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1
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
Faculdade de Educação Física
RICARDO MANOEL DE OLIVEIRA ZAMBELLI
VIOLÊNCIA ESCOLAR: PERSPECTIVAS DE
PROFESSORES/AS DE EDUCAÇÃO FÍSICA ACERCA DAS
ESCOLAS DE TEMPO INTEGRAL EM CAMPINAS-SP
CAMPINAS
2019
2
RICARDO MANOEL DE OLIVEIRA ZAMBELLI
VIOLÊNCIA ESCOLAR: PERSPECTIVAS DE
PROFESSORES/AS DE EDUCAÇÃO FÍSICA ACERCA DAS
ESCOLAS DE TEMPO INTEGRAL EM CAMPINAS-SP
Dissertação apresentada à Faculdade de Educação
Física da Universidade Estadual de Campinas como
parte dos requisitos exigidos para a obtenção do
título de Mestre em EDUCAÇÃO FÍSICA, na Área
de EDUCAÇÃO FÍSICA E SOCIEDADE.
Orientadora: PROF.ª DRA. ELAINE PRODÓCIMO
ESTE TRABALHO CORRESPONDE À VERSÃO
FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELO
ALUNO RICARDO MANOEL DE OLIVEIRA
ZAMBELLI E ORIENTADA PELA PROF.ª DRA.
ELAINE PRODÓCIMO.
CAMPINAS
2019
3
4
COMISSÃO EXAMINADORA
__________________________________
Prof.ª Dra. Elaine Prodócimo
Orientadora
__________________________________
Prof.ª Dra. Olívia Cristina Ferreira Ribeiro
Membro Titular
__________________________________
Prof.ª Dra. Eliana Ayoub
Membro Titular
ATA DA DEFESA COM AS RESPECTIVAS
ASSINATURAS DOS MEMBROS ENCONTRA-SE NO
SIGA/SISTEMA DE FLUXO DE DISSERTAÇÃO/TESE E
NA SECRETARIA DO PROGRAMA DA UNIDADE.
5
DEDICATÓRIA
Às amorinhas doces, brincam felizes e alegram o nosso pomar;
Às estrelas brilhantes, iluminam os céus e nos fazem sonhar;
Aos encontros de cada dia, esperança, paz, luz e sabedoria.
6
AGRADECIMENTOS
Primeiro, agradeço a Deus por iluminar meus passos nessa caminhada e a Nossa
Senhora Aparecida por mais essa graça alcançada.
A minha família e amigos/as, fonte de vida, força e mansidão, pelo suporte nesses
tempos corridos, com muito carinho e compreensão.
A companheira amada, com toda a alegria espalhada pela casa, por escrever essa
história comigo, com abraços apertados e cheios de sorrisos.
A inspiração para os meus dias, elo professor-estudante, palavras e movimentos soltos
pela escola, pensamentos errantes.
A orientadora Elaine Prodócimo, pela dedicação em compartilhar conhecimentos e
experiências ao longo de toda a minha formação.
7
RESUMO
A ampliação da jornada escolar é um tema em destaque para a educação básica
brasileira, haja vista o crescente número de Escolas de Tempo Integral (ETIs) em todas
as regiões do país. Na esteira do Plano Nacional de Educação (PNE), para o decênio
2014-2024, a Prefeitura de Campinas criou, em 2014, o Projeto Piloto ―Escola de
Educação Integral – EEI‖, implantado em seis escolas da rede pública municipal de
ensino fundamental. O presente estudo buscou compreender como a violência escolar é
percebida e problematizada pelos/as professores/as de Educação Física em seus
diferentes contextos de atuação no cotidiano escolar das ETIs. A pesquisa de natureza
qualitativa teve como fonte entrevistas semiestruturadas com quatro professoras e dois
professores de Educação Física, sendo um/a voluntário/a de cada ETI. As conversas
foram gravadas e posteriormente transcritas na íntegra. As informações foram
analisadas a partir do método de Análise de Conteúdo. Entre os resultados encontrados,
destacam-se as diferentes perspectivas dos/as professores/as acerca dos conceitos de
violência e violência escolar; os relatos de casos, os contextos e os aspectos que
possivelmente influenciam a incidência desse fenômeno nas ETIs; as relações de
convivência entre os membros das comunidades escolares; as linhas de convergência
entre a ampliação do tempo de permanência dos/as estudantes nas escolas e o aumento
dos casos de violência; e as ações pedagógicas e os projetos desenvolvidos nessas
instituições de ensino para lidar com a violência escolar. As tensões e contradições
apresentadas no estudo retratam a realidade de grande parte das escolas públicas
brasileiras, sejam elas de tempo parcial ou integral.
Palavras-chave: Escola de Tempo Integral, Educação Física Escolar, Violência
Escolar.
8
ABSTRACT
The extension of the school day is a prominent theme for Brazilian basic education,
with a view to the growing number of full time schools in all regions of the country. In
the wake of the National Education Plan, for the 2014-2024 decade, a Campinas city
hall created in 2014 the Pilot Project ―School of Integral Education‖, implemented in
six schools of the municipal public elementary school. The present study sought to
understand how school violence is perceived and problematized by Physical Education
teachers in their different contexts of action in the full time schools. The qualitative
research had as source semi-structured interviews with four female and two male
Physical Education teachers, being one volunteer from each full time school. The
conversations were recorded and later transcribed in full. The information was analyzed
using the Content Analysis method. Among the results found, highlighted the different
perspectives of teachers on the concepts of violence and school violence; the cases,
contexts and aspects that possibly influence the incidence of this phenomenon in full
time school; coexistence relations between the members of the school communities;
lines of convergence between the increase of students' length of stay in schools and the
increase in cases of violence; and pedagogical actions and projects subject to teaching
practices to deal with school violence. The reflections and contradictions presented in
the study, they portray the reality of most Brazilian public schools, whether part time or
full time.
Key words: Full Time School, School Physical Education, School Violence.
9
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 – Infográfico Atlas da Violência 2018..................................................... 35
10
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – Comparação entre o aumento de tempo e a educação integral............ 21
11
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CEP Comitê de Ética em Pesquisa
EEI Escola de Educação Integral
ETI Escola de Tempo Integral
EMEF Escola Municipal de Educação Fundamental
FCM Faculdade de Ciências Médicas
FE Faculdade de Educação
FEF Faculdade de Educação Física
PMC Prefeitura Municipal de Campinas
RMEC Rede Municipal de Ensino de Campinas
TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
UNICAMP Universidade Estadual de Campinas
12
SUMÁRIO
Apresentação.................................................................................................... 14
Introdução........................................................................................................ 19
1. Metodologia................................................................................................ 27
Caracterização dos/as professores/as........................................................... 31
2. Tensões e contradições............................................................................. 34
2.1. Perspectivas sobre a violência e a violência escolar
Violência.......................................................................................... 34
Violência escolar.............................................................................. 38
2.2. Manifestações da violência escolar nas ETIs
Casos, contextos e possíveis influências.......................................... 44
Relações de convivência.................................................................. 53
Linhas de convergência.................................................................... 63
2.3. Estratégias para lidar com a violência escolar nas ETIs
Ações pedagógicas e projetos das escolas....................................... 67
3. Considerações Finais................................................................................. 76
Referências...................................................................................................... 79
Apêndice I: Termo de consentimento livre e esclarecido............................... 84
Apêndice II: Carta de autorização para realização da pesquisa...................... 86
13
Bola de gude, bola de meia.
Há um menino, há um moleque
Orando sempre no meu coração
Toda vez que o adulto balança
Ele vem pra me dar a mão
Há um passado no meu presente
O sol bem quente lá no meu quintal
Toda vez que a bruxa me assombra
O menino me dá a mão
Ele fala de coisas bonitas que
Eu acredito que não deixarão de existir
Amizade, palavra, respeito
Caráter, bondade, alegria e amor
Pois não posso, não devo
Não quero viver como toda essa gente insiste em viver
Não posso aceitar sossegado
Qualquer sacanagem ser coisa normal
Bola de meia, bola de gude
O solidário não quer solidão
Toda vez que a tristeza me
Alcança o menino me dá a mão.
Fernando Brant, Milton Nascimento.
14
APRESENTAÇÃO
No alto da Torre do Castelo1 observo a Rosa dos Ventos, instrumento de
navegação utilizado para auxiliar a localização de determinado corpo ou objeto em
relação a outro. Entre diversos caminhos, direções e sentidos, escolhas importantes me
trouxeram aqui. E quem é o sujeito que sou?
Primeiro rumo ao norte e agradeço a Deus pelo dom da vida, sigo na
caminhada com fé, esperança e amor. Mais adiante, nessa mesma direção, encontro a
minha família, onde sou neto, filho, sobrinho, primo, padrinho, irmão, companheiro e
amigo. Conversamos alto, rimos com carinho, lembramos nossa infância e nos
abraçamos sempre. E o menino que ora no meu coração, também é curioso, sonha e
resiste.
Nascido e criado na periferia de Campinas, eu tive a oportunidade de
estudar, cantar, tocar, brincar, jogar, nadar e lutar ao abrigo das asas de uma grande
guerreira, obrigado mãe! Anos mais tarde, incentivado pela experiência de ensinar
Karate em um projeto social na escola pública, escolhi cursar Educação Física e avistei
novos caminhos na Universidade Estadual de Campinas (FEF-Unicamp).
Em minha trajetória acadêmica e profissional, colaborei nos projetos de
extensão em Lutas (Escolinha de Lutas e Karate-FEF), participei dos grupos de estudo e
pesquisa sobre violências (GEPEVs), Educação Física escolar (EscolaR) e Escolas de
Tempo Integral (ETI). Em meio a esse cenário, estudei a relação entre a violência
escolar e a prática de Lutas na escola. Trabalhei em clubes e academias, mas encontrei
na escola o meu espaço para atuar. Hoje, me reconheço como um professor-estudante
no processo de ensino e aprendizado, na construção e reconstrução do conhecimento, do
pensar certo, da curiosidade crítica que me motiva a compreender outras perspectivas
acerca do fenômeno da violência escolar.
A questão inicial — Quem é o sujeito que sou? — aponta para um
pensamento que me acompanha há algum tempo. Essa reflexão, de certa forma,
aproxima as forças que entrecruzam a minha existência e as relações de poder às quais
1 A ―Torre do Castelo‖ é um dos patrimônios históricos de Campinas. Com 27 metros de altura e
capacidade para 250 mil litros de água, o ―Castelo d‘água‖ foi construído na década de 1930 para
abastecer os bairros na região norte da cidade. As seis janelas do mirante proporcionam uma visão em
360 graus do município.
15
estou submetido. Ao inferir que o significado de uma palavra não está nela própria,
entendo que a ação de me apresentar, manifestar minhas ideias e convicções ou expor
meus sentimentos, por exemplo, também não se encerra em mim, está sempre em
relação com o outro. Trata-se de uma ação extremamente complexa em que,
dependendo do contexto em que estou inserido ou das pessoas com quem me relaciono,
são atribuídas diferentes atitudes. E isso está ligado à ideia de normalidade, ou seja, do
que se espera de mim em relação ao lugar que ocupo.
Portanto, falar de mim compreende falar da minha origem afrodescendente,
minha família, minha crença religiosa, meu estado civil, minhas experiências na
Universidade Estadual de Campinas onde cursei a graduação e a pós-graduação, a
pesquisa que desenvolvo na área de Educação Física e Sociedade, a profissão de
professor, a classe social menos favorecida a qual pertenço, os trabalhadores, os
partidos e os políticos que me representam, entre tantas outras infinitas variáveis às
quais estou sujeitado. E, ao me identificar como sujeito, entendo que estou sempre em
relação com o outro e que o exercício de poder consiste em conduzir condutas, as
minhas ações sobre as ações dos outros e as ações dos outros sobre as minhas ações.
Como uma teia que nos captura de diversas formas e, independente dos caminhos que
escolhemos trilhar, sempre estaremos conectados uns aos outros.
Caminhos submetidos ao acesso e às oportunidades, caminhos que podem
ou não ser trilhados, escolhas que dependem do direcionamento e da influência do
outro. Refletindo sobre esse ponto, outro questionamento me ocorre — seria possível
mapear os caminhos, decifrar as escolhas, descobrir aquilo que faz com que
determinado sujeito pense de determinada forma, o que o torna quem ele é? Pensando
na minha trajetória acadêmica e profissional, por que escolhi Licenciatura em Educação
Física? Por que cursar a pós-graduação? O que me faz querer estudar a violência
escolar? O que me motiva a trabalhar em uma Escola de Tempo Integral? Em uma
breve analogia com a Matemática, me parece uma complexa soma de vetores difícil de
ser resolvida, pois cada vetor não se encerra em si mesmo, é como se fosse o vetor
resultante de uma soma anterior.
Nessa caminhada de professor-estudante, escolhi estudar as perspectivas de
outros/as professores/as de Educação Física sobre a violência escolar nas Escolas de
Tempo Integral, pois busco compreender como esse fenômeno é percebido e
16
problematizado em suas práticas pedagógicas, nos diferentes contextos do cotidiano
escolar. Nessa pesquisa, os dados foram construídos por meio de entrevistas
semiestruturadas, e os discursos pedagógicos chamam a atenção para as diversas formas
como a violência escolar se manifesta nas ETIs, em relação à sua estrutura, a
implementação do projeto e as relações sociais entre os sujeitos da comunidade escolar.
Eis o desafio, conhecer e interpretar esses discursos pedagógicos, entender o contexto
em que eles estão inseridos, decifrar as forças que os atravessam e perceber as relações
de poder que existem dentro e fora do ambiente escolar.
Devaneios sobre uma ampulheta
Ampulheta ou relógio de areia é um dos instrumentos mais antigos para
medir uma fração de tempo. Constituída por duas âmbulas cônicas transparentes que se
comunicam por um pequeno orifício no vértice, certa quantidade de areia passa
lentamente de um compartimento para o outro.
Em seu diário, o dramaturgo francês Jules Renard (1864-1910) usou como
figura de linguagem o movimento da areia na ampulheta para expressar o jogo entre a
razão e a emoção, ―O amor mata a inteligência. O cérebro faz de ampulheta com o
coração. Um só se enche para esvaziar o outro‖. Para o autor, o cérebro se esvazia a
medida que o coração se enche, matando portanto a inteligência. Nessa parte da
apresentação, utilizarei a imagem da ampulheta para ilustrar algumas reflexões,
devaneios a partir de/sobre um instrumento de controle com características específicas,
constituído por uma dinâmica marcada por disputas e finalidades bem delineadas.
Comecemos pelas extremidades. Duas circunferências de diâmetro amplo,
que se alternam constantemente nas posições de topo e base. Imagine que o topo seja o
―início‖ para o movimento da areia, melhor dizendo, para milhares de partículas
originadas dos mais variados minerais por meio de longos processos de fragmentação
das rochas, por ação do vento, da água ou da erosão do solo. Diante dessa diversidade,
note que os grânulos começam suas jornadas em lugares diferentes. Alguns estão mais
próximos do orifício, enquanto outros iniciam de um ponto mais afastado. Parte deles
segue pelo centro, mais próximos do vértice, já outros percorrem o caminho pelas
periferias. E ainda, mais rente ao vidro, há uma parcela que interrompe a trajetória e
17
deixa a parede empoeirada. Perceba também que, mesmo com uma porta de entrada
ampla, o universo das areias é infinitamente maior do que a quantidade de ampulhetas
disponíveis. Considerando a capacidade de carga que cada uma delas pode suportar,
existe um limite, uma quantidade ideal de areia para que o instrumento funcione
―perfeitamente‖.
Olhemos agora para a outra extremidade, a base como ponto de chegada das
areias, o ―final‖ do percurso. Conforme o tempo passa, as partículas se estreitam para
passar pelo orifício no vértice e se amontoam na âmbula inferior. A disputa por um
lugar no chão da ampulheta é constante, a pressão aumenta e novos arranjos são
estabelecidos, mas não o suficiente para romper a estrutura de vidro. O movimento das
areias perde força e estagna. Para reiniciar o movimento das areias, o recurso pós-trajeto
é a reviravolta na ampulheta, geralmente motivada por forças externas. Dessa forma, a
ação continuada torna o movimento e a disputa constantes.
Vamos ao ponto central, o vértice, o devaneio. Primeiro, entendo que ele
seja um dos elementos estruturais para que o instrumento possa cumprir com sua
função, a de marcar uma fração de tempo. Ao estreitar a passagem das areias, o pequeno
orifício normaliza o ritmo da descida e assujeita cada partícula ao único caminho
existente. E quais são as forças que forjam esse canal? O tensionamento dessa estrutura
decorre de (macro) influências externas? O que molda essas ampolas? O que
conseguimos observar no rearranjo das areias ao se relacionarem e se friccionarem
constantemente nessa estrutura? Uma ampulheta maior representa uma cópia integral da
estrutura comum? Existem outras possibilidades de movimento para que essas areias
deixem outras marcas no tempo?
Por fim, muito distante de uma escrita conclusiva e cada vez mais capturado
pelo movimento incessante do eu-areia, reflito se inserido no giro constante da minha
ampulheta seria possível compreender, com certa nitidez, o que se passa na ampulheta
do outro?
A partir da fundamentação teórica retratada na introdução, apresentamos
assuntos pertinentes ao estudo, como o contexto histórico da implementação das ETIs
no Brasil e no Município de Campinas-SP e os conceitos sobre violência e violência
escolar, que são retomados ao longo do texto. Ainda, justificamos a relevância dessa
pesquisa e estabelecemos seu objetivo. No primeiro capítulo delineamos a metodologia
18
de pesquisa empregada e caracterizamos os/as professores/as entrevistados/as. No
segundo capítulo, discutimos os resultados obtidos a partir dessas entrevistas, os dados
são apresentados de acordo com as categorias e subcategorias analisadas. Para
concluirmos a dissertação, trazemos a síntese das ideias aqui apresentadas, além de
reflexões sobre a possibilidade de novas pesquisas na área.
19
INTRODUÇÃO
A ampliação de tempos, espaços e oportunidades educativas é um tema
relevante no contexto político-pedagógico brasileiro, visto o crescente número de
escolas que se organizam para atuar como Escolas de Tempo Integral (ETI). Em todas
as regiões do país, Estados e Municípios buscam implementar políticas educacionais
para atender à Lei Federal nº 13.005, de 25 de junho de 2014, que aprovou o Plano
Nacional de Educação (PNE) para o decênio 2014-2024. A meta número 6 do PNE
estabelece a oferta de educação em tempo integral, no mínimo, em 50% das escolas
públicas de forma a atender, pelo menos, 25% dos/as estudantes da Educação Básica
(BRASIL, 2014).
O debate em torno da educação integral no Brasil tem como referência o
movimento liberal reformador da Escola Nova, do início do século XX. A corrente
pedagógica escolanovista relacionava a reformulação da escola com a valorização da
atividade ou experiência em sua prática cotidiana. Nesse sentido, os movimentos que a
formaram tinham como base o entendimento da educação como vida, e não como
preparação para a vida (CAVALIERE, 2002). O movimento escolanovista teve grande
influência na educação brasileira por meio de educadores e intelectuais liderados por
Anísio Teixeira, Lourenço Filho e Fernando de Azevedo, intitulados por Afrânio
Peixoto como os ―Três Cardeais da Educação Brasileira‖ (LEMME, 2004).
De acordo com Cavalieri (2010), a defesa de uma escola com funções
ampliadas, visível nas reformas dos anos 1920, se aprofundou entre os intelectuais
reformistas. Em 1932, 26 intelectuais escreveram o Manifesto dos Pioneiros da
Educação Nova, documento intitulado ―A reconstrução educacional no Brasil, ao povo e
ao governo‖ que propunha a reforma educacional no país. Segundo a autora, a ideia de
educação integral presente no manifesto é a do direito do indivíduo a uma educação
pública que alcançasse diversas dimensões de sua formação.
Ações como a ampliação da jornada escolar e da duração do ano letivo,
além da organização de escolas-classe e escolas-parque estavam presentes nos textos de
Anísio Teixeira desde 1930. Em 1950, com a criação do Centro Educacional Carneiro
Ribeiro em Salvador, essas ideias se concretizaram (CAVALIERE, 2010). Ainda, em
20
consonância com os pensamentos de Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro criou os Centros
Integrados de Educação Pública (CIEP) no Rio de Janeiro, nos anos 1980.
Nesse período, a discussão sobre a educação básica pública foi ampliada e
refletiu na Constituição Federal de 1988; Lei n°. 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto
da Criança e do Adolescente – ECA); Lei n°. 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB). No tocante a escola de tempo
integral, a Lei n°. 11.494, de 20 de junho de 2007 (Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação –
FUNDEB) regulamenta a distribuição e a aplicação de recursos financeiros para cada
tipo de estabelecimento de ensino; o Decreto n°. 7.083, de 27 de janeiro de 2010
(Programa Mais Educação – PME) trata da ampliação do tempo de permanência dos/as
estudantes na escola, mediante oferta de educação básica em tempo integral; e a Lei
Federal nº. 13.005, de 25 de junho de 2014 (Plano Nacional da Educação – PNE)
estabelece metas para a implementação de ETIs.
Nessa esteira, a Prefeitura Municipal de Campinas (PMC) instituiu por meio
do Decreto Nº 18.242, de 24 de Janeiro de 2014 e da Resolução 05/2014, de 10 de
Março de 2014 o Projeto Piloto das ―Escolas de Educação Integral – EEI2‖, implantado
inicialmente em duas escolas da rede e, posteriormente, em mais quatro, no total de seis
escolas participantes. Nesse documento, a concepção de Educação Integral propõe que o
aumento da jornada escolar represente a ampliação de oportunidades e situações de
aprendizado significativas, considerando o sujeito em sua condição multidimensional:
Apenas o tempo qualificado, que articula atividades educativas numa
dinâmica interdisciplinar, que considera os diversos espaços como
igualmente educativos, pode efetivamente contribuir para a formação
integral do aluno, para a superação da fragmentação e do
estreitamento curricular e da lógica educativa demarcada por espaços
físicos e tempos delimitados rigidamente (CAMPINAS, 2014 p.8).
A estrutura educacional apresentada no projeto aponta para reflexões
necessárias quanto à prática pedagógica, no que diz respeito à criação de projetos, aulas,
estratégias e formas de avaliação dos/as estudantes, articuladas e sustentadas pelo
2 Denominação proposta pela Prefeitura Municipal de Campinas na concepção do Projeto Piloto das
"Escolas de Educação Integral - EEI".
21
planejamento e trabalho coletivo dos/as profissionais das escolas, bem como a
importância da formação continuada.
Tratar da temática do aumento da jornada escolar abrange fatores diversos,
pois envolve mudanças na estrutura física, curricular e também humana. Não basta
aumentar o número de horas do estudante na escola descuidando da organização
escolar. Com base nessa reflexão, o quadro abaixo, retirado do texto oficial da
prefeitura, traz uma comparação entre as principais características da ampliação da
jornada escolar e da educação integral compreendida no projeto piloto:
Quadro 1: Comparação entre o Aumento do Tempo e a Educação Integral.
AUMENTO DO TEMPO EDUCAÇÃO INTEGRAL
Ampliação do tempo de permanência dos
alunos com acréscimo de algumas
disciplinas ou atividades complementares
como dança, música, esporte ou mesmo
reforço.
Reformulação da escola, alterando e
ampliando a oferta de conhecimentos
articulados entre si e com a compreensão
da realidade.
Divisão em turnos – alunos pensando
separadamente, de manhã aulas e a tarde
atividades complementares.
Possibilidade de uma formação mais
completa para o aluno enquanto ser
humano e não apenas como estudante,
conciliando os conteúdos didáticos com
outros aspectos da vida.
Hiperescolarização: oferecer mais do
mesmo.
Reorganização dos tempos, espaços e
conteúdos para desenvolver os alunos de
forma completa, em sua totalidade.
Forma de dar ocupação aos alunos.
Cuidado para promover um trabalho que
persiga a formação e o desenvolvimento
humano mais amplo e múltiplo possível.
Aumenta-se o tempo, mas não existe um
esforço em garantir a qualidade desse
tempo ofertado aos alunos.
As crianças e os adolescentes são
incentivados a desenvolver diferentes
formas de expressão, como a artística,
física, intelectual, digital e social. Fonte: Projeto Piloto para as Escolas de Educação Integral (CAMPINAS, 2014).
Ao refletirmos sobre esses argumentos, é possível perceber o objetivo do
projeto do município de, não apenas aumentar a permanência do estudante nas escolas,
mas garantir uma educação de qualidade, que seja tão integral quanto o tempo de
permanência na escola. Contudo, nas reuniões dos Grupos de Estudos e Pesquisas em
Educação Física Escolar e Escolas de Tempo Integral (EscolaR-ETI), da Faculdade de
Educação Física da Unicamp (FEF-Unicamp), defendemos que todas as escolas devem
22
oferecer educação integral e de qualidade para os/as estudantes, independente da forma
com que se organizam, seja com atendimento em tempo parcial ou mesmo com a
ampliação da jornada escolar. Dessa forma, em consonância com o referencial teórico
mais abrangente sobre as Escolas de Tempo Integral, optamos por utilizar a sigla ETI
nesse estudo.
Na resolução 05/2014, a organização do funcionamento e do trabalho
pedagógico proposto para essas ETIs, com base na perspectiva de educação integral e
nas Diretrizes Curriculares para a Educação Básica da Rede Municipal de Ensino de
Campinas (RMEC), pauta-se nos princípios de valorização das experiências
extraescolares dos/das estudantes, promoção de uma postura investigativa, apropriação
e produção de cultura, articulação com o mundo do trabalho e a tematização das
questões de classe, gênero, sexualidade e étnico-raciais. Além disso, tem como
objetivos educacionais a formação humana integral do estudante, o enriquecimento do
seu universo de referências e o oferecimento de estrutura adequada e possibilidade
concreta de produção de conhecimento e de trabalho educativo à comunidade escolar
(CAMPINAS, 2014).
Frente aos princípios e objetivos estabelecidos no projeto da prefeitura, as
diretrizes para a organização curricular dessas ETIs buscam ampliar o diálogo entre os
saberes escolares, a cultura, as novas tecnologias, os conhecimentos sociais e toda a
diversidade de aprendizado, a partir de uma estrutura diferenciada dos espaços, tempos
e atribuições pedagógicas. Pautado na não fragmentação e não hierarquização dos
componentes curriculares, o ensino e os estudos dos conteúdos escolares devem ser
tratados de forma integrada e interdisciplinar com base em eixos de trabalho.
Esses eixos de trabalho compreendem a articulação entre os componentes
curriculares e as práticas sociais, no sentido de promover o desenvolvimento cognitivo,
motor, social e afetivo dos/as estudantes. Eles proporcionam a construção e a
mobilização do conhecimento em diversas áreas, além de sua contextualização na
compreensão da realidade. Nessa forma de organização curricular, os processos
pedagógicos fundamentam-se na integração entre as turmas, os componentes
curriculares, as áreas e os ciclos, bem como no planejamento longitudinal, realizado de
maneira coletiva, em equipes multidisciplinares.
23
Ao considerarmos a ressignificação dos tempos pedagógicos e dos espaços
escolares, o caráter interdisciplinar dos componentes curriculares e o processo de ensino
e aprendizado mediado por estratégias diversificadas e práticas inovadoras, refletimos
sobre a convivência escolar nessas ETIs. Nesse contexto, discorreremos a respeito da
dinâmica das relações de convivência entre professores/as, estudantes, suas famílias,
equipe gestora e funcionários mediante a rotina de estudo e trabalho dessas escolas,
especificamente acerca da percepção e problematização da violência escolar na
perspectiva de professores/as de Educação Física.
Violência e violência escolar
Ao propormos a discussão sobre a violência escolar, consideramos o
entendimento deste fenômeno a partir da definição dos conceitos de agressividade e
violência. Freud (1996), em seu trabalho intitulado ―O mal-estar na civilização‖,
inicialmente publicado em 1930, afirma que a agressividade é inata ao ser humano. O
autor explica que a existência deste potencial está relacionada a um impulso que pode
ser direcionado para atos de violência/destruição, ou para atividades ligadas à
criação/construção. De acordo com o autor, a civilização tem o papel de organizar e
controlar as forças instintivas do homem, gerando, portanto um mal-estar representado
pela substituição de parte da felicidade presente na satisfação dos instintos, por uma
parte de segurança garantida pela vida social. Assim, este impulso pode ser educado de
acordo com o que é determinado culturalmente, ou seja, direcionado para atitudes
aceitas socialmente.
Sobre a correlação entre agressividade e violência, Costa (1984) evidencia
que, a ação agressiva ganha o sentido de ação violenta quando é percebida no sujeito
violentador, na vítima ou no observador a intenção de causar dano ao outro. Com isso,
quando se trata da pura expressão do instinto, ou quando não traduz um desejo de
destruição, não é considerada como uma ação violenta. Assim, a agressividade que
causa dano, denominada violência, advém do mesmo impulso que expressa o instinto
criativo. Considera-se, portanto, a mesma agressividade, ―[...] o que mudou foi como o
meio acolheu este gesto, que de criativo passou a ser reativo‖ (VILHENA e MAIA,
2002, p. 42).
24
Nesse sentido, a Organização Mundial de Saúde – OMS (2002, p. 5) refere-
se à violência como:
[...] uso intencional de força física ou poder, em forma de ameaça ou
praticada, contra si mesmo, contra outra pessoa, ou contra um grupo
ou comunidade que resulta ou tem uma grande possibilidade de
ocasionar ferimentos, morte, consequências psicológicas negativas,
mau desenvolvimento ou privação.
Na definição proposta por Yves Michaud (1978, p. 20):
Há violência quando, numa situação de interação, um ou vários atores
agem de maneira direta ou indireta, maciça ou esparsa, causando
danos a uma ou várias pessoas em graus variáveis, seja em sua
integridade física, seja em sua integridade moral, em suas posses, ou
em suas participações simbólicas e culturais (apud MICHAUD, 1989,
p. 11).
A partir desses conceitos, entendemos a violência como um fenômeno social
dinâmico, mutável de acordo com o momento histórico, a localidade e o contexto
cultural. Seus significados, suas dimensões e representações passam por adaptações à
medida que as sociedades se transformam (ABRAMOVAY, 2006). No que tange à
violência escolar, Blaya (2006) considera ainda não haver uma definição consensual
sobre o tema, em vista disso, com o intuito de delinearmos o objeto de estudo dessa
pesquisa, apresentamos diferentes concepções de autores que versaram especificamente
sobre esse fenômeno.
A classificação descrita por Charlot (2002) compreende três tipos de
violência escolar: a violência na escola, como aquela caracterizada por ações violentas
que ocorrem dentro do ambiente escolar, mas não tem nenhuma relação com a
instituição de ensino; a violência da escola, composta por ações, normas e posturas
violentas contra os/as estudantes ou agentes escolar, típicas desse contexto; e a violência
à escola que ocorre quando os/as estudantes agem de forma violenta contra a instituição
de ensino e seus representantes.
O autor também considera que a violência escolar pode ocorrer em três
níveis diferentes: a violência física, sexual, roubos, crimes e vandalismo; as
incivilidades, que contradizem regras de boa convivência, a exemplo de palavras
grosseiras e falta de respeito; e a violência simbólica ou institucional, em que se
25
manifestam ações, normas e posturas violentas nas relações de força em meio ao
ambiente escolar (CHARLOT, 2002; CHARLOT; ÉMIN, 1997).
Debarbieux (2006) utiliza o termo microviolências para se referir às
incivilidades — resultado de pequenas delinquências, pequenas infrações e agressões
contra as pessoas — e ao bullying, entendido pelo autor como assédio entre pares.
Destacamos, também, o bullying e o cyberbullying como duas formas
específicas de violência escolar relevantes ao presente estudo. O termo bullying
originou-se na década de 1970, a partir dos estudos do pesquisador Dan Olweus, na
Noruega. A expressão em inglês não possui tradução literal em português, mas refere-se
a situações de violência cometidas de forma recorrente ao longo de um período de
tempo, por um ou mais estudantes, com a intenção de causar danos físicos ou
psicológicos à outra criança ou adolescente incapaz de se defender, em uma relação
desigual de poder e com a presença de espectadores (CEREZO, 2009).
Esse fenômeno possui características específicas e, para categorizar os atos
violentos como bullying, é fundamental observar cinco condicionantes: relação de poder
assimétrica, na qual um estudante ou grupo de estudantes com maior poder físico ou
social abusa de outro em condição inferior; ocorre entre estudantes, de modo que casos
de violência entre estudantes e professores, por exemplo, não se enquadram como
bullying; presença de espectadores que observam e até mesmo incitam os atos violentos;
recorrência das situações de violência ao longo de um período de tempo (ALMEIDA,
2016).
Nos casos de cyberbullying, os atos violentos ocorrem de maneira virtual,
por meio das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC), como em redes sociais,
aplicativos de mensagens, e-mails e páginas web. Esse fenômeno, além de apresentar
características semelhantes às do bullying, possui algumas particularidades, tais como a
continuidade das situações de violência fora do ambiente escolar; maior alcance,
audiência e duração por meio de sucessivos compartilhamentos na internet; capacidade
para gerar exclusão das vítimas; e o aparente anonimato do agressor (GIMENÉZ et al.,
2018).
Apesar de não ser considerada como uma violência, a indisciplina é outro
tema recorrente no cotidiano escolar. De acordo com Aquino (2003) trata-se de um
fenômeno caracterizado por condutas disruptivas, atitudes e comportamentos contrários
26
às regras do regimento escolar ―afronta – declarada ou não – aos códigos normativos em
vigor naquela instituição, sejam eles razoáveis, justos, recíprocos, ou não‖ (p. 9).
Nesse contexto, a partir da revisão de literatura, percebemos que a violência
e a violência escolar podem ser discutidas por diferentes prismas teóricos. Nesse estudo,
também buscamos compreender quais concepções melhor representam as perspectivas
docentes acerca desse fenômeno.
Dessa forma, consideramos a relevância do presente estudo em razão do
número reduzido de publicações que tratam da violência escolar sob a perspectiva de
professores/as, especialmente do componente curricular Educação Física; da iminente
preocupação com a incidência desse fenômeno no cotidiano das ETIs, onde a
convivência e as relações sociais são intensificadas a partir do aumento do tempo de
permanência na escola; e por se tratar de um projeto novo, implementado recentemente,
que necessita ser estudado em suas diferentes vertentes.
Com isso, questionamos em que medida a ampliação da jornada escolar
influencia na manifestação da violência escolar na perspectiva dos professores de
Educação Física? Quais são as ações das instituições de ensino e dos atores escolares no
sentido de esclarecer e conscientizar sobre esse assunto? As estratégias de ensino e as
práticas pedagógicas orientam e promovem relações sociais respeitosas? Nesse interim,
entendemos que a atuação dos/as professores/as assume um papel importante no
enfrentamento da violência escolar, portanto, compreender suas percepções sobre essa
temática é fundamental para nossa pesquisa. Com esse estudo buscamos compreender
como a violência escolar é percebida e problematizada pelos/as professores/as de
Educação Física em seus diferentes contextos de atuação no cotidiano escolar das ETIs.
27
1. METODOLOGIA
A realização dessa pesquisa está fundamentada na metodologia qualitativa,
pois tem como objetivos: observar, compreender e significar os fenômenos que são
objetos de estudo; entendendo a dinâmica dos pesquisados em seu local de atuação e de
que forma os elementos do ambiente se combinam para configurar uma complexa rede
de relações. De acordo com Thomas e Nelson (2002, p. 322):
A pesquisa qualitativa tem como foco a ―essência‖ do fenômeno. […]
Os objetivos são primeiramente a descrição, a compreensão e o
significado. O pesquisador não manipula as variáveis por meio de
tratamentos experimentais, mas se interessa mais pelo processo do que
pelo produto. O pesquisador observa e coleta os dados no campo, isto
é, no ambiente natural.
Com o intuito de considerarmos os diferentes pontos de vista entre as
pessoas envolvidas com a pesquisa, utilizamos como fonte de informação a entrevista
semiestruturada, entendendo que este instrumento metodológico, segundo Triviños
(1987, p. 146):
[…] parte de certos questionamentos básicos, apoiados em teorias e
hipóteses, que interessam à pesquisa, e que, em seguida, oferecem
amplo campo de interrogativas, fruto de novas hipóteses que vão
surgindo à medida que se recebem as respostas do informante.
Esse mesmo autor ensina que a entrevista semiestruturada ―[...] favorece não
só a descrição dos fenômenos sociais, mas também sua explicação e a compreensão de
sua totalidade [...]‖ (Ibid., 1987, p. 152). Dessa forma, as entrevistas tiveram um roteiro
previamente elaborado, baseado nas questões norteadoras da pesquisa, sendo que as
particularidades de cada situação de entrevista suscitaram novos questionamentos e
direcionamentos, porém, sem fugir do tema principal.
O roteiro da entrevista foi organizado em quatro blocos de perguntas, que
poderiam ser alterados de acordo com seu encaminhamento. O primeiro sobre
informações pessoais, profissionais e acadêmicas mantendo o anonimato dos/as
professores/as; o segundo relacionado ao seu entendimento sobre o fenômeno da
violência escolar; o terceiro no tocante às suas percepções sobre a violência escolar na
28
ETI em que atuam a partir do relato de casos; e o quarto sobre a problematização do
tema nos seus diferentes contextos de atuação no cotidiano escolar:
Bloco 1: Idade, gênero, tempo de formação, local de formação, formação
complementar, tempo de atuação na rede, tempo de atuação em ETI, outras
experiências profissionais, atuação em outra rede, qual, e para quais turmas
leciona.
Bloco 2: O que você entende por violência e por violência escolar?
Bloco 3: Ocorrem manifestações de violência na escola que você atua? Que
tipos de violência ocorrem? Em que contextos ocorrem manifestações de
violência na escola? Na sua percepção, o aumento do tempo de permanência
do estudante na escola interfere na questão da violência? Quais fatores você
acha que influenciam na violência? Como você descreve as relações
pessoais na sua escola? Levando em conta essa temática da violência, como
você descreveria sua escola?
Bloco 4: Como você atua em relação às manifestações de violência? Você
tem dificuldades de lidar com o assunto? E como a escola lida com a
questão da violência? Há algum trabalho feito pela escola ou pela secretaria
de educação com os/as professores/as sobre o tema?
Ao encontro do exposto e legitimando essa metodologia no campo da
pesquisa social, Boni e Quaresma (2005, p. 75) explicam que a entrevista
semiestruturada possibilita:
[…] uma abertura e proximidade maior entre entrevistador e
entrevistado, o que permite ao entrevistador tocar em assuntos mais
complexos e delicados, ou seja, quanto menos estruturada a entrevista
maior será o favorecimento de uma troca mais afetiva entre as duas
partes. Desse modo, estes tipos de entrevista colaboram muito na
investigação dos aspectos afetivos e valorativos dos informantes que
determinam significados pessoais de suas atitudes e comportamentos.
As respostas espontâneas dos entrevistados e a maior liberdade que
29
estes têm podem fazer surgir questões inesperadas ao entrevistador
que poderão ser de grande utilidade em sua pesquisa.
Para a realização do estudo foi entregue uma Carta de Autorização à equipe
gestora de cada uma das seis Escolas de Educação Integral (EEI) da Rede Municipal de
Ensino de Campinas (RMEC). Posteriormente convidamos todos/as os/as dezessete
professores/as de Educação Física que atuam nessas escolas para participarem como
voluntários/as na pesquisa. A relação completa de nomes foi levantada por meio da lista
de classificação funcional da Secretaria Municipal de Educação 2017/2018 e os contatos
foram obtidos durante as visitas às EEIs. O fato de sermos colegas de trabalho facilitou
a aproximação com os participantes.
O critério inicial para a seleção foi incluir no estudo um/uma professor/a de
cada ETI. Realizamos um sorteio a fim de definir os/as seis a serem inicialmente
entrevistados. Caso necessário, outros/as professores/as poderiam ser incluídos/as na
pesquisa, pois foi adotado o critério de saturação para o levantamento dos dados. Dessa
maneira, foram selecionados dois professores e quatro professoras que concordaram em
participar da pesquisa, sem que houvesse a necessidade de substituição.
O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), sob o parecer número 2.475.055. As
seis entrevistas foram realizadas no próprio local de trabalho de cada participante, entre
os meses de abril e maio de 2018, em data e horário previamente combinados que não
interferissem na rotina escolar. Foi entregue o Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido (TCLE) para os/as professores/as. As entrevistas tiveram, em média, a
duração de 45 minutos cada, todas as conversas foram gravadas e posteriormente
transcritas na íntegra. Após as transcrições, os textos foram devolvidos aos participantes
que puderam sugerir correções em suas respostas, porém eles/as não as indicaram,
mantendo o texto original obtido nas próprias entrevistas.
A organização e a análise dos dados foram realizadas por meio da Análise
de Conteúdo descrita por Laville e Dione (1999), que consiste em fragmentar a estrutura
e os elementos do material construído, para identificar suas diferentes características e
extrair sua significação. Dessa forma, partimos do princípio de que:
Mesmo organizado, o material continua bruto e não permite ainda
extrair tendências claras e, ainda menos, chegar a uma conclusão. Será
30
preciso para isso empreender um estudo minucioso de seu conteúdo,
das palavras e frases que o compõem, procurar-lhes o sentido captar-
lhes as intenções, comparar, avaliar, descartar o acessório, reconhecer
o essencial e selecioná-lo em torno das ideias principais... É este o
princípio da análise de conteúdo: consiste em desmontar a estrutura e
os elementos desse conteúdo para esclarecer suas diferentes
características e extrair sua significação. (LAVILLE; DIONNE, 1999,
p.214).
Esse tipo de análise de conteúdo contém fases para sua concretização, quais
sejam:
O recorte de conteúdos: seleção de elementos que aparecem com frequência
nas falas das entrevistas; formação de unidades significativas de acordo com
o contexto da pesquisa;
A definição das categorias analíticas: escolha de temas aos quais os
elementos que foram recortados e que tem significados semelhantes se
agruparão. Esse processo pode ser realizado por meio do modelo aberto
(categorias surgem durante a análise), fechado (as categorias são definidas
inicialmente, embasadas no campo teórico) ou misto (as categorias são
definidas inicialmente, mas modificam-se devido às análises).
A categorização final das unidades de análise: uma apreciação mais
profunda das relações entre os elementos e os temas, além de possíveis
reagrupamentos destes nas categorias delimitadas.
É importante atentar para o fato de que as duas primeiras fases são
complementares e não existe uma regra específica quanto à ordem de desenvolvimento
de cada uma. Isto é:
Nenhuma regra obriga a proceder em primeiro lugar ao recorte: pode-
se fixar inicialmente as categorias para, em seguida, recortar os
conteúdos. Aliás, como veremos, as duas operações de escolha das
categorias e de recorte dos conteúdos são conduzidas de maneira
paralela e se enriquecem mutuamente: os conteúdos sugerem novas
categorias, que levam, por sua vez, a uma leitura mais profunda do
discurso. (Ibid., 1999, p. 217).
31
Com base no exposto, a presente pesquisa se utilizou do modelo aberto, e
foram definidas as seguintes categorias e subcategorias analíticas:
Perspectivas dos/as professores/as de Educação Física sobre os conceitos de
violência e violência escolar;
Manifestações da violência escolar nas ETIs: Relatos de casos de violência
escolar, os contextos em que eles ocorrem e os aspectos que possivelmente
os influenciam; As relações de convivência entre os atores da comunidade
escolar; e A correlação entre a implementação das ETIs e o fenômeno da
violência escolar;
Estratégias para lidar com a violência escolar nas ETIs: As ações
pedagógicas e os projetos da escola.
Caracterização dos/as professores/as
Nesse estudo, com o intuito de preservarmos a identidade dos/as
professores/as entrevistados/as, foram escolhidos nomes fictícios para eles/as e para as
escolas onde atuam. Suas idades foram aproximadas e informações específicas que
poderiam levar à identificação dos/as participantes sobre a trajetória acadêmica e
profissional também foram omitidas.
No tocante à organização das ETIs pesquisadas, uma delas oferece a
Educação de Jovens e Adultos/anos finais do ensino fundamental (EJA) para estudantes
em situação de vulnerabilidade socioeconômica, desproteção e violação de direitos e em
cumprimento de liberdade assistida; duas atendem somente os anos iniciais do ensino
fundamental (turmas de 1º ao 5º ano); e três atendem os anos iniciais e finais do ensino
fundamental (turmas de 1º ao 9º ano).
André tem entre 45 e 50 anos, formou-se em Educação Física por uma
Universidade Pública Estadual, no final dos anos 1990. Especializou-se na área do
treinamento físico e trabalhou em academias por mais de dez anos. Na mesma época, foi
32
professor em uma rede estadual de ensino e exerceu a função de coordenador de um
programa de ampliação da jornada escolar. Há menos de cinco anos, ingressou na Rede
Municipal de Ensino de Campinas (RMEC), na ETI Cajueiro, onde leciona para turmas
dos anos finais do ensino fundamental.
Clara tem entre 45 e 50 anos, formou-se em Educação Física por uma
Universidade Privada, no início dos anos 1990. Cursou duas especializações na área
educacional, entre 2005 e 2010. Foi professora em uma rede estadual de ensino, entre as
décadas de 1990 e 2000. Ingressou na RMEC no início dos anos 90 e, há mais de dez
anos, removeu-se para a ETI Manacá, onde leciona para turmas dos anos finais do
ensino fundamental.
Ester tem entre 50 e 55 anos, formou-se em Educação Física por uma
Universidade Privada, no início dos anos 1990. Fez cursos de formação nas áreas
terapêutica, educacional e do treinamento físico. Trabalhou em academias por mais de
dez anos e, atualmente dedica-se ao treinamento personalizado concomitante à docência
na escola. Ingressou na RMEC no início dos anos 2000 e, há menos de cinco anos,
removeu-se para a ETI Araucária, onde leciona para turmas dos anos finais do ensino
fundamental.
Juliana tem entre 35 e 40 anos, formou-se em Educação Física por uma
Universidade Pública Estadual, no final dos anos 1990. Concluiu o mestrado em uma
Universidade Pública Estadual e especializou-se na área da dança. Ingressou na RMEC
no início dos anos 2000 e, há mais de cinco anos, removeu-se para a ETI Pitangueira,
onde leciona para turmas dos anos iniciais do ensino fundamental. No início dos anos
2010, também atuou como articuladora de um programa de ampliação da jornada
escolar, nessa mesma escola.
Rogério tem entre 55 e 60 anos, formou-se em Educação Física por uma
Universidade Pública Estadual, no final dos anos 1980. Especializou-se nas áreas de
jornalismo esportivo e formação docente. Foi professor em uma rede estadual de ensino
33
no início dos anos 2000. Há mais de 15 anos, ingressou na RMEC na ETI Jequitibá,
onde leciona para os anos iniciais do ensino fundamental.
Laura tem entre 30 e 35 anos, formou-se em Educação Física por uma
Universidade Pública Estadual, em meados dos anos 2000. Especializou-se nas áreas do
treinamento físico e educação física escolar. Foi professora em escolas privadas e,
atualmente dedica-se à arbitragem esportiva concomitante à docência na escola.
Ingressou na RMEC no início dos anos 2010 e, há mais de cinco anos, removeu-se para
a ETI Ipê, onde leciona para turmas dos anos iniciais do ensino fundamental.
No capítulo seguinte, discutiremos os resultados do estudo a partir das
categorias levantadas trazendo trechos das entrevistas realizadas com esses/as
professores/as.
34
2. TENSÕES E CONTRADIÇÕES
Ao refletirmos sobre os discursos dos/as professores/as de Educação Física
acerca da violência escolar nas ETIs, estabelecemos relações entre os diversos pontos de
vista e a fundamentação teórica específica sobre o tema. Por um lado, reconhecemos o
desafio de analisar os discursos pedagógicos e compreender os contextos em que estão
inseridos, por outro, percebemos a dimensão do fenômeno que nos propomos a discutir
nesse estudo.
A partir dessas entrevistas, como apontado anteriormente, levantamos os
seguintes temas para análise: na categoria Perspectivas sobre a violência e a violência
escolar, discutiremos os diferentes pontos de vista dos/as professores/as de Educação
Física acerca dos conceitos de violência e violência escolar. Em seguida, na categoria
Manifestações da violência escolar nas ETIs trataremos dos relatos de casos de
violência escolar, bem como os contextos em que eles ocorrem e os aspectos que
possivelmente os influenciam; as relações de convivência entre os atores da comunidade
escolar e a correlação entre a implementação das ETIs e o fenômeno da violência
escolar. Por fim, na categoria Estratégias para lidar com a violência escolar nas ETIs,
refletiremos sobre os projetos desenvolvidos pelas escolas e as ações pedagógicas
dos/as professores/as.
2.1. Perspectivas sobre a violência e a violência escolar
Violência
A violência e a violência escolar constituem o assunto principal desse
estudo, decorrente da nossa preocupação com a grande incidência desses fenômenos no
cotidiano escolar e no contexto social em que vivemos. No Brasil, índices alarmantes de
violência chamam atenção para esse problema, conforme aponta o último levantamento
realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro
de Segurança Pública (FBSP), divulgado no Atlas da Violência de 2018.
35
Figura 2: Infográfico Atlas da Violência 2018
Fonte: www.forumseguranca.org.br.
Os dados apontam para um crescimento considerável das taxas de
homicídios e feminicídios nos últimos anos, principalmente entre jovens e negros/as.
Além disso, destacam que dos 62.517 homicídios em 2016, 71% foram praticados com
arma de fogo. Outra questão bastante preocupante diz respeito aos casos de estupro,
cuja soma dos registros policiais e do sistema de saúde ultrapassaram o número de 70
mil ocorrências. Ainda, a pesquisa revela que em 50,9% dos casos as vítimas são
crianças de até 13 anos, dos quais 30% dos agressores são familiares próximos, como
pais, irmãos e padrastos. (BRASIL, 2018).
Com o objetivo de compreendermos como esse fenômeno é percebido e
problematizado pelos/as professores/as de Educação Física, em seus diferentes
contextos de atuação no cotidiano escolar das ETIs, destacamos trechos das entrevistas
que retratam os seus diferentes pontos de vista acerca dessa temática. Especificamente
sobre a violência, Laura afirmou o seguinte:
―[...] acho que a violência abrange muitas coisas. Acho que qualquer
ato que fira a integridade física ou a integridade moral – eu não sei se
36
chama assim ―integridade moral‖ – mas que fira uma pessoa
emocionalmente, ou fisicamente, ela pode ser considerada um ato de
violência. E aí a gente tem uma gama muito grande, se a gente fosse
classificar os tipos de violência‖ (Laura).
A professora compreende a violência a partir da intencionalidade do ato, por
causar danos físicos, morais ou emocionais à outra pessoa, concordando com as
definições de violência apresentadas no presente estudo (COSTA, 1984; MICHAUD,
1989; OMS, 2002), não leva em conta a ação em si, mas a intenção, o que é esperado
para uma compreensão adequada sobre o fenômeno segundo a literatura sobre o tema.
Mais um ponto que nos chama atenção em sua fala é o fato dela também
considerar o aspecto psicológico da violência, pois existe uma tendência em
evidenciarmos a violência física como mais grave, provavelmente por causar danos
evidentes, visíveis, contudo, a violência psicológica pode causar tanto ou ainda mais
danos que a física.
Outra questão interessante diz respeito à classificação dos tipos de violência,
em que ela reconhece existir diferentes formas desse fenômeno se manifestar
(CHARLOT, 2002), embora não elenque em sua fala a quais tipos se refere.
Em outra perspectiva, Clara e Ester discorrem sobre a definição de violência
a partir das possíveis causas desse fenômeno, como os fatores familiares e sociais
(BLAYA, 2006):
―A violência, ela vem do ambiente familiar primeiro, não adianta. Ela
só é reproduzida devido ao ambiente familiar, ela se reproduz na
sociedade e aqui não é diferente. A violência é aquela do trato, do
respeito pelo ser humano, seja ele qual for, se ele é pequenininho, o
ser humano como ser humano.‖ (Clara).
―A violência em geral, o que eu vejo em nossos alunos e sociedade...
Eles reproduzem exatamente aquilo que eles aprenderam. Aquela tal
história ‗quem agride, agredido é‘ é real. Então, quando a gente fala
de um aluno, de um adolescente ‗nossa, como esse cara é maldoso‘,
‗nossa, esse cara tinha que ser expulso‘, ‗ah, esse não tem mais jeito
não‘, mas a hora que você começa a conhecer o aluno [...] você fala
‗nossa senhora, esse rapaz é um sobrevivente.‘‖ (Ester).
A respeito desse tema, o professor Bernard Charlot (2006) faz uma
discussão importante, no prefácio do livro intitulado ―Cotidiano das escolas: entre
violências‖, coordenado pela pesquisadora Miriam Abramovay:
37
O ato violento sempre ocorre em uma situação psicológica ou
socialmente tensa. Portanto, sempre se pode dizer que a própria
situação é violenta [...] Contudo, por mais tensa que seja, uma situação
não produz automaticamente atos violentos [...] É um erro
desconhecer a importância da pobreza e das estruturas sociais no
nascimento e desenrolamento dos atos violentos, mas é também um
erro supor que o peso desses elementos macrossociais seja sempre
igual e é um abuso transformar elementos da situação em
determinantes, muito mais em determinantes de ‗a‘ violência, como se
houvesse uma espécie genérica, ‗a‘ violência, cujos fenômenos
agrupados sob essa etiqueta fossem apenas variedades‖
(ABRAMOVAY, 2006, p. 22).
O autor cita o exemplo da relação de causalidade entre pobreza e violência
como um erro metodológico. Ele explica que, o raciocínio de causa e efeito não é
pertinente para essa análise, pois se trata de um fenômeno construído por processos, em
que a pobreza pode interferir junto a outros fatores.
Os/as demais professores/as ampliaram suas considerações acerca da
violência, ao observarem o fenômeno por outros prismas:
―Violência é um conceito muito complexo de se falar, porque a
violência ela tem tantos aspectos, tantas motivações, tantas origens e
é difícil a gente conceituar a violência. Mas, o que eu entendo por
violência... Eu vejo o que está estabelecido aí na sociedade como um
todo, o que é violência na sociedade atualmente. Aquelas violências
que são institucionalizadas, que estão no código penal, que estão nas
leis ou aquelas violências que são brandas – brandas não, porque não
são brandas – são aquelas violências que a gente sabe que acontecem
e que são motivos de violências. Elas desencadeiam a violência, mas
nem sempre estão nas leis de violência, como as sociais, a
discriminação social, a discriminação por gênero, por etnia, enfim, as
minorias que são oprimidas. E nem às vezes são as minorias, são as
maiorias porque a população pobre no Brasil é a maioria e é
oprimida pela questão social que vive, que foi colocada ao longo da
história. Então isso também gera uma grande quantidade de
violências no nosso dia a dia, a violência de roubos, de assaltos, de
morte e de... Enfim, tem um monte de tipos de violência que são... E
muitas têm origem na questão social no Brasil e no Mundo.‖ (André).
―[...] existem essas violências do cotidiano, das relações humanas
que também estão permeadas por essa estrutura social de
desigualdade. De que um lá se sente melhor que o outro, com relação
às questões étnicas ou religiosas, porque tem um grupo que acha que
o dele é melhor e é mais importante que do outro... E aí que vão
aparecendo as desqualificações do outro.‖ (Juliana).
―A questão de gênero, a questão do racismo, que eles (estudantes)
apontam muito, é uma questão muito presente na nossa realidade, na
38
nossa sociedade, no Brasil. Haja vista, os números e a diferença de
mortalidade entre brancos e negros, essas estatísticas todas que fazem
esse retrato nosso. E isso aparece na escola, a escola é um pedaço da
sociedade que está aqui.‖ (Rogério).
André, Juliana e Rogério, ao refletirem sobre a incidência da violência em
nosso cotidiano, levantam argumentos referentes à desigualdade social, ao preconceito
racial e às discriminações étnica, religiosa e de gênero evidentes no Brasil. Nessa
esteira, entre as diferentes opiniões dos/as professores/as, considerarmos a violência
como um fenômeno social amplo e complexo, que se manifesta de diversas formas e
pode ser influenciado por um conjunto de fatores. A respeito da definição da violência,
Charlot propõe:
―‗Violência‘ é o nome que se dá a um ato, uma palavra, uma situação,
etc., em que um ser humano é tratado como um objeto, sendo negados
seus direitos e sua dignidade de ser humano, de membro de uma
sociedade, de sujeito insubstituível. Assim definida, a violência é o
exato contrário da educação, que ajuda a advir o ser humano, o
membro da sociedade, o sujeito singular‖ (ABRAMOVAY, 2006, 25).
Dessa forma, notamos que os/as participantes da pesquisa levantaram
pontos que coincidem com a literatura, ao considerarem a intencionalidade do ato
violento, o aspecto psicológico da violência, as diferentes formas como esse fenômeno
se manifesta e a influência de fatores familiares e sociais em sua incidência. A seguir,
discorreremos a respeito das perspectivas dos/as professores/as acerca da violência
escolar.
Violência escolar
No tocante à violência escolar, notícias recentes veiculadas na mídia
também mostram um cenário lamentável para a educação brasileira. O portal do
Observatório da Violência, organizado pelo Sindicato dos Professores do Ensino Oficial
do Estado de São Paulo (APEOESP), destacou alguns dos casos ocorridos em 2019,
como o ataque à Escola Estadual Professor Raul Brasil, em Suzano-SP, no dia 13 de
março, onde dois atiradores, ex-alunos da escola, vitimaram um lojista, cinco
estudantes, duas funcionárias e depois se suicidaram. A depredação de uma sala de aula
39
na Escola Estadual Maria de Lourdes Teixeira, em Carapicuíba, na Região
Metropolitana de São Paulo, no dia 30 de maio, onde estudantes agrediram fisicamente
uma professora. E de vídeos divulgados em redes sociais que exibem cenas de violência
física entre estudantes no banheiro de uma escola em Campinas, no dia 13 de maio e na
sala de aula de uma escola em Mogi Mirim, no dia 10 de junho (APEOESP, 2019).
Ao refletirem sobre o tema, os/as professores/as apresentaram diferentes
perspectivas para definir a violência escolar:
―A escola está no contexto da sociedade, não tem como a gente
separar a escola disso, ela está inserida nos territórios onde as
pessoas moram, ela também é um reflexo do que a sociedade vive.
Então se a gente vive uma situação de violência grande estabelecida
no Brasil, como a que a gente vive agora, nesse momento que é um
momento muito delicado em que a gente está vendo índices
alarmantes de violência, a gente vê também nas escolas esse tipo de
violência. Porque ela se reflete não só na relação entre os professores
e os alunos, entre os alunos e seus pares, mas também entre famílias,
entre a comunidade como um todo, entre a administração, o executivo
e as pessoas que operam a educação, os servidores públicos no caso
da escola pública.‖ (André).
―A violência é uma violência devido ao meio, só que eles não sabem
outra forma a não ser você falar com firmeza, mas com respeito, com
firmeza, mas com amor. Se não tiver um olhar profundo, você não fica
aqui.‖ (Clara).
―A questão de gênero... A questão do racismo que eles (estudantes)
apontam é uma questão muito presente na nossa realidade, na nossa
sociedade, no Brasil, haja vista os números e a diferença de
mortalidade entre brancos e negros, essas estatísticas todas que fazem
esse retrato nosso, isso aparece na escola. A escola é um pedaço da
sociedade que está aqui.‖ (Rogério).
André, Clara e Rogério direcionam o foco do problema para a sociedade e
argumentam sobre a inserção da escola no contexto social, de modo que as violências
do cotidiano são reproduzidas no ambiente escolar. Segundo Abramovay (2012, p. 45)
―É corrente, entre alguns professores, a percepção de que existem violências na
comunidade que ‗invadem‘ a vida da escola [...]‖. Em contrapartida, Juliana e Ester
levantaram outras questões relacionadas ao fenômeno, conforme citado abaixo:
―Eu acho muito complexo falar disso, porque eu acho que a violência
escolar têm várias dimensões. E acho que é mais comum pensar que a
violência está ligada a isso da convivência dentro da escola, entre as
40
crianças, ou do professor com a criança, da gestão, mas eu acho que
as politicas públicas impactam muito nisso. Eu acho que quando a
gente vê tantas perdas e desinvestimento na educação, quem está mais
conectado em acompanhar esses movimentos das políticas públicas,
eu acho isso um ato muito agressivo, por exemplo, que talvez as
crianças não tenham a consciência disso, mas para o professor isso é
muito agressivo, então acho que tem uma violência ali.‖ (Juliana).
―A violência escolar, eu acho que ela advém de uma confusão, de
interpretação mesmo das coisas. [...] De modo geral, a violência
escolar começa muitas vezes com um foco pequeno, mas que toma
proporções grandes. Consequências danosas que não resolvem o
problema, mas que causam uma revolta, que geram tensão, que
geram opressão e que realmente não resolvem e só pioram. [...] Eu
vejo que, na maioria das vezes, ela é tratada assim, uma coisa que é
pequenininha se torna grande e, às vezes, uma coisa que é grande não
é vista com atenção e passa despercebido, mas é uma coisa grave.
Então, por falta de tempo, por falta de habilidade, por falta de
formação, enfim, ou se exagera na mão, na dose com uma coisa
pequena ou uma coisa que era grande, que era para ter uma atenção
maior não teve, por ‗n‘ questões da prefeitura e pelos profissionais,
lógico.‖ (Ester).
Ao refletirem sobre o tema, percebemos que os olhares das professoras
estão mais voltados para o sistema educacional do que para a sociedade, como se
referiram os/as participantes anteriormente citados. Em sua fala, Juliana considera a
violência presente nas relações de convivência entre os atores da comunidade escolar, o
que nos remete a aspectos inerentes ao clima escolar, como a qualidade das relações
interpessoais, o respeito entre os indivíduos, o sentido atribuído ao processo de ensino e
aprendizado e o sentimento de pertencimento ao ambiente educacional. De acordo com
Blaya (2006, p. 18) ―A qualidade da vida escolar contribui para o sentimento de bem-
estar geral e favorece a prevenção de violência‖.
A professora também enfatiza o impacto das políticas públicas na qualidade
do ensino e na atuação docente, os desinvestimentos na área da educação acarretam
consequências como, a falta de estrutura física e de recursos didáticos adequados nas
escolas, quantidade excessiva de estudantes por sala, equipes de profissionais
incompletas, péssimas condições de trabalho, baixas remunerações e atrasos nos
pagamentos. Esses aspectos desencadeiam sentimentos de insatisfação, revolta e
insegurança que interferem no clima geral das instituições de ensino.
Por sua vez, Ester aponta a maneira equivocada como os profissionais da
educação atuam frente às situações de violência na escola e argumenta sobre a falta de
41
conhecimento para lidarem com o tema. Por se tratar de um fenômeno social amplo e
complexo, entendemos que a mediação dos casos de violência na escola requer bastante
atenção e cuidado, pois medidas punitivas desproporcionais podem gerar sentimentos de
injustiça e frustração, romper com os vínculos de confiança e interferir nas relações de
convivência e na qualidade do clima escolar. Portanto, acreditamos que investir em
formações específicas sobre o assunto pode ser uma das estratégias para tratar das
situações de violência no ambiente escolar. Mais adiante, na categoria Ações
pedagógicas e projetos das escolas, voltaremos a discutir essa temática.
Nessa esteira, compreendemos que as políticas públicas mal implementadas
e os desinvestimentos na área da educação são fatores que interferem na prática
pedagógica dos docentes e na vida acadêmica dos/as estudantes, com isso, a falta de
estrutura e de condições básicas para o desenvolvimento do processo de ensino e
aprendizado operam relações de poder que são em si e também produzem violência. Por
esse ângulo, corroboramos com a ideia de que ―a escola não apenas reproduz as
violências correntes na sociedade, mas produz formas próprias, de diversas ordens, tipos
e escalas, que refletem as especificidades de seu cotidiano.‖ (ABRAMOVAY, 2012, p.
46).
A respeito das diversas manifestações da violência escolar, os/as
professores/as identificaram os seguintes tipos:
―A gente vê uma série de tipos de violências, violências sociais vindas
de várias direções e caem na escola também. A gente vê a violência
na escola, a gente percebe que na escola tem vários tipos de
violência. Há vezes em que ocorrem entre os alunos, por exemplo,
existem violências de bullying, aquelas humilhações repetitivas que
acontecem entre os alunos, que eles fazem sistematicamente entre
eles. Acontecem violências entre professores e alunos, de baixo para
cima e de cima para baixo também, em relações que ocorrem em sala
de aula. E ocorrem violências entre gestão e professores, entre
prefeitura, governo do estado, entre servidores. Então existem vários
tipos de violência que recaem sobre a escola. [...] A escola também é
o lugar onde acontece o tráfico de drogas, é o lugar onde acontecem,
às vezes, até assassinatos...‖ (André).
―[...] violência escolar, eu acho que a gente tem um pouco desses dois
lados, dessa violência física, dos tapas, de bater, brigas mesmo que
envolve, quanto esse outro lado que fere mais a questão emocional,
da criança se sentir humilhada, ou se sentir inferior, ou não se sentir
aceita, de tirar sarro. [...] Ou ainda dessa outra parte da criança não
se desenvolver como ela poderia, de repente ela tem uma dificuldade
42
e ela se sente inferior, não porque alguém esteja falando com ela
diretamente, mas por não proporcionar um ambiente em que ela se
sinta bem consigo mesma, dela aceitar tipo ‗eu não sei, mas eu estou
sendo acolhida e estão aqui dispostos a me ensinar e tudo bem eu ter
essa dificuldade mas eu posso aprender‘, um ambiente assim em que
ela se sinta segura e respeitada nas suas ―n‖ diferenças... [...] De ela
se sentir acuada, não se sentir competente, dela não se sentir capaz de
fazer alguma coisa e com isso ela se retrai, ou ela se sente menos...‖
(Laura).
Ao comentarem sobre as situações violentas que ocorrem dentro do
ambiente escolar, como as brigas, o tráfico de drogas e os assassinatos, percebemos
certa aproximação entre os discursos de André e Laura com o conceito de violência na
escola. No que diz respeito aos sentimentos dos/as estudantes em relação às instituições
de ensino, suas falas evidenciaram o conceito de violência da escola, caracterizada por
ações, normas ou posturas violentas contra os/as discentes (CHARLOT, 2002). Ainda,
os/as professores/as destacaram a incidência das situações de bullying, nas quais a
vítima sofre com ofensas e agressões repetitivas, se sente excluída e inferiorizada
(DEBARBIEUX, 2006; CEREZO, 2009).
―Eu acho que tem uma violência que vem da forma com que a escola
historicamente se constituiu. Se a gente for pensar todos os saberes
que a gente trabalha dentro da escola ou que são consolidados como
os próprios da escola, eles vêm de uma ideia, de uma ideologia que é
dominante e que muitas vezes desconsidera os saberes da comunidade
local. E precisa ter uma gestão e um grupo de professores muito
disposto a enfrentar isso, para pensar em um currículo mais dialógico
ou não, acho que o próprio currículo é uma forma de violência
quando ele é imposto. Aí tem essas violências, eu acho que ela entra
na dimensão da violência simbólica, de um currículo que é feito cada
vez mais para as crianças servirem a um sistema, que eles não vão ter
consciência disso e que muitos professores também não têm, porque
acham que é isso mesmo e que vão colaborar para reproduzir isso, a
gente colabora para a reprodução desses sistemas. Então eu acho que
esse é um ato de violência, que a gente não consegue superar, fazer
uma transformação social a partir da escola. [...] E tem essas
violências do cotidiano, das relações humanas que também estão
permeadas por essa estrutura social, de desigualdade, de que um lá se
sente melhor que o outro, com relação às questões étnicas e as
religiosas, porque tem um grupo que acha que o dele é melhor e é o
mais importante que o do outro e aí que vão aparecendo as
desqualificações do outro. Então tem desde as ofensas pequenas, tipo
‗a mãe‘, a mãe está sempre no meio...‖ (Juliana).
A dimensão simbólica refere-se aos mecanismos sutis de dominação e
exclusão social, marcados pela violência nas relações de força, uma ―violência suave,
43
insensível, invisível a suas próprias vítimas, que se exerce essencialmente pelas vias
puramente simbólicas da comunicação e do conhecimento [...]‖ (BOURDIEU, 2002
p.5). A escola, enquanto agente no processo de reprodução social, sustenta os
determinismos sociais ditados pelas classes superiores. Nesse sentido, a ação
pedagógica constitui-se como uma violência simbólica com a imposição de certas
significações em detrimento a outras, o arbítrio cultural (BOURDIEU; PASSERON,
1982).
Em meio aos diferentes pontos de vista acerca da violência, Ester alerta
sobre a importância em percebermos as diversas maneiras como o fenômeno se
manifesta no ambiente escolar:
―[...] a gente tem que separar o que é violência, o que é violência
branda, que a gente fala, a violência grave, o que é indisciplina, para
não cair nessa coisa da justiça comum, que é o que a gente está
acostumado, que independente do tipo de coisa, se foi indisciplina ou
se foi uma agressão física ou se foi um crime, sei lá, tudo gera uma
suspensão. Mas, as coisas são diferentes, com pesos diferentes.‖
(Ester).
Ao lidar com essas situações, a professora afirma existir uma tendência em
desconsiderar as circunstâncias das atitudes dos/as estudantes, as quais são aplicadas
sansões, por vezes, descabidas. Nesse sentido, a literatura nos traz as noções de
microviolências, caracterizadas por pequenos delitos, infrações e incivilidades, que
perturbam a ordem e a convivência (BLAYA, 2006; DEBARBIEUX, 2006;
CHARLOT; ÉMIN, 1997), bem como a indisciplina, representada por condutas
disruptivas, atitudes e comportamentos contrários às regras do regimento escolar, no
sentido de afrontar os códigos normativos da instituição de ensino. (AQUINO, 2003).
Dessa forma, percebemos que a violência escolar é um tema que divide
opiniões entre os/as professores. Parte deles/as considera a inserção da escola no
contexto social, de modo que as violências do cotidiano são reproduzidas no ambiente
escolar, enquanto outros/as compreendem que a escola também produz violências, nas
relações de convivência no cotidiano escolar, políticas públicas mal implementadas e
desinvestimentos na área da educação. No tocante as manifestações de violência
escolar, notamos características referentes aos conceitos de violência na escola e da
44
escola, as noções de microviolências e indisciplina, além das situações de bullying e de
violência simbólica.
Com isso, consideramos um ponto fundamental para o nosso estudo
compreendermos como os/as professores/as percebem as manifestações de violência
escolar nas ETIs. Na próxima categoria analítica, apresentaremos passagens das
entrevistas em que os/as participantes abordaram essa temática, a partir dos relatos de
caso, dos contextos em que as situações de violência ocorrem e da reflexão acerca dos
aspectos que possivelmente as influenciam. Mais adiante, veremos como eles/as
descreveram as relações de convivência nas escolas em que atuam e, posteriormente,
discutiremos as aproximações entre a implementação das Escolas de Tempo Integral e o
fenômeno da violência escolar.
2.2. Manifestações da violência escolar nas ETIs
Casos, contextos e possíveis influências
Os casos de violência escolar compõem um tema relevante para o nosso
estudo e, a partir dos relatos dos/as professores/as, buscamos compreender como esse
fenômeno se manifesta no cotidiano das ETIs. Com isso, destacamos trechos das
entrevistas em que eles/as retrataram essa realidade:
―[...] A gente tem alguns casos sim de agressão, às vezes é um tapa,
ou uma briga, mas é muito pouco, são casos isolados e na verdade eu
poderia dizer que é de uma turma que é recorrente, em uma turma a
gente tem alguns casos semanais, de um bateu no outro, um brigou
com o outro, ontem a gente teve uma mordida.‖ (Laura).
―Aqui eles provocam para que haja briga [...], então eles já chegam
com agressividade, seja qual for a agressividade eles vão melhorando
com os anos. Não são todos, mas esse grupo que tem é um grupo que
atrapalha muito em sala de aula, em todas as atividades, seja qual for
a atividade da escola.‖ (Clara).
―Claro que ainda acontece vandalismo, bullying, agressões físicas
entre os alunos, o tráfico de drogas [...] alunos envolvidos com o
tráfico de drogas que trazem as drogas para dentro da escola, trazem
para os colegas, não só as drogas ilícitas, mas também as drogas
lícitas que fazem mal para a saúde, como bebida alcoólica, cigarro e
outras drogas ilícitas também.‖ (André).
45
Estudos recentes, que consideraram a percepção dos/as professores/as sobre
a violência escolar, evidenciaram a ocorrência de violências física e verbal entre os/as
estudantes, violência verbal entre docentes e estudantes, além de atos de intimidação e
de depredação do patrimônio escolar. Ainda, apontaram a indisciplina por parte dos/as
estudantes em práticas relacionadas ao desrespeito às regras, como conversas paralelas
em sala de aula, tumultos, confusões, protestos e o uso indevido de aparelhos celulares
(GIORDANI, J. P.; SEFFNER, F.; DELL'AGLIO, 2017; BOTLER, 2016;
CARVALHO; OLIVERA; CARITA, 2015).
―Às vezes acontece com professor também, existe sim! Porque a todo
o momento aparece lá uma situação mais tensa e, logicamente, é com
professor e aluno. O professor que está exigindo do aluno algumas
coisas em relação à área pedagógica e esse aluno não consegue
entender, não consegue fazer, ele tem dificuldade de ter disciplina,
tem dificuldade de entendimento cognitivo mesmo, ele não vê valor
para aquilo, não vê sentido para aquilo, então aí vêm os conflitos. Ao
mesmo tempo em que a gente cobra, a gente relaxa, a gente vai, a
gente volta, essa linha não pode ser muito esticada, tem hora que
estica e tem hora que tem que afrouxar. Então as tensões acontecem a
todo o momento, seja entre os pares, entre eles, ou com o professor e
até a própria direção.‖ (Ester).
Nessa esteira, Charlot (2002) esclarece que as transgressões caracterizadas
por comportamentos contrários ao regimento escolar, e as incivilidades, como as
atitudes que contradizem as regras de boa convivência, estão interligadas com a questão
da violência escolar, e assim, configuram um mosaico no cotidiano das escolas.
―[...] Mas a gente tem outras tantas formas de violência. Eu acho que
a educação escolar, essa questão de uma hierarquia, de que o
professor tem que saber e tem que dar conta de uma demanda de
conteúdo, tem gente que é muito preocupada com isso, então há uma
imposição grande do que tem que ser feito pelas crianças e acho que,
muitas das formas como elas reagem têm a ver com isso, de uma não
aceitação daquilo. Em especial as professoras de Xº e Yº ano, elas têm
uma preocupação muito grande de que as crianças precisam saber ler
e escrever. Então, negociar com o horário de brincar das crianças é
bem frequente, ‗porque se você não faz isso, você não brinca depois‘,
então isso são formas de violência também...‖ (Juliana).
―[...] O que é mais cultural, que a gente vive mais é a coisa do
futebol. Tem vários campinhos de futebol aqui nos bairros, mas outras
modalidades a gente encontra mais lá no ‗Clube Municipal‘. Então
eles não conhecem e a gente, a princípio, encontrou certa resistência
em relação a outros tipos de atividade. Muitos alunos, que não se
46
identificam, por exemplo, com a questão do futebol ou até são
discriminados porque eles não jogam bem, eles não tinham outra
opção de prática que fosse mais conhecida aqui, que eles pudessem
estar... Então eles se sentiam inferiorizados [...].‖ (Rogério).
De acordo com Aquino (2003), o discurso pedagógico acerca da indisciplina
e da violência escolar fundamenta-se em argumentos que tendem a culpabilizar os/as
estudantes e a abranger fatores externos às instituições de ensino. Para o autor, parte
dos/das professores/as entende que esses problemas têm origem em distúrbios
psicológicos e psiquiátricos, como o transtorno do déficit de atenção e hiperatividade
(TDAH), além de aspectos de ordem socioeconômica, como condições de
vulnerabilidade social ou de famílias desagregadas. Corroboramos com o autor a
respeito da importância de superar essas hipóteses e refletir sobre a responsabilidade da
escola e dos/as professores/as frente a esses fenômenos, no sentido de discutir e efetivar
práticas pedagógicas que consolidem relações sociais democráticas e respeitosas entre
os sujeitos da comunidade escolar, em detrimento às violências simbólica e institucional
da escola.
Em uma perspectiva winnicottiana, ao considerarmos a escola como o
ambiente onde o mundo afetivo da criança se amplia, compreendemos características
necessárias para que o processo de adaptação, acolhimento e possibilidades de ajuda
emocional também se ampliem, como o fortalecimento de vínculos de confiança e
manifestações de simpatia e empatia pelos/as estudantes. Assim, refletimos sobre
práticas pedagógicas e ações preventivas voltadas para um ambiente coerente, confiável
e justo, onde os/as estudantes encontrem limites e referência adulta (LABRUNETI,
2014).
Outro tema importante para a nossa discussão é a incidência dos casos de
bullying nas ETIs. Pesquisas pioneiras sobre o tema surgiram na década de 1970,
realizadas pelo psicólogo Dr. Dan Olweus, na Noruega. Os primeiros estudos brasileiros
foram desenvolvidos pela professora Cleo Fante, no inicio dos anos 2000. Desde então,
outras investigações ampliaram o debate sobre o tema, no sentido de compreender a
ocorrência do bullying, os perfis dos envolvidos, as consequências para as vítimas e de
orientações para enfrentar o problema (FANTE, 2012). Ao refletir sobre o tema,
André destacou o seguinte:
47
―[...] Essa relação tensa que acontece na escola — que é um pouco
tensa a relação que eles têm — a gente percebe muito o bullying
principalmente... Quero dizer, o bullying chega pra gente de uma
forma bem disfarçada, porque o bullying acontece entre os alunos e
eles têm uma forma de agir que às vezes a gente não percebe, porque
acontece tudo entre eles, uma relação que está entre eles. E o aluno
que sofre bullying, muitas vezes não deixa isso claro para as pessoas
que não estão naquele círculo de amizades deles, não deixa passar
para os professores, para a gestão, fica só entre eles, então ele sofre o
bullying e não passa a diante.‖ (André).
Um estudo realizado por Silva et al. (2018), buscou compreender a
percepção de professores/as e estudantes sobre o bullying. Um dos resultados
encontrados apontou que, mesmo com casos recorrentes de bullying na escola
pesquisada, parte dos/as docentes afirmou nunca ter presenciado tal situação, revelando
certa neutralidade em relação a essas práticas que, para eles/as, pareciam ser
irrelevantes. Nesse interim, Laura comentou:
―[...] Às vezes o que a gente tem é o bullying, que eles gostam de falar
que tudo é bullying, mas de uma coisa mais de xingar, mas ainda não
são xingamentos fortes — se é que a gente pode dividir xingamentos
fortes e fracos — não é nada assim, situações muito violentas não. A
gente tem episódios de crianças se estranharem ‗Ah seu gordo!‘, ‗Ah
seu burro!‘, ‗Ai seu...‘, coisas mais assim. Ou da criança não se sentir
bem aceita por tirarem sarro dela, a gente tem um pouco, mas são
casos mais isolados.‖ (Laura).
Na perspectiva da professora, os casos de bullying ocorrem de maneira
eventual na ETI Ipê, apesar das crianças utilizarem o termo de forma generalizada. A
respeito da violência verbal, Roselli-Cruz (2011) discute o uso de palavrões e
xingamentos nas escolas, alerta sobre o sofrimento causado por essas ofensas e o
aumento da violência por meio de respostas agressivas. Ainda, argumenta sobre
propostas pedagógicas que problematizem temas que envolvam agressividade3,
sexualidade e homofobia com os/as estudantes.
Cerezo (2009) alerta que nos casos de bullying, os insultos, humilhações e
atos violentos ocorrem apenas entre os/as estudantes, em momentos com pouca
3 Nessa perspectiva, compreendemos o termo agressividade como impulso direcionado para atos de
violência ou destruição (FREUD, 1996), pois consideramos que a ação agressiva ganha o sentido de ação
violenta quando é percebida no sujeito violentador, na vítima ou no observador a intenção de causar dano
ao outro (COSTA, 1984).
48
supervisão ou quando não há pessoas adultas por perto, o que dificulta os/as
professores/as tomar conhecimento das situações. Em vista das graves consequências
que o bullying causa, principalmente para as vítimas, e da complexidade das questões
que abrangem o tema, Almeida et al. (2018) apontam a necessidade de mais
investigações acerca desse fenômeno. As pesquisadoras argumentam sobre a dificuldade
em realizar estudos comparativos, por conta dos diferentes critérios metodológicos
adotados, como em relação ao tempo e à frequência com que o bullying ocorre.
A partir desses relatos, compreendemos as diferentes percepções dos/as
professores/as acerca da violência escolar nas ETIs. Com o intuito de ilustrarmos outras
linhas desse panorama, os trechos a seguir apresentam os contextos em que esses casos
acontecem. Sobre esse tema, Ester comentou:
―Não, não tem (inspetores) e, normalmente, a maior parte das
confusões acontece no banheiro, tanto de coisas ilícitas quanto de
briga. Ilícita que eu estou falando são as drogas, cigarro e acontece
no banheiro, só que não tem gente para ficar no banheiro. A
professora não pode entrar no banheiro masculino, o professor não
pode entrar no banheiro feminino e, às vezes na hora que acontece, é
alguém que está ali e não pode entrar. E, mesmo entrando, você
sozinho ali naquela situação, são situações perigosas e delicadas.‖
(Ester).
Ela explica que os casos de violência física e de uso de drogas acontecem
com frequência dentro do banheiro, por ser um local reservado e de difícil acesso dos/as
professores/as. Também argumenta sobre a falta de inspetores/as na escola e destaca o
risco de mediar sozinha os conflitos, em vista da gravidade das situações. Mais uma
vez, questões relacionadas às politicas públicas mal implementadas e aos
desinvestimentos na área da educação refletem o descaso com as instituições de ensino.
A partir dessa fala, percebemos que a falta de profissionais de apoio interfere
sobremaneira as relações de convivência no cotidiano das ETIs.
Em sua fala, André ponderou a respeito das violências que acontecem nas
aulas de Educação Física:
―Tanto nas aulas, quando acontece alguma coisa, eu que trabalho
com Educação Física... No esporte, às vezes acontecem situações de
conflito porque alguns alunos confundem o conflito do esporte, da
49
disputa pela hegemonia do jogo, com outras questões que estão fora e
eles trazem para dentro do jogo, pessoais inclusive.‖ (André).
Nesse exemplo, percebemos que a disputa inerente aos jogos competitivos
suscita conflitos que ultrapassam as linhas da quadra. No ponto de vista do professor,
fatores externos às práticas corporais influenciam as situações de violência entre os/as
estudantes. De acordo com os dados da pesquisa realizada por Correa et al. (2018), com
1192 estudantes de 17 escolas municipais do Rio de Janeiro, 58% deles/as percebem a
ocorrência de brigas nas aulas de Educação Física, enquanto 29% afirmam já terem
brigado com colegas durante as aulas. Esses resultados apontaram que as brigas e
discussões são tratadas de forma banal pelos/as estudantes, já que 84% considera seu
relacionamento com a turma bom ou excelente.
Por sua vez, Laura apresentou novos elementos para essa discussão:
―[...] Eu acho que não tem um momento específico, às vezes acontece
na aula de Educação Física de eles se estranharem, por algum
motivo, às vezes é quando eles estão brincando no parque, às vezes é
em alguma atividade em sala... Não tem algo que a gente tenha
identificado ―esse é o resultado‖, ou ―é por causa disso‖, a gente vê
essa turma que é do Xº ano, que é fora da curva, o tempo todo você
está apagando um incêndio ali dentro, é um que está fazendo a fofoca,
o outro que não consegue lidar com o corpo e não para quieto, o que
está subindo em tal coisa, um que está correndo e esbarra em outro
que ao invés de conversar já bate, já embola o campo ali, é uma
situação mais assim‖ (Laura).
Em seu relato, notamos que as microviolências (BLAYA, 2006), a
indisciplina (AQUINO, 2003) e as situações de violência na escola (CHARLOT, 2002)
ocorrem constantemente entre os/as estudantes da sala apontada, em diferentes
situações, tanto nas aulas como nos momentos não dirigidos. A professora destaca não
terem identificado quais fatores motivam essas atitudes, no entanto citou exemplos em
que as crianças apresentam comportamentos considerados inadequados, além de
dificuldades para resolver seus conflitos por meio do diálogo.
Dessa forma, compreendemos que as crianças sentem necessidade de
brincar, se movimentar e se relacionar com o outro, entretanto as instituições de ensino,
preocupadas com a formação acadêmica dos/das estudantes, utilizam-se de mecanismos
de controle disciplinar que cerceiam suas possibilidades de manifestação corporal nos
diferentes tempos e espaços escolares (MORAES, 2005).
50
No tocante ao desenvolvimento das relações de convivência na escola,
Vinha et al. (2017) afirmam que ―É necessário construir na escola um lugar de diálogo e
de transformação tanto pessoal quanto coletiva, a fim de orientar os professores e os
alunos para que saibam pensar e agir em situações de conflito de valores.‖ (p. 149).
Em meio a esses cenários, percebemos certa preocupação dos/as professores
em elucidar o que tem motivado os casos de violência nas escolas. A seguir,
apresentaremos diferentes pontos de vista acerca de aspectos que possivelmente
influenciam a incidência desse fenômeno nas ETIs.
Um ponto importante levantado nas entrevistas, diz respeito às famílias
dos/as estudantes. As professoras Clara e Laura refletiram sobre esse tema da seguinte
maneira:
―A violência, ela vem do ambiente familiar primeiro, não adianta. Ela
só é reproduzida devido ao ambiente familiar, ela se reproduz na
sociedade e aqui não é diferente. A violência é aquela do trato, do
respeito pelo ser humano, seja ele qual for, se ele é pequenininho, o
ser humano como ser humano. Porque houve aquele tempo em que a
criança não valia nada, nem a mulher. E agora, alguns lugares ainda
mantém essa estrutura, mesmo que ela tenha sido de séculos atrás
[...]. E aqui a gente tenta quebrar isso constantemente. Como essa
violência acontece? Ela é verbal, ela é física e é assim, uma forma
que eles têm de se mostrar e se impor.‖ (Clara).
―A gente vê a família como um fator muito preponderante, que
deveria ser um facilitador para o trabalho, mas não é... É um
‗dificultador‘! São famílias desestruturadas, famílias que não estão
nem aí, famílias que não tem uma noção de bom senso, de valores, de
saber o que é respeitar o outro, saber que vir na escola, valorizar a
escola enquanto um espaço de conhecimento, um espaço de fazer
amizades, um espaço que eu preciso ter uma responsabilidade, eu
preciso trazer meu material, organizar o meu material, fazer uma
lição, acompanhar o desenvolvimento do meu filho. A gente tem
família que não tem isso, largam na escola e a escola que se vire‖
(Laura).
Na perspectiva de Clara, a violência é compreendida como um fenômeno
social que se manifesta no ambiente familiar e se reproduz na escola, por meio de atos
violentos que marcam as relações de poder entre os/as estudantes. Nessa direção, Laura
defende que as famílias deveriam ensinar valores, acompanhar o desenvolvimento
educacional dos/as estudantes e reconhecer o ambiente escolar, entretanto ela considera
51
que a falta de estrutura familiar e o distanciamento dos/as responsáveis em relação à
escola, dificulta a ação pedagógica.
A partir dos argumentos defendidos nessas falas, percebemos que o discurso
pedagógico tende a responsabilizar as famílias pelas posturas inadequadas que os/as
estudantes assumem na escola, como a indisciplina em relação às regras estabelecidas,
desinteresse pelos estudos, além do fracasso escolar (ABRAMOVAY; RUA, 2002;
PEDROSA et al., 2016; SANTOS, 2017).
Em um estudo intitulado ―Acoso escolar: variables sociofamiliares como
factores de riesgo o de protección‖4 (PRODÓCIMO; FUENSANTA; ARENSE, 2014),
investigou-se as diferenças na situação sociofamiliar entre estudantes envolvidos e não
envolvidos com bullying e sua relação como fatores de risco ou de proteção para a
dinâmica desse fenômeno. Entre os/as 2793 estudantes que participaram da pesquisa,
em 17 escolas públicas brasileiras, 31,3% estavam envolvidos com bullying, os quais
apresentaram maior probabilidade de pertencerem a famílias extensas e não biparentais.
Como fatores de proteção, os/as pesquisadores/as encontraram: pertencer a uma família
biparental, ter poucos irmãos, que o pai tenha cursado o ensino fundamental e a mãe
tenha nascido no estado em que a família mora. A partir desses resultados, os/as
autores/as alertam sobre o cuidado com os estereótipos, no sentido de não estabelecer
relação de causalidade entre o bullying e a situação sociofamiliar dos/as estudantes,
assim como discutido anteriormente no tocante a relação da violência com a pobreza.
Ao considerarem outros aspectos, os/as professores/as comentaram sobre a
qualidade das relações sociais entre os/as estudantes:
―[...] Aluno novo que entrou e então teve um pouquinho de problema
para se adaptar, ou que veio de uma vivência diferente, um estado
diferente, uma maneira de lidar diferente, acostumados com uma
idade, com crianças mais velhas e aí trouxe um comportamento um
pouco... Então até se ajustar e entender ‗ó aqui na sala nós somos um
grupo, a gente se trata com respeito, eu não preciso gostar do outro,
mas eu preciso tratar o outro com respeito‘... A gente não tem
afinidade com todo mundo né, mas a gente tem uma convivência que
precisa ser boa, respeitar.‖ (Laura).
―Então quando o aluno começa a perceber a violência e não tem
nenhuma satisfação, nenhuma providência é tomada, ele começa a
4 Em tradução livre ―Bullying: variáveis sociofamiliares como fatores de risco ou de proteção‖.
52
repetir padrões de violência, começa a repetir bullying, começa a
repetir agressões.‖ (André).
Laura compreende que o fato das crianças recém-chegadas apresentarem
comportamentos desrespeitosos, diferentes daqueles estimados pela escola, pode ser
considerado como um aspecto que motiva os atos de indisciplina, incivilidade e
violência escolar. Percebemos que nessas situações a mediação é feita por meio do
diálogo, onde a professora ressalta a questão da boa convivência e do respeito entre as
pessoas. Por outro ângulo, André aponta que a falta de ações eficazes por parte dos/as
adultos/as reforça a incidência de atos violentos e bullying.
Nesse sentido, Aquino (2003) discute as relações entre a autoridade docente
e a diversidade sociocultural do/as estudantes, no ideário de um ambiente escolar
democrático. De acordo com o autor, os regimentos escolares fundamentam-se em
padrões de comportamento conservadores aos novos perfis discentes, o que desencadeia
resistência, conflitos e problemas disciplinares. Em contrapartida, os contratos
pedagógicos representam os acordos estabelecidos entre as partes, em busca da vivência
de valores nas relações sociais do cotidiano escolar. Portanto, é indispensável promover
o diálogo entre professores/as e estudantes para esclarecer os anseios e as expectativas
de ambos, frente ao processo de ensino e aprendizado.
A partir dos relatos dos/as professores/as, observamos a ocorrência de casos
de bullying e de violências física e verbal entre os/as estudantes; de violência simbólica
e verbal entre docentes e estudantes; além de microviolências e indisciplina, a exemplo
da depredação do patrimônio escolar e o uso de drogas, guardadas as devidas diferenças
entre os/as participantes que atuam nos anos iniciais e finais do ensino fundamental. De
acordo com as suas afirmações, os atos violentos ocorrem em vários contextos no
cotidiano escolar das ETIs, como na sala de aula, durante as aulas de Educação Física
ou em momentos não dirigidos. Por fim, os/as professores/as levantaram aspectos que
possivelmente influenciam a incidência desse fenômeno nas escolas, como a dificuldade
dos/das estudantes em respeitar regras, vivenciar valores, se relacionar com os colegas,
resolver os conflitos por meio do diálogo, a situação social de suas famílias, além de
ações, normas e posturas violentas dos/as agentes educacionais contra os/as estudantes.
Embora essas análises correspondam às manifestações de violência
presentes no cotidiano das ETIs, reconhecemos que os resultados aqui apontados não
53
diferem do que ocorre nas escolas de tempo parcial, portanto acreditamos ser
fundamental para o nosso estudo conhecermos a opinião dos/as professores/as a respeito
das relações de convivência nas escolas em que atuam, bem como os aspectos que
marcam a convergência entre a implementação das Escolas de Tempo Integral e o
fenômeno da violência escolar.
Relações de convivência
As relações sociais entre os membros da comunidade escolar constituem
outro tema importante para a nossa investigação. Nas entrevistas, os/as professores
descreveram a convivência entre os/as estudantes, professores/as, equipe gestora,
funcionários/as e familiares. No que diz respeito aos estudantes, seus comentários
seguiram diferentes linhas de pensamento:
―Digamos que a cada duas semanas têm uma violência física entre
eles (estudantes). A intolerância, a forma de eles discutirem e de
abordarem os problemas é através da violência física e verbal, não é
do entendimento.‖ (Ester).
―A gente tem alguns problemas no Xº ano, com relação a essa
discriminação com a criança ‗porque é mais lerdinha‘, uma criança
que tem dificuldade, que entrou na turma esse ano... Tem certa
discriminação e a gente teve que fazer um trabalho com eles, chamar
os pais de alguns alunos, foi uma conversa mais assim...‖ (Laura).
―E assim, temos e eles (estudantes) reconhecem que existem os
preconceitos, que acontecem motivados por questões de etnia, mas
também por questões de gênero. Eles aparecem, como outros
xingamentos de todos os tipos, envolvendo família, alguns por ordem
religiosa, porque temos famílias de religiões de matriz africana,
varias famílias evangélicas e famílias católicas convivendo ali. Então,
de vez em quando, aparecem algumas coisas ligadas a isso, porque as
famílias se conhecem e eles sabem ‗fulano vai ao terreiro‘, mas assim,
faz as provocações no sentido do desconhecimento mesmo, porque
acha que tudo é macumba, o que o outro faz é macumba, então isso
aparece.‖ (Juliana).
Em sua fala, Ester enfatiza algumas características da relação entre os/as
estudantes, como a intolerância, a falta de entendimento entre eles/as e a forma violenta
com que resolvem seus conflitos. Ao refletir sobre o tema, Laura acrescenta que as
crianças praticam atos discriminatórios, principalmente com aquelas que apresentam
54
dificuldade com o aprendizado ou são novatas na turma. Na argumentação de Juliana,
os/as estudantes percebem a incidência de atitudes preconceituosas entre eles/as, como
as que envolvem questões de gênero, étnicas e religiosas. Em contrapartida, outros
pontos de vista foram apresentados:
―Eu acho que os alunos da ETI Cajueiro não são de uma comunidade
completamente carente, eles tem um nível social um pouquinho mais
elevado, eles conseguem ter uma vivência social boa, a gente não vê
casos muito graves de agressão física na escola, eles conversam, eles
brincam, eles zuam uns com os outros e isso fica muito mais
parecendo brincadeira do que questões de violência. [...] Eles não
têm aquela índole de quem convive com muita violência no dia-a-dia,
em casa ou no bairro. Eu acho que o bairro não é tão violento assim,
para eles serem violentos, e isso reflete na escola como eu te falei.
Quando a comunidade é uma comunidade que sofre muita violência e
que também põe para fora muita violência, a escola também se torna
violenta, os alunos se tornam violentos. E eu acho que não é o caso
desse bairro, eu acho que esse bairro é muito pacífico, pelo menos o
que eu observo. E os alunos também refletem isso, eles são muito bons
alunos, não são de brigar, de fazer essas coisas, mas tem casos né?‖
(André).
―Elas (relações sociais) melhoraram muito aqui. A percepção dos
alunos em relação a isso, devido a esse trabalho, a gente tem um
ambiente escolar em que os alunos tiveram a oportunidade de
exercitar um pouco o protagonismo de uma forma organizada e
começar a ter esse gosto por aquilo, o sentido, o significado de que
aquilo que ele faz e a forma como ele se relaciona com as outras
pessoas interfere no ambiente, interfere naquilo que ele aprende e
naquilo que ele leva da escola. [...] Temos vários alunos que saem da
escola e depois retornam, porque eles gostavam do ambiente, porque
tinha um ambiente de amizade, um ambiente de convivência com os
outros, uma questão em relação à aprendizagem. Eles nos colocam
que tiveram a oportunidade de estar aprendendo muita coisa aqui,
que em outros espaços escolares, não tiveram essa oportunidade de
estar vendo.‖ (Rogério).
De acordo com André, embora existam casos de violência na ETI Cajueiro,
os/as estudantes convivem bem na escola. Ele afirma não ser comum a ocorrência de
atos considerados graves, como agressões físicas entre ele/as, em virtude da
comunidade e do bairro não serem violentos. Para Rogério, as relações de convivência
melhoraram na ETI Jequitibá, na medida em que os/as estudantes tiveram mais
oportunidades para se organizar e refletir sobre suas atitudes em meio ao ambiente
escolar. Com isso, compreendemos que o protagonismo discente possibilita ampliar as
55
percepções dos/as estudantes acerca da convivência escolar e dos sentidos atribuídos ao
processo de ensino e aprendizado (VINHA et al. 2017).
Ao tratarmos das relações de convivência entre professores/as e estudantes,
os/as entrevistados/as ressaltaram o seguinte:
―[...] Acho que é um grupo de professores e funcionários que se
importa com as crianças. Sabe que estabelece um vínculo, por mais
que a gente fique brava, às vezes está estressada com eles, a gente
tenta criar um vínculo porque entende que através do vínculo afetivo
que se estabelece uma relação mais propícia para esse processo de
ensino e aprendizado. Eu preciso estabelecer uma relação de
confiança, atingir o outro de certa forma para que a gente possa ir
junto e produzir alguma coisa.‖ (Laura).
―O adulto tem que ter essa relação com (os/as estudantes). É uma
relação que ao mesmo tempo ‗sou eu que mando, mas eu estou te
vendo‘. Eu desço aqui, aquele que está aqui em cima não consegue
dar aula aqui, não dá aula! [...] O impor é do jeito que eu me
imponho, com respeito ‗eu te respeito você tem que me respeitar, só
que aqui sou eu quem manda‘. Tem que deixar bem claro quem
manda, tem que ter.‖ (Clara).
―[...] Tivemos vários embates aqui em que os alunos colocaram as
formas como os professores tratam os alunos. Tivemos resistências
em fazer e organizar as assembleias, em função até de que havia
professores que colocavam ‗como é que o aluno, a opinião do aluno,
o parecer do aluno vai sobrepor o parecer do professor?‘. Então a
gente trouxe para uma relação mais horizontal e menos autoritária,
então a questão da autoridade vem mais de dentro da percepção das
pessoas em relação ao respeito, em relação a ‗não é porque ele é
professor que ele vai deixar de respeitar‘. Ter respeito pelo aluno nas
condições básicas, princípios básicos. Então teve muito essa
discussão, teve alunos que eram colocados como problema, os
‗alunos problema‘ que colocaram embates em relação a professores
que também tinham essa coisa de se impor.‖ (Rogério).
Na opinião de Laura, o grupo de professores/as e funcionários/as da ETI Ipê
se preocupa em estabelecer vínculos afetivos com os/as estudantes, pois conforme
citado anteriormente, a qualidade do clima escolar influencia as relações de confiança e
favorece o desenvolvimento do processo de ensino e aprendizado. Nessa perspectiva,
Clara comenta que os/as professores/as têm que se impor com os/as estudantes, mas ao
mesmo tempo tratá-los/as com atenção e respeito, esse equilíbrio retoma a importância
das relações horizontais no modelo de gestão democrático. Entretanto, a fala do Rogério
chama atenção pela resistência de um grupo de professores/as da ETI Jequitibá em
56
realizar assembleias de classe com os/as estudantes, por receio de tornar as relações
sociais entre docentes e discentes menos autoritárias e verticais.
Ao refletirem sobre as relações de convivência entre os/as professores/as, os
comentários foram os seguintes:
―Essa questão da estrutura, por ela ser insuficiente, fez com que nós
professores trabalhássemos muito mais coletivamente. Por conta dos
rodízios, ter que partilhar espaços, porque tinha que se encontrar,
porque uma tinha que salvar a outra, porque essas situações são tão
complexas e se uma não ajuda a outra ali, ninguém sobrevive. Então
eu acho que algumas faltas fizeram outras coisas acontecerem, mas
desde o projeto a gente já tinha uma ideia do fortalecimento do
trabalho coletivo, não foi só a questão do espaço que fez a gente
pensar nisso, tanto que a gente conseguiu ter as demandas dos TDEPs
(trabalho docente entre pares), dos trabalhos docentes coletivos
ampliados na escola.‖ (Juliana).
―Acho que a gente tem uma relação muito boa. É um grupo muito
coeso, é um grupo que se ajuda bastante, é um grupo participativo,
interessado, mesmo os funcionários também a gente tem uma parceria
com eles, a gente tenta um ajudar o outro, acho que a gente tem uma
relação harmônica.‖ (Laura).
―Eu acho que, de uma forma geral, o corpo docente se entende. Têm
também os estranhamentos, cada um tem o seu jeito de trabalhar, mas
eu não percebo um conflito que atrapalhe o trabalho.‖ (Ester).
Em sua fala, Juliana ressalta a importância do trabalho coletivo para o
desenvolvimento das aulas na ETI Pitangueira, devido à necessidade de fazer rodízio
dos espaços e das salas ambientes. Outro aspecto importante levantado pela professora
foi a inclusão do trabalho docente entre pares (TDEP) na jornada de 24/40 horas aula,
por ser destinado ao planejamento de ações coletivas, como aulas e projetos
interdisciplinares. Apesar da conquista desse tempo pedagógico na jornada de trabalho,
a demanda por espaços físicos marca a falta de estrutura adequada para o
funcionamento das ETIs e, mais uma vez, retoma a questão das políticas públicas e dos
desinvestimentos na área da educação.
Laura aponta características que favorecem a dinâmica das relações de
convivência entre o corpo docente da ETI Ipê, como a coesão do grupo, a ajuda mútua,
o interesse e a participação de todos/as. Nessa esteira, Ester destaca as diferentes
características de trabalho na ETI Araucária, mas ressalta o entendimento que existe
entre os/as professores/as. Por outro lado, Clara relata as sucessivas mudanças no
57
quadro de funcionários/as da ETI Manacá, em meio a discordâncias entre equipe
gestora, professores/as e estudantes:
―[...] Quebrou muito (o corpo docente) e não foi só uma vez, foram
vários anos. [...] A gente tinha um grupo muito mais coeso, um grupo
muito mais junto, mas todos foram se aposentando. Porque a gente
precisava se unir enquanto grupo, porque a agressividade também
parte da direção, se a direção não entende esse mecanismo e a forma
como nós trabalhamos e não consegue enxergar esses alunos como
eles são... Eles (estudantes) acabam com a direção também. Tiveram
muitos casos aqui em que o diretor saiu e não voltou nunca mais, aí é
problema do diretor que também não soube lidar. Os professores
ficavam, tiveram vários anos em que ficaram, e isso são eles
(professores/as) que contam que eles tocavam a escola‖. (Clara).
Em nosso entendimento, as atitudes agressivas provenientes da direção
escolar retratam a violência simbólica presente no cotidiano das escolas, como casos de
assédio moral e desrespeito com professores/as, funcionários/as e estudantes, bastante
recorrentes no modelo autoritário de gestão.
A respeito das relações de convivência entre professores/as e equipe gestora,
recortamos os seguintes trechos das entrevistas:
―[...] Temos problemas com a direção, porque ela tem que andar
mais, ela tem que conhecer o dia-a-dia, tem que conhecer o que está
acontecendo, se ela não fizer isso, ela não entende o porquê de
estarmos pedindo determinado material, não entende o porquê da
punição, ela não entende! Quando a gente tira da sala de aula é
porque realmente não está dando.‖ (Clara).
―[...] Às vezes temos algumas dificuldades com as gestoras por causa
de comunicação, porque eu acho que entre elas mesmas a
comunicação é falha. São três gestoras, a orientadora pedagógica, a
direção e a vice-direção, mas que têm uma carga horária para
atender duas escolas, praticamente das 7h até 23h. [...] Penso que,
pelo número de alunos, se dessem conta uma orientadora pedagógica
e uma diretora... Mas não é o número de alunos, isso também
influencia, é o perfil dos nossos alunos. Como temos conflitos diários,
teria que ter (uma orientadora pedagógica) em tempo integral, mas
não é o que acontece. [...] Além de ter esse fator do horário reduzido,
que contribui para as confusões e conflitos entre professor, aluno e
gestão, tem também a questão da dificuldade de comunicação. Uma
fala uma coisa, daqui a pouco a outra fala outra coisa, então isso
gera problemas.‖ (Ester).
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Na opinião de Clara, a diretora educacional precisa conhecer melhor o
cotidiano da escola para compreender as demandas dos/as professores. Percebemos que,
muitas vezes, a alta demanda de trabalho burocrático faz com que a equipe gestora se
concentre em resolver pendências administrativas, impactando na dimensão pedagógica
da escola. Para Ester, as falhas de comunicação e o número reduzido de profissionais da
equipe gestora são aspectos que afetam as relações de convivência na ETI Araucária,
onde os conflitos são recorrentes. Nessa fala, fica evidente como o quadro incompleto
de funcionários/as influencia o funcionamento da escola. Acerca dessa temática, outros
comentários ampliaram a discussão:
―Nesse momento, eu acho que as relações pessoais estão um pouco
mais estabilizadas, está ficando mais fácil conversar na escola. A
gente teve um momento de muita tensão, por conta de mudanças que
foram feitas de cima para baixo, sem ter a participação da
comunidade escolar. Foram mudanças meio autoritárias e isso virou
um clima muito tenso na escola. [...] E isso criou uma tensão muito
grande e criou relações bem conturbadas, principalmente na relação
dos professores com a administração, que não deixava de refletir nos
alunos também, porque os alunos também encampavam algumas
demandas que eram dos professores, que eram da escola, que eram
da comunidade [...] Agora, eu acho que percebo um pouquinho mais
de transparência, um pouquinho mais de democracia nas decisões, eu
acho que está melhorando um pouquinho.‖ (André).
―A gente pensa nos projetos de forma coletiva mesmo. Desde que
implementou a escola, a gente teve uma gestão bastante democrática,
que também não centralizava as decisões nela, tudo era feito junto
com a gente. Então isso é importante, tudo o que a gente ia pensar na
escola era feito junto com os professores, isso é um ponto muito
importante e positivo.‖ (Juliana).
André aponta que a postura autoritária da equipe gestora, ao tomar decisões
importantes sem a participação da comunidade escolar, gerou um ambiente de
insatisfação na ETI Cajueiro. Entretanto, a partir de ações mais democráticas na
administração da escola, percebeu sinais de mudança nas relações de convivência, como
a abertura para o diálogo. Em outra perspectiva, Juliana reconhece o modelo de gestão
democrático adotado na ETI Pitangueira, desde sua implementação. Ela considera
importante que as ações pedagógicas e os projetos desenvolvidos na escola sejam
planejados de forma coletiva. Essas falas retomam a questão do clima escolar, pois
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percebemos que quando as relações entre professores e equipe gestora não são boas, os
reflexos são percebidos nas relações com e entre os/as estudantes.
Outro ponto importante nessa análise refere-se ao modelo de gestão
empregado pela direção escolar nas relações de convivência. Compreendemos que na
estrutura horizontal, os atores têm mais espaço para dialogar, propor iniciativas e criar
soluções em conjunto para atender as demandas da comunidade escolar, enquanto na
organização verticalizada, existe uma cadeia de comando com diferentes níveis
hierárquicos, onde as decisões são centralizadas na equipe gestora. Nesse modelo de
gestão, as orientações vindas de cima para baixo, geralmente frustram as expectativas e
geram um clima de insatisfações entre funcionários, professores/as, estudantes e seus
familiares.
Outra questão interessante diz respeito à percepção dos/as professores em
relação às famílias dos/as estudantes:
―[...] Na época a gente tinha um conselho de escola muito atuante, a
gente teve pais de alunos do nosso conselho participando junto da
comissão. Então, quando a gente teve que negociar com a secretaria,
esses pais conselheiros estavam conosco. Existiam pressões
acontecendo que, naquele momento, foi importante. Na nossa escola a
gente precisou fazer mudanças estruturais [...]. Foi importante esses
pais estarem com a gente.‖ (Juliana).
―Porque aqui é assim, o professor não tem razão quando chama
(para conversar) e as mães dão razão para os alunos mais
tranqueiras. [...] Mas eles vêm! Só os que não me conhecem, os que
são novos ou que vêm de fora que vêm até com petulância.‖ (Clara).
Em seu relato, Juliana lembra que no período de implementação da ETI
Pitangueira o conselho de escola apoiou as demandas necessárias para a adequação da
estrutura predial. Ela acredita ter sido indispensável a participação das famílias nesse
processo. Para Clara, ainda que os/as responsáveis compareçam às reuniões escolares,
algumas famílias tendem a dar razão para os/as estudantes indisciplinados e tratam com
desrespeito os/as professores/as que as convocam para conversar. De acordo com
Cavalcante (1998) a colaboração entre pais e escola é fundamental para melhorar o
ambiente escolar e transformar a relação dos/as estudantes com o processo de ensino e
aprendizado em experiências significativas.
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Em suma, ao refletirem sobre a dinâmica das relações sociais entre os atores
da comunidade escolar, os/as professores descreveram as ETIs em que trabalham da
seguinte maneira:
―A escola que eu trabalho hoje é uma escola que me dá muito prazer
em trabalhar. Porque é uma escola que tem um público muito
produtivo, um público que a gente consegue desenvolver um trabalho
que dá muitos resultados, que a gente consegue fazer e realizar
propostas, fazer as coisas que a gente propõe. [...] A gente conversa,
a gente produz conhecimento, produz vivências com o que eles nos
trazem e com o que a gente traz para eles, então a gente faz essa
socialização de conhecimento. [...] Mas também tem uma viabilização
desse trabalho muito grande, eu acho que essa escola ainda consegue
viabilizar muitas propostas nossas, muitos projetos que a gente
consegue mobilizar, a gente tem conseguido. Não é um sonho, mas eu
acho que já é uma questão bem fora da realidade de outras escolas
públicas de Campinas mesmo, onde a gente vê que a situação é muito
precária. E também por conta dessa combinação de escola,
comunidade, pobreza e exploração que acontece na comunidade. E
essa escola eu acho que ela tem um pouco mais de facilidade para
trabalhar, eu acho que a escola tem um ambiente bom para trabalhar,
para ensinar, para aprender, para desenvolver e para conviver. Acho
que em suma, dá para dizer que eu não trocaria essa escola por
nenhuma outra de Campinas (risos). Pelo o que eu vejo, pelos meus
colegas falando na rede, eu não trocaria não.‖ (André).
―[...] Pelas coisas que eu ouço e que eu vejo em outros lugares, eu
descrevo como uma escola tranquila. Eu acho que a gente tem sim
alguns casos (de violência escolar), mas não dá para esperar que não
se tenha nada [...] a gente gostaria de ter um ambiente mais
harmônico, onde a gente não precisasse ver uma criança batendo na
outra. [...] Eu descrevo que a gente ainda pode melhorar, mas eu
descrevo que é um ambiente muito bacana de se trabalhar, a gente
tem uma relação boa com as crianças, então eu acho que a gente está
nem no perfeito, claro que não, mas eu acho que a gente está no legal,
no ideal, eu não diria que é uma coisa ruim, a gente está mais para os
pontos positivos do que para os pontos negativos apesar de termos
casos ainda‖ (Laura).
Em sua reflexão, percebemos que André sente-se realizado em trabalhar na
ETI Cajueiro. O professor considera os/as estudantes produtivos e acrescenta que a
escola viabiliza o desenvolvimento dos projetos. Em comparação com outras escolas,
Laura percebe certa tranquilidade na ETI Ipê. Ela entende que os conflitos são comuns
no cotidiano escolar, entretanto lamenta a ocorrência dos atos violentos. De acordo com
Pontes (2007), a compreensão dos/as professores/as acerca do fenômeno da violência
escolar esbarra em questões relacionadas com a noção de conflito. O autor esclarece que
61
os conflitos são ―formas normais e necessárias de interação social e que podem
contribuir para a mudança, a permanência ou até para a transformação desse corpo‖ (p.
88). Ainda, considera que ―toda violência é manifestação de conflito, mas nem todo
conflito descamba em violência‖ (p.92).
Em outras falas, os/as professores levantaram diferentes características das
escolas em que atuam:
―Eu acho que a minha escola tem uma questão de violência que é
evidente, não dá para falar que ela não acontece. Ela acontece o
tempo todo, em qualquer aula que você for você vai detectar alguma
coisa acontecendo, seja um gesto de uma criança para a outra, uma
fala do professor ou uma questão de uma imposição da gestão por
uma coisa que a gente desacredita que precisa acontecer. [...] Eu
acho que esse é um ato de violência, que a gente não consegue
superar, fazer uma transformação social a partir da escola. Então eu
acho que ali tem isso, é uma coisa que na ETI Pitangueira eu comecei
a ter percepção maior disso, porque a gente tem um grupo que é
muito politizado e a gente discute bastante, que não era uma
dimensão que eu tinha em outra escola, por exemplo, que eram coisas
que passavam. Porque ali, ficam muito evidentes as desigualdades
sociais, a questão da vulnerabilidade social, então ali ela chama para
você olhar para aquilo‖. (Juliana).
―Como eu disse que (o corpo docente) quebrou muito, agora tem que
ser construída uma nova cara e um novo objetivo coletivo. Porque a
escola só tem identidade quando ela tem um objetivo coletivo, mesmo
que eu discorde, mas eu preciso caminhar coletivamente.‖ (Clara).
No ponto de vista de Juliana, a violência escolar na ETI Pitangueira se
manifesta de diferentes formas, por parte da equipe gestora, dos/as professores e dos/as
estudantes. Ao refletir sobre as desigualdades sociais e as condições de vulnerabilidade
às quais a comunidade se insere, ela valoriza a dimensão social presente nas discussões
promovidas pelo corpo docente. Para Clara, após a reformulação do grupo de
professores, a ETI Manacá passa por um processo de construção de identidade em busca
de um objetivo coletivo.
Algumas questões relacionadas com os projetos desenvolvidos nas ETIs
também foram pautadas:
―Eu acho que é uma escola que tem um projeto maravilhoso, mas que
está vulnerável, por falta de estrutura física, recursos humanos e um
olhar mais cuidadoso da prefeitura e da secretaria de educação com
62
a nossa escola. Porque nossa escola está virando referência para os
serviços de saúde, de justiça, porque tudo o que as outras escolas não
conseguem lidar, vem para a nossa escola, a gente precisa de
psicólogo, psicopedagogo e não tem. Então, a gente se vira, a gente se
ajuda.‖ (Ester).
―Eu acho que a escola como um todo, ela vem em um crescente
porque a gente aborda essa questão da violência, a gente aborda essa
questão da convivência. Nós tivemos um momento [...] de bons
avanços aqui na escola. Essa questão da possibilidade deles
participarem mais efetivamente e serem mais protagonistas, a
oportunidade de terem um currículo mais abrangente envolvendo
vários tipos de linguagens diferentes, [...] de outras habilidades mais
corporais, mais teatrais, que pudessem estar sendo trabalhadas na
escola, outras formas de trabalho. [...] Mas além de cortarem as
oficinas, os próprios oficineiros têm que estar vinculados a uma
percepção de Português e Matemática instituídas em provas. [...] Por
conta dessa política que tirou a prioridade em relação às linguagens
de dentro da escola integral, que era o projeto original,
fundamentado cientificamente em relação a muitos estudos que já
vinham acontecendo da Jaqueline Mol em relação a tudo isso, por um
projeto simples de tempo integral e de aumento de conteúdos
específicos, de reforço específico para esses conteúdos dentro desse
tempo ampliado da escola integral. Para mim, um prejuízo enorme em
relação ao que a gente almejava e a gente vê isso como reflexo. [...] A
oportunidade de alunos que a gente pode considerar como
‗problema‘, que se afinam mais com outro tipo de linguagem, seja
teatral, seja artística, seja musical, e que não é contemplado.‖
(Rogério).
Ester argumenta que, embora a ETI Araucária desenvolva um projeto de
referência em Campinas, a escola sofre com a falta de recursos humanos e estrutura
física. Ela considera que a prefeitura e a secretaria de educação deveriam investir mais
na escola. Nessa esteira, Rogério descreve que a ETI Jequitibá passou por momentos
importantes com o oferecimento de oficinas ligadas ao Programa Mais Educação.
Entretanto, a partir de cortes no programa, as oficinas se resumiram ao reforço de
componentes curriculares específicos.
Em meio a esse cenário, conhecemos as perspectivas dos/as professores
acerca das relações sociais entre os atores da comunidade escolar e as principais
características das ETIs em que trabalham. Ao considerarmos o fenômeno da violência
escolar como objeto desse estudo, encontramos no texto ―Violência, educação e
sociedade: um olhar sobre o Brasil contemporâneo‖ de Angel Pino (2007), boas pistas
para o desenlace dessa discussão.
63
No artigo, o autor examina aspectos conceituais sobre violência, crime e
transgressão; discute a relação entre violência e racionalidade; aborda a relação da
violência com condições históricas, sociais, econômicas e políticas da sociedade; por
fim, discute o papel da educação e da educação escolar no sentido das relações sociais,
onde a violência é desnecessária.
O autor compreende a educação como a constituição humana do ser
humano, ―processo pelo qual um ser naturalmente biológico se transforma num ser
cultural pela interiorização da experiência social e cultural dos homens, vivida no seio
do grupo humano em que está inserido‖ (PINO, 2007, p.779). Ao considerar o plano
das relações sociais como fundamental dessa experiência constitutiva do ser cultural do
ser humano, Pino (2007) destaca que ―É a consciência da necessidade de estabelecer e
de viver essas relações que constitui a razão da base da não-violência‖ (p.780).
Linhas de convergência
Nessa pesquisa, buscamos aprofundar a discussão acerca de dois objetos de
estudo bastante relevantes no campo da Educação Física, a implementação das Escolas
de Tempo Integral e o fenômeno da violência escolar. Com o intuito de
compreendermos a correlação entre esses temas, apresentaremos a seguir os diferentes
pontos de vista dos/as professores/as entrevistados/as:
―[...] Como a escola é integral e como os alunos estão aqui o dia
inteiro — praticamente eles vivem na escola — o que eles estariam
fazendo em outro local, as relações sociais que eles teriam em outros
locais, como as relações de amizade, de companheirismo, as relações
de violência também, de diferenças, eles passam a ter na escola,
porque eles estão aqui. E como eles estão aqui o dia inteiro, é aqui
que as coisas acontecem, não só as coisas boas, mas também as
coisas ruins.‖ (André).
―Começa a aumentar a convivência, é natural que se aumente os
conflitos. A mesma proporção também que se aumenta a afetividade,
mas o que aparece são os conflitos. [...] Lógico, você está 4h vai ter
‗x‘ conflitos, você vai estar 8h vai ter ‗x‘ e ‗y‘, é normal.‖ (Ester).
―As crianças passaram a circular mais pela escola, se encontrar mais
do que acontecia antes, então eu acho que, quando têm mais
encontros, as questões de violência elas vão aparecer. Violência física
64
ou mesmo de xingamentos, essas coisas... Porque eles passam a se
encontrar mais e tem um espaço de convivência maior, com mais
tempo de convivência [...] elas almoçam e logo depois têm um tempo
de brincar, nisso se reúnem 200 crianças, são três momentos diários
em que isso acontece.‖ (Juliana).
Nesses trechos, percebemos certa tendência dos/as professores/as em
correlacionar a ampliação do tempo de permanência dos/as estudantes nas ETIs com o
aumento dos casos de violência na escola. Eles/as destacam que os encontros e as
relações sociais passaram a acontecer mais nas ETIs, assim como os vínculos afetivos e
as situações de conflito e violência.
Por outro lado, ainda que esses argumentos evidenciem aspectos que
possivelmente influenciam a violência escolar, os/as professores/as ponderaram a
respeito do trabalho desenvolvido nas ETIs frente à incidência dessas situações:
―Eu acho que a gente está aqui em uma realidade muito bacana, mas
eu acho que é fruto de um trabalho que a gente está realizando ao
longo dos anos [...] Na verdade, o que mudou mesmo, o que
influenciou não foi a questão do tempo integral, eu acho que foi mais
essa questão das assembleias de classe e do trabalho com projetos, eu
vejo uma diferença maior nisso. Eu não sei te falar o quanto o fato de
ter virado tempo integral interferiu ou não na questão da violência, eu
vejo mais uma coisa que para mim é nítido é essa questão das
assembleias de classe, dos trabalhos que são desenvolvidos e da
maneira que são desenvolvidos com os alunos, o projeto tem uma
influência maior‖ (Laura).
Em seu ponto de vista, a ampliação da jornada escolar não representa uma
influência significativa na questão da violência. Laura considera que a boa convivência
entre os/as estudantes resulta de ações pedagógicas, como as assembleias de classe e
outros projetos desenvolvidos na ETI Ipê. Discutiremos sobre esse tema na próxima
categoria de análise, Estratégias para lidar com a violência escolar nas ETIs. Nessa
esteira, André argumenta sobre o comportamento dos/as estudantes durante as
atividades oferecidas na ETI Cajueiro:
―Elas (violências) acontecem em todos os momentos da convivência
dos alunos na escola, em uns mais em outros menos. A gente tem
algumas atividades na escola que são bem lúdicas, bem à escolha do
aluno. Então eu acho que nessas atividades, em que o aluno escolhe o
que ele quer fazer, como as oficinas onde ele preferiu estar ali
naquele momento, que o índice de violência nesses momentos é muito
65
menor, o índice de insatisfação, porque é quando o aluno escolhe o
que ele quer fazer... Quando ele está na escola porque ele é forçado,
eles têm certa insatisfação, certa rebeldia com relação a isso, mas
quando ele está na escola e está ali porque ele escolheu fazer aquilo,
escolheu algum tipo de oficina, alguma prática esportiva ou alguma
prática artística, nesse momento ele está fazendo o que ele gosta,
então é difícil ele se rebelar contra ele mesmo, contra o que ele
escolheu fazer.‖ (André).
Ele compreende que as transgressões disciplinares e a violência escolar
fazem parte do cotidiano da escola, entretanto o fato dos/as estudantes poderem escolher
as atividades que irão desenvolver nos projetos propiciou uma redução na incidência
desses casos. Com isso, entendemos que a oportunidade de exercer a autonomia crítica
ao optar pelas atividades de seu interesse, faz com que os/as estudantes atribuam mais
significado ao processo de ensino e aprendizado e ao ambiente escolar.
Um argumento levantado por Clara nos chamou atenção para outra
característica relevante das ETIs:
―[...] A gente não esperava, mas foi muito melhor. Porque o ambiente
aqui (no bairro) é que eles são agressivos, o ambiente é de casa e não
aqui. Isso aqui (escola) deu estrutura, deu segurança, porque eles têm
café da manhã, têm o lanche da manhã, têm o almoço, depois têm o
lanche da tarde e isso trouxe a eles muita segurança, em todos os
sentidos. Os pais também se sentiram protegidos e amparados. [...]
Porque é muita agressividade lá (no bairro) e aqui (escola) eles se
sentem protegidos e isso diminui a violência. Porque ‗aqui eu não
preciso fazer a minha arma‘, porque isso é defesa, essa agressividade
deles é defesa, só.‖ (Clara).
A professora ressalta que a violência se faz presente na comunidade do
entorno da ETI Manacá. Ela percebe que os/as estudantes sentem-se seguros na escola,
pois encontram o suporte necessário para suprir suas necessidades básicas. Essa
perspectiva se aproxima do caráter assistencialista das ETIs, no qual as instituições de
ensino protegem e amparam os/as estudantes que se encontram em situação de
vulnerabilidade social.
Mais um ponto interessante para nossa análise, diz respeito aos recursos
materiais e humanos disponíveis nas escolas e às estruturas física e organizacional das
ETIs. Sobre esse tema, os/as professores/as comentaram o seguinte:
66
―[...] A ETI Cajueiro a gente não pode ter por referência, porque é
uma escola que foge ao padrão das escolas públicas municipais do
Brasil afora na questão da estrutura, porque ela é uma escola bem
grande, com muitas salas ambientes. Mas ela precisa ter uma visão de
‗que aluno a gente quer para a cidade, para o Brasil?‘ [...] Não é só
cumprir o que o mercado determina, mas também a gente tem que
pautar algumas coisas para o mundo, para o mercado, para o
capitalismo, para a cidade em que a gente vive, não pode seguir
somente as pautas que estão postas, tem que contestar algumas coisas
e dar esse conhecimento crítico, essa educação crítica. Não é só
chegar aqui colocar todas as oficinas bonitinhas, faz isso e faz aquilo
lá, tem que contestar um pouquinho, tem que questionar...‖ (André).
―[...] É um prédio totalmente fechado para o período integral, você
não vê a luz do sol, você não tem lugar para tomar sol, lugar para
tomar ar, tudo fechado com grade e tela. Apesar de ter uma sala
temática, que eu adoro trabalhar lá e fica tudo bem organizadinho,
mas não é o suficiente para o período integral, não é o suficiente! [...]
E quando falta algum professor, ou você junta turmas ou o que você
tem que fazer é milagre! Só que não é simplesmente juntar turmas,
porque são anos, amadurecimentos e conhecimentos diferentes e
muitos conflitos entre eles. Quando junta turmas, você está gerando
uma série de problemas e o pedagógico fica esquecido. Não é só
deixa-los lá dentro, não é só ter um lugar para eles ficarem, tem que
ter um lugar para eles ficarem com qualidade e quando você não tem
o suporte, perde-se a qualidade. [...] Então não é ‗um problema da
escola integral‘, o problema da escola integral ou do meio período é
a falta de estrutura para trabalhar que vai comprometer o trabalho de
qualquer um. Sobrecarrega o professor, sobrecarrega o funcionário,
o aluno que não se sente entendido, isso tudo gera revolta, cansaço,
LTS (licença para tratamento de saúde)...‖ (Ester).
―A gente fez um documento com a proposição de um projeto. Com
isso, a partir dessas experiências, a gente já sabia que algumas coisas
a gente não queria para a educação integral. A gente não queria
turno e contraturno, a gente não queria ter um trabalho que ficasse
delegado aos educadores voluntários, como no Programa Mais
Educação. Então a gente pensou em um projeto que tivesse
professores efetivos ligados à escola, pensando esse projeto da
escola. Acho que esse foi um dos grandes pontos que a gente
conseguiu garantir, que eu acho que foi um ponto interessante para a
gente ter mantido o projeto na cidade. Porque tantas outras coisas
foram se desconstruindo no meio do caminho, como o currículo que já
mudou o que a gente tinha proposto. [...] Eu acho que temos muitos
pontos ali (para melhorar). A questão das refeições é muito evidente e
nevrálgica, porque desde que a gente implementou esse é um
problema que a gente não conseguiu resolver. [...] Forma uma fila
enorme para as crianças se servirem, porque tem que servir em tal
horário, então você tem um espaço que não colabora para que
algumas coisas diferentes possam acontecer. [...] Então as crianças
ficarem naquela fila para almoçar é um negócio terrível!‖ (Juliana).
67
André reconhece que a ETI Cajueiro tem uma estrutura física adequada para
o desenvolvimento das aulas e dos projetos, acima da média em comparação com outras
instituições de ensino. Ele também ressalta a importância da escola se empenhar para a
construção do conhecimento crítico e reflexivo com os/as estudantes. Por outro lado,
Ester avalia que a estrutura do prédio não é apropriada para a ETI Araucária e aponta
que o processo de ensino e aprendizado fica prejudicado quando faltam professores/as.
Ela sinaliza que a falta de suporte tanto para as ETIs como para as escolas de ensino
parcial causa problemas para todos da comunidade escolar. Por sua vez, Juliana lembra
a elaboração do documento que fundamentou a implementação das ETIs em Campinas,
bem como as conquistas e perdas ao longo desse processo. No tocante a estrutura, ela
salienta os problemas relacionados com a organização dos momentos de servir as
refeições.
Em meio a todo esse cenário, onde a violência escolar se faz presente no
cotidiano das Escolas de Tempo Integral, veremos no próximo tópico as estratégias
desenvolvidas pelas escolas e pelos/as professores/as para lidar com esse fenômeno.
2.3. Estratégias para lidar com a violência escolar nas ETIs
Ações pedagógicas e projetos das escolas
A compreensão das estratégias utilizadas para lidar com a violência escolar
nas ETIs integra mais um tema significativo para o nosso estudo. A respeito das ações
pedagógicas para mediar essas situações, os/as professores/as comentaram o seguinte:
―Na Educação Física a gente trabalha muito essa coisa do grupo, por
isso os Jogos Escolares Municipais (JEM), para mim, foi um
instrumento de construção, eu uso o JEM como instrumento de
educação. Para mim, ele não é um fim, é um meio para que eu
consiga chegar ao meu fim que é a valorização, a autoestima, o
trabalho em grupo, o respeito nesse grupo, o saber essa coisa do que
eles não têm em casa, no ambiente familiar, nem na própria rua e
nem na comunidade. [...] Então eles se dedicam, eles querem. Aí eu
trabalho o melhor de cada um, eu não quero ‗o melhor‘, eu quero ‗o
melhor de cada um‘. Mesmo a agressividade, eu transformo ela a
favor.‖ (Clara).
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―[...] A gente percebe (o bullying), porque a gente tem uma conversa
com os alunos, a gente dá abertura para o diálogo nas nossas aulas e
nas nossas práticas. Então a gente consegue, às vezes, que o aluno
quebre esse silêncio e fale sobre o que ele passa na escola, tenha
liberdade para se comunicar, para conversar e tocar no assunto [...].
Eu acho que o desafio maior é perceber quando há uma situação de
sofrimento do aluno, sem que ela seja exteriorizada. A gente tem que
parar um pouquinho para conversar informalmente com os alunos de
vez em quando, na hora do almoço, no refeitório, na hora do lazer, do
recreio, porque são nesses momentos de lazer que surgem algumas
coisas, eles contam algumas coisas que normalmente no período de
aula a gente não tem como ficar atento a isso, algumas coisas
acontecem bem escondidas.‖ (André).
Nessas falas, percebemos que Clara e André desenvolvem medidas
preventivas para lidar com os casos de violência entre os/as estudantes, com estratégias
que objetivam reforçar as relações de convivência, os laços de amizade e de confiança.
As professoras Ester e Juliana comentaram sobre outras formas de intervir nessas
situações:
―Eu procuro, na medida do possível, tentar amenizar o estrago físico.
Quando é uma violência física, eu tento separar, mesmo sabendo dos
riscos, porque eles são adolescentes, jovens e fortes, entre as meninas
também tem briga e, sem querer, a gente acaba levando. Fica aquela
situação, ‗devemos entrar ou não devemos entrar‘, então pelo meu
perfil, eu não consigo ver uma briga de aluno e não tentar separar,
não tentar evitar. Mas depois que passa eu fico pensando ‗poxa vida,
eu corri risco‘[...] mas a gente sempre intervém de alguma forma,
também falando...‖ (Ester).
―Eu acho que eles são bem pequenos e, normalmente, isso acontece
por falta de orientação mesmo, então o que eu faço é chamar as
crianças e conversar. [...] Eu trabalho muito com roda de conversa
com as crianças, mas isso é demorado... Você pensa ‗vai conversar
que não vai mais acontecer‘, mas não, continua acontecendo. [...]
Grande parte dos profissionais ali eu acho que trabalha muito com
essa ideia mesmo da conversa, porque a gente não acredita muito que
suspender a criança vai resolver a questão. [...] Em casos muito
recorrentes, que a gente nota crianças que estão sempre praticando
atos de violência contra a mesma criança, ‗temos casos de bullying‘,
a gente tem que fazer uma intervenção maior, chamar a família para
localizar ‗olha, está acontecendo isso‘, aí a gente já tenta, além da
conversa cotidiana, trazer a família para mais próximo.‖ (Juliana).
Observamos que as professoras fazem uso de medidas socioeducativas para
cessar as atitudes violentas. Diante do risco, Ester enfatiza ter que separar brigas para
69
preservar a integridade física dos/as envolvidos/as. Nesse contexto, entendemos que a
conversa é uma das estratégias mais utilizadas por elas, no sentido de esclarecer o que
de fato aconteceu e para orientar os/as estudantes sobre como resolver seus conflitos por
meio do diálogo. Juliana esclarece que entre as atitudes a presença da família é
fundamental para mediar os casos recorrentes e de bullying.
Em sua fala, Laura ainda apontou o uso de medidas punitivas, caracterizadas
pela ruptura no diálogo com os/as estudantes:
―Olha, eu vou falar que tudo depende do dia, depende da situação e
depende de quem faz. Porque o que a gente sempre costuma fazer é
conversar [...]. A gente tenta até trabalhar com a sala toda, eu falo
para eles ‗gente, quando vocês virem algum amigo brigando, fala
para ele parar com isso, isso não é bacana‘ [...]. Às vezes, tem
conflito que, se são as mesmas crianças, eu já nem converso, eu pego
e levo para a direção. [...] Esse ano a gente até colocou no regimento,
que eu nem sei se isso é muito correto na verdade, mas a gente está
suspendendo, [...] está reincidindo casos de bater, de agredir o outro,
a gente está suspendendo.‖ (Laura).
Percebemos que a atuação da professora varia de acordo com as diferentes
situações de violência, dos/as estudantes que as praticam, bem como a reincidência dos
casos. Ela explica que, ao encaminhar os/as estudantes para a direção escolar, as
estratégias incluem entrar em contato com as famílias e, dependendo da gravidade dos
fatos, determinar dias de suspensão para os/as envolvidos/as. No que diz respeito à
suspensão de estudantes, Silva (2017) aponta que ações educativas centradas no
controle disciplinar excessivo e nas punições podem agravar comportamentos
indisciplinados e violentos, além de intensificar a desigualdade social de grupos
tradicionalmente excluídos ao longo do processo educativo.
Nas entrevistas, também buscamos por elementos que descrevessem os
projetos desenvolvidos nas escolas para o enfrentamento desse fenômeno. A respeito
das assembleias de classe, os/as professores/as comentaram o seguinte:
―Nós começamos a implantar as assembleias de classe com os alunos,
em que eles começaram a organizar formas de discussão sobre temas,
não só que perpassam os conteúdos ou os conteúdos transversais, e
eles começaram a discutir entre eles de uma forma mais protagonista,
digamos assim, menos expositiva. Mas havia a discussão e até a
organização de espaços pedagógicos em relação à política e à
questão da organização social, para que eles pensassem a realidade
70
da escola e, a partir dessa realidade da escola, também fosse
pensando a própria realidade que eles vivem no entorno deles, essas
relações‖. (Rogério).
―Todas as turmas fazem assembleia, eles têm os representantes, a
gente tem a reunião dos representantes que trazem as demandas das
assembleias e a gente formou as comissões para focar nos temas
levantados por eles. Então tem uma comissão que colocou muito a
questão do visual da escola — que eu acho que tem a ver com a
violência isso né? — quando você tem um ambiente que, de alguma
forma, olhar para aquilo te remete a uma coisa de descaso... Então
eles falam bastante disso, da escola estar mais bonita. [...] A gente
não tem muito caso de depredação lá não viu, diminuiu muito. Se a
gente for ver, antes as carteiras eram rabiscadas e agora não. Porque
eles rodiziam muito de sala e eles tem a responsabilidade pelo
ambiente também. Não que fique muito limpo, mas a gente tem pouco
caso de depredação, a gente trabalha bastante com isso...‖ (Juliana).
―A gente começou com um projeto de assembleia de classe há um
tempo, não sei se há cinco anos, e eu acho que isso teve muitos bons
resultados. [...] É um projeto da escola, todas as salas fazem uma
assembleia de classe, tem que fazer. Então toda semana, as
professoras de sala (pedagogas) ficam encarregadas de fazer esse
trabalho, porque elas têm mais tempo com eles. Eles se reúnem, eles
têm o ‗eu critico‘, ‗eu sugiro‘ e ‗eu felicito‘, essa questão de não citar
nomes e de fazer crítica a uma ação, um comportamento que não é
legal e não a pessoa. Parte de coisas que eles trazem e que eles vão
colocando ao longo da semana ou de temas que a professora traz [...].
O 5º ano começa a ter essa questão ‗por que tem que ser magra para
ser bonita?‘, ‗por que você é desse jeito?‘, ‗você é gorda!‘... Então
traz filme ou uma leitura e aí suscita de refletir a respeito disso e de
como isso afeta nossas relações aqui dentro (da escola).‖ (Laura).
Os/as professores/as explicaram sobre o projeto das assembleias de classe
que acontece regularmente nas escolas. Nesses momentos, as crianças realizam críticas,
sugestões, felicitações e perguntas sobre os assuntos trazidos por elas ao longo da
semana, ou pelo/a professor/a de referência, mediador/a da assembleia. Na perspectiva
dos/as professores/as, essas discussões incentivam as crianças a refletirem sobre como
suas atitudes interferem nas relações de convivência e quais ações podem tornar o
ambiente escolar melhor para todos/as.
As assembleias de classe são espaços de diálogo em que professores/as e
estudantes discutem questões importantes quanto às relações sociais na escola, com o
objetivo de aprimorar a ação e a convivência democráticas (PUIG, 2002). De acordo
com o autor, a elaboração das assembleias consiste em três momentos específicos: A
preparação, quando professor/a e estudantes levantam temas relevantes para o debate; o
71
debate dos temas, onde os/as participantes encontram espaço para expressar suas
opiniões; e a aplicação dos acordos, que tem como objetivo estabelecer os combinados
da turma. No tocante aos resultados provenientes das assembleias, o autor destaca a
análise de situações difíceis, acordo e planos de ação, normas de comportamento e
propostas de trabalho.
Outro destaque foi o trabalho com a Comissão Própria de Avaliação (CPA),
responsável por coordenar a avaliação interna da unidade de ensino, constituída por
representantes docentes, estudantes, funcionários/as, familiares e equipe gestora:
―Outro caso que também tem ajudado é a Comissão Própria de
Avaliação (CPA). Uma professora fica encarregada junto com a
orientadora pedagógica e tem dois representantes por sala. As
crianças discutem uma ou mais vezes por semana, eles são
encarregados da horta e trabalham com outras questões também, por
exemplo, ‗o que tem sido muito legal na escola‘, ‗o que está
acontecendo de muito bom que vocês estão aprendendo‘ ou coisas que
não estão legais nas salas ‗tem gente falando demais enquanto a
professora está falando‘, ‗tem gente que não está respeitando as
regras da escola‘. [...] A gente teve alguns problemas com banheiro,
de gente jogar papel no vaso, o rolo inteiro, então eles conversam e
depois esses representantes replicam, conversam com a sala toda.‖
(Laura).
―Veio uma lei, a oportunidade do processo de estabelecimento da
Comissão Própria de Avaliação (CPA), de a própria escola ter uma
legislação que pudesse, ela mesma, organizar uma forma de
avaliação sobre todos os aspectos da escola, que a gente pudesse
organizar como é que seria feita essa avaliação. A gente começou a
implantar as assembleias de classe com a representação dos alunos,
as assembleias de professores, as assembleias dos outros segmentos
também, a discussão com os pais. A gente teve todo um plano de
organização em relação à CPA, em que essas discussões se dessem de
maneira mais horizontal e menos vertical vindo de cima para baixo.
[...] Dividimos as assembleias de CPA e as assembleias de
convivência. Nas assembleias de CPA a gente discutia mais sobre as
questões estruturais da escola, o pedagógico. Nas assembleias de
convivência, as relações pessoais não só entre alunos, mas alunos,
professores, gestores, a relação pessoal entre todos eles. E essas
questões cidadãs, de respeito às diferenças, as questões de gênero, a
questão de preconceito de classes.‖ (Rogério).
De acordo com a Resolução SME N° 5/2008 (CAMPINAS, 2008), esse
processo de avaliação tem como finalidade conhecer a realidade da escola e planejar
ações que visem o aprimoramento institucional e a superação de dificuldades. A
72
comissão conta com reuniões semanais ou quinzenais, onde discutem e avaliam as ações
realizadas na escola. Após os encontros, os/as estudantes conversam com suas turmas
sobre os encaminhamentos definidos. A partir desses diálogos entre os atores da
comunidade escolar, os/as professores/as afirmam ter percebido mudanças importantes
nas relações de convivência das escolas.
Mais um aspecto relevante das ETIs refere-se à metodologia de ensino por
meio de projetos:
―Eu acho que o trabalho com projetos tem ajudado, a gente direciona
os projetos para essa questão do respeito, do respeito às diferenças,
da valorização das diferenças, esses ‗modos de ser‘, situações atuais
que remetem a esses comportamentos, nessas questões... [...] A gente
está até fazendo um curso agora [...] a gente teve dois encontros e ela
está trabalhando a questão do meio ambiente. E nessa questão do
meio ambiente, muito essa questão da interação social também, o
quanto isso interfere no outro, as relações que a gente estabelece, é
outro olhar. Essa é uma formação que eu acho, talvez, está vindo ao
encontro desse tema. Porque acaba abordando, quando você fala da
liberdade, da integridade, da dignidade, você também está falando um
pouco de como isso é tirado com essa violência.‖(Laura).
―Especifico de falar ‗nós vamos trabalhar com a questão da
violência‘, não. A gente trabalha com o enfrentamento do
preconceito, então a gente vai problematizar as situações de
preconceito, trabalhar com a temática étnico-racial é mais frequente
lá, porque tem que ser e a gente lida com isso, é uma população que
precisa. [...] Mas surgiram questões de bullying e de preconceito nas
assembleias agora, então é uma demanda das crianças e isso chama
para um trabalho. Então vai ter uma comissão formada pelo grupo e,
junto com as crianças, vão ter alguns professores pensando em ações.
As crianças mesmo já propuseram algumas ações que eles acreditam
que possam ajudar na questão do bullying e do preconceito, eles
pensaram em umas campanhas de conscientização, que eles querem
fazer cartazes e conversar com as crianças, e isso veio das
assembleias. Então é uma coisa sobre a qual a gente vai se debruçar
agora para pensar junto com eles as ações.‖ (Juliana).
―Mas esses momentos (de intervalo) também eram momentos de
muita tensão dentro da escola, que era um momento de muito ócio,
que para alguns é tranquilo, mas para outros não, alguns que estão
sem fazer nada buscam práticas meio perigosas e violentas inclusive.
Eu acho que com os projetos eles já tentam fazer um pouquinho mais,
nesses horários ociosos, o que eles estão fazendo no projeto, como é o
caso do tênis de mesa e dos esportes. Então eles aprendem nas
oficinas o tênis de mesa, esportes, artes, algumas filmagens, produção
de cinema e já levam isso para os momentos ociosos, para esses
horários livres, aí já ficam mais de boa durante o dia e nesses
horários de intervalo, porque eles têm outras ocupações. Às vezes eles
73
têm trabalhos para fazer das oficinas e eles aproveitam o horário do
almoço para fazer esses trabalhos também.‖ (André).
―Você não viu nenhum problema assim... Mas antes você via, era
muito claro, porque esse trabalho vem vindo desde quando era meio
período. Nós começamos a fazer mais intervalos, onde eles tinham
que se socializar mais, tinha atividades dentro do próprio intervalo
para a construção já do período integral. [...] Quando parou (equipe
gestora na escola) começou a construir essa não violência. Esse
trabalho vem de muitos anos para chegar ao que está chegando hoje.
[...] O período integral, destas atividades que você vê, já vem ao
encontro disso que eu estou falando, da não violência, de uma
mudança e de um trabalho mais preocupado com o aluno. [...] Porque
você tem que ter um olhar para o ser humano, ao mesmo tempo
coletivo e individual. E cada vez são mudadas as necessidades de
cada turma, de cada idade e de cada aluno. E se você não fizer isso,
não caminha a escola, isso parte de todos. Eu falo desde o começo,
englobar o pessoal da limpeza, os guardas, o pessoal da cozinha, mas
parece que a direção não entende muito bem esse sistema.‖ (Clara).
No ponto de vista dos/as professores/as, o corpo docente se utiliza da
elaboração e desenvolvimento de projetos para encaminhar questões relacionadas ao
respeito, à valorização das diferenças e às relações de convivência no ambiente escolar.
Essas propostas envolvem aulas práticas, rodas de conversa, trabalhos em grupo e
momentos de interação entre estudantes de diferentes idades, o que proporciona uma
visão de mundo menos egocêntrica. Cada ETI tem autonomia para propor temas, ajustar
o tempo de duração e reorganizar as turmas a fim de delinear o melhor formato para
cada projeto. Embora os/as professores/as tenham mencionado particularidades dessa
estratégia pedagógica em suas entrevistas, não as detalharemos nesse texto para manter
o sigilo do estudo.
Outra questão interessante levantada por Laura diz respeito ao empenho da
ETI Ipê em elaborar ações que buscam a aproximação entre escola, comunidade do
entorno e os/as familiares dos/as estudantes:
―É bem difícil trazer o público para cá, ao longo dos anos a gente foi
conseguindo aumentar isso. A gente tem festas, reuniões de pais,
mostra cultural no final do ano, bazar a gente faz na escola, a gente
tenta aproximar as famílias... A gente conseguiu aumentar o número
de pessoas que vem, principalmente nas reuniões de pais, mas ainda
não é muito. [...] A gente criou uma página da escola em uma rede
social, está lá desde o ano passado, então a gente posta coisas da
escola e os pais, a família comenta, eles veem o trabalho, isso é uma
maneira de aproximar um pouco mais, de tentar estimular essa
74
família a estar mais próxima da criança, do que está sendo
desenvolvido aqui, mas eu acho que a gente tem muito para melhorar
nessa questão.‖ (Laura).
Ela comenta que ao longo do ano, são realizadas reuniões com os/as
responsáveis, mostras culturais, festas e bazares. Também, foi criada uma página em
rede social para divulgar os trabalhos desenvolvidos na ETI. A professora percebe que
essas estratégias estimularam a relação da escola com os familiares, entretanto avalia
que precisam melhorar esse trabalho para fortalecer ainda mais esses vínculos.
No que se refere ao oferecimento de formação continuada específica sobre a
violência escolar, os/as professores comentaram sobre ao curso ―Convivência Ética na
escola‖ ministrada pelo GEPEM da Faculdade de Educação da Universidade Estadual
de Campinas (FE-Unicamp), realizado nas escolas:
―[...] A gente viu na ‗Convivência Ética‘, a oportunidade de
acontecer um projeto da nossa escola que possibilitasse destinar
alguns tempos de aula (para realizar as assembleias de classe) [...].
Com a formação a gente conseguiu garantir um tempo em que
pudesse estar organizando melhor essas práticas, por alguns
professores que acreditam nessas práticas como meio e conteúdos a
serem trabalhados também na escola. Então como oportunidade para
a gente ter um tempo em que seria esse espaço mesmo dentro da
grade de horários para estar trabalhando esses conteúdos. [...] Nós
formamos um ‗Grupo de Ajuda‘ com esse curso, a gente percebeu que
esse curso também ajudou a gente a discutir alguns temas e a ter um
embasamento maior, mais científico em relação a desenvolver alguns
conceitos que a gente pudesse aplicar aqui e algumas práticas e
experiências que vimos com as reuniões dos tutores, a gente associou
ao que a gente já fazia, então nos deu esse impulso também‖.
(Rogério).
―A gente tem uma formação que se chama ‗Convivência Ética na
Escola‘ já há dois anos, e a gente está escrevendo o plano de
convivência [...]. Nesse plano de convivência a gente procura ser o
mais justo possível, então amenizar os conflitos, evitar os conflitos e,
tendo o conflito, resolver de uma forma justa e coerente. [...] No
nosso caso eu acho que já amenizou, porque com essa formação a
gente teve mais clareza do que é violência, do que é indisciplina, o
que é uma violência grave ou branda, então a gente consegue
melhorar um pouco a resolução desses conflitos, amenizar... [...] A
gente está aprendendo a não fazer com que um problema pequeno se
torne grande, que a gente consiga resolver, sendo justo nas atuações,
nas sanções, na conversa, tudo começa através do diálogo,
esclarecimento, sem acusações, ‗vamos ver o que está acontecendo,
cada um tem a sua oportunidade de falar‘, é assim que a gente
trabalha.‖ (Ester).
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―A gente teve uma formação de convivência ética na escola, no ano
passado. Eu acho que a escola estava aprendendo a lidar com isso,
com essa violência, a partir dessa formação, a partir de outras
formações que tivemos e de palestras. A escola está começando a
perceber que a violência acontece e como ela acontece, a escola está
começando a sistematizar essas violências e traçar uma forma de
agir, um pouco que padrão, para cada tipo de violência, as violências
que acontecem com as crianças‖ (André).
Os/as professores/as destacam pontos interessantes da formação oferecida
na escola, como o esclarecimento a respeito das relações de convivência e de conceitos
ligados ao fenômeno da violência escolar. Eles/as também comentam sobre as ações
realizadas a partir desse curso, como a definição de uma rotina para a realização das
assembleias de classe, a organização das equipes de ajuda — grupos de estudantes que
aconselham e apoiam os colegas com dificuldade ou vítimas de bullying — e a
implementação do plano de convivência, um conjunto de ações que visam desenvolver
as relações de convivência nas instituições de ensino.
Por fim, percebemos que entre as ações pedagógicas citadas
pelos/professores, o diálogo é a estratégia mais utilizada com os/as estudantes, tanto nas
medidas preventivas como no sentido de mediar situações de violência. Dependendo da
gravidade das situações, também são empregadas medidas punitivas, como a suspensão.
Entre as os projetos desenvolvidos pelas escolas, destacamos as assembleias de classe, a
Comissão Própria de Avaliação (CPA), a metodologia de ensino por meio de projetos e
a formação continuada sobre convivência ética nas escolas.
76
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nesse estudo, ao propormos a discussão sobre as perspectivas dos/as
professores/as de Educação Física acerca das manifestações de violência nas Escolas de
Tempo Integral em Campinas-SP, consideramos ser imprescindível compreendermos os
diferentes pontos de vista a respeito dos conceitos de violência e violência escolar. No
tocante à violência, eles/as a compreendem a partir da intencionalidade do ato, por
causar danos físicos, morais ou emocionais à outra pessoa, reconhecem as diferentes
formas como esse fenômeno se manifesta e apontam suas possíveis causas, como
fatores familiares e sociais. A respeito da violência escolar, parte dos/as professores
direciona o foco do problema para a sociedade, de modo que as violências do cotidiano
são reproduzidas nas escolas, enquanto outros/as afirmam que as instituições de ensino
também produzem violências, como o impacto de políticas públicas na qualidade do
ensino.
A partir dessas definições, por meio dos relatos de caso trazidos pelos/as
docentes, conhecemos as formas como a violência escolar se manifesta nas ETIs, bem
como os contextos em que ocorrem e os aspectos que possivelmente influenciam esses
atos. Percebemos que as violências na escola, à escola e da escola estão presentes no
cotidiano das ETIs, em diferentes situações e se expressam por meio dos casos de
bullying e dos atos de violência verbal, física e simbólica. Ainda, percebemos a
incidência de microviolências e de indisciplina.
Alguns aspectos que possivelmente influenciam a violência escolar são, na
perspectiva dos/professores, a dificuldade dos/as estudantes em vivenciar valores,
resolver seus conflitos por meio do diálogo, famílias desagregadas e o distanciamento
dos/as responsáveis em relação à instituição de ensino.
Com o intuito de delinearmos com mais detalhes esse cenário, destacamos
as relações de convivência entre os/as estudantes das ETIs, marcadas pela intolerância,
atitudes discriminatórias e preconceituosas, falta de entendimento entre eles/as e a
forma violenta com que resolvem seus conflitos. Entre professores/as e estudantes,
percebemos que eles/as se preocupam em estabelecer vínculos afetivos, em relações
sociais menos autoritárias, no sentido de atribuir significado ao ambiente escolar e ao
processo de ensino e aprendizado. A convivência entre os/as professores/as é
77
caracterizada pela ajuda mútua, trabalho coletivo, interesse e participação de todos,
entretanto prejudicadas por sucessivas mudanças no quadro de funcionários. Por fim,
algumas atitudes provenientes da direção escolar retratam a violência simbólica presente
no cotidiano das escolas, como casos de assédio moral e desrespeito com professores/as,
funcionários/as e estudantes, bastante recorrentes no modelo autoritário de gestão. No
tocante às famílias dos/as estudantes, os/as professores/as reconhecem a importância
que elas tiveram durante o processo de implementação das ETIs e afirmam ser
indispensável que estejam mais presentes nas escolas.
Também investigamos a correlação entre a violência escolar e a
implementação das ETIs e percebemos certa tendência de alguns professores/as em
correlacionar a ampliação do tempo de permanência dos/as estudantes nas ETIs com o
aumento dos casos de violência na escola. Em contrapartida, outros/as acreditam que a
ampliação da jornada escolar não representa uma influência significativa na questão da
violência, pois as ações pedagógicas e os projetos desenvolvidos pela escola interferem
de maneira mais determinante no assunto.
No tocante a estrutura, percebemos que algumas escolas têm espaço físico,
recursos materiais e humanos apropriados para o atendimento em tempo integral, porém
outras sofrem com prédios inadequados, ausência de professores/as, gestores/as e
profissionais de apoio. Nesse sentido, entendemos que a falta de estrutura e de recursos
materiais, bem como o quadro incompleto de profissionais são aspectos que interferem
no clima escolar, nas relações de convivência e na qualidade do ensino.
As tensões e contradições apresentadas pelos/as professores/as retratam a
alarmante situação das escolas públicas brasileiras frente à violência escolar, sejam elas
de tempo parcial ou integral. Em meio aos desinvestimentos na área da educação, em
quais condições as metas do PNE 2014-2024 avançam? Apesar dessas dificuldades,
compreendemos a escola como um espaço de resistência, onde reivindicamos políticas
públicas que valorizem o ensino público de qualidade.
Trouxemos para o debate as diferentes estratégias utilizadas pelos/as
professores/as e pela escola para lidar com a violência escolar nas ETIs, a partir de suas
ações pedagógicas e dos projetos desenvolvidos nas instituições de ensino. Entre as
estratégias para lidar com a violência escolar nas ETIs, salientamos os projetos
desenvolvidos pelas escolas, como as assembleias de classe, a Comissão Própria de
78
Avaliação (CPA), a metodologia de ensino por meio de projetos e o curso de formação
continuada sobre convivência ética nas escolas. Quanto às ações pedagógicas,
percebemos que os/as professores/as buscam dialogar com os/as estudantes para
resolver as situações de violência.
Por fim, conhecer as diferentes perspectivas desses/as professores/as, nos
possibilitou refletir acerca das manifestações de violência escolar no contexto das
Escolas de Tempo Integral. Por serem temas importantes para a pesquisa no campo da
Educação Física, acreditamos que os aspectos levantados nessa investigação possam
colaborar com o desenvolvimento de novos estudos, que envolvam observação e que
permitam a participação dos/as estudantes, a fim de ampliarmos a discussão sobre essa
temática.
79
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84
APÊNDICE I
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
VIOLÊNCIA ESCOLAR: Perspectivas de professores/asde Educação Física sobre as
Escolas de Educação Integral de Campinas-SP.
Ricardo Manoel de Oliveira Zambelli; Elaine Prodócimo
Número do CAAE:
Você está sendo convidado a participar como voluntário de um estudo. Este documento,
chamado Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, visa assegurar seus direitos e deveres
como participante e é elaborado em duas vias, uma que deverá ficar com você e outra com o
pesquisador.
Por favor, leia com atenção e calma, aproveitando para esclarecer suas dúvidas. Se
houver perguntas antes ou mesmo depois de assiná-lo, você poderá esclarecê-las com o
pesquisador. Se preferir, pode levar para casa e consultar seus familiares ou outras pessoas antes
de decidir participar. Se você não quiser participar ou retirar sua autorização, a qualquer
momento, não haverá nenhum tipo de penalização ou prejuízo.
Justificativa: O estudo discorrerá sobre a violência escolar nas Escolas de Educação Integral
(EEI), da Rede Municipal de Ensino de Campinas-SP, a partir das perspectivas de
professores/as de Educação Física. Nesse contexto, discutirá a dinâmica das relações
interpessoais entre professores, alunos, familiares, equipe gestora e funcionários na rotina de
estudo e trabalho; bem como a percepção e a problematização da violência escolar nas EEIs.
Desse modo, a produção de conhecimento sobre esse fenômeno possibilitará ampliar a
compreensão acerca de suas manifestações no cotidiano dessas instituições de ensino.
Objetivos: O presente projeto de pesquisa tem como objetivo geral investigar a violência
escolar no contexto das Escolas de Educação Integral; e como objetivo específico compreender
como a violência escolar é percebida e problematizada pelos professores/as de Educação Física
nos seus diferentes contextos de atuação no cotidiano escolar.
Procedimentos: Ao participar do estudo, você será convidado(a) a realizar uma entrevista
semiestruturada com o pesquisador. Será realizada uma única vez, individualmente, com
duração aproximada de trinta minutos, no local de trabalho, em data e horário previamente
combinados que não interfira na rotina escolar. Será gravada em áudio e posteriormente
transcrita. Após a transcrição o texto será devolvido para que você possa alterá-lo. Após a
realização do estudo as gravações serão arquivadas por um período de cinco anos e depois serão
apagadas.
Benefícios e ressarcimento: O presente estudo trará benefício pedagógico-científico para o
entrevistado, pesquisador e à comunidade acadêmica de modo geral quanto à produção de
conhecimento na área da Educação Física. Os resultados obtidos estarão à disposição dos
participantes. A pesquisa não traz benefícios financeiros e não ocorrerá nenhum custo já que
toda a pesquisa será realizada no seu local de trabalho e em horário de permanência na escola.
Qualquer dano resultante diretamente do estudo será ressarcido pelos pesquisadores.
Acompanhamento e assistência: Os sujeitos da pesquisa que aceitarem participar deste projeto
poderão a qualquer momento recusar a participação ou o termo de consentimento sem qualquer
prejuízo em qualquer fase do estudo. Declaramos estar à disposição dos entrevistados e da
85
instituição de ensino para quaisquer esclarecimentos antes, durante e após a realização da
pesquisa.
Sigilo e privacidade: Você tem a garantia de que sua identidade será mantida em sigilo e
nenhuma informação será dada a outras pessoas que não façam parte da equipe de
pesquisadores. Na divulgação dos resultados desse estudo, seu nome e o da escola em que
trabalha não serão citados.
Contato: Em caso de dúvidas sobre o estudo, você poderá entrar em contato com:
Prof. Esp. Ricardo Manoel de Oliveira Zambelli – Mestrando em Educação Física
Faculdade de Educação Física - FEF/UNICAMP
Tel: (19) 98357-1500
Profª Dra. Elaine Prodócimo
Docente na Faculdade de Educação Física - FEF/UNICAMP
Departamento de Educação Física e Humanidades (DEFH)
Tel: (19) 3521-6762
Endereço: Avenida Érico Veríssimo, 701, Cidade Universitária Zeferino Vaz, Barão Geraldo
CEP 13.083-851, Campinas, SP, Brasil.
Em caso de denúncias ou reclamações sobre sua participação no estudo, você pode entrar
em contato com a secretaria do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP): Rua: Tessália Vieira de
Camargo, 126; CEP 13083-887 Campinas – SP; telefone (19) 3521-8936; fax (19) 3521-7187;
e-mail: [email protected]
Consentimento livre e esclarecido:
Após ter sido esclarecimento sobre a natureza da pesquisa, seus objetivos, métodos,
benefícios previstos, potenciais riscos e o incômodo que esta possa acarretar, aceito participar:
Nome do(a) participante: ________________________________________________________
_______________________________________________________ Data: ____/_____/______.
(Assinatura do participante ou nome e assinatura do responsável)
Responsabilidade do Pesquisador:
Asseguro ter cumprido as exigências da resolução 466/2012 CNS/MS e complementares
na elaboração do protocolo e na obtenção deste Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Asseguro, também, ter explicado e fornecido uma cópia deste documento ao participante.
Informo que o estudo foi aprovado pelo CEP perante o qual o projeto foi apresentado.
Comprometo-me a utilizar o material e os dados obtidos nesta pesquisa exclusivamente para as
finalidades previstas neste documento ou conforme o consentimento dado pelo participante.
______________________________________________________ Data: ____/_____/______.
(Assinatura do pesquisador)
86
APÊNDICE II
CARTA DE AUTORIZAÇÃO PARA A REALIZAÇÃO DE PESQUISA
À Diretoria da EEI ______________________________________________________.
Eu, Ricardo Manoel de Oliveira Zambelli, aluno de Mestrado na Faculdade de
Educação Física da UNICAMP solicito a autorização dessa Diretoria para a realização da
pesquisa intitulada, ―VIOLÊNCIA ESCOLAR: Perspectivas de professores/asde Educação
Física sobre as Escolas de Educação Integral de Campinas-SP.‖, a ser realizada nesta EEI.
Nesse estudo, utilizaremos como procedimento metodológico entrevistas
semiestruturadas com professores/asde Educação Física, voluntários a participar da pesquisa.
Outras informações estão mais detalhadas no projeto de pesquisa, que segue em anexo.
De acordo com os objetivos e a metodologia da pesquisa acima citada, solicito
autorização para seu desenvolvimento, sendo assegurados os seguintes requisitos:
O cumprimento das determinações éticas da Resolução nº 510/2016 CNS;
A garantia de solicitar e receber esclarecimentos antes, durante e depois do
desenvolvimento da pesquisa;
Não haverá nenhuma despesa para esta instituição que seja decorrente da participação
dessa pesquisa;
No caso do não cumprimento dos itens acima, a liberdade de retirar minha anuência a
qualquer momento da pesquisa sem penalização alguma.
Na certeza de contar com a colaboração desta Diretoria agradeço antecipadamente a
atenção, ficando à disposição para qualquer esclarecimento que se fizer necessário.
Eu, __________________________________________________________________,
Diretora da EEI _______________________________________________________, concedo
autorização para a realização da pesquisa de acordo com as normas apresentadas acima,
assim como no projeto apresentado.
Campinas, ____ de __________________ de 2017.
__________________________________________
Assinatura e carimbo