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    PSICOLOGIA CINCIA E PROFISSO, 2008, 28 (4), 862-871

    Interveno Psicolgica

    a Gestantes: Contribuies do Grupo de Suporte para a

    Promoo da Sade

    Psycological pregnants intervention: support group contributions for health promotion

    Intervencin psicolgica a gestantes: contribuciones del grupo de soporte para

    la promocin de la salud

    Michele Moreira de Souza Klein &

    Carla Ribeiro Guedes

    Faculdades Integradas Maria Thereza

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    Interveno Psicolgica a Gestantes: Contribuies do Grupo de Suporte para a Promoo da Sade

    Michele Moreira de Souza Klein & Carla Ribeiro Guedes

    Resumo: O presente artigo visa a apresentar um modo de o psiclogo atuar com gestantes, utilizando princpios do grupo de suporte. A interveno grupal procurou promover a sade da mulher que passa por essa fase vital, criando um espao para compartilharem reflexes e informaes acerca das mudanas que atravessam. A metodologia consistiu no relato da experincia ocorrida num hospital privado, no Municpio de Resende. Foram realizados 22 encontros. Para orientar o trabalho, cada encontro previa trs momentos: apresentaes, discusso do tema atravs de palestra interativa e momento de avaliao. Como resultados, constatamos que a identificao entre as gestantes, o compartilhar sentimentos e o apoio mtuo funcionaram como suporte social. Conclumos que o grupo constituiu uma interveno primria, medida que tomou uma postura de promoo da sade, atingindo os nveis de atuao psicoteraputico, psicopedaggico e psicoprofiltico.Palavras-chave: Gestantes. Grupo de suporte. Interveno primria. Promoo da sade.

    Abstract: The present article aims at showing a psychologist treatment with pregnant women using the support group principles. This treatment attempted to promote the health of the women who are in this vital phase, creating a space to share their reflections and informations concerning the changes in this period. The methodology consisted in one experienced description that happened in a private hospital in Resende-RJ. There were 22 meetings and in each of them there were specific moments: presentations, discussion of the topic by an interactive talk and an evaluation moment. As results, we verified that the identification between the pregnant women, the feelings shared and the mutual support functioned as social supports. We concluded that the group constituted a primary intervention and reached the levels of psychotherapeutic, psycopedagogic and psycoprophylactic actuation.Keywords: Pregnants. Support group. Primary intervention. Promotion of the health.

    Resumen: El presente artculo pretende presentar un modo para que el psiclogo actu con gestantes, utilizando principios del grupo de soporte. La intervencin de grupo busc promover la salud de la mujer que pasa por esa fase vital, creando un espacio para que compartan ponderaciones e informaciones acerca de los cambios que atraviesan. La metodologa consisti en el relato de la experiencia ocurrida en un hospital privado, en el Municipio de Resende. Fueron realizados 22 encuentros. Para orientar el trabajo, cada encuentro prevea tres momentos: presentaciones, discusin de la tema a travs de exposicin interactiva y momento de evaluacin. Como resultados, constatamos que la identificacin entre las gestantes, compartirlo sentimientos y el apoyo mutuo funcionaron como soporte social. Concluimos que el grupo constituy una intervencin primaria, a la medida que tom una postura de promocin de la salud, alcanzando los niveles de actuacin psicoteraputico, psicopedaggico y psicoprofilctico.Palabras-clave: Gestantes. Grupo de soporte. Intervencin primaria. Promocin de la salud.

    PSICOLOGIA CINCIA E PROFISSO,

    2008, 28 (4), 862-871

    O presente artigo tem a inteno de apresentar um modo de o psiclogo atuar com gestantes, utilizando princpios e fundamentos prticos do grupo de suporte. A interveno com o grupo de gestantes foi realizada em um hospital privado, no Municpio de Resende, Estado do Rio de Janeiro, e teve como objetivo promover a sade da mulher que passa por essa fase vital.

    Entendemos que a mulher est vulnervel durante a gestao, exposta a mltiplas exigncias, e vivencia um perodo de reorganizao corporal, bioqumica, hormonal, familiar e social que a faz

    ficar propensa a uma multiplicidade de sentimentos (Falcone, Mader, Nascimento, Santos, & Nbrega, 2005). A ansiedade um componente emocional que pode acompanhar todo o perodo gestacional e caracterizada por um estado de insatisfao, insegurana, incerteza e medo da experincia desconhecida (Baptista, Baptista & Torres, 2006).

    Dessa forma, a gestao um perodo que envolve grandes mudanas biopsicossociais, ou seja, h transformaes no s no organismo da mulher mas tambm no seu bem-estar, o que altera seu psiquismo e o

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    um acompanhamento psicolgico da gestante com o intuito de possibilitar uma vivncia mais equilibrada de todas as emoes e manifestaes que ocorrem durante o ciclo gravdico-puerperal. Nesse sentido, a interveno em grupo pode tornar-se um meio eficaz para esse acompanhamento, pois permite a identificao entre seus membros, o compartilhar de experincias e a troca de informaes.

    A informao, mesmo clara, objetiva e adequada, no em si suficiente para a sensibi l izao pessoal . E la passa, necessariamente, pelo crivo das representaes sociais, dos sentidos e dos significados j existentes. Nessa perspectiva, os trabalhos realizados em grupo podem constituir-se em meios facilitadores para a ocorrncia de reflexo e da tomada de conscincia de aspectos importantes envolvidos no dia a dia das pessoas que normalmente passam despercebidos por elas. Busca-se, assim, o envolvimento das emoes e sentimentos junto s cognies. Alm disso, o trabalho grupal implementado de modo criativo e adequado proporciona uma atmosfera de aceitao e nimo para discusso e reflexo sobre novas atitudes perante as questes apresentadas (Silva, 2002).

    Desse modo, o grupo pode ser entendido como espao de compartilhamento e co-construo de sentidos. Ao se tomar a produo de sentidos como processo dialgico, a interveno grupal tem por objetivo facilitar a emergncia de novas percepes sobre fatos e acontecimentos, a clarificao dos valores e o exerccio do respeito diferena. a diferena que permite o encontro e o reconhecimento da identidade. So esses os pilares para a aprendizagem de novos papis sociais, inclusive o de ser me. Os grupos possibilitam s gestantes ressignificar a experincia social e exercitar o respeito a si prprias e ao outro (Silva, 2002).

    Maldonado (1988) ressalta

    que a gravidez uma transio

    que faz parte do processo de

    desenvolvimento e envolve a

    necessidade de reestruturao em vrias dimenses;

    uma delas a mudana de

    identidade e a nova definio de

    papis.

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    seu papel sociofamiliar. A intensidade das alteraes psicolgicas depender de fatores familiares, conjugais, sociais, culturais e da personalidade da gestante. Como aponta Soifer (1992), deve-se levar em conta o fato de ser a gravidez um perodo que envolve no apenas a mulher mas tambm o seu companheiro e o seu meio social imediato.

    A mudana do papel social outro fator importante a ponderar. Durante nove meses, estar se instalando no casal grvido uma nova identidade. Deixaro de ser apenas filhos para se tornarem tambm pais. Maldonado (1988) ressalta que a gravidez uma transio que faz parte do processo de desenvolvimento e envolve a necessidade de reestruturao em vrias dimenses; uma delas a mudana de identidade e a nova definio de papis.

    A gestao, portanto, compreende uma lenta evoluo em nvel de transformaes. Em contrapartida, o parto um processo abrupto, caracterizado por mudanas rpidas (Chiattone, 2006). A mulher o teme como algo desconhecido, doloroso e tambm como momento inaugural de concretude da relao me-filho; teme tambm o papel de me por este ser mitificado e conter a exigncia de a me ser um modelo de perfeio. Com todas essas exigncias, a gestante chega ao parto, muitas vezes, sem refletir sobre seus desejos, suas possibilidades e suas limitaes (Pamplona, 1990).

    Maldonado (1988) afirma que situar a gravidez como transio no significa que o perodo crtico termine com o parto, pois grande parte das mudanas maturacionais ocorre aps a mulher dar luz, e, dessa forma, o puerprio deve ser considerado a continuao do perodo de transformao, pois implica modificaes fisiolgicas assim como da rotina e do relacionamento familiar.Sendo assim, entendemos que relevante

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    Concordamos com Delfino, Patrcio, Martins e Silvrio (2004) quando destacam que as possibilidades de sade integral na gestao consistem nos recursos individuais e coletivos que existem no contexto da gestante e do seu beb, e podem estar relacionados ao atendimento das suas necessidades, e tambm quando reiteram que a promoo da sade um processo realizado pelo profissional de sade junto s gestantes com vistas a conscientiz-las a fim de que se tornem participantes ativas nas decises que envolvem a sua gestao e de que promovam transformaes das suas limitaes em possibilidades de viver saudvel.

    Assim, um grupo de suporte a gestantes pode proporcionar discusses que envolvam vrios componentes afetivos, possibilitando um clima de sensibilizao para os aspectos relativos ao ciclo gravdico-puerperal e subjetivao das informaes bem como uma vivncia positiva da gestao, do parto e da maternidade.

    Procuramos criar um espao de reflexo sobre as diversas mudanas que atravessam a gestao, trocar informaes objetivas sobre o ciclo gravdico-puerperal, proporcionar um espao grupal de discusso dos diferentes aspectos que envolvem a gravidez, o parto, o puerprio e os cuidados com um filho recm-nascido, possibilitar a expresso e o compartilhar de sentimentos e auxiliar na elaborao dessa situao de vida que pode se tornar problemtica quer seja pelas intercorrncias orgnicas, quer pelas subjetivas.

    Mtodo

    Para a organizao dos encontros grupais com gestantes, utilizamos os princpios e os fundamentos prticos do grupo de suporte, cujo principal objetivo promover a coeso e o apoio entre os membros, a fim de elevar a auto-estima e a autoconfiana

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    dos mesmos. Sua principal finalidade teraputica, pois procura aliviar ou eliminar sintomas, desenvolver comportamentos saudveis e proporcionar um aprendizado nas relaes interpessoais. Troca afetiva, cuidado, comunicao e constncia so suas bases (Campos, 2000).

    Foram realizados 22 encontros grupais com gestantes, no perodo de julho de 2006 a junho de 2007. As sesses ocorreram quinzenalmente, com 90 min. de durao, nas dependncias do Servio de Psicologia Hospitalar de um hospital privado, de pequeno porte, no Municpio de Resende, Estado do Rio de Janeiro.

    Os encontros foram transcritos com o consentimento das gestantes, e os relatos foram analisados qualitativamente a partir das contribuies tericas de Muniz e Taunay (2000), Campos (2000), Graa, Burd e Mello Filho (2000), Romano (1999) e Silva (2002).

    Fizeram parte do trabalho gestantes entre 19 e 40 anos, de variadas idades gestacionais, sendo de duas a oito mulheres a populao de grvidas atendidas em cada encontro. No total, 25 gestantes passaram pelo grupo, 18 primparas e 7 multparas. Apenas 10 tiveram uma freqncia mais contnua, isto , participaram de mais de 8 encontros dos 22 realizados. Trs motivos levaram 15 gestantes a participarem de menos de 8 encontros: 2 sofreram aborto espontneo, 8 deram luz e 5 no compareceram mais ao grupo por deciso prpria.

    O grupo de gestantes foi aberto, pois as participantes no eram fixas. Apesar de no existir um compromisso rgido de freqncia e permanncia caracterstica de um grupo aberto , ressaltamos para as gestantes a importncia de comparecerem a todos os encontros que pudessem, a fim de possibilitar a formao de vnculos estveis entre as participantes e a coordenadora do grupo.

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    O trabalho teve incio a partir do convite feito pelo Servio de Psicologia Hospitalar, atravs de telefonemas, j que uma das mdicas obstetras do hospital fornecia uma relao com os nomes das suas pacientes e seus respectivos telefones, e tambm por meio de convites impressos, deixados no consultrio dos demais mdicos obstetras e nas recepes do hospital.

    O planejamento previa, em cada encontro, trs momentos, geralmente com o uso de tcnicas de dinmicas de grupo: a) apresentao da coordenadora, da proposta de trabalho e das participantes; b) introduo e discusso do tema feito atravs de palestra interativa, ou seja, a articulao das opinies trazidas pelo grupo, a partir de suas experincias, com informaes acerca da temtica em questo; c) momento de relaxamento e avaliao do encontro.

    Esse planejamento teve a inteno de orientar o trabalho sem que fosse, no entanto, rgido. Ao contrrio, foi preciso contar com os imprevistos, por exemplo, relativos disponibilidade e aceitao do grupo quanto s tcnicas ou quanto atividade de

    relaxamento. O planejamento, portanto, era flexvel.

    O desenvolvimento dos temas foi realizado por meio de palestras interativas, deixando claro para as gestantes a possibilidade de se colocarem quando ou sempre que sentissem necessidade, acrescentando experincias, opinies e esclarecendo dvidas. Esses temas foram: aspectos psicolgicos da gravidez, alimentao na gestao, amamentao e cuidados com o recm-nascido, tipos de parto e anestesia, comunicao intra-uterina entre me e beb, a gravidez e os mitos da maternidade, aspectos psicolgicos do ps-parto, depresso ps-parto e sexualidade na gravidez. Alguns temas, como tipos de parto, sexualidade na gravidez e depresso ps-parto, foram discutidos mais de uma vez.

    Os encontros eram sempre planejados acompanhando os temas de interesse colocados pelas gestantes no grupo. As participantes sugeriam a temtica para o prximo encontro, que refletia os medos e os anseios pelos quais elas estavam passando. A tabela 1 apresenta a relao dos temas trabalhados, os objetivos e as respectivas tcnicas de dinmica de grupo utilizadas.

    Interveno Psicolgica a Gestantes: Contribuies do Grupo de Suporte para a Promoo da Sade

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    CINCIA E PROFISSO, 2008, 28 (4), 862-871

    Michele Moreira de Souza Klein & Carla Ribeiro Guedes

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    Tema Objetivos Tcnicas

    ApresentaoPromover o conhecimento grupal, integrar, descontrair, criar um clima de trabalho.

    Minha caracterstica ...(a participante se apresenta de um modo bem inusitado, utilizando uma palavra, que pode ser um objeto, sentimento ou adjetivo); berlinda (cada participante fica em lugar de destaque e as outras lhe formulam perguntas).

    Aspectos psicolgicos da gestao

    Facilitar para que as gestantes falassem das suas vivncias atuais; apresentar os aspectos emocionais de cada trimestre da gestao.

    Abrindo janelas, que consta de frases incompletas redigidas em cartelas, por exemplo: A emoo que mais dificuldade sinto de con-trolar ...

    Alimentao na gestao

    Estimular a alimentao saudvel. Nutricionista convidada

    Amamentao e cuidados com o recm-nascido

    Orientar quanto ao ato de amamentar e cuidar do beb e mostrar a importncia da amamentao.

    Enfermeira convidada

    Tipos de parto e anestesia

    Levantar o universo referencial das gestantes sobre a temtica; minimizar o medo das gestantes de no saberem reconhecer os sinais do trabalho de parto; apresentar os tipos de parto.

    Trs palavras, que consiste em escrever as trs primeiras palavras que vm mente ao verem o termo parto escrito em um carto.

    Comunicao intra-uterina entre me e beb

    Apresentar as vias de comunicao entre me e filho durante a gravidez: fisiolgica, emptica e comportamental; fortalecer a relao me-beb.

    Palestra interativa

    A gravidez e os mitos da mater-nidade

    Refletir sobre os sentimentos contraditrios da gestao, que muitas vezes divergem do imaginrio social.

    Cartelas preenchidas com algumas frases que correspondem a mitos sociais sobre a maternidade.

    Aspectos psi-colgicos do ps-parto

    Facilitar para que as participantes se conheam, refletindo sobre o que observam, o que pensam e o que sentem a respeito das mudan-as do ps-parto.

    Estrela de cinco pontas,que consiste no desenho grande de uma estrela; no seu centro escrito ps-parto, e, em cada extremidade, o que se observa, o que se pensa, o que sentido, como gostaria que fosse, e o que feito com relao ao tema.

    Depresso ps-parto

    Informar sobre as enfermidades depressivas classificadas no perodo ps-parto: blues puerperal, depresso ps-parto e psicose puerperal.

    Depoimentos

    Sexualidade na gestao

    Orientar e esclarecer dvidas. Trs perdas e trs ganhos da gestao.

    Tabela 1. Seqncia dos temas discutidos nos encontros

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    No terceiro momento do encontro, a atividade de relaxamento, com msicas especficas, teve a inteno de desenvolver e/ou reforar o vnculo me-beb e de propiciar bem-estar fsico e psquico. Iniciava-se com um exerccio de respirao; em seguida, era orientado que percebessem cada parte do corpo, desde os ps at a face. Por ltimo, que colocassem as mos sobre a barriga e entrassem em contato com o beb, sentissem seus movimentos, se dispusessem afetivamente para ele, dessem a ele carinho e ateno. A atividade era finalizada com outro exerccio de respirao.

    Para realizar as intervenes grupais, a coordenao assumia uma postura altamente ativa, apoiadora e acolhedora; estimulava a fala e a expresso dos sentimentos das participantes, favorecendo a livre discusso e a comunicao interpessoal, clarificava os pontos importantes, marcando as dificuldades verbalizadas, dinamizava o debate dos temas, oferecia continente aos contedos trazidos, mantinha as intervenes em torno da situao-foco e estimulava a pessoa a buscar recursos de enfrentamento mais amadurecidos. Alm disso, procurava manter um clima emocional favorvel e de apoio entre os membros, ou seja, no incitava conflitos nem competio (que podiam aparecer) e estimulava a coeso grupal.

    Resultados e discusso

    A partir da transcrio realizada dos encontros e das avaliaes que as participantes faziam ao fim de cada encontro, constatamos os resultados alcanados nas intervenes grupais s gestantes.

    Observamos que o grupo de suporte favoreceu o surgimento de fatores teraputicos citados por Muniz e Taunay (2000). A coeso, ou seja, a unio entre as participantes, foi um desses fatores. Por estarem juntas e discutindo questes em comum, houve uma grande identificao entre elas.

    As gestantes tambm perceberam que no estavam ss, pois puderam observar que passam ou j passaram por problemas semelhantes, o que contribuiu para a presena do fator universalidade de conflitos, citado por Muniz e Taunay (2000), como ilustram as falas abaixo: Grbera1 disse, ao 3 ms de gestao: Sinto-me confortada em saber que as outras gestantes tambm tm alteraes. Jasmim, ao 4 ms de gestao, falou: Consegui perceber que tem mais pessoas que passam pelo que eu estou passando.

    Identificamos tambm o desenvolvimento do sentimento de altrusmo, mencionado por Muniz e Taunay (2000). Os membros do grupo que se sentem apoiados entre si tm mais condies de serem coesos e solidrios. A possibilidade de se encontrarem regularmente e o estmulo s trocas afetuosas, por meio da criao e da manuteno de vnculos interpessoais, complementam o clima de coeso e apoio, como exemplificam os depoimentos a seguir: Voc vai ficar bem, a gente vai te ajudar (Bromlia disse para Grbera, depois que esta exps sua frustrao em descobrir que estava grvida e seu medo de voltar a ter crises de sndrome do pnico como na primeira gestao); Tulipa disse, ao 4 ms de gestao: O que mais aprendi nesses encontros foi que sempre podemos ajudar o prximo com nossas experincias.

    O grupo de suporte tambm proporcionou momentos de catarse, mencionado pelos autores Muniz e Taunay (2000), ou seja, as gestantes se sentiram vontade para desabafar, chorar e expressar verbalmente seus sentimentos e problemas: O grupo, para mim, foi de extrema importncia, pois pude expor questes pessoais, disse Orqudea, com cinco meses de gestao. O grupo serve como um apoio para ns gestantes, um lugar para desabafar e falar de assuntos de interesse em comum, afirmou Violeta, no 7 ms.

    A aprendizagem interpessoal, citada tambm pelos autores Muniz e Taunay (2000), e

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    1 C o m a f inal idade de pr seus nomes foram subs t i tu dos por nomes de flores.

    Grbera1 disse, ao 3 ms de

    gestao: Sinto-me confortada em saber que as outras gestantes tambm

    tm alteraes. Jasmim, ao 4

    ms de gestao, falou: Consegui

    perceber que tem mais pessoas que passam pelo

    que eu estou passando.

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    a troca de informaes objetivas sobre o ciclo gravdico-puerperal foram fatores que permearam todos os encontros, proporcionando mais segurana e maior conscientizao sobre os aspectos que envolvem a gestao, o parto e o puerprio, como pode ser verificado nas falas a seguir: Para mim, participar do grupo foi muito bom, pois conheci novas pessoas e aprendi coisas que no sabia, falou Begnia, j no 8 ms. O encontro foi produtivo; apesar de j ter um filho, sempre h dvidas que nesse encontro esclarecemos. Sei que iremos um pouco mais preparadas para o parto, afirmou Tulipa.

    As pessoas reunidas em torno de uma situao comum sentem-se imediatamente identificadas, ressalta Campos (2000). Compartilham angstias e esperanas, limitaes e discriminaes, prescries e recomendaes semelhantes. Vimos que a troca de cuidados e informaes fluiu com vigor no grupo: O grupo muito importante, pois pude ajudar outras gestantes com minha experincia, ressaltou Tulipa. O encontro foi um momento de partilha de experincias, dvidas e alegrias, disse Bromlia, ainda no 2 ms de gestao.

    O suporte social oferecido pelo grupo atuou reforando o self, e, com isso, cada gestante sentiu-se melhor consigo mesma, conscientizando-se dos fatores que envolvem o perodo gestatrio. Dessa forma, observamos a elevao da auto-estima e da autoconfiana das participantes. Esse fato, aponta Campos (2000), aumenta a disposio da pessoa de se cuidar, de se sentir bem, de viver a vida; ela se aceita melhor, se valoriza mais e confia mais nos prprios recursos, o que est expresso nos depoimentos de Dlia e ris: O grupo traz tranqilidade, ajuda a manter a calma e diminui a ansiedade, expressou Dlia, j no 8 ms. No grupo, sinto tranqilidade, segurana e fico mais confiante, disse ris, no 5 ms de gestao.

    Podemos observar que o trabalho de interveno com grupo de gestantes

    atingiu resultados expressivos, medida que serviu como dispositivo de suporte social e promoveu a coeso e o apoio entre as participantes. Alm disso, possibilitou benefcios como os apresentados por Romano (1999), como a percepo de que no estavam ss, o compartilhar sentimentos com pessoas na mesma situao, a reduo da ansiedade, melhor compreenso e maior controle cognitivo da situao que estavam atravessando.

    O grupo de suporte a gestantes tambm contemplou as caractersticas descritas por Graa, Burd e Mello Filho (2000): serviu como continente, medida que ofereceu um espao para os contedos e para as angstias das participantes, propiciou o holding, cuidando e dando suporte e possibilitou a funo de pensar, isto , favoreceu a reflexo dos indivduos sobre suas experincias emocionais, idias e sentimentos.

    A experincia trazida por parte de cada gestante funcionou como estmulo, quando se constatou que outras tm ou tiveram as mesmas dificuldades e que, de algum modo, conseguiram super-las. Funcionou tambm como suporte, quando algum demonstrou medo e angstia e recebeu das demais o apoio necessrio para no esmorecer.

    Constatamos que o trabalho com grupo de gestantes atingiu os trs nveis de atuao do profissional de Psicologia apontados por Romano (1999): psicopedaggico, psicoprofiltico e psicoteraputico.

    Na dimenso pedaggica, o grupo se constituiu em um espao para fazer circular a palavra social, no qual a informao foi levada no como uma verdade absoluta, mas como algo que devia ser socializado. Foi preciso articular reflexo e experincia para evitar a alienao do conhecimento tomado como uma verdade absoluta e neutra. Foi isso que buscamos com as palestras interativas, nas quais as

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    informaes deveriam ser contextualizadas na experincia. A livre discusso tambm teve efeito pedaggico, no sentido de educar a participante a ouvir o que as outras tinham a dizer e de buscar, por meio da fala, expressar e defender suas idias.

    Na sua dimenso teraputica, os fatores que estavam em jogo na ao do grupo foram o apoio por meio de relaes afetuosas, cuidadoras e empticas mantidas entre todos, a identificao e a troca de experincias, o espao para expresso de sentimentos e o espao para informao e reflexo acerca dos aspectos que envolvem o ciclo gravdico-puerperal. Esses fatores proporcionaram suporte social e levaram ao reforo do self das participantes. Com isso, elas se sentiram melhor, tiveram a auto-estima e a autoconfiana elevadas, desenvolveram comportamentos mais saudveis e reduziram a ansiedade. A possibilidade dada a cada uma de expressar livremente suas idias e seus sentimentos teve excelente efeito catrtico e organizador do pensamento, permitindo compreenses que a gestante no tivera at ento.

    Quanto dimenso psicoprofiltica, Romano (1999) assinala que preciso privilegiar o ato sanitrio de natureza preventiva e educativa, de abrangncia coletiva, fundado mais na promoo e na proteo da sade do que no tratamento. Dentro dessa perspectiva, Silva (2002) ressalta que as estratgias de preveno e promoo da sade tanto em nveis individuais como sociocomunitrios devem ser prioritrias.

    Sendo assim, cabe pontuar que o trabalho com o grupo de gestantes consistiu em uma preveno primria, e teve o propsito de prepar-las para viver o momento do parto de maneira mais segura e tranqila, tornando-se, em algumas ocasies, um trabalho que se sobreps a uma pura profilaxia, assumindo uma postura de promoo da sade.

    Podemos dizer que esse trabalho no trouxe garantias de uma passagem tranqila e saudvel pelo parto, pois as experincias de parto na vida da mulher e tambm na de sua famlia podem influir na sua maneira de pensar, sentir e at vivenciar o prximo parto, podendo ser, em parte, compensadas pela preparao ocorrida no grupo, mas no totalmente anuladas.

    No entanto, o trabalho permitiu s gestantes maior compreenso do que estavam vivendo em nvel emocional e orgnico, e, a partir disso, sentiram-se mais capazes de experienciar todo o processo de gestao de modo ativo. Alm disso, elas puderam expressar dvidas, ambivalncias, angstias, receios, dificuldades e preocupaes, o que propiciou alvio e encorajamento para o enfrentamento da realidade de ter um filho.

    Comentrios finais

    Apresentar um modo de atuao do psiclogo com gestantes, utilizando princpios e fundamentos prticos do grupo de suporte, constituiu a meta deste artigo. Essa interveno com o grupo de suporte a gestantes buscou promover a sade da mulher que passa pela fase da gestao.

    O grupo atuou na subjetividade das gestantes, tentando lev-las a mudanas comportamentais e intrapsquicas, isto , a transformaes necessrias e suficientes para permitir que elas lidassem melhor com a fase da gestao. Sendo assim, foi na subjetividade dessas mulheres que percebemos como o trabalho com o grupo de suporte foi produtivo, no sentido de v-las mais autoconfiantes e dispostas para o enfrentamento da realidade. Ocorreram tambm repercusses na forma pessoal de a gestante se avaliar e avaliar o que ocorre ao seu redor, ou seja, na sua auto-estima.

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    Acreditamos ser o ambiente de grupo, em especial o do grupo de suporte, o espao privilegiado para que a gestante se sinta estimulada a enveredar pelo caminho do resgate da sade, que passa, antes, pelo resgate de sua auto-estima.

    Sendo assim, o trabalho veio complementar a assistncia pr-natal naquele hospital, promovendo a sade das participantes e o fortalecimento da relao e da comunicao entre as gestantes e a equipe obsttrica.

    Concordamos com Gomes e Guedes (2004) quando ressaltam que as possibilidades de trabalho com gestantes so ilimitadas, apesar de, no Brasil, as iniciativas, a partir de uma abordagem de preveno e promoo da sade, continuarem elementares. Por isso, muito relevante empreender aes como esta, que possam descobrir ou abrir caminhos a outras, a fim de contribuir para melhor assistncia s mulheres na vivncia da maternidade.

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    Michele Moreira de Souza Klein*Psicloga, ps-graduada do curso de Especializao em Psicologia, Subjetividade e Instituies de Sade pelas Faculdades Integradas Maria Thereza, Niteri-RJ

    Carla Ribeiro GuedesOrientadora do estudo, psicloga, doutora em Sade Coletiva pelo Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, professora do Curso de Psicologia da Universidade Estcio de S, Campus Resende-RJ, e do Curso de Ps-Graduao em Psicologia, Subjetividade e Instituies de Sade das Faculdades Integradas Maria Thereza, Niteri-RJ

    *Endereo para envio de correspondncia:Rua Euzbio Manoel da Glria, 215 Bairro Itapuca - Resende RJ - Brasil CEP: 27524-250E-mail: [email protected]

    Recebido 06/11/2007 Reformulado 28/08/2008 Aprovado 30/08/2008

    PSICOLOGIA CINCIA E PROFISSO,

    2008, 28 (4), 862-871Michele Moreira de Souza Klein & Carla Ribeiro Guedes