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CADERNO CRH, Salvador, v. 27, n. 70, p. 13-30, Jan./Abr. 2014 13 Ursula Elin Huws VIDA, TRABALHO E VALOR NO SÉCULO XXI: desfazendo o nó 1 Ursula Elin Huws * DOSSIÊ Costuma-se argumentar que a teoria do valor-trabalho de Marx não mais se aplica ao mundo contemporâneo, em que partes crescentes da população estão envolvidas em trabalho “imaterial” ou trabalho “digital”. Este ensaio argumenta que essa teoria ainda é relevante, mas que, a fim de entender como ela pode ser aplicada ao trabalho imaterial e ao trabalho de modo mais geral, é necessário analisar criticamente os três principais componentes da teoria: a natureza particu- lar de qualquer forma de trabalho, o valor que é criado por esse trabalho e os meios de subsis- tência do trabalhador. Essa análise nos permite não apenas distinguir entre “tempo de trabalho necessário” e mais-valia, mas também identificar o local de produção. Em um mundo em que novas atividades estão sendo constantemente trazidas para dentro da esfera das relações sociais capitalistas e novas mercadorias sendo produzidas, é importante identificar esses locais de produção e os trabalhadores que estão diretamente envolvidos na produção de mais-valia, porque são esses trabalhadores que têm o potencial, ao retirar seu consentimento, de se organi- zar de forma eficaz junto aos interesses comuns da classe trabalhadora global. PALAVRAS-CHAVE: Teoria do valor trabalho. Trabalho imaterial. Mercadorização. Monetarização da internet. Trabalho. Trabalho digital. Trabalho produtivo e improdutivo. Como o marxismo esteve continuadamente dentro ou fora de moda, dificilmente há um con- ceito marxista que, em algum momento, não tenha sido questionado como anacrônico à luz das trans- formações econômicas e políticas que ocorreram ao longo do último século e meio. A atual renova- ção do interesse nas ideias de Marx não é uma exceção. De fato, não é tarefa fácil aplicar conceitos teóricos desenvolvidos em meados do século XIX a um mundo onde o capitalismo penetrou em cada região e em cada aspecto da vida, onde o ritmo da mudança tecnológica é tão rápido, que processos de trabalho se tornam obsoletos meses após serem introduzidos, e onde a divisão do trabalho é tão intrincada que nenhum trabalhador individual tem alguma chance de apreendê-la em toda sua com- plexidade. Divisões entre trabalho manual e não manual são desfeitas e reconstituídas, fronteiras entre produção, distribuição e consumo aos pou- cos se dissolvem e, enquanto alguns trabalhos re- munerados se transformam em trabalhos não re- munerados, novos empregos e novas atividades econômicas são geradas a partir de áreas da vida que foram tradicionalmente vistas como fora do escopo de qualquer mercado. No vai e vem da mercadorização, 2 o abstrato se torna concreto e o concreto, abstrato, lançando dúvidas sobre cate- gorias conceituais que, a princípio, pareciam autoevidentes. Pode parecer que nós precisamos de novas definições dos conceitos mais básicos usados por Marx, inclusos os de “classe”, “merca- doria” e “trabalho”. Uma ideia em voga, que tem atraído consi- derável apoio, especialmente entre os mais jovens, é a noção de que a ideia de classe trabalhadora definida por sua relação direta com a produção é antiquada. Segundo tais argumentos, como todos os aspectos da vida foram desenhados, de alguma forma, no âmbito do nexo capitalista do dinheiro, * Doutora em Sociologia pela London Metropolitan University. Professora do Departamento de Business da Universidade de Hertfordshire. Hatfield, AL10 9AB, UK. [email protected] 1 Uma versão alterada deste ensaio foi publicada em Socialist Register, 2014, com o título “The Underpinnings of Class in the Digital Age: Living, Labour and Value”. Tradução: Sávio Cavalcante e Murillo van der Laan. 2 N.T.: ao longo do texto, optamos pelo neologismo “mercadorização” para expressar o sentido do termo commodification utilizado pela autora.

VIDA, TRABALHO E VALOR NO SÉCULO XXI: desfazendo o nó … · Como o marxismo esteve continuadamente ... ou um “precariado” que, se-gundo Standing ... identificar o local de

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Costuma-se argumentar que a teoria do valor-trabalho de Marx não mais se aplica ao mundocontemporâneo, em que partes crescentes da população estão envolvidas em trabalho “imaterial”ou trabalho “digital”. Este ensaio argumenta que essa teoria ainda é relevante, mas que, a fim deentender como ela pode ser aplicada ao trabalho imaterial e ao trabalho de modo mais geral, énecessário analisar criticamente os três principais componentes da teoria: a natureza particu-lar de qualquer forma de trabalho, o valor que é criado por esse trabalho e os meios de subsis-tência do trabalhador. Essa análise nos permite não apenas distinguir entre “tempo de trabalhonecessário” e mais-valia, mas também identificar o local de produção. Em um mundo em quenovas atividades estão sendo constantemente trazidas para dentro da esfera das relações sociaiscapitalistas e novas mercadorias sendo produzidas, é importante identificar esses locais deprodução e os trabalhadores que estão diretamente envolvidos na produção de mais-valia,porque são esses trabalhadores que têm o potencial, ao retirar seu consentimento, de se organi-zar de forma eficaz junto aos interesses comuns da classe trabalhadora global.PALAVRAS-CHAVE: Teoria do valor trabalho. Trabalho imaterial. Mercadorização. Monetarizaçãoda internet. Trabalho. Trabalho digital. Trabalho produtivo e improdutivo.

Como o marxismo esteve continuadamentedentro ou fora de moda, dificilmente há um con-ceito marxista que, em algum momento, não tenhasido questionado como anacrônico à luz das trans-formações econômicas e políticas que ocorreramao longo do último século e meio. A atual renova-ção do interesse nas ideias de Marx não é umaexceção. De fato, não é tarefa fácil aplicar conceitosteóricos desenvolvidos em meados do século XIXa um mundo onde o capitalismo penetrou em cadaregião e em cada aspecto da vida, onde o ritmo damudança tecnológica é tão rápido, que processosde trabalho se tornam obsoletos meses após seremintroduzidos, e onde a divisão do trabalho é tãointrincada que nenhum trabalhador individual temalguma chance de apreendê-la em toda sua com-plexidade. Divisões entre trabalho manual e nãomanual são desfeitas e reconstituídas, fronteiras

entre produção, distribuição e consumo aos pou-cos se dissolvem e, enquanto alguns trabalhos re-munerados se transformam em trabalhos não re-munerados, novos empregos e novas atividadeseconômicas são geradas a partir de áreas da vidaque foram tradicionalmente vistas como fora doescopo de qualquer mercado. No vai e vem damercadorização,2 o abstrato se torna concreto e oconcreto, abstrato, lançando dúvidas sobre cate-gorias conceituais que, a princípio, pareciamautoevidentes. Pode parecer que nós precisamosde novas definições dos conceitos mais básicosusados por Marx, inclusos os de “classe”, “merca-doria” e “trabalho”.

Uma ideia em voga, que tem atraído consi-derável apoio, especialmente entre os mais jovens,é a noção de que a ideia de classe trabalhadoradefinida por sua relação direta com a produção éantiquada. Segundo tais argumentos, como todosos aspectos da vida foram desenhados, de algumaforma, no âmbito do nexo capitalista do dinheiro,

* Doutora em Sociologia pela London MetropolitanUniversity. Professora do Departamento de Business daUniversidade de Hertfordshire.Hatfield, AL10 9AB, UK. [email protected]

1 Uma versão alterada deste ensaio foi publicada em SocialistRegister, 2014, com o título “The Underpinnings of Classin the Digital Age: Living, Labour and Value”. Tradução:Sávio Cavalcante e Murillo van der Laan.

2 N.T.: ao longo do texto, optamos pelo neologismo“mercadorização” para expressar o sentido do termocommodification utilizado pela autora.

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todos aqueles que não são, de fato, parte da classecapitalista devem ser considerados como parte deuma “multidão” indiferenciada que, na formula-ção de Hardt e Negri (2004), assume o lugar daclasse trabalhadora; ou um “precariado” que, se-gundo Standing (2011), constitui uma nova classeem si e para si ao lado do proletariado tradicional.Standing não procura situar esse “precariado” comqualquer precisão em relação aos processos deprodução capitalistas. Entretanto, muitos dos se-guidores de Hardt e Negri têm se empenhado emtentativas detalhadas de fazê-lo em relação à “mul-tidão”. Duas questões em particular os têm confun-dido: que tipo de mercadoria está sendo produzidopelos membros dessa multidão quando ela se en-volve em trabalho “imaterial”, “afetivo” (Hardt; Negri,2004) ou “livre” (Terranova, 2000)? E como o valorproduzido por esse trabalho reverterá ao capital?

Nesses debates, uma atenção particular temsido dada ao valor criado online pelo trabalho vir-tual ou digital. No campo que tem se tornado co-nhecido como internet studies, houve recentemen-te debates acalorados sobre o trabalho digital3 ecomo ele deveria ser conceituado. Esses debatestêm abordado as fronteiras crescentemente difusasentre trabalho [labour] e jogo [play] (sintetizadaspelo termo playbor (Kücklich, 2005) e entre pro-dução e consumo (prosumption4 e cocriação5); têmdiscutido a categoria problemática de trabalho li-vre6 e questionado se tal trabalho, pago ou nãopago, pode ser considerado como produtor de mais-valia e se ele é passível de ser explorado ou aliena-do. À exceção de Ross, poucos desses autores têmesboçado paralelos com outras formas de trabalhorealizadas off-line. Porém, muitas das questões queeles levantam se aplicam muito mais ao trabalho

sob o capitalismo. Esses debates, assim, fornecemum ponto de partida útil para investigar a própriateoria do valor trabalho e como (ou, alguém pode-ria se perguntar, mesmo se) ela pode ser emprega-da no contexto do século XXI.

Este ensaio sustenta que ainda é possívelutilizar a teoria de Marx nas condições atuais paradefinir o que é, ou não é, uma mercadoria, paraidentificar o local de produção de tais mercadori-as, sejam materiais ou imateriais, e para definir aclasse trabalhadora global em relação a esses pro-cessos de produção. Para proceder de tal maneira,entretanto, é necessário reexaminar a teoria do va-lor trabalho em todas as suas dimensões. Eu con-cedo atenção particular aos trabalhos de natureza“digital” ou “virtual”, não apenas porque eles es-tão atualmente atraindo muita atenção, mas tam-bém porque o trabalho on-line é particularmentedifícil de conceituar. Ele é, dessa forma, uma fontefértil de casos exemplares a partir dos quais po-dem ser testadas hipóteses mais amplas. Se umateoria pode ser aplicada nesse caso, então ela de-veria ser aplicável de maneira geral. O objetivo deassim proceder é permitir um mapeamento maisgeral da classe trabalhadora, ao longo de toda aeconomia, ao utilizar a teoria de forma mais ampla(como Marx o fez). Essa é uma tarefa importante, ameu ver, porque, sem uma clara noção dos traba-lhadores que estão diretamente envolvidos na re-lação antagônica com o capital, o que caracteriza aprodução de mercadorias, e sem identificar ondea produção está localizada, é impossível identifi-car estratégias que permitirão que o trabalho con-fronte o capital no local onde é possível exerceralgum poder para moldar o futuro de acordo comseus próprios interesses.

A teoria do valor trabalho é o nó que está nocentro da conceitualização de Marx do capitalis-mo como uma relação social. Ela une integralmen-te três coisas: a necessidade de subsistência dostrabalhadores, seu trabalho e a mais-valia expro-priada dos resultados desse trabalho, sem a qual ocapital não pode ser acumulado ou o capitalismose perpetuar. A expropriação de trabalho é o atode violência no centro dessa relação, e é o tempo

3 Ver, por exemplo: Andrejevic (2009), Arvidsson eColleoni (2012), Banks e Humphreys (2008), Fuchs(2010), Fuchs (2012), Hesmondhalgh (2011), Ross(2012), Scholz (2012), Terranova (2012).

4 Alvin Toffler cunhou esse termo em seu livro The ThirdWave, de 1980, publicado pela Bantam Books. Desdeentão, tem sido usado por diversos outros escritorestrabalhando nos marcos do marxismo, incluso ChristianFuchs e Ed Comer.

5 A expressão é de Banks e Humphreys (2008), que usamum termo derivado de Prahalad e Ramaswamy (2000).

6 Termo cunhado por Terranova em seu influente artigopublicado em 2000.

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de trabalho dos trabalhadores que constitui o âma-go da luta dessa mesma relação, de maneira queum entendimento sobre como e sob quais circuns-tâncias essa expropriação se realiza é crucial paraa compreensão tanto do capitalismo como um sis-tema quanto para o entendimento sobre que traba-lhadores podem ser considerados como perten-centes à classe trabalhadora. O nó não pode serdesfeito: cada laço é essencial para manter o siste-ma unido. Não obstante, parece necessário examiná-lo, fio por fio, para então podermos apreender comoele se une, o que o contrai e o que permite quenovos segmentos sejam emaranhados ou, para osque já existem, que eles fiquem entrelaçados deuma forma mais elaborada.

Na sua forma mais básica, o argumento énotavelmente simples: o trabalhador, obrigado afazê-lo para sobreviver, trabalha um número dadode horas para o capitalista, produzindo certo valorcomo resultado. Parte desse valor é essencial paracobrir os custos de subsistência, e as horas traba-lhadas para produzir esse valor (“tempo de traba-lho necessário”) são (usualmente) reembolsadas.O restante (“mais-valia”) é apropriado pelo capita-lista para distribuir como lucro e investir em no-vos meios de produção. Com base em um examemais próximo, contudo, praticamente todo elemen-to dessa simples história se mostra aberto aquestionamentos. O que, exatamente, é trabalho(labour)? E, mais particularmente, que trabalho éprodutivo? Como a subsistência deve ser defini-da? Isso inclui apenas o que o trabalhador indivi-dual precisa para se manter, ou também inclui oque é requerido para o sustento de todo seu lar?Se não pudermos definir subsistência de formaprecisa, como poderemos calcular o “tempo de tra-balho necessário”? E, apenas porque todo valor,no interior do capitalismo, deriva, em última ins-tância, dos resultados do trabalho humano em-pregado às matérias-primas da terra, isso significaque todo o valor que reverte ao capitalista indivi-dual é necessariamente mais-valia?

Os debates atuais em torno do trabalho di-gital tocam superficialmente algumas dessas ques-tões e simplificam outras demasiadamente. Este

ensaio não pretende reescrever toda a teoria deMarx. Em vez disso, tomará algumas das questõeslevantadas nesses debates sobre trabalho digitalcomo ponto de partida para examinar os fatoresque devem ser levados em conta em qualquer ela-boração contemporânea da teoria de Marx. Isso seráfeito ao tentar desembaraçar os três fios – vida (ousubsistência), trabalho e valor –, de modo acategorizar seus componentes em separado, o quefaremos em ordem inversa, refletindo as priorida-des dos atuais debates nesse campo.

Esses conceitos são todos muito usados edifíceis de ser reempregados sem trazer conjunta-mente uma carga grande de significados associa-dos, intencionais ou não intencionais. Portantotalvez seja útil começar com duas notas explicativas.

A primeira diz respeito à terminologia. Emsociedades capitalistas avançadas, não apenas adivisão do trabalho é extremamente complexa comotambém o é a distribuição de riqueza. A subsistên-cia dos trabalhadores é atingida não apenas comoum resultado direto do trabalho assalariado, mastambém através de redistribuição, por meio do sis-tema financeiro (na forma de crédito, seguro priva-do, planos de previdência, etc.) e por meio doEstado (em forma monetária, através de taxas e sis-temas de seguridade social, e em espécie, por meiode serviços providos pelo Estado). Num contextocomo esse, a conexão direta entre trabalho e valorpode ser obscura. É comum aos analistas segui-rem Marx ao classificar trabalho como “produti-vo” e “improdutivo”. A abordagem que adoto nes-te ensaio se baseia em insights provenientes dofeminismo e estabelece uma distinção ligeiramen-te diferente. Trata-se de uma diferenciação entretrabalho que é diretamente produtivo para o capi-talismo como um todo (que pode ser chamado dereprodutivo) e trabalho que é diretamente produ-tivo para capitalistas individuais (que, pela faltade um termo melhor, chamei de “diretamente pro-dutivo”). Traço ainda uma distinção adicional en-tre trabalho que é remunerado e trabalho que não éremunerado. Defendo que (embora dependente deoutras formas de trabalho para sua reprodução) aforma por excelência de trabalho que caracteriza o

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capitalismo é trabalho que produz valor para ocapital e produz a renda que é necessária para asobrevivência do trabalhador; trabalho cujo pró-prio desempenho contém, dentro de si, a contes-tação do tempo de trabalho entre trabalhador e ca-pitalista e em cujo cerne reside a chave da expro-priação, a experiência que Marx descreveu como“alienação” (um termo que se tornou, infelizmen-te, tão contaminado por outros significados, quejá não pode ser mais usado com a precisão empre-gada por Marx); trabalho que, em outras palavras,está no centro do processo de acumulação. O localde trabalho não é, com certeza, o único lugar emque o trabalho confronta o capital, mas, pelo fatode o capital não poder ser acumulado sem o con-sentimento dos trabalhadores, é a esfera na qual otrabalho tem o maior poder potencial para arran-car concessões do capital (sem recorrer a um der-ramamento de sangue). Vejamos o Quadro 1 para

uma representação diagramática.A despeito de sua importância fundamen-

tal, encontrar um termo inequívoco para tal traba-lho é surpreendentemente algo diverso. O termo“trabalho assalariado” abrange o trabalho que Marxdesignou como produtivo e improdutivo. Tambémexclui várias formas de trabalho (trabalho por peça,trabalho freelance, etc.) pagas em formas não assa-lariadas, que contribuem diretamente para a acu-mulação de capital e para a subsistência dos traba-lhadores. Definir trabalho apenas em termos deser produtivo ou não, no sentido de Marx, ignoraa realidade de que há (como será discutido abaixo)uma quantidade considerável de trabalho não re-

munerado que produz valor diretamente ao capi-tal, sem contribuir para a subsistência do trabalha-dor. Em contrapartida, certamente, há trabalho re-munerado que contribui para a subsistência semcriar valor diretamente ao capital. Depois de pas-sar algum tempo considerando uma gama de alter-nativas, decidi – muito a contragosto e apenas paraos objetivos deste ensaio – usar um termo abrevi-ado para distingui-lo de outras formas de trabalhoprodutivo e assalariado. Com base na metáfora queusei para descrever a teoria do valor trabalho, refi-ro-me a ele a seguir, portanto, como trabalho queestá “dentro do nó”. Isso corresponde ao quadranteC no diagrama acima.

Trabalho “dentro do nó”, nessa definição, éo trabalho realizado diretamente para um empre-gador capitalista por um trabalhador que é depen-dente desse trabalho para subsistir e é, portanto,um adversário de linha de frente na luta entre ca-

pital e trabalho emrelação a quanto tem-po de trabalho deve-ria ser trocado pordeterminada quanti-dade de dinheiro.Isso pode pareceruma definição umpouco limitada. É, defato, o tipo de defini-ção que foi muitocriticada nas décadas

de 1960 e 1970, por excluir grandes grupos detrabalhadores que frequentemente viam a si mes-mos como parte da classe trabalhadora, incluindotrabalhadores do setor público e alguns trabalha-dores de serviços, cuja relação com a produção eraindireta. Ao usá-la aqui, não estou afirmando quetais trabalhadores não são produtivos. Pelo contrá-rio, muitas das tarefas que eles executam são essen-ciais para a reprodução do trabalho. Entretanto, aexposição desses trabalhadores à dura lógica docapitalismo pode ser um pouco atenuada, seja por-que eles estão trabalhando sob formas antigas deemprego (por exemplo, como empregos domésticosou como pequenos produtores de mercadorias), seja

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porque são empregados pelo Estado para oferecerserviços ainda não mercadorizados.

Naturalmente, tais formas de trabalho aindaexistem, mas, como argumentei em outro momento(Huws, 2012), na atual onda de mercadorização, es-sas formas de trabalho estão diminuindo, e os traba-lhadores que as executam estão sendo rapidamentearrastados para “dentro do nó”. Em outras palavras,a mercadorização de serviços públicos tem produzi-do uma grande mudança de trabalho do quadranteA para o quadrante C, no diagrama acima.

Como já afirmei em outra ocasião (Huws,19827), essa não é a única mudança que está acon-tecendo. A mercadorização mais geral de bens deconsumo e serviços também tem acarretado gran-des mudanças do quadrante B para o quadranteD, transformando a natureza de trabalho não re-munerado, de uma produção direta de valores deuso para membros das famílias, em compra demercadorias no mercado, acarretando uma relaçãodireta com a produção capitalista e atividades dedistribuição. Em mais uma reviravolta, tem havi-do também uma mudança do trabalho do quadranteC para o quadrante D, visto que as companhiascapitalistas de produção e distribuição reduziramseus custos de trabalho, aumentando a exploraçãode seus trabalhadores remunerados ao externalizarcada vez mais tarefas a consumidores, que têm derealizá-las como atividades de autosserviço nãoremuneradas. Em um processo paralelo, medidasde austeridade também estão levando a uma mu-dança de atividade do quadrante A para o quadranteB, o que, por sua vez, coloca mais pressões sobrea mudança ulterior de B para C.

Assim, o trabalho “dentro do nó” constituium subconjunto de todo o trabalho e está se ex-pandindo rapidamente rumo a se tornar a esmaga-dora maioria do trabalho remunerado.

Minha segunda nota de advertência refere-se ao perigo de se extrapolar uma tipologia do tra-balho em uma tipologia de trabalhadores e,consequentemente, em uma tipologia de classe.Enquanto parte de meu objetivo é classificar dife-

rentes formas de trabalho em sua relação com aacumulação de capital e com a subsistência dostrabalhadores, ao cumpri-lo não pretendo produ-zir uma classificação de trabalhadores que possaser lida de maneira simplista a partir dessa tipologia.A maioria dos trabalhadores se envolve em váriostipos diferentes de trabalho, remunerados e nãoremunerados, simultaneamente e ao longo do cur-so de suas vidas, transpondo essas categorias sim-ples. Mais importante ainda, a maioria dos traba-lhadores vive em lares onde diferentes tipos detrabalho são realizados por diferentes membros dafamília, algum dos quais, em dado momento, podeestar desempregado. Uma grande questão é se osmembros dessa família percebem ou não a si mes-mos, ou podem ser percebidos por outros, comopertencentes à classe trabalhadora.

A RELAÇÃO ENTRE TRABALHO DIGITAL EOUTRAS FORMAS DE TRABALHO

Antes de iniciar essa análise, vale dizer queo trabalho digital não pode ser entendido comouma forma destacada de trabalho, separada her-meticamente do resto da economia. Como afirmeiem outro momento (Huws, 1999), a existência deuma esfera visível, separada de trabalho não ma-nual, não é prova de um novo campo de atividadeeconômica “baseado no conhecimento”, “imaterial”ou “sem peso”; é simplesmente uma expressão docrescimento da complexidade da divisão do traba-lho, com a fragmentação de atividades em tarefasseparadas, tanto mentais quanto manuais,crescentemente passíveis de serem dispersas geo-gráfica e contratualmente para diferentes trabalha-dores, que podem mal saber da existência um dooutro. Esse é um processo contínuo, com cada ta-refa sujeita a divisões ulteriores entre funções maiscriativas e (ou) de controle, por um lado, e outrasmais de rotina e repetitivas, por outro.

Ademais, se houve claramente uma enormeexpansão de trabalho não manual, de rotina e nãoqualificado, em contrapartida, ele permaneceu umaminoria de todo o trabalho. A crescente visibilida-7 Reproduzido em Huws (2003, p.35-41).

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de para observadores, nas economias desenvolvi-das, de trabalho aparentemente desmaterializado,dependente de tecnologias de informação e comu-nicação (TICs), tem servido, algumas vezes, paraobscurecer a realidade de que essa atividade “vir-tual” é dependente de uma base altamente materi-al de infraestrutura física e de mercadorias manu-faturadas, a maioria das quais é produzida fora deseu campo de visão, nas minas da África ou daAmérica Latina, nas sweatshops8 da China e ou-tros locais no mundo em desenvolvimento. Ainternet não poderia ser acessada por ninguém sema geração de energia, cabos, satélites, computado-res, comutadores, telefones celulares e milharesde outros produtos materiais, sem a extração dematérias-primas que formam essas mercadorias,sem o lançamento de satélites ao espaço para car-regar seus sinais, sem a construção de edifíciosnos quais essas mercadorias são projetadas e mon-tadas e de onde são vendidas, e a manufatura eoperação de veículos nos quais são distribuídas.A produção física de mercadorias materiais é ain-da o método preferido do capitalismo para gerarlucro; ela ainda está crescendo e parece provávelque continue a empregar a maior parte da força detrabalho mundial. Há, ademais, um continuum en-tre tarefas que envolvem predominantemente oexercício da força física ou destreza e aquelas queenvolvem agilidade mental, compromisso ou con-centração. Há poucos empregos que não exigemdos trabalhadores que tragam seus próprios co-nhecimentos, discernimento e inteligência para aatividade em questão, e são ainda menos numero-sos os trabalhos que não envolvem alguma ativi-dade física, mesmo que seja apenas falar, ouvir,observar uma tela ou bater em teclas.

Dito isso, uma grande e crescente parte daforça de trabalho está envolvida na execução de“trabalho digital”, do qual os produtos são intan-gíveis. Muito desse trabalho é mal remunerado enão qualificado. É importante, portanto, entenderque papel seu trabalho desempenha no capitalis-

mo global, qual é a composição dessa força de tra-balho, como ela está mudando e que lealdades declasse esses trabalhadores podem expressar.

VALOR

Em termos simples, pode-se dizer que exis-tem, principalmente, três modos pelos quais asempresas podem gerar lucro no capitalismo, sen-do que os dois primeiros também existiram emoutros sistemas. Trata-se de rendas [rent], comér-cio e geração de mais-valia através da produção demercadorias. Uma vez que é a forma paradigmáticade geração de valor no capitalismo, é a produçãode mercadorias que recebe a maior atenção de ana-listas marxianos. Se o valor está visivelmente sen-do gerado a partir de alguma atividade, a tendên-cia é buscar pela mercadoria em sua fonte. Se amercadoria não pode ser facilmente identificada,ou se ela não parece ser produzida através da ex-tração de mais-valia de trabalhadores remunera-dos, então se conclui, algumas vezes, que isso sig-nifica que a teoria do valor trabalho de Marx nãose aplica e que está obsoleta ou tem necessidadede adaptação. Todavia, antes de saltar à conclusãode que teorias inteiramente novas são necessáriaspara explicar as atividades on-line, vale a penaanalisar essas últimas em relação às formas tradi-cionais de geração de valor para conferir se elas seencaixam nessas categorias.

RENDAS

O ponto de partida para muitas das discus-sões atuais sobre o valor que é gerado na internet éa indiscutível realidade de que companhias on-

line, como Google e Facebook, são enormementelucrativas. Se elas estão gerando lucros, argumen-ta-se, deve ser porque alguma mercadoria está sen-do produzida, o que, por sua vez, coloca a questãosobre o que seriam precisamente tais mercadoriase o trabalho que as produz. No caso do Google edo Facebook, a principal fonte de ganhos são re-

8 N.T.: literalmente “fábricas do suor”, o termo sweatshopsdesigna indústrias onde se efetivam formas desuperexploração do trabalho.

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ceitas advindas de publicidade, que podem seratingidas com grande precisão, resultantes das cadavez mais sofisticadas análises dos dados geradospelos usuários. Aqui, o conceito de Smythe (1977)da “mercadoria audiência” tem sido aproveitadopor certo número de comentadores, incluindoFuchs (2012). Originalmente desenvolvido comoparte de uma tentativa marxiana de entender a eco-nomia da publicidade no rádio e na TV comerci-ais, esse conceito retrata a audiência midiática comoa mercadoria que é vendida aos anunciantes paragerar receita: “porque o poder da audiência é pro-duzido, vendido, comprado e consumido, ele con-trola o preço e a mercadoria” (Smythe, 1981, p.233).Fuchs aplica essa lógica à internet: “... o tempo detrabalho produtivo que é explorado pelo capital [...]envolve [...] todo tempo que é gasto online pelosusuários”. E continua: “... a taxa de exploração con-verge rumo ao infinito se os trabalhadores são nãoremunerados. Eles são infinitamente explorados”.Outros colaboradores do debate do trabalho digitalsugerem que a “reputação” (Hearn, 2010) ou mes-mo a vida produzida pelo “biotrabalho” (Morini;Fumagalli, 2010) tornaram-se mercadorias.

O conceito de Smythe, indubitavelmente,gerou insights úteis acerca da natureza da mídia demassa, mas também trouxe certa confusão. A su-posição subjacente entre os seguidores de Smytheparece ser a de que o termo “mercadoria” pode serusado para se referir a qualquer coisa que possaser comprada e vendida. Há certa lógica circularoperando aqui. Uma vez que Marx (1867) declaraque “mercadorias não são mais que trabalho cris-talizado” e que “um bem apenas tem valor porquehá trabalho objetivado ou materializado nele”,deve-se concluir, de acordo com essa lógica, quequalquer coisa descrita como uma mercadoria deveser o resultado de trabalho produtivo. Mas quãoútil é tal concepção ampla do termo?

Parece-me que, para entender a naturezadistinta da forma mercadoria no capitalismo, umadefinição um pouco diferente precisa ser usada.Defini mercadorias, em outro momento (Huws,2003, p.17), como “produtos ou serviços padroni-zados à venda em mercados cuja venda irá gerar

lucros que aumentam em proporção à escala deprodução”. Essa definição distingue mercadoriascapitalistas como fundamentalmente diferentes da-quelas produzidas em outros sistemas. Um car-pinteiro tradicional, que faz cadeiras e as vendediretamente ao público, recebe mais ou menos omesmo lucro em cada cadeira. O capitalista queabre uma fábrica e emprega trabalhadores para aprodução em massa de cadeiras tem de fazer uminvestimento em maquinaria, edifícios, e assim pordiante, e não terá um lucro na primeira cadeira,mas quanto mais cadeiras forem produzidas nessafábrica, maior será o lucro em qualquer uma delas.Isso dá às cadeiras produzidas na fábrica um cará-ter fundamentalmente diferente, em relação a seuvalor, daquelas produzidas pelo artesão individu-al. Há uma série de serviços, incluindo os intangí-veis (tais como apólices de seguro ou softwares), quetem a mesma característica das mercadorias. É a rela-ção social na qual elas são produzidas (o trabalhocoagido de trabalhadores assalariados sob o controledo capitalista) que lhes concede esse caráter.9

Se elas não derivam da venda de mercado-rias, como podemos entender os lucros feitos porredes sociais online ou companhias de mecanis-mos de busca? Há uma explicação alternativa, eque tem extensos antecedentes no mundo off-line:eles derivam de rendas de aluguel [rent]. Um sim-ples exemplo histórico de uma maneira semelhan-te de gerar rendimento poderia ser fornecido pelomercado de rua, onde o aluguel [rent] cobrado porespaços de tendas é maior em áreas onde a maio-ria dos clientes (ou os clientes mais ricos) irá pas-sar. Exemplos concretos podem ser encontradosna Quinta Avenida de Nova Iorque, na OxfordStreet de Londres, ou em qualquer outra rua comum grande e lucrativo trânsito de pessoas: quantomais bem movimentado o local, maior o aluguel.Por mais de um século, propriedades que margeiamrodovias de tráfego intenso foram capazes de fazerdinheiro ao alugar espaço para outdoors. Essascompanhias não seguem, simplesmente, a mesma

9 Esse argumento é feito de maneira ligeiramente diferen-te na discussão acerca da distinção entre trabalho pro-dutivo e improdutivo realizada por Marx (1863).

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lógica, embora com locais que são virtuais, em vezde pavimentados, e com meios bem mais sofistica-dos de identificar os consumidores mais lucrati-vos e de adquirir conhecimento sobre seus dese-jos? O valor que se reverte para a rede social e parasites de mecanismos de busca deriva, de fato, emúltima análise, da mais-valia produzida pelo traba-lho. Mas esse é o trabalho de trabalhadores que pro-duzem as mercadorias que são anunciadas nessessites, não o trabalho das pessoas que usam os sites.10

Alguns participantes do debate sobre traba-lho digital, como Arvidsson e Colleoni (2012),contestam a noção de Fuchs de que usuários demídias sociais estão produzindo mais-valia. Elestambém argumentam que o valor gerado pode sermais bem considerado como rendas de aluguel[rent]. Entretanto, eles usam o termo “renda” [rent]para se referir ao valor que se reverte aos investi-dores financeiros nessas empresas. Mas, nesseaspecto, eles não dizem o que distingue as compa-nhias on-line de quaisquer outras companhiascotadas nas bolsas de valores e que atraem investi-mentos financeiros. Na tentativa de classificar oque, precisamente, gera o valor que atrai tais in-vestidores, eles desenvolvem uma explicação se-gundo a qual “[...] plataformas de mídias sociais,como o Facebook, funcionam como canais por meiodos quais investimentos afetivos por parte damultidão podem ser convertidos em formas‘objetificadas’ de afeto abstrato que sustentam ava-liações financeiras”. Argumentam ainda que taiscompanhias ganham suas parcelas de “mais-valiaproduzida socialmente” por meio “da habilidadede atrair investimentos afetivos [...] da multidãoou do público global”. Esse modelo, um tanto com-plicado, escamoteia a questão bem mais prosaicasobre quem está pagando quem para o quê, nointuito de gerar retorno sobre o investimento dosacionistas. Em minha opinião, pode-se responder

de forma bem mais simples dizendo que são ospublicitários (produtores de mercadorias para ven-da) que estão pagando as mídias sociais e as com-panhias de mecanismos de busca pela oportuni-dade de anunciar para seus usuários.

Há diversas outras atividades que contamcom alguma combinação de cobrança pelo uso comtaxas de comissão a prestadores de serviços e (ou)a usuários de serviços e (ou) a anunciantes – emoutras palavras, rendas de aluguel [rent].

COMÉRCIO

O comércio envolve adquirir algo por umpreço (o que também inclui roubá-lo) e vendê-lopor um preço maior, obtendo um lucro nesse pro-cesso. Algumas formas de roubo, como a apropria-ção da propriedade intelectual de outras pessoas,podem acontecer on-line. No entanto, há tambémum grande número de companhias que vendem on-

line (Amazon é provavelmente a mais famosa) deuma forma que reproduz o comércio off-line. Defato, muitos comerciantes agora compram e vendemtanto on-line quanto off-line. Embora possa haveralguma indefinição de fronteiras tradicionais entreas atividades de distribuição de fabricantes, ataca-distas e varejistas, e alguns processos de trabalhopossam ser bem diferentes, não há nada misteriosoem relação a como o valor é gerado por tais compa-nhias. A escala de muitas dessas companhias, acres-cida ao fato de que elas tiveram de colocar em fun-cionamento uma ampla infraestrutura para proces-sar pagamentos internacionais, significa que algu-mas delas têm sido capazes de diversificar em ativi-dades rentistas, o que tem criado, por sua vez, asbases para novas formas de produção de mercado-rias, discutidas na próxima seção.

PRODUÇÃO DE MERCADORIAS

Isso nos leva à categoria final: valor que égerado da produção de mercadorias. Aqui, o ana-lista que procura isolar o papel do trabalho digital

10 Exceto em algumas circunstâncias especiais, tais comoo caso do modelo pay per click, em que os trabalhadoressão pagos para ir ao Facebook e clicar em “curtir” deter-minados websites comerciais. Mas aqui eles não sãoempregados pelo Facebook, mas por companhias ligadasa esses websites comerciais, que têm alguma mercadoriaa vender. Portanto, eles deveriam ser mais precisamenteconsiderados como pertencentes à cadeia de valor des-sas companhias produtoras de mercadorias.

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na criação de valor se vê diante de desafios consi-deráveis. A disseminação da computação na mai-oria dos setores da economia, combinada com ouso quase universal de telecomunicações para acomunicação, significa que há poucas atividadeseconômicas que não envolvem algum elemento detrabalho digital, não importa se eles ocorrem emfazendas, fábricas, depósitos, escritórios, lojas ouem veículos em movimento. Ademais, essas ativi-dades estão ligadas umas às outras em cadeias com-plexas que atravessam as fronteiras entre empre-sas, setores, regiões e países. Traçar a conexão dequalquer atividade de volta às suas origens, ou iradiante em direção à mercadoria final para a qual aprodução tem contribuído, não é tarefa fácil. Noentanto, não é, de forma alguma, impossível. Umaabordagem útil aqui é analisar as atividades eco-nômicas em termos funcionais.11

As funções de pesquisa e desenvolvimentoe de design, por exemplo, criam, claramente,insumos diretos para o desenvolvimento de no-vas mercadorias (ou para a adaptação das antigas).Grande parte do trabalho envolvido nessas ativi-dades, nos dias de hoje, se insere na categoria detrabalho digital, que envolve ferramentas baseadasem computadores e (ou) é entregue em formatodigital para os trabalhadores que vão levá-lo àspróximas fases de produção. O mesmo vale paraatividades cujo objetivo é desenvolver conteúdopara livros, filmes, CDs ou outros produtos cultu-rais. O trabalho digital também está envolvido devárias maneiras nos processos de produção, querse trate da operação de ferramentas de comandodigital, da manutenção de software, da geração deprodutos imateriais ou da supervisão de outrostrabalhadores ocupados nesses processos.

Quando se trata de atividades de “serviço”,é útil (embora cada vez mais difícil) fazer uma dis-tinção geral entre aqueles que contribuem direta-mente para a produção (como a limpeza do chãode fábrica ou manutenção das máquinas), aquelesque contribuem para a manutenção ou gestão da

força de trabalho (tais como processamento de da-dos da folha de pagamento ou recrutamento depessoas ou treinamento), aqueles que contribuempara a gestão mais geral da empresa (incluindo agestão financeira), aqueles que estão envolvidosem atividades relacionadas a compras, vendas emarketing, e aqueles que estão envolvidos com adistribuição. Todas essas categorias incluem ati-vidades que são realizadas on-line e (ou) usam umacombinação de tecnologias de informação e comu-nicação. No entanto, estão se tornando mais e maisdifíceis de serem distinguidas, por diversas razõesligadas entre si.

A primeira delas é a natureza cada vez maisgenérica de muitos processos de trabalho. Traba-lhadores que alimentam dados numéricos em umteclado, por exemplo, podem estar fazendo issopara um banco, um departamento de governo ouuma indústria, para fins totalmente desconheci-dos para eles. Operadores de teleatendimento po-dem estar usando scripts padrões para lidar comvendas, atendimento ao cliente, cobrança de dívi-das, pesquisas governamentais, levantamento defundos ou uma variedade de outras funções, cor-tando transversalmente qualquer sistema puro, quepoderia classifica-los em diferentes categorias porfunção. Os engenheiros de software podem estartrabalhando no desenvolvimento de novos produ-tos, ou na manutenção dos já existentes.

Intimamente ligada a essa forma de padro-nização está a crescente propensão de tais ativida-des serem terceirizadas, muitas vezes para empre-sas que reúnem uma série de funções diferentespara clientes diversos em clusters de atividadesrealizadas em centros de serviços compartilhados.A possibilidade de esses e outros serviços seremrealizados on-line borrou ainda mais a distinçãoentre os serviços prestados às empresas e aquelesfornecidos diretamente aos clientes finais. Se qual-quer um pode encomendar produtos on-line, paraserem entregues à porta, vindos de um depósitocentral, então a distinção entre “atacado” e “vare-jo” se torna artificial. De forma similar, há umagama crescente de produtos imateriais padroniza-dos, que vão desde licenças de software a contas

11 Discuti o conceito de “função de negócio” e sua relaçãocom a análise marxista em algumas publicações. Ver, porexemplo, Huws (2006, 2007).

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bancárias e apólices de seguro, que pode ser pron-tamente vendida tanto para indivíduos como paraempresas.

A existência de plataformas on-line atravésdas quais o trabalho pode ser coordenado levouao desenvolvimento de uma forma extrema de sub-divisão de tarefas, às vezes conhecida comomicrotrabalho, trabalho de massa [crowd work](Kittur et al, 2013) ou crowd-sourcing (Holts, 2013).

Se tais atividades, ainda que dispersas, sãorealizadas por trabalhadores remunerados, a servi-ço de empresas criadas para obter um lucro, entãoelas podem ser atribuídas, sem problemas, à cate-goria de trabalho que produz diretamente mais-va-lia para o capital – o trabalho “dentro do nó”. Noentanto, como as fronteiras entre produção, distri-buição e consumo tornam-se cada vez mais vagas, ea mesma atividade pode ser realizada indistintamen-te por trabalhadores remunerados e não remunera-dos, essa colocação simples precisa de algumamodificação. Marx foi um tanto ambivalente sobreo trabalho de distribuição, considerando comoprodutivos os trabalhadores de transporte, mas nãoos do varejo. No entanto, em certo momento, nosGrundrisse, afirmou que todo o processo de trazerum produto para o mercado deve ser consideradocomo trabalho produtivo: “Considerada economi-camente, a condição espacial, trazer o produto parao mercado pertence ao próprio processo de pro-dução. O produto está realmente pronto apenasquando está no mercado.” (Marx, 1857).12

Seguindo essa lógica, uma ampla gama defunções encontradas em uma empresa modernapode ser atribuída a essa categoria diretamente pro-dutiva, incluindo marketing, gestão de logística,distribuição, transporte, atendimento ao cliente,vendas no varejo e atacado (on-line ou off-line) e

serviço de entrega, em suma, toda a cadeia de va-lor do portão da fábrica (ou do local de desenvol-vimento de software) ao consumidor final deve serconsiderada como trabalho produtivo. No entan-to, apenas aquelas tarefas realizadas por trabalha-dores remunerados estão “dentro do nó”, ondesua relação com o capital é direta e (real ou poten-cialmente) contestada.

TRABALHO

Qualquer tentativa de classificar as diferen-tes formas de trabalho tem de começar enfrentan-do a questão extraordinariamente difícil de saber oque o trabalho realmente é. A palavra em si abran-ge um espectro vasto de significados, desde o es-forço físico de dar à luz, em um extremo, à partici-pação formal em um emprego ou à representaçãopolítica das pessoas que fazem isso, no outro.

Se o considerarmos em referência a ativida-des que são, real ou potencialmente, pagas comsalários em um “mercado de trabalho”, então te-mos de incluir uma grande variedade de ativida-des que a maioria das pessoas realiza sem remu-neração, incluindo o sexo, o cuidar de crianças,cozinhar, limpar, a jardinagem, cantar, fazer as pes-soas rirem e discorrer longamente sobre temas quenos interessam.

Se aplicarmos um filtro mais subjetivo e ten-tarmos excluir as atividades que são realizadas porprazer, somos confrontados, então, com a estra-nha realidade de que a mesma atividade pode servivenciada como uma obrigação ou uma alegria,sob circunstâncias diferentes, e, ainda, que algu-mas atividades, remuneradas ou não remunera-das, podem ser simultaneamente onerosas e agra-dáveis. O bebê, por exemplo, pode dar a você umsorriso radiante enquanto sua fralda malcheirosaestá sendo trocada; a longa viagem solitária de ummotorista de caminhão, de repente, pode lhe ofe-recer uma emocionante bela visão da paisagem; otrabalho físico intenso, em ambientes desagradá-veis, pode engendrar uma camaradagem entre ostrabalhadores que deixa um caloroso conforto muito

12 Deve-se ressaltar que há controvérsias na interpretaçãodessa passagem. Frequentemente se considera que Marxfaz aqui uma exceção especial relacionada aos trabalha-dores do transporte (talvez porque eles fossem um gru-po com forte potencial de organização sindical – umpotencial que foi mais do que efetivado no século XX,quando os trabalhadores do transporte tiveram um pa-pel-chave nas ações coletivas industriais). De minhaparte, considero que o argumento se aplica igualmente aoutras formas de trabalho envolvidas em levar os pro-dutos ao mercado, muitas das quais eram inconcebíveisno tempo em que Marx escrevia.

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depois de a dor muscular diminuir; resolver umproblema complicado pode liberar um súbito ar-roubo de satisfação, mesmo que o problema nãoseja daquele que o resolveu.

Outra dimensão que pode ajudar a distin-guir “trabalho” e “prazer” é se a atividade é realiza-da de forma voluntária ou por coerção, sob a dire-ção de outra pessoa ou organização. Aqui, nova-mente, o que parece uma simples distinção se tor-na notavelmente difícil de ser verificada na práti-ca. Uma dificuldade resulta das maneiras histori-camente determinadas pelas quais coisas – comoos papéis de gênero, os conceitos de dever, oumesmo divisões de trabalho baseadas em castas –são internalizadas, tornando padrões de poder ecoerção invisíveis para todas as partes e, de fato,dando a muitos atos de serviço uma qualidadesubjetiva de dádivas de amor livremente ofereci-das, mesmo quando a análise objetiva pode suge-rir que envolvem a exploração do trabalho de umapessoa por outra. A coerção também pode serexercida de forma mais indireta. Um jogador vici-ado, por exemplo, pode perceber sua compulsãocomo gerada internamente, não reconhecendo aspressões sociais que o impelem. O mesmo pode-ria ser dito, talvez, de muitas das atividades on-

line nas quais as pessoas gastam muito tempo,incluindo jogos on-line e a interação com outraspessoas em sites de mídia social. É, talvez, umaalusão a essas pressões sociais que leva tantoscomentadores, nos debates de mídia digital, a in-sistir que essas atividades não remuneradas sãouma forma de trabalho “livre” (Terranova, 2000).

O trabalho não remunerado não é, natural-mente, um fenômeno novo. No entanto, tem rece-bido atenção bastante irregular de estudiosos mar-xistas, exceto como uma espécie de repositóriovestigial de relações sociais pré-capitalistas, a par-tir das quais, depois, emergiu o trabalhador assa-lariado. Afora debates entre historiadores sobre aescravidão, muito da atenção dada ao trabalho nãoremunerado, até recentemente, se deu no contextodo que poderia ser vagamente chamado de “traba-lho reprodutivo”, em particular nos debates femi-nistas durante os anos de 1970. Nessas discus-

sões, a principal questão levantada foi se o traba-lho doméstico [housework] não remunerado po-deria ser considerado como produtor de mais-va-lia, pois, sem ele, o capitalismo não poderia exis-tir. A reprodução da força de trabalho dependefundamentalmente, argumentou-se, de trabalhonão remunerado no lar, não apenas por criar a pró-xima geração de trabalhadores, mas também parafornecer a alimentação, limpeza e serviços de ma-nutenção do corpo que permitem que a força detrabalho atual aja com eficiência no mercado detrabalho. Em 1976, Weinbaum e Bridges publica-ram um artigo pioneiro, no qual argumentaram que,no contexto do capital monopolista, muito dessetrabalho não envolve apenas a produção de servi-ços em casa, mas também consumir mercadoriasproduzidas no mercado. O conceito de “trabalhode consumo”, no qual o trabalho não remuneradoé substituído por aquilo que era anteriormente otrabalho remunerado dos trabalhadores de distri-buição, é algo que continuei a desenvolver no fi-nal dos anos de 197013 e, nesse momento, afirmoque é relevante para a compreensão de algumasdas novas formas de trabalho não pago que ocor-rem on-line e off-line.

Baseado em alguns desses trabalhos, propo-nho aqui uma tipologia um tanto provisória do tra-balho não remunerado, na esperança de que possafornecer um ponto de partida para uma categorizaçãoque irá trazer alguma clareza a esses debates.

A primeira categoria é o trabalho que é rea-lizado independentemente do mercado para a pro-dução de valores de uso em casa – a categoria detrabalho localizado no Quadrante B no diagramaacima. É “improdutivo” no sentido de que nãoproduz valor direto para o capital na forma de mais-valia a partir do trabalho direto de alguém, massim “reprodutivo” no sentido de que é necessáriopara a reprodução da força de trabalho. Incluimuitas das tarefas tradicionalmente realizadas naagricultura de subsistência e no trabalho domésti-co. Se alguém é empregado, pelo usuário diretodo serviço, para fazer esse tipo de trabalho (por

13 Ver, por exemplo, Huws (1982), republicado em Huws(2003).

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exemplo, uma empregada doméstica, uma babá,um faxineiro ou jardineiro), esse trabalhador é, naopinião de Marx, um trabalhador improdutivo; masse for empregado por meio de um intermediáriocapitalista (por exemplo, uma creche comercial, ouuma empresa de limpeza ou jardinagem), entãoesse trabalhador desloca-se para a categoria de tra-balhador produtivo14 (em termos do diagrama aci-ma, do Quadrante A para o Quadrante C). Na me-dida em que a manutenção da saúde emocional deuma família e a manutenção das redes sociais emque está inserida é uma parte necessária para asse-gurar a sobrevivência de um lar, então uma sériede atividades não físicas pode ser incluída nessacategoria. Muitas dessas atividades são realizadason-line nos dias de hoje, assim, pelo menos umaparte da atividade de redes sociais on-line podeser identificada por essa categoria (representadapelo Quadrante B no diagrama).

A segunda categoria de trabalho não remu-nerado é a que me referi acima como “trabalho deconsumo” (Quadrante D no diagrama). Isso impli-ca o consumidor assumir tarefas no mercado queanteriormente eram realizadas por trabalhadorespagos como parte dos processos de distribuiçãoda produção de mercadorias. Como essas tarefassão necessárias para a distribuição dessas merca-dorias e para aumentar os lucros das empresasprodutoras de mercadorias, ao eliminar as formasde trabalho que antes eram remuneradas, há fortesargumentos para classificar esse tipo de trabalhocomo “produtivo”, mesmo quando não é remune-rado. No entanto, por não gerar renda diretamentepara o trabalhador, tem de ser tratado de formadiferente do trabalho remunerado em relação à suacontribuição para a subsistência, um tema a quevoltarei adiante. Está, em outras palavras, “fora donó”. Como já foi mencionado, quantidades cres-centes de trabalho de consumo são realizadas on-

line, pois a internet abriu um leque de novas for-mas de externalizar15 trabalho à distância.

A terceira categoria compreende o trabalhocriativo. Aqui, Marx (1861-1864b) tornou sua po-sição clara.

Milton, por exemplo [...] foi um trabalhador im-produtivo. Em contraste, o escritor que fornecetrabalhos fracionados sob encomenda para seueditor é um trabalhador produtivo. Milton pro-duziu O Paraíso perdido do mesmo modo queum bicho-da-seda produz seda, como expressãode sua própria natureza. Mais tarde, ele vendeuo produto por cinco libras e, nesse sentido, tor-nou-se um comerciante de uma mercadoria [...]A cantora que canta como um pássaro é um tra-balhador improdutivo. Se ela vende seu cantopor dinheiro, ela é, nesse sentido, um trabalha-dor assalariado ou um comerciante de mercado-rias. Mas a mesma cantora, quando empregadapor um empresário que usa seu canto com vistasa obter dinheiro, é um trabalhador produtivo,pois ela produz diretamente o capital.

De acordo com essa concepção, na medidaem que é realizado para fins de autoexpressão, otrabalho artístico não remunerado, como “blogar”ou postar fotos, música ou vídeos na internet, vaidiretamente para a categoria de trabalho “impro-dutivo” de Marx (que eu prefiro considerar comotrabalho reprodutivo não remunerado, produzin-do valores sociais de uso). Se o produto desse tra-balho for posteriormente vendido, ou roubado, parase tornar a base de uma mercadoria, isso tambémnão muda essa condição. Apenas se o trabalhadorfor contratado para fazer o trabalho por um salárioé que sua atividade se torna trabalho produtivo,no sentido do termo utilizado por Marx – ou seja,ela muda do Quadrante B para o Quadrante C nodiagrama. Como Ross assinalou, muitos trabalha-dores artísticos podem oscilar entre essas formas:“os criativos enfrentaram esse tipo de escolha, desdeo século XVIII, quando o aparecimento de merca-dos comerciais de cultura ofereceu a eles a opçãode ganhar a vida penosamente como escriba naPope’s Gub Street ou construir uma relação de re-putação com um público inconstante.” (Ross,

14 Ver Marx (1861-1864a).15 Aqui, uso o termo externalizar fazendo referência às

maneiras pelas quais os empregadores aumentam a pro-dutividade de seus trabalhadores remunerados atravésda transferência de algumas ou de todas as tarefas des-

ses últimos para consumidores não pagos, na forma deautosserviços, seja pela operação de máquinas, comocaixas eletrônicos ou autosserviços de supermercados,ou atividades online, como a compra de ingressos, pre-enchimento de declarações de imposto ou encomendade mercadorias.

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2012, p.15). O fato de que a mesma pessoa faça osdois tipos de trabalho não invalida, contudo, adistinção entre eles. O trabalho criativo, portanto,tem de ser visto de modo a abranger um númerode diferentes posições no mercado de trabalho,16

incluindo o autoemprego, o emprego remuneradoe a pequena produção mercantil, o que leva, mui-tas vezes, a identidades contraditórias nos traba-lhadores criativos.

A mesma lógica aplica-se até mesmo ao casomuito discutido do “trabalho livre”, que construiua internet, muito do qual foi projetado pordesenvolvedores de software idealistas, que doa-ram seu trabalho de graça, na crença de que esta-vam criando um benefício comum para a humani-dade (em outras palavras, eles estavam produzin-do valor de uso social sem remuneração, colocan-do-se no Quadrante B no diagrama). Como disseMarx (apud Ross, 2012), “[...] trabalho com o mes-mo conteúdo pode ser tanto produtivo quantoimprodutivo”. Nesse caso, parece que, embora osresultados de seu trabalho tenham sido apropria-dos pelo capital para incorporá-los em novas mer-cadorias, seu trabalho não remunerado original nãopode ser considerado como produtivo no sentidode produzir mais-valia para o capital em condi-ções coercitivas (ou seja, não está “dentro do nó”).Em vez disso, o valor que foi produzido a partirdele deveria mais corretamente ser colocado nacategoria de comércio, o que, como já mencioneiacima, também inclui o roubo.

A quarta forma (ainda que sobreposta) detrabalho não remunerado, que é cada vez mais dis-cutida, é o uso generalizado de estágio não remu-nerado ou de trabalho “voluntário”17 Situado am-biguamente entre a educação e a autopromoção,ele é, sem dúvida, utilizado de forma altamenteexploradora por parte dos empregadores como umsubstituto direto para o trabalho remunerado. Al-gumas vezes, a coerção direta implica obrigar o tra-balhador a se comprometer com “estágios não re-munerados”, por exemplo, as agências estatais de

procura de emprego que ameaçam a retirada doseguro desemprego daqueles que recusam aceitartais estágios. No entanto, como o já discutido tra-balho de consumo não remunerado, ainda que con-tribua claramente para a produção de valor na pro-dução de mercadorias, ele não desempenha ne-nhum papel na geração atual de renda para o tra-balhador e deve, portanto, ser considerado como“fora do nó”, mesmo se está produzindo valor in-diretamente para o trabalhador não remuneradona forma de “empregabilidade”.

É claro que, a fim de dar sentido à relaçãode trabalho não remunerado para o capital, temosde levar em conta a terceira corda do nó, que cons-titui a teoria do valor trabalho: a subsistência dotrabalhador ou “vida”.

VIDA

A questão de como o trabalhador paga oscustos de subsistência está surpreendentementeausente da maioria dos debates sobre o trabalhodigital “livre”. Talvez porque os próprios pesqui-sadores, em muitos casos, têm empregos acadêmi-cos estáveis, a maioria dos autores que contribuiupara essas discussões não se pergunta como essestrabalhadores dedicados, que construíram a internetcom o seu trabalho livre, realmente ganham a vida.Também não é sempre claro, entre aqueles quedefendem um “Creative Commons” na internet, parao qual todos os autores deveriam doar gratuita-mente seu trabalho, como se espera que esses au-tores paguem o aluguel e sustentem suas famílias.

No entanto, a teoria do valor trabalho nãopode ser operacionalizada sem essa informação. Afim de saber quanto e como a mais-valia é gerada apartir de qualquer unidade de trabalho, precisa-mos saber o custo de reprodução desse trabalha-dor e quanto do seu tempo de trabalho é “tempode trabalho necessário” exigido para manter suavida. Só então poderemos ver o quanto resta paraser apropriado como mais-valia e começar a for-mular exigências para sua redistribuição. Isso nãoé, obviamente, um cálculo mecânico. É perfeita-

16Analisei minuciosamente a questão em Huws (2010).17 Ver, por exemplo, Perlin (2011).

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mente possível que os trabalhadores sejam empre-gados abaixo do custo de subsistência. O que faz oempregador se importar se eles morrerem, se hámuito mais de onde eles vieram? Da mesma for-ma, é possível que grupos bem organizados de tra-balhadores com habilidades escassas se sobressai-am, a despeito de suas limitações, e exijam do ca-pital um salário maior do que o necessário para amera sobrevivência – e que lhes permita, até mes-mo, empregar outros trabalhadores como empre-gados domésticos. No entanto, o capitalismo comoum sistema, no modelo de Marx, requer uma clas-se trabalhadora que é obrigada a vender o seu tra-balho a fim de sobreviver, assim como requer ca-pitalistas que sejam capazes de empregar esse tra-balho para produzir mercadorias cujo valor coleti-vo no mercado excede o salário total da força detrabalho necessária para produzi-las. E é a experi-ência direta de ser obrigado a disputar com o em-pregador a posse de seu tempo de trabalho que pro-duz a alienação suscetível de conduzir à consciên-cia de classe. Não é possível se esquivar, portanto,da questão do “tempo de trabalho necessário”.

Mas, mesmo em Marx, esse é um conceitobem problemático. Uma razão para isso é que,embora os trabalhadores normalmente entrem nomercado de trabalho como indivíduos separados,sua subsistência ocorre em domicílios onde váriaspessoas podem coabitar.18 Pelo fato de esses domi-cílios variarem consideravelmente em tamanho,composição e no número de membros ocupadoscom trabalho remunerado, o mesmo salário podeter de se esticar para cobrir a subsistência de umnúmero variável de pessoas. Marx e Engels (1845)discutiram a divisão “natural” (sic) do trabalho nafamília, o que eles consideraram como uma formade “escravidão dissimulada”, que pode até mes-mo ser considerada como a origem de toda propri-edade. A partir dessa premissa, de que as mulhe-res e as crianças são propriedades do chefe de fa-mília, foi possível para Engels (1956) concluir que:“[...] antigamente, a compra e venda da força detrabalho era uma relação entre pessoas livres; ago-

ra, menores e crianças são comprados, o trabalha-dor vende agora esposa e filho – ele se torna umnegociante de escravos.” (1956, p.69).

No século XXI, quando as mulheres repre-sentam quase metade da força de trabalho nos pa-íses mais desenvolvidos e apenas uma minoria éeconomicamente inativa, tal explicação não é sufi-ciente. Todo trabalhador, ao ser empregado, preci-sa ser contabilizado separadamente como um in-divíduo com seu próprio custo de subsistência aser conquistado. O fato de que as pessoas convi-vem com outros trabalhadores pode, no entanto,significar que esse “tempo de trabalho necessário”deve ser considerado, por produzir uma fração,em vez do todo, do custo de subsistência de qual-quer indivíduo ou, em outras palavras, que o con-ceito de “salário-família” é redundante na maioriadas circunstâncias. Uma série de outros fatorestambém interveio no sentido de dificultar a identi-ficação de uma simples correspondência entre oque uma pessoa ganha e quanto custa sobreviver,pelo menos em situações em que ela coabita ou éresponsável por dependentes econômicos. Essesfatores complicadores incluem transferências so-ciais na forma de pensões, benefícios sociais oucréditos fiscais, transferências intergeracionais noseio das famílias, remessas de emigrantes que tra-balham no exterior e outras formas de subsídiopara alguns (ou pressões sobre os recursos de ou-tros). Apesar dessas dificuldades reais de cálculo,é possível, no entanto, analisar o rendimento dequalquer indivíduo em qualquer domicílio e pro-duzir certa estimativa de como é gerado.

No caso do “trabalho livre” na internet, éprovável que uma série de fontes diferentes de ren-dimento possa estar envolvida. Parte desse traba-lho pode ser realizada por pessoas que são econo-micamente dependentes de seus pais, alguns porpessoas sustentadas por pensões ou que recebemalguma outra forma de benefício social, algunspodem ser feitos por pessoas com salários regula-res de trabalhos que os deixam com tempo livresuficiente para blogar, navegar na net ou escreververbetes da Wikipédia. Alguns podem ser feitospor pessoas (tais como jornalistas independentes,18 Escrevi mais extensamente sobre isto em Huws (2012).

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consultores ou acadêmicos) cujos empregos asobrigam a se ocuparem com autopromoção. E ou-tros podem estar sendo sustentados por rendasde aluguel [rent], jogos, lucros provenientes docomércio, do crime ou de outras atividades. O queestá claro, porém, é que elas não poderiam exercertal atividade não remunerada sem algum tipo desubsídio advindo de algum lugar. Caso contrário,como elas iriam comer? Ao falhar na organizaçãono local da produção, elas entregam a sua maisforte arma: o poder de retirar o seu trabalho nolocal onde atingem diretamente o capital.

CONCLUSÃO

Vivemos em uma sociedade onde o capitalestá altamente concentrado, com a maioria da pro-dução de mercadorias sendo realizada por empre-sas cujos destinos são, em grande parte, molda-dos por investidores financeiros. As mercadoriasque produzem, materiais ou imateriais, nos sãodisponibilizadas em um mercado global, entreguesatravés de complexas cadeias de valor, em cujaoperação nosso trabalho não remunerado comoconsumidores é cada vez mais envolvido.Tecnologias da informação e comunicação têm afe-tado tanto a divisão espacial e temporal do traba-lho que, para muitos de nós, as fronteiras entretrabalho e vida privada formam um emaranhadoconfuso e poucas relações não são mediadas pelatecnologia. Em tal situação, não seriam os tipos dedistinções feitas neste ensaio algo minuciosamen-te ridículo? Será que não deveríamos apenas acei-tar que todos nós somos, de uma forma ou outra,parte de uma enorme força de trabalhoindiferenciada, produzindo valor indiferenciadopara um capital indiferenciado?

Argumento que não. O capitalismo é umarelação social na qual os trabalhadores desempe-nham papéis específicos em relação à produçãoespecífica de mercadorias. Essa relação depende,fundamentalmente, do consentimento dos traba-lhadores. Se não pudermos entender essa relaçãoem sua especificidade, não podemos identificar os

pontos críticos nos processos de produção e dis-tribuição nos quais a ação dos trabalhadores podeser implementada com algum resultado. E, se nãopudermos identificá-los, os trabalhadores não po-dem entender seus poderes de consentir, ou recu-sar o acordo específico que é oferecido a eles. Issoos impede de renegociar ativamente os termos doacordo – única opção para melhorar sua situação.Sem esse conhecimento, também não podemos verque grupos de trabalhadores têm interesses emcomum, como esses interesses comuns podem setornar mutuamente visíveis, ou como seu trabalhopode ser interligado.

Cada uma das diferentes formas de traba-lho não remunerado descritas acima tem um im-pacto sobre o trabalho remunerado, abrindo apotencialidade de tensões e fissuras no seio daclasse trabalhadora. Estagiários que trabalham degraça, para se tornarem empregáveis, corroem opoder de barganha dos trabalhadores remunera-dos nos mesmos papéis. Realizar um trabalho deconsumo não remunerado afeta os trabalhadoresdo serviço, ao reduzir os níveis gerais de empregoe ao intensificar o trabalho através da introduçãode novas formas de padronização e taylorização,levando à deterioração das condições de trabalho.Escrever verbetes da Wikipédia, “blogar” ou pos-tar vídeos ou fotografias on-line sem remuneraçãoameaçam a subsistência de jornalistas, pesquisa-dores e outros trabalhadores criativos que não têma subvenção de um salário acadêmico, ou outrafonte, e dependem de seu trabalho criativo paragerar um rendimento. Em muitos casos, as mes-mas pessoas ocupam vários desses papéis remu-nerados e não remunerados em diferentes âmbi-tos. Ainda mais comumente, membros diferentesda mesma família podem estar fazendo isso. Con-siderar trabalhadores não remunerados como fura-greves que estão minando os trabalhadores pagosé, certamente, simplista demais, ignorando os im-perativos que impulsionam esses comportamen-tos e a realidade mais ampla de que a exploraçãoocorre para todos eles, embora de formas diferen-tes. Mas uma análise que iguale uma exploraçãocomum a um papel idêntico na geração de mais-

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valia, e que coloque todas essas posições separadasem uma identidade coletiva comum, como uma “mul-tidão”, faz com que seja impossível identificar o localda produção: o ponto em que os trabalhadores têm opoder para desafiar o capital: o centro do nó.

Embora possa ser tedioso desvendar as com-plexidades das cadeias globais de valor e posicionarnossos processos de trabalho em relação a eles, issome parece ser uma tarefa absolutamente necessáriase quisermos saber como esse sistema pode ser al-terado, como agir coletivamente para mudá-lo e quealternativas a ele podemos começar a imaginar.

Recebido para publicação em 21 de junho de 2013Aceito em 06 de agosto de 2013

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LIVING, LABOUR AND VALUE IN THE XXIST

CENTURY: unpicking the knot

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It is often argued that Marx’s labour theoryof value no longer applies in the contemporaryworld in which increasing proportions of thepopulation are involved in “immaterial” or “digi-tal” labour. This article contends that the theory isstill relevant, but that in order to understand howit can be applied both to immaterial labour and tolabour more generally, it is necessary to examinecritically the three key components of the theory:the particular nature of any given form of labour,the value that is created by that labour, and theworker’s means of subsistence. Such an analysisenables us not only to distinguish between“necessary labour time” and surplus value but alsoto identify the point of production. In a world inwhich new activities are constantly being broughtwithin the sphere of capitalist social relations andnew commodities are being produced, it isimportant to identify these points of productionand the workers who are directly engaged in theproduction of surplus value because it is theseworkers who have the potential, by withdrawingtheir consent, to organise effectively in the commoninterests of the global working class.

KEY WORDS: labour theory of value, immaterial labour,commodification, monetisation of the Internet,labour, digital labour, productive and unproductivelabour.

Ursula Elin Huws – Doutora em Sociologia pela London Metropolitan University. Professora do Departamen-to de Business da Universidade de Hertfordshire. Integra o Núcleo de Pesquisa Labour and Globalisation,desenvolvendo pesquisas na área de trabalho virtual. Suas mais recentes publicações, são: Socialist register,2012; Crisis as capitalist opportunity: new accumulation through public service commodification, 2011;Expression and expropriation: the dialectics of autonomy and control in creative labour. Ephemera: Theory &Politics in Organization v. 10, n. 3/4. 2010.

VIE, TRAVAIL ET VALEUR AU 21e SIÈCLE:défaisant le noeud

Ursula Elin Huws

La théorie de la valeur-travail de Marx estsouvent considérée comme une théorie nes’appliquant plus au monde contemporain où unepartie de plus en plus grande de la population estimpliquée dans un travail “immatériel” ou untravail “numérique”. On démontre dans cet articlequ’elle est toujours d’actualité mais que pourcomprendre la manière dont elle peut être appliquéeau travail immatériel et au travail en général, il estnécessaire de faire une analyse critique des troisprincipaux éléments de cette théorie : la natureparticulière de toute forme de travail, la valeurengendrée par ce travail et les moyens desubsistance du travailleur. Cette analyse nouspermet non seulement de faire la distinction entrele “temps de travail nécessaire” et la plus-valuemais aussi d’identifier le lieu de production. Dansun monde où de nouvelles activités sontcontinuellement introduites dans la sphère desrelations sociales capitalistes et que de nouveauxproduits sont fabriqués, il est important d’identifierces lieux de production ainsi que les travailleursdirectement impliqués dans la production de laplus-value car ce sont ces travailleurs qui sontcapables de s’organiser de manière efficace pourdéfendre les intérêts de la classe ouvrière mondiale.

MOTS-CLÉS: Théorie de la valeur-travail. Travailimmatériel. Marchandisation. Monétarisationd’internet. Travail. Travail numérique. Travailproductif et improductif.