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A formação de pessoas lúcidas, mais envolvidas com a cultura e mais sensíveis para a realidade interna e externa é uma das maiores preocupações do Instituto de Educação Professor Denizard Rivail. Assim, situações didáticas que visam a estimular o intelecto e o emocional dos jovens educandos são oferecidas rotineiramente, de maneira a proporcionar uma educação mais abrangente e integral.
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INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROF. DENIZARD RIVAIL
IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011 1
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROF. DENIZARD RIVAIL
IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011 2
Xv – MOSTRA DE POESIA
A poesia brasileira contemporânea
ORIDES FONTELA
Kant relido Duas coisas admiro: a dura lei
cobrindo-me
e o estrelado céu
dentro de mim.
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROF. DENIZARD RIVAIL
IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011 3
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROF. DENIZARD RIVAIL
DIREÇÃO GERAL: MANOEL SERQUEIRA
DIRETORA PEDAGÓGICA: PROFª VERALÚCIA SERQUEIRA (SEDE)
DIRETORA PEDAGÓGICA: PROFª LORENA SERQUEIRA (UNIDADE I)
COORDENAÇÃO DO PROJETO: PROFª MARIA OLIVEIRA DE ABREU
EQUIPE PEDAGÓGICA:
CRISTIANE SALES TELLES
ANTÔNIO ROCKLANE S. REBELO
ALCEMIRA PEREIRA MAIA
MARIA OLIVEIRA DE ABREU
EQUIPE DE LÍNGUA PORTUGUESA, ARTE E LITERATURA
PROFª.ALCIONE ALVES DE OLIVEIRA
PROFª NEIDE F. FREITAS
PROFª MARLU CORTEZ DANTAS
PROF. VICTOR HUGO A. AGUILAR
PROFª.CRISTIANE BALIEIRO
PARTE MUSICAL: JOZUER BRANDÃO
ARTES GRÁFICA: FELIPE THIAGO
FEVEREIRO DE 2011
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IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011 4
XV MOSTRA DE POESIA – 2011
A poesia brasileira contemporânea
A enigmática obra de Orides fontela
“Leio
minha mão
livro
único”
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IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011 5
COROS
Coros pungentes cores
do crepúsculo ser perdido em
vozesfragmentos arestas violação
de um só silêncio lúcido
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IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011 6
APRESENTAÇÃO
O desenvolvimento do senso moral, crítico e estético é de enorme importância para a
formação integral e sólida do indivíduo, enquanto pessoa e ser social. Essa preocupação
norteia a proposta pedagógica do IDR, ao longo de 15 anos de trabalho educativo na
comunidade manauara. Crianças e jovens têm acesso a diversos recursos metodológicos
que lhes proporcionam uma aprendizagem integral e sólida, capaz de promover a inserção
no mundo contemporâneo de forma equilibrada e não unilateral com preocupação apenas
relacionada a conhecimentos técnicos e científicos.
A leitura deve ser uma prática constante e muito diversificada, a fim de que o universo
cultural seja ampliado de forma gradativa e prazerosa.
A poesia, por suas diversas e diferentes características, é uma alternativa extremamente
interessante como recurso pedagógico, pois o contato intenso com os textos poéticos
possibilita a expansão da sensibilidade, da perspicácia, da reflexão e do imaginário
“a poesia é uma arte que pode ser trabalhada a partir de qualquer idade, em todas as séries
do ensino básico. “toda idade é idade de poesia”, assegura hélder pinheiro, que é mestre e
doutor em literatura brasileira pela universidade de são paulo (usp) e pós-doutor pela
universidade federal de minas gerais (ufmg).
O projeto de 2011 focaliza a poeta orides fontela, tendo como objetivo propiciar aos
estudantes uma aproximação com essa escritora que, apesar de ter tido uma difícil e
conturbada trajetória de vida, deixou-nos um rico legado poético. Merece ser relembrada,
lida e compreendida, pois orides, segundo o crítico antônio cândido “ ... Produz uma poesia
diáfana,mas densa, alada e cheia de peso, onde um vocábulo como pássaro pode assumir
significados da mais poderosa vitalidade, onde a pureza incontaminada do espelho pode
virar signo de drama e tormento.”
Ao mesmo tempo, muitos outros poetas brasileiros contemporâneos serão lidos,
apreciados e seus textos poderão servir de inspiração aos nossos estudantes.Professora
Maria Oliveira de Abreu
Coordenadora Pedagógica
Maria de Abreu
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IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011 7
SUMÁRIO
ORIDES FONTELA: COMENTARIOS E POEMAS .............................................................................................................. 8
POETAS COMTEMPORÂNIO ............................................................................................................................................. 12
ASTRID CABRAL ................................................................................................................................................................. 13
ADÉLIA PRADO ................................................................................................................................................................... 15
FERREIRA GULLAR ............................................................................................................................................................ 17
IVAN JUNQUEIRA ............................................................................................................................................................... 19
LEONTINO FILHO ................................................................................................................................................................ 20
MANOEL DE BARROS ...................................................................................................................................................... 21
RÉGIS BONVICINO .............................................................................................................................................................. 23
ROSEANA MURRAY . ........................................................................................................................................................ 25
MARIA ESTHER MACIEL ................................................................................................................................................... 27
HILDA HILST ........................................................................................................................................................................ 29
AFFONSO ROMANO ............................................................................................................................................................ 31
LUIZ SILVA ........................................................................................................................................................................... 33
THIAGO DE MELLO ............................................................................................................................................................ 35
MARIA DE ABREU ............................................................................................................................................................... 37
ALCIDES BUSS ..................................................................................................................................................................... 39
ROSA CLEMENT .................................................................................................................................................................. 41
LUIZ BARCELLAR ............................................................................................................................................................... 43
JORGE TUFIC ........................................................................................................................................................................ 45
CACASO ................................................................................................................................................................................. 47
ANIBAL BEÇA ...................................................................................................................................................................... 49
CÉSAR LEAL ......................................................................................................................................................................... 51
JOSÉ PAULO PAES ............................................................................................................................................................. 53
MAX CARPHENTIER ........................................................................................................................................................... 55
ANNITA COSTA . ................................................................................................................................................................ 56
ARNALDO ANTUNES .......................................................................................................................................................... 57
LINDOLF BELL ..................................................................................................................................................................... 58
ANTÔNIO DE MIRANDA .................................................................................................................................................... 59
ELSON FARIAS ..................................................................................................................................................................... 61
FERNANDO PAIXÃO ........................................................................................................................................................... 63
FABRÍCIO CORSALETTI ..................................................................................................................................................... 64
NELSON CASTRO ................................................................................................................................................................ 65
REFERÊNCIAS ...................................................................................................................................................................... 66
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROF. DENIZARD RIVAIL
IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011 8
ORIDES FONTELA - Biografia
Orides nasceu em 21 de abril de 1940, em São João
da Boa Vista, interior de São Paulo. Desde criança
escrevia versos, e muito cedo começou a publicar
seus poemas nos jornais da cidade. Nos anos 60,
mudou-se para São Paulo e estudou filosofia na
USP.
Em 1969, era publicado seu primeiro livro,
Transposição. Depois vieram Helianto (1973), Alba
(1983), Rosácea (1986) e Teia (1996). Com Alba,
Orides ganhou o prêmio Jabuti. Os quatro primeiros livros foram reunidos no
volume Trevo, que fez parte da coleção Claro
Enigma, da Editora Duas Cidades. Na França, os
poemas foram publicados em dois volumes com o
título Trèfle. A Cosac Naify lançou, em 2006, o
volume Poesia Reunida.
Professora primária e bibliotecária, Orides viveu
sempre em meio a grandes dificuldades. Sempre
com os nervos à flor da pele, meteu-se em encrencas
e provocou escândalos com seus melhores amigos.
Orides Fontela (1940-1998) morreu na mais completa miséria, aos 58 anos,
num sanatório de Campos do Jordão, mesmo sendo considerada um dos
nomes mais importantes da poesia brasileira contemporânea.
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IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011 9
“Orides Fontela fez uma poesia enigmática, cortante, que prima pela concisão, pela
economia de recursos e densidade. A ela bastava dizer apenas o suficiente, deter-se
no que é essencial. Difere muito da poesia minimalista ou do haikai, por exemplo,
mas não raro leio seus versos como se lesse um koan”
ELEGIA
Mas para que serve o pássaro?
Nós o contemplamos inerte.
Nós o tocamos no mágico fulgor das penas.
De que serve o pássaro se
desnaturado o possuímos?
O que era voo e eis
que é concreção letal e cor
paralisada, íris silente, nítido,
o que era infinito e eis
que é peso e forma, verbo fixado, lúdico
O que era pássaro e é
o objeto: jogo
de uma inocência que
o contempla e revive
— criança que tateia
no pássaro um
esquema de distâncias —
mas para que serve o pássaro?
O pássaro não serve. Arrítmicas
brandas asas repousam.
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IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011 10
Orides fala sobre Orides
"Entrei no dito Ginásio (e foi muita sorte), fiz meus primeiros sonetos, aprendi
métrica com meu saudoso professor Francisco Pascoal e com Gonçalves Dias
(A tempestade). Li, naquela época, Manuel Bandeira e Alphonsus Guimaraens,
(todos os menores etc). Bem ou mal, adquiri a aura de poeta municipal e para o
gosto local eu era ótima. Desde os 16 anos tive poemas publicados nos jornais
da cidade (principalmente, ou exclusivamente, O Município). Tudo muito local,
dia da árvore, das mães, natal. Se ficasse nisso, nisso estaria até hoje, e tudo
bem. Como mudei, e atingi, senão a grande literatura, pelo menos algo de
nível, digamos, estadual, algo que os paulistanos aceitassem? Esse é o
primeiro problema real, e é meio misterioso até para mim..." (Orides Fontela)
ODE III
Pouco é viver mas pesa
como todo o ser como toda a luz
como a concentração do tempo.
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IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011 11
A ESTRELA DA TARDE
A estrela da tarde está madura
e sem nenhum perfume
A estrela da tarde é infecunda e altíssima
Depois da estrela da tarde só há:
o silêncio.
"A primeira influência literária? Foi meu
pai, analfabeto e tudo. Só que, a cada
noite, me contava um "caso", uma
história de fadas. O enredo desses contos era basicamente o mesmo, mas as
peripécias eram sempre recriadas. Lembro-me de um em que o herói, saindo
dos tempos atuais, chegava a um reino mítico e... instalava a eletricidade!
Tudo incrível. Parecia que meu pai ainda habitava a Idade Média e sonhava
inventar o moto-contínuo. Por tal lógica, eu deveria estar procurando a
quadratura do círculo: só que estou procurando a "circulação do quadrado".
Mas não sou muito diferente de meu pai... Minha mãe? Bem, ela me
alfabetizou, na marra - bê-a-bá e puxão de orelha. E, na cartilha, achei os
primeiros poemas escritos, um tal de "já no horizonte" e o hino nacional.
Também devo mencionar, como pré-história, a Rádio Nacional e os poemas
caipiras? Bem, como pré-história, chega: foi a Idade da Pedra, mesmo!"
(Orides Fontela)
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IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011 12
Fala
Tudo
será difícil de dizer:
a palavra real
nunca é suave.
Tudo será duro:
luz impiedosa
excessiva vivência
consciência demais do ser.
Tudo será
capaz de ferir. Será.
agressivamente real.
Tão real que nos despedaça.
Não há piedade nos signos
e nem no amor: o ser
é excessivamente lúcido
e a palavra é densa e nos fere.
Viagem
Viajar
mas não
para
viajar
mas sem
onde
sem rota sem ciclo sem
círculo
sem finalidade possível.
Viajar
e nem sequer sonhar-se
esta viagem.
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IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011 13
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IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011 14
SORVETERIA
Dia de verão qualquer
no labirinto dos shoppings
os homens tomam sorvete.
Alguns engolem vorazes
receosos de que o mormaço
lhes arrebate a porção.
Outros, lentos, não acertam
com o creme fugaz o ritmo
da fome. Morrem na fonte.
Poucos os que se deleitam
fruindo o açúcar e a neve
sem dúvidas sobre a dádiva.
Existe quem torça a cara
às iguarias servidas
imaginando outras raras.
E quem enfeite o bocado
de caldas extras, perfume
de licores, nozes finas.
Todos um dia qualquer
terão suas taças vazias
lábios imóveis, mãos frias.
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IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011 15
NO COLO DO ANJO
Empoleirado
na torre do meu sonho
um anjo resplandece.
Cílios cintilantes
estrelas nos olhos
ele me acena com plumas
e me abraça com asas.
Juntos vagamos
entre rastros de astros
a cavalgar nuvens
por planícies etéreas
até que me sinto serena.
É como se mudo dissera
não temas véus ou névoas
qualquer neblina passa.
Mas eis que então fala:
Não sejas cega, menina.
O olhar de Deus tudo abarca.
Só os homens têm pálpebras.
Astrid Cabral nasceu em Manaus no dia 25 de
setembro de 1936. Integrou o Clube da Madrugada.
Mora há muitos anos no Rio de Janeiro. É
detentora de vários prêmios literários e participa
de antologias no Brasil e no exterior.
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IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011 16
Cantiga dos Pastores
À meia noite no pasto,
guardando nossas vaquinhas,
um grande clarão no céu
guiou-nos a esta lapinha.
Achamos este Menino
entre Maria e José,
um menino tão formoso,
precisa dizer quem é?
Seu nome santo é Jesus,
Filho de Deus muito amado,
em sua caminha de cocho
dormia bem sossegado.
Adoramos o Menino
nascido em tanta pobreza
e lhe oferecemos presentes
de nossa pobre riqueza:
a nossa manta de pele,
o nosso gorro de lã,
nossa faquinha amolada,
o nosso chá de hortelã.
Os anjos cantavam hinos
cheios de vivas e améns.
A alegria era tão grande
e nós cantamos também:
Que noite bonita é esta
em que a vida fica mansa,
em que tudo vira festa
e o mundo inteiro descansa?
Esta é uma noite encantada,
nunca assim aconteceu,
os galos todos saudando:
O Menino Jesus nasceu!
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IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011 17
Grande desejo
Não sou matrona, mãe dos Gracos, Cornélia,
sou mulher do povo, mãe de filhos, Adélia.
Faço comida e como.
Aos domingos bato o osso no prato pra chamar o cachorro
e atiro os restos.
Quando dói, grito ai.
quando é bom, fico bruta,
as sensibilidades sem governo.
Mas tenho meus prantos,
claridades atrás do meu estômago humilde
e fortíssima voz pra cânticos de festa.
Quando escrever o livro com o meu nome
e o nome que eu vou pôr nele, vou com ele a uma igreja,
a uma lápide, a um descampado,
para chorar, chorar, e chorar,
requintada e esquisita como uma dama.
Adélia Prado nasceu em Divinópolis, Minas Gerais, no
dia 13 de dezembro de 1935. Foi premiada diversas
vezes e textos de sua autoria foram adaptados para o
teatro. Participou de importantes eventos literários no
Brasil e no exterior. Adélia costuma dizer que o
cotidiano é a própria condição da poesia.
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IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011 18
Não Há vagas
O preço do feijão
Não cabe no poema. O preço
do arroz
não cabem no poema.
Não cabe no poema o gás
A luz o telefone
A sonegação
Do leite
Da carne
Do açúcar
Do pão
O preço do feijão
O funcionário público
Não cabe no poema
Com seu salário de fome
Sua vida fechada
Em arquivos.
Como não cabe no poema
O operário
Que esmerila seu dia de aço
E carvão
Nas oficinas escuras
Porque o poema, senhores,
Está fechado:
“não há vagas”
Só cabe no poema
O homem sem estômago
A mulher de nuvens
A fruta sem preço
O poema, senhores, não fede, nem cheira
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IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011 19
O açúcar
O branco açúcar que adoçará meu café nesta manhã de Ipanema não foi produzido por mim nem surgiu dentro do açucareiro por milagre. Vejo-o puro e afável ao paladar como beijo de moça, água na pele, flor que se dissolve na boca. Mas este açúcar não foi feito por mim. Este açúcar veio da mercearia da esquina e tampouco o fez o Oliveira, dono da mercearia. Este açúcar veio de uma usina de açúcar em Pernambuco ou no Estado do Rio e tampouco o fez o dono da usina Este açúcar era cana e veio dos canaviais extensos que não nascem por acaso no regaço do vale. Em lugares distantes, onde não há hospital nem escola, homens que não sabem ler e morrem de fome aos 27 anos plantaram e colheram a cana que viraria açúcar. Em usinas escuras, homens de vida amarga e dura produziram este açúcar branco e puro com que adoço meu café esta manhã em Ipanema.
Ferreira Gullar, pseudônimo de José
Ribamar Ferreira, nasceu em São
Luís, Maranhão, em 10 de setembro
de 1930. É poeta, crítico de arte,
biógrafo, tradutor, memorialista e
ensaísta brasileiro, sendo um dos
fundadores do neoconcretismo. Em
2002, foi indicado por professores
dos EUA, Brasil e Portugal para o
Prêmio Nobel de Literatura.
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IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011 20
Talvez o vento saiba
Talvez o vento saiba dos meus passos,
das sendas que os meus pés já não abordam,
das ondas cujas cristas não transbordam
senão o sal que escorre dos meus braços.
As sereias que ouvi não mais acordam
à cálida pressão dos meus abraços,
e o que a infância teceu entre sargaços
as agulhas do tempo já não bordam.
Só vejo sobre a areia vagos traços
de tudo o que meus olhos mal recordam
e os dentes, por inúteis, não concordam
sequer em mastigar como bagaços.
Talvez se lembre o vento desses laços
que a dura mão de Deus fez em pedaços.
IVAN JUNQUEIRA – nasceu no Rio de Janeiro no dia 03 de novembro de 1934. Jornalista, escritor, poeta e crítico literário. Membro da Academia Brasileira de Letras e colaborador de revistas e jornais do Brasil e do exterior.
Tem vasta produção literária e é detentor de muitos prêmios.
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IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011 21
Dentro da noite, penso em ti
Volta e meia
sigo rumo à ilha do amor
coisas antigas que ficaram
nau perdida no porto abandonado
barco sem vela
que persiste no desenho
formado pelas águas dos rios.
Volta e meia
o fluxo de imagens paira sobre as águas
e sigo devorando
a cauda dos sonhos
retornando ao chão descontínuo da ilusória
estrada do bem querer:
uma outra história.
Volta e meia
o amor perturba o sono descontente das estrelas
e o luar embaraçado
por tantos murmúrios
arma a provisória tenda da paixão:
o meu olhar de neblina
costurado na memória
tece a infância medieval
do teu corpo.
É autor de vários livros de poemas.
LEONTINO FILHO – nasceu em Aracati – Ceará ( 1961). Poeta e Professor de literatura Brasileira na Universidade estadual do Rio Grande do Norte.
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IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011 22
O FOTÓGRAFO
Difícil fotografar o silêncio.
Entretanto tentei. Eu conto:
Madrugada a minha aldeia estava morta.
Não se ouvia um barulho, ninguém passava entre as casas.
Eu estava saindo de uma festa.
Eram quase quatro da manhã.
Ia o Silêncio pela rua carregando um bêbado.
Preparei minha máquina.
O silêncio era um carregador?
Estava carregando o bêbado.
Fotografei esse carregador.
Tive outras visões naquela madrugada.
Preparei minha máquina de novo.
Tinha um perfume de jasmim no beiral de um sobrado.
Fotografei o perfume.
Vi uma lesma pregada na existência mais do que na pedra.
Fotografei a existência dela.
Vi ainda um azul-perdão no olho de um mendigo.
Fotografei o perdão.
Olhei uma paisagem velha a desabar sobre uma casa.
Fotografei o sobre.
Por fim, eu enxerguei a Nuvem de calça.
Representou pra mim que ela andava na aldeia de braços com Maiakovski -
seu criador.
Fotografei a Nuvem de calça e o poeta.
Ninguém outro poeta no mundo faria roupa mais justa para cobrir sua noiva.
A foto saiu legal.
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IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011 23
O APANHADOR DE DESPERDÍCIOS
"Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras fatigadas de informar.
Dou mais respeito às que vivem de barriga no chão tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas.
Dou respeito às coisas desimportantes e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade das tartarugas mais que as dos mísseis.
Tenho em mim esse atraso de nascença.
Eu fui aparelhado para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios: Amo os restos como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato de canto.
Porque eu não sou da informática: eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor os meus silêncios."
Manoel De Barros nasceu em Cuiabá, Mato Grosso, no dia
19 de dezembro de 1916. Atualmente mora em Campo
Grande, Mato Grosso. É advogado e fazendeiro, possuindo
extensa obra literária. Hoje, o poeta é reconhecido nacional
e internacionalmente como um dos mais originais do século
e um dos mais importantes escritores do Brasil.
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IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011 24
Extinção
O lobo-guará é manso
foge diante de qualquer ameaça
é solitário
avesso ao dia, tímido
detesta as cidades
onde quase sempre é atropelado
onívoro, com mandíbulas fracas
come pássaros, ratos, ovos, frutas
às vezes, quando está perdido,
vasculha latas de lixo nas ruas
engasga ao mastigar garrafas
de plástico ou isopores
se corta ou morre ao morder
lâmpadas fluorescentes
ou engolir fios elétricos
morre ao lamber inseticidas
ou restos de tinta
ou ao engolir remédios vencidos
ou seringas e agulhas
descartáveis
dócil, sem astúcia,
é facilmente capturado e morto
por traficantes de pele
quando então uiva.
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IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011 25
"LUZ"
"Luz do abajur
dicionários
no quarto
minúsculo
sobre a mesa
um mapa da lua
tinta seca
de silêncios
gêmeos e frio
um prego de arame
na cabeça
borboletas se acenderam em mim
dálias
meus dedos
se moviam sobre as teclas
entretanto
sombras
antecipavam
cada
palavra.
borboletas se acendem em mim
dálias
meus dedos sobre as teclas
sombras precipitando entretanto
palavras”
RÉGIS BONVICINO nasceu eu São Paulo, 1955. Sua
produção literária é vasta e alcança territórios estrangeiros.
Tem poemas traduzidos para o chinês, o inglês, o espanhol,
o catalão, o dinamarquês.
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IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011 26
AMIGO
No rumo certo do vento,
amigo é nau de se chegar
em lugar azul.
Amigo é esquina
onde o tempo para
e a Terra não gira,
antes paira,
em doçura contínua.
Oceano tramando sal,
mel inventando fruta,
amigo é estrela sempre
no rumo certo do vento,
com todas as metáforas,
luzes, imagens
que sua condição de estrela contém.
COMIDA DE SEREIA
O que será que a sereia come
em seu castelo de areia?
Enquanto penteia os cabelos
a panela esquenta na cozinha:
será que a sereia come anêmonas,
ostras, cavalos-marinhos?
Ou delicados peixinhos de olhos
dourados?
Algas marinhas, lulas, sardinhas?
Polvos, mariscos, enguias,
ou será que a sereia come poesia?
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IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011 27
PARTIDA
Hoje arrumo as flores
em cima da mesa as frutas na memória
quero um dia bem simples alguma luz pousada
na superfície da água
hoje chamo para mim amorosas palavras
que vivam um dia perto do meu coração que corram pela casa
com sua mistura de mel e espanto
alguém parte com um ruído seco alguém sempre está partindo
CAIXINHA MÁGICA
Fabrico uma caixa mágica para guardar o que não cabe em nenhum lugar: a minha sombra em dias de muito sol, o amarelo que sobra do girassol, um suspiro de beija-flor, invisíveis lágrimas de amor. Fabrico a caixa com vento, palavras e desequilíbrio, e para fechá-la com tudo o que leva dentro, basta uma gota de tempo. O que é que você quer esconder na minha caixa?
ROSEANA MURRAY – nasceu no Rio de Janeiro em
1950. Graduou-se em Literatura e Língua Francesa em
1973 pela UNIVERSIDADE DE NANCY – FRANÇA.
Tem mais de 60 livros publicados e é considerada uma
das mais importantes escritoras contemporâneas com
obras dedicadas ao público infantil e jovem.
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IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011 28
AULA DE DESENHO
Estou lá onde me invento e me faço:
De giz é meu traço. De aço, o papel.
Esboço uma face a régua e compasso:
É falsa. Desfaço o que fiz.
Retraço o retrato. Evoco o abstrato
Faço da sombra minha raiz.
Farta de mim, afasto-me
e constato: na arte ou na vida,
em carne, osso, lápis ou giz
onde estou não é sempre
e o que sou é por um triz.
ELEGIA
Há um vestígio mineral
na sua ausência: algo
que sem estar ainda
fica: fatia de cristal
que não se vê e brilha:
solidez em transparência
elegância de pedra, luz
do que é perda e não.
Há um vestígio musical
na sua ausência: algo
que é sigilo e ressonância:
sintonia de cristais
sílabas de sim no
silêncio do som e do aqui.
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IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011 29
PACTO
Daquele que amo quero o nome, a fome
e a memória. Quero o agora. O dentro e o fora,
o passado e o futuro. Quero tudo: o que falta
e o que sobra o óbvio e o absurdo.
PAISAGEM COM FRUTAS
Duas pêras sobre a mesa
esperam a tua fome.
O dia é verde
e o vento tem cores provisórias.
Sobre o muro
um pássaro mudo
de olhar escuro
perscruta a tua sombra
Ele sabe
que ninguém sabe
em que azul
ocultas
teu absurdo.
MARIA ESTHER MACIEL – nasceu em Patos de
Minas – Minas Gerais, em 01 de fevereiro de
1963. Poeta, ensaísta e ficcionista, a escritora é
também professora de Literatura Comparada da
Faculdade de Letras da Universidade de Minas
Gerais. Doutora em Literatura Comparada com
Pós-Doutorado em cinema pela Universidade de
Londres. Seu projeto atual, com bolsa de
produtividade pelo CNPq, intitula-se:
“Zooliteratura brasileira: animais, animalidade e
os limites do humano.
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IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011 30
Poemas aos Homens do nosso tempo
Amada vida, minha morte demora.
Dizer que coisa ao homem,
Propor que viagem? Reis, ministros
E todos vós, políticos,
Que palavra além de ouro e treva
Fica em vossos ouvidos?
Além de vossa RAPACIDADE
O que sabeis
Da alma dos homens?
Ouro, conquista, lucro, logro
E os nossos ossos
E o sangue das gentes
E a vida dos homens
Entre os vossos dentes.
Ao teu encontro, Homem do meu tempo,
E à espera de que tu prevaleças
À rosácea de fogo, ao ódio, às guerras,
Te cantarei infinitamente à espera de que um dia te conheças
E convides o poeta e a todos esses amantes da palavra, e os outros,
Alquimistas, a se sentarem contigo à tua mesa.
As coisas serão simples e redondas, justas. Te cantarei
Minha própria rudeza e o difícil de antes,
Aparências, o amor dilacerado dos homens
Meu próprio amor que é o teu
O mistério dos rios, da terra, da semente.
Te cantarei Aquele que me fez poeta e que me prometeu
Compaixão e ternura e paz na Terra
Se ainda encontrasse em ti, o que te deu.
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IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011 31
Dez chamamentos ao amigo
Se te pareço noturna e imperfeita
Olha-me de novo. Porque esta noite
Olhei-me a mim, como se tu me olhasses.
E era como se a água
Desejasse
Escapar de sua casa que é o rio
E deslizando apenas, nem tocar a margem.
Te olhei. E há tanto tempo
Entendo que sou terra. Há tanto tempo
Espero
Que o teu corpo de água mais fraterno
Se estenda sobre o meu. Pastor e nauta
Olha-me de novo. Com menos
altivez.
E mais atento.
HILDA HILST – nasceu em Jaú, cidade de São Paulo,
em 21 de abril de 1930. Publicou várias obras e obteve
importantes prêmios literários.
Faleceu em Campinas (SP) no dia o4 de fevereiro de
2004. Hilda é reconhecida, quase pela unanimidade da
crítica brasileira ,como uma de nossas principais
autoras, sendo considerada uma das mais importantes
vozes da Língua Portuguesa do século XX.
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IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011 32
A PRIMEIRA VEZ QUE ENTENDI
A primeira vez que entendi do mundo
alguma coisa
foi quando na infância
cortei o rabo de uma lagartixa
e ele continuou mexendo.
De lá pra cá
fui percebendo que as coisas permanecem
vivas e tortas
que o amor não acaba assim
que é difícil extirpar o mal pela raiz.
A segunda vez que entendi do mundo
alguma coisa
foi quando na adolescência me arrancaram
do lado esquerdo três certezas
e eu tive que seguir em frente.
De lá pra cá
aprendi a achar no escuro o rumo
e sou capaz de decifrar mensagens
seja nas nuvens
ou no grafite de qualquer muro.
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IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011 33
Balada dos Casais
Os casais são tão iguais,
por isto se casam
e anunciam nos jornais.
Os casais são tão iguais,
por isto se beijam
fazem filhos, se separam
prometendo
não se casarem jamais.
Os casais são tão iguais,
que além de trocar fraldas,
tirar fotos, acabam se tornando
avós e pais.
Os casais são tão iguais,
que se amam e se insultam
e se matam na realidade
e nos filmes policiais.
Os casais são tão iguais,
que embora jurem um ao outro
amor eterno
sempre querem mais.
AFFONSO ROMANO DE SANT ´ANNA – nasceu em
Belo Horizonte, Minas Gerais, no dia 27 de março de
1937.
Poeta, professor graduado em Letras, lecionou em
várias universidades do Brasil e do exterior. Tem uma
vasta obra literária e escreve também para jornais.
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IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011 34
A PALAVRA NEGRO
A palavra negro tem sua história e segredo veias do São Francisco prantos do Amazonas e um mistério Atlântico
A palavra negro tem grito de estrelas ao longe sons sob as retinas de tambores que embalam as meninas dos olhos
A palavra negro tem chaga tem chega! tem ondas fortesuaves nas praias do apego nas praias do aconchego
A palavra negro que muitos não gostam tem gosto de sol que nasce A palavra negro tem sua história e segredo sagrado desejo dos doces voos da vida o trágico entrelaçado e a mágica d'alegria
A palavra negro tem sua história e segredo e a cura do medo do nosso país
A palavra negro tem o sumo tem o solo a raiz.
LUIZ SILVA (CUTI) – nasceu em Ourinhos, São
Paulo e vive na capital paulista. Mestre em Teoria
da Literatura e Doutor em Literatura Brasileira pelo
Instituto de Estudos da Linguagem – Unicamp. Foi
um dos fundadores e membro do Quilombhoje –
Literatura, de 1983 a 1994. É um dos criadores e
mantenedores da série Cadernos Negros.
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IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011 35
VEM CANTANDO
noite e chuva
apresso-me nos passos
um medo branco prepara o bote
na minha sombra
pés encharcados
atolo-me na lembrança dos alagados
as sandálias soltam gemidos que
recordam choro de crianças nos casebres
que se despencam
de morros
noite e chuva
meu guarda-chuva ameaça guardar-me da vida
dos outros
um impulso no sangue me joga tonto na lama e dou
de cara com bêbados e prostitutas
umedeço-me e esfrio no pavor
vivido por meu avô
e continuo
..................................................
vem cantando cantigas em nagô
entrecortadas de espirros em quimbundo
tem colares de contas que encerram necessidade
e anseio
chacoalhando num ritmo o futuro
caminhadas do meu povo em suas tranças no cabelo
e uma estrela de alegria insistindo no sorriso
doce riso de gerúndio
minha história vem molhada e me procura... com as dores tão antigas
titubeia
me incendeia num abraço
o tempo descontraído
escancarado o espaço
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IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011 36
O animal da floresta
De madeira lilás (ninguém me crê)
se fez meu coração. Espécie escassa
de cedro, pela cor e porque abriga
em seu âmago a morte que o ameaça.
Madeira dói?, pergunta quem me vê
os braços verdes, os olhos cheios de asas.
Por mim responde a luz do amanhecer
que recobre de escamas esmaltadas
as águas densas que me deram raça
e cantam nas raízes do meu ser.
No crepúsculo estou da ribanceira
entre as estrelas e o chão que me abençoa
as nervuras.
Já não faz mal que doa
meu bravo coração de água e madeira.
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IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011 37
Flor de açucena
Quando acariciei o teu dorso,
campo de trigo dourado,
minha mão ficou pequena
como uma flor de açucena
que delicada desmaia
sob o peso do orvalho.
Mas meu coração cresceu
e cantou como um menino
deslumbrado pelo brilho
estrelado dos teus olhos
.
THIAGO DE MELLO – nasceu em Barreirinha, no
coração do Amazonas, no dia 30 de março de
1926. Abandonou o Curso de Medicina e
dedicou-se à poesia. É conhecido
internacionalmente por sua luta em prol dos
direitos humanos, pela ecologia e pela paz
mundial. Tem obras traduzidas para vários
idiomas e recebeu inúmeros prêmios.
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IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011 38
Sem
E no fim de tudo
A morte
O olhar mudo
No extremo do caminho
Eu sozinha
Ai que medo
Ai que frio
Só o pio da coruja
O delírio do vento
No chão úmido e macio
Abandonada para sempre
Sempre
Eu que fui gente
Me separo do cálido sol
Caliente
Das montanhas
Eterno tema dos desenhos da infância
Deixo fora as estrelas delirantes
Tão bonitas e distantes
Viro alma, talvez errante fantasma?
Ectoplasma, miasma
Nunca mais Plácido Domingo
O vinho com os amigos
Nem meus gritos, palavrões
Os pequenos delitos sem redenção
Só o frio
O vazio
A Solidão
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IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011 39
Confissão
Penso em ti
porque foi contigo
que abri meu peito
e sem medo deixei
que todos os pássaros se
libertassem
Penso em ti
porque ao teu lado
vivi todas as estações
e todas me embriagaram
Penso em ti
hoje
Amanhã pensarei em ti
e sempre
por todos os séculos dos séculos
amém
MARIA DE ABREU – nasceu em Bragança
Paulista, São Paulo, em 1950. Graduada em
Letras e Especialista em Psicopedagogia,
dedica-se ao magistério e a eventos culturais
relacionados à Literatura. Escreve poesia, contos
e crônicas.
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IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011 40
DE LER E ANDAR
Há dias em que há
mais sentido nas ruas
do que nos livros.
Nesses dias se deve
de casa sair
e, dentro de si,
caminhar à escuta
da vida.
Há dias,
porém, em que mais
sentido há nos livros.
É preciso, então,
trancar-se em leituras
e, numa entrega de sonho,
misturar-se ao mundo.
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IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011 41
UM DIA NO CAMPO
Hoje, no campo, meu dia foi um dia.
Eu fui eu.
O corpo foi o corpo. A nuvem foi a nuvem.
O vento foi o vento. A planta foi a planta.
O riacho foi riacho A palavra foi palavra.
O pássaro foi pássaro.
Hoje tudo foi tudo
e a vida viveu.
CONTEMPLAÇÃO DO AMOR
Entre o concreto e o céu está o traço, o braço de nosso voo.
Voo de luz que nos transpõe e leva-nos ao universo dos universos.
Em cada janela deparamo-nos, mistos de carne e infinito, cimento e eternidade.
E na planta que semeia o verde, na ave que semeia o êxtase, aprendemos a chegar no ponto em que estamos.
ALCIDES BUSS – nasceu em Salete, Santa
Catarina, em 1948. É professor de Teoria Literária
na Universidade de Santa Catarina. Segundo
CLÁUDIO MILLER, Alcides Buss é poeta,
animador e agitador literário, editor e dirigente
cultural, com uma atuação marcante na cena
contemporânea brasileira nas últimas décadas,
sempre em favor da palavra poética. Sua
produção poética é vasta e inúmeros os prêmios
recebidos.
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IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011 42
Viagem de Avião
A armadura de músculos
sob minha fantasia de penas
não basta para enfrentar o vôo.
Penso na firmeza da águia
na tarde sob a névoa,
ou na calma da passagem
do falcão sobre os penhascos.
Levo pelas nuvens
a obediência do pássaro domado
que lança com os olhos seu apelo.
Tento preservar sob o lençol
o que resta de minha resistência
mas devolvo nas bandejas
as migalhas de minha coragem.
Excessos de sons ao redor
sempre parecem ameaçadores
e balanços dessa gaiola sem grades
só dilatam a turbulência
na qual meu coração sem asas
tão bem se especializa.
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IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011 43
Casa Urbana
Não é um sonho de casa
essa casa de madeira
com teto triangular
a destoar dos traçados
projetados pelos donos
de prédios retangulosos.
É apenas uma casa
com suas cercas de estacas
a cercar a terra fértil,
guardando plantas e bichos
e também alguns meninos
com as costelas à vista.
Sim é só uma casinha
da gente de antigamente
gente que por ser teimosa,
só vai fazer sua trouxa
e finalmente ir embora
no dia em que o deus quiser.
É casa bem brasileira
e com certeza, cabocla
na batalha dos tijolos
ganhando tempo no jogo
se transformando em passado
se transformando em um sonho.
ROSA CLEMENT – nasceu em Manaus,
Amazonas, em 1954. Trabalha no Instituto
Nacional de Pesquisas da Amazônia – INPA, com
informação tecnológica .É poeta, haicaísta e
tradutora.
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IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011 44
O Poeta Veste-se
Com seu paletó de brumas e suas calças de pedra, vai o poeta.
E sobre a cambraia fina da camisa de neblina, o arco-íris em gravata vai atado em nó singelo.
(Um plátano, sobre a prata da água tranqüila do lago, se debruça só por vê-lo).
Ele leva sobre os ombros a cachoeira do lago (cachecol à moda russa) levemente debruada de um fino raio de sol.
Vai o poeta a caminhar pelas serras.
(pelos montes friorentos mal se espreguiça a manhã)
com seu pullover cinzento (feito com lã das colinas)
com seus sapatos de musgo (camurça verde dos muros)
com seu chapéu de abas largas (grande cumulus escuro).
Mas algo ainda lhe falta Para a elegância completa:
Súbito pára, se curva, num gesto sóbrio e perfeito, um breve floco de nuvens colhe e prende na lapela.
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IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011 45
Variações Sobre Um Prólogo
Nos longes da infância paro;
há uma inscrição sobre o muro:
Frauta clara, arroio escuro,
Frauta escura, arroio claro.
E esse cavalo capenga?
E esse espelho espedaçado?
E a cabra? E o velho soldado?
E essa casa solarenga?
Tudo volta do monturo
da memória em rebuliço.
Mas tudo volta tão puro!...
E, mais puro que tudo isso,
essa anárquica inscrição
feita no muro a carvão.
São temas recomeçados
na minha vária canção.
LUIZ BACELLAR – nasceu em Manaus, no
dia 04 de setembro de 1928. É um dos mais
significativos escritores do Amazonas e do
Brasil. Sua obra constrói-se sobre o plano
da memória. Também exerceu o jornalismo e
destacou-se no processo de renovação da
literatura regional.
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IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011 46
Calendário
Calendário
vida,
ainda se fosse possível
compreender esses códigos
gravados na cripta
dos teus avessos.
Então
as palavras já nasceriam
feitas,
a lã
não teria seus pastores,
nem os pastores
seus montes,
nem as montanhas
suas grutas de rapina,
nem o chão da terra
os rastros da serpente.
Nem os maus seriam chamados
para mudar o caminho
da história;
nem os bons haveria
porque a bondade
e o martírio
jamais se banham nem se repetem
nas águas do mesmo rio.
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IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011 47
Da infância
Fui deixando cair as petecas
que guardavam meus peixes.
Fui vendo escapar as moedas
que niquelavam os domingos.
Fui perdendo meus dentes-de-leite
e o gesto de fazer borboletas.
Entretanto, ainda estou a caminho
daqueles garranchos de chão.
Qualquer coisa que entala de branco
e machuca sem voz.
Búzios
Por que se fala tanto
na solidão dos relógios?
Ainda mais solitários
são os búzios, que guardam
nas aurículas de cálcio
os estigmas da terra
os rumores do caos.
E assumem a contagem regressiva
do éter e do granito.
JORGE TUFIC – nasceu em Sena Madureira,
Acre, no dia 13 de agosto de 1930. Poeta e
jornalista, é autor da letra do HINO DO
AMAZONAS, contemplado que foi com o
primeiro lugar em concurso nacional promovido
pelo Governo do Estado. Além das obras
publicadas, também escreve para vários órgãos
de imprensa.
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IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011 48
Dentro de mim mora um anjo
Quem me vê assim cantando
Não sabe nada de mim
Dentro de mim mora um anjo
Que tem a boca pintada
Que tem as unhas pintadas
Que tem as asas pintadas
Que passa horas à fio
No espelho do toucador
Dentro de mim mora um anjo
Que me sufoca de amor
Dentro de mim mora um anjo
Montado sobre um cavalo
Que ele sangra de espora
Ele é meu lado de dentro
Eu sou seu lado de fora
Quem me vê assim cantando
Não sabe nada de mim
Dentro de mim mora um anjo
Que arrasta suas medalhas
E que batuca pandeiro
Que me prendeu em seus laços
Mas que é meu prisioneiro
Acho que é colombina
Acho que é bailarina
Acho que é brasileiro
Quem me vê assim cantando
Não sabe nada de mim
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IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011 49
história natural
Meu filho agora
ainda não completou três anos.
O rosto dele é bonito e os seus olhos repõem
muita coisa da mãe dele e um pouco
de minha mãe.
Sem alfabeto o sangue relata
as formas de relatar: a carne desdobra a carne
mas penso:
que memória me pensará?
Vejo meu filho respirando e absurdamente
imagino
como será a América Latina no
futuro.
CACASO (Antônio Carlos de Brito) – nasceu no
dia 13 de março de 1944, em Uberaba, Minas
Gerais. Professor de Literatura na PUC – RJ , foi
colaborador de revistas e jornais. Poeta em
tempo integral, ensaísta, letrista, desenhista,
principal articulador e teórico da poesia
marginal. Faleceu no Rio de janeiro em 27 de
dezembro de 1987.
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IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011 50
O Gato
O gato aparece à noite
com seu esquivo silêncio
de passos bem calculados
num jogo de paciência
as garras bem recolhidas
na concha de suas patas
O gato passeia a noite
com seu manto de togado
como se fosse um juiz
de presas resignadas
a sua sentença de sombras
seu apetite de gula
O gato varre essa noite
facho de suas vassouras
vermelhas de olhos ariscos
e alcança nessa limpeza
o movimento mais presto
o guincho mais desouvido
Mais que perfeito no bote
(tal qual Mistoffelees de Eliot)
do pulo que nunca ensina
tombam baratas besouros
peixes de aquário catitas
ao paladar sibarita
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IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011 51
Nada à noite falta ao gato
nem a presteza no salto
nem a elegância completa
do seu traje de veludo
para o baile dos telhados
roçando as fêmeas no cio
O gato é ato em seu salto
e a noite luz do seu palco:
ribalta luciferina
lunária ária da lua
na réstia de seus dois gozos
é felix feliz felino
Guardei a sétima estrofe
para o canto do mistério
das sete vidas do gato
e seu tapete aziago
nas noites de sexta-feira
há provas do seu estrago.
ANIBAL BEÇA – nasceu em Manaus a 13 de
setembro de 1946 e faleceu a 25 de agosto de
2009. Foi jornalista, poeta, músico, teatrólogo.
Recebeu vários prêmios e venceu inúmeros
festivais de MPB em todo o Brasil.
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IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011 52
Minha águia
ó
Não
Não quero
Não quero perder
Não quero perder contato
Não quero perder contato com
Não quero perder contato com a
Não quero perder contato com a minha
Não quero perder contato com a minha Águia
ó não quero perder contato com a minha Águia !
S
S S
S S S
Sinto que ela voou para
céus tão altos
onde
se encontra agora ?
Que mãos lhe afagam as plumas
depois
de meu último
abraço
de meu último
beijo
de minha última
c
a
r
í
c
i
a
?
? ?
? ? ?
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IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011 53
Os dois semestres do Jaguaribe
Eis o Jaguaribe, rio
elegante, limpo e seco,
de janeiro à junho é água,
de julho a dezembro, areia.
É rio de muita força
e muito orgulho nas águas,
quando seco, é belo e manso;
cheio é feio e temerário.
Corre entre campos antigos,
entre móquens, molungus,
alvas roças de algodão,
gado açoreano e zebu.
Em janeiro suas águas
têm um brilho de metal,
mas em abril esse brilho
já começa a enferrujar,
todo em ferrugem vestido,
em meio o rio é vermelho,
finda junho e ele penetra
em seu semestre de areia.
CÉSAR LEAL – escritor, poeta e crítico literário, nasceu, a 20 de março de 1924, em Saboeiro, Ceará.
Também é bacharel em Direito e professor de Literatura.
Autor de vários livros, já foi premiado inúmeras vezes. É crítico literário do Diário de Pernambuco.
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IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011 54
Lisboa: aventuras
tomei um expresso
cheguei de foguete
subi num bonde
desci de um elétrico
pedi cafezinho
serviram-me uma bica
quis comprar meias
só vendiam peúgas
fui dar à descarga
disparei um autoclisma
gritei "ó cara!"
responderam-me "ó pá!"
positivamente
as aves que aqui gorjeiam não gorjeiam como lá
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IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011 55
Convite
Poesia
é brincar com palavras
como se brinca
com bola, papagaio, pião.
Só que
bola, papagaio,pião
de tanto brincar
se gastam.
As palavras não:
quanto mais se brinca
com elas
mais novas ficam.
Como a água do rio
que é água sempre nova.
Como cada dia
que é sempre um novo dia.
Vamos brincar de poesia?
JOSÉ PAULO PAES – nasceu em São Paulo em
1926. Escreveu com regularidade para jornais e
periódicos literários. Em 1987, dirigiu uma
oficina de tradução de poesia na UNICAMP.
Faleceu em 09 de outubro de 1998
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IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011 56
O sermão da selva (IV)
Bem-aventurados os que sustam o avanço dos desertos,
domando a areia e apascentando as dunas
com a flauta inumerável de árvores urgentes
que frutificam em paz e as cidades protegem
e mitigam de chuva os caminhos de fogo.
Bem-aventurados os que socorrem a fauna sacrificada
e salvam da extinção cantos indispensáveis,
belos saltos de cor, imponências felinas
e todas as claras provisões de ternura animal
que a magnífica fonte espalhara na selva.
Bem-aventuradas as mãos que multiplicam o verde e os verdes
movimentos do caule erguendo-se da terra,
e os longos círculos de sonho em que a flor se transfigura,
em que o fruto se entrega e em que as folhas resistem
na úmida e dadivosa sinergia.
Bem-aventurados os que cultivam e os que repartem as lendas,
filhas da solidão dos remos peregrinos,
das sombras que de noite andam de medo em medo
as redes embalando à luz das lamparinas.
Porque lenda é mensagem, e a selva sempre soube
que, além de alma e matéria, o homem é sonho.
Bem-aventurados todos os que antes da revelação eletrônica
já se comunicavam com as plantas, já as sentiam
e com elas partilhavam da luz e da emoção,
e as respeitam assim nessa comunidade da selva.
Bem-aventurados os que em lei, verso, vontade,
na retorta, na prece e na palavra
a selva defenderem e seus mistérios lerem
e fundarem a sua paz na paz da selva.
Porque o Reino será desses, daqueles que
cumprirem
o destino de Deus neste transido
mundo que nos suporta enquanto o temos.
MAX CARPHENTIER -
nasceu em Manaus,
Amazonas, no dia 29 de
abril de 1945. Bacharel
em Direito, pertence ao
Clube da madrugada e à
Academia Amazonense
de Letras.
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IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011 57
Poemas de Fundos para dias de chuva
Quero de volta os pretextos
para lavar as superfícies encardidas
não acredito mais no que dão por feito os outros
prefiro eu mesma laçar
usuras da imperfeição
viver dá nisso
uma certa arrogância necessária
desisto de entediar as palavras
com o gesto monótono da caneta
perco o medo dos abstratos e sigo dizendo
vida amor solidão
e catando as horas
como quem rasga papéis antigos
como quem verte um copo de groselha
na toalha branca de linho da avó
mas se ainda soubessem
as libélulas
enquanto tremulam no cloro
se ainda soubessem
os campos os morros os verdes
se ainda soubessem
asas
que não é preciso explicar
as patas que os verbos carregam
suas madressilvas
o relinchar dos grilos
e cigarras
a música de um dia sem estacas
quantos parques
teriam
estas perguntas sem lar
(como frear a noite?
ele quis saber
com os olhos arregalados
e desejo de azul)
ANNITA COSTA MALUFE - nasceu em São Paulo
em 1975. É jornalista formada pela PUC – SP.
Doutora em Teoria literária pela UNICAMP, com
estudos sobre poesia contemporânea. Sua
produção literária tem sido muito bem recebida
pela crítica.
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IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011 58
O Buraco do Espelho
o buraco do espelho está fechado agora eu tenho que ficar aqui com um olho aberto, outro acordado no lado de lá onde eu caí pro lado de cá não tem acesso mesmo que me chamem pelo nome mesmo que admitam meu regresso toda vez que eu vou a porta some a janela some na parede a palavra de água se dissolve na palavra sede, a boca cede antes de falar, e não se ouve já tentei dormir a noite inteira quatro, cinco, seis da madrugada vou ficar ali nessa cadeira uma orelha alerta, outra ligada o buraco do espelho está fechado agora eu tenho que ficar agora fui pelo abandono abandonado aqui dentro do lado de fora.
ARNALDO ANTUNES – nasceu em São Paulo, a
02 de setembro de 1960. É músico, poeta,
compositor e artista visual. Em 1978 ingressou
na USP no Curso de Linguística, mas o sucesso
dos TITÃS lhe tomou todo o tempo entre shows,
gravações, turnês e entrevistas. É conhecido na
América do Sul por ser um dos principais
compositores da música pop brasileira com
influências concretistas e pós-modernas.
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IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011 59
Legado Deixarei por herança
não o poema
mas o corpo no poema
aberto aos quatro ventos
Pois todo poema
é verde e maduro,
em areia movediça
de angústia, solidão
Onde me debato
ainda que finja o contrário
em busca da verdade
e seu chão
Deixarei por herança
não o poema
Mas o corpo repartido
na viagem inconclusa
Pois todo o poema maduro
é um verde poema
E, mesmo acabado,
se estriba na inconclusão
Claro, sem esquecer,
o estratagema da paixão.
LINDOLF BELL – nasceu em Timbó, Santa
Catarina, em 02 de novembro de 1938. Foi
líder do MOVIMENTO DE CATEQUESE
POÉTICA, uma iniciativa que levava a
poesia às ruas por meio de recitais,
permitindo que milhares de pessoas
conhecessem e tivessem acesso a essa
forma de arte.
Faleceu em Blumenau, em 10 de dezembro
de 1998.
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IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011 60
O JOVEM NA LIVRARIA
De pé, lendo na livraria. Nas proximidades, os bondes confluindo no Tabuleiro da Baiana; marmiteiros na direção de grotões com valões a céu aberto; trens trepidando e perdendo-se nas penumbras ignotas e tristes de um desterro suburbano. De pé, lendo na livraria. La fora, analfabetos e letrados revezando-se no espaço sem solução à vista: Brasil, país do futuro! (Escuro, muro, desconjuro.) Transeuntes, ambulantes e uma elite na livraria. Senhores nos botecos, goles de café, “lotações”; ainda havia batedores de carteira, malandros, funcionários públicos (barnabés) pelos institutos de previdência. O garoto, de pé, na livraria lendo Drummond, Bandeira, vindo do bairro mais distante. Brasil, afinal, Campeão do Mundo! Sorrisos sem dentes, salário mínimo, programas de auditório, carnaval. Mundo mundo, vasto mundo, eu não me chamo Raimundo, mas Antonio, flébil, esguio, com dinheiro apenas para o pastel e o ônibus; os livros eram leitura de livraria, de pé.
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IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011 61
O pai, barnabé; a mãe, costureira. De pé, lendo na livraria: Drummond, Cabral, Bertrand Russell, e algo mais. Um fragmento de Baudelaire, um pedaço de Aimé Cesaire, frase de Nietzsche. “-Que livros você quer levar, meu jovem?” Pensou: “nenhum”. Gostaria, mas não podia. Lá fora, tantos outros como ele. Personagens sem olhos, sem boca. Massas humanas movendo-se anônimas; bacharéis luzindo anéis. “A vida como ela é”, do Nelson Rodrigues. Vedetes de teatro de revista, Ibrahim Sued. Miss Brasil não falava inglês e já imitavam jazz e rock e a bossa-nova queria ganhar o mundo! E o garoto, de pé, na livraria. “Pode levar os livros que quiser, sem pagar”. (...) “Sim, isso mesmo, jovem, os livros que quiser: dois, dez, à vontade”. Quis correr, encabulado, assustado. “Uma pessoa viu-o lendo, e emocionou-se: (...) Um magistrado, um homem abastado.” (...) Deixou crédito aberto a seu favor...” “Machado de Assis? Jorge Amado? Menotti del Picchia? Sartre? Camus?” “O que quiser, o que consiga levar!” (...) Na estante de casa havia livros emprestados da biblioteca pública. Sorte que havia bibliotecas públicas!!! Levou para casa o J. C. de Melo Neto e a filosofia difusa de Lin Yutang. .........................................................
Outros livros seguiu adquirindo
por conta própria: tantos, tantos!
E ali está, de pé, na livraria,
outro jovem suburbano lendo um livro!!!
ANTÔNIO (LISBOA CARVALHO)
DE MIRANDA é maranhense,
nascido em 05 de agosto de
1940. Membro da Academia de
Letras do Distrito federal,
colaborou em muitas revistas e
periódicos literários no Brasil,
Argentina e Venezuela.
Atualmente é Diretor da
Biblioteca Nacional de Brasília.
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IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011 62
ROMANCE DA NOITE-CHUVA
Tremia o trovão na terra. Talhavam a face torva gota a gota os seringais, era o deus que era raivoso e vinha nos temporais. Bramia o rumor do rio nas noites de escuro e chuvas, caía a faixa da terra, piavam surdo as corujas. Um noturno canto-pranto cortava o céu em dois meios, nosso deus vinha vestido de nós e os nossos receios. * _ Minha mãe, onde é que eu acho a lamparina da noite? _ Meu filho, ela deve estar pendurada lá no alpendre. _ Minha mãe, por que a coruja pia agora sem parar? _ Meu filho, certo que existe um defunto a amortalhar. _Quero dormir, minha mãe, dentro das trevas desta hora, mas não posso me embrulhar, o meu lençol me apavora. _ Meu filho, dorme, não chora, que o dia não custa a vir, reza as três ave-marias, muda a roupa e vai dormir. * A terra tremia toda.
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IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011 63
FIGURAS
1 O sol ardia no roçado, caniços secos ardiam no roçado, folhas torradas no sol do roçado. Quero falar de ti, curtas palavras quero cravar no solo claro destas pedras. 2 O verso vive nas cruzes do futuro. Agora é o mero vento das fugaces frases irreais, a voz vazia dos bichos castigados aos sons banais. 3 Nossa comida era branca, peixe frugal, favas fritas, maxixes na água e sal. 4 A macia serenidade do rio após a chuva. 5 O jardim era encharcado no fim do inverno, o verão era verde. Heras medravam nas pedras sujas, manjeronas se urdiam no pátio como cobras, risos-do-prado japanas mucuracaás papoulas rosas-pedra lama seca estalada em retângulos de cinza.
ELSON FARIAS – nasceu em Roseiral, interior do
Amazonas, município de Itacoatiara, no dia 11 de
junho de 1936. Tem várias obras publicadas e
pertence à Academia Amazonense de Letras.
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IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011 64
SENTIMENTO PORTUGUÊS
Atado ao crepúsculo deste vagamundo
vejo mãos líquidas bater na praia inteira.
Escrevem brancas palavras de um sal agudo
e triste. Dói olhar o mar de uma cadeira.
Os lábios das canoas tremulam heurísticos
em contraste a navios castos sonolentos.
Só mesmo a corcunda de Adamastor persiste
caída ao longe: sem esqueleto por dentro
nem a mover-lhe Deus — que acaso não existe
mas aparece posto neste rosto imenso.
FERNANDO PAIXÃO – nasceu na aldeia
portuguesa de Beselga em 1955, mas veio ainda
criança, em 1961, para o Brasil. Formou-se na
Universidade de São Paulo (USP). Escreve artigos
para jornais e revistas e atua na área editorial.
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IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011 65
história
Na cidade em que nasci
havia um bicho morto em cada sala
mas nunca se falou a respeito
os meninos cavávamos buracos nos quintais
as meninas penteavam bonecas
como em qualquer lugar do mundo
nas salas o bicho morto apodrecia
as tripas cobertas de moscas
(os anos cobertos de culpas)
e ninguém dizia nada
mais tarde bebíamos cerveja
as brincadeiras eram junto com as meninas
a noite aliviava o dia
das janelas o sangue podre
(ninguém tocava no assunto)
escorria lento e seco
e a cidade fedia era já insuportável
parti à noite
embora sem dúvidas chorasse
FABRÍCIO CORSALETTI – nasceu em Santo
Anastácio, interior de São Paulo, em 1978.
Formado em letras pela USP, é editor de poesia
da revista Ácaro.
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IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011 66
Madrepérola
Nos interlúdios de silêncio
sempre me busco
com o olhar em paralaxe.
Comove-me a gravidez
de um átomo.
O centro de gravidade
de todo ser
em forma e conteúdo.
Há um significado
entre uma palavra e outra
que é preciso desvendar o sentido
o não aprendido
o não dito digno de louvor.
É preciso aprender com a concha
a ouvir o canto do mar.
Aprender com o gesto
contido no incomum
da madrepérola.
É preciso devolver o encanto
substantivo de cada ser.
A essência que contém
no fundo mais íntimo.
É preciso sentir a natureza.
Aprender com a ostra
a transformar os resíduos
em forma de beleza.
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IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011 67
Oriental
A poesia do por-do-sol,
que juntos imaginamos,
está como um quadro suspenso
na parede do quarto
de minha memória.
No livro dos arcanos,
que juntos sonhamos,
está a minha e a tua vida,
além do tempo quando.
Como um prisma sob a luz
está o teu corpo-astro
rastro, qual arco-íris
de sagrados sonhos.
Tal estrela de quartzo,
está a alegria do teu olhar;
e no sorriso de criança
o almo de tua alma
e a sorte... é minha.
Contudo, a amorosidade
está no teu gesto eternal;
grafado em fogo
na minha pele
como signo oriental.
Nelson Castro, poeta e promotor cultural, atua também na área editorial em Manaus.
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IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011 68
Referências http://www.google.com.br/search?sourceid=navclient&ie=UTF-8&rlz=1T4ACAW_en___BR336&q=jornal+de+poesia+orides – pesquisado em 23/02/2011 – às 10h. http://oglobo.globo.com/blogs/literatura/posts/2010/10/29/um-telefonema-para-orides-fontela-336605.asp - pesquuisado em 22/02/2011 -as 09h http://musicapoesiabrasileira.blogspot.com/2008/12/poemas-de-orides-fontela.html - pesquisado em 22/02/2011 - às 10h24 http://www1.folha.uol.com.br/folha/livrariadafolha/670535-desregrada-solitaria-e-boemia-poeta-orides-fontela-permanece-no-anonimato.shtml -pesquisado em 21/02/2011 - às 22h http://www.algumapoesia.com.br/poesia/poesianet032.htm - pesquisado em 20/o2/2011 - às 20h http://www.imaginariopoetico.com.br/2010/02/orides-fontela-toda-palavra-e-crueldade.html - pesquisado em 19/02/2011 - às 11h http://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=128648 – pesquisado em 23/02/2011 – às 9h30 http://www.manausmais.com.br/content/col_home_coluna.asp?URL_COL_COD=9 – pesquisado em 223/02/2011 – às 8h http://www.bibliotecadafloresta.ac.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=855:poesia-e-poetas-do-amazonas&catid=66:destaques-do-acervo&Itemid=106 – pesquisado em 23/02/2011 às 8h20 http://charlesmallarme.wordpress.com/2008/11/29/poetas-do-amazonas-thiago-de-melo/ - pesquisado em 23/02/2011 – às 8h40 http://www.germinaliteratura.com.br/ab.htm - pesquisado em 23/02/2001 - às 9h http://www.google.com.br/search?sourceid=navclient&ie=UTF-8&rlz=1T4ACAW_en___BR336&q=max+carphentier – pesquisado em 23/02/2011 – às 9h10 http://www.google.com.br/search?sourceid=navclient&ie=UTF-8&rlz=1T4ACAW_en___BR336&q=luiz+bacellar – pesquisado em 23/02/2011 – às 9h35 http://www.call.org.br/autores/autor_elsonfarias.htm - pesquisado em 23/02/2011 - às 9h40 http://www.revista.agulha.nom.br/astridcabral.html - pesquisado em 23/02/2011 - às 10h http://www.google.com.br/search?sourceid=navclient&ie=UTF-8&rlz=1T4ACAW_en___BR336&q=rosa+clement – pesquisado em 23/02/2011 – às 10h20 http://www.google.com.br/search?sourceid=navclient&ie=UTF-8&rlz=1T4ACAW_en___BR336&q=jorge+tufic – pesquisado em 23/02/2011 – às 1030 http://portalamazonia.globo.com/pscript/entretenimento/agenda/evento.php?idEventoCultural=4857 – pesquisado em 23/o2/2011 – às 11h.
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Anotações
Meada
Uma trança desfaz-se: calmamente as mãos
soltam os fios inutilizam
o amorosamente tramado. Uma trança desfaz-se:
as mãos buscam o fundo da rede inesgotável
anulando a trama
e a forma. Uma trança desfaz-se: as mãos buscam o fim
do tempo e o início de si mesmas, antes
da trama criada. As mãos
destroem, procurando-se antes da trança e da memória.