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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO
CECEN – CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E NATURAIS
CURSO DE HISTÓRIA
ONDE HÁ FOGO, HÁ MÚSICA: a repressão militar nas décadas de 1960 e 1970
cantada e contada por cantores maranhenses
São Luís
2006
2
FÁBIO AQUILES MARTINS DE ALENCAR
ONDE HÁ FOGO, HÁ MÚSICA: a repressão militar nas décadas de 1960 e 1970
cantada e contada por cantores maranhenses
Monografia apresentada a Coordenação do Curso de História
da Universidade Estadual do Maranhão, para obtenção do grau
de Licenciatura em História.
Prof° Mestre Marcelo Cheche Galves
São Luís
2006
3
FÁBIO AQUILES MARTINS DE ALENCAR
ONDE HÁ FOGO, HÁ MÚSICA:
a repressão militar nas décadas de 1960 e 1970 cantada e contada por cantores maranhenses
Monografia apresentada a Coordenação do
Curso de História da Universidade Estadual do
Maranhão, para obtenção do grau de
Licenciatura em História.
Aprovada em: / /
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________________
Prof° Marcelo Cheche (Orientador)
Universidade Estadual do Maranhão
_________________________________________________
1° Examinador
_________________________________________________
2° Examinador
6
AGRADECIMENTOS
A Deus, nosso criador e pai em todas as horas.
A meus avós, José Azevedo Martins (Pichacau) e Terezinha de Jesus, que além de avós foram
pais, irmãos, amigos e criadores até de meus filhos.
A meu padrinho, Edjan de Jesus, que exerceu tantas funções em minha vida, entre elas a de
pai, e que me ensinou a lutar por mim e pelos outros dentro de um mundo tão injusto.
A minha grande incentivadora, a minha amada Roberta, a mais paciente de todas as pessoas
que me cercam, por aguentar meus ataques e bebedeiras, a mulher ideal, o meu amor, meu
grande amor.
Aos meus reis, Artur e Luís, e meu anjo da guarda, Gabriel, pois graças a eles tornei-me uma
pessoa melhor, tomara que um pai mais responsável.
A Universidade Estadual do Maranhão e seu magnífico corpo docente do Curso de História,
em especial os professores Marcelo Cheche, Alan Kardec Pacheco, Helidacy, Henrique
Borralho, Paulo Rios e Elizabeth Abrantes.
A Marcelo, pela imensa paciência e carinho como professor, amigo e orientador.
Ao meu cunhado, Rosenverck Estrela, pela imensa ajuda na produção desse trabalho.
A Dona Roberta, em função dos “pepinos” que resolveu para que eu não fosse jubilado.
A meus pais e irmãos, meu cunhado Ribamar e compadre Mike pelo carinho, pelos risos,
pelas cervejas e churrascos, feijoadas, mocotós, etc...
Aos meus tios, Zequinha e Manolo, como incentivadores de meu crescimento profissional,
A magnitude de César Teixeira e Chico Maranhão.
A Renato Russo, Belchior, Zé Ramalho, Geraldo Azevedo, Alceu Valença, Fagner, Caetano
Veloso, Gilberto Gil, Humberto Gessinger, Zeca Balero, Chico César, Vander Lee, Chico
7
Buarque, Geraldo Vandré, Cássia Eller, Zeca Pagodinho, Maria Bethânia, Marisa Monte, Rita
Ribeiro, aos caras do Rappa, do Pearl Jam, e outra vez César Teixeira e Chico Maranhão por
fazerem da música um incentivo às lágrimas, à luta, à embriaguez, ao sonho de ver um mundo
mais justo, um mundo melhor.
A meu tio “Lunga” e João, pois graças a eles quis me tornar professor.
Aos meus grandes amigos de trabalho, de grode e de difíceis momentos no mar e em terra,
Dudu, Dílson, Moraes, Marquinhos, Marcelo, Curió, Netto Goroba, Ronie, Paulo, Alexandre,
Léo, Frazão, Júlio Pavão e Julinho, e meus futuros compadres, Carvalho e o “velho” Ubaldo.
Ao Divina Pastora, por confirmar minha vocação como professor.
Aos meus amigos e compadres, Jackson e Márcio pelas conversas sobre mulheres e músicas.
A Marlon, Josélio, tio Careca pelo fato de desde cedo me colocarem pra escutar coisa boa.
As minhas amadas e amigas de trabalho Celimar, Rizalva, Claudenira, Conceição, Meirinalva,
Josenilde, Zelma, Marília, Vera, Isabel, Sílvia, Ednéia, Flavinha, Dora, Anunciação, Ir.
Heráclia e Ir. Aline, pelos modelos que são e pelo fato de afirmarem cotidianamente o
verdadeiro papel da mulher na sociedade, o de agente de mudança.
8
RESUMO
Registro da trajetória de parte da produção musical maranhense nas décadas de 60 e 70.
Enfatiza-se os dois principais cantores maranhenses da época acerca de suas produções e do
ambiente cultural e político que os cercava nas décadas de 60 e 70
Palavras-chave: música – cultura – ditadura - Maranhão
9
ABSTRACT
Register of trajectory of part of the maranhense musical production in the decads of 60 and
70. One enphasizes the main maranhenses singers of the time on it’s productions and the
cultural environment polician who surrounded in the decads of 60 and 70.
Keyboards: music – culture – military dictatorship - Maranhão
10
SUMÁRIO
1
INTRODUÇÃO
“Quando a serpente deu o bote”: uma rápida
consideração acerca do golpe de 64 e o governo militar
11 15
2 Estado, cultura e censura 20
3 A música brasileira 25
3.1 “Em caras de presidentes. Em grande beijos de amor.
Em dentes, pernas, bandeiras. Bomba e Brigitte
Bardot”:O Tropicalismo
29
3.2 “Vem vamos embora que esperar não é saber. Quem
sabe faz a hora não espera acontecer”: A música de
protesto
32
4 “Aqui na terra, quem não berra, nada ganha, é mais
um boi de piranha como todo brasileiro”: César
Teixeira e Chico Maranhão cantam e contam a
ditadura em terras do Maranhão
40
CONSIDERAÇÕES FINAIS 48
REFERÊNCIAS 49
11
INTRODUÇÃO
Outro exemplo de resistência é a memória, que
rompe a introversão e recupera o tempo. Recordar
não é voltar atrás, é refazer a história. Lembrar o
passado é sempre também um modo de recorrer ao
amanhã, de construir um projeto.
A memória tende, quando não é um sonho onírico, à
comunicação. É uma recriação coletiva; já não como
biografia pessoal, mas como história compartilhada.
Recusar o esquecimento é, além disso, assumir a dor.
Fazer memória é a tentativa de compreender as
feridas e explicar as cicatrizes; tomar consciência”.
(Ximena Barraza, 1980, pg.167)
A produção musical brasileira durante as décadas de 60 e 70 foi riquíssima,
embora parte dela desobedecesse o status quo dirigido na época por uma ditadura militar.
Ditadura nascida a partir de um regime que se caracterizou pela limitação do direito a livre
expressão, não sendo “proibido proibir”, reforçando também, no plano econômico, o domínio
do capital estrangeiro e a expansão do abismo de posses entre as classes populares e as elites
brasileiras, na desigual distribuição de renda brasileira.
Nesse contexto de controle social, fortalecido pelos constantes atos institucionais
de um Estado sustentado por desejos estrangeiros e conservadores, também cimentado pelas
celas, cassetetes e balas, contra tudo o que desobedecesse a ordem forçada, o medo se
constituiu como parceiro inseparável das diversas camadas sociais brasileiras.
Esse medo ganhava mais proporção à medida que as notícias de prisões,
desaparecimentos e mortes de estudantes, líderes comunitários, trabalhadores e artistas
aumentavam. Um regime instituído através da força, só poderia sustentar-se pela força,
quando o “cala-te boca” não funcionava, o “couro comia”.
12
Esse “cala-te boca” não foi obedecido por parte dos artistas brasileiros, que
ganharam visibilidade na luta contra a repressão do regime militar, embora a resistência não
pensada como exclusividade dessa parcela da população.
Músicas como “Pra não dizer que não falei das flores” (Geraldo Vandré, DATA),
“Disparada”(Geraldo Vandré e Theo Barros,1966),“Sabiá”(Tom Jobim e Chico Buarque,
1968), “Apesar de você”(Chico Buarque), “O bêbado e o equilibrista”(Aldir Blanc e João
Bosco, 1978) serão aqui analisadas por fazerem parte de um constante repertório que lembra a
militância de alguns artistas brasileiros contra as mazelas sustentadas pelo governo militar.
É importante também saber que essa produção pautada no desafio da denúncia não
foi exclusividade do eixo Rio-São Paulo, mas que ocorreu em outras partes do território
brasileiro. Através dos trabalhos de uma geração que até hoje compõe o cenário musical
maranhense, Chico Maranhão, César Teixeira, Josias Sobrinho e Sérgio Habibe, a música
produzida no Maranhão inseriu-se nesse contexto.
Nessa direção, o trabalho privilegia a análise de obras dos grandes nomes da
Música Popular Brasileira durante os anos dirigidos pela ditadura militar, ao mesmo tempo
que observou a realidade maranhense dentro dos contextos nacional e internacional, através
de entrevistas com dois dos principais nomes da música maranhense nessa época, Chico
Maranhão e César Teixeira. Além de entrevistas, foi realizada a análise das obras de César
Teixeira nesse referido período, cuja proposta era, e continua sendo, a de revelar ao
espectador a história de sua gente, analisar o presente e projetar o futuro da sociedade
brasileira.
Quem é Chico Maranhão? Francisco Fuzzeti de Viveiros Filho, o Chico Maranhão,
filho de um funcionário público e de uma professora do jardim de infância, deu seus primeiros
passos na música ainda menino, como cantador do boizinho dirigido pela sua mãe. Sai de São
Luís para estudar Arquitetura em São Paulo, e é justamente no Centro-sul que sua música
torna-se conhecida do grande público. Em 1967, participou do Festival da TV Record, com a
belíssima “Gabriela”.
Participa uma outra vez do festival da TV Record com a música “Descampado
Verde”, defendida pelo grupo MPB-4, que, logo em seguida, foi censurada por conter a frase
13
“um quarto prás duas”, ou seja, quinze minutos para as duas. Sua censura deveu-se ao fato de
fazer referência ao lesbianismo “um quarto pras duas”. Nesse mesmo ano, participa do
Festival Internacional da Canção, com a música “Dança da Rosa”.
Em 1972, lança seu primeiro LP individual, um ano depois de ter lançado junto
com Renato Teixeira um disco, que foi utilizado como brinde pela agência de propaganda de
Marcus Pereira, o mesmo que anos depois produziria “Bandeira de Aço”, uma coletânea de
músicas maranhenses produzidas ao longo das décadas de 70 e 80 e cantadas por Papete.
Após 1972, Chico Maranhão foi progressivamente abandonando o cenário musical. Porém, na
atualidade, realiza alguns shows e trabalha num projeto, que afirma ser de “grande relevância
para a música maranhense”: o lançamento simultâneo de Cd e Dvd com parte de suas muitas
composições.
Também a partir de duas entrevistas com Chico Maranhão, nos dias 05 e 06 de
janeiro de 2006, foi possível entender o contexto cultural brasileiro entre as décadas de 60 e
70, da mesma forma que foi compreendida a situação da música maranhense dentro desse
período.
Carlos César Teixeira, o César Teixeira, nasceu no Beco das Minas, em São Luís
do Maranhão, no dia 15 de abril de 1953. Filho de um compositor da Madre-Deus, Bibi Silva,
e de uma empregada doméstica vinda de Cajapió, Raimunda Teixeira. Desde muito cedo
interessou-se pela música. Dedicou-se na adolescência às Artes Plásticas, que lhe renderam
dois prêmios (1969 e 1970) em salões de pintura. Mas a música aos poucos tomou conta de
sua vida, graças não só aos programas de rádio que assistia levado pelo pai, como pelo seu
interesse pela rica variedade de ritmos tradicionais maranhenses.
Junto com o poeta Viriato Gaspar, arrebatou o 3º lugar no III Festival de Música
Popular Maranhense com “Salmo 70”, em 1972, ano em que participou da fundação do
Laborarte, movimento artístico existente até hoje. Lá realizou as primeiras experiências com
ritmos regionais. Depois estudou violão clássico com João Pedro Borges (Sinhô), de 1974 a
1976, na Escola de Música do Maranhão.
Em 1978, algumas de suas músicas foram registradas no disco “Bandeira de Aço”
por Marcus Pereira, produtor que na época pesquisava o romanceiro nacional e divulgou
14
nomes importantes como Cartola e Canhoto da Paraíba. No ano seguinte, César vence o 1º
Festival Universitário Maranhense de Música Popular com “Sentinela”, em parceria com Zé
Pereira Godão, organizador de brincadeiras populares. Ganhou outros prêmios na MPB, como
o Festival Viva/1985, em São Luís (“Oração Latina”), e o Festival de Marabá-PA/1994
(“Tocaia”). Tem músicas gravadas pelos intérpretes maranhenses Rita Ribeiro, Chico
Maranhão, Gabriel Melônio, Cláudio Pinheiro, Alcione, Célia Maria, Flávia Bittencourt,
Papete e Cláudio Lima, entre outros, como também pelo menestrel mineiro Dércio Marques.
Em 2001 participou do Rumos Itaú Cultural Música, tendo composições suas
(“Parangolé” e “Mutuca”) integrado a coleção de CDs desse programa, e apresentou-se na
Sala Azul do Itaú Cultural-SP, em setembro daquele ano. Foi também premiado como o
Melhor Compositor de 2001 pela Rádio Universidade FM do Maranhão, recebendo troféus de
Melhor Música e Melhor Letra pelo chorinho “Ray-Ban”.
Militando paralelamente na área da Literatura, o artista vence em 1996 o Prêmio
Nacional de Poesia Vinícius de Moraes, promovido pela RIOARTE, da Prefeitura do Rio de
Janeiro, com o “Poema de Amor e Alquimia sobre o Araguaia”.
Em outubro de 2002, recebe Menção Honrosa pelo poema “Patrimônio Cultural
Profano”, no Prêmio Carlos Drummond de Andrade, em Ipatinga-Minais Gerais. Representou
o Maranhão, ao lado de Antônio Vieira, no Projeto “Brasil de Todos os Sambas”,
apresentando-se no Centro Cultural Banco do Brasil – Rio de Janeiro, no período de 29 de
janeiro a 01 de fevereiro de 2004, com a participação especial da cantora carioca Teresa
Cristina e das maranhenses Rita Ribeiro e Célia Maria. Em agosto de 2004, lançou o seu CD
Shopping Brazil, que considera experimental, mostrando uma variedade de ritmos tradicionais
do Maranhão, sem omitir as tendências da música urbana contemporânea. Com esse disco, em
dezembro de 2004, foi novamente premiado pela Rádio Universidade FM, tendo recebido os
troféus de Melhor CD, Melhor Letra (“Shopping Brazil”), Melhor Samba (“Vestindo a
Zebra”), Destaque-Compositor (“Shopping Brazil”) e Destaque-Cantor. De volta à área de
literatura, em novembro de 2005 Cesar Teixeira venceu o 3 º Prêmio Nacional de Poesia–
Cidade de Ipatinga, em Minas Gerais, com a coletânea de poemas Hóstias de Sal e Paixão.
15
Graças as entrevistas feitas com César Teixeira, nos dias 2 de setembro de 2005 e 21 de janeiro de 2006, foi constatado o funcionamento do aparelho repressor militar dentro das terras maranhenses, assim como constatar sua grande produção dentro desse período e como ele denunciava as mazelas ocorridas no Brasil e no Maranhão dentro desse período.
Dessa forma, discutirei a história da produção musical no contexto repressor
instituído pela ditadura, ao mesmo tempo em que realizarei a contextualização, do ponto de
vista político, econômico, social e cultural, no plano internacional e nacional.
No primeiro capítulo, foi mencionado o processo que culminou com o golpe
militar, ao mesmo tempo que foram feitas pequenas considerações acerca do contexto político
brasileiro dentro do Regime Militar. No segundo capítulo foram realizadas considerações
sobre o funcionamento do aparelho repressor estatal dentro de um regime ditatorial. Enquanto
o capítulos três e quatro trazem as produções musicais realizadas em terras brasileiras, no eixo
Rio-São Paulo e Maranhão, analisando-as e mostrando-as como resistência dentro de uma
ordem ditatorial.
Assim, no próximo capítulo, discutirei o contexto histórico brasileiro durante as
décadas de 60 e 70.
1. 1111 “Quando a serpente deu o bote”: uma rápida consideração acerca do golpe de 64 e o
governo militar
Em 31 de março de 1964, João Goulart foi deposto por um golpe militar,
vinculado aos interesses do capital estrangeiro e de setores tradicionais brasileiros. Chegava
ao fim a tentativa de destruir as estruturas arcaicas e modernizar o capitalismo brasileiro,
estendendo os benefícios, também, às classes populares, no que ficou conhecido como
reformas de base.
1 TEIXEIRA, César. Tributo a Manoel da Conceição, 1982.
16
As reformas de base carregavam como bandeiras a reforma agrária, maiores
impostos sobre os ricos brasileiros, além de obrigar as multinacionais a investir a maior parte
de seus lucros, em vez de remeter ao exterior a milhões de dólares conseguidos nessas terras.
Antes da realização do golpe militar, partidos de oposição, como a União Democrática
Nacional (UDN) e o Partido Social Democrático (PSD), acusavam João Goulart de estar
planejando um golpe de esquerda e de ser o responsável pela carestia e pelo desabastecimento
que o Brasil enfrentava.
No dia 13 de março de 1964, João Goulart realiza um grande comício na Central do
Brasil, no Rio de Janeiro, onde defende as Reformas de Base. Neste plano, Jango, como era
conhecido, prometia mudanças radicais na estrutura agrária, econômica e educacional do país.
No início de 1964, o presidente encaminha ao Congresso um projeto de reforma
agrária e é derrotado. Através de mobilizações de massa tenta pressionar o Poder legislativo.
No comício de 13 de março, que reuniu cerca de 150 mil participantes, anuncia decretos
nacionalizando refinarias particulares de petróleo e desapropriando terras com mais de 100
hectares que ladeavam rodovias e ferrovias federais. (DEL PRIORE & VENÂNCIO, 2001, p
351)
Seis dias depois, em 19 de março, os conservadores organizam uma manifestação
contra as intenções de João Goulart. Foi a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, que
reuniu milhares de pessoas pelas ruas do centro da cidade de São Paulo. O clima de crise
política e as tensões sociais aumentavam a cada dia. No dia 31 de março de 1964, tropas de
Minas Gerais e São Paulo saem às ruas. Os militares tomam o poder.
Embora o embaixador norte-americano Lincoln Gordon tenha afirmado na época
que o golpe foi genuinamente brasileiro (“made in Brazil”), a participação da CIA (Agência
Central de Inteligência) na desarticulação do governo de João Goulart é uma questão
recorrente na historiografia acerca do assunto (GALEANO, 1970; TOLEDO, 1982; DEL
PRIORE E VENÂNCIO, 2001; PECEQUILO, 2003):
De fato, o golpe de 1964 pode ser acusado de muitas coisas, menos de ter sido uma
mera quartelada. Há muito tal intervenção era discutida em instituições, como a Escola
Superior de Guerra (ESG), criada em 1948, ou o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais
17
(IPES), fundado em 1962, por lideranças empresariais. Outro indício de que o golpe já vinha
sendo tramado há tempos ficou registrado nos documentos da operação “Brother Sam”,
através da qual se previa, caso houvesse resistência, que o governo norte-americano ‘doaria’
110 toneladas de armas e munições ao exército brasileiro (DEL PRIORE & VENÂNCIO,
2001).
Juntamente com Goulart, também foram desarticulados movimentos que se
juntavam às suas propostas, como as Ligas Camponesas, os Sindicatos Operários e a União
nacional dos Estudantes (UNE) e seus CPCs (Centros Populares de Cultura). Atraindo jovens
intelectuais, os CPCs tratavam de desenvolver uma atividade conscientizadora junto às classes
populares. Um novo tipo de artista, "revolucionário e conseqüente", ganhava forma.
Empolgados pelos ventos da efervescência política, os CPCs defendiam a opção pela "arte
revolucionária", definida como instrumento a serviço da revolução social, voltando-se
coletiva e didaticamente ao povo, retirando-lhe da alienação. Trabalhando o contato direto
com as massas, de onde extraíam seu maior interesse e vigor, encenavam peças em portas de
fábricas, favelas e sindicatos; publicavam cadernos de poesia vendidos a preços populares e
iniciavam a realização pioneira de filmes autofinanciados.
Chico Maranhão, em entrevista concedida para a realização dessa pesquisa,
enxerga no Golpe de 64 a participação norte-americana: “Diante do crescimento das
esquerdas brasileiras e da possibilidade da realização de reformas de caráter popular, o
Brasil tornou-se um ‘país perigoso’ para os anseios norte-americanos, que não poderiam
perder um grande mercado consumidor e um país ecologicamente rico” (janeiro de 2006)
Em 9 de abril, é decretado o Ato Institucional Número 1 (AI-1), fortalecendo o
Poder Executivo, dando-lhe a possibilidade de cassar mandatos e exonerar funcionários
públicos. No dia 15 de abril de 1964, o general Castello Branco é eleito, pelo Congresso
Nacional Brasileiro, presidente da República. Durante seu governo, vários parlamentares
federais e estaduais tiveram seus mandatos cassados, cidadãos tiveram seus direitos políticos e
constitucionais cancelados e os sindicatos receberam intervenção do governo militar
.
Ainda em 1964, foi criado o SNI (Serviço Nacional de Informações), órgão
composto por agentes que se infiltravam em universidades, repartições públicas, sindicatos,
escolas, com o objetivo de reprimir a oposição. Assim, não só as oposições dentro do governo
18
foram perseguidas, como toda e qualquer idéia que viesse se opor ao governo ou aos
tradicionais costumes.
No dia 27 de outubro foi lançado o AI-2, que aboliu os partidos existentes e
consolidou as eleições indiretas para presidente. Em 1966, foi baixado o AI-3, tornando
indiretas as eleições aos governos estaduais e municipais. Os chefes políticos da direita
conservadora brasileira foram retirados do poder político.
Foi instituído o bipartidarismo. Só estava autorizado o funcionamento de dois
partidos: Movimento Democrático Brasileiro (MDB) e a Aliança Renovadora Nacional
(ARENA ). Enquanto o primeiro era de oposição, de certa forma controlada, o segundo
representava os militares, ou seja, o partido “Sim, senhor” (ARENA) e do “Acho que
sim”(MDB).
Aprovada neste mesmo ano, a Constituição de 1967 confirma e institucionaliza o
regime militar e suas formas de atuação. Em 1967, assume a presidência o general Arthur da
Costa e Silva, após ser eleito indiretamente pelo Congresso Nacional. Seu governo é marcado
por protestos e manifestações sociais. A oposição ao regime militar cresce no país. A UNE
(União Nacional dos Estudantes) organiza, no Rio de Janeiro, a Passeata dos Cem Mil. Em
Contagem (MG) e Osasco (SP), greves de operários paralisam fábricas em protesto ao regime
militar.
No dia 13 de dezembro de 1968, o governo decreta o Ato Institucional Número 5
(AI-5). Este foi o mais duro do governo militar, pois aposentou juízes, cassou mandatos,
acabou com as garantias do habeas-corpus, o habeas-data e aumentou a repressão militar e
policial.
Na realidade, a coesão dos que se beneficiavam com o crescimento da produção
durante o regime militar (burguesia e capital estrangeiro) garantia, social e politicamente, o
endurecimento do regime. O desenvolvimento político estava subordinado à decretação do
AI-5. Dessa forma, havia uma espécie de acordo entre o Estado e a burguesia: ela abriria mão
dos controles políticos tradicionais (fechamento do Congresso, eleições diretas,
pluripartidarismo etc.) e de instrumentos como a liberdade de imprensa (censura em relação
aos meios de comunicação); o Estado, por seu lado, manteria a ordem e o crescimento da
19
produção do país a qualquer custo, assumindo os interesses dos empresários como se fossem
os de toda a nação (BRANDÃO & DUARTE,1990, pg.75)
Dois grupos de esquerda, O MR-8 e a ALN, seqüestram o embaixador dos EUA
Charles Elbrick. Os guerrilheiros exigem a libertação de 15 presos políticos, exigência
conseguida com sucesso. Porém, em 18 de setembro, o governo decreta a Lei de Segurança
Nacional. Esta lei decretava o exílio e a pena de morte em casos de "guerra psicológica
adversa, ou revolucionária, ou subversiva". Em 1969, a Junta Militar escolhe o novo
presidente: o general Emílio Garrastazu Médici. Seu governo é considerado o mais duro e
repressivo do período, conhecido como “anos de chumbo". A repressão à luta armada cresce e
uma severa política de censura é colocada em execução. Jornais, revistas, livros, peças de
teatro, filmes e outras formas de expressão artística são censuradas. (HYPERLINK,
http://www.suapesquisa.com/mpb ).
Muitos professores, políticos, músicos, artistas e escritores são investigados,
presos, torturados ou exilados do país. O DOI-Codi (Destacamento de Operações e
Informações e ao Centro de Operações de Defesa Interna) atua como centro de investigação e
repressão do governo militar. Ganha força no campo a guerrilha rural, principalmente no
Araguaia. A guerrilha do Araguaia é fortemente reprimida pelas forças militares.
No início da década de 70, o Brasil tinha uma população de 99.901.037
habitantes. Conforme revela o Oitavo Recenseamento Geral do Brasil: "5% de brasileiros
mais ricos que absorviam 27,3% da renda nacional em 1960, passam a arrecadar 36,3% em
1970 e os 50% mais pobres vêem reduzida sua participação na renda de 27,8% para 13,1%"
(IBGE, 1985).
Em 1974 assume a presidência o general Ernesto Geisel que começa um lento
processo de transição rumo à democracia. Seu governo coincide com o fim do milagre
econômico e com a insatisfação popular em altas taxas. A crise do petróleo e a recessão
mundial interferem na economia brasileira, no momento em que os créditos e empréstimos
internacionais diminuem. Geisel anuncia a abertura política lenta, gradual e segura. A
oposição política começa a ganhar espaço. Nas eleições de 1974, o MDB conquista 59% dos
votos para o Senado, 48% da Câmara dos Deputados e ganha a prefeitura da maioria das
grandes cidades.
20
Os militares de linha dura, não contentes com os caminhos do governo Geisel,
começam a promover ataques clandestinos aos membros da esquerda. Em 1975, o jornalista
Vladimir Herzog á assassinado nas dependências do DOI-Codi em São Paulo. Em janeiro de
1976, o operário Manuel Fiel Filho aparece morto em situação semelhante. Em 1978, Geisel
acaba com o AI-5, restaura o habeas-corpus e abre caminho para a volta da democracia no
Brasil.
A vitória do MDB nas eleições em 1978 começa a acelerar o processo de
redemocratização. O general João Baptista Figueiredo decreta a Lei da Anistia, concedendo o
direito de retorno ao Brasil para os políticos, artistas e demais brasileiros exilados e
condenados por crimes políticos. Os militares de linha dura continuam com a repressão
clandestina. Cartas-bomba são colocadas em órgãos da imprensa e da OAB (Ordem dos
advogados do Brasil). No dia 30 de Abril de 1981, uma bomba explode durante um show no
centro de convenções do Rio Centro. O atentado fora provavelmente promovido por militares
de linha dura, embora até hoje nada tenha sido provado.
2 Estado, cultura e censura
A ligação entre Estado e cultura não é uma exclusividade do regime militar em
terras brasileiras. Já na década de 30, pode ser vista com grande nitidez, pois com a
instauração do Estado Novo, o aparelho estatal passa a ter um controle mais efetivo sobre as
instituições e manifestações culturais, com a criação do serviço Nacional de Teatro, da
Revista Cultura e Política, ou ainda, com o advento do grande aparelho de censura durante o
governo de Getúlio Vargas, o DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda): “No Estado de
Segurança Nacional, não apenas o poder conferido pela cultura não é reprimido, mas é
desenvolvido e plenamente utilizado. A única condição é que esse poder seja submisso ao
Poder Nacional, com vistas à Segurança Nacional.”(COMBLIN, 1980, p..239).
É interessante ressaltar que o Estado Autoritário Brasileiro, nos tempos de Getúlio
ou dos generais, não é um destruidor de manifestações culturais apenas. É, na verdade, um
disseminador, mas de uma cultura catalisada e projetada por ele. No regime militar, por
21
exemplo, nascem os best-sellers, crescem as indústrias de disco, surgem verdadeiros
“impérios” da comunicação em massa, como a TV Globo e a Editora Abril. É nesse momento
também, mais aproximadamente entre os anos de 1975 e 1976, que o Brasil torna-se o quinto
maior produtor de filmes no mercado mundial. O Estado Brasileiro, através da
EMBRAFILME, impõe a ampliação da quota de exibição de filmes brasileiros para 112 dias
ao ano, nos cinemas: “O filme é uma arte, o cinema uma indústria” (INC, 1967).
Com a criação do INC (Instituto Nacional de Cultura), o Estado Militar Brasileiro,
através de órgãos, como a EMBRAFILME, cria um direcionamento dentro dessa indústria
cultural, ou seja, ao invés de simplesmente reprimir, o governo passa a colaborar com a
expansão do entretenimento desvinculado da realidade política. João G. Aragão, Secretário
Geral do MEC, em palestra proferida no ano de 1979 nos dá uma dimensão da política
cultural em vigência: “Acredito que o estabelecimento de uma política cultural conduzirá a
um equilíbrio entre valor econômico e valor social através do eixo cultural. Cultura não é
luxo, logo não pode ser classificada como não utilitária e não rentável”
Podemos observar que enquanto a ditadura era beneficiada pelo crescimento
econômico, chamado de “milagre brasileiro”, pautado na entrada maciça de capital
estrangeiro, os meios de comunicação eram inundados com os slogans como “Brasil, ame-o
ou deixe-o”, “Ninguém segura este país” ou “Este é um país que vai pra frente”. A conquista
do tricampeonato Mundial em 1970 contribuiu em muito para o clima ufanista, expresso nas
canções abaixo citadas:
Pra Frente Brasil (Miguel Gustavo, 1970)
Noventa milhões em ação
Pra frente Brasil do meu coração
Todos juntos vamos
Pra Frente Brasil
Salve a seleção
De repente é aquela corrente ...
Eu te amo, meu Brasil ( Dom e Ravel, 1971)
22
Eu te amo, meu Brasil, eu te amo
Meu coração é verde, amarelo, branco, azul anil
Eu te amo, meu Brasil, eu te amo
Ninguém segura a juventude do Brasil...
Porém, também é importante saber que o regime instituído a partir do golpe de 64
exerceu um controle bem maior, dentro do contexto cultural brasileiro, já que o crescimento
da classe média e a maior concentração das pessoas em centros urbanos criam um espaço
cultural formado por um público muito maior do que os anos anteriores. A censura e a
repressão tentaram conter as manifestações culturais contrárias ao regime instituído pelos
militares. Em relação ao papel exercido pela censura dentro do contexto cultural brasileiro,
Chico Maranhão diz o seguinte: “O que a censura quer é calar o artista, ela tentou calar o
artista, calar tudo o que vinha contrariar o status quo. Me sentei várias vezes diante de
censores em vão, não liberaram minhas músicas” (10 de janeiro de 2006)
O Jornal “O Estado de São Paulo”, em 30 de janeiro de 2005, traz uma interessante
reportagem sobre a censura dentro do contexto ditatorial brasileiro, fazendo uso de entrevista
com uma ex-técnica de censura dos anos 70, a senhora Odette Martins Lanziotti, que na época
tinha como função a leitura de dezenas de letras de músicas todos os dias e decidia pela
aprovação ou não das composições. Criações de Milton Nascimento e Gilberto Gil, entre
muitas outras, passaram por sua avaliação:
Não tem aí uma música chamada Dois homens? Sou louca para encontrar essa música. Era uma letra muito inteligente, bem elaborada, mas eu sentia algo que não podia aprovar. Li de cima para baixo, de baixo para cima e demorei muito a descobrir o que era. Não me lembro dos versos, mas fazia apologia a dois homens juntos. Nunca mais vi esta música.
Em outra passagem, segue narrando sua atuação como censora: Muitas vezes, a gente reprovava a música, mas se sentia como se estivesse se prostituindo, porque não concordava com aquilo. Mas os censores tinham de ter o máximo de cuidado. Recebíamos muitas orientações que deviam ser seguidas. Quem aprovasse uma música que depois fosse reprovada em Brasília tinha de responder a processo interno (Odette Lanziotti, 85 anos, aposentada da Polícia Federal desde 1980) .
Certa vez aprovou uma letra que falava em ‘tempo de murici’. Lembrou-se do dito
popular “em tempo de murici, cada um cuida de si” e não viu problema na composição: “Fui
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criada ouvindo o ditado, nem sabia que tinha um general Muricy (Antônio Carlos Muricy, um
dos líderes do golpe militar de 1964). Mas respondi a processo e me defendi. Tive colegas
que foram transferidos de cidade porque aprovaram letras que não deveriam ser liberadas.”
(Odete Lanziotti)
A pressão do regime militar contra a resistência cultural intensificou-se não só
sobre a música (embora tivesse mais destaque), também se deu sobre outras manifestações,
exarcebando-se também, a partir de 1965, sobre o teatro, começando com freqüentes cortes
em peças. Já em março a censura proibia pela primeira vez uma peça inteira: O vigário, de
Rolf Hochhuth, montada no Rio. Em julho do mesmo ano ocorreu também a primeira
proibição de um espetáculo antes mesmo da estréia: O berço do herói, de Dias Gomes.
Liberdade, liberdade, de Millôr Fernandes e Flávio Rangel sofreu 25 cortes em sua estréia
paulistana
Mas, como já falado, o regime militar não fez uso apenas da censura, também fez
uso da repressão. Para se ter uma idéia, o elenco de Roda viva, de Chico Buarque foi agredido
em Porto Alegre, e a censura terminou por interditar o espetáculo. No fim da década, a
repressão cultural, à sombra do AI-5, extremou-se a tal ponto que algumas peças passaram a
ser proibidas em todo o território nacional antes mesmo da estréia. Foi o que ocorreu, por
exemplo, com Abajur lilás, de Plínio Marcos, e Calabar, de Ruy Guerra e Chico Buarque. Ao
mesmo tempo, a repressão deu-se com uma voracidade maior sobre a música, fazendo uso da
violência, das prisões e dos exílios, com intuito de calar as vozes de parte dos cantores
brasileiros. (PROVASEPROVAS.COM.BR, 10 de janeiro de 2006)
O último recurso do poder é a utilização da violência. Não se torna necessário o
uso constante da violência, basta que exista a ameaça de sua utilização, ou seja, há a
possibilidade de seu exercício a qualquer hora, em qualquer lugar. Ao mesmo tempo, o
indivíduo não possui a certeza de não estar praticando “delitos”, ou, se, conseqüentemente,
pode ser detido, ou desaparecido. Assim, a sociedade passa a ter como grande certeza a
existência da violência, fortalecida pelas prisões, desaparecimentos, ou ainda, como fazia a
polícia chilena, dentro de seu regime ditatorial, ao pegar qualquer indivíduo dentro de sua
residência e colocá-lo dentro da viatura para ser mostrado pelas ruas do bairro, e, logo em
seguida, deixá-lo em casa, reforçando assim o caráter de vigilância e a angústia da sociedade
.
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Chico Buarque, fazendo uso do pseudônimo “Julinho da Adelaide”, deixa clara a
constante angústia de viver sob um regime ditatorial, ao criar em 1973 a música “Acorda
amor”: “Acorda amor/Eu tive um pesadelo agora/Sonhei que tinha gente lá fora/Batendo no
portão, que aflição/Era a dura, numa muito escura viatura / Minha nossa santa criatura/
Chame, chame, chame lá/Chame, chame o ladrão, chame o ladrão”
Vivendo em uma época que vê o regime ditatorial legitimado por uma
Constituição e pela promulgação de uma Lei de Segurança Nacional que levará civis a
enfrentarem cortes marciais, a repressão toma conta do cotidiano brasileiro, inclusive na hora
do sono. Ao mencionar “eu tive um pesadelo agora”, Chico Buarque torna evidente que os
abusos ditatoriais estão presentes até no subconsciente de cada brasileiro na época: Acorda
amor / Tem gente já no vão de escada / Fazendo confusão, que aflição / São os homens / E eu
aqui parado de pijama / Eu não gosto de passar vexame/ Chame, chame, chame / Chame o
ladrão, chame o ladrão.
Já nessa estrofe, o pesadelo transforma-se em realidade, já que realmente fazia
parte da realidade ditatorial o uso da repressão. Ao mesmo tempo, a partir desse trecho
observamos que a invasão policial não tem justificativa clara, como era muito comum na
época, não existindo, inclusive, a necessidade de mandados judiciais para que prisões fossem
efetivadas. Além disso, a frase “chame o ladrão” dá indício de que um ladrão deveria ser
preso por essa operação policial, e não uma pessoa inocente: “Se eu demorar uns meses /
Convém, às vezes, você sofrer / Mas depois de um ano eu não vindo / Ponha a roupa de
domingo / E pode me esquecer / Acorda amor / Que o bicho é brabo e não sossega / Se você
corre o bicho pega / Se fica não sei não / Atenção / Não demora/ Dia desses chega a sua hora
/ Não discuta à toa não reclame / Clame, chame lá, chame, chame, chame o ladrão, chame o
ladrão, chame o ladrão / (Não esqueça a escova, o sabonete e o violão)”.
Nessas duas últimas estrofes da música podemos verificar a força da repressão,
“Que o bicho é brabo e não sossega” e “Não discuta à toa, não reclame”.Também, os
desaparecimentos, que foram constantes, são denunciados na frase “Mas depois de um ano eu
não vindo / Ponha a roupa de domingo”
Dentro de uma ordem ditatorial, o uso da violência exercida pelo órgão estatal tem
uma representação, tanto para aquele que sofre, quanto para o restante da sociedade, conforme
25
nos explica Ximena Barraza. No fundo, a tortura é a encarnação de legalidade autoritária. A
lei é ditada sob a forma de castigo. Como no relato de Kafka sobre a colônia penitenciária,
publica-se a lei gravada na pele do culpado. Não é necessário comunicar-lhe sua sentença, já
que vai conhecer no próprio corpo. O corpo é o espaço onde se generaliza a norma abstrata. A
tortura dá a conhecer a norma, para que o corpo sirva de memória. O torturado testemunha
com sua vida a perpetuidade da lei. É a testemunha da existência da ordem (BARRAZA,
págs. 148 e 149).
É importante mencionar o exemplo dado por Ximena Barraza de um indivíduo
preso durante o regime ditatorial chileno. Segundo ele, ao ser detido, um dos policiais atirou
contra ele, atingindo seu tórax. Assim mesmo, continuou sendo interrogado e torturado, mas,
diante de sua debilidade, foi conduzido a um hospital. Enquanto recebia tratamento médico,
interrogatórios e torturas continuavam. Seu tratamento médico tinha como principal objetivo
fazer com que sentisse melhor a tortura:
O segredo principal do governo consiste em debilitar o espírito público, até o
ponto de desinteressá-lo por completo das idéias e princípios com que se costuma construir as
revoluções. Em todos os tempos, tanto os povos como os indivíduos, contentam-se com
palavras. Quase invariavelmente, bastam-lhes a aparências; não pedem mais. É possível então
criar instituições fictícias que correspondam a idéias e a uma linguagem igualmente fictícia.
(BARRAZA, 1980, p. 142 e 143).
3. A Música Brasileira
A expansão da música popular brasileira se deve ao processo de urbanização de
nossa população, e conseqüentemente, ao crescimento do prestígio do carnaval, festa popular
e urbana. Porém, é com o aparecimento do rádio que o consumo da música brasileira chega a
uma grande parcela da população, pois a colocou a disposição de todos aqueles que não
possuíam o aparelho para rodar o disco.
O disco teve o objetivo de criar as bases do mercado para a produção musical,
sendo mais consumido do que o livro desde os seus primeiros anos, mas é o rádio que dá à
música dimensões gigantescas. Esse mercado musical tem suas dimensões ampliadas também
pela televisão, que inaugurada por Assis Chateaubriand, em 1950, torna-se bastante popular
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na década de 60, juntando-se ao rádio nesse processo de difusão: “(...) cedo ficou constatado
que música, além de arte é mercadoria, precisava receber determinado tratamento, adequado à
sua colocação no mercado; não é de surpreender que o teor artístico tenha cedido lugar ao teor
mercantil” (SODRÉ, 1983).
Os festivais da canção, produzidos pelas principais emissoras de TV na segunda
metade dos anos 60, com grande “teor mercantil”, têm como saldo uma nova geração de
artistas e uma reestruturação da música popular. Por conta do agravamento da repressão
política e da censura, o final da década é acompanhado pelo nascimento em terras brasileiras
da canção de protesto.“E festival com vaia é o que mais faz vender”, observou Ismael Correia
(apud SODRÉ, 1983) , empresário de alguns músicos brasileiros nas décadas de 60 e 70.
Os festivais começam a ser vistos como elemento representativo da escolha
popular. Às medidas proibitivas de participação em debates públicos, agremiações e eleições,
a juventude respondia cantando e consagrando seus eleitos, investidos da consciência dos
valores comuns e das aspirações coletivas.
Chico Maranhão explica a marcante presença estudantil nos festivais e,
conseqüentemente, nos embates políticos dentro do regime ao falar:
Dentro do processo de evolução do capitalismo, o desejo pela revolução sai da cabeça dos operários e chega à classe estudantil, à classe média, como muito bem fala Marcuse, filósofo que influenciou profundamente a universidade brasileira dentro desse período, sendo, inclusive, sua leitura proibida dentro do regime ditatorial. (JANEIRO, 2006).
Em 1968, a juventude do mundo se rebela em vários cantos e continentes. Em
Praga os jovens se rebelam contra um governo autoritário de esquerda, nos EUA contra a
Guerra do Vietnã, na França contra o presidente De Gaulle, nem o governo moderado alemão
escapa a ira dos estudantes. No Brasil, o movimento estudantil tem como alvo a ditadura
militar:
As leituras de Marcuse influenciaram muitas cabeças pensantes do Brasil, principalmente nessa região de São Paulo e Rio de Janeiro. Há um encontro, uma adequação muito grande da idéia de Marcuse com a América Latina nesse momento, quando ele... a idéia dele era essa... era mostrar que estava vindo uma mudança do capital, da maneira de encarar o capital... de que o núcleo da revolução, ou da evolução (É bem melhor assim!) sai do âmbito do operário e passa pro universitário, passa prá dentro da universidade. Isso é uma mudança filosófica muito importante no meu tempo, e o Marcuse quando escreve isso, quando tomamos consciência disso, isso transforma muito a vida universitária
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brasileira. Dentro da Europa isso parece bastante claro diante das manifestações estudantis. O que acontece na França, por exemplo, as revoltas estudantis. Tudo isso, de certa forma, influencia os estudantes brasileiros (Chico Maranhão, janeiro de 2006)
Herbert Marcuse , autor de Eros e Civilização, foi um dos integrantes da Escola de
Frankfurt. herdeiro de uma tradição marxista, proclama sua descrença num processo
revolucionário organizado por operários, dando aos estudantes o papel de organizadores da
dialética histórica. Viriato Gaspar, poeta maranhense, também nos dá noção das
transformações ocorridas no mundo nessa época ao criar “Salmo 70”.
SALMO 70
Música: Cesar Teixeira
Letra: Viriato Gaspar
Salve a bomba explodindo na porta!/ Salve os carros que esmagam meu pranto/ contra o
asfalto molhado da lua./ Salve o negro que o branco elimina/ pra chegar mais depressa no
espaço/ e o seu sangue escorrendo na rua./ Salve o laboratório onde eu compro/ o bebê que
você não gerou!/ Salve a guerra de 30 e a pílula./ Ave, você, gratia plena, amor,/ miserere
nobis, aleluia,/ dominus tecum, aleluia!/ Salve a hora de vida que resta/ Para Cristo correndo
na praça/ Num foguete de mil megatons./ Salve o pão de suor e desgosto/ e o Vietnã
explodindo em meu rosto,/ e esse jato que chupa meu sangue!/ Ave, você, gratia plena, amor,
miserere nobis, aleluia,/ dominus tecum, aleluia!/ Salve o hoje que eu tenho em meus dedos
pra encher de futuro e de amor/ e fazer o amanhã que virá./ Salve o lindo pendão do teu
corpo
desfraldado de noite em meus braços,/ e esse amor que me rói como um câncer!/ Ave, você,
gratia plena, amor,/ miserere nobis, aleluia,/ dominus tecum, aleluia!
Parte das transformações ocorridas no mundo entre as décadas de 60 e 70 são
claramente observadas nessa letra. Os trechos “Salve o laboratório /onde eu compro o bebê
que você não gerou!” e “Salve a guerra de 30 e a pílula” dizem respeito aos bebês de proveta
e a pílula anticoncepcional. Ou ainda, “Num foguete de mil megatons” nos remete às viagens
espaciais humanas realizadas nesse período, daí o nome “Salmo 70”, em relação à década de
70.
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A relação música e história atinge sua maior intensidade nos anos 60 e 70, quando
boa parte do mundo vive um período de agitações sociais e políticas, em particular no Brasil,
um país regido por uma ditadura militar desde 1964. Segundo Caetano Veloso, em seu livro
“Verdade Tropical”, a grande efervescência cultural dentro das terras brasileiras está
associada ao fato de que, “naquele momento, os artistas brasileiros possuírem um inimigo
comum: o regime militar”.(VELOSO, 1997, p. 178)
Porém, o cantor e compositor maranhense Chico Maranhão acaba expandindo essa
explicação ao se referir ao momento que o mundo passava, não dando à situação interna
vivenciada no Brasil como única explicação.
É necessário observar a situação mundial para entender a riqueza cultural vivida pelo Brasil numa época conduzida pela ditadura militar. O mundo vê Beatles e Elvis Prersley disseminando liberdade, e o Brasil também, embora esteja vivendo uma ditadura militar. A sensualidade presente na presença de palco de Elvis e os Beatles cantando suas vontades ou debochando da rainha são veículos da liberdade. Há também nesse uma questão muito forte, que é da abertura do sexo. A questão do tóxico também, nessa mesma época, experimentar as coisas proibidas é muito forte.Então, o mundo passa a si abrir dentro desse período, de 50 para 60. Nós somos filhos de um processo mundial, de um processo muito mais amplo. (JANEIRO, 2006)
No cenário interno, Chico Maranhão vê antes mesmo do golpe militar um terreno
extremamente fértil para a evidência cultural brasileira:
É um momento espetacular evidenciado no Brasil dentro desse período. O Brasil vinha de um movimento, de um crescimento, de um progresso muito grande que tem origem ... que tem exemplar situação na fundação de Brasília. O Brasil vivia uma mudança muito grande nesse período, e havia o progresso ‘boiando no ar” com a questão de Brasília, com um presidente... um democrata de posições progressistas. E o Brasil vinha de um movimento muito forte nesse sentido, de 50 prá cá. E isso vem estourando, vem se confirmando exatamente no período de 62, 63 até 70. (Chico Maranhão, janeiro de 2006)
Compositores e intérpretes de todo Brasil chegam a São Paulo e Rio de Janeiro, os
dois maiores centros urbanos brasileiros. A heterogeneidade da música brasileira torna-se
latente nesse período, incorporando uma série de elementos essencialmente regionais. O
reconhecimento por parte do público de cantores e compositores como Djavan, Fafá de
Belém, Belchior e Fagner, acaba confirmando isso. Sobre o papel exercido pelos artistas em
relação ao povo brasileiro, Chico Maranhão fala: “É de suma necessidade salientar que quem
realizava a principal ponte das novas idéias que se expandiam pelo mundo e o povo
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brasileiro, em especial os estudantes, eram os artistas”.
Como já dito, nesse momento a música brasileira vive um grande momento de
criatividade. A bossa nova (desde a década de 50), a música de protesto, a Jovem Guarda
(Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Vanderléia) e o Tropicalismo de Tom Zé, Caetano Veloso,
Gilberto Gil, Torquato Neto que sintetizava toda essa mudança.
3.1 - 2“Em caras de presidentes. Em grande beijos de amor. Em dentes, pernas,
bandeiras. Bomba e Brigitte Bardot”:O Tropicalismo
“Nós sabíamos que grande parte da MPB reagiria mal ao que estávamos
fazendo. Edu Lobo, Francis Hime, Wanda Sá, Dori, Sérgio Ricardo, e, mais que todos,
Geraldo Vandré, mostravam-se meio irritados, meio decepcionados conosco” (VELOSO,
1997, p.230). Desobedecendo ao embate MPB versus Jovem Guarda (iê-iê-iê), fazendo uso,
inclusive, de elementos presentes nas duas facções, com influências externas declaradas,
nasce o Tropicalismo, que segundo Gilberto Gil, fez uso de “uma música mais comercial com
intuito de veicular idéias revolucionárias”. (VELOSO, 1997, p.172)
Chico Maranhão, em relação às contribuições culturais estrangeiras sobre o meio
artístico brasileiro, afirma que :
Não que esses artistas dos Estados Unidos e da Inglaterra sejam colonizadores, ao contrário, eles vem propor liberdade. E isso é fascinante pra qualquer país, ou pra qualquer grupo social que está reprimido... Liberdade é um sentimento que todos querem , e isso invade o Brasil também. É por aí que entra o Tropicalismo, é nessa linha que o tropicalismo se desenvolve. (Chico Maranhão, janeiro, 2006)
O manifesto tropicalista nasce com o lançamento do disco “Tropicália ou Panis et
circenses”, em 1968, tendo as participações de Nara Leão, Tom Zé, Caetano Veloso, Gil, Gal,
Mutantes e Duprat. Mas, antes disso, o tropicalismo já se anunciava no festival da Record de
1967, quando Caetano cantou “Alegria, alegria”, acompanhado do conjunto argentino os Beat
Boys. Na ocasião, introduziu na sua performance as guitarras, deixando clara a influência do
neo-rock’n roll inglês, o que os nacionalistas da MPB mais odiavam.
2 VELOSO, Caetano. Alegria, Alegria, 1968.
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O nome “Alegria, alegria” faz referência a um bordão utilizado por Chacrinha e
traz pela primeira vez a palavra “Coca-cola” dentro de uma música brasileira, algo ousado até
para os cantores da Jovem Guarda.
ALEGRIA, ALEGRIA
Caetano Veloso
Caminhando contra o vento / Sem lenço, sem documento / No sol de quase dezembro/Eu vou /
O sol se reparte em crimes / Espaçonaves, guerrilhas / Em Cardinales bonitas/Eu vou /Em
caras de presidentes / Em grande beijos de amor / Em dentes, pernas, bandeiras/Bomba e
Brigitte Bardot / O sol nas bancas de revista / Me enche de alegria e preguiça/Quem já tanta
notícia? / Eu vou / Por entre fotos e nomes / Os olhos cheios de cores/ O peito cheio de
amores / Vãos / Eu vou / Por que não? Por que não?/ Ela pensa em casamento/ E eu nunca
mais fui à escola/ Sem lenço, sem documento/ Eu vou / Eu tomo uma coca-cola / Ela pensa
em casamento/ E uma canção me consola/ Eu vou/ Por entre fotos e nomes/ Sem livros e sem
fuzil/ Sem fome, sem telefone/ No coração do Brasil/ Ela sem sabe – até pensei/ Em cantar na
televisão/ O sol é tão bonito/ Eu vou.
O historiador Enor Paiano, em seu livro “Tropicalismo: bananas ao vento”, levanta
algumas possibilidades acerca da interpretação da música “Tropicália”, de Caetano Veloso:
“Sobre a cabeça os aviões/ Sob os meus pés, os caminhões/ Aponta contra os
chapadões, meu nariz”.
A palavra “chapadões’, presente nessa primeira estrofe, nos remete à região
centro-oeste, mais precisamente Brasília, o centro das decisões políticas brasileiras,
evidenciada mais ainda na segunda estrofe:“Eu organizo o movimento/ Eu oriento o carnaval/
Eu inauguro o monumento/No planalto central do pais”.
Os verbos na primeira pessoa, segundo Enor Paiano, nos remetem ao que se
passava na cabeça de parte dos jovens da época, que se achavam possuidores do poder de
transformar. Porém, logo na segunda frase, nota-se uma característica marcante do
Tropicalismo, o ato de equiparar elementos antagônicos, no caso “movimento” e “carnaval”, o
comprometimento em mudar e a atitude lúdica (descompromissada com a situação). “Viva a
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bossa, sa, sa, Viva a palhoça, ça, ça, ça, ça”. O antagônico novamente está presente na
continuação da música.
A bossa nova, feita de elementos modernos e consumida pela classe média,
convive dentro da música com “palhoça”, palavra que de imediato nos remete ao
ultrapassado, a camada pobre do interior brasileiro: “O monumento é de papel crepom e
prata. Os olhos verdes da mulata / A cabeleira esconde atrás da verde mata/O luar do
sertão”.
O carnaval continua a ser mencionada na primeira frase, mas, agora, acompanhado
com elementos da nossa literatura romântica, na figura da mulata e de sua cabeleira, além da
verde mata: “O monumento não tem porta/ A entrada é uma rua antiga,/ Estreita e torta/ E
no joelho uma criança sorridente,/ Feia e morta/ Estende a mão”.
O lado lúdico, referente ao carnaval, e a natureza são abandonados para a
constatação da miséria.
“Viva a mata, ta, ta/ Viva a mulata, ta, ta, ta, ta/ No pátio interno há uma piscina
Com água azul de Amaralina/ Coqueiro, brisa e fala nordestina/ E faróis/ Na mão direita tem
uma roseira/ Autenticando eterna primavera/ E no jardim os urubus passeiam/ A tarde inteira
entre os girassóis”. Essa estrofe nos aponta que a realidade sempre é vista como positiva, uma
verdadeira “eterna primavera”, proclamada por aqueles que ocupam o poder, ou seja, a direita
brasileira, evidenciada na frase “na mão direita tem uma roseira”.Além disso, a estrofe faz
referência aos militares, que na época eram chamados de urubus:
“Viva Maria, ia, ia/ Viva a Bahia, ia, ia, ia, ia/ No pulso esquerdo o bang-bang/
Em suas veias corre muito pouco sangue/ Mas seu coração/ Balança a um samba de
tamborim”.A esquerda brasileira, direcionada a guerrilha, daí “bang-bang”, é mencionada
nesse trecho da música, sendo que sua principal preocupação, a defesa do que é nacional, é
enfocada na frase “mas seu coração balança a um samba de tamborim”
“Emite acordes dissonantes / Pelos cinco mil alto-falantes/ Senhoras e senhores
Ele põe os olhos grandes sobre mim”. Assim como poderia estar falando de João Gilberto,
poderia muito bem estar falando do clima de vigilância e medo existente naquele momento.
32
Na contracapa do disco “Tropicália ou Panis et Circenses”, dedicado a João Gilberto, Caetano
escreve: “Os acordes dissonantes já não bastam para cobrir nossas vergonhas, nossa timidez
transatlântica”.
“Viva Iracema, ma, ma/ Viva Ipanema, ma, ma, ma, ma/ Domingo é o fino-da-
bossa/ Segunda-feira está na fossa/ Terça-feira vai à roça/ Porém, o monumento/ bem
moderno/ Não disse nada do modelo/ Do meu terno/ Que tudo mais vá pro inferno, meu bem/
Que tudo mais vá pro inferno, meu bem/Viva a banda, da, da”. Nas últimas estrofes da
música, elementos antagônicos voltam a ser envolvidos. Como exemplo, o “Fino da bossa”,
programa apresentado por Elis Regina, que reunia grandes nomes da MPB, tem como
companhia a célebre frase de Roberto Carlos “que tudo mais vá pro inferno”, ligando dentro
do mesmo espaço as distintas MPB e a Jovem Guarda..
O termo “Tropicália”, segundo Enor Paiano, foi sugerido por um amigo ao ouvir a
canção, já que se identificava com uma obra do artista plástico Hélio Oiticica, que consistia
num labirinto de paredes de madeira, com areia no chão para ser pisada sem sapatos, ladeado
de plantas tropicais, indo dar, ao fim, num aparelho de televisão ligado.
A Tropicália se aproxima de Oswald de Andrade diante da idéia de antropofagia
cultural (canibalismo cultural), que consistia em devorar elementos culturais estrangeiros,
criando a partir disso, objetos associados a cultura brasileira, uma verdadeira neo-
antropofagia. Os tropicalistas estavam mais sintonizados com o que ocorria lá fora, onde os
ativistas buscavam a derrubada de todas as estruturas sob a bandeira de sexo, drogas e rock-
‘n’-roll, com jeans desbotados e pés descalços: era o início do movimento hippie.
3.2 3“Vem vamos embora que esperar não é saber. Quem sabe faz a hora não espera
acontecer”: A música de protesto
A época é marcada por uma série de debates em torno do papel que artistas e
intelectuais poderiam e deveriam exercer enquanto cidadãos que também sofriam os reflexos
das medidas sufocadoras tomadas contra a nação, e não apenas meros denunciadores dessas
3 VANDRÉ, Geraldo. Pra não dizer que não falei das flores, 1968.
33
medidas. E, principalmente, Geraldo Vandré e Chico Buarque destacam-se dentro dessa
proposta da música popular brasileira.
Chico Buarque torna-se o grande nome da música politizada, através de metáforas,
consegue driblar a censura como nas canções “Apesar de você”, “Samba de Orly”, “Meu Caro
Amigo’’ e Cálice. A censura passa a ser implacável com o compositor, este usa o fictício
Julinho da Adelaide, para fugir da censura como ocorre nas músicas “Acorda, amor” e “Jorge
Maravilha”.
APESAR DE VOCÊ
Chico Buarque
Hoje você é quem manda/ Falou, tá falado/ Não tem discussão, não/ A minha gente hoje
anda/Falando de lado e olhando pro chão./ Viu?/ Você que inventou esse Estado/ Inventou de
inventar/ Toda escuridão/ Você que inventou o pecado/ Esqueceu-se de inventar o perdão./
Apesar de você/ amanhã há de ser outro dia./ Eu pergunto a você onde vai se esconder/ Da
enorme euforia?/ Como vai proibir/ Quando o galo insistir em cantar?/Agua nova brotando/
E a gente se amando sem parar./ Quando chegar o momento/ Esse meu sofrimento/ Vou
cobrar com juros. Juro!/ Todo esse amor reprimido/Esse grito contido,/ Esse samba no
escuro./ Você que inventou a tristeza/ Ora tenha a fineza/ de “desinventar”./ Você vai pagar,
e é dobrado,/ Cada lágrima rolada/Nesse meu penar./ Apesar de você/ Amanhã há de ser
outro dia./ Ainda pago pra ver/O jardim florescer/ Qual você não queria./ Você vai se
amargar/ Vendo o dia raiar/Sem lhe pedir licença./ E eu vou morrer de rir/ E esse dia há de
vir/ antes do que você pensa/Apesar de você/ Apesar de você/ Amanhã há de ser outro dia./
Você vai ter que ver/ A manhã renascer/ E esbanjar poesia./ Como vai se explicar/ Vendo o
céu clarear, de repente,/ Impunemente?/ Como vai abafar/ Nosso coro a cantar,/ Na sua
frente. Apesar de você/ Apesar de você/ Amanhã há de ser outro dia./ Você vai se dar mal, etc
e tal,/ La, laiá, la laiá, la laiá…….
Nessa letra, Chico Buarque faz uso da descrição de vários fatos, utilizando-se de
uma linguagem puramente metafórica, com uma série de técnicas argumentativas para
despistar os censores e alertar o povo da situação na qual vivia o nosso país. Na letra dessa
música existem diversos mecanismos argumentativos implícitos, mas que se tornam explícitos
no momento em que o auditório toma consciência do conteúdo.
34
A letra intitulada “Apesar de você” demonstra de forma clara a vontade do
compositor, no caso Chico Buarque, expor sua indignação frente a essa “pessoa” que sabemos
ser o regime militar, que naquele momento não permite, entre outras coisas, que as coisas
aconteçam na sua ordem natural como no trecho em que faz uma analogia para ilustrar essa
idéia “Como vai proibir quando o galo insistir em cantar” ou “como vai se amargar vendo o
dia raiar, sem lhe pedir licença”. A analogia se faz presente, pois não é possível que alguém se
zangue porque o galo cantou, e o dia não pedirá licença para nascer, assim como as pessoas
não deixarão de ter suas opiniões somente porque é lei se calar diante dos fatos.
Em toda as estrofes da música aparece o refrão: “Apesar de você amanhã há de ser
outro dia” ou seja, apesar de tudo que a ditadura fez, torturando e matando quem se opusesse
a ela, chegou o momento da democracia. E esse desejo pela democracia não aparece de forma
explícita em meio a letra, porém está inserida na música, fazendo uso de figuras de
linguagem; “Ainda pago pra ver o jardim florescer qual você não queria”, “Você vai ter que
ver o jardim florescer e esbanjar poesia”.
Com relação aos valores, podemos destacar nesse trecho a referência a liberdade
primeiro trecho da letra; “Hoje você é quem manda, falou tá falado, não tem discussão”.
Diante da presença da frase “falou tá falado”, para indicar que o que era dito pelos militares
era lei e não havia a possibilidade de contestação por parte do povo, ou seja, os valores são
invertidos, “a frase falou tá falado” deve apresentar um valor inverso ao que é colocado na
música, o povo deve perceber que não se deve calar diante das ordens da ditadura e mudar o
sentido de “Hoje você é quem manda falou tá falado”.
Em julho de 1966, Geraldo Vandré e Fernando Lona vencem o II Festival
Nacional de MPB, da TV Excelsior, São Paulo, com a música "Porta-estandarte". O
chamamento ao cantar, ("Desce teu rancho cantando/Essa tua esperança sem fim/Deixa que a
tua certeza/ Se faça do povo a canção/ Pra que teu povo cantando/O teu canto ele não seja em
vão"), reflete a crença de que "as dores e tristezas um dia ainda vão findar", sendo essa a
bandeira do poeta, transformado agora em porta-estandarte: o cantar como esperança para o
difícil momento vivido pelo país após a instalação do golpe militar.
PORTA-ESTANDARTE
Geraldo Vandré e Fernando Lona
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Olha que a vida tão linda se perde em tristezas assim/ Desce o teu rancho cantando essa tua
esperança sem fim/ Deixa que a tua certeza se faça do povo a canção/ Pra que teu povo
cantando teu canto/ Ele não seja em vão/ Eu vou levando a minha / Cantando e canto sim/ E
não cantava se não fosse / Levando pra quem me ouvir/ Certezas e esperanças pra trocar/
Por dores e tristezas que bem sei/ Um dia ainda vão findar/ Um dia que vem vindo/ E que eu
vivo pra cantar/ Na avenida girando, estandarte na mão.
Em outubro do mesmo ano tem início o Festival da MPB da TV Record, de São
Paulo que teve duas músicas vencedoras: "A banda", de Chico Buarque de Hollanda e
"Disparada", de Geraldo Vandré, por exigência do público assistente.
"Porque gado a gente marca/Tange, ferra, engorda e mata/Mas com gente é
diferente", o compositor denuncia injustiças e as grandes diferenças sociais em terras
brasileiras. Ao mesmo tempo, o poeta faz referência a violência utilizada pelo regime militar.
A composição inicia-se com uma espécie de apresentação do cantor, em que ele narra seu
passado, sua terra natal e as vitórias que conseguiu até então, demonstrando dessa forma,
como formou sua atual visão sobre as coisas que o cercam, finalizando com a certeza de que
canta para conduzir a verdade, não cantando "pra enganar(...) nem por mim, nem por
ninguém."
DISPARADA
Geraldo Vandré e Theo de Barros
Prepare o seu coração prás coisas que eu vou contar/ Eu venho lá do sertão, eu venho lá do
sertão/ Eu venho lá do sertão e posso não lhe agradar/ Aprendi a dizer não, ver a morte sem
chorar/ E a morte, o destino, tudo, a morte e o destino, tudo/ Estava fora do lugar, eu vivo
prá consertar/ Na boiada já fui boi, mas um dia me montei/ Não por um motivo meu, ou de
quem comigo houvesse/ Que qualquer querer tivesse, porém por necessidade/ Do dono de
uma boiada cujo vaqueiro morreu/ Boiadeiro muito tempo, laço firme e braço forte/ Muito
gado, muita gente, pela vida segurei/ Seguia como num sonho, e boiadeiro era um rei/ Mas o
mundo foi rodando nas patas do meu cavalo/ E nos sonhos que fui sonhando, as visões se
clareando/ As visões se clareando, até que um dia acordei/ Então não pude seguir valente
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em lugar tenente/ E dono de gado e gente, porque gado a gente marca/ Tange, ferra,
engorda e mata, mas com gente é diferente/ Se você não concordar não posso me desculpar/
Não canto prá enganar, vou pegar minha viola/ Vou deixar você de lado, vou cantar noutro
lugar/ Na boiada já fui boi, boiadeiro já fui rei/ Não por mim nem por ninguém, que junto
comigo houvesse/ Que quisesse ou que pudesse, por qualquer coisa de seu/ Por qualquer
coisa de seu querer ir mais longe do que eu/ Mas o mundo foi rodando nas patas do meu
cavalo/ E já que um dia montei agora sou cavaleiro/ Laço firme e braço forte num reino que
não tem rei.
"Bem-vinda", de Chico Buarque de Hollanda vence em 1968, o IV Festival de
MPB, da TV Record, de São Paulo. O cantar a esperança é retomado nesse poema de Chico
Buarque de Hollanda que, se auto-definindo como "dono do abandono e da tristeza", se
reconhece sozinho e cercado de incertezas: "Pode ser que você venha por mero favor/Ou
venha coberta de amor (...) Pode ser que você tenha um carinho pra dar/Ou venha pra se
consolar", e pede, em nome do luar e dos jardins floridos, do pinho e do samba, da aurora e
da cidade, que a esperança volte e chegue tão linda, que seja capaz de iluminar o quarto
escuro, "entrando como o ar puro todo novo da manhã":
BEM-VINDA
Chico Buarque de Hollanda
Dono do abandono e da tristeza/ Comunico oficialmente/ Que há lugar na minha mesa/Pode
ser que você venha por mero favor/ Ou venha coberta de amor/ Seja lá como for/Venha
sorrindo/ Ah! Bem-vinda, bem-vinda, bem-vinda/ Que o luar está chamando/ Que os jardins
estão florindo/ E eu estou sozinho/ Cheio de anseios e esperança/ Comunico a toda gente/
Que há ;lugar na minha dança/ Pode ser que você venha/ Morar aqui,/ Ou venha pra se
despedir/ Não faz mal/ pode vir até mentindo/Ah! Bem-vinda, bem-vinda, bem-vinda/ Que o
meu pinho está chorando/ Que o meu samba está pedindo/ E eu estou sozinho/ Venha
iluminar meu quarto escuro/ Venha entrando como o ar puro/ Todo novo da manhã/ Venha
minha estrela, madrugada/ Venha minha namorada/Venha amada, venha urgente/ Venha
irmã,/ Bem-vinda, bem-vinda, bem-vinda/ Que essa aurora está custando/ Que a cidade está
dormindo/ E eu estou sozinho/Certo de estar perto da alegria/ Comunico finalmente,/ Que há
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lugar na poesia/Pode ser que você tenha um carinho pra dar/ Ou venha pra se consolar/
Mesmo assim pode entrar/ Que é tempo ainda/ Ah! Bem-vinda, bem-vinda, bem-vinda/ Ai que
bom que você veio/E você chegou tão linda/ E eu não cantei em vão/ Bem-vinda, bem-vinda,/
Bem-vinda, bem-vinda,/ Bem-vinda no meu coração.
Muitos artistas e intelectuais foram forçados a ir para o exílio, como aconteceu
com os tropicalistas, que foram mandados para Londres. Estava decretado o silêncio. No
mesmo ano, Chico Buarque de Hollanda em parceria com Tom Jobim vence o III FIC nas
fases nacional e internacional, com "Sabiá". Nesse mesmo festival, Geraldo Vandré conquista
o público com "Pra não dizer que não falei de flores" transformado pouco tempo depois, em
uma espécie de hino das frentes de resistência ao regime.
PRA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DE FLORES (Caminhando)
Geraldo Vandré
Caminhando e cantando e seguindo a canção/ Somos todos iguais braços dados ou não/Nas
escolas, nas ruas, campos, construções/ Caminhando e cantando e seguindo a canção/Vem
vamos embora que esperar não é saber/ Quem sabe faz a hora na espera acontecer/Pelos
campos a fome em grandes plantações/ Pelas ruas marchando indecisos cordões/Ainda
fazem da flor seu mais forte refrão/ Acreditam nas flores vencendo canhão/Vem vamos
embora que esperar não é saber/ Quem sabe faz a hora não espera acontecer/Há soldados
armados, amados ou não/ Quase todos perdidos de armas na mão/ Nos quartéis lhes ensinam
uma antiga lição/ De morrer pela pátria e viver sem razão/ Vem vamos embora que esperar
não é saber/ Quem sabe faz a hora não espera acontecer/ Nas escolas, nas ruas, campos,
construções/ Somos todos soldados, amados ou não/ Caminhando e cantando e seguindo a
canção/ Somos todos iguais braços dados ou não/ Vem vamos embora que esperar não é
saber/ Quem sabe faz a hora não espera acontecer/ Os amores na mente, as flores no chão/ A
certeza na frente, a história na mão/ Caminhando e cantando e seguindo a
canção/Aprendendo e ensinando uma nova liça/ Vem vamos embora que esperar não é
saber/Quem sabe faz a hora não espera acontecer
O júri elegeu como campeã a música “Sabiá”, de Tom Jobim e Chico Buarque,
diante das vaias da platéia. Porém, a música “Sabiá” é uma outra música de protesto,
disfarçada pelas metáforas de Chico e Tom. Texto paródico, "Sabiá" opõe uma pátria ideal,
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onde ainda se ouve cantar sabiás, a uma pátria saqueada e depredada, onde não há mais
palmeiras em cuja sombra se possa deitar, ou flores que possam ser colhidas, e noites que não
se queiram, criando uma tensão entre um passado marcado pela nostalgia, e um futuro
marcado pela esperança: "Vou voltar/Sei que ainda vou voltar/Para o meu lugar, foi lá/E é
ainda lá/Que eu hei de ouvir cantar/Uma sabiá".
O presente é marcado pela negação: "Vou deitar à sombra/De uma palmeira/Que
já não há/Colher a flor que já não dá/E algum amor talvez possa espantar/As noites que eu
não queria/Lhe anunciar um dia", caracterizando o exílio de toda uma geração.
Palavras-chave do texto-base de Gonçalves Dias são recuperadas aqui, como:
sabiá, palmeira, flor, amor (características da terra natal) e o advérbio lá que reforça o sentido
de uma volta decidida ("E é pra ficar") porque lá, é a terra do poeta.
O sentimento da saudade em "Sabiá" tem um sentido social: saudade, de tudo o
que se perdeu, e não meramente espacial, como no poema de Gonçalves Dias.
SABIÁ
Tom Jobim e Chico Buarque
Vou voltar/ Sei que ainda vou voltar/ Para o meu lugar/ Foi lá e é ainda lá/ Que eu hei de
ouvir cantar/ Uma sabiá/ Vou voltar/ Sei que ainda vou voltar/ Vou deitar à sombra/ De um
palmeira/ Que já não há/ Colher a flor/ Que já não dá/ E algum amor Talvez possa
espantar/As noites que eu não queira/ E anunciar o dia/ Vou voltar/ Sei que ainda vou voltar/
Não vai ser em vão/ Que fiz tantos planos/ De me enganar/ Como fiz enganos/ De me
encontrar/Como fiz estradas/ De me perder/ Fiz de tudo e nada/ De te esquecer/ Vou voltar/
Sei que ainda vou voltar/ Para o meu lugar/ Foi lá e é ainda lá/ Que eu hei de ouvir cantar/
Uma sabiá.
Com os maiores compositores da MPB no exílio, os órgãos de comunicação sob
censura, e a onda ufanista imposta ao país pelos serviços de propaganda da ditadura ("Eu te
amo meu Brasil", "Brasil, ame-o ou deixe-o", "Brasil, eu fico"), o grande sucesso musical do
ano é "Pra frente, Brasil" de Miguel Gustavo, composto especialmente para a Copa do Mundo
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do México, que consagrou o Brasil Tri-Campeão Mundial, e a grande vencedora do V FIC,
"BR-3", de Antonio Adolfo e Tibério Gaspar.
Em referência a volta dos intelectuais, líderes políticos e artistas exilados, Chico Buarque
compôs o “Samba de Orly”.
SAMBA DE ORLY
Chico Buarque
Vai meu irmão/ Pega este avião/ Você tem razão/ De correr assim/ Desse frio/ Mas beija /O
meu Rio de Janeiro/ Antes que um aventureiro/ Lance mão/ Pede perdão/ Pela duração (pela
omissão)/ Dessa temporada (Um tanto forçada)/Mas não diga nada/ Que me viu chorando/ E
pros da pesada/ Diz que eu vou levando/ Vê como é que anda/ Aquela vida à toa/E se puder
me manda/ Uma notícia boa”
Da Venezuela, Geraldo Vandré canta sua "Pátria Amada", espécie de nova
"Canção do Exílio", que encontra no amor, o sentido da permanência. A pátria recompensa
assim o poeta, com a certeza de que será sempre amado por ela, num reconhecimento da
doação do seu cantar.
PÁTRIA AMADA
GeraldoVandré
Se é pra dizer adeus/ Pra não te ver jamais/ Eu que dos filhos teus/ Fui te querer demais/No
verso que hoje chora/ Pra me fazer capaz/ Da dor que me devora/ Quero dizer-te mais/Que
além de adeus agora/ Eu te prometo em paz/ Levar comigo afora/ O amor demais/Amado
meu/ Sempre serás/ Quem me guardou/ No teu cantar/ E me levou/ Além do meu/Além do céu/
E além do mar/ Amado meu/ Que além de mim se deu/ Não se perdeu/ E nem se perderá.
4. 4444“Aqui na terra, quem não berra, nada ganha, é mais um boi de piranha como todo brasileiro”: César Teixeira e Chico Maranhão cantam e contam a ditadura em terras do Maranhão 4 TEIXEIRA, César.Boi de Piranha, 1970.
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Parte da produção musical feita por maranhenses dentro das décadas de 60 e 70 foi
profundamente influenciada pelos contextos internacional e nacional, ao mesmo tempo que
não afastou-se da análise de questões relacionadas a realidade vivenciada pela grande parcela
da população maranhense, tornando-se parte da resistência implementada por parte da cultura
brasileira ao Governo Militar.
Dessa forma, ao identificar o processo de construção de suas obras, verificamos os
implícitos, os sentidos não ditos, os silenciamentos, agora explicados pelas suas falas, pois
com tais vestígios podemos verificar a riqueza poética e as linguagem metafóricas criadas por
César Teixeira para denunciar as mazelas criadas ou sustentadas pelo Regime Militar dentro
do Maranhão.
Assim, Chico Maranhão fala da chegada de influências sobre a música feita no
Maranhão:
Eu não sei como é que essas idéias chegavam a São Luís. Evidentemente que por algum caminho chegavam... porque os artistas tem uma ‘antena’, uma coisa muito antenada e muito ligada, e um cara como César (César Teixeira) capta, como eu capto, como eu captei, não precisa você ler isso, sabe? (JANEIRO, 2006)
Em entrevista, César Teixeira, cantor e compositor maranhense, explica como tais
influências chegavam:
Através do rádio escutávamos Beatles, Elvis, Geraldo Vandré, Chico Buarque, Caetano e seu tropicalismo. Quando algumas de suas músicas foram proibidas, continuávamos a escutar. Para se ter idéia, através do “mercado negro”, comprávamos até o disco que Caetano fez na Inglaterra. (JANEIRO, 2006)
Por mais que estivesse afastada do eixo Rio-São Paulo, ou seja, o principal centro
de manifestações culturais brasileiras, a cultura maranhense também foi vigiada pelos
aparelhos de censura e repressão, vinculados ao Regime Militar, embora ainda não tivesse
tornado-se comercial, já que não existiam gravadoras nessas terras, e conseqüentemente, sua
maior divulgação através das rádios. A música em especial, disseminava-se a partir da ligação
com o teatro, ou seja, geralmente, assistia-se shows musicais ao mesmo tempo em que as
canções eram interpretadas por atores.
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César Teixeira nos conta sobre o funcionamento dos aparelhos de censura dentro
das terras maranhenses:
Tanto na música, quanto no teatro, ou a música pra teatro tinha que passar pela censura prévia, aqui na Polícia Federal. A presença desse censor era constante nesse período, tanto nos ensaios gerais e shows de teatro que a gente fazia no Arthur Azevedo, ou em outro local, quanto na possível edição de um disco independente. Um certo dia do ano de 1975, fui chamado, em meio a um ensaio, por um policial e escoltado até a sala do censor por causa da música “Bandeira de aço”. (JANEIRO, 2006)
A música “Bandeira de aço” era uma crítica aos dez anos de Regime Militar. E a
ida de César até a sala do censor justificava-se pelo próprio título da música, que certamente
se referia ao governo dos militares.A justificativa dada ao censor por César foi a seguinte:
Isso aqui é sobre a Festa do Divino, que tem aquela bandeirinha no mastro. Você já viu a Festa do Divino? Aquela bandeirinha é feita de aço... de ferro. E aquela bandeirinha era realmente feita de ferro com um pano na frente. Mas não deu prá convencer o cara, que sugeriu o título ‘Bandeja de aço’.Até hoje tem lá, nos papéis da ditadura ‘Bandeja de aço’. Só que no show eu cantei ‘bandeira de aço, já que, geralmente eles iam no ensaio e raramente apareciam no show (JANEIRO, 2006)
BANDEIRA DE AÇO
César Teixeira
Se ela soubesse da areia que eu como,/ ela nem perguntava./ Se ela soubesse do pó da
sereia/ela nem se zangava./ Vento na cumeeira/ nem dizia palavra, palavra, palavra./
Mamãe, eu tô com uma vontade louca/ de ver o dia sair pela boca/ de ver Maria cair da
janela/ de ver maresia. Ai, maresia!/ Mamãe, eu tô com uma vontade louca/ de ver o dia sair
pela boca/ de ver Maria cair da janela/ de ver besouro. Ai, ai, besouro!/ Ela nem parece com
Nhozinho Chico Soldado/ que na subida da bandeira/ pensou que tava no mundo e era fundo
de quintal. /Bandeira de aço!
Na música, a América Latina e o Brasil são mencionados como um fundo de
quintal norte-americano na frase “Que na subida da bandeira / Pensava que tava no mundo/ e
era fundo de quintal”.
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Nos trechos “Se ela soubesse da areia que eu como/ ela nem perguntava /se ela
soubesse do pó da sereia ela nem se zangava” tem relação com a própria censura, que não via
nos músicos maranhenses pessoas com problemas, que estavam inseridos na miséria e que
muitas vezes não tinham o que comer. A “areia” liga-se à própria questão da fome nordestina,
em que as crianças tiram da parede barro para comer, não só pela fome, mas também pela
verminose e falta de nutrientes, associadas à miséria.
Enquanto “Bandeira de aço” foi constituída por algumas metáforas para escapar do
crivo da censura, César Teixeira esclarece que isso, às vezes, não era possível:
A gente já fazia música, evitando ser chamado pela censura, ou seja, evitava falar o que comprometesse, mas nem sempre. Tinha coisas que a gente não podia mudar porque acabava com a música. E outras coisas nem se colocava em circulação”. Já temendo a censura e com medo de “Roda gigante” não participar do festival, César substitui “Roda Gigante” por uma outra música. (César Teixeira, janeiro de 2006)
As letras de “Roda gigante” e “Donzela de vidro” não estão completas em virtude de terem
sido esquecidas por César, já que apenas memorizá-las, não escrevendo-as, na época era uma
forma de evitar a repressão.
RODA GIGANTE
César Teixeira
A dança do povo enganado/ Virou um dobrado / Pro seu general/ A dança da roda gigante
Virou uma lágrima do carnaval
A censura não se destinava apenas ao controle sobre a reflexão política e
econômica, mas também, sobre tudo o que pudesse ferir os costumes da direita conservadora
brasileira. Isso não é diferente em terras maranhenses. A música “Donzela de vidro”, de César
Teixeira não chegou a ser divulgada, já que, segundo ele, certamente seria censurada, em
função de tratar-se de uma critica de costumes, uma autêntica crítica ao conservadorismo da
sociedade maranhense, em particular a elite, que fazia de suas filhas verdadeiras “donzelas de
vidro”, tornando-as intocáveis para aqueles que não pertenciam à classe dominante. Ainda
dentro dessa estrofe, existe uma crítica a televisão, chamada por César Teixeira de “vaca
quadrada do Ocidente”, pois alimentava e continua alimentando o sistema. Os desenhos que
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pudessem parecer mais inocentes disseminavam a idéia de que o herói estava associado ao
Estado.
DONZELA DE VIDRO
César Teixeira
Uma moça de vidro / Está desaparecida do lar/ Pois a família e a polícia não querem/Que
ela se case com homem qualquer/ Vou cantar o que sei pra multidão/ E o que não sei na
televisão.
Os movimentos católicos, já presentes no centro-sul, antes mesmo do golpe,
chegam ao Maranhão e espalham-se por um solo fértil graças ao conservadorismo (já
mencionado) de nossa sociedade. Ao mesmo tempo, Rui Frazão, importante liderança
estudantil do Liceu Maranhense, desaparece em Pernambuco e eclode na região do Pindaré
um grave conflito entre fazendeiros e pequenos proprietários, liderados por Manoel da
Conceição.
Como o gado dos fazendeiros invadia as terras dos pequenos proprietários,
comendo suas roças, o líder comunitário, Manoel da Conceição, liderou o movimento do “boi
morto”, a partir do qual os pequenos proprietários passaram a matar e comer o gado que
invadia suas terras. Isso fez eclodir a luta entre fazendeiros e 50 mil pequenos agricultores. As
negociações entre as duas partes foram lideradas pelo Governo do Maranhão, que prometeu
resolver a situação diante do desarmamento dos pequenos proprietários. Porém, numa reunião
entre as lideranças comunitárias (já desarmadas), a polícia invadiu o local já atirando,
atingindo Manoel da Conceição, que dias depois se entregou, sendo levado a um hospital,
onde teve a perna amputada.
Tempos depois, segundo o próprio, Sarney prometeu-lhe uma perna mecânica,
que prontamente não aceitou, segundo César Teixeira, dizendo ainda: “minha perna é minha
classe”. Em homenagem a Manoel da Conceição, César Teixeira canta:
TRIBUTO A MANOEL DA CONCEIÇÃO
Quando a serpente deu o bote,/ ouviu-se um grito de espanto./ O cego tirou da viola um canto
leve como a jaçanã, cotia, sabiá,/ maracajá, pião./ Vem de Pindaré-Mirim/ a sanha bem-te-
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vi/ Manoel da Conceição./ Essa é a nossa terra/ onde a semente é o sol/ que enterra o nosso
coração./ Pedra, espinho e mangue,/ bendito é o fruto do vosso sangue/ que derramou no
chão./ Há quanto tempo anda no vento/ sem nunca se perder/ o derradeiro dos
guerrilheiros/Ninguém vai lhe esquecer/ na hora de lutar, de sofrer/ de amar ou morrer.
José Sarney, ainda como governador, cria a “Lei da Terra” (Lei n° 2.979 de
17/07/1979), consistindo num projeto de colonização da região do Pindaré, em especial Santa
Luzia do Tide, que foi prontamente aceita pelo Congresso.
Os colonos vindos de outros estados eram, na verdade, grileiros, madeireiros, que vieram pra cá. Então, eles tinham todo acesso a incentivo e ficaram espalhados naquela região. O resultado foi que começou um novo processo de violentos conflitos”.Essas coisas aí chapam a nossa cabeça. Isso se reflete em tua música. Depois eu fiz “Aves de rapina”, “Namorada do Cangaço” e “Oração Latina” (César Teixeira, janeiro de 2006)
AVES DE RAPINA
César Teixeira
As aves de rapina/ quando a terra secou,/ levaram a semente/ que um dia eu plantei/ com
todo amor,/ e com saudade dela/ até o mandacaru chorou./ E o chicote queimado/ no roçado
se perdeu/ quando o dedo no gatilho/ do andarilho apareceu/ num filme de bang-bang/ onde
um fio de sangue escorreu/ pela mão de um brasileiro/ que no seu primeiro duelo morreu./E
as ervas daninhas/ cresceram pelo chão/ do terreno baldio/ onde eu enterrei meu coração/ e
na velha cidade/ quase que eu perco a minha razão./ Peguei o trem caipira/ a tiquira, o sal e
o pão/ levando a alma bandida/ escondida no alçapão/ como um passarinho triste/ que come
o alpiste em minha mão,/ depois volta pra gaiola/ e cantando chora aquela canção./ Ai, ai, ai,
ai, adeus./ Se chover, minha saudade/ eu juro que volto/ para os braços teus.
Os acontecimentos ocorridos na região do Pindaré e suas conseqüências para os
trabalhadores rurais são evidenciados dentro de toda essa música, disfarçados pelas metáforas,
típicas de parte da música brasileira dentro desse período.
Na primeira estrofe, a liberdade, entre elas a de expressão, perdida a partir da
instituição do regime ditatorial, é mencionada no trecho “As aves de rapina, quando a terra
secou / levaram a semente que um dia eu plantei”, existindo uma relação com a terra perdida
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pelos trabalhadores rurais da região do Pindaré. “E o chicote queimado no roçado se perdeu /
com o dedo no gatilho que meu filho esqueceu” faz referência ao desarmamento dos
trabalhadores da região, diante da promessa feita pelo governo estadual. Ainda nesse trecho, a
inocência dos trabalhadores é mencionada na palavra “filho”.
Expulsos, os trabalhadores vieram para a cidade de São Luís, daí “velha cidade”, enquanto
suas antigas terras, dominadas pelos fazendeiros, não mais cultivadas, foram espaço para o
crescimento de “ervas daninhas”.
Como já mencionado, nessa época, na metade da década de 70, César cria
“Namorada do Cangaço”, abordando novamente os conflitos de terra ocorridos no Maranhão
dentro daquele período.
NAMORADA DO CANGAÇO
César Teixeira
Adeus, morena, o meu coração/ é um passarinho solto/ que não se pega com a mão./ Eu
quero mesmo é andar pelo mato/ ouvindo as cantigas de rádio,/ beijar teu retrato/ e voltar
pra casa todo fim de ano/ cantando um bolero de Waldick Soriano./ Saudade um dia sei que
vou sentir,/ sem o coração no peito/ não posso ficar aqui,/ porque a polícia se espalhou no
mundo inteiro/ e até hoje vive atrás de cangaceiro./ Ai, morena, corre, vai buscar/ a minha
metralhadora, que eu vou ter de usar!/ Ai, morena, adeus, vou voltar,/ a música que eu
mesmo toco/ eu tenho que dançar!
Novamente a censura aparece nessa composição, nos trechos “a música que eu
mesmo toco / eu tenho que dançar”, referindo-se às constantes proibições instituídas pelo
Regime Militar. Ao mesmo tempo a guerrilha é mencionada nas frases “Ai morena, corre, vai
buscar / a minha metralhadora, que eu vou ter de usar”. César faz uso, numa estrofe anterior,
para evitar possíveis ligações e, conseqüentemente, a proibição dessa música pela censura,
informando contra quem vai usar a metralhadora no trecho “porque a polícia se espalhou no
mundo inteiro / e até hoje vive atrás de cangaceiro”, sendo o “cangaceiro”, uma espécie de
guerrilheiro nordestino.
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Numa letra feita no ano de 1972, César Teixeira novamente critica a Ditadura
Militar, ao criar um jogo de palavras bem característico da época, para falar de um boi
chamado “Razão do Povo”.
RAZÃO DO POVO Cesar Teixeira
Na Madre-Deus tem um boi/ que é de toda a Nação/ chamado Razão do Povo,/ fruto da
imaginação./ Vem Catirina, vamos embora/ com a lamparina,/ um boi com a venda nos olhos
não vê quem lhe põe a canga./ Monta na burra, vamos embora,/ Catirina, nas águas do rio
Anil,/ nas águas do rio Bacanga./ Ai, ai, meu Deus, que será/ Razão do Povo amanhã: rabo
do boi na Maioba,/ cabeça do boi no Maracanã.
Nos trechos “Na Madre-Deus tem um boi/ que é de toda a Nação/chamado Razão
do Povo/fruto da imaginação”, César canta a inexistência da participação política ativa de
grande parte da população dentro de um Regime ditatorial, mencionado inclusive, que isso é
um problema de toda nação brasileira na segunda frase, assim como nos trechos “.um boi com
a venda nos olhos/ não vê quem lhe põe a canga”.
Na última estrofe, César nos fala de dois locais tradicionalmente folclóricos dentro
da ilha de São Luís, Maioba e Maracanã, e que eram utilizados como pontos de “desova”
dentro desse período.
Em 1983, César cria “Oração Latina”, numa clara referência a “Pra nã dizer que
não falei das flores”, ao usar a palavra “rosa”, menciona o gradual fim das ditaduras dentro da
América Latina. Aproveita-se da desarticulação do aparelho repressor, desabafando sobre os
horrores da ditadura e proclama a liberdade.
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ORAÇÃO LATINA
Cesar Teixeira
Essa nova oração/ é uma canção de vida/ pelo sangue da ferida no chão/ que não
cicatrizará/ nem tampouco deixará/ de abrir a rosa em nossos corações/ e diga sim a que nos
quer abraçar/ mas se for pra enganar diga não/ com as bandeiras nas ruas/ ninguém pode
nos calar/ ninguém vai ser torturado/ com vontade de lutar/ e quem nos ajudará a não ser a
própria gente/ pois hoje não se consegue esperar/ somente a rosa e o punhal/ somente o
punhal e a rosa/ poderão fazer a luz do sol brilhar/ e diga sim a quem nos quer acolher/ mas
se for pra nos prender/ diga não/ ninguém vai ser torturado/ com vontade de lutar/ com as
bandeiras nas ruas/ ninguém pode nos calar.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Constatamos através da realização deste trabalho de que forma os acontecimentos
internacionais e a realidade brasileira nas décadas de 60 e 70 influenciaram toda a produção
artística brasileira, sendo que o Maranhão não se absteve de toda essa cadeia de
acontecimentos.
Certamente, é possível mencionar que as produções artísticas, a nível nacional e
internacional, dentro do referido período mergulharam nos problemas políticos, econômicos e
sociais do seu tempo.
Ao mesmo tempo, torna-se necessário admitir que parte significativa de seus
produtores, em especial dentro das terras brasileiras, procurou declarar problemas nacionais,
sem fugir da realidade, declamando o subdesenvolvimento e outras mazelas brasileiras. No
caso do Tropicalismo, observamos com nitidez a preocupação com experimentações estéticas,
fazendo uso de elementos estrangeiros e da própria realidade externa, enveredando por
caminhos alternativos de expressão, que, no caso, não foram utilizados apenas pelos
tropicalistas, já que outros cantores também fizeram uso de metáforas para escapar da
censura.
A poesia e a musicalidade, presentes nas obras de César Teixeira e o momento
cultural caracterizado graças à entrevista de Chico Maranhão, expõem as ideologias, as
vísceras de seus idealizadores, expressam o efetivo diálogo interno dessa produção artística
com os movimentos que a precederam e com os segmentos sociais que viabilizaram sua
gestação.
49
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VELOSO, Caetano. Verdade Tropical. São Paulo, Companhia das Letras, 1997.
ZAPPA, Regina. Chico Buarque. Rio de Janeiro, Relume Dumará, 1999.
Discografia
BUARQUE, Chico. Sinal fechado. Phonogram, 1974.
BUARQUE, Chico. Chico Buarque. Polygram, 1978.
VANDRÉ, Geraldo. 5 anos de canção. Som maior, 1966.
VELOSO, Caetano. Caetano Veloso. Philips, 1967.
Entrevistas
MARANHÃO Chico. Entrevista sobre sua biografia e música. 06/01/06.
TEIXEIRA César. . Entrevista sobre sua biografia e música. 21/01/06.
Jornais
CHICO Maranhão em palácio. O Imparcial. São Luís; 11/01/1972.
CHICO Maranhão desabafa falando das dificuldades. O Estado do Maranhão. São Luís.
10/07/1975.
51
ENTREVISTA com Chico Maranhão. O Imparcial. São Luís. 23/03/1980.
FESTIVAL em foco. Jornal do Dia. São Luís. 23/09/1971
FESTIVAL esquenta e Chico poderá vir. Jornal do Dia. São Luís. 16/09/1971
HABIBE vai quebrar. Jornal do Dia. São Luís. 16/09/1971
HOJE a final. Jornal do Dia. São Luís. 26/09/1971
LOUVAÇÃO ganhou o júri popular. Jornal do Dia. São Luís. 03/10/1971
MARANHÃO a música para subsistir e resistir. O Estado do Maranhão. São Luís.
31/12/1977.
MÚSICAS vencedoras vã ser apresentadas no Rio. Jornal do Dia. São Luís. 13/10/1971
SITES
HYPERLINK, http://www.suapesquisa.com/mpb
PROVASEPROVAS, http://www.provaseprovas.com