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7/25/2019 Verissimo Coloquo Buber Eu Tu Psicologia
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP,Brasil)
Psicoterapia ebrasilidade / ValdemarAugustoAngerami (Org.).
- S ão Paulo: Cortez, 2011.
Vários autores.ISBN 978 85 249 74 7
1.Ide ntidade cultural 2. Psicologia existencial 3.Psicologia feno-
menológica 4. Psicoterapia r. Angeramí-Camon, Valdemar Augusto.
.. .........
ValdemarAugusto Angerami (Org.)
Adriano Furtado Holanda • André Roberto Ribeiro Torres •
Arlinda B. Moreno • Luiz JoséVeríssimo •
Paula Unhares Angerami • Thiago Gomes de Castro
Psicoterapia
eBrasilidade
11-04270
índices para catálogo sistemático:
1. Psicoterapia fenomenológico-existencial:
Psicologia 150.192
CDD-150.192
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E na verdade nemseisesou apenas fascínio
diante deuma florada humana do Ipê-Roxo
ouseele é a minhacrença em um mundo
sem violência no quala cor e a esperança
sejam o maior determinante humano...
diante desuas flores nãohálugar paradissabores nem tampouco para qualquer
forma deinjustiça social... apenas o amor e
a solidariedade encontram guarida
emseu esplendor ...
Serra da Cantareira, numamanhãdeoutono.
CAPíTULO 6
Colóquio com Martin Buber:
acontribuição da filosofia
do diálogo para a psicoterapia
Lu;z José Veríss;mo
6.1 Introdução
Quem é Martin Buber? É filósofo, místico (uma referência impor-tante na místicajudaica),h ermeneu ta (fez destacada tradução da Bíblia),
homem de fé, existencialista? Ele é a um só tempo um a pesso a interes-
sada nessas trilhas, qu e não esgotam o ser, um a vez qu e Buber descobreum fundamento d o ser humano: o dialógico. O ser humano se faz noe pelo diálogo. Ele envolve o intercurso de vivências, a palavra, os
símbolos, o tocar, o olhar, a escuta, a sensibilidade estética, q ue desig-nam, por sua vez, o sentido e o destino de cada pessoa, e constituem asu a mais própria existência. Martin Bub er nasceu e m Viena, e m 1878,e faleceu e m Jerusalém, em 1965.Seu pensamento permanece atual e amedida é dada pela repercussão no cor ação do interlocutor, na conver-sa que cada u m mantém c om ele e estende às pessoas, à natureza, aoTodo. Do tradutor e estudioso de Buber, professor Newton AquilesVon
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Buber: "Assim, o 'diálog o' (a relação dialógica) n ão é u ma categoria à
qual ele chegou po r vias de raciocínio dedutivo, mas, como ele próprio
qualificou em Eu e Tu, o encontro é essencialmente u m evento e, como
tal, ele acontece" (apud Buber, 1977, p. XXI-XXII).
6.2 Considerações sobre o"eu"
Martin Buber apresenta u ma concepção do ser humano e s ua re
lação com os demais seres humanos, co m o mundo e com Deus a par-
tir de dois modos básicos de relação: Eu e Tu e Eu-Isso. Esses modos
nã o são como duas vias que correm paralelas, nem podem ser tratados
como u ma simples dicotomia pela qual possamos estabelecer u m p a-
râmetro de análise moraL Ao revés, esses modos se cruzam, entrela
çam-se e formam a trama da qual surge o texto que narra a história de
nossas vidas. São tomados como termos que expressam muito maisque som e ar, são termos concretos, ou seja, eles criam e enunciam,
através de um a gama enorme de matizes, a disposição com que nos
lançamos n a existência.
Primeiramente, precisamos captar como Buber entende o eu. O eu
não existe sozinho. N ão se trata aqui de afirmarmos que u ma pessoa
nã o consegue ficar be m sozinha, ou, de considerar que um a pessoa não
pode pretender viver sozinha todo tempo de sua vida porq ue isso seria
um sintoma de u ma possível psicopatologia. Trata-se, nesse momento,
de assinalarque, para Buber, a noção do e u não faz sentidoem si mesma.
."Não há EU e m si, ma s apenas o EU da palavra-princípio EU-TU e o
EU da palavra-princípio EU-ISSO" (Buber, 1977,p. 4).Numa linguagem
psicológica, podemos admitir qu e o sujeito nasce co m a relação: consti
tui-se ao longo dos sulcos que lhe marcam as suas relações. A analítica
da existência é tomada po r um a fenomenologia fundamental da relação.
Isso pode parecer óbvio, mas, se voltarmos a nossa atenção para
a história da filosofia e d a própria psicologia, veremos qu e o eu é um a
noção que ganhou fôlego na modernidade, e até hoje se encontra ins
talada em muitas de nossas representaçõ es usuais acerca do q ue é o ser1..
O e u adquire o estatuto de u ma essência, e va i se constituindo po r
processos de introjeção do mundo "exterior" e de projeção d os seus
conteúdos nesse mesmo mundo. O eu é nomeado como"sujeito", "Self",
"organismo", "ego", "personalidade", "homem" e torna-se o centro de
referência privilegiado, o eixo central da própria existência. Se ele am a
alguém, essa criatura nã o passa de u m amor que nutre a si mesmo. Sesente-se afetado p or alguém, é porque essa pessoa ativou conteúdos
psíquicos "internos". O q ue conhece retrata u ma identificação que se
espelha no s seres e coisas do mundo como objetos do s eu desejo e da s
suas representações. O mundo exterior é assimilado de tal maneir a qu e
se torna u m cenário onde os vários atores ou facetas de um mesmo
indivíduo atuam, assim como o outro é identificado a alguma qualida
de interior marcante.
Esse eu t em um a história considerável, e nã o caberia neste capítu
lo traçarmos um a linha genealógica tão esmiuçada. No entanto, acredi
tamos que um a referência inesquecívelparece se pautarnas concepções
de René Descartes (1596-1650). Descartes, como sabemos, projeta duas
essências o u "substâncias" para explicar as naturezas do homem e d o
mundo: o cogito e a coisa extensa. O cogito é "e u penso". O pensamen
to ocupa o andar nobre do sujeito. A ele c be o nascedouro da ciência
moderna, a pesquisa do conhecimento (incluindo o autoconhecimento),
assentar fundações mais sólidas possíveis para a busca pela verdade. O
corpoeo mundo (coisaextensa) são d a ordemde u ma realidade exterior
e separada do cogito, ou, quando muito, o corpo se mantém ligado ao
espírito (cogito) pela glândula pineal, mas, ne m po r isso, o e u deixa d epretender ser soberano, dono e senhor da sua própria casa.
O novo paradigma, u ma vez instituído, abre u ma discussão c om
aqueles q ue n ão admitem que o espírito seja o exclusivo fundamento
do conhecimento, e atentam para as percepções sensíveis. Estabelece-se
o debate racionalismo versus empirismo. É montada a estrutura do
edifício d a ciência e m seus moldes convencionais, que apresenta e m
um de seus polos o sujeito, e, no outro, o objeto. Cabe ao sujeito o su
posto lugar o saber, a lupa para experimentar e explorar o mundo,
retirando dele a fantasia, a imaginação, transfor mando os símbolos em
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Ao mundo é designada a polaridade "objeto" (em que se inclui,
não raro, o próprio corpo como parte dessa exterioridade). Se esse
objeto é tomado como exterior a u m sujeito, este pode dispor do mun-
do no modo da objetivação e apropriação - econômica, científica,
política. O encantamento com a natureza e o mundo é gradativamente
substituído por instrumentos e procedimentos de medição e exploração.Escrevemos, certa ve z (2008, p. 139-140),que, nesse contexto,
Averdadeé produto deum embateentre díades:sujeito-objeto, as ideias-o
empírico.É concebidoum "dentro" e a esfera de um "fora". O corpo é
um fora,pois não contémnenhuma racionalidade, muito pelocontrário,
é considerado o território do irracional. A razão é um dentro. Mas ela
deve ser adestrada para o caminho ortodoxo, o método para alcançar a
equação mais exata possível na ordenação da relação do sujeito com o
(agora) seu mundo. (...) A natureza, da qual faz parte a esfera do corpo,
é também um fora.Estáaberto o caminhopara a dominaçãoe exploração
da natureza, sob inúmeras formas.A natureza se toma o objetode um
sujeito.Na cisão objeto-sujeito, a natureza é despojada, definitivamente,
de uma alma.
Da mesma forma q ue o encantamento co m o mundo, em épocas
mais remotas, foi submetido à fôrma dos cânones morais e teológicos,
e o que fosse diferente do dogma instituído era considerado "bruxaria",
desta feita, o encantamento com a natureza é taxado de mera supers-
tição. N ão há mais sentido e m animar e povoar o mundo com deuses,
lendas e símbolos. A própria arte, ou o que sobrou dela, é submetida a
um novo domínio: o mercado. Ea busca pela transcendência é abafada
pelo ruidoso som das fábricas, máquinas e pelo estilo de vida cosmo
polita: "Deus está morto."
O modelo de eu distinto do mundo, qu e vê , entende e deseja esse
mundo como se u objeto, como instrumento d e se u bem-estar, através
do consumismo que devora insaciavelmente um a torrente de produtos,
cujo us o de muitos deles te m exaurido os recursos naturais do planeta,
aceita a propagação de u ma moral narcísica como valor de excelência.
Ele acata de bom grado os apelos ao individualismo, hedonismo, ego-...
.....
que deve estar em disputa, em destaque e "por cima" na tentativa falaz
para qu e a su a existência escape à contingência, u ma vez que a expe
riência d a transcendência cede lugar a u m imediatismo compulsivo e
a u m conhecimento qu e instala um poder disciplinar sobre o corpo e o
desejo.
É aqui que dá entrada no tabuleiro d a história o pensamento Marti n Buber. É aqui que começa a se insinuar u ma antropologia e u ma
filosofia que têm como parâmetro gnosiológico e ético o horizonte d a
alteridade.
6.3 Omodo Eu-Isso
Vamos começar a peneirar algumas considerações acerca d a con
dição humana do ponto de vista de Martin Buber pelo nosso modo
usual de ser, entranhado no cotidiano: o modo Eu-Isso.
Nesse modo, o outro é intencionado como u m objeto. Tratamos
"intenção" no sentido da intencionalidade fenomenológica, ou seja,
tratamos do sentido dado ao outro pelo sujeito.
O outro (ser humano, natureza, princípio sagrado etc.) é visto,
sentido e desejado como um objeto do m eu interesse, u m ser-para-mim,
um instrumento para mim. As relações sã o regidas fundamentalmente
po r interesses extrínsecos às pessoas envolvidas. Nesse modo, o outro
não tem sua existência afirmada ou "confirmada" (e m termos buberia
nos), isto é, nã o é plenamente aceito, desejado e reconhecido.
O outro é intencionado como u m meio para u m fim, q ue s ou eu
mesmo. Viso no outro à realização do me u desejo, apelo ao outro ape
nas para confirmar minha visão e ação no mundo. Encontramos aqui
a tentativa de apropriação das escolhas d o outro de acordo c om u m
projeto qu e basicamente me d iz respeito. Em contraste com essas v -
liações, Kant, antes mesmo de Martin Buber, em pleno século XVIIIjá
meditava: "jamais trate a pessoa como u m meio, e sim, como u m fim".
O outro é visado como u ma entidade separada. Ele só t em a ver
comigo na medida em qu e atenda a alguma demanda minha. Eu só o
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tido po r valores, expectativas e a té exigências minhas agregadas à su a
pessoa. Eu nã o o conheço mais a fundo, sen ão enquanto estabeleço um a
identificação imediata com o q ue ele representa-para-mim.
Na vivência Eu-Isso, um a possibilidade recorrente consiste em
assumir um a posição na existência na qual os indivíduos esperam
manter um a "identidade" fixa ao longo de seus relacionamentos. Essaidentidade marca um modo de se r rígido, qu e quer se conservar como
"eu s ou assim mesmo". Os indivíduos, p or vezes, procuram alguém
nos relacionamentos que lhes traga um a identidade emprestada ao s eu
vazio, co m o pensamento mágico de q ue obterão um a essência.
Notamos, se m dificuldade, que muitos relacionamentos, em seus
vários níveis, amigáveis, amorosos, familiares, profissionais, são con
duzidos e buscados na esperança de q ue o outro possa retirar o sujeito
da falta, realizar demandas, sublimar u m sentimento de impotência
diante d a vida o u de incapacidade para aceitar as responsabilidades.
Não poucas vezes constatamos, como resultado d e tal quadro, mais
uma tentativa de se escorar no outro do qu e u m encontro propriamen
te dito entre as pessoas. P or isso, Buber aceita q ue se possa substituir
a designação Eu-Isso pelo p ar Eu-Ele/Ela, quando os sujeitos n ão se
reconhecem efetivamente a partir da totalidade qu e é a pessoa.
Neste instante surge à nossa mente u ma passagem d a literatura
de Heidegger que ajuda a explicitar o próprio Buber. O que define o
ser humano para Heidegger é a condição originária d e ele se revelar
como u m se r qu e vai ao encontro do mundo nas suas relações. Nes sa
interação, ele faz a si e constrói o mundo. Ao estudar Heidegger, apren
demos qu e o se r humano nã o é, pura e simplesmente, u m ser localiza
do nu m mundo. O ser humano lança-se n o mundo e m u m modo de
ser relacionado indissociavelmente c om o mundo. P or isso, o signifi
cado d o "tocar" quanto ao mundo d a relação é b em distinto do tocar
das coisas "porque, em princípio, a cadeira n ão pode tocar a parede
mesmo qu e o espaço entre ambas fosse igual a zero. Para tanto, seria
necessário pressupor que a parede viesse ao encontro 'da' cadeira"
(1989,p. 93).A cadeira pode encostar-se à parede, mas, não pode tocá-la
do mesmo modo q ue os seres humanos s e dispõem para o tocar en-
Na condição Eu-Isso, tal como o qu e ocorre co m a cadeira e a pa
rede imaginadas po r Heidegger, os indivíduos se encostam (podem até
apertar as mãos todo dia, fazer amor etc.), m as n ão se tocam, n ão se
encontram efetivamente, mesmo que o espaço entre eles seja igual a
zero (relacionamentos que envolvam alguma espécie de proximidade
física n ão refletem, necessariamente, u ma proximidade afetiva).Pensamos algumas formas de objetivação do outro.
O outro como objeto utilitário. Nessa forma, partimos para os re
lacionamentos munidos c om um a expectativa constante: " O qu e esse
cara t em para me dar?"; "O que e u ganho com ele?". Dirigimo-nos a
ele n ão tanto pelo interesse p or ele como pessoa, mas, antes de tudo,
com fins p ragmáticos e utilitaristas, tais corno realizar um a tarefa para
nós, dar a sensação de segurança, fornecer prazer, fazer companhia,
obter ganhos, conseguir atenção, resolver problemas etc. O relaciona
mento é querido como u m investimento, como se investe numa bolsa
de valores visando ao lucro, n a poupança visando à segurança, n um
fundo de investimentos visando à rentabilidade. A pessoa do outro é
nivelada a u m meio para u m empreendimento individuaL
Aristóteles, n a Ética a Nicõmaco, elabora três tipos d e laços entre
os seres humanos, a q ue chama "amizade", u ve m do grego phylia,
ordenando-os numa escala d e valor ascendente. A phylia deve ser o
que rege a organização social em prol do be m comum, e concerne
também, à amorosidade, incluindo o amor ao saber, à filosofia (de
phylia+ sophia - sabedoria). O primeiro nível consiste, justamente, na
"amizade" movida pelo interesse. Uma primeira motivação para aamizade enquanto filiação dos"cidadãos" uns co m os outros pode se r
apoiar nu m certo tipo de interesse imediato pelo qual alguém se diri
ge a determinada pessoa. Isso nos lembra da relação abelha-mel, a
sedução d a flor. O segundo nível n ão quer retirar nenhum proveito
objetivo, mas subjetivo: são os relacionament os qu e divertem, passam
o tempo, oferecem um a prosa gostosa, são encontros conhecidos pela
expressão popular"os amigos do bar". E, finalmente, Aristóteles pen
sa a amizade no seu grau mais refinado, qu e permite as filiações mais
genuínas e duradouras, quando o "cidadão" se sente imbuído por um
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de ponderação qu e conduz a u ma sabedoria produzida pela conjunção
da razão com as vivências.
Os papéis sociais. Os relacionamentos envolvempapéis que usamos
para seguir normas de agir e julgar prescritas socialmente. Neste enfo
que, identifico-me e o outro a partir da uma função: "0 juiz", "0 ana
lista", " a mãe", " 0 filho", " a esposa", " 0 homem", "0 bandido", "0 re
ligioso", "0 empregado", "0 patrão", "a boa moça", "0 b om partido"
etc. Cada u m desses personagens tem o se u lugar marcado: o lugar de
professor, o lugar do aluno, o lugar do marido, o lugar da autoridade...
Cada um dessas representações acha-se portadora de u m tipo de cam
po de ação e de prestígio o u desprestígio.' A persona o u máscara acaba
tomando a frente de u m efetivo e mais amplo conhecimento da pessoa.
Espera-se q ue as pessoas se comportem conforme os papéis a elas de
signados. Quando isso n ão acontece, provoca um a estranheza, quando
nã o u ma rejeição o u retaliação. Quem já n ão escutou, dirigido a si o ua alguém, ou até e m novelas e filmes, a expressão "fiqueno se u lugar!"?
Há u m grande temor reverencial pela quebra d o contrato social e in
terpessoal n a atuação dos papéis.
Ocorrem "acordos implícitos", do tipo "eu não brigo comvocê, você não
briga comigo" (...) ou outros similares.Tais acordos, raramente explícitos,
parecemfuncionarna fantasiadas pessoasenvolvidas,de modo que agem
segundo tal acordo,como se fosseuma regra clarae que envolvenão só a
ela,mas a outra pessoa também. Porém, sendo um produto de uma fan
tasia, nem sempre o outro vai agir exatamente de acordo com o que foi
fantasiado. Eventualmente, o acordo não encontra sucesso ou o "fiel
cumprimento", segundo o critério de uma das partes envolvidas. Pode
ocorrer então a quebra do acordo implícitocom o surgimento simultâneo
da "culpa" por parte de quem não agiu como fantasiou que o outro de
sejaria (Rodrigues, 2002, p. 124).
1. Hegel faz um a instigante análise desses lugares cifrada no pa r senhor-escravo, e d e
monstra como eles são processados de forma dinâmica pelos atares em jogo, isto como o escra
vo se toma senhor e vice-versa. N o esteio dos estudos de egelSartre e Lacan desenvolveram
A quebra do acordo pode suscitar nu m dos parceiros, ou em ambos,
um sentimento d e culpa porque saiu d e seu suposto lugar. H á outras
reações possíveis.
Quando uma das partes de um contrato confluente sente que violou a
confluência [a não diferenciação entre o sujeito e o outro], ela se sente
obrigada a se desculpar ou a fazer uma restituição pela quebra do con
trato. Pode não saber por que, mas sente que transgrediu e acredita que
a compensação, a punição ou a expiação estão em pauta. Pode procurar
isto, pedindo ou submetendo-se humildemente a um tratamento, repre
ensão ou alienação severos. Pode também tentar dar a si própria este
tratamento punitivo, (...) onde trata a si mesma cruelmente através da
autodegradação, humilhação ou sentido-se sem valor ou má (Polster e
Polster,1979, p. 96).
Objeto dosaber. Alguém pode ser medido, tratado como um núme
ro estatístico, colocado e m u m laboratório, submetido a toda sorte d econceitos, sistemas e esquemas que definem previamente o q ue ele é,
como ele é, o diagnosticam e estabelecem um prognóstico para ele, o u
seja, determinam u m destino prévio as suas escolhas e relações.
O conceito ilumina, orienta, ajuda a mapear, clarificar, edificar e
elaborar u ma determinada questão, equaciona u m a problemática. N o
entanto, o conceito pode se r tratado apenas como Isso, se começa a se r
utilizado de forma a monopolizar as diversas possibilidades de com
preensão e interpretação. Vamos até o reino d os conceitos buscando
aprendizagem e orientação. Nisso, outorgamos autoridade a u m saber
já i nst itu ído , pois resta-nos d ar u m voto de confiança àquilo que nos é
transmitido e qu e no s parece plausível em determinado momento. N a
medida em qu e percorremos ativamente o processo de conhecer, que
remos o diálogo co m os autores, professores e saberes. Se fizermos essa
trajetória conformados numa assimilação passiva, acabamos, paulati
namente, nos acomodando aos conceitos, e nos acostumamos a enxer
ga r um a questão, o mundo, os seres unicamente sob o crivo do s teore
ma s reproduzidos.
Arrolando os conceitos no reino do Isso, sem muito esforço, tiramos• _
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já pensado. Mantemos o conhecimento numa esfera muito limitada, eo usamos para confirmar "nossas" visões de mundo que, de nosso,somente detém a ilusão de q ue estamos no domínio d e u m saber. Essalógica qu e se torna familiar e se m surpresas quando aplicada indistintamente aos seres humanos, rotula-os e m u m elenco d e classificações
que ganha legitimidade social, se consegue obter o certificado de "científico", "mediador do divino", "ético", assim p or diante. Tais classificações dogmáticas podem ordenar a vida social d e t al modo que osindivíduos retraem-se do cuidado com a subjetividade, a liberdade e adignidade, reduzindo a condição humana a relações institucionalizadas,com lugares e poderes rigidamente demarcados.
A leitura de Eu e Tuchama a nossa atenção para nã o dispensarmos
o contato vivo e recíproco entre o se r humano e o mundo, e nã o somen
te procurarmos conhecê-lo p or formulações teóricas ou p or procedimentos experimentais. O se r humano é um devir, e se dispõe como um
desafio permanente às lagias: episte mologias, filosofias, psicologias...O mundo desatina a todo o momento as tentativas d e apreendê-lo. A"experiência", para Buber, toca a superfície d as coisas. Para conhecero mundo é preciso também entrar em relação direta co m ele, u m apelo
ao Eu e Tu. O fechamento para o mundo, o conhecimento como vonta
de de se apropriar e dominar é manifestado po r Buber (1977) como
mundo d a "experiência", campo do modo Eu-Isso. " O experimentador
nã o participa do mundo. A experiência se realiza "nele" e nã o entre eleo mundo. O mundo não toma parte d a experiência. Ele se deixa expe
rienciar, ma s ele nada t em a ver com isso, pois, ele nada faz c om isso enada disso o atinge" (Buber, 1977, p. 6).
6.4Arelação Eu eTu
No modo Eu e Tua relação é caracter izada pela reciprocidade, pelo
diálogo, pela inclusão. Forma-se um a identidade na qual ambos seenriquecem na relação, n a medida e m qu e n ão permanecem fechadosem si mesmos. É, portanto, u ma modalidade d e relação caracterizada
oferta-se, p or assim dizer. Na s interações entre os seres humanos, arelação Eu e Tu é caracterizada p or um ir ao encontro do outro c om
interesse, diligência e consideraçã o recíprocos. Costuma-se denominar
encontro essa abertura para o outro.
O Tu implica u ma forma d e relação participativa, inclusiva, inte
rativa e orientada pelo cuidado. Essa percepção se insere numa éticado cuidado, proposta po r Leonardo Boff (1999). O cuidado solicitadesvelo, diligência, zelo, atenção, gentileza. É um a atitude fundamen
tal, um modo d e ser mediante o qual a pessoa sai d e si e dirige-se aooutro c om desvelo e solicitude. "O cuidado somente surge quando aexistência d e alguém tem importância para mim. Passo então a dedi
car-me a ele; disponho-me a participar de s eu destino, de suas buscas,de seus sofrimentos e de seus sucessos, enfim, de su a vida." (Boff,1999,p. 91). A existência d e alguém adquirir importância é mais do q ue onascedouro d a ética: indica a ontologia da pessoa, assentada na confir
mação dela como alteridade.A alteridade se conecta co m a noção d e pessoa. Reconhecer o ou
tro e si mesmo como Tupermite aflorar a condição d e pessoa. A pessoa
desenvolve u m modo próprio d e se r na s relações, n a infindável e complexa rede de relações co m o mundo, as outras pessoas, a comunidade,
a natureza, a poética d o imaginário, c om u m ente enovelado p or u m
sentido de mística, co m as várias expressões e possibilidadeshumanas.
o principal pressupostopa ra o surgimentode um diálogo genuíno é quecada um deveria olhar seu parceiro como a pessoa que ele realmente é.
Torno-me consciente dele, consciente de que ele é diferente, essencialmente diferente de mim, de uma maneira única e definida que lhe é
própria, e aceito a quem assim veja, de forma que eu possa plenamentedirigir o que digo a ele,como pessoa que eleé (Buber,citado por Hycner,1997, p. 27)
O s er humano deixa de se limitar a u ma "coisa", um conceito, um
dado experimental o u estatístico quando vislumbra no horizonte d e
su a existência u m Tu, e ele próprio se apresenta como um Tu. Dessaforma, ambos afirmam plenamente a s ua pessoa. Essa constatação nos
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242VALDEMARAUGUSTOANGERAMI PSICOTERAPIA EBRASILlDADE 243
I
!
a reciprocidade: "Relação é reciprocidade. Meu Tu atua sobre mi m
assimcomo eu atuo sobre ele. Nossos alunos no s formam, nossas obrasnos edificam. (...) N ós vivemos no fluxo torrencial d a reciprocidadeuniversal, irremediavelmente encerrados nela" (Buber, 1977, p. 18).
Um cientista se relaciona c om o q ue está pesquisando, c om a comunidade científica, com os seus alunos. O artista, c om a obra, o p ú
blico, a su a temática, a história e a cultura. Assim, infinitamente, vamos
identificando inúmeras relações, a existência se define como essa rede
infinita de relações, como L eonardo Boff (1999,p. 92) tenta no s descrever, a partir da s ua interpretação do pensamento de Martin Heidegger,afinado co m a percepç ão de Buber.
Quando dizemos ser-no-mundo não expressamos uma determinaçãogeográficacomo estar na natureza, junto com plantas, animais e outrosseres humanos. Isso pode estar incluído, mas a compreensão de
ser-no-mundo é algo mais abrangente. Significa uma forma de ex-istirede co-existir, de estar presente, de navegar pela realidade e de relacionar-secomtodas as coisasdomundo. Nessaco-existênciae con-vivência,nessanavegação e nessejogode relações, o ser humano vai constituindoo seu próprio ser, sua autoconsciênciae sua própria identidade.
O sistema de Buber é conhecido como"filosofia d o diálogo". Foiadotado e adaptado com certo entusiasmo p or psicólogos de diversaslinhas (gestalt terapia, existencial fenomenológica, rogeriana, psicodrama), e chegou a se r definido po r Richard Hycner (1995) como
"psicologia dialógica". O qu e nos permite um a primeira compreensãodo que seja essa modalidade existencial resume-se n a seguinte premissa: numa relação dialógica, o centro dessa relação nã o reside maisno eu, n em no outro. No modo de relação Eu e Tu, não é um a instânciane m a outra que são o eixo central, ma s a relação na forma dialogadae recíproca. A relação se constitui n a interação entre o Eu e o Tu, istoé, entre os integrantes da relação. Assim, podemos introduzir maisum a noção importante: o entre. O entre ajudar a assentar o terrenoonde se pretende plantar u ma atitude dialógica. Para Buber, o significado d o inter-humano "... nã o será encontrado e m qualquer dos dois
entre qu e é vivido p or ambos" (Buber citado po r Hycner, 1995, p. 23).Definimos, portanto, Eu e Tu como o q ue designa u ma relação entrenós e o outro, compondo u ma identidade qu e nã o recusa a diferença,ao contrário, a aceita, e mesmo a deseja, convida-a para girar em con
jun to a roda d a vida.
O dialógico envolve u ma abertura à afetação mútua entre mi m eo outro. A minha ação suscita u ma resposta no outro, nã o de u ma maneira automática, condicionada, estereotipada, impessoal, mas, na
forma de troca, diálogo, comunicação. Há u ma inter-ação n a relaçãocom o outro. Minha presença afeta, "toca" o outro, assim como a s ua
presença me "toca". Eu abro o espírito para que a presença d o outropossa compor u m sentido significativo. E u falo c om ele também como coração e não apenas com a razão, compartilho u ma impressão quese formou n a lida co m o mundo. A partir do que apresentei, acrescidoàs suas vivências, ele responde a minha comunicação. Assim, eu afetoo outro, enuncio u m sentido qu e lhe faz u ma provocação: a etimologiadessa palavra denota "chamar para fora", "intimar a sair".
Através do diálogo criamos u m texto em comum, u m com-texto,que insufla a ampliação da s possibilidades de c ompreensão e ação. No
dialógico a compreensão não é urdida solitariamente. É compostapelosintegrantes da relação, é um dia-logos q ue atravessa a relação, do gregodia (através de) e logos (enquanto palavra, discurso, fundamento). N ão
há preponderância d e u m modo de ser, de um modo de ver. Não h á
um logos encerrado numa atitude centrada no eu. P or exemplo, tomar
o outro como um grande orelhão (como um telefone público) paraconfessar as suas dores, faltas, idiossincrasias e fantasias, se m maiorinteresse pela pessoa dele.
O ser de ambos se mobiliza e o s er é chamado ao devir. Hora d e
pegarmos u ma cadeira para ouvir o depoimento de Frederick Perls:"(...) Eu e Tu é um a fronteira em constate mudança, onde duas pessoasse encontram. E quando nós no s encontramoslá, eu me modifico e vocêse modifica através do processo de encontrarmos um ao outro (...)"(citado po r Hycner, i n Hycne r e [acobs, 1997, p. 23).
Assim, o qu e acontece c om u m repercute n o outro. Ambos assu-
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VALDEMARAUGUSTO ANGERAMI PSICOTERAPIA EBRASILlDADE 5
o egótico toma consciência de si como um ente-que-é-assim, e não
-de-outra-modo. A pessoa diz: "Eu sou", o egótico diz: "eu sou assim".
"Conhece-te a ti mesmo" para a pessoa significa: conhece-te como ser;
para o egótico significa: conheceo teu modo de ser. Na medida em que o
egóticose afastados outros,elese distanciado Ser(Buber, 1977, p. 74-75).
Através do árduo rompimento d as defesas suscitadas pelo temor
de se expor ao face a face com as pessoas e consigo mesmo, pela ex
pressão das emoções e pensamentos, no convívio com os seres, no
cuidado consigo e c om o outro é q ue constituímos u ma subjetividade
dialógica, u m ser-com, numa só palavra, a pessoa. Buber contrapõe a
pessoa a outro modo de ser, a que chama egótico, e m q ue aparece u m
nítido centramento do sujeito em torno de si mesmo. Ele age como um a
unidade fragmentada, fechada à alteridade e a se transformar.
A condição egocentrada se delicia em manter-se tal como "é".
Nesse modo, parte-se para os relacionamentos sem querer abrir m ãodo centramento da "personalidade", com sentimentos como "não que
ro perdernenhum pedaço, "não quero perder tempo", "não vale a pena
o investimento". Assim, o indivíduo interessa-se po r conhecer o mun
do como objeto para a su a apropriação, e o outrocorno u m desfrute da
sua individualidade. "A pessoa contempla-seno seu si-mesmo, enquan
to qu e o egótico ocupa-se com o seu "meu": minha espécie, minha raça,
me u agir, me u gênio" (Buber, 1977, p. 75). U ma massa de unidades
humanas é regida pelo modo de ser impessoal: compõe u ma sinfonia
caótica, um formigueiro de gente qu e adota os mesmos comportamen
tos, ideias e valores, persuadidas através de artifícios ideológicos inje
tados n as imagens, de qu e os modos padronizados só pertencem ao
indivíduo: se u carro, se u apartamento, se u vestido, se u celular. Sob um
clima de entusiasmo juvenil, u ma parafernália tecnomercadológica é
montada para p ôr e m cena u m palco onde brilham as promessas de
prazer imediato e felicidade. Você só será feliz se consumir essa gela
deira, esse carro, essa marca. Quem não entra na busca frenética p or
aquisições, como se elas acrescentassem algo ao ser, é excluído, é u m
zero económico.
O egocentrismo escora a s ua atomização no eu-separado, no " eu
outro. N ão impera a norma "o problema é seu", "não tenho nada co m
isso", "isto é u ma questão sua", "estou fora". Eu posso n ão estar im
plicado diretamente com algo pelo qual o outro está passando, m as
procuro, de alguma forma, compreender e solidarizar-me com ele: a
su a existência importa para mim, como explicou supra Leonard o Boff.
Uma questão que não deve ser esquecida é o trato q ue Buber dispensa à articulação entreo existentee o tempo. A modalidade temporal
do encontro é trabalhada dentro d a ideia de atualidade. Referindo-se
à intersubjetividade, diz Martin Buber: "Pois, eu estou falando, na
verdade, do homem atual, de ti e de mim, d e nossa vida e de nosso
mundo e nã o de u m e u em si ou de u m ser e m si" (1977, p. 15).
Descobriremos de que forma n os reconhecemos mutuamente n a
relação; ne m antes, antecipando os nossos passos e os d o outro, esta
belecendo pre missas logísticas de causa e efeito, n em depois, quando
retornamos para o recolhimento e pensamos "e u deveria ter dito ou
feito isso naquela ocasião...", Quando excessivamente imbuídos da
necessidade de n os preparar meticulosamente para nos relacionar com
outro, acabamos comprometendo um qu ê de espontaneidade, e dando
respostas comportamentais como se seguíssemos u m roteiro previa
mente traçado indistintamente para várias situações e pessoas. Crista
lizamos o ser n a esfera do Isso, onde tudo deverá ficar sob controle e
se mostrar previsível. Muitos "mecanismos" de defesa são desenvol
vidos diante da dificuldade de sair para o encontro.
Uma pessoa pode estruturar suas vivências de tal forma q ue per
manece estagnada numa espécie de pacto co m se u passado. Ela nã o se
apropria do passado como um a referência para a existência que lhe
traga o mote do risco inerente a certas escolhas. Ela pouco aproveita de
suas experiências, pois, nã o consegue abrir espaços para a atualização
das suas relações, mantendo-a s sempre conforme as mesmas represen
tações usuais, qu e lh e dã o a aparência de certeza e segurança na tenta
tiva de conferir estabilidade ao seu mundo, por "pior" q ue ele esteja
sendo encarado. Essa pessoa segue a máxima "é preferível o ruim e
conhecido ao desconhecido". E quanto mais ela se enroscano modo de
ser enclausurado sobre si mesma, mais profundamente é atirada na~ ~ : I ~ : I ~
_ I II _ .... J
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246 VALDEMARAUGUSTO ANGERAMI PSICOTERAPIA EBRASILlDADE 247
II
com o outro acaba renovando o si-mesmo. A atitude egocentrada dis
pensa o mundo porque não confere um sentido próprio ao mundo,
visa, em primeiro lugar, ao seu mundo. O s eu entra entre o sujeito e o
mundo, toma o lugar do mundo. O outro permanece de fora, ele só
entra se for considerado útil. Ocorre-nos um a palestra do filósofo
Mario Cortella (A criança em seumundo,s.d.), q ue trabalhou na área d a
educação, muito chegado à psicologia, na qual faz um prognóstico
bem-humorado: qualquer dia desses, os relacionamentos v ão ser re
gidos pelo código do consumidor, "prestação de serviço", ironiza. N a
atitude egocêntrica, para me sentir seguro preciso ter a sensação de
qu e possuo e tenho u m certo controle, enfim, o outro precisa ser inse
rido como objeto, e m geral, fonte de gratificação. N a atitude egocen
trada, importa a valorização da separatividade. O outro é um mero
apêndice d a história de cada um. Surgem ideias do tipo: "Você preci
sa pensar primeiro em você."
O ser humano s em o mundo efetivo d a relação cai ainda mais nodesamparo. Pululam sintomas a fartar compêndios de psicopatologia.
O indivíduo perde a noção d a ética como construção do ethos, espaço
comum. Nã o sabe mais o qu e faz sentido, n em ao menos consegue
discriminar u ma vivência fugaz de u ma significativa. Cativo d a diver
são, não sente mais nada além d a compulsão ao espetáculo e ao entre
tenimento. Busca fugir da angústia refugiando-se naquilo que lhe dá a
ilusão de autossuficiência, de dispensar a todos os outros e "ficar n a
dele". Asolid ão se insufla em sua vida. Quanto mais ele foge dela per
sistindo no modo egótico de escolha, mais ela o alcança.
O modo egótico não deve ser associado d e imediato a um ente em
estado patológico, ainda q ue alguém possa apresentar o qu e para nó s
soa como dificuldades psíquicas advindas disso. Todos podemos ex
perimentar isso, quando mantemos a atitude de recusa da relação.
Quando queremos resolver as coisas fechados entre quatro paredes,
enchemos o peito para dizer que"o inferno são os outros".
Apesar do quadro mostrado, Buber não faz pouco do ser humano:
o ratifica como um ser de possibilidades. Edeixa-nos um a meiapalavra,
para que possamos elaborar a frase po r inteiro. "Nestas épocas, a pes-__ 1 1 . . . .1_
J .; to C 'I 1
velada e, de algum modo, ilegítima - até o momento e m q ue ela será
chamada" (1977, p. 75-76). Essa sentença n os coloca n o beiral d o pró
ximoitem.
6.5 Aalternância doTu com o Isso
Em última análise, estenderíamos os pares Eu e Tu e Eu-Isso para
as relações e m todas as direções: Eu e o Outro, pessoa-comunidade,
cientista-natureza, pessoa-sagrado, artista-obra, professor-aluno etc.
Os modos Eu e Tu e Eu-Isso são originários e descrevem com precisão
a existência. Eles se alternam e se entrelaçam no modo pelo qual os
indivíduos processam u ma relação.
O jogo do Tu com o Isso, as várias linhas de p ossíveis relações, que
nã o se restringem a relação entre seres humanos, é apresentado na
relação com u m animal, c om u ma árvore e c om a obra de arte.
Buber descreve o se u encontro com u m gato. N um breve instante,
ele teve a nítida impressão de que ambos apareciam um ao outro como
um Tu, mesmo qu e através da expressão d a linguagem não verbal, po r
um intenso olhar entre ambos. Buber acredita que os olhos de u m ani
mal tê m o poder de u ma grande linguagem. Sem o auxílio da s palavras,
o olhar do animal desvenda alguma coisa, apesar d o mistério no seu
encobrimento natural. N a força d o entreolhos, Buber teve a viva sen
sação de que o gato falava com ele: "É possível q ue tu te ocupes de
mim? O que desejas realmente de mi m é outra coisa do que simplespassatempo? Interessas-te p or mim? Existo para você, existo?" Nessa
. interação, Buber constata o jogo d o outro como Tu e como Isso, a lin
guagem da aurora e d o ocaso.
o olhar do animal, esta expressão de ansiedade apenas abriu-se enorme
mente e já se apagava. (...) Há pouco, o mundo d o Isso n os envolvia, o
mundo d o Tu havia emanado das profundezas no instante de um olhar
e agora já caiu d e novo no mundo d o Isso. (...) senti (...) profundamente
a efemeridade d a atualidade d e todas as relações co m os seres, a melan-
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248 VALDEMARAUGUSTOANGERAMI PSICOTERAPIA EBRASILlDADE 249
Isso. (...) Comoé poderosa e continuidade do mundo do Isso! e comosão
frágeis as aparições do Tu! (Buber, 1977, p. 113-115).
As análises de Buber alcançam outras paisagens. Quando nos
encontramos diante de um a obra de arte, chegamos ao portal d a -
mensão estética. Em Buber, há nesse "rito" um mais-além: não nos
detemos apenas diante da contemplação ou da produção da obra, mas
estabelecemos um a genuína relação co m ela.
A arte instala u m confronto artista-obra. N ão cabe apenas ao ser
humano a criação estética. N ão apenas ele desliza para a forma, mas,
igualmente, um a forma se defronta com ele, anseia tornar-se um a obra
po r meio dele. Ela nã o é um produto de seu espírito, mas uma aparição
que se apresenta a ele, "exigindo dele u m poder eficaz" (Buber, 1977,
p. 11).Buber faz questão de afirmar q ue a obra não é propriedade do
artista, n em mesmo, é estritamente u m produto do se u espírito. Por
que Buber não trata da subjetividade como fundamento da criação
artística? Ele pretende ressaltar a interação artista-obra, pretende des
tacar tanto o fundo como a figura, artista e obra elevados ao mesmo
plano, sem perderem suas marcas distintivas. A obra não fica presa à
psique do artista e do s eu admirador. A origem da obra de arte é atra
vessada de ponta a ponta por uma intencionalidade relacional. Em
outras palavras, u ma doação d e sentido se instaura numa relação e m
que obra e artista se criam como seres e m inter-ação.
A obra se oferta, mas, ao mesmo tempo, entrega um risco. Cada
pincelada, embate com a matéria, apuro do olhar, escorregar do s dedos
ao longo d a obra, tudo isso envolve risco, pois, nã o pode ser produzido senão pelo ser e m s ua totalidade. Entra em foco mais uma noção
quando trabalhamos com Buber (1977, p. 3): "A palavra-princípio
EU-TU só pode se r proferida pelo ser na sua totalidade." O sentido de
"palavra" não deve ser lido sempre de for ma literal. A palavra-princí
pio (tanto no Eu-Tu quanto na órbita do Eu-Isso) é um fundamento qu e
designa u m dirigir-se ao o utro, enunciar, levar, enviar, remeter, proje
tar-se n a direção de, chamar.
Então, tudo que ainda há pouco compunha um somatório de par
tes, manti nha-se preso à determinada perspectiva, deverá ser ultrapas-
do face a face. Quem se entrega à obra sob o prisma do Tu, "não deve
ocultar nada de si, pois a obra nã o tolera, [assim] como a árvore o u o
homem, qu e eu descanse, entrando no mundo do Isso. É ela q ue domi
na; se e u nã o a servir corretamente, ela se desestrutura o u ela m e de
sestrutura" (Buber, 1977, p. 11).O art ista arremessa um laço e se emba
raça numa relação desnudada com a obra, nu m diálogo do espírito coma matéria e m que pipocam sons, faíscas e lascas, esculpindo as mãos
do escultor, modelando as mãos do violonista, afinando a audição.
Sublinhemos as palavras que dã o sabor a um a autênti ca relação: a obra
atua sobre mim, assim como e u atuo sobre ela.
O ato criador nã o escapa d a responsabilidade pela escolha se va i
acolher o chamado da obra ou mantê-lo a distância. Produzir ao largo
da relação é nã o só se apropriar artificialmente da obra, como também
aniquilar o próprio sentido d a arte. As apreciações críticas d a estética
contemporânea quanto à chamada"sociedade do espetáculo" conver
gem com essa meditação. "É a tirania do espetáculo. Fora do espetácu
lo não há salvação (...) O artista deve se tomar não só artista, mas alguém
com poder de encantar as multidões, o animador d as massas. Mesmo
com todo esse esforço, ele pode acabar n o fundo d a cena (Veríssimo e
Bassi, 2007, p. 159). Na contramão dessa tendência, Buber (1977,p. 12)
enuncia outra possibilidade:
Fazer é criar,inventar eencontrar. Dar forma é descobrir. Ao realizareu
descubro. Eu conduzo a forma para o mundo do ISSO. A obra crida é
uma coisa entre coisas, experienciávele descritível como uma soma de
qualidades. Porémàqueleque contempla [aobra] comreceptividade, elapode amiúde tornar-se presente em pessoa.
A esfera dialógica, como acentuamos, é um autêntico encontro. Ele
sustenta u m caráter originariamente simples e imediato, q ue é preci
samente expresso quando Buber relata a possibilidade de relação co m
uma árvore. Aárvore pode ser medida e entrarpara alguma estatística,
submetida ao rigor da lei científica, q ue prescreve qual a su a inscrição
no reino d a natureza, qual a s ua função: nela nada mais se reconhece
a n ão se r u ma ordenação rigorosa de leis que regem a composição e a__ J __ c-
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forças. Ela pode ser disposta como u m objeto: como objeto de estudo,
um exemplar, classificada n um conjunto de espécies. A árvore pode
"servir" para alguma coisa, q ue passe po r u m trato cujo propó sito seja
um conhecimento frio e calculista. Posso apropriar-me dela como ma
deira, como matéria-prima para alguma produção comercial, posso
interessar-me p or ela como essência aromática, como remédio, comoinvestimento econômico, como objeto decorativo.
A enunciação "Isso é um a árvore" nã o pode ser mais adequada a
sua objetivação. Até que ela, s em deixar de se enraizar como u ma ár
vore, mostre-nos ou tras faces. Esse des enho no vo só pode ser compos
to se n os dispusermos a conhecê-la de forma renovada, n ão simples
mente como u m objeto, mas através da nossa relação c om ela. Existe
mais um a possibilidade de se dispor diante de u ma árvore. Agora, ela
não é confinada a u ma representação qualquer. Passo a me interessar
por ela como u m ser, u m ser vivo, cujo brilho d a relação ilumina m eu
olhar para ela, onde nã o mais estou munido de u ma fita métrica o u deuma motosserra. Consigo senti-la, tocá-la, perceber s eu aroma, e ser
tocado p or ela, aceitar a s ua presença.
Entretanto, pode acontecer qu e simultaneamente, po r vontade própria e
por uma graça, ao observar a árvore, e u seja levado a entrar em relação
com ela;ela não é mais um Isso. A força de su a exclusividade apoderou-se
de mim. (...) Tudo o q ue pertence à arvore, s ua forma, s eu mecanismo,
sua cor e suas substâncias químicas, sua"conversação" com os elemen
tos do mundo e com as estrelas, tudo está incluído numa totalidade
(Buber, 1977,p. 8).
No momento em q ue abraçamos o face a face c om a árvore, per
cebemos que ela nã o nos pertence, ainda que nos sintamos a ela ligados,
ela não é apenas representação, um a reprodução passiva de nossos
sentidos, u m conteúdo psíquico de nossa subjetividade, nã o é apenas
o meio pelo qual a nossa subjetividade se faz perceber a si própria. Ela
é aquele ser q ue se apresenta a nó s n um encontr o único. Ela foi reves
tida pela intencionalidade d a pessoa: n ão é só olhada, como aceita e
estimada como um ser especial e singular, qu e tem seu valor confirma-• - 1
diante de m im e t em algo a v er comigo, e eu, se be m qu e de modo di
ferente, tenho algo a ve r com ela. Qu e ninguém tente debilitar o senti
do da relação: relação é reciprocidade" (Buber, 1977, p. 9).
Esse relato, ao nosso ver, n ão trata apenas de u ma relação com a
árvore. Ele ilustra a relação dialógica d o s er humano com a natureza.
No avesso disso, temos a apropriação voraz d a natureza, a naturezaobjetivada, artificial, domada, domesticada, enfim, a natureza na qua
lidadede objeto, servil ao homem, se u "senhor".
A perda do contato direto c om a terra, os ritos d e purificação n a
terra, o cultivo zeloso da terra é um a linguagem do homem c om a
natureza perdida em face de um a apropriação constante e inarredá-
vel (até agora) da natureza como um capital. Os pés que pisam no
asfalto não mais caminham diretamente na terra e com a terra, ao
contrário: eles a pisoteiam implacavelmente, construindo prédios,
fábricas, armamentos, depósitos de lixo, n um habitar que desaloja o
ser humano de seus ideais éticos de "humanidade". As mãos nã o se
sujam n a terra. A cerebração humana inventou luvas para evitar o
contato direto.
Quando o s homens n ão mais sentem os p és descalços n a terra,
esse acolhimento fenomenal, eles se esquecem da s suas origens, se
esquecem de si mesmos naquele sentido já apontado p or Sócrates. A
relação com a árvore expressa a relação co m a terra. Relação debilita
da, combalida, combatida pela apropriação extrativista, econômica. A
árvore coloca para n ós u ma dura constatação: objetivar a natureza é
desenraizar-se de si mesmo. A árvore coloca para nós um a dura eurgente decisão: que mundo queremos para nós, para noss os filhos?
Ouçamos Leonar do Boff (1999,p. 11):
A sociedade contemporânea, chamada sociedade d o conhecimento e da
comunicação, está criando, contraditoriamente, cada vez mais incomu
nicação e solidão entre as pessoas. A Internet pode conectar-nos com
milhões de pessoas se m precisarmos encontrar alguém. Pode-se comprar,
pagar as contas, trabalhar, pedir comida, assistir a um filme sem falar
com ninguém. Para viajar, conhecer países, visitar pinacotecas não pre-
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Arelaçãocom a realidade concreta,comseus cheiros,cores,frios,calores,pesos, resistênciase contradições é mediada pela imagem virtual que ésomente imagem. O pé não sente mais o macio da grama verde. A mãonão pega mais um punhado de terra escura. O mundo virtual criou umnovohabitat para o serhumano, caracterizadopelo encapsulamentosobre
si mesmo e pela faltade toque, do tato e do contato humano.
Faz eco e m nossa linha atual de argumentação a filosofia d e Heidegger. Para Heidegger, o mundo e a terra (a natureza) travam u m
perpétuo combate. Nele, um faz o outro, e mais, elevao outro para alémde si próprio. N ão se trata d e u ma disputa para a supremacia, e sim,de u m diálogo d e opostos q ue institui o jogo do mundo (simbolizadopela imagem da clareira) co m o mistério e a ocultação (a terra).
A partir dessas leituras, podemos nos perguntar como poderemos
resgatar o cuidado. Entre nossas preocupações, assoma à nossa mente
mais um a pergunta. O mundo da cultura contemporânea precisa renegar a terra até rasgá-la agressiva mente e exauri-la? Agora, damos vo z
ao próprio Heidegger (1992, p. 38):
O mundo é a abertura que se abre dos vastos caminhos das decisõessimples e decisivas no destino de um povo histórico. (...) Mundo e terrasão essencialmente diferentes um do outro, e todavia, inseparáveis. Omundo funda-se na terra e a terra irrompe através do mundo. Mas arelaçãoentremundo e terranunca degenera na vaziaunidade de opostos,que não têm que ver um com o outro. O mundo aspira, no seu repousarsobre a terra, a sobrepujá-la. (...) A terra, porém, como aquela que dá
guarida, tende a relacionar-see a conter em si o mundo.
6.6Adificuldade em realizar omodo Eu eTu
Notamos, apoiados na leitura de Buber, u ma dificuldade qu e surge para o ser humano n a constituição d a existência: estabelecer u ma
relação dialógica (Eu eTu). Uma relação horizontal, de pessoa a pessoa,e nã o vertical (baseada, antes do mais, no autoritarismo e no exercíciode poder de u ns sobre os outros). U ma relação horizontal pede parce-
Chama-nos a atenção u ma forma de conceber "relação" que não
está apenas "na cabeça" de algumas pessoas: podemos identificá-laem
sistemas psicológicos, filosóficos, teológicos. Trata-se da recusa em
conceber a mesma medida ontológica para cada componente do par
em relação. É como se u m deles fosse portador de mais ser, mais"substância", fosse mais essencial e importasse mais qu e o outro. Essa men
talidade identifica "relação" como um a composição d e pares de opostos formado po r elementos rigorosamente distintos: o sujeito e oobjeto, a alma e o corpo, a razão e a paixão, o ser humano e Deus etc.Nessa composição, pode-se até admitir algum tipo d e relacionamento,mas insiste-se n a tese de que cada elemento sustenta um a identidade
inflexível, que não se altera na s suas interações. A partir dessas distinções, s ão idealizadasescalas hierarquizadas de valor: o homem se achasuperior à natureza, a lógica formal e experimental prepondera sobre
a afetividade e o desejo, a lógica racional vale mais do que a poéticadas imagens, o ser humano não se nivela d e modo algum ao divino, amáquina é considerada mais eficiente qu e o ser humano, a informáticamais sapiente que ele, certos comportamentos são considerados válidos,outros são repr ovados pela s convenções morais, científicas e religiosas.
No plano do s relacionamentos interpessoais, a ass imetria entre osparceiros pode se tornar a tônica de um relacionamento, mesmo que
ambos suponham qu e se estimem. S em dificuldade, anotamos algunsmodos d a práxis no q ue diz respeito aos relacionamentos. O primeiro:o sujeito se considera o centro d a relação. Ele nã o consegue sa ir de si e
entrar e m empatia com o universo do outro. A empatia implica u masérie de compreensões, tais como, " o outro não s ou eu", o u seja, o reconhecimento da diferença, dos limites do outro, seu modo de ser eencarar o mundo etc. Segundo procedimento: quando uma pessoa não
se dispõe para o relacionamento com o o centro dele, é comum ela viverem função do outro de tal modo que ela experimenta o oposto: suavida
torna-se algo como um planeta que gira em função do sol (o outro). Há
um a tal identificação co m o outro, qu e el a mal reconhece a si própria,e já n ão sabe mais o que significa o s eu projeto. Se o outro, p or u m
motivo qualquer, sumir do horizonte da sua existência, e la se sente
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a essa duas atitudes um a terceira, a ambivalência, a oscilação entre um a
modalidade e outra com relação à mesma pessoa.
O estudo d e Martin Buber no s convida a ponderar, com toda se
riedade: como vamos ao "encontro"? Noss as relações são um encontro
ou eterno experimentar, tentando permanecer n a fonte da juventude
para sempre através da novidade e da descartabilidade ao menor aceno do trágico? P or outro lado, cabe perguntar: nossas relações são u m
encontro o u u m confronto, o u melhor, u ma guerra, u ma "disputa de
egos", como de diz? Queremos,de fato, nos conhecere conhecer alguém
ou nos apoiar sobre os outros como u ma solução para o desamparo e
para"ser feliz"?
No enfoque intersubjetivo, observamos, aqui e ali, a exaltação de
um a subjetividade insulada, n a qual o que em geral se entende p or
"identidade" (ou se quer entender) ratifica u m modo de ser descrito
po r Luiz Bicca (1999, p. 56 e 57):
Amaioria dos homens comporta-se segundo a representação habitual de
que o "eu" significa um núcleo ou palo separado de sensibilidade e ação,
vivendo dentro e limitado pelo corpo físico - um palo q ue se defronta
com u m mundo"exterior" de pessoas e coisas,faze ndo cantata com u ma
realidade distinta. (...) O que chamamos de "realidade exterior" ou de
"sociedade" (...) atua c om um a força irresistível a persuadir-nos de q ue
somos, antes de qualquer outra coisa, átomos de existência. A partir daí
torna-se muito fácil e natural o se comportar como se ser fosse essencial
mente contrapor-se, confrontar, disputar, em suma, estar sempre e cons
tantemente em contraste com alguma coisa.
Essa descrição é fidedigna sobre o qu e acontece co m muitas pes
soas n a contemporaneidade quando "entram" n um relacionamento.
Frequentemente observamos que, apesar de imaginarem ter afinidades
e sentimentos, cada um tenta fincar os pilares da su a "personalidade",
e não abrir mã o dela, de tal maneira qu e o outro é instado a confirmar
a autoimagem do parceiro. Desse modo, reciprocamente, cada um
deles nã o ultrapassa u m exercício egótico, o u seja, o de alocar o outro
como u m meio para justificar a baixa o u a alta autoestima através d o
O relacionamento deve ser "aprazível" ou, pelo menos, "tranqui-
lo" o maior tempo possível. As fricções inerentes às diferenças de cada
um, que se mostram progressivamente co m a passagem inexorável dos
dias, fruto da própria convivência, são encaradas como "desgaste",
"crise", ou, explicitamente " um saco" (chatice), algo que põe e m risco
o projeto do eu de se manter no que acredita ser o valor maior, sua
"personalidade".
Essa moral t em como suporte ideológico u ma cultura narcísica,
propagada aos quatro cantos do planeta pela mídia, seguindo um a
economia de mercado qu e se inscreve no seio de outro veio d a cultura
atual, o consumismo. Ele se apoia na apologia do descartável, e m q ue
nã o se faz tanta diferença se descartam-se latas de bebida ou pessoas.
São exaltados valores d o tipo "seja competente", "goste de si mesmo",
"seja você mesmo", "depende de você", "o que está esperando?".
Tenta-se disseminar a crença de que para alguém se "dar bem" com o
outro, é preciso, e m primeiro lugar, cultuar a personalidade. O outronão passa de u m veículo para a felicidade própria, como aquele conto
de fadas em q ue a carruagem da mocinha é, na verdade, um a simples
abóbora.
Em lugar de cativar a consciência de que -uma relação implica
esforço, luta consigo mesmo, negociação, resta ter o outro como u m
aparato em que se descarrega toda sorte de frustrações e agressividade,
caso falte às medidas previamente estabelecidas para ele, muitas delas
definidas antes mesmo de conhecê-lo, através da passiva representação
da moral social. N a redação de Jurandir Freire Costa, a recusa em abrir
mão de algum a coisa abre espaço para representar o outro nã o somente como um boneco de pancadas, mas, igualmente, como um carrasco,
quando algu ém se aloja n a trincheira d a vitimização.
No primeiro [modo de representação], eu n ão devo nada ao outro, e
aquilo é palco da execução e da ação do m eu desejo; e u mato, eu quebro,
eu esfolo, e u roubo, e u faço o q ue e u b em quiser e entender, n ão devo
nada a ninguém. O segun o o modo da vítima, é qu e nã o devo nada ao
outro porque ele está o tempo inteiro em dívida comigo. Ele não me deu,
me fez sofrer, me retirou, e agora peço o tempo inteiro o ressarcimento.r 1:
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o que estamos sinalizando, conduz-nos para o campo d a reflexão
sobre a identidade, a igualdade e a diferença. Na teoria pode fazer
sentido, mas, n a prática, nã o é tão fácil assumir a distinção entre iden
tidade e igualdade. Na igualdade, a diferença é assimilada a u m todo
indiferenciado. O todo absorve as partes de um a tal maneira que elas
perdem sua singularidade,e, po r extensão, a su a identidade. Ora, nada
mais inoperante do que tentar perpetuar-se através da perda de si
mesmo n o outro, seja no modo da idealização, d a dominação, d a sub
missão, da alienação. Nesse caso, tenta-se transferir para o outro a
responsabilidade de da r sentido para a própria vida, para "pior" ou
para "melhor". É um peso muito grande jogado no outro, q ue eclipsa
as pessoas no relacionamento. É um a forma corrente de niilismo (ne
gação de si e d a existência autêntica) q ue resulta n um provável ressen
timento contra o outro, porque provavelmente ele irá decepcionar, ou
seja, faltar: antes d o mais, ele nã o é o sujeito qu e idealizamos, ma s um a
pessoa concreta.
Muitos relacionamentos - pais e filhos, amorosos, amizades,
sociais - são conduz idos ou desejados segundo um princípio de igual
dade. Essa postura crê q ue as diferenças n ão são bem-vindas, ao con
trário, muitas delas são desvalorizadas, senão reprimidas, velada o u
acintosamente. A diferença é encarada como um a espécie de corpo
estranho, que deve ser "curada", "melhorada", "educada", ou seja,
nivelada a componentes familiares. As possibilidades são incontáveis.
Por exemplo, u m p ai q ue n ão se abstém d a ideia de qu e o filho deve
realizar profissionalmente aquilo que ele nã o realizou, ou deve da r
continuidade a u m projeto "familiar" (como tocar a su a empresa). N umcasamento, u m parceiro q ue deseja q ue o outro seja assimilado ao s eu
modo d e ser, está convencido de qu e o outro tem de aceitar suas pre
ferências pessoais, incluindo os amigos, q ue isso é q ue deverá da r o
tom para a "harmonia" d o casaL U m indivíduo pode querer adequar
seus gostos e preferências ao parceiro, na tentativa desesperada de
conferir a si mesmo uma identidade através d o relacionamento. Numa
relação amo rosa, a moça, quando se sente muito contrariada pelo na
morado, exclama: "é... os homens são assim mesmo!". E, por sua vez,
sob a égide de suas representações, ele iz baixinho para si mesmo, o u
comenta com os amigos: "isso é coisa de mulher!". Numa reunião de
pessoas que adotam u m culto religioso alguém expressa u ma opinião
que vai de encontro ao pensamento habitual, e é doutrinada para pen
sar segundo a or todoxia locaL
Os antolhos com que seprocura evitaro efetivo contato com ooutrorecaem numa situação e m que um dos sujeitos se posta como o centro
de referências, e ele se d á o direito de decidir a última palavra, de deci
dir o que é justo e de tomar as decisões, "o outro n ão interessa, ou ao
menos, está e m segundo plano, subordinado. (...) Eu o explico, e u o
domino, eu o exploro. E mais: so u eu q ue decido quando h á domina
ção, quando há compreensão, quando há exploração" (Guareschi, 1998,
p. 159-160).
A noção de identidade é marcada pela afirmação e expressão da s
diferenças. Trata-se de u ma totalidade de sentido qu e se constituip elas
próprias diferenças e m suas relações mútuas. Entre nó s e o outro exis
te u ma diferença, o u melhor, várias delas. Se a diferença for aceita e
elaborada de forma dialogada, nã o retira as possibilidades de cada ser,
e sim, as enriquece e renova.
Quando as pessoas entram em interação, são histórias de vida qu e
secruzam diante da perspectiva de abrir um a cumplicidade de emoções
e projetos. Elas esperam abrir concomitantemente um a estrada em
comum. No percorrer o caminho há infindáveis convites para perceber
que são diferentes. O familiar não tarda a revelar o que há de mais
estranho. Nesse momento, sente-se como se fosse aberto u m abismoentre u m e outro. Esse hiato de sentido pode ser a constatação d a dife
rença. "E u achei que o conhecia, ma s você me surpreendeu." Entre nós
e o outro, seja ele u ma pessoa, u m rupo social, a natureza etc., abre-se
um abismo, a cada esquina da interseção de nossas vidas. A diferença
nã o é necessariamente u m obstáculo: ela pode s er entendida como o
mistério que fascina e é tremendo. Percorrer a distância q ue no s sepa
ra d o outro é atravessar a ponte sobre u m abismo.
E o que é, exatamente, aexperiência originária d o mistério? Quem.. _ ~ . . J _ : : T
~ J _ n _ C r i A
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Cada pessoa é um mistério. Podemos conhecê-la através de um longoconvívio, pela intimidade do amor ou pelas abordagens das ciências edas várias tradições da humanidade. Mesmo assim ninguém poderádecifrar e definir quem é Maristela, Márcia, José Américo ou Fernandoou quem quer que seja.A pessoa emergep ara si mesma epara os outrosnum mistério desafiador. Somente sabemos o que cada um revela de si
mesmo ao largo da vida, e pode ser captado pelas várias formas deapreensão que temosdesenvolvido. Mas,apesar de toda diligência,cadaum permanece um mistério vivo e pessoal.
As considerações de Buber se engatam com as d e Boff acerca d o
mistério quando Buber sublinha q ue ao seguirmos o nosso caminho
encontramos alguém que, p or s ua vez, segue o s eu caminho e v em aonosso encontro. Se ma l conhecemos a nossa própria estrada, imagine
ter a pretensão d e conhecer as veredas p or onde anda esse outro q ue
se achega. Quem é aquele se r qu e ve m ao nosso encontro, e acenamos
para ele? Somen te podemos partilhar algum conhecimento no próprioencontro.
Do evento da relação conhecemos por tê-la vivido, a nossa saída, a nossa parte do caminho. A outra nos acontece, nós não a conhecemos. Elaacontece para nós no encontro. É, na verdade, uma presunção de nossaparte, falarsobreelacomo se fossede algoalém do encontro (Buber, 1977,p.88).
Na ânsia d a busca pelo outro como espelho de mi m mesmo, e u
nã o atento para a diferença. Quanto mais eu nego a diferença, mais ela
se impõe, porque em algum momento o outro se mostra como tal,mesmo que seu projeto seja jazer n a má-fé: o s eu corpo se rebela, elefala algo q ue "não queria", ele a ge d e u ma forma dissimulada, amea
çadora o u agressiva. Estabelecer pontes entre m im e outro implica oreconhecimento d as singularidades n ão fechadas, ma s abertas e dispostas ao diálogo. Nesse ponto, revela-se a aparição d a mística, a experiência do mistério. Na mística há uma convocação para o êxtase,cuja etimologia a ssinala o sair d e si para o encontro.
O qu e aparece, numa abordagem existencial como um a dificulda-
compreensão d o q ue u ma questão moral: n ão se deseja colocar juízosde valor nos âmbitos dialógico e objetal, e sim, em primeiro lugar,compreender a existência à luz das formas originárias q ue formam acolcha de nossas relações.
O ser humano não permanece todo o tempo lançando-se na esfera
do E u e Tu. A intencionalidade d o outro como Tu ilumina as relaçõescom u ma ética regada pela consideração, diálogo e cuidado, e logo éeclipsada p or modos usuais e cotidianos de se estabelecer relacionamentos. O s er humano na mesma medida em que se projeta n a experiência da transcendência, da realização de projetos e desejos, da supe
ração dos limites, é igualmente remetido à falta. Um a incompletude
originária confere sentido à própria existência. Há, por conseguinte,um a alternância na vivência Eu e Tu e Eu-Isso.
Uma frase muito citada d e Buber cabe aqui: "Todavia, a grande
melancolia d o destino é q ue cada Tu e m nosso mundo deve tomar-se
irremediavelmente um Isso" (1977,p. 19). A express ão da singularidade q ue revelou um genuíno encontro nã o demora a se deixar impregnar
"por meios", isto é, nã o tardamos a alocar o outro numa função agendada pelo nosso imaginário. Assim,
o Tu se toma um objeto entre objetos, talvez o mais nobre, mais aindaum deles, submisso à medida e à experimentação.
A atualização da obra em certo sentido envolve uma desatualização emoutro sentido. A contemplaçãoautêntica é breve;o ser natural que acabade se revelar a mim no segredo da ação mútua, se toma de novo descri
tível, decomponível, classificável, um simples ponto de interseção devários ciclosde leis (Buber, 1977, p. 19).
Alguém, q ue h á poucos instantes irradiava um Tu, único e incondicionado, qu e er a notado como presença, qu e não podia sersubmetido
a medidas e experimentações, ma s somente tocado, torna-se, uma vez
mais, Ele o u Ela, seu nome não mais evoca a totalidade d a pessoa. Oevento Eu e Tu não pode ser mantido para sempre. Temos q ue aprender
a aceitar" ... o encanto de s ua chegada e a nostalgia solene d e sua par
tida..." (Buber, citado p or Hycner, 1995, p. 24). Buber joga c om as pala-
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a seriedaded.averdade, ouça: o homemnãopode viver se m o ISSO,mas
aquele que VIve somente co m o ISSO não é homem" (1977,p. 39).
Será que conseguimos intenc ionar alguém plenamente como Tu?
Qual d e m a r c a ç ã ~ ~ n t r e os terrenos d o Tu e d o Isso? Será qu e o q ue
c ~ n t a e um apuro ético tal q ue chegaríamos a u ma proposição metafí
s.Ica, um Tu e um Isso em si mesmos? Essa metafísica, p or s ua vez, articula-ss com a existência, o u é mais u m papiro a se refugiar no reinoda abstração?
Em termos menos rebuscados, será q ue conseguimos nos relacio
nar com a,lguém se m querer nada dele, apenas nutridos p or u ma p u
reza franciscana? Nossas relações são efetivadas po r seres que se fazem
a cada momento, se conheceme ao mesmo tempo se desconhecem • • • ' que
S ~ A O consciencía vIvencial e passional, muito antes de um a cons-
c l e n c ~ a
yrof ssor l ou intelectual. A ética n ão reside numa busca de
p e r f ~ I ç a o , na perenidade de um estado do existir. A ética se funda a
partir própria convivência, em que ideais e representações serão
revolvidos, e a nossa consciência será intensamente afetada p or esseprocesso.
Quando, neste trabalho, expomos as instâncias do Tu e do Isso,
fazemos algumas diferenciações de forma didática para oddesfi . , p emos
esfiar, em linhas muito gerais, o extenso pensamento de Martin B bS b u er.
a emos, no entanto, o quão limitada é a tarefa d e reapresentar o q ue
possa ser concretamente a nossa própria existência.
~ e w t o n A. Von Zuben (2003, p. 155) desenv olve um a crítica às
t e n ~ a t I v a s
de se manter as noções Eu e Tu e Eu-Isso como meras categonas metafísicas, quer dizer, essencialistas e puras, completamenteseparadas um a da outra.
Agora, se nós n os voltarmos à nossa experiência cotidiana concreta d e
nossas relações com nossos semelhantes, vemos qu e as coisas n ão se
passam exatamente do modo tal qual descreveu Buber. Na verdade
existem atitudes que, embora nã o sejam autênticas relações Eu-Tu
por i s s ~ são meramente Eu-Isso. Se, p or acaso, numa relação int:r-hu
m a ~ a nao se estabelece um a relação Eu-Tu, m eu parceiro deve ser neces-c : : . ~ r l ~ f l l o n D r o l \ c > ~ . . - J
_ ....__ ~ l _ ~ _ L _
Richard Hycner admite que existem centenas d e mal-entendidos
quanto à atitude Eu-Isso. O psicólogo chama a atenção para nã o olvi
darmos qu e a atitude Eu-Issoé u m aspecto necessário d a vida humana.
De fato, não se trata d e "demonizar" a intencionalidade Eu-Isso, con
siderá-la inferior, patológica o u condenável de imediato, ma s sim, de
procurar demonstrar e denunciar a predominância esmagadora c omque ta l atitude se manifesta n a moderna sociedade tecnocrática. "0
perigo é não conseguirmos reconhecer como é limitadora, no final, u ma
relação Eu-Isso, e seguirmos aplica ndo-a indiscriminadamente a situa
ções qu e clamam por um encontro genuíno entre pessoas" (Hycner,
1995, p. 24-25).
A obra Eu e Tu é redigida n a forma de aforismos. Vários de seus
pensamentos são como um a poesia viva: situam-se numa interface
entre a poesia e a filosofia. Imagens são usadas como expressões sim
bólicas. Daí a dificuldade que algumas pessoas t êm n a leitura d a obra
referida, se elas esperam algo mais formal, com nexos lógico-causaisexplícitos e u ma ordenação convencional d e início - meio - fim. O
leitor é convidado a refletir e a dialogar, ele também d á sentido ao
texto. O autor não quer ser o mentor solitário do significado.
Imergindo n o universo das imagens, Buber admite o entrelaça
mento do Tu co m o Isso. "0 isso é a crisálida, o Tu a borboleta. Porém,
nã o como se fossem sempre estados qu e se alternam nitidamente, mas,
amiúde são processos que se entrelaçam confusamente numa profunda
dualidade" (1977, p. 20).
6.7 Perspectiva dialógica na psicoterapia
Convidarmos, nesse instante, nossos leitor para u ma caminhada
na senda da ética d a alteridade e d a relação aplicada à psicoterapia.
Co m o estudo e a prática da psicologia, aprendemos acerca d a
importância de entrar em contato consigo mesmo, lidar consigomesm o,
falar a partir de si mesmo, expressar a si próprio. Nas relações qu e
estabelecemos, após depararmo-nos com alguns desafios e dificuldades• -
l _ ~ _ 1 1 _ :1_ 1 .. .
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há pouco espaço para expressar autenticamente o qu e se passa conos
COoComumente, responsabilizamos o outro pela nossa própria mudez
e inércia, mas, ma l percebemos q ue somos nós mesmos quem muitas
vezes corta os elos de comunicação co m o mundo.
A psicologia descreve um a tendência qu e atinge u m considerável
número de pessoas. O sujeito se fecha em um mundo voltado paracolocar o sentid o da existência na aprovação de si através do outro, de
um outro especial qu e ele elege como o lugar de sua busca de felicida
de. Uma vez frustrado em s eu projeto de ter n o outro a realização
desse ideal, passa a construir defesas psíquicas (e somáticas), e m q ue
se abandona: relega a u m plano de fundo vago e distante os seus pro
jeto s pess oai s, ass im com o sen te des con for to e m vivenciar e assumir
determ inadas emoções e desejos, como se estivesse desistindo de afir
ma r a existência e lhe dar valor, e sentido-se impotente para mudar o
curso da s coisas.
Podem surgir vários sintomas como insônia, ansiedade, fobias,depressão, embotamentos sexuais etc. Nesse momento, ele pode pro
curar um profissionalpo r iniciativa própri a ou po r indicação de alguém
(amigos, filhos, pessoas de convívio próximo). Uma primeira impressão
que se pode formar acerca d o trabalho psicoterápico é a de que ele visa
promover o resgate da subjetividade: a autoestima, o autoconhecimen
to, a autoimagem. Sobretudo, tem-se e m vista q ue a psicoterapia po
derá ajudar a desenvolver a autonomia do sujeito, segundo u m prin
cípio em q ue ele deverá ser, finalmente, o condutor d a sua vida e o
autor do seu comportamento. Essa autonomia norteará as suas escolhas,
libertando-o do s grilhões da introjeção e acatamento de valores sociais,
familiares, dogmáticos, morais reinantes que não respondem às suas
verdadeiras necessidades interiores.
A autono mia do sujeito tomou tamanha magnitude que promoveu
a instituição de u ma moral qu e se impõe na cultura tecnocêntrica, nã o
raro, como valor maior de vida. A autonomia do sujeito foi u m tema
po r excelência d a filosofia kantiana. Kant nos ajudou a entender que
nã o devemos permanecer o resto d a vida sob a tutela de um autori
dade". Seu pensamento pode ser lido como um a mensagem de quenão
pria, n ão devemos acatar passivamente o discurso de alguém ou as
normas sociais instituídas, que são estimadas o u temidas como o su
posto lugar d o saber, o modelo da ação. Pouco a pouco, foi se degra
dando o sentido filosófico de autonomia , descambando para um dese
jo cada vez mais irrefletido de autossuficiência qu e incorre no
esquecimento da relação com o outro como constituinte imprescindível
da subjetividade. No escala axiológica, passou-se a adotar um a ligadu
ra entre autonomia e centramento d o sujeito, de tal forma a engastar
na visão de mundo uma forma privilegiada: o ponto de vista". É o
ponto de vista" tendo como referência para as múltiplas linhas de
relação o próprio "eu", dele partindo, a ele retornando: "0 me u ponto
de vista", como "e u me sinto", "como aparece para mim", "0 me u
desejo", "a minha consciência", " a minha demanda", "as minhas ne
cessidades". A alteridade se transformou em um mero apêndice da
subjetividade de cada um.
Devemos, agora, confessar: nós mesmos, vez por outra, ocupamo-nos com a autonomia do sujeito em nossa abordagem psicoterápi
ca. E falamos sobre isso em sala de aula, debatemos com os alunos,
lemos sobre isso em muitos livros d a área Psi. Mas, parece que o hu
mano aponta u ma condição q ue merece a no-ssaatenção, é o que n os
ensina Buber. O problema é q ue ele n ão se encerra em si mesmo, n ão
faz sentido somente para si mesmo, nã o se desenvolve apenas a partir
de si mesmo. Já compreendemos q ue a s ua "interioridade" n ão pode
ser constituída se m o mundo d a relação.
Isso quer dizer qu e a autoimagem, a autoestima, a autonomia, as
escolhas, a liberdade nã o são categorias rigorosamente individuais. Se
alguém se estima e se deseja de um a determinada forma é porque
atravessou uma série de encontros e desencontros, passou po r interações
tais que nelas se reconheceu e agiu. Não foram apenas processos nt -
riores reagentes, ne m os processosexteriores agenciadores, ou seja, não
foram prioritariamente as condições sociais e culturais, o histórico d e
vida, ne m apenas as escolhas individuais de u ma consciência solitária
que originaram e processaram o qu e agora se "é".
Sabemos, pela filosofia e pela psicologia existencial, q ue a enun-1 1_ _ _
o
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o é, na verdade é um sendo. Pois, a esse gerúndio, devemos acrescentar
outro: o se relacionando. O mundo da relação como constituinte do se r
humano nem, ao menos, é um a exclusividade do pensamento de Buber.
Para Heidegger (1989), a essência do ser-no-mundo é se apresentar
como u m ser-com: o mundo do dasein é u m mundo compartilhado. O
ser-em como ser e m u m mundo é u m ser-com os outros. Na medida
em que o dasein é, ele possui o modo de se r da convivência. Impressio
na n a obra d e Merleau-Ponty como o mundo e o corpo importam de
maneira decisiva para a constituição d a subjetividade. Em Sartre, ao
contrário da s críticas ao seu pensamento como de teor solipsista, a
subjetividade é entendida enfaticamente como intersubjetividade, não
só na famosa máxima escolhendo-se o homem escolhe todos os homens,
como nessa passagem da conferência O existencialismo é um humanismo,
em que ele procura discutir e aprofundar publicamente a su a filosofia:
Porém, a subjetividade que alcançamos a título de verdade não é uma
subjetividade rigorosamente individual, visto que, como já demonstramos, no cogito eu não descubro apenas a mim mesmo, mas também os
outros. (...) Desse modo, descobrimos imediatamente um mundo a que
chamaremos de intersubjetividade e é nesse mundo que o homem deci
de o que ele é e o que são os outros (Sartre,1987, p. 15-16).
O psicólogoencontra-sedentro de um a culturaque ressalta o modo
de ser egótico. É u ma cultura que produziu extremos. De um lado,
notamos o fermento de u ma subjetividade individualista e isolacionis
ta, que toma cada vez mais inúmeros campos e práticas antes compar
tilhados coletivamente, como o espaço e m comum d a casa (cada u m
na su a toca), o espaço do trabalho (invade a vida privada, pois, agora
se trabalha também em casa), o espaço da comunicação intersubjetiva,
ou seja, d a conversa face a face, constantemente interrompida por uma
mensagem de texto ouuma chamada de celular. De outro, identificamos
um a alteridade se m rosto, u ma massa uniforme, impessoal e condicio
nada. E m ve z d e pessoa, intersubjetividade, relação recíproca, fala-se
em termos de mercado e su a segmentação. Nesse quadro, como situar
eticamente a psicoterapia? N ão é u ma pergunta ociosa. Numa obser
vação de inspiração buberiana, a exaltação do polo d o eu não deve ser
A psicoterapia, sem a perspectiva de uma ética dialógica e do
cuidado, pode enfatizar de u ma tal maneira a "subjetivação" do clien
te que não v á muito além de um exarcebado exercício constante de
narcisismo. Assim, encontramos um sujeito cada vez mais perdido em
seus afazeres, afagos, razões e carências. A psicoterapia vira, nesse caso,
um instrumento e m q ue o sujeito e o psicoterapeuta massageiam os
seus próprios umbigos: um, através d e u m falar que gravita quase o
tempo todo e m torno de si; o outro, pela contemplação (quando n ão
reforçamento) de tal atitude. Desse modo, o outro não passa de um a
apólice de identidade para o eu. O outro é incorporado, n ão ao nós,
mas, ao Isso, ele é objetivado. S ua condição d e pessoa é rarefeita pela
condição d e objeto. Então, nã o mais existe o desejo p or pessoas, dese
jam -se nas pessoas os objetos de um eu centrado sobre si mesmo.
Hycner (1995, p. 56) acentua qu e
Issopode parecer desconcertante para aqueles terapeutas que veem sua
tarefa primordialmente comouma ajuda para que o cliente se diferenciee se individualize. Predomina aqui a suposição de que a melhor forma
de ensinar-lhe é ter um terapeuta que modele essa "individualidade". A
partir de uma perspectiva dialógica, é insuficiente!Nessa perspectiva, a
verdadeira singularidade surge da relação genuína com os outros e com
o mundo.
Hycner nã o fica n a radiografia q ue expõe u ma problemática ética
lançada para os psicoterapeutas. Ele aponta um a perspectiva dialógica,
qu e d á sentido à própria psicoterapia.
Emnossa era moderna, a alienação dos outros, de nossopróprio self e da
natureza é endêmica. Muito do sofrimentohum ano poderia ser diminuí
do se houvesse uma maior preocupação em se estabelecer um diálogo
genuíno entre as pessoas. Se isso é verdadeiro, então compete aos tera
peutas criarem uma atmosfera na qual a atitude dialógica sejasemeada
e floresça. Issorequer que o terapeuta vá alémda cura técnica,em direção
à cura do "entre" - aquela dimensão invisível e ainda assim muito
profunda da interconexão humana. Embora tal cura não seja sempre
possível,é essencial tentar se aproximar dela. Ironicamente, a psicologia
moderna tem feitomuito poucono sentido de voltar-se para essadimen-1 1 _
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o que Hycner chama d e "cura", nós imaginamos como a tecela
gem da teia de relações. Se, a partir do paradigma dialógico, chegamos
à conclusão de qu e a psicoterapia faz sentido u ma vez que a pessoa
se relaciona, não vemos como a psicoterapia possa ficar restrita à
pessoa trazer para o consultório seus conteúdos e encerrá-los n um
cofre. " Eu e o me u terapeuta", encerrados entre quatro paredes, ondese reproduz um a falação dantesca acerca de como o me u inferno foram
os outros. Essa é u m típica posição que demarca o qu e Buber chama
ria de "falar sobre".
No falar sobre as pessoas utilizam o pensamento para soterrar o
qu e sentem sob o peso de palavras qu e se esmeram em racionalizar os
processos vivenciais. Essa atitude pode revelar u ma forma de esquiva
do outro, de evitar o face.a face, a confrontação c om o outro. Essa p a-
liçada desfaz apossibilidade do colóquio para assentar-se no solilóquio.
No atendimento psicoterápico fica be m nítida a atitude de falar sobre
por parte de a lguns clientes. Ocorre-nos o falar sobre si, e nã o a partirde si. Esse falatório resulta numa entediante análise interminável de
razões e lucubrações na s quais o qu e se passa com a totalidade da pes
soa acaba esvaecendo como fumaça. O falar sobre se perde e m u m la
birinto de explicações e justificativas que passam de sobrevoo sobre o
corpo e o desejo. As especulações sobre si mesmo não expressam algum
conteúdo mais significativo Por vezes, os raciocínios especulativos
tomam a palavra, "representam" os seus sentimentos, mas não conse
guem atingi-los, da r vazão a eles. As falas e os p ensamen tos produzem
um debate autorreferende interminável de fatos, memórias, detalhes,
argumentosdesarticulados da vivênciaautêntica que não têm mais fim.
Como ondas, alternam-se, chamam a consciência de volta para um
labirinto restrito ao virtual, e assim, ela se dispersa.
O falar sobre aparece também como um falar sobre o outro. Vamos
nos deter agora naquele típico modo do falar sobre, o falar de alguém
sem se colocar na presença dessa pessoa. O sujeito nesse modo procura
um auditor. Fala da s suas "coisas", de seus critérios judicativos,de suas
expectativas, da s suas frustrações, revela algumas fantasias e senti
mentos, "denuncia" o q ue fizeram c om ele, preocupa-se c om o que
pensamentos e palavras. Co m frequência, s ua falação se dirige às pes
soas conhecidas o u de alguma forma autorizadas em sua confiança:
familiares, amigos, pesso as e m qu e deposita alguma confiança, o psi
coterapeuta, o médico, o analista, o padre, o astrólogo, a cartomante...
O sujeito no falar sobre"divide" um a parte de si com um a ou mais
pessoas, menos c om aquela c om quem se sente envolvido n a cumplicidade da su a vivência. Quando perguntamos se ele se dirigiu ao su
jeito a qu al a s ua fala está diretamente remetida, v em u m silêncio, até
uma sensação de surpresa, de quem não esperava a proposta dessa
possibilidade. É um a intervenção que pode funcionar como uma rup-
tura na s representações usuais. Ela tenta chamar a consciência a ques
tionar certas as percepções e padrões familiares.
Quando alguém consegue dirigir a palavra, "do fundo de se u
coração", como se diz, partilhar su a intimidade com alguém, nesse
momento começa a se pronunciar a passagem d o outro d o estado de
objeto à condição de pessoa. Quando conseguimos dizer e expressar
corporalmente algo d o que sentimos para o outro, em vez de n os re
metermos para "Deus e todo mundo", estamos abrindo o caminho
para desenhar no outro o rosto do Tu.Estamos passando do falar sobre
para o falar com. Esta mos no s arriscando a tocar o outro e a sentir-nos
tocados.
Para alguns nã o é fácil, pois implica risco, risco de se deparar co m
a resposta do outro, e a própria resposta que poderá ficar fora do con
trole habitual. Lançar um a ponte e ir ao encontro do outro é um a
empreitada que requer dialogação, expressão de si, disponibilidadepara escutar o outro. Se essa instância é desafiadora, a relação entre
Eu e Tu pode cair nu m solo em que n em todos se sentem firmes: ex
por-se diante do rosto do outro. Carl Rogers é quem nos chama a
atenção sob re isso.
Rogersnão defende simplesmentecolocarpara fora os sentimentos. Ele
sugere que devemos nos comprometer tanto com os efeitos que nossos
sentimentoscausamem nossoparceiro quanto com a expressãooriginal
dossentimentosem simesmos.Isto é muito mais difícil do que simples-
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os riscos reais envolvidos: rejeição, desentendi mento, senti mentos feridos
e [retaliação] (Fadim an e Frager, 1986,p. 233).2
Frente a essas dificuldades, o sujeito pode evitar a relação e passar
a sustentar um distanciamento crónico em suas relações. O outro se
torna temível. O sujeito perde a espontaneidade pelo temor do outro,
da perda do objeto-outro, da desaprovação p or parte do outro. Nessa
lógica, perder o outro é perder a si mesmo, perder-se, o u constatar o
que não se quer constatar, o quanto já se está perdido. Resta somente
o fantasma do qu e o outro pode fazer, n um relacionamento cujo proje
to de ser se liquefaz e se reduz ao de desempenhar b em papéis q ue
deem a si mesmo segurança, estabilidade, previsibilidade, controle, o
sentido viscoso, a consistência de ser alguma coisa.
A elaboração psicoterápica pelo cliente, quando responde ao dia
lógico, envolve u m retorno a si e u m sair de si concomitantes e siste
máticos, em que identificações com figuras e valores sociais, assim comoaquelas adquiridas desde tenra idade, originadas d a convivência co m
os adultos que cuidam (ou descuidam) d a criança, matéria-prima para
os papéis qu e os sujeitos desempenham mutuamente, são convocadas
po r um a fissura na s representações usuais, pois de alguma forma acei
ta m a provocação para uma ruptura com modos de ser arraigados,
mediante a abertura a si e ao outro. Assim, a formação da identidade,
processo nunca esgotado, que toma toda um a vida, pode ser em parte
redimensionada, s em o que estamos fadados exclusivamente à repeti
ção não criadora.
É possível descobrir possibilidades para s er e m conjunto c om a
abertura ao outro. H á espaço no ser humano para a comunicação en
viada ao falar com, para o olho qu e encontra o olho, ao face a face, ao
toque, ao acolhimento da diferença. Todo esse conjunto configura a
constituição da intersubjetividade, um evento cuja possibilidade e
amplitude são definidas pela abertura mútua, a q ue Buber chama po r
um a simples denominação, Eu e Tu.
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P Novas formas de amor: n r s me ntne suas
O fazer-se presente e aceitar a presença de alguém, a abertur a para
descobrir as possibilidades próprias através dos veios relacionais q ue
se apresentam numa biografia, o olhar cuidadoso para como a pessoa
costura sua rede de fios entrelaçados de afetos, histórias, desejos, sonhos,
fé, a compreensão empática acerca de como ela interage com o mundo,
devem ser o espírito qu e anima um a psicoterapia na perspectivabuberiana. Não se buscam fórmulas gastas, simples receitas de atuação,
através de técnicas rígidas que deem a sensação de "competência", ou
que, no fundo, escondam a insegurança do psicoterapeuta quanto a si
e quanto a estar diante de u ma pessoa. N a verdade, tais atitudes nada
mais fazem do que jogar um monte de entulho - interpretações alheias
à vivência - entre o psicoterapeuta e o cliente. Frederick Perls, para a
surpresa de alguns de seus críticos, acredita que o terapeuta não deve
se respaldar principalmente nas técnicas: ele usa a si mesmo na e para
a situação de atendimento com toda a sua habilidade profissional e
experiência de vida já acu mul ada . Na ver dad e, não deveríamos admitirnem que ele us a a si mesmo, mas, q ue ele se apresenta em pessoa, dian
te de outra pessoa. Então, a relação pode se instituir e oferecer espaço
para que a relação terapêutica seja inventada e reinventada a todo o
momento. Perls conclui que"existem tantos estilos quanto existem te
rapeutas e clientes q ue descobrem a si mesmos e aos outros e juntos
inventam su a relação" (citado po r Hycner, 1997, P: 24).A mudança te
rapêutica deslancha quando o cliente inventa, junto às pessoas de s ua
convivência, as suas relações, e pode, assim, ter um condição mais fa
vorável para quebrar discursos e fantasias cheias d e bolor.
No processo psicoterapêutico, o cliente e o psicólogo deparam-se
com deter minadas questões cruciais. Corno o cliente consegue proces
sar o peso dos fardos carregados de certos valores através do s quais ele
tem dado sentido aos seus encontros, de modo a liberar a temporali
dade do retorno ao q ue tem sido repetitivo? Corno ele efetiva as suas
vivências de tal forma a abrir possibilidades para se arriscar sem tantas
defesas no mundo da relação, e poder, assim, atual izar a realização d a
pessoa?
A psicoterapia convida o sujeito a experimentar a condição de
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A vida é a "vida interior", como se diz n a psicologia e, também, é a
vida qu e se faz n a relação. A psicoterapia deve ser um a modalidade de
encontro que vise aos encontros: qu e trabalhe a linguagem (verbal,
corporal) e as imagens psíquicas d o sujeito a partir da abertura à des
coberta de si e do outro, procurando compreender como o cliente
processa o entrelaçamento d o Tu co m o Isso.A psicoterapia deve se r um espaço de contribuição para a expres
são da subjetividade nã o só em seu aspecto d e afloramento d a singu
laridade, como, sobretudo, d o âmbito relacional. Ela trabalha as difi
culdades d e estabelecer relações e se vincular, os laços afetivos, u ma
história de vida, a imaginação, o desejo, os projetos, as escolhas, a
mgústia, a trama histórica e própria de um a existência. Inúmeras
osicopatologias são desenvolvidas ao longo d e processos relacionais.
se estamos no campo dialógico, também entramos no âmbito da
.nterlocução, da atenção para como as pessoas assimilam seus relacio
aamentos. Importa-nos a consciência do fundamento relacional do se r
.urmano, s em a qual ele pode se v er vitimado p or u ma antropologia
ju o reconhece dentro de um modelo tipo caixa fechada, em que suas
.elações são determinadas sobremaneira po r processos endopsíquicos
Boss, 1975). Donde se passa a pensar e a trabalhar o se r humano
:aplicação de técnicas) a partir de estratificações psíquicas sobrepostas
io existir em su a concretude, singularidade e dialogicidade. Buber
977 p. 5-6) considera essa concepção um a "experimentação" q ue
nstitui o mundo do Isso.
Eu experiencio alguma coisa.
Seacrescentarmos experiências internas às externas, nada será alterado,
de acordo com uma fugaz distinção que provém do anseio do gênero
humano em tornar menos agudo o mistério da morte. Coisas internas,
coisas externas, coisas entre coisas!
E, por outro lado, se acrescentarmos experiência "secretas" às experiên
cias "manifestas", nada será alterado de acordo com aquela sabedoria
autoconfiante que apreende nas coisas um compartimento fechado, re
servado aos iniciados cuja chave ela possui. Oh! Mistério sem segredo.
6.8 Ocaráter imediato do encontro: breve estudo de
casos
Um a consideração q ue n ão queremos deixar d e pontuar d iz res
peito ao caráter originariamente simples e direto d o encontro. Eu e Tu
trata da proposta de u m encontro se m mediações. Essa concepção te mcomo u ma de suas inspirações a mística. A mística é u m encontro di
reto entre o s er humano e o sagrado. Ela dispensa mediações intelec
tuais, dogmáticas, sacerdotais, convenções morais e, sobretudo, hierár
quicas. N ão queremos com isso dizer algo parecido q ue a mística nã o
é ética, o u q ue u m sacerdote está excluído d a mística. Queremos res
saltar é que não há um interlocutor privilegiado para experiência mís
tica fora d a relação direta entre o E u e o "Tu eterno". P or isso, a con
templamos como u ma relação direta e imediata, acessível a todos que
possam reconhecer a presença d o sagrado em seus corações.
Da mística saltamos para a condição humana. A relação Eu e Tu é
um a mística, seja porque ela abraça o mistério (aquele calar-se do inte
lecto brincalhão que n ão entende o mistério e, em sua ansiedade p or
respostas, quer d ar explicações a rodo), seja pelo q ue se forma entre
duas pessoas no encontro: u m face a face direto e imediato.
A relaçãocom o Tué imediata. Entre o Eu eo Tunão se interpõe nenhum
jogo de conceitos, ne nhum esque ma e nenh uma fantasia; e a própria
memória se transforma no momento em que passa dos detalhes à tota
lidade. Entre o Eu e o Tunão há fim algum, nen huma avidez ou ante
cipação; e a própria aspiração se transforma no momento em que
passa do sonho à realidade. Todo meio é obstáculo. Somente na medi
da em que todos os meios são abolidos, acontece o encontro (Buber,
1977, p. 13).
Essa é um a da s proposições mais fortes de Buber. Afinal, quantas
coisas e pessoas são colocadas entre o E u e Tu? São complexos psico
lógicos, expectativas, condicionamentos sociais, valores, moral, pessoa s
representadas o u concretas. Eles n ão são meros entulhos descartáveis.__
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espécie de "redução fenomenológica" existencial, ou seja, nã o teórica,
com respeito ao conhecimento epistemológico, mas, pela práxis co m
relação ao que interpomos entre nó s e o outro. Projetamos toda sorte
de representações sobre o outro. Queremos antecipar como ele é, o qu e
vai fazer, o que vai comer, o que vai sofrer, alguns querem até o mapa
astral do parceiro. Controle. Controle sobre o imponderável. Controleque deixa d e lado o mais importante: o encantamento misterioso d o
encontro.
Ah, esquecemo-nos em nossa lista do passado, sob várias formas.
A primeira qu e no s ocorre é a acusatória: "Você fez isso, você fez aqui
lo (comigo)!" Uma mágoa tem sua razão de ser, nã o po r juí zos morais
de "certo" e "errado" e m primeiro lugar, ma s porque a pessoa sente.
A dor não é algo apenas simbólico, como ela é concreta. Como a d or
psíquica n ão sangra, n ão se dá muita atenção a ela. Mas, p or vezes,
um a mágoa não se justifica senão no modo de ser cultivada para man
te r um estado de eterna vitimização e, assim, tentar agrilhoar do outro
a atenção. O outro é levado ao umbral da retaliação e do ressentimen
to. No modo de escolha pelo Isso, conhece-se o outro pelo s eu currí
culo. Aliás, pede-se u m antecipadamente, através de perguntas indi
retas que visam escaloná-lo numa régua de aprovação ou reprovação.
Ele já é "conhecido" antes d a efetividade d a relação. Muitas vezes é
rotulado o u desejado p or representações q ue distorcem a percepção
das próprias escolhas. N a verdade, oque se deseja é u m molde, onde
se encaixem as peças, desculpe, as pessoas. Tem-se o outro lado d a
moeda: "E u fiz isso no passado, então não me sinto merecedor de você,
resta-me gostar platonicamente". É um a forma de se manter fiel a u m
fantasma d a relação, através d o cultivo de uma solidão, qu e se encas
tela nu m muro contra o assalto d a angústia, como b em apontou An
gerami-Camon (1997, p. 77), ao trabalhar um estudo de caso sobre
suicídio, citando Buber: "(...)se a solidão é um a fortaleza da separação,
onde o homem mantém um diálogo consigo mesmo, não com o intui
to de pôr-se à prova e dominar-se e m vista d o q ue o espera, ma s para
desfrutar-se a complexão d e s ua alma, tal é a decadência do espírito
tividade, a reação ao outro, e m ve z d a ação direta: e u ajo a partir d o
qu e ele fizer o u deixar de fazer, assim como ativa o ressentimento: " eu
me culpo, e u te culpo...".
O falar sobre, comentado p or nós, abre u ma brecha para q ue os
participantes da relação permitam a interferência de terceiros, ou mes
mo a desejem, numa atitude de má-fé, como se precisassem desesperadamente de juí zos extr ínse cos ao d esaf io de estar frente a frente. N ão
raro, pa i e mãe são muito usados para isso. Quando deixam de ser
convenientes são depositários d e toda sorte de culpas, c om alto grau
de severidade p or parte dos filhos. Nã o é para menos que Frederick
Perls (1977,p. 67) indica que, nesse sentido, deixar os pais, no sentido
de assumir as próprias responsabilidades, "e especialmente desculpar
os pais, é a coisa mais difícil para a maioria da s pessoas".
A questão d o terceiro é u m ponto interessante após a leitura d e
Buber. Uma pessoa pode ajudar a alinhavar uma relação ao admoes
ta r amorosamente, ao se preocupar zelosamente. Mas, em algum
momento, el a mesma sente que deve se retirar para abrir espaço para
que os parceiros, como se d iz correntemente, " se resolvam". A pre
sença de um terceiro n ão é benévola n em perniciosa a priori. Tudo
depende de como os parceiros permitem e lidam c om a entrada d e
terceiros. Se eles os usam como uma forma d e escape d e si mesmos,
estão evadindo-se da relação, como por exemplo, numa atitude cari
cata d e alguém que pensa secretamente quanto ao relacionamento:
"hoje eu nã o vo u discutir isso, porque somente na próxima quinta-fei
ra eu tenho terapia". O psicoterapeuta deve estar atento para nã oservir de instrumento para qu e o cliente procure escapar das suas
relações, transformando a psicoterapia numa saída para vivenciar a
relação apenas na imaginação. O outro, nesse caso, nã o participa
efetivamente da s decisões, apenas elas lhe são, em geral, quando
muito, comunicadas parcialmente.
Angerami (2004) relata um caso em que um casal de formação
religiosa diferente se apaixona. Maria é divorciada, t em uma filha, d e
formação católica praticante, d o tipo q ue v ai à Igreja todo domingo. ___
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confissão comunitária, e as pessoas eram aconselhadas por um pastor.
O rapaz passou a frequentar a casa de Mariae logo seencantou também
com a s ua filha. "E todos viviam de uma maneira muito harmoniosa,
com momentos d e muita alegria e prazer" (Angerami, 2004, p. 235).
Quando o rapaz expõe a sua vida pessoal, o pastor se volta violenta
mente contra a relação, considerando-a impura pelo "pecado do divór
cio". De nada adiantou a argumentação d o rapaz, que "ganhou" um
prazo de u ma semana para terminar o relacionamento. Eis qu e o rapaz
entrou numa situaçãono melhor estilo sartriano: escolherentre assumir
o relacionamento com s ua parceira ou submeter-se aos ditames do
pastor para permanecer na su a igreja. Ele acaba optando pelasegunda
opção. Aqui, parece-nos um típico exemplo de um a relação qu e é atro
pelada pela entrada de u m terceiro. N o entanto, não podemos admitir
que o demônio soprou no s ouvidos de Rogério para se separar de Ma
ria. Entendemos que Rogério abriu espaço para que um terceiro, o
pastor, decidisse os rumos d e s eu relacionamento, na verdade, não é
mais um a questão entre ele e Maria. Ele o entregou a Deus através d o
pastor. Nada mais típico d a má-fé. Deus usado como desculpa tanto
para o pastor se sentir no direito d e interferir n a vida d o casal, como
para Rogério tomar a s ua opção, porque talvez não suportasse viver
distante da sua comunidade. Sua relação com a comunidade é um modo
de ser Eu-Isso, já qu e tal relacionamento exigia de Roberto certas esco
lhas, s em d ar liberdade de consciência alguma: a "solução" já estava
designada po r alguém qu e se intitulava representante de Deus na ter
ra, acatado pela comunidade. Trata-se d e mais u ma d as mil maneirasde se transformar até Deus em um Isso, objeto d e culto, objeto para
definir destinos, o u seja, escolhas. Maria, por sua vez, tornou-se dian
te de Roberto um Isso, um a vez qu e su a opinião, seus apelos, sua
dignidade e, sobretudo, se u sofrimento, pouco importavam para a
"decisão" qu e o rapaz tomou.
Não estamos aqui fazendo campanha contra a religião, ou insi
nuando que a religião A é melhor ou pior qu e a religião B.A atitude do
pastor poderia t er sido produzida p or outra pessoa e m outros cultos _ L :_ :;::: :L ; _ .. 1 _ ~ r _ _ t l :_L_ _
nesse ponto é a falência do caráter imediato e simples do encontro, a
quebra d o selo que resguarda u ma relação dialógica: entre o Eu e Tu
não devem se interpor conceitos, conselhos sem ser discutidos po r
ambos, juízos de valor extrínsecos e até ordens.
Vamos encontrar casos nos quais a intolerância religiosa determina a
separação de duas pessoas que se achavam envolvidas em uma relação
harmoniosa. Não deixa de ser significativatambém perceber-seo núme
ro de pessoas que simplesmente entregam os desígnios de suas vidas à
orientação do pastor (Angerami,2004, P:241).
Roberto anunciou o seu rompimento p or e-mail. É mais um a ma
neira d e evadir-se d a relação, defend er-se d e estar frente a frente c om
a pessoa de Maria. Ao enviar o e-mail, Roberto reduz Maria a um a tênue
imagem, talvez saudosa, talvez inconveniente. O rapaz, um a vez mais,
evita encarar o outro, mantendo-a à distância, como u m objeto imagé
tico, assim ele nutre a ilusão de cont rolar as suaspróprias emoções. No
contato ao vivo, trata-se de u m encontro face a face, carne a carne, em
qu e o contato co m o sofrer do outro dificilmente é evitado, assim como
dificilmente se anula um a resposta do corpo e da consciência (dialogi
cidade) diante d o fato concreto de se p or diante de alguém. N ão estar
co m o outro nada mais é do q ue nã o estar consigo mesmo. A religião,
nesse caso, é apropriada como u m Isso, u ma rota de fuga d a angústia
existencial.
Um atendimento clínico qu e n os suscita a lembrança d e Martin
Buber é relatado p or Tereza Erthal (1992), sob o tít ulo "Conversandoco m a máquina". Trata-se de u ma mulher que procurou Tereza através
da secretária eletrônica, deixando u ma série de recados. Ela n ão con
seguia se ve r frente a frente co m a psicoterapeuta, somente se comuni
cava vi a recados eletrônicos. Percebendo o lançamento de um a corda
visando ao contato, Erthal abriu espaço para q ue a corda se transfor
masse numa ponte: deixou um espaço grande para qu e a cliente virtual
deixasse os seus recados. A cliente sentiu-se acolhida, e aceitou o con
vite d e Tereza Erthal, da mesma forma q ue Tereza aceitou o convite,
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Era tal a dificuldade da cliente e m enfrentar estar diante de alguém, que ela só conseguiu fazê-lo da forma qu e descrevemos. No se u
segundo contato ela afirma s ua autoimagem: "Alô, será a máquina?
É, é você. Tudo bem, você pode me ouvir de qualquer forma! Quero aajuda de alguém, mas de alguém distante, qu e não me conheça ou que
não se envolva comigo. Quem sabe você nã o seja a solução?" (Erthal,1992, p. 15).
O q ue significava a secretária eletrônica? Apenas u ma máquina?
Uma esperança? U m desabafo? A secretária era uma coisa. Mas, sem
dúvida, não mais apenas um objeto. Ele estava "humanizando-se" po r
ambas. A dialogicidade foi se estabelecendo. Primeiro, na abertura do
espaço para a cliente virtual falar e se sentir escutada. Até que Erthaldeixa um recado, mostra a su a voz: "Algumas pessoas nã o compreen
de m o qu e se passa conosco, ma s sempre há alguém com quem a gente possa dividir..." A resposta imediata foi de surpresa: "Ué! Você
agora fala só para mim? E se alguém resolve ligar de madrugada? Vaiachar q ue a louca é você!". Após outras ligações, a cliente desaparecedurante seis meses, e Tereza Erthal confessa que sentiu um grande
vazio ao chegar ao consultório e não ouvir mais a vo z da Clientevirtual.Até q ue u m dia, u ma ligação dessa cliente acena calorosamente q ue
sentiu saudades e que quer conhecê-la pessoalmente, ou seja, quer
concretizar um a vivência do Tu que a instigasse a encontrar a si mesma.E, nesse momento, a cliente começa a se da r a conhecer, inicia o sair de
si, ela se apresenta. Essa atitude não nos passa despercebida: a entendemos como a afirmação de que não deseja mais refugiar-se no anon imato. Ela anuncia e m alto e bo m som: "Sou Cristine".
O encontro nã o foi efetivado apenas pontualmente, porque ele seconstruiu ao longo d e todo u m processo, mesmo no silêncio d os seis
meses. Tereza E rthal (1992, p. 19) ressalta a importância d a aceitaçãopara todos nós.
No dia seguinte, no primeiro horário, Cristine apareceu com um grandesorriso. Abraçamo-nos como velhas amigas e uma relação começou.Aprendemos muito, uma com a outra, mais eu do que ela. (...) Aprendi
que algum tipo de ajuda ocorra.A meu ver, a ajuda maior é a aceitação.Não importa se esta se origine de uma máquina, de um amigo, de umpai, de um terapeuta .... (...)É a luz no quarto escuro! Fico feliz que Cristinetenhaencontradoseu caminho.Ficofelizpor perceberque acendemos
jutas esse interruptor!
6.9 Após a sobremesa
Estamos chegando ao ocaso do nosso pensar. Gostaríamos deconvidar o leitor para um cafezinho, numa conversação que tentou
justi ficar a reci pro cidade relacional nã o só como um a psicologia: chegamos também ao platô da ética, d e acordo co m a proposição de compreender a existência segundo uma ética da reciprocidade que descobre
no s eu verso u ma psicologia da pessoa.
Uma última provocação. Buber nos surpreende ao anunciar que
não faz sentido se procurar pelo Tu. A relação Eu e Tu se irradia comouma "graça", ou seja, ela não pode ser forçada. Esforçamo-nos por
zelar para sustentar um a ética promiss ora, mas, o encont ro acontece, éum evento: nã o podemos forçar ninguém a vi r até nós. Ao revés,
A relaçãopode perdurar mesmo quando o homem a quem digo Tu nãoo percebeem sua experiência, pois o Tu é mais do que aquilo de que oIssopossaestar ciente.O Tué mais operante e acontece-lhemais do queaquilo que o Isso possa saber.Aí não há lugar para fraudes: aqui se encontra ao berçoda verdadeira vida (Buber, 1977, p. 10).
Assim, o Tu é nã o é procurável porque não pode ser encontradose nã o for atualizado co mo presença. Eu encontro o outro a cada passodo caminho, não poruma procura que tenta antecipar como espero que
ele seja.
Ao estudar e trabalhar com a psicologia passamos a aceitar a importância do movimento socrático, que, como sabemos, prescreve oconheça a ti mesmo. Mas, lendo Buber, demo-nos conta d e q ue essasentença ainda nã o d iz tudo. Até porque Sócrates foi u m do s maiores
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sentido, q ue o filósofo Olinto Pe goraro (ln Hühne, 1997, p. 36) dá otoque final no nosso estudo de Martin Buber.
Não basta ser senhor de si; ninguém é ético para si mesmo. Ninguém é
virtuoso diante d o espelho. Somos éticos e m relação aos outros, visto
que o comportamento é sempre transitivo e recíproco. Esta reciprocida-
de de comportamento entre os seres humanos constitui a família, ogrupo e a pólis.
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Carta ao Amor Espontâneo
André Roberto Ribeiro Torres
Para minha Bella AnnieZUBEN, Newton Aquiles Von. Martin Buber. Cumplicidade e diálogo. Bauru:Edusc, 2003. No meio de tanto movimento,
Derepente paro.Vejo o céulindoeazul
Arvores crescem com as chuvas fortes da primaveraPenso em você...
Sorrio ...
Sorrio com gosto Demostrar os dentes pra ninguém.
Nunca poderia sentirminhavida tão boaComo neste intervalo deum terrível turbilhão.Queria você aqui comigoPara sermos como somos.
Nos abraçamos, beijamos,Conversamos, brincamosE amamos tão bem!
Incrível... Não tenho medo!É incrível!
Amo como nunca amei.Parece mais fácil agora, não sei.
Não seisesoueuou vocêOu os dois que facilitam Este processo que parece impossível
Para grande parte da humanidade
Sintoseu gosto, seu rosto, sua presençaSinto também seu desejo De querer estar comigoFator quase inédito pra mim.
Será queéo nosso encontro quefaz isso1 ::: ,