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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA - UFRB CENTRO DE ARTES, HUMANIDADES E LETRAS – CAHL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS – PPGC
FÁBIO SANTANA DOS REIS
ASSOCIATIVISMO EM COMUNIDADES DE FUNDO DE PASTO NO
MUNICÍPIO DE MONTE SANTO (BA): MOBILIZAÇÃO SOCIAL, DINÂMICA DE PODER
Cachoeira - BA 2015
FÁBIO SANTANA DOS REIS
ASSOCIATIVISMO EM COMUNIDADES DE FUNDO DE PASTO NO MUNICÍPIO DE MONTE SANTO (BA): MOBILIZAÇÃO SOCIAL,
DINÂMICA DE PODER
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia - UFRB, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Ciências Sociais.
Orientador: Prof. Dr. Herbert Toledo Martins
Cachoeira - BA 2015
FÁBIO SANTANA DOS REIS
ASSOCIATIVISMO EM COMUNIDADES DE FUNDO DE PASTO NO MUNICÍPIO DE MONTE SANTO (BA): MOBILIZAÇÃO SOCIAL,
DINÂMICA DE PODER
Dissertação submetida à Comissão Examinadora designada pelo colegiado do Curso de Pós-Graduação em Ciências Sociais do Centro de Artes, Humanidades e Letras da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia – UFRB como requisito para obtenção do título de Mestre em Ciências Sociais: Cultura, Desigualdades e Desenvolvimento.
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________________________________
Prof. Dr. Herbert Toledo Martins Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, Centro de Artes, Humanidades e Letras.
_________________________________________________________________
Profa. Dra. Ana Paula Comin de Carvalho Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, Centro de Artes, Humanidades e Letras.
______________________________________________________________________ Prof. Dr. Rômulo Soares Barbosa
Universidade Estadual de Montes Claros, Centro de Ciências Sociais Aplicadas.
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Ao Meu Painho, Bernardino José dos Reis
(in memoriam) A Minha Mainha,
Heloisa Elza de Santana A minha irmã-mãe Maria Andrade Reis
Companheira Karla dos S. G. Reis
Às comunidades tradicionais de Fundo de Pasto de Monte Santo-BA pelas lutas, único instrumento que se vale.
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AGRADECIMENTOS
A Jesus, por tudo.
A todos (as) da minha família por terem ficado ao meu lado em todos os momentos em que precisei, mesmo que nem sempre estivessem fisicamente presentes. Agradeço especialmente a minha irmã mãe Maria Andrade Reis que como professora me incentivou a seguir essa carreira que me traz satisfação e alegria. Ela acompanhou mais de perto todos os percalços financeiros enfrentados durante a minha graduação em Ciências Sociais - UFBA em Salvador, num período difícil da educação baiana, pois só tínhamos no ano de 2000 uma Universidade Federal. Minha irmã com todo seu apoio me ajudou e, através dos seus ensinamentos, o tempo todo gerava forças para eu continuar e chegar aonde cheguei, sendo o primeiro entre 13 irmãos a concluir uma graduação em uma Universidade, uma vez que não havia como pagar uma instituição particular. Agora, concluo Mestrado na UFRB, Universidade Pública, que me leva a acreditar na democratização do ensino na Bahia e no Brasil. Por esse sonho realizado te agradeço, Dinha.
Ao meu amor, Karla Reis, pelo seu companheirismo, pelos constantes e infinitos
apoio e incentivo, pelas discussões, pela dedicação, pela compreensão, pelas cobranças da escrita, leituras para produção dessa dissertação. Quero te agradecer por tudo o que você significou e significa na minha vida neste período e sempre.
Aos eternos amigos Fernando, Jorge, Zé Eduardo, Jandson (in memoriam), Eliel,
Pascoal, Dida, Antônio José, Marilu, Katia, Darluce, Simone, Fafá, Daniela, Dedê, pelas conversas animadas no período em que morávamos no Povoado de Creguenhem e os colegas do Segundo Grau José Valdir, Sônia, Vera, Júnior, Jorge, Fafá, Cássia, Sueli, Ana Paula, Eliel quando íamos todos os dias para a sede do município – percorrendo 12 quilômetros de estrada de poeira, para concluir o 2º grau em Tucano-BA; por estarem próximos mesmo quando distantes.
A Jadilson e Ana Paula meus agradecimentos pela convivência, dividindo a moradia nos cinco anos em Salvador, quando tivemos que buscar mais conhecimento na capital baiana, deixando o meu Creguenhem, E mais recentemente a Maria José (Dedé), Alexandre, Paloma, Coala, Leônidas que tanto me incentivaram e ajudaram na confecção do projeto e participação da seleção no mestrado da UFRB, meus sinceros agradecimentos.
Ao meu orientador Prof. Dr. Herbert Toledo Martins pelo seu discernimento,
constante compreensão, incentivo e apoio. A todos (as) os(as) professores(as) que passaram pela minha vida durante o processo
educacional vivido por mim ao longo de todos esses anos, em especial ao Professor do Departamento de Ciência Política da UFBA, Dr. Elenaldo Celso Teixeira (in memoriam), que não gostava de ser chamado de Doutor. Ele me ensinou, através da participação no seu projeto de pesquisa, numa conversa sobre desenvolvimento de pesquisa nas Ciências Sociais: “Fábio, pesquisa se aprende fazendo”. Essas palavras até hoje fazem parte do meu aprendizado acadêmico e do significado que tem a Universidade para mim, que é estar sempre próximo às comunidades e sociedades, meus mais sinceros obrigados.
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Obrigado!
A todos (as) que me apoiaram nas viagens ao município de Monte Santo nos últimos quatro anos, também pela dedicação, disponibilização. As entrevistas foram igualmente fundamentais para a confecção desse estudo.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pela concessão da bolsa de pesquisa pelo período de dois anos, tornando possível realizar com atenção, calma e detidamente o trabalho de campo.
À Coordenação da Pós-graduação de Ciências Sociais (PPGCS), professores Ângela,
Osmundo, Antônio Eduardo, Ana Paula, Herbert Martins, Fernando Pedrão, pelo ensinamento e postura de acesso nos momentos das aulas; aos meus colegas de Mestrado pela amizade e pela atenção dos nossos encontros semanais.
Ao Grupo de Estudos, Pesquisa e Extensão “Terra, território direito e conflitos coletivos” – UEFS no qual retomei meus estudos acadêmicos, as comunidades de fundo de
pasto, verdadeiros protagonistas deste trabalho, pela oportunidade de ter podido falar de um tema tão fascinante! Agradeço especialmente às comunidades e lideranças do município de Monte Santo, pela sua atenção, apoio, estadia, dedicação, paciência, respeito etc., em todas as visitas realizadas. A todas e todos os meus sinceros e eternos agradecimentos.
Àqueles que, direta ou indiretamente, contribuíram para a elaboração deste trabalho. Valeu!!!
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“Conheço o Meu Lugar”
O que é que pode fazer o homem comum
Neste presente instante senão sangrar? Tentar inaugurar A vida comovida
Inteiramente livre e triunfante?
O que é que eu posso fazer Com a minha juventude
Quando a máxima saúde hoje É pretender usar a voz?
O que é que eu posso fazer Um simples cantador das coisas do porão? Deus fez os cães da rua pra morder vocês
Que sob a luz da lua Os tratam como gente - é claro! - aos pontapés
Era uma vez um homem e o seu tempo Botas de sangue nas roupas de lorca
Olho de frente a cara do presente e sei
Que vou ouvir a mesma história porca
Não há motivo para festa: Ora esta!
Eu não sei rir à toa!
Fique você com a mente positiva
Que eu quero é a voz ativa (ela é que é uma boa!)
Pois sou uma pessoa. Esta é minha canoa: Eu nela embarco.
Eu sou pessoa!
A palavra "pessoa" hoje não soa bem
Pouco me importa!
Não! Você não me impediu de ser feliz!
Nunca jamais bateu a porta em meu nariz!
Ninguém é gente!
Nordeste é uma ficção! Nordeste nunca houve!
Não! Eu não sou do lugar dos esquecidos!
Não sou da nação dos condenados!
Não sou do sertão dos ofendidos!
Você sabe bem: Conheço o meu lugar!
Composição: Belchior
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ASSOCIATIVISMO EM COMUNIDADES DE FUNDO DE PASTO NO MUNICÍPIO
DE MONTE SANTO (BA): MOBILIZAÇÃO SOCIAL, DINÂMICA DE PODER
RESUMO
O presente trabalho visa a analisar o processo de atuação sociopolítica das associações de comunidades tradicionais de fundo de pasto no município de Monte Santo na Bahia, frente aos conflitos com grileiros e mineradoras que ameaçam as relações sociais e econômicas de comunidades tradicionais de fundo de pasto, onde ao longo de sua existência fazem o uso comum de terra que garantem sua permanência no território do semiárido nordestino. A perspectiva de discutir o surgimento das associações paralelo aos conflitos enfrentados pelas comunidades tradicionais na defesa de uso comum das áreas coletivas gera uma oportunidade de estudo e mostra os limites encontrados no fortalecimento do modo de vida dessas comunidades e da sua organização associativa nesse município. Tenta-se superar esses limites por meio de articulações coletivas de iniciativa das comunidades para o enfrentamento das dificuldades através da ameaça ao seu território de uso comum por mineradoras, grileiros que atuam na região. Ressaltamos que a realização desse estudo iniciou-se a partir de um levantamento das associações no município de Monte Santo e a identificação de áreas de uso comum, como espaço associativo de desenvolvimento de relações socioeconômicas e políticas. A identificação de medidas e características desses sistemas associativos, desenvolvidos pelas comunidades, algo que na Bahia se tornou num movimento em defesa do seu modo de vida e do território que ocupam há muitos anos, além de detectar a construção de vínculos sociais associativos para formação de um sistema de organização social coletivo, autogerido, com participação social.
Palavras-chave: Associativismo. Comunidade de Fundo de Pasto. Terras de Uso Comum. Conflitos.
9
ASSOCIATIONS IN PASTURE BACKGROUND OF COMMUNITIES ON THE HILL
COUNTY SANTO (BA): SOCIAL MOBILIZATION, POWER DYNAMICS
ABSTRACT
This study aims to understand the socio-political role of traditional communities associations of pasture fund in Monte Santo in Bahia that throughout its existence make the common use of land that has guaranteed within the territory of the semi-arid northeast. The purpose of discussing the emergence of associations and conflicts faced in defense of common use of collective areas creates an opportunity and limits aimed at strengthening the livelihood of the Communities and its membership organization in this city, through collective joint initiatives of communities to confront the threat of difficulties in its territory in common use by mining, land grabbers operating in the region. We emphasize that it was only possible to carry out this study by identifying areas of common use as associative space development socioeconomic and political relations. The identification of measures and characteristics of associative systems developed by the communities can contribute to the traditional communities of pasture fund becomes a movement in defense of their way of life and the territory they occupy for many years, and identify building links social associations to form a collective social organization system, self-managed, with social participation. Keywords: Associations. Pasture Fund Community. Common Use of Land. Conflicts.
10
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Mapa configuração dos limites geográficos do semiárido do Brasil 18 Figura 2: Mapa nova delimitação do semiárido 19 Figura 3: Mapa Localização do município de Monte Santo no Estado da Bahia e
Território do Sisal 24
Figura 4: Figura 4: Mapa comunidades de fundo e feche de pasto identificados – Estado da Bahia, 2005
43
11
LISTA DE QUADROS
Quadro 1: População por Situação de Domicílio, 1991 e 2010 25 Quadro 2: Faixa de Desenvolvimento Humano 25 Quadro 3: Indicadores de Renda, Pobreza e Desigualdade, 2000 e 2010 26 Quadro 4: Repartição das terras nas comunidades de fundo de Pasto de Monte
Santo 39
Quadro 5: Estado da Bahia – Comunidades de Fundos e Feches de Pasto, 2005 42
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1: Área de ocorrência do semiárido: região anterior X nova área de delimitação
25
12
LISTA DE SIGLAS
AATR Associação de Advogados/as de Trabalhadores/as Rurais
AREFASE Associação Regional da Escola Família Agrícola do Sertão
BAMIN Bahia Mineração
CAFP Central das Associações Agropastoris de Fundo e Fecho de Pasto
FERBASA Cia de Ferro Ligas da Bahia
CEPA Comissão Estadual de Planejamento Agrícola
CPT Comissão Pastoral da Terra
CAR Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional
CFP Comunidades tradicionais de Fundo de Pasto
CDA Coordenação de Desenvolvimento Agrário
DNOCS Departamento Nacional de Obras Contras as Secas
FJP Fundação João Pinheiro
IDH Índice de Desenvolvimento Humano
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
INTERBA Instituto de Terras da Bahia
INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
MI Ministério da Integração Nacional
CETA Movimento dos Trabalhadores(as) Assentados(as) e Acampados(as)
PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
CONVIVER Programa de Desenvolvimento Integrado e Sustentável do Semi-Árido
SEPLANTEC Secretaria do Planejamento do Estado da Bahia
SUDENE Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste
13
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 13
CAPÍTULO 1: DESIGUALDADES TERRITORIAIS: O SEMIÁRIDO BRASILEIRO E O CENÁRIO DA PESQUISA
18
1.1 A ÁREA OCUPADA PELO SEMIÁRIDO BAIANO NO TERRITÓRIO BRASILEIRO
18
1.2 O MUNICÍPIO DE MONTE SANTO NA BAHIA 22 1.3 PATRIMÔNIO NATURAL DE MONTE SANTO E OS FUNDOS DE PASTO 27
1.4 O CAMINHO METODOLÓGICO 32 1.5 PROCEDIMENTOS DE PESQUISA/INSTRUMENTOS 35 1.6 UNIVERSO DA PESQUISA E CARACTERIZAÇÃO DOS CONFLITOS 38 1.7 PROCEDIMENTOS DE COLETA DE DADOS 44 CAPÍTULO 2: ENTENDENDO A COMUNIDADE TRADICIONAL DE
FUNDO DE PASTO (CFP) NO BRASIL E NO SEMIÁRIDO
46
2.1 A LÓGICA DA PROPRIEDADE DAS COMUNIDADES TRADICIONAIS DE FUNDO DE PASTO
47
2.2 DEFINIÇÕES DAS COMUNIDADES TRADICIONAIS DE FUNDO DE PASTO
51
2.3 AS ORIGENS DAS MOBILIZAÇÕES SOCIAIS NAS COMUNIDADES DE FUNDO DE PASTO EM MONTE SANTO
57
2.4 AS RELAÇÕES DE PODER NAS COMUNIDADES TRADICIONAIS DE FUNDO DE PASTO
59
CAPÍTULO 3: AS COMUNIDADES TRADICIONAIS DE FUNDO DE PASTO EM MONTE SANTO E O ASSOCIATIVISMO
62
3.1 A GÊNESE E DEFINIÇÃO DO ASSOCIATIVISMO NAS COMUNIDADES TRADICIONAIS DE FUNDO DE PASTO
62
3.2 FUNDO DE PASTO E A REGULARIZAÇÃO DAS ASSOCIAÇÕES: CONTEXTO ATUAL
68
3.3 ASSOCIAÇÕES DE FUNDO DE PASTO E SUA REPRESENTAÇÃO SOCIAL
73
3.4 AS ARTICULAÇÕES DAS ASSOCIAÇÕES DE FUNDO DE PASTO 76 3.5 AS ASSOCIAÇÕES DE FUNDOS DE PASTO E ASRELAÇÕES DE
CONFLITO E PARCERIAS COMUNITÁRIAS
78
3.5.1 Caracterização dos Conflitos 80 3.5.2 Fundo de Pasto e Atuação da Organização Política: Conflitos Enfrentados nos
Últimos Anos 82
3.5.3 Os Motivos Sociopolíticos dos Conflitos 84 3.5.4 O Papel das Associações de Fundo de Pasto na Mediação dos Conflitos 85 3.5.5 Os Governos Municipal, Estadual e Federal como Articuladores dos Interesses
Conflitantes 88
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS 92
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 96
APÊNDICES 103 APÊNDICE A: Roteiro para entrevista 103 APÊNDICE B: Imagens de Monte Santo, fundo de pasto, comunidade, reuniões 105
14
INTRODUÇÃO
Apresenta-se aqui uma pesquisa sobre as Comunidades Tradicionais de Fundo de
Pasto do município de Monte Santo na Bahia. Tais comunidades, doravante CFP, se
constituíram a partir de territórios que não possuem limites físicos através das cercas de fios
de arame que delimitam o espaço; a utilização dessas áreas é de uso comum definida ao longo
da existência histórica desses sujeitos e das relações sociais tradicionais estabelecidas nas
comunidades, onde a presença da cerca só é notada apenas nas áreas próximas às casas dos
sertanejos, delimitando a pequena lavoura de milho, feijão, hortaliças e criação de alguns
animais como porcos, galinhas, que objetiva o abastecimento da família ou pequena
comercialização entre os vizinhos da própria comunidade.
Essas comunidades são resultado de um processo de ocupação do semiárido a partir
das terras devolutas, o que gerou latifúndios e, consequentemente, as comunidades de fundo
de pasto; os fundos de pastos surgem “a partir do fato dos animais se afastarem das áreas
próximas à moradia dos produtores, em direção ao interior das pastagens – o fundo de pasto”
(CAR, 1987, p.50).
O que é marcante enquanto característica das comunidades tradicionais de fundo de
pasto está na utilização das áreas de forma comum; contrapondo o imperativo da propriedade
privada da sociedade capitalista atual, e que passam de geração a geração, se constituindo
como comunidades tradicionais que preservam o seu modo de viver através das relações
estabelecidas com a natureza, os valores morais, sociais de convivência entre os membros da
própria comunidade e com outros sujeitos de comunidades diferentes.
No que se refere às comunidades tradicionais de fundo de pasto na Bahia, a expansão
do capitalismo globalizado age na perspectiva de acumulação de capital que busca novos
espaços para a exploração. Como consequência dessa ação expansionista, essas comunidades
tradicionais de Monte Santo-BA, nos últimos anos vêm passando por transformações relativas
à valorização de suas terras, o que desperta interesses de exploração econômica das
mineradoras- a exemplo da Cia de Ferro Ligas da Bahia (FERBASA)- carvoarias, ações de
grileiros no território onde vivem os sujeitos das CFP. Na medida em que as terras de fundo
de pastos se valorizam, cresce sobre as mesmas o frio interesse capitalista e agravam os
conflitos entre os sujeitos da comunidade tradicional e as mineradoras, carvoarias e grileiros.
Como forma de enfrentamento desses problemas há um crescimento na organização
política das comunidades tradicionais de fundo de pasto em Monte Santo. Os membros dessas
15
comunidades usam como estratégia a organização em associações na atividade constante de
defesa do seu modo de vida secular, sua cultura e do seu território contra invasores.
É por intermédio das associações que os moradores das comunidades tradicionais
lutam na defesa de seus direitos ancestrais (consuetudinário) do uso comum das terras de
fundos de pastos garantidos na Constituição de 1988, que garante a singularidade de um povo
tradicional
Fruto desta agência é o artigo 216 da constituição de 1988 que afirma constituir-se patrimônio cultural brasileiro, os bens da natureza material ou imaterial portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira. (COSTA, 2011, p. 51).
Os moradores das Comunidades Tradicionais de Fundo de Pasto não convivem apenas
com as ameaças já conhecidas, como as de fazendeiros/grileiros e latifundiários dos anos de
1970 e 1980; a esses atores somam-se a partir de 2008 as ações de grandes empresas de
mineração como a FERBASA, carvoarias, etc., que aprofundam o quadro de violência no
campo, e as dificuldades sociopolíticas para sobrevivência dos sertanejos.
Neste contexto, merecem destaque as lutas das Comunidades Tradicionais de Fundo
de Pasto do Sertão Baiano, que vivenciam a cada dia um aumento de conflitos gerados pelas
disputas de terras. Essa realidade de disputa pela terra tem se intensificado nos últimos anos
na zona rural do município de Monte Santo, área de estudo deste trabalho, com a existência de
complexas relações políticas, sociais, econômicas, culturais e de conflitos agrários.
(GARCEZ, 1987; FERRARO JR, 2008; ALCANTARA e GERMANI, 2010; SANTOS,
2010).
Com o dinamismo econômico que o Brasil vem passando nas últimas décadas, exige-
se cada vez mais a exploração dos seus recursos físicos naturais. Nesse quadro, o município
de Monte Santo, na Bahia, tem apresentado potencial no setor de mineração, e na ação de
grileiros que extraem a madeira para produção de carvão; todas essas ações fazem parte dos
interesses de sujeitos capitalistas que procuram explorar essas áreas, que historicamente
compõem um território de fundo de pasto utilizado por sertanejos de forma sustentável,
solidária e que garantem a sua sobrevivência até os dias de hoje.
Nessa perspectiva, espera-se que o presente trabalho contribua com a compreensão da
atuação política desses sujeitos sociais rurais das comunidades tradicionais de Fundo de
Pasto, tendo em vista uma reflexão das suas práticas sociopolíticas. Nesse sentido,
acreditamos que o conhecimento sobre a atuação política das Associações de Comunidades de
Fundo de Pasto, categoria que nos últimos anos tem chamado a atenção de vários estudiosos
16
das mais diversas áreas do conhecimento, contribua para a compreensão da luta dessas
comunidades na defesa de seus direitos.
Nesta perspectiva, torna-se imprescindível levantar o seguinte problema: como se
concretizam as práticas das associações “para dentro” e “para fora” relativamente à
amenização e/ou solução de conflitos territoriais? Desta forma, pretende-se através da
construção deste estudo empírico analisar a atuação sociopolítica de associações das
comunidades de fundo de pasto do município de Monte Santo/BA, frente aos conflitos com
fazendeiros, mineradoras e carvoarias, entendendo as dinâmicas de poder para a defesa e
preservação dos territórios de uso comum destas comunidades.
Especificamente, pretendem-se analisar as diretrizes, propostas e composição social
das Associações de Fundo de Pasto, com vistas a compreender seus conflitos e suas lutas
sociopolíticas e como os membros das comunidades se organizam para defender suas terras de
uso comum. Neste percurso serão analisadas as relações que as associações das comunidades
de fundo de pasto estabelecem com os Poderes Públicos Municipal, Estadual e Federal por
meio das secretarias de Agricultura, Direitos Humanos, Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária (INCRA), e agentes econômicos como: as mineradoras e fazendeiros que
atuam na região. Finalmente, serão identificadas as dificuldades, entraves e perspectivas dos
conflitos enfrentados pelas associações, bem como a forma do associativismo das
comunidades de fundo de pasto.
Para tanto, a dissertação está dividida em quatro capítulos, além desta introdução. No
Capítulo 1 – “Desigualdades territoriais: o semiárido brasileiro e o cenário da pesquisa” –
apresenta-se um levantamento teórico para construção de um entendimento do contexto
histórico-social e do território onde estão localizadas as comunidades tradicionais de fundo de
pasto. Busca-se uma análise descritiva do cenário onde a pesquisa foi desenvolvida por meio
da delimitação do espaço geográfico ocupado pelo semiárido brasileiro e do município de
Monte Santo na Bahia. Para isso pesquisamos dados secundários elaborados pelas instituições
do Estado. Além disso, abordaremos “O Caminho Metodológico” que foi desenvolvido, ou
seja, a metodologia, a descrição e a análise da operacionalização do desenvolvimento da
pesquisa através de uma descrição dos procedimentos de coleta de dados e descrição do
universo, entendendo que essa é uma pesquisa de cunho qualitativo.
No Capítulo 2– “Entendendo a Comunidade de Fundo de Pasto (CFP) no Brasil e no
Semiárido” – são apresentadas as definições sobre as Comunidades Tradicionais de Fundo de
Pasto a partir dos trabalhos de Elinor Ostrom (2011), Sabourin (2009); Alcantara (1999),
Giomar Germani (2006); compreendendo as relações de poder que envolvem as comunidades
17
pesquisadas e a gestão de uso comum do seu território por meio da organização (o
associativismo) das referidas comunidades como ator político.
No Capítulo 3 – “As comunidades tradicionais de fundo de pasto em Monte Santo e o
Associativismo”, apresenta-se uma discussão teórica sobre o conceito de associativismo, bem
como a apresentação da pesquisa de campo e estudos teóricos sobre o surgimento e
regularização das associações das comunidades de fundo de pasto, seus processos de
articulação com outras organizações da sociedade civil na luta em defesa de seus territórios.
Apresenta as Associações de Fundo de Pasto e as Relações de Conflitos e Parcerias
Comunitárias como produto compreensivo do universo empírico estudado, procurando
entender o papel político das mesmas nas relações estabelecidas com os Poderes Municipal,
Estadual e Federal na luta pela manutenção do seu modo de organização socioeconômica.
Finalmente, são apresentadas as “Considerações Finais” no Capítulo 4, onde se
delineiam as contribuições do trabalho para o estado da arte, as limitações e dificuldades da
pesquisa e, principalmente, as sugestões de pesquisas futuras que poderão ser desenvolvidas
em outras oportunidades.
18
Capítulo 1 DESIGUALDADES TERRITORIAIS: O SEMIÁRIDO BRASILEIRO E O CENÁRIO DA PESQUISA
Este capítulo, por intermédio de fontes secundárias, visa a uma análise descritiva da
delimitação do espaço geográfico ocupado pelo Semiárido no Brasil que possa explicar a
configuração territorial dessa região com aspectos restritos ao meio ambiente, socioeconomia,
política e cultura do município de Monte Santo na Bahia.
Assim, sistematizamos informações sobre a totalidade da ocupação da região do
Nordeste brasileiro, delimitando a área do Semiárido do município de Monte Santo, na
tentativa de identificar os problemas enfrentados pela população local e os impactos
provocados pelo clima semiárido.
Para efeito de compreensão do fenômeno da seca e composição socioeconômica do
semiárido brasileiro, lança-se mão de alguns dados elaborados pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE).
1.1 A ÁREA OCUPADA PELO SEMIÁRIDO BAIANO NO TERRITÓRIO BRASILEIRO
Até o ano de 2005 a região do semiárido brasileiro era caracterizada essencialmente
pela falta de chuva, porém, na atualidade o Semiárido ganhou nova classificação, ou seja, a
abrangência geográfica territorial para o semiárido considera outras variáveis e não somente a
falta de chuva. Essa nova classificação elaborada pela iniciativa do Ministério da Integração
Nacional (MI) propôs a criação de um grupo de trabalho, integrado por instituições do
Governo Federal, com vistas à (re)delimitar a área geográfica de abrangência do semiárido
brasileiro, pois a partir de uma nova perspectiva buscou-se um acréscimo de critérios que:
[...] decorreu da constatação da inadequabilidade do critério anteriormente adotado, em vigor desde 1989, que levava em conta apenas a precipitação média anual dos municípios dessa região. Com efeito, a Lei n 7.827, de 27 de dezembro de 1989, que criou e estabeleceu as condições de aplicação dos recursos dos Fundos Constitucionais de Financiamento do Norte (FNO), do Nordeste (FNE) e do Centro-Oeste (FCO), definiu como semiárido: ‘A região inserida na área de atuação da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste - Sudene, com precipitação pluviométrica média anual igual ou inferior a 800 mm (oitocentos milímetros), definida em portaria daquela Autarquia (inciso IV do art. 5 do Capítulo II Dos Beneficiários)’. A última atualização dos municípios do semiárido foi feita em1995, por meio da Portaria n 1.181 da antiga SUDENE. Com a extinção dessa autarquia, em 2001, o Ministério da Integração Nacional (MI) assumiu a atribuição, antes a
19
cargo daquela Superintendência, de posicionar-se acerca dos pleitos de inclusão de municípios interessados em beneficiar-se do tratamento diferenciado das políticas de crédito e benefícios fiscais conferidos ao semiárido brasileiro. (MINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL-MI, 2005).
Com o fim da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) em
2001, a atenção do poder central voltou-se para os objetivos da política macroeconômica sob
o domínio de ideias e políticas neoliberais, deixando a problemática do semiárido nordestino
colocado à margem de ações efetivas, realizando ações que se restringem a políticas
compensatórias de transferências de renda, provocando em algumas lideranças dos
municípios, que não pertenciam à região do semiárido pela primeira classificação, uma busca
da inclusão do município. Ao longo da história compor a região do semiárido era sinônimo de
pobreza, miséria, fome e atraso econômico. Dessa forma, os municípios não faziam questão
de definir-se como pertencentes ao semiárido ou até mesmo rejeitavam essa definição.
Porém, com as novas políticas do Governo Federal, municípios que, de alguma forma
se encaixam em um desses critérios técnicos, se beneficiam economicamente a partir de
transferências de recursos financeiros. Assim, surge novo sentido para os municípios da
Bahia, que antes não faziam parte da composição do semiárido baiano, mas passaram a
compor a nova configuração do semiárido brasileiro. Em 10 de março de 2005, o Ministro da
Integração Nacional assinou, na cidade de Almenara, no Nordeste de Minas Gerais, portaria
que instituiu a nova delimitação do semiárido brasileiro, resultante dos levantamentos
realizados pelo Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) que atualizou os critérios de seleção
dos municípios que passam a compor a região do Semiárido brasileiro.
Vejamos o comparativo entre o antigo e o novo mapa que compõe os limites
geográficos do semiárido brasileiro:
Figura 1 – Mapa configuração dos limites geográficos do semiárido do Brasil
Fonte: Relatório CONVIVER Programa de Desenvolvimento Integrado e Sustentável do Semi-Árido. Ministério
daIntegração Nacional. Publicado em fev. 2009.
20
Em amarelo está representada a área que foi acrescentada à antiga configuração
territorial do semiárido brasileiro, que podemos representar melhor no mapa a seguir da Nova
Delimitação do Semiárido:
Figura 2 – Mapa nova delimitação do semiárido
Fonte: Relatório Ministro da Integração Nacional – MI – 2005.
O Governo Federal procurou a partir da gravidade dos indicadores econômicos e
sociais da nova região semiárida, segundo dados do IBGE – 2010, investir por meio de
21
políticas governamentais na tentativa de amenizar as dificuldades socioeconômicas dessa
região. Porém, o modelo de intervenção exógena proporcionou um aumento no número de
municípios sem gerar mudanças significativas capazes de transformar as bases econômica e
social da região.
Observemos o Gráfico que cria um comparativo da área anterior em Km² ocupada pelo
semiárido e a nova delimitação:
Fonte: Relatório CONVIVER Programa de Desenvolvimento Integrado e Sustentável do Semi-Árido. Ministério daIntegração Nacional. Publicado em fev. 2009.
Na atualidade, o Ministério da Integração Nacional (2005, p. 5) na busca de implantar
algumas políticas públicas para a região, buscou novos critérios de classificação para as novas
incorporações de municípios que fazem parte do Semiárido a partir da incorporação:
Além dos 1.031 municípios já incorporados, passam a fazer parte do semiárido outros 102 novos municípios enquadrados em pelo menos um dos três critérios utilizados. Com essa atualização, a área classificada oficialmente como semiárido brasileiro aumentou de 892.309,4 km para 969.589,4 km, um acréscimo de 8,66%. Minas Gerais teve o maior número de inclusões na nova lista - dos 40 municípios anteriores, vai para 85, variação de 112,5%. A área do Estado que fazia anteriormente parte da região era de 27,2%, tendo aumentado para 51,7%. Os 1.133 municípios integrantes do novo semiárido brasileiro se beneficiarão de bônus de adimplência de 25% dos recursos do Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste (FNE), enquanto no restante da Região Nordeste esse percentual é de 15%. Ainda quanto ao FNE, a Constituição determina que pelo menos 50% dos recursos deste Fundo seja aplicado no financiamento de atividades produtivas em municípios do semiárido, o que certamente representa um estímulo à atração de capitais e à geração de emprego na região. Em 2005, o valor a ser aplicado pelo FNE no semiárido alcança os R$2,5 bilhões. Ademais, produtores rurais beneficiários do Pronaf do semiárido têm à disposição crédito com juros de 1% ao ano, prazo de pagamento de até 10 anos e três anos de carência.
300000
400000
500000
600000
700000
800000
900000
1000000
1100000
Áre
a (K
m2 )
Gráfico 1 - Área de ocorrência do semi-árido: região anterior x nova área de delimitação.
Antigo
Novo
22
Desta forma, com a nova delimitação do semiárido brasileiro, o Ministério da Integração Nacional evidencia seu compromisso com o desenvolvimento desta sub-região, tanto no que se refere à ativação de seu potencial endógeno de crescimento econômico, como no sentido da diminuição das desigualdades interregionais vigentes no país. (Grifo nosso). (MI, 2005, p. 5)
Essa nova incorporação não levou em consideração aspectos da cultura e das relações
sociais de cada território e gerou uma disputa política para a inclusão de novos municípios
que pudessem compor a nova região semiárida.
A composição da Nova Região do Semiárido brasileiro demonstra a importância dessa
região com uma terra rica (em recursos minerais etc.) e uma população significativa que
reside nesse território. O Nordeste tem uma área que abrange 1.419,242,5 Km² , da qual
69,23% fazem parte da Região do Semiárido, ou seja, uma área de 982,563,3 Km². Assim a
Região Nordeste do Brasil, com uma população 44.863.468, se divide em 1.735 Municípios,
onde mais da metade 1.133 (65,30%) estão dentro da área do semiárido.
A população do Estado da Bahia é de 13.070,250, cerca de 6.453,283 estão dentro da
região semiárida, totalizando 49,4% das pessoas, vivendo no semiárido, onde 47,32%, ou
seja, 3.055,127 destes moram na zona rural, formando uma população considerável, pois o
número de habitantes é maior do que muitos Estados do Brasil e até mesmo de outros países.
Mais da metade dos municípios estão dentro do semiárido, dos 417 municípios
existentes, 265 municípios, cerca de 65,3% fazem parte da nova formação do semiárido
baiano, ocupando um território de 69,7% de toda área que é de 564.273Km². Em uma
comparação do total de 1.133 dos municípios do semiárido do Brasil, hoje a Bahia tem 23,4%
de municípios dentro do semiárido, sendo o Estado com maior área territorial.
O resultado desses dados pode ser explicado a partir de uma ocupação territorial
concentradora como explica Lobão e Silva (2012, p.98),
o Sistema de sesmarias favoreceu a ocupação de quase todo o sertão da Bahia por duas principais famílias da mesma cidade, que são a da Torre (os D’Ávila) e a da Antônio Guedes de Brito (padre jesuíta Antonil). Na margem esquerda do São Francisco pertenciam preferencialmente aos D’Ávila (Casa da Torre) e estenderam seu domínio para mais 260 léguas pelo Rio São Francisco, acima, e para o norte mais de 80 léguas. Os Guedes de Brito ocupavam a margem oposta até o rio das Velhas, onde, somente na borda direita do São Francisco encontravam-se 106 fazendas de gado. Muitos conflitos foram gerados com os descendentes dos Guedes de Brito, principalmente na região mineradora de Jacobina.
Portanto, a questão da ocupação no interior, ou sertão da Bahia, nos levou, em
primeiro lugar, a perceber outras variáveis que possibilitassem identificá-lo enquanto
característica que não fosse apenas climática do Semiárido para justificar suas desigualdades.
Porém, essas áreas também foram ocupadas na sua origem a partir de grandes latifúndios.
23
1.2 O MUNICÍPIO DE MONTE SANTO NA BAHIA
O município de Monte Santo, na Bahia, localizado na região Nordeste do Brasil, mais
especificamente no semiárido baiano, está inserido, segundo a nova proposta estadual de
regionalização, no Território de Identidade do Sisal. Monte Santo é uma cidade da região do
Nordeste Baiano, microrregião de Euclides da Cunha. Fundada em 31/10/1775, está a 489m
de altitude, a 352 km distantes da capital da Bahia, Salvador, tem clima tropical, faz fronteira
com os municípios de Cansanção, Euclides da Cunha, Quijingue, Uauá, Jaguarari e
Andorinha.
Sua história tem origem no século XVIII, quando no mês de outubro do ano de 1775, o
Capuchinho Frei Apolônio de Toddi, que se encontrava na aldeia indígena de Massacará –
hoje situada no município de Euclides da Cunha –, foi convidado pelo fazendeiro Francisco
da Costa Torres a realizar uma missão de penitência na Fazenda Lagoa da Onça de sua
propriedade. Ali chegando deparou com uma grande seca e devido à escassez de água no local
não realizou a missão, decidindo, então, seguir para o logradouro de gado denominado
“Piquaraçá”, onde existia um olho d’água em abundância conhecido atualmente como “Fonte
da Mangueira”, localizado no pé da serra (HISTÓRIA..., [s.d]).
Frei Apolônio de Toddi, ao apreciar a serra, ficou impressionado com a semelhança da
mesma e o calvário de Jerusalém, convidando os fiéis que o acompanhavam a transformar o
Monte em um “Sacro-Monte” e rebatizá-lo com o nome de Monte Santo, marcando seu dorso
com os passos da Paixão. Logo em seguida, mandou tirar madeira, iniciou a armar uma
capelinha para fazer a missão e ao mesmo tempo mandou cortar paus de aroeira e cedro para
por no Monte, cruzes a espaços regulares na seguinte ordem: a primeira dedicada às almas, as
sete seguintes representando as dores de Nossa Senhora e as 14 cruzes restantes, lembrando o
sofrimento de Jesus na sua caminhada para o Monte Calvário em Jerusalém. Em 1º de
novembro do mesmo ano, encerrou a procissão de penitência com um sermão. Finalizando as
suas palavras pediu aos fiéis que todos os anos, naquela data, visitassem o Monte.
Em 1794 foi criado o Distrito de Paz de Monte Santo, pertencente ao Termo da Vila
de Itapicuru de Cima. Em 21 de março de 1837, por força da Lei provincial nº 51, foi o
Povoado elevado à categoria de Vila, que criou, mais tarde, o Município, ocorrendo a
inauguração em 15 de agosto do mesmo ano. O município recebeu o nome de Coração de
Jesus de Monte Santo, sendo seu primeiro prefeito o Padre José Vítor Barberino.
24
Em 28 de junho de 1850, o Distrito de Paz foi elevado à categoria de Comarca, pela
Lei provincial nº 395, sendo seu primeiro Juiz de Direito o Bel. Boaventura Augusto
Magalhães Taques. Em 25 de julho de 1929, a Vila foi elevada à categoria de Cidade, pela Lei
Estadual nº 2.192, voltando a receber o nome de Monte Santo.
As terras do atual Município de Monte Santo integravam uma fazenda de gado da
Casa da Torre, vendida posteriormente a Francisco da Costa Torres, o arrendatário da Fazenda
Solidade, onde ficava o logradouro “Piquaraçá”, que era de propriedade de João Dias de
Andrade, da Fazenda “Acaru”.
Em Monte Santo, a formação das comunidades tradicionais de fundo de pasto se deu
porque as extensões de terras eram demasiado grandes e, historicamente, as ocupações desses
espaços ocorreram de forma diferenciada por não se caracterizar pelo surgimento das cercas
(se revelam com características de terras de uso comum do território), justificando uma
formação histórica dessas comunidades como consequência de relações socioeconômicas,
políticas e culturais diferenciadas.
As definições dos limites em marcos físicos (piquetes, árvores, pedras, rio etc.) foram
ocorrendo com o tempo, a partir dos conhecimentos acumulados das gerações daquelas
famílias que desde os tempos coloniais ocupam com seus gados e bodes as terras de fundos de
pastos.
Nesse sentido, os conflitos atuais entre grileiro e moradores das comunidades
tradicionais de fundo de pasto se dão em torno das disputas sobre o território de uso comum
do fundo de pasto, visto que grileiros, empresas de mineração, carvoarias etc., despertaram
interesses na exploração econômica desse território, ameaçando a existência e o modo de vida
dessas comunidades para o futuro.
Em Monte Santo há as comunidades que já realizaram a discriminatória, que delimita
a sua área de uso comum com o apoio do Estado. Estas estão em condições, mesmo que
temporariamente, de desenvolver suas atividades sem conflitos com grupos econômicos
externos à comunidade.
Contudo, o mesmo não se pode afirmar de outras comunidades tradicionais de fundo
de pasto que não possuem sua área delimitada, pois sofrem com ameaças de grileiros
instalados na região que entram em disputas conflituosas por tentarem cercar as áreas de uso
comum das comunidades tradicionais de fundo de pasto de Monte Santo.
Vejamos, a seguir, uma representação no mapa da localização geográfica reduzida de
Monte Santo no Estado da Bahia:
Figura 3 – Mapa localização do município de Monte Santo no Estado da Bahia e Território do Sisal
25
Fonte: Bahia, 2003. Elaborado por Marques, 2012.
A cidade de Monte Santo é conhecida nacionalmente em função da Guerra de
Canudos (1893-1897), quando as tropas do governo republicano usaram o Município como
quartel-general do exército durante a guerra.Além disso, outro acontecimento que tornou a
cidade conhecida foi quando o maior meteorito encontrado no Brasil, e o 11° maior do
mundo, foi visto em 1774 no distrito de Bendengó, pertencente ao município de Monte Santo.
Este meteorito encontra-se em exposição no Museu Nacional na Quinta da Boa Vista, Rio de
Janeiro.
Em 1963 foi gravado em Monte Santo um dos filmes mais premiados do cinema
nacional Deus e o diabo na terra do sol – do renomado cineasta Glauber Rocha. Mais tarde a
Globo gravaria na cidade parte da Minissérie O pagador de promessas, baseada na obra do
escritor baiano Dias Gomes.
Segundo dados do IBGE (2010), Monte Santo tem uma área territorial de 3.186,382
Km²; um total de 52.338 habitantes com uma população predominantemente rural de 43.515.
Sua estrutura social é formada por pequenas comunidades com tamanhos limitados, que vem
sendo invadidas por grileiros com interesse econômico de exploração capitalista dos
territórios de uso comum dos fundos de pasto, a exemplo da Comunidade Tradicional de
Fundo de Pasto de Capivara, objeto de estudo desta pesquisa.
26
Quadro 1 – População por situação de domicílio, 1991 e 2010
Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil - Pnud, Ipea e FJP.
Analisando as informações, compreendemos que ao contrário da maior parte da
população brasileira, este município apresenta 83% dos seus habitantes (43.493) residentes
em áreas rurais (IBGE, 2010), e esses sertanejos tem economicamente na agropecuária a sua
principal fonte de renda.
Outro aspecto que chama a atenção em Monte Santo o seu Índice de Desenvolvimento
Humano (IDH), segundo dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento -
PNUD (2010), Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e Fundação João Pinheiro
(FJP), é de 0,506, em 2010. O município está situado na faixa de Desenvolvimento Humano
Baixo (IDHM entre 0,5 e 0,599).
Quadro 2 – Faixa de desenvolvimento humano 2000 2010
Índice de Desenvolvimento
Humano Municipal
0,283 0,506
Educação 0,097 0,359
Longevidade 0,587 0,699
Renda 0,398 0,515
Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil.
Em relação aos outros municípios do Brasil, Monte Santo apresenta uma situação
ruim: ocupa a 5.399ª posição, sendo que 5.398 municípios (98%) estão em situação melhor e
108 municípios (2%) estão em situação pior ou igual. Em relação aos outros municípios do
Estado, Monte Santo apresenta também uma situação ruim: ocupa a 411ª posição, sendo que
410 municípios (98,8%) estão em situação melhor e quatro municípios (1,2%) estão em
situação pior ou semelhante.
No município de Monte Santo, entre 2000 e 2010, a atividade que mais cresceu em
termos absolutos foi a da Educação (com crescimento de 0,262), seguida por Renda e por
1991 2010
População Total 47.763 52.338
Urbana 4.855 8.845
Rural 42.908 43.493
27
Longevidade, porém ao relacionarmos com a renda percebemos que há uma baixa renda per
capita de aproximadamente R$ 197,43 por mês (PNUD, 2010).
No que tange à renda geral da população do município, majoritariamente 95% da
população tem uma renda de até dois salários mínimos. Com uma população de 11% de
desempregados e de 69% dos empregados com carteira de trabalho, o maior setor empregador
está na zona rural, compondo 71,5% dos ocupados, seguidos de ocupados sem remuneração
ou com remuneração de subsistência compondo 45% dos ocupados.
Quadro 3– Indicadores de renda, pobreza e desigualdade, 2000 e 2010 2000 2010
Renda per capita Média (R$ de
2000)
95,43 197,43
Proporção de Pobres (%) 76,50 55,01
Índice de Gini 0,60 0,55
Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil.
A renda per capita média do município tem aumentado nos anos de 2000 a 2010 de R$
95,43 para R$ 197,43 respectivamente. A pobreza (medida pela proporção de pessoas com
renda domiciliar per capita inferior a R$ 75,50, equivalente à metade do salário mínimo
vigente em agosto de 2000), diminuiu 7,91%, no mesmo período. A desigualdade diminuiu: o
Índice de Gini – que mede a desigualdade que consiste em um número entre 0 e 1, onde 0
corresponde à completa igualdade de renda ou rendimento (todos têm a mesma renda) e 1
corresponde à completa desigualdade – passou de 0,60 em 2000 para 0,55 em 2010,
alcançando uma melhora.
28
1.3 O PATRIMÔNIO NATURAL DE MONTE SANTO E OS FUNDOS DE PASTO
O bioma predominante na região de Monte Santo é a caatinga. A temperatura se situa
entre 25 e 29 graus e varia pouco durante o ano. Além dessas condições climáticas rigorosas,
a região está submetida a ventos fortes e secos, que contribuem para a aridez da paisagem nos
meses de seca.
As plantas nativas da caatinga possuem adaptações ao clima seco, tais como folhas
transformadas em espinhos, cutículas altamente impermeáveis, caules suculentos etc. Todas
essas adaptações lhes conferem um aspecto característico denominado xeromorfismo (do
grego xeros, seco, e morphos, forma, aspecto).
Duas adaptações importantes à vida das plantas nas caatingas são a queda das folhas
na estação seca e a presença de sistemas de raízes bem desenvolvidos. A perda das folhas é
uma adaptação para reduzir a perda de água por transpiração e raízes bem desenvolvidas
aumentam a capacidade de obter água do solo.
O solo da região é raso e pedregoso, não consegue armazenar a água que cai e a
temperatura elevada (médias entre 25oC e 29oC) provoca intensa evaporação. Algumas
plantas armazenam água, como os cactos, outras se caracterizam por terem raízes
praticamente na superfície do solo para absorver o máximo da chuva. Um bom exemplo é a
cabeça de frade, planta muito encontrada em Monte Santo.
A caatinga é um bioma único que, apesar de estar localizado em área de clima
semiárido, apresenta grande variedade de paisagens, riquezas biológicas e minerais.
Em Monte Santo existem 45 associações agropastoris de Fundo de Pasto, que são
áreas de posse coletiva de uso comum onde os moradores criam seus animais (caprinos e
ovinos), de forma extensiva e aproveitando as forragens naturais da caatinga. Estes criadores
geralmente são parentes entre si, começam a formar pequenos núcleos (denominadas fazendas
onde existem pequenas áreas cercadas de plantio para subsistência - milho, feijão e mandioca)
e a maior parte da área para a criação de caprinos soltos.
Devido ao relativo isolamento da região e aos laços familiares, foi se criando uma
forma coletiva de trabalho na caatinga, onde, por exemplo, um criador ao ver o animal doente
que não lhe pertença, se preocupa em tratá-lo e informar ao dono, bem como em relação a
animais que se perdiam na caatinga e eram encontrados em outros territórios.
Com referência à propriedade da terra, e de acordo à atual legislação de terra, as terras
de fundo de pasto são irregulares, predominando as posses e ocupações sem titulação ou
escritura legal segundo o Estado da Bahia. Em alguns casos pode ser encontrado em mãos de
29
pessoas mais antigas da comunidade o formal de partilha ou o recibo de compra e venda,
sendo este muitas vezes o único documento de posse da terra.
Um fator histórico de preocupação na região é a baixa pluviosidade. Durante os
períodos de estiagem, alguns moradores de comunidades tradicionais de fundo de pasto de
Monte Santo não conseguem acesso a políticas governamentais como o seguro safra ou o
bolsa estiagem, por não possuírem o título da terra individual.
O solo e o clima da região de Monte Santo não ajudam naturalmente o armazenamento
da água das chuvas, toda vez que elas caem desordenadamente, ou fica sem chover durante
um tempo mais longo, a sede e a fome tomam conta da vida de muita gente, trazendo
sofrimento principalmente para os que já vivem de forma precária. O semiárido nordestino
ainda perde, em média, cerca de 34 bilhões de m³ de água de chuva por ano devido à falta de
empenho dos gestores públicos ou desconhecimento das tecnologias que captam e armazenam
essas águas, segundo a unidade Semiárida da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária -
Embrapa.
Outro grave problema que envolve a questão da água é o da salinização. Os processos
continuados de evapotranspiração de solos, ou de sedimentos aluviais em climas desérticos,
ou ainda de solos irrigados em regiões semiáridas promovem a concentração salina desses
solos.
As queimadas que se fazem presentes nas comunidades rurais de Monte Santo são um
fator que também tem proporcionado desequilíbrio ambiental na localidade, pois além de
provocar o empobrecimento do solo, alguns agricultores afirmaram, quando realizamos a
primeira ida a campo, que a escassez de lenha tem sido provocada pelas constantes
queimadas. Outro resultado é a grande diminuição na fauna nativa.
A ausência de assistência técnica para os agricultores familiares tem provocado a
intensificação dos problemas citados. Alguns programas governamentais, como o Cabra-
Forte, Pró-Renda, Projeto Cisternas, dentre outros, atuam de forma superficial e esporádica na
região sem resolver os problemas, pelo menos os mais urgentes. As visitas acontecem, mas as
medidas práticas não são tomadas.
A população, em suma, cria caprinos e é cada vez mais difícil o manejo da criação, por
uma restrição das áreas de uso comum, resultado de uma devastação da caatinga, com a
presença de grileiros e de mineradoras que procuram cercar a área, além da água salgada
imprópria tanto para os animais, quanto para consumo humano.
Os habitantes da zona rural do Semiárido baiano têm na agricultura e na pecuária as
atividades decisivas da economia, no que se refere à ocupação e à geração de riquezas. O
30
mesmo acontece com as comunidades de fundo de pasto localizadas no município de Monte
Santo na Bahia,uma vez que a atuação onde se configura a realidade das comunidades e sua
utilização espacial é resultado da diferenciação na ação humana sobre a natureza ao longo da
história, o que gera uma preservação e um sentimento de pertencimento aos territórios e ao
modo de vida local sem perder o contato com outros grupos sociais de diferentes localidades.
Desta forma, a relação entre as comunidades de Fundo de Pasto e a natureza supõe,
necessariamente, duas dimensões. Uma concreta, que se realiza por meio dos diferentes
modos de mobilização dos recursos naturais para a subsistência; e outra simbólica,
progressivamente elaborada com os signos da natureza que se imprimem no imaginário social.
Paralelamente à prática social que organiza o espaço territorial das comunidades de fundo de
pasto, desenvolve-se um imaginário cultural fundado nesta prática que tem no discurso –
científico, político e literário – uma forma de expressão e de visibilidade (CASTRO, 2013, p.
1);
A convivência entre os sujeitos que compõem as Comunidades de Fundo de Pasto
gerou um mesmo sentimento de lealdade e solidariedade coletiva, há uma relação social
semelhante em meio a códigos simbólicos no meio dos sujeitos. Esses sentimentos, dentro
dessas comunidades, começam a se tornar desafiadores para seus membros, ao passo que o
outro – os grileiros exploradores que desejam as terras de fundo de pasto – não compartilha
dos mesmos códigos simbólicos coletivos desenvolvidos historicamente nas comunidades
tradicionais de fundo de pasto. Entre os grileiros prevalece a lógica do mercado, “as águas
geladas do cálculo egoísta” que pretendem explorar e dominar o território de fundo de pasto.
Assim, tais comunidades se distinguem do cenário social das sociedades
contemporâneas capitalistas. Porém esses sujeitos sociais pertencem e se identificam a um só
grupo ou localidade e têm uma única identidade distintiva e coerente. No entanto, as suas
relações sociais cotidianas nas comunidades procuram uma articulação entre si que gere
elementos socioculturais e políticos que os tornem “especiais” numa vivência social solidária
e que possibilite uma maior defesa de suas terras, contra grupos econômicos que procuram
intervir nos territórios.
Hoje já não seria mais possível pensar o mundo ou o espaço rural sem admitir que seja
sempre um espaço plural, onde há diferentes formas de se afiliar ou se identificar com um
território. Todavia, este fenômeno não anula a referência espacial que os moradores das
Comunidades de Fundo de Pasto possuem. Antes, instaura uma forma de convivência entre
espaços locais ou regionais, pois estes sujeitos vivem uma experiência onde as relações
sociais, políticas e socioeconômicas fazem valer suas potencialidades; as heranças ecológica,
31
cultural, paisagística, social, ambiental acabam despertando para um modo de vida
diferenciado por meio da relação com a terra, que gera uma diferença onde essas comunidades
convivem, um processo de valorização do seu modo de vida, que se diferencia de
comunidades que não são fundo de pasto e de sujeitos que não fazem parte do mesmo
convívio territorial. Há muitas vezes discriminação e destruição dessas comunidades,
acusadas de dificultar o desenvolvimento econômico capitalista ou entravar o interesse das
empresas que pretendem explorar economicamente essas áreas no município de Monte Santo
na Bahia.
A cultura e o modo como são estabelecidas as relações sociais moldam a identidade
socioespacial dos moradores das comunidades de fundo de pasto ao dar sentido à experiência
e ao tornar possível optar, entre as várias identidades possíveis, por um modo específico de
subjetividade causada pela grande quantidade de contatos que existem entre os sujeitos das
comunidades de fundo de pasto. Porém, nas comunidades, a vida social ainda é simplificada;
todos se conhecem pelas relações sociais mais próximas geradas na pouca divisão social do
trabalho entre seus membros, pois este modo de vida ainda garante a identidade socioespacial
e cultural de tais comunidades.
Essas identidades socioespaciais e culturais são afetadas pelo fenômeno da
globalização que termina por valorizar as terras para a exploração econômica e, desse modo,
acendem a ganância e os interesses dos fazendeiros e capitalistas que afetam o modo de vida
das comunidades de fundo de pastos.
A partir do momento em que surgiram as ameaças de perda das terrras de uso comum,
as comunidades de fundo de pasto mantiveram-se unidas e lutaram para defender sua área e
seu modo de viver. Com certeza, o modo de vida das comunidades de fundos de pastos é
contraditório com o modo de vida do mercado consumista num mundo globalizado. Com
avanços científicos e tecnológicos cada vez mais notáveis o próprio sujeito moderno não sabe
mais a que grupo pertence, não sabe e não encontra mais o seu "eu" nem a sua localização
geográfica; diferentemente dos moradores das comunidades de fundo de pasto em Monte
Santo que mantém elementos das relações sociais tradicionais, seu modo de vida,sua
identificação com o território e a manutenção do grupo com uma identificação cultural ao
longo do tempo. Desta forma, o ordenamento territorial segue segundo Magnago (1995, p.
74):
As novas tendências no pensamento regional, muito voltadas para a questão do planejamento, estavam inseridas no conjunto de transformações socioeconômicas desencadeadas após a II Guerra Mundial. A maneira como se vinha dando a
32
expansão capitalista, desde o final daquele conflito, com suas inevitáveis consequências na produção de novas formas de organização do espaço brasileiro, acentuava a necessidade de reformulação do modelo de divisão regional do país.
Ao longo da história, para satisfazer aos interesses de pequenos grupos, a ocupação de
terras se deu numa perspectiva capitalista cujo princípio é a exploração das terras sem
considerar as outras formas de organização socioeconômica.
Assim, nas comunidades de fundo pasto, a relação com o território se diferencia pela
sua utilização sustentável, com manutenção e utilização de suas áreas de uso comum
[...] como um modo particular de utilização do espaço e da vida social, o que implica a compreensão dos contornos (o espaço ecossistêmico), das especialidades (o lugar onde se vive) e das representações (o lugar de onde se vê e se vive). Em geral, a ruralidade refere-se às relações específicas dos habitantes do campo com a natureza e às relações próprias de interconhecimento destas relações, densificadas pelo conhecimento e pela comunicação direta. ‘A articulação entre as noções de rural e de identidade social é que nos permitirá falar em ruralidade’. (MOREIRA, 2005. p. 93).
Portanto, o modo de vida dos moradores que compõem as comunidades tradicionais de
fundo de pasto e as suas relações sociais não atende aos desígnios do capitalismo globalizado.
Eles têm experiências diferenciadas com a posse da terra, que é de uso comum, na
convivência dos diferentes processos socioeconômicos, caracterizada como uma forma de
vida diferente, mas não isolada da sociedade hegemônica, quando pensamos no modelo
burguês da propriedade privada. Essa forma de lidar com a propriedade da terra diferenciada
está localizada na região do semiárido baiano, identificando-se com um sertanejo que vive da
terra e para a terra.
A partir do fenômeno da expansão do capitalismo para áreas rurais houve uma
valorização das terras do semiárido baiano na busca de exploração de minérios, madeira para
carvoarias, o que gerou um conflito com esses grupos que agem na região e vêm invadindo as
terras de uso comum. O resultado é uma alteração no modo de vida do sertanejo que interage
com várias realidades sociais ao passo que mantém aspectos sociais, econômicos e culturais
identificados apenas nas comunidades de fundo de pasto, o que os diferencia de outras
comunidades localizadas no próprio município de Monte Santo.
Portanto, o prisma da diferença pode ser utilizado como justificativa ideológica para
práticas institucionais discriminatórias que justifiquem as ações violentas de grupos
econômicos, na tentativa de invadir as terras de uso comum das comunidades de fundo de
pasto, como também para provar ou ratificar divisões entre a origem territorial do sujeito,
sexo, entre posições sociais ou condições valorativas.
33
Quais forem as posições, considerando-se os conflitos que constituem a vida social,
não há posições inocentes, mas ações que se projetam entre dominações e resistências,
relações de poder que são exercidas no tecido social e provocam as desigualdades.
Dessa forma, mesmo as comunidades tradicionais de fundo de pasto mantendo
atributos culturais que as distinguem, no uso econômico da sua terra, essas estão em constante
contato com grupos sociais externos. Os sujeitos mantêm seus princípios culturais mesmo ao
se apropriar de outras formas de vida, como ir à roça de moto, usar trator ao arar a terra,
explorar a terra por meio de uso comum. Esses exemplos mostram que nas áreas onde há
fundo de pasto no município de Monte Santo existe também desenvolvimento, não na
perspectiva de um único viés econômico-tecnológico, mas envolvendo o social, o cultural e o
político.
1.4 O CAMINHO METODOLÓGICO
Aqui foram definidos procedimentos e ações a serem seguidos durante o
desenvolvimento desta pesquisa. Observar a forma de associativismo das comunidades de
fundo de pasto no município de Monte Santo na Bahia passa a ser o foco privilegiado para a
pesquisa, pois é aí onde se dá o encontro dos diversos segmentos, o que circunscreve as
contradições inerentes às relações sociais que ali se desenvolvem. É a partir da interação
social no ambiente das associações que podemos observar o que pode ser convergente, o que
pode ser contraditório, nas diversas formas de existir dos sujeitos que residem nos territórios
de fundo de pasto.
Ao tomarmos os territórios de fundo de pasto como espaço social de pesquisa, nossa
intenção era obter informações das mediações sociais que os sujeitos estabelecem com a sua
realidade local e, assim, podermos desvelar os mecanismos utilizados individual e
coletivamente na construção de sentidos culturais e socioeconômicos, ou seja, desvelar os
significados (convergentes ou divergentes) que os agentes sociais envolvidos no processo
social de interação atribuem para a preservação e convivência do seu modo de vida e do
território de uso comum que ocupam.
Assim, o conceito de método será utilizado aqui no sentido exposto por Maria de
Andrade Marconi e Eva Maria Lakatos, isto é, um “conjunto das atividades sistemáticas e
racionais que, com maior segurança e economia, permite alcançar o objetivo [...] traçando o
caminho a ser seguido, detectando erros e auxiliando as decisões do cientista” (LAKATOS;
MARCONI, 2011, p. 46). Essa reflexão envolve a avaliação dos procedimentos técnicos e das
34
fontes utilizadas, bem como dos pressupostos que orientaram o desenvolvimento do projeto
de pesquisa, a postura e as ações do pesquisador e as limitações e dificuldades encontradas no
desenrolar do trabalho.
Consideramos essas reflexões essenciais para a adequada contextualização dos dados
apresentados e, por conseguinte, para a sua melhor compreensão a partir da descrição do
percurso, dos desvios de trajeto, das idas e vindas, dos obstáculos – os superados e os não
superados – até que se pudesse chegar aos resultados, que serão apresentados nesta
dissertação. Além disso, a discussão metodológica é essencial para demonstrar os limites e os
alcances dos dados obtidos a partir de tais práticas, abrangendo, desta forma, a dimensão ética
e a honestidade intelectual do trabalho do cientista social, considerando que escolhas
diferentes poderiam levar a resultados também diferentes.
No caso específico deste trabalho, a descrição e as ponderações dessa ordem se
revestem de uma importância ainda maior em decorrência, primeiro, dos objetivos da
pesquisa e, em segundo lugar, de seu universo. O tema sobre o qual este trabalho se debruça –
Associativismo em Comunidades de Fundo de Pasto no município de Monte Santo-BA:
mobilização social, dinâmica de poder – é carregado de informações e significados complexos
que pretendemos ultrapassá-los, especialmente, devido ao fácil acesso a seus participantes.
E, por último, o fato de a pesquisa estar vinculada diretamente a um contexto social e
político de agentes em conflitos constantes permitiu que a definição do objetivo geral da
pesquisa, que é a análise da atuação sociopolítica de associações das comunidades de fundo
de pasto do município de Monte Santo/BA frente aos conflitos com fazendeiros, mineradoras
e carvoarias, entendendo as dinâmicas de poder para a defesa e preservação dos seus modos
de vida e dos territórios de uso comum destas comunidades. Especificamente, pretende-se:
1. Analisar as diretrizes, propostas e a composição social das Associações de Fundo de
Pasto;
2. Caracterizar os conflitos e as lutas sociopolíticas e como os membros das
comunidades de fundo de pastos se organizam para defender suas terras de uso
comum;
3. Verificar e compreender as relações sociais de atuação que as associações das
comunidades de fundo de pasto estabelecem com os Poderes Públicos Municipal,
Estadual e Federal por meio das secretarias de Agricultura, Direitos Humanos,
INCRA, e agentes econômicos como as mineradoras, fazendeiros que atuam na região;
35
4. Identificar e analisar as dificuldades, entraves e perspectivas de conflitos enfrentados
pelas associações, a forma de organização (o associativismo) das comunidades de
fundo de pasto como ator político.
O trabalho de pesquisa em geral envolve ir além de entendimentos superficiais da vida
comum; e a ciência tem como objetivo produzir análises, explicações ou, numa vertente
compreensiva, produzir interpretações, fruto das relações sociais estabelecidas entre os seres
humanos. Assim, para que esse conhecimento elaborado pela pesquisa se torne relevante,
tentaremos tornar as questões dessa análise o mais precisas possível, reunindo evidências
factuais, teorias e técnicas que serão usadas nas investigações empíricas. Pretendemos
desenvolver uma perspectiva teórico-metodológica a partir de autores que utilizam uma
abordagem crítica dos fenômenos sociais.
Portanto, “em sentido genérico, método em pesquisa significa a escolha de
procedimentos sistemáticos para a descrição e explicação de fenômenos” (RICHARDSON,
2010, p. 70). Foram definidos os procedimentos e ações que serão executados durante o
desenvolvimento da pesquisa com início por meio de um processo de exploração de
perspectiva compreensiva, usando a técnica descritiva “que tem como objetivo primordial a
descrição das características de determinada população ou fenômeno ou estabelecimento de
relações entre variáveis” (GIL, 2011, p.28).
Nessa perspectiva, elegemos como método uma abordagem qualitativa que procura,
num contexto social mais amplo, analisar o comportamento e as atitudes dos indivíduos para
aprofundar as descobertas e, consequentemente, formular explicações das relações sociais
observadas, sem perder o olhar em alguns dados quantitativos. Os instrumentos que
pretendemos utilizar são: entrevista estruturada, observação sistemática e análise de
documentos.
Assim, André (1992, p. 31-32), analisando a produção científica avalia que:
O que se verifica [...] é que a grande maioria envolve dados de campo, sistematizados em forma de descrições que acrescentam muito pouco ao que se sabe ou conhece ao nível do senso comum. É a empiria pela empiria. O autor parece satisfazer-se com o fato de coletar uma grande quantidade de dados e parece “esperar” que esses dados por si produzam alguma teoria. Mas é evidente que sem um referencial de apoio que oriente o processo de reconstrução desses dados não há avanço teórico - fica-se na constatação do óbvio, na mesmice, na reprodução do senso comum.
A proposta que ora discutimos pretende superar tais limitações. Trata-se de ir para
além da apresentação aparente de um primeiro momento das relações que são estabelecidas
36
entre os sujeitos implicados nos conflitos aqui estudados. Pretende-se ir além da constatação
óbvia do fenômeno que se estuda, das micro-relações entre os agentes, isto é, da simples
caracterização dos atores. Nesse sentido, almejamos a vinculação dos conflitos existentes em
Monte Santo como o fenômeno macro da expansão do capitalismo sobre o campo. Sob tal
perspectiva, nos aproximamos das formas pelas quais os agentes sociais que vivenciam as
lutas travadas nos territórios de fundo de pasto, tornam-se agentes no processo histórico,
geram uma perspectiva coletivista e passam a se singularizar diante das várias fronteiras
institucionais que produzem/reproduzem –espelham – as contradições sociopolíticas presentes
neste contexto social do semiárido brasileiro.
Devido às especificidades do objeto, optou-se por uma abordagem qualitativa, pois
privilegia algumas técnicas que auxiliam a descoberta de fenômenos latentes que, segundo
Chizzotti (2003, p. 85) lembrando Habermas,
Baseia-se na racionalidade comunicacional. Observando a vida cotidiana em seu contexto ecológico, ouvindo as narrativas, lembranças e biografias, e analisando documentos, obtém-se um volume qualitativo de dados originais e relevantes, não filtrados por conceitos operacionais, nem por índices quantitativos.
A partir do descrito acima, observar-se-á a comunicação como essencial no período do
desenvolvimento da pesquisa que ora se concretiza, visto que esta é responsável direta pela
coleta de informações.
Dessa forma, serão definidos os procedimentos e ações a serem seguidas durante o
desenvolvimento da pesquisa.
1.5 PROCEDIMENTO DE PESQUISA/INSTRUMENTOS
No que tange aos procedimentos de pesquisa e aos instrumentos, entende-se aqui a
aplicação da entrevista estruturada, a observação sistemática, a análise de documentos
(relatórios de instituições do governo e entidades da sociedade civil, análise das entrevistas,
dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE etc.); como adequados para
apreendermos e compreendermos a realidade, pois proporcionam uma aproximação do
cotidiano e das representações que ali se entrecruzam.
A escolha pelo instrumento entrevista estruturada reside no fato de a mesma
proporcionar quase sempre a produção de uma melhor amostra do universo. A entrevista será
estruturada combinando perguntas abertas e fechadas. Desta forma, o pesquisador segue um
conjunto de questões previamente definidas pela pesquisa que para Gil (2011, p. 109),
37
Pode-se definir entrevista como a técnica em que o investigador se apresenta frente ao investigado e lhe formulam perguntas, com o objetivo de obtenção dos dados que interessam à investigação. A entrevista é, portanto, uma forma de interação social. Mais especificamente, é uma forma de diálogo assimétrico, em que uma das partes busca coletar dados e a outra se apresenta como fonte de informação.
Nesta perspectiva, pretendemos desenvolver um roteiro de entrevista, que será
aplicado pelo pesquisador, e com isso adquirir algumas informações objetivas que serão
complementadas a partir das observações sistemáticas para obter uma visão mais próxima
possível da realidade, reforçando mais as informações para construir uma visão geral do
problema da pesquisa.
Os instrumentos de entrevista estruturada e a observação sistemática se inserem no
conjunto das metodologias denominadas, no campo da metodologia científica, como
“qualitativa”. Em função disso, observaremos de forma sistemática, as relações e conversas
que serão estabelecidas entre os atores envolvidos. Não esquecendo que um dos objetivos da
pesquisa científica é o de sempre buscar a produção de informações corretas.
Observar as comunidades do município de Monte Santo permitiu levantar o número
das associações de comunidades que possuem territórios de Fundo de Pasto enquanto sujeito
desta pesquisa. O cotidiano das comunidades Capivara e Varginha Terra Livre passa a ser o
espaço privilegiado para a pesquisa, pois é aí onde se dá o encontro dos diversos segmentos, o
que circunscreve as contradições inerentes às relações sociopolíticas dos territórios de fundo
de pasto do município de Monte Santo.
É a partir do ambiente dos territórios de fundo de pasto e por meio de suas
associações, dos poderes públicos municipal, estadual e federal, que podemos observar o que
pode ser convergente, o que pode ser contraditório, nas diversas formas de existir dessas
representações associativas, na busca do entendimento das suas mobilizações sociais e da
dinâmica de poder.
Ao tomarmos a mobilização das associações (formais ou legais – entendendo por
legalidade o registro em cartório) dos territórios de fundo de pasto como foco, pretende-se
investigar a dinâmica de poder, intra e extra-comunidade, na defesa dos direitos territoriais e
de seus modos de vida. O território de fundo de pasto se torna assim um espaço social de
pesquisa. Tivemos como intenção ter acesso às mediações que os indivíduos estabelecem com
a sua realidade e assim, podermos desvelar os mecanismos utilizados individual e
coletivamente na construção de sentidos para a realidade dessas comunidades, ou seja,
desvelar os significados (convergentes ou divergentes) que os agentes sociais envolvidos no
processo sociopolítico emprestam à luta política.
38
No entanto, entende-se aqui que as relações sociais são estabelecidas no interior do
território de fundo de pasto e estão exclusivamente relacionadas com os afazeres cotidianos;
antes disso, estamos diante de uma realidade que nos últimos anos demandam uma estrutura
prática de mobilização social, defesa de políticas públicas, oferecendo aos que ali estão
envolvidos um sentido de identidade e uma posição de proteção ao seu território.
Nesse sentido, sob tal perspectiva, nos aproximamos das formas pelas quais os agentes
sociais que vivenciam as convivências dessas comunidades de fundo de pasto tornam-se
também agentes no processo histórico, como eles se singularizam diante das várias fronteiras
institucionais que produzem/reproduzem – espelham – as contradições sociopolíticas
presentes em nosso contexto social.
Nesta pesquisa, ao observar alguns acontecimentos sociais nos territórios de
comunidade de Fundo de Pasto, entendemos o sujeito como um indivíduo, um ser
cognoscente capaz de agir no mundo e transformá-lo, e não como um dado inerte e neutro.
Os sujeitos dessa pesquisa, os atores em luta, estão possuídos de significados e relações com
sujeitos concretos. Percebemos que os sujeitos estão em constante relacionamento com
pessoas da comunidade e com outros que, em tese, vivem em mundos diferentes do seu a
exemplo dos representantes governamentais da região ou da sede do município.
Nesse contexto cria-se uma relação viva e participante na dinâmica entre os sujeitos envolvidos sendo muito importantes e indispensáveis para se apreender os vínculos entre as pessoas e os significados que são construídos. A descrição cuidadosa dos dados é fundamental; captaremos o universo das percepções, das emoções e das interpretações dos informantes na sua realidade buscando identificar o problema proposto na pesquisa. (CHIZZOTTI, 2003, p. 80).
Tal técnica tem como objetivo principal estimular os participantes a discutir de forma
aberta um assunto de interesse comum. Assim, os participantes serão escolhidos a partir de
um determinado critério, cujas ideias são do interesse da pesquisa.
A estratégia metodológica que ora discutimos vai em direção a superar as dificuldades
de coletas de dados que aparecem em uma pesquisa científica. Assim para a criação de novas
categorias que são construídas/reconstruídas tentamos entender que:
[...] heterogeneidade e a individualidade do cotidiano exigem outras dimensões ordenadoras. Impõem forçosamente o reconhecimento de sujeitos que incorporam e objetivam, a seu modo, práticas e saberes dos quais se apropriaram em diferentes momentos e contextos de vida, depositários que são de uma história acumulada durante séculos. (EZPELETA & ROCKWELL, 1986, p. 28).
Assim sendo, a reconstrução dos processos que ocorrem na vida diária das
comunidades dos territórios de fundo de pasto nos permite integrar os numerosos momentos
39
por meio da observação sistemática que nos ajuda a interpretar sua realidade cotidiana. As
contradições e as incongruências aparentes encontradas nos mais diversos espaços sociais
adquirem sentido como resultados de mecanismos de reprodução, de apropriação, de
confrontação, entre outros, e mostram as diversas formas como a história –social e individual
– está presente na vida cotidiana.
Procuramos, também, observar, de forma sistemática, as relações e conversas entre os
sujeitos da pesquisa, como são organizados cada grupo, sua representação sociopolítica na
comunidade, tentando compreender e tornar perceptível quais os elementos simbólicos
estabelecidos na construção das relações. Assim, ao utilizarmos estes instrumentos de
pesquisa, formou-se um entendimento em estabelecer relações entre os grupos envolvidos no
projeto.
1.6 UNIVERSO DA PESQUISA E CARACTERIZAÇÃO DOS CONFLITOS
Por meio de um levantamento de dados secundários elaborado no ano de 2005 pela
Coordenação de Desenvolvimento Agrário (CDA) - Projeto Geografia dos Assentamentos na
Área Rural (GeografAR) – Universidade Federal da Bahia (UFBA), definimos o universo da
pesquisa que são as 45 Associações registradas em cartório do município. São todas
Associações de Fundo de Pasto - comunidades que possuem áreas particulares - e as áreas de
fundo de pasto, que mantém um modo de vida diferenciado por meio do uso comum do
terreno.
Na sua maioria, essas 45 associações de fundo de pasto com registro em cartório,
foram fundadas e registradas como representação formal das comunidades nos últimos 25
(vinte e cinco) anos. O mesmo não se pode afirmar com relação à existência, à forma de
vivência coletiva solidária das comunidades de fundo de pasto que datam mais de 100 (cem)
anos e onde são identificados aspectos tradicionais próprios das relações sociais estabelecidas
entre os sujeitos que compõem as comunidades. Na atualidade há pesquisas reconhecidas no
mundo acadêmico feitas nas comunidades de Fundo de Pasto ou por meio de uso comum de
terras que abordam aspectos da cultura e identidade dessas comunidades conhecidas como
tradicionais (OSTROM, 2011; SABOURIN, 2009, 2010; ALCANTARA, 1999; GIOMAR
GERMANI, 2006; REIS, 2010; TORRES, 2013).
Para efeito de conhecimento vejamos algumas características que informam a situação
atual das comunidades de fundo de pasto, tais como: a ocupação da área, a situação de
legalização perante o Estado, e número de famílias dessas comunidades.
40
Quadro 4 – Repartição das terras nas comunidades de fundo de Pasto de Monte Santo Comunidades
Superfícies dos Fundos de Pasto
Situação legal dos Fundos de Pasto
Número de
famílias
1 Angico 898ha Medidas, porém não registrada. Em curso litígio
34
2 Boa Esperança ou Assentamento Maravilha
750ha Medidas, porém não registrada.
20
3 Paus Verde 622 ha Medidas, porém não registrada.
48
4 Lagoa da Serrinha 500 ha Em curso litígio
Comunidades
Superfícies dos Fundos de Pasto
Situação legal dos Fundos de Pasto
Número de
famílias
5 Santo Antônio Não Informar Medidas, porém não registrada.
Em curso litígio
150
6 Serra da Bahia 2.430 ha Medidas, porém não registrada.
7 Xique-Xique 600 ha Medidas, porém não registrada.
8 Jiboia 3330 ha Medidas, porém não registrada.
64
9 Lagoa da Fonseca 1230 ha Medidas, porém não registrada de título coletivo.
10 Capivara/Mandu 500 ha Medidas, porém não registrada de título coletivo.
30
11 Lage do Ariri Não Informado
Medidas, porém não registrada de título coletivo.
18
12 Lagoa do Mandacaru 1400 ha Medida e Registrada
50
13 Renascer 1730 ha Medidas, porém não registrada de título coletivo.
14 Umburana Brava 250 ha Medida, Título Coletivo, Registrada
46
15 Desterro do Alto Alegre 1300 ha Medidas, porém não registrada
100
41
de título coletivo.
16 Junco dos Peixinhos 360 ha Medida, Registrada e Título Coletivo
63
17 Mundo Novo 80ha Medida, Registrada e Título Coletivo
100
18 Flores 644 ha Medidas, porém não registrada de título coletivo.
82
19 Lagoa Bonita 274 ha Medida, Registrada e Título Coletivo
25
20 Poço do Boi 350 ha Medidas, porém não registrada de título coletivo.
48
Comunidades
Superfícies dos Fundos de Pasto
Situação legal dos Fundos de Pasto
Número de
famílias
21 Santo Antonio/Barra 500 ha Não esta medida, nem registrada.
35
22 Acaru 115 ha Medidas, porém não registrada de título coletivo.
118
23 Baixas 723 tarefas Medidas, porém não registrada de título coletivo.
25
24 Barreiras, Caldeirãozinho, Umburana
344 ha Medida, Registrada e Título Coletivo
65
25 Bom Será Não Informado
Não esta medida, nem registrada.
14
26 Lagoa da Ilha Não Informado
Medida, Registrada e Título Coletivo
23
27 Muquém 400 ha Medidas, porém não registrada de título coletivo.
500
28 Oiteiro 287 ha Medida, Registrada e Título Coletivo
100
29 São Pedro 139 ha Medida, Registrada e Título Coletivo
120
Fonte: Banco de dados do projeto “Balcão de Direitos Humanos” da Universidade Estadual de Feira de Santana (2010).
42
As associações das comunidades dos territórios de fundo de pasto supracitadas foram
aquelas com que mantivemos contato, ao longo da participação em projeto, numa parceria
UEFS e associações locais. Porém, abaixo está relacionado o universo das associações das
comunidades tradicionais de fundo de pasto registradas no Estado da Bahia. Esses dados são
de dezembro de 2005 da CDA com a elaboração do geografAR – Universidade Federal da
Bahia/UFBA.
Quadro 5 – Estado da Bahia – Comunidades de fundos e feches de pasto, 2005 Municípios Quantidade de Associações de Fundo de
Pasto
Andorinhas 20
Antônio Gonçalves 4
Brotas de Macaúbas 2
Buritirama 4
Campo Alegre de Lourdes 8
Campo Formoso 34
Canudos 14
Casa Nova 15
Curaça 29
Itiúba 7
Jaguararí 19
Juazeiro 33
Mirangaba 3
Monte Santo 45
Oliveira dos Brejinhos 13
Pilão Arcado 24
Pindobaçu 4
Remanso 7
Santo Sé 3
Seabra 1
Sobradinho 14
Uauá 57
Umburanas 3
Total 363
Fonte: CDA (dados de dezembro/2005). Elaboração: Projeto GeografAR, 2005.
43
De acordo com os dados acima, o município de Monte Santo chama a atenção por ser
o segundo em número de associações de comunidades tradicionais de fundo de pasto, com
grande incidência de conflitos nos territórios de fundo de pasto nos últimos anos no Estado da
Bahia. Logo abaixo está representado um mapa com informações sobre os municípios do
Estado da Bahia que possuem fundo de pasto e sua quantidade.
Figura 4 – Mapa comunidades de fundo e feche de pasto identificados – Estado da Bahia, 2005
Fonte: CDA, 2005. Elaborado pelo Projeto GeografAR, 2005.
Como mostra o mapa acima, Monte Santo tem 45 Comunidades de Fundo de Pasto e,
para nossa pesquisa selecionamos uma amostra de duas comunidades que possuem fundo de
pasto: a Associação Agropastoril da Fazenda Capivara e Associação Comunitária
Agropastoril Varginha Terra Livre, ambas localizadas a uma distância de 20 km e 18 km,
respectivamente, da sede do Município de Monte Santo. Ambas viveram em situação de
conflitos com grileiros e mineradoras, e ainda hoje são referenciadas pelo movimento social
do município como áreas de conflito. As empresas de mineração citadas são a Bamim,
Caraíbas Metais, Vale do Rio Doce e a Ferbasa.
44
A Comunidade de Capivara, onde existem cerca de 30 famílias, é composta por 30
áreas individuais; destas apenas 20 foram medidas e possuem documentação, 10 ainda não
foram medidas e não possuem nenhum registro. O território de Fundo de Pasto, que já foi
medido, tem 500 hectares e aguarda o registro de título coletivo; esta é a área de uso comum
onde se localiza açude, barragem, poço artesiano, e ocorre a criação de caprino e ovino.
As terras de uso comum da Comunidade Capivara, durante sua existência, nunca
foram cercadas; mas com a chegada de grileiros houve uma tentativa de cercar a área. A ação
dos grileiros resultou numa reação dos moradores da comunidade; que por meio da
organização da Associação Comunitária e Agropastoril da Capivara, fundada em 1994,
mobilizaram os sujeitos da comunidade contra as cercas postas pelos grileiros. A mobilização
comunitária contou com o apoio de outras comunidades vizinhas e conseguiu a retomada da
terra, o que gerou ameaças de morte partidas de grileiros que saíram fugidos da área na
ocasião do conflito.
A outra comunidade escolhida é a Comunidade Lagoa do Mandacaru, área retomada
em 2003, após um fazendeiro local se intitular dono da área de fundo de pasto. No fundo de
pasto, onde o uso é comum, os sujeitos dessa comunidade podem contar com 1400 hectares
com barragem para criação de caprinos e ovinos. A Associação Agropastoril Varginha Terra
Livre teve sua fundação no ano de 1990, o que garantiu a medição de 80 áreas individuais, das
quais 50 possuem títulos individuais. A área que é de uso comum foi registrada.
1.7 PROCEDIMENTOS DE COLETA DE DADOS
Uma vantagem com relação aos sujeitos envolvidos nesta pesquisa é a de que já houve
um contato prévio que facilitou a coleta de dados. Os contatos que utilizamos foram
primeiramente com os representantes dos movimentos sociais do município de Monte Santo,
a partir do projeto que desenvolvemos no ano de 2012. Após esse primeiro contato, demos
início às visitas às comunidades tradicionais de fundo de pasto aqui pesquisadas com mais
detalhes.
Foram realizadas em média três visitas a cada comunidade, quando tivemos a
oportunidade de observá-las sistematicamente e aplicar a entrevista estruturada com o
objetivo de adquirir informações-chave para atender o tema proposto pela pesquisa.
Participamos de eventos, como por exemplo, o 1º Encontro Regional pela Reforma Agrária e
Contra a Violência no Campo, realizado no município de Senhor do Bonfim - BA em agosto
45
de 2014. Em todos os espaços que ocupamos ao longo desses dois anos de pesquisa sempre
ressaltamos a importância da contribuição de todos para o desenvolvimento do trabalho.
Fizemos de forma sistemática um levantamento da bibliografia pertinente sobre temas
como Comunidade Tradicional de Fundo de Pasto, Mobilização Social, Dinâmica de Poder e
Conflitos que possam contribuir para o nosso referencial teórico. Aplicamos as entrevistas
estruturadas aos informantes da comunidade, diga-se de passagem, fomos bem atendidos.
Entretanto, podemos considerar que a discussão nos seminários e encontros visa a
complementar as informações obtidas na aplicação das entrevistas estruturadas e das
observações sistemáticas realizadas nas comunidades tradicionais de fundo de pasto.
Para descrever com mais fidedignidade as informações adquiridas ao longo da
pesquisa, há de se atentar para a busca cuidadosa de uma razoabilidade no processo de seleção
dos sujeitos que comporão esse grupo comunitário, para que se reúna o maior número de
informações possível.
Com as informações coletadas, foram realizados cruzamentos das questões das
entrevistas. Sintetizamos as informações obtidas que atendiam aos objetivos da pesquisa e
após o término dessa análise teórica qualitativa das informações procuramos redigir o texto
final. Com o objetivo de preservar nomes dos entrevistados e citados nas entrevistas
preferimos a utilização de nomes fictícios.
46
Capítulo 2
ENTENDENDO A COMUNIDADE TRADICIONAL DE FUNDO DE PASTO (CFP) NO BRASIL E NO SEMIÁRIDO
Neste capítulo procurar-se-á definir os territórios das comunidades tradicionais de
Fundo de Pasto como áreas de recursos de uso comum, a partir da teoria de autogestão e
organização dos recursos naturais pelos membros da própria comunidade defendida por Elinor
Ostrom (2011), que desenvolveu pesquisas em várias partes do mundo como Japão, Suíça,
Filipinas, EUA, Canadá e Turquia.
Os territórios de fundo de pasto são representações simbólicas para os sujeitos sociais
das comunidades tradicionais que são tidos como o cenário principal onde esses sujeitos
tecem suas vivências, seus desejos, seus sentimentos, seu cotidiano social, enfim, suas
múltiplas experiências com o meio ambiente e relações sociais.
No Brasil, a relação socioeconômica de uso comum de territórios das comunidades
tradicionais de fundo de pasto vem se modificando ao longo do tempo, pois se caracteriza,
hoje, fundamentalmente, como ameaçada pela penetração cada vez maior do grande capital no
mundo rural. Este, que a princípio concentrava suas atenções na esfera estritamente industrial
e financeira localizada na zona urbana, com o intento de ampliar seus lucros procura novas
áreas de atuação e de ampliação de sua força econômica no interior do Brasil.
Essa expansão do capital financeiro, por meio das empresas de mineração e carvoarias,
não interage com os modos de vida das comunidades tradicionais de fundo de pasto
encontradas nessas regiões do semiárido baiano, que divergem da lógica do lucro capitalista
através da exploração dos recursos naturais e da força de trabalho.
Nessa perspectiva, o avanço do capital econômico no campo gera conflitos de
interesses e são encontrados em toda parte do Brasil, porém, vamos focalizar nossa pesquisa
nos territórios das comunidades tradicionais de fundo de pasto no município de Monte Santo;
onde acontece a atuação de mineradoras, carvoarias e grileiros que veem nessas terras um
bem de especulação e de lucro para as suas atividades produtivas. Tais atividades afetam
negativamente os territórios das comunidades tradicionais que sempre se reservaram o papel
de produzir uma agricultura, caprinovinocultura e pecuária para o autoabastecimento. Pode-se
considerar um território tradicional a partir,
Das relações específicas que esse grupo estabelece com as terras tradicionalmente ocupadas e seus recursos naturais fazem com que esses lugares sejam mais do que terras, ou simples bens econômicos. Eles assumem a qualificação de território. O
47
Território implica dimensões simbólicas. No Território estão impressos os acontecimentos ou fatos históricos que mantêm viva a memória do grupo[...]; ele determina o modo de vida e a visão de homem e de mundo; o território é também apreendido e vivenciado a partir dos sistemas de conhecimentos locais, ou seja, não há povo ou comunidade tradicional que não conheça profundamente seu território. (CARTILHA..., [s.d]).
2.1 A LÓGICA DE PROPRIEDADE DAS COMUNIDADES TRADICIONAIS DE FUNDO DE PASTO As terras de uso comum foram objeto de atenção do escritor Karl Marx em O Capital;
os commons, terras não cercadas cujo uso era compatível com o exercício de direitos
costumeiros por populações locais permitindo sua sobrevivência, foram expropriados pela
introdução, física e jurídica, de cercas de criação da propriedade privada, fenômeno conhecido
como cercamento.
Por meio desse mecanismo, a Inglaterra do século XVII iniciou o seu processo de
acumulação primitiva do capital fundado na criação de riqueza privada, à custa da
expropriação de direitos das populações locais. Houve substituição de um sistema de
produção local, diversificado, com exportação de lã tecida artesanalmente nas residências,
pela monocultura capitalista da lã (grandes pastos para criação de ovelhas), visando ao
abastecimento das indústrias têxteis urbanas não apenas com matéria-prima, mas também com
massas de camponeses expulsos das terras comunais cercadas, o exército industrial de reserva
do qual o capital precisava para se expandir.
O fenômeno do cercamento também mereceu a atenção de Karl Polanyi em A Grande
Transformação, denominado de a “revolução dos ricos contra os pobres”. Para o autor,
os senhores e os nobres estavam perturbando a ordem social, destruindo as leis e os costumes tradicionais, às vezes pela violência, às vezes por pressão e intimidação. Eles, literalmente, roubavam o pobre na sua parcela de terras comuns, demolindo casas que até então, por força de antigos costumes, os pobres consideravam como suas e de seus herdeiros. O tecido social estava sendo destruído; as aldeias abandonadas e ruínas de moradias humanas testemunhavam a ferocidade da revolução, ameaçando as defesas do país, depredando suas cidades, dizimando sua população, transformando seu solo sobrecarregado em poeira, atormentando seu povo e transformando-o de homens e mulheres decentes numa malta de mendigos e ladrões. (POLANYI, 2000, p. 53).
Na esteira dos materialistas históricos como Marx, e dos institucionalistas históricos
como Polanyi, que deram atenção aos danos sociais e ambientais produzidos pela destruição
dos commons, hodiernamente, Elinor Ostrom (2011) tem o mérito de chamar a atenção sobre
esse dado que, no contexto da crise ambiental global, revela hoje toda sua relevância.
48
Ostrom (2011) estudou como as comunidades fazem a gestão dos recursos comuns
(florestas, rios, pastagens e animais selvagens) em diversas partes do planeta. A perspectiva
de Garret Hardin (1968) preconizava a tragédia dos comuns, partindo do pressuposto de que
os recursos de uso comum são aqueles que não apresentam direitos de propriedade com a
interpretação de que o que é de todos acaba não pertencendo a ninguém. Diferentemente,
Ostrom (2011) verificou que o “autogoverno” muitas vezes funciona bem. Uma abordagem
para resolver o problema da preservação dos bens comuns seria o desenvolvimento de
instituições cooperativas duráveis organizadas e regidas pelos próprios usuários de recursos.
Ostrom (2011) passou grande parte da carreira estudando como certas comunidades
pelo mundo conseguiram gerir os recursos comuns. A descoberta foi que grupos de pessoas
tendem a ter conjuntos específicos de regras, normas e sanções, para assegurar que tais
recursos sejam utilizados de forma sustentável. O autor acredita que o grande desafio seja
promover o autocompromisso entre os membros, o comprometimento de seguir o conjunto de
regras em todas as instâncias, mesmo em emergências terríveis, se o resto das pessoas
afetadas assumirem um compromisso semelhante e agirem em conformidade.
De certa forma, os achados de Ostrom (2011) foram importantes, também, por
mostrarem uma análise teórica contrária aos três modelos dominantes na explicação do uso e
do manejo dos recursos de uso comum com: 1) a tragédia dos comuns discutida na proposta
de Garrett Hardin, onde prevalece a ganância, a perseguição de cada sujeito individualmente
para atender seu próprio interesse; 2) o dilema dos prisioneiros, onde a tragédia dos comuns
costuma ser formalizada (DAWES APUDOSTROM, 2011); é um jogo não cooperativo
simultâneo de rodada única, e que apresenta resultados subótimos onde as decisões
individuais racionais levam a uma decisão coletiva irracional; 3) a lógica da ação coletiva
desenvolvida por Mancur Olson em 1965, que afirma que o indivíduo racional com interesses
próprios não atua para alcançar os interesses comuns.
Assim, para Ostrom (2011), esses modelos de análises teóricas dos recursos de uso
comum são insuficientes, pois se baseiam no problema do free-rider, situação em que os
indivíduos agem contra os interesses coletivos se beneficiando de recursos, bens ou serviços
sem pagar o custo do benefício.
Ostrom (2011) afirma, ainda, que estes modelos não são necessariamente errados, são
casos específicos que só se aplicam quando os indivíduos agem independentemente, têm altas
taxas de desconto, pouca confiança mútua, e não há meios de vigilância e controle do uso
excessivo dos recursos comuns.
49
Como demonstram os estudos empíricos de Elinor Ostrom (2011), e os realizados nas
comunidades tradicionais de Fundo de Pasto em Monte Santo na Bahia, as instituições
coletivas, frequentemente centenárias, manejam com eficiência sistemas e recursos ambientais
extremamente complexos. Ao invés de ignorá-las ou destruí-las por considerá-las antiquadas
ou pré-modernas, o desafio das associações de Fundo de Pasto, pelo que se nos apresenta, é
manter vivo o auxílio e, por meio do diálogo com outras áreas sociais e políticas, a
preservação do território de uso comum.
O arcabouço teórico da ortodoxia econômica prevê que, neste dilema social de
território de uso comum, prevalecem os interesses privados, individuais. Deste modo,
verificar a melhor forma de controle destes recursos de uso comum é de fundamental
importância para confirmar ou não se apenas o Estado ou o mercado é capaz de garantir a
manutenção dos recursos, como tradicionalmente argumenta Garrett Hardin em Science
(1968),
La expresión ‘la tragédia de los comunes’ ha llegado a simbolizar la degradación del ambiente que puede esperarse siempre, cuando muchos indivíduos utilizan simultaneamente un recurso escasso. Hardin concluye: ‘Ahí está la tragédia. Cada hombre se encuentra atrapado en un sistema que o compele a aumentar su ganado sin ningún limite, en un mundo que es limitado. La ruina es el destino hacia el cual todos los hombres se precipitan, persiguiendo cada uno su próprio interés en una sociedad que cree en la libertad de los bienes comunes. (HARDIN, 1968, p. 1244 APUD OSTROM, 2011, p. 37).
Seria, então, os sentimentos de ganância, a busca constante de cada sujeito em
satisfazer seu próprio interesse que levaria a destruição dos recursos de uso comum. Como
proposto por Garrett Hardin, a solução seria a intervenção de um terceiro sujeito para fazer
cumprir as decisões coletivas, a intervenção estatal, ou a privatização dos recursos.
Porém, Ostrom (2011) seguiu um caminho atípico, marcadamente trans e
pluridisciplinar, alimentado por pesquisas empíricas realizadas em todo o mundo,
evidenciando os aspectos “comunitários” do comportamento humano, que podemos afirmar
serem semelhantes às práticas sociais vivenciadas pelas Comunidades de Fundo de Pasto e
marcadamente contrapostas aos modelos ortodoxos do homo economicus. Na obra El
gobierno de los bienes comunes: la evolución de las instituciones de acción colectiva
(2011)desenvolveu trabalhos, reflexões e pesquisas em torno de um conjunto de preocupações
e interesses comuns: a insatisfação com as leituras e os modelos ortodoxos sobre uso e gestão
de recursos naturais, sobretudo renováveis e coletivos, e a incapacidade destes mesmos
50
modelos de dar conta de inúmeras observações empíricas de sustentabilidade em comunidades
locais de usuários de tais recursos com a realidade das comunidades de Fundo de Pasto.
A principal contribuição de Ostrom consiste numa leitura dos mecanismos que
regulam o uso de recursos comuns como lagos, florestas, pastos e em geral recursos
ambientais de difícil subdivisão (por razões técnicas, jurídicas, ecológicas e/ou econômicas) e
para as quais existe rivalidade de acesso.
Desta forma, nos desperta atenção as associações rurais que se organizaram para lutar
em defesa das áreas de Fundo de Pasto. Quanto a isso, Sabourin, Caron e Silva(1999, p. 90)
afirmam que:
Essas ‘terras comuns’ fazem parte do patrimônio coletivo de comunidades rurais. Os Fundos de Pasto estão tradicionalmente associados à pecuária extensiva via o pastoreio da vegetação natural da caatinga. Esse modo de exploração dos recursos naturais funcionou durante vários séculos, mas, hoje, tornou-se mais raro no Sertão do Nordeste brasileiro, onde, geralmente, o espaço foi apropriado e cercado individualmente.
Entretanto, essa realidade de cercamentos das “terras comuns” é atual e vem ocorrendo
no município de Monte Santo pela ação de grileiros que atuam na região. Tal tentativa de
cercamentos individuais de “terras de uso comum” vem sendo combatida pelos moradores das
comunidades tradicionais de fundo de pasto que resistem às pressões sofridas, e como
resultados dessa resistência surgem os conflitos.
Na esteira de Ostrom (2011), identificamos várias definições do que seria a
Comunidade Tradicional de Fundo de Pasto, que estão interligadas a um entendimento
comum com novos esclarecimentos ao longo dos anos, quando pesquisadores passaram a se
interessar pelo tema no país.
Ao observar os escritos científicos de algumas áreas do conhecimento sobre a
caatinga, percebe-se que a mesma vem, muitas vezes, sendo subestimada e até discriminada,
por ser considerada um sistema de pequena diversidade e sem grande importância. Mas os
resultados apresentados nos últimos anos de pesquisas sobre a caatinga demonstram que a
mesma apresenta uma riqueza ecológica incomensurável e,se bem aproveitada e conservada,
apresenta-se como suporte para a vida, inclusive humana. Os mercados de investidores
capitalistas já perceberam essa riqueza, no setor de mineração, madeira, e agora pretendem
explorar as terras de comunidades tradicionais de fundo de pasto (MENDES, 1997).
Conforme informa Mendes (1997), desde o povoamento do semiárido, há alguns
séculos, o homem utiliza a caatinga como fonte de alimento, medicamentos, energia e
matéria-prima para as mais variadas finalidades. Até poucas décadas atrás, alguns dos estados
51
nordestinos tinham na biodiversidade a principal fonte de renda. Além dessas utilizações de
cunho econômico, a caatinga dispõe de variadas árvores frutíferas que servem para matar a
sede e saciar a fome da fauna nativa e do sertanejo, sendo importantes fontes de sais minerais
e vitaminas nos momentos de carência hídrica na região (MENDES, 1997; LOBÃO; SILVA,
2013, p. 245-257).
A respeito da importância da utilização da caatinga, as comunidades tradicionais de
fundo de pasto, ao longo de sua existência, vêm mantendo em seu território uma flora no
semiárido bem mais rica em recursos alimentares do que se presumia até então, uma vez que
essas áreas são utilizadas de forma sustentável economicamente numa perspectiva de uso
comum (SABOURIN, CARON e SILVA,1999).
Assim, os estudos de Elinor Ostrom (2011) procuram analisar os desafios
socioeconômicos, políticos enfrentados pelas comunidades para manter suas áreas de uso
comum merecendo ter sua produção largamente fomentada e seu consumo intensificado, sem
perder de vista a prioridade e manter os benefícios aos sujeitos que compõem a comunidade.
Essa autora esclarece também, que as comunidades, ao tentar manter ou proteger suas áreas,
devem elaborar mecanismos internos de normas, valores e comportamentos coletivos que
busquem a defesa do território.
Os autores pesquisados (MENDES, 1997; CASTRO, 2013) constroem o argumento de
que a caatinga é muito rica e conhece-se ainda muito pouco da sua biodiversidade; apesar de,
nos últimos dez anos, algumas instituições terem começado a se dedicar a conhecer melhor
esse bioma, principalmente em termos do potencial nativo de plantas frutíferas, medicinais,
com propriedades fungicidas e inseticidas, além dos diversos usos da madeira, entre outros
estudos relacionados ao melhor aproveitamento da fauna e da flora regional. Porém, o que
ainda se mantém nos territórios de uso comum das comunidades tradicionais de fundo de
pasto em Monte Santo, é uma preservação da fauna e da flora, cujas terras não cercadas
demonstraram uma conservação no decorrer do tempo.
2.2 DEFINIÇÕES DAS COMUNIDADES TRADICIONAIS DE FUNDO DE PASTO
No Brasil, uma das primeiras definições de comunidades de fundos de pasto reside nos
trabalhos da Comissão Pastoral da Terra (CPT) da Diocese de Barra-BA, que no mês de
novembro de 1999, com o objetivo de trabalhar a questão de Fundo de Pasto nas comunidades
no semiárido da Bahia, publica uma cartilha intitulada O que é Fundo de Pasto, na sua revista
52
popular intitulada Caderno de Estudos e Debates Para as Comunidades. Este documento
define o Fundo de Pasto da seguinte forma:
O Fundo de Pasto é um jeito tipicamente nordestino de ocupar e utilizar as terras. São organizações comunitárias, nas quais a maioria é parente ou compadre que se dedicam à criação de pequeno porte e algumas cabeças de gado. As terras de Fundo de Pasto não são cercadas, mas abertas e comunitárias, os limites são definidos pelo uso tradicional da comunidade, ou variantes na vegetação. No tempo seco, os animais soltos buscam comida e água a distâncias grandes. Essas áreas são conhecidas como Fundo de Pasto, solta, a caatinga, a chapada ou as terras devolutas. (CPT ET AL., 1999, p. 1).
Logo nessa primeira definição é ressaltado o tipo de ocupação da terra que mantém
áreas de uso comum, explorada por moradores que vivem nas comunidades tradicionais de
Fundo de Pasto, onde a propriedade da terra e outros recursos naturais (bens imóveis)
constituem o aspecto fundamental da organização econômica.
De modo geral, essa forma de ocupação envolve fatores de parentesco, políticos e
religiosos, no uso tradicional procuram criar seus animais pastoreando nas terras de uso
comum que não são cercadas. Durante a estação de chuva as áreas não cercadas constituem a
reserva forrageira para a estação seca. Complementando, fundo de pasto é
um modo secular de “viver”, “criar” e “fazer” em que comunidades camponesas, que têm como valores fundamentais, a terra, a família e o trabalho, fazem gestão da terra e de outros recursos naturais, combinando terrenos familiares e áreas de uso comum, onde realizam caprino-ovinocultura de forma extensiva ou semi-extensiva em pastagem nativa, em grandes extensões de terra, no semiárido e nos cerrados nordestinos. Essas áreas são mais ou menos delimitadas, sem, contudo, serem cercadas. Geralmente as famílias têm casa, aguada e uma pequena área cercada (próxima a casa, na maioria das vezes) onde plantam em períodos chuvosos: legumes, mandioca, cana, palma etc., além de cultivarem fruteiras. A organização de cada comunidade varia de acordo com as condições climáticas e os critérios convencionalmente estabelecidos por cada uma. A compreensão dessas diferenças é fundamental para a “organização, a identidade política e o fortalecimento da luta de resistência”. (GERMANI; OLIVEIRA, 2006, p. 16).
Em Monte Santo, a pressão sobre esse recurso de uso comum provoca, então, uma
generalização rápida do fenômeno da cerca e dos conflitos que procuram restringir o uso da
terra, uma vez que historicamente não foram delimitadas por cercas.
Estas especificidades dos territórios das comunidades tradicionais de fundo de pasto
são dadas pelas forças sociais que atuam e confirmam cada localidade, principalmente, a
organização política de luta e resistência pela manutenção e reconhecimento de seus
territórios para a reprodução da vida. São ao mesmo tempo sistema produtivo e de relações
sociais, econômicas, culturais e de parentesco- que em algumas áreas datavam de 200, 300
anos - o que passou a ser conhecido como ‘sistema fundo de pasto’ que, a partir da década de
53
1980, sofreu a intervenção do Estado por meio do que foi denominado Projeto de fundo de
pasto, visando à regularização fundiária dessas áreas (TORRES, 2013, p. 51).
Ainda, deixando mais claro o entendimento do que é fundo de pasto, vejamos as
características citadas por Alcântara e Guiomar Germani ([s.d], p. 13),
Neste esforço, se busca apreender esta realidade, em movimento, tentando visualizar os aspectos que as compõem: a) o Fundo de Pasto é uma experiência de produção do espaço típico do semiárido baiano; b) caracteriza-se pelo criatório de animais em terras de uso comum; c) além de criarem bodes, ovelhas ou gado na área comunal, possuem uma lavoura de subsistência na área individual sendo, portanto, pastores e lavradores; d) há uma articulação (e não somente um somatório) entre a área comunal e as áreas individuais: e) a coesão da comunidade se dá pelos laços de sangue proveniente da linhagem ou de aliança formado ao longo do tempo; f) têm como elementos reguladores das relações sociais o costume e a tradição; g) possuem historicidade, pois formam pequenas comunidades espalhadas pela caatinga, habitando estas terras há mais de um século.
Os fundos de pastos desenvolvem uma forma coletiva de uso da terra bem como
criatório de caprinos e ovinos em regime comum. Nesta realidade social, acontecem muitos
conflitos. Alguns têm por origem a ação de grileiros através da ocupação pela força das terras
devolutas ou pertencentes aos moradores dos territórios das comunidades tradicionais de
fundo de pasto. Trata-se da grilagem, que termina, por vezes, com derrame de sangue ou,
geralmente, pela resignação do morador do território da comunidade de fundo de pasto.
Em Monte Santo na Bahia as Comunidades Tradicionais de Fundo de Pasto são
encontradas em áreas de vegetação nativa (com predominância de caatinga) utilizadas como
pastagens naturais e para extrativismo não comercial; às atividades econômicas acrescenta-se
a pequena agricultura. As aguadas também são de uso comum: barreiros, tanques em lajes,
rios, tendo poços e cacimbas.
Como elemento central na organização de tais comunidades, encontra-se a atividade
produtiva de criação de caprinos, ovinos e bovinos soltos nas terras de uso comum e sua
localização no sertão baiano. Por fim, representam “nosso jeito de viver no sertão”, na
expressão utilizada pelo movimento de fundo e fecho de pasto, que indica que a constituição
das comunidades tradicionais de fundo de pasto não é pautada apenas por um critério
econômico formalista, não se limitando a constituir-se apenas como uma área geográfica
física que atende à criação de animais. Um dos pontos importantes diz respeito ao arranjo
interno de regras costumeiras, para as quais as relações de parentesco, compadrio e vizinhança
mediam a formação de solidariedade e ajuda mútua, e os processos decisórios para o acesso à
terra e uso de seus recursos.
54
Estas terras de uso comum podem ser “terras de ninguém”, ou seja, sem
reconhecimento de posse; ou serem terras cuja posse é reconhecida, mas cujo dono liberou
para uso comum; ou uma área existente entre vários trechos individuais, cujos donos
consensualmente estabelecem como sendo de uso comum. São delimitadas por algum marco:
estacas de madeira, picadas e veredas, ou indicação de elementos da natureza (rios, serras,
árvores). Mantêm-se abertas para além do que se refere a uma unidade social, sendo
compartilhadas com os confrontantes, havendo uma extensão da solidariedade entre os
mesmos (ALCÂNTARA& GERMANI, 2010).
Este modo de apropriação da terra pelo direito costumeiro permaneceu sem
visibilidade política até início da década de 1980. A partir dos anos 1970, houve maior
pressão sobre os territórios de comunidades tradicionais, aguçada por políticas públicas e
dispositivos jurídicos que desrespeitavam o modo histórico de uso e posse da terra.
Com reação às situações de conflito causadas pelo entrosamento do território de
inúmeras comunidades, uma mobilização política de resistência e luta foi alavancada a ponto
de conferir visibilidade à categoria Fundo de Pasto incorporada na Constituição do Estado da
Bahia, promulgada em 1989 que afirma em parágrafo único do artigo 178:
No caso de uso e cultivo da terra sob forma comunitária, o Estado, se considerar conveniente, poderá conceder o direito real da concessão de uso, gravado de cláusula de inalienabilidade, à associação legitimamente constituída e integrada por todos os seus reais ocupantes, especialmente nas áreas denominadas de Fundos de Pastos ou Fechos e nas ilhas de propriedade do Estado, vedada a este transferência do domínio.
Desta forma, ganham visibilidade as comunidades de fundo de pasto que,diante das
políticas públicas efetuadas desde então, estão sob um modelo único de regularização. A
regularização dos territórios foi realizada de maneira fragmentada: uma área é nomeada como
“coletiva” e seu domínio é passado à associação; daí o surgimento, a partir da criação dessas
leis, de um número maior de associação em comunidades tradicionais de Fundo de Pasto. O
restante é parcelado, titulado por meio de documentos pelo Estado e passado individualmente
para moradores da comunidade.
O incentivo de políticas públicas e de fornecimento de crédito caminha para que estas
áreas parcelares sejam cercadas com arame. Nas unidades sociais em que isso acontece, há
enfraquecimento do sistema de fundo de pasto, pois o pastoreio fica limitado a uma área
reduzida, uma vez que a quantidade de terras parceladas pelo Estado não é a mesma exigida
pela comunidade, não abrangendo todo o território. Como se trata de terras pouco produtivas,
são necessárias grandes extensões para a criação dos caprinos.
55
No que tange à regularização dos territórios de uso comum, há uma problemática,
porque o marco jurídico destas comunidades tradicionais de fundo de pasto é determinado
pela concessão de uso por tempo determinado, como está posta na Constituição do Estado da
Bahia. Não é garantida a permanência das gerações futuras com tranquilidade, pois a
regularização está condicionada ao tempo que não é indeterminado, podendo ser revisto a
qualquer momento (DIAMANTINO, 2008; CARVALHO, 2008; ALCÂNTARA, 2011).
Entre as informações adquiridas por meio do Centro de Referência em Direitos
Humanos dos Agricultores Familiares da Região de Monte Santo/BA, para a maioria dos
moradores das comunidades tradicionais de fundo de pasto o que há é um reconhecimento de
posse e direitos das terras comuns, o que não é respeitado por fazendeiros e grileiros da
região. Essa falta de regularização1dos territórios comuns provoca conflitos jurídicos e
sociais, e às vezes ressurgem títulos individuais apresentados por grileiros de propriedade das
terras comuns da época da Monarquia.
Os embates contraditórios são agravados pela falta de definição dos limites físicos dos
territórios, nos moldes do sistema capitalista de cercamento das terras, pois os limites dos
territórios comuns das comunidades de fundo de pasto são bem conhecidos pelos moradores;
exigindo das representações comunitárias – as Associações Agropastoris de Fundo de Pasto –
maior poder de negociação frente à própria comunidade, com o Estado, fazendeiros, empresas
capitalistas que olham a região com interesse exclusivo de promover uma exploração
econômica de degradação ambiental por meio do esgotamento dos recursos naturais que
pretendem explorar. Existem ainda os conflitos internos que são comuns à dinâmica social de
cada comunidade.
No entanto, nos lugares onde foi mantido o sistema Fundo de Pasto, a manutenção
dessas áreas entra em profundas disputas, uma vez que Sabourin Caron e Silva(1999)
sustentam que a política de reforma agrária via crédito fundiário desestrutura o uso comum,
intensificando a apropriação individual das terras.
Dessa maneira, torna-se interessante conhecer e entender como uma estrutura de uso
comunal da terra permanece resistindo ao sistema capitalista de propriedade individual no
Sertão da Bahia, mais especificamente no município de Monte Santo, mantendo a existência
de áreas preservadas, onde permanece o uso comum destas terras entre os membros da
1 Regularização fundiária é uma forma de intervenção pública que deve reconhecer os direitos e situações consolidadas pelos povos e comunidades tradicionais com a finalidade de promover a segurança e garantia da sua posse e o respeito pelos seus modos de vida. Ela deve integrar aspectos físicos/espaciais, sociais, culturais, econômicos e jurídicos, articulando-se com as políticas públicas de saúde, educação, moradia, transporte, infraestrutura e lazer. Para ser efetivada desta forma deve envolver os três entes federativos e os diversos órgãos e secretarias dos governos com a real participação das comunidades.
56
comunidade, uma vez que o sistema capitalista “globalizado” invadiu quase todos os espaços,
sejam eles rurais ou urbanos.
Entre os moradores das comunidades tradicionais de fundo de pasto, geralmente não
existe divisão do território comum que ocupavam aquela extensão de terra, o que permite
evitar o surgimento de conflitos, de ordem patrimonial intra ou interfamiliar, “que
ameaçariam a reprodução dos sistemas de criação em terras comuns” (SABOURIN; CARON,
2009, p. 96) nas comunidades observadas de Monte Santo.
Pode-se assim supor, que uma das razões prevalecentes, até o momento, no uso
comum das áreas de Fundo de Pasto, foi a manutenção da identidade familiar das
comunidades. Porém, na atualidade, é gerado entre os membros que compõem as associações
o temor de se ver instalar nas comunidades algum grande produtor ou indústria de mineração
que reivindique o direito à apropriação individual de uma parte das terras de Fundo de Pasto.
O perigo é real dado à importância e o despertar de interesses econômicos por
empresas capitalistas que buscam explorar minérios e outras riquezas das áreas de Fundo de
Pasto como, por exemplo, a ação das Caraíbas Metais, Vale do Rio Doce, Bahia Mineração
(BAMIN) e Cia de Ferro Ligas da Bahia (FERBASA), “que já fizeram o mapeamento do
Município de Monte Santo” (Fala de um membro da AATR no 1° Encontro Regional pela
Reforma Agrária e Contra a Violência no Campo, 30 e 31 de Agosto, 2014).
Diante dessa realidade, a atuação política e social das associações rurais em
comunidades tradicionais de Fundo de Pasto faz-se necessária para os moradores dessas
comunidades tradicionais manterem sua subsistência e o seu modo de viver, o que pode ser
traduzido como qualidade de vida quando encarado como uma alternativa de se alimentar e de
preservar o meio ambiente. As Associações de Fundo de Pasto, em sua maioria, surgem para
atender uma função de garantir que suas terras sejam protegidas a partir da luta pelos direitos
dos participantes desta organização (associados e voluntários) e da comunidade que ela
representa (REIS, 2004; TORRES, 2013). É também função da organização associativa lutar
para acabar com leis e práticas injustas, além de criar novos direitos.
Entender toda a problemática do semiárido baiano nos tempos atuais implica
considerar os diversos mecanismos de expropriação da terra e os conflitos derivados desse
contexto. Disso depende o futuro das comunidades de Fundo de Pasto, dos grupos
sociopolíticos, culturais e econômicos de vários camponeses, que em defesa das terras evitam
engrossar a massa de brasileiros que migram para as grandes cidades.
Portanto, considera-se importante o conceito de território que segundo Haesbaert,
(2007 APUD LOBÃO; SILVA, 2013, p. 61-62),
57
Em um estudo mais amplo sobre os territórios, agrupa-o em dois referenciais teóricos: o binômio materialismo/idealismo e a historicidade do conceito. A visão do materialismo e idealismo desdobrada em duas perspectivas: i) a totalizante, com o vínculo sociedade-natureza; e ii) a mais parcial de dimensões sociais privilegiadas (econômica, política e cultural). E a historicidade do conceito em dois sentidos: i) sua abrangência histórica como condição de qualquer sociedade, ou historicamente circunscrita a determinados períodos ou grupos sociais; e ii) seu caráter mais absoluto ou racional: físico-concreto; a priori ou sócio-histórico.
Desta forma, a visão que adotamos na pesquisa está pautada em uma posição
materialista de território e natureza, em uma visão totalizante das relações entre sociedade e
natureza. Essas diferentes facetas se complementam em uma visão de território que se
confunde com o espaço, “o espaço é formado por um conjunto indissociável, solidário e
também contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de ações, não considerados
isoladamente” (SANTOS, 2004, p. 63). Ainda sobre território segundo a cartilha Direitos dos
povos e comunidades tradicionais (2013, p. 11),
Com frequência, os territórios de povos e comunidades tradicionais ultrapassam as divisões político-administrativas (municípios, Estados), um território tradicional pode, assim, encontrar-se na confluência de dois, três ou mais municípios, estados ou mesmo país. Portanto, nesse contexto, é preciso considerar e respeitar a distribuição demográfica tradicional desses povos, quaisquer que sejam as unidades geopolíticas definidas pelo Estado.
Esse entendimento de território é importante para a análise do conflito e da relação de
pertencimento e permanência dos sujeitos em seus territórios nas comunidades tradicionais de
fundo de pasto em Monte Santo.
2.3 AS ORIGENS DA MOBILIZAÇÃO SOCIAL NAS COMUNIDADES DE FUNDO DE PASTO EM MONTE SANTO
As comunidades de Fundo Pasto se dispõem espacialmente através de um sistema de
organização comunitária que assegura o sustento e a proteção de seus membros na medida em
que transmite a herança cultural e social durante sua vida na comunidade. Isto não significa
dizer que estas comunidades estavam isoladas no seu processo produtivo e social. Havia e há
constantes trocas, como a venda de produtos na cidade, a troca de serviços em momentos de
seca, os constantes fluxos de pessoas indo e vindo para os centros urbanos.
Diante das adversidades, foram gestando o seu modo de vida, pautado na convivência
com a caatinga, de forma que a sua experiência de apropriação do bem natural não tivesse um
caráter de transformação total da natureza a ponto de criar um desequilíbrio. O meio natural
que era modificado, possuía uma relativa harmonia com o grupo social que o modificava. A
58
convivência construída com base no que a própria caatinga possuía não se constituía enquanto
ação predatória. Nesta relação, a seca passou a ser entendida não como catástrofe, mas como
ciclo natural. Isso não quer dizer que não sofriam com a seca, significa sim que encontraram
um caminho de convivência e estratégias, dentre as quais a migração.
A relação de poder que se expressa na valorização do espaço é que irá definir quem
exerce controle sobre uma dada área. Durante o período da colonização, a rota do capital que
iniciou o desbravamento do sertão ao longo do Rio São Francisco, descobriu outros interesses
econômicos na mineração, ampliando o eixo de ação do capital que já sentia o declínio da
produção açucareira.
Naquela época, estas áreas onde hoje está assentado um grande número de Fundos de
Pasto, pertenciam às famílias dos Guedes de Brito e aos Garcia D’Ávila e tinham como
função o criatório de gado extensivo para abastecer o litoral e o centro comercial
denominados currais (LOBÃO; SILVA, 2013, p. 98). Com o declínio da lavoura açucareira, a
rota do gado se voltou para abastecer a mineração, que ao entrar em crise tornou a atividade
do gado pouco rentável. Assim sendo, os grandes sesmeiros foram abandonando as grandes
áreas existentes. O povo foi ocupando a área sem haver uma preocupação com o processo
legal que definia a propriedade (LOBÃO; SILVA, 2013, p. 98). As terras foram ocupadas sem
uma documentação, porém o seu respaldo foi e é unicamente o seu uso comum pela
comunidade que ali habitava e habita.
Foi necessário fazer adaptações que possibilitassem aos moradores atuais das
comunidades de fundo de pasto a sua permanência através da criação de caprino, suínos e
ovinos, animais de pequeno porte ao invés de gado. Após anos vivendo nesse território
mantendo um jeito peculiar na relação homem e natureza essas áreas são disputadas entre
moradores tradicionais e agentes externos que buscam explorar nessas áreas a madeira,
minérios, etc.
A valorização da terra de fundo de pasto acontece através da adição de técnica de
exploração de minérios e madeira ao espaço, impondo uma lógica de reprodução diferenciada
da local. E a política de incentivo fiscal desenvolvida pelo governo federal no Nordeste
através da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) e do Departamento
Nacional de Obras Contras as Secas (DNOCS), buscaram desenvolver projetos que
facilitassem a expansão do capital no campo com obras de infraestrutura e financiamentos.
As terras de uso comum passaram a ser ameaçadas pela valorização da exploração
econômica que ocorreu no lugar. Começa assim a mobilização das comunidades através da
59
criação de associações a partir dos anos de 1990, e se inicia uma luta pela permanência na
terra e pelo direito de se reproduzir enquanto comunidade tradicional de fundo de pasto.
2.4 AS RELAÇÕES DE PODER NAS COMUNIDADES TRADICIONAIS DE FUNDO DE PASTO
O legado autoritário do sistema político e de apropriação da terra na Bahia não pode
ser subestimado, aparecendo claramente nas práticas ilegais da posse da terra e no uso
indiscriminado da violência por parte dos aparelhos repressivos ilegais que geram
comportamentos espúrios na forma de legado do regime autoritário que faz parte da história
passada do Brasil. Essa marca ainda insiste em aparecer através de práticas de assassinatos de
trabalhadores rurais nos campos de todo o país; o município de Monte Santo na Bahia não
foge dessa realidade.
Os governos democráticos enfrentam o desafio de implantar uma política pública de
participação capaz de prevenir e de combater os excessos de violência contra as Comunidades
de Fundo de Pasto, exigindo de cada setor da sociedade organização e articulação que gerem
condições melhores de vida para os sujeitos das comunidades.
As disputas em áreas comuns das comunidades de fundo de pasto se iniciam de forma
isolada sem uma articulação entre as comunidades de fundo de pasto, sendo a Igreja Católica
o elemento que irá, por meio da CPT, das Pastorais Rurais (PR), e dos sindicatos rurais,
“costurar” esta história, organizando uma luta conjunta. São estas entidades na sua teia de
relações que se articularam/articulam na defesa do seu espaço apropriado na forma de uso
comum ao longo da história.
Na busca de entender o que se passa nestas áreas, o Estado começa a desenvolver
estudos sobre as comunidades em questão. Em 1982, foi realizado pela Companhia de
Desenvolvimento e Ação Regional (CAR), pelo Instituto de Terras da Bahia (INTERBA) e a
Comissão Estadual de Planejamento Agrícola (CEPA), o trabalho Projeto Fundo de Pasto
Aspectos Jurídicos e Socioeconômicos (CAR, 1982). O objetivo era identificar e caracterizar
as áreas de pastagens utilizadas de forma comunitária; seria o primeiro passo para o
reconhecimento sociopolítico das comunidades de fundo de pasto.
O primeiro é realizado pela Secretaria do Planejamento do Estado da Bahia
(SEPLANTEC) e CAR, denominado “Avaliação da Intervenção Produtiva Fundo de Pasto”
(CAR, 1987).
Neste estudo o Estado faz uma divisão territorial das comunidades de Fundo de Pasto com o objetivo de estudar a organização da produção, tendo como base o movimento do capital e os conflitos gerados por este. Com isso, o Estado reconhece que há uma relação de disputa por uma fração específica do espaço em um dado
60
lugar, por um determinado grupo, que se articula resistindo a outro. Para tanto, dividiram em três grupos distintos orientados pela situação de conflito: a) o primeiro grupo compreende os municípios de Uauá, Curaçá e Chorrochó, justificando que nestes se observava uma maior concentração de Fundos de Pasto, porém com certa estabilidade no que se refere ao conflito por questões de terra; b) o segundo grupo composto pelos municípios de Senhor do Bonfim, Canudos, Monte Santo, Euclides da Cunha e Itiúba, que vinham sofrendo o cercamento das áreas pelos pecuaristas de outra região c) o terceiro grupo considerado foi o do município de Juazeiro onde o capital agroindustrial espalhou-se com maior força e violência, gerando repercussões e transformações socioeconômicas e produtivas da região. O critério para esta divisão, como pode ser visto, tem como fundamentação as diversas formas que o capital tem se instalado na área gerando conflitos. No mesmo ano de 1987, o INTERBA realizou um estudo que foi publicado por Angelina Rolim Garcez denominado “Fundo de Pasto: Um Projeto de Vida Sertanejo”. (GARCEZ, 1987, p. 48).
O que chama a atenção é o fato de que, na relação de poder, os conflitos do passado
persistem até hoje sem solução para os moradores das comunidades tradicionais de fundo de
pasto do município de Monte Santo. À medida que as áreas com agrupamento de
comunidades de Fundo de Pasto surgem no eixo de desenvolvimento capitalista atual,no
tocante à expansão da fronteira agrícola e à implantação de aparelhos técnicos de
capitalização da área, ocorre a valorização do espaço e, consequentemente, sua disputa. Se
estes processos vão se intensificando, aumenta a valorização e a disputa do espaço, e as
comunidades se revelam através da resistência e dos conflitos.
Desse modo, a configuração espacial para as Comunidades de Fundo de Pasto no
Estado da Bahia mudou completamente. Elas se tornam visíveis a partir do conflito
estabelecido para se manter na terra, e sua identidade é (re)afirmada na resistência e na luta
contra a expropriação e a manutenção do seu modo de vida.
Para que as comunidades garantam o seu modo de vida, surge uma forma de
organização que são as associações de Fundos de Pasto, organizadas como movimento,
enquanto agrupamentos por municípios denominados de Pólos.
A lógica que envolve a dinâmica de poder, aqui entendido a partir da ideia de um dos
fundadores da sociologia, Max Weber (2009), tem relação com a capacidade de mando de um
ser humano ou de um grupo de pessoas sobre determinada comunidade ou país; assim uma
definição geral para o poder é “a chance de um homem ou alguns homens de realizar a sua
vontade em um ato de comando, mesmo contra a resistência de outras pessoas que participam
da ação” (WEBER, 2009, p. 211). Essa é a definição weberiana clássica do poder.
Portanto, encontramos nas associações de Comunidades Tradicionais de Fundo de
Pasto o exercício do poder sobre seus membros, o que, para Weber, configura na prática um
tipo de “dominação” por parte das lideranças locais, entendida em termos weberianos como a
probabilidade de encontrar obediência em um grupo de pessoas sem a ameaça da violência
61
entre elas. Desta forma, os líderes locais, através das associações, procuram se articular com
os movimentos populares de luta pela terra, que tem como objetivo a articulação da luta
coletiva, para influenciar cada vez mais pessoas que possam ajudar na defesa do território.
Percebe-se, ao longo do tempo, que o movimento de Fundo de Pasto vem ganhando
fôlego no processo de luta pela terra; a cada dia que passa aumenta o número de comunidades
solicitando a regularização fundiária junto à CDA, forçando o Estado a estabelecer um
processo de reconhecimento. Entretanto, à medida que o movimento se fortalece também se
articulam os setores que se encontram a serviço do capital (no próprio Estado, empresas
rurais, proprietários/grileiros) para impedir o processo de democratização do meio de
produção terra. Para alcançar este fim, usam os mais diferentes instrumentos legais e ilegais,
criando o processo de criminalização e violência contra os sertanejos e as assessorias dos
Fundos de Pastos.
62
Capítulo 3 AS COMUNIDADES TRADICIONAIS DE FUNDO DE PASTO EM MONTE SANTO E O ASSOCIATIVISMO
As pessoas vivem juntas, ou seja, em comunidade. E nós, cientistas, procuramos
sempre entender como ocorre a organização e a interação entre os sujeitos na comunidade. É
pensando no modo de vida dos moradores das comunidades de fundo de pasto que
constatamos nos referenciais teóricos e nas observações das duas comunidades – Associação
Agropastoril da Fazenda Capivara e Associação Comunitária Agropastoril Varginha Terra
Livre – que a vida social passa claramente por grandes mudanças a partir da década de 1980 e
mais acentuadamente nos anos 2000. Acirraram-se as lutas em defesa do seu território, pela
manutenção do modo como utilizam as áreas de uso comum, e através dessas lutas suas
reivindicações tornaram-se mais difundidas, ganhando importância no âmbito local e global.
Assim, analisaremos neste capítulo o conjunto das relações que as pessoas das
comunidades de fundo de pasto estabeleceram no seu dia a dia e, principalmente, a partir da
fundação, ou seja, da legalização das associações.
Nas comunidades de fundo de pasto de Monte Santo, a maioria das associações
formais surgiu a partir da década de 1990, por meio da institucionalização do associativismo
formal registrado em cartório. Essa nova configuração associativa (formal, com registro em
cartório) representa uma tentativa conjunta de promover um interesse ou objetivo comum, o
que resultou e/ou resulta em maior ou menor coesão dentro da comunidade a partir da
mobilidade de seus membros.
O surgimento do associativismo institucionalizado é recente se comparando ao tempo
de existência das comunidades tradicionais de fundo de pasto no município de Monte Santo.
Foi se tornando possível para as associações adquirir novas formas de ação institucional, com
capacidade e estratégias organizativas para disputa de poder, na tentativa de garantir suas
terras e preservar o seu modo de vida. Porém, a partir dessa institucionalização, ou seja, dos
registros em cartório da associação, criaram-se rituais formais burocráticos que atendem às
instituições do Estado. É o que está pautado este capítulo.
63
3.1 A GÊNESE E DEFINIÇÃO DO ASSOCIATIVISMO NAS COMUNIDADES TRADICIONAIS DE FUNDO DE PASTO
Tentaremos analisar, nesta seção, a definição do associativismo, a sua gênese nas
Comunidades Tradicionais de Fundo de Pasto no município de Monte Santo a partir dos
conflitos agrários e da violência ocorridos no Estado da Bahia nas décadas de 1970 e 1980,
pois as criações de associações formais datam em sua maioria a partir da década de 1990 do
século XX.
As comunidades de fundo de pasto foram duramente impactadas por essa violência,
decorrente, em grande parte, da ação desmedida de grileiros. As terras tradicionalmente
ocupadas por essas comunidades passam a ser griladas descontroladamente, ou seja, o
grileiro, por meio de jagunços armados, invade as áreas que são usadas de forma comum. Da
resistência dessas comunidades surgem os conflitos, quando o Estado é pressionado a intervir
por meio do poder Judiciário.
Essas comunidades resistem, visto que apresentam um sistema organizativo solidário
entre os sujeitos que os levaram a permanecer nessa área de clima semiárido, onde enfrentam
secas constantes. As primeiras organizações e consequente interação social se deram nessas
pequenas comunidades pela criação de uma identidade social comum, que gerou uma lealdade
nos afazeres diários como atividades básicas de mutirão – trabalho coletivo – para limpeza de
aguadas, construções de casas, plantações, cuidados com os animais e etc.
Essa forma de organização interna, que proporcionou uma interação social solidária
entre os sujeitos, foi pautada em maneiras, tradições, modo de falar, normas e valores que não
estavam institucionalizados pelo Estado, sem exigência de leis formais. A vida nessas
comunidades flui ao longo de canais tradicionais com um vigoroso sentido de solidariedade
que congrega os sujeitos.
Nessa relação encontramos os primeiros princípios organizativos do associativismo,
pois as tarefas de atividade social e econômica desenvolvidas na comunidade tradicional de
fundo de pasto reforçam os valores do trabalho coletivo e solidário.
Como citado acima, nas décadas de 1970 e 1980 surgem às primeiras associações
formais com registros em cartório, que passam a representar as comunidades de fundo de
pasto e começam a lutar pelos seus direitos e interesses no âmbito da institucionalidade legal.
Desta forma, surgem diversas entidades de assessorias como a CPT e a AATR, que passam a
apoiá-las, inclusive juridicamente.
64
Diante de um cenário de conflitos, violência e da pressão desses grupos e assessorias,
o Estado, que é convocado a intervir, inicia a regularização dos fundos de pasto, por meio do
“Projeto Fundo de Pasto”. Amparado na Lei nº. 3.038 de 1972, passa a regularizá-los por
meio da transferência de domínio às comunidades. Importante ressaltar que em meados dos
anos 1980, a luta das comunidades tradicionais de fundo de pasto – que teve o apoio das
mencionadas entidades e assessorias – já havia se tornado um dos elementos de maior
expressividade na questão fundiária do Estado da Bahia.
Com o intuito de enfrentamento dessas questões, e com o apoio das assessorias citadas
acima, as comunidades tradicionais de fundo de pasto passam a refletir e a discutir
politicamente, e de maneira aprofundada, a proteção do seu modo de vida e de seus territórios
culminando, essa luta, na criação das primeiras associações (sobretudo nas décadas de 1970 e
de 1980). As Associações Agropastoris, na maioria das comunidades, nascem com o objetivo
de discutir e garantir a proteção das terras de uso comum contra os interesses e conveniências
de grileiros que agem na região.
Vale ressaltar que, não obstante ter sido introduzido na Constituição do Estado de1989
o Artigo 178 – que institui o Fundo de Pasto como modo legítimo de posse da terra – até hoje
não foi regulamentado. Não há, entretanto, uma unanimidade quanto à necessidade dessa
regulamentação. Para os diversos representantes do Estado, especialmente àqueles
estritamente fiéis à literalidade da lei, ao positivismo e a burocracia, essa sempre foi uma
necessidade imperiosa para a implantação de políticas públicas nessas áreas (ANGÉLICA
REIS, 2010). Para grande parte das lideranças e algumas assessorias, também influenciados e
contagiados por essa visão legalista, tecnicista e burocrata, essa necessidade também se
apresenta como fundamental.
Mas essa falta de interesse e a morosidade no processo de regularização das áreas de
uso comum também expressam uma fragilidade do ordenamento jurídico em ratificar o que
foi estabelecido pelo costume, isto é, “o reconhecimento legal de terras de uso comum por
uma comunidade. Diante da dificuldade, usa-se um sem-número de artifícios legais com
relação à área de uso comum, enquanto a área correspondente à parcela individual é titulada”
(GERMANI ET AL.,2006, p.18-19). Isto abre a possibilidade das cercas internas (cercas
inexistentes antes do processo de regularização dos fundos de pasto, o que permitia a livre
circulação dos animais nos terrenos dos diversos moradores) definirem a apropriação
individual, interferindo na forma de organização e produção da comunidade.
Nesse sentido, importa salientar que a permanência, capacidade de suporte e
manutenção das terras de uso comum estão relacionados pelas especificidades desse modo de
65
vida, que “reside na articulação dos lotes individuais e do coletivo, não pela somatória destes
[ou por uma suposta dicotomia entre eles]”(GERMANI ET AL.,2006, p.18-19). Por essa e
outras razões, a luta dessas comunidades pela legalização e reconhecimento de suas posses se
revela, simultaneamente, necessária e ameaçadora. Necessária por causa dos constantes
conflitos fundiários que ameaçam as áreas de uso comum; sem tal reconhecimento e
legalização se torna, inclusive, inviável se falar em permanência das comunidades nestas
áreas, em preservação ambiental e sustentabilidade dos sujeitos. A delimitação proposta pelos
Governos para estas áreas não atende econômica e socialmente as necessidades das
comunidades. Ameaçadora porque o processo de reconhecimento e legalização exige,
primeiramente, a formalização dessa organização social através da criação das Associações,
mais ainda a partir da década de 1990.
Ocorre que a produção comunitária das primeiras organizações resultou normas
consuetudinárias próprias de sua organização e, desse modo, o que antes era só família,
compadre e comadre, tem que se transformar numa associação com presidente, tesoureiro,
conselheiro, cargos nem sempre ocupados pelas pessoas que, até então, mereciam o respeito e
o reconhecimento da comunidade, e que, muitas vezes, não apresentam a capacitação
necessária para outros tipos de interlocução externa e para a gestão em novas bases. O
compromisso que antes era assumido pela palavra dada, precisa estar lavrado numa ata e
obedecer a um estatuto registrado. São novos valores colocados que interferem na
organização social da comunidade (GERMANI; OLIVEIRA, 2006, p. 16).
Na tentativa de consolidar uma sociedade mais democrática e justa, a criação de
associações comunitárias motivou as comunidades de Fundo de Pasto a se organizarem para
lutar no processo de regularização de todo o perímetro da comunidade; o que levaria ao
reconhecimento do território como indiviso, isto é, sem a histórica separação realizada e
alimentada pelo Estado entre áreas individuais e áreas de uso comum.
Assim, a alta propensão do poder público estadual à criação de associações
formais nas Comunidades de Fundo de Pasto no município de Monte Santo é explicada pelas
necessidades emergentes que têm, na associação, uma possibilidade de resolução ou, pelo
menos, de atenuação dos problemas enfrentados nas comunidades.
Desta forma, de acordo com o clássico estudo do pensador Aléxis de Tocqueville, uma
associação:
[...] consiste, unicamente, na adesão pública que certo número de indivíduos dá a tais ou quais doutrinas e no compromisso que contrai de concorrer de certa maneira para fazê-los prevalecer. O direto de se associar, assim, confunde-se quase com a
66
liberdade de escrever; já, porém, possui a associação mais poder que a imprensa. (TOCQUEVILLE, 1972, p. 391).
Nesse sentido, as preocupações acadêmicas com o papel das associações já têm,
historicamente, um acúmulo importante. Mais recentemente, com a importância do aumento
de participação das associações no contexto da sociedade civil organizada no Brasil,
principalmente no final dos anos 90 e início do século XXI, vários autores buscaram novas
ideias para conceituar o associativismo e os novos movimentos sociais. Uma dessas
interpretações se prende aos aspectos jurídicos das associações, como argumenta Camargo,
Conceitualmente, a associação é uma pessoa jurídica de direito privado voltada à realização de atividades culturais, sociais, religiosas e recreativas, além de outras, cuja existência ocorre com a inscrição de seu estatuto no registro competente, desde que tenha objetivo lícito e esteja regularmente organizada. (CAMARGO ET AL., 2001, p. 36).
No entanto, se somente levarmos em conta a constituição da pessoa jurídica, não será
refletida a realidade diária das comunidades tradicionais de fundo de pasto, pois a maior parte
das atividades não apresenta um estatuto escrito e reconhecido pelo Estado, como já
mencionamos acima.
Buscaremos uma conceituação que possibilite a análise da associação enquanto agente
da sociedade e que vá além do aspecto jurídico.
Há uma diversificação na atuação das associações na sociedade atual. É importante
destacar mais dois conceitos, abordando a ideia de que:
Associação numa primeira definição mais ampla é qualquer iniciativa formal ou informal que reúne pessoas físicas ou outras sociedades jurídicas com objetivos comuns visando superar dificuldades e gerar benefícios para os seus associados. (VEIGA e RECH, 2001, p. 17)
Apesar de abordar aspectos mais genéricos e ampliar a possibilidade de análise, esses
conceitos refletem a realidade das associações surgidas na maioria das comunidades
tradicionais de fundo de pasto do município de Monte Santo, que sofrem pressão do Estado
para a sua institucionalização como entidades jurídicas. Isso torna mais “fácil” a atuação do
Estado, principalmente na tentativa de reconhecimento do território de fundo de pasto.
Para o Estado, sempre é melhor negociar com moradores de áreas privadas e cercadas
- diferente do que ocorre com as comunidades que historicamente vivem num território sem
divisão na sua forma de utilização para a permanência e sobrevivência de todos nas áreas de
fundo de pasto. Neste sentido, o Associativismo nas Comunidades Tradicionais de Fundo de
Pasto busca seu próprio modo de organização, que se traduz em
67
As associações são instrumentos activos e operadores do espírito regionalista, traduzindo em acções concretas os desiderata teóricos de um sentimento difuso de inclusão/afinidade, oriundo de uma conterraneidade anterior. A despeito da separação e dispersão relativa a que o êxodo rural obrigou, a rede associativa recria artificialmente comunidades de outro modo condenadas à desaparição. Embora o sentimento de pertença seja mais idealizado do que traduzido por razões palpáveis, ele serve de motivação para ocasiões de encontro, para a construção de melhorias e para enquadramento de dispersos. (ROCHA-TRINDADE, 1986, p. 329)
Nesse contexto, temos o que chamamos de princípios associativos a partir de
organização interna gerada na própria comunidade por meio de atos solidários, como ajuda
mútua e etc.
Num segundo momento, há uma organização associativa influenciada por assessorias
externas à comunidade que influencia na formação de associações registradas em cartório a
partir de década de 1980, com objetivos de defesa de suas áreas de uso comum.
Após a década de 1980 e início da década de 1990 umas das exigências do Estado,
com sua lógica de propriedade liberal, feitas às comunidades tradicionais de fundo de pasto
foi que realizassem a criação das associações reconhecidas juridicamente para facilitar o
acesso aos programas. Só através dessa institucionalização, as comunidades conseguiram
acessá-los, em especial, os indivíduos/famílias que beneficiam basicamente a propriedade
privada, ou seja, os terrenos familiares e não os fundos de pasto, impondo-se-lhes uma
concepção de cercamento dos territórios comuns, manejo e desenvolvimento plenamente
voltados para uma agropecuária capitalista e individualista.
Dessa forma, o surgimento das associações nas comunidades de fundo de pasto se dá
primeiramente numa tentativa das assessorias em organizar-se para a luta contra grileiros na
década de 1980 (que são as primeiras associações); no segundo momento, no início da década
de 1990 (onde ocorreu o maior número de fundação de associações) acontece através do
incentivo do Estado em adaptá-las ao modelo de propriedade privada, reconhecendo as terras
de forma individualizada.
Porém, com a atuação de assessores ligados aos movimentos sociais rurais na Bahia
como a CPT e a AATR e das lideranças comunitárias, esse associativismo induzido pelo
Estado a partir da década de 1990, ganha uma nova configuração, que não é a de atender
apenas às exigências de organização institucionalizada perante o Estado. Lideranças e
assessorias, na sua forma jurídica, pressionam os Governos pela implantação de políticas
públicas para as comunidades, e principalmente, pela regularização dos fundos de pasto que
definem a pauta de luta das comunidades, posto que seja o direito às suas terras, ou melhor,
aos seus territórios.
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3.2 FUNDO DE PASTO E A REGULARIZAÇÃO DAS ASSOCIAÇÕES: CONTEXTO ATUAL
Como vimos, as Associações Comunitárias Agropastoris dos fundos de pasto surgem
no final da década de 1980, a partir da iniciativa de assessores dos movimentos sociais rurais
que atuam na região desde o início da mesma década. Foram registradas no início da década
de 1990, por iniciativa do Estado da Bahia, que pretendia impor sua lógica de propriedade
privada. Após a legalização, os movimentos rurais, por meio de suas assessorias, retomam o
caminho da luta pela terra e criam o Projeto Fundo de Pasto, com o principal objetivo de
garantir o direto sobre a terra das comunidades de Fundo de Pasto na luta contra grileiros, que
passam a atuar mais incisivamente no município de Monte Santo (nos últimos sete anos,
trabalhadores rurais foram brutalmente assassinados2 pelo mesmo motivo).
Essas associações, indicadas naquele contexto como a melhor solução jurídica para
regularização desses territórios, acabaram se difundindo entre as comunidades. Com o passar
dos anos, outros fatores também contribuíram para essa difusão, quais sejam: “a) a existência
de apoios e financiamentos direcionados a projetos comunitários ou associativos e b) a
atuação de agentes externos (assessorias) nessas comunidades, como a Igreja, Órgãos de
extensão, Organizações Não-Governamentais - ONG’s, Escolas Famílias Agrícolas - EFA’s
(mais recentemente) e projetos públicos” (ARTICULAÇÃO, 2003, p. 172).
Dentre esses fatores, os projetos públicos foram dos que mais contribuíram para a
difusão desses entes jurídicos entre as comunidades, visto que o governo do Estado da Bahia
deu prioridade às associações comunitárias como principal, senão único instrumento de
acesso aos recursos provenientes dos programas governamentais.
O forte incentivo governamental à criação desses entes jurídicos a partir de 1990 fez
com que inúmeras comunidades criassem suas associações a fim de obter esses recursos. Isso
se deu de tal forma que durante a década de 90 houve o que se poderia chamar de um
“associativismo agudo” no Estado (REIS, 2013, p. 173).
Esse “associativismo agudo”, resultou, em parte, do incentivo do Estado, o que gerou
uma busca por recursos e projetos por parte das comunidades num primeiro momento. Com
esse quadro os movimentos rurais CPT, AATR, CETA se articularam na defesa de suas áreas
2A ousadia corajosa de lutar pela reforma agrária: Tiago, Luiz e Josimar, em 15/10/2008, por defenderem suas terras na comunidade do Mandú; Antônio do Plínio, em 06/01/2011, por defender o fundo de pasto da Serra do Bode. E na noite do dia 06/09/2011 foi a vez do companheiro LEONARDO DE JESUS LEITE, que havia 11 anos lutava pela conquista da terra nas Fazendas Angico e Jibóia”. Desta vez foi Jailson de Jesus Santos, morto com 12 tiros, no dia 06 de fevereiro 2014, no Projeto de Assentamento Nossa Senhora do Rosário. (Site CPT Bahia, 2015).
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em conflito com grileiros. Esse incentivo dado pelo Estado gerou algumas consequências
negativas na luta pela defesa dos territórios - principalmente em algumas comunidades -
dentre elas, o individualismo (fruto do fechamento das comunidades nas suas associações), a
disputa pelo poder (evidenciada na disputa por cargos e por liderança) e a dificuldade de
organização política das comunidades, tanto interna (entre seus próprios moradores) quanto
externa (entre as comunidades).
Além destes efeitos negativos, as comunidades e lideranças apontam a parca
participação dos moradores na associação e nas mobilizações, a diminuição da solidariedade,
da amizade, do companheirismo, e o enfraquecimento da luta, pois por meio do aumento das
associações houve um reforço ao clientelismo e à corrupção (ENTREVISTA DE
MORADORAS DE COMUNIDADES DIFERENTES A.D.A3 e S.S.P4, 2015)
Não sabemos até que ponto isso afetou as associações de fundo de pasto, mas segundo
relatos de algumas lideranças comunitárias na pesquisa, a associação não pode ser
responsabilizada isoladamente por todos esses efeitos. Ainda assim, ela engendrou e/ou
alimentou grande parte deles. Há também as represálias sofridas massivamente pelas
lideranças das comunidades nestes últimos anos por fazendeiros/grileiros que atuam na
região.
No que concerne especificamente à organização interna dessas comunidades, é
praticamente consensual entre as lideranças que as associações burocratizaram as
comunidades, engendrando um conjunto de regras, formalidades e obrigações, antes
inexistentes, e agora, amiúde incompatíveis com as formas de organização e as
normatividades centenariamente construídas e reconstruídas por esses grupos.
Na entrevista de A.D.A, por exemplo, de que modo essas formalidades podem afetar,
pela via do constrangimento, a convivência entre os moradores associados e os não associados
dentro de uma comunidade:
pra você tirar uma lenha de dentro da área de fundo de pasto, se você não é sócio, você tem que consultar a associação; então acaba dentro da comunidade, você nasceu lá, mora lá, acaba você ficando à mercê e se sentindo também, você nasceu lá, é dono, mas não se sente bem. [...], antigamente as comunidades se organizavam em cultos, rezas, mutirões, essa é uma maneira de se organizar. (ENTREVISTA, A.D.A, 2015).
3 É do sexo feminino, tem mais de 60 anos, uma das fundadoras da associação agropastoril da fazenda
Capivara/Mandu junto com sua família e outros moradores da comunidade. Atualmente é a presidente da Associação e uma referência que conhece toda a história da comunidade de Fundo de Pasto.
4 É do sexo feminino, tem 25 anos, é considerada uma integrante jovem da Associação, que nos últimos anos tenta integrar os mais jovens. Seu pai é o presidente da associação e ela participa diretamente desde 2005, mas já criança acompanhara a associação comunitária agropastoril Varginha Terra Nova através das conversas e lutas travadas pelo pai na defesa das terras de uso comum contra os grileiros que tentaram cercar essa área.
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Importante relembrar que as associações de fundo de pasto exercem, de certa forma,
um duplo papel: o de possibilitar a regularização dos fundos de pasto (atribuição adquirida
desde o Projeto Fundo de Pasto) e o de possibilitar o acesso das comunidades aos recursos
provenientes dos programas e projetos (estaduais ou federais, como é o caso da Política
Nacional de Reforma Agrária) ou de outras instituições. Por isso, elas se constituem numa
forma de diálogo formal das comunidades com o mundo exterior. (Grifo nosso).
Enquanto um ente formal, elas possuem um conjunto de obrigações formais que
resultam em uma série de consequências jurídicas para as comunidades, na maioria das vezes
prejudiciais, já que criam para esses grupos mais problemas do que o que eles já possuem,
como a que ocorre atualmente com a Associação Agropastoril da Fazenda Capivara. Com
despesa anual em torno de R$ 900,00 (novecentos reais), está devendo Relação Anual de
Informações Sociais (RAIS), que se não for feita dentro do prazo gera multa para a
associação.
Outra obrigação é a declaração anual do imposto de renda que, da mesma forma, se
não for feita dentro de prazo, gera multa. Há, também, o pagamento das mensalidades e os
demais custos que surgem com as demandas e necessidades. Muitas vezes, estes custos
surgem justamente por causa da inadimplência dos associados que não têm condição de pagar
as mensalidades (esse é o caso da maior parte dos associados) ou não querem pagar (por
desinteresse ou por desacreditarem na capacidade da associação em gerar resultados). Todas
essas obrigações formais, sobretudo no campo tributário, são altamente onerosas para as
comunidades que geralmente não têm condição de arcar com esses custos. Isso tem gerado
conflitos internos – pois aqueles que têm condição de pagar cobram daqueles que não as têm
– o que provoca o afastamento de algumas pessoas da comunidade da associação.
Há de se considerar nesse processo a dificuldade de grande parte dos moradores/sócios
em lidar com essas obrigações, formalidades e trâmites legais. Aqueles que conseguem se
adaptar melhor, geralmente, tiveram maior acesso ao estudo formal, possuem alguma prática
com leitura e escrita (elemento que facilita o trato com os documentos) ou possuem uma
maior desenvoltura para lidar com esses trâmites. Desenvoltura que pode ter relação tanto
com o fato de terem participado da luta desde o início, quanto por serem, independente do
motivo, “mais” politizados e engajados.
Em razão de muitos associados não gozarem dessas características, poucos têm ficado
à frente da associação, ocupando os cargos e influenciando as decisões. Em alguns casos o
mesmo sócio é eleito presidente várias vezes, consecutivamente ou não, havendo amiúde uma
espécie de revezamento dos mesmos membros no restante dos cargos. Isso geralmente ocorre
71
por falta de interesse ou, principalmente, por dificuldade dos sócios em exercer as funções
relativas aos cargos. Com isso, há sobrecarga e desgaste daqueles que aceitam ocupá-los.
Também, há casos em que a falta de alternância nos cargos decorre do monopólio de
poder exercido por alguns grupos. Essa falta de alternância tem gerado uma situação de tensão
nas comunidades, tensão entre aqueles que ocupam e os que não ocupam os cargos. Os que
ocupam, cobram presença e participação dos que não ocupam, pois externalizaram seu
descontentamento com a presença (muitas vezes) restrita destes apenas, ou principalmente,
nos momentos de consecução de projetos, os que, por sua vez, tendem a beneficiar a todos (ou
à maioria) independente da contribuição de cada um.
De fato, em muitos casos, há um aumento na “participação” quando a associação
consegue algum projeto que, a princípio, beneficiará um número significativo de sócios. Essa
situação pode, de um lado, expressar um oportunismo, mas de outro, uma inadaptabilidade à
formalização, que gera desinteresse, desânimo, ânsia por resultados, pouco engajamento e,
subsequentemente, afastamento.
É de se considerar que as dificuldades de organização política das comunidades,
também, estão associadas às disputas e conflitos internos por poder e território – que existem
para além das associações – tão comuns nessas áreas.
Importante salientar que as lideranças constituídas a partir das associações, ou seja, as
lideranças formais, muitas vezes emergiram se contrapondo às lideranças formadas por outros
tipos de vínculos, sejam os vínculos históricos, consanguíneos, culturais, de vizinhança, ou de
proximidade. Justamente por emergirem em confronto com as lideranças formadas por outros
vínculos (vínculos não formalistas) essas lideranças formais, muitas vezes, não adquirem
legitimidade dentro da comunidade, não conseguem representar os seus interesses e tampouco
conseguem o respeito dos demais moradores, observa S.S.P., uma das presidentes de
associação pesquisadas. Isso acaba gerando conflitos dentro da comunidade, que por vezes se
arrastam e geram cisões, sendo alguns deles entre pessoas de um mesmo grupo familiar.
Como podemos perceber, o caminho feito até aqui demonstra de diversas formas que
as comunidades de fundo de pasto não conseguiram se adequar às exigências e valores
(formais) colocados pelas associações comunitárias agropastoris. Ainda que as mesmas
tenham surgido para assegurar os direitos desses grupos às suas terras, e que tenham
possibilitado nesse período o seu acesso a projetos e programas provenientes do governo do
Estado – projetos pontuais e longe de se constituírem numa política pública para essas áreas –
e de outras instituições. As associações se mostram incompatíveis com as linguagens, valores
e os modos de ser, viver e fazer desses grupos que, embora não sejam estáticos e isolados
72
(sendo, portanto, afeitos a mudanças), não conseguiram acompanhá-las em suas demandas e
exigências.
Mesmo que algumas formalidades pareçam necessárias (a exemplo do livro de atas), a
fim de precaver as comunidades do assalto às suas terras, esses entes jurídicos acabaram
exigindo das comunidades mais do que elas poderiam oferecer de pronto, exemplo disso está
na desmobilização que vem passando às associações no município de Monte Santo.
Em algumas situações, por exemplo, a execução sumária de líderes e presidentes de
associações de algumas comunidades tradicionais de fundo de pasto em Monte Santo gera, em
muitos casos, o afastamento dos associados. Isso demonstra, entre outras questões, a
disseminação de medo e receio por parte dos membros das associações e a esse respeito
muitas comunidades têm se enfraquecido ao longo dos anos.
Por outro lado, há quase consenso entre estes agentes de que as associações, com todas
as suas limitações, foi quem esteve na luta – pela regularização dos fundos de pasto e pelo
acesso às políticas públicas – com essas comunidades durante todos esses anos.
Não há como negar que refletir sobre outra forma de organização desses grupos,
distinta desse modelo associativo, é também refletir sobre o processo de regularização
fundiária implantada até hoje pelo Estado baiano nessas áreas, visto ser esse modelo
associativo a base desse processo de regularização. Basta lembrar que ele foi implantado
justamente para oferecer às comunidades as condições jurídicas para a consecução do título de
domínio, tanto das áreas de uso comum quanto dos terrenos familiares, como nos fala Ehle
(1997).
Por isso é que tais reflexões são fundamentais para a luta dessas comunidades pela
garantia dos seus territórios. Mas embora fundamentais, ainda carecem de aprofundamento,
sistematização e de uma efetiva participação das comunidades nesse processo, não apenas das
lideranças e assessorias. Um dos principais temas, escopo das reflexões e discussões desses
agentes, tem sido a forma como a partir de agora serão reconhecidos os direitos territoriais das
comunidades: se por meio da concessão de direito real de uso ou por meio da titulação
dominial.
73
3.3 ASSOCIAÇÕES DE FUNDO DE PASTO E SUA REPRESENTAÇÃO SOCIAL
As associações agropastoris de fundo de pasto conhecem as necessidades das
comunidades e podem propor iniciativas e projetos que atendam aos interesses coletivos.
Assim, sua representação social agrega as opiniões, percepções dos sujeitos das comunidades,
ou seja, suas representações sociais e a tradução destas em reivindicações e ações políticas
dirigidas ao Estado, que possam garantir os interesses dessas comunidades.
Assim, entendemos representação social a partir do que Flávio A. A. Goulart em seu
artigo Representações sociais, ação política e cidadania define como:
Do ponto de vista teórico, cabe ressaltar, preliminarmente, que as representações sociais constituem um sistema de valores, noções e práticas ligado a um conjunto de relações sociais e processos simbólicos que instaura a possibilidade de orientação dos indivíduos no mundo social e material, além de possibilitar a tomada de posição e a comunicação intergrupal, bem como a decodificação deste mundo e da história individual e coletiva do grupo. Sua apreensão, através de estudos específicos, deve levar em conta um contexto sempre em mudança, marcado pelo caráter contraditório das relações sociais, dentro do qual a representação não deve ser buscada como única explicação correta de um fenômeno, mas sim como fator facilitador da comunicação. (HERZLICH, 1975; MINAYO, 1989; MOSCOVICI, 1975 APUD, GOULART, 1993, p. 478).
Ao longo desses anos, desde a década de 1970, as comunidades tradicionais de fundo
de pasto tiveram, não obstante todas as dificuldades enfrentadas, conflitos com grileiros,
enfrentamento de secas, que foram perceptíveis para os avanços na sua organização social.
A primeira Central das Associações Agropastoris de Fundo e Fecho de Pasto (CAFP),
comumente conhecida como “Central de Fundo de Pasto”, surgiu em 1994, com sede em
Senhor do Bonfim, município onde as comunidades ocupavam uma posição de vanguarda em
relação à questão organizativa. O seu principal objetivo era articular as associações de fundo e
fecho de pasto, que na época lutavam isoladamente por pautas comuns, sendo a primeira e
principal dessas pautas a regularização dos seus territórios.
Nesse sentido, a proposta da Central de Fundo de Pasto surge justamente para tentar
sanar essa necessidade de articulação e representação social, de forma a ampliar o poder de
organização e reivindicação dessas comunidades perante os órgãos públicos.
Em 1997, a Central de Senhor do Bonfim possuía mais de 45 associações filiadas e
acompanhava diversas outras em fase de organização. Seu conselho diretor representava 11
municípios: Antônio Gonçalves, Pindobaçu, Campo Formoso, Mirangaba, Jaguarari,
Andorinha, Itiúba, Monte Santo, Uauá, Canudos, e mantinha contatos na região de Juazeiro.
74
“Além da assembleia geral, as associações estão presentes na Central através do conselho
diretor, com representantes eleitos por município” (EHLE, 1997, p. 22).
Hoje existem cerca de 30 associações distribuídas em 10 municípios ao norte da
Bahia. O município de Monte Santo, por exemplo, diminuiu o número de associações filiadas
– passando de cerca de 20 associações na década de 1990 para uma média de 13 atualmente –
e tem procurado organizar-se de outra forma, por meio das suas lideranças, apenas por meio
das suas próprias associações, justificando que a Central “não tem mais pernas” para
responder às demandas e necessidades do município. Importante ressaltar que nem todas as
comunidades de fundo de pasto participam das Centrais de Fundo e Fecho de Pasto.
A Articulação Estadual dos Fundos e Fechos de Pasto surgiu no início desta década e
tem como principal objetivo coordenar as lutas das comunidades de fundo de pasto; lutas
estas que vem se difundindo cada vez mais para outras regiões, a exemplo das comunidades
localizadas no sudoeste do Estado e dos Fechos de Pastos presentes na região Oeste da Bahia.
Essa Articulação Estadual foi criada por incentivo e sugestão da CPT de Senhor do
Bonfim, que observou constantes similitudes nas pautas de reivindicações das comunidades
das diferentes regiões perante os órgãos públicos. As pautas eram sempre as mesmas:
regularização fundiária, acesso ao crédito, água, infraestrutura e políticas públicas para a
promoção do seu desenvolvimento. A CPT, então, percebeu que seria necessário, a fim de
aumentar o poder de pressão das comunidades e, consequentemente, ampliar suas
possibilidades de acesso a essas políticas, criar uma articulação estadual que agregasse e
coordenasse suas lutas, o que veio a ocorrer após constantes debates entre suas lideranças e
assessorias.
Foi em março de 2002, no “I Encontro Estadual de Fundos de Pasto”, realizado em
Carnaíba do Sertão, distrito de Juazeiro, que se iniciaram as primeiras conversas para criação
da Articulação Estadual. Segundo Franklin Carvalho (2008, p. 37):
Este é um momento de aproximação entre regiões do Estado que se organizavam de forma dispersa, buscando a retomada da legalização das terras. As estratégias para o reconhecimento dos territórios e a formação de uma articulação estadual dominam o encontro, que foi planejado basicamente pelas entidades de assessoria, com destaque para a CPT e o Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (IRPAA).
Uma das ações previstas durante esse encontro, visando retomar a legalização das
terras de uso comum – já que as “áreas individuais” continuavam a ser legalizadas – foi uma
mobilização (com apoio do Movimento CETA) em Salvador, realizada no segundo semestre
daquele ano. Seu objetivo era pressionar o governo do Estado pela regularização dos fundos
de pasto, que estava parada já há alguns anos.
75
Embora tenha começado a ser discutido em 2002, foi apenas em 2004 que ele foi
apresentado ao governo do Estado. Diante disso, isto é, de tal desinteresse do governador,
esses grupos e suas assessorias continuaram pressionando o Estado pelo atendimento das suas
pautas.
Esses elementos, assim como outros já apontados ao longo do texto, evidenciam que
não obstante esses grupos se esforcem para terem acesso às políticas públicas, eles acabam
ficando, de uma forma ou de outra, à mercê dos interesses e da gangorra engendrada pelo jogo
político e econômico. Mesmo quando o Estado – enquanto diversidade de interesses, disputas
e correlações de forças – sinaliza que vai atender suas reivindicações, liberando um
determinado recurso, por exemplo, são os seus interesses e os dos seus aliados que
determinam, em grande medida, os rumos dos processos.
Por isso é que, para evitar grandes pressões por parte dos grupos “subalternos”, o
Estado tem utilizado a velha estratégia de criar expectativas nos mesmos, numa tentativa de
imobilizá-los do ponto de vista organizativo e/ou de forçá-los a desprender
desnecessariamente tempo e energia na elaboração de novas táticas de ação. Essa mesma
estratégia tem sido utilizada com as comunidades tradicionais de fundo de pasto.
As comunidades de fundos de pasto, em determinados casos e contextos, por costume,
desinformação, inexistência de serviços públicos (como coleta de lixo, saneamento básico,
água encanada etc.) ou outros motivos, também impactaram de maneira negativa a sua
agrobiodiversidade realizando queimadas (principalmente nas áreas de roçado), retirando
madeiras novas e inapropriadas para fazer lenha ou comercializar, extraindo recursos naturais
erroneamente, jogando lixos em locais indevidos ou queimando-os, jogando dejetos humanos
a céu aberto, sobrecarregando os fundos de pasto com um número excessivo de animais (o
que impede o nascimento e crescimento de novas espécies) etc. Negar isso é romantizar a
relação desses grupos com a natureza ou simplesmente negligenciar que a relação
homem/natureza é sempre conflituosa.
Contudo, não se pode desconsiderar que, em relação aos níveis de degradação
causados pelo modelo de exploração econômica capitalista industrial responsável pela
destruição crescente do meio ambiente, deve-se respeitar isso e, sobretudo, deixar de criar
barreiras jurídicas para negar os direitos dessas comunidades.
Sem considerar ou respeitar as especificidades dessas comunidades, e sem estabelecer
um diálogo efetivo de modo a compreender como elas, de fato, se constituem e se relacionam
com o mundo ao seu redor, o Estado, por meio do INCRA e dos demais órgãos responsáveis
76
pela elaboração e implantação das políticas públicas, dá passos largos para a destruição desse
modo de vida (ARRUDA, 1997, p.86).
A agressão provocada por esses grupos – nos referimos, neste ponto, não apenas às
comunidades de fundo de pasto, mas a todos os “povos e comunidades tradicionais” – ainda é
bastante inferior. Não há como negar que durante décadas e/ou séculos foram eles que
promoveram o “manejo sustentável” de áreas naturais. É verdade que “nem todos são
‘conservacionistas natos’, porém há entre eles um grande conhecimento empírico do mundo
em que vivem e das particularidades do ecossistema regional” (ARRUDA, 1997, p. 89).
É possível perceber, pelos elementos mostrados ao longo do texto, que a bandeira de
luta das comunidades tradicionais de fundos de pasto por meio das suas associações é
extremamente complexa. Embora a regularização fundiária desses territórios tenha sido o
primeiro elemento impulsionador da sua luta e organização, hoje essa luta adquiriu novos
tons, pautas e agentes. Mas, não obstante o passar de três décadas, a legalização desses
territórios – que de modo algum possui relação direta com a transferência de domínio – ainda
é o seu principal gargalo, pois dela depende, do ponto de vista legal, o acesso desses grupos a
determinadas políticas públicas.
3.4 AS ARTICULAÇÕES DAS ASSOCIAÇÕES DE FUNDO DE PASTO
Ao lado de todos os interesses econômicos e financeiros que as áreas de fundo de
pasto tiveram nos últimos anos, surgiram, as organizações sociais originárias das
comunidades de Fundo de Pasto, que procuram se articular em defesa das terras coletivas.
Embora exista uma tradição de organização social histórica em Monte Santo, assim
como em quase todo o Brasil, são mais raras as iniciativas das associações que promovam a
participação ou a articulação de atores sociais que tenham, simultaneamente, uma ação social
territorial local e uma ação social territorial mais ampla. Dessa forma se atinge um âmbito
macro de atuação que não apenas os interesses ligados diretamente à comunidade, e que
busque uma atuação sociopolítica, com uma abrangência que transcenda o nível de um único
setor, programa ou projeto específico.
Mesmo não conseguido de imediato ampliar seu campo de atuação, se intensificou a
cada ano uma busca dos sujeitos das comunidades tradicionais de fundo de pasto em se
organizar, como afirma Paulo Rosa Torres (2013, p. 70)
Ao longo dos últimos 40 anos, com intensificação cada vez maior, as comunidades de fundos de pastos vêm se organizando em associações agropastoris, fortalecendo a
77
luta por regularização fundiária iniciada na década de 1980, a luta pela posse e propriedade da terra e o enfrentamento dos conflitos na defesa dos seus territórios.
Um dos fatores que contribuem para que os sujeitos não participem do sistema de
tomadas de decisões da comunidade e do sistema político é o fato de que não existe, na
estrutura federativa brasileira, uma instância político-administrativa intermediária entre o
Estado e o Município.
Como já exposto, há uma discriminação territorial em que divisões microrregionais
adotadas pelos diferentes órgãos públicos estaduais e federais tendem a não ser compatíveis
entre si; coloca-se uma hierarquia nas relações, impedindo uma melhor articulação entre as
ações setoriais da administração pública em escala regional, dificultando a implementação de
práticas participativas e de criação de políticas públicas para as áreas de fundo de pasto.
Com relação ao associativismo no Brasil e a interação com órgãos públicos,
entendemos que as associações tendem a se voltar para uma agenda em que predominam os
temas diretamente relacionados à sua problemática. Em geral, a preocupação com questões
mais amplas relativas ao desenvolvimento regional, defesa da democracia, temas da política é
relegada para segundo plano.
Porém, com as associações de comunidades tradicionais de fundo de pasto em Monte
Santo, sua composição territorial tende a ser instável, como resultado de mudanças na
conjuntura política que, para Teixeira (2000, p. 121):
[...] quanto às ações coletivas locais com algum impacto global, poderemos considerar dois tipos que se desenvolvem com base na sociedade cível. Uma, de caráter defensivo, de resistência a certos programas de organismos intergovernamentais ou empresas multinacionais, com ações que vão desde o boicote a produtos ou projetos, denúncias, tentativa de impedir sua implantação, até estratégias de adaptação, buscando tirar proveito dos programas, porém sem cumprir suas exigências. O outro tipo de ação é de caráter ofensivo, em que se busca realizar projetos que alterem as condições de vida ou exercer pressão ou negociação sobre programas ou políticas adotadas pelos países dominantes, organizações intergovernamentais e empresas [...].
As associações de Fundo de Pasto de Monte Santo buscam mudanças e diálogo com
outras associações de municípios vizinhos para melhorar sua condição de vida e criar
mecanismos formais que promovam articulação ampla e permanente entre essas associações
de fundo de pasto e a sociedade civil, os poderes Local, Estadual e Federal da região em que
atuam.
Dessa forma, as ações dessas associações de Fundo de Pasto tentam sanar a escassez
de organizações e instituições de abrangência microrregional por meio da criação da Central
78
de Fundo de Pastos da Região de Senhor do Bonfim, que reúne nove municípios para
contribuir, de forma decisiva, nas reivindicações dos sujeitos ocupante das áreas de Fundo de
Pasto. Isso se constitui em mais uma ação para articulação e participação da comunidade, pois
a inexistência de uma identidade regional dificulta a compreensão do grau de
interdependência existente entre os interesses dos atores sociais e políticos que convivem
nesses territórios. E nem sempre há consciência do fato de que muitos dos problemas
econômicos e sociais que afetam essas áreas exigem soluções regionais, uma ação política.
No entanto, a constituição de redes de atuação é algo mais difícil de ser executado,
entendendo que nem todo o processo de luta e conflitos travados – como os enfrentados pela
Associação Agropastoril da Fazenda Capivara com grileiros que tentaram cercar seu território
de uso comum – não foram conflitos institucionalizados. E os problemas de regularização das
terras de fundo de pasto são enfrentados como se fossem apenas questões locais, deixando de
se identificar e aproveitar muitas oportunidades de cooperação entre diferentes atores na
defesa de interesses coletivos.
3.5 AS ASSOCIAÇÕES DE FUNDOS DE PASTO E AS RELAÇÕES DE CONFLITO E PARCERIAS COMUNITÁRIAS
As comunidades tradicionais de fundo de pasto aqui estudadas e as referências desse
texto foram sobre Monte Santo, ou seja, todas as análises e interpretações se restringiram a
este município. Porém, não se pretendeu utilizá-lo como estudo de caso, mas como referência
do universo das comunidades tradicionais de fundo de pasto que existem na região do
semiárido.
A realidade social de Monte Santo, nesse contexto regional de conflitos, é a que se tem
apresentado de 2005 a 2015, com uma maior ocorrência de violência entre
fazendeiros/grileiros e os moradores de comunidades tradicionais de fundo de pasto. Nesse
município encontramos 45 associações comunitárias, onde os seus processos organizativos
(internos em algumas associações, na articulação entre associações) estão, em sua maioria,
pendentes. Há uma tensão social de conflito constante, inclusive com a ocorrência de seis
mortes de posseiros entre 2004 e 2010 (TORRES, 2013, p.40).
Em 06 de Fevereiro de 2014 mais um trabalhador rural foi assassinado com 12 tiros
no Projeto de Assentamento Nossa Senhora do Rosário.
Trata-se de mais uma morte anunciada em um município marcado pelos conflitos, com concentração fundiária de terras públicas devolutas pertencentes ao Estado da Bahia ilegalmente nas mãos de um pequeno grupo de grileiros que agem no
79
município, que se vale do poder judiciário para legitimar a grilagem histórica. (ENTREVISTA G. MONTE SANTO, 2014).
As comunidades tradicionais de fundo de pasto subsistem em constante luta contra os
desmandos de grileiros por meio das mobilizações como caminhadas/passeatas, atos públicos,
celebração religiosa, etc.. Estes meios são utilizados pelas Associações de comunidade de
fundo de pasto para levar os sujeitos a se mexerem, a exigir direitos e mover ações coletivas.
Em toda a área limite de Monte Santo existem, também, os assentamentos dos sem-
terra em áreas devolutas que estão em conflitos com os fazendeiros. Por fim, há as
comunidades tradicionais de fundo de pasto que podemos classificar em dois grupos: i) as que
conseguiram junto ao governo do Estado da Bahia demarcar suas áreas por meio de lutas,
marchas, protestos, enfrentamento de grileiros (principalmente na década de 1980); ii) aquelas
cujas terras ainda não foram demarcadas, e que a partir de 2006 passaram a enfrentar
constantes conflitos com grileiros.
De 2006 até 2015 a pressão sofrida pelos moradores das comunidades tradicionais de
fundo de pasto por grupos armados foi constante. As ameaças vêm provocando um processo
de desmobilização a partir de 2014, ou seja, sem ações coletivas de mobilização na atuação
das associações - devido às ameaças de morte sofridas pelas lideranças - suas terras de uso
comum continuam não demarcadas.
No atual cenário social e político, nas terras de uso comum que ainda não foram
demarcadas, há uma tensão de conflito causada pela atuação de grileiros, que, por meio do
uso da violência com homem armados, tentam cercar áreas de uso comum das comunidades
tradicionais, esse ambiente social de conflito é constante na vida dos moradores e lideranças
das áreas de fundo de pasto no município de Monte Santo - BA, como afirma Torres (2013, p.
72):
[...] permanência de tal situação nem sempre é pacífica. Muitos foram e são os conflitos que acontecem, uma vez que as relações sociais e econômicas das famílias se dão em terras devolutas, cuja regularização depende do Estado, que pelas dificuldades legislativas e falta de regulamentação da Constituição Estadual, permitem uma situação de insegurança e exposição aos ambiciosos e grileiros.
Nesse sentido, assume importância aqui a perspectiva da luta das associações de
Fundo de Pasto, representadas pela Central das Associações de Fundo de Pasto, na medida
que suas múltiplas expressões e significados estão presentes nas vivências e ações dos
movimentos sociais.
80
Entendemos como movimentos sociais, segundo a definição de Gohn (1997, p. 251)
“ações sociopolíticas construídas por atores sociais coletivos pertencentes a diferentes classes
e camadas sociais, articuladas em certos cenários da conjuntura socioeconômica e política de
um país, criando um campo político de força social na sociedade civil [...]”.
Desta forma,
O conflito é uma característica da sociedade de mercado pluralista que vem à tona com insistência notável. Trata-se da contrapartida natural do progresso tecnológico e da criação subsequente de novas riquezas, pela qual a sociedade de mercado é corretamente conhecida. Os conflitos surgem de desigualdades emergentes e de declínios regionais e setoriais a contrapartida, justamente de vários desenvolvimentos dinâmicos ocorridos em outras áreas da economia. (HIRSCHMAN, 1995, p. 40).
Tal tendência revela que a cada dia as Comunidades Tradicionais de Fundo de Pasto
devem se organizar para manter seu território e seu modo de vida.
Esses movimentos populares constituem-se, naquela conjuntura, em sujeitos coletivos
novos, no sentido de que a sua existência:
[...] indica uma coletividade onde se elabora uma identidade e se organizam práticas através das quais seus membros pretendem defender interesses e expressar suas vontades, constituindo-se nessas lutas, e de sorte que a novidade é tríplice: um novo sujeito (coletivo), lugares políticos novos (a experiência do cotidiano) numa prática política nova (a criação de direitos, a partir da consciência de interesses e vontades próprias). (SADER, 1988, p. 10).
3.5.1 A Caracterização dos Conflitos
Monte Santo fez parte do palco de um dos conflitos mais notórios da história do Brasil
– a Guerra de Canudos, que ocorreu entre os anos de 1896 a 1897. Segundo Junior e Bursztyn
(1982), os conflitos continuam, pois a situação fundiária local permanece quase inalterada,
com a terra concentrada nas mãos de uma pequena e violenta oligarquia. Dados da Associação
Regional da Escola Família Agrícola do Sertão, de 2009, demonstram que estes conflitos são
causados, principalmente, pela grilagem sobre terras tradicionalmente ocupadas por inúmeras
comunidades do município.
A partir do processo de expansão do capital no campo, aumentam o valor imobiliário
na região, a pecuária extensiva e o desenvolvimento do agronegócio; principalmente a partir
dos anos de 1960, aumentou, também, a pressão sobre os territórios ocupados pelas
comunidades tradicionais de fundo de pasto. Um relatório apresentado pela CAR, de 1986,
identificou 80 conflitos ativos nas áreas de uso comum na região do semiárido baiano, dos
quais 13 aconteceram em Monte Santo e os demais em cidades vizinhas.
81
A causa da maior parte destes conflitos, também identificada neste relatório, é a
grilagem, com adulteração de documentos e uso de violência para intimidar e expulsar os
moradores das comunidades tradicionais de fundo de pasto. Os atores destes conflitos são
sempre moradores das comunidades tradicionais de fundo de pasto de um lado e pessoas ou
empresas que reivindicam a terra por meio de escrituras antigas, sem definição clara dos
limites da propriedade (RIOS, 2002).
Nesse contexto, surgiu em Monte Santo em 1979, o Movimento Popular e Histórico de
Canudos, estritamente ligado à Igreja Católica. Tendo um padre à frente de sua formação, o
padre Enoque, tratou de relacionar a condição de vida do sertanejo de então à memória da
guerra de Canudos. A articulação desse movimento com o fato de os títulos de propriedade
serem concedidos em nome de uma associação propícia ao desenvolvimento do
associativismo torna mais viável a articulação com outros movimentos de fundo de pasto.
Assim, cada área de uso comum, por ser ocupada coletivamente, tem sua propriedade
legalmente reconhecida (RIOS, 2002).
Mesmo sem proporcionar uma regulamentação que proporcionasse a titulação coletiva
das áreas de uso comum das comunidades tradicionais de fundo de pasto, a Constituição do
Estado da Bahia abria a possibilidade para a concessão real de uso. Isso significa que a
propriedade continuaria pertencendo ao Estado, mas com autorização do uso particular da
Associação mediante concessão de direito real de uso, por prazo determinado, e mediante
cláusulas contratuais. Essa via de regularização, que não resultou na emissão de títulos de
propriedade definitivos, é bastante questionada pelos moradores das comunidades tradicionais
de fundo de pasto de Monte Santo (SANTOS, 2010).
Logo, as terras de uso comum não foram tituladas e a CDA – órgão responsável –
alega impossibilidades legais para fazê-lo, fato que obriga as Associações a se manterem em
uma luta constante. Dessa forma, as terras de uso comum, que justamente caracterizam esses
grupos e seu modo de vida, ficam à revelia da ação de grileiros, garimpeiros, mineradoras – a
exemplo da Companhia FERBASA.
O processo de grilagem, que aflora e permanece em Monte Santo, é enfrentado com
muita disposição pelos moradores das comunidades tradicionais de fundo de pasto, que são
apoiados por membros da CPT, AATR e grupos de pesquisadores de universidades como a
Universidade Estadual de Feira de Santana - UEFS.
Os conflitos pela terra são associados a casos de violência contra a pessoa
(intimidações, ameaças, ferimentos e assassinatos de trabalhadores e lideranças rurais);
destruição material (casas, roças etc.); despejo e expulsão de famílias, como ocorreu na
82
Comunidade da Associação Agropastoril da Fazenda Capivara. “Um líder comunitário teve de
deixar a comunidade e hoje, por questões de segurança, poucos sabem onde ele está morando”
(ENTREVISTA J.F.F5 27/1/2015). Esse é um processo marcado por resistência e tentativas de
superação, numa perspectiva de garantir e reafirmar o modo de vida, desenvolvendo práticas
de ação coletiva e de produção em áreas de uso comum.
Com o projeto Sertanejo, a grilagem de terra foi oficializada literalmente. Com
investimento do governo na região, iniciou-se uma corrida às terras, de modo que “muita
gente comprava uma pequena quantidade e cercava uma quantidade maior; depois ia ao
cartório regularizar a terra grilada do Fundo de Pasto através da correção e retificação de
quantidade de terra” (DEPOIMENTO de A.D.A MORADORA DO FUNDO DE PASTO
CAPIVARA, MONTE SANTO-BA, 27/1/2015).
É importante destacar, portanto, que o papel do Estado não tem beneficiado as
comunidades tradicionais, transformando o espaço a serviço do capital, estabelecendo
políticas que desfavorecem os moradores das comunidades tradicionais de fundo de pasto em
Monte Santo. Ao longo do tempo, quando o Estado esteve ausente, buscaram-se formas de
sobreviver frente às intempéries da vida no semiárido.
3.5.2 Fundo de Pasto e Atuação da Organização Política: Conflitos Enfrentados nos Últimos Anos
Passado mais de um século do confronto de Canudos, o contexto agrário na região e
mais especificamente em Monte Santo continua conflituoso, o que é explicado pelo fato de a
situação fundiária local permanecer concentrada nas mãos de uma pequena oligarquia
latifundiária, muito embora haja grande presença de terras públicas nesse município.
A continuidade das práticas das associações das comunidades tradicionais de fundo de
pasto em Monte Santo tem sido razão da manutenção do contato dos trabalhadores e
trabalhadoras, em espaços de encontro onde dialogam, sobretudo, o que há de influência em
suas vidas, destacando, geralmente, o que lhes é colocado como desafio e os problemas que
cotidianamente devem ser superados. Consequentemente, exige-se, de algum modo, um grau
de organização política dos atingidos e/ou ameaçados para além das práticas culturais comuns
como reisado, quadrilha, reza do terço nos Fundos de Pasto.
O conflito estabelecido entre os moradores das comunidades de fundo de pasto e os
grileiros que agem em Monte Santo, desde 1979, tem um processo histórico de altos e baixos. 5 Do sexo masculino, tem mais de 65 anos, presidente da Associação Comunitária Agropastoril
Varginha Terra Livre, sempre morou na comunidade de Fundo de Pasto e foi um dos fundadores da Associação.
83
O momento alto pode caracterizar-se como aquele em que, por meio da atuação de
cercamentos por iniciativa dos grileiros das áreas de uso comuns – os fundos de pasto –,
exigiram das Comunidades uma postura organizativa capaz de resistir às invasões capitalistas,
reafirmando seus valores fundamentados na organização coletiva sobre o campo, adotando
uma postura de luta ofensiva. Segundo o depoimento da moradora da comunidade Capivara
A.D.A. (2015) “nós se reunia embaixo de um umbuzeiro pra discutir o problema da
comunidade e lutar contra a cerca de um grileiro que a gente nem conhecia, nem sabia quem
era, a gente pensava que poderia ser uma pessoa, mas não tinha certeza”. A partir deste
depoimento, o que percebemos é que, quando a ameaça estava próxima (o grileiro), havia uma
maior mobilização da comunidade em prol da defesa de território.
Já os momentos de baixa mobilização sempre ocorreram a partir de uma ação mais
violenta por parte dos grileiros com seus capangas fortemente armados, os quais, contando
com a omissão do Estado, agiam na comunidade, ameaçando as lideranças e provocando o
terror, o que causava um efeito psicológico nos moradores, que por medo não continuavam
com suas mobilizações, principalmente quando ocorria o assassinato de alguma liderança da
comunidade. Segundo um morador “a gente ficava com medo de morrer com tanta ameaça,
então a gente parava um pouco” (DEPOIMENTO ENTREVISTA DE A.D.A, 2015).
Assim, as primeiras associações fundadas em Monte Santo, no início da década de
1980, são de iniciativa dos moradores das comunidades e assessorias da CPT e AATR para
combater a invasão por grileiros de áreas comuns utilizadas pelos moradores.
As associações, registradas a partir do ano de 1990, se deram por meio da ampliação
da ação da CAR e da compreensão das pessoas de que uma entidade coletiva facilitaria a
cobrança por melhores condições, e por melhor atuação do Governo Estadual na regularização
das terras onde estão localizadas as comunidades tradicionais de fundo de pasto. Resultado
desse contexto histórico foi a criação em 1990 da Associação Comunitária Agropastoril
Varginha Terra Nova, e em 1994 da Associação Comunitária e Agropastoril da Capivara.
Em muitas associações Agropastoris de fundo de pasto, seus integrantes entenderam
que a força do coletivo é importante na luta em defesa do território; o que não impediu que as
associações, em sua grande parte, historicamente, fossem instrumentos eleitoreiros, por meio
das quais se facilitava o diálogo dos interessados no voto com os moradores de determinadas
comunidades, obviamente por meio do discurso de cooperação e desenvolvimento. São raras
as exceções que puderam viabilizar estruturação, capacitação, organização, investimentos e
apoio interno em tais contextos, ferramentas essenciais para a organização das associações.
Aquelas que conseguiram, partiram do esforço de um movimento encabeçado por lideranças
84
locais da Associação Regional da Escola Família Agrícola do Sertão (AREFASE), da AATR e
da CETA.
A memória das lutas e organização do povoado Lagoa do Mandacaru (Associação
Comunitária Agropastoril Varginha Terra Nova) evidencia a relevância histórica das diversas
organizações, pois, em entrevista, F. do Mandacaru (2015) afirma “associação é algo instalado
na região há muito tempo. É algo para a gente lutar pelos nossos direitos”. Porém, em
distintos momentos, sobretudo em períodos de luta, o resultado é assassinato de trabalhadores,
e, segundo o depoimento de A.D.A da comunidade Capivara (2015), “mais ou menos 9 ou 10
moradores de áreas de fundo de pasto já foram assassinados em Monte Santo, e o que
incomoda mais é que naturalizam essas mortes”.
O que percebemos entre os moradores é que, mesmo com uma desmobilização, fruto
da violência dos grileiros e dos assassinatos dos líderes de 2011 a 2014, há a concepção de
que, uma associação comunitária pode ajudar na luta em defesa do seu território e que devem
estar embasados num espírito coletivo, valorizando um grupo de pessoas que forma a
associação, pois possibilita a busca de benefício, de melhorias na qualidade de vida com
objetivo comum.
De outro lado, tem havido uma presença constante de entidades, personalidades,
estudantes, em seus principais espaços de reflexão e tomada de decisões, que em larga medida
tem limitado a autonomia das comunidades, tornando-as reféns de outras “cabeças e recursos”
para decidir seus rumos.
3.5.3 Os Motivos Sociopolíticos dos Conflitos
No semiárido baiano, as ocupações comunais do território com características de
fundo de pasto, ganharam visibilidade a partir de 1980, quando os conflitos pela manutenção
das terras por parte das comunidades tradicionais levaram ao enfrentamento com grileiros,
pressionando o Estado a reconhecer a legitimidade da ocupação da terra.
Somente com a Lei Federal n° 6.383 de 1976, que dispõe sobre o Processo
Discriminatório de Terras Devolutas da União, abriu-se uma possibilidade de reconhecimento
de posse: serem as terras devolutas ocupadas, com áreas de até 100 hectares, com
comprovação de morada permanente, cultura efetiva, e aquele que pleiteia a posse não deve
ser proprietário de imóvel rural. No entanto, a lei não assegura nenhum documento que
comprove a propriedade; ao invés disso, é concedida uma licença de ocupação que, em caso
de disputa de posse, não tem valor legal frente a um título de propriedade (ALCÂNTARA e
85
GERMANI, 2003).
Assim, grileiros ocupam áreas que se encontram largadas, “sem dono”, as quais estão
na mira da produção capitalista de mineradoras como a FERBASA, onde tais relações seriam
alteradas conforme as reconfigurações das demandas mercantis de grileiros e mineradoras, em
especial. Na década de 1970, quando as terras soltas, sem cercas, não têm dono nem
documento, vale a lei do mais forte, explícita por empresários capitalistas que instalaram o
conflito em nome do “desenvolvimento”, subsidiados pelas estruturas políticas e jurídicas do
município de Monte Santo.
Em 1980 os moradores do povoado Lagoa do Mandacaru foram fortemente
ameaçados, numa desproporcional correlação de forças. Fazendeiros de posse das lacunas
legais deixadas pelo Estado declararam-se proprietários das áreas de uso comum utilizadas há
muitos anos pelos moradores do povoado e dos familiares, que permanecem ainda hoje sob a
área.
O fazendeiro, à época fortemente amparado por instrumentos estatais (dinheiro,
política e judiciário), chega à região de modo sutil, cercando áreas de terras de uso comum do
povoado, provocando um conflito armado nos anos 1980.
Ao passo que os moradores do povoado Lagoa do Mandacaru têm suas terras
ameaçadas, reagem com a demarcação de parte do território, num processo de abertura de
variantes que sinalizam as áreas legitimamente suas, na tentativa de impedir o ingresso do
fazendeiro na área de uso comum. O senhor J. A. C. 6, morador da comunidade de fundo de
pasto, nos explica que
A ideia desse fazendeiro era que esse povo fosse aceitar que ele cercasse as áreas; então nós que criava aqui da forma que nós criava, chegasse a cerca nós não ia se dar bem. Então, o pessoal se organizou e lutou e continuou aqui, e colocamos os jagunços pra correr daqui. (DEPOIMENTO DO MORADOR J.A.C, 2015).
No entanto, a luta foi prolongada por muitos anos, até a desistência do fazendeiro
pelas terras. Esses conflitos se originam com a intensa injeção de recursos públicos em
setores privados, que discursam contribuir para o desenvolvimento do Brasil.
A invasão das terras só não prosseguiu porque a tentativa do fazendeiro de demarcar
com a construção de variantes via máquinas, foi interrompida pela reação dos camponeses.
A continuidade do conflito leva os camponeses às ruas e praças de Monte Santo; eles
6 Do sexo masculino, tem mais de 65 anos, participou da fundação da Associação Comunitária
Agropastoril Varginha Terra Livre, sempre morou na comunidade nunca se afastando. É referência na comunidade por conhecer toda a história, pois acompanhou todas as experiências de conflitos e organização da comunidade de Fundo de Pasto.
86
conseguem derrubar as ações dos grileiros na comunidade, retomam a área e protegem-se,
montando grupos que se revezavam na autodefesa das próprias comunidades.
Os elementos expostos acima demonstram, explicitamente, os desafios que estão
postos para essas comunidades, ou seja, o ponto central gira em torno da legalização do
território legitimamente ocupado por posseiros há mais de 150 anos.
3.5.4 O Papel das Associações de Fundo de Pasto na Mediação nos Conflitos
Com a inserção, no âmbito federal, das terras de fundo de pasto na Política Nacional
de Desenvolvimento de Povos e Comunidades Tradicionais pelos Ministérios do
Desenvolvimento Social e do Meio Ambiente, por meio do decreto presidencial de 2006, dois
representantes de Fundos de Pastos passaram a integrar a Comissão Nacional de
Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais. Este reconhecimento
político conferiu certa agilidade ao processo de medições e titulações.
A partir deste período, esta denominação regional fundo de pasto começou a se
organizar em associações de várias partes do Estado da Bahia, principalmente em Monte
Santo, as quais tiveram que se organizar e lutar pelo reconhecimento de movimento. Este foi
um momento de efervescência na busca de legalização e reconhecimento das áreas de uso
comum em Monte Santo, culminando num acirramento dos conflitos entre grileiros e
moradores das comunidades tradicionais de fundo de pasto, com alguns assassinatos de
lideranças dessas comunidades.
A organização da luta por meio de associação registrada com sua estrutura burocrática
historicamente, e até hoje, têm apresentado duas realidades. Existem as associações que estão
direta e verdadeiramente ligadas aos interesses das comunidades e movimentos rurais com o
apoio de entidades como a AATR e CPT, que tentam mobilizar os moradores de áreas
tradicionais com um trabalho de conscientização sociopolítica.
Porém, este trabalho não se realiza sem uma série de problemas de representação dos
interesses dos moradores das comunidades de fundo de pasto, pois algumas associações
funcionam, na realidade, como verdadeiros “braços do Estado”, para atender a interesses de
grileiros dentro das áreas de uso comum. Neste caso, não se confere legitimidade para atuar
enquanto movimento de Fundos de Pasto, designado na Bahia como um modo de criar, viver
e reproduzir-se a partir de uma articulação complexa entre terras e recursos naturais de uso
comum, e glebas pertencentes a cada unidade familiar, onde dentre as atividades realiza-se de
modo particular o criatório de caprinos e ovinos à solta, e em geral, numa pastagem nativa.
87
Essa modalidade de uso cultivo da terra, onde os sujeitos participavam de forma
comum na exploração dessa área comum, assim definida no artigo 178 da Constituição de
1989 do Estado da Bahia, é registrada em mais de 34 municípios, tem-se 464 Associações de
Fundos e Fechos de Pasto (GEOGRAFAR, 2011). Um número expressivo para ser ignorado
pelas políticas agrárias, econômicas e educacionais em curso ao longo dos tempos, e que
ocultam práticas que projetam autonomia e reafirmação desse modo de ser.
O diálogo entre as comunidades que comungam desse modo de vida tem sido cada vez
mais constante, sobretudo, pela busca da reafirmação da dinâmica específica desafiada
cotidianamente pelas ações do agronegócio. Essa articulação tem construído ações relevantes,
atuando, pontualmente, na condição de movimento popular de massa. As comunidades de
fundo de pasto integram um conjunto de forças sociais e políticas do campo, que tem suas
lutas marcadas pela reivindicação de ações que contribuam para a reafirmação de seus
territórios no intento de qualificar suas vidas.
As comunidades de fundo de pasto estão representadas na Comissão Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais, instituída pelo decreto de 13 de julho de 2006, que elaborou e aprovou a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais – Decreto n. 6040/2007 e Anexo. Povos e Comunidades Tradicionais estão ali definidos como sendo “grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição” e traz como principal objetivo promover o reconhecimento, fortalecimento e garantia dos direitos territoriais, sociais, ambientais, econômicos e culturais destas comunidades, com respeito e valorização à sua identidade, formas de organização e instituições. (AATR-BA, 2009, [s.p]).
As Associações de fundo de pasto têm o papel de defender seus direitos com relação
aos conflitos enfrentados junto a grileiros e mineradoras, como a FERBASA. Os líderes de
Associações que vivem em áreas de Fundo de Pasto definem sua “particularidade como um
modo de vida, um território específico, uma forma de defesa e um meio de preservar a
Caatinga e essa intermediação que deve ser adotada pelos representantes” (ENTREVISTA
COM S.S.P LIDERANÇAS DE ASSOCIAÇÃO FUNDO DE PASTO, MONTE SANTO,
1/2015).
O território funciona, para estes, como fator de identificação, defesa e força, cuja rede
de relações sociais é forçada politicamente frente a antagonismos e situações de extrema
adversidade, cabendo à Associação a representação sociopolítica.
As disputas travadas pelas associações instigam os moradores das comunidades de
fundo de pasto a chamarem a atenção da sociedade para os seus diferentes modos de vida,
88
tanto em relação aos outros grupos sociais como em sua relação à natureza, especialmente no
Bioma Caatinga.
A disputa do território tem mobilizado as comunidades com maior intensidade em
defesa de seus territórios, o que lhes proporcionou fortalecer as relações internas e estabelecer
o início de uma articulação mínima com outras comunidades camponesas de outras áreas de
Fundo de Pasto, com a contribuição de outras organizações, pastorais sociais e a Central de
Associações de Fundo de Pasto.
Após 1990, fundam-se várias Associações de Comunidades de Fundo de Pasto, como
possíveis detentoras dos títulos coletivos, cujo direito seria garantido por iniciativa popular na
Constituição de 1989. Constituem um modelo de organização local dos camponeses
nordestinos, geralmente associados a um determinado “apadrinhamento”, para disputar
(muitas vezes entre as próprias comunidades) determinados recursos, em muitos casos com
intervenções de atores externos à comunidade como Igreja, Organizações não
Governamentais (ONGs), órgãos de extensão, projetos públicos. Em alguns casos, coloca-se o
instrumento de unidade política sob o qual se dotava a organização - devido à permanência de
práticas camponesas e a adaptação permanente de novas formas de coordenação da ação
coletiva - necessário para autodefesa frente às demandas conjunturais, por meio das quais se
originaram outras instâncias organizativas com maior capacidade de intervenções políticas.
3.5.5 Os Governos Municipal, Estadual e Federal como Articuladores dos Interesses Conflitantes
No Brasil, até a década de 1950, dentro da esfera político-institucional, apenas a
categoria do latifundiário era reconhecida como a identidade possível de visibilidade e de
existência de um sujeito social e político no campo rural brasileiro. Os arrendatários, foreiros,
meeiros, posseiros, parceiros, moradores e tantas outras situações em que os trabalhadores
rurais se encontram, não são identificadas publicamente, nem reconhecidas legalmente
(MEDEIROS, 1998).
Conforme Medeiros (1998, p. 42) o que estava em jogo nos anos 1950 era o
reconhecimento pelo Estatuto do Trabalhador, como profissional, consequentemente, cidadão,
daqueles que o Estado e as entidades de representação patronal tentavam apresentar como
meros homens do campo, rurícolas etc.
Em 1964 é instituído o Estatuto da Terra, considerada a primeira Lei de Reforma
Agrária do país. Esta lei é resultado da pressão dos trabalhadores rurais no período pré-64 e se
89
configura num reconhecimento do Governo Militar da necessidade de enfrentar o “problema
agrário do país, realçando a função social da propriedade” (PINTO, 1995, p. 69).
Palmeira e Leite (1998, p. 116) consideram que a nova legislação impôs um novo
recorte da realidade, criou categorias normativas para uso do Estado e da sociedade, capazes
de permitir modalidades, antes impensáveis, de intervenção do primeiro sobre esta última.
A lei, visando implantar uma política de desenvolvimento rural e de reforma agrária,
introduz medidas voltadas à modernização do campo, regulamenta e redefine formas de
distribuição e uso das terras brasileiras, seja por meio da concessão de terras públicas para
projetos de colonização, seja regulando direitos de usucapião e de parceria. A lei define,
ainda, medidas de desapropriação por interesse social para garantir a função social da
propriedade.
Nesse sentido, para entender a participação das associações de comunidades
tradicionais de fundo de pasto e a capacidade de esta influenciar efetivamente o curso de
decisões políticas, é fundamental observarmos os níveis e tipos institucionais alcançados pelo
processo participativo em órgão do Governo e o poder efetivo que essas instituições têm na
produção das decisões políticas mais amplas. Logo, no que se refere à influência do
associativismo na política de regularização das áreas de uso comum de fundo de pasto, é
necessário ter em vista sua participação na formação da agenda política, e se esses órgãos do
Governo conseguem cumprir sua agenda política, ou se perdem poder quando entram em
concorrência interesses antagônicos.
Segundo o relato de membros das comunidades tradicionais de fundo de pasto, os
governos Federal, Estadual e Municipal pouco atuam: “a falta de legalização não é a única
lacuna de atuação do poder público” (ENTREVISTA A.D.A, MORADOR DA
COMUNIDADE CAPIVAR/MANDU, 1/2015). Há também a burocracia para acessar
recursos e programas governamentais, “bem como a ausência de políticas de crédito
condizentes com o modelo de produção coletiva desses grupos, são outros entraves”.
(ENTREVISTA A.D.A, MORADOR DA COMUNIDADE CAPIVAR/MANDU, 1/2015). E
mesmo quando o Estado chega, há reclamações relacionadas, por exemplo, à introdução de
raças para o melhoramento genético do rebanho não adaptadas ao pastoreio solto na
Caatinga.
Além da criação de animais e das roças de subsistência, há outras formas de
exploração econômica nos fundos de pasto: a produção de mel e o extrativismo de frutas são
dois exemplos de potencialidades eventualmente exploradas. Mas para A.D.A (2015), da
comunidade Capivara, quando o assunto são as ações governamentais de fortalecimento
90
produtivo, falta capacitação às famílias para a continuidade dos projetos. Em entrevista
ressalta que "existem hoje muitas casas de farinha, quebradas ou fechadas nas comunidades".
Em geral, diz ele, sempre é preciso recorrer ao poder público para, por exemplo, consertos e
reposição de peças, e acrescenta que "as coisas são feitas de forma que a comunidade fique
eternamente dependente".
Além disso, há também uso político das condições climáticas, que inclui o
favorecimento de determinados grupos de grileiros/fazendeiros que tentam cercar as áreas de
uso comum de fundo de pasto, ou mesmo lançam mão do voto de cabresto, sustentado em
ações emergenciais para atender flagelados – elementos daquilo que ficou conhecido como
"indústria da seca".
Não se reconhece nessas comunidades a relação com o poder público, porém, em
entrevista, S.S.P (2015) declara: "É comum às pessoas se sentirem em dívida com aquele
político que lhes mandou um carro-pipa na hora do aperto". Ela entende a política a partir de
uma relação pessoal com o político.
Na opinião de G.7 (2015), “o histórico de clientelismo e coronelismo é, ainda hoje, um
entrave ao desenvolvimento dos fundos de pasto. Tivemos aqui a Guerra de Canudos, uma
experiência de organização coletiva que foi destruída". Tudo isso, de acordo com ele, dificulta
a percepção do associativismo como uma ideia eficaz.
Desde tempos remotos, as comunidades de fundo de pasto cultivam relações internas
de colaboração mútua, como mutirões para construir casas e organizar festejos religiosos. No
entanto, para E.C. da Mandacaru (2015) há uma falta de articulação mais ampla neste
momento em Monte Santo: "nós, nordestinos, somos muito solidários. Se você precisa de
mim, eu ajudo; se adoece, eu levo um chá e tudo o mais".
Porém, além da atuação dos grileiros/fazendeiros, Rubem Siqueira, da Comissão
Pastoral da Terra na Bahia (CPT-BA), relata a existência de outras ameaças às
comunidades de fundo de pasto. Projetos de mineração, de barragens e até de parques eólicos
são iniciativas em andamento, sobre as quais, segundo ele, pairam variadas dúvidas. "Existem
muitos empreendimentos pensados para áreas dessas comunidades, a respeito dos quais há
poucas informações" (1º ENCONTRO..., 2014, [s.p]).
Desta forma, o modo de vida próprio no meio rural, são as chamadas comunidades
tradicionais de Fundo e Fecho de Pasto, denominação cultural e legalmente reconhecida no
7 Do sexo feminino, tem mais de 55 anos e é líder comunitária ligada a Igreja Católica no município de
Monte Santo, onde reside; ajudou a fundar várias Associações de Fundo de Pasto. É referência, pois acompanhou toda a luta travada entre Comunidades de Fundo de Pasto e grileiros, na atualidade as mineradoras, na Região.
91
Estado. Em outubro de 2013, o Estado da Bahia aprovou a Lei 12.910/2013 que estabelece
dezembro de 2018, como prazo limite para “regularização fundiária de terras públicas
estaduais, rurais e devolutas, ocupadas tradicionalmente por Comunidades Remanescentes de
Quilombos e por Fundos de Pastos ou Fechos de Pasto”.
A referida Lei foi uma reivindicação dos movimentos sociais organizados, porém, da
forma como foi aprovada, não contemplou os anseios populares. Com o prazo, a Articulação
Estadual de Fundo e Fecho de Pasto, em conjunto com as comunidades e entidades de apoio,
estão realizando uma busca ativa para incentivar as comunidades tradicionais a se
reconhecerem e se declararem junto aos órgãos competentes. Vale lembrar que esta seria uma
tarefa de órgãos como a CDA, porém as comunidades vêm contando com uma valiosa
contribuição da sociedade civil organizada em associações sob garantia do acesso à terra e ao
território destes povos.
Após a certificação, feita pela Secretaria de Promoção da Igualdade Racial (Sepromi),
as comunidades devem reivindicar do Estado o contrato de concessão de direito real de uso
das áreas coletivas, o que garante a permanência na terra por 90 anos, podendo haver
prorrogação, conforme manifestação da comunidade.
Ao tempo em que se organizam, trazem novas lideranças para as lutas e constroem
parcerias, a Articulação Estadual de Fundo e Fecho de Pasto critica o Estado por agir “com
descaso junto às comunidades, tanto na questão da regularização fundiária, como na
promoção de condições de permanência na terra, garantindo a soberania alimentar, hídrica,
cultural e socioambiental”, expressa a organização em documento público.
Para M.J.F.8 (2015), integrante da Associação Varginha Terra Livre, em Monte Santo,
é o “Fundo de Pasto que garante o sustento das famílias que usufruem de forma coletiva da
área”. Ao mencionar a importância das lutas pela permanência na terra, M.J.F. (2015) destaca:
“Sem Fundo de Pasto vamos ser agregados”, algo que não seria justo com quem sempre viveu
na terra e da terra, garantindo práticas de preservação e convivência com o clima e com os
bens naturais de modo geral, adotando, sobretudo, a lógica da convivência com o semiárido.
Com essas medidas jurídicas, o Estado passa a considerar a existência institucional e a
mediar as lutas dos trabalhadores rurais, articulados em novas conexões que tem a
participação de setores da esquerda, da Igreja Católica e dos movimentos sociais emergentes.
O Governo do Estado da Bahia possui traços na cultura política que interferem
diretamente na atuação das associações. Os representantes políticos de Monte Santo, de um
8 Do sexo masculino, tem em média 50 anos, mora na comunidade e participou da fundação da
Associação.
92
modo geral, possuem relação direta com o setor empresarial, que por meio de uma gestão
autoritária e policialesca, controla algumas das associações das comunidades tradicionais de
fundo de pastos, inibe e reprime reações, atua pela modernização do latifúndio em detrimento
do apoio a políticas de defesa das áreas tradicionais de uso comum das comunidades de fundo
de pasto.
93
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O município de Monte Santo tem uma população predominantemente rural.
Identificamos formas de organização coletiva, como as Associações de Comunidades
Tradicionais de Fundo de Pasto, em que as terras geralmente são “irregulares”, sem
demarcação, o que gera dependência de outras formas de organização, como Sindicatos
Rurais, Associações, Partidos Políticos e Órgãos dos Governos Estadual, Federal e Municipal
para tentar conquistar a escritura legal das terras.
A região, apesar da rigorosidade climática, comporta a riqueza biológica e paisagística
proporcionada pela caatinga. Entre alguns projetos e programas do Governo do Estado da
Bahia, a escassez de água é apontada como o grande problema da região. Mas é o surgimento
de grandes latifúndios, a ausência de políticas públicas e, atualmente, o aparecimento de
grileiros, mineradoras e carvoarias que expulsam os moradores dessas áreas, deixando muita
gente com sede e fome. Muitas vezes, o discurso da falta de chuva é usado como forma de
explicar as mazelas sociais existentes, reflexo de um sistema desigual e individualista, numa
região onde as condições socioeconômicas e políticas não são favoráveis.
É neste contexto social que pretendemos levantar mais uma questão sobre o Nordeste,
especificamente para a existência das Associações das Comunidades Tradicionais de Fundos
de Pasto nessa região, que passa por um processo novo - se comparado aos anos de existência
da comunidade - de associativismo formal, numa luta pela defesa e legalização dessas áreas.
A tentativa é ter o reconhecimento do Estado, sendo que o entendimento das dinâmicas
sociopolíticas dessa realidade social, que vem numa luta constante de reivindicar e garantir o
uso comum da terra possa dar espaço a políticas públicas para as comunidades de fundo de
pasto de Monte Santo.
É impossível desvincular a existência das comunidades tradicionais de Fundo de Pasto
da forma peculiar do uso econômico comum das áreas coletivas. Como resultado dessa
relação socioeconômica, as comunidades travam conflitos diários com vários setores da
sociedade - o econômico e o social - para garantir o acesso à terra e à sua forma de utilização.
É por meio da organização autogerida em associação que a luta pela terra se torna
mais coletivizada na disputa de poder que venha proporcionar um reconhecimento pela
sociedade e pelo Estado do uso comum da terra pelos sujeitos que compõem essas
comunidades há muitos anos.
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A construção da disputa pelo poder econômico – aqui pensando na posse da terra –
necessita de interlocutores diferenciados, que são as Centrais e Movimentos de Comunidades
de Fundo de Pasto, que visem à consolidação de seus direitos sociais, autogestão que assume
a sua história e ao aproveitamento, enquanto sujeitos do processo de autonomia e de
reconhecimento, donos das terras e portadores de um novo sistema de exploração econômica,
de recursos naturais autossustentáveis.
Esta é a realidade de um município baiano localizado no Nordeste do Brasil, numa
região de clima semiárido, que apresenta uma problemática socioeconômica e política que
chamou e ainda chama a atenção de vários cientistas de áreas distintas.
As comunidades de Fundo de Pasto se encontram num momento de entendimento, em
que o tecido associativo vem limitando a coesão social quando influenciado pelo Estado, pois
percebeu-se que as forças do Estado, por meio de suas instituições, estão sendo usadas muito
mais para manter o processo expropriatório do que para defender os moradores das
comunidades e possibilitar a sua permanência na terra.
Assim, o associativismo induzido pelo Estado baiano tem provocado uma situação
social de não coesão entre os sujeitos que compõem a comunidade, e diante dessa falta de
interesse do Estado em compreender esse modo de vida, os agricultores buscam uma auto-
organização que garanta um território pautado por seu modo de vida. Os Fundos de Pasto
aqui estudados vivenciaram uma luta constante ao defender seu modo de vida, suas terras de
uso comum. Para efetivar a defesa, a formulação das associações se mostrou um caminho,
mas, na prática, serviu para alterar as relações existentes, o que resultou no embate entre
quem tem ou não o poder sobre o uso da terra.
Os objetivos da pesquisa foram alcançados, pois a composição social das comunidades
tradicionais de fundo de pasto retrata uma vivência socioeconômica solidária, coletiva, que as
permitiu enfrentar as condições climáticas - clima seco e chuvas espaçadas. Seus valores de
ajuda mútua possibilitaram uma preservação da natureza em área de uso comum, garantia de
uma reserva para os períodos de estiagem.
A atual relação entre os membros da comunidade, e destes com a natureza, mesmo
sem possuir uma fundamentação teórica, lembra os princípios de preservação e autogestão
que garantiram e garantem a manutenção do sistema de uso comum de Fundos de Pasto, o que
respondeu a algumas demandas econômicas que os ajudaram a viabilizar a reprodução social
destas comunidades tradicionais. A determinação em afirmar seus valores por meio de
organizações coletivas é fundamental para a sobrevivência e manutenção dos Fundos de
Pasto.
95
Ademais, as associações têm engendrado nas comunidades as referidas consequências
jurídicas, fator que tem contribuído para o afastamento, falta de participação e desmobilização
desses grupos. Por isso, não seria equivocado afirmar que elas estão, em grande medida, mais
excludentes que agregadoras, mais prejudiciais que benéficas a essas comunidades, quando
deveria ocorrer o contrário.
Há uma emergência em repensar as representações sociais associativas das
comunidades tradicionais de fundo de pasto, pois só assim vão permitir, no município, a
implantação de um desenvolvimento que valorize as pessoas, permita viver com dignidade, se
relacione com outras esferas sociais, sirva para todos, respeite a natureza, seja sustentável, isto
é, que beneficie não apenas a geração atual, mas também as futuras, e que, por fim, valorize o
local das comunidades de fundo de pasto que preservam um modo secular de “viver”, “criar”
e “fazer”.
Esse estudo é amplo, desafiador e continua aberto a contribuições que pretendemos
continuar estudando.
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APÊNDICES
Apêndice A: “Roteiro para entrevista” ASSOCIATIVISMO EM COMUNIDADES DE FUNDO DE PASTO NO MUNICÍPIO DE MONTE SANTO (BA): MOBILIZAÇÃO SOCIAL, DINÂMICA DE PODER9
1 FUNCIONAMENTO DA OGANIZAÇÃO A diretoria se reúne de quanto em quanto tempo?__________________________ Os associados se reúne de quanto em quanto tempo? _______________________ Quantos sócios participam regularmente das reuniões?______________________ Quais os motivos que levaram vocês a formarem uma Associação? Prestação de contas: Não faz ( ) Faz sobre atividades ( ) Faz sobre recursos e atividades Faz para os associados ( ) Para os membros de toda comunidade ( ) Discute com a comunidade? Sim ( ) Se sim, sobre o que: Não envolve a comunidade nas discussões e deliberações. ( ) Por quê? Pra vocês qual a importância dos limites territoriais para a permanências/vivência da comunidade? Como vocês podem caracterizar/definir a Comunidade em que vocês vivem? A Associação acha-se capacitada para desenvolver suas atividades? Sim ( ) Por quê? Não ( ) 2 RECURSOS MATERIAIS E FINANCEIROS Despesas anuais da associação _______________________________________ Fonte dos recursos_________________________________________________ Infraestrutura disponível? 2.3.1 Sede própria ( ) 2.3.2 Computadores 2.3.3 Veículos. Quantos: _____ 2.3.4 Outros:___________________________ 2.4 Divulga os trabalhos da associação? 2.4.1 Sim ( ) 2.4.2 Não. Por quê?_______________________________ 2.4.3Quais meios de comunicação são utilizados? 2.4.3.1 Cartazes ( ) 2.4.3.2 Boca-a-boca ( ) 2.4.3.3 Reuniões ( ) Outros: 3 QUAIS AS AÇÕES COLETIVAS QUE A ASSOCIAÇÃO VEM DESENVOLVENDO NA COMUNIDADE? RELAÇÃO COM O PODER PÚBLICO Mantém algum tipo de relação com a prefeitura? Não ( ) Por quê? Sim ( ) Através de: ______________ Quais resultados têm obtido nas relações com a prefeitura?
9 Projeto de Dissertação de Fábio Santana dos Reis da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, Centro de Artes, Humanidades e Letras do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais. Orientação prof. Dr. Herbert Toledo Martins.
Organização:___ __________________Ficha n.:__________ Entrevistador:
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Mantém algum tipo de relação com a Câmara de vereadores? Não ( ) Por quê? Sim ( ) Através de: Quais resultados têm obtido nas relações com a câmara? Mantém algum tipo de relação com o Governo Estadual (Estado)? Não ( ) Por quê? Sim ( ) Através de: Quais resultados têm obtido nas relações com o Estado? Mantém algum tipo de relação com o Governo Federal (União)? Não ( ) Por quê?_________________________ Sim ( ) Através de: __________________ Quais resultados têm obtido nas relações com a União? A Associação participa de algum Conselho? Quais?___________________________________________________ O que a Associação já tentou fazer no conselho?____________________________________ Não participa ( ) Por quê?_______________________________________________________ Alguma proposta de Política Pública? Qual o resultado?_____________________________________________________________ Não apresentou proposta. Por quê?____________________________________ Quais as maiores dificuldades na relação com o Poder Público? Prefeitura _________________ Estado _________________ União 4 A ASSOCIAÇÃO E OS PARTIDOS POLÍTICOS A associação tem alguma relação com partidos? Sim. De que tipo?______________________________ Com quais partidos?________________________ Não. Por quê?_________________________________ A Associação busca apoio dos partidos? Sim ( ) pra quê?___________________________ Não. Por quê?___________________________ Há dirigentes da associação filiados a partidos? Não. ( ) Por quê?___________________ Sim. ( ) Quantos:_______ Em quais partidos?__________ A Associação já se envolveu em algum Conflito com outros grupos? Sim. ( ) Em que ano?__________ Que tipo de Conflito?_______________________________________ Não. ( ) Por quê? ______________________________________________ Já recebeu ou recebe apoio de outras entidades sociais? Sim. ( ) Como é esse apoio?_____________________________________________________ Não. ( ) Quais os motivos?______________________________________________________ Quais os principais conflitos enfrentados pela Comunidade?
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Apêndice B: Imagens de Monte Santo, fundo de pasto, comunidade, reuniões
Imagem 1 – Fundo de Pasto Capivara
Fonte: Pesquisa de Campo, 2014.
Imagem 2 – Comunidade de Mandacaru
Fonte: Pesquisa de Campo, 2014.
Imagem 3 – Praça central de Monte Santo – Sede do Município
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Fonte: Pesquisa de Campo, 2014.
Imagem 4 – Entrada de Monte Santo
Fonte: Pesquisa de Campo, 2014.
Imagem 5 – Reunião de Associação de Comunidade Tradicional de Fundo de Pasto
Fonte: Pesquisa de Campo, 2014.
Imagem 6 – Quintal da casa de um Morador de Comunidade Tradicional de Fundo Pasto