8/9/2019 guia de histria da arte - Giuglio Carlo Argan Maurizio Fagiolo
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---
NDICE
PREMBULO
AO
ESTUDO DA HISTRIA
DA
ARTE,
de
Giulio Cario Argan ........................................
I .
O campo da arte ............................................................... .
2. A literatura artstica ........................................................... .
A funo da histria da arte ............................................
.
~ 4 ~
Juzo crtico e valor artstico
5. Autenticidade
da
obra de arte ........................................... .
6. Qualidade da obra de arte ................................................
.
7. Os instrumentos do historiador de arte ........................... .
8. A atribuio .............................................. ....... . ................ .
9. A crtica de arte ................................................................. .
1O
H
. , . , .
.
Is
tona e cnttca ............................................................... .
11. Periodizao e localizao .................................
12. O mtodo formalista ......................................................... .
O mtodo sociolgico
O mtodo iconolgico
.
............................................
.
.............................................
13.
14.
15.
16.
O mtodo estruturalista ..................................................... .
C
o
0
d
h
0
d
tencta a arte e tstona a arte ..................................... .
GUIA BIBLIOGRAFICO, de Maurizio Fagiolo ........................
dvertncia
I.
Os Instrumentos
de
Pesquisa
I R
. A
. e.
erenctas gerats ............................................................... .
a Histrias da arte .............................................................
b Enciclopdias e repertrios .......................................... .
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c As coleces ................................................................... .
d As revistas ..................................................................... .
2. Os perodos da histria da arte ........................................... .
a Da antiguidade tardia
Alta Idade Mdia ................... .
b Romnico e Gtico ....................................................... .
c
Humanismo e Renascimento ........................................
d Do Maneirismo Contra-Reforma ..............................
e Barroco e Rococ ......... ................................................. .
t Do Neoclassicismo s vanguardas ................................. .
3. Fontes e literatura artstica ................................................
a Estudos gerais ................................................................. .
b Guia dos textos tericos e histricos ..........................
c
Fontes acessrias ............................................... : .......... .
d
Os centros culturais ......................................................
I I s Meto o Io gias .......................... ............................................ .
1
Das vite s bases da esttica ..............................................
2. Do Idealismo ao Positivismo ............................................
3. A pura-visualidade: A Escola
de
Viena ............................
4. O mtodo do perito ............................................................. .
5. Histria das imagens e da cultura: o Instituto Warburg ..
6. Psicologia
da
viso e estruturalismo ................................
7.
O
mtodo sociolgico ........................................................
8
A
P
t
h
t
. erspec
1
v a ts
ortca
....................................................... .
9. Lista de textos exemplares ................................................
III
Alguns Problemas da Investigao
........................................
I. Tcnicas e estruturas ........................................................... .
a As tcnicas artesanais e artsticas ................................. .
b Os gneros artsticos ....................................................
c
As
tipologias da construo c ivi
I
d O mobilirio e o traje ..................................................
e
A arte popular ................................................................. .
2. A arte na sociedade ............................................................. .
a Da
cidade
ao territrio ..................................................
b A profisso do artista ....................................................
51
53
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56
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I 1 1
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124
128
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c O destino da obra de arte ............................................. .
d A reproduo da obra de arte ...................................... .
e Arte e espectculo ......................................................... .
Arte
c encta .................................................................
. ..
.
g Arte e indstria
3.
Momentos culturais
a
O classicismo ................................................................. .
b Perspectiva e proporo ................................................
.
c
Id ealismo naturalismo realismo ............ ...................... .
d
Exotismo e primitivismo ..............................................
.
e Irracional e razo ........................................................... .
f A utopia
131
135
139
141
143
144
144
146
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151
153
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1
O C MPO D
ARTE
O campo fenomenal da arte dificilmente delimitvel: cronologic
mente, compreende manifestaes que vo da mais remota pr-histria a
aos nossos dias; geograficar
1ente, todas as reas habitadas da comunida
humana, qualquer que seja
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(arquitectura, pintura, escultura) e artes
menores
(todos
os
gneros de
artesanato): nas primeiras prevaleceria o momento ideativo ou inventivo,
n segunda o momento executivo ou mecnico. Mas trata-se de uma
distino vlida apenas para as culturas que a estabeleceram, e nem sequer
resolutiva neste caso: existem obras
de
ourivesaria, esmaltes, tecidos,
cermicas, etc., que, artisticamente, valem mais do que obras medocres
de
arquitectura, pintura ou escultura.
9 conceito de arte no define, pois, categorias de coisas, mas um tipo
e valor. Este est
sempre
gado ao trabalho humano e
s
suas tcnicas
e indica o resultado de uma relao entre uma a ~ t i _ _ y i d a d e mental yma
~ ~ . Y i d a d e
operacional. Esta relao
no
a nica possvel: tambm uma
obr de engenharia pode realizar uma relao perfeita de ideao e exe
cuo, e nem por isso uma obra de arte. O valor artstico de
um
objectG
aquele que se evidencia
na
sua configurao visvel
ou
como vulgar
mente
se
diz, na
sua forma
o que est
em
relao com a maior ou menor
importncia atribuda experincia do real, conseguida mediante a per-
cepo e a representao. Q u ~ ~ q u ~ ~ _ g _ ~ ~ - ~ ~ j a
:\
sua
r ( ~ _ _
__m - f ~ l _ i d a c . e
_ o b j ~ c t i v a _ }
uma fonn sempre qulquer coisa que
dada
a perceberl
Ufn. _
} l ~ ~ ~ _ g ~ ~
_ c o m u n i c a 4 ~ _ p - ~ ~ - - ~ - ~ i s > __ ~ _ p e ~ ~ ~ p . ~ . ~ s
..
~ n n a s
valem
como sivnificantes somente na medida em nue uma conscincia l b . e ~
-----
- - - ~ - ' 1 - ~ - - - - - -
--
---- _ . . _ - - - - - - - - ~ - - -
--
c o l h e . ~
sig
i f l . c ; . ~ Q ~
..
I . ~ - 9 - ~ r a
~ ~
~ ~ ~ < l . ~ : ~ - ~ ~
~ r t ~ - - - ~ ~ ~ ~ - ~ ~ - 1 3 . - .
~ - ~ - q - ~ . ~ ~ - - ~ ~
que a
~ o n s c i n _ i a
gue a r ~ c ~ p ~ - - - i u l g a
~ 9 _ 1 Q __ ~ ~ ~ - _ P Q r l _ Q _ t ~ _ . - _ . P . i s t r i _ ~ t dCJ
arte Q ~ tal}
_
_ ~ -
Q _ i _ ~ t ~ ~ a
~ . ~ . Q _ i ~ - ' ~ - ~ ~ ~ o
. ' : 1 ~ -
h i ~ t c ) ~ ~ a - ~ ~ j ~ - ~ ~ ~ - -
~ ~
valor. Na medida em nue toda a histria uma histria de
valores2 aindCJ
4
.
~ .
.
'
........ _ --
...
________
,_____ .
_____ _____
.....
_.
. . . . .
_que l i g a d o ~ _ ...
ou i n e r e ~ t - ~ s .
~ - . f - ~ - ~ o ~ ~ - - - ~ ~ _ Q n t r : . i . u _ t _ _ n i ~ t . r . i .
Pt _-fle
P . M ~
_ ~ ~ ~ - ~ - ~ - d ' _ ~ i ~ - ~ ~ i ~ ~ ~ - - ~ - - f ~ ~ ~ - ~ - ~ ~ l t : l J i n _ l j _ s p e n ~ v e l , .
2. A LITERATURA ARTSTICA
Em todas as p o c ~ ~ - ~ ell todas as
~ u l t u r a ~
existiu -__glllSCincia
.dc
~ - ~ ~ ~ ~ - - ~ ~ ~ i _ ~ ~ - As c ~ . ~ . ~ - ~ ~ - _ y o r a r t s t i ~ o sempre foram direta ou indi
rectamente. associadas g_l _eles _gue a sociedade considerava Q S . _ Y a l o r e ~
--------- -------
supremos: o culto do divino, a memria dos mortos, a autoridade de
Estado, a Histria. Sempre
as
coisas em que se reconheceu valor artsticc
se transformaram
em
objecto de particulares atenes: expostas, admira
das, celebradas, conservadas, protegidas, transmitidas de gerao err
gerao. A
l _ ~ t . e r a t u r a
g ~ e de d ~ ~ ~ s ~ ~ e i r a s _ ~ ~ ~ - - d - - ~ ~ - - ~ ~ p e ~ ~ - ~ r r
plido t ~ s t e m u _ n h o
p a n ~ t _ g _ Q
~ l . < : l - - : t r i b u < < ? - _ a r t ~ _ . M . - ~ - - ~ - l l - ~ f f i . P Q " . ~ h
se
v como
a J 1 ~
foi
d e s Q ~
a
~ t i g ~ ~ g ~ ~ -
c _ o n s . i 4 e . ~ a l ~ _ l f f i - ~ ~
Q ~ _ p o .
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nentes essenciais, e por vezes verdadeiramente o eixo, do sistema cultural.
e1a--se oc-uparam os filsofos, cientes da impossibilictade-cte.cnstnilrum
sistema do saber sem ter
em
conta a arte: a partir do sculo XVIII criam
-se, sucedendo-se at
aos
nossos dias, autnticas filosofias da arte. Dela
se ocuparam os literatos e sobretudo
os
historiadores, conscientes da im
portncia das obras de arte como factos histricos e acontecimentos me
morveis, na
histria religiosa e civil. Pelo
meio do
sculo
XVI
surge,
com
as Vite, de
Giorgio
Vasari, a primeira histria d arte especfica, que traa
o
desenvolvimento
orgnico
dos factos artsticos
por
um perodo
de cerca
de
trs sculos, ilustrando os contributos originais das personalidades
...
emergentes, de Cimabue a Miguel Angelo.
Na literatura sobre arte, ocupa um lugar importantssimo a tratadstica,
que fixa normas e d instrues ~ ~ g u ~ ~ < ? - - ~ ~ - ~ u ~ i s - - ~ - ~ - ~ ~ ~ _ s t a ~ - - ~ y _ i t ~ r ~ _ l m
erros
e aproximar-se-iam
da
arte
que
constantemente mencionada
como
a ideal, a perfeita. Na Idade Mdia, os tratados
dizem
especialmente respeito
tcnica
e tm um carcter nonnativo. No
sculo
XIV, o Libro deli Arte,
de Cennini, descreve
- ~ ~
_ p_rocessos t c f _ i _ ~ < ? S _
q ( ; l _ J B ~ t ~ ~ - 1 - ~ - s
- ~ - - ~ - i ~
le
i _ l ) d i c - r . - ~ - o . ~ g ~ . ~ . i_li_c_ _ade i d e a J _ _ ~ - ~ - e _ ~ Q b r . ~ t l Q 2 _ _ P ~ ~ ~ - i . ~ - - - 9 1 ~ a
tcnica
descrita a P . _ ~ a t ~ a d a por um _gr' _nde m ~ s t r e , Giotto, e pelos seus
discpulos.
No
sculo XV, com Leon Battista Alberti, os tratados assumem
um
carcter terico:
enunciam
e explicam a
teoria
da qual deve
proceder
a prxis da realizao - ~ ~ _ i c a . Mais numerosos so os tratados sobre
a r q u i ~ e c t u r a , que descrevem e analisam os modelos antigos, passando
em
seguida a ditar regras tipolgicas (edifcios sacros e civis; planimetrias
centralizadas e longitudinais), morfolgicas as cinco ordens da arquitec
tura clssica; envasamentos, ornatos, cpulas, etG.), estilsticas simetria e
propores, relao
com
o espao circundante, etc.),
tcnico-construtivas
(esttica do edifcio, materiais e processos
de
construo). De
vez em
q ' : J ~ " : d o , __' ~ a ~ ~ i s t i c a
- ~ ~ P - ~ : ~ ~ de p _ ~ ~ b l e f a S
gerais, de critrios funda
mentais da r e p r e s e n t a ~ o , vlidos para_ todas
as
a r t ~ s : a perspectiva por
exemplo, Piero della Francesca
no
sculo XV, o padre Pozzo no sculo
XVII), as propores Luca Pacioli no sculo
XV,
Albrecht Drer, Vin
cenzo Danti no sculo XVI), o desenho Vasari, Frederico Zuccari
no
sculo XVI). Um caso parte, mas da maior importncia, o Trattato
de/la Pittura,
de
Leonardo, que no tem
uma
estrutura terica
verdadeira
e prpria, mas recolhe as reflexes do artista sobre a sua prpria
experin-
. . .
cta ptctonca.
Outro sector da literatura de arte a crtica: incluem-se no seu mbito,
no sculo XVI, as discusses sobre os mritos comparativos das vrias
artes (Benedetto V archi) e sobre a preferncia a dar ao desenho floren-
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tino e romano ou
ao
"colorido" veneziano (Ludovico Dolce, Paolo Pino),
e tambm as expressivas descries
das
reaces emotivas experimentadas
perante obras de arte (Pietro Aretino e, no sculo
XVII,
Marco Boschini).
A
partir
do
sculo
XVII
(G. B. Bellori), a crtica
sobretudo apreciao
da situao artstica contempornea,
com
a manifesta
inteno
de apoiar
esta ou aquela corrente.
No
sculo XVIII, quando
se
~ ~ ~ n d e _
J 9 Q 9 _ Q _ _ n b ~ i r o e . n _ t o
UIJl
fundamento crtico e
j
no
dog_ ltico, tentou-se J. Richardson) funda-
Jl entar
c i e n t i f i c a m e n t ~
o
j u ~ Q
ct:itio
SQbr e Q_
v.alQr
das obras de . a r t ~ .
crtico propriamente
um perito uma
pessoa que, possuindo uma longa
e vasta experincia da arte,
est
em posio de reconhecer se, na obra
que
examina, se
contm
aquela
q u a l i d _ ~ d l } _ _ g l } . ~ - ~ p r ~ ~ - _ l Q ~ ~ J l . ~ i n p u
enco11;trar-
- s ~ __ _ ~
_
- ~ ~ ~ ~ - ~ s ~ ~ ~ ~ ~ t i ~ - ~ ~
_
2 _ Q r f ~ ~
arte;
etue,
aprofundando o
exame,
reconhece na
obra
que estuda caracteres e processos que a aproximam
das
obras certas de um determinado perodo, de uma certa escola, de um certo
mestre.
No
decurso do sculo
XIX,
cuja cultura
dominada
pelo
~ - - ~ -
mento
p o s i t i v i ~ t a ,
procurou-se eliminar tud( _Q_ gue havi' _de _emp(ricq la
activida9e do perito e fornecer-lhe um mtodo baseado em dados objec_
tivos (Giovanni Morelli).
Se bem
que, originariamente, a
figura
do perito,
que se limita a reconhecer a existncia dos factos artsticos, seja
bem
diferente da
do
historiador
que
os reagrupa e
os
ordena, propriamente
ao perito que se
deve
o aparecimento de uma historiografia da arte
em
Itlia, Giovanni Battista Cavalcaselle, Adolfo Venturi,
Pietro
Toesca) j
nq
b . ~ s ~ - ~ - - ~ - ~ a s
na tradio e em
Q O ~ } l m e n ~ o s L . - . ~ - . 9
estudQ. i ~ ~ o
e analtico _ ~ ~ - - ~ b r a s ,
e n ~ ~ d i ~ a ~ ~ 9 1 . < ? . - ~ . o . ~ u ~ ~ ~ ~ ~ s .
P . ~ ~ . l l ~ ~ - ~ ~ - ~ - ~ s _ s . ~ ~ ~ c , - ~ a ~ s
da histria da arte.
_ ................
4 .
- . . . . . . -
..
Na
prtica, subsiste ainda
uma
diferena entre crtica e histria
da
arte,
se
bem
que,
seguindo uma tradio
que
remonta
ao
sculo XVIII, a crtica
se
ocupe
principalmente
da
arte contempornea, seguindo-lhe todos os
movimentos, preferindo abertamente
uns
ou outros, informando o pblico
atravs da imprensa e procurando orient-lo nesta ou
naquela
direco.
Todavia, esta diferena no encontra justificao no plano terico: aquilo
a que se chama juzo sobre a gualidade das obras , C.Q_f lO
v e r e ~ ~ ' _ - - ~
juzo sobre a
sua
actualidade sobre o seu d e s c o l a m . ~ Q t Q _ g o _ . . l - ~ ~ ~ q e
sobre as premisss qeestblecem
para
os
d e s e n v o l v i m ~ n t o s
fu_lli_r_Q.
da
pesquisa artstica. juzo crtico inclui-se por isso no
mbito ~
activi
dade
do
historiador.
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3.
A FUNO D HISTRIA DA ARTE
Na nossa poca, duas disciplinas se
ocupam
da arte: a filosofia e a
histria.
A
filosofia da arte
esttica)
estuda a actividade artstica
no
seu
conjunto, como tipo de actividade
com
motivaes, modalidades e
fina
lidades que a distinguem
das
outras. Se no passado se apresentou. como
a
suprema teoria
da arte,
procurando
definir-lhe o
conceito
e
mostran
do-a como
modelo
ideal de todas as actividades artsticas (incluindo as no
-
v i _ ~ u a i s ), hoje o processo inverteu-se, porque parte
das
anlises d ~ s
~ ~ n m e n o s
busca, para ~ ~ ~ 1 1 . ~ ~ ~ - ~ ~ _ _ u l t _ P ~ i - ~ i d a d e e diversidade, um
pf ncipio estrutural
comum,
aproximando-se
assim
dos mtodos
do
estru-
t u ~ ~ . l _ ~ ' l o l _ ~ _ g _ ~ ~ t i c o . -
---
Neste livro no trataremos da filosofia, mas apenas da histria da
arte.
Digamos
desde
j
que
esta
no
consta
somente do
reagrupamento
dos
factos artsticos segundo certos critrios
de
ordem,
mas
visa tambm
explicar
historicamente toda
a fenomenologia da arte. A
obra
de arte
o
= -
. .
um facto
esttico
que
tem tambm um i n t e ~ e s s e
histrico: um facto que
p__2ssui
valor histrico p o r q ~ e ~ e m
~
valor artstico, uma obra
de
arte.
A
obra
de
um
grande artista uma realidade histrica
que
no fica
atrs
da reforma religiosa de Lutero,
da
poltica
de
Carlos
V,
das
descobertas
cientficas
de
-Galileu.
Ela
,
pois,
explicada historicamente,
como
se
explicam historicamente os factos da poltica, da economia, da cincia.
Os problemas para
os
quais c a d ~ _ ~ > r ~ - ~ ~ arte a s o l u ~ _ ~ n ~ o ~ t ~ ~ a
ou. proposta
so
problemas tipicamente artsticos;. mas
p _ ~ ~ q _ u _ e __
a
~ ~ - - - ~
l la
componente c o n s t i t u t i v _ ~ - ~ - ~ -
~ ~ ~ ~ ~ ~ a
c u l t u r . ~ ~ - ' - - ~ ~ _ i s t e ~ e ~ ~ 1 . 9 _ u ~ a ~ ~ ~ ' . l o
~ n t r e _ ~ s _ p ~ - ~ ~ 1 ~ ~ - a r t _ s t ~ ~ - ~ s e a problemtica geral da poca.
Q
h i ~ t o f a
dor no deve, pois,. tentar entendei"om" aquela -problenlt_ica.
geral
se
desdobra
na obra
do artista e
nela
constitui o tema
ou
o contedo,
mas
como
aquela problemtica envolve o problema especfico
da
arte e se
A .
_apresenta
ao
artista como
problema
artstico. Miguel
Angelo
viveu pro-
funda e dramaticamente a crise religiosa do seu tempo e, sem levannos
em
linha de conta aquela situao histrica, no podemos compreender os
frescos que pintou na
Capela
Sistina. Estava certamente ciente da enorme
responsabilidade que comportava o seu empreendimento pictrico no lugaJ
mais sagrado, no centro ideal da cristandade. Assumiu uma posio
ideolgica
que
pde ser explicada tambm
no
plano doutrinal, que decertG
influiu de maneira determinante na evoluo da crise. Ma_s. _
.Q()
J u _ ~ _ t r Q ~
nem
e ~ p r i ~ i ~ ' - e _m __~ S - ~ ~ ~ . ~ _o ~ ~ t - ~ ~ C ? ~ . _ g ~ e . __ t ? i ~ ~ - . 1 ? ~ ~ 1 ~ 2 - ~ - ~ - : _ . ~ g . t ~ l m ~ ~ ~ ~
expressos num discurso falado
ou
e.scrito, Sentiu. qu_e _a
crise_reJigiosl
c o J J ~ i ~ - -
tamb" _
co ll__ .
~ ~ _e - - - ~ f ~ e ~ I J J . : - .
~ . O D . l _ 9 _problema
da
~ r t e ,
d ~
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mesmo modo
que
os filsofos a enfrentaram como. p r 9 b l e q 1 ~ filosfico e
-
-
.
. .
os polticos como problema poltico. E de facto fcil verificar que a mesma
conscincia dramtica da crise
se
manifesta noutras obras do artista, no
relacionadas to directamente com os grandes temas da crise: a gnese e
o destino da humanidade, a salvao ou a queda final.
A histria da arte t ~ m , _ p 9 i s , _
f u ~ ~ - - ~ - ~ s ~ ~ < J r . ~ a ~ . - ~ 1 ~ _ J 1 -
~ o r n o um
- .. . .
4
~ ~ - - ~ - ~ o , ~ ~ ~ - ~ ~ ~ - ~
~ g ~ ~ t ~
4 ~ .
h i s t ~ t . : _
e ~
_,
portanto,
u m ~
histria
e s p ~ c i q l
~ 1 1 1 0 _
i s t < ) r i ~ c:i_ l fi,osofia ou da economia ou da cincia),
que
oper
n u . _ ~ ~ 3 : . ~ P . ~ p r ~ p ~ i ~
_e tem
_ m e t o 9 o l _ Q g i ~ ~ - _ p r _ < ) p r i ~ L m ~ ~ ' - - omQ_ todas a ~ s
~ i ~ t ~ r i a s especiais, d e ~ e m b o e
e n q l l ~ d ~ a ~ s e
na
~ t ~ ~ < ? r ~ a _
g ~ r ' . l l da cultura,
explicando como ser a cultura elaborada e construda pela. arte.
~ J U Z O
CRTICO E V LOR RTSTICO
/
A histria da arte , obviamente, a histria das obras de arte: mas como
se decide que uma obra uma o b r ~ de _arte? J_ d i s & ~ _ f f i Q S _que esta deciso_
pode derivar apenas
do
juzo crtico; mas em que consiste propriamente
esse juzo? E at que ponto ele fidedigno? Em todas as pocas o juzo .
de
valor sobre obras de arte foi formulado mais ou menos explicitamente,
~ s
em
cada poca foi formulado
s e g u n d o _ p ~ ~ m . ~ t r o ~
d ~ v ~ r ~ o ~ .
_l
o b r ~ s
q J _ ~
_- ~ _ p ~ - ~ ~ ~ 4 2 _ J 2 f . ~ J : l __ J ~ J r ~ - _ I J } Q _ g r ~ Q - ~ e - ~ . _ ( ) p _ r ~ s : - p r i m ~ ~ _que
- ~ ~ s
j no vemos C9ffiQ __ ~ l , e n q u ~ n t o revalori:z;am_()s
o u t r a ~
j s q u ~ c i . d a s ou
_Qesacreditadas. _Pode r e c ~ ~ l ~ - ~ r - : - S . ~ _ f U : l ~ _ l l _ e _ J . l : t < ? c ~ ( ~ ~ f ~ c - ~ a ' - : 1 . ~ j ~ _ ( ? o que
n_l}Qa __ _ f t p i t j y Q , _ _ _ ~ _ .. q y _ ~ ____Q(l_
poc(l,
_t;td
_cultura
.e at _cada. p ~ s s o a
formula e motiva de maneira diferente?
p
por outro lado, pode imaginar
-s_e ~ ~ ~ - ~ i ~ ~ ~ a __ ~ ~ - - ~ ( ) ~ ~ ~ u l e juzos? Sem o juzo, a_ ane seria
uma
amlgama confusa de fenmenos dspares, onde
as
obras
que
caracteriza-
ram uma ~ p o c Ol u111a_
~ ~ t _ u r a , a l t e r a n d o - _ l h ~ s por
v ~ z ~ _ s
o c u r ~ 9 , s ~
r n i ~
turariam em paridade de valor com milhentas obras insignificantes, e nem
s e q ~ r poderia manter-se a diferenciao, bem clara em cada civilizao,
entre a arte e ofcio. O juzo , pois, necessrio, mas no pode reduzir-
se
declarao d ~ que
um._a
- ~ d a o b ~ a ~ b ~ ~ - ~ e __ ~ e . t ~ f l
v ~ ~ ~ r .
artstico;
~ ~ 1 l < ? ~ _ e c ~ ~ ~ - t - ~ t u _ i r _ s por si a_ premissa da investigao histrica que,
~ a b e n d Q _
q ~ ~ -
a q ~ ~ J
9 ~ i - ~ ~ ~ : ~ ~ r ~ - - ~ e . . ~ J j ~ ~ a e _ \ l ~ r i ~
l ~ c a l i z - h i
o
~ ~ p a < ? _
e
f O tempo, coorden-la com outrs
.
o ~ r a s com ~ s qu(lis tem UJ11a _ r e l a ~ ,
~ x p l i c a r a_ s i t u a ~ o em que
fo
p r o d u z i d ~ e as c o n s ~ q u n c i a s a que
deu
_lugar.
N Q _ ~ f . 9 ~ t ~ m p o . s , . >s p ~ J " r n e t r q s
d.o juzo _de valor foram_ o_ belo, a
fidelidade na imita
8/9/2019 guia de histria da arte - Giuglio Carlo Argan Maurizio Fagiolo
11/77
rada, etc. Para a nossa cultura,
que
se baseia na cincia e considera a
------- -------------------
-
--- - ----------------------------,.-- ----------- ..-----
~ s t < ? _ i ~ - - -
_ ~ ~ ~ i a q u ~ e s t u ~ a as_ c ~ s humanas, o parametro do JUzo
- - - -- ---
- - - - - - - - - - - - - - - - - ~ - - - - - - ..... -------------
~ - - - - -
a histria. Uma obra ~ i s t a como obra _ ~ _ a ~ ~ - q ~ ~ i . _ < ? _ _
t e l _ i . ~ P ~ ~ ~ ~ - C . } ~
na histria da arte e contribuiu para a f ~ ~ a o e
d e s ~ n v ~ l ~ i m ~ J ) t O
d ~ ~ - ' - 1 ~
~ u l t u r a a r t s t i ~ a . ~ p ~ : ? _ j ~ z o q u ~ ~ ~ ~ ~ 1 1 ~ e c e
_a
q u ~ l i d ~ d e
" " . 1 ~ ~ ~ - ~ - ~ - - ~ ~
~ l a
obra,
de_la
r e c o J . h e c ~ _ a ~ . t . l ~ ~ ~ _ t e _ l _ p o ~ ~ i s t ~ _ ~ i d _ ~ d e .
N ~ ~ ~ i ~ e 1 - p ~ ~ ~ ~ - :
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uma
d i f e r e n ~ s u b s t ~ i L ~ P J r ~
o
_ c r t i ~ -
~ - - - J ~ I j J 9 .
~
9
~ i ~ 9 r i _ a q _ Q
4e
arte. _ y e r ~ . a ~ - ~ - - - q ~ ~ - - ~ j ~ ~ ~ ~ - - c ~ ~ t ~ ~ < ? - - - ~ ~ E s i ~ t e s o b ~ ~ - ~ - ~ ~ ~ n.
- ~ ~ ~ ~ ~ - - ~ - - ~ ? ~ - ~ - - - ~ ~
~ e no intuir o sel:l valor; n . - t : l ~ ' p Q ( l ~ o . 4 e ~ ~ ~ Q - - - ~ - - f ~ c _ t 9
~ e e ~ s ~
i n t ~ _ i ~ < ?
iQlplicar u m ~ experincia _hist. )rica _da _ a n ~ , _ela m ~ i } - - - ~ - - 4 9 . l ~ - - - ~ m . - ~
~ _ i p ese de t abalh.(), _
que
.espera d .l inve_stigao histrica a n e c e s s ~ f i _ a
averiguao.
5.
AUTENTICIDADE DA OBRA DE ARTE
Decidir pela qualidade de uma obra de arte significa decidir
pela
sua
autenticidade
A noo
de
autenticidade, fundamental para o estudo da
arte, tambm ela uma noo histrica. Em sentido restrito, o autntico
o contrrio do falso; e o falso, em arte,
a coisa que passa
por
ser
o
que
no
, a contrafaco do estilo de um artista ou
de
uma poca.
Em
sentido mais lato, no se incluem no mbito
do
autntico as cpias (ainda
que,
por
vezes, vindas da oficina ou da prpria mo do artista), as imi
taes, as derivaes.
Em sentido ainda mais alargado, nQ ~ J l t ~ _ J l - I J ~ - _ t c a
tudo a q u i l ~ _ g ~ ~ - ~ repetio, c o n ~ o r m i d a d e
com
m o d e ~ o s operao t c ~ i
ca s ~ a r a d a de qualquer acto ideativo (
1
. A histria da arte,
como
qual-
- - - ~ .
o o ~
P - o o
quer histria, processo: tudo aquilo que marca passo e no faz avanar
(
1
) A autenticidade de uma obra de arte no se identifica com a autografia Em todos
os sectores da arte a participao do artista criador na execuo material da obra muitas
vezes parcial, quando no se reduz direco dos trabalhos ou mera projeco. Nos
frescos de Giotto, na Baslica de Assis (por exemplo), so muitas as partes no-autgrafas,
e nelas se podem distinguir as os dos diversos discpulos ou ajudantes; mas apesar disso,
todo o ciclo deve ser considerado obra autntica de Giotto. H quadros que ostentam a
assinatura
de
Giovanni Bellini e nos quais a interveno directa do mestre
foi
mnima ou
nula: porm, na medida em que tudo leva a crer que foram idealizados, acompanhados,
aprovados pelo mestre, incluem-se na srie das suas obras autnticas, a menos que sejam
simples repeties que decalcam o modelo de certas obras do mestre especialmente apre
ciadas e procuradas pelo pblico.
As rplicas so muitas vezes aut6grafas ou de qualquer modo executadas na oficina
e sob o controlo do mestre: tm o valor de obras autnticas quando na sua execuo o
8/9/2019 guia de histria da arte - Giuglio Carlo Argan Maurizio Fagiolo
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o processo, nem modifica a situao isento de autenticidade. Conside
ramos, pois, interessante para a histria da arte tudo aquilo que, de qualquer
~ a n e i r a _ s e
despe_ga da tradio: seja continuando-a
~ e s e n v o l v e n d o - a
~ e j a
d e _ ~ v i a r t < l _ Q : _ ~ ~ -
_ _ ) ~ I
~ ~ ~ 9 s ~ j ~
. f . ' l v _ ~ ~ ~ I Q . 9 ~ ~ - - _ p ~ J ~ I l l ~ c ~ ~ e n t e . A
discriminao do autntico e do no autntico portanto necessria a
todos os nveis:
ao
dos valores mximos, levar a que se caracterize a obra
de
arte como acto nico e irrepetvel;
ao
da produo
menor
(mobilirio,
cermica, tecidos, etc.), onde a repetio em muitos exemplares est prevista
e calculada desde a fase inicial
da
ideao e do projecto, levar a
que
se
caracterizem os prottipos ou os modelos.
A
distino entre arte e no-arte passa-se muitas vezes no interior da
obra
do
artista, e at dos maiores:
nem
se afirma apenas que uma obra
melhor do que outra, mas tambm que na mesma obra existem por vezes
partes conseguidas e partes falhadas . Diz-se ento
que
o nvel da
actividade daquele artista descontnuo e a qualidade
da
obra desigual.
Tambm este tipo de juzo que parece depender sobretudo da sensibili
dade e do gosto
de
quem o emite, um juzo histrico: at a um grande
artista pode acontecer repetir-se, e at na mesma obra podem surgir partes
em
que
o artista pe problemas novos e outras onde fica ligado aos
prprios hbitos. Morelli, quando se props dar uma base cientfica
mestre tenha infludo intensamente, e tambm renovado, ou de qualquer modo alterado, a
experincia consumada no obra de que provm.
Existem, por exemplo, rplicas de quadros de El Greco em que a textura pictrica
de tal modo viva que devem
ser
consideradas verdadeiros originais que tm em comum
com a obra de que provm apenas a composio e a tinta. s cpias so geralmente
repeties mecnicas, decalques. E fcil reconhec-las confrontando-as com o original.
Distinguem-se das repeties porque estas, sendo executadas pelo artista ou pelos seus
ajudantes, mostram o estilo habitual do
artista ou da sua escola, e a sua feitura tem um ritmo
mais solto e seguro, enquanto o copista imita diligentemente, mas sem agilidade, o estilo
de outrem. /
No problema da autenticidade inclui-se o
do
estado de conservao. As obras antigas
chegam frequentemente at ns com lacunas, gastas, estragadas, alteradas. Muitas vezes os
estragos so antigos, e os restauros com que se quis remediar o mal pioraram-no. No
raro que os restauros tenham acabado por se substiturem inteiramente ao original, destruin-
do praticamente a autenticidade da obra. E funo do historiador detectar tudo o que resta
de autntico e recompor o tema
da
obra;
tambm funo sua, como primeiro e verdadeiro
responsvel pela conservao dos documentos
da
histria
da
arte, fazer com que outras
modificaes no venham juntar-se aos estragos do passado. Se bem que o restauro de
obras de arte seja hoje uma cincia autntica e especfica,
que
se socorre de metodologias
e de equipamento altamente aperfeioados, a direco das operaes de restauro deve caber
exclusivamente ao historiador
de
arte, como a nica pessoa que est
em
condies de
ajuizar
da
autenticidade de um tema figurativo como facto histrico.
8/9/2019 guia de histria da arte - Giuglio Carlo Argan Maurizio Fagiolo
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actividade
do
perito, sugeriu que se atentasse sobretudo nas repeties ou
nos maneirismos, supondo que nas partes menos importantes da obra o
artista possa repetir mecanicamente processos habituais por exemplo, o
desenho das orelhas, das mos, dos drapeados). De facto, os esquematis
mos, os maneirismos, as maneiras tpicas ou habituais, so exactamente
aquilo que os imitadores mais facilmente copiam. Cavalcaselle notou
que
a coerncia do desenvolvimento de
um
artista
no
est na recorrncia
de certos temas ou motivos, mas na contnua mutao da sua maneira: ou,
mais precisamente,
na
ordem e
na
razo das sucessivas mutaes; aquilo
que
o historiador deve reconstruir, seja
no
mbito das personalidades
singulares, seja no mbito mais lato de uma situao cultural, o desen
volvimento de uma experincia. Os artistas vivem no mundo da arte como
os cientistas no da cincia, conhecem e avaliam o
que
foi feito antes deles
e o que fazem os seus contemporneos; tal como para
os
cientistas, tambm
para
os
artistas no admiss_vel a
i g ~ o r f c i a .
da histria e
d a ~
condies
actuais da
sua disciplina. Nas suas obras e com os meios da sua arte,
os
artistas desenvolvem
um
discurso cultural precioso,
que
o historiador deve
decifrar e reconstruir: reconhecem ou limitam ou negam a autoridade dos
mestres, aceitam ou discutem
ou
recusam polemicame.nte os resultados de
outras pesquisas, reexaminam criticamente a sua prpria actividade pas
sada. O historiador decompe a obra de arte nas suas muitas componentes
culturais, analisa-a como um conjunto de relaes,
de
factores interactuan
tes. No seu -discurso falar frequentemente de influncias recebidas
ou
exercidas, porm no existe contradio entre as influncias e a origina
lidade
da
obra, a menos que se trate de influncias passivamente sofridas
e no de opes motivadas e reflectidas. a pintura
de
Rafael possvel
reconhecer influncias de todos os maiores artistas contemporneos e, no
entanto, Rafael um artista absolutamente original, e a pluralidade dessas
influncias demonstra no
j o ecletismo, mas o altssimo nvel intelectual
da sua pintura. De facto, em
vez
de influncias, deveria falar-se
de
vivas
e construtivas reaces crticas s pesquisas dos
seus
contemporneos.
6. QU LID DE D OBR DE RTE
_
___ ' : ' _ _ ~ q a 4 _ ~ - - ~ - ~ -
- ~ _ I T ) a o b r ~ < I ~ ~ - ~ s i ~ ~ - d ~ _ q ~ ~ e l ~ d o M J l J ~ n t a
realizar de uma experincia, com todo o i Q t ~ r ~ s s e _ e
_ n _ ~ i de
.busca
que
n e c e s s a r i _ ~ e n t ~ . a_
l C ~ ~ P ~ ~ ~
O conceito de qualidade artstica foi
definido no sculo XVIII por J Richardson como valor que a crtica, e
s
a crtica, pode descobrir com a leitura atenta das obras. Justamente
8/9/2019 guia de histria da arte - Giuglio Carlo Argan Maurizio Fagiolo
14/77
-Richardson desvia a ateno
do
estudioso das coisas que o artista diz para
a
maneira
como as diz. A maneira
do
artista tensa, intensa, essencial;
a maneira
do
imitador, copista ou falsrio que seja, fraca, penosa, ou
apenas superficial e artificiosamente viva. Todavia, a qualidade ou a
autenticidade no se manifestam necessariamente
na
fluidez, na facilidade,
na espontaneidade da formulao. Nas pinturas flamengas do sculo XV
a feitura lenta, minuciosa, precisa; nos quadros
de
Czanne laboriosa
e atormentada: num e noutro caso a qualidade, altssima, manifesta-se
justamente naquela feitura
bem
distante de imediata e espontnea. Assim,
uma pintura de Ingres no qualitativamente inferior a uma pintura de
Delacroix pelo facto de os contornos serem firmemente marcados e no
diludos, as cores cuidadosamente esbatidas e no lanadas tela com
toques rpidos e impetuosos; e os mrmores
de
Canova no so qualita
tivamente inferiores aos esbocetos porque apresentam superfcies polidas
e lustrosas em vez de speras e acidentadas. O estudioso deve, pois,
concentrar a ateno no
no
fulgor exterior,. que .pode ser facilmente
~ i m u l a d ~
mas na vitalidade
i n t ~ r i o r
das c a r a c ~ e r ( s t i c a s ; verificar se,
na
~ e r d a d e ,
so ou no
e x p r e s ~ i v a s , - ~ ~ q _ . 1 1 ~ C ~ ~ - s . . J - a s ll_ s u p ~ r f l u ~ s , _ _se
< efinem ou apenas
d e ~ c r ~ v e m . _ c o ~ v ~ n j 9 n ~ l . m e n ~ ~
se
no contexto
s.oam
bem ou mal. A busca da qualidade requer indubitavelmente sensibilidade,
--------
-
.....
mas a sensibilidade no ajuda se no for exercitada, e a nica maneira de
a exercitar (ou antes, de a formar) "ler" o maior nmero de obras de arte
possvel, at se adquirir uma familiaridade total
com
os processos expres
sivos das vrias escolas e dos vrios artistas. Muito mais do que nas aulas
das universidades e nas bibliotecas, o historiador de arte forma-se nos
museus, nas galerias, nas igrejas, onde quer que existam obras
de
arte.
7. OS INSTRUMENTOS DO HISTORI DOR DE RTE
Vejamos agora sobre que materiais o historiador trabalha.
H
muitas
obras famosas das quais se sabe tudo, praticamente: o artista que as fez
e quando, como e para quem as fez. Elas constituem os pilares da histria
da arte,
sem
dvida, mas
nem
por isso deixam
de
representar para o
historiador outros tantos problemas. H depois muitas obras acerca das
quais no existe documentao exaustiva ou, com frequncia, qualquer
documentao: os estudiosos esto de acordo
ao
reconhecerem nelas
importncia histrica, mas discordam quanto atribuio e data.
H por
fim, o
campo
sempre aberto
pesquisa. Muitssimas obras so at agora
8/9/2019 guia de histria da arte - Giuglio Carlo Argan Maurizio Fagiolo
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inacessveis,
por
uma razo ou por outra, ateno dos estudiosos: fresco:
escondidos debaixo do reboco e mais tarde pelas transfonnaes da:
estruturas
de
alvenaria; pinturas que continuam quase ignoradas
em
igre
jas distantes dos grandes centros,
ou
em velhas coleces muitas veze:
cobertas por camadas de sujidade ou
por
reparaes que
toma
impossve
qualquer leitura sem um bom restauro; quadros, esculturas, objectos
e
todo o gnero que giram por esse mundo passando
de
um
comerciante
para outro, sem que os estudiosos deles tenham notcia; objectos
de ou
rivesaria, paramentos, cdigos com iluminuras sepultados nos tesouros
das igrejas; objectos
de
alto artesanato que ficaram ignorados porque
c
estudo das ditas artes menores ainda est, especialmente
em
Itlia, ben
pouco desenvolvido. H depois outro material, precioso para a reconstru
o da histria
da
cultura artstica e dos processos de trabalho dos artistas
os desenhos que documentam os estudos, as pesquisas, por vezes as fase
dos projectos e da preparao das obras; as gravuras que no passado cons
tituiram
um
dos principais intennedirios para a difusodo
o n h e i m e n t ~
da arte dos grandes mestres; as rplicas,
as
cpias, as derivaes, que, s
no podem ser consideradas obras
de
arte autnomas, so todavia
ur
testemunho precioso
de
originais perdidos. H, finalmente, as notcias da
fontes literrias, os escritos dos artistas, as cartas, os documentos relativo
a encomendas, a pagamentos,
s
sucessivas vicissitudes das obras.
Nos limites do possvel, evidentemente, o trabalho do historiador dev
processar-se sobre textos originais: nenhum
juzo
decisivo pode
ser
feit
a partir de reprodues, ainda que tecnicamente perfeitas.
Uma obra d
arte sempre
uma
realidade complexa, que no pode ser reduzida apen(l
a imagens. O limite das reprodues especialmente evidente na arqu
tectura: nem
uma
vasta srie de fotografias
do
conjunto
com
perspectiv
diversas, e dos pormenores do exterior e do interior, permitir
jamais
a
estudioso ficar a conhecer factores essenciais
como
a dimenso do edifcic
a sua relao com o ambiente, a articulao dos espaos interiores, etc.
mesmo limite vlido para as esculturas: as fotografias podero apresente
-las de diferentes perspectivas, mas isso no substituir o panorama
ci
cular e contnuo que o estudo
de um
facto plstico exige, nem
dar
a
estudioso a possibilidade de avaliar as qualidades mais subtis
da
modc
lagem, a reaco
da
matria luz, a profundidade dos alicerces e as infn
-estruturas. At as pinturas que
se
apresentam como imagens de superfc:
so na realidade objectos plsticos dotados de uma estrutura complexa.
estudioso poder recolher muitos conhecimentos interessantes a partir c
natureza dos suportes a qualidade e a idade da madeira ou da tela,
8/9/2019 guia de histria da arte - Giuglio Carlo Argan Maurizio Fagiolo
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estrutura das tbuas ou das molduras, etc.), dos sinais que frequentemente
se apresentam inscries, assinaturas., chancelas, etiquetas, nmeros
de
inventrio, etc.), da espessura e da composio da imprimao ou das
camadas de preparados interpostos entre a base e a superfcie pintada, das
vrias espessuras e da contextura diversa desta ltima. Uma reproduo,
ainda que boa, no dar nunca a noo precisa das dimenses da pintura,
da
exacta relao das cores, da qualidade da superfcie, e
s
uma longa
experincia permitir ao estudioso reconstruir imperfeitamente o aspecto
do original
2
.
Ciente destes limites e procurando, na medida do possvel, tomar
conhecimento directo dos originais, o estudioso de arte opera sobretudo
sobre reprodues fotogrficas. Independentemente dos casos em que a
reproduo substitui originais perdidos ou danificados ou inacessveis, o
trabalho do historiador desenvolve-se principalmente sobre reprodues,
porque consiste predominantemente no confronto entre obras de arte.
Porque o objectivo explicar a obra de arte como um sistema de relaes,
2) Em arquitectura recorre-se frequentemente
reproduo cinematogrfica, que tem
a vantagem de fornecer uma srie praticamente ilimitada de imagens, de permitir ver de
distncias e perspectivas diversas, de orientar o observador no reconhecimento visual tanto
no
exterior como do interior. Naturalmente, a filmagem de um edifcio ou de um conjunto
de edifcios reflecte sempre a interpretao do operador
ou
de quem o orienta: isto
no
fornece uma informao objectiva mas uma leitura crtica da obra. A margem deixada
interpretao objectiva do operador relevante tambm para a reproduo fotogrfica da
escultura escolha dos pontos de vista, iluminao);
certamente menor para a pintura,
embora
a fotografia da pintura possa considerar-se totalmente imparcial. Salvo no caso de
objectos de pequenas dimenses, a fotografia de uma obra de arte fornece o conjunto e
os
pormenores. Para uma documentao objectiva, a srie dos pormenores deveria cobrir toda
a superfcie do original em tamanho natural; mas, como na maior parte das vezes a escolha
dos pormenores feita pelo operador, reflecte inevitavelmente o seu gosto. A fotografia
a cores , sem dvida, um subsdio til, mas resulta quase sempre escassamente credvel
e muitas vezes completamente enganadora. Se a reproduo a preto e branco d ao estu
dioso pelo menos uma descrio invarivel, a reproduo a cores altera os valores cromticos
de maneira to desigual que se toma quase impossvel de utilizar num trabalho cientfico.
De grande utilidade so outros processos, como a fotografia com luz rasante,
que
faz
ressaltar o desenvolvimento
da
superfcie pictrica, o
ductus
do pincel, o desenvolvimento
da
crosta
as gretas da pasta de tinta depois de seca: elemento muitas vezes precioso para
a determinao da autografia de uma pintura); a fotografia a infravermelhos, que permite
a leitura de camadas por baixo da superfcie; o exame
luz de Wood raios ultravioletas)
que permite distinguir as partes repintadas. Subsdio tcnico de primeirssima ordem a
radiografia, que pe em evidncia
as
camadas profundas da pintura revelando o esboo,
as correces feitas pelo artista na primeira feitura e as partes originais eventualmente
recobertas por grandes reas
de
nova pintura.
8/9/2019 guia de histria da arte - Giuglio Carlo Argan Maurizio Fagiolo
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e as relaes so muitas vezes indirectas e a longo prazo, somente atravs
de uma
extensa
srie de confrontos possvel caracterizar uma por uma
as muitas e muito espalhadas razes de que a obra nasceu.
Os
confrontos,
de facto, no servem apenas para revelar as analogias e as dependncias
directas, mas tambm as divergncias, as associaes de experincias
diversas, os percursos por vezes complicados de pesquisa do artista.
8
A ATRIBUIAO
Avanando pela via dos confrontos, que se ~ ferem principalmente ao
estilo e s qualidades intrnsecas das caractersticas, o estudioso chega
definio histrica da obra, atribuio. Com ela, coloca a obra no preciso
mbito cultural em
que
foi realizada: nas condies artsticas
de
um local
ou de uma poca, no mbito
de uma
escola ou
da
actividade de deter
minado artista. Como j se disse, no basta verificar analogias temticas
ou formais; necessrio reconstruir o processo de desenvolvimento de
uma cultura figurativa, tendo
em
ateno que nela se operam frequente
mente mudanas ou viragens radicais. Para darmos um nico exemplo,
consideremos a pintura de Caravaggio; as obras juvenis, como o
Repouso
no Egipto ou a Madalena so pintadas com cores claras que do um efeito
de luminosidade difusa, e as figuras tm atitudes compostas, quase sem
movimento; nas obras
da
maturidade predominam
os
escuros, rasgados
por efeitos chocantes de luz incidente, e as figuras tm frequentemente
gestos resolutos, violentos. Neste caso, a mudana de estilo do artista
descrita por fontes literrias; mas se as fontes silenciassem, poderia o
estudioso
chegar
concluso
de
que
dois grupos de
obras
to diversos so
do mesmo artista?
uma primeira anlise mostra que entre
os
dois grupos,
alm das diferenas evidentes, existem afinidades ou consonncias. Elas
revelam uma origem, um fundo cultural comum que no certamente
romano
ainda
que os dois grupos
de
obras tenham sido com certeza feitos
em Roma , mas sim lombardo-veneziano: nenhum outro artista setentrio
nal trabalhando em Roma entre o fim
do
sculo
XVI
e o princpio
do
XVII, alm
de
Caravaggio, teria podido produzir
obras
com
uma
quali
dade to elevada, to claramente expressivas de uma atitude polmica nos
confrontos da cultura figurativa do maneirismo romano tardio. Entre
os
dois grupos de obras h uma espcie de contradio que no mera
diversidade; as segundas assinalam uma ntida inverso de tendncia em
relao s primeiras: so os sinais de uma crise que se desenrolou
no
8/9/2019 guia de histria da arte - Giuglio Carlo Argan Maurizio Fagiolo
18/77
interior da
mesma
conscincia em crise, e a de Caravaggio notoriamente
uma conscincia em crise, em contnua e
dura
polmica, no s com o
ambiente artstico do seu tempo, mas tambm consigo mesma.
A atribuio no tem grande interesse quando se limita a baptizar uma
obra, a catalog-la; mas tem um carcter de juzo histrico autntico e
prprio
quando
corrige e precisa o quadro
de
uma determinada situao
cultural.
Toda
a gente reconheceu sempre
que
o retbulo
ucellai
uma
obra-chave para a histria de pintura toscana no fim do sculo XIII;
porm, tem-se discutido longamente se o retbulo, seguramente devido a
um mestre
de
primeira grandeza, se deve atribuir a Cimabue, florentino,
ou a Duccio di Boninsegna, de Siena. Se bem que no tenham aparecido
novos elementos documentais, hoje geralmente aceite a atribuio a
Duccio: atravs de
uma
anlise mais aprofundada de situao artstica do
tempo, e especialmente das relaes entre Florena e Siena, chegou-se
concluso de que a
obra
no podia incluir-se na coerncia da actividade
de Cimabue, e se inseria antes na actividade de Duccio, na
poca
da sua
estada em Florena.
Tambm a determinao da data implica a anlise histrica. Quando
a data no est escrita na obra ou no fornecida por documentos credveis,
pode ser estabelecida, pelo menos por aproximao, atravs do confronto
da
obra
com
o que
veio
antes e
com
o
que
veio depois, isto
,
situando
a obra
em causa
entre outras de
que
se conhece com segurana a data. Em
suma, trata-se de colocar um facto numa concatenao histrica de factos,
de compreender que experincias pressupe e que consequncias ter tido
no trabalho posterior do prprio artista ou no ambiente cultural da poca.
A atribuio e a datao no pressupem necessariamente o conheci
mento da personalidade histrica
do
artista a que se referem: muitas vezes
o historiador depara
com
obras
ou
grupos
de
obras
que
no
julga
poder
atribuir a um artista
j
famoso, e
que
atribui a personalidades hipotticas,
designando-as por
um
nome provisrio por exemplo, Mestre
de
Santa
Ceclia, Mestre de Madalena, Mestre do Bambino Vispo , Mestre da
Natividade de Citt di Castello, etc.). Por vezes, com o alargamento
da
investigao, chega-se a identificar o artista ou a reconhecer na obra
designada
por
um nome provisrio o produto de uma fase ainda no
estudada
de
um
mestre famoso
por
outros motivos.
Para o verdadeiro perito a atribuio e a datao so o ponto
de
chegada
da pesquisa: um dos maiores do nosso sculo, Bernard Berenson, compi
lou s resultados de muitos anos de assduo reconhecimento de igrejas
italianas e de museus
em
todo o mundo numa srie de simples listas para
cada artista, contendo as pinturas certas e aquelas por ele atribudas aos
8/9/2019 guia de histria da arte - Giuglio Carlo Argan Maurizio Fagiolo
19/77
mestres
do
Renascimento italiano. O mesmo Berenson publicou o orpu
dos desenhos florentinos. Outros investigadores e peritos reuniram em
repertrios quase completos as pinturas murais e sobre madeira dos
s c u l o ~
XIII e XIV os pequenos bronzes e as medalhas
do
Renascimento,
o ~
exemplares mais significativos da cermica, de tecidos, etc. So
r e c o l h ~
preciosas de materiais aturadamente estudados, e constituem teis traba
lhos preparatrios, mais do
que
tratados histricos. Profundidade
de :
investigao e densidade de pensamento bem diferentes assume a atribui
o,
no
trabalho de peritos-historiadores como Pietro Toesca e Robertc
Longhi: implicando uma leitura penetrante dos textos figurativos e
individualizao das complexas componentes culturais da obra, e tambrr
a recriao do delicado e tantas vezes imprevisvel processo pelo qual
artista as combinou, a atribuio assume carcter de juzo crtico t
histrico.
Visando a recriao do percurso estilstico dos artistas, a pesquis