que para esta
ltima destinada uma parte significativa de uma das publicaes. Conforme
apresentamos no captulo 2, o ensino da msica esteve muito presente na
histria da educao dos surdos no Brasil e, ainda hoje, celebrada como
inovao nessa rea, sendo conferidas premiaes aos professores que
trabalham com surdos nessa linguagem, dentre eles: Prmio Professor em
Destaque na cidade de So Paulo em 2010 e Prmio Professores do Brasil (4
edio MEC). No nosso objetivo aprofundar este, mas compreender
aspectos que a investigao histrica nos permitiu conhecer com maior
dimenso no que tange ao ensino de Arte.
Por meio do balano de produes constatamos que a temtica sobre
museus e sua interlocuo com o ensino de Arte na educao de surdos nunca
foi tratada nos peridicos no perodo delimitado e consideramos que
investigao que articula o ensino de Arte na educao de surdos nas esferas
da educao formal e no formal, podem apresentar um olhar para a Arte como
possibilidade de reconstruo social, encontrando dilogos na abordagem de
Mir (2009).
A autora concebe que o ensino de Arte faz parte da cultura, promovendo
reflexes acerca de objetos e ideias que so discutidas em sala de aula e que
favorecem a construo da identidade cultural, da ao social e dos mltiplos
discursos da Arte que vivem dentro e fora da escola. Isso porque, enfrentar a
29
problemtica da educao artstica, no presente momento, exige atender a
contextos mais amplos que os delimitados pelas paredes das instituies de
ensino formal (MIR, 2009, p.92).
Por sua vez, na perspectiva museal, a funo educativa passou por
transformaes significativas ao longo da histria. Inicialmente, a museologia
assumia o papel de uma cincia a servio da conservao e difuso de objetos
e a educao, apresentava um papel secundrio. Diante do novo sistema
museolgico, a educao assume um novo carter, estando na atualidade
associada com o desconstruir e ressignificar, mais que descrever ou afirmar
(MIR, 2009, p.54).
De acordo com essa autora, diante dos diferentes modos de estudar a
museologia, formas de conceber a educao tambm foram estabelecidas e,
dentre essas, consideramos como representativa a viso que considera os
museus como uma estrutura descentralizada e a dissoluo de seus limites
(p.56). No entanto, essa viso representa apenas uma das abordagens que
podem ser consideradas:
[] a educao no museu estar subordinada a apoiar a divulgao da coleo se considerada o centro dos valores da instituio. Caso os visitantes, entendidos como pblico, se desloquem ao centro da instituio, a educao ajudar na captao de pblico e na difuso dos contedos do museu. Quando se pressupe que h um equilbrio entre os objetos, ideias e visitantes a educao ter um papel protagonista. Se o museu, porm, considera-se um centro de desconstruo, de suposies ou controvrsias, a educao contribuir para apresentar o museu como um lugar em contnua construo. Cada uma das vises citadas no exclui as demais, pelo contrrio, em muitos museus elas coexistem se entrelaam, se silenciam ou se separam (MIR, 2009, p.55).
Na relao entre a escola e o museu, entendemos que os processos
educacionais e culturais so estabelecidos por meio da mediao entre esses
dois espaos, tambm entre alunos e educadores. De acordo com Darras
(2009), a mediao trata-se de uma operao semitica de traduo, em
referncia a C.S. Peirce e, nesse sentido, h distino de seu papel com
30
relao difuso, que indicaria o transporte de informaes pelas mdias (p.
35). Apesar disso, o autor reconhece a estreita ligao existente entre ambos e
estabelece duas formas possveis de realizar a mediao, sendo uma por meio
da cultura e tendo por aporte Bourdieu e, a outra, a mediao construtivista que
por diversos meios interrogativos e interativos contribuir para a construo de
processos interpretativos da mediao.
No contexto desta pesquisa, a mediao pode ser entendida como ao
e conhecimento pedaggico do/no cotidiano. Conforme aponta Tourinho
(2009):
A mediao estende-se e visualiza poderes e aes para alm da escolarizao, preocupando-se com a construo de uma sociedade democrtica, participativa e sensvel. Mediao pressupe interao, dialogar com a cultura visual dos estudantes (e a nossa), integr-la e ampli-la so processos com os quais interagimos e a mediao que eles exigem envolve uma prtica que deve ser crtica e autocrtca (TOURINHO, 2009, p.272).
Aspectos relacionados ao processo de mediao sero aprofundados no
captulo 4 da presente dissertao, relativo pesquisa emprica realizada.
Objetivos
Diante dos pressupostos tericos apresentados, a pesquisa tem por objetivo
geral:
Investigar como historicamente o ensino de Arte na educao de surdos
foi estabelecido no Brasil e como se apresenta no momento atual, por
meio das aes construdas entre as escolas bilngues para surdos e o
educativo de um museu de Arte na cidade de So Paulo.
Em relao ao objetivo especfico, pretende-se:
Compreender como possveis ressignificaes podem ser estabelecidas
no ensino de Arte na educao de surdos, a partir das interconexes
31
educativas e culturais que buscam favorecer uma aprendizagem em Arte
mais significativa para todos.
Estrutura da dissertao
A pesquisa foi dividida em quatro captulos. No captulo 1, construmos
um panorama histrico articulando os principais aspectos do ensino de Arte no
Brasil com as polticas educacionais, culminando nossa discusso na Lei de
Diretrizes e Bases da Educao Nacional n 9.394, de 1996 e nos Parmetros
Curriculares Nacionais de Arte, bem como a mudana no ano de 2016, com as
discusses sobre o ensino de Artes na Base Nacional Curricular Comum
(BNCC).
No captulo 2, delineamos a discusso a partir da vinda da misso
artstica francesa e das relaes que se estabeleceram nos campos da Arte e
da educao no Brasil do sculo XIX, onde se identifica a nfase do ensino de
bellas-artes no nvel superior, a partir da implementao da Academia Imperial
de Bellas Artes. Na educao bsica, o ensino de Arte tambm se fez presente
nos collegios privados, por meio do desenho e como aulas complementares e
pagas a parte. Alm disso, por meio da lei de 15 de outubro de n 1827 que o
ensino de geometria prtica se far presente nas aulas destinadas aos
meninos. Como veremos, na educao de surdos, o ensino de Arte, ento
nomeado por meio de aulas de desenho e geometria, foi implantado em
conjunto com as demais disciplinas no Imperial Instituto de Surdos-Mudos, a
primeira instituio para surdos no Brasil, instalada no Rio de Janeiro, que
seguiu posteriormente as diretrizes gerais do Collegio de Pedro II, mas
apresentando inmeros distanciamentos com relao ao ensino ali ministrado.
Tambm neste captulo, apresentamos uma reconstruo histrica das
primeiras instituies de educao para surdos no Estado de So Paulo, sendo
elas o Instituto para Surdos-Mudos Rodrigues Alves e o Instituto Santa
Terezinha.
32
No captulo 3, discutimos as relaes presentes entre as polticas
culturais e de acessibilidade em museus, localizando na histria elementos
constitutivos da educao em museus nos sculos XIX, XX e XXI, enfatizando
a questo social do acesso aos bens culturais, bem como as articulaes
presentes nas mediaes realizadas entre escola e museu, tendo em vista a
complexidade estrutural dessas instituies e as relaes que so nelas
processadas de forma diferenciada. Por fim, investigaremos as proposies
das aes educativas que tem por nfase a educao de surdos.
No captulo 4, so apresentados os procedimentos metodolgicos da
pesquisa, relacionados pesquisa emprica realizada. Primeiramente
falaremos sobre o estudo exploratrio realizado em museus localizados nas
cidades de So Paulo e Rio de Janeiro, bem como das pesquisas in loco nas
primeiras escolas bilngues para surdos localizadas nessas cidades, Instituto
Nacional de Educao de Surdos e Instituto Santa Teresinha, detalhando os
encaminhamentos a fim de uma melhor delimitao do objeto. Investigamos
aspectos relacionados a nomenclatura empregada no mbito dos museus e
espaos culturais no que se refere a rea da surdez.
Tambm sero apresentados e discutidos os dados coletados junto a
professores surdos de Arte e coordenadores pedaggicos de duas escolas
bilngues para surdos; e um educador surdo e coordenadora do educativo do
Museu de Arte Moderna de So Paulo, por meio de entrevistas
semiestruturadas realizadas.
Estudar as articulaes presentes entre o ensino de Arte e a educao
de surdos nos sculos XIX e XX foi um desafio, tendo em vista a escassez de
fontes sobre o tema, incluindo a histria das instituies de educao de
surdos no estado de So Paulo.
No que diz respeito as articulaes entre escola bilngue para surdos e
museus de Arte, a atualidade da abordagem da acessibilidade para surdos no
mbito dos educativos de museus e as discusses acerca da temtica em
questo tendem a contribuir com a presente pesquisa.
Pretendemos que, por meio desse estudo, as iniciativas no campo do
ensino da Arte e da educao de surdos nos mbitos da escola e da
33
acessibilidade em museus sejam melhor compreendidas e que as
interconexes estabelecidas nessas esferas possam se ampliar a uma rede de
conhecimentos e saberes.
Por fim, destacamos que as obras artsticas e o registro fotogrfico de
performance , apresentadas na abertura de cada captulo, so experienciaes
em Arte, onde se buscou compreender as relaes do fazer, ler e
contextualizar em Arte na vivncia como professora/artista. Trata-se de uma
indicao da Profa Dra Maria Christina de Souza Limi Rizzi por ocasio da
banca de qualificao, procurando ainda, compreender as relaes com o ato
de educar e da Arte com o pblico (BARBOSA,2015).
34
CAPITULO 1. TENDNCIAS PEDAGGICAS E O ENSINO DE ARTE NO
BRASIL
Experincia Lquida
Daniella Zanellato (2015)
35
CAPITULO 1. TENDNCIAS PEDAGGICAS E O ENSINO DE ARTE NO
BRASIL
O dilogo com o passado torna-o presente.
Alfredo Bosi (1992)
Neste captulo pretende-se compreender as relaes estabelecidas
entre o ensino de Arte e a educao de surdos no Brasil, tendo como recorte
temporal os sculos XIX e XX. Ao delinear tal panorama histrico, espera-se
compreender os caminhos percorridos pelo ensino de Arte, bem como a
herana histrica e os reflexos sociais e culturais por eles gerados. Afinal, olhar
o passado, de acordo com Ferraz e Fusari:
[] pode auxiliar o professor a entender as razes de suas aes, bem como o seu prprio processo de formao. Ao mesmo tempo, contribui para que se tenha conscincia de que ainda permanecem ignoradas muitas questes referentes ao papel especfico da educao escolar, e tambm das aulas de arte, na mudana e melhoria das relaes sociais (FERRAZ; FUSARI, 2010, p.41).
Diante disso, a necessidade de investigar a trajetria pedaggica no
ensino de Arte, a fim de compreender sua presena na educao dos surdos,
torna-se fundamental por nos auxiliar a refletir sobre as dinmicas
estabelecidas nestas diferentes reas, por meio de suas interlocues e
dilogos.
A pesquisa realizada para este captulo, bibliogrfica e subsidiada por
documentos legais concernentes aos perodos estudados, ser apresentada
por meio da periodizao que orientou a organizao pela diviso por sculos
e datas. No entanto, a questo foi desafiadora, uma vez que, conforme Saviani:
Sabemos que a periodizao, a par de ser uma exigncia inerente investigao histria, um dos problemas mais complexos e controvertidos da historiografia, j que no se trata de um dado emprico, mas de uma questo terica que o historiador enfrenta ao organizar os dados que lhe permitem explicar o fenmeno investigado (SAVIANI, 2005, p.7).
36
Para tanto, alguns marcos foram considerados importantes para o
desenvolvimento do estudo e iniciaremos a discusso, com as tendncias
educacionais que influenciaram o ensino de Arte no Brasil at a chegada da
Misso Francesa e a instaurao do ensino de bellas-artes nos collegios e no
Imperial Collegio de Pedro Segundo, j que suas diretrizes orientaram algumas
normativas educacionais.
As discusses apresentadas encontraram subsdios nos documentos
histricos, leis e decretos das pocas investigadas e, nos referenciais tericos
apresentados por Barbosa (2008; 2012; 2012b; 2015), Ferraz e Fusari (2009;
2010), Jannuzzi (2006), Richter (2008), Rizzi (2008), Mazzota (2011),
Migliaccio (2000), Neto (2014), Rocha (2007), Saviani (2005; 2007), Soares
(1999) e Sofiato (2011), procurando possveis interlocues entre os autores.
1.1 Reviso histrica e periodizao
Ao investigar a trajetria do ensino de Arte no Brasil dos sculos XIX e
XX, buscou-se estabelecer possveis dilogos com as concepes ideolgicas,
polticas e filosficas das principais abordagens pedaggicas e teorias da
educao, sustentadas, sobretudo por Ferraz e Fusari (2010) e Saviani (2005;
2007). Nesse sentido, podemos considerar que algumas especificidades no
campo das teorias estticas e artsticas integram as prticas educativas na
rea, ampliando nossa reflexo acerca da necessidade de compreenso do
contexto histrico:
As prticas educativas, assim como as outras reas de conhecimento surgem de mobilizaes polticas, sociais, pedaggicas, filosficas, e, no caso de arte, tambm de teorias e proposies artsticas e estticas (FERRAZ E FUSARI, 2009, p.37).
Para entender o ensino da Arte nas suas interlocues com a histria da
educao no Brasil, buscamos em Saviani (2005; 2007) estruturar tal
compreenso, a partir da diviso da histria em duas etapas ou fases principais
37
que tambm so subdivididas por perodos, sendo que a primeira etapa
compreende o perodo entre os sculos XVI at fins do sculo XIX e, a
segunda etapa, entre o final do sculo XIX e meados do sculo XX.
Essa estrutura foi importante para estabelecer algumas correlaes
entre a Arte e a educao nos diferentes perodos histricos e, diante disso,
apresentaremos nos subcaptulos a seguir os principais movimentos
educacionais em dilogo com as pesquisas sobre o ensino da Arte no Brasil
realizadas por Barbosa (2008; 2012; 2015); Ferraz e Fusari (2009; 2010).
Ao longo da pesquisa, identificamos pontos e contrapontos no olhar
desses autores e decidimos mant-los em dilogo no texto pelas
potencialidades reflexivas que suas ideias propiciam, contribuindo no
delineamento da rea da Arte e da educao. Assim, ao mesmo tempo em que
colocar Saviani (2005; 2007) conjuntamente com Ferraz e Fusari (2009; 2010)
no texto foi fludo, pelas prprias conexes toricas que estabeleceram entre si;
realizar o mesmo com relao a Barbosa (2008; 2012) foi desafiador, tendo em
vista questes polticas e conceituais surgidas no Congresso Nacional de
Educao em Braslia1, em 1989. Acreditando que tais questes enriquecem a
abordagem proposta, partiremos para a anlise das fases e perodos histricos
delineados frente a essa perspectiva.
Cabe-nos considerar que aps a finalizao da escrita desse captulo,
importante obra de Barbosa (2015b) foi publicada apresentando aspectos
fundantes sobre a histria do ensino da Arte e do Desenho no Brasil, que
passou por fases que se acrescentam umas s outras: se intercalam,
raramente dialogam e operam como em cascata, em camadas, ou placas
tectnicas, como diz Thierry de Duve (BARBOSA, 2015b, p.15).
1 Barbosa (2008) nos relata que em meio as lutas pela continuidade da obrigatoriedade da Arte
na Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional (Darcy Ribeiro), uma mesa redonda foi organizada por Las Aderne no Congresso Nacional de Educao em Braslia, em 1989. Enquanto isso acontecia, segundo a autora Demerval Saviani continuou sua campanha contra a arte no currculo, liderando os que afirmavam que o currculo precisava ser recuperado por meio dos contedos e que arte, por no ter contedo, deveria ficar fora do currculo (p.19). Um debate sobre a questo foi realizado na Cmara dos Deputados, tendo Saviani e Alfredo Bosi na discusso, este se manifestando em defesa das artes. No entanto, aps esse debate, []Saviani, embora nunca haja se manifestado a favor das artes pelo menos deixou de atac-la publicamente (BARBOSA,2008, p.20).
38
A perspectiva apresentada pela autora, possibilitou compreender melhor
o caminho percorrido e, em certa medida, confirmar algumas hipteses sobre o
delineamento dessa rea frente ainda a outro desafio: a compreenso de tal
ensino na educao de surdos.
1.1.1 Primeira fase: sculo XVI at sculo XIX
A primeira etapa ou fase, dentre os anos de 1549 at 1890, pode ser
dividida em trs perodos: o primeiro perodo de 1549 a 1759 referente a
pedagogia jesutica, onde as escolas eram mantidas por ordens religiosas e
subsidiadas pelo reino portugus e, nas famlias nobres, havia o preceptorado
privado (SAVIANI, 2007).
No ensino de Arte, Barbosa (2012) destaca que a presena do ensino
jesutico influenciou de forma significativa a aceitao das atividades estticas
ligadas literatura, uma vez que o currculo das artes literrias estava
estruturado no Trivium, ou seja, gramtica, retrica e dialtica, acentuando
dessa formao o preconceito contra as atividades manuais e artsticas,
sobretudo quanto as artes aplicadas.
No segundo perodo da primeira etapa, dentre os anos de 1759 a 1827,
a reforma pombalina faz surgir as aulas rgias, juntamente com as iniciativas
de ensino particular. O ensino de Arte, ento ensino de Desenho, era centrado
em aulas de geometria, como forma de desenvolvimento da cincia. Em 1771 e
1779, foram criadas as cadeiras de Geometria na capitania de So Paulo e
Pernambuco, sendo os alunos inicialmente convidados a participarem.
Posteriormente o convite fez surgir a obrigatoriedade de participao, sendo os
alunos convocados por meio de edital pblico (BARBOSA, 2012).
De acordo com Saviani (2007), o terceiro perodo desta primeira fase,
compreendida entre os anos de 1827 a 1890, apresenta as primeiras tentativas
do governo Imperial e das provncias de organizarem a educao como
responsabilidade do poder pblico. No ensino de Arte, as disciplinas de
desenho linear, desenho geomtrico e desenho figurado j se faziam presentes
39
no ensino da escola primria e secundria, bem como na educao de surdos
(ALMANAK LAEMMERT, 1854; 1877).
Com a promulgao da primeira lei de educao no Brasil, em 1827 as
escolas de primeiras letras e a instruo primria gratuita foram estabelecidas,
iniciando o processo de descentralizao do ensino com a criao de escolas
nas cidades, vilas e lugares considerados populosos do Imprio. No entanto, a
iniciativa foi frustrada, j que tal responsabilidade foi transferida aos governos
proviciais em 1834 (SAVIANI, 2007). Ainda assim, a importncia do documento
se amplia:
O modesto documento legal aprovado pelo Parlamento brasileiro contemplava os elementos que vieram a ser consagrados como o contedo curricular fundamental da escola primria: leitura, escrita, gramtica da lingua nacional, as quatro operaes de aritmtica, noes de geometria, ainda que tenham ficado de fora as noes elementares de cincias naturais e das cincias da sociedade (histria e geografia) (SAVIANI, 2007, p.126, grifo nosso).
A presena do ensino de geometria apresentaria anos mais tarde
aproximao com o ensino de desenho e o autor revela que o desenvolvimento
da proposta pedaggica era prejudicado pela falta de professores que
dominassem os contedos previstos. A questo determinaria novas
proposies para uma ampla reforma da instruo pblica por meio do decreto
n 1.331-A de 1854, que aprovou o Regulamento para a reforma do ensino
primrio e secundrio do Municpio da Corte.
De acordo com Jannuzzi (2006), neste perodo, a escola seguia a
proposta metodolgica dos mais adiantados para os mais atrasados e, apesar
do ensino de noes mais gerais de geometria prtica para todos, havia a
separao de disciplinas por gnero e, enquanto as meninas eram preparadas
para as prendas domsticas e trabalhos com agulhas, os meninos eram
preparados para a compreenso da Constituio do Imprio e Histria do
Brasil. Alm disso, uma caracterstica marcante na educao da poca e,
tambm como veremos no Imperial Instituto de Surdos-Mudos era a presena
40
de princpios de moral crist e religiosa. Tais princpios morais influiriam
tambm na contratao das mestras:
Art. 6. Os professores ensinaro a ler, escrever, as quatro operaes de aritmtica, prtica de quebrados, decimais e propores, as noes mais gerais de geometria prtica, a gramtica de lngua nacional, e os princpios de moral crist e da doutrina da religio catlica e apostlica romana, proporcionados compreenso dos meninos; preferindo para as leituras a Constituio do Imprio e a Histria do Brasil. [] Art. 12. As Mestras, alm do declarado no Art. 6o, com excluso das noes de geometria e limitado a instruo de aritmtica s as suas quatro operaes, ensinaro tambm as prendas que servem economia domstica; e sero nomeadas pelos Presidentes em Conselho, aquelas mulheres, que sendo brasileiras e de reconhecida honestidade, se mostrarem com mais conhecimento nos exames feitos na forma do Art. 7o. (Lei de 15 de outubro de 1827, grifo nosso).
O ensino de Desenho no estava previsto na referida lei de 1827, que
por sua vez contemplava o ensino de geometria prtica. Apresentando
variaes ao longo do tempo quanto as nomenclaturas, o ensino de geometria
passou por desenho geomtrico, geometria prtica e geometria terica,
variando a abordagem dos contedos ao longo do tempo, seguindo os
interesses polticos e as diretrizes educacionais vigentes da poca (BARBOSA,
2012).
Em fins do sculo XIX, o desenho no ensino primrio se relaciona ao
progresso industrial e, em 1883, Rui Barbosa incentiva a preparao tcnica
dos indivduos para o trabalho nas fbricas e nos servios artesanais,
mantendo no ensino de Arte a concepo neoclssica herdadas com a Misso
Francesa, conforme detalharemos no subcaptulo dois, ao discutir sua
importncia para o ensino da Arte no sculo XIX.
Cabe destacar que para Barbosa (2015) foi durante o perodo
compreendido entre 1880 1920 que aconteceu no pais a Virada Industrial ou
Virada da Alfabetizao.
1.1.2 Segunda fase: fins do sculo XIX e o sculo XX
41
A segunda etapa ou fase apresentada por Saviani (2005; 2007) na
histria da educao se inicia em 1890 e segue at 1996, tendo como marco a
implantao dos grupos escolares. Essa etapa tambm foi subdividida: o
primeiro perodo de 1890 a 1931, com as ideias pedaggicas republicanas e a
criao das escolas primrias.
Neste amplo perodo histrico, de acordo com as autoras Ferraz e Fusari
(2009; 2010) as prticas pedaggicas em Arte foram marcadas pelos princpios
do liberalismo, com nfase na liberdade e nas aptides individuais e, no
positivismo, com a valorizao do racionalismo e cientificismo. Por outro lado, a
experimentao e a influncia das tendncias pedaggicas tradicional, nova e
tecnicista estiveram presentes ao longo da trajetria do ensino da Arte do
sculo XX e procuraremos explicitar suas principais abordagens.
Muitos fatores culturais, sociais e educacionais influenciariam o ensino
da Arte nesse comeo de sculo, sobretudo o movimento modernista da
Semana de 22 e a criao das universidades nos anos de 1930. Neste
perodo de transio, o ensino de Arte como Desenho, se manteve como
preparao de mo de obra operria. Nos programas de ensino, as
linguagens de perspectiva, desenho geomtrico, exerccios de composio
para decorao e desenho de ornatos eram ministradas com nfase em seus
aspectos cientficos e tcnicos, sendo que os professores exigiam e avaliavam
esse conhecimento dos alunos empregando mtodos que tinham por finalidade
exercitar a vista, a mo, a inteligncia, a imaginao (memria e novas
composies), o gosto e o senso moral (FERRAZ; FUSARI, 2010, p.27).
Nesse perodo, entre fins da dcada de 1920 e incio da dcada de
1930, surgem s escolas especializadas de Arte para crianas, com Theodoro
Braga que se manifesta contra a cpia de estampas, to comum a poca, e
defendia um ensino voltado para a natureza, a partir da abordagem do art
nouveau. Sobre a questo:
no fim da dcada de 1920 e incio da dcada de 1930 que encontramos as primeiras tentativas de escolas especializadas em arte para crianas e adolescentes, inaugurando o fnomeno da arte como atividade extracurricular. Em So Paulo, foi criada a Escola Brasileira de Arte conhecida atravs de Theodoro Braga, seu mais importante professor. Mas a ideia
42
partiu da professora da rede pblica Sebastiana Teixeira de Carvalho e foi patrocinada por Isabel Von Ihering, presidente de uma sociedade beneficente A Tarde da Criana (BARBOSA, 2008, p.02).
Neste perodo que, de acordo com Ferraz e Fusari (2009; 2010) perdura
at os dias atuais, a nfase recaia no contedo reprodutivista, de carter
tcnico e cientfico. H uma preocupao fundamental com o resultado e o
produto das atividades escolares que so encaminhadas pela repetio e
memorizao, numa relao vertical de autoridade entre professor e aluno.
No segundo perodo, nos anos de 1931 a 1961 com a Pedagogia Nova
ou Movimento da Escola Nova, acontece a regulamentao nacional das
escolas primrias, secundrias e superiores. Esse movimento surge com o
Manifesto dos Pioneiros da Educao Nova (1932) sobre a necessidade de
democratizar a educao brasileira por meio da escola pblica obrigatria:
Na Escola Nova, a nfase a expresso como um dado subjetivo e individual que os alunos manifestam em todas as atividades, as quais passam de aspectos intelectuais para afetivos. A preocupao com o mtodo, com o aluno, seus interesses, sua espontaneidade e o processo do trabalho caracterizam uma pedagogia essencialmente experimental, fundamentada em novos estudos pedaggicos, filosficos e psicolgicos. Foram importantes no desenrolar desse movimento as reflexes assentadas nos trabalhos de psicanlise, psicologia cognitiva e gestalt (FERRAZ; FUSARI, 2009, p.47).
As ideias de autores como John Dewey, Viktor Lowenfeld nos Estados
Unidos e, Herbert Read na Inglaterra, influenciaram as aes de professores
de Arte no Brasil, por meio de orientaes que valorizavam o desenho
espontneo e o aprender com liberdade. Em contrapartida, o Estado Novo
(1937 a 1945), solidificou alguns procedimentos vivenciados na educao
brasileira, como o ensino do desenho geomtrico na escola primria e
secundria, o desenho pedaggico e a cpia de estampas e inicia-se o perodo
de pedagogizao da arte na escola, que segundo Barbosa (2008, p.4),
promoveria:
43
Uma utilizao instrumental da arte na escola para treinar o olho e a viso ou seu uso para liberao emocional e para o desenvolvimento da originalidade vanguardista e da criatividade, esta considerada como beleza ou novidade.
No ensino superior, a ditadura do Estado Novo fechou o primeiro curso
de formao de professores de desenho na Universidade do Distrito Federal,
criado por Ansio Teixeira e tendo como professores Portinari e Mrio de
Andrade. Os professores foram obrigados a concluir o curso frequentando as
disciplinas de educao nos cursos de Pedagogia e a aulas de Arte na Escola
Nacional de Belas Artes (ENBA). Segundo Barbosa eram discriminados l e
c. Na ENBA eram vistos como os professores quadrados e na Pedagogia
como os artistas aloucados (BARBOSA, 2008, p.02).
No perodo que seguiu ao Estado Novo, a partir de 1947, a Arte como
forma de liberao emocional favoreceu o surgimento de atelis para crianas
organizados por artistas e objetivando fazer com que se expressassem
livremente por meio do uso de diversos materiais e uma sequncia de tcnicas.
Essa iniciativa deu origem as Escolinhas de Arte do Brasil, em 1948,
contando com a participao de importantes expoentes do modernismo na
Arte/educao, dentre eles, Nomia Varela e Augusto Rodrigues. O aluno era
visto com base nas ideias da Escola Nova como ser criativo, a quem se devia
oferecer todas as condies possveis de expresso artstica, supondo-se que,
assim, ao aprender fazendo, saberiam faz-lo, tambm, cooperativamente, na
sociedade (FERRAZ E FUSARI, 2009, p.49).
Em 1948, o arquiteto Lcio Costa, responsvel pelo plano urbanstico de
Braslia, elaborou um programa de desenho da escola secundria. No
programa, a influncia da Bauhaus articulava criao e tcnica, distanciando o
ensino da ideia de Arte e natureza com vistas ao artefato. Assim, em meio ao
incio das Bienais de Arte de So Paulo e aos movimentos universitrios
ligados a cultura popular, a influncia do programa de Lcio Costa no ensino da
Arte, nunca oficializado pelo Ministrio da Educao, s aconteceria anos mais
tarde, em 1958 (BARBOSA, 2008).
44
A partir dos anos de 1950, alm do ensino de desenho, tambm fazia
parte do currculo escolar as disciplinas de trabalhos manuais, msica e canto
orfenico. Este ltimo, institudo por Villa Lobos, pretendia o acesso as novas
geraes Arte culta e ao folclore nacional (FERRAZ; FUSARI, 2009).
Numa fase de transio entre segundo perodo (1931 a 1961) e o
terceiro perodo (1961 e 1993) e, mais especificamente entre os anos 1930 e
1970, uma abordagem comum aos programas do ensino de desenho previam
as seguintes modalidades:
Desenho do natural (observao, representao e cpias de objetos); desenho decorativo (faixas, ornatos, redes, gregas, estudos de letras, barras decorativas, painis); desenho geomtrico (morfologia geomtrica e estudo de construes geomtricas) e desenho pedaggico nas Escolas Normais (esquemas de construes de desenho para ilustrar aulas) (FERRAZ E FUSARI, 2010, p.27).
Por fim, o terceiro perodo de 1961 a 1996 foi marcado por
regulamentaes em mbito nacional e a efetivao de polticas educacionais
com as parcerias entre os setores pblico e privado (SAVIANI, 2007).
Em 1961 foi promulgada a Lei de Diretrizes e Bases da Educao
Brasileira n 4024 que transformou a disciplina de Artes em prtica educativa
no ento ensino ginasial, bem em atividade complementar de iniciao
artstica, alm da substituio do canto orfenico pela educao musical.
No ensino de Arte, a dcada de 1960 e no incio de 1970 foram
publicados inmeros livros nacionais sobre Artes plsticas para o ensino nas
escolas, talvez motivados pelas apostilas da Escolinha de Arte do Brasil, tendo
como ncleo central a descrio de tcnicas, dentre elas, desenho com lpis
de cera e anilina, lpis de cera e varsol, desenho de olhos fechados, mosaico,
pintura a dedo, desenho de giz molhado, desenho raspado, alm de tcnicas
presentes nas aulas de Arte dos dias atuais.
Com o golpe de 1964, a prtica nas escolas pblicas estava centrada
em desenhos alusivos a datas comemorativas, de ordem cvica, religiosas e
festivas e, em 1969, a Arte j fazia parte do currculo das escolas particulares,
seguindo uma abordagem de variao de tcnicas. Na escola secundria
45
pblica comum, predominava o desenho geomtrico, seguindo a poca, a
tendncia tecnicista da Educao.
A tendncia da Pedagogia Tecnicista, a partir de 1960/1970 seguir as
mudanas na sociedade industrial e as metas econmicas, sociais e polticas,
sendo o professor responsvel pelo planejamento sistematizado de planos de
ensino, numa nfase que recaia na organizao das aulas e dos programas de
curso. Nesse perodo, o uso de recursos tecnolgicos e audiovisuais no ensino
da Arte, era concebido como modernizao do ensino, onde mais importante
que o dilogo entre os objetivos educacionais, contedos, estratgias e
avaliao era a execuo mecnica de cada uma das etapas (FERRAZ;
FUSARI, 2009; 2010)
Com a reforma educacional proposta pela Lei de Diretrizes e Bases da
Educao Nacional (LDB) n 5.692 de 1971, a disciplina de Educao Artstica
se tornou obrigatria nos currculos de 1 e 2 grau e artes plsticas, msica e
artes cnicas (teatro e dana) deveriam ser ensinadas por um mesmo
professor, de forma polivalente. Em 1973 foram criados os cursos de Educao
Artstica e licenciatura em artes plsticas nas universidades, sendo tambm
oferecido programas de formao de professores nessa rea, em parceria com
a Escolinha de Arte do Brasil. Sobre o contexto poltico e a obrigatoriedade do
ensino da Arte nas escolas pblicas, Barbosa (2008, p.10) comenta:
Hoje pode parecer estranho que uma ditadura tenha tornado obrigatrio o ensino da arte nas escolas pblicas. Contudo, tratava-se de um mascaramento humanstico para uma lei extremamente tecnicista, a 5692, que pretendia profissionalizar os jovens na Escola Mdia. Como as escolas continuaram pobres, sem laboratrios que se assemelhassem aos que eram operados nas indstrias, os resultados para aumentar a empregabilidade dos jovens foram nulos. Por outro lado, o fosso entre a elite e pobreza se aprofundou, pois as escolas particulares continuaram preparando os estudantes para o vestibular, para a entrada na universidade, embora os currculos fingissem formar tcnicos. Enquanto isso o ensino mdio pblico nem preparava para o acesso universidade nem formava tcnicos assimilveis pelo mercado. No que diz respeito ao ensino da arte, cursos universitrios de dois anos foram criados para preparar professores aligeirados, que ensinassem todas as artes ao mesmo tempo, tornando a arte na escola uma ineficincia a mais no currculo.
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O perodo anunciava a necessidade de significativas transformaes no
campo da educao e da Arte e, em meio s discusses sobre modernidade e
ps-modernidade, despontam os anos de 1980.
1.1.3 Anos 1980 e novos tempos: Abordagem Triangular do Ensino da Arte
Ao lado da tendncia pedaggica tradicional, escolanovista e tecnicista,
a pedagogia libertadora de Paulo Freire, propunha a formao da conscincia
crtica da sociedade, a partir do dilogo junto s comunidades. Motivados por
essas ideias, a partir dos anos de 1980, educadores discutiam prticas e
teorias da educao escolar, com vistas a transformaes sociais e
favorecendo as reflexes na educao em Arte para os mesmos fins (FERRAZ
E FUSARI, 2009; 2010).
Em dilogo com os ideais de educao libertria de Paulo Freire,
pesquisadores como Ana Mae Barbosa, propuseram que a cultura local ou
popular esteja presente nos estudos culturais da ps-modernidade. Segundo a
autora: Uma educao libertria ter sucesso s quando os participantes no
processo educacional forem capazes de identificar seu ego cultural e se
orgulharem dele (BARBOSA,1988, p.15).
Nesse sentido, a busca pelo desenvolvimento de uma abordagem de
ensino de Arte que estivesse em dilogo com os ideais libertrios e o
reconhecimento da cultura nacional, originou-se do esforo dialogal entre o
discurso ps-moderno global e o processo consciente de diferenciao cultural
tambm ps-moderno (BARBOSA, 2012b, p. XXV XXVI). Tais questes
foram explicitadas pela autora:
Fomos alunos de Paulo Freire e com ele aprendemos a recusar a colonizadora cpia de modelos, mas a escolher, reconstruir, reorganizar a partir da experincia direta com a realidade, com a cultura que nos cerca, com a cultura dos outros e com uma pletora de referenciais tericos, intelectualmente desnacionalizados, como diz Bourdie, por ns escolhidos e no impostos pelo poder dominante (BARBOSA, 2012, p. XXXI).
47
Alm disso, nesse perodo que no Brasil h uma retomada dos
movimentos de associao de arte/educadores; das investigaes e
experincias pedaggicas no campo da Arte e, do crescimento da pesquisa na
rea, estabelecendo dilogos com as condies estticas e culturais da ps-
modernidade (BARBOSA, 2008).
Isso porque, em 1980 a Semana de Arte e Ensino realizada em So
Paulo e promovida por Ana Mae Barbosa, contou com a participao de trs
mil professores que discutiram sobre os problemas vivnciados na rea de
Arte, buscando solues que desencadearam a deciso da formao de uma
associao estadual de representao dos arte/educadores, sendo fundada em
1982 a Associao de Arte/Educadores do Estado de So Paulo (AESP).
A iniciativa teve repercusso em outros estados e, de acordo com
Richter (2008) principalmente atravs das palestras realizadas por Ana Mae,
conclamando os professores a se organizar em associaes (p. 324). Diante
disso, em 1983 foi fundada a Associao Nordestina de Arte/Educadores
(ANARTE); em 1984 a Associao Gacha de Arte-Educao (AGA) e
posteriormente a Associao de Arte/Educadores do Distrito Federal
(ASAE/DF), com atuao importante durante as discusses que culminaram
com a promulgao da Constituio Federal de 1988 (CF/1988). Nesses
eventos, foram elaborados muitos documentos e surgiu em 1987 a
representao nacional das diversas associaes estaduais e regionais de
arte/educadores nomeada de Federao dos Arte/Educadores do Brasil
(FAEB).
A Faeb esteve envolvida na ao poltica pelo direito ao acesso Arte e
cultura por toda a criana e aps a CF/1988, pela luta na Lei de Diretrizes e
Bases da Educao Nacional, conquistando a permanncia da Arte nas
escolas, por meio da intensa articulao durante os Congressos Nacionais
(CONFAEB) que em 2015 completar a 25 edio. Desde 1991 o Faeb
associado Sociedade Internacional de Educao pela Arte (INSEA), com sete
mil ate/educadores associados em 24 associaes e ncleos estaduais
(RICHTER, 2008).
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Paralelamente a esses movimentos que tiveram a intensa participao
de Ana Mae Barbosa, a Proposta ou Abordagem Triangular do Ensino da Arte,
era por ela desenvolvida, a partir de pesquisas e experincias com leitura de
obra de Arte introduzidas na formao de arte/educadores da rede pblica
estadual e municipal de So Paulo. A Abordagem, sistematizada no contexto
de um museu de Arte em So Paulo, entre os anos de 1987 e 1993,
representou a proposio de novas prticas pedaggicas em Arte/educao.
Isso porque, articulou tanto a educao no-formal, entendida nos museus e
instituies culturais, quanto a educao formal, que acontece na escola,
oferecendo-nos importantes indcios para refletir sobre os fluxos presentes na
relao museu e escola e, sobretudo nas aes voltadas ao pblico com
deficincia, objeto de nossa pesquisa e que ter a discusso aprofundada no
captulo trs.
As interfaces presentes nesta relao e nas proposies identificadas na
Abordagem Triangular do Ensino da Arte so construtivista, interacionista,
dialogal, multiculturalista e ps-moderna por tudo isso e por articular Arte
como expresso e como cultura na sala de aula (BARBOSA, 1988, p.41).
Sobre a Proposta Triangular, Barbosa (2009) esclarece:
No MAC foi sistematizada a Propo