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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO COPPEAD DE ADMINISTRAÇÃO GISELE ROSNER CHOUIN INTERAÇÕES, SIGNIFICADOS E PRÁTICAS DO VEGETARIANISMO NA MÍDIA SOCIAL: UM ESTUDO NETNOGRÁFICO RIO DE JANEIRO 2013

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · diferentes aspectos do comportamento do consumidor vegetariano tais como significados atribuídos, associações com a prática

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

    INSTITUTO COPPEAD DE ADMINISTRAO

    GISELE ROSNER CHOUIN

    INTERAES, SIGNIFICADOS E PRTICAS DO VEGETARIANISMO NA MDIA SOCIAL: UM ESTUDO NETNOGRFICO

    RIO DE JANEIRO

    2013

  • GISELE ROSNER CHOUIN

    INTERAES, SIGNIFICADOS E PRTICAS DO VEGETARIANISMO NA MDIA SOCIAL: UM ESTUDO NETNOGRFICO

    Dissertao de Mestrado apresentada ao Programa de Ps Graduao em Administrao, Instituto COPPEAD de Administrao, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessrios obteno do ttulo de Mestre em Administrao.

    Orientadores: Leticia Moreira Casotti e

    Celso Funcia Lemme

    Rio de Janeiro

    2013

  • Chouin, Gisele Rosner

    Interaes, significados e prticas do vegetarianismo na mdia social: u

    estudo netnogrfico./ Gisele Rosner Chouin. Rio de Janeiro: UFRJ, 2013.

    162 f.: Il; 30 cm.

    Orientadores: Leticia Moreira Casotti e Celso Funcia Lemme

    Dissertao (mestrado) Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto

    COPPEAD de Administrao, 2013.

    1. Comportamento do consumidor. 2. Consumo tico. 3. Administrao

    Teses. I. Casotti, Leticia Moreira. II. Lemme, Celso Funcia. III. Universidade

    Federal do Rio de Janeiro, Instituto COPPEAD de Administrao. IV. Ttulo.

  • GISELE ROSNER CHOUIN

    INTERAES, SIGNIFICADOS E PRTICAS DO VEGETARIANISMO NA MDIA SOCIAL: UM ESTUDO NETNOGRFICO

    Dissertao de Mestrado apresentada ao Programa de Ps Graduao em Administrao, Instituto COPPEAD de Administrao, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessrios obteno do ttulo de Mestre em Administrao.

    Aprovada em:

    _______________________________________________________

    Profa. Letcia Moreira Casotti, D.Sc. (COPPEAD/UFRJ)

    _______________________________________________________

    Prof. Celso Funcia Lemme, D.Sc. (COPPEAD/UFRJ)

    _______________________________________________________

    Profa. Maribel Carvalho Suarez, D.Sc. (COPPEAD/UFRJ)

    _______________________________________________________

    Profa. Ceclia Lima de Queirs Mattoso, D.Sc. (UNESA)

  • minha me, Roselee, sempre ao meu lado, oferecendo amor, carinho, pacincia e

    conforto.

  • AGRADECIMENTOS

    minha me e minha av, pelo apoio e incentivo em todos os sentidos

    possveis, pelo amor incondicional, por cada orao e por me ensinarem a perseguir

    as ideias e os ideais com coragem e dedicao.

    Aos professores Coppead pela qualidade e valor das aulas. Em especial,

    aos professores Letcia e Celso, por me adotar e me guiar com excelncia, cuidado

    e dedicao neste caminho. A vocs, minhas sinceras manifestaes de

    admirao, respeito e carinho.

    s melhores amigas, Ilana e Marcia, por suportar pacientemente os

    desabafos, por comemorar comigo as vitrias e pelos incentivos nos momentos de

    cansao e fraqueza.

    Aos quase irmos Vincius Pereira, Rebecca, Glauce, Vitor, Joo Guilherme e

    Luciana Alves, com quem compartilhei momentos de angstia e alegria.

    Aos novos amigos de infncia Leo Sert, Debora, Lucianinha e J, por tornar

    este processo mais suave e divertido.

    A todos os meus amigos, por compreender a longa ausncia.

    Aos funcionrios Coppead, sempre prestativos e dedicados.

    Aos colegas de turma, pelo rico intercmbio de experincias e contribuies

    proveitosas.

  • Renda-se como eu me rendi. Mergulhe no

    que voc no conhece, como eu mergulhei.

    Pergunte, sem querer, a resposta, como

    estou perguntando. No se preocupe em

    entender. Viver ultrapassa todo o

    entendimento.

    (Clarice Lispector)

  • RESUMO Chouin, Gisele Rosner. Interaes, Significados e Prticas do Vegetarianismo na Mdia Social: Um Estudo Netnogrfico. Rio de Janeiro, 2013. Dissertao (Mestrado em Administrao) Instituto de Ps Graduao e Pesquisa em Administrao, COPPEAD, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2013.

    O presente trabalho qualitativo e exploratrio tem por objetivo principal

    explorar como o vegetarianismo compartilhado em trs comunidades das redes

    sociais construdas em torno desse tema, apontando riscos e oportunidades para as

    organizaes ligadas indstria alimentcia. O estudo buscou compreender

    diferentes aspectos do comportamento do consumidor vegetariano tais como

    significados atribudos, associaes com a prtica cotidiana, influncias e grupos de

    referncia e utilizou como mtodo de coleta de dados a netnografia.

    A literatura de apoio foi estruturada em dois pilares: o primeiro relacionando o

    vegetarianismo como resultado dos conceitos de sustentabilidade no

    comportamento de consumo; e o segundo, trazendo os conceitos de marketing que

    permeiam o tema e o ambiente virtual, incluindo os tipos de comunidades

    (subculturas de consumo e comunidades virtuais), identidade, grupos de referncia,

    lderes de opinio e comunicao boca a boca.

    Os resultados sugerem diferentes abordagens para a subcultura dos

    vegetarianos, mas as trs comunidades apresentam o mesmo valor de ligao

    quando defendem a vida dos animais e o no consumo de carne ou derivados. As

    mensagens vo alm da dieta alimentar e caracterizam o vegetarianismo como

    filosofia de vida, modelo de vida ou estilo de vida. Essa ampliao do que

    significa ser vegetariano leva a questionamentos ao consumo de outras categorias

    de produto. No foram encontradas associaes entre a defesa da dieta vegetariana

    e a defesa do bem estar animal, j que essa ltima no defende a vida.

    Palavras-chave: Consumo, Vegetarianismo, Comunidades virtuais, Netnografia

  • ABSTRACT

    Chouin, Gisele Rosner. Interaes, Significados e Prticas do Vegetarianismo na Mdia Social: Um Estudo Netnogrfico. Rio de Janeiro, 2013. Dissertao (Mestrado em Administrao) Instituto de Ps Graduao e Pesquisa em Administrao, COPPEAD, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2013.

    This exploratory and qualitative study aims primarily to explore how

    vegetarianism is shared in three communities of social networks built around this

    theme, pointing out risks and opportunities for the companies linked to the food

    industry. The study sought to understand different aspects of consumer behavior

    such as vegetarian meanings, associations with daily practice, influences and

    reference groups and used as a method of data collection the netnography.

    The supporting literature was structured on two pillars: the first relating to

    vegetarianism as a result of sustainability concepts in consumer behavior; and the

    second, bringing the marketing concepts that permeate the theme and the virtual

    environment, including the types of communities (subcultures of consumption and

    virtual communities), identity, reference groups, opinion leaders and word of mouth.

    The results suggest different approaches to the subculture of vegetarians, but

    the three communities share the same linking value when defend the lives of animals

    and not eating meat or derivatives. The messages go beyond the diet and

    characterize the vegetarianism as "philosophy of life", "life model" or "lifestyle". This

    expansion of what means being a vegetarian leads to questions about the

    consumption of other product categories. No associations were found between

    advocating vegetarianism and animal welfare advocacy, since the latter does not

    defend life.

    Keywords: Consumption, Vegetarianism, Virtual Communities, Netnography

  • LISTA DE ILUSTRAES

    FIGURAS

    Figura 1 - Diagrama - sntese da reviso de literatura ................................................................. 19 Figura 2 - Modelo das motivaes, tenses, mecanismos para administrao da situao e implicaes de consumo do vegetariano ........................................................................................ 24 Figura 3 - Modelo de influncia orgnica entre consumidores ................................................... 47 Figura 4 - Modelo de influncia linear do profissional do marketing .......................................... 48 Figura 5 - Modelo de coproduo em rede .................................................................................... 48 Figura 6 - Elementos do modelo da coproduo em rede influenciando a expresso das narrativas do BAB ............................................................................................................................... 50 Figura 7- Resumo do mtodo ........................................................................................................... 54 Figura 8 - Ilustrao da imagem do vegetariano ........................................................................... 67 Figura 9 - Interpretao da imagem do vegetariano ..................................................................... 68 Figura 10 - Extremismo ..................................................................................................................... 69 Figura 11 - Apresentao .................................................................................................................. 70 Figura 12 - Comparao de preos de produtos no supermercado ........................................... 71 Figura 13 - Unio pelo ideal .............................................................................................................. 76 Figura 14 - Questionamentos de no vegetarianos ...................................................................... 82 Figura 15 - Imagem dos no vegetarianos ..................................................................................... 85 Figura 16 - Vegetarianismo como tradio .................................................................................... 90 Figura 17 - Improviso da blogueira .................................................................................................. 95 Figura 18 - Vaca Louca ................................................................................................................... 115 Figura 19 - Imagem para chocar .................................................................................................... 117 Figura 20 - Imagem para sensibilizar ............................................................................................ 119 Figura 21 - Touradas ....................................................................................................................... 122

    QUADROS

    Quadro 1 - Tipos de Vegetarianismo .............................................................................................. 13 Quadro 2 - Comparao entre os hbitos de consumo entre os gneros ................................ 16 Quadro 3 - Estratgias organizacionais diante dos mecanismos para administrao das situaes de tenso do vegetariano ................................................................................................ 26 Quadro 4- Comparao das comunidades .................................................................................. 133

    LISTA DE GRFICOS

    Grfico 1 - Mercado de alimentos sem carne no Reino Unido ................................................... 15

    file:///C:/Users/gisele/Desktop/Dissertao/DISSERT/Tese%20Gisele%20-%2025%20OUT%2013.docx%23_Toc370464957file:///C:/Users/gisele/Desktop/Dissertao/DISSERT/Tese%20Gisele%20-%2025%20OUT%2013.docx%23_Toc370464957

  • LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 - Quantidade de vegetarianos nos EUA em 2009 ........................................................ 15 Tabela 2 - Comunidades selecionadas: .......................................................................................... 58 Tabela 3 - Estatstica das postagens - Vegetariano da Depresso ........................................... 60 Tabela 4- Estatstica das postagens - Vegetarianos Pensam Melhor ....................................... 62

  • SUMARIO

    1. INTRODUAO ................................................................................................................................ 11

    1.1 CONTEXTO ................................................................................................................................. 11

    1.1.1 Um Grupo em Ascenso ....................................................................................................... 13

    1.1.2 Impactos na economia ......................................................................................................... 16

    1.2 PERGUNTAS DE PESQUISA ........................................................................................................ 18

    2. REVISO DE LITERATURA ............................................................................................................. 19

    2.1 COMPORTAMENTO DE CONSUMO E SUSTENTABILIDADE ....................................................... 20

    2.2 SUSTENTABILIDADE E O VEGETARIANISMO .............................................................................. 23

    2.2.1 Preocupao com os direitos dos animais ........................................................................... 27

    2.2.2 Razes espirituais ................................................................................................................. 29

    2.2.3 Razes de sade ................................................................................................................... 32

    2.2.4 Ativismo Poltico ................................................................................................................... 34

    2.2.5 Ambientalismo...................................................................................................................... 34

    2.2.6 No gostar de carne .............................................................................................................. 36

    2.3 IDENTIDADE E COMUNIDADE ................................................................................................... 37

    2.4 GRUPOS E INFLUNCIA .............................................................................................................. 42

    2.5 INTERNET E BOCA A BOCA ........................................................................................................ 44

    3. METODOLOGIA ............................................................................................................................. 53

    3.1 DELIMITAO DA PESQUISA ..................................................................................................... 53

    3.2 ESCOLHA DO MTODO .............................................................................................................. 54

    3.3 NETNOGRAFIA ........................................................................................................................... 54

    3.3.1 Comunidades Selecionadas .................................................................................................. 57

    3.3.2 Entrada Cultural .................................................................................................................... 62

    3.3.3 Coleta e Anlise de Dados .................................................................................................... 63

    3.4 LIMITAES DA PESQUISA .............................................................................................................. 63

    4. DESCRIO E ANLISE DOS ACHADOS DA PESQUISA ................................................................... 65

    4.1 VEGETARIANO DA DEPRESSO ................................................................................................. 65

    4.2 PAPACAPIM ............................................................................................................................... 91

    4.3 VEGETARIANOS PENSAM MELHOR ......................................................................................... 112

    5. DISCUSSO FINAL ....................................................................................................................... 131

    5.1 DIFERENAS GERAIS DAS TRS COMUNIDADES ........................................................................... 131

    5.2 OS SIGNIFICADOS DO VEGETARIANISMO...................................................................................... 133

    5.3 AS PRTICAS VEGETARIANAS ........................................................................................................ 137

    5.4 INTERAES E CONEXES ............................................................................................................. 139

    5.5 COMENTRIOS FINAIS ................................................................................................................... 141

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ........................................................................................................... 143

    APNDICE ............................................................................................................................................ 150

  • ANEXO ................................................................................................................................................. 160

  • 11

    1. INTRODUAO

    O presente trabalho tem por objetivo principal explorar como o vegetarianismo

    compartilhado em contedos que poderiam ser tambm chamados de dirios

    virtuais de trs comunidades das redes sociais construdas em torno desse tema e

    que foram acompanhadas durante um ms. Mais especificamente, o estudo buscou

    compreender diferentes aspectos do comportamento do consumidor vegetariano tais

    como significados atribudos, associaes com a prtica cotidiana, influncias e

    grupos de referncia. De forma a buscar essas informaes, este estudo qualitativo

    e exploratrio utilizou como mtodo de coleta de dados a netnografia seguindo as

    orientaes de Kozinets (1998; 1999; 2002; 2006). Por meio desta tcnica,

    possvel observar, com relativo distanciamento, a interao entre diferentes

    participantes. A dinmica virtual, por ser caracteristicamente livre, tende a mostrar

    opinies e ideias livres de julgamento. A rede mundial possibilita, tambm, a

    interconexo entre pessoas de diferentes pontos geogrficos, diferentes valores

    sociais ou religiosos, possibilitando, portanto, uma discusso mais rica e proveitosa.

    Na literatura pesquisada de comportamento do consumidor foram

    encontrados poucos estudos em torno do vegetarianismo em que predominavam a

    busca por entender motivaes que levam ao no consumo da carne (TWIGG, 1979;

    KLEINE; HUBBERT, 1993; JANDA; TROCCHIA, 2001; RUBY, 2011; FESSLER ET

    AL, 2003; KUBBEROD ET AL, 2006).

    1.1 CONTEXTO

    O termo vegetariano tem origem na palavra grega vegetus, que significa

    fresco, so, ntegro, segundo o site especializado em vegetarianismo Vegetarian

    Society (2012). Foi cunhado em 30 de setembro de 1847, na primeira reunio

    realizada pela Sociedade Vegetariana do Reino Unido em Kent, Inglaterra. At

    ento, os indivduos que no ingeriam carne eram denominados pitagricos ou

    seguidores do sistema pitagrico, em decorrncia da prtica de alimentao

    restritiva do matemtico grego Pitgoras (VEGETARIAN SOCIETY, 2012).

    Singer (1995) explica que, para os pitagricos, a confeco do prato deveria

    ser completada sem nenhuma participao animal, em virtude da crena de que os

    homens e animais partilhavam a mesma alma, que estaria presa ao corpo. O

  • 12

    consumo de carne seria, ento, um ato selvagem, que resultaria em uma punio

    maior e uma elevao menor das almas. Inmeros nomes da antiguidade so

    citados por defender o estilo de vida sob a ideia da imortalidade da alma e a

    responsabilidade dos indivduos para com ela durante a vida: Empdocles, Plutarco,

    Porfrio, Plotino e Plato so exemplos. Por outro lado, as pessoas que ingeriam

    carne justificavam o consumo por meio da superioridade humana sobre os animais.

    No sculo XIX, o argumento espiritual deu lugar ao que defendia o tratamento

    humanizado dos animais e de sade. Razes ticas, como o direito dos animais,

    compunham a principal defesa para o no consumo de carne de acordo com autores

    como George Shaw, Henry Salt, Percy Shelley e Artur Schopenhauer. No sculo

    seguinte, marcado pela popularizao da preocupao com a questo ecolgica, a

    discusso foi ampliada, com a adio de tais valores em defesa da prtica de no

    ingesto de produtos de origem animal (SINGER, 1995).

    De acordo com o site Vegetarian Society (2012), o vegetariano se alimenta de

    gros, leguminosas, frutas oleaginosas (como castanhas, nozes, avels e

    amndoas), sementes, vegetais e frutas, podendo ingerir ovos, leite e derivados ou

    no. O indivduo, contudo, se abstm de carne bovina, carne suna, aves, peixes,

    mariscos ou quaisquer subprodutos do abate.

    Dentre os pertencentes ao grupo descrito acima, distinguem-se ainda os que

    consomem ovos, leite e derivados, conhecidos como ovolactovegetarianos (o tipo

    mais comum de vegetariano); os lactovegetarianos, que evitam os ovos; os veganos

    (vegans ou vegetarianos puros), que alm de no consumirem produtos de origem

    animal, no usam artigos de l, couro e seda, ou cosmticos cujos compostos

    incluam derivados ou que tenham sido testados em animais. Os crudvoros admitem

    a ingesto de alimentos crus ou aquecidos a no mximo 42C e os frugvoros,

    apenas frutos, como pode ser observado no Quadro 1.

  • 13

    Quadro 1 - Tipos de Vegetarianismo

    *Admite-se parcialmente a ingesto destes alimentos. Fonte: Compilado pela autora a partir de dados coletados em Vegetarian Society (2012), Centro Vegetariano (2012) e Crudivorismo (2012).

    1.1.1 Um Grupo em Ascenso

    O crescimento do volume de pessoas que seguem a dieta vegetariana pode

    ser verificado a partir de indcios como o crescimento na oferta de produtos e

    servios voltados para seus integrantes e o aumento de publicaes sobre o

    assunto. Itens comuns a esta dieta so encontrados em mais pontos de vendas e

    no somente em lojas especializadas. Adicionalmente, restaurantes e hotis so

    abertos para o atendimento restrito a este grupo de pessoas, enquanto cresce o

    volume de livros com dietas baseadas no vegetarianismo e documentrios acerca do

    tema (VEGETARIAN MEANS BUSINESS, 2011).

    A cidade de Haia, na Holanda, abriga o primeiro aougue vegetariano desde

    outubro de 2010, comercializando substitutos para carnes (PEQUENAS EMPRESAS

    & GRANDES NEGOCIOS, 2010). Em fevereiro de 2011, foi inaugurado o primeiro

    supermercado vegan em Dortmund, na Alemanha (WANDEL, 2011). Em 2003, a

    Perdigo, um dos grandes participantes em alimentos frigorficos, investiu R$ 2,5

    milhes para o lanamento de uma linha vegetal com cinco produtos a base de

    protena de soja (salsicha, hambrguer, mini quibe, cordon verde recheado e

    patitas), tendo em vista um mercado de protenas vegetais e alimentos funcionais

    em crescimento de 10% a 20% ao ano (PORTAL DO AGRONEGOCIO, 2003).

    A demanda latente por tais produtos livres de derivados animais observada

    ao se acompanhar o nascimento e crescimento de grandes marcas de fast food com

    o cardpio voltado ao atendimento de dietas restritivas, como por exemplo, Maoz

    Vegetarian, Real Food Daily, The Veggie Grill e Native Foods. Jennings (2011) cita a

    Dieta

    Carne

    vermelha e

    suna

    Carne branca Ovos Laticnios Mel e

    gelatinaFrutos Verduras Cereais

    Semivegetarianismo No Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim

    Ovolactovegetarianismo No No Sim Sim Sim Sim Sim Sim

    Lactovegetarianismo No No No Sim Sim Sim Sim Sim

    Ovovegetarianismo No No Sim No Sim Sim Sim Sim

    Vegetarianismo semiestrito No No No No Sim Sim Sim Sim

    Vegetarianismo estrito (vegan) No No No No No Sim Sim Sim

    Crudvoros No Sim * No Sim * Sim Sim Sim Sim

    Frugvoros No No No No No Sim Sim * Sim *

  • 14

    criao dos flexitarians, que evitam o consumo de carne esporadicamente, sem

    comprometimento com uma dieta especfica de longo prazo e aponta tendncia de

    crescimento deste grupo. A jornalista menciona ainda a atuao da Vegan

    Mainstream, uma agncia de marketing especializada em atingir o segmento de

    vegetarianos, confirmando mais um indcio da perspectiva de crescimento e de

    relevncia deste grupo.

    Outro exemplo da crescente importncia que este pblico vem adquirindo

    pode ser observado a partir da aderncia da Sodexo empresa que atua no

    segmento de alimentao em mbito mundial ao projeto Segundas Sem Carnes,

    desde 2011, nos Estados Unidos (SODEXO, 2011). A iniciativa faz parte do projeto

    institucional Plano para um Amanh Melhor (Better Tomorrow Plan),

    empreendimento de responsabilidade social da companhia. Na fase inicial do

    projeto, a Sodexo forneceu entradas vegetarianas para os 900 hospitais que atende,

    e, logo aps, comeou a oferecer opes sem carne para as 2.000 empresas, 175

    escritrios governamentais, 650 campi de faculdade, 500 escolas pblicas e 150

    escolas particulares com quem possui contrato. O impacto desta iniciativa seria de

    520 milhes de refeies sem carne ao ano, caso todos os 10 milhes de clientes da

    Sodexo participem da Segunda Sem Carne.

    A empresa de anlise de mercados britnica Mintel divulgou resultados da

    pesquisa Meat Free Foods UK, realizada em 2010, que mostram que trs em cada

    cinco adultos fazem refeies sem carne regularmente, apesar de apenas 6% dos

    indivduos de autoclassificarem como vegetarianos (VEGETARIAN SOCIETY, 2012).

    A mesma pesquisa traz a evoluo do valor de mercado de produtos alimentares

    sem origem animal desde 333 milhes em 1996, at 739 milhes em 2008,

    conforme mostrado na Tabela 1.

  • 15

    Grfico 1 - Mercado de alimentos sem carne no Reino Unido

    Fonte: Anlise de mercado Meat Free Food realizada pela Mintel em Dezembro de 2010 (VEGETARIAN SOCIETY, 2012).

    As ltimas pesquisas da Cultivate Research empresa especializada em

    pesquisa de mercado de comidas vegetarianas em 2009 (sugerem que de 4 a 6%

    dos adultos americanos, o que representa cerca de 8 a 13 milhes de indivduos, se

    intitulam vegetarianos (VEGETARIANS COUNT, 2009). Contudo, conforme mostra a

    Tabela 2, a anlise da pesquisa revela um percentual menor, diante de respostas a

    perguntas mais especficas com relao s refeies. Apenas 1 a 3% dos adultos

    respondentes confirma no ingerir nenhum tipo de carne diariamente.

    Tabela 1 - Quantidade de vegetarianos nos EUA em 2009

    Adultos (acima de 18 anos) Jovens (de 8 a 17 anos)

    % Absoluto % Absoluto

    Vegetarianos e Veganos 1 - 3% 2 - 6 milhes 2 - 3% 1 - 1,5 milhes

    Autoclassificados como vegetarianos 4 - 6% 8 - 13 milhes N/A N/A Fonte: Pesquisa realizada pela Cultivate Research nos EUA (VEGETARIANS COUNT, 2009).

    Segundo uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Opinio Publica e Pesquisa

    (IBOPE, 2011), 9% da populao brasileira autodenomina-se vegetariana. Este

    percentual representa cerca de 17,5 milhes de pessoas, com tendncia de

    crescimento conforme apontam as expectativas do instituto no estudo. A pesquisa foi

    realizada entre agosto de 2009 e julho de 2010, e promoveu comparao entre

    hbitos de consumo entre os gneros feminino e masculino, conforme demonstra o

    Quadro 2.

    333

    548626

    739

    0

    200

    400

    600

    800

    1000

    1996 2001 2004 2008

    milhes

  • 16

    Quadro 2 - Comparao entre os hbitos de consumo entre os gneros

    Fonte: IBOPE, 2011.

    1.1.2 Impactos na economia

    Em 1996, o frango foi eleito o heri nacional pelo ento presidente Fernando

    Henrique Cardoso. Aps a instaurao do instrumento de estabilizao da economia

    brasileira o Plano Real -, o alimento foi apontado como representante da elevao

    do poder de compra da populao. Na medida em que o preo da protena animal

    decaa, o seu consumo se elevava at atingir a mdia de 44 kg per capita em 2010,

    o dobro da mdia observada em 1996 (RUA, 2012). Tambm apontada como uma

    das principais razes para a escalada no consumo desta protena a substituio das

    carnes vermelhas pelas carnes brancas em virtude de uma busca por uma dieta

    mais saudvel. Este exemplo de mudana nos hbitos alimentares pontua um

    Filtro: 18 anos ou maisAmostra

    totalMasculino Feminino

    importante manter a forma fsica 79% 78% 80%

    Eu pagaria qualquer preo por minha sade 78% 77% 79%

    Estou de acordo com as restries aos fumantes 70% 67% 72%

    Em algumas ocasies me dou o prazer de ingerir

    comidas que no so boas para a sade 62% 59% 65%

    Eu me informo bem antes de comprar novos

    produtos alimentcios 60% 55% 65%

    Tenho que estar realmente doente para ir ao

    mdico 62% 64% 59%

    Confio na medicina homeoptica/medicina caseira 53% 49% 56%

    Eu procuro ter uma dieta bem balanceada 52% 47% 56%

    Devido minha vida pessoal to agitada, no me

    cuido como deveria 53% 52% 53%

    Uso preservativos em todo novo relacionamento 52% 55% 49%

    S utilizo servios pblicos de sade 45% 43% 47%

    Eu sempre escolho meu mdico por indicao 42% 37% 46%

    Quase sempre estou tratando de perder quilos 35% 29% 40%

    Sempre verifico o contedo nutricional dos

    alimentos 34% 29% 39%

    Eu no tenho tempo para preparar refeies

    saudveis 37% 40% 35%

    Eu pratico esportes ou exerccios pelo menos uma

    vez por semana 38% 43% 34%

    Sempre procuro as verses diet/light dos alimentos

    e bebidas 23% 20% 26%

    Sou vegetariano 9% 10% 9%

  • 17

    momento histrico em que a economia influenciou o cardpio de muitas pessoas no

    pas.

    O regime alimentar apresenta claras implicaes nas indstrias de carnes e

    agricultura. A comercializao de carnes (de frango, bovina, suna e outras)

    representa mais de 19% do saldo da balana comercial brasileira, desde 2005

    (PERIN, 2012). Dentre as exportaes que o pas promove, o segmento de carnes

    responsvel por 6,6% do montante total (CONAB, 2012). Desta parcela, destacam-

    se as participaes de 47% do frango e 34% do setor de carne bovina.

    A importncia da atividade pecuarista no Brasil traduzida a partir das

    estatsticas de produo e de movimentao do comrcio mundial. Os nmeros

    mostram que o pas o terceiro maior produtor de carne de frango do mundo,

    segundo maior em carne bovina e ocupa o quarto lugar no caso da suinocultura

    (USDA, 2012), o tipo de carne mais consumido no mundo (ABIPECS, 2012). No

    mercado externo, as carnes de frango e bovina brasileiras so as mais demandadas

    pelos pases consumidores, enquanto a carne suna brasileira ocupa o quarto lugar

    nas exportaes mundiais (USDA, 2012). Alm disso, o mercado interno absorve

    cerca de 69% da produo avcola de corte, 82% da produo de gado de corte e

    83% de carne suna (CONAB, 2012).

    O setor agrcola responde por 30% do total de produtos exportados em 2010

    (CONAB, 2012). Os produtos deste setor atendem a dois distintos pblicos:

    consumo humano e consumo animal. No que tange ao vegetarianismo,

    interessante verificar a relao de consumo de gros pelos animais em comparao

    ao volume absorvido pelas pessoas. Segundo os clculos de Greif (2002), o

    consumo de matria vegetal pelos animais dez vezes superior ao consumo

    humano.

    O mesmo autor cita tambm outras consequncias para o ecossistema a

    partir do consumo carnvoro. Greif (2002) afirma que uma dieta centrada em carne

    requer terrenos de 35 acres de terra por pessoa, ao passo que a dieta vegetariana

    demanda um quinto de acre por pessoa, alm de contribuir para a desertificao,

    eroso e esgotamento do solo. A prtica tambm apresenta diferenas no consumo

    de gua por pessoa por dia: 4.200 gales/pessoa/dia so contabilizados para uma

    dieta nos padres ocidentais, enquanto a dieta a base de vegetais demanda 300

    gales/pessoa/dia. As principais diferenas esto nas prticas de irrigao dos

    campos que fornecem alimentos aos animais, na quantidade de gua necessria

  • 18

    para o consumo dos animais, no processamento e na lavagem das carcaas e na

    preparao do alimento final.

    1.2 PERGUNTAS DE PESQUISA

    Diante dos objetivos aps a contextualizao, foi estabelecida a seguinte

    pergunta principal de pesquisa:

    Que aspectos do comportamento do consumidor vegetariano so compartilhados

    atravs da internet?

    Perguntas secundrias que apoiam a pergunta principal esto listadas abaixo:

    Como o vegetariano descrito e caracterizado nos discursos compartilhados

    na web?

    De que forma o prazer/sabor dos alimentos e as questes econmicas

    aparecem no discurso dos vegetarianos?

    De que forma os aspectos relativos sade aparecem nos discursos de

    vegetarianos na web?

    Que valores ticos e aspectos dos direitos dos animais aparecem nos

    discursos compartilhados na web?

    Quais grupos de referncia podem ser identificados nas informaes

    compartilhadas pelos vegetarianos na web?

    Que diferentes lgicas de pertencimento ao grupo podem ser identificadas? O

    que proibido e o que incentivado nas discusses analisadas?

    Que aspectos podem ser identificados no processo de formao de escolha

    pelo caminho da dieta restritiva, na web.

  • 19

    2. REVISO DE LITERATURA

    Este captulo tem por objetivo fornecer o suporte terico para a pesquisa

    realizada no presente trabalho. So abordados primeiramente os argumentos que

    constroem a ideologia tica do consumidor e a consequente evoluo desta

    conscincia como forma de influncia direta nas prticas de consumo. Em seguida,

    so apresentados os conceitos definidos pelo marketing pertinentes compreenso

    das pessoas que praticam o vegetarianismo, por meio do estudo de tribos ou

    subculturas de consumo e a anlise do consumo como reflexo da identidade.

    Adicionalmente, buscou-se, na literatura de apoio, a base para a formao de um

    grupo de referncia, reforando a relevncia da internet como cenrio do estudo. Em

    seguida, foi analisado o tipo de comunicao que se pretende explorar no ambiente

    virtual, chamado boca a boca, responsvel pela caracterstica viral da exposio das

    ideias e dilogo com o consumidor. A Figura 1 mostra a sntese das relaes entre

    os tpicos que compem a reviso de literatura.

    Figura 1 - Diagrama - sntese da reviso de literatura

    Fonte: Prpria autora.

  • 20

    2.1 COMPORTAMENTO DE CONSUMO E SUSTENTABILIDADE

    A pesquisa na literatura sobre o comportamento do consumidor, no que tange

    sustentabilidade, traz tona distintos termos de referenciao, tais como: consumo

    tico (NEWHOLM; SHAW, 2007; CHERRIER, 2007), consumo verde (PEATTIE,

    2001), consumo socialmente consciente (KINNEAR; TAYLOR; AHMED, 1974),

    consumo verde (MCDONALD ET AL, 2009) consumo sustentvel, entre outros (ver

    APNDICE A). Newholm e Shaw (2007) argumentam que, a seu modo e em

    diferentes graus de extenso, os termos esto relacionados a projetos individuais de

    consumo tico. Um exemplo o termo consumo verde, que reflete preocupao

    quanto ao meio ambiente. Contudo, apesar de apresentarem aspectos diferentes em

    seus significados, para efeito da presente pesquisa, optou-se por utilizar o termo

    Consumo tico, que transparece a incorporao da cultura individualizada no padro

    de consumo e exprime o ato de enfrentar as consequncias das escolhas por parte

    do consumidor.

    A ideia por trs do consumo tico a de que as pessoas tm a esperana de

    alterar o mundo a partir do ato de consumo, representante do contexto microssocial.

    Kinnear, Taylor e Ahmed (1974) ressaltam o dilema a que os consumidores se

    impem ao adquirir este tipo de conscincia, ao se darem conta da magnitude do

    impacto na deteriorao do meio ambiente.

    Especialmente desde a dcada de 1960, o tema ambiental se faz presente na

    pauta mundial de discusso de problemas. De acordo com Kassarjian (1971), este

    perodo foi marcado pelo incio da percepo da relao de custo-benefcio imbuda

    em cada ato de consumo. A sociedade passou a compreender o dilema que envolve

    o seu estilo de vida, o que deu origem a uma revoluo cultural, a que se chamou

    ambientalismo. Peattie (2001) ilustra tal revoluo a partir de acidentes cujo impacto

    no meio ambiente foram devastadores, como o acidente nuclear de Chernobyl na

    Ucrnia, o derramamento de leo do petroleiro Exxon-Valdez no Alasca e o grande

    incndio em uma indstria de pesticidas em Severo, na Itlia.

    Estes acidentes chamaram a ateno para a responsabilidade das empresas

    perante a sociedade como um todo. Os conceitos de desenvolvimento sustentvel e

    consumo sustentvel ganharam contexto mundial e o ativismo foi reforado por meio

    de iniciativas como o Dia da Terra em 1970, criado pelo senador americano Gaylord

    Nelson como um ato de protesto ambiental (PEATTIE, 2001).

  • 21

    A preocupao com os problemas ambientais decorrentes dos processos de

    crescimento e desenvolvimento deu-se de forma diferenciada entre os mais diversos

    segmentos da sociedade, de governos, organizaes e outros agentes. Gonalves

    (1989) afirma que praticamente todos os problemas sociais se tornaram problemas

    ambientais e vice-versa. Questes como exploso demogrfica, fome e pobreza,

    qualidade de vida, agrotxicos, produo alimentar e outros temas podem ser

    abordados com enfoque tanto ambiental quanto social. Um exemplo de movimento

    recente, que imprime esta insatisfao com as estruturas socioeconmicas vigentes

    o Occupy Wall Street. A manifestao tem como alvo especfico o setor financeiro,

    mas a reflexo pretende ponderar relaes desiguais sociais, econmicas e polticas

    (THISTLETHWAITE, 2012).

    A mobilizao no se deu apenas a partir de ativistas. A Organizao das

    Naes Unidas (ONU) organizou a sua primeira conferncia em 1972, com a agenda

    dedicada exclusivamente aos impactos da degradao da natureza, exaltando a

    necessidade de medidas de controle. Nos Estados Unidos, tambm foram

    formuladas as primeiras regulaes ambientais nesta mesma poca, como o Clean

    Air Act e o Clean Water Act em 1970 e 1972, respectivamente (PEATTIE, 2001).

    A iniciativa privada enxergou neste movimento de carter ideolgico uma

    oportunidade lucrativa. Nascia um consumidor com novas caractersticas e critrios

    de deciso, no atendido, com forte tendncia de crescimento, segundo Peattie

    (2001). Uma peculiaridade importante deste consumidor a homogeneidade,

    independente de barreiras culturais. O objetivo comum e interessante aos

    indivduos de todos os pases, todas as faixas etrias, todas as religies e ambos os

    gneros e depende apenas da vontade individual do consumidor, segundo o autor.

    Esta homogeneidade ideolgica pode se traduzir nas decises de consumo

    no mbito particular, sentindo-se confortveis para consumir bens e servios ticos

    que reflitam quem so ou quem gostariam de ser, deixando de comprar produtos

    como forma de protesto contra explorao da fora de trabalho ou comprando itens

    como caf negociado de maneira justa. O movimento de resistncia ao consumo

    pode ser originado diante de diferentes vises. Cherrier (2009) identificou um

    comportamento de consumo marcado pelo autossacrifcio e comprometimento com

    um estilo de consumo politicamente correto voltado para a justia, a igualdade e a

    participao, personificado pela identidade do heri, em contraste a outro

    comportamento de consumo que busca combater o consumismo e o culto

  • 22

    individualidade, por meio de um consumo criativo, questionando o senso de

    identidade gerado pelo consumo de bens materiais.

    A pesquisa de Iyer e Muncy (2009) trouxe quatro perfis, cuja distino se

    baseia nas motivaes e nas formas de atuao: os Global Impact Consumers so

    aqueles que desejam reduzir seu nvel de consumo para beneficiar a sociedade e o

    planeta; os Simplifiers objetivam se mover de uma sociedade de grande consumo

    para uma sociedade menos orientada para o consumo, com um estilo de vida mais

    simples; os Market activists so aqueles que classificam marcas ou produtos como

    causadores de problemas sociais e tentam utilizar o poder do consumidor para

    causar um impacto na sociedade; e os Anti-loyal consumers se comportam de forma

    oposta aos consumidores leais, deixando de comprar marcas ou produtos devido a

    experincias negativas ou percepo de que a empresa inferior ou tem um

    produto inferior.

    Cherrier (2007) adiciona outro perfil de consumidor tico baseado na escolha

    intencional de trabalhar menos, querer menos, gastar menos e ser mais feliz,

    compondo o movimento The Voluntary Simplicity. O estudo deste movimento reflete

    uma mudana no estilo de vida dos consumidores em direo a uma vida mais

    harmoniosa e com propsito. O conceito da simplicidade voluntria pretende romper

    a cultura de consumo compulsivo (quanto mais, melhor), reafirmando valores como

    humanidade, localidade, comunidade e respeito pela vida e pela natureza.

    A escolha por aderir este movimento pode ter origem voluntria, a partir da

    tica e motivao internas; ou pode ser imposta por fatores externos sociais,

    ambientais e econmicos. O movimento caracterizado como social a partir da

    pluralidade de ideias, e reflete valores e identidades coletivas. Alm disso, nele o

    consumo no demonizado, mas prega-se que deva ser direcionado. Em suma, o

    consumidor tico compartilha emoes, paixes e estilo de vida e apresentado

    como um ser em constante transio. O estudo da identidade tica, portanto,

    tambm deve levar este processo de construo em considerao (CHERRIER,

    2007). Este um desafio para este consumidor neoliberal, uma vez que possui

    independncia e liberdade para promover aspectos ticos da sua identidade atravs

    de escolhas personalizadas no mercado, o que representa uma busca de

    significados para a vida. Significados estes que sero continuamente renegociados

    internamente, de acordo com Cherrier (2007). As caractersticas de integrao e

    conhecimento do mercado e racionalidade na deciso por adquirir, consumir e

  • 23

    descartar produtos ticos que projete a identidade desejada compem a definio de

    consumidor neoliberal, por Cherrier (p. 322, 2007).

    Por outro lado, no momento de compra, outros fatores so relevantes e

    podem ser decisivos para o consumo, como tempo e dinheiro. McDonald et al (2009)

    e Newholm e Shaw (2007) trazem luz estes dilemas entre a racionalidade

    financeira e a influncia do contexto cultural, como parte das incongruncias do

    comportamento de compra individuais.

    2.2 SUSTENTABILIDADE E O VEGETARIANISMO

    O dicionrio Michaelis (2012) define alimento como toda substncia que,

    introduzida no organismo, serve para nutrio dos tecidos e para produo de calor.

    O ato de comer, todavia, muitas vezes relacionado a outros sentidos que no o de

    combustvel do corpo. Casotti (2004) reflete sobre as sensaes de compensao

    do estresse e da ansiedade da vida moderna, preenchimento do vazio ou desejo

    emocional e do prazer e angstia causados pela alimentao e os seus excessos.

    De acordo com a autora, o ato de comer tambm um evento social e

    influenciado pelo contexto cultural: os americanos so obcecados por sade; os

    franceses, por variedade; e os brasileiros, influenciados pela construo da histria.

    Ackerman (1992, apud Casotti, 2004, p. 547) oferece o conceito de que o alimento

    uma grande fonte de prazer, que traz satisfao tanto fsica quanto emocional. A

    alimentao pode marcar uma situao, ao mesmo tempo em que transmite um

    significado, alm de poder ser vista como uma espcie de cdigo (Barthes, 1961

    apud Casotti, 2004, p. 546).

    De acordo com Kleine & Hubbert (1993), padres de consumo alimentares

    esto associados a significados simblicos que refletem padres sociais. Os autores

    enumeram as possveis motivaes para um indivduo tornar-se vegetariano: (1)

    Preocupao com os direitos dos animais; (2) Razes espirituais; (3) Razes de

    sade; (4) Ativismo poltico; (5) Ambientalismo; e (6) No gostar de carne. Tais

    alternativas sero explicadas em mais detalhes nas subsees seguintes.

    Janda e Trocchia (2001), em sua pesquisa, observaram as mesmas causas,

    excludas as razes religiosas e ligadas prtica militante. Os autores desenharam

    um modelo com os principais motivos que levaram os respondentes a dar inicio

  • 24

    dieta restritiva e seus desdobramentos, que os autores chamaram de O Modelo de

    Marketing do Vegetarianismo (vide Figura 2).

    Figura 2 - Modelo das motivaes, tenses, mecanismos para administrao da situao e implicaes de consumo do vegetariano

    Fonte: Janda & Trocchia, 2001, p. 1209.

    O modelo, resultado do processo de interpretao hermenutica das

    entrevistas em profundidade, sugere que os vegetarianos adotam a dieta a partir de

    motivos como manuteno da sade, preocupao com os direitos dos animais, pelo

    paladar da carne e por influncia de grupos de referncia. Uma vez iniciada a

    prtica, uma variedade de tenses cognitivas desenvolvida, tais como

    pragmatismo versus integridade, o bem estar animal em contraposio ao bem estar

    prprio, a liberdade individual contrapondo ao sentimento de pertencimento ao

    grupo, e a abstinncia versus o prazer que alguns alimentos proporcionam. Estas

    tenses so reduzidas ou exacerbadas por condies intervenientes, tais como a

    influncia da famlia ou a disponibilidade dos alimentos (JANDA; TROCCHIA, 2001).

    Motivaes

    Preocupaes ticas

    Sade

    Sensorial

    Influncia do grupo de referncia

    Tenses

    Pragmatismo x integridade

    Bem estar animal x prprio bem estar

    Liberdade individual x pertencimento social

    Abstinncia x prazer

    Mecanismos de enfrentamento

    Foco no problema

    Foco na emoo

    Concesses

    Condies intervenientes

    Disponibilidade de alternativas alimentares

    Influncia da famlia

    Presena de crianas

    Preocupaes com a sade

    Preferncias e gosto individual

    Condies em casa

    Implicaes Estratgicas

    (Quadro 3)

  • 25

    Os participantes do experimento relataram a concepo de estratgias para

    melhor lidar com a tenso criada, baseadas na erradicao da fonte do problema

    (foco no problema); no gerenciamento do distress emocional associado situao

    (foco na emoo); e a estratgia baseada em concesses, que se d por meio da

    reduo da fonte da tenso e depois pela racionalizao da escolha do

    comportamento, conforme exposto no Quadro 3 (JANDA; TROCCHIA, 2001).

  • 26

    Foco

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    Quadro 3 - Estratgias organizacionais diante dos mecanismos para administrao das situaes de tenso do vegetariano

  • 27

    Fonte: Extrado de Janda & Trocchia, 2001, p. 1209.

    2.2.1 Preocupao com os direitos dos animais

    Dois grandes subtemas emergem deste item: preocupao com a qualidade

    de vida dos animais e o sentimento de culpa associado morte dos animais

    (JANDA; TROCCHIA, 2001). O primeiro subtema citado remete preocupao com

    o bem estar do animal (BEA) em seus criadouros, enquanto o segundo aparece

    relacionado motivao de no gostar de carne, como influncia psicolgica.

    De acordo com a Associao Brasileira da Indstria Produtora e Exportadora

    de Carne Suna (ABIPECS, 2012), o sistema intensivo de produo de animais teve

    incio aps a Segunda Guerra Mundial, quando ocorreu uma grande escassez de

    alimentos na Europa e o modelo de produo industrial em larga escala atingiu

    todos os setores da economia, inclusive o pecurio.

    Em 1964, a jornalista inglesa Ruth Harrison lanou um livro chamado Animal

    Machines, inaugurando o debate sobre a tica da produo animal na agricultura. O

    livro denunciava os maus tratos e a crueldade cometidos contra os animais

    confinados na Gr-Bretanha. Esta publicao gerou grande impacto na sociedade

    britnica, o que culminou na criao pelo Parlamento ingls de um comit, composto

    por pesquisadores da rea, batizado de Brambell, que tinha por objetivo investigar

    as acusaes expostas no livro (ABIPECS, 2012).

    Com o propsito de avaliar as diversas variveis que impactam a vida dos

    animais, o comit Brambell props o conceito das Cinco Liberdades mnimas que

    todo animal deveria ter: liberdade nutricional, referindo-se s necessidades

    fisiolgicas de fome e sede; ligada ao conforto ambiental; relativo expresso do

    comportamento natural do animal; que os animais fossem mantidos livres de dor,

    injrias ou doenas; e liberdade psicolgica, concernentes aos sentimentos de medo

    e distresse. Posteriormente, o Farm Animal Welfare Council FAWC (Conselho de

    Bem-Estar na Produo Animal) do Reino Unido adaptou a lista para a realidade dos

    animais de produo e sintetizou as Cinco Liberdades em quatro princpios: boa

    alimentao, boas instalaes, boa sade e comportamento apropriado (ABIPECS,

    2012).

  • 28

    O comit definiu bem estar pela primeira vez como um termo amplo que

    inclui tanto o estado fsico quanto o mental do animal. Por isso, qualquer tentativa

    para avaliar o bem-estar animal deve levar em conta a evidncia cientfica existente

    relativa aos sentimentos dos animais. Esta evidncia dever descrever e

    compreender a estrutura, funo e formas comportamentais que expressam o que o

    animal sente. Pela primeira vez na histria, os sentimentos dos animais foram

    considerados (ABIPECS, 2012). a definio de Broom (1986), contudo, que mais

    se destaca junto comunidade cientfica: bem estar de um indivduo seu estado

    em relao s suas tentativas de se adaptar ao seu ambiente.

    Segundo esta definio, o bem-estar depende das aes da empresa criadora

    na tentativa de fazer com que o animal consiga adaptar-se ao ambiente e do grau de

    sucesso desta empreitada. O bem estar pode, assim, variar entre muito ruim e

    muito bom e pode ser avaliado cientificamente a partir do estado biolgico do

    animal e de suas preferncias (BROOM, 1986). Logo, taxas de produtividade, de

    sucesso reprodutivo e de mortalidade, comportamentos anmalos, severidade de

    danos fsicos, aumento da atividade adrenal, imunidade baixa ou incidncia de

    doenas, so fatores que podem ser medidos para avaliar o grau de bem estar dos

    animais (BROOM, 1991). O autor destaca que a ausncia de sofrimento no

    significa presena de bem estar.

    Segundo Da Costa et al (2002), as empresas do setor buscam a mxima

    eficincia e produtividade atravs de investimentos nas reas de nutrio,

    melhoramento gentico e reproduo dos animais de corte, enquanto cuidados com

    os aspectos fisiolgicos e comportamentais dos animais so desconsiderados.

    Prticas como amputao de rabos, bicos e dentes, o confinamento intensivo e

    outros maus tratos so rotinas que aceleram a produtividade, porm infligem aos

    animais dor e estresse intensos (COX, 2007). O Apndice B enumera algumas das

    principais prticas de maus tratos impostas aos animais de produo na pecuria

    industrial.

    Apesar deste quadro, pesquisas como a de McEachern e Schroder (2004)

    indicam que os consumidores no esto propensos a relacionar o consumo de

    produtos derivados da indstria animal - de couros, calados, rao e txtil -, a

    problemas ambientais ou ticos. Ao contrrio, as pessoas sentem-se

    desconfortveis com a conexo entre os assuntos crueldade com animais e

    consumo de carne, tendendo a evitar este confronto de ideias.

  • 29

    Em contrapartida, outras pesquisas demonstram mudanas no

    comportamento de alguns grupos sociais, no que se refere ao consumo de produtos

    de origem animal. No Brasil, destaca-se o estudo de Souza (2011), que vislumbra o

    comportamento do consumidor de carne. A pesquisa demonstra, por meio de anlise

    qualitativa e quantitativa, a falta de informao sobre o tema por parte dos

    consumidores. Ao tomarem conhecimento dos padres de manejo dos animais de

    produo por meio de um vdeo, os entrevistados apresentaram sentimentos de

    revolta e culpa inexistentes nas respostas antecedentes ao vdeo, evidenciando a

    ignorncia quanto ao assunto. Outro achado da pesquisa remete sensibilidade na

    disposio a pagar pelo produto com prticas certificadas do trato animal que, por

    ventura, exijam incremento no preo. A pesquisadora verificou um aumento

    considervel tanto de pessoas dispostas a pagar mais caro por tais produtos, quanto

    no percentual do acrscimo no valor, aps a exibio do vdeo.

    Sob a tica empresarial, observa-se a discusso pertinente ao processo

    decisrio quanto viabilidade econmica da manuteno de prticas que excluem

    maus tratos aos animais em seus procedimentos (PERIN, 2012). Perin (2012)

    analisou 28 empresas pertencentes indstria de protena animal instaladas no

    Brasil, classificadas entre os grupos: Fast-Food, Bens de Consumo, Supermercados

    e Produo Agropecuria. A autora promoveu uma classificao das empresas por

    meio de uma qualificao por pontos, de acordo com as declaraes das

    organizaes sobre a preocupao com a prtica do bem estar animal. O resultado

    mostrou que metade das empresas no trata do tema de bem estar animal e apenas

    seis delas apresentaram notas acima de trs, ou seja, demonstravam interesse e

    preocupao com a questo. O desconhecimento do consumidor como uma das

    principais razes pelas quais tais prticas no so plenamente difundidas no setor

    corroborado, uma vez que os elos mais fracos da cadeia produtiva so as categorias

    de Supermercados e Fast-Food. Estes subgrupos so os que travam contato

    diretamente com o pblico final e apresentaram as mais baixas notas mdias.

    2.2.2 Razes espirituais

    A prtica do vegetarianismo est entrelaada profundamente com tradies

    religiosas transcendentais (TWIGG, 1979). Quando os seguidores de Maom o

    pediram para definir a f, Ele respondeu: Para oferecer alimento e dar a saudao

  • 30

    de paz. O Coro menciona os atos de comer e beber com excepcional frequncia,

    sustentando que so uns dos principais sinais da existncia divina (FEELEY-

    HARNIK, 1995).

    A fome biolgica distingue-se dos apetites, expresses dos variveis desejos humanos e cuja satisfao no obedece apenas ao curto trajeto que vai do prato boca, mas se materializa em hbitos, costumes, rituais, etiquetas. [...] O que se come to importante quanto quando se come, onde se come e com quem se come. (CARNEIRO, 2003, p. 1-2)

    No tocante s religies, a alimentao tem papel fundamental no cotidiano de

    seus adeptos: permisses, proibies e jejuns so regulaes religiosas simblicas

    constantemente exercidas. As regras alimentares so disciplinares, representando

    tcnicas de autocontrole perante as tentaes. Tais regras disciplinares podem ser

    anti-hedonistas, evitando o prazer proporcionado pela alimentao, ou podem ser

    pragmticas, evitando alimentos considerados passionais (CARNEIRO, 2003).

    Influenciadas pela histria e evoluo, as religies desenvolveram padres

    alimentares prprios, conforme descrio:

    No Jainismo, cuja origem data do sculo IV a.C., propagada a ideia de no

    causar danos a outros seres vivos baseado em um sentimento de compaixo.

    Chamada de ahimsa, a argumentao fundamenta-se na crena da existncia de

    uma cadeia de encarnaes, sendo o pice na forma de ser humano, quando

    alcanado o nirvana ou a iluminao. Sob esta ideologia, ao alimentar-se de carne, o

    indivduo corre o risco de ingerir familiares e atrair karma negativo, retardando o

    atingimento da iluminao. Adicionalmente, a religio condena a prtica de sacrifcio

    animal, intimamente ligada ao consumo de carne e prega o contato com o deus

    interior por meio da conquista dos instintos animais, que levam a atos de violncia e

    autoindulgncia, incluindo o consumo de carne (KRECH III; MCNEILL; MERCHANT,

    2004).

    No Budismo, o princpio bsico no maltratar os animais. Seria um pecado

    at beber a gua que contivesse larvas, pois uma forma de vida. Aos monges

    ensinado que todos devem amar e respeitar qualquer espcie de animal. Esse

    sentimento chamado de Metta e, por isso, os budistas so vegetarianos. Os

    preceitos da crena indicam que Buda condenava o sacrifcio de animais. A histria

    contada pelos monges sugere que a proibio do consumo de carne determinou os

    hbitos dos japoneses durante dez sculos. Somente no sculo XVI, com a chegada

  • 31

    dos missionrios portugueses e de outros europeus ao Japo, que foi

    reintroduzido paulatinamente o hbito de comer carne (SOCIEDADE BUDISTA DO

    BRASIL, 2012).

    No Hindusmo, so venerados como animais sagrados a serpente e a vaca. A

    imagem do bovino, como divindade principal, est presente em todos os templos e

    na maioria dos lares, representando a fecundidade da terra e a da Humanidade. Os

    praticantes no podem comer carne de vaca e nem contrariar os hbitos deste

    animal venerado. Alm disso, o sacrifcio das vacas nas cerimnias religiosas foi

    proibido, ajudando a estender a repulsa da populao para o consumo de todos os

    tipos de carne semelhantes bovina (CLOVEGARDEN, 2012).

    No Tor, o livro Levtico prescreve com detalhes o tipo de carne que pode ser

    consumida e o que no pode, classificando os animais em duas categorias: os puros

    e os impuros. A principal caracterstica do animal puro ter rgos de locomoo

    prpria, o casco fendido e ser ruminante. Segundo o capitulo 11 do livro, o suno

    proscrito, pois apesar de ter o casco fendido, partido em duas unhas, no rumina.

    Acredita-se, porm, que o verdadeiro motivo desta proibio era o de proteger o

    povo judeu da contaminao com a triquinose, provocada pela Trichinella spiralis,

    conhecida popularmente como 'solitria'. Os peixes para serem considerados puros,

    deviam ter barbatanas e escamas. A carne bovina pode ser consumida e para isso

    deve ser proveniente de um animal que tenha sido abatido pelo ritual Kosher, que

    envolve a eliminao total do sangue (BONFIM, 2004).

    O ritual de abate iniciado com a degola por uma espcie de aougueiro

    denominado schochet, que recebe treinamento por um longo perodo. A proposta

    do ritual o corte da artria cartida e veias jugulares rapidamente. O instrumento

    cortante utilizado para essa operao chamado de chalaf, o qual afiado de

    forma eficiente e examinado aps cada utilizao. Cada seo do ritual precedida

    por uma prece especial denominada beracha. Somente os quartos dianteiros, as

    costelas e a carne de cabea dos animais podem ser consumidos. Os produtos

    kosher apresentam um selo que indica a garantia de um rigoroso processo de

    fiscalizao, que investiga mais profundamente a origem e o estado dos animais.

    Estes mtodos tm sido criticados, todavia, tanto pela crueldade como tambm pela

    falta de cuidados quanto aos aspectos higinico-sanitrios (BONFIM, 2004).

    No islamismo, o ritual de abate de bovinos similar ao ritual judaico, sendo

    denominado Dhabiha. Durante o ritual a pessoa autorizada pelo im o lder da

  • 32

    comunidade islmica - deve fazer uma orao consagrando o animal como

    propriedade de Al. Cada animal deve ser abatido por vez, no sendo permitido ser

    observado por outros animais. Diferentemente dos judeus, todas as partes do animal

    podem ser consumidas sem nenhuma restrio (SIREGAR, 1981).

    A Igreja Adventista do Stimo Dia defende uma dieta ovo-lacto-vegetariana,

    incluindo quantidades moderadas de produtos de baixo teor de gordura, evitando o

    consumo de carne, peixe, aves, caf, ch, lcool e tabaco (embora estes no sejam

    estritamente proibidos). Tais crenas se baseiam nas palavras da Bblia, de acordo

    com a Seventh-Day Adventist Dietetic Association (SDADA, 2012).

    Webster (1994) ironiza que o porco, no auge da sua inteligncia, persuadiu

    quatro das maiores religies do mundo a no com-lo por diferentes razes, diante

    da vaca, sagrada na ndia e do cavalo, sagrado na Inglaterra.

    2.2.3 Razes de sade

    H, atualmente, uma maior quantidade de informaes disponveis

    relacionando o regime alimentar sade. Uma vez que esta relao j foi fortemente

    estabelecida pela mdia de massa, as atenes se voltam para recomendaes

    sobre quais alteraes nos padres de consumo de alimentos devem ser feitas, a

    fim de promover uma vida saudvel (HASLAM ET al, 2000). De acordo com

    pesquisa realizada pelos autores com 421 indivduos, as duas razes mais comuns

    para alguma mudana no regime alimentar foram: perder peso e uma maior

    conscincia sobre alimentao saudvel.

    Ruby (2011) afirma que vegetarianos que optam pela dieta restrita por

    motivos de sade o fazem por preocuparem-se com potenciais doenas e

    concentram-se principalmente nos vrios benefcios e barreiras mudana da dieta.

    O autor assevera ainda que eles tendem a eliminar a carne gradualmente e

    apresentam menor probabilidade de transio para o veganismo, em contraste aos

    indivduos cuja motivao tem origem nos princpios ticos da preocupao com o

    bem estar animal. Este grupo tende a alterar a sua base alimentar abruptamente,

    diante da carga emocional envolvida.

    Outra caracterstica divergente entre estes dois grupos est no foco: enquanto

    o primeiro concentra-se nas preocupaes principalmente internas, compreendendo

    questes concernentes sua sade pessoal, o grupo cuja origem reflete

  • 33

    consideraes morais exibe um foco especialmente externo, envolvendo as

    preocupaes sobre animais no-humanos (RUBY, 2011).

    Lindeman e Stark (1999) compilam pesquisas sobre a relao entre a escolha

    da alimentao, a personalidade e o bem estar, referentes ao controle do peso. Os

    autores revelam que h forte relao entre estes fatores e a m imagem do prprio

    corpo, baixa autoestima e depresso. O estudo mostrou a existncia de seis grupos

    distintos no que se refere escolha da alimentao: gourmets, indiferentes,

    mantenedoras da sade, portadoras de ideologias, as que fazem dietas pela sade

    e as que fazem dietas pelo corpo. Cada um dos grupos foi avaliado sob a

    perspectiva das motivaes para a escolha: sade, controle de peso, prazer e

    razes ideolgicas.

    Enquanto os subgrupos gourmets e portadores de ideologia escolhiam

    seus produtos alimentares visando o prazer que a alimentao lhes proporciona e

    seus princpios ideolgicos, respectivamente, o subgrupo de pessoas que fazia dieta

    com vistas sade se diferenciava dos demais pela preocupao com a aparncia e

    apreo ao prazer da alimentao ao mesmo tempo. O subconjunto de pessoas que

    mantinham uma dieta para manter a forma fsica no via deleite nesta atividade.

    Este grupo caracterizava-se por mulheres insatisfeitas com a sua aparncia e peso,

    cuja presso exercida pela cultura da magreza era forte, levando-as a apresentar

    sintomas de distrbios alimentares, baixa autoestima e maior incidncia de

    depresso (LINDEMAN; STARK, 1999).

    Dentre todos os grupos, a motivao de escolha do padro alimentar entre as

    mulheres mais encontrada foi a de deciso por uma vida saudvel, sozinha ou

    acompanhada do prazer proporcionado com a degustao dos alimentos

    (LINDEMAN; STARK, 1999).

    A pesquisa de Moon, Balasubramanian e Rimal (2011) confirma que o uso de

    alegaes de sade e outras reivindicaes relacionadas aos produtos alimentares

    tm aumentado ao longo do tempo. Neste sentido, os esforos de marketing da

    indstria alimentcia tornam-se um tema central para o setor, com o propsito de se

    relacionar com as pessoas que valorizam fortemente a preocupao com a sade, a

    ponto de mudar a sua alimentao com base neste pressuposto. Os autores

    mostram evidncias de que a oferta proativa de dados que estes consumidores

    estejam interessados em absorver poder induzir as pessoas a confiar nas

    informaes apresentadas. Em alguns casos, as reivindicaes podem at gerar um

  • 34

    efeito de prestgio (avaliar melhor o produto por atributos no mencionados) ou um

    efeito de varinha mgica (atribuir benefcios inadequados ao produto).

    2.2.4 Ativismo Poltico

    Newholm e Shaw (2007) trazem um debate sobre o boicote. O ato definido

    como uma ao do consumidor arquetpica semiorganizada. Os autores consideram

    que o consumo tico como projeto poltico frequentemente rejeitado por ser

    considerado um conjunto de aes muito individualizadas e no atingirem a

    conscincia coletiva. Apesar do comportamento ser apontado como um veculo para

    a autorrealizao moral, a coletividade valorizada pelo consumidor tico pelo poder

    que capaz de oferecer, tanto para o caso de consumo como para o de

    anticonsumo.

    A pesquisa realizada por Kleine e Hubbert (1993), no entanto, trouxe tona

    um participante cuja mudana na alimentao deu-se a partir de engajamento

    poltico. A preocupao e ativa participao em um projeto sobre a pesca ilegal de

    atum estimulou a busca por informaes sobre ambientalismo e direitos dos animais

    e consequente extino das carnes na alimentao. Pode-se considerar, contudo,

    que a prtica militante foi o fator detonador para que outros pontos motivadores

    influenciassem a conduo da transformao do hbito alimentar.

    2.2.5 Ambientalismo

    De acordo com o Worldwatch Institute, que acompanha questes ambientais

    ao redor do globo, a questo do consumo individual de carne tornou-se central no

    debate acerca de sustentabilidade.

    medida que a cincia ambiental avanou, ficou evidente que o apetite humano por carne animal uma fora impulsionadora por trs de praticamente todas as grandes categorias de danos ambientais que atualmente ameaam o futuro da humanidade: desflorestamento, eroso, escassez de gua potvel, poluio do ar e da gua, mudanas climticas, perda da biodiversidade, injustia social, desestabilizao de comunidades e propagao de doenas (SINGER; MASON, 2007, p. 261).

    De acordo com pesquisa do IBOPE (2007), a populao brasileira est

    desenvolvendo uma conscincia ambiental. A pesquisa revelou que 85% dos

  • 35

    cidados entrevistados esto dispostos a pagar um preo diferenciado por produtos

    que no agridam o meio ambiente. Adicionalmente, mais da metade dos

    consumidores afirmou comprar apenas produtos de fabricantes que no agridam o

    meio ambiente, ainda que sejam caros. Deste modo, conforme Roberts (1995)

    afirma, os indivduos alteram no somente suas rotinas, incorporando atividades em

    prol do ambiente, como a separao do lixo e a no utilizao de sacos plsticos,

    como modificam seu comportamento de consumo.

    Ottman (1994) confirma que esta sensibilidade crescente da sociedade

    perante as causas ambientais levou gerao de uma demanda por produtos

    verdes ou com apelo ecolgico e o consequente atendimento a esta fatia de

    consumidores por parte da oferta. A tendncia abraada amplamente em todas as

    reas das organizaes. Com isso, destaca-se a definio de Marketing Verde por

    Peattie (2001):

    O termo Marketing Verde tem sido usado para descrever o conjunto de atividades de marketing voltadas para minimizar impactos ambientais e sociais causados por produtos e sistemas de produo existentes, e que promovem produtos e servios menos danosos (PEATTIE, 2001, p. 129).

    Peattie (2001) destaca as principais consequncias advindas desta orientao

    verde:

    (1) O tratamento globalizado de questes como o aquecimento global gerando

    uma discusso mais generalizada e sem barreiras geogrficas sobre a

    sustentabilidade, evocando o trabalho em conjunto;

    (2) Novos segmentos de mercado foram criados a partir de produtos e servios

    especializados ou com apelo socialmente responsvel;

    (3) Oportunidade de desenvolvimento de novos produtos ligados a temtica

    ambiental e/ou social;

    (4) Novos desafios para o mercado publicitrio, tendo em vista os novos valores

    adicionados imagem das empresas;

    (5) O foco dado cadeia produtiva, vista como ponto de vantagem competitiva e

    diferenciao perante os concorrentes;

  • 36

    (6) As embalagens dos produtos ganharam uma importncia crescente tanto

    como potencial item de minimizao de custos, com a reduo dos materiais

    utilizados, como publicidade da imagem da companhia;

    (7) Novas parcerias com agncias ambientais ou outras instituies que

    pudessem agregar valor imagem das organizaes tambm observaram

    seu prestgio acrescido;

    (8) Percepo de valor, por parte das corporaes, de que vale a pena no

    apenas participar da tendncia, mas ser pioneira e ir alm do cumprimento s

    regulaes;

    (9) Avidez por captar e exibir novas informaes. H uma forte demanda pela

    transparncia com relao aos dados pertinentes aos produtos, bem como

    matrias-primas, a cadeia produtiva, a conduta dos fornecedores, o descarte

    etc.

    Do outro lado, o consumidor verde conhecido pela sua lgica menos

    individualista e mais coletivista, considerando a minimizao do seu impacto no meio

    ambiente em seu processo de tomada de deciso no momento da compra, segundo

    Ottman (1994).

    2.2.6 No gostar de carne

    O desgosto ou nojo definido como um desejo de se afastar de um objeto

    que 'estragado, tem um gosto ruim e que deixa um gosto ruim na boca. Alm

    disso, as sensaes de desconforto oral e nuseas so discutidas como

    componentes crticos no sentimento de repulsa. De todos os alimentos consumidos,

    os de origem animal parecem ocupar um lugar especial na dieta humana. Carne

    inspira ambivalncia devido s associaes com animais vivos, sangue, agresso,

    violncia e os efeitos deletrios na sade humana (KUBBEROD ET al, 2006).

    Kubberod et al (2006) apresentam trs pontos fundamentais por detrs do

    sentimento de desgosto: o primeiro refere-se natureza do alimento, o indivduo se

    questiona de onde vem o alimento e o que vem em seguida (processamento); o

    segundo relaciona preocupaes com o aspecto sensorial, qualificando

    propriedades relacionadas aparncia, textura, cheiro ou gosto; e o terceiro motivo

  • 37

    faz referncia antecipao das consequncias negativas aps a ingesto do

    alimento.

    A partir de ento, os autores propuseram e confirmaram seis construtos sobre

    a rejeio carne vermelha, incluindo pessoas que no se intitulam vegetarianas. A

    primeira hiptese relaciona-se com as preocupaes morais associadas ao consumo

    tico em defesa do bem estar animal, que apresenta grande potencial de suscitar

    fortes sentimentos como o nojo. Na segunda hiptese, os autores observaram a

    perspectiva sensorial-afetiva, especialmente demarcada pelo aspecto de textura

    firme e difcil de mastigar da carne no processada. Quanto maior a lembrana do

    animal vivo, maior a probabilidade de incidncia do nojo. O sangue e a aparncia de

    carne crua, portanto, repercutiro de forma negativa na opinio do consumidor

    (TWIGG, 1979; FESSLER ET al, 2003). A quarta questo reflete a precipitao das

    consequncias negativas aps o consumo da carne, como as sensaes de

    plenitude, de lentido e sonolncia. Caractersticas relacionadas ao indivduo como

    a autoestima, tambm podem promover reaes emocionais diretamente.

    Consequentemente, observa-se a correlao e sequenciamento dos fatores:

    importncia de sentir-se magra, expresso da insatisfao com o prprio corpo,

    intensificao da dieta com a supresso da carne e desgosto para com o alimento. A

    sexta e ltima hiptese depe que a carne vermelha apontada como mais

    associada a atributos que podem levar rejeio do que as carnes brancas, atravs

    da mdia. Sendo assim, so as primeiras a serem excludas da dieta de carnes.

    Dentre as classes de rejeio carne que Fessler et al (2003) identificaram,

    esto as pessoas que evitam a carne pelo sabor, excluindo apenas os itens de que

    no gostam. Os outros dois grupos que compem a tripartite detectada pelos

    autores so os indivduos motivados pelas questes tica e ambiental, que comem o

    mnimo de carne ou nenhuma e o grupo motivado pela sade, que come pouca

    carne vermelha, mas substanciais quantidades de carne branca.

    2.3 IDENTIDADE E COMUNIDADE

    Hall (2005) afirma que a identidade de uma pessoa formada atravs de sua

    participao em relaes sociais mais extensas, adicionado o seu prprio papel na

    constituio dos processos. Pode-se considerar, ento, a ocorrncia de uma

  • 38

    interiorizao do mundo externo ao indivduo e uma exteriorizao do seu interior,

    por meio da sua ao no mundo social.

    Na concepo de Castells (1997) e Hall (2005), a identidade formada e

    transformada continuamente, num estado permanente de em processo de

    construo, constituda ao longo do tempo. De acordo com Goffman (1959), a

    negociao em que os indivduos envolvem a si prprios durante o processo de

    constituio da identidade visa projetar uma impresso desejada.

    A identidade de uma pessoa expressa na forma de consumo (SCHAU;

    MUNIZ, 2002). A partir da, McCracken (2003) afirma que as sociedades capitalistas

    centradas no consumo levam os indivduos a adquirir itens no pela funcionalidade,

    mas pelo seu valor simblico. Sendo assim, o padro de consumo define uma

    pessoa perante a sociedade e a busca do seu lugar em grupos.

    Mittal (2006) defende a existncia de uma tenso entre como o indivduo

    define sua identidade e como os outros a veem. Aps diferenciar os termos entre

    como a pessoa se v (eu) e como a pessoa acredita que os outros a veem (mim), o

    autor prope trs modos de minimizar este conflito: mudar o grupo de referncia,

    buscando outras pessoas que corroborem sua verso; educar os outros, mostrando-

    lhes a sua identidade; ou mudar o consumo.

    Solomon (2008) relaciona o autoconceito s crenas de um indivduo sobre

    seus prprios atributos e o modo como ele os avalia. A partir da, as marcas,

    produtos e atividades escolhidas e exercidas pelos consumidores tm significado e

    ajudam a comunicar e tangibilizar a sua identidade (SCHAU; GILLY, 2003). Solomon

    (2008) apresenta ainda duas teorias que ajudam a explicar este comportamento: (1)

    Modelo de congruncia da autoimagem, no qual as pessoas buscam produtos cujos

    atributos combinem com algum aspecto do seu eu; (2) Teoria da

    autocomplementaao simblica, que engloba indivduos que tendem a completar

    sua identidade adquirindo e expondo smbolos associados a ela, devido a uma

    autodefinio incompleta.

    A construo do conceito do indivduo envolve seis componentes: (1) seus

    corpos; (2) seus valores e carter; (3) sua competncia e seu sucesso na vida; (4)

    seus papis sociais; (5) seus traos de personalidade subjetiva; e (6) suas posses.

    O arranjo de prioridades dos atributos varia de pessoa para pessoa, assim como a

    proporo de cada um dos elementos (MITTAL, 2006).

  • 39

    Ao exercer diversos papeis sociais, um indivduo utiliza diversos acessrios e

    frequenta distintos ambientes, que se tornam extenses do eu do consumidor

    (SOLOMON, 2008). Segundo Mittal (2006), Seis so os mecanismos pelos quais

    passam as pessoas na transformao da posse na extenso de suas identidades,:

    (1) pela escolha dos produtos ou atividades baseada em seu eu, ou seja, deve

    refletir identificao e autonomia; (2) pelo recurso (dinheiro, tempo, energia)

    investido na compra do produto; (3) pelo recurso (dinheiro, tempo, esforo) investido

    no uso do produto; (4) pelo vnculo criado aps a compra e reforado pelo uso do

    produto; (5) atravs de uma coleo, mediante o tempo e esforo investidos na

    aquisio da mesma (BELK, 1988); e (6) atravs de memrias produtos que foram

    recebidos como presente de algum ou que estejam associados a uma ocasio

    especial.

    Contudo, nem todos os produtos podem ser qualificados como posse e nem

    todas as posses constituem parte da identidade de um indivduo. Este tipo de bem

    consumvel pode apenas servir de instrumento para a promoo de algum

    componente do autoconceito. Um aficionado pelo elemento corpo pode ser

    escravizado pela academia de ginstica ou cremes antirrugas. Estes instrumentos

    criam envolvimento, mas no se tornam parte do eu. O centralismo dos bens como

    composio da extenso da identidade pode ser medido por trs reflexes: (1) os

    bens so centrais identidade o senso de quem a pessoa ; (2) os produtos que

    um indivduo possui e usa ocupam um lugar especial em sua vida; (3) a pessoa julga

    as outras pelos bens que estas possuem (MITTAL, 2006).

    O eu estendido se manifesta no somente no plano individual do

    consumidor, mas tambm no plano coletivo, envolvendo a famlia, comunidades,

    grupos e subculturas (BELK, 1988).

    Uma comunidade criada a partir do compartilhamento de interesses e de um

    valor de ligao. Deste modo, no somente o senso de pertencimento preservado,

    como tambm o sentimento de identidade comum (FISCHER; BRISTOR; GAINER,

    1996). A busca por estes dois sentimentos est cada vez mais frequente,

    extrapolando os limites das redes fsicas, levando os consumidores a pesquisar a

    opinio de outros consumidores tambm na rede virtual (KOZINETS, 1999). Em uma

    comunidade virtual, no entanto, nem todos os dados apresentados so verossmeis,

    bem como a identidade digital apresentada pelos usurios (SCHAU; GILLY, 2003).

  • 40

    Schau e Gilly (2003) verificaram que os consumidores desejam expressar seu

    eu ou seu conjunto de eus em suas pginas pessoais. Os autores enumeram as

    possveis motivaes que levam uma pessoa a criar uma pgina pessoal: (1) um

    fato gerador, como, por exemplo, uma mudana significativa na vida pessoal ou

    profissional, ou uma orientao externa; (2) um anseio pelo crescimento pessoal,

    que pode ser no campo educacional, uma tentativa de se autopromover

    pessoalmente ou profissionalmente, ou um exerccio de autoconhecimento; (3)

    advogar por uma causa social.

    Em sua pesquisa qualitativa, os autores encontraram quatro estratgias

    relacionadas com a apresentao digital nessas pginas: (1) Construo da

    identidade digital, onde cada elemento do site escolhido pelo seu potencial

    semitico; (2) Projeo de uma imagem digital, que a referncia explcita do corpo

    fsico real ou ideal, podendo ser uma foto, um desenho estilizado ou um avatar; (3)

    Associao digital, que se refere s relaes com objetos, locais, marcas, assim por

    diante, para expressar significado; (4) Reorganizao da estrutura narrativa linear, a

    partir do uso de hiperlinks. O hiperlink oferece ao leitor o acesso a detalhes da

    histria, suprimindo a necessidade de seguir um fluxo linear de narrativa com incio,

    meio e fim (SCHAU; GILLY, 2003).

    Por fim, Bagozzi and Dholakia (2002, p. 4) propem que uma pessoa atinge

    uma identidade social (na comunidade) atravs da autoconscincia de sua

    participao em um grupo e o significado emocional e avaliativo desta associao.

    Uma comunidade ou subcultura de consumo definida como um subgrupo

    distinto da sociedade cujos membros selecionam a si mesmos com base no

    compromisso compartilhado em relao a uma classe de produto, marca ou

    atividade de consumo especfica (HAWKINS; MOTHERSBAUGH; BEST, 2007, p.

    73). Solomon (2008) inclui grupos de pessoas que compartilham um estilo de vida e

    se identificam devido lealdade a uma mesma atividade ou produto. Maffesoli

    (2000) complementa com a ideia de que a constituio destes microgrupos se deve

    ao sentimento de pertencimento, de uma tica especfica e dispondo de uma rede

    de comunicao.

    A posse do produto ou a prtica da atividade no torna uma pessoa membro

    da tribo, contudo. O pertencimento requer a internalizao dos valores, crenas,

    linguagem e rituais pelo indivduo, ou seja, exige comprometimento (HAWKINS;

    MOTHERSBAUGH; BEST, 2007). Segundo Maffesoli (2000), a ligao entre os

  • 41

    integrantes de uma subcultura de consumo reforada mediante as emoes e

    paixes compartilhadas e no fatores demogrficos como idade, sexo e classe

    social.

    As pessoas buscam conexes sociais (COVA, 1997), um porto seguro e

    identificao umas com as outras (BAUMAN, 2003). Esta busca leva criao de

    mltiplos e efmeros grupos, cuja importncia superior ao pertencimento

    determinada classe ou segmento social (COVA; COVA, 2002).

    Cova e Cova (2002) explicam a efemeridade por meio do valor atribudo ao

    elemento de ligao da tribo, ao invs da comunidade em si. O link mais

    importante que a coisa (COVA, 1997, p. 307). Com isso, observada a participao

    de um indivduo simultaneamente em diversos subgr