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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ
Aline Eloisa de Almeida
O PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA E A
POSSIBILIDADE DE TRIBUTAÇÃO DOS RENDIMENTOS
ECONÔMICOS OBTIDOS ATRAVÉS DOS ATOS ILÍCITOS
CURITIBA
2010
O PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA E A
POSSIBILIDADE DE TRIBUTAÇÃO DOS RENDIMENTOS
ECONÔMICOS OBTIDOS ATRAVÉS DOS ATOS ILÍCITOS
CURITIBA
2010
Aline Eloisa de Almeida
O PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA E A
POSSIBILIDADE DE TRIBUTAÇÃO DOS RENDIMENTOS
ECONÔMICOS OBTIDOS ATRAVÉS DOS ATOS ILÍCITOS
Monografia apresentada ao Núcleo de Monografias do Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Dr. Francisco Pinto Rabello Filho.
CURITIBA
2010
TERMO DE APROVAÇÃO
Aline Eloisa de Almeida
O PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA E A
POSSIBILIDADE DE TRIBUTAÇÃO DOS RENDIMENTOS
ECONÔMICOS OBTIDOS ATRAVÉS DOS ATOS ILÍCITOS
Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do grau de Bacharel no Curso de Direito da Universidade Tuiuti do Paraná.
Curitiba, _______ de ______________________ de 2.010.
_____________________________________
Prof. Dr. Eduardo de Oliveira Leite Coordenador do Núcleo de Monografia
Universidade Tuiuti do Paraná
Orientador: ___________________________________ Prof. Dr. Francisco Pinto Rabello Filho Universidade Tuiuti do Paraná Curso de Direito
Supervisor: ____________________________________ Prof. Dr. Universidade Tuiuti do Paraná Curso de Direito
Supervisor: ____________________________________ Prof. Dr. Universidade Tuiuti do Paraná Curso de Direito
DEDICATÓRIA
Ao meu mestre e orientador, Professor
Rabello, que despertou em mim, através
de suas aulas, o gosto pelo Direito
Tributário e a ânsia pela busca do
conhecimento.
Ao meu namorado, Fabio, pela
compreensão, paciência e presença
constante na minha vida. Sem ele, a
caminhada seria mais árdua e longa.
AGRADECIMENTOS
Agradeço, primeiramente e sempre, aos meus pais, Roque e Dirce, pelas
orações, pelo incentivo e por me ensinarem a nunca perder a esperança. À minha irmã Lu e ao meu irmão Guto, agradeço pelo carinho,
companheirismo e dedicação nesses anos e em especial pela presença constante, mesmo que distantes.
Às minhas duas amigas, que ganhei nesses cinco anos, Lilian e Michele,
pela convivência e cumplicidade, levo vocês para sempre. Ao Luciano, meu amigo querido que nunca faltou com uma carona, meu
muito obrigada.
RESUMO
Este trabalho versa sobre a possibilidade de tributação dos resultados econômicos obtidos através da prática de atos ilícitos, embasando-se no princípio constitucional da capacidade contributiva. Primeiramente, analisa os princípios constitucionais da legalidade, da isonomia tributária, da moralidade e, principalmente, o princípio da capacidade contributiva e, além dessa interpretação, faz a distinção entre as expressões capacidade contributiva e capacidade econômica. Há uma breve menção ao princípio histórico do non olet e a sua importante ligação com o direito tributário. São analisadas a hipótese de incidência tributária e os critérios material, pessoal e temporal nela inseridos. Após, conceitua a ilicitude, distinguindo-a nos campos do direito civil, penal e tributário. Após apresentar os pressupostos necessários à melhor compreensão do tema, trata da possibilidade de tributação dos resultados econômicos obtidos através de atos ilícitos, utilizando argumentos amparados na Constituição Federal, no Código Tributário Nacional, na doutrina e na jurisprudência nacional. Faz também a distinção da tributação dos resultados econômicos obtidos através dos atos ilícitos e o poder de confisco no direito penal. Para enriquecer o debate, apresenta também a opinião de doutrinadores contrários à tributação dos resultados econômicos obtidos com os atos ilícitos. Por fim, traz decisões dos tribunais pátrios que corroboram a idéia defendida. Palavras-chave: tributos; atos ilícitos; capacidade contributiva.
ABSTRACT The subject of this work is the possibility of taxing economic results obtained with illegal acts, basing itself in the constitutional principle of ability to pay. First, examines the constitutional principles of legality, tax isonomy, morality, and especially the principle of ability to pay and beyond this interpretation makes the distinction between the expressions ability to pay and economic capacity. There is a brief mention of historical principle of non olet and its important connection with the Tax Law. It analyzes the tax incidence hypothesis and the material, personal and time criteria inserted in this hypothesis. After, conceptualizes illegality and distinguish it in Civil, Criminal and Tax Law. After presenting the assumptions necessary for better understanding of the subject, deals with the possibility of taxing economic results obtained with illegal acts, using arguments based on Federal Constitution, National Tax Code, doctrine and national jurisprudence. Also makes distinction between taxing economic results obtained with illegal acts and the power of confiscation in Criminal Law. To enrich the debate, also presents the the opinions of scholars contraries to taxation on economic results obtained through illegal acts. Finally, brings patriotic court decisions that confirm the defended idea. Keywords: taxes, illegal acts; ability to pay.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................10 2 A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS .................................................................................................11 2.1 VOCÁBULO PRINCÍPIO .....................................................................................11 2.2 DISTINÇÃO ENTRE REGRAS E PRINCÍPIOS...................................................12 2.2.1 Regras..............................................................................................................12 2.2.2 Princípios..........................................................................................................12 2.3 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS......................................................................13 2.3.1 A supremacia dos princípios constitucionais ....................................................14 2.4 PRINCÍPIOS........................................................................................................15 2.4.1 Princípio da legalidade .....................................................................................15 2.4.1.2 Princípio da legalidade tributária ...................................................................15 2.4.2 Princípio da isonomia tributária ........................................................................16 2.4.3 Princípio da moralidade....................................................................................19 2.4.4 Princípio da capacidade contributiva................................................................20 2.4.4.1 Histórico ........................................................................................................20 2.4.4.2 Conceito ........................................................................................................21 2.4.4.3 Capacidade econômica e capacidade contributiva .......................................23 2.4.5 Princípio do non olet.........................................................................................24 3 HIPÓTESE DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA...........................................................24 3.1 CONCEITO .........................................................................................................24 3.1.1 Hipótese de incidência .....................................................................................26 3.1.2 Os critérios da hipótese de incidência ..............................................................26 3.1.2.1 Critério material .............................................................................................27 3.1.2.2 Critério espacial.............................................................................................27 3.1.2.3 Critério temporal ............................................................................................28 3.1.3 Fato imponível..................................................................................................29 4 ILICITUDE..............................................................................................................30 4.1 ASPECTOS CONCEITUAIS ...............................................................................30 4.1.1 Infração e sanção.............................................................................................31 4.2 O ILÍCITO CIVIL ..................................................................................................31 4.3 O ILÍCITO PENAL ...............................................................................................32 4.4 O ILÍCITO TRIBUTÁRIO .....................................................................................33 4.4.1 Exemplos de ilícito tributário.............................................................................34 5 A POSSIBILIDADE DA TRIBUTAÇÃO DOS RENDIMENTOS ADVINDOS DOS ATOS ILÍCITOS ........................................................................................................34 5.1 A DIFERENÇA ENTRE A TRIBUTAÇÃO DOS RESULTADOS ECONÔMICOS OBTIDOS ATRAVÉS DOS ATOS ILÍCITOS E O PODER DE CONFISCO NO DIREITO PENAL .......................................................................................................41 6 POSIÇÃO DOUTRINÁRIA CONTRÁRIA A TRIBUTAÇÃO DOS RESULTADOS ECONÔMICOS AUFERIDOS PELA PRÁTICA DE ILÍCITOS ..................................43 7 POSIÇÃO DOS TRIBUNAIS..................................................................................44 8 CONCLUSÃO ........................................................................................................47 REFERÊNCIAS.........................................................................................................48 ANEXOS ...................................................................................................................51
10
1. INTRODUÇÃO
O presente estudo tem por escopo a análise da possibilidade da tributação
dos resultados econômicos obtidos através dos atos ilícitos.
Para isso, embasaremos nossas pesquisas nos artigos constitucionais e nos
princípios neles instaurados, como os princípios da legalidade, da isonomia
tributária, da moralidade e, principalmente, o princípio da capacidade contributiva
elencado no artigo 145, § 1º, da Constituição Federal, o qual estabelece que os
tributos, sempre que possível, devem ser graduados conforme a capacidade
econômica do contribuinte.
Analisaremos, oportunamente, o “fato gerador” da obrigação tributária,
inserido no artigo 118 do Código Tributário Nacional e o princípio do non olet a ele
atribuído.
O artigo 118 do Código Tributário Nacional dispõe que independe a validade
dos atos jurídicos e os seus efeitos para que ocorra o fato imponível. Entende-se
dessa forma que, havendo a subsunção do fato à norma surge a obrigação de
tributar.
Importante destacar o princípio do non olet, o qual indica que a tributação
dos resultados econômicos auferidos independe da licitude ou ilicitude das
circunstâncias nas quais ocorre o fato imponível.
Através do exposto, tem este trabalho o objetivo de demonstrar, através da
Constituição Federal, do Código Tributário Nacional, da doutrina e da jurisprudência,
tendo como embasamento o princípio da capacidade contributiva, do princípio da
isonomia tributária e do princípio do non olet, a possibilidade da tributação dos atos
ilícitos.
O sistema constitucional tributário brasileiro autoriza o entendimento de que
é possível e válido, diante das normas constitucionais e tributárias, a tributação das
atividades ilícitas, através do que dispõe o artigo 145, § 1º, da Constituição Federal,
combinado com o artigo 118 do Código Tributário Nacional?
Diante dessa questão é que versarão nossos estudos, utilizando-se dos
ensinamentos e sustentações doutrinárias e da posição dos tribunais.
11
2. A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
2.1. VOCÁBULO PRINCÍPIO
Primeiramente, é indispensável mencionar que o vocábulo princípio, na
língua portuguesa, é considerado polissêmico, ou seja, palavra que possui a
propriedade de apresentar dois ou mais significados. Etimologicamente, o vocábulo
emana do latim principium, e quer dizer início, começo, como define De Plácido e
Silva:
Derivado do latim principium (origem, começo), em sentido vulgar quer exprimir o começo da vida ou o primeiro instante em que as pessoas ou as coisas começam a existir. É, amplamente, indicativo do começo ou da origem de qualquer coisa. (2004, p. 1094).
Segundo Roque Antonio Carrazza, a noção de princípio foi “introduzida, na
Filosofia, por Anaximandro, a palavra foi utilizada por Platão, no sentido de
fundamento do raciocínio e, por Aristóteles, como a premissa maior de
demonstração.” (1986, p. 6).
No plano jurídico utiliza-se o vocábulo no plural. Princípios consistem em
enunciados fundamentais que formam e dão estrutura ao sistema, conferindo-lhe
unidade e coerência. Bem esclarece o mestre Rabello Filho:
[...] é de se ter presente que princípios (jurídicos) são, por definição, a viga-mestre do sistema (jurídico), suas prescrições supremas e primeiras e, na intelecção e aplicação das demais normas jurídicas, o primeiro instrumental do operador. (2002, p.30).
A informação de um princípio, ou sua conceituação em determinada matéria,
independe do campo de saber ao qual se aplica, pois sempre designará a estrutura
de pensamentos e normas de onde todas as demais ideias nascem e se
concretizam.
Os princípios, quando utilizados no ordenamento jurídico, constituem a base
do Direito Positivo, são verdadeiras normas, as quais devem ser respeitadas e
utilizadas de pronto pelo operador do direito. Como sustenta Carlos Ari Sundfeld, “os
princípios são verdadeiras normas jurídicas; logo, devem ser tomados em
consideração para a solução de problemas jurídicos concretos.” (2007, p. 145).
12
2.2. DISTINÇÃO ENTRE REGRAS E PRINCÍPIOS
Importante registrar, mesmo que brevemente, a distinção entre princípio e
regra, por tratar-se de normas intimamente ligadas no ordenamento constitucional
brasileiro.
2.2.1 Regras
As regras estão ligadas às normas constitucionais e infraconstitucionais e
são aplicadas de modo absoluto, como afirma o professor norte-americano Ronald
Dworkin, ou seja, elas estão atreladas à normatividade e não podem ser
interpretadas como são interpretados os princípios.
Vejamos o que Dworkin ensina acerca das regras: “As regras são aplicáveis
à maneira do tudo ou nada. Dados os fatos que uma regra estipula, então ou a regra
é válida, e neste caso a resposta que ela fornece deve ser aceita, ou não é válida, e
neste caso em nada contribui para a decisão.” (2002, p. 39).
2.2.2 Princípios
Os princípios consistem em normas que estabelecem fundamentos diversos,
os quais promovem um estado ideal de coisas, com a finalidade de uma conduta
necessária, havendo sempre uma correlação do que ocorreu no mundo fático ao
estado ideal proporcionado por eles.
Canotilho, em seu livro Direito Constitucional e Teoria da Constituição,
apresenta uma clara distinção entre as normas princípios e as normas regras:
Os princípios são normas jurídicas impositivas de uma optimização, compatíveis com vários graus de concretização, consoante os condicionalismos fácticos e jurídicos; as regras são normas que prescrevem imperativamente uma exigência (impõem, permitem ou proíbem) que é ou não é cumprida (nos termos de Dworkin: applicable in all-or-nothing fashion); a convivência dos princípios é conflitual (Zagrebelsky), a convivência de regras é antinómica; os princípios coexistem, as regras antinômicas excluem-se. Consequentemente, os princípios, ao constituírem exigências de optimização, permitem o balanceamento de valores e interesses (não obedecem, como as regras, à <<lógica do tudo ou nada>>), consoante o seu peso e a ponderação de outros princípios eventualmente conflituantes; as regras não deixam espaço para qualquer outra solução, pois se uma regra vale (tem validade) deve cumprir-se na exacta medida das suas prescrições, nem mais nem menos. (2003, p. 1161).
13
Ainda, Humberto Ávila faz a seguinte distinção quanto à questão :
As regras são normas imediatamente descritivas, primariamente retrospectivas e com pretensão de decidibilidade e abrangência, para cuja aplicação se exige a avaliação da correspondência, sempre centrada na finalidade que lhes dá suporte ou nos princípios que lhes são axiologicamente sobrejacentes, entre a construção conceitual da descrição normativa e a construção conceitual dos fatos. Os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção. (2005, p.70).
Os princípios e as regras estão inseridos no texto constitucional e delimitam
a atuação de diversas normas infraconstitucionais. Resta claro que o estudo e
entendimento dos princípios e regras são primordiais para a correta aplicação do
direito.
2.3 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
Os princípios constitucionais são aqueles que guardam os valores
fundamentais da ordem jurídica, neles se unem bens e valores considerados
fundamentos de validade de todo o sistema jurídico. Eles são utilizados e
conhecidos no sistema jurídico brasileiro como as vigas mestras que conduzem e
orientam o operador para a aplicação do direito e da justiça.
Entende-se o que é princípio jurídico através dos ensinamentos de Celso
Antônio Bandeira de Mello, vejamos:
Princípio – já averbamos alhures – é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para exata compreensão e inteligência deles, exatamente porque define a lógica e a racionalidade do sistema normativo, conferindo-lhe a tônica que lhe dá sentido harmônico. (2006, p. 912 e 913).
Conclui Bandeira de Mello que “é o conhecimento dos princípios que preside
a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome de
sistema jurídico positivo.” (2006, p. 913).
Importante ressaltar a grandiosidade dos princípios constitucionais, pois a
partir deles novas normas surgirão e é absolutamente relevante que essas normas
14
estejam em conformidade e harmonia plena com os princípios já estancados no
sistema jurídico-constitucional brasileiro.
Quando um princípio constitucional não é utilizado na solução de
determinado litígio e aplica-se sobre ele uma norma infraconstitucional, ignorando o
princípio constitucional instituído, é absolutamente natural que o caso seja
reapreciado.
Caso ocorra violação de algum dos princípios constitucionais, haverá
desrespeito à própria Constituição, como sustenta Celso Antonio Bandeira de Mello:
Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao principio implica ofensa não apenas a um especifico mandamento obrigatório mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do principio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. Isto porque, com ofendê-lo, abatem-se as vigas que o sustêm e alui-se toda a estrutura nelas esforçada. (2006, p. 913).
No mesmo sentido escreve Roque Carrazza:
[...] em razão de seu caráter normativo, os princípios constitucionais demandam estrita observância, até porque, tendo amplitude maior, sua desobediência acarreta conseqüências muito mais danosas ao sistema jurídico que o descumprimento de uma simples regra, ainda que constitucional. Não é por outras razões que, na análise de qualquer problema jurídico – por mais trivial que seja (ou que pareça ser) -, o cultor do Direito deve, antes de mais nada, alçar-se ao altiplano dos princípios constitucionais, a fim de verificar em que sentido eles apontam. Nenhuma interpretação poderá ser havida por boa (e, portanto, por jurídica) se, direta e indiretamente, vier a afrontar um princípio jurídico-constitucional. (2004, p. 37 e 38).
2.3.1 A Supremacia dos Princípios Constitucionais
Segundo o dicionário Aurélio, supremacia é predomínio, poder supremo.
Entende-se com isso que os princípios constitucionais estão acima de todas as
demais manifestações normativas, como emendas constitucionais, leis, decretos,
atos normativos, sentenças. Quaisquer dessas manifestações, estando em
desconformidade com algum princípio constitucional, não poderão prevalecer de
forma alguma. Por tal razão é que eles são tidos como a base do ordenamento.
Para Roque Carrazza “os princípios constitucionais são, a um tempo, direito
positivo e guias seguros das atividades interpretativa e judicial. Em outros termos
são fonte de direito (Esser) e idéias-base de normas jurídicas.” (2004, p. 47).
15
2.4 PRINCÍPIOS
2.4.1 Princípio da Legalidade
O princípio da legalidade, que se projeta para todos os domínios do Direito,
está inserido no artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal e dispõe que “ninguém
será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.
José Eduardo Soares de Melo escreve sobre o princípio da legalidade:
O princípio da legalidade constitui uma das garantias do Estado de Direito, desempenhando uma função de proteção dos direitos dos cidadãos, insculpido como autêntico dogma jurídico pela circunstância especial de a Constituição Federal haver estabelecido, como direito e garantia individual, que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (art. 5º, II). (2008. p. 18).
Esse princípio visa combater arbitrariedades do Estado, protegendo o
cidadão, como escreve Alexandre de Moraes: “assegura ao particular a prerrogativa
de repelir as injunções que lhe sejam impostas por uma outra via que não seja a da
lei.” (2007, p. 36).
Entende-se com isso que qualquer intervenção do Estado sobre a
propriedade ou a liberdade dos cidadãos só poderá advir da lei.
2.4.1.2 Princípio da Legalidade Tributária
Luciano Amaro brevemente discorre sobre o surgimento do princípio da
legalidade tributária: “foi consagrado na Inglaterra, na Magna Carta de 1215, do Rei
João Sem Terra, a quem os barões ingleses impuseram a necessidade de obtenção
prévia de aprovação dos súditos para a cobrança de tributos (no taxation without
representation).” (2007, p. 111).
Dispõe o artigo 150, inciso I, da Constituição Federal, que “nenhum tributo
pode ser instituído ou majorado senão em virtude de lei”.
No entanto, entende-se que o conteúdo fundamental do princípio da
legalidade tributária vai além da superioridade da lei para que certos atos sejam
instituídos, todos os atos da administração pública devem se pautados sob os
ditames da legalidade, respeitando o que o direito positivo prescreve em todo o
seguimento administrativo.
Luciano Amaro vai ainda mais além, acerca do princípio da legalidade
tributária, e leciona:
16
Em suma, a legalidade tributária não se conforma com a mera autorização de lei para cobrança de tributos; requer-se que a própria lei defina todos os aspectos pertinentes ao fato gerador, necessários à quantificação do tributo devido em cada situação concreta que venha a espelhar a situação hipotética descrita na lei. (2007, p.112).
A Constituição veda que qualquer entidade crie tributos ou os aumente1 sem
ser instituída lei anterior que os defina. Por conseguinte, existe a garantia que o
cidadão não será surpreendido com a instituição de tributos a qualquer momento.
Roque Antonio Carrazza expõe o seguinte sobre o princípio da legalidade:
O princípio da legalidade teve sua intensidade reforçada, no campo tributário, pelo artigo 150, I, da CF. Graças a este dispositivo, a lei – e só ela – deve definir, de forma absolutamente minuciosa, os tipos tributários. Sem esta precisa tipificação de nada valem regulamentos, portarias, atos administrativos e outros atos normativos infralegais: por si sós, não têm a propriedade de criar ônus ou gravames para os contribuintes. (2005, p. 229).
Vige, pelo princípio da legalidade tributária, o entendimento que qualquer
tributo somente pode ser instituído ou majorado, se regido por lei que assim o
determine.
2.4.2 Princípio da Isonomia Tributária
Para José Eduardo Soares Melo, o princípio da isonomia “representa um dos
pilares do Estado de Direito, estabelecendo a Constituição Federal a igualdade de
todos perante a lei [...]” (2008, p. 28).
Positivado no artigo 150, inciso II, da Constituição Federal, o princípio da
isonomia veda o tratamento desigual entre os contribuintes, instituindo:
Art. 150 – Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: [...] II – instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;
Américo Lourenço Masset Lacombe apresenta importantes considerações
acerca do princípio da isonomia e o ordenamento jurídico, ressaltando a importância
1 É o princípio da legalidade que impossibilita o uso de outro ato que não a lei para instituir ou majorar qualquer tributo.
17
do princípio à democracia e à justiça. Vejamos:
A isonomia é o princípio nuclear de todo o nosso sistema constitucional. É o princípio básico do regime democrático, não se pode mesmo pretender ter uma compreensão precisa de Democracia se não tivermos um entendimento real do alcance do Princípio da Isonomia. Sem ele não há República, não há Federação, não há Democracia, não há Justiça. É a cláusula pétrea por excelência. Tudo o mais poderá ser alterado, mas a isonomia é intocável, bem como suas decorrências lógicas. (2000, p. 16).
Reza o princípio da isonomia tributária, representado no artigo em comento,
que é vedado ao Fisco instituir tratamento desigual entre cidadãos contribuintes que
se encontrem em situação, entenda-se econômica, igual ou semelhante.
A desigualdade de tratamento a que reporta o inciso II do artigo 150 da
Constituição Federal é em relação ao sujeito ativo sobre os contribuintes, que só é
possível quando a situação tributária a qual estão inseridos permitir tal desigualdade.
O princípio da isonomia tributária rege a igualdade aos iguais e a
desigualdade aos desiguais. Podemos observar o princípio da isonomia tributária
instituída ao contribuinte e a sua capacidade econômica. O contribuinte recolhe os
seus tributos aos cofres públicos sobre o montante econômico que detém,
representado pelos bens e movimentação em conta bancária, por exemplo, ou seja,
recolhe sobre a sua capacidade econômica, quando a capacidade econômica é alta,
recolhe-se mais, sendo baixa, recolhe-se menos.
Luciano Amaro escreve acertadamente sobre o princípio da isonomia e
explica a desigualdade inserida no inciso II e observada pelo legislador, vejamos:
[...] é imperioso perquirir a desigualdade que obriga a discriminação, pois o tratamento diferenciado de situações que apresentem certo grau de dessemelhança, sobre decorrer do próprio enunciado do princípio da isonomia, pode ser exigido por outros postulados constitucionais, como se dá, no campo dos tributos, à vista do princípio da capacidade contributiva, com o qual se entrelaça o enunciado constitucional da igualdade. Deve ser diferenciado (com isenções ou com incidência tributária menos gravosa) o tratamento de situações que não revelem capacidade contributiva ou que mereçam um tratamento fiscal ajustado à sua melhor expressão econômica. Hão de ser tratados, pois, com igualdade aqueles que tiverem igual capacidade contributiva, com desigualdade os que revelem riquezas diferentes e, portanto, diferentes capacidades de contribuir. [grifo nosso] A questão da isonomia, em síntese, não se resolve apenas com afirmação de que, dada a norma legal, como comando abstrato e hipotético, todas as situações concretas correspondentes à hipótese legal devem ser submetidas à lei, e as situações excepcionadas pela lei devem ser excluídas. (2007, p. 136).
18
Importante ressaltar que o princípio da isonomia tributária está ligado aos
demais princípios constitucionais, como o da legalidade e da capacidade
contributiva, como esclarece acima Luciano Amaro.
O doutrinador Sergio Pinto Martins discorre no mesmo sentido que Luciano
Amaro, como se segue:
O princípio é dirigido ao legislador ordinário, que não poderá tratar duas situações iguais de forma diferenciada, mas poderá tratar situações desiguais de forma desigual, justamente porque as pessoas não estão nas mesmas condições. [grifo nosso] Contribuintes que têm maior capacidade contributiva devem pagar maior imposto do que os que têm capacidade contributiva inferior. [grifo nosso] Assim, os contribuintes de maior capacidade contributiva devem ser tratados da mesma forma, diversa, porém, dos contribuintes de menor capacidade contributiva. (2002, p. 85).
O princípio da isonomia tributária institui a igualdade de todos diante da lei,
orientando a vedação ao tratamento diverso para situações iguais ou equivalentes.
Com isso, visa a garantir ao indivíduo a igualdade entre todos e evitar que um ou
outro seja favorecido em desfavor dos demais.
O doutrinador Yoshiaki Ichihara delimita de forma precisa o princípio da
isonomia tributária, afirmando que “essa igualdade não quer significar a igualdade de
fato, mas a igualdade jurídica no sentido da notória afirmação de Aristóteles de que
‘a igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais’.”
(1986, p. 38).
Ensina Roque Antonio Carrazza:
A lei tributária deve ser igual para todos e a todos deve ser aplicada com igualdade. Melhor expondo, quem está na mesma situação jurídica deve receber o mesmo tratamento tributário. Será inconstitucional – por burla ao princípio republicano e ao da isonomia – a lei tributária que selecione pessoas, para submetê-las a regras peculiares, que não alcançam outras, ocupantes de idênticas posições jurídicas. O tributo, ainda que instituído por meio de lei, editada pela pessoa política competente, não pode atingir apenas um ou alguns contribuintes, deixando a salvo outros que, comprovadamente, se achem nas mesmas condições. (2004, p. 74).
No Direito Tributário, o legislador deve tratar de forma igual os contribuintes
que estejam em situação equivalente e desigualmente aqueles que se encontram
em desigualdade. Por isso, entende-se que qualquer diferenciação no tratamento
entre aqueles que se encontram em situações idênticas estaria ferindo o princípio
constitucional inserido no artigo 150, inciso II.
19
Resta demonstrada a importância do princípio da isonomia tributária no
campo do Direito Tributário especialmente na instituição e majoração dos tributos.
Primordial observar o princípio da isonomia, junto com a legalidade, moralidade e
capacidade contributiva, para o entendimento da questão da contribuição sobre os
resultados econômicos obtidos através dos atos ilícitos.
2.4.3 Princípio da Moralidade
O princípio da moralidade administrativa, inserido no artigo 37 da
Constituição Federal, está intimamente ligado com a ideia de probidade e
integridade, no sentido estrito de conformação da conduta dos agentes públicos,
inerentes à administração pública.
Ao desempenhar os seus atos, presume-se que a administração pública os
desenvolve com transparência, coerência e integridade, pois, ao contrário, estará
violando o princípio constitucional da moralidade.
Importante mencionar que o princípio da moralidade está ligado a outros
princípios, como o da impessoalidade, publicidade e, principalmente, da legalidade.
Todos os atos desenvolvidos pela administração pública presumem-se livres
de qualquer tipo de imoralidade, observados os demais princípios que dispõe o texto
constitucional, ao contrário serão considerados imorais e ilegais.
Alexandre de Moraes discorre sobre o princípio da moralidade:
Pelo princípio da moralidade administrativa, não bastará ao administrador o estrito cumprimento da estrita legalidade, devendo ele, no exercício de sua função pública, respeitar os princípios éticos de razoabilidade e justiça, pois a moralidade constitui, a partir da Constituição de 1988, pressuposto de validade de todo ato da administração pública. (2007, p. 305).
José Eduardo Soares de Melo escreve sobre a moralidade de forma a trazê-
la ao cotidiano da administração:
A moralidade administrativa – nem sempre fácil de captar e precisar – encontra-se adstrita aos lindes do desvio do poder, ou seja, a utilização de meios ilícitos para atingir objetivos da Administração, mesmo que todos os elementos componentes do ato público guardem consonância (ainda que formal) com a norma. É possível vislumbrar a configuração da imoralidade do ato administrativo nas práticas atentatórias aos bons costumes, na ofensa às regras da boa administração (falta de espírito público e de presteza ao servir à comunidade), na deslealdade e na surpresa, que constituem elementos nocivos à relação administrador (Fisco) e administrando (contribuinte). (2008, p. 40).
20
Fez-se importante discorrer, brevemente, sobre o princípio da moralidade
administrativa em razão da importância, no âmbito tributário administrativo, dos atos
tidos como ilícitos e até onde esses atos serão realmente imorais e ilegais.
2.4.4 Princípio da Capacidade Contributiva
2.4.4.1 Histórico
José Maurício Conti, no livro Princípios Tributários da Capacidade e da
Progressividade, discorre de forma clara sobre a origem histórica do princípio da
capacidade contributiva:
Referências a este princípio são encontradas até mesmo na antiguidade clássica, existindo registro, em Atenas, de um imposto direto exigido nos tempos de Sólon, que previa a existência de quatro categorias, conforme a fortuna do contribuinte. [...] Roma também conheceu uma forma de tributação, denominada de Soberbo, que tomava por base a fortuna de cada contribuinte. Na Idade Média, com evolução do pensamento filosófico, surgiu uma orientação de Santo Tomás de Aquino no sentido de que cada um deveria pagar os tributos secundum facultatem ou secundum equalitem proportionis; distinguia este teólogo a existência de impostos justos e impostos injustos, conforme obedecessem ou não a este critério. (1997, p.37).
Conti menciona os autores Montesquieu e Bentham, lembrando que por
volta do século XVIII esses autores desenvolveram “a idéia de que o imposto deve
poupar os recursos dos indivíduos de restrita capacidade econômica.” (1997, p. 37).
O autor não deixou de lembrar Adam Smith, na obra A Riqueza das Nações: “os
súditos de cada Estado devem contribuir o máximo possível para a manutenção do
Governo, em proporção às suas respectivas capacidades.” (1997, p.37).
Em 1789, durante a Revolução Francesa, foi criada a Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão, na qual há referência histórica ao princípio da
capacidade contributiva, no artigo 13: “Para a manutenção do poder público e para o
custeio da administração é absolutamente necessário uma contribuição de todos.
Essa contribuição deve ser igualmente repartida entre todos os cidadãos do Estado
na proporção do seu patrimônio.”
No direito brasileiro, houve menção ao princípio da capacidade contributiva
na Constituição de 1824, no artigo 179, §15, que dispõe: “ninguém será isento de
contribuir para as despesas do Estado em proporção de seus haveres.”
21
O princípio veio expresso pela primeira vez no artigo 202 da Constituição de
1946. O texto desse artigo previa que “os tributos terão caráter pessoal, sempre que
isso for possível, e serão graduados conforme a capacidade econômica do
contribuinte”.
Hugo de Brito Machado informa que “o princípio da capacidade contributiva
estava expresso no art. 202, da Constituição de 1946, que foi revogado pelo art. 25
da Emenda Constitucional nº 18, de 1965. Não figurou na Constituição de 1967, nem
na Emenda nº 1, de 1969.” (2001, p. 82).
Ressurge vigorosamente, trazendo inúmeras discussões doutrinárias, na
Constituição de 1988, artigo 145, § 1º:
Art. 145 - A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: [...] § 1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.
2.4.4.2 Conceito
Entende-se que através do princípio da capacidade contributiva o Estado, ao
exigir o pagamento dos tributos para as despesas públicas, deve analisar a
capacidade econômica de cada indivíduo para contribuir, de maneira que ele, o
Estado, nada pode exigir daquele que só tem o indispensável para a própria
sobrevivência.
Sacha Calmon Navarro Coelho explica que há duas formas de analisar a
capacidade econômica, e expõe que “é subjetiva, quando leva em conta a pessoa
(capacidade econômica real). É objetiva, quando toma em consideração
manifestações objetivas da pessoa (ter casa, carro do ano, sítio numa área
valorizada etc.).” (2006, p. 84).
Na concepção de José Maurício Conti, a expressão capacidade contributiva
pode ser analisada sob dois ângulos: o estrutural e o funcional. O aspecto estrutural
“é uma aptidão para suportar o ônus tributário, a capacidade de arcar com a
despesa decorrente do pagamento de determinado tributo.” (1997, p. 33).
Sobre o aspecto funcional, escreve Conti:
22
é aquele pelo qual vê-se a capacidade contributiva como critério destinado a diferenciar as pessoas, de modo a fazer com que se possa identificar quem são os iguais, sob o aspecto do Direito Tributário, e quem são os desiguais, e em que medida e montante se desigualam, a fim de que se possa aplicar o princípio da igualdade com o justo tratamento a cada um deles. (1997, p. 33).
O princípio da capacidade contributiva para Roque Antonio Carrazza é:
A capacidade contributiva à qual alude a Constituição e que a pessoa política é obrigada a levar em conta ao criar, legislativamente, os impostos de sua competência é objetiva, e não subjetiva. É objetiva porque se refere não às condições econômicas reais de cada contribuinte, individualmente considerado, mas às suas manifestações objetivas de riqueza (ter um imóvel, possuir um automóvel, ser proprietário de jóias ou obras de arte, operar em Bolsa, praticar operações mercantis etc). (2005, p.84).
Conforme Luciano Amaro:
O princípio da capacidade contributiva inspira-se na ordem natural das coisas: onde não houver riqueza é inútil instituir imposto, do mesmo modo que em terra seca não adianta abrir poço à busca de água. Porém, na formulação jurídica do princípio, não se quer apenas preservar a eficácia da lei de incidência (no sentido de que esta caia no vazio, por falta de riqueza que suporte o imposto); além disso, quer-se preservar o contribuinte, buscando evitar que uma tributação excessiva (inadequada à sua capacidade contributiva) comprometa os seus meios de subsistência, ou o livre exercício de sua profissão, ou a livre exploração de sua empresa, ou o exercício de outros direitos fundamentais, já que tudo isso relativiza sua capacidade econômica. Como registram Geraldo Ataliba e Cléber Giardino, a capacidade econômica corresponde à “real possibilidade de diminuir-se patrimonialmente, sem destruir-se e sem perder a possibilidade de persistir gerando a riqueza de lastro a tributação”. (2007, p.138).
Através da capacidade contributiva busca-se a justiça na distribuição da
carga tributária imposta pelo Estado ao contribuinte. O contribuinte tem o dever, e
por isso é uma ação coercitiva, de pagar seus tributos dentro da sua capacidade
econômica objetiva.
Para o italiano Griziotti, citado por Rubens Gomes de Sousa no seu
Compêndio de Legislação Tributária, a capacidade contributiva é um conceito
tipicamente econômico de pagar tributos sendo “a soma de riqueza disponível
depois de satisfeitas as necessidades elementares da existência, riqueza essa que
pode ser absorvida pelo Estado sem reduzir o padrão de vida do contribuinte e sem
prejudicar as suas atividades econômicas.” (1975, p. 95).
Os pensamentos doutrinários de Griziotti, muito bem lembrados por Rubens
Gomes, somam-se ao pensamento de Alfredo Augusto Becker. Segundo Becker o
23
princípio da capacidade contributiva é “sinônimo de Justiça Tributária.” (1972, p.
447).
O professor paulista Kiyoshi Harada leciona sobre o assunto:
O referido princípio baseia-se na crença de que a justiça fiscal repousa na personalização e na graduação do imposto dentro do limite justo para milhões de contribuintes díspares, sob o ponto de vista socioeconômico, constituirá um desafio permanente à imaginação do legislador. (2006, p. 210).
Após as pontuações trazidas acerca do princípio da capacidade contributiva,
faz-se necessário discorrer sobre o princípio do non olet, para melhor compreensão
deste trabalho.
2.4.4.3 Capacidade econômica e capacidade contributiva
Importante, nesta parte do nosso estudo, distinguirmos brevemente as
expressões capacidade econômica e capacidade contributiva.
Para Kiyoshi Harada capacidade contributiva e capacidade econômica não
se confundem, “embora ambas as expressões impliquem densidade econômica
capaz de suportar imposição fiscal.” (2006, p. 240).
Capacidade econômica, em sentido simples, é o poder de aquisição que o
indivíduo possui. É a capacidade econômica ou a possibilidade que cada um tem de
usufruir do seu dinheiro, ou seja, da sua capacidade econômica, como melhor lhe
aprouver.
Kiyoshi Harada conceitua a capacidade contributiva como:
Capacidade contributiva é aquela capacidade econômica relacionada com a imposição parcial ou total. É a capacidade econômica da pessoa enquanto sujeito passivo da relação jurídico-tributária. [...] Em direito tributário interessa apenas a capacidade contributiva, pois tributação não é outra coisa senão a retirada compulsória, pelo Estado, da parcela de riqueza do particular. (2006, p. 240).
No estudo em questão observaremos a capacidade econômica como a
capacidade contributiva que possui o indivíduo em adimplir a relação jurídica e
tributária através do pagamento de tributos.
24
2.4.5 Princípio do Non Olet
A origem do princípio do non olet pode ser vista na história do Imperador
romano Vespasiano, que em razão das críticas feitas por seu filho Tito, incomodado
pelo pai cobrar tributos daqueles que se utilizavam dos mictórios públicos, defendeu-
se dizendo que o dinheiro “não cheira”.
Para Luciano Amaro “uma justificativa ‘moral’ para a tributação dos atos
ilícitos está em que não se pode dar a quem os pratica um tratamento menos
gravoso do que o conferido aos que agem licitamente.” (2007, p. 276).
Surge daí a noção de que a receita pública proveniente da tributação não
seria revestida pela imoralidade ou ilegalidade da conduta atingida pelo Fisco.
Vejamos o pensamento moderno e dinâmico do professor Ricardo Lobo
Torres sobre o princípio do non olet:
Significa, modernamente, que o tributo deve incidir também sobre as atividades ilícitas ou imorais. É principio de justiça cobrar o imposto de quem tem capacidade contributiva, ainda que proveniente do jogo, do lenocínio ou de outra atividade proibida, sob pena de se tratar preferencialmente os autores dos ilícitos frente aos trabalhadores e demais contribuintes com fontes honestas de rendimentos. (2002, p.91).
Além disso, verifica-se que o princípio do non olet remete-se ao princípio da
isonomia tributária. Novamente, citamos Ricardo Lobo Torres, que nos esclarece:
Se o cidadão pratica atividades ilícitas com consistência econômica, deve pagar o tributo sobre o lucro obtido, para não ser agraciado com o tratamento desigual frente às pessoas que sofrem a incidência tributária sobre os ganhos provenientes do trabalho honesto ou da propriedade legítima. (2005, p. 372).
Defendido pela maior parte da doutrina brasileira, o princípio do non olet é
admitido na legislação como intimamente ligado ao princípio da capacidade
contributiva.
3. HIPÓTESE DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA
3.1. CONCEITO
Para que haja melhor compreensão e entendimento do estudo que segue,
primeiramente faremos uma análise conceitual das palavras hipótese e incidência,
para posteriormente definirmos o termo hipótese de incidência tributária.
25
Importante mencionar, brevemente, que a estrutura da norma jurídico
tributária é composta pela hipótese (descritor) e pela consequência2 (prescritor).
Entretanto, focaremos nossas discussões apenas na hipótese, em razão da
consequência ultrapassar os limites deste estudo.
O significado do vocábulo hipótese e suas diferentes acepções oferecidas
pelo dicionário da Língua Portuguesa, como o Dicionário Aurélio, define hipótese
como sendo um acontecimento incerto, uma eventualidade. De Plácido e Silva, em
seu Vocabulário Jurídico escreve que hipótese é:
É o vocábulo correntemente empregado na linguagem jurídica, alem do sentido filosófico em que deve ser tido, com a significação da situação, caso, circunstância ou contingência. Hipótese. Já noutro sentido, que é aquele em que propriamente deve ser tido, entende-se a suposição tida como verdadeira a respeito de certo fato ou princípio, a fim de que dela se tirem conclusões, se expliquem certos fenômenos, ou se mostrem certos efeitos. (2004, p. 682).
Esclarece-se, portanto, que hipótese é uma descrição de determinado fato
que possa ou não acontecer. Enfim, é uma suposição que pode ou não se
concretizar no mundo real. Conclui-se que o vocábulo hipótese não quer dizer algo
concreto, firme, mas sim um fato que possa vir a acontecer numa determinada
circunstância ou eventualidade.
O vocábulo incidência nasce do verbo incidir, que quer dizer refletir-se,
incorrer. No Direito é um fato que incute no contribuinte um dever, com, por
exemplo, o de pagar.
Novamente menciona-se De Plácido e Silva, em razão da pluralidade de
significados que ele, coerentemente, observa a respeito do vocábulo em questão:
INCIDÊNCIA [grifo do autor]: Derivado de incidir, do latim incidire (cair sobre), exprime ação e efeito de incluir, isto é, de cair ou ir sobre ou contra qualquer coisa. Mostra, deste modo, o toque de uma coisa em outra, em virtude do que esta segunda coisa, sentindo o toque ou o efeito dele, é ferida ou afetada. Daí por que, em certos casos, traz consigo o significado de afetação ou gravação, quando esta se entende a ação que recai sobre uma coisa, para lhe modificar o aspecto ou para sentir o encargo ou ônus dirigido contra ela. Assim, também mostra a significação de ocorrência ou superveniência de fato, que a outro sucede. O primeiro será a causa, o segundo o efeito [...] (2004, p. 724).
2 A consequência (prescritor) é parte da norma que prescreve o que deve acontecer quando se verifica a ocorrência da hipótese. Ela é composta pelo critério pessoal, que identifica os sujeitos ativo e passivo da relação jurídica e também pelo critério quantitativo, que institui a base de cálculo e a alíquota sobre os tributos instituídos.
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Partiremos agora, após analisado cada vocábulo separadamente, a análise
do termo hipótese de incidência tributária, o que será de suma importância para o
bom entendimento deste trabalho.
3.1.1 Hipótese de Incidência
A hipótese de incidência, importante termo utilizado no Direito Tributário, é
discutida pela unanimidade dos doutrinadores e está presente no texto normativo,
razão precípua para o seu estudo.
De Plácido e Silva observa a incidência na relação tributária discorrendo que
“Na terminologia fiscal, a incidência quer significar o alcance ou chegada efetiva do
imposto sobre a pessoa que o deve pagar ou contribuir com o encargo que lhe é
atribuído.” (2004, p. 724).
Entende-se por hipótese de incidência a descrição legislativa de um fato, um
acontecimento no caso concreto, incorrendo daí o nascimento da obrigação
tributária. Entretanto, nem sempre a hipótese de incidência vem expressa no texto
legislativo, muitas vezes a forma é implícita.
Segundo Geraldo Ataliba a hipótese de incidência, conceitualmente, é:
A h. i. é primeiramente a descrição legal de um fato: é a formulação hipotética, prévia e genérica, contida na lei, de um fato (é o espelho do fato, a imagem conceitual de um fato; é seu desenho). É, portanto, mero conceito, necessariamente abstrato. É formulado pelo legislador fazendo abstração de qualquer fato concreto. Por isso é mera “previsão legal” (a lei é, por definição, abstrata, impessoal e geral). (2003, p. 58).
Em decorrência do exposto, a doutrina dispõe que a hipótese de incidência
é o núcleo do tributo, pois com ela nascerá a obrigação tributária.
3.1.2. Os critérios da hipótese de incidência
Primeiramente, cabe informar que encontraremos na doutrina duas formas
de utilização do tema em questão. Além de “critérios da hipótese de incidência”
também existe o termo “aspecto da hipótese de incidência”, utilizado por Geraldo
Ataliba. Todavia, neste trabalho utilizaremos a denominação de Paulo de Barros
Carvalho, que opta por “critérios da hipótese de incidência”.
O legislador denomina diversos fatos que desenvolverão efeitos jurídicos ao
se criar uma lei. No enunciado normativo haverá, hipoteticamente, ao menos três
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critérios identificadores do fato jurídico. Vamos nos ater a observar os seguintes
critérios: material, espacial e temporal.
3.1.2.1 Critério Material
O critério material é o mais complexo da hipótese de incidência, havendo
nele referências a um comportamento de pessoas, físicas ou jurídicas, atreladas por
circunstâncias de espaço e tempo (critério espacial e critério temporal). Esse critério
dá consistência à hipótese de incidência, representando a imagem abstrata de um
fato jurídico.
Para clarear o entendimento sobre o critério material, faz-se menção ao
exemplo de Paulo de Barros Carvalho em relação à propriedade imobiliária:
“Hipótese: 1) critério material – ser (verbo) proprietário de bem imóvel (complemento
predicativo)”. No entanto, o autor complementa analisando outro aspecto atrelado ao
critério material, que é o “2) critério espacial – no perímetro urbano do Município; 3)
critério temporal – computado o acontecimento no dia 1º de janeiro do ano civil.”
(2009, p. 113).
Ficou demonstrado, pelo exemplo acima, que o critério material deve ser
analisado no todo, ou seja, observando os outros critérios. No entanto, não é regra
que sempre o critério material estará junto às circunstâncias de tempo e espaço.
3.1.2.2 Critério Espacial
Designa-se critério espacial, de forma simples, a indicação de circunstâncias
de lugar no qual ocorrerá o que a lei determina, podendo ser explícita ou implícita na
hipótese de incidência, mas relevantes para configurar a obrigação tributária.
Geraldo Ataliba descreve a importância do critério espacial para a
configuração da obrigação tributária, vejamos:
Um determinado fato, ainda que revista todos os caracteres previstos na h.i., se não se der em lugar nela previsto implícita ou – o que é raro e em geral dispensável – explicitamente, não será fato imponível. Vale dizer: não determinará o nascimento de nenhuma obrigação tributária. Será um fato juridicamente relevante. (2003, p. 104).
O professor Paulo de Barros Carvalho delineia três formas de compor o
critério espacial, que se faz necessário citar em razão da importância do
entendimento exposto:
28
Acreditamos que os elementos indicadores da condição de espaço, nos supostos das normas tributárias, hão de guardar uma dessas três formas compositivas, diretriz que nos conduz a classificar o gênero tributo na conformidade do grau de elaboração do critério espacial da respectiva hipótese tributária: a) hipótese cujo critério espacial faz menção a determinado local para a ocorrência do fato típico; b) hipótese em que o critério espacial alude a áreas específicas, de tal sorte que o acontecimento apenas ocorrerá se dentro delas estiver geograficamente contido; c) hipótese de critério espacial bem genérico, onde todo e qualquer fato, que suceda sob o manto da vigência territorial da lei instituidora, estará apto a desencadear seus efeitos peculiares. (1999, p. 255).
Resta demonstrado que o critério espacial na hipótese de incidência é
importante para delimitar a aplicação da lei e requerer que a obrigação tributária seja
cumprida.
3.1.2.3 Critério Temporal
As circunstâncias de tempo são importantes para configurar os fatos
imponíveis e o nascimento da obrigação tributária. O critério temporal é determinado
pelo legislador que discricionariamente indica ocorrido o fato imponível.
Ocorre que se o legislador omitir o critério temporal da hipótese de
incidência, explica Geraldo Ataliba que “estará implicitamente dispondo que o
momento a ser considerado é aquele em que o fato material descrito ocorre
(acontece).” (2003, p. 95).
Há ainda que se lembrar que ao legislador foi imposto um limite para a sua
discricionariedade na fixação do critério material, mais uma vez Geraldo Ataliba nos
ensina:
Há um limite constitucional intransponível à discrição do legislador, na fixação do aspecto temporal: não pode ser anterior à consumação (completo acontecimento) do fato. Isto violaria o principio da irretroatividade da lei (art. 150, III, “a”). Daí a inconstitucionalidade das antecipações de tributos (alguma vezes camufladas sob a capa da substituição tributária). (2003, p. 95).
Compreende-se que o critério material revela o marco temporal em que se
dá o fato imponível, informando, aos sujeitos da relação, a existência de obrigações
e de direitos.
29
3.1.3 Fato Imponível
Todo tributo, em razão do princípio da legalidade, é criado através de lei. No
texto legislativo está a descrição hipotética de um acontecimento que é a hipótese
de incidência, como anteriormente disposto. Os fatos que emanam do mundo
hipotético para o mundo real são chamados de concretos, ou melhor, é o próprio fato
imponível.
Entende-se que o fato imponível é aquilo que podemos ver, é real e
corresponde a concretização temporal e espacial do que a lei descreve
abstratamente.
Após caracterizado o fato imponível, surge a obrigação tributária. Geraldo
Ataliba assim conceitua:
O fato imponível é, pois, um fato jurígeno (fato juridicamente relevante) a que a lei atribui a consequência de determinar o surgimento da obrigação tributária concreta. Em termos kelsenianos: é um suposto a que a lei imputa a consequência do vínculo obrigacional tributário. Para um fato (estado de fato, situação) seja reputado fato imponível, deve corresponder integralmente às características previstas abstrata e hipoteticamente na lei (h.i.). (2003, p. 68).
Dino Jarach analisa, de forma bastante precisa, a relação jurídica do fato
imponível:
A obrigação tributária em geral, do ponto de vista jurídico, é uma relação jurídica ex lege, em virtude da qual uma pessoa (sujeito passivo, principal, contribuinte ou responsável) está obrigada a realizar ao Estado ou outra entidade pública o pagamento de uma soma em dinheiro, enquanto se verifique o pressuposto de fato determinado pela lei. Por vontade da lei a obrigação do contribuinte e da pretensão correlativa do fisco se fazem depender da ocorrência de um fato jurídico, o denominado pressuposto legal do tributo, o fato imponível. (1989, p. 87).
Concluindo, para analisar se um tributo é ou não devido, temos que observar
o que a hipótese de incidência dispõe. Após essa análise, verifica-se o caso
concreto e ocorrendo o fato imponível, nasce a obrigação tributária e o dever de
pagá-la.
30
4. ILICITUDE
4.1 ASPECTOS CONCEITUAIS
Antes de adentrarmos a discussão sobre os atos ilícitos na esfera tributária, é
necessário verificar os significados dos vocábulos ilícito e ilicitude.
O vocábulo ilícito tem sua origem do latim, illicitus, que quer dizer proibido,
vedado por lei. Vejamos qual é o conceito trazido por De Plácido e Silva, para o
vocábulo ilícito:
Ilícito, pois, vem qualificar, em matéria jurídica, todo fato ou ato que importe numa violação ao direito ou em dano causado a outrem, provenha do dolo ou se funde na culpa. Ação ou omissão, a ilicitude (qualidade de ilícito), em regra, resulta violação a princípio de lei, expresso ou tacitamente instituído. [...] O ilícito penal, que se mostra a prática de ato vedado em lei ou omissão de fato não permitido, constitui o delito propriamente dito, sujeitando a pessoa a duas sanções diferentes: a penal, consistente na repressão e conseqüente punição da ilicitude, e a civil, decorrente da indenização a que se sujeita, para reintegração da ofensa material causada ao patrimônio da vítima. Ilícito penal equivale a crime ou delito. [...] (2004, p. 698).
A ilicitude, por sua vez, pode ser vista como uma característica de um ato,
em razão de ser contrário à lei, seja por violar a norma ou os princípios
estabelecidos pelo ordenamento. Nesse sentido, a explicação de De Plácido sobre a
ilicitude: “exprime a qualidade ou o caráter do que é ilícito, isto é, contrário à lei ou
ao Direito.” (2004, p. 699).
Para definir-se em qual esfera do Direito o ilícito ocorre, se na civil, na penal
ou, no caso em questão, na esfera tributária, observa-se a norma sancionadora da
conduta ilícita: se a sanção tem natureza civil, estamos diante de um ilícito civil, a
sanção penal cabe aos atos ilícitos penais e assim por diante. Em cada uma dessas
esferas de atuação do poder estatal haverá uma sanção diferente, que tocará o
indivíduo ou seu patrimônio, de acordo com o bem jurídico tutelado pelo direito.
Como diz Hélio Bastos Tornaghi:
Não há entre o delito civil e o delito penal nenhuma diferença intrínseca. A única divergência entre um e outro está exatamente na pena. No direito privado restabelece-se o equilíbrio jurídico, violado pelo ato ilícito, com a reparação do dano; no Direito penal, em teoria pelo menos, com a execução da pena. (1956, p. 125).
31
4.1.1 Infração e Sanção
A infração é a violação da norma constante no ordenamento jurídico ou do
acordo de vontades definido entre as partes. Quando o sujeito ativo não observa
uma norma ou descumpre cláusula contratual, a ele é imposta uma penalidade
prevista em lei.
A penalidade prevista em lei é denominada de sanção e decorre de uma
infração. A sanção funciona como forma de desestimular a violação de normas de
conduta bem como reparar o dano causado pelo infrator.
As sanções podem ser classificadas, segundo Ricardo Lobo Torres, em não
pecuniárias ou pecuniárias. As primeiras são determinadas pela privação de
liberdade, privação de direitos e perdimento de bens. Já as sanções pecuniárias,
são as multas fixas, multas proporcionais e acréscimos moratórios. (2002, p. 298 e
299).
4.2 O ILÍCITO CIVIL
Os atos ilícitos no Direito Civil estão dispostos no Livro III, Dos Fatos
Jurídicos, Título III, nos artigos 186, 187 e 188 do Código Civil.
O civilista Caio Mario da Silva Pereira conceituou o ilícito, na esfera civil, da
seguinte forma:
O indivíduo, na sua conduta anti-social, pode agir intencionalmente ou não; pode ser apenas descuidado ou imprudente. Não importa. A iliceidade de conduta está no procedimento contrário a um dever preexistente. Sempre que alguém falta ao dever a que é adstrito, comete um ilícito, e como os deveres, qualquer que seja a sua causa imediata, na realidade são sempre impostos pelos preceitos jurídicos, o ato ilícito importa na violação do ordenamento jurídico. Comete-o comissivamente quando orienta sua ação num determinado sentido, que é contraveniente à lei; pratica-o por omissão, quando se abstém de atuar, se devera fazê-lo, e na sua inércia transgride um dever predeterminado. Procede por negligência se deixa de tomar os cuidados necessários a evitar um dano; age por imprudência ao abandonar as cautelas normais que deveria observar; atua por imperícia quando descumpre as regras a serem observadas na disciplina de qualquer arte ou ofício. (2006, p. 654).
O ilícito civil pressupõe a ocorrência de um dano, conforme se observa na
dicção do art. 186 do Código Civil: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária,
negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que
exclusivamente moral, comete ato ilícito”.
32
As normas do direito civil impõem uma espécie de dever de não causar dano
a outros, sob pena de repará-lo.
O ilícito civil pode ser praticado com ou sem culpa. Sílvio de Salvo Venosa
ensina que “quando o agente pratica o dano com culpa, isto é, quando o seu ato é
decorrente de imprudência, negligência ou imperícia, e decorre daí um dano,
também estaremos no campo do ilícito civil.” (2007, p. 316).
Conclui o doutrinador que “só há interesse em conhecer um ato ilícito, para
tal conceituado como ilícito civil, quando há dano ocasionado a alguém e este é
indenizável [...]” (2007, p.316).
Pois bem, conclui-se que ocorrendo o ilícito civil nasce a obrigação de
reparar o dano.
4.3 O ILÍCITO PENAL
O ilícito penal ocorre quando se verifica no mundo real a prática de uma
conduta descrita pela norma penal. A essa descrição de ações e omissões
cometidas pelo indivíduo dá-se o nome de tipificação. A própria conduta típica é
transgressora da norma, pois, eivada de ilicitude.
Para Guilherme de Souza Nucci o conceito de ilicitude leva em conta dois
aspectos:
A contrariedade de uma conduta com o direito, causando efetiva lesão a um bem jurídico protegido. Trata-se de um prisma que leva em consideração o aspecto formal da antijuridicidade (contrariedade da conduta com o Direito), bem como o seu lado material (causando lesão a um bem jurídico tutelado). (2007, p. 238).
Damásio Evangelista de Jesus explica que a antijuridicidade nada mais é
que “a relação de contrariedade entre o fato típico e o ordenamento jurídico.” (1998,
p. 153).
Ao praticar uma conduta tipificada o indivíduo comete um ilícito penal e fica
sujeito às sanções penais. Tais sanções são mais severas que as do direito civil
porque bens atingidos são tidos como mais importantes, como a vida, a liberdade
sexual, a fé pública.
33
4.4 O ILÍCITO TRIBUTÁRIO
O ilícito tributário consiste na violação ou inobservância, total ou parcial, de
uma norma tributária, independentemente da sua natureza.
Ensina Hugo de Brito Machado que o “ilícito tributário diz-se de conteúdo
patrimonial quando implica o não pagamento, total ou parcial, do tributo. Sem
conteúdo patrimonial é o ilícito consistente no adimplemento de simples obrigação
acessória.” (2003, p. 452).
As normas de Direito Tributário poderão ser objeto de violação, pois
determinam deveres que não podem ser ignorados pelo indivíduo. Qualquer atitude
oposta a um comando tributário, como deixar de pagar um imposto, ostentará
ilicitude, pois será contrária à norma. Essa ilicitude, porém, terá efeitos diversos
daqueles provocados pela ilicitude civil ou penal, em razão das sanções aplicadas.
A fim de observar como a ilicitude pode ocorrer no plano tributário, observa-
se o sujeito passivo do vínculo jurídico que não cumpre com o pagamento do tributo.
O Estado, ao se deparar com a ausência do pagamento do tributo, exige o
cumprimento da prestação que não foi realizada pontualmente, entretanto,
acrescenta a ela juros de mora e multa referentes ao período de tempo transcorrido
entre a data em que o imposto deveria ter sido pago e a data em que realmente
tenha acontecido o pagamento ao Estado, sendo essa a sanção à ilicitude.
Paulo de Barros Carvalho escreve sobre as infrações e sanções tributárias:
No terreno do estudo das infrações e sanções também é utilíssimo o esquema metodológico da regra-matriz, permitindo uma análise minuciosa do suposto, que traz a descrição hipotética do fato ilícito ou infração, e bem assim do conseqüente, que nos leva à prescrição dos elementos que compõem o nexo sancionatório. Tudo o que dissemos sobre os critérios da hipótese tributária vale para o antecedente da norma sancionatória, que tem o seu critério material – uma conduta infringente de dever jurídico –, um critério espacial – a conduta há de ocorrer em certo lugar – e um critério temporal – o instante em que se considera acontecido o ilícito. Na conseqüência, depararemos com um critério pessoal – o sujeito ativo será aquele investido do direito subjetivo de exigir a multa e o sujeito passivo o que deve pagá-la – e um critério quantitativo – a base de cálculo da sanção pecuniária e percentagem sobre ela aplicada. (1999, p. 466).
Para Paulo de Barros é necessário analisar todo o contexto no qual a
sanção ocorreu, observando os critérios material, espacial, temporal, pessoal e
quantitativo.
34
4.4.1 Exemplos de ilícito tributário
O ilícito tributário pode ser configurado através de três espécies de infração:
a infração tributária, a infração tributária penal e a infração penal. Ruy Barbosa
Nogueira exemplifique cada uma das três espécies citadas, a saber:
1º) Um contribuinte do IPI classifica erroneamente seu produto numa posição da tabela, dá saída ao produto, escriturando a operação e recolhendo o imposto. A fiscalização verifica que houve erro de classificação. Instaura procedimento administrativo e afinal, apurada diferença de imposto, esta é exigida com multa. Trata-se de uma infração puramente tributária, com sanção administrativa fiscal. Corre somente um procedimento administrativo e a questão poderá ir ao Judiciário cível para discussão definitiva. 2º) Outro contribuinte do IPI falsifica uma guia de recolhimento. Perante a lei tributária administrativa ficará sujeito a um procedimento administrativo com a obrigação de indenizar o imposto não pago e a multa administrativa, sem prejuízo da ação penal porque também incidiu no CP, em razão da falsificação. Neste caso estamos em face de um ilícito penal que constitui cumulativamente infração fiscal e crime. Além do procedimento administrativo, cuja questão poderá ir ao Juízo cível para discussão ou cobrança executiva do crédito, correrá um processo judicial para imposição da pena judiciária. 3º) Um funcionário consciente de que um imposto é indevido exige seu pagamento. O CP configura esse ato como crime (art. 316, § 1º, na redação da Lei n. 8.137/90). Neste caso, o ilícito tributário constitui crime só punível pelo CP, não incidindo em lei tributária. Só haverá um processo judiciário criminal. Poderá haver um processo administrativo com relação à situação funcional do agente, mas não processo tributário. (1995, p. 192 e 193).
Através dos exemplos trazidos pode-se observar como o ilícito tributário é
delimitado no âmbito administrativo e judicial e, também, diferenciá-lo dos atos
ilícitos civil e penal.
5. A POSSIBILIDADE DA TRIBUTAÇÃO DOS RENDIMENTOS ADVINDOS DOS
ATOS ILÍCITOS
Constatamos que a maioria da doutrina entende que a “tributação dos atos
ilícitos” equivale à “tributação dos resultados econômicos obtidos com a prática de
atos ilícitos” e muitas vezes, em um mesmo texto, deparamo-nos com a utilização
dos dois termos no mesmo sentido. Entretanto, entendemos que o que se tributa
efetivamente é o resultado econômico auferido com a conduta, ou seja, a renda e
não o ato ilícito propriamente dito.
A finalidade do tributo é recolher recursos para os cofres do Estado e
levantar renda, a fim de custear os gastos no qual incorre para satisfazer as
necessidades da coletividade.
35
A tributação dos resultados econômicos obtidos através de atividades ilícitas
encontra respaldo em alguns artigos da Constituição Federal de 1988 e também
pela aplicação dos princípios da legalidade, da isonomia tributária, da capacidade
contributiva, da moralidade e do non olet.
O Código Tributário Nacional conceitua tributo no seu artigo 3º e dispõe que
é “toda prestação pecuniária compulsória, em moeda, ou cujo valor nela se possa
exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituído em lei e cobrado mediante
atividade administrativa plenamente vinculada”.
Alfredo Augusto Becker faz uma completa definição de tributo:
Realizando-se a hipótese de incidência sobre ela incide, automaticamente, a regra jurídica. A relação jurídica é uma conseqüência (efeito jurídico) daquela incidência da regra jurídica sobre a sua respectiva hipótese de incidência realizada. A regra jurídica especificamente tributária é a que, incidindo sobre fato lícito, irradia relação jurídica em cujo pólo negativo situa-se, na posição de sujeito passivo, uma pessoa qualquer e em cujo pólo positivo, situa-se, na posição de sujeito ativo, um órgão estatal de função executiva e com personalidade jurídica. A relação jurídica tributária (como, aliás, qualquer outra relação jurídica) vincula o sujeito passivo ao sujeito ativo, impondo ao sujeito passivo o dever de efetuar uma predeterminada prestação e atribuindo ao sujeito ativo o direito de obter a prestação. O tributo é o objeto daquela prestação que satisfaz aquele dever. (1972, p. 237).
Tributo, no entendimento de Luciano Amaro é “a prestação pecuniária não
sancionatória de ato ilícito, instituída em lei e devida ao Estado ou a entidades não
estatais de fins de interesse público.” (2007, p. 25).
Pois bem, como disposto no artigo supracitado e na doutrina representada
por Becker e Amaro, o tributo não pode constituir sanção de ato ilícito, porque
nenhum tributo pode ser considerado como uma penalidade ou infração. As
penalidades incidem sobre atos ilícitos, enquanto os tributos incidem apenas sobre
atos e fatos lícitos.
Partiremos em nossa discussão das ideias de Rubens Gomes de Sousa,
que, certamente, no provável primeiro Curso de Direito Tributário brasileiro,
publicado originalmente em 1952, focou os seus estudos em diversos princípios,
sendo o principal a independência da tributação diante da licitude ou nulidade dos
atos e negócios jurídicos que produzam efeitos econômicos. Assim, deixou-nos o
seguinte ensinamento acerca do tema:
36
E) – Finalmente, a circunstância de um ato, contrato ou negócio ser juridicamente nulo, ou mesmo ilícito, não impede que seja tributado, desde que tenha produzido efeitos econômicos. Este ponto não tem sido bem compreendido pela jurisprudência, que parece adotar a idéia errônea de que o fato de o Estado tributar os resultados de uma atividade ilícita, ilegal ou proibida importaria em legalizá-la, ou significaria que o próprio Estado estaria tirando vantagem ilícita da referida atividade: é o caso, p. ex., do acórdão do TRF decidindo que os lucros do chamado “jogo do bicho” não incidem no imposto de renda (Rev. Fisc. 1951/980). Essa maneira de entender é inexata: a lei fiscal tributa uma determinada situação econômica, e, portanto, desde que esta se verifique, é devido o imposto, pouco importando as circunstâncias jurídicas em que se tenha verificado. (1975, p. 80).
Rubens Gomes de Sousa, em meados do século XX, defendeu a
interpretação econômica do fato imponível no Direito Tributário, ou seja, o
contribuinte que auferiu renda por atividades lícitas ou ilícitas, deve ser tributado
sobre a renda obtida.
Através dos ensinamentos de Rubens Gomes, observemos o princípio da
capacidade contributiva, albergado na Constituição Federal e no artigo 145, § 1º e
no Código Tributário Nacional, no artigo 126. A interpretação desses artigos traz a
possibilidade de tributar-se rendimentos que forem fruto de atividades ilícitas. Isso
acontece porque tal interpretação admite que a tributação recai sobre a renda obtida
com a prática vedada e não sobre a prática ilícita propriamente dita. Ademais, seria
injusto que o criminoso tivesse seu lucro imune e só o cidadão honesto fosse
onerado em razão de seu rendimento. Essa situação de desvantagem do indivíduo
honesto afrontaria diretamente princípios constitucionais, especialmente o da
isonomia.
Diante disso, atentemos às palavras do professor Daniel Zanetti Marques
Carneiro, em artigo publicado na Revista Dialética de Direito Tributário, intitulado
Imposto de Renda e Atividade Ilícitas: Panorama Atual e Perspectivas da Imposição
Fiscal. Vejamos:
[...] a rigor, um tributo jamais incidirá sobre uma atividade ilícita em razão de sua ilicitude pura e simplesmente, mas sim incidirá sobre essa atividade porque, na prática, ela contém ou expressa uma base econômica suscetível de incidência fiscal ou, conforme clássica definição, ela representa um fato signo presuntivo de riqueza [grifo nosso]. Todavia, o fato de tal ou qual atividade desenvolver-se num contexto permeado de ilicitude administrativa ou criminal não invalidada eventual tributação porventura cabível in casu segundo a legislação pertinente. E, não bastasse a inteligência do art. 3º do CTN, a intelecção do art. 118, I do mesmo codex evidencia a veracidade deste raciocínio. (2009, p. 20).
37
O que interessa entender é que a ilicitude não é elencada na lei tributária
como elemento de uma hipótese de incidência. Todavia, o fato imponível de um
tributo pode ocorrer no contexto da ilicitude, por exemplo, um médico que realiza
aborto ilegal mediante pagamento aufere renda através de um ilícito, porém
observa-se que o fato imponível não trata do ilícito em si, mas do resultado
econômico que dele é obtido.
Como anteriormente comentado, a ilicitude não ocorrerá sobre uma
imposição fiscal, mas sobre o fato imponível ocorrido que, em princípio, é lícito.
Sustenta-se através do Código Tributário Nacional, pelo artigo 118, o qual
dispõe sobre o fato gerador da obrigação tributária, que há possibilidade da
tributação dos atos ilícitos. Encontra-se amparo também no artigo 126 do mesmo
códex, o qual considera a capacidade econômica contributiva do contribuinte.
O professor Leandro Paulsen comenta sobre o disposto no artigo 118, I do
Código Tributário Nacional.
Jamais um ato ilícito estará descrito na norma como hipótese de incidência da obrigação tributária. Mas se algum fato ilícito implicar situação que, por si só, não seja ilícita e que esteja prevista como hipótese para a imposição tributária, a ilicitude circunstancial não terá qualquer relevância, não viciará a relação jurídica tributária. (2007, p. 873).
No mesmo sentido, Hugo de Brito Machado comenta o artigo 118, I e
escreve o seguinte em seus Comentários ao Código Tributário Nacional:
Temos sustentado, a partir da distinção entre fato gerador do tributo e hipótese de incidência tributária, que não é admissível um tributo cuja hipótese de incidência tenha a ilicitude como elemento essencial, mas é admissível a cobrança de um tributo incidente sobre fato que seja, em regra, lícito, praticado em circunstâncias que o fazem ilícito. Em outras palavras, não pode o legislador definir como hipótese de incidência de um tributo fato que seja, em si mesmo, ilícito. A definição da hipótese de incidência tributária não pode albergar a ilicitude, embora possa esta se fazer presente na concretização daquela hipótese. (2004, p. 390).
Grande parte da doutrina nacional, tanto a tradicional quanto a mais recente,
sustenta que seriam tributáveis os resultados econômicos auferidos pela prática de
atos ilícitos. A doutrina nacional que defende essa posição tem como um dos
argumentos que o Direito Tributário deve desconsiderar os argumentos de ilicitude
do ato praticado, fixando-se apenas nos efeitos econômicos obtidos.
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Amílcar de Araújo Falcão deixou clara a sua posição na colocação do tema
quando expõe que “uma série de equívocos, no Brasil de alhures, tem surgido em
matéria de tributação de atividades ilícitas, criminosas ou imorais, toda a
perplexidade provindo da não consideração da consistência econômica do fato
gerador.” (1974, p. 86).
Entende-se pela posição de Amílcar Falcão que o importante é verificar a
consistência econômica do indivíduo, ou seja, a existência de dinheiro em poder do
contribuinte. Assim, se uma atividade gerou renda, essa renda deve ser tributada,
independentemente de a atividade geradora do ganho ser lícita ou ilícita, pois ao
contrário estaria o Estado deixando de aplicar o princípio constitucional da
capacidade contributiva disposto no artigo 145, § 1º e inclusive não estaria agindo
conforme o que impõe o princípio da isonomia, disposto no artigo 150, II da
Constituição Federal.
O autor, historiando a discussão acerca do tema, conta:
Na Alemanha, antes da Primeira Grande Guerra Mundial, segundo o depoimento de Polland, eram comuns as decisões reputando ilegítimo fazer incidir impôsto sôbre bordéis, venda de imóveis para bordéis, juros de hipoteca que onerava imóvel explorado como casa de tolerância, exploração de jogos de azar, atividade de cartomancia etc.; a partir de 1918, entretanto, a jurisprudência, tanto quanto a doutrina, se manifestaram em sentido oposto. Na França, a tributação dos proventos da prostituição, por exemplo, ocorre, embora adote o fisco uma via indireta para atingi-lo. [...] No Brasil, a jurisprudência tem hesitado quanto à tributabilidade das atividades criminosas ou imorais, inclinando-se geralmente pela solução que se nos afigura lamentável, de considerar ilegítima a incidência de impôsto sôbre elas. (1974, p. 86).
Além disso, prosseguindo na análise da exposição de Amílcar Falcão, o
jurista sustenta que não tributar os resultados econômicos obtidos através dos atos
ilícitos “[...] do ponto de vista tributário, conduz, isto sim, à violação do princípio da
isonomia fiscal.” (1974, p. 90).
Partindo da observação feita por Falcão acerca da violação do princípio da
isonomia tributária, os resultados auferidos através dos atos ilícitos devem ser
tributados a fim de igualar todos aqueles que desenvolvam atividades que possam
implicar no pagamento de tributos. Deixar de tributar aqueles que lucram com
atividades ilegais é presenteá-los com a vantagem adicional da exoneração
tributária, não estendida aos que pagam tributos em razão dos resultados de
atividades lícitas.
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Importante analisar o artigo 118, do Código Tributário Nacional, e seus
incisos, que dispõe sobre o fato gerador da obrigação tributária. Pode-se interpretar
o artigo em comento partindo-se dos efeitos dos fatos efetivamente ocorridos,
inserindo-se os atos ilícitos dentre esses fatos através do disposto no inciso II do
artigo 118 do Código Tributário Nacional.
Pertinente citar novamente os ricos ensinamentos de Amílcar de Araújo
Falcão sobre a origem do dispositivo contido no artigo 118 do Código Tributário
Nacional:
Bem andou o Projeto de Código Tributário Nacional quando, inspirando-se no inciso 2º do § 5º da Steueranpassungsgesetz
3, registrou o princípio que se encontra em seu art. 82: “A circunstância dos negócios ou atos jurídicos celebrados ou praticados serem inexistentes, nulos ou anuláveis, ou terem objeto impossível, ilegal, ilícito ou imoral não exclui, modifica ou difere a tributação, desde que os seus resultados efetivos sejam idênticos aos normalmente decorrentes do estado de fato situação jurídica que constitua o fato gerador da obrigação tributária principal, observado, porém, o disposto no n. IV do ar. 130”. (1974, p. 91 e 92).
O Projeto de Código Tributário Nacional Brasileiro, inspirando-se na
legislação alemã, absorveu o princípio do non olet (não cheira) e o inseriu no artigo
118 e incisos.
Observa-se que o legislador preocupou-se, através do artigo 118 do Código
Tributário Nacional, em possibilitar a tributação das atividades ilícitas. O princípio do
non olet proporciona orientar a tributação dos atos ilícitos como se lícitos fossem, já
que para esse princípio o dinheiro advindo da atividade ilícita não cheira e em razão
disso não há motivo para que o tributo não seja recolhido.
Aliomar Baleeiro, no tema em discussão, vai mais a fundo e posiciona-se no
sentido ético e econômico da tributação dos atos ilícitos, vejamos:
Deve admitir-se, pensamos, a tributação de tais atividades eticamente condenáveis e condenadas. O que importa não é o aspecto moral, mas a capacidade econômica dos que com elas se locupletam. Do ponto de vista moral, parece-nos que é pior deixá-los imunes dos tributos exigidos das atividades lícitas, úteis e eticamente acolhidas. (2010, p. 715).
Afirma Baleeiro que se o autor do ilícito auferiu vantagens econômicas com
sua prática, tais vantagens devem ser tributadas. Baleeiro é o defensor da tributação
3 Steueranpassungsgesetz - norma alemã de adaptação tributária.
40
no sentido econômico, ou seja, através do princípio da capacidade contributiva do
contribuinte, pois se o contribuinte auferiu rendas, mesmo que em decorrência de
atividades ilícitas, essas devem ser tributadas.
O doutrinador, Luciano Amaro posiciona-se quanto à possibilidade da
tributação de alguns dos resultados econômicos obtidos através dos atos ilícitos.
Amaro sustenta sua posição através dos ensinamentos de Alfredo Augusto Becker,
quando questiona “pode-se ignorar a ilicitude que eventualmente se constate no
exame do fato concreto?”. Para Luciano Amaro a resposta a essa pergunta poderá
ser positiva, “dependendo da natureza ou das características dos fatos.” (2007, p.
276).
Luciano Amaro nos traz alguns exemplos acerca de seu posicionamento
sobre o tema:
Desde que a situação material corresponda ao tipo descrito na norma de incidência, o tributo incide. Assim, por exemplo, o exercício de profissão (para qual o indivíduo não esteja legalmente habilitado) não impede a incidência de tributo sobre a prestação do serviço ou sobre a renda auferida; não se tributa o descumprimento da norma legal que disciplina o exercício regular da profissão, mas o fato de executar o serviço, ou o fato da percepção da renda. O advogado impedido que, não obstante, advogue, ou o indivíduo inabilitado que, apesar disso, clinique como médico, não podem invocar tais circunstâncias para furtar-se ao pagamento dos tributos que incidam sobre suas atividades, ou sobre a renda que aufiram, a pretexto de que fato gerador não se aperfeiçoaria diante das irregularidades apontadas. Se o diretor de uma instituição financeira, legalmente proibido de tomar empréstimo da empresa que dirige, realizar a operação vedada, o imposto sobre operações de crédito incide, não obstante a ilicitude do negócio. Também a circunstância de o autor da herança ter sido assassinado (ato ilícito) não impede a realizado do fato gerador do imposto sobre a transmissão de bens (não obstante, por preceito da lei civil, se exclua da sucessão o assassino, caso tenha vocação hereditária: CC/2002, art. 1.814, I). (2007, p. 276 e 277).
Na mesma linha de Amaro, encontramos a doutrina de Hugo de Brito
Machado que, comentando o artigo 118, I, do Código Tributário Nacional, afirma que
a descrição do fato gerador deve, dentre outros, abstrair a licitude ou ilicitude daquilo
que é seu o objeto. Assim, Hugo de Brito acrescenta:
41
Se em uma situação de fato onde estão presentes cometimentos ilícitos existem elementos capazes de concretizar uma hipótese de incidência tributária, evidentemente tem-se como ocorrido o fato gerador do tributo. O tributo é devido e deve ser cobrado, porque naquela situação de fato estão presentes os elementos essenciais, vale dizer, todos os elementos necessários à configuração do fato gerador respectivo. O que naquela situação existe de ilícito poderia deixar de existir sem que se alterassem aqueles elementos que concretizam o fato gerador do tributo. Em outras palavras, a ilicitude naquela situação existente é apenas circunstancial. Poderia deixar de existir sem que se desfigurasse a situação em seus elementos necessários à concretização da hipótese de incidência tributária. (2004, p. 391).
Para uma melhor compreensão do pensamento de Hugo de Brito,
mencionaremos um exemplo ilustrado pelo doutrinador:
[...] Teria falsificado cartões de créditos e adquirido bens de valor significativo com uso dos cartões falsos. [...] Colocando-se de lado a questão da configuração, ou não, do crime, que comporta particularidades cujo exame não seria oportuno neste contexto, tem-se de admitir que realmente pode ter havido omissão ou descumprimento do dever de declarar, posto que a origem ilícita dos rendimentos não exclui esse dever. O fato gerador da obrigação tributária é a aquisição econômica ou jurídica da renda. Se ocorreu tal aquisição, é evidente que se consumou o fato gerador da obrigação tributária concernente ao Imposto de Renda, sendo irrelevante a circunstância de se tratar de uma aquisição ilícita. (2004, p. 398).
Permite-se concluir, pela posição defendida pelo autor, que os resultados
econômicos auferidos através da prática dos atos ilícitos são tributáveis, priorizando
com isso o instituto constitucional da capacidade econômica adquirida.
5.1 A DIFERENÇA ENTRE A TRIBUTAÇÃO DOS RESULTADOS ECONÔMICOS
OBTIDOS ATRAVÉS DOS ATOS ILÍCITOS E PODER DE CONFISCO NO DIREITO
PENAL
Erroneamente alguns doutrinadores comparam a tributação dos resultados
econômicos obtidos com a prática de atividades ilícitas com o poder de confisco no
Direito Penal, talvez em razão de ambos incidirem sobre os bens particulares do
contribuinte.
Temos que deixar demonstrado claramente que o que se tributa é o
resultado econômico que o contribuinte obtém com a prática do ilícito e não o crime
em si, ou seja, o ato ilícito. Tampouco o tributo nesse sentido é encarado como uma
sanção ou infração. Para o Direito Tributário não importa a origem ou quais
resquícios e sim o valor econômico para inserção do tributo pelo Fisco. Com isso, o
42
Direito Tributário busca através da isonomia a aplicação do tributo ao sujeito
passivo, observando a capacidade contributiva auferida pelo contribuinte.
O poder de confisco dos bens advindos de atividades ilícitas está descrito no
artigo 243 da Constituição Federal, que dispõe objetivamente o seguinte:
Art. 243 – As glebas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas serão imediatamente expropriadas e especificamente destinadas ao assentamento de colonos, para o cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei. Parágrafo único. Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins será confiscado e reverterá em benefício de instituições e pessoal especializados no tratamento e recuperação de viciados e no aparelhamento e custeio de atividades de fiscalização, controle, prevenção e repressão do crime de tráfico dessas substâncias.
Também o Código Penal no artigo 91, inciso II, a e b, dispõe sobre o poder
de confisco, vejamos:
Art. 91- São efeitos da condenação: [...] II – a perda em favor da União, ressalvado o direito do lesado ou do terceiro de boa-fé; a) dos instrumentos do crime, desde que consistam em coisas cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constitua fato ilícito; b) do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso.
O sequestro de bens, direitos e valores advindos da ação criminosa, previsto
nos artigos 126, 132 e 133 do Código de Processo Penal, não é imediato; primeiro
há um processo a se desenvolver, respeitando o devido processo legal e somente
após o trânsito em julgado da sentença condenatória é que ocorrerá o caráter
punitivo do confisco, e o bens confiscados passarão para a União, processo deveras
moroso.
No Direito Tributário o que importa é a ocorrência de rendas para que incida
o tributo, não cabe ao Fisco investigar se a renda é ou não resultado de práticas
lícitas ou ilícitas.
43
6. POSIÇÃO DOUTRINÁRIA CONTRÁRIA À TRIBUTAÇÃO DOS RESULTADOS
ECONÔMICOS AUFERIDOS PELA PRÁTICA DE ILÍCITOS
A corrente doutrinária que defende a não tributação dos atos ilícitos é
minoritária, todavia tais doutrinadores trazem argumentos fortes e dignos de
respeito, razão essencial para compor a base deste trabalho.
Geraldo Ataliba discorre que “é legítimo o recebimento de um bem (dinheiro
ou outra coisa), e a sua incorporação ao nosso patrimônio se opera validamente, se
em conformidade com o direito e na medida em que este o autoriza ou determina. O
que se receba contra o direito não é legítimo, e não se incorpora ao nosso
patrimônio. É indevido.” (2003, p. 27).
Com a afirmação acima, Geraldo Ataliba deixa expressa a impossibilidade
de tributar os resultados econômicos auferidos com a prática dos atos ilícitos.
Petrônio Batista Araújo, expressa a impossibilidade da tributação dos atos
ilícitos e seus efeitos econômicos escrevendo o seguinte:
O impôsto é um fenômeno jurídico e, como tal, repousa na licitude do ato tributável. O Estado, que mantém, custeado pelo impôsto, um aparelhamento de proteção e incentivo às manifestações individuais benéficas ou úteis à coletividade, cometeria grave incoerência, se participasse, por meio do produto de impôsto, das atividades nocivas, que lhe cumpre combater e eliminar. [...] Assim, o conteúdo econômico será inoperante para ocasionar efeitos tributários, se não fôr aliado à licitude do ato. (1954, p. 52).
Ives Gandra da Silva Martins, também contrário, argumenta que “com
fantástica superficialidade – e muitas vezes, com indiscutível má-fé – alguns
intérpretes pretendem ver, no art. 118 do CTN, o direito de o governo ser aético, de
o Poder Público ser imoral e do Estado ser co-autor de crimes.” (1995, p. 118).
Entende-se que, para Ives Gandra, os ilícitos tributários devem ser
sancionados pelo Direito Penal e não interpretados como o Direito Tributário o faz.
Traz ainda outros argumentos a respeito e faz referência ao princípio do non olet:
Do episódio deve-se atirar algumas conclusões. A primeira é que construir ‘latrinas públicas’ e explorá-las para atender as necessidades fisiológicas do povo não é crime. Pode ser uma atividade aromática, mas não é uma atividade criminosa. Por esta razão, o princípio demonstra, no máximo, a vocação do Estado em onerar o cidadão até naquilo de que o cidadão não tem condições de fugir, ou seja, nas necessidades impostas pela natureza e não pelo Estado. (1993, p. 10).
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O doutrinador, em artigo publicado na Revista dos Tribunais em fevereiro de
1995, vai além e deixa expressa a sua posição, afirmando que o Estado não pode
ser imoral e “beneficiário irresponsável do fruto do crime, incentivador de homicídios,
roubos, assassinatos [...]”, concluindo sobre o governo que tributasse os atos ilícitos
dizendo: “[...] à evidência, um governo que assim agisse, no mínimo, teria a mesma
estatura moral do criminoso.” (1995, p. 118 e 119).
Finalmente, encontramos a posição de Misabel Abreu Machado Derzi, na
atualização da obra do professor Aliomar Baleeiro, que fundamenta a sua posição
de acordo com a legislação brasileira e não unicamente sobre o que é ou não moral
para o Direito e para o Estado.
Sustenta a professora Misabel que a legislação prevê a destinação dos bens
de origem criminosa através do Código Penal, do Código de Processo Penal, do
Decreto-Lei nº 9.760/1946 e da Lei de Lavagem de Dinheiro, Lei nº 9.613/1998 e
expõe:
De longa data, entre nós, as leis prevêem o destino dos bens de origem criminosa. O Código Penal disciplina a matéria, o Decreto-Lei n. 9.760, de 05 de setembro de 1946, diz incluírem-se entre os bens da União “os bens perdidos pelo criminoso condenado por sentença proferida em processo judiciário federal” (art. 1º, k). O Código de Processo Penal (Dec.-Lei n. 3.689/41) determina o sequestro de bens imóveis ou móveis (sendo o caso, busca e apreensão) adquiridos pelo indiciado com os proventos do crime. O perdimento daqueles bens, produto da infração, é assim a regra. Em verdade, antes e depois da Lei n. 9.613/98, o correto é concluir que, estando comprovado o crime do qual se originaram os recursos ou o acréscimo patrimonial, seguir-se-á a apreensão ou o sequestro dos bens, fruto da infração. E é absolutamente incabível a exigência de tributos sobre bens, valores ou direitos que se confiscaram, retornando às vítimas ou à administração pública lesada [...] (2010, p. 715).
Para a doutrina contrária a tributação dos resultados econômicos auferidos
pelos atos ilícitos, cabe somente ao Direito Penal instruir e sancionar os crimes e
contravenções na esfera tributária.
7. POSIÇÃO DOS TRIBUNAIS
Através de pesquisas junto aos Tribunais de Justiça, pudemos observar
algumas decisões favoráveis à tributação. A fim de possibilitar o melhor
entendimento faremos uma breve análise de decisões atuais, seguinte
primeiramente o Supremo Tribunal Federal, depois o Superior Tribunal de Justiça e,
por fim, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
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Iniciamos pela decisão do Supremo Tribunal Federal, publicada em
setembro de 1998:
EMENTA: Sonegação fiscal de lucro advindo de atividade criminosa: "non olet". Drogas: tráfico de drogas, envolvendo sociedades comerciais organizadas, com lucros vultosos subtraídos à contabilização regular das empresas e subtraídos à declaração de rendimentos: caracterização, em tese, de crime de sonegação fiscal, a acarretar a competência da Justiça Federal e atrair pela conexão, o tráfico de entorpecentes: irrelevância da origem ilícita, mesmo quando criminal, da renda subtraída à tributação. A exoneração tributária dos resultados econômicos de fato criminoso - antes de ser corolário do princípio da moralidade - constitui violação do princípio de isonomia fiscal, de manifesta inspiração ética. [grifos nossos] (BRASIL, Supremo Tribunal Federal: Primeira Turma. HC 77530. Pio Chagas Junior e outro versus Altamiro de Araújo Lima Filho e outro. Relator: ministro Sepúlveda Pertence. Acórdão de 25.08.1998. Unânime. DJU 18.09.1998, p. 0007)
O Superior Tribunal de Justiça decidiu a favor da tributação da renda
proveniente dos atos ilícitos, decisão embasada no artigo 118 do Código Tributário
Nacional, conforme a ementa da decisão:
- RECURSO ESPECIAL. PENAL. PECULATO. CONDENAÇÃO. SONEGAÇÃO FISCAL DE RENDA PROVENIENTE DE ATUAÇÃO ILÍCITA. TRIBUTABILIDADE. INEXISTÊNCIA DO "BIS IN IDEM". BENS JURÍDICOS TUTELADOS NOS TIPOS PENAIS DISTINTOS. PUNIBILIDADE. São tributáveis, "ex vi" do art. 118, do Código Tributário Nacional, as operações ou atividades ilícitas ou imorais, posto a definição legal do fato gerador é interpretada com abstração da validade jurídica dos atos efetivamente praticados pelos contribuintes, responsáveis ou terceiros, bem como da natureza do seu objeto ou dos seus efeitos. - Não constitui "bis in idem" a instauração de ação penal para ambos os crimes, posto caracterizados peculato e sonegação fiscal, reduzindo-se, porém, a pena para o segundo crime à vista das circunstâncias judiciais. - Recurso conhecido e provido. [grifos nossos] (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça: Quinta Turma. REsp 182563-RJ. Ministério Público Federal versus Alaíde Ferandes Ximenes. Relator: ministro José Arnaldo da Fonseca. Acórdão de 27.10.1998. Unânime. DJU de 23.11.1998, p. 0198)
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região também já decidiu da mesma
forma a respeito da tributação dos resultados auferidos pela prática de atos ilícitos,
decisão fundamentada nos princípios constitucionais e no artigo 118 do Código
Tributário Nacional. Vejamos:
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EMENTA: PENAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. LEI Nº 8.137/90. PRINCÍPIO DO "NON OLET". AUTORIA E MATERIALIDADE DEMONSTRADAS. DOSIMETRIA DA PENA. 1. O art. 118 do CTN prevê que a definição legal do fato gerador é interpretada abstraindo-se a validade jurídica dos atos efetivamente praticados pelos contribuintes e dos efeitos dos fatos efetivamente ocorridos. 2. A norma jurídica tributária incide de forma objetiva, sem questionar quanto à validade do negócio jurídico que lhe ofereceu suporte, consagrando o dispositivo legal a máxima do non olet, bastando, nesta sede, a ocorrência do fato gerador para legitimar a tributação. 3. Segundo a orientação jurisprudencial firmada no Pretório Excelso, é possível a tributação sobre rendimentos auferidos de atividade ilícita, seja de natureza civil ou penal. 4. A exoneração tributária dos resultados econômicos de fato criminoso - antes de ser corolário do princípio da moralidade - constitui violação do princípio de isonomia fiscal, de manifesta inspiração ética. (STF: HC 77.530/RS, Primeira Turma, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJU de 18/09/1998) 5. A disponibilidade econômica e jurídica está atrelada ao simples acréscimo patrimonial, independentemente da posterior perda dos valores auferidos. 6. Comete crime contra a ordem tributária o agente que, dolosamente, suprime o pagamento de tributos, omitindo do Fisco a percepção de rendimentos sujeitos à tributação. 7. Merece maior censura social o contador que pratica crime tributário, porque com seu conhecimento técnico e atuação profissional seria dele ainda mais exigível o respeito à lei. Daí a maior reprovabilidade de sua conduta e a mensuração desse desvalor nas circunstâncias judiciais. 8. Se da sonegação de tributos resultar prejuízo grave ao Erário Público, consideram-se negativas as consequências do crime, a fim de justificar o aumento na pena-base. 9. Aplicável a causa de aumento da continuidade delitiva, tendo em vista que o acusado, reiteradamente, praticou mais de um crime da mesma espécie e nas mesmas "condições de tempo, lugar, maneira de execução" (art. 71 do CP). 10. A pena privativa de liberdade, observados os requisitos do art. 44 do CP, pode ser substituída por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação pecuniária e prestação de serviços à comunidade, quando a condenação for superior a um ano de reclusão. Precedente da Quarta Seção do TRF/4. [grifos nossos] (BRASIL, Tribunal Regional Federal da 4ª Região. 8ª Turma. ACR 2005.70.00.018082-8. Nelson Pommerening versus Ministério Público Federal. Relator: Desembargador Paulo Afonso Brum Vaz. Acórdão de 16.12.2009. DE de 13.01.2010)
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CONCLUSÃO
Concluímos, pelo presente trabalho, que há possibilidade de tributar os
resultados econômicos obtidos pela prática dos atos ilícitos, em razão de a
incidência tributária considerar apenas o aspecto econômico do fato imponível e não
a sua ilicitude, porque o que sofre a tributação é a renda econômica obtida e não o
ato ilícito em si.
Além disso, o princípio da capacidade contributiva dispõe sobre a
possibilidade de graduar os impostos segundo a capacidade econômica do
contribuinte, ou seja, aquele que auferir renda ao desenvolver alguma atividade
pode ser obrigado a recolher tributos sobre a renda daquela atividade,
independentemente de qual natureza ela é originada.
Outros princípios constitucionais foram levados em conta. Pelo princípio da
isonomia tributária os iguais devem ser tratados igualmente e os desiguais de forma
desigual e, por isso, tributar apenas a renda advinda de atos lícitos acaba por
desobedecer esse princípio, já que implicaria tratar de forma desigual dois indivíduos
que estivessem auferindo renda em igual quantidade, mas de modos diferentes. Em
razão do princípio da moralidade, não deve a administração eximir-se de tributar
uma renda porque ela veio de uma atividade ilícita, pois seria imoral deixar de
tributar aquele que teve algum proveito em razão de um ato ilegal e tributar um
trabalhador honesto, onerando-o como visto que isso acarretaria em uma priorização
da ilegalidade.
Considerando a enorme movimentação financeira de renda fruto de
atividades ilícitas, o Estado, quando deixa de tributá-la, além de desrespeitar
princípios constitucionais, acaba por desprezar uma considerável fonte de receita.
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