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DADOS DE COPYRIGHT

Sobre a obra:

A presente obra Ă© disponibilizada pela equipe Le Livros e seus diversos parceiros, com oobjetivo de oferecer conteĂșdo para uso parcial em pesquisas e estudos acadĂȘmicos, bem como simples teste da qualidade da obra, com o fim exclusivo de compra futura.

É expressamente proibida e totalmente repudĂ­avel a venda, aluguel, ou quaisquer usocomercial do presente conteĂșdo

Sobre nĂłs:

O Le Livros e seus parceiros disponibilizam conteĂșdo de dominio publico e propriedadeintelectual de for ma totalmente gratuita, por acreditar que o conhecimento e a educação deveser acessĂ­veis e livres a toda e qualquer pessoa. VocĂȘ pode encontrar mais obras em nossosite: LeLivr os.link  ou em qualquer um dos sites parceiros apresentados neste link .

"Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e nĂŁo mais lutando por 

dinheiro e poder, entĂŁo nossa sociedade poderĂĄ enfim evoluir a um novo nĂ­vel."

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Aqui estĂĄ seu

DIAMANTE!

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Copyright do texto © 2011 David WalliamsCopyright das ilustraçÔes © 2011 Tony RossPublicado originalmente por HarperCollins Publishers

TÍTULO ORIGINALGangsta Granny

ADAPTAÇÃO DE CAPA E PROJETO GRÁFICOJulio Moreira

TRATAMENTO E ADAPTAÇÃO DAS ILUSTRAÇÕESî de casa

PREPARAÇÃOSheila Louzada

REVISÃOFlora PinheiroGabriel Pereira

REVISÃO DE EPUBJuliana Latini

GERAÇÃO DE EPUBIntrínseca

E-ISBN978-85-8057-349-7

Edição digital: 2013

Todos os direitos desta edição reservados à

EDITORA INTRÍNSECA LTDA.

Rua MarquĂȘs de SĂŁo Vicente, 99, 3Âș andar 22451-041 – GĂĄveaRio de Janeiro – RJTel./Fax: (21) 3206-7400www.intrinseca.com.br 

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SumĂĄrio

Ca paFolha de rostoCrĂ©ditosMĂ­dias sociaisDedicatĂłriaAgradecimentos1 - Água repolhenta2 - Pato grasnando3 - Revista do Encanador 4 - MistĂ©rios e maravilhas5 - Um pouco triste6 - Ovo frio e melequento7 - Sacos de esterco8 - Uma pequena per uca no pote9 - A Gata Negra10 - Tudo11 - Chilli com linguiça12 - ExplosĂŁo de Amor 13 - Uma vida de crimes14 - Vizinho enxerido15 - Ousado e emocionante

16 - “N”, “A”, “O”, til: “NĂŁo”17 - Planejando o roubo18 - HorĂĄrio de visita19 - Um pequeno artefato explosivo20 - Bum, bum, bum21 - O sapato de sapateado22 - Os valentĂ”es da gangue de lycra23 - Pegos pela polĂ­cia24 - Água escuras

25 - Assombrados por fantasmas26 - Uma figura no escuro27 - Uma audiĂȘncia com a rainha28 - Enforcados e esquartejados29 - PolĂ­cia armada30 - Um saco de açĂșcar 31 - Luz dourada32 - SanduĂ­che de famĂ­lia33 - SilĂȘncio

34 - O andador 

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EpĂ­logoSobre o autor 

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 Para Philip Onyango...

...o garotinho mais corajoso que conheço.

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Agradecimentos

Gostaria de agradecer a algumas pessoas que me ajudaram com este livro.Primeiro, ao extremamente talentoso Tony Ross, por suas ilustraçÔes mågicas. Em seguid

a Ann-Janine Murtagh, a mente brilhante responsĂĄvel pelos livros infantis da HarperCollins. Nick Lake, meu muito dedicado editor e amigo. Aos fantĂĄsticos designers James StevensElorine Grant, que fizeram o projeto de capa e miolo, respectivamente, da edição original. meticulosa copidesque Lizzie Ryley. A Samantha White, pelo trabalho maravilhoso ndivulgação dos meus livros. À querida Tanya Brennand-Roper, que produz as versĂ”es eĂĄudio. E, Ă© claro, ao meu agente literĂĄrio da Independent, Paul Stevens, pelo grande apoio.

Mas acima de tudo gostaria de agradecer a todos que leram meus livros. Fico realmenagradecido por estarem presentes nos eventos de autĂłgrafos, por me escreverem cartas o

enviarem desenhos. Amo contar histĂłrias para vocĂȘs, de verdade. Espero poder criar maalgumas. Continuem a ler, Ă© bom para vocĂȘs!

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Água repolhenta

— Mas a vovĂł Ă© tĂŁĂŁĂŁĂŁo chata! — disse Ben. Era uma noite fria de sexta-feira em novembro como sempre, ele estava encolhido no banco de trĂĄs do carro dos pais. Ia passar mais umnoite na temĂ­vel casa da avĂł. — Todos os velhos sĂŁo.

 â€” NĂŁo fale assim da sua avĂł — disse o pai, com seu barrigĂŁo imprensado no volante dpequeno carro marrom da famĂ­lia.

 â€” Detesto ficar com ela — protestou Ben. — A tevĂȘ daquela casa nĂŁo funciona, a vovĂł quer saber de fazer palavras-cruzadas comigo e alĂ©m de tudo ela fede a repolho!

 â€” Temos que ser justos com o menino: ela fede mesmo a repolho — concordou a mĂŁ

passando um lĂĄpis de boca de Ășltima hora. â€” Querida, assim vocĂȘ nĂŁo estĂĄ ajudando — resmungou o pai. — Na pior das hipĂłtese

mamĂŁe tem um leve odor de legumes cozidos. â€” Eu nĂŁo posso ir com vocĂȘs? — implorou Ben. — Eu adoro dança de balĂŁo — mentiu. â€” O nome Ă© dança de salĂŁo — corrigiu o pai. — E vocĂȘ odeia isso. Uma vez atĂ© disse

seguintes palavras: “Prefiro comer meleca a ver essa bobagem.”JĂĄ os pais de Ben realmente adoravam dança de salĂŁo. Às vezes o menino achava que el

gostavam mais disso do que dele. Havia um programa na tevĂȘ que passava nas noites

sĂĄbado e que seus pais nunca perdiam,  Dançando com Superestrelas, no qual celebridadfaziam par com dançarinos profissionais.

 Na verdade, se um dia a casa deles pegasse fogo e a mĂŁe tivesse que escolher entre salvo brilhante sapato dourado de sapateado usado por Flavio Flavioli (o dançarino italianbronzeado e bonitĂŁo que aparecia em todas as ediçÔes do tal programa) ou seu Ășnico filhBen achava que ela provavelmente escolheria o sapato. Naquela noite, os pais estavam indassistir a Dançando com Superestrelas ao vivo.

 â€” NĂŁo sei por que vocĂȘ nĂŁo desiste desse sonho maluco de ser encanador, Ben,

considera a ideia de se tornar um dançarino profissional — disse a mĂŁe, fazendo um risco nrosto com o lĂĄpis de boca ao passarem por um quebra-molas especialmente capaz de quebras molas do carro. A mĂŁe tinha o hĂĄbito de se maquiar no carro, o que significava que nĂŁraramente chegava aos lugares parecendo um palhaço. — E talvez, quem sabe, vocĂȘ acabaparecendo no Dançando com Superestrelas! — acrescentou ela, empolgada.

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 â€” Porque acho ridĂ­culo ficar saltando de um lado para o outro que nem um macaco —disse Ben.

Soltando um muxoxo de ofendida, a mĂŁe pegou um lenço de papel. â€” VocĂȘ estĂĄ deixando sua mĂŁe triste. Agora fique quieto, Ben, por favor, como o bo

menino que vocĂȘ Ă© — interveio o pai com firmeza, e aumentou o som do carro.Para variar, estava tocando o CD do Dançando com Superestrelas. Uma etiqueta na cap

dizia: Cinquenta ClĂĄssicos InesquecĂ­veis do Grande Sucesso da TevĂȘ. Ben odiava aqueCD, no mĂ­nimo por jĂĄ tĂȘ-lo escutado mais de um milhĂŁo de vezes. Na verdade, jĂĄ ouvira tanaquelas mĂșsicas que agora lhe pareciam instrumentos de tortura.

A mĂŁe de Ben era manicure no salĂŁo do bairro, o Elza Embeleza. Como nĂŁo tinham muit

clientes, ela e a outra mulher que trabalhava lĂĄ (que obviamente se chamava Elza) passavamdia fazendo as unhas uma da outra. Tiravam a cutĂ­cula, lixavam, limpavam, hidratavampassavam base, esmalte, Ăłleo secante e extrabrilho. Elas cuidavam das unhas o dia inteiro menos que Flavio Flavioli estivesse em algum programa vespertino na tevĂȘ). Isso significavque a mĂŁe dele sempre chegava em casa com unhas postiças muito compridas e multicoloridnos dedos.

Jå o pai de Ben trabalhava como segurança de supermercado. O ponto alto de sua carreide vinte anos até então tinha sido flagrar um idoso que estava com dois potes de margarinescondidos na calça.

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Apesar de agora estar gordo demais para correr atrĂĄs de qualquer ladrĂŁo, ele com certezpoderia bloquear a porta e impedir uma fuga. Os dois, mĂŁe e pai, se conheceram quando eleacusou equivocadamente de furtar um saco de batatas fritas. Menos de um ano depois estavacasados.

Virando a esquina, eles chegaram a Grey Close, onde ficava a casinha da vovó. Era apenmais um de uma série de chalés pequenos e tristes, habitados principalmente por gente velha

O carro parou, e Ben lentamente virou a cabeça na direção da casa: lå estava a avolhando ansiosa pela janela da sala. Esperando. Esperando. Ela sempre estava à janelaespera dele.

 HĂĄ quanto tempo ela estĂĄ ali?, pensou Ben. Desde a semana passada?

Ben era seu Ășnico neto, e, pelo que ele sabia, ninguĂ©m mais a visitava.VovĂł acenou para ele e abriu um pequeno sorriso. Rabugento como estava, o menino

conseguiu retribuir com um sorrisinho indeciso. â€” Bem, voltaremos para buscar vocĂȘ amanhĂŁ de manhĂŁ, por volta das onze — disse o pa

sem nem mesmo desligar o carro. â€” NĂŁo pode ser Ă s dez? â€” Ben! — rosnou o pai.Ele soltou a trava da porta e Ben saiu do carro resmungando. Ele nĂŁo precisava mais d

trava, Ă© claro: tinha onze anos e era muito improvĂĄvel que tentasse abrir a porta enquanto carro estivesse em movimento. Suas suspeitas eram de que o pai sĂł usava aquilo quando levĂĄ-lo Ă  casa da avĂł, para impedi-lo de fugir. A porta bateu depois que ele saiu e o mottornou a acelerar.

Antes que pudesse tocar a campainha, a vovĂł abriu a porta. Ben foi atingido no rosto puma lufada bem forte de cheiro de repolho. Era como uma bofetada de fedor.Ela era bem parecida com aquelas vovĂłs que aparecem nas histĂłrias infantis:

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 â€” MamĂŁe e papai nĂŁo vĂŁo entrar? — perguntou ela, um pouco desapontada.Essa era uma das coisas que Ben nĂŁo aguentava na avĂł: o jeito de falar como se ele fos

um bebĂȘ.Vruum-vruum-vrroooooooooommm.

Juntos, ela e Ben observaram o pequeno carro marrom se afastar às pressas, saltando passar pelos quebra-molas. Os pais dele também não gostavam de ficar com ela. Ali eapenas um local conveniente para largå-lo em uma sexta à noite.

 â€” NĂŁo... hĂŁ... Sinto muito, vovĂł... — gaguejou Ben. â€” Ah, bem, entre, entĂŁo — murmurou ela. — Eu jĂĄ peguei a revistinha de palavra

cruzadas e, para o jantar, preparei seu prato preferido: sopa de repolho!JĂĄ lĂĄ embaixo, o Ăąnimo do pobre menino foi ao chĂŁo. NĂŁĂŁĂŁĂŁĂŁĂŁĂŁĂŁĂŁĂŁĂŁĂŁĂŁĂŁĂŁĂŁooooo!, pens

ele.

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Pato grasnando

Em pouco tempo, avĂł e neto estavam sentados um de frente para o outro em silĂȘncio mortalmesa da sala de jantar. Como em todas as noites de sexta-feira.Quando os pais de Ben nĂŁo estavam vendo seu programa favorito na tevĂȘ, estava

encomendando comida indiana ou indo ao cinema. A noite de sexta era a “noite de namorodeles, e desde que se entendia por gente Ben era deixado na casa da avĂł quando os pasaĂ­am. Se nĂŁo fossem assistir a Dançando com Superestrelas ao vivo!, eles normalmente iaao Taj Mahal (o restaurante indiano da rua principal, nĂŁo o antiquĂ­ssimo monumento dmĂĄrmore da Índia) e comiam toneladas de paparis.

Os Ășnicos sons na casa eram o tiquetaquear do antigo relĂłgio de corda que ficava sobrelareira, o tilintar das colheres de metal nos pratos de porcelana e, de vez em quando, uzunido alto vindo do aparelho auditivo defeituoso da vovĂł.

Essa era uma das coisas que Ben mais odiava na avĂł. As outras eram:

1) Ela sempre cuspia no lenço usado que guardava na manga do casaco, o mesmo lenque esfregava no rosto do neto.

2) A tevĂȘ dela estava quebrada desde 1992. No momento, a camada de poeira que a cobrparecia o pelo de um animal, de tĂŁo grossa.

3) A casa era repleta de livros, e ela vivia tentando convencer Ben a ler algum deleapesar de ele odiar ler.

4) Ela insistia para que todo mundo usasse casacos pesados de inverno o ano inteir

mesmo em dias de calor escaldante, do contrário não iriam “sentir os benefícios”.

5) Ela fedia a repolho. (Pessoas alérgicas a repolho não poderiam ficar nem a dquilÎmetros dela.)

6) Sua ideia de um animado passeio ao ar livre era dar migalhas de pĂŁo velho para patos do laguinho.

7) Ela soltava pum o tempo todo sem nem perceber.

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8) Os puns nĂŁo fediam apenas a repolho. Fediam a repolho podre.

9) Ela mandava vocĂȘ ir dormir tĂŁo cedo que praticamente nem valia a pena acordar.

10) No Natal, ela sempre dava a seu Ășnico neto um suĂ©ter que ela mesma tricotava, sempcom estampa de cachorrinhos ou gatinhos, que ele era obrigado pelos pais a usar durante tod

perĂ­odo de festas.

 â€” A sopa estĂĄ gostosa? — perguntou a avĂł.Ben tinha passado os Ășltimos dez minutos remexendo aquele lĂ­quido ralo e verde-claro

tigela lascada, torcendo para que de algum modo sumisse.Mas não sumia.E agora estava esfriando.Pedaços frios de repolho flutuavam na ågua fria e repolhenta.

 â€” HĂŁ... EstĂĄ deliciosa, obrigado — respondeu Ben. â€” Que bom.

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Tique-taque tique-taque.

 â€” Que bom — repetiu a velhinha.Tlec. Tlec.

 â€” Que bom.Pelo visto ela achava tĂŁo difĂ­cil conversar com Ben quanto ele com ela.Tlec tlec. Pfffffff.

 â€” Como vai a escola? — perguntou ela. â€” Uma chatice — resmungou Ben.Os adultos sempre perguntam Ă s crianças como elas estĂŁo na escola. O assunto que

crianças mais detestam. NĂŁo dĂĄ vontade de falar sobre a escola nem quando se estĂĄ na escol â€” Ah — disse a vovĂł.Tique-taque tlec tlec pfffff tique-taque.

 â€” Bem, vou dar uma olhada no forno — disse a vovĂł depois que a longa pausa conversa se estendeu atĂ© uma pausa muito  longa. — Sua torta de repolho preferida jĂĄ esquase pronta.

Ela se levantou lentamente e se dirigiu Ă  cozinha. A cada passo soltava gases do traseirflĂĄcido. Parecia um pato grasnando. Ou ela nĂŁo se dava conta da prĂłpria flatulĂȘncia ou emuito boa em fingir que nĂŁo se dava conta.

Ben esperou que ela se afastasse para sĂł entĂŁo atravessar a sala furtivamente. Aquilo edifĂ­cil, porque havia pilhas de livros por toda parte. A avĂł de Ben AMAVA livros, e vivia co

o nariz enfiado neles. Havia livros por todas as prateleiras, no peitoril das janelaempilhados nos cantos.

Ela adorava romances policiais. Livros sobre vigaristas, ladrÔes de banco, a måfia coisas assim. Ben não sabia bem a diferença entre gùngster e vigarista, mas vigarista parecbem pior.

Apesar de detestar ler, Ben adorava ver as capas dos livros de sua avĂł: mostravaimagens de carros velozes, armas e mulheres glamourosas, e ele nĂŁo conseguia acreditar quaquela avĂł velha e entediante gostasse de ler histĂłrias que pareciam tĂŁo emocionantes.

 Por que ela tem essa obsessĂŁo por vigaristas?, pensou Ben. Vigaristas nĂŁo vivem e

casinhas como esta. Vigaristas nĂŁo fazem palavras-cruzadas. Vigaristas provavelmente nĂŁ

edem a repolho.Ben lia muito devagar, e seus professores faziam com que ele se sentisse burro por n

conseguir acompanhar os outros alunos. A diretora chegara a colocĂĄ-lo em uma turma um anabaixo, na esperança de que assim ele melhorasse na leitura. Como consequĂȘncia, todos seus amigos estavam um ano Ă  frente, e ele se sentia quase tĂŁo solitĂĄrio na escola quanto ecasa, com pais que sĂł ligavam para dança de salĂŁo.

Por fim, depois de quase derrubar uma pilha de livros sobre crimes reais, Ben chegou avaso de planta que havia em um canto.

Rapidamente derramou o que restava da sopa lĂĄ dentro. A planta parecia estar qua

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morta, e se ainda nĂŁo estivesse, a sopa de repolho fria da vovĂł com certeza acabaria com elaDe repente ele ouviu novamente o grasnado do traseiro da avĂł, que retornava da cozinh

entĂŁo correu de volta para a mesa. Ficou ali sentado, tentando parecer o mais inocenpossĂ­vel, com o prato vazio a sua frente e a colher na mĂŁo.

 â€” Terminei a sopa. Obrigado, vovĂł, estava uma delĂ­cia! â€” Que bom — disse a velhinha, arrastando-se de volta atĂ© a mesa onde uma caçaro

estava sobre uma bandeja. — Eu tenho muito mais aqui para vocĂȘ, rapazinho!E, com um sorriso, ela encheu novamente a tigela dele. Ben, aterrorizado, engoliu em sec

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 Revista do Encanador 

— NĂŁo estou conseguindo achar a Revista do Encanador , Raj — disse Ben.Era a sexta-feira seguinte, e o garoto estava revirando a banca do jornaleiro. NĂŁconseguia encontrar sua publicação favorita em lugar nenhum. A revista era dedicada encanadores profissionais, e Ben ficava encantado com pĂĄginas e mais pĂĄginas sobre canotorneiras, caixas de descarga, cisternas, aquecedores, tanques e drenos. A  Revista d

ncanador   era a Ășnica coisa que ele gostava de ler, principalmente porque era cheia dilustraçÔes e diagramas.

Desde que tinha idade o bastante para agarrar coisas, Ben amava coisas de encanament

Enquanto as outras crianças brincavam com patinhos na banheira, ele pedia aos pais pedaçde cano e fazia sistemas complexos de canalização de ĂĄgua. Se uma torneira começava a vazem casa, ele consertava. Se um vaso sanitĂĄrio entupia, Ben nĂŁo ficava com nojo, ficava eĂȘxtase!

Os pais de Ben, porém, não aprovavam esse sonho de ser encanador. Queriam que efosse rico e famoso, e, pelo que sabiam, nunca existiu um encanador rico e famoso. O que Btinha de lento na leitura ele tinha de talentoso em trabalhos manuais, e ficava simplesmenfascinado quando um encanador aparecia na casa deles para consertar algum vazament

Observava-o encantado, assim como um jovem médico ficaria se visse um grande cirurgiãfazer uma operação em um anfiteatro.

Mas ele sempre sentira que era uma decepção para seus pais. Os dois queriadesesperadamente que o menino realizasse o que eles nunca tinham conseguido: tornar-dançarino profissional. Ambos tinham descoberto a paixĂŁo pela dança de salĂŁo tarde demapara se tornarem campeĂ”es de concursos. E, para sermos honestos, eles pareciam preferficar sentados diante da tevĂȘ, em vez de realmente participar das competiçÔes.

Assim, Ben mantinha sua paixĂŁo em segredo. Para evitar magoar os pais, escondia se

exemplares da Revista do Encanador  embaixo da cama. E o menino tinha combinado com Rque toda semana o jornaleiro separasse para ele o novo nĂșmero da revista. Agora, porĂ©m, enĂŁo conseguia encontrĂĄ-la em lugar nenhum.

Ele jĂĄ tinha procurado atrĂĄs da Puro Heavy Metal, da Fofocas do Momento e atĂ© atrĂĄs ulher  (nĂŁo uma mulher de verdade, estou falando da revista Mulher ), mas nada. A banca

Raj era uma bagunça completa, mas as pessoas percorriam quilÎmetros só para comprar aporque ele era extremamente simpåtico e conseguia fazer todos sorrirem.

Raj estava no alto de uma escada colocando a decoração de Natal. Quer dizer, “decoração de Natal” dele era uma faixa de “Feliz Aniversário” com a palavra “Aniversári

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coberta de corretivo branco e “Natal” rabiscado com caneta esferográfica por cima.Raj desceu com cuidado da escada para ajudar Ben em sua busca.

 â€” A Revista do Encanador ... Hum... Deixe-me pensar, vocĂȘ procurou atrĂĄs das balas caramelo?

 â€” Procurei — respondeu Ben. â€” E nĂŁo estĂĄ embaixo dos livros de colorir? â€” NĂŁo. â€” Procurou atrĂĄs das jujubas? â€” Procurei. â€” Puxa, isso Ă© um grande mistĂ©rio. Tenho certeza de que encomendei uma para vocĂȘ, m

ovem. Huuum, um grande mistĂ©rio... — Raj estava falando bem devagar, do jeito que pessoas fazem quando estĂŁo pensando. — Sinto muito, Ben, sei que vocĂȘ adora essa revismas nĂŁo tenho ideia de onde esteja. Eu tenho Ă© uma boa promoção de sorvete Cornetto.

 â€” Estamos no inverno, Raj, estĂĄ congelando lĂĄ fora! — disse Ben. — Quem vai quertomar sorvete nesse tempo?

 â€” Todo mundo, quando souberem da minha oferta especial! Escute sĂł isso: compre vintetrĂȘs Cornettos e ganhe um de graça!

 â€” Mas o que Ă© que eu ia fazer com vinte e quatro sorvetes?! — exclamou Ben, com umrisada.

 â€” HĂŁ... Bem, nĂŁo sei, vocĂȘ podia tomar doze e guardar os outros doze no bolso pasaborear depois.

 â€” É muito sorvete, Raj. Por que vocĂȘ estĂĄ tĂŁo ansioso para se livrar deles?

 â€” O prazo de validade termina amanhĂŁ — explicou o jornaleiro, que se debruçou sobrefreezer, deslizou a porta de vidro e tirou uma caixa de papelĂŁo cheia de Cornettos. Uma nĂ©vcongelante imediatamente tomou conta de toda a banca. — Veja: “Consumir atĂ© 15 dnovembro.”

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Ben examinou a caixa.

 â€” AĂ­ diz “Consumir atĂ© 15 de novembro de 1996”. â€” Pois entĂŁo — disse Raj. — Mais um motivo para fazer essa promoção. Olhe, Ben,minha Ășltima oferta: compre uma caixa de sorvetes e eu lhe dou dez caixas totalmente graça!

 â€” SĂ©rio, Raj, nĂŁo, obrigado.Ben entĂŁo aproveitou para olhar o interior do freezer e ver o que mais podia est

escondido ali. O aparelho nunca tinha sido descongelado, e nĂŁo seria surpresa para o garoencontrar um mamute peludo da Era do Gelo perfeitamente preservado lĂĄ dentro.

 â€” Espere aĂ­, Raj — disse Ben, afastando do caminho alguns Cornettos cobertos de gel— EstĂĄ aqui! A Revista do Encanador ! â€” Ah Ă©, agora lembro — disse Raj. — Botei ela aĂ­ para que ficasse fresquinha para voc â€” Fresquinha? â€” Ora, meu rapaz, a revista chega na terça, e hoje Ă© sexta. EntĂŁo eu a guardei no freez

para que ficasse fresquinha para vocĂȘ. NĂŁo queria que estragasse.Ben nĂŁo sabia como uma revista poderia algum dia estragar, mas agradeceu assim mesmo

 â€” Foi muito legal da sua parte. E eu vou levar tambĂ©m um pacotinho de chocolat

recheados, por favor.

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 â€” Posso lhe oferecer setenta e trĂȘs pacotes de chocolate recheado pelo preço de setentadois! — exclamou o jornaleiro, com um sorriso que supostamente deveria ser convincente.

 â€” NĂŁo, obrigado, Raj. â€” Mil pelo preço de novecentos e noventa e oito? â€” NĂŁo, obrigado. â€” VocĂȘ ficou louco, Ben? É uma promoção e tanto. Tudo bem, tudo bem, vocĂȘ sab

pechinchar, garoto. Um milhão e sete pacotes pelo preço de um milhão e quatro. São trpacotes completamente de graça!

 â€” Vou levar um sĂł e a revista, obrigado. â€” É claro, meu jovem! â€” Mal posso esperar para ler a  Revista do Encanador   mais tarde. Hoje vou ter qu

passar a noite na casa da chata da minha avĂł.Tinha se passado uma semana desde a Ășltima visita de Ben e a temida sexta-feira chega

outra vez. Os pais dele iam ver um “filme meloso”, segundo a mãe. Romance, beijos, esse tipde nojeira. Eca.

 â€” Tsc, tsc, tsc â€” disse Raj, balançando a cabeça enquanto contava o troco.Imediatamente Ben ficou envergonhado. Ele nunca tinha visto o jornaleiro fazer isso ante

Como todos os outros garotos do bairro, Ben via Raj como “um de nós”, não “um deles”. Eera tão cheio de vida e bom humor que parecia viver em um mundo distante de paprofessores e todos os adultos que achavam que podiam dar bronca em meninos como Ben por serem grandes.

 â€” NĂŁo Ă© porque sua avĂł Ă© velha, meu jovem — disse Raj —, que ela tem que ser cha

Eu mesmo jĂĄ estou ficando um pouco velho. E todas as vezes que encontrei sua avĂł, eu a achuma senhora muito interessante. â€” Mas... â€” NĂŁo seja tĂŁo duro com ela — pediu Raj. — Todos vamos ficar velhos um dia. A

vocĂȘ. E aposto que sua avĂł tem um ou dois segredinhos. Todo velho tem...

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4

Mistérios e maravilhas

Ben não tinha tanta certeza de que Raj estava certo sobre sua avó. Aquela noite foi a mesmhistória de sempre. Vovó lhe deu sopa de repolho, seguida de torta de repolho e, sobremesa, uma musse de repolho. Ela conseguira até achar em algum lugar um chocolate cosabor de repolho.* Depois do jantar, Ben e sua avó se sentaram juntos no sofå mofado, comsempre faziam.

 â€” Hora das palavras-cruzadas! — exclamou ela. Maravilha, pensou Ben.  Esta noite vai ser um milhĂŁo de vezes mais chata que a d

semana passada!

Ben detestava palavras-cruzadas. Se pudesse, ele construiria um foguete e mandaria todas revistas de palavras-cruzadas para o espaço. Vovó pegou umas revistinhas velhas empoeiradas da estante da sala e as deixou em cima do pufe.

Ben ficou olhando para os quadradinhos em branco pelo que lhe pareceram décadas, mprovavelmente tinham sido apenas horas, antes de examinar as definiçÔes. Ele jå tin

preenchido (prestando atenção apenas ao nĂșmero de letras das casas):CHATAVELHAGRASNAR (esta atĂ© se encaixava na definição)INÚTILFUTUM (esta tinha uma letra a mais)RUGAS

REPOLHENTAFUGIR SOCORROODEIOESTEJOGOIDIOTA (a avĂł nĂŁo permitiu esta porque obviamente nĂŁo era um

palavra)

Faltava apenas uma palavra. VovĂł tinha acabado de ler: “Itens da coleção do filatelista”Ben simplesmente escreveu “tĂ©dio”.

 â€” Ora, jĂĄ sĂŁo quase oito horas, meu rapaz — anunciou a vovĂł, olhando para seu pequenrelĂłgio de pulso dourado. — Hora de dar boa-noite e ir para a caminha...

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Ben urrou de raiva por dentro. Caminha! Ele nĂŁo era um bebĂȘ. â€” Mas na minha casa eu sĂł vou dormir Ă s nove! — protestou ele. — E sĂł Ă s dez quand

nĂŁo tenho aula no dia seguinte. â€” NĂŁo, Ben, vocĂȘ vai para a cama, por favor. — A velhinha podia ser bastante firm

quando queria. — E nĂŁo se esqueça de escovar os dentes. JĂĄ vou subir para lhe contar umhistĂłria para dormir, se quiser. VocĂȘ sempre adorou ouvir histĂłrias antes de dormir.

* * *

Mais tarde, Ben estava de pĂ© em frente Ă  pia do banheiro. Era um cĂŽmodo Ășmido, frio e seanelas. Alguns azulejos haviam caĂ­do das paredes. Havia apenas uma toalhinha triste e puĂ­

e um sabonete usado que parecia ser metade sabonete, metade mofo.Ben odiava escovar os dentes. Por isso apenas fingiu escovĂĄ-los.

Fingir escovar os dentes Ă© simples. NĂŁo diga a seus pais que contei a vocĂȘ, mas se quisexperimentar, basta seguir este prĂĄtico guia passo a passo:

1) Abra a torneira

2) Molhe a escova de dentes

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3) Coloque um pouquinho de pasta no dedo e enfie o dedo na boca

4) Usando a lĂ­ngua, esfregue essa quantidade ridĂ­cula de pasta por toda a boca

5) Cuspa

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6) Feche a torneira

Viu? É muito fácil. Quase tão fácil quanto escovar os dentes.Ben se olhou no espelho do banheiro. Tinha onze anos, mas era mais baixo do qu

gostaria, então se esticou e ficou um instante na ponta dos pés. Estava louco para ficar mavelho logo.Só mais alguns anos, pensava, e seria mais alto, mais peludo, cheio de espinhas, e su

noites de sexta-feira seriam bem diferentes. NĂŁo precisaria mais ficar na casa da avĂł velha e chata. Em vez disso, poderia fazer tod

as coisas emocionantes que os garotos mais velhos da cidade faziam nas noites de sexta:Sair por aí com os amigos e bater papo em frente à loja de bebidas até serem expulsos p

alguém.

Ou, em vez disso, ficar sentado no ponto de ĂŽnibus mascando chiclete perto de garotcom roupa de ginĂĄstica sem nunca pegar ĂŽnibus algum, na verdade.

Sim, um mundo de mistérios e maravilhas o aguardava.Por enquanto, porém, apesar de ainda estar claro lå fora e ele poder ouvir os garot

ogando futebol no parque ali perto, era hora de ir para a cama. Uma cama pequena e dura eum quartinho frio na casinha velha de sua avĂł. Que fedia a repolho.

E nĂŁo fedia pouco.Era muito.

Com um suspiro, Ben entrou debaixo das cobertas. Nesse instante sua avĂł abriu delicadamente a porta do quarto. Ele fechou os olhos e fing

estar dormindo. Ela se aproximou da cama, e Ben por um momento sentiu sua presença aunto dele.

 â€” Eu ia lhe contar uma histĂłria para dormir — sussurrou ela. Quando ele era menor, esempre lhe contava histĂłrias de piratas, ladrĂ”es e gĂȘnios do crime, mas agora ele estava velhdemais para essas bobagens. — Que pena que vocĂȘ jĂĄ estĂĄ dormindo — disse ela. — Bem, sĂł queria dizer que amo vocĂȘ. Boa noite, meu pequeno Benny.

Ele também odiava que o chamassem de Benny.

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E de “pequeno”.E o pesadelo não terminou por aí: Ben sentiu a avó se curvando para beijá-lo. Os pelo

duros do queixo dela roçaram desconfortavelmente em seu rosto. Depois ele ouviu o ruídfamiliar e ritmado do traseiro dela grasnando a cada passo. Ela foi grasnando até a porta efechou ao sair, prendendo o fedor dentro do quarto.

 JĂĄ chega, pensou Ben. Eu tenho que fugir!

* Chocolates com sabor de repolho nĂŁo sĂŁo tĂŁo gostosos quanto podem parecer. Na verdade, nem parecem muito gostosos.

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5

Um pouco triste

rrrrrrrrrrrrroooonnnnnnnnnc.... pffffffffffiiiiiiisssssssssrrrrrrrrrrrrooooonnnnnccccccc... pffffffffffiiiiiiisssssssss...

 NĂŁo, leitor, vocĂȘ nĂŁo comprou por engano a edição em suaĂ­li deste livro. Esse Ă© o barulpelo qual Ben estava esperando.

O ronco da avĂł.Ela estava dormindo.

 Rrrrrrrrrrrrrrooooonnnnnnnnnc.... pffffffffffiiiiiiisssssssss

rrrrrrrrrrrrooooonnnnnccccccc... pffiiissss...

Ben saiu do quarto Ă s escondidas e foi atĂ© o telefone, no corredor. Era um daquelaparelhos antigos que ronronavam como um gato a cada nĂșmero discado.

 â€” MĂŁe...? — murmurou ele. â€” NÃO ESTOU OUVINDO VOCÊ DIREITO! — gritou ela em resposta. Havia ja

tocando alto ao fundo. Os pais dele tinham ido assistir a  Dançando com Superestrelas a

vivo!  outra vez. Ela devia estar babando por Flavio Flavioli e seu gingado de quadris qudeixava milhares de mulheres jĂĄ de certa idade apaixonadas. — Qual o problema? EstĂĄ tudbem? A velha nĂŁo morreu, nĂ©?

 â€” NĂŁo, ela estĂĄ bem, mas eu odeio ficar aqui. VocĂȘs nĂŁo podem vir me buscar? Por fav— murmurou Ben.

 â€” Flavio ainda nem fez a segunda apresentação. â€” Por favor — implorou ele. — Eu quero ir para casa. A vovĂł Ă© um saco. Ficar com ela

uma tortura. â€” Fale com seu pai.Ben ouviu um som abafado enquanto ela passava o telefone.

 â€” ALÔ? — gritou o pai.

 â€” Por favor, fale baixo! â€” O QUÊ? — gritou ele outra vez. â€” Shhhh. Fale baixo. VocĂȘ vai acordar a vovĂł. VocĂȘs podem vir me buscar? Por favo

Eu odeio ficar aqui. â€” NĂŁo, nĂŁo podemos. Um show desses sĂł se vĂȘ uma vez na vida. â€” Mas vocĂȘs viram na sexta-feira passada! — protestou Ben. â€” Duas vezes na vida, entĂŁo. â€” E vocĂȘs disseram que vĂŁo sexta que vem de novo! â€” Olhe, se continuar a falar comigo nesse tom, rapazinho, vocĂȘ vai ficar com ela atĂ©

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Natal. Tchau!E o pai desligou. Ben recolocou o fone no gancho com cuidado e o aparelho fez um tin

baixinho.De repente, ele percebeu que o ronco da avĂł havia parado.SerĂĄ que ela tinha ouvido o que ele dissera? Ele olhou para trĂĄs e pensou ter visto

sombra dela, mas o vulto logo desapareceu.Era verdade que Ben achava a avĂł insuportavelmente chata, mas nĂŁo queria que e

soubesse disso. Afinal de contas, ela era uma viĂșva solitĂĄria e seu marido havia morrido fazmuito tempo, Ben nem era nascido na Ă©poca. Cheio de remorso, ele voltou de fininho paraquarto e esperou o dia amanhecer. Esperou, esperou, esperou...

* * *

No café da manhã, a vovó parecia diferente.

Mais quieta. Talvez mais velha. Um pouco triste.Seus olhos estavam avermelhados, como se ela tivesse chorado.SerĂĄ que ela ouviu?, pensou Ben. Tomara que nĂŁo tenha escutado, tomara mesmo.

Ela estava de pĂ© junto ao fogĂŁo, e Ben sentado Ă  minĂșscula mesa da cozinha. A vovĂł fingestar ocupada observando seu calendĂĄrio, que estava pregado na parede ao lado do fogĂŁo. Bsabia que ela estava fingindo, pois nĂŁo havia nada de interessante marcado ali.

Aquela era uma semana típica na vida frenética da vovó:

Segunda-feira: Cozinhar sopa de repolho. Fazer palavras-cruzadas. Ler um livro.

Terça-feira: Preparar torta de repolho. Ler outro livro. Soltar pum.

Quarta-feira: Preparar o prato “Surpresa de Chocolate”. A surpresa Ă© que nĂŁo tem nade chocolate na receita. Na verdade Ă© cem por cento repolho.

Quinta-feira: Chupar uma bala de menta o dia inteiro. (Ela conseguia fazer uma pastilhdurar uma eternidade.)

Sexta-feira: Continuar a chupar a mesma bala de menta. Visita do meu neto maravilhoso

SĂĄbado:  Meu neto maravilhoso vai embora. Aproveitar para relaxar um bom tempo n banheiro. Fazendo nĂșmero dois!

Domingo: Comer repolho assado com repolho frito e cozido. Soltar pum o dia inteiro.

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Por fim, vovĂł finalmente tirou os olhos do calendĂĄrio. â€” A mamĂŁe e o papai jĂĄ devem estar chegando — disse ela, quebrando o silĂȘncio. â€” É — concordou Ben, olhando para o relĂłgio de pulso. — SĂł mais alguns minutos.Os minutos pareceram horas. Dias, atĂ©. Meses!Um minuto pode demorar muito a passar. NĂŁo acredita? EntĂŁo se sente sozinho em u

quarto e nĂŁo faça nada alĂ©m de contar atĂ© sessenta.JĂĄ fez essa experiĂȘncia? NĂŁo acredito em vocĂȘ. NĂŁo estou brincando. Quero que vĂĄ lĂĄ

faça isso. NĂŁo vou continuar a histĂłria atĂ© vocĂȘ fazer.Quem estĂĄ perdendo tempo aqui nĂŁo sou eu.Eu tenho o dia inteiro.E aĂ­, jĂĄ terminou? Muito bem. Agora de volta Ă  histĂłria...

* * *

Logo depois das onze o pequeno carro marrom parou em frente Ă  casa. Como o motorisna fuga de um assalto a banco, a mĂŁe de Ben nem desligou o motor. Ela apenas abriu a porpara que Ben entrasse logo e eles pudessem sumir dali.

Ben se dirigiu para o carro e vovĂł ficou parada na porta. â€” NĂŁo quer entrar para tomar uma xĂ­cara de chĂĄ, Linda? — gritou ela. â€” NĂŁo, obrigada — respondeu a mĂŁe de Ben. — RĂĄpido, menino, pelo amor de Deu

entre depressa no carro! — Ela logo acelerou. — Não quero ter que conversar com es

velhota. â€” Shhhh! â€” fez Ben. — Ela vai ouvir vocĂȘ. â€” Achei que vocĂȘ nĂŁo gostasse da vovĂł — disse a mĂŁe. â€” Eu nĂŁo falei isso, mĂŁe. Falei que achava ela chata. Mas nĂŁo quero que ela saiba diss

entendeu?A mĂŁe riu enquanto eles se afastavam rapidamente dali.

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 â€” NĂŁo precisa se preocupar, Ben, sua avĂł nĂŁo estĂĄ muito bem da cabeça mesmo. A maiparte do tempo nem deve entender o que vocĂȘ diz.

Ben fechou a cara. Ele não tinha tanta certeza disso. Não mesmo. Ele se lembrava do rosda avó à mesa do café. De repente, teve a terrível sensação de que ela entendia muito mais dque ele jamais havia imaginado...

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6

Ovo frio e melequento

Aquela noite de sexta tinha tudo para ser tĂŁo incrivelmente chata quanto a Ășltima, mas desvez Ben se lembrou de levar consigo sua revista. Mais uma vez, os pais o largaram na casa davĂł.

Assim que chegou, Ben passou correndo pela velhinha e foi direto para o quarto geladobolorento, onde, de porta fechada, leu o Ășltimo exemplar inteirinho da Revista do Encanado

Havia um guia maravilhoso com um monte de fotos coloridas mostrando como instalar a manova geração de aquecedores híbridos. Ben dobrou o canto da pågina. Agora ele sabia o ququeria de Natal.

Quando terminou, ele suspirou e foi para a sala. Sabia que nĂŁo podia passar a noite inteino quarto.

A avĂł ergueu os olhos e sorriu ao vĂȘ-lo. â€” Hora das palavras-cruzadas! — exclamou ela, animada, a revista nas mĂŁos.

* * *

Na manhĂŁ seguinte, o silĂȘncio pesava no ar.

 â€” Mais um ovo cozido? — perguntou a vovĂł.Os dois estavam sentados na pequena e envelhecida cozinha.Ben nĂŁo gostava de ovo cozido. Nem tinha terminado o primeiro. A avĂł conseguia arruin

atĂ© comidas simples como aquela. O ovo sempre ficava mole demais, e a torrada, preta de tqueimada. Quando a velhinha nĂŁo estava olhando, Ben jogava o ovo pela janela e escondiatorrada atrĂĄs da torradeira. Àquela altura devia haver uma montanha delas ali.

 â€” NĂŁo, obrigado, vovĂł. Estou cheio — respondeu Ben. — O ovo estava delicioso —acrescentou.

 â€” Huuum... — murmurou a velhinha, desconfiada. — EstĂĄ um pouquinho frio, vou colocum casaco — disse, apesar de jĂĄ estar vestindo dois.

E lĂĄ se foi ela, saindo lentamente da cozinha e grasnando pelo caminho.Ben tratou de procurar alguma coisa para comer. Ele sabia que a avĂł tinha um esconderi

secreto cheio de biscoitos de chocolate na prateleira mais alta. Ela sempre lhe dava um no ddo aniversårio dele. Ben também pegava um por conta própria às vezes, quando os quitutes drepolho da avó o deixavam faminto.

Então ele rapidamente empurrou a cadeira para perto do armårio e subiu para alcançar obiscoitos. Pegou a lata comemorativa dos 25 anos de coroação da rainha Elizabeth II, e

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1977, que tinha na tampa um retrato arranhado e esmaecido da monarca. A lata parecia muipesada. Bem mais que o normal.

Estranho.Ben a sacudiu. NĂŁo parecia estar cheia de biscoitos, era como se tivesse pedras ou bol

de gude.Ainda mais estranho.Ele abriu a tampa.

 E olhou lĂĄ dentro.E continuou olhando.Ele nĂŁo podia acreditar no que via. Diamantes! AnĂ©is, pulseiras, colares, brincos, tud

com enormes e brilhantes diamantes. Diamantes e mais diamantes!Ben nĂŁo era especialista, mas achou que devia haver milhares de libras em joias dentro

lata de biscoito, talvez milhÔes.De repente ouviu a avó e seu grasnar voltando à cozinha. Botou a tampa de volta na lata

qualquer jeito e a lata, na prateleira. Pulou para o chão, arrastou a cadeira até o lugar e sentou à mesa.

Ao olhar para a janela, percebeu que o ovo que tinha arremessado não chegara até ardim, mas se espatifara no vidro. Se aquilo secasse, a vovó ia precisar de um maçarico pa

arrancar a crosta que se formaria. Então ele correu até a janela e lambeu o ovo frio

melequento do vidro e voltou para o lugar. Era repugnante demais para engolir, por isso, e

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pùnico, Ben ficou com aquilo na boca.Vovó chegou arrastando os pés e usando seu terceiro casaco. Sem nunca parar de grasnar

 â€” É melhor vestir um agasalho, rapazinho. A mamĂŁe e o papai vĂŁo chegar a qualquinstante — disse ela com um sorriso.

Ben relutantemente engoliu o ovo frio e melequento, que escorregou por sua garganta. Ec

eca, eca demaaaais. â€” Claro — disse ele, temendo vomitar o ovo de volta na janela.Ovo mexido.

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7

Sacos de esterco

— Posso ficar na casa da vovó de novo hoje de noite? — perguntou Ben, do banco de trás dpequeno carro marrom de seus pais.

Os diamantes que ele encontrara na lata de biscoitos eram um grande enigma, e ele estavlouco para investigar. Talvez até procurar em cada canto, cada fresta da casa da velhinhAquilo tudo era um grande mistério! Bem que Raj tinha dito que a avó de Ben podia escondum ou dois segredos. Parecia que o jornaleiro tinha razão! E, fosse qual fosse o segredo deldevia ser algo bem surpreendente para explicar todos aqueles diamantes. Serå que ela jå fouma zilionåria? Ou serå que havia trabalhado em uma mina de diamantes? Ou aquilo tudo serum presente que recebera de alguma princesa? Ben mal podia esperar para descobrir.

 â€” O quĂȘ? — perguntou o pai, atĂŽnito. â€” Mas vocĂȘ disse que ela Ă© chata — falou a mĂŁe, igualmente atĂŽnita, atĂ© um pou

irritada. — Que todos os velhos sĂŁo chatos. â€” Eu sĂł estava brincando — disse Ben.

O pai o observou pelo espelho retrovisor. Ele jĂĄ achava bem difĂ­cil entender o filhoaquela obsessĂŁo por encanamento. Mas, naquele momento, o que Ben estava dizendsimplesmente nĂŁo fazia sentido algum.

 â€” Hum... ora, se vocĂȘ tem certeza, Ben... â€” Tenho certeza, pai. â€” Vou ligar para ela quando chegarmos em casa. SĂł para confirmar que ela nĂŁo vai sair. â€” Sair! — zombou a mĂŁe. — A pobre da velha nĂŁo sai de casa hĂĄ vinte anos! —

acrescentou, com uma risadinha.

Ben nĂŁo conseguia ver o que aquilo tinha de engraçado. â€” Eu a levei ao centro de jardinagem aquela vez — protestou o pai. â€” SĂł porque vocĂȘ precisava de alguĂ©m para ajudar a carregar um monte de sacos

esterco — retrucou a mĂŁe. â€” Mas ela se divertiu Ă  beça com o passeio — disse o pai, parecendo ofendido.

* * *

Mais tarde, sentado sozinho em sua cama, Ben sentia que sua mente estava a mil.

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Onde serĂĄ que a vovĂł pode ter arranjado aqueles diamantes?

Quanto serĂĄ que valem?

 Por que ela mora naquela casinha deprimente se Ă© tĂŁo rica?

Ben vasculhou a própria cabeça em busca de uma resposta, mas não achou nenhuma.Então o pai dele entrou no quarto.

 â€” A vovĂł jĂĄ tem um compromisso. Disse que ia adorar ver vocĂȘ, mas vai sair esta noi— anunciou ele.

 â€” O quĂȘ?! — exclamou Ben, praticamente gaguejando de surpresa.A vovĂł quase nunca saĂ­a de casa. Ben tinha visto no calendĂĄrio dela. O mistĂ©rio estav

ficando cada vez mais misterioso...

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8

Uma pequena peruca no pote

Ben se escondeu nas moitas que ficavam em frente ao chalĂ© da avĂł. Enquanto os pais estavalĂĄ embaixo na sala assistindo a  Dançando com Superestrelas, ele descera pela calha qupassava pela janela de seu quarto e pedalara os oito quilĂŽmetros atĂ© a rua da avĂł.

Só isso jå mostrava como Ben tinha ficado curioso em relação à velhinha. Ele não gostavde andar de bicicleta. Seus pais viviam tentando incentivå-lo a fazer mais exercícios. Diziaque estar em forma era um requisito primordial para quem quisesse ser dançarino profissionaMas como não fazia muita diferença para alguém deitado embaixo de uma pia instalando upedaço novo de cano de cobre, Ben nunca tinha feito nenhum exercício por vontade própria.

Até agora.Se a vovó ia mesmo sair pela primeira vez em vinte anos, Ben tinha que saber aonde e

ia. Isso podia ser a chave do mistério, a explicação para aquele monte de diamantes que eencontrara na lata de biscoitos.

Por isso o menino agora bufava e ofegava em sua bicicleta velha e barulhenta, pedalandao longo da margem do canal atĂ© chegar a Grey Close. A Ășnica coisa boa era que, como equase inverno, Ben tinha apenas uma leve camada de suor, em vez de estar totalmenencharcado.

Ele foi depressa porque sabia que nĂŁo tinha muito tempo. O  Dançando com Superestrelparecia durar horas, atĂ© mesmo dias, mas Ben levara meia hora sĂł para chegar Ă  casa da ave assim que o programa terminasse a mĂŁe ia chamĂĄ-lo para lanchar. Os pais dele adoravatodos os programas de dança que passavam na tevĂȘ — como Dançando no Gelo e VocĂȘ Ach

esmo que Sabe Dançar?  —, mas eram completamente obcecados pelo  Dançando co

Superestrelas. Gravavam todos os episódios e tinham uma insuperåvel coleção de lembrançdo programa, incluindo:

 

‱ Uma sunguinha verde-limão usada por Flavio Flavioli, emoldurada junto com uma fodele vestindo a tal peça.

‱ Um marcador de livros em autĂȘntica imitação de couro, exclusivo do  Dançando co

Superestrelas.

‱ Uma espĂ©cie de talco para pĂ© de atleta, o frasco autografado pela parceira de danç profissional de Flavio, a bela austrĂ­aca Eva Bunz.‱ As polainas oficiais de Flavio Flavioli e Eva Bunz.‱ Um CD com mĂșsicas que quase foram incluĂ­das no programa.

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‱ Uma pequena peruca guardada em um pote, que tinha sido usada pelo apresentador, SDirk Doddery.

‱ Uma foto em tamanho real de Flavio Flavioli, daquelas impressas em papelão, coalgumas marcas do batom da mãe de Ben na altura da boca.

‱ Um pouco de cera de ouvido em um vidrinho, que pertencera a uma concorrente famosa,

excelentíssima parlamentar Raquel Preconceito.‱ Uma meia-calça com o cheiro de Eva Bunz.‱ O desenho do bumbum de um homem, rabiscado em um guardanapo pelo juiz malvadCraig Malteser-Woodward.

‱ Um saleiro oficial do Dançando com Superestrelas.

‱ Um frasco de desodorante pela metade, usado por Flavio Flavioli.‱ Um boneco articulável de Craig Malteser-Woodward.‱ Um pedaço da borda de uma pizza havaiana deixado por Flavio Flavioli (com uma carta autenticação de Eva Bunz).

Era sĂĄbado, entĂŁo depois que o programa terminasse a famĂ­lia iria jantar chilli  colinguiça. Nem a mĂŁe nem o pai dele sabiam cozinhar, mas de todas as comidas prontas quemĂŁe tirava do freezer, espetava com um garfo e botava por trĂȘs minutos no micro-ondas, esera a preferida de Ben. Ele estava com fome e nĂŁo queria perder a refeição, o que significavque nĂŁo podia demorar muito na casa da avĂł. Se fosse uma noite de segunda-feira, p

exemplo, e eles fossem comer lasanha de guacamole, ou uma quarta-feira com pizza de keba

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ou um domingo com yakissoba de feijoada,* Ben nĂŁo se importaria tanto.

* * *

A noite começava a cair. Sendo final de novembro e, portanto, o início do inverno, estavficando mais frio e mais escuro rapidamente, e Ben tremia no meio dos arbustos enquan

espionava a avĂł. Aonde serĂĄ que ela vai?, pensou ele. Ela quase nunca sai.Ele viu um vulto no interior da casa. EntĂŁo o rosto dela apareceu Ă  janela e Brapidamente se escondeu. As moitas farfalharam.  Psssh!, pensou Ben. SerĂĄ que a velhinhavira?

Após alguns instantes, a porta da frente se abriu lentamente e de lå saiu uma figura todvestida de preto: moletom preto, calça legging preta, luvas pretas, meias pretaprovavelmente até sutiã e calcinha pretos. Uma touca ninja preta ocultava seu rosto, mas, peandar, Ben reconheceu a avó. Parecia um personagem saído das capas dos livros que e

adorava ler. Vovó então subiu em seu carrinho elétrico e partiu.Aonde é que ela estava indo?E, ainda mais importante: por que estava vestida como uma ninja?Ben escondeu a bicicleta nos arbustos e se preparou para seguir a própria avó.Coisa que nem em um milhão de anos ele teria sonhado em fazer.Como uma aranha tentando rastejar incólume por um banheiro, a vovó seguia no carrinh

mantendo-se sempre junto dos muros. Ben a seguia a pé, o mais silenciosamente quconseguia. Não era muito difícil acompanhå-la, pois a velocidade måxima de seu veículo e

de seis quilÎmetros por hora. Lå seguia ela pela rua, zunindo no carrinho elétrico, quando drepente olhou para trås como se tivesse ouvido alguma coisa. Ben pulou para trås de umårvore.

Ele esperou, prendendo a respiração. Nada.ApĂłs alguns instantes, ele espichou a cabeça de trĂĄs do tronco e viu que a avĂł tinh

chegado ao final da rua. Ele continuou a perseguição.Logo se aproximaram da rua principal, que estava praticamente deserta. Como era iníc

da noite, todas as lojas jĂĄ tinham fechado e os bares e restaurantes ainda nĂŁo tinham abertEvitando as luzes da rua e se escondendo junto Ă s portas e marquises, a vovĂł se aproximou seu destino.

Ben levou um susto quando viu onde ela estacionou.Em frente Ă  joalheria.

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Colares, anéis e relógios reluziam na vitrine. Ben não pÎde acreditar nos próprios olhquando viu a avó pegar uma lata de sopa de repolho da cestinha do carrinho. Ela olhou aredor de modo teatral e então levantou o braço, prestes a lançar a lata para quebrar a vitrinda joalheria.

 â€” NĂŁĂŁĂŁoooo! — gritou Ben.Ela largou a lata, que se arrebentou no chĂŁo, espalhando sopa pela calçada.

 â€” Ben? — sussurrou a avĂł. — O que estĂĄ fazendo aqui?

* A rede de supermercados em que o pai de Ben trabalhava gostava de misturar a culinĂĄria de dois paĂ­ses em um sĂł producongelado. Ao combinar pratos de paĂ­ses diferentes, talvez conseguissem levar a paz a um mundo dividido. Ou nĂŁo.

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9

A Gata Negra

Ben olhava fixamente para a avĂł parada diante da joalheria, toda de preto. â€” Ben? — repetiu ela. — Por que estĂĄ me seguindo? â€” Eu sĂł... eu... — Ben ficara tĂŁo chocado que nĂŁo conseguia formar uma frase. â€” Bom — disse ela —, seja lĂĄ o que vocĂȘ esteja fazendo aqui, deve ter chamado

atenção dos tiras, e eles vão chegar a qualquer momento. É melhor darmos o fora. Rápidsuba.

 â€” Mas eu nĂŁo posso... â€” Ben! Temos menos de trinta segundos atĂ© a cĂąmera de segurança nos filmar. — E e

apontou para uma cùmera presa à parede de um prédio residencial perto da loja.Ben subiu na garupa do carrinho elétrico.

 â€” A senhora sabe de quanto em quanto tempo as cĂąmeras de segurança gravam imagens? — perguntou ele.

 â€” Ah — disse a vovĂł. — VocĂȘ ficaria surpreso com as coisas que eu sei.Ben olhava para as costas da velhinha enquanto ela dirigia. Ele tinha acabado de vĂȘ-

prestes a roubar uma joalheria, como poderia ficar mais surpreso? Com certeza a avĂł tinha ulado que ele jamais conhecera.

 â€” Segure-se — disse ela. — Vou acelerar.Ela girou com violĂȘncia o acelerador no guidĂŁo do veĂ­culo, e Ben nĂŁo perceb

absolutamente nenhuma mudança. Seguiram com aquele ruído constante pela escuridão,cerca de quatro quilÎmetros por hora por conta do peso extra.

* * *

— Gata Negra? — repetiu Ben.Finalmente eles estavam de volta ao chalĂ©. Ela tinha feito chĂĄ e servido alguns biscoito

de chocolate. â€” É, era assim que me chamavam — respondeu ela. — Eu era a ladra de joias ma

procurada do mundo.A cabeça de Ben estava explodindo com um milhĂŁo de perguntas. Por quĂȘ? Onde? Quem

O quĂȘ? Quando? Ele nĂŁo conseguia decidir o que perguntar primeiro. â€” NinguĂ©m mais sabe disso alĂ©m de vocĂȘ, Ben — prosseguiu a vovĂł. — AtĂ© seu avĂŽ f

para o tĂșmulo sem desconfiar de nada. VocĂȘ consegue guardar segredo? Tem que jurar que ncontarĂĄ a ninguĂ©m.

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 â€” Mas...A expressĂŁo dela pareceu sĂ©ria e dura por um instante. Seus olhos se estreitaram e ficara

sombrios, como uma cobra prestes a dar o bote. â€” VocĂȘ tem que jurar — disse ela, com uma intensidade que Ben nunca vira. — NĂł

criminosos, levamos nossos juramentos muito a sério. Muito a sério mesmo.Ben engoliu em seco, com um pouco de medo.

 â€” Juro que nĂŁo vou contar a ninguĂ©m. â€” Nem mesmo aos seus pais! — vociferou a vovĂł, quase cuspindo a dentadura. â€” Eu jĂĄ disse que nĂŁo vou contar a ninguĂ©m — retrucou Ben, tambĂ©m com rispidez.Ben tinha aprendido sobre conjuntos na escola havia pouco tempo. Ele jurara nĂŁo contar

ninguém do conjunto A, que incluía todas as pessoas do mundo, e o conjunto B, os pais deestava obviamente contido em A, era um subconjunto, então na verdade não havia necessidade sua avó ter lhe pedido que jurasse uma segunda vez.

DĂȘ sĂł uma olhada neste diagrama Ăștil:

Mas Ben duvidava de que a avĂł estivesse interessada em conjuntos naquele instantComo ela ainda o estava encarando com aqueles olhos assustadores, ele apenas deu ususpiro e disse:

 â€” Certo, juro que nĂŁo conto nem para os meus pais.

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 â€” Bom garoto — disse a vovĂł no momento em que seu aparelho auditivo começouapitar.

 â€” HĂŁ... com uma condição — arriscou Ben. â€” Que condição? — perguntou ela, parecendo um pouco surpresa com a ousadia dele. â€” A senhora tem que me contar tudo...

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10

Tudo

— Eu tinha mais ou menos sua idade quando roubei meu primeiro anel de diamantes —começou a vovó.Ben ficou chocado, em parte com a ideia de a avó um dia ter tido a idade dele, o qu

parecia impossĂ­vel, em parte pelo Ăłbvio fato de que meninas de onze anos nĂŁo costumaroubar diamantes. Talvez canetas de purpurina, prendedores de cabelo ou pĂŽneis de pelĂșcimas nunca diamantes.

 â€” Sei que vocĂȘ olha para mim, com minhas revistinhas de palavras-cruzadas, meu tricĂŽminha predileção por repolho, e acha que eu nĂŁo passo de uma velha chata...

 â€” NĂŁo... — disse Ben, de modo nĂŁo muito convincente. â€” Mas vocĂȘ esquece, meu querido, que eu jĂĄ fui jovem. â€” Como era o primeiro anel que a senhora roubou? — perguntou Ben, cheio

curiosidade. — Tinha um diamante muito grande?A avó riu.

 â€” NĂŁo tĂŁo grande! Afinal, foi o meu primeiro. Eu ainda devo tĂȘ-lo em algum lugar. VĂĄ aa cozinha por favor, Ben, e pegue a caixa de biscoitos da rainha Elizabeth II.

Ben encolheu os ombros como se nĂŁo soubesse nada sobre a lata e seu conteĂșd

inacreditĂĄvel. â€” Onde fica, vovĂł? — perguntou ele, saindo da sala. â€” No topo do armĂĄrio, rapazinho! — gritou a avĂł. — Depressa. O papai e a mamĂŁe daq

a pouco vĂŁo querer saber onde vocĂȘ se meteu.Ben entĂŁo lembrou que o plano era correr para casa e comer chilli com linguiça. Mas

repente isso pareceu absolutamente irrelevante. Ele nem estava mais com fome.Ben voltou Ă  sala com a lata nas mĂŁos. Ele nĂŁo se lembrava dela assim, tĂŁo pesad

Entregou-a Ă  avĂł.

 â€” Bom menino — disse ela enquanto remexia dentro da lata e retirava um pequesolitĂĄrio especialmente bonito. — Ah, sim, Ă© este!

Para Ben, todos os anéis de diamante pareciam praticamente iguais. Entretanto, a avparecia conhecer cada um deles como se fossem velhos amigos.

 â€” Que belezinha — disse ela, aproximando o anel dos olhos para examinĂĄ-lo de perto. —Este foi o primeiro que roubei, quando ainda era uma menina.

Ben nĂŁo conseguia imaginar a avĂł jovem. Ele sempre a conhecera como uma senhora didade. Chegara a pensar na possibilidade de ela jĂĄ ter nascido velha. Como se muitos anoantes, no hospital, quando a mĂŁe dela deu Ă  luz e perguntou Ă  enfermeira se era menino

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menina, a parteira tivesse respondido: “É uma velhinha!”

 â€” Eu nasci em uma cidade pequena e minha famĂ­lia era muito pobre — continuou a av

— E bem no alto do morro havia um palacete enorme onde morava o casal de nobres lordelady Davenport. Foi logo depois da guerra, naquela Ă©poca nĂŁo tĂ­nhamos muito o que comer. Eestava faminta, entĂŁo certa noite, Ă  meia-noite, quando todo mundo estava dormindo, sescondida da casinha humilde dos meus pais. Protegida pela escuridĂŁo, atravessei o bosquefui atĂ© a MansĂŁo Davenport.

 â€” A senhora nĂŁo ficou com medo? — perguntou Ben. â€” Claro que fiquei. Estar ali sozinha no meio da mata e Ă  noite foi apavorante. Havia cĂŁ

de guarda na casa, dobermanns pretos enormes. EntĂŁo, fazendo o mĂ­nimo de barulho possĂ­vsubi pela calha e encontrei uma janela destrancada. Eu era uma menina muito pequena paraminha idade. EntĂŁo consegui me espremer por uma fresta na janela e fiquei atrĂĄs de umcortina de veludo. Quando afastei a cortina um pouco, vi que estava no quarto de lorde e ladDavenport.

 â€” Ah, nĂŁo! — exclamou Ben. â€” Ah, sim — prosseguiu a velhinha. — Minha ideia era sĂł pegar um pouco de comid

talvez, mas foi entĂŁo que vi ao lado da cama essa pequena belezura.

Ela apontou para o anel. â€” EntĂŁo a senhora foi lĂĄ e pegou?

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 â€” Ser uma ladra de joias de renome internacional nĂŁo Ă© tĂŁo simples assim, meu rapaz —disse a vovĂł. — Os donos da casa estavam roncando alto, mas se eu os acordasse, seria mefim. O lorde sempre dormia com uma espingarda ao lado da cama.

 â€” Uma espingarda? â€” É, ele era chique, e, como era chique, gostava de caçar faisĂ”es, entĂŁo tinha muit

armas.Ben suava de nervoso.

 â€” Mas ele nĂŁo acordou e tentou atirar na senhora, tentou? â€” Seja paciente, querido. Tudo em sua hora. Fui de fininho atĂ© o lado de lady Davenpo

da cama e peguei o anel de diamante. NĂŁo podia acreditar em como era bonito. Nunca tinhvisto um desses tĂŁo de perto. Minha mĂŁe nunca poderia nem sonhar em ter um. “NĂŁo precisde joias”, dizia ela para nĂłs, seus filhos. “VocĂȘs sĂŁo meus pequenos diamantes.” Eu fiquei uinstante olhando maravilhada para aquela pedra na minha mĂŁo. Era a coisa mais linda que ĂĄ tinha visto na vida. EntĂŁo, de repente, ouvi um barulho enorme.

Ben fez uma expressĂŁo preocupada. â€” O que aconteceu? â€” Lorde Davenport era um gordo ganancioso. Devia ter comido demais no jantar, porq

soltou o maior arroto do mundo!Ben e a vovó riram. Ele sabia que arrotos não eram para ser engraçados, mas n

conseguiu segurar o riso. â€” Foi tĂŁo alto! — disse a vovĂł, ainda rindo. —

BBBBBBBÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃRRRRRPP— imitou ela.Ben estava morrendo de rir agora.

 â€” Foi tĂŁo alto — continuou a vovĂł —, que levei um susto e deixei o anel cair no pireluzente de madeira. Quando bateu no chĂŁo, fez um barulho alto que acordou os dois, lordelady Davenport.

 â€” Ah, nĂŁo! â€” Ah, sim! EntĂŁo peguei o anel e saĂ­ correndo para a janela aberta. NĂŁo ousei olhar pa

trås, pois podia ouvir lorde Davenport engatilhando a espingarda. Pulei e aterrissei na grame de repente todas as luzes da casa se acenderam e os cães começaram a latir. Eu estavcorrendo para salvar minha vida, então ouvi um som ensurdecedor...

 â€” Outro arroto? — perguntou Ben. â€” NĂŁo, dessa vez foi um tiro. Lorde Davenport estava atirando em mim enquanto

descia o morro na direção da mata. â€” E entĂŁo, o que aconteceu?A avĂł olhou para seu relĂłgio de pulso dourado.

 â€” Meu querido, Ă© melhor vocĂȘ voltar para casa. A mamĂŁe e o papai devem estar doid

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de preocupação. â€” Duvido — disse Ben. — Os dois sĂł ligam para aquela dança de salĂŁo idiota. â€” Isso nĂŁo Ă© verdade — disse ela inesperadamente. — VocĂȘ sabe que eles amam vocĂȘ. â€” Eu quero saber o fim da histĂłria — disse Ben, frustrado.Ele estava desesperado para saber o que tinha acontecido em seguida.

 â€” VocĂȘ vai saber, mas outro dia. â€” Mas vovĂł... â€” Ben, vocĂȘ tem que ir para casa. â€” Isso nĂŁo Ă© justo! â€” Ben, Ă© melhor vocĂȘ ir embora agora. Posso lhe contar o que aconteceu na prĂłxima v

que vier aqui. â€” MAS! â€” Continuamos na semana que vem — disse ela.

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11

Chilli com linguiça

Ben correu para casa em sua bicicleta, sem sequer perceber a queimação nas pernas e a dor npeito. Estava indo tão råpido que achou que podia ser multado por excesso de velocidade. Smente girava tanto quanto as rodas.

SerĂĄ que aquela vovozinha velha e chata podia mesmo ser uma criminosa?!

Uma vovĂł vigarista?!

 Devia ser por isso que ela gostava tanto de ler histĂłrias sobre o mundo do crime

Porque ela fazia parte dele!

Ele entrou furtivamente pela porta dos fundos no momento em que a familiar mĂșsica

Dançando com Superestrelas tocava em alto e bom som na sala. Tinha chegado bem a tempoMas justo quando estava prestes a subir as escadas e fingir que tinha passado todo aque

tempo no quarto fazendo o dever de casa, sua mĂŁe surgiu de repente na cozinha. â€” O que estĂĄ fazendo? — perguntou ela, desconfiada. — VocĂȘ estĂĄ todo suado. â€” Ah, nada — disse Ben, se sentindo todo suado. â€” Olhe sĂł para vocĂȘ — continuou ela, aproximando-se dele. — EstĂĄ suando como u

porco.Ben tinha visto pouquĂ­ssimos porcos na vida e nenhum deles estava suando. Na verdad

se vocĂȘ for perguntar, todas as pessoas que entendem de porcos lhe dirĂŁo que eles nĂŁo tĂȘglĂąndulas sudorĂ­paras, portanto nĂŁo podem suar.

 Nossa, como este livro Ă© educativo! â€” Eu nĂŁo estou suando — protestou Ben.Ser acusado de suar o fazia suar ainda mais.

 â€” VocĂȘ estĂĄ suando. Estava correndo lĂĄ fora? â€” NĂŁo — respondeu um Ben cada vez mais suado. â€” Ben, nĂŁo minta para mim, eu sou sua mĂŁe — disse ela, apontando para si mesma, o q

fez uma unha postiça ser lançada ao ar.As unhas postiças da mĂŁe caĂ­am com frequĂȘncia. Certa vez, Ben encontrara uma dentro d

sua paella Ă  bolonhesa congelada. â€” Se nĂŁo estava correndo lĂĄ fora, entĂŁo por que estĂĄ todo suado?Ben tinha que pensar rĂĄpido. O tema de Dançando com Superestrelas chegava ao fim.

 â€” Eu estava dançando! — disse sem pensar muito. â€” Dançando?A mĂŁe nĂŁo parecia convencida. Ben nĂŁo era nenhum Flavio Flavioli. E era Ăłbvio que e

odiava dança de salão.

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 â€” É, sabe, mudei de ideia sobre a dança de salĂŁo. Agora eu adoro isso! â€” Mas vocĂȘ disse que detestava — retrucou a mĂŁe, cada vez mais desconfiada. —

Muitas, mas muitas vezes. Semana passada mesmo vocĂȘ disse que preferia comer a prĂłprmeleca a assistir a essa bobagem. Ouvir vocĂȘ dizer isso foi como uma punhalada em mcoração!

Ela estava ficando visivelmente perturbada com a lembrança. â€” Ah, mĂŁe, sinto muito. — Ben estendeu a mĂŁo para confortĂĄ-la, e outra unha postiça ca

no chĂŁo. — Mas agora eu adoro, de verdade. Eu estava vendo a Dança por uma fresta na pore tentando imitar todos os passos.

Ela ficou toda orgulhosa. Parecia que agora sua vida inteira de repente fazia sentido. Srosto ficou estranhamente feliz, mas ao mesmo tempo triste, como se aquilo fosse obra ddestino.

 â€” VocĂȘ quer ser um... — ela respirou fundo — ...Dançarino profissional? â€” CadĂȘ meu chilli com linguiça, mulher?! — gritou o pai lĂĄ da sala. â€” NĂŁo encha o saco, Pete! — Dos olhos da mĂŁe jorravam lĂĄgrimas de alegria.Ela nĂŁo chorava tanto desde a edição anterior do programa, quando Flavio fora eliminad

na segunda semana. Ele tivera que aceitar como parceira de dança a ilustríssima RachPreconceito, que era tão baixinha e gorducha que o måximo que ele conseguia fazer earrastå-la de um lado para o outro do salão.

 â€” Bem... hĂŁ... Ă©... — Ben procurava desesperadamente um jeito de escapar daquilo. —Sim.

Essa resposta, sem dĂșvida, nĂŁo foi um deles.

 â€” Uau! Eu sabia! — exclamou a mĂŁe. — Pete, venha aqui um instante. Ben precisa lcontar uma coisa.O pai foi arrastando os pĂ©s e com ar de enfado.

 â€” O que Ă©, Ben? NĂŁo estĂĄ pretendendo entrar para o circo, estĂĄ? Meu Deus, como voestĂĄ suado!

 â€” NĂŁo, Pete — disse a mĂŁe, lenta e deliberadamente, como se estivesse prestes a lernome do vencedor em uma competição. — Ben nĂŁo quer mais ser um bobo de um encanador.

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 â€” Graças a Deus — disse o pai. â€” Ele quer ser... — Ela olhou para o filho. — Conte a ele, Ben.

Ben abriu a boca, mas antes que pudesse dizer qualquer coisa, sua mĂŁe falou a novidade: â€” Ele quer ser dançarino profissional! â€” Deus Ă© pai! — exclamou o pai, que olhou para o teto encardido de nicotina como

pudesse captar um vislumbre do espĂ­rito divino. â€” Ele estava ensaiando na cozinha — continuou ela, toda empolgada. — Copiando tod

os passos do programa...O pai olhou nos olhos de Ben e apertou a mĂŁo do menino com vigor.

 â€” Que notĂ­cia maravilhosa, meu garoto! Sua mĂŁe e eu nĂŁo conquistamos muita coisa

vida, ela como manicure e... â€” Sou uma tĂ©cnica em unhas, Pete! — corrigiu ela, com desprezo. — HĂĄ uma diferen

enorme, vocĂȘ sabe que... â€” TĂ©cnica em unhas, desculpe. E eu sou apenas um segurança velho e chato porque e

gordo demais para ser policial. A coisa mais empolgante que jĂĄ aconteceu no trabalho fquando impedi que um cadeirante fugisse da loja com uma lata de chantilly escondida embaixda manta que cobria suas pernas. Mas vocĂȘ virar um dançarino profissional, ora... isso... isĂ© a melhor coisa que jĂĄ aconteceu a nĂłs dois.

 â€” Sem dĂșvida!

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 â€” Sem a menor sombra de dĂșvida — concordou o pai. â€” SĂ©rio, sem nem uma minĂșscula sombrinha da menor dĂșvida — insistiu a mĂŁe. â€” Bem, acho que jĂĄ entendemos que Ă© uma Ăłtima notĂ­cia — disse o pai, irritado. — M

ĂĄ vou lhe avisando, garoto, isso nĂŁo vai ser fĂĄcil. Se vocĂȘ ensaiar oito horas todo santo dpelos prĂłximos vinte anos, poderĂĄ atĂ© entrar para um programa de tevĂȘ.

 â€” Talvez ele possa participar da versĂŁo americana! — exclamou a mĂŁe. — Ah, Peimagine sĂł: nosso filho, um grande astro americano!

 â€” Bem, nĂŁo vamos botar o carro na frente dos bois, mulher. Ele ainda nem ganhouedição britĂąnica. Agora temos que pensar em inscrevĂȘ-lo em uma competição infantil.

 â€” Tem razĂŁo, Pete. Elza me disse que vai ter uma na sede da prefeitura pouco antes dNatal.

 â€” Abra a garrafa de espumante, Linda! Nosso filho vai ser o can-can can- peĂŁo!Um palavrĂŁo explodiu na cabeça de Ben.Como Ă© que ele ia escapar dessa?!

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12

ExplosĂŁo de Amor 

Ben passou a manhã inteira de domingo em função da mãe, que estava tirando as medidas depara um figurino de dança. Ela tinha passado a noite em claro desenhando alguns esboços.Sob pressão, ele foi forçado a escolher um, então apenas apontou desanimado para o qu

achou menos horroroso.As opçÔes desenhadas pela mãe iam do vergonhoso ao humilhante...

Havia:

A Floresta

O Coquetel de Frutas

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Raios e TrovÔes

Acidente e EmergĂȘncia

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Frescor Tropical

A Moita e o Texugo

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A Caixa de Bombons

Ovos e Bacon

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Confete

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O Mundo Submarino

Chamas da PaixĂŁo

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Queijo com Cebola

O Sistema Solar 

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O Pianista

E a que Ben achou menos pior... foi a “ExplosĂŁo de Amor”:

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 â€” Temos que encontrar uma bela garota para ser seu par no concurso! — disse a mĂŁtoda empolgada, ao mesmo tempo em que, sem querer, prendia uma das unhas postiças nmĂĄquina de costura, fazendo-a se soltar com um estalo.

Ben não tinha pensado na questão da parceira de dança. Não apenas ele teria que dançacomo teria que dançar com uma menina! E não uma menina qualquer, mas uma meninrevoltantemente precoce, cheia de purpurina e bronzeada demais, vestida com roupa de balécheia de maquiagem.

Ben ainda estava na idade em que achava as garotas tĂŁo repulsivas quanto um sapo coberde ovas gosmentas.

 â€” Ah, eu posso dançar sozinho mesmo — gaguejou ele. â€” Um nĂșmero solo! — exclamou a mĂŁe. — Que original! â€” AliĂĄs, nĂŁo posso ficar aqui conversando o dia inteiro. É melhor eu começar a ensai

— disse Ben, já subindo para o quarto.Chegando lá ele fechou a porta, ligou o rádio, pulou pela janela, pegou a bicicleta e f

correndo para a casa da avĂł.

* * *

— Então a senhora estava fugindo para a mata quando lorde Davenport começou a atirar... —disse Ben, ansioso, insistindo para que a avó continuasse a história.

Mas a mente dela parecia vazia. â€” Eu estava? — perguntou a vovĂł, ficando cada vez mais intrigada e confusa.

 â€” Foi aĂ­ que a histĂłria parou ontem Ă  noite. A senhora disse que pegou o anel no quardos Davenport e estava atravessando o jardim correndo quando ouviu tiros...

 â€” Ah, sim, sim — balbuciou a vovĂł, o rosto se iluminando de repente.Ben abriu um largo sorriso. Ele se lembrou de que antes, quando era menor, adorava que

avĂł lhe contasse histĂłrias que o transportavam para um mundo mĂĄgico. Um mundo em que imagens criadas em sua mente eram mais emocionantes do que qualquer filme, programa dtevĂȘ ou jogo de videogame.

Apenas algumas semanas antes ele fingira estar dormindo para que ela nĂŁo lhe contas

uma histĂłria. Com certeza ele havia se esquecido de como elas podiam ser emocionantes. â€” Eu estava correndo para caramba — continuou a avĂł, quase sem fĂŽlego, como

estivesse correndo de verdade — quando ouvi um tiro. Depois outro. Percebi, pelo som, quera um tiro de espingarda, não de rifle...

 â€” Qual a diferença? — perguntou Ben. â€” Bem, um rifle atira uma bala de cada vez e possui uma precisĂŁo maior. Mas um

espingarda espalha centenas de bolinhas de chumbo mortais. Qualquer idiota pode acertvocĂȘ se atirar com uma arma dessas.

 â€” E ele acertou? — perguntou Ben.

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Agora seu sorriso tinha desaparecido. Ele estava sinceramente preocupado. â€” Acertou, mas por sorte eu jĂĄ estava bem longe, entĂŁo pegou sĂł de raspĂŁo. Podia ouvir

latido dos cĂŁes. Estavam atrĂĄs de mim, e eu era apenas uma menininha. Se tivessem mpegado, teriam feito picadinho de mim.

Ben soltou uma exclamação de pavor e perguntou: â€” Mas como a senhora conseguiu escapar? â€” Eu tive que pensar depressa. NĂŁo ia conseguir correr mais rĂĄpido que os cĂŁes pe

floresta. Nem mesmo o melhor corredor do mundo conseguiria. Mas eu conhecia aquebosque muito bem. Passava horas lĂĄ, brincando com meus irmĂŁos. Eu sabia que se conseguischegar ao riacho, os cĂŁes nĂŁo me encontrariam mais.

 â€” Por quĂȘ? â€” Eles nĂŁo conseguem farejar seu rastro na ĂĄgua. E havia um grande carvalho prĂłximo

outra margem do riacho. Se eu subisse naquela årvore, talvez conseguisse escapar.Ben não conseguia imaginar a avó subindo escadas, muito menos uma årvore. Até onde e

lembrava ela sempre morou ali, naquela casinha. â€” Ouvi mais tiros na escuridĂŁo enquanto corria na direção do riacho — prosseguiu

velhinha. — AĂ­ bati em algo naquele breu da mata: tropecei na raiz de uma ĂĄrvore e caĂ­ dcara na lama. Enquanto me levantava, me virei e vi um exĂ©rcito de homens a cavalo lideradpor lorde Davenport. Estavam carregando tochas e espingardas. Toda a floresta se ilumincom o fogo das tochas. Eu pulei no riacho. Era mais ou menos a mesma Ă©poca do ano em questamos agora, bem frio, e a ĂĄgua estava congelante. O frio me deixou em choque, e eu mconseguia respirar. Pus a mĂŁo na boca para conter um grito. Eu podia ouvir os cĂŁes

aproximando, latindo sem parar. Devia haver dezenas deles. Olhei para trĂĄs e vi seus dentafiados reluzindo sob o luar.

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“EntĂŁo eu atravessei o riacho e comecei a subir na ĂĄrvore. Minhas mĂŁos estavam cobertde lama, e minhas pernas e pĂ©s, molhados, entĂŁo eu nĂŁo parava de escorregar no troncSequei as mĂŁos freneticamente no pijama e tentei subir de novo. Cheguei atĂ© o alto da ĂĄrvorefiquei o mais imĂłvel que consegui ali em cima. EntĂŁo ouvi os cĂŁes e o exĂ©rcito de Davenposeguirem ao longo do riacho para outra parte da floresta. Os latidos ferozes dos cĂŁ

começaram a ficar distantes e, após algum tempo, as tochas se tornaram apenas pontinhos distñncia. Eu estava a salvo. Fiquei tremendo no alto daquela árvore por horas. Esperei aamanhecer e só então desci e voltei para casa. Deitei furtivamente na cama e logo depois o snasceu.”

Ben podia visualizar com perfeição tudo o que ela descrevia. A avó o havia deixadhipnotizado.

 â€” Eles foram atrĂĄs da senhora depois? â€” Olhe, ninguĂ©m conseguiu me ver direito, por isso Davenport mandou seus home

fazerem buscas em todos os cantos da cidade. Todas as casas foram reviradas Ă  procura danel.

 â€” A senhora nĂŁo contou nada a ninguĂ©m? â€” Deu vontade. Eu me sentia muito culpada. Mas sabia que se abrisse a boca, estar

encrencada. Lorde Davenport ia mandar me chicotearem em praça pĂșblica. â€” EntĂŁo o que a senhora fez? â€” Eu... eu o engoli.Ben nĂŁo podia acreditar no que ouvira.

 â€” O anel, vovĂł? A senhora engoliu o anel?

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 â€” Achei que era o melhor jeito de escondĂȘ-lo. No meu estĂŽmago. Saiu alguns dias depoquando fui ao banheiro.

 â€” Deve ter doĂ­do! — disse Ben, seu bumbum se contorcendo sĂł de pensar.Expelir um grande anel de diamante pelo traseiro nĂŁo parecia nada agradĂĄvel.

 â€” Doeu, sim. Na verdade, doeu bastante. — A avĂł fez uma careta. — Mas pelo menos tinham revirado nossa casa atĂ© as entranhas... NĂŁo as minhas  entranhas, claro, eu quis dizcada cantinho...

Ben riu. â€” E os homens de Davenport agora estavam procurando o anel na cidade vizinha. Ent

certa noite fui até o bosque e o escondi. Coloquei-o em um lugar onde ninguém jamais irprocurar: embaixo de uma pedra dentro do rio.

 â€” Boa ideia! — exclamou Ben. â€” Mas aquele anel foi sĂł o primeiro de muitos, Ben. RoubĂĄ-lo foi a maior emoção que

á tinha sentido na vida. E toda noite, deitada em minha cama, eu só sonhava em roubar cadvez mais diamantes. O anel foi apenas o começo... — Prosseguiu a vovó em um sussurrolhando bem fundo nos olhos jovens e inocentes de Ben. — O começo de uma vida de crimes

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13

Uma vida de crimes

As horas passaram em questĂŁo de minutos enquanto a avĂł contava a Ben como tinha roubadcada um dos objetos brilhantes espalhados pelo chĂŁo da sala.A tiara enorme pertencera Ă  esposa de um presidente americano, a primeira-dama. A vov

contou a Ben como, mais de cinquenta anos antes, tinha ido de navio atĂ© os Estados Unidpara roubĂĄ-la da Casa Branca, em Washington. E que durante a viagem de volta para casa eroubara as joias de todas as mulheres ricas do navio! E que fora pega no flagra pelo capitĂŁmas que conseguira escapar pulando do navio e percorrendo a nado os Ășltimos quilĂŽmetros doceano AtlĂąntico que faltavam para chegar Ă  Inglaterra, com todas as joias escondidas n

calcinha.Ela também contou a Ben que os brincos cintilantes de esmeralda que guardava hav

dĂ©cadas em sua humilde e pequena casa valiam mais de um milhĂŁo de libras cada um. Haviapertencido Ă  esposa de um marajĂĄ indiano absurdamente rico, uma marani. A velhinrecordou como teve a ajuda de uma manada de elefantes para roubĂĄ-los: ela convencera oelefantes a montar um em cima do outro para formar uma escada gigante em que ela pudessubir para escalar a parede do forte na Índia onde estavam os brincos, guardados noaposentos reais.

A histĂłria mais impressionante de todas foi a do broche ornado com um enorme diamanazul-escuro e safiras, que agora brilhava ali, no surrado tapete da sala. Ela contou a Ben quaquela joia pertencera Ă  Ășltima imperatriz da RĂșssia, que reinara com o marido, o czar, antda revolução comunista de 1917. O broche passara anos protegido por vidros Ă  prova dbalas no Museu Hermitage, em SĂŁo Petersburgo, vigiado vinte e quatro horas por dia, sete dipor semana e trezentos e sessenta e cinco dias por ano por um pelotĂŁo de soldados russassustadores.

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Esse roubo havia exigido o plano mais elaborado de todos. A vovó se escondera dentro duma armadura antiga que havia no museu, uma peça com séculos de idade, dos tempos dCatarina, a Grande. Cada vez que os soldados olhavam para outro lado, ela avançava algumilímetros dentro do traje de metal até chegar perto do broche. Isso levou uma semana.

 â€” Como assim, a passos de formiga? — perguntou Ben. â€” Exatamente, meu jovem! — respondeu ela. — EntĂŁo arrebentei o vidro com o machaprateado que eu estava segurando e peguei o broche.

 â€” Como a senhora conseguiu escapar, vovĂł? â€” É uma boa pergunta... Pois Ă©, como eu escapei? — A vovĂł parecia perdida. — Sin

muito, é minha idade, rapazinho. Eu esqueço as coisas.Ben lhe deu um sorriso compreensivo.

 â€” Tudo bem, vĂł.

Mas logo a memĂłria da velha senhora pareceu voltar a funcionar. â€” Ah, sim, lembrei. Eu saĂ­ correndo atĂ© o pĂĄtio, pulei para dentro de um canhĂŁo e

disparei, e foi assim que fugi de lĂĄ sĂŁ e salva!Ben imaginou a cena: a avĂł, nos recantos mais sombrios da RĂșssia, cruzando os cĂ©u

dentro de uma armadura superantiga. Era difícil de acreditar, mas de que outro jeito epoderia ter aquela coleção de pedras preciosas de valor incalculåvel?

Ben adorava as histórias emocionantes da avó. Em casa, ninguém lia nem contava históripara ele. Sempre que chegavam do trabalho, os pais apenas ligavam a televisão e se jogava

no sofĂĄ. Ouvir aquela senhora de idade falar era muito empolgante. Ben teve vontade de morar com ela. Podia ouvi-la falar o dia inteiro.

 â€” NĂŁo deve ter sobrado uma joia no mundo que a senhora nĂŁo tenha roubado! — disBen.

 â€” Ah, tem sim, meu rapaz. Espere, o que Ă© isso? â€” O que Ă© isso o quĂȘ? — perguntou Ben.A vovĂł estava apontando para algo atrĂĄs da cabeça dele, com uma expressĂŁo de horror n

rosto.

 â€” É... Ă©...

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 â€” O quĂȘ? â€” insistiu Ben, sem ousar se virar e ver para o que ela estava apontando. Esentiu um calafrio na coluna.

 â€” O que quer que aconteça — disse a avĂł —, nĂŁo vire para trĂĄs...

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14

Vizinho enxerido

Foi mais forte que ele: na mesma hora seus olhos se voltaram para a janela. Por um brevinstante ele viu um vulto escuro com um chapéu esquisito espiando pelo vidro sujo da janelantes de sumir de vista.

 â€” Havia um homem olhando pela janela — disse Ben, assustado. â€” Eu sei — disse a avĂł. — Eu falei para vocĂȘ nĂŁo se virar. â€” Quer que eu vĂĄ lĂĄ fora ver quem era? — ofereceu-se Ben, tentando disfarçar o medo. Na verdade, ele queria mesmo era que ela saĂ­sse para descobrir quem era. â€” Aposto que era meu vizinho enxerido, o Sr. Parker. Ele mora na casa 7, sempre usa u

chapĂ©u pequenininho e de aba estreita, e vive me espionando. â€” Por quĂȘ? — perguntou Ben.Ela deu de ombros.

 â€” NĂŁo sei. Ele deve sentir muito frio na cabeça, sei lĂĄ. â€” O quĂȘ? Ah. NĂŁo, nĂŁo o chapĂ©u. Quero saber por que ele espiona a senhora. â€” Ele Ă© major reformado e agora virou chefe da patrulha de vigilĂąncia comunitĂĄria

Grey Close. â€” O que Ă© vigilĂąncia comunitĂĄria? — perguntou Ben.

 â€” É um grupo de moradores de uma regiĂŁo que atuam como seguranças para prevenroubos. Mas o Sr. Parker usa isso apenas como desculpa para espionar todo mundo, esse semvergonha desse velho bisbilhoteiro. VĂĄrias vezes, ao voltar do supermercado com minha bolcheia de repolhos, jĂĄ o vi escondido atrĂĄs das janelas com tela da casa dele me espionandcom binĂłculos.

 â€” Ele desconfia da senhora?Ben estava apavorado, e nĂŁo era pouco. Ele nĂŁo queria ser preso como cĂșmplice de um

criminosa. NĂŁo sabia exatamente o que significava a palavra “cĂșmplice”, mas sabia que e

um crime, e tambĂ©m que era jovem demais para ir para a prisĂŁo. â€” Ele desconfia de todo mundo. Temos que ficar de olho nele, meu rapaz. O homem Ă© um

ameaça.Ben foi até a janela e olhou para fora. Não viu ninguém.

 DDDDIIIIIIIINNNNNNNNNNNGGGGG-DDDDDOOOOOOOOOOONNNGGGG!!!!!!!

O coração do menino deu um salto. Era só a campainha, mas se o Sr. Parker entrassevisse todas aquelas joias, a polícia mandaria Ben e sua avó direto para a cadeia.

 â€” NĂŁo atenda! — disse Ben, correndo atĂ© o meio da sala e jogando as joias de volta lata o mais rĂĄpido que podia.

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 â€” Como assim, nĂŁo atenda?! Ele sabe que eu estou em casa. Acabou de nos ver peanela. VocĂȘ atende e eu escondo as joias.

 â€” Eu? â€” É, vocĂȘ! RĂĄpido! DDDDIIIIIIIINNNNNNNNNNNGGGGG-DDDDDOOOOOOOOOOONNNGGGG!!!!!!!

O toque dessa vez foi mais insistente. O Sr. Parker apertou a campainha por mais tempainda. Ben respirou fundo e seguiu calmamente até a porta da frente.

Ele a abriu.Lå fora havia um homem com um chapéu muito ridículo. Não acredita em mim? Veja

como era ridĂ­culo:

 â€” Sim? — disse Ben, com uma voz aguda e esganiçada. — Em que posso ajudĂĄ-lo?O Sr. Parker segurou a porta com um pĂ©, para impedir que ela fosse fechada na cara dele

 â€” Quem Ă© vocĂȘ? — ladrou o velho com uma voz nasalada.Ele tinha um nariz muito grande, que o fazia parecer ainda mais enxerido do que era,

olhe que ele jå parecia bem enxerido. Como tinha nariz grande, também era fanhtransformando tudo o que dizia, por mais sério que fosse, em algo um pouco absurdo. M

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seus olhos estavam vermelhos e injetados como os de um demĂŽnio. â€” Sou amigo da vovĂł — respondeu Ben, sem pensar. Por que eu disse isso?, pensou ele. Na verdade, Ben estava em pĂąnico total e sua lĂ­ngu

parecia querer fugir dali tanto quanto ele. â€” Amigo? — rosnou o Sr. Parker, empurrando a porta.Sendo maior que Ben, ele logo conseguiu entrar Ă  força.

 â€” Quer dizer, neto, Sr. Parker... — corrigiu-se Ben, indo de costas na direção da sala. â€” Por que estĂĄ mentindo para mim? — perguntou o velho, avançando vĂĄrios passos

medida que Ben recuava.Era como se estivessem dançando tango.

 â€” NĂŁo estou mentindo! — gritou Ben.Eles chegaram Ă  entrada da sala.

 â€” O senhor nĂŁo pode entrar aĂ­! — berrou Ben, pensando nas joias ainda espalhadas ptodo o chĂŁo.

 â€” Por que nĂŁo? â€” HĂŁ... huuum... porque a vovĂł estĂĄ fazendo ioga nua!Ele precisava de uma boa desculpa para evitar que o Sr. Parker passasse por aquela por

e visse as joias. Teve certeza de que dissera a coisa certa quando o velho fez uma pausafranziu a testa.

Infelizmente, porĂ©m, o vizinho enxerido nĂŁo se deu por convencido. â€” Ioga nua? Muito plausĂ­vel! Preciso falar com sua avĂł agora mesmo. Saia da min

frente, seu vermezinho imundo!

Ele empurrou Ben para o lado, jå abrindo a porta da sala.Vovó devia ter escutado Ben através da porta, porque quando o Sr. Parker entrou na saela estava apenas de calcinha e sutiã fazendo a posição da årvore.

 â€” Sr. Parker, mas que abuso! — disse a avĂł, fingindo-se de horrorizada por ele a vseminua.

Os olhos do Sr. Parker varreram a sala. Ele nĂŁo sabia onde procurar, entĂŁo fixou insolente olhar no chĂŁo, agora vazio.

 â€” Sinto muito, senhora, mas preciso lhe perguntar uma coisa: onde estĂŁo as joias que

hĂĄ alguns instantes?Ben viu uma ponta da lata de biscoitos saindo de trĂĄs do sofĂĄ. Muito discretamente, ele

empurrou com o pé, tirando-a de vista.

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 â€” Que joias, Sr. Parker? O senhor andou me espionando de novo? — perguntou a avainda pelada.

 â€” Ora, eu, hĂŁ... — balbuciou ele. — Eu tinha um bom motivo. Fiquei desconfiado quanvi um rapaz entrar em sua casa. Achei que pudesse ser um ladrĂŁo.

 â€” Eu mesma abri a porta para ele. â€” Podia ser um ladrĂŁo muito charmoso. Ele podia ter conquistado sua confiança co

mentiras. â€” Ele Ă© meu neto. Passa as noites de sexta comigo.

 â€” Ah! — disse o Sr. Parker, triunfante. — Mas hoje nĂŁo Ă© sexta-feira! EntĂŁo a senhoentende o motivo de minhas suspeitas. E como chefe da vigilĂąncia comunitĂĄria de Grey Clostenho o dever de contar Ă  polĂ­cia tudo o que eu vir de suspeito.

 â€” Eu tenho um bom motivo para dar queixa contra o senhor na polĂ­cia! — disse Ben.A avĂł olhou para ele com curiosidade.

 â€” E que motivo seria esse? — perguntou o velho.Os olhos dele se estreitaram. Agora estavam tĂŁo vermelhos que parecia haver um incĂȘnd

em seu cĂ©rebro. â€” Por espionar velhinhas sem roupa! — disse Ben triunfante, o que fez vovĂł lhe dar um

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piscadela. â€” Ela estava totalmente vestida quando olhei pela janela... — protestou o Sr. Parker. â€” É isso o que todos dizem! — observou a avĂł. — Agora saia da minha casa antes q

seja preso por invasĂŁo de privacidade! â€” VocĂȘs nĂŁo vĂŁo se ver livres de mim assim tĂŁo fĂĄcil. Tenham um bom dia! — disse o S

Parker.E com isso, ele deu meia-volta e saiu da sala. Ben e sua avĂł ouviram a porta da fren

bater quando ele saiu, depois correram até a janela e ficaram observando-o caminhar de volaté sua casa.

 â€” Acho que o assustamos — disse Ben. â€” Mas ele vai voltar — disse a avĂł. — Temos que tomar muito cuidado. â€” É — disse Ben, assustado. — É melhor guardarmos a lata em algum outro lugar.A avĂł pensou por um instante.

 â€” É mesmo, vou escondĂȘ-la embaixo das tĂĄbuas do piso. â€” Tudo bem — disse Ben. — Mas primeiro... â€” Sim? â€” A senhora podia colocar umas roupas.

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15

Ousado e emocionante

Quando a vovĂł terminou de se vestir, ela e Ben se sentaram no sofĂĄ. â€” VovĂł, antes de o Sr. Parker aparecer, a senhora estava me contando sobre uma joia qnunca conseguiu roubar — sussurrou Ben.

 â€” Existe uma peça muito especial em que todos os ladrĂ”es do mundo gostariam de pĂŽr mĂŁos. Mas Ă© simplesmente impossĂ­vel roubĂĄ-la.

 â€” Aposto que vocĂȘ conseguiria, vĂł. A senhora Ă© a maior ladra que o mundo jĂĄ teve. â€” Obrigada, Ben, talvez eu seja, ou tenha sido... E roubar as joias que tenho em men

deve ser o sonho de todos os grandes ladrÔes do mundo, mas isso seria, ora... impossível.

 â€” Joias? É mais de uma? â€” Claro, querido. A Ășltima vez que tentaram roubĂĄ-las foi hĂĄ trezentos anos. Um tal

coronel Blood, se nĂŁo me engano. E nĂŁo acho que a rainha ficaria muito contente... — Ela riu â€” EstĂĄ falando das...? â€” As Joias da Coroa, isso mesmo, meu rapaz.

* * *

Ben tinha aprendido sobre as Joias da Coroa em uma aula de histĂłria na escola. HistĂłria euma das Ășnicas matĂ©rias de que ele gostava, principalmente por causa dos castigosanguinĂĄrios de antigamente. “Enforcar e esquartejar” era seu preferido disparado, mas havtambĂ©m a roda de desmembramento, queimar o condenado vivo na fogueira e, Ă© claro, o ferem brasa enfiado no traseiro.

Quem nĂŁo gosta dessas coisas? Na escola, Ben tinha aprendido que as Joias da Coroa eram na verdade um conjunto

coroas, espadas, cetros, anéis, braceletes e orbes preciosos, alguns com quase mil anos. Erausadas sempre que um novo rei ou rainha da Inglaterra era coroado, e desde 1303 eram muibem guardadas na Torre de Londres.

Ben tinha implorado aos pais que o levassem para vĂȘ-las, mas eles alegaram que Londrera longe demais da cidade deles (apesar de nĂŁo ser tanto assim).

Para ser honesto, eles nunca faziam nenhum passeio em famĂ­lia. Quando ele era menor eprofessora mandava que os alunos contassem sobre as fĂ©rias ou o Ășltimo fim de semana, Bapenas escutava, maravilhado, as histĂłrias de seus colegas de turma, que sempre tinham um

infinidade de aventuras para contar. Viagens à praia, visitas a museus, até férias em outrpaíses. O nó em seu estÎmago se apertava quando chegava sua vez. Envergonhado demais pa

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admitir que passara as fĂ©rias inteiras comendo refeiçÔes congeladas e vendo tevĂȘ, einventava histĂłrias em que soltava pipa, subia em ĂĄrvores e explorava castelos.

Mas agora ele tinha a melhor história de todos os tempos. Sua avó era uma ladra de joide fama internacional. Uma criminosa perigosa! O problema era que ele não podia contar isa ninguém, ou a enfiariam na prisão e jogariam a chave fora.

Ele entĂŁo se deu conta de que era sua grande chance de fazer uma loucura, algo realmenousado e emocionante.

 â€” Eu posso ajudar a senhora — disse Ben com um ar muito tranquilo e astuto, apesar seu coração estar batendo mais rĂĄpido que nunca.

 â€” Pode me ajudar a fazer o quĂȘ? — perguntou a vovĂł, curiosa. â€” A roubar as Joias da Coroa, Ă© claro!

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16

“N”, “A”, “O”, til: “Não”

— NĂŁo! — gritou a vovĂł, e seu aparelho auditivo começou a apitar furiosamente. â€” Sim! — exclamou Ben. â€” NĂŁo! â€” Sim! â€” NĂŁĂŁoo! â€” Siiiiimmm! â€” NNNNÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃOOOOOOOOOO!!!!!!!! â€” SSSSSSSIIIIIIIIIIIIIMMMMMMMMMMMMMM!!!!!

Aquilo continuou por alguns minutos, mas para poupar papel e, portanto, ĂĄrvores portanto, florestas e, portanto, o meio ambiente e, portanto, o mundo, eu reduzi um poucocoisa.

 â€” NĂŁo vou envolver um menino da sua idade em um golpe, mas de jeito nenhum! Muimenos para roubar as Joias da Coroa! AlĂ©m do mais, Ă© impossĂ­vel! NĂŁo tem como! —exclamou a avĂł.

 â€” Deve haver um jeito... — suplicou Ben. â€” Ben, eu disse “nĂŁo”, e ponto final!

 â€” Mas... â€” Sem mas, Ben. NĂŁo. “N”, “A”, “O”, til: “NĂŁo”.Ben ficou muito decepcionado, mas a avĂł estava irredutĂ­vel em sua decisĂŁo.

 â€” EntĂŁo Ă© melhor eu ir embora — disse ele, desanimado.A avĂł tambĂ©m pareceu ficar um pouco abatida.

 â€” É, querido, Ă© melhor mesmo. A mamĂŁe e o papai devem estar muito preocupados covocĂȘ.

 â€” Que nada...

 â€” Ben! Para casa! Agora!

* * *

Ben ficou triste por ver que a avó estava se tornando um adulto chato outra vez, logo quandela tinha começado a ficar interessante. Mesmo assim, ele obedeceu. Até porque não querdeixar os pais desconfiados, então correu para casa e subiu pela calha até a janela do quar

antes de descer correndo para a sala.Entretanto, nĂŁo foi nenhuma surpresa ver que seus pais nĂŁo tinham ficado nem um pou

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preocupados com seu paradeiro. Estavam ocupados demais planejando a carreira do filhrumo ao superestrelato da dança para perceber que ele tinha saído.

O pai tinha passado um bom tempo tentando ligar para a central de atendimento dconcurso de dança nacional para menores de doze anos, atĂ© que finalmente conseguira satendido e garantira uma vaga para o filho. A mĂŁe de Ben estava certa: a competiçãaconteceria na sede da prefeitura, dali a apenas algumas semanas. NĂŁo havia tempo a perdepor isso ela vinha aproveitando todo o seu tempo livre para trabalhar no figurino do filh“ExplosĂŁo de Amor”.

 â€” Como vĂŁo os ensaios, rapaz? — perguntou o pai. — Parece que vocĂȘ andou esforçando. EstĂĄ todo suado.

 â€” EstĂĄ indo tudo bem, obrigado, pai — mentiu Ben. — Estou preparando algo muitmuito espetacular para a grande noite.

Ben xingou a prĂłpria boca, aquela apressadinha mentirosa.Algo espetacular?Ele teria sorte se nĂŁo caĂ­sse duro no chĂŁo.

 â€” Nossa, mal podemos esperar para ver. NĂŁo falta muito! — disse a mĂŁe, sem nemesmo tirar os olhos da mĂĄquina de costura. Ela estava concentrada prendendo uma tira cocentenas de coraçÔes vermelhos e brilhosos na lateral da calça de lycra do menino.

 â€” Por enquanto acho que prefiro ensaiar sozinho, mĂŁe, sabe como Ă©... — Nervoso, eengoliu em seco. — AtĂ© que esteja tudo prontinho para vocĂȘs verem.

 â€” Claro, claro, nĂłs entendemos — disse a mĂŁe.Ben deu um suspiro de alĂ­vio. Tinha conseguido ganhar um pouco mais de tempo.

Mas sĂł um pouco.Em algumas semanas, ele ainda teria que fazer um nĂșmero solo de dança para toda cidade.

Ele se sentou na cama e pegou ali debaixo seus vĂĄrios nĂșmeros da Revista do Encanado

Ao folhear uma edição do ano anterior, deparou-se com uma reportagem intitulada “UmrĂĄpida histĂłria do encanamento”, que tratava de algumas das tubulaçÔes de esgoto mais antigde Londres. Ben virou as pĂĄginas da revista freneticamente atĂ© encontrar.

Bingo! Era isso!

Centenas de anos antes, o rio Tùmisa, às margens do qual fica a Torre de Londres, era uesgoto a céu aberto. (Tecnicamente falando, isso significa que eram åguas cheias de cocÎxixi.)

As construçÔes às margens do Tùmisa tinham tubulaçÔes enormes que despejavam esgoto diretamente no rio. Na revista havia plantas históricas detalhadas de vårios prédifamosos de Londres, mostrando onde ficavam as velhas tubulaçÔes de esgoto que se ligavaao rio.

E...

Ele desceu o dedo pela reportagem...

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Ali! Um mapa com as tubulaçÔes de esgoto da Torre de Londres.Essa podia ser a chave para roubar as Joias da Coroa. Um dos canos tinha quase um met

de largura, grande o bastante para uma criança se arrastar por ali. E talvez grande o bastanpara uma velhinha!

A reportagem também contava que mesmo depois que o sistema fora modernizadinstalando-se uma tubulação de esgoto adequada, os canos antigos tinham ficado ondestavam, porque isso era bem mais simples do que retirå-los.

A cabeça de Ben girava ao pensar no que aquilo significava. Seria possĂ­vel, apenpossĂ­vel, que ainda houvesse uma tubulação enorme indo desde o TĂąmisa atĂ© o interior Torre de Londres, esquecida por quase todos exceto um ou outro entusiasta do assunto? prĂłprio Ben nĂŁo saberia se nĂŁo fosse comprador de longa data da Revista do Encanador.

Ele e a avĂł podiam ir nadando por aquele cano e entrar na Torre...

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 Meus pais estavam errados!, pensou ele. Encanamentos podem ser bem emocionantes.Claro, era uma tubulação de esgoto, o que nĂŁo era o ideal, mas qualquer cocĂŽ ou xixi qu

ainda restasse ali teria centenas de anos.Ben nĂŁo sabia se isso era bom ou ruim.

 Naquele instante ele ouviu o assoalho ranger, e a porta de seu quarto foi aberta de repenA mĂŁe entrou trazendo um grande pedaço de lycra assustadoramente parecido com o tra“ExplosĂŁo de Amor”.

O menino rapidamente escondeu a revista embaixo da cama, o que o fez parecer muiculpado.

 â€” Eu sĂł queria que vocĂȘ experimentasse isso aqui — disse ela. â€” Ah, claro — respondeu Ben.Sentado meio torto na cama, ele empurrava com os calcanhares alguns nĂșmeros da Revis

do Encanador  ainda Ă  vista, tentando afastĂĄ-los dos olhos curiosos da mĂŁe. â€” O que Ă© isso? — perguntou ela. — O que vocĂȘ escondeu quando entrei? É algum

Playboy? â€” NĂŁo — disse Ben, engolindo a culpa.Aquilo estava ficando muito pior do que realmente era. Parecia que ele estava escondend

alguma revista erĂłtica embaixo da cama. â€” NĂŁo precisa ter vergonha, Ben. Acho saudĂĄvel que vocĂȘ esteja expressando algu

desejo por meninas. Ah, nĂŁo!, pensou Ben. Minha mĂŁe vai conversar comigo sobre garotas!

 â€” NĂŁo tem nada de vergonhoso em se interessar por meninas, Ben.

 â€” Tem, sim! Meninas sĂŁo nojentas! â€” NĂŁo, Ben, isso Ă© a coisa mais natural do mundo... Ela nĂŁo vai parar!

 â€” O JANTAR ESTÁ QUASE PRONTO, AMOR! — veio um grito lĂĄ de baixo. — O QUESTÁ FAZENDO AÍ?

 â€” CONVERSANDO COM BEN SOBRE GAROTAS! — gritou a mĂŁe em resposta.Ben estava tĂŁo vermelho que se ficasse bem paradinho podia ser confundido com u

hidrante.

 â€” O QUÊ? — berrou o pai. â€” GAROTAS! — gritou a mĂŁe. — ESTOU CONVERSANDO COM NOSSO FILH

SOBRE GAROTAS! â€” AH, TÁ! — gritou em reposta o pai. — VOU DESLIGAR O FORNO. â€” EntĂŁo, Ben, se vocĂȘ algum dia precisar de...TRIM TRIM. TRIM TRIM.

Era o celular da mĂŁe tocando dentro do bolso dela. â€” SĂł um minuto, querido — disse ela, levando o aparelho ao ouvido. — Elza, posso lig

para vocĂȘ depois? Estou conversando com Ben sobre garotas. Certo, obrigada, tchauzinho.

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Desligando o celular, ela se virou para Ben. â€” Mas entĂŁo, onde eu estava mesmo? Ah, sim, se um dia vocĂȘ quiser ter uma conversin

comigo sobre garotas, por favor, nĂŁo hesite em me chamar. Pode ter certeza de que serei bediscreta...

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Planejando o roubo

Na manhã seguinte, pela primeira vez na vida, Ben foi saltitando para a escola.Graças a sua paixão por encanamentos, na noite anterior ele havia descoberto que a Torde Londres tinha um ponto fraco. O edifício mais inexpugnåvel do mundo, onde alguns docriminosos mais perigosos do país foram presos e executados, tinha uma falha imperdoåveuma tubulação de esgoto enorme que levava direto ao rio Tùmisa.

Essa manilha antiga seria o caminho de entrada e saída da Torre para ele e a avó! Era uplano simplesmente brilhante, e seu corpo não conseguia esconder a empolgação daquedescoberta surpreendente.

Era por isso que ele estava saltitando.Bem mal podia esperar até a noite de sexta-feira, quando os pais o despachariam outra v

para a casa da avĂł.E entĂŁo ele conseguiria convencer a velhinha de que era mesmo possĂ­vel que os do

roubassem juntos as Joias da Coroa. Ben levaria o mapa da Revista do Encanador  e mostrarpara ela o sistema de esgotos da Torre de Londres. Eles poderiam passar a noite inteiacordados, planejando cada detalhe do roubo mais ousado de todos os tempos.

O problema era que havia uma longa semana de aulas, professores e deveres de casa

interpondo entre aquele momento e a noite de sexta. Ben, entretanto, estava determinadoexplorar sabiamente sua semana na escola.

 Na aula de computação, fez pesquisas sobre as Joias da Coroa e decorou cada detalhe qachou na internet.

 Na de histĂłria, fez vĂĄrias perguntas ao professor sobre a Torre de Londres e sobrelocalização exata das joias. (Que ficam na Casa das Joias, se alguĂ©m quiser saber.)

Em geografia, descobriu um atlas das Ilhas BritĂąnicas e localizou precisamente a qualtura do TĂąmisa ficava a Torre.

 Na de educação fĂ­sica, nĂŁo “esqueceu” de propĂłsito seu material, como sempre fazia. Evez disso, cumpriu as flexĂ”es de braço e atĂ© fez mais do que mandaram, para fortalecer mĂșsculos e assim conseguir subir pela tubulação de esgoto atĂ© a Torre.

Em matemåtica, perguntou ao professor quantos pacotes de chocolates recheados podercomprar com cinco bilhÔes de libras esterlinas (o valor estimado das joias). Ben realmengostava de chocolates recheados.

A resposta é: dez bilhÔes de pacotes, ou vinte e quatro bilhÔes de bombons. Devia durpor pelo menos um ano.

E Raj com certeza inventaria uma promoção que lhe garantiria mais alguns de graça.

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 Na aula de francĂȘs, ele aprendeu a falar: “NĂŁo sei nada sobre o roubo das, como se dizdas ‘Joias da Coroa’, sou apenas um pobre caipira francĂȘs”, para o caso de ter que se passpor um pobre caipira francĂȘs ao fugir da cena do crime.

 Na de espanhol, aprendeu a dizer: “NĂŁo sei nada sobre o roubo das, como se diz?, d‘Joias da Coroa’, sou apenas um pobre caipira espanhol”, para o caso de ter que se passar poum pobre caipira espanhol ao fugir da cena do crime.

 Na de alemĂŁo, aprendeu a dizer... Bom, tenho certeza de que vocĂȘs captaram a ideia. Na aula de ciĂȘncias, ele perguntou ao professor como seria possĂ­vel furar um vidro

prova de balas. Mesmo se eles conseguissem chegar Ă  Casa das Joias, pegĂĄ-las nĂŁo serfĂĄcil, pois ficavam protegidas atrĂĄs de um vidro de vĂĄrios centĂ­metros de espessura.

 Na aula de artes, ele usou palitos de fĂłsforo para fazer uma detalhada maquete da Torre dLondres e poder simular o ousado golpe.

A semana passou voando. A escola nunca tinha sido tĂŁo divertida. E o que era maimportante: pela primeira vez na vida, Ben mal podia esperar para encontrar a avĂł.

 Na tarde de sexta-feira, ao sair da escola, Ben sentia que possuĂ­a todas as informaçÔ

necessĂĄrias para concretizar aquele plano tĂŁo ousado.

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O roubo das Joias da Coroa ocuparia por semanas e semanas os noticiårios da tevestaria em todos os sites e sairia em letras garrafais na capa de todos os jornais de todos opaíses do mundo. Mas ninguém, ninguém mesmo, iria suspeitar que os ladrÔes eram, verdade, uma velhinha e um menino de onze anos. O crime do século seria um sucesso!

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HorĂĄrio de visita

— VocĂȘ nĂŁo vai poder ficar com sua avĂł esta noite — disse o pai.Eram quatro horas da tarde de sexta e Ben tinha acabado de chegar da escola. Era estranhseu pai estar em casa tĂŁo cedo. Ele normalmente sĂł saĂ­a do trabalho depois das seis.

 â€” Por que nĂŁo? — perguntou Ben, percebendo que o pai tinha uma expressĂŁo sĂ©ria, preocupação.

 â€” Infelizmente tenho mĂĄs notĂ­cias, filho. â€” O quĂȘ? — perguntou Ben, tambĂ©m ficando preocupado. â€” Sua avĂł estĂĄ no hospital.

* * *

Pouco depois, quando finalmente encontraram uma vaga para estacionar, Ben e os pacruzavam as portas automĂĄticas do hospital. Ben tinha suas dĂșvidas de que eles algum dconseguiriam encontrar a avĂł ali. O hospital era altĂ­ssimo e imenso, um enorme monumentodoença.

Havia elevadores para outros elevadores.

Corredores de um quilĂŽmetro de extensĂŁo.Por toda parte, placas que Ben nĂŁo entendia:

UNIDADE CORONARIANARADIOLOGIAOBSTETRÍCIA

TRIAGEMRESSONÂNCIA MAGNÉTICA

Pacientes com expressĂ”es confusas eram empurrados em macas ou cadeiras de rodas um lado para o outro, enquanto mĂ©dicos e enfermeiras — que pareciam nĂŁo dormir havia di— passavam correndo por eles.

Quando finalmente acharam a enfermaria onde a avó estava internada, lå no décimo nonandar, Ben de início não a reconheceu.

Seu cabelo estava grudado na cabeça, os óculos e a dentadura haviam sumido e, em v

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das prĂłprias roupas, ela usava uma camisola do hospital. Era como se todas as coisas quetornavam sua avĂł lhe houvessem sido tiradas e agora aquela fosse apenas uma casca.

Ben ficou muito triste ao vĂȘ-la daquele jeito, mas tentou nĂŁo demonstrar. NĂŁo queria deixla chateada nem preocupada.

 â€” OlĂĄ, meus queridos — disse ela.Sua voz estava rouca e ela falava de modo meio pastoso. Ben teve que respirar fundo pa

nĂŁo começar a chorar. â€” Como estĂĄ se sentindo, mĂŁe? — perguntou o pai. â€” Meio estabanada — respondeu ela. — Eu levei um tombo. â€” Um tombo? — repetiu Ben. â€” É. NĂŁo lembro direito como aconteceu. Eu estava pegando uma lata de sopa de repolh

no alto do armĂĄrio e, quando dei por mim, estava deitada no chĂŁo olhando para o teto. Minhprima Edna me ligou vĂĄrias vezes lĂĄ da casa de repouso onde mora. Como eu nĂŁo atendi, echamou uma ambulĂąncia.

 â€” Quando foi isso, vovĂł? — perguntou Ben. â€” Deixe-me pensar. Eu estava deitada no chĂŁo da cozinha faz dois dias, entĂŁo deve t

sido na quarta-feira de manhĂŁ. NĂŁo conseguia me levantar para alcançar o telefone. â€” Sinto muito, mĂŁe — disse baixinho o pai.Ben nunca o vira tĂŁo chateado.

 â€” Que coisa, nĂŁo? Eu ia ligar para a senhora justo na quarta. Sabe, sĂł para bater um papver como a senhora estava — mentiu a mĂŁe de Ben.

Ela nunca telefonara para a sogra na vida, e das poucas vezes que vovĂł ligava, a mĂŁe d

Ben fazia de tudo para largar o telefone o mais rĂĄpido possĂ­vel. â€” VocĂȘ nĂŁo tinha como saber, querida — disse a avĂł. — Eles fizeram vĂĄrios exames hode manhĂŁ para ver o que hĂĄ de errado comigo. Radiografias, ressonĂąncias, essas coisas. Oresultados saem amanhĂŁ. Espero nĂŁo ter que ficar muito tempo aqui.

 â€” Eu tambĂ©m — disse Ben.EntĂŁo fez-se um silĂȘncio desconfortĂĄvel.

 NinguĂ©m sabia ao certo o que dizer ou fazer.A mĂŁe de Ben cutucou o marido hesitantemente e indicou o relĂłgio.

Ben sabia que hospitais a deixavam desconfortĂĄvel. Dois anos antes, quando ele fizeracirurgia no apĂȘndice, ela sĂł o visitara duas vezes, e mesmo assim suava e nĂŁo parava de mexer.

 â€” Certo, Ă© melhor irmos embora — disse o pai. â€” Sim, sim, podem ir — disse a avĂł, com leveza na voz, mas tristeza nos olhos. — N

precisam se preocupar comigo, eu vou ficar bem. â€” NĂŁo podemos ficar um pouco mais? — arriscou Ben.A mĂŁe lançou um olhar angustiado para ele, que o pai percebeu.

 â€” NĂŁo, vamos embora, Ben, sua avĂł precisa descansar por algumas horas — disse o pa

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levantando-se e preparando-se para ir embora. — Estou bastante ocupado, mãe, mas votentar dar uma passada aqui no fim de semana.

Ele deu tapinhas na cabeça da mãe, como se faz com um cachorro. Foi um gesto estranho pai não era dado a contato físico.

Ele entĂŁo se virou para ir embora, e com isso a mĂŁe de Ben deu um sorriso fraco, agarroo filho relutante pelo pulso e o arrastou pela enfermaria.

* * *

Mais tarde naquela mesma noite, jå em seu quarto, Ben organizava diligentemente toda informação que reunira na escola durante a semana.

Vamos mostrar a eles, vovĂł, pensou Ben, enfurecido. Vou fazer isso por vocĂȘ. Agora qa avĂł estava doente, ele estava mais determinado que nunca a prosseguir com seu plano.

Tinha até a hora do chå para planejar o maior roubo de joias da história.

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19

Um pequeno artefato explosivo

Na manhĂŁ seguinte, enquanto os pais ouviam mĂșsica atrĂĄs de mĂșsica para escolher a trilsonora da apresentação do filho no concurso de dança, Ben saiu de casa escondido e foi dbicicleta atĂ© o hospital.

Quando encontrou a enfermaria da avĂł, havia um mĂ©dico de Ăłculos ao lado da cama deMesmo assim ele correu atĂ© lĂĄ, animado para vĂȘ-la e contar-lhe seu plano.

O mĂ©dico segurava a mĂŁo dela e falava alguma coisa baixinho. â€” Por favor, Ben, deixe-nos sozinhos por um instante — disse ela. — O doutor e

estamos apenas conversando sobre, vocĂȘ sabe, coisas de mulher.

 â€” Ah, hĂŁ... EstĂĄ certo — concordou Ben.Ben voltou pelas portas vaivĂ©m e ficou folheando um exemplar antigo de uma revista d

fofocas.Ao passar por ele, o médico disse:

 â€” Sinto muito. — E em seguida se afastou.Sinto muito?, pensou Ben. Por que ele sente muito?

Então ele se aproximou a passos hesitantes do leito da avó.Ela estava esfregando os olhos com um lenço, mas quando viu Ben se aproximar enfiou

na manga da camisola. â€” A senhora estĂĄ bem, vĂł? — perguntou ele, com carinho. â€” Sim, estou bem. Foi sĂł um cisco que entrou no meu olho. â€” EntĂŁo por que o mĂ©dico me disse “sinto muito”?A vovĂł ficou confusa por alguns instantes.

 â€” HĂŁ... Sabe, acho que ele sente muito por ter feito vocĂȘ perder tempo vindo aqui. verdade Ă© que descobrimos que nĂŁo tem absolutamente nada de errado comigo.

 â€” É mesmo?

 â€” Sim. O mĂ©dico me entregou os resultados dos exames. Estou forte como um touro.Ben nunca ouvira essa expressĂŁo antes, mas imaginou que devia significar muito, muito e

forma. â€” Que Ăłtima notĂ­cia, vovĂł — exclamou Ben. — Mas mudando de assunto: eu sei que

senhora jĂĄ disse “nĂŁo” antes... â€” É o que estou pensando, Ben? — perguntou a avĂł.Ben fez que sim com a cabeça.

 â€” Eu disse “nĂŁo” mil vezes. â€” É, mas...

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 â€” Mas o quĂȘ, meu rapaz? â€” Eu descobri um jeito de entrar na Torre de Londres. E passei a semana intei

elaborando um plano para roubarmos as joias. Acho que Ă© realmente possĂ­vel.Para a surpresa dele, a avĂł pareceu intrigada.

 â€” Feche as cortinas e fale baixo — sussurrou ela, aumentando o volume de seu aparelhde audição atĂ© o mĂĄximo.

Ben rapidamente puxou as cortinas em torno do leito da avĂł e se sentou ao lado dela. â€” Quando der meia-noite, atravessamos o TĂąmisa usando roupas de mergulho

localizamos a antiga tubulação de esgoto, que fica aqui — sussurrou Ben, mostrando a elaplanta detalhada no nĂșmero antigo da Revista do Encanador .

 â€” Nadar por uma tubulação de esgoto?! Na minha idade?! — exclamou a vovĂł. — Issomaluquice, garoto!

 â€” Psiu, fale baixo — disse Ben. â€” Ops — sussurrou a vovĂł. â€” E nĂŁo Ă© maluquice. É brilhante. A tubulação Ă© larga o bastante, veja aqui...A vovĂł se ergueu dos travesseiros nos quais estava recostada e aproximou o rosto d

pĂĄgina da revista. Analisou a planta. Os canos pareciam mesmo bem largos.

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 â€” Pois entĂŁo, se formos pela tubulação, poderemos entrar na Torre sem que ninguĂ©perceba — prosseguiu Ben. — Por todo o perĂ­metro da Torre hĂĄ guardas armados, cĂąmeras segurança e sensores a laser. Se escolhermos outra entrada, nĂŁo teremos nenhuma chance.

 â€” Sim, sim, sim, mas depois como diacho vamos entrar na Casa das Joias, que Ă© onde Joias da Coroa ficam guardadas? — murmurou ela.

 â€” A tubulação de esgoto termina em uma latrina. â€” Hein? â€” Latrina, outra palavra para vaso sanitĂĄrio. â€” Ah, sim, claro. â€” Da latrina Ă© uma corrida curta... â€” Cof cof!

 â€” HĂŁ, quer dizer, uma caminhada curta pelo pĂĄtio atĂ© a Casa das Joias. À noite, Ă© Ăłbvque a porta Ă© trancada com milhĂ”es de cadeados.

 â€” Provavelmente bilhĂ”es!A avĂł nĂŁo parecia muito confiante. Ora, Ben sĂł precisava convencĂȘ-la!

 â€” A porta Ă© de aço maciço, entĂŁo temos que desaparafusar todas as trancas para podabri-la.

 â€” Mas aposto que as coroas, os cetros e todo o resto ficam atrĂĄs de vidros Ă  prova balas, Ben.

 â€” Verdade, mas nĂŁo Ă© Ă  prova de bombas. Vamos preparar um pequeno artefato explosivpara destruir o vidro.

 â€” Um artefato explosivo?! — reagiu a avĂł. — Onde Ă© que vamos conseguir isso, m

Deus? â€” Eu peguei alguns produtos quĂ­micos na aula de ciĂȘncias — respondeu Ben, com usorrisinho malicioso. — Tenho quase certeza de que consigo produzir uma bomba capaz dquebrar aquele vidro.

 â€” Mas os guardas vĂŁo ouvir a explosĂŁo, Ben. NĂŁo, nĂŁo, nĂŁo. Lamento, mas isso nĂŁo vfuncionar nunca! — exclamou a avĂł, o mais baixo que pĂŽde.

 â€” Ah, mas eu jĂĄ pensei em tudo — disse Ben, satisfeitĂ­ssimo com a prĂłprengenhosidade. — A senhora vai precisar embarcar em um trem para Londres nesse mesm

dia e fingir que Ă© sĂł uma doce velhinha... â€” Eu sou uma doce velhinha! — protestou a vovĂł. â€” VocĂȘ me entendeu — prosseguiu Ben, com um sorriso. — Da estação, vai pegar

Înibus 78 até a Torre de Londres. E, chegando lå, vai oferecer aos guardas um bolo chocolate com alguma coisa dentro que faça todos eles dormirem.

 â€” Ah, eu podia usar meu tĂŽnico de ervas especial para insĂŽnia! â€” HĂŁ... Claro, fantĂĄstico — disse Ben. — EntĂŁo os guardas comerĂŁo o bolo de chocola

e Ă  noite estarĂŁo ferrados no sono.

 â€” Bolo de chocolate? — protestou a vovĂł. — Tenho certeza de que os guardas ia

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preferir meu delicioso bolo caseiro de repolho.*

 â€” Hum — fez Ben, constrangido.Ele nĂŁo queria chateĂĄ-la, mas ninguĂ©m comeria uma fatia do bolo de repolho dela a meno

que fosse algum parente muito prĂłximo, e mesmo assim provavelmente cuspiria tudo quandela nĂŁo estivesse olhando.

 â€” Acho que um bolo de chocolate do mercado seria melhor. â€” Bom, vocĂȘ parece ter pensado em tudo. Estou bastante impressionada, sabia? A ide

de usar essa tubulação antiga é genial.Ben corou de orgulho.

 â€” Obrigado. â€” Mas como vocĂȘ descobriu tudo isso? Eles ensinam essas coisas na escola? Es

negĂłcio sobre tubulaçÔes de esgoto e sei lĂĄ mais o quĂȘ? â€” NĂŁo — respondeu Ben. — É sĂł que... Eu sempre adorei encanamentos. EntĂŁo m

lembrei de uma reportagem sobre tubulaçÔes antigas que eu tinha lido na minha revispreferida. — Ele ergueu a Revista do Encanador . — Meu sonho Ă© ser encanador.

Ele olhou para baixo, esperando que a avĂł lhe desse uma bronca ou desdenhasse dele. â€” Por que estĂĄ olhando o chĂŁo? — perguntou ela.

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 â€” Huuum... Ah, eu sei que ser encanador Ă© uma coisa chata e sem graça. Sei que deverquerer ser algo mais interessante.

Ben sentiu o rosto esquentar e ficar vermelho.A avó pÎs a mão no queixo dele e levantou sua cabeça com delicadeza.

 â€” Nada do que vocĂȘ fizer jamais serĂĄ chato e sem graça, Ben — disse ela. — Se deseser encanador, e este Ă© seu sonho, entĂŁo ninguĂ©m vai poder impedi-lo. VocĂȘ entendeu? Nesvida, temos mesmo Ă© que seguir nossos sonhos. SenĂŁo sĂł estaremos perdendo tempo.

 â€” É... Acho que sim. â€” Tomara mesmo que ache. De verdade! VocĂȘ diz que o trabalho de um encanador

chato, mas veja sĂł vocĂȘ, planejando roubar as Joias da Coroa, caramba... E tudo graças ao samor por tubulaçÔes!

Ben sorriu. Talvez a avĂł tivesse razĂŁo. â€” Mas eu tenho uma pergunta, Ben. â€” O quĂȘ? â€” Como vamos escapar? Esse plano nĂŁo nos serve de nada se formos pegos com a bo

na botija, querido. â€” Eu sei, vovĂł, por isso pensei em sairmos pelo mesmo lugar por onde entramos, pe

tubulação de esgoto, e cruzar o Tùmisa de novo. São apenas cinquenta metros, e eu jå nadmais de cem na aula de educação física. Vai ser moleza.

A vovĂł mordeu o lĂĄbio. Obviamente ela nĂŁo tinha tanta certeza de que nada daquilo sermoleza, muito menos atravessar a nado um rio com uma correnteza forte no meio da noite.

Ben olhou para ela com esperança nos olhos.

 â€” E aĂ­, fechado, vovĂł? Ainda Ă© uma grande criminosa?Por alguns momentos ela ficou perdida em pensamentos. â€” Por favor — implorou Ben. — Eu adorei ouvir sobre suas aventuras e queria mui

participar de um golpe com a senhora. E este seria o maior de todos: roubar as Joias Coroa. VocĂȘ mesma disse que era o sonho de todo grande ladrĂŁo. E entĂŁo? Topa ou nĂŁo?

Ela encarou o neto, cujo rosto brilhava de empolgação. E alguns instantes depoimurmurou:

 â€” Topo.

Ben pulou da cadeira e a abraçou. â€” Oba!A avĂł ergueu os braços fracos para retribuir o abraço. Era a primeira vez em anos que e

realmente o abraçava. â€” Mas tenho uma condição — disse a velhinha com uma expressĂŁo mortalmente sĂ©ria n

rosto. â€” Qual? — sussurrou Ben. â€” Vamos devolver as joias na noite seguinte.

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20

Bum, bum, bum

Ben nĂŁo podia acreditar no que a avĂł tinha acabado de dizer. De jeito nenhum que ele ircorrer todo aquele risco para roubar as joias sĂł para devolvĂȘ-las no dia seguinte. â€” Mas elas valem milhĂ”es, talvez bilhĂ”es... — reclamou ele. â€” Eu sei. Por isso com certeza serĂ­amos pegos se tentĂĄssemos vendĂȘ-las — respondeu

avĂł. â€” Mas... â€” Sem “mas”, rapazinho. Voltamos lĂĄ na noite seguinte e devolvemos tudo. Sabe como

escapei da prisão por todos esses anos? Eu nunca vendi nada, só roubava pela emoção.

 â€” Mas a senhora guardou todas as joias — contestou Ben. — Mesmo nĂŁo vendendo nadAquela lata de biscoitos estĂĄ cheia de peças roubadas.

A avĂł pensou um pouco. â€” É verdade, mas, bem, na Ă©poca eu era jovem e tola — disse ela. — Desde entĂŁ

aprendi que roubar Ă© errado. E vocĂȘ tambĂ©m precisa entender isso.Ela lhe lançou um olhar severo, que o fez se sentir desconfortĂĄvel.

 â€” Eu entendo, claro que entendo... â€” VocĂȘ criou um plano brilhante, Ben, tenho que admitir. Mas aquelas joias nĂŁo n

pertencem, nĂŁo Ă© mesmo? â€” NĂŁo — disse Ben. — NĂŁo nos pertencem.Ele agora se sentia um pouco envergonhado por ter ficado tĂŁo horrorizado com a ideia d

devolver as joias. â€” E nĂŁo se esqueça de que todo policial neste paĂ­s, talvez no mundo, estarĂĄ Ă  procura d

Joias da Coroa. Toda a Scotland Yard estarĂĄ atrĂĄs de nĂłs. Se formos pegos com elapassaremos o resto de nossas vidas na prisĂŁo. Isso pode nĂŁo ser muito tempo para mim, mpara vocĂȘ serĂŁo setenta ou oitenta anos.

 â€” A senhora tem razĂŁo. â€” E a rainha parece uma velhinha tĂŁo simpĂĄtica... Na verdade, nĂłs duas temos mais

menos a mesma idade. NĂŁo quero deixĂĄ-la chateada. â€” Eu tambĂ©m nĂŁo — murmurou Ben.Ele jĂĄ tinha visto a rainha no noticiĂĄrio um monte de vezes e ela parecia uma velhin

simpĂĄtica, sempre sorridente e acenando para todo mundo do banco traseiro de seu carro. â€” Vamos fazer isso sĂł pela emoção. Combinado? â€” Combinado! — disse Ben. — Mas quando? Tem que ser uma sexta-feira, que Ă© quand

meus pais me levam para passar a noite na sua casa. O médico disse quando a senhora vai sa

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do hospital? â€” Huum... Disse, claro, ele falou que eu devo ser liberada a qualquer momento. â€” FantĂĄstico! â€” Mas tem que ser logo. Que tal sexta que vem? â€” NĂŁo Ă© muito cedo? â€” De jeito nenhum! Seu plano parece muito bem pensado, Ben. â€” Obrigado — disse ele, todo orgulhoso.Era a primeira vez na vida que ele sentia ser motivo de orgulho para algum adulto.

 â€” Quando eu sair daqui, vou providenciar todo o equipamento necessĂĄrio. Agora vĂĄ pacasa, Ben; vejo vocĂȘ na prĂłxima sexta, no horĂĄrio de sempre.

Ben abriu as cortinas. O Sr. Parker, o vizinho bisbilhoteiro da vovó, estava bem ali!Assustado, o menino deu alguns passos para trås na direção da cama, e rapidamente enfio

a Revista do Encanador  nas costas do suĂ©ter. â€” O que o senhor  estĂĄ fazendo aqui? — perguntou Ben. â€” Tentando me ver tomar banho na cama, aposto! — disse a avĂł.Ben riu.O Sr. Parker tentava encontrar o que dizer:

 â€” NĂŁo, nĂŁo, eu... â€” Enfermeira! ENFERMEIRA! — gritou a vovĂł. â€” Espere! — disse o Sr. Parker, entrando em pĂąnico. — Tenho certeza de que ouvi um

vocĂȘs falando em roubar as Joias da Coroa...Tarde demais. A enfermeira, uma mulher muito mais alta que a mĂ©dia e com pĂ©s be

grandes, veio rapidamente, seus passos largos ressoando pela enfermaria. â€” Pois nĂŁo? Algum problema? â€” Este homem estava me espiando pelas cortinas! — acusou a avĂł. â€” É verdade? — perguntou a enfermeira, encarando o Sr. Parker. â€” É que, hĂŁ, eu ouvi eles dizendo que iam... — balbuciou o velho enxerido. â€” Semana passada ele ficou espiando minha avĂł fazer ioga nua em casa — entregou BenO rosto da enfermeira ficou roxo de horror.

 â€” Saia da minha enfermaria imediatamente, seu porco imundo! — gritou ela.

Humilhado, o Sr. Parker recuou diante da assustadora enfermeira e se afastou às pressaNo entanto, ao chegar às portas vaivém, virou-se e gritou para a vovó e Ben:

 â€” VOCÊS NÃO VÃO SE LIVRAR DE MIM TÃO FACILMENTE!E foi embora rapidinho.

 â€” NĂŁo deixe de me avisar se esse homem aparecer de novo — disse a enfermeira.O rosto dela estava começando a recuperar a tonalidade normal.

 â€” Pode deixar — respondeu a avĂł, e a enfermeira voltou para suas tarefas. â€” Ele pode ter escutado tudo! — sussurrou Ben.

 â€” Talvez — retrucou a avĂł. — Mas acho que a enfermeira deu um jeito nele!

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 â€” Espero que sim.Ben estava muito preocupado com aquele infeliz desenrolar dos acontecimentos.

 â€” Ainda quer continuar com o plano? — perguntou a velhinha.Ben se sentia como se estivesse subindo lentamente os trilhos de uma montanha-russ

queria sair dali, mas ao mesmo tempo queria ficar. Medo e prazer juntos em uma coisa sĂł. â€” Quero! — disse ele. â€” É isso aĂ­! — exclamou a vovĂł, abrindo um grande sorriso.Ben se virou para ir embora, mas entĂŁo parou, olhou para a avĂł e disse:

 â€” Eu... eu amo vocĂȘ, vovĂł. â€” Eu tambĂ©m amo vocĂȘ, meu pequeno Benny — disse ela com uma piscadela.Ben estremeceu. Agora tinha uma avĂł vigarista, e isso era muito legal, mas teria qu

ensinĂĄ-la a chamĂĄ-lo apenas de Ben!

* * *

Ben saiu correndo pelos corredores, seu coração batendo incrivelmente rĂĄpido. Bum, bum, bum.

Ele estava eletrizado. Aquele menino de onze anos, que nunca havia feito nada de notåvna vida além de vomitar na cabeça do amigo na roda-gigante, ia participar do roubo maousado da história.

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Saiu correndo do hospital e começou a procurar a chave do cadeado de sua bicicletEntão, ao erguer os olhos, viu algo inacreditåvel.

Era sua avĂł.Aquilo, por si sĂł, nĂŁo tinha nada de estranho.Mas a questĂŁo era:

 Ela estava descendo pela janela do hospital.

A velinha tinha amarrado vårios lençóis um no outro e agora estava descendo rapidamenpela lateral do prédio por essa corda improvisada.

Ben nĂŁo podia acreditar no que via. Ele sabia que a avĂł era uma criminosa de alto nĂ­vemas aquilo jĂĄ era demais!

 â€” O que diabos a senhora estĂĄ fazendo?! — gritou Ben do estacionamento. â€” O elevador nĂŁo estava funcionando, querido! Vejo vocĂȘ na sexta. NĂŁo se atrase! —

gritou ela, para logo depois saltar para o chão, subir em seu carrinho elétrico e acelerar palonge dali. Quer dizer, se arrastar dali naquela lerdeza.

* * *

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Uma semana nunca demorou tanto a passar.Ben esperou a semana inteira pela sexta-feira. Cada minuto, cada hora, cada dia parecia

uma eternidade.Era estranho ter que fingir ser apenas um menino comum quando na verdade ele era um

das maiores mentes criminosas do mundo.Finalmente, a sexta-feira chegou. Ben ouviu alguém batendo na porta de seu quarto.TOC-TOC-TOC.

 â€” E aĂ­, estĂĄ pronto, filho? — perguntou o pai. â€” Estou — disse Ben, tentando aparentar o mĂĄximo de inocĂȘncia possĂ­vel, o que

verdade Ă© muito difĂ­cil quando vocĂȘ estĂĄ se sentindo extremamente culpado. — NĂŁo precime buscar muito cedo amanhĂŁ. VovĂł e eu sempre fazemos palavras-cruzadas atĂ© tarde.

 â€” VocĂȘ nĂŁo vai fazer palavras-cruzadas, filho — disse o pai. â€” NĂŁo? â€” NĂŁo. Hoje vocĂȘ nem vai para a casa da sua avĂł. â€” Ah, nĂŁo! — exclamou Ben. — Ela voltou para o hospital? â€” NĂŁo, nada disso.Ben deu um suspiro de alĂ­vio, mas, em seguida, sentiu uma pontada de medo.

 â€” EntĂŁo por que nĂŁo posso ir para a casa dela?O plano estava finalizado e nĂŁo havia tempo a perder!

 â€” Porque — respondeu seu pai — esta noite Ă© o concurso de dança para criançaFinalmente chegou seu grande momento de brilhar!

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21

O sapato de sapateado

Ben estava sentado em silĂȘncio no banco de trĂĄs do pequeno carro marrom dos pais vestindotraje “ExplosĂŁo de Amor”. â€” Espero que nĂŁo tenha se esquecido do concurso, Ben — disse a mĂŁe enquanto retocav

a maquiagem, sem querer riscando o rosto de batom quando eles fizeram uma curva. â€” NĂŁo, claro que nĂŁo, mĂŁe. â€” NĂŁo se preocupe — completou o pai, dirigindo com o orgulho de quem estĂĄ levando

filho para a imortalidade dos concursos de dança. — VocĂȘ ensaiou tanto no seu quarto que sque vai conseguir as notas mĂĄximas de todos os jurados. Vai ser dez atrĂĄs de dez!

 â€” E a vovĂł? SerĂĄ que ela nĂŁo vai ficar me esperando? — perguntou Ben, tenso.Aquela era a noite combinada para o roubo das Joias da Coroa, mas em vez disso e

estava a caminho de um concurso de dança, apesar de nunca ter dado uma pirueta na vida. Nas duas semanas anteriores, ele tinha evitado pensar no concurso, mas a hora tin

chegado.Ia mesmo acontecer.Ben ia fazer um nĂșmero solo de dança.E ele nem tinha preparado uma coreografia.

Em frente a um auditĂłrio lotado de gente... â€” Ah, nĂŁo se preocupe com sua avĂł — disse a mĂŁe. — Ela nem sabe que dia Ă© hoje! —

Ela riu, o carro parando bruscamente em um sinal vermelho e o rĂ­mel se espalhando por todasua testa.

Eles chegaram à sede da prefeitura. Ben via uma torrente de lycra multicoloridadentrando o prédio.

Se alguém na escola descobrisse que ele era um dos participantes, seria seu fim. OvalentÔes teriam a munição perfeita para transformar sua vida em um inferno. E pior: ele nã

tinha ensaiado seu nĂșmero. Nem uma sĂł vez. NĂŁo tinha ideia do que iria fazer no palco.Aquele concurso ia revelar os melhores dançarinos infantis da regiĂŁo. Havia prĂȘmios pa

o melhor casal, o melhor solo masculino e o melhor solo feminino.O vencedor daquela noite teria a chance de representar seu estado e, vencendo os outr

estados, teria a chance de representar seu país.Aquele era o primeiro passo na estrada do superestrelato internacional na dança. E

apresentador da noite era ninguĂ©m menos que o galĂŁ de  Dançando com Superestrelas e Ă­dode sua mĂŁe, Flavio Flavioli.

 â€” É maravilhoso ver tantas belas mulheres aqui esta noite — ronronou ele com s

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sotaque italiano.Flavio parecia ter ainda mais brilho na vida real. Seu cabelo era liso e negro, os dent

muito brancos e o figurino tĂŁo justo que ele parecia estar enrolado em filme plĂĄstico. â€” Mas o que eu quero saber Ă©: estamos todos prontos para uma rumba?A plateia gritou em unĂ­ssono:“Sim!”

 â€” NĂŁo estou ouvindo vocĂȘs. Eu perguntei: estamos prontos para uma rumba?“Sim!”, gritaram um pouco mais alto.Ben ouvia tudo dos bastidores, os nervos Ă  flor da pele. Ele escutou uma voz gritando “E

amo vocĂȘ, Flavio!” que soou suspeitamente parecida com a de sua mĂŁe.Ben olhou ao redor do camarim. Aquele evento bem que poderia ser a convenção d

crianças mais chatas do mundo. Todas pareciam tĂŁo insuportavelmente precoces, enfeitadcom aqueles figurinos extravagantes de lycra, cobertas de autobronzeador e com dentes tĂŁbrancos e reluzentes que sem dĂșvida podiam ser vistos do espaço sideral.

Ben olhava cheio de ansiedade para seu relógio, sabendo que ia se atrasar terrivelmenpara encontrar a avó. Ele esperou e esperou enquanto aquelas crianças excessivamenmaquiadas valsavam, tangavam, foxtrotavam e cha-cha-chavam.

AtĂ© que finalmente chegou sua vez. Ele esperou nas coxias enquanto Flavio o apresentava â€” Agora Ă© a vez de um menino daqui mesmo da cidade, que vai nos deliciar com u

nĂșmero solo de dança. Por favor, palmas para Ben!Flavio deslizou para fora do palco quando Ben surgiu, meio sem jeito, sentindo o figurin

de lycra “Explosão de Amor” enfiando-se desconfortavelmente no seu bumbum.

Ben ficou sozinho no meio da pista de dança. Um refletor lançou luz sobre ele. A mĂșsicomeçou. Ele estava rezando para que houvesse alguma escapatĂłria. Ficaria feliz se qualqucoisa acontecesse, simplesmente qualquer coisa, entre elas:

AlguĂ©m disparar o alarme de incĂȘndioUm terremotoA Terceira Guerra MundialOutra Era GlacialUm enxame mortal de abelhas assassinas

Um meteoro despencar do espaço, colidir com a Terra e deslocå-la de seu eixoUm tsunamiFlavio Flavioli ser atacado por centenas de zumbis åvidos por miolosUm furacão/tornado (ele não sabia exatamente a diferença entre um e outro, mas qualqu

um serviria)Uma nave alienígena abduzi-lo e não retornar à Terra por milhares de anosDinossauros voltarem à Terra através de alguma espécie de portal espaço-tempora

entrarem pelo teto e devorarem todo mundo ali

Uma erupção vulcùnica, apesar de, infelizmente, ele achar que não havia vulcÔes por per

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Um ataque de lesmas gigantesAté um ataque de lesmas de tamanho médio serviria

* * *

Ben nĂŁo estava exagerando. Qualquer uma dessas alternativas teria servido.

A mĂșsica tocou por algum tempo, e Ben se deu conta de que ainda nĂŁo tinha se mexidOlhou para os pais, que sorriam de felicidade ao ver o filho finalmente no centro do palco.Olhou para as coxias, de onde o sempre sorridente Flavio Flavioli lhe mandava um sorri

de encorajamento. Por favor, que o chĂŁo se abra agora mesmo...

 NĂŁo abriu. NĂŁo havia escolha alĂ©m de fazer alguma coisa. Qualquer coisa.Ele começou a movimentar as pernas, e entĂŁo os braços, depois a cabeça. Nenhuma par

de seu corpo se movia no ritmo ou em sequĂȘncia, e pelos cinco minutos seguintes ele balançoo corpo freneticamente na pista de dança em um estilo que sĂł podia ser classificado cominesquecĂ­vel: por mais que vocĂȘ tentasse, nĂŁo conseguiria esquecer.

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Ele tentou fazer uma pirueta no final, justo quando a mĂșsica parou, e pousou no chĂŁo coum baque surdo.

Fez-se silĂȘncio.Um silĂȘncio ensurdecedor .EntĂŁo ele ouviu uma Ășnica pessoa começar a aplaudir. Ele ergueu os olhos.Era sua mĂŁe.Depois outra pessoa se juntou a ela.Era seu pai.Por alguns segundos ele achou que aquele podia ser um desses momentos que a gente v

nos filmes, quando o fracassado supera todas as dificuldades: que logo todo mundo no salãestaria de pé aplaudindo e dando vivas ao garoto local que finalmente tinha deixado os paorgulhosos e, ao mesmo tempo, reinventado a dança para sempre.

E fim de filme.Mas, bem, nĂŁo foi assim. NĂŁo foi isso o que aconteceu.ApĂłs alguns instantes, seus pais se sentiram envergonhados por serem as Ășnicas pesso

aplaudindo e pararam.Flavio voltou ao palco.

 â€” Ora, isso foi, isso foi... — Pela primeira vez o galĂŁ italiano parecia estar sem palavra— Jurados, Ă© hora de dar suas notas para Ben.

 â€” Zero — disse o primeiro. â€” Zero. â€” Zero.

SĂł faltava mais uma nota. SerĂĄ que Ben ia ganhar quatro zeros?Mas a Ășltima jurada deve ter sentido pena do garotinho suado que provavelmente tinhenvergonhado sua famĂ­lia por vĂĄrias geraçÔes com aquela exibição Ă©pica de falta de talentEla remexeu nas placas de notas sob a mesa.

 â€” Um — anunciou.O pĂșblico gritou e vaiou, por isso ela corrigiu a nota:

 â€” PerdĂŁo, eu quis dizer zero.E ergueu a placa que escolhera originalmente.

 â€” Notas um tanto decepcionantes dos juĂ­zes — disse Flavio, ainda fazendo esforço pasorrir. — Mas, meu jovem, nem tudo estĂĄ perdido. Como foi o Ășnico rapaz a se inscrever ncategoria solo esta noite, vocĂȘ Ă© o vencedor. Por isso, lhe entrego esta estatueta de plĂĄsticmaciço.

Flavio pegou um trofĂ©u de aparĂȘncia barata moldado no formato de um menino dançandoo entregou a Ben.

 â€” Senhoras e senhores, meninos e meninas, uma salva de palmas para Ben!Mais uma vez o silĂȘncio. Nem os pais dele ousaram aplaudir.

Então começaram as vaias, depois as zombarias e então os gritos: “QUE VERGONHA!

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“NÃO!”,“ISSO É ARMAÇÃO!”.O sorriso perfeito de Flavio começou a se desfazer. Ele se abaixou e sussurrou no ouvid

de Ben: â€” É melhor vocĂȘ sair daqui antes de ser linchado. Naquele exato momento, um sapato de sapateado foi arremessado dos fundos da platei

Provavelmente o alvo era Ben, mas acabou atingindo Flavio bem na testa, fazendo-o a cainconsciente no chĂŁo.

 Hora de me despedir e cair fora, pensou Ben.

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22

Os valentÔes da gangue

de lycra

Uma multidĂŁo revoltada de fĂŁs de dança de salĂŁo perseguia o pequeno carro marrom pela ruOlhando pelo vidro de trĂĄs, Ben pensou que aquela devia ser a Ășnica vez na histĂłria qualguĂ©m era perseguido por um grupo formado exclusivamente de pessoas usando lycra.

O pai pisou fundo no acelerador...

VVVVVVVRRRRRRRR

 RRRRRROOOOOOOOOMMMMMMMMM!... EntĂŁo eles viraram uma esquina e perderam os linchadores de vista.

 â€” Graças a Deus eu estava lĂĄ para fazer respiração boca a boca em Flavio! — dissemĂŁe, do banco da frente.

 â€” Ele sĂł estava inconsciente, mĂŁe. NĂŁo tinha parado de respirar — retrucou Ben, d

banco de trĂĄs. â€” Precaução nunca Ă© demais — respondeu ela, retocando o batom, jĂĄ que o gastara tobeijando o rosto e o pescoço de Flavio.

 â€” Sua apresentação foi, em uma palavra, horrorosa e vergonhosa — pronunciou-se o pa â€” Isso sĂŁo duas palavras — corrigiu Ben, com uma risadinha. — TrĂȘs, se contar o “e”. â€” NĂŁo banque o espertinho comigo, rapaz — respondeu o pai, mal-humorado. — Isso n

Ă© motivo de piada. Eu tive vergonha de vocĂȘ. Vergonha. â€” Isso mesmo, vergonha — concordou a mĂŁe.

Ben daria qualquer coisa para desaparecer. Abriria mĂŁo de todo o seu passado e futudesde que nĂŁo tivesse que estar ali, naquele momento, sentado no banco traseiro do carro dpais.

 â€” Sinto muito, mĂŁe — disse Ben. — Eu queria deixĂĄ-los orgulhosos, queria mesmo.Aquilo era verdade: deixar os pais envergonhados, bem, era sem dĂșvida a Ășltima coi

que ele queria, por mais estĂșpidos que eles parecessem Ă s vezes. â€” Pois vocĂȘ tem um jeito estranho de demonstrar isso — disse a mĂŁe. â€” Eu sĂł nĂŁo gosto de dançar.

 â€” Essa nĂŁo Ă© a questĂŁo. Sua mĂŁe passou horas fazendo seu figurino — disse o pai.

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É estranho o modo incisivo como os pais se referem um ao outro como “seu pai” ou “smãe” quando estão dando uma bronca, como se o termo de repente assumisse uma carsombria.

 â€” VocĂȘ nĂŁo fez nenhum esforço lĂĄ no palco — prosseguiu o pai. — Acho que vocĂȘ neensaiou. Nem uma Ășnica vez. NĂłs trabalhamos o dia inteiro para lhe dar as oportunidades qununca tivemos, e Ă© assim que vocĂȘ nos agradece...

 â€” Com desprezo — acusou a mĂŁe. â€” Desprezo — repetiu o pai.Uma Ășnica lĂĄgrima escorreu pelo rosto do menino. Ele a pescou com a lĂ­ngua. Tinha u

gosto amargo. Os trĂȘs permaneceram em silĂȘncio atĂ© estacionarem em frente Ă  casa. NĂŁo disseram uma palavra ao descerem do carro e entrarem na casa. Assim que o p

girou a chave, Ben correu para seu quarto e bateu a porta. Ficou sentado na cama, ainda eseu traje “Explosão de Amor”.

Ben nunca se sentira tão solitårio. Estava muito atrasado para encontrar a avó. Não tinha decepcionado os pais como tinha decepcionado também a pessoa que ele passara a ammais do que qualquer outra: a avó.

Agora eles nunca iriam roubar as Joias da Coroa.Exatamente naquele instante, Ben ouviu uma batidinha na janela.Era a vovó.Usando um traje de mergulho, a velhinha tinha subido por uma escada até a janela d

quarto dele. â€” Abra! — disse ela, mexendo a boca de modo exagerado, embora ele nĂŁo estives

ouvindo nada.Ben nĂŁo conseguiu evitar um sorriso. Abriu a janela e puxou a avĂł para dentro, como upescador puxando um peixe bem grande para seu barco.

 â€” VocĂȘ estĂĄ muito atrasado — repreendeu-lhe enquanto Ben a conduzia atĂ© a cama. â€” Eu sei, sinto muito. â€” Combinamos de nos encontrar Ă s sete. JĂĄ sĂŁo dez e meia. O tĂŽnico que eu dei a

guardas da Torre logo vai perder o efeito. â€” Sinto muito mesmo. É uma longa histĂłria — disse Ben.

A vovĂł se sentou na cama e o olhou de cima a baixo. â€” E por que vocĂȘ estĂĄ vestido como um cupido maluco? — perguntou ela. â€” Como eu disse, Ă© uma longa histĂłria...Digamos que a vovĂł nĂŁo podia falar da roupa dele, estando ela prĂłpria com tra

completo de mergulho, mĂĄscara e tudo, mas naquele instante nĂŁo havia tempo para entrar nesdiscussĂŁo.

 â€” RĂĄpido, rapaz, vista a roupa de mergulho e desça depois de mim pela escada. Vaquecendo meu carrinho elĂ©trico.

 â€” Vamos mesmo roubar as Joias da Coroa, vovĂł?

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 â€” Ora, vamos pelo menos tentar! — disse a velhinha, com um sorriso.

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23

Pegos pela polĂ­cia

Lå foram eles seguindo vagarosamente pela cidade, o carrinho elétrico zunindo. Vovó estavna direção e Ben se segurava na garupa, ambos com trajes de mergulho e måscaras. Ncestinha do veículo ia a bolsa da vovó, embrulhada em quilÎmetros de filme plåstico.

Ao ver Raj fechando a banca de jornal, a vovĂł gritou para ele: â€” OlĂĄ, Raj querido, nĂŁo se esqueça de guardar uns pacotes de bala de menta para mim

segunda-feira!Raj olhou em choque para a dupla, boquiaberto.

 â€” NĂŁo sei o que deu nele. Costuma ser tĂŁo falante!

Era uma boa distùncia até Londres, ainda mais em um carrinho elétrico com velocidadmåxima de cinco quilÎmetros por hora (com dois passageiros).

Depois de algum tempo, Ben percebeu que as ruas começaram a ficar cada vez malargas, com duas pistas e, depois, trĂȘs.

 â€” Meleca! Estamos na autopista! — berrou Ben da garupa enquanto caminhĂ”es de dtoneladas passavam desabalados, forçando o carrinho para fora da estrada sĂł com deslocamento de ar que provocavam.

 â€” Menino, nĂŁo fale desse jeito. É feio! — disse a vovĂł. — Agora segure firme, porq

vou acelerar!Logo em seguida um caminhĂŁo-tanque imenso passou roncando a centĂ­metros de su

cabeças, buzinando. â€” Meleca! E que meleca melecuda! — exclamou a velhinha. â€” VovĂł! — disse Ben, chocado. â€” Ops, escapou! — disse ela.Os adultos nunca davam exemplo.

 â€” VovĂł, acho que essa coisa nĂŁo foi feita para andar na autopista — disse Ben.

Justo naquele momento, um caminhĂŁo ainda maior passou zunindo. Ben sentiu as rodas dcarrinho se erguerem por um segundo no ar, sugadas pelo vĂĄcuo do caminhĂŁo.

 â€” Vou pegar a prĂłxima saĂ­da — gritou a vovĂł.Mas antes que ela pudesse fazer isso, ouviram uma sirene e perceberam luzes azuis atr

deles, girando e piscando. â€” Ah, nĂŁo, sĂŁo os tiras! Vamos ver se conseguimos despistĂĄ-los.

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Ela forçou ao måximo o carrinho, que pulou de cinco para cinco quilÎmetros e meio p

hora.O carro da polícia alcançou-os, e o policial lå dentro gesticulou com raiva, mandando el

encostarem. â€” VovĂł, Ă© melhor a senhora obedecer — disse Ben. — É o fim da linha. â€” Deixe que eu cuido disso, rapaz.Ela parou a motoca no acostamento enquanto a viatura policial estacionava na frente dele

impedindo qualquer possibilidade de fuga. Era um carro grande, que fazia o carrinho elétriparecer ainda menor, assim como um anão parece pequeno ao lado de... Bem, ao lado

qualquer pessoa. â€” Este veĂ­culo pertence Ă  senhora? — perguntou o policial.Ele era gordo e tinha um bigodinho que fazia seu rosto redondo parecer ainda maior. Su

expressão presunçosa sugeria que repreender pessoas era seu passatempo favorito. Ou talvo segundo melhor, logo depois de comer donuts. No distintivo em seu peito estava escrito CaLorota.

 â€” Algum problema, senhor policial? — perguntou inocentemente a avĂł, sua mĂĄscara upouco embaçada devido a toda aquela agitação.

 â€” HĂĄ um problema, sim. Carrinhos elĂ©tricos sĂŁo absolutamente proibidos em autopist— respondeu ele, em tom superior.

(Outros meios de transportes que nĂŁo tĂȘm permissĂŁo para circular na autopista sĂŁo:

SkateCanoaPatinsCarroça

Carrinho de compras

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MonocicloTrenĂłRiquixĂĄCameloTapete mĂĄgico)

 â€” Puxa, muito obrigada por nos alertar, senhor policial. Da prĂłxima vez nĂŁo vamesquecer. Agora, se nos dĂĄ licença, estamos um pouco atrasados. AtĂ© logo! — disse a vovcom um sorriso, jĂĄ voltando a ligar o carrinho.

 â€” A senhora andou bebendo? â€” Tomei um pouco de sopa de repolho antes de sair. â€” Eu me refiro a ĂĄlcool. — Ele suspirou. â€” Tomei uma tacinha de licor de chocolate na terça-feira Ă  noite. Isso conta?Ben nĂŁo conseguiu segurar uma risadinha.Os olhos do Cap. Lorota se estreitaram.

 â€” EntĂŁo a senhora poderia me explicar por que estĂĄ vestindo esse traje de mergulho e sbolsa embrulhada em filme plĂĄstico?

 NĂŁo seria fĂĄcil explicar aquilo. â€” Porque... Porque... HĂŁ... — VovĂł nĂŁo sabia o que responder.Era o fim da linha para eles.

 â€” Porque somos da Sociedade dos Apreciadores de Filme PlĂĄstico — disse Ben co

autoridade. â€” Eu nunca ouvi falar nisso! — retrucou Cap. Lorota, com desdĂ©m. â€” Somos uma organização muito recente ainda — disse Ben. â€” Temos apenas dois membros — acrescentou vovĂł. — E gostamos de manter

sociedade bem discreta, por isso fazemos nossas reuniĂ”es embaixo d’água, daĂ­ a necessidaddos trajes de mergulho.

O policial parecia completamente embasbacado. E a vovĂł nĂŁo parava de falaprovavelmente tentando deixĂĄ-lo ainda mais atordoado.

 â€” Agora, se nos permite, estamos com certa pressa. Temos que chegar a Londres pauma reuniĂŁo importante com a Associação dos Apreciadores de PlĂĄstico Bolha. Estampensando em fundir as duas organizaçÔes.

Cap. Lorota ficou sem palavras. â€” Quantos membros tem essa outra aĂ­? â€” SĂł um — disse a vovĂł. — Mas se nos unirmos, podemos economizar muito co

saquinhos de chå, fotocópias, clipes de papel e outras coisinhas desse tipo. Até logo!Ela então pisou fundo no acelerador e o carrinho elétrico arrancou.

 â€” PAREM! — ordenou Cap. Lorota, estendendo as mĂŁos gorduchas Ă  frente.

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Ben congelou em pĂąnico. Ainda nĂŁo tinha nem doze anos e jĂĄ ia passar o resto da vida ncadeia.

O policial se abaixou e aproximou o rosto do de vovĂł. â€” Eu dou uma carona a vocĂȘs.

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Água escuras

— Pode nos deixar aqui, por favor — disse a vovĂł do banco de trĂĄs da viatura. — Bem efrente Ă  Torre. Muito obrigada.O policial teve que se esforçar para tirar o carrinho elĂ©trico da mala do carro.

 â€” Certo, e da prĂłxima vez lembre-se que esse tipo de veĂ­culo deve ser usado apenas ecalçadas, nĂŁo em avenidas e muito menos em autopistas.

 â€” EstĂĄ bem, senhor policial — respondeu a vovĂł, com um sorriso. â€” EntĂŁo boa sorte para vocĂȘs dois com toda a... HĂŁ...Essa coisa de aliança entre o film

plĂĄstico e o plĂĄstico bolha.

E com isso Cap. Lorota acelerou e desapareceu na noite, deixando vovĂł e Ben admiranda magnĂ­fica e milenar Torre de Londres na margem oposta do rio. Era ainda mais espetacularnoite, com as quatro torres e domos iluminados, seus reflexos reluzindo na superfĂ­cie friaescura do TĂąmisa.

A Torre antigamente era uma prisão e conta com uma lista de ex-presidiårios ilustr(incluindo a então-futura-rainha Elizabeth I, o aventureiro Sir Walter Raleigh, o terrorista GuFawkes, o líder nazista Rudolf Hess e os cantores Jedward*). Hoje em dia, entretanto, a Toré um museu, além de abrigar as valiosas Joias da Coroa em um aposento especial, a Casa d

Joias.A improvåvel dupla de ladrÔes estava parada às margens do rio.

 â€” Pronto? — perguntou a vovĂł, sua mĂĄscara completamente embaçada depois de passmais de uma hora sentada no banco de trĂĄs de uma viatura policial.

 â€” Pronto — disse Ben, tremendo de empolgação. — Vamos lĂĄ.Segurando a mĂŁo do neto, ela começou a contar:

 â€” TrĂȘs, dois, um...E pularam nas ĂĄguas escuras.

A ĂĄgua estava congelante, mesmo com os trajes de mergulho, e por alguns instantes Ben via escuridĂŁo em volta. Era assustador e emocionante ao mesmo tempo.

Quando suas cabeças despontaram na superfície, Ben tirou o snorkel da boca por uinstante.

 â€” Tudo bem com a senhora, vovĂł? â€” Nunca me senti mais viva.Atravessaram o rio nadando cachorrinho. Ben, nunca tendo sido muito bom em nataçã

ficou um pouquinho para trĂĄs. Desejou secretamente ter levado consigo uma boia ou ucolchĂŁo inflĂĄvel.

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Um grande barco de festa, com mĂșsica e jovens falando alto, passava pelo rio. A vovĂł estava bem Ă  frente, e Ben a perdeu de vista.

 Ah, nĂŁo!

SerĂĄ que ela fora atropelada pelo barco?SerĂĄ que a vovĂł estava agora em um tĂșmulo subaquĂĄtico no fundo do TĂąmisa?

 â€” Ande logo, seu molenga! — gritou ela quando o barco passou e eles tornaram a ver u

ao outro.Com um suspiro de alĂ­vio, Ben continuou a atravessar as ĂĄguas profundas, escuras e sujaSegundo o mapa da Revista do Encanador , a tubulação de esgoto ficava bem Ă  esquer

do PortĂŁo dos Traidores. (Uma entrada da Torre acessĂ­vel apenas pelo rio, pela qual muitprisioneiros eram levados para ser trancafiados pelo resto de suas vidas ou decapitados. Hoem dia o PortĂŁo dos Traidores encontra-se fechado com tijolos, por isso a tubulação de esgoera a Ășnica entrada disponĂ­vel pelo rio.)

EntĂŁo, com uma onda de alĂ­vio, Ben encontrou a manilha. Estava parcialmente submer

na ågua. Era escura e assustadora, e ele ouvia os ecos das ondas reverberando no interior.De repente, o menino começou a repensar toda aquela aventura. Por mais que gostasse

encanamentos, nĂŁo queria ter que rastejar por uma tubulação de esgoto tĂŁo velha. â€” Vamos lĂĄ, Ben — chamou vovĂł flutuando na ĂĄgua, sua cabeça subindo e descendo. —

Não viemos até aqui para desistir agora.Certo, pensou Ben. Se uma velhinha pode fazer isso, então é óbvio que eu também poss

Ele respirou fundo e entrou na tubulação. A vovó foi logo atrås.Lå dentro reinava a escuridão completa. Depois de avançar alguns metros, Ben sentiu alg

andando na sua cabeça. Ouviu um ruído: “iiiic iiiic”. E sentiu algo arranhar seu coucabeludo.

Pareciam pequenas garras.Ele levou a mão à cabeça.Sentiu algo grande e peludo. Então se deu conta da terrível verdade.

ERA UM RATO!Uma ratazana gigante estava agarrada a sua cabeça.

 â€” AAAAAAAAHHHHHHH! â€” gritou Ben.

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* Este Ășltimo Ă© invenção minha, mas Ă© que eu adoraria ver os Jedward trancados para sempre na Torre de Londres por crimcontra a mĂșsica.

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Assombrados por fantasmas

O grito de Ben ecoou por toda a tubulação. Arrancando o rato da cabeça, ele acabou jogando bicho em cima da vovĂł, que vinha logo atrĂĄs dele. â€” Coitadinho dele — disse ela. — Seja gentil com os animais, querido. â€” Mas... â€” Ele estava aqui antes de nĂłs. Agora vamos, temos que correr. O bolo de chocolate co

tĂŽnico para insĂŽnia que eu dei aos guardas deve perder o efeito logo, logo.A dupla seguiu rastejando pela tubulação. Era tudo Ășmido e escorregadio lĂĄ dentro, alĂ©

de ter um cheiro horrĂ­vel. (Infelizmente, eles descobriram que cocĂŽ velho ainda fede muito.)

Depois de algum tempo, Ben viu uma nesga acinzentada em meio Ă  escuridĂŁo total. Erafim do tĂșnel, finalmente!

Ele alçou o corpo para fora da antiga latrina de pedra e ajudou a avó a fazer o mesmEstavam cobertos dos pés à cabeça de uma esquisita gosma negra, fedida e nojenta.

Parados no interior do banheiro frio e escuro, Ben espiou por uma janela. Pularam por ee aterrissaram na grama Ășmida e fria do pĂĄtio interno da Torre.

Por alguns momentos eles ficaram agachados ali, contemplando a lua e as estrelas. Bsegurou a mão da avó. Ela apertou a dele com força.

 â€” Isso Ă© incrĂ­vel — disse o menino. â€” Vamos lĂĄ, querido — sussurrou ela. — Ainda nem começamos!Ben entĂŁo ficou de pĂ© e ajudou a vovĂł a se levantar. Ela imediatamente começou

desembrulhar o filme plĂĄstico com o qual impermeabilizara a bolsa.Aquilo levou vĂĄrios minutos.

 â€” Acho que exagerei no filme plĂĄstico. Mas Ă© melhor pecar por excesso.Por fim, todo o quilĂŽmetro de filme plĂĄstico foi desenrolado, e a vovĂł entĂŁo pegou u

mapa que Ben tinha recortado de um livro da biblioteca da escola para que aqueles do

improvåveis ladrÔes pudessem localizar a Casa das Joias.Era horripilante estar no påtio da Torre à noite.Dizem que a construção é assombrada pelos fantasmas das pessoas que morreram naque

local. Ao longo dos anos, muitos guardas fugiram aterrorizados, alegando terem visto, tarde noite, vĂĄrias figuras histĂłricas que faleceram ali.

Agora, porém, havia algo ainda mais estranho andando pelo påtio.A vovó em trajes de mergulho!

 â€” Por aqui — sussurrou ela, e Ben a seguiu por uma passagem entre dois muros. Esentia o coração bater tĂŁo rĂĄpido que teve medo de o ĂłrgĂŁo explodir.

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ApĂłs alguns minutos os dois estavam diante da Casa das Joias, de onde viam a torre verde o monumento aos decapitados ou enforcados ali. Ben se perguntou se ele e sua avĂł seriaexecutados caso fossem pegos roubando as Joias da Coroa. Sentiu um calafrio na coluna.

Havia dois guardas caídos no chão, roncando alto. Seus imaculados uniformes evermelho e preto com o emblema “ER” estavam ficando sujos no chão molhado. O tînico painsînia de ervas no bolo de chocolate da vovó tinha funcionado.

Mas por quanto tempo?

Quando passou correndo por eles, o traseiro da avĂł emitiu um grasnado familiar. O narde um dos guardas se franziu com o cheiro.

Ben prendeu a respiração, não apenas por causa do cheiro, mas também porque estavapavorado.

SerĂĄ que o pum da avĂł ia acordar o guarda e arruinar tudo?Uma eternidade se passou em um Ășnico momento...EntĂŁo o guarda abriu um olho.

 Ah, nĂŁo!

A vovó empurrou Ben para trås e levantou a bolsa, como se fosse lançå-la contra o guard

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 Pronto, pensou Ben. VĂŁo nos enforcar!

Mas o guarda fechou o olho de novo e continuou a roncar. â€” VovĂł, por favor, tente controlar o seu intestino — disse Ben. â€” Eu nĂŁo fiz nada — disse ela, inocentemente. — Deve ter sido vocĂȘ.Seguiram na ponta dos pĂ©s atĂ© a grande porta de aço que protegia a Casa das Joias.

 â€” Certo, agora eu sĂł preciso da furadeira do seu pai — disse a vovĂł, procurando dentda bolsa.

Com um ruído rascante e vibrante, ela começou a perfurar a série de trancas da porta. Uma uma as trancas de metal caíram no chão.

De repente, um dos guardas roncou extremamente alto:

 ZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZBen congelou e vovĂł quase deixou a furadeira cair. Mas os guardas continuaram dormind

e, apĂłs alguns minutos de muita tensĂŁo, eles conseguiram finalmente destrancar a porta.VovĂł parecia exausta. O suor escorria de sua testa. Ela se sentou sobre uma mureta por u

instante e em seguida pegou da bolsa uma garrafa tĂ©rmica. â€” Sopa de repolho? — ofereceu. â€” NĂŁo, obrigado, vovĂł — respondeu Ben. Ele se remexeu, inquieto. — É melhor irm

logo antes que os guardas acordem. â€” Quanta pressa! Os garotos de hoje em dia fazem tudo correndo. PaciĂȘncia Ă© um

virtude.Ela engoliu o restinho da sopa de repolho e se levantou.

 â€” DelĂ­cia! Agora vamos acabar logo com isso! — disse ela.A enorme porta de aço abriu-se com um rangido, e Ben e a vovĂł entraram na Casa d

Joias.Do seu interior saiu um amontoado de penas negras que acertaram Ben e a vovĂł no rost

Ben levou um susto tĂŁo grande que gritou de novo. â€” Psssttt! — fez a vovĂł. â€” O que foi isso? — perguntou ele ao ver as criaturas aladas desaparecerem no c

escuro. — Morcegos?

 â€” NĂŁo, querido, corvos. HĂĄ dezenas deles aqui. Os corvos vivem na Torre de Londres sĂ©culos. â€” Este lugar Ă© assustador — disse Ben, o estĂŽmago embrulhado de medo. â€” Ainda mais Ă  noite — concordou a vovĂł. — Agora fique perto de mim, rapazinh

porque vocĂȘ ainda nĂŁo viu nada...

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Uma figura no escuro

Um corredor comprido e sinuoso se estendia diante deles. Era ali que os turistas de todomundo passavam horas na fila para ver as Joias da Coroa. AvĂł e neto seguiram por aquecorredor em silĂȘncio e na ponta dos pĂ©s, deixando no chĂŁo uma trilha de gotas geladasfedidas da ĂĄgua do TĂąmisa.

Finalmente, ao virarem uma curva, chegaram ao salĂŁo principal onde eram guardadtodas as joias. Como raios de sol passando por entre nuvens em dias nublados, as joiiluminaram os rostos de Ben e da vovĂł.

A dupla de ladrÔes parou, deslumbrada. Ficaram de boca aberta vendo os tesour

dispostos diante deles. Eram mais magníficos do que qualquer um poderia imaginar. Nverdade, era a coleção mais fantåstica de objetos preciosos do mundo.

Caro leitor, além de lindas e valiosíssimas, aquelas joias simbolizavam séculos dhistória. Havia vårias coroas reais:

 â€ą A coroa de Santo Eduardo, com a qual o novo rei ou rainha Ă© coroado pelo arcebispo d

Canterbury durante a cerimînia de coroação. É feita de ouro e decorada com safirastopázios. Uma joia e tanto!

‱ A Coroa Imperial do Estado, com trĂȘs mil gemas preciosas engastadas, entre elas Pequena Estrela da África (segunda maior pedra lapidada do maior diamante encontrado nmundo. NĂŁo, nĂŁo sei onde estĂĄ a Grande Estrela).

‱ A maravilhosa Coroa Imperial da Índia, ornamentada com cerca de seis mil diamanterubis e esmeraldas magnĂ­ficos. Infelizmente nĂŁo Ă© do meu tamanho.

‱ A Colher de Unção do sĂ©culo XII, utilizada para ungir o rei ou rainha com Ăłleo consagrad NĂŁo deve ser usada para comer pudim.

‱ E não podemos esquecer da Ampulla, a pequena jarra de ouro em forma de águia qu

guarda esse Ăłleo consagrado. É como uma garrafa tĂ©rmica, sĂł que de gente grĂŁ-fina.‱ E, finalmente, os famosos orbes e cetros. Quanta tralha, nĂŁo?

Se as Joias da Coroa fossem itens de um catĂĄlogo de compras por correio, seriaapresentadas mais ou menos assim:

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VovĂł pegou a sacola de supermercado que sempre levava bem dobrada em sua bolsestava pronta para enchĂȘ-la com as joias.

 â€” Certo, sĂł precisamos arrebentar esse vidro — sussurrou ela.Ben olhou para a avĂł sem acreditar.

 â€” Acho meio difĂ­cil que todas essas joias caibam aĂ­. â€” Puxa, me desculpe, querido — sussurrou ela. — Hoje em dia eles estĂŁo cobrando cin

centavos por cada sacola, entĂŁo sĂł comprei uma.O vidro tinha vĂĄrios centĂ­metros de espessura.

E era Ă  prova de balas.Ben misturou os produtos quĂ­micos que tinha surrupiado do laboratĂłrio de ciĂȘncias pa

fazer um...

CCCCCAAAAAAAAABBBBBBBBBBU... Se ele conseguisse detonĂĄ-los.Eles grudaram os produtos no vidro com massa epĂłxi. Depois a avĂł enfiou na massa

ponta de um novelo de lĂŁ cor-de-rosa. (A lĂŁ seria um pavio perfeito.) EntĂŁo ela tirou algu

fĂłsforos sabe-se lĂĄ de onde. Eles sĂł nĂŁo podiam esquecer de manter-se a certa distĂąnci

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senĂŁo acabariam explodindo junto. â€” Tudo pronto, Ben — murmurou a vovĂł. — Agora vamos para bem longe desse vidro.A dupla recuou para trĂĄs de uma parede, desenrolando a lĂŁ cor-de-rosa pelo caminho.

 â€” Quer acender o pavio? — perguntou a vovĂł.Ben assentiu. Mas, embora quisesse muito, suas mĂŁos tremiam tanto de empolgação qu

ele nĂŁo sabia se ia conseguir.Ben abriu a caixinha. SĂł tinha dois fĂłsforos.Ele riscou o primeiro, mas suas mĂŁos trĂȘmulas o partiram ao meio.

 â€” Ah, querido — murmurou a vovĂł. — Tente de novo.Ben pegou o segundo fĂłsforo.Tentou riscĂĄ-lo, mas nĂŁo aconteceu nada. Devia ter caĂ­do um pouco de ĂĄgua da manga

seu traje de mergulho. Agora tanto o fĂłsforo quanto a caixa estavam ensopados. â€” NĂŁĂŁĂŁĂŁooo! — gritou ele em desespero. — Meus pais tĂȘm razĂŁo. Eu sou um inĂștil. N

consigo nem acender um fósforo!A avó envolveu o neto em seus braços. O contato fez seus trajes de mergulho soltare

ruĂ­dos emborrachados. â€” NĂŁo fale assim, Ben. VocĂȘ Ă© um menino maravilhoso. De verdade. Desde q

começamos a passar tanto tempo juntos, sou cem vezes mais feliz do que jamais poderexpressar.

 â€” SĂ©rio? â€” Claro! — respondeu a vovĂł. — E vocĂȘ Ă© muito, mas muito esperto mesmo. Planej

todo este golpe extraordinĂĄrio sozinho, tendo apenas onze anos.

 â€” Quase doze — disse Ben.A vovĂł deu uma risadinha. â€” Bom, vocĂȘ entendeu, querido. Quantas outras crianças da sua idade seriam capazes d

planejar algo tĂŁo ousado assim? â€” Mas agora nĂŁo podemos mais roubar as Joias da Coroa, entĂŁo isso tudo foi uma enorm

perda de tempo. â€” Ainda nĂŁo acabou — disse a vovĂł, sacando uma lata de sopa de repolho da bolsa. —

Sempre podemos apelar para a boa e velha força bruta!

Ela lhe entregou a lata. Ben a pegou com um sorriso, entĂŁo foi atĂ© as joias. â€” LĂĄ vai! — disse ele, levantando a lata para lançå-la no vidro. â€” Por favor, nĂŁo — disse uma voz vindo das sombras.Ben e a vovĂł congelaram de pavor.SerĂĄ que era um fantasma?

 â€” Quem estĂĄ aĂ­? — perguntou Ben.A figura avançou para a luz.Era a rainha.

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Uma audiĂȘncia com a rainha

— Mas o que diabos vocĂȘ estĂĄ fazendo aqui? — perguntou Ben. — HĂŁ... Quero dizer, o quesenhora estĂĄ fazendo aqui, Vossa Majestade? â€” Gosto de vir aqui quando nĂŁo consigo dormir — respondeu a rainha.Ela falava com aquela sua voz elegante e instantaneamente familiar. Ben e a vovĂł ficara

surpresos ao vĂȘ-la de camisola e pantufas de cogis. Ela usava a coroa de Santo Eduardo,mais magnĂ­fica de todas as Joias da Coroa BritĂąnica. O arcebispo de Canterbury a colocaem sua cabeça quando ela se tornara rainha, em 1953. A coroa, que data de 1661, Ă© feita douro e incrustada com diamantes, rubis, pĂ©rolas, esmeraldas e safiras.

Era impressionante, atĂ© para a rainha! â€” Venho aqui para pensar — continuou ela. — Peço a meu motorista que me traga n

Bentley lĂĄ do PalĂĄcio de Buckingham. Vou fazer meu discurso de Natal Ă  nação daquialgumas semanas e preciso pensar bem no que quero dizer. É mais fĂĄcil fazer isso com a corona cabeça. A questĂŁo Ă©: o que diabos vocĂȘs dois estĂŁo fazendo aqui?

Ben e a vovó se entreolharam, envergonhados. Levar uma bronca jå era chato, na melhdas hipóteses, mas levar uma bronca da rainha alcançara um novo nível de bronca, comdemonstra o simples gråfico mais à frente.

 â€” E por que vocĂȘs dois estĂŁo cheirando a cocĂŽ? Hein? — insistiu Sua Majestade. —Estou esperando uma resposta.

 â€” A culpa Ă© toda minha, Vossa Majestade — disse a vovĂł, fazendo uma reverĂȘncia. â€” NĂŁo Ă©, nĂŁo — disse Ben. — Fui eu que dei a ideia de roubarmos as Joias da Coroa. E

a convenci a fazer isso.

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 â€” É verdade — disse a vovĂł. — Mas nĂŁo foi isso o que eu quis dizer. Fui eu que comeccom toda essa histĂłria quando fingi ser uma ladra de joias de fama internacional.

 â€” O quĂȘ? â€” exclamou Ben. â€” PerdĂŁo? — disse a rainha. — Estou terrivelmente confusa, devo dizer. â€” Meu neto odiava ficar comigo nas noites de sexta-feira — disse a vovĂł. — Uma noi

eu ouvi quando ele telefonou para os pais reclamando que eu era muito chata...

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 â€” Mas vovĂł, eu nĂŁo acho mais isso! — protestou Ben. â€” NĂŁo tem problema, Ben, sei que as coisas mudaram desde entĂŁo. E na verdade eu e

mesmo chata. SĂł gostava de comer repolho e fazer palavras-cruzadas, e eu sabia lĂĄ no fundque vocĂȘ odiava essas coisas. EntĂŁo aproveitei algumas histĂłrias dos livros que leio padivertir vocĂȘ. Inventei que era uma famosa ladra de joias chamada de “Gata Negra”...

 â€” Mas e todos aqueles diamantes que a senhora me mostrou? — questionou Ben, chocade tambĂ©m com raiva por ter sido enganado.

 â€” NĂŁo valem nada, querido — respondeu a vovĂł. — SĂŁo de vidro. Eu encontrei aqui

em um brechĂł, dentro de um pote de sorvete.Ben olhava fixamente para ela. NĂŁo podia acreditar. Tudo aquilo, toda aquela histĂłr

incrĂ­vel era inventada. â€” NĂŁo acredito que a senhora mentiu para mim! â€” Eu... Eu... — balbuciou a vovĂł, sem saber o que dizer.Ben virou-se para ela, encarando-a com raiva.

 â€” EntĂŁo quer dizer que vocĂȘ nĂŁo Ă© nenhuma vovĂł vigarista — concluiu ele.EntĂŁo fez-se um silĂȘncio ensurdecedor na Casa das Joias.Seguido por uma tosse alta, muito grĂŁ-fina.

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 â€” A-ham — disse uma voz majestosa.

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Enforcados e esquartejados

— Lamento muitĂ­ssimo por interromper — disse a rainha em seu tom contido. — Mas serĂĄ qpoderĂ­amos voltar ao assunto mais relevante no momento? Ainda nĂŁo compreendo porqvocĂȘs dois estĂŁo na Torre de Londres, no meio da noite, cheirando a cocĂŽ e tentando roubminhas joias.

 â€” Bom, depois que começou, a mentira nĂŁo parou de crescer, Vossa Majestade —continuou a vovĂł, evitando os olhos de Ben. — Eu nĂŁo queria que as coisas chegassem a esponto. SĂł me deixei levar, acho. Era tĂŁo bom passar mais tempo com meu neto, ndivertindo... Era como nos velhos tempos, quando eu lia histĂłrias para ele dormir. Isso n

época em que ele não me achava chata.Ben não parava de se remexer, desconfortåvel. Também estava começando a se sen

culpado. A vovĂł tinha mentido para ele, o que era horrĂ­vel... Mas sĂł porque estava tristchateada por ele achĂĄ-la chata.

 â€” Eu tambĂ©m me diverti — murmurou ele.A vovĂł sorriu para ele.

 â€” Que bom, meu pequeno Benny. Sinto muito, de verdade... â€” A-ham — interrompeu a rainha.

 â€” Ah, sim — disse a vovĂł. — EntĂŁo, antes que eu percebesse, as coisas saĂ­ram controle, e começamos a planejar o roubo mais ousado de todos os tempos. Subimos petubulação de esgoto, por falar nisso. Normalmente nĂŁo fedemos assim, Vossa Majestade.

 â€” Sinceramente espero que nĂŁo.

AAAAAAAARRRRRGGGGGGHHHHHBen agora estava se sentindo realmente culpado. Mesmo que sua avĂł nunca tivesse sid

uma ladra de joias de fama internacional, ela com certeza nĂŁo era chata. Ela havia ajudado

planejar aquele roubo com ele, e agora os dois estavam ali, na Torre de Londres, Ă  meia-noitconversando com a rainha!

 Preciso fazer alguma coisa para ajudĂĄ-la, percebeu Ben. â€” O roubo foi ideia minha, Vossa Majestade — disse ele. — Sinto muito, muito mesmo. â€” Por favor, nĂŁo castigue meu neto — interferiu a vovĂł. — NĂŁo quero ver sua juventu

arruinada. Por favor, eu lhe imploro. NĂłs Ă­amos devolver as joias amanhĂŁ. Verdade! â€” Muito plausĂ­vel — murmurou a rainha. â€” É verdade! — exclamou Ben.

 â€” Por favor, faça o que quiser comigo, Vossa Majestade — continuou a vovĂł. —

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Tranque-me aqui na Torre para sempre, se quiser, mas imploro que deixe o menino ir.A rainha parecia perdida em seus pensamentos.

 â€” Eu nĂŁo sei bem o que fazer — disse por fim. — Fiquei comovida com sua histĂłrComo sabe, eu tambĂ©m sou avĂł, e meus netos Ă s vezes me acham chata.

 â€” SĂ©rio? — perguntou Ben. — Mas a senhora Ă© a rainha! â€” Eu sei — respondeu ela, rindo.Ben estava pasmo. Nunca tinha visto a rainha rir. Ela normalmente era muito sĂ©ria, nun

dava um sorriso quando fazia seu discurso de Natal na tevĂȘ, ou durante a abertura dParlamento, nem mesmo assistindo aos nĂșmeros de comĂ©dia do Royal Variety Show.

 â€” Mas para eles sou apenas a velha chata da vovĂł — continuou ela. — Eles esqueceque jĂĄ fui jovem um dia.

 â€” E que tambĂ©m vĂŁo ficar velhos um dia — acrescentou a vovĂł, com um olhar profunpara Ben.

 â€” Justamente, minha cara! — concordou a rainha. — Acho que a geração mais joveprecisa dedicar um tempo maior aos idosos.

 â€” Desculpe, Vossa Majestade — disse Ben. — Se eu nĂŁo tivesse sido tĂŁo egoĂ­sta nereclamado tanto que os velhos eram chatos, nada disso teria acontecido.

Fez-se um silĂȘncio desconfortĂĄvel.A vovĂł remexeu em sua bolsa e ofereceu Ă  rainha um pacotinho de balas.

 â€” Bala de menta, majestade? â€” Sim, obrigada — disse a rainha. Ela desembrulhou a bala e a jogou na boca. — Noss

nĂŁo comia uma dessas hĂĄ anos.

 â€” SĂŁo minhas favoritas — disse a vovĂł. â€” E duram tanto na boca — acrescentou a rainha enquanto chupava a sua. Ela entĂŁo recompĂŽs e indagou: — Sabem o que aconteceu com o Ășltimo homem que tentou roubar Joias da Coroa?

 â€” Foi enforcado e esquartejado? — perguntou Ben, todo empolgado.

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 â€” Acreditem ou nĂŁo, ele foi perdoado — disse a rainha, com um sorriso maroto. â€” Perdoado, Vossa Majestade? — repetiu a vovĂł.

 â€” Em 1671, um irlandĂȘs chamado coronel Blood tentou roubĂĄ-las, mas foi pego pelguardas ao tentar fugir. Ele escondeu a coroa, esta mesma que estou usando, embaixo de sucapa, mas a deixou cair no chĂŁo ao chegar lĂĄ fora. O rei Carlos II achou tanta graça empreitada ousada que libertou o coronel.

 â€” Preciso procurar isso no Google — comentou Ben. â€” NĂŁo sei o que isso quer dizer — disse a vovĂł. â€” Nem eu — disse a rainha rindo. — EntĂŁo, em honra Ă  tradição real, Ă© isso o que vo

fazer: perdoar vocĂȘs dois.

 â€” Ah, muito obrigada, Vossa Majestade — disse a vovĂł, beijando a mĂŁo da rainha.Ben caiu de joelhos.

 â€” Obrigado, muito, muito obrigado, Vossa Majestade... â€” EstĂĄ bem, estĂĄ bem, nĂŁo precisam se prostrar — disse a rainha, com certa arrogĂąnc

— NĂŁo aguento essas reverĂȘncias. JĂĄ vi gente demais baixando a cabeça para mim duranmeu reinado.

 â€” Sinto muito, muito mesmo, Vossa Majestosa Majestade Real — disse a vovĂł. â€” É exatamente a isso que me refiro! VocĂȘ estĂĄ baixando a cabeça agora mesmo! —

reclamou a rainha.

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Ben e a vovó se entreolharam, com medo. Era difícil falar com Sua Majestade sem abaixa cabeça nem que fosse só um pouquinho.

 â€” Agora podem sair daqui bem rĂĄpido, por favor — disse a rainha. — Antes que eslugar seja tomado pelos guardas. E nĂŁo se esqueçam de assistir ao meu discurso na tevĂȘ nNatal...

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29

PolĂ­cia armada

Amanhecia quando eles chegaram ao Grey Close. Dessa vez não houve carro de polícia palhes dar uma carona. Era muito chão a percorrer de Londres até a casa da vovó em ucarrinho elétrico. Lå vinham eles, zumbindo pela rua, subindo e descendo os quebra-molabump, bump, bump, até pararem em frente à casa da vovó.

 â€” Que noite! — exclamou Ben, com um suspiro. â€” Ô! Que noite mesmo, caramba! Estou toda quebrada depois de tanto tempo senta

nesta coisa — disse a vovĂł, erguendo seu corpo velho e cansado do carrinho. — Sabe, Beeu sinto muito — disse ela apĂłs uma pausa. — Eu nĂŁo queria mesmo magoar vocĂȘ. É que f

tĂŁo bom passarmos um tempo juntos que eu nĂŁo queria que acabasse.Ben deu um sorriso.

 â€” Sem problema — disse ele. — Entendo por que a senhora fez isso. E nĂŁo se preocupAinda Ă© minha vovĂł vigarista!

 â€” Obrigada — disse a vovĂł, baixinho. — Bom, acho que hoje tivemos emoçÔes pararesto da vida. Quero que vocĂȘ vĂĄ para casa, seja um bom garoto e se concentre nos seuencanamentos...

 â€” Pode deixar. Chega de roubos para mim. — Ele deu uma risadinha.

De repente a vovĂł congelou.Olhou para cima.Ben ouviu o motor de um helicĂłptero zunindo lĂĄ no alto.

 â€” VovĂł? â€” Shhhh...! — Ela ajustou seu aparelho auditivo e escutou com atenção. — É mais de u

helicĂłptero.VUF-VUF-VUF-VUF!

O som agudo de sirenes da polĂ­cia surgiu de todos os lados, e em instantes eles se vira

cercados por policiais fortemente armados. Ben e sua avĂł nĂŁo conseguiam mais ver qualquuma das casas vizinhas por causa do cerco de policiais com coletes Ă  prova de balas. O rondos helicĂłpteros da polĂ­cia era tĂŁo ensurdecedor que a vovĂł precisou desligar o aparelhauditivo.

De um dos helicĂłpteros uma voz veio de um megafone: â€” VocĂȘs estĂŁo cercados. Larguem as armas. Repito: larguem as armas ou vamos atirar. â€” NĂŁo temos arma nenhuma! — gritou Ben.Como sua voz ainda nĂŁo tinha mudado, saiu um pouco parecida com a de uma menina.

 â€” NĂŁo discuta com eles, Ben. SĂł levante as mĂŁos! — gritou a vovĂł em meio ao barulho.

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A dupla de vigaristas levantou os braços. Alguns policiais um pouco mais corajosoavançaram, apontando suas armas para Ben e a vovó. Lançaram os dois ao chão e mantiveram ali.

 â€” NĂŁo se mexam! — ordenou uma voz vinda do helicĂłptero.Ben pensou: Como eu poderia me mexer com um policial enorme desses ajoelhado n

minhas costas?

Uma confusão de mãos cobertas por luvas de couro revistou-os de cima a baixo e reviroa bolsa da vovó, presumivelmente à procura de armas. Se estivessem atrås de lenços de papusados, seria seu dia de sorte, mas arma mesmo não acharam nenhuma.

Ben e sua avó então foram algemados e postos de pé. De trås do cerco de policiais surgum senhor de idade narigudo e usando um chapéu ridículo.

Era o Sr. Parker.O vizinho enxerido da vovĂł.

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Um saco de açĂșcar 

— Acharam que iam conseguir roubar as Joias da Coroa e sair impunes, nĂŁo Ă©? — guinchouSr. Parker. — Sei tudo sobre o plano maligno de vocĂȘs dois. Pois bem, agora estĂĄ tudacabado. Policiais, podem levĂĄ-los. Tranquem esses dois e podem jogar a chave fora!

Os policiais arrastaram os prisioneiros na direção de duas viaturas que aguardavam aperto.

 â€” Esperem aĂ­ — gritou Ben. — Se roubamos as Joias da Coroa, onde estĂŁo elas? â€” Sim, Ă© claro! As provas. SĂł precisamos disso para botar vocĂȘs dois, seus vigarista

atrĂĄs das grades para sempre. Procurem na cestinha do carrinho elĂ©trico. Agora! —

esbravejou o Sr. Parker.Um dos policiais meteu a mĂŁo na cestinha. Encontrou um pacote grande envolto em film

plĂĄstico ensopado. â€” AĂ­ estĂĄ! Devem ser as joias — disse o Sr. Parker, cheio de confiança. — Podem m

dar.Lançando um olhar presunçoso para a vovó e Ben, ele começou a desembrulhar o pacoteVårios minutos se passaram até que o pacote enorme se transformasse em um paco

pequeno. Finalmente, o Sr. Parker chegou ao fim do filme plĂĄstico.

 â€” Aqui! Encontramos! — anunciou ele, e uma lata de sopa de repolho caiu no chĂŁo. â€” Posso ficar com isso, Sr. Parker? — perguntou a vovĂł. — É meu almoço. â€” Revistem a casa dela! — berrou o Sr. Parker.Alguns policiais tentaram arrombar a porta com os ombros. A vovĂł ficou olhand

achando graça, antes de intervir: â€” Estou com a chave bem aqui, se vocĂȘs preferirem!Um dos policiais foi atĂ© ela e, bastante envergonhado, apanhou a chave.

 â€” Obrigado, senhora — disse o policial, educadamente.

A vovĂł e Ben trocaram um sorriso.EntĂŁo ele abriu a porta, e o que pareciam centenas de policiais invadiram a casa. El

revistaram alucinadamente os cĂŽmodos, mas logo saĂ­ram de mĂŁos vazias. â€” Sinto muito, mas nĂŁo hĂĄ nenhuma Joia da Coroa aqui, senhor — disse um dos policia

— Só algumas revistas de palavras-cruzadas e mais uma boa quantidade de latas de sopa repolho.

O rosto do Sr. Parker ficou vermelho de raiva. Ele tinha chamado metade dos policiais dpaĂ­s para nada.

 â€” Olhe, Sr. Parker — disse um dos policiais para ele —, o senhor tem muita sorte de n

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o levarmos preso por desperdiçar o tempo da polĂ­cia... â€” Esperem! — exclamou o Sr. Parker. — SĂł porque as joias nĂŁo estĂŁo com eles ou

casa nĂŁo significa que eles nĂŁo as roubaram. Eu sei muito bem o que ouvi. Procurem... Nardim! Isso! Comecem a cavar!

O policial ergueu a mĂŁo, tentando tranquilizĂĄ-lo. â€” Sr. Parker, nĂŁo podemos simplesmente...De repente um brilho de triunfo surgiu nos olhos do vizinho enxerido.

 â€” Esperem aĂ­. VocĂȘs nĂŁo perguntaram a eles onde passaram a noite. Eu sei  que foraroubar as Joias da Coroa. E aposto que nĂŁo tĂȘm um ĂĄlibi para esta noite!

O policial se virou para Ben e a vovĂł, franzindo a testa. â€” Na verdade, isso atĂ© faz sentido — disse ele. — A senhora poderia me contar on

esteve esta noite?O Sr. Parker agora estava radiante.Justo naquele instante, outro policial se aproximou. Havia algo familiar nele, e quand

Ben viu seu bigode, soube por quĂȘ. â€” Chefe, tem uma ligação para o senhor no... — começou Cap. Lorota, segurando u

rĂĄdio, mas parou de repente ao ver Ben e a vovĂł. — Ora — disse ele. — Se nĂŁo Ă© a turma dfilme plĂĄstico!

 â€” Cap. Barriga! — disse Ben. â€” Lorota! — corrigiu o policial. â€” Opa, me desculpe, Lorota. É bom revĂȘ-lo.O chefe pareceu confuso.

 â€” Como Ă©? â€” O garoto e sua avĂł. Eles sĂŁo da Sociedade dos Apreciadores de Filme PlĂĄstico. ForaĂ  reuniĂŁo anual da organização esta noite, em Londres. Na verdade, eu os levei atĂ© lĂĄ.

 â€” EntĂŁo eles nĂŁo estavam roubando as Joias da Coroa? — perguntou o chefe. â€” NĂŁo! — Cap. Lorota riu. — Estavam realizando uma fusĂŁo com a Associação d

Apreciadores de Plástico Bolha. Roubando as Joias da Coroa, ora essa! — Ele sorriu paBen e a vovó. — Que ideia!

O Sr. Parker estava com o rosto vermelho.

 â€” Mas... Mas... Eles roubaram! SĂŁo dois vilĂ”es, estou dizendo!Enquanto o Sr. Parker reclamava sozinho sem parar, o chefe pegou o rĂĄdio das mĂŁos d

Cap. Lorota. â€” Sim. Aham. Certo. Obrigado — disse ele, e se virou para Ben e a vovĂł. — Era

Central de Crimes Especiais. Pedi a eles que verificassem se as Joias da Coroa ainda estavano lugar. E estĂŁo. Sinto muito, senhora. E vocĂȘ tambĂ©m, garoto. Vamos tirar essas algemas dvocĂȘs agora mesmo.

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O Sr. Parker ficou arrasado, de cabeça baixa e expressĂŁo deprimida. â€” NĂŁo, nĂŁo pode ser... â€” Se eu ouvir mais um pio seu, Sr. Parker... — disse o policial. — Vou fazĂȘ-lo passar

noite na cadeia!E, dizendo isso, ele deu meia-volta e foi até uma das viaturas, seguido pelo Cap. Lorot

que acenou para Ben e para a vovĂł ao se afastar.

O menino e sua avĂł se aproximaram do Sr. Parker, suas mĂŁos ainda algemadas. â€” O que o senhor ouviu foram apenas histĂłrias — disse Ben. — SĂł minha avĂł contan

histĂłrias para mim, Sr. Parker. Acho que o senhor se deixou levar pela prĂłpria imaginação. â€” Mas, mas, mas...! — cuspiu o Sr. Parker. â€” Eu? Uma ladra de joias de fama internacional?!A vovĂł soltou risadinhas.Todos os policiais começaram a rir tambĂ©m.

 â€” SĂł sendo meio doido para acreditar em uma coisa dessas! — disse ela. — Quer dize

me desculpe, Ben — sussurrou para o neto. â€” Sem problema! — sussurrou Ben em resposta.Os policiais abriram as algemas e voltaram rapidamente para seus carros e vans, deixand

o Grey Close em um segundo. â€” Lamento por incomodĂĄ-la, senhora — disse um dos policiais antes de ir embora. —

Tenha um bom dia.Os helicópteros desapareceram no céu do amanhecer. Quando os rotores aceleraram,

precioso chapĂ©u do Sr. Parker voou de sua cabeça e caiu em uma poça d’água.

A vovó se aproximou dele, que estava parado, sem seu chapéu, diante da casa.

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 â€” Se algum dia precisar de um pouco de açĂșcar emprestado... — disse ela com simpatia â€” Sim...? â€” NĂŁo bata na minha porta ou vou jogar o saco de açĂșcar na sua cara — concluiu a av

com um sorriso meigo.

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31

Luz dourada

O sol tinha nascido e agora banhava o Grey Close com sua luz dourada. Havia gotas dorvalho no chĂŁo e uma nĂ©voa misteriosa fazia a fileira de casinhas parecer um tanto mĂĄgica. â€” Bom, entĂŁo... — disse a vovĂł, com um suspiro. — É melhor vocĂȘ correr para ca

agora, meu jovem Ben, antes que seus pais acordem. â€” Eles nĂŁo ligam para mim — disse Ben. â€” Ah, eles ligam, sim — disse a vovĂł, passando um braço em volta do neto. — SĂł n

sabem como demonstrar isso. â€” Talvez.

Ben bocejou o maior bocejo de toda a sua vida de bocejador. â€” Nossa, como estou cansado. Esta noite foi incrĂ­vel! â€” Foi a noite mais emocionante de toda a minha vida, Ben. Eu nĂŁo perderia isso por na

no mundo — disse a vovó, com um grande sorriso, e respirou fundo. — Ah, a alegria de estviva.

EntĂŁo seus olhos se encheram de lĂĄgrimas. â€” A senhora estĂĄ bem, vovĂł? — perguntou Ben, com carinho.Ela escondeu o rosto.

 â€” Estou bem, meu querido, estou mesmo — disse ela, com a voz trĂȘmula de emoção.De repente Ben percebeu que havia algo muito errado.

 â€” Por favor, vovĂł, pode me contar.Ele segurou sua mĂŁo. A pele dela era macia, mas desgastada. FrĂĄgil.

 â€” Bem... — Ela hesitou. — Eu tambĂ©m contei outra mentira para vocĂȘ, querido.Ben sentiu seu estĂŽmago afundar.

 â€” O que Ă©? — perguntou, e apertou a mĂŁo dela para confortĂĄ-la. â€” Sabe, o mĂ©dico me deu o resultado dos meus exames na semana passada, e eu disse

vocĂȘ que nĂŁo havia nada de errado comigo. Eu menti. Estou doente. — Ela fez uma paurĂĄpida. — A verdade Ă© que estou com cĂąncer.

 â€” NĂŁo, nĂŁo... — disse Ben, com lĂĄgrimas nos olhos.Ele jĂĄ tinha ouvido falar sobre cĂąncer, o suficiente para saber que podia ser uma doen

muito sĂ©ria, mortal. â€” Pouco antes de vocĂȘ esbarrar com o mĂ©dico no hospital, ele me disse que o meu cĂąnc

estĂĄ... Bem, estĂĄ bastante avançado. â€” Quanto tempo a senhora ainda tem? — soltou Ben. — Ele disse? â€” Ele disse que nĂŁo devo passar do Natal.

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Ben abraçou a avó com toda a força, desejando que seu corpo dividisse com ela a forçvital que possuía.

LĂĄgrimas escorriam pelo seu rosto. Era tĂŁo injusto! Ele sĂł chegara a conhecer a avpoucas semanas antes, e agora ia perdĂȘ-la.

 â€” NĂŁo quero que a senhora morra.A vovĂł olhou por um instante para Ben.

 â€” Nenhum de nĂłs vai viver para sempre, meu rapaz. Mas espero que vocĂȘ nunca esqueça de mim. Sua avĂł velha e chata!

 â€” A senhora nĂŁo Ă© nada chata. É uma verdadeira dama do crime! NĂŁo esqueça que pmuito, muito pouco, nĂŁo roubamos as Joias da Coroa!

A vovĂł riu. â€” É, mas nem uma palavra a respeito disso com ninguĂ©m, por favor. Essa histĂłria ain

pode lhe render um monte de problemas. TerĂĄ que ser nosso segredinho para sempre. â€” E o da rainha! — disse Ben. â€” Ah, Ă©! Ela foi mesmo um amor. â€” Nunca vou me esquecer da senhora, vovĂł — disse Ben. — Vai estar para sempre n

meu coração. â€” Essa Ă© a coisa mais linda que jĂĄ me falaram — disse a velhinha. â€” Amo muito a senhora, vovĂł. â€” TambĂ©m amo vocĂȘ, Ben. Mas Ă© melhor vocĂȘ ir embora agora. â€” NĂŁo quero deixar a senhora. â€” É muito meigo da sua parte dizer isso, querido, mas se a mamĂŁe e o papai acordarem

nĂŁo encontrarem vocĂȘ, vĂŁo ficar extremamente preocupados. â€” NĂŁo vĂŁo, nada. â€” Ah, vĂŁo, sim. Agora, Ben, por favor, seja um bom menino.Ben entĂŁo ficou de pĂ© com relutĂąncia. Ajudou a avĂł a fazer o mesmo, entĂŁo a abraçou for

e lhe deu um beijo no rosto. NĂŁo se importava com os pelos do seu queixo. Na verdade, ele adorava.

Adorava os ruĂ­dos de seu aparelho auditivo. Adorava o fato de ela cheirar a repolho. acima de tudo, adorava o fato de que ela soltava puns e nem sequer se dava conta de que is

acontecia.Ele adorava tudo nela.

 â€” Tchau — disse ele, baixinho. â€” Tchau, Ben.

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32

SanduĂ­che de famĂ­lia

Quando finalmente chegou em casa, Ben percebeu que o carrinho marrom nĂŁo estavestacionado na garagem. Ainda era de manhĂŁ bem cedo.Aonde seus pais poderiam ter ido Ă quela hora?Mesmo assim, ele subiu pela calha e entrou pela janela do seu quarto.A subida foi difĂ­cil. Ele estava cansado por ter virado a noite em claro, e a roupa d

mergulho o deixava mais pesado que o normal.Ben afastou os exemplares da  Revista do Encanador   para esconder o traje embaixo

cama. Em seguida, fazendo o mĂ­nimo de barulho possĂ­vel, vestiu o pijama e deitou.

Quando estava prestes a fechar os olhos, ouviu o carro entrando rapidamente na garagema porta da frente se abrindo. Depois disso, o som de seus pais chorando descontroladamente

 â€” Procuramos em todos os lugares — disse o pai, fungando. — NĂŁo sei o que fazer. â€” Foi culpa minha, que burrice — acrescentou a mĂŁe, chorando. — Nunca devĂ­amos t

inscrito Ben no concurso de dança. Ele deve ter fugido de casa... â€” Vou ligar para a polĂ­cia. â€” Sim, temos que ligar. DevĂ­amos ter ligado hĂĄ horas. â€” Temos que botar o paĂ­s inteiro procurando por ele... AlĂŽ, alĂŽ, queria falar com

polĂ­cia, por favor... É meu filho... NĂŁo consigo encontrĂĄ-lo...Ben se sentiu terrivelmente culpado. Seus pais se importavam  sim  com ele, no fim d

contas.E muito.Ele pulou da cama, escancarou a porta e desceu correndo as escadas até eles. O pai largo

o telefone. â€” Ah, meu garoto! Meu garoto! — exclamou.Ele abraçou Ben mais apertado do que jamais o abraçara antes. A mĂŁe tambĂ©m pĂŽs

braços em torno do filho, até que eles viraram um grande sanduíche de família, e Ben erarecheio.

 â€” Ah, Ben, graças a Deus vocĂȘ voltou! — choramingou a mĂŁe. — Onde vocĂȘ estava? â€” Com a vovĂł — respondeu Ben, embora essa nĂŁo fosse toda a verdade. — Ela estĂĄ

Sabem, ela está muito doente — disse com tristeza, mas percebeu nos olhos dos pais que isnão era novidade para eles.

 â€” É... — disse o pai, sem jeito. — Infelizmente ela... â€” Eu sei — disse Ben. — Mas nĂŁo acredito que vocĂȘs nĂŁo tenham me contado. Ela

minha avĂł!

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 â€” Eu sei — disse o pai. — E Ă© minha mĂŁe, tambĂ©m. Sinto muito por nĂŁo ter contadfilho. NĂŁo queria deixĂĄ-lo chateado...

De repente, Ben percebeu o sofrimento no olhar do pai. â€” EstĂĄ tudo bem, pai — disse ele. â€” Eu e sua mĂŁe passamos a noite em claro procurando por vocĂȘ em todo canto —

acrescentou o pai, abraçando o filho com ainda mais força. — Nunca terĂ­amos pensado eprocurĂĄ-lo na casa da sua avĂł. VocĂȘ sempre disse que ela era chata.

 â€” Pois Ă©, eu estava errado. É a melhor avĂł do mundo. â€” Que bonito, meu filho. Mas mesmo assim, vocĂȘ ainda podia ter nos avisado aonde ia —

disse o pai, sorrindo. â€” Eu sinto muito. Depois de decepcionar tanto vocĂȘs no concurso de dança, achei que n

ligassem para mim. â€” NĂŁo ligamos para vocĂȘ? — repetiu o pai, com uma expressĂŁo de choque. — N

amamos vocĂȘ!

 â€” Amamos vocĂȘ demais, Ben! — acrescentou a mĂŁe. — Nunca duvide disso. Quem lipara um concurso de dança bobo apresentado pelo Flavio Flavioli? Tenho muito orgulho

vocĂȘ, nĂŁo importa o que vocĂȘ faça.

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 â€” NĂłs dois temos — acrescentou o pai.Todos choravam e riam agora, e era difĂ­cil saber se as lĂĄgrimas eram de tristeza ou d

alegria. Na verdade, nĂŁo importava. Deviam ser uma mistura das duas. â€” Vamos Ă  casa da sua avĂł tomar um chĂĄ com ela? — sugeriu a mĂŁe. â€” Vamos — disse Ben. — Isso seria legal. â€” E eu e seu pai conversamos — disse a mĂŁe, segurando a mĂŁo dele. — Encontrei

revistas para encanadores. â€” Mas... — disse Ben. â€” EstĂĄ tudo certo — prosseguiu a mĂŁe. — NĂŁo precisa ficar envergonhado. Se esse Ă©

seu sonho, corra atrĂĄs! â€” SĂ©rio? — perguntou Ben. â€” Claro! — garantiu o pai. — SĂł queremos que seja feliz. â€” SĂł que... — prosseguiu a mĂŁe. — Eu e seu pai achamos que, se a carreira de encanad

nĂŁo der certo, Ă© importante que vocĂȘ tenha um plano B... â€” Plano B? — perguntou Ben.Ele nĂŁo entendia mesmo os pais. E agora menos ainda.

 â€” É — disse o pai. — E como sabemos que dança de salĂŁo nĂŁo Ă© a sua... â€” NĂŁo mesmo — confirmou Ben, aliviado. â€” EntĂŁo o que acha de patinação artĂ­stica? — perguntou a mĂŁe.Ben olhou fixamente para ela.Por um longo momento a mĂŁe apenas o olhou de volta, mas depois nĂŁo resistiu mais e ca

na gargalhada. Logo o pai também estava rindo, e, apesar de ainda haver lågrimas em s

rosto, Ben nĂŁo resistiu e fez o mesmo.

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SilĂȘncio

Depois disso, as coisas ficaram muito melhores entre Ben e seus pais. O pai chegou a ir a umloja de ferragens com ele e comprou algumas ferramentas de encanador, e os dois passarauma tarde muito agradĂĄvel desmontando um sifĂŁo.

Mas entĂŁo, uma semana antes do Natal, os trĂȘs receberam um telefonema tarde da noite.Algumas horas depois, Ben e seus pais estavam reunidos em torno da cama da vovĂł. E

estava no hospital, em uma ĂĄrea reservada a pacientes jĂĄ sem chance de cura. Ela tinha pouctempo de vida. Horas, talvez. As enfermeiras disseram que ela podia partir a qualquinstante.

Ben estava sentado ao lado da cama da avĂł, muito tenso. Apesar de ela estar de olhfechados e incapaz de falar, estar sentado naquele lugar com ela era uma experiĂȘncincrivelmente intensa.

O pai andava de um lado para outro ao pé da cama, sem saber o que fazer ou dizer.A mãe estava apenas sentada, sentindo-se impotente.Ben simplesmente segurava a mão da avó.

 NĂŁo queria que ela mergulhasse na escuridĂŁo sozinha.Eles ouviam a respiração difĂ­cil dela. Era um som horrĂ­vel, mas havia apenas um som pi

que esse.O silĂȘncio.Pois significaria que ela havia falecido.EntĂŁo, para a surpresa de todos, a vovĂł lentamente abriu os olhos. Ela sorriu ao ver

trĂȘs. â€” Estou... Faminta — falou, com a voz fraca.EntĂŁo enfiou a mĂŁo embaixo do lençol e pegou um embrulho de filme plĂĄstico, qu

começou a desenrolar.

 â€” O que Ă© isso? — perguntou Ben. â€” SĂł uma fatia de bolo de repolho — disse a vovĂł com dificuldade. — Para falar

verdade, a comida aqui Ă© horrĂ­vel .Pouco depois, os pais de Ben foram comprar um cafĂ©. Ben nĂŁo queria sair do lado da av

nem por um segundo. Ele pegou a mĂŁo dela: estava seca e muito leve.Lentamente a vovĂł se virou para olhar para ele. O tempo dela estava se esgotando, e B

podia perceber isso. Ela piscou para ele. â€” VocĂȘ sempre vai ser meu pequeno Benny — murmurou a vovĂł.Ben se lembrou de como antes odiava ser chamado assim. Agora adorava.

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 â€” Eu sei — disse ele, com um sorriso. — E a senhora vai ser para sempre minha VovVigarista.

* * *

Mais tarde, depois que a avĂł finalmente partira, Ben estava em silĂȘncio no banco de trĂĄs d

carro de seus pais enquanto voltavam para casa. Todos estavam cansados de chorar. Enquanisso, muitas pessoas faziam suas compras de Natal. As ruas estavam cheias de carros e havuma fila enorme na porta do cinema. Ben nĂŁo conseguia acreditar que a vida segunormalmente quando algo tĂŁo grave e importante tinha acabado de acontecer.

Eles viraram uma esquina e se aproximaram de algumas lojas. â€” Posso dar uma passada no jornaleiro, por favor? — pediu Ben. — NĂŁo vou demorar.O pai estacionou o carro. Como nevava um pouco, Ben foi sozinho atĂ© a banca de Raj.

 â€” Ah, o jovem Ben! — exclamou Raj. EntĂŁo o jornaleiro percebeu a expressĂŁo triste n

rosto do menino. — Aconteceu alguma coisa? â€” Aconteceu, Raj... — respondeu Ben. — Minha avĂł acabou de morrer.Por algum motivo, dizer isso o fez recomeçar a chorar.Raj saiu correndo de trĂĄs do balcĂŁo e lhe deu um grande abraço.

 â€” Ah, Ben, sinto muito. Eu nĂŁo a via fazia algum tempo, imaginei que nĂŁo estivesse bem â€” NĂŁo. E eu sĂł queria dizer, Raj... — disse Ben, entre soluços — ...Muito obrigado p

me dar aquela bronca outro dia. VocĂȘ tinha razĂŁo, ela nĂŁo era nada chata. Era maravilhosa. â€” Minha intenção nĂŁo era dar uma bronca, meu jovem. SĂł pensei que vocĂȘ provavelmen

nunca tinha parado para conhecer melhor sua avĂł. â€” VocĂȘ tinha razĂŁo. Havia coisas sobre ela que eu jamais poderia imaginar.Ben limpou as lĂĄgrimas na manga do casaco.Raj começou a procurar algo na loja.

 â€” Eu sei que tenho lenços de papel em algum lugar. Onde estĂŁo? Ah, sim, bem embaidas figurinhas de futebol. Pronto, tome.

O jornaleiro abriu a caixa de lenços e a deu a Ben. O garoto secou os olhos. â€” Obrigado, Raj. SĂŁo dez caixas de lenços pelo preço de nove? — perguntou ele, com u

sorriso. â€” NĂŁo, nĂŁo, nĂŁo! — Raj riu. â€” Quinze pelo preço de catorze?Raj pĂŽs a mĂŁo no ombro de Ben.

 â€” VocĂȘ nĂŁo entendeu — disse ele. — É por conta da casa.Ben ficou olhando para ele. Em toda a histĂłria do universo, ninguĂ©m nunca soubera de R

ter dado alguma coisa de graça algum dia. Era inimaginåvel. Era loucura. Era... Era mais umotivo para chorar, se Ben não se segurasse.

 â€” Muito obrigado, Raj — disse ele rapidamente, entre soluços. — É melhor voltar para

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carro, meus pais estĂŁo me esperando lĂĄ fora. â€” Claro, claro, mas espere sĂł um momento — disse Raj. — Tenho um presente de Nat

para vocĂȘ em algum lugar aqui, Ben. — Ele começou a fuçar no meio de outras coisas banca atulhada. — Mas onde estĂĄ?

Os olhos de Ben se iluminaram. Ele adorava presentes. â€” Sim, sim, estĂĄ bem aqui atrĂĄs dos ovos de PĂĄscoa. Encontrei! — exclamou Ra

exibindo um saco de balas de menta.

Ben ficou um pouco decepcionado, mas fez o possĂ­vel para disfarçar. â€” Uau! Obrigado, Raj — disse ele, fazendo sua melhor atuação de peça de escola. — U

saco inteiro de balas de menta! â€” NĂŁo, sĂł uma bala — disse Raj, que abriu o saco, pegou uma pastilha e a entregouBen. — Eram as preferidas da sua avĂł.

 â€” Eu sei — disse Ben com um sorriso.

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34

O andador 

O enterro foi na véspera de Natal. Ben nunca tinha ido a um funeral antes e achou aquibizarro. Com o caixão perto do altar, as pessoas tentavam cantar hinos religiosos que ncantavam fazia séculos, e um vigårio que nunca conhecera a vovó fez um discurso entediansobre ela.

 NĂŁo era culpa do vigĂĄrio, mas ele podia estar falando sobre qualquer outra velhinha qtivesse acabado de morrer. Em uma voz monĂłtona e chatĂ­ssima, ele discorreu sobre como egostava de visitar igrejas antigas e como era boa com os animais.

Ben tinha vontade de gritar. Queria dizer a todo mundo, a seus pais, seus tios e tias,

todos que estavam ali, que avĂł incrĂ­vel ela tinha sido. Que as histĂłrias que ela contava eraas mais maravilhosas.

E, acima de tudo, queria contar a eles sobre a aventura maravilhosa que os dois tiverauntos, como haviam conhecido a rainha e quase roubado as Joias da Coroa.

Mas ninguém acreditaria nele. Ben tinha apenas onze anos. Achariam que ele tinhinventado tudo.

* * *

Quando chegaram em casa, a maioria das pessoas que estava na igreja tinha ido para lTomaram xícara após xícara de chå e comeram vårios pratos de sanduíches e salgadinhos dsalsicha. A decoração de Natal parecia estranha em um momento tão triste. No início pessoas conversaram sobre a vovó, mas logo estavam fofocando e falando de outras coisas.

Ben se sentou sozinho no sofĂĄ e ficou ouvindo os adultos falarem. VovĂł deixara todos oseus livros para ele, agora estavam atulhando seu quarto, em vĂĄrias e enormes pilhas. Bestava tentado a se esconder atrĂĄs delas.

Depois de algum tempo uma senhora de idade de ar simpĂĄtico atravessou a sala comajuda de seu andador e se sentou ao lado dele no sofĂĄ.

 â€” VocĂȘ deve ser Ben. NĂŁo deve se lembrar de mim — disse a senhora.Ben olhou para ela por um instante.A senhora tinha razĂŁo: ele nĂŁo se lembrava.

 â€” A Ășltima vez que vi vocĂȘ foi em seu aniversĂĄrio de um ano — continuou ela. Por que serĂĄ que eu nĂŁo me lembro?!, pensou Ben.

 â€” Sou Edna, prima da sua avĂł — disse ela. — Sua avĂł e eu brincĂĄvamos juntas quanmeninas, na Ă©poca em que tĂ­nhamos mais ou menos a sua idade. Eu levei um tombo hĂĄ algu

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anos e nĂŁo conseguia ficar sozinha, entĂŁo me botaram em um asilo para idosos. Sua avĂł eraĂșnica pessoa que ia me visitar.

 â€” É mesmo? AchĂĄvamos que ela nunca saĂ­a de casa — comentou Ben. â€” Bem, ela me visitava uma vez por mĂȘs. NĂŁo era fĂĄcil para ela, que precisava peg

quatro ĂŽnibus diferentes. Eu ficava extremamente grata. â€” Ela era muito especial. â€” Era mesmo. Incrivelmente simpĂĄtica e solĂ­cita. NĂŁo tenho filhos, sabe, por isso eu e s

avĂł sentĂĄvamos no salĂŁo do asilo e ficĂĄvamos horas fazendo palavras-cruzadas juntas. â€” Palavras-cruzadas? â€” É. Ela me contou que vocĂȘ tambĂ©m gostava — disse Edna.Ben nĂŁo conseguiu evitar um sorriso.

 â€” É, eu adorava — disse ele.E, para sua surpresa, ele se deu conta de que nĂŁo estava mentindo. Olhando para trĂĄs, e

realmente adorava aqueles momentos. Agora que sua avó se fora, cada momento passado coela parecia precioso. Mais precioso até que as Joias da Coroa.

 â€” Ela nĂŁo parava de falar em vocĂȘ — prosseguiu Edna. — Sua querida avĂł dizia qvocĂȘ era a luz da vida dela. Dizia que esperava ansiosamente pelas sextas-feiras, que eradia que vocĂȘ passava com ela. Era a melhor parte da semana.

 â€” Era a melhor parte da minha semana tambĂ©m. â€” Sabe, se vocĂȘ gosta de palavras-cruzadas, apareça no asilo um dia para fazermos junt

— disse Edna. — Preciso de um novo parceiro, agora que sua avĂł se foi. â€” Seria bem legal.

* * *

Mais tarde, naquela mesma noite, enquanto seus pais assistiam ao especial de Natal dDançando com Superestrelas, Ben saiu pela janela do quarto e desceu pela calha. Sem faznem um barulhinho, tirou a bicicleta da garagem e pedalou pela Ășltima vez atĂ© a casa da avĂł.

 Nevava. As rodas da bicicleta trituravam o gelo no chĂŁo. Ben ficou olhando os floquinhbrancos descerem atĂ© aterrissarem suavemente no solo, mal prestando atenção no caminh

Ele agora sabia chegar lå de olhos fechados. Tinha pedalado até a casa dela tantas vezes nmeses anteriores que conhecia cada quebra-molas e cada rachadura no asfalto.

Parou a bicicleta diante do pequeno chalĂ© da avĂł. Havia uma camada de neve cobrindotelhado. Uma pilha de correspondĂȘncias esperava diante da porta, todas as luzes estavaapagadas e havia uma placa de “Vende-se” no jardim, com pingentes de gelo grudados nmadeira.

Ainda assim, Ben meio que esperava ver sua avó na janela.Olhando para ele com aquele sorrisinho esperançoso.

Mas Ă© claro que ela nĂŁo estava lĂĄ. Tinha partido para sempre.

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Mas não tinha partido de seu coração.Ben enxugou uma lågrima, respirou fundo e voltou para casa.Com certeza ele tinha uma história maravilhosa para contar aos netos um dia.

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EpĂ­logo

— O Natal Ă© uma Ă©poca especial do ano — dizia a rainha.Ela estava sĂ©ria como sempre, sentada majestosamente em uma poltrona antiga no PalĂĄc

de Buckingham. Mais uma vez mandava sua mensagem de fim de ano à nação.Ben e seus pais tinham acabado de terminar o almoço de Natal e estavam sentados be

untinhos no sofĂĄ com canecas de chĂĄ enquanto assistiam Ă  rainha na tevĂȘ, como faziam todos anos.

 â€” Uma Ă©poca para as famĂ­lias se reunirem e celebrarem — prosseguiu Sua Majestade. —Entretanto, nĂŁo podemos nos esquecer dos mais velhos. HĂĄ algumas semanas, conheci umsenhora mais ou menos da minha idade e seu neto, na Torre de Londres.

Ben se remexeu no sofĂĄ, inquieto.

Olhou para os pais, mas eles continuavam Ă  assistir a tevĂȘ, sem perceber nada. â€” Isso me fez pensar em como os jovens devem mostrar mais bondade com os idoso

VocĂȘ, jovem que estĂĄ me assistindo agora, quem sabe possa ceder seu lugar no ĂŽnibus para uidoso. Ou ajudĂĄ-lo a carregar as compras. Fazer palavras-cruzadas conosco. Por que nĂŁo ndar um saquinho de balas de menta de vez em quando? NĂłs, idosos, adoramos balas de mentE acima de tudo, jovens deste paĂ­s, quero que vocĂȘs se lembrem disto: nĂłs, pessoas de idaddefinitivamente nĂŁo somos chatas. Nunca se sabe, um dia ainda poderemos atĂ© surpreendĂȘ-lo

EntĂŁo, com um sorriso travesso, a rainha levantou a saia diante de todo o paĂ­s e mostro

suas calçolas com a bandeira do Reino Unido.

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A mĂŁe e o pai de Ben cuspiram o chĂĄ por todo o carpete, embasbacados.Mas Ben apenas sorriu.

 A rainha Ă© uma velhinha vigarista, pensou. Igual Ă  minha avĂł.

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Sobre o autor 

DAVID WALLIAMS Ă© ator, roteirista e autor premiado. Considerado um fenĂŽmeno dliteratura infantojuvenil na Inglaterra, recebeu em 2012 o National Book Awards de Melh

Livro Infantil, e suas obras jĂĄ foram traduzidas para mais de vinte e cinco idiomas. Vovigarista Ă© sua estreia no Brasil.